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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DE SANTA CATARINA.

URGENTE

ASSOCIAÇÃO DE MANTENEDORAS PARTICULARES DE EDUCAÇÃO


SUPERIOR DE SANTA CATARINA (“AMPESC” ou “Autora”), pessoa jurídica de direito privado
sem fins lucrativos, com endereço a Avenida Prefeito Osmar Cunha, nº 183, Sala 908, Bloco A,
Ceisa Center Centro, na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, CEP 88015-100,
inscrita no CNPJ sob o nº 03.979.881/0001-22 (doc. 1), por seus procuradores signatários (doc.
2), impetra, com base no art. 125, § 2º, da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”), no art. 83,
XI, “f”, da Constituição do Estado de Santa Catarina (“CE/SC”), na Lei Estadual 12.069/2001 e
no art. 228 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

com pedido de concessão de medida cautelar

em face do Exmo. Sr. GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, representado


pela Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina, relativa aos arts. 1º, 2º e 27 da Lei
Complementar Estadual 831/2023 (“LC 831/23”) (doc. 3), que regulamenta a assistência
financeira de que trata o art. 170 da CE/SC, mediante a instituição do Programa Universidade
Gratuita (“Programa” ou “PUG”), e por arrastamento ao art. 1º da Lei Complementar Estadual
281/2005 (“LC 281/2005”), que criara o ora revogado Programa de Bolsas Universitárias
de Santa Catarina (“UniEdu" – doc. 4), pelas razões de fato e de direito que passa a expor.

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I. OBJETO DA AÇÃO E COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL

O art. 170 da CE/SC atribuiu ao Estado de Santa Catarina (“Estado”) a obrigação


de prestar “anualmente, na forma de lei complementar, assistência financeira aos alunos
matriculados nas instituições de educação legalmente habilitadas a funcionar no Estado
de Santa Catarina”. O dispositivo prevê, ainda, que o valor a ser aplicado deve corresponder
a, ao menos, 5% (cinco por cento) do mínimo constitucional que o Estado está obrigado a
aplicar na manutenção e no desenvolvimento do ensino.

Em 2005, o dispositivo foi regulamentado mediante a implementação do UniEdu,


instituído pela LC 281/2005. Por meio do UniEdu, eram disponibilizadas bolsas de estudo,
pesquisa e extensão, integrais e parciais, aos estudantes matriculados em cursos de gradução
e pós-graduação nas instituições de ensino superior (“IES”) de Santa Catarina.

2.1. O UniEdu, contudo, foi configurado de forma extremamente problemática, já que


previa a alocação dos recursos públicos previstos pelo art. 170 da CE/SC entre as IES atuantes
no Estado de modo incompatível com a realidade de distribuição do alunado.

2.2. De fato, no âmbito daquele programa, 90% (noventa por cento) dos recursos
financeiros previstos no art. 170 da CE/SC eram alocados às IES mantidas por fundações
estaduais ou municipais de direito privado (“IES da ACAFE” ou “Instituições Comunitárias”), as
quais reúnem apenas 17% do total do alunado catarinense. Enquanto isso, as IES mantidas
por pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos (“IES Privadas”), recebiam
apenas 10% dos recursos, apesar de reunirem 68% do alunado barriga-verde.

2.3. Ainda que de constitucionalidade duvidosa, tal estrutura do UniEdu foi mantida
ao longo desses anos em razão de previsão constante do art. 49 dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias (“ADCT”).1 Assim, mesmo diante dessa desproporcional e
absolutamente pessoal distribuição de recursos públicos, bem como dos diversos indícios de
irregularidades na sua execução do programa, sinalizados, inclusive, pelo Tribunal de Contas
do Estado de Santa Catarina (“TCE-SC”), ele se manteve vigente até agosto de 2023.

Desde 2022, contudo, o UniEdu passou a ser objeto de uma série de discussões,
sobretudo no contexto eleitoral. Prevaleceu a proposta política que pretendia transformar o

1 Art. 49 do ADCT: “A partir do exercício fiscal de 2002, do percentual de recursos de que trata o parágrafo único,
do art. 170 da Constituição do Estado de Santa Catarina, no mínimo noventa por cento serão destinados, na
forma da Lei, aos alunos matriculados nas Fundações Educacionais de Ensino Superior instituídas por lei
municipal, devendo, do montante de recursos acima estipulado, cinquenta por cento ser aplicado na concessão
de bolsas de estudo e dez por cento na concessão de bolsas de pesquisa para pagamento de mensalidades”.

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programa em algo muito mais amplo, que envolveria, basicamente, estatizar os custos das
IES da ACAFE. Antevendo os prejuízos ao erário catarinense que derivariam de tal movimento
e, também, os desafios de legalidade da proposta correspondente, a Associação Nacional das
Universidades Privadas (“ANUP”) provocou o TCE-SC a agir (doc. 5).

Em resposta à denúncia da ANUP, o TCE-SC adotou duas medidas até o momento.


Primeiro, no âmbito do PAP 23/80012614, o órgão determinou a instauração de processo de
controle externo, a fim de promover a “verificação do atendimento aos princípios
constitucionais e legais nos critérios de concepção definidos, assim como faça a avaliação da
economicidade e eficácia do programa assistencial em execução” (o UniEdu) (doc. 6).

Segundo, e ciente de que tramitava na Assembleia Legislativa do Estado (“ALESC”)


um projeto de lei para criar o PUG, o TCE-SC instaurou uma Proposta de Ação Fiscalizatória
do Programa (“PAF”), que tramita no âmbito do RLI 23/80041207. No âmbito desta Proposta,
a área técnica preparou o Relatório DGE nº 371/2023 (doc. 7), que apontou uma série de
irregularidades no PUG, em especial: (I) violações à Lei Complementar nº 101/2000 (“LRF”);
(II) prováveis prejuízos ao erário; (III) violações à isonomia, impessoalidade e outros princípios
que regem a atividade da Administração Pública; e (IV) ofensa aos arts. 56 e 170 da CE/SC.

A partir de tais considerações, o Plenário do TCE-SC (Acórdão COE/GSS -


615/2023 – doc. 8) determinou a notificação da ALESC “em razão das possíveis irregularidades
referentes a proposta do Programa Universidade Gratuita”, no intuito de contribuir com a
decisão dos Exmos. Deputados Estaduais sobre os projetos de lei em tramitação.

Da mesma forma, a ANUP ofereceu representação sobre os fatos perante o


Ministério Público de Santa Catarina (“MP/SC”)2 (doc. 9), que igualmente oficiou o Governador
do Estado e o Ilmo. Secretário de Educação para prestar esclarecimentos, os quais, contudo,
foram manifestamente evasivos (doc. 10).

Tudo isso ocorreu em vão. Em 1/8/2023, foi publicada no Diário Oficial do Estado
de Santa Catarina a LC 831/23, que revogou a LC 281/2005 e instituiu um novo arranjo para
regulamentar o art. 170 da CE/SC: o Programa Universidade Gratuita.

8.1. O art. 1º da LC 831/23, dispositivo ora combatido, prevê que, no âmbito do


Programa, 100% dos recursos públicos previstos no art. 170 da CE/SC serão alocados às
Instituições Comunitárias. Na sequência, o art. 2º esclarece que “os recursos distribuídos sob a
forma de assistência financeira às instituições universitárias“ serão por elas destinados

2 Autuada sob a Notícia de Fato nº 01.2023.00017679-6.

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aos estudantes já matriculados junto a si, que, então, estudarão de forma gratuita nos
cursos oferecidos nessas instituições – e não em todas aquelas habilitadas a atuar no Estado.

8.2. Como se percebe, os arts. 1º e 2º da LC 831/23 contrariam flagrantemente o


art. 170 da CE/SC, na medida em que preveem a alocação de recursos públicos não aos
alunos, mas sim a um determinado tipo de IES: as Instituições Comunitárias. E não é este o
comando Constitucional.

8.3. De acordo com a previsão do art. 170 da CE/SC, o Estado deveria estruturar uma
política pública para prestar assistência financeira a qualquer aluno matriculado em qualquer
IES atuando de forma regular em Santa Catarina, independentemente de ser uma IES da
ACAFE ou não. Contrariando tal previsão, a LC 831/23 determina que 5% de todos os recursos
que devem ser destinados à educação, pelo Estado, seja utilizado para subsidiar
exclusivamente os serviços prestados por um grupo específico de IES, escolhidas de maneira
deliberada e injustificada, e não os alunos.

8.4. Além de incompatível com o art. 170 da CE/SC, o Programa também viola
princípios constitucionais que regem a atuação da Administração Pública, especialmente os
princípios da isonomia e da impessoalidade, previstos no art. 16 da CE/SC.

8.5. Tais inconstitucionalidades, como se verá, já estavam presentes na LC 281/2005,


que regulamentava o UniEdu. Ou seja: ao invés de corrigir um problema que se arrastava
desde 2005, o Governo optou por agravá-lo de forma significativa.

Mas não é só. Esta ADI visa a corrigir também a flagrante inconstitucionalidade
do art. 27 da LC 831/23, que autoriza o Governador do Estado a promover as adequações
necessárias na Lei Orçamentária Anual (“LOA”) para o exercício de 2023 e no Plano Plurianual
(“PPA”) para o quadriênio 2020/2023, para acomodar eventuais desarranjos orçamentários
decorrentes do PUG. A questão, contudo, é que o Governador do Estado não dispõe de
competência constitucional para promover adequações à lei orçamentária aprovada pelo
Poder Legislativo. Ao contrário: o art. 56, § 1º, da CE/SC proíbe a delegação de competências
exclusivamente atribuídas nesta matéria.

Isso sem mencionar que o PUG representa um potencial destrutivo sem


precedentes às contas públicas do Estado, já que, além de não haver certeza de que o Estado
terá receitas para custear as despesas ao longo dos anos, o Programa não possui mecanismos
de governança ou mesmo de controle das constantes elevações das mensalidades das IES
ACAFE, que hão de ocorrer anualmente, na forma da Lei nº 9.870/1999 (“Lei de
Mensalidades").

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Tudo indica que, em termos de despesas públicas, o PUG tende a ser ainda pior
do que o Fundo de Financiamento Estudantil (“FIES”), que gerou um custo público de R$ 32,3
bilhões em 2016 – valor superior ao custo do Bolsa Família no período (doc. 11) – antes que
o Tribunal de Contas da União (“TCU”) recomendasse sua reforma, ocorrida em 2017 por meio
da Lei nº 13.530/2017. O rombo, contudo, permaneceu, e veio a ser anistiado em 2022 pela
Lei nº 14.375/2022 – que, basicamente, permitiu o perdão de cerca de 90% das dívidas de
todos os contratos celebrados até o segundo semestre de 2017.

Atenta a tais riscos, a área técnica do TCE-SC editou o Relatório DGE nº 494/2023,
por meio do qual apontou violações à LRF, ao art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (“ADCT”) e aos dispositivos ora invocados. Inclusive, o TCE-SC sinaliza que o
próprio Sr. Secretário da Educação do Estado pode ter praticado graves ilícitos, inclusive
penais, ao afirmar que haveria totais condições de arcar com os custos do Programa. E, ao
fim, recomendou ao órgão a adoção de medida cautelar para suspender a execução de
despesas com o PUG, excetuando-se aquelas destinadas a manter o UniEdu, para não
prejudicar os alunos.

Até o momento, o TCE-SC ainda não deliberou a respeito da recomendação da


área técnica. E, enquanto isso não ocorre, a Secretaria de Educação do Estado (“SED”) publicou
o Edital nº 2.206/2023, que dispõe sobre a inscrição das IES ACAFE para participação no PUG
(doc. 12), revelando que o período de inscrições se encerrará em 5/9/2023.

Em razão desses pontos, é fundamental que se conceda medida cautelar a fim de


suspender a eficácia dos arts. 1º, 2º e 27 da LC 831/23 e, por consequência lógica, da própria
LC 831/23, de modo a impedir o empenho de quaisquer recursos destinados a viabilizar a
execução do PUG, suspendendo-se, ainda, o Edital 2.206/2023.

No mérito, esta ADI deve ser julgada procedente, para que se declare a
inconstitucionalidade (I) dos arts. 1º, 2º e 27 da LC 831/23 e, por consequência lógica, do
PUG, na forma estruturada pela LC 831/23, e (II) do art. 1º da LC 281/2005 e, por consequência
lógica, do UniEdu.

II. LEGITIMIDADE ATIVA

Nos termos do art. 85, inc. VI, da CE/SC c/c o art. 2º, inc. VI, da Lei Estadual nº
12.069/2001, as entidades de classe de âmbito estadual são partes legítimas para propor a
ação direta de inconstitucionalidade de leis estaduais face à CE/SC.

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16.1. No caso, conforme demonstram os documentos anexos à presente (doc. 01), a
AMPESC é uma associação criada em 2000 e que representa todas as instituições do sistema
privado de ensino superior do Estado de Santa Catarina. Para tanto, cabe-lhe, dentre outras
atribuições, postular pelos direitos e interesses das referidas IES.

16.2. De acordo com o art. 2º do Estatuto da AMPESC, esta pode “postular pelos direitos
e interesses das instituições associadas ou filiadas” (inc. I), bem como “nomear procuradores
para a defesa dos direitos da associação e de seus representados” (inc. VIII). É exatamente o que
se faz por meio da presente, em que a AMPESC, por direito próprio, pleiteia a tutela dos
direitos de seus associados à declaração da inconstitucionalidade de leis que prejudicam o
setor como um todo, a partir do emprego inadequado de recursos públicos.

16.3. É importante destacar que, no setor de educação superior, há mantenedores de


IES caracterizadas como faculdades, centros universitários e universidades. A AMPESC
congrega todos indistintamente, de modo que também preenche o requisito de legitimação
integral do setor para a propositura desta ADI na medida em que representa toda a categoria
de mantenedores do ensino superior no Estado, e não apenas fração deles.3

16.4. Adicionalmente, considerando que a LC 831/23 e a LC 281/2005 regulam


programas de assistência financeira voltados a estudantes do ensino superior estadual, não
há dúvidas quanto à compatibilidade entre este tema e a vocação da AMPESC para defender
o interesse das instituições do sistema privado de ensino superior a ela associadas. Preenche-
se, portanto, o requisito da pertinência temática.4

16.5. Assim, considerando que o requisito da abrangência nacional em ao menos 9


estados não existe no contexto das ações de controle concentrado de constitucionalidade em
âmbito estadual, estão presentes todos os requisitos que conferem legitimidade ativa à
Autora.

III. AS RAZÕES DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LC 831/23

III.1. OS ARTS. 1º E 2º DA LC 831/23 VIOLAM O ART. 170 DA CE/SC

3 Nesse sentido: TJSC, Órgão Especial, Direta de Inconstitucionalidade nº 5008695-43.2022.8.24.0000, rel. Des.
Monteiro Rocha, j. 4/5/2022. No âmbito do STF: “(...) a jurisprudência desta Corte é consolidada no sentido de
que as associações de classe devem comprovar a representação da integralidade da categoria afetada pelo ato
normativo impugnado, sob pena de não ostentarem legitimidade ativa para provocar a jurisdição constitucional
abstrata. Precedentes. (...)” (ADPF nº 559, Rel.: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 23/6/2022).
4 A esse respeito, veja-se: TJSC, Órgão Especial, Direta de Inconstitucionalidade nº 4029586-78.2017.8.24.0000,
rel. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, j. 7/7/2021.

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Como exposto, o art. 170 da CE/SC é claro ao prever que o Estado deve prestar
assistência financeira aos alunos, e não a um ou outro tipo de mantenedor de IES. Veja-se a
integralidade do texto em questão:

“Art. 170. O Estado prestará anualmente, na forma da lei complementar,


assistência financeira aos alunos matriculados nas instituições de educação
superior legalmente habilitadas a funcionar no Estado de Santa Catarina.
Parágrafo único. Os recursos relativos à assistência financeira não serão
inferiores a cinco por cento do mínimo constitucional que o Estado tem o
dever de aplicar na manutenção e no desenvolvimento do ensino” (Grifou-
se).

O dispositivo é bastante claro e sua representação esquemática é esta:

É claro que a lei complementar a que se refere o art. 170 da CE/SC comporta
arranjos que não distorçam sua estrutura ou propósito, como, por exemplo, os destinados a
organizar estruturas por meio das quais o Estado possa pagar diretamente às IES em que o
aluno escolheu estudar o recurso da assistência financeira concedida, a fim de evitar que a
política pública possa sofrer alguma distorção.

O ponto, então, é que em virtude da supremacia da CE/SC em âmbito estadual,


qualquer tentativa de regulamentar tal dispositivo deve respeitar a estrutura de destinar o
recurso a qualquer estudante catarinense, e não apenas a um contingente específico definido
em função do fato de o mantenedor ser uma IES da ACAFE.

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20.1. Sobre o tema, Carlos Ari Sundfeld relembra que o fundamento de validade de
todas as leis deriva diretamente da Constituição. Nesse sentido, pontua que “uma lei vale,
deve ser obedecida – seja pelos Poderes Executivo e Judiciário, seja pelos indivíduos – porque foi
feita com base e na forma da Constituição”; e é justamente aí que reside a supremacia da
Constituição5.

20.2. Embora as considerações do autor se refiram à Constituição Federal de 1988, não


há dúvidas de que elas se aplicam, igualmente, às Constituições Estaduais, que configuram
o parâmetro de constitucionalidade dos atos jurídicos emanados em âmbito estadual.
Nesse sentido pontua a professora Anna Candida da Cunha Ferraz:6

“A Constituição Estadual é o parâmetro da constitucionalidade de todos


os atos jurídicos que retirem sua validade da Lei Maior do Estado; isto
significa dizer que é o parâmetro do controle difuso e do controle
concentrado e abstrato de leis e atos estaduais e leis e atos municipais
fundados na Constituição Estadual e questionados perante a Justiça Estadual
e particularmente ante o Tribunal de Justiça do Estado. O pressuposto para
a adoção deste parâmetro é a ofensa à Lei Maior do Estado”.

20.3. Assim, na medida em que cada Estado deve organizar-se e reger-se pela sua
própria Constituição (observados, evidentemente, os princípios da CF/88),7 não há dúvidas de
que será esse o parâmetro para apurar a legalidade das normas aprovadas em âmbito
estadual. Não fosse esse o caso, então a própria CF/88 não teria instituído o controle
concentrado de constitucionalidade à luz das Constituições Estaduais.8

No caso concreto, portanto, qualquer política pública que envolva uma assistência
financeira a uma pessoa jurídica, independentemente de sua qualificação, violará a legalidade
estrita, em função de contrariar diretamente a previsão do art. 170 da CE/SC. E é exatamente
o que ocorre com relação à LC 831/23.

5 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Editora Malheiros, 3ª edição, p. 40.
6 FERRAZ, Anna Candida da Cunha. “O sistema de defesa da Constituição Estadual: aspectos do controle de
constitucionalidade perante Constituição do Estado-Membro no Brasil”, in Revista De Direito Administrativo
246, 13-49.
7 Constituição Federal de 1988: “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
8 Constituição Federal de 1988: “Art. 125, § 2º. Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual,
vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão”.

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21.1. Como fica claro na redação do art. 1º desse diploma, o arranjo do PUG em
momento algum se destina aos alunos, como determina a CE/SC. Ao contrário: ele acomoda
um programa de transferência de recursos públicos a determinado grupo de IES. Veja-se:

CE/SC LC 831/23
Art. 1º. Fica instituído o Programa Universidade
Gratuita, na forma da assistência financeira de
que trata o art. 170 da Constituição do Estado,
destinado ao fomento da educação superior,
em nível de graduação, prestado pelas
Art. 170. O Estado prestará anualmente, na forma
fundações e autarquias municipais
da lei complementar, assistência financeira aos
universitárias e por entidades sem fins
alunos matriculados nas instituições de
lucrativos de assistência social que
educação superior legalmente habilitadas a
cumprirem os requisitos legais e
funcionar no Estado de Santa Catarina.
regulamentares, doravante denominadas,
para efeitos do disposto nesta Lei
Parágrafo único. Os recursos relativos à
Complementar, instituições universitárias.
assistência financeira não serão inferiores a cinco
por cento do mínimo constitucional que o
Art. 2º. Os recursos distribuídos sob a forma
Estado tem o dever de aplicar na manutenção e
de assistência financeira às instituições
no desenvolvimento do ensino.
universitárias deverão ser por elas destinados
ao pagamento das mensalidades dos cursos
de graduação, até a sua conclusão, dos
estudantes que cumprirem os requisitos legais e
regulamentares.

O comando da CE/SC é claro: o Estado deve estruturar uma política pública que
assegure assistência financeira a qualquer aluno matriculado em qualquer IES que atue de
forma regular em Santa Catarina. Naturalmente, dado que os recursos públicos são finitos, o
Governo, na posição de formulador da política pública, pode estipular critérios para selecionar
uns e outros alunos. O que ele não pode fazer é distorcer o comando da CE/SC, sob pena de
violar a legalidade que deve pautar a construção da política pública.

Nessa perspectiva, é possível visualizar que os arts. 1º e 2º da LC 831/2023


distorcem o art. 170 da CE/SC de duas formas distintas.

Em primeiro lugar, ao invés de organizar um arranjo que desloque os recursos a


todo e qualquer aluno matriculado em qualquer IES que atue regularmente no Estado, a LC
831/2023 acolhe na referida política pública apenas aqueles estudantes matriculados em IES
cujos mantenedores se caracterizem como “fundações e autarquias municipais universitárias
e por entidades sem fins lucrativos de assistência social que cumprirem os requisitos legais e

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regulamentares”. Logo, todos os demais alunos catarinenses foram sumariamente
excluídos do Programa.

24.1. Ocorre que o contingente privilegiado pela norma corresponde a apenas uma
parcela dos estudantes catarinenses que estão regularmente matriculados no ensino
superior. E pior: trata-se da menor e da menos carente parcela, se comparada aos
deixados de fora!

24.2. De acordo com os dados mais recentes do Censo da Educação Superior


(“CENSUP”), produzido anualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (“INEP”),9 apenas 17% dos alunos catarinenses estão matriculados em IES que
atendem aos critérios elegidos pelo art. 1º da LC 831/2023, conforme se verifica da
representação abaixo, preparada pela Autora a partir de tal fonte oficial:

24.3. Assim, o art. 1º da LC 831/23 reduz a abrangência do art. 170 da CF para 17% dos
estudantes catarinenses matriculados em IES regularmente habilitadas a atuar no Estado,
deixando de lado os 68% que decidiram estudar nas IES da rede privada e, claro, os demais

9 Disponível em: < https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-


indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados >. Acesso em: 24/8/2023.

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15% da rede pública – que também poderiam receber assistência, ainda que sob a forma de
bolsas de permanência, auxílio moradia, dentre outras modalidades.

24.4. Por mais que, em tese, seja legítimo que o Programa pretenda custear apenas as
mensalidades (o que afastaria aqueles da rede pública), é importante frisar que os alunos que
foram deliberadamente deixados de fora do PUG possuem um perfil socioeconômico que
ensejaria muito mais cuidados do que os matriculados nas IES da ACAFE, que foram os
escolhidos para receber a totalidade dos recursos previstos no art. 170 da CE/SC.

24.5. A comparação abaixo, também preparada a partir dos dados do INEP, confirma
esse diagnóstico em números:

24.6. Essas comparações evidenciam que a escolha do Estado por simplesmente


deixar de oferecer assistência a 68% dos estudantes que custeiam suas mensalidades
prejudica exatamente o contingente que deveria fazer jus a maior parcela da assistência
financeira a que alude o art. 170 da CE/SC – dada a condição socioeconômica.

24.7. Percebe-se, a partir dessa perspectiva, que o arranjo instituído pelo PUG não
oferece assistência financeira aos alunos catarinenses. Ele até privilegia alguns alunos
catarinenses, contudo, exclusivamente aqueles que estiverem matriculados em IES da

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ACAFE. Então, a conclusão a que se chega é que o real destinatário da assistência não é o
estudante catarinense, mas a própria IES da ACAFE.

24.8. É tão escancarada a violação ao art. 170 da CE/SC que o art. 2º da LC 831/2023
inclusive demonstra o desvio de finalidade de maneira textual, ao estabelecer que “os
recursos distribuídos sob a forma de assistência financeira às instituições universitárias
deverão ser por elas destinados ao pagamento das mensalidades dos cursos de
graduação”.

24.9. Assim, onde a CE/SC diz que a assistência deve se destinar aos alunos, os arts. 1º
e 2º da LC 831/2023 a transformam em uma assistência à IES da ACAFE, que apenas atenderão
seus estudantes (17% do total matriculado) com tais recursos públicos.

24.10. Tanto isso é verdade que o art. 6º, § 2º, da LC 831/2023 prevê o seguinte: “a
avaliação dos requisitos de que tratam os incisos do caput deste artigo, os critérios de
desempate, sua aplicação e a seleção dos beneficiários para admissão e permanência no
Programa Universidade Gratuita ficarão a cargo de comissão de seleção constituída no âmbito
de cada instituição universitária, na forma a ser definida em decreto do Governador do Estado”.

24.11. E o art. 5º do Decreto nº 219/2023 (doc. 13), que regulamenta o PUG, deixa isso
ainda mais evidente ao estabelecer que “a Comissão de Seleção, prevista no § 2º do art. 6º da
Lei Complementar nº 831, de 2023, será designada pelo responsável legal da mantenedora, no
âmbito de cada instituição universitária, com a participação de pelo menos 1 (um) assistente
social e outro profissional, docente ou não, da instituição universitária e de 1 (um) representante
discente”. Na prática, portanto, o arranjo funciona desta forma:

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24.12. Percebe-se, assim, que no arranjo da LC 831/2023, o recurso da assistência
financeira a que se refere o art. 170 da CF é entregue pelo Estado às IES da ACAFE para que
essas (e não o Estado) selecionem os estudantes que receberão o benefício exclusivamente
dentre aqueles que estão matriculados consigo. É evidente a violação à previsão da CE/SC!

A segunda distorção da LC 831/2023 ao que prevê o art. 170 da CE/SC se refere


ao conceito de “instituições de educação superior legalmente habilitadas a funcionar no
Estado de Santa Catarina”, que foi injustificadamente reduzido pelo art. 1º da norma
impugnada para contemplar apenas aquelas que sejam mantidas por “fundações e
autarquias municipais universitárias e por entidades sem fins lucrativos de assistência
social que cumprirem os requisitos legais e regulamentares”.

25.1. Para que se possa compreender, vale uma pequena digressão. O setor de ensino
envolve uma relação jurídica muito particular, que é aquela entre a mantenedora e a
instituição de ensino mantida (IES). A caracterização normativa consta do Parecer nº 282/2002
da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (“CNE/CES”),10 segundo
o qual há "duas órbitas de atuação nitidamente diversas e apartadas, embora
umbilicalmente conectadas – uma acadêmica e uma econômica". Daí “resultaram
estabelecidas duas estruturas organizacionais, cada uma com o viso e com a
composição formal que lhe assegurasse efetividade. Nascem daí as figuras da
mantenedora e da mantida".

25.2. Nesse contexto, a mantenedora é aquela que possui personalidade jurídica e


pode contrair obrigações, dado que é sua a responsabilidade de prover a mantida de todos
os meios e recursos necessários à execução de seus fins. À mantida "cabe cumprir o objetivo
central da mantenedora, que consiste na implantação e no funcionamento de um
estabelecimento de ensino superior", motivo pelo qual é ela quem possui cursos autorizados,
por exemplo.

25.3. Na forma do art. 7º-A da Lei nº 9.131/1995, o mantenedor de instituições de


ensino superior privadas “poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de
natureza civil ou comercial e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo
disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro”. Ocorre que, na forma do art. 10 do Decreto
nº 9.235/2017, “o funcionamento de IES e a oferta de curso superior dependem de ato
autorizativo do Ministério da Educação”, dentre os quais se destacam o credenciamento e
recredenciamentos de IES.

10 Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2002/pces282_02.pdf>. Acesso em: 15/8/2023.

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25.4. Esse mantenedor, portanto, passa a atuar no mercado de ensino mediante um ato
do MEC, que credencia uma IES. Já as IES, na forma do art. 19 da Lei nº 9.394/1996 (a “Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional” ou “LDB”), podem ser caracterizadas como públicas,
privadas ou comunitárias, conforme legislação específica.

25.5. Isso permite extrair duas conclusões importantes. A primeira, de que a referência
do art. 170 da CE/SC às instituições de ensino revela a intenção do Constituinte Estadual de
posicionar a assistência ao aluno vinculado (por meio do mantenedor) a qualquer IES dentre
as previstas no art. 19 da LDB que possa atuar no Estado, de modo que o importante não é
quem é seu mantenedor, mas, sim, a abrangência de seu ato autorizativo de credenciamento.

25.6. A segunda conclusão é a de que, como o referido dispositivo se referiu à IES


mantida, não poderia ser “regulamentado” por meio de norma que cria uma série de
qualificações a seu mantenedor, com o exclusivo propósito de excluir alguns deles do acesso
ao Programa.

25.7. Vale notar que essa exclusão não foi apenas dos mantenedores privados, como
os associados da AMPESC, mas, também, dos públicos. A rigor do art. 170 da CE/SC, mesmo
os estudantes da Universidade do Estado de Santa Catarina (“UDESC”) ou da Universidade
Federal de Santa Catarina (“UFSC”) poderiam ser candidatos a bolsas, ainda que de pesquisa
ou de permanência, em função da gratuidade do ensino de graduação.

Nesse contexto, vê-se que a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º


da LC 831/23 é medida que se impõe, dado que os dispositivos descumprem o comando
constitucional em, no mínimo, três pontos:

(I) ao instituir um programa que presta assistência financeira às mantenedoras das


IES Comunitárias, e não a todos os estudantes catarinenses;

(II) ao excluir, deliberadamente, estudantes que estão matriculados em outras IES


regularmente habilitadas a funcionar no Estado, mas cujos mantenedores não se
vinculam ao Sistema ACAFE; e

(III) ao transferir às IES Comunitárias a prerrogativa de executar um programa de


assistência financeira que deveria ser conduzido pelo próprio Estado.

III.2. OS ARTS. 1º E 2º DA LC 831/2023 VIOLAM OS PRINCÍPIOS DA


IMPESSOALIDADE E DA ISONOMIA

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Ainda que a estrutura proposta para o Programa fosse compatível com o art. 170
da CE/SC, o que não é o caso, a LC 831/23 seria inconstitucional face à CE/SC por excluir,
deliberada e injustificadamente, os alunos matriculados em IES mantidas por pessoas jurídicas
com finalidade lucrativa. Com efeito, essa estrutura não é admissível sob a égide do princípio
à impessoalidade, consagrado no art. 16 da CE/SC e cujo teor é este:

“Art. 16. Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do


Estado obedecerão aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade” (Grifou-se).

A elaboração de políticas públicas exige a observância de uma série de premissas,


que são essenciais para assegurar sua compatibilidade com o regime jurídico e permitir que,
ao fim, a sua implementação seja proporcional e revele uma eficiente alocação de recursos
públicos.

Não por outro motivo, a elaboração de políticas públicas é precedida de um


processo decisório extenso, em que o Estado deve avaliar as várias alternativas para
cumprimento das finalidades que lhe são postas, escolhendo a maneira pela qual se
desincumbirá do dever de agir, inclusive, comparando sua escolha com as demais opções
examinadas no percurso.

29.1. Esse julgamento, portanto, não é discricionário. O dever de motivar as decisões


públicas é o que permite examinar, justamente, se cada escolha atendeu à moldura
constitucional vigente. Afinal, “a motivação é o que nos permite distinguir entre o arbítrio e o
julgamento. A lei não concedeu arbítrio; deu competência para julgar”.11

Essa moldura é oferecida, sobretudo, pelos princípios que constam do art. 37,
caput, da CF/88 e que, em âmbito estadual, foram replicados no art. 16 da CE/SC. Dentre eles,
e considerando as particularidades do presente caso, destacam-se os princípios da
impessoalidade e da isonomia.

30.1. A impessoalidade impõe o dever de o administrador agir de maneira


fundada em critérios objetivos;12 sua atuação deve ser imparcial e voltada unicamente

11 STF, Pleno, RMS nº 11.792, rel. Min. Victor Nunes Leal, DJ 14/5/1964.
12 “Ao tratar da objetividade inerente à impessoalidade administrativa, Ana Paula Oliveira Ávila assevera que ela
implica imparcialidade administrativa, obrigando o Poder Público a seguir parâmetros racionais de
comportamento, “o que afasta apreciações subjetivas, as motivações pessoais, as decisões arbitrárias, os
interesses alheios ao procedimento administrativo concreto e os interesses estranhos ao interesse público”.
(ÁVILA, Ana Paula Oliveira. O princípio da impessoalidade da Administração Pública: para uma administração
imparcial. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 48).

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ao cumprimento de finalidades públicas, o que pressupõe que ele aja de modo isento - o
mais objetivo e neutro possível. Na lição da professora Odete Medauar, a impessoalidade
busca a predominância do sentido de função, “isto é, a ideia de que os poderes atribuídos se
finalizam ao interesse de toda a coletividade, portanto a resultados desconectados de razões
pessoais”.13

Outra face da impessoalidade é a isonomia. Como ensina Celso Antônio Bandeira


de Mello, sob a égide desse princípio, não é admissível que o gestor público confira aos
administrados, injustificadamente, privilégios ou prejuízos.14 Todos os administrados
devem receber igual tratamento perante a Administração Pública.

No âmbito deste Col. Tribunal, são inúmeros os casos de análise da


constitucionalidade de leis e políticas públicas à luz da impessoalidade e da isonomia.
Mencione-se, a título de exemplo, o que restou decidido recentemente com relação a lei
municipal que instituiu programa de fomento à atividade econômica sem estipular critérios
objetivos para seleção os beneficiários – mazela que também acomete a LC 831/23, como
será detalhado adiante:

“Como se vê, aludido artigo autoriza que o Conselho Municipal de


Desenvolvimento Econômico e Social - CMDES - analise e selecione as
empresas a serem beneficiadas pelo município, porém não estabelece
nenhum critério objetivo para que referida analise e seleção seja feita,
tampouco informa que tipo de requisitos as empresas e empreendimentos
devem preencher para serem agraciadas com incentivos econômicos e
estímulos fiscais, afrontado diretamente ao art. 16, caput, da Constituição
Estadual, o qual normatiza que ‘os atos da administração pública de qualquer
dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade’.
In casu, o dispositivo legal impugnado mostra-se genérico, pois deixou
de elencar os critérios objetivos a serem observados pelo Conselho
Municipal e pelo Prefeito do município de Monte Castelo para que tal
benefício seja concedido, bem como deixou de especificar quais
requisitos precisam ser preenchidos e de que forma os possíveis
beneficiários podem pleitear a concessão do benefício, o que demonstra
que a análise do CMDES e do Chefe do Poder Executivo se dá de forma
subjetiva, ofendendo aos postulados da isonomia, da legalidade, da
impessoalidade e da moralidade, bem como pode dar margem ao

13 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 21ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 119.
14 “O princípio da isonomia ou igualdade dos administrados em face da Administração firma a tese de que esta
não pode desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia em proveito ou detrimento de alguém. Há
de agir com obediência ao princípio da impessoalidade”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito
Administrativo. 32ª ed., rev. e atualiz. São Paulo: Editora Malheiros, 2015, p. 86.

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favorecimento de empresas e resultar em atuações administrativas não
respaldadas pela Lei” 15 (Grifou-se).

No caso concreto, o PUG agride a impessoalidade e a isonomia em duas


perspectivas distintas.

33.1. Primeiro, em função do tratamento diferenciado que o Programa


injustificadamente conferiu aos alunos das IES da ACAFE em detrimento dos alunos das
IES Privadas (e mesmo das públicas), o que, por si só, evidencia a violação aos princípios
da impessoalidade e da isonomia. A questão ainda se agrava pelo fato de a maior parcela
dos estudantes catarinenses frequentar IES Privadas (68%).

33.2. Os dados elencados no tópico antecedente e que constam do anexo evidenciam


o caráter não-isonômico do Programa veiculado pela LC 831/23. O comando constitucional
que ela regulamenta demanda a utilização dos recursos públicos em benefício dos alunos –
e, no contexto de escassez de recursos, é certo que aqueles com um determinado perfil
socioeconômico de vulnerabilidade deveriam ser privilegiados. Na prática, porém, a LC
831/23 exclui estes estudantes de maneira injustificada, em benefício das Instituições
Comunitárias e do percentual reduzido de alunos que elas abrigam.

33.3. Veja-se que o Plenário do TCE/SC também já pontuou a inconstitucionalidade da


estrutura de distinção entre os alunos a serem beneficiados pelo Programa, conforme se
verifica do voto prolatado pelo Conselheiro Gerson Sicca e acolhido pelo Plenário do Tribunal
nos autos do Processo RLI 23/80041207 - que, como apontado, foi autuado justamente para
verificar a regularidade do PUG (doc. 8):

“Em sétimo lugar, as reservas da área técnica apresentadas na parte final do


seu relatório são de extrema valia. A exclusão de instituições universitárias
instituídas após a Constituição de 1988, e distinção entre brasileiros,
para efeito de definição de beneficiários do Programa, afrontam a
Constituição” (Grifou-se).

Mas não é só. O PUG também agride a isonomia ao privilegiar os estudantes de


determinados municípios catarinenses em detrimento de outros, como ficará claro adiante.

Isso ocorre porque apenas 64 dos 295 Municípios catarinenses são atendidos
pelas IES da ACAFE. Logo, trata-se de programa que, deliberadamente e sem critério objetivo

15 TJ-SC, Órgão Especial, ADI nº 5053423-09.2021.8.24.0000/SC, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko. DJ 7/6/2023.

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algum, simplesmente obriga os estudantes de todos os demais 231 Municípios a terem que
deixar suas casas para buscar acesso ao ensino superior por meio de uma bolsa do PUG.

Vale observar, a esse respeito, que a capilaridade das IES privadas é bem superior,
atingindo 133 Municípios catarinenses: mais do que o dobro. Ora, se o critério fosse ampliar
o acesso de forma impessoal, os dois grupos deveriam ter sido contemplados no PUG.

36.1. No cenário idealizado pelo art. 170 da Constituição Estadual, deveria haver iguais
oportunidades, do ponto de vista formal e substantivo, para que os cidadãos conseguissem
preencher em uma vaga em uma escola ou IES e, também, continuar a estudar na referida
instituição ao longo de seu percurso acadêmico. Mas enquanto 133 dos 295 Municípios
catarinenses contam com IES Privadas, as IES da ACAFE atendem apenas a 64 Municípios.

A questão é grave porque há um total de 77 Municípios que são atendidos por


IES Privadas, mas não por IES da ACAFE, e, anualmente, mais de 36.000 alunos concluem
o 3º ano do ensino básico em seu território. Todo esse contingente de pessoas
necessariamente deverá se deslocar para outra cidade para conseguir usufruir de uma bolsa
no âmbito do PUG, de modo que são irresponsavelmente indiscriminados!

Também por essa perspectiva, portanto, a violação à isonomia e impessoalidade


se manifesta, de modo a evidenciar a agressão ao art. 16 da CE/SC.

III.3. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES DE ACESSO


À ESCOLA – ART. 162, I, DA CE/SC

Conforme exposto, o PUG também agride a isonomia ao privilegiar os estudantes


de determinados municípios catarinenses, tendo em vista que apenas 64 dos 295 Municípios
catarinenses são atendidos pelas IES da ACAFE. Nesse ponto, porém, o Programa também
viola a igualdade de condições de acesso e permanência na escola, preceito expresso no
art. 162, I, da CE/SC, nos seguintes termos:

Art. 162. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

No cenário idealizado pela Constituição, deveria haver iguais oportunidades, do


ponto de vista formal e substantivo, para que os cidadãos conseguissem preencher em uma
vaga em uma escola ou IES e, também, continuar a estudar na referida instituição ao longo
de seu percurso acadêmico. Mas enquanto 133 dos 295 Municípios catarinenses contam com
IES Privadas, as IES da ACAFE atendem apenas a 64 Municípios. Em termos práticos, isso
significa que as IES Privadas oferecem mais do que o dobro da cobertura das IES/ACAFE.

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40.1. Isso significa dizer que um estudante residente, por exemplo, em Pomerode, teria
muito menos chances de estudar e permanecer em sua cidade com a modelagem do PUG.
Isso porque não há Instituições Comunitárias na localidade, de modo que esse aluno
possivelmente teria que se deslocar a Blumenau ou a outra cidade do Vale do Itajaí para que
pudesse ter acesso ao Programa.

40.2. E não se trata de uma questão de comodidade, mas, sim, da própria


possibilidade de estudar. Utilizando o exemplo lúdico acima, nota-se que o estudante de
Pomerode necessariamente precisaria empenhar recursos próprios para garantir sua
permanência em outra cidade que não aquela em que atualmente reside. Considerando a
premissa de que tal aluno deva atender a determinado perfil socioeconômico, a probabilidade
de ele conseguir usufruir dos benefícios do Programa é extremamente remota.

40.3. Como efeito prático do Programa, portanto, esse aluno de Pomerode utilizado
como exemplo possivelmente tenderia a desistir da bolsa oferecida no Programa, dado que
essa oferece muito mais oportunidades para alunos que estão concentrados nos municípios
onde há IES da ACAFE, os quais não precisam arcar, sozinhos, com os custos de permanência
que o deslocamento de uma cidade a outra implica.

A questão é grave porque não são “somente” os alunos de Pomerode que se


encontram nessa situação: conforme exposto acima, há um total de 77 Municípios que são
atendidos por IES Privadas, mas não por IES da ACAFE, e, anualmente, mais de 36.000 alunos
concluem o 3º ano do ensino básico em seu território. Todo esse contingente de pessoas
necessariamente deveria se deslocar para outra cidade para conseguir usufruir de uma bolsa
no âmbito do PUG!

41.1. É o que demonstram os dados abaixo, extraídos do estudo anexo:

Municípios que possuem IES Número de alunos no 3º ano do Ensino Médio


# Privadas e não possuem
Escolas Privadas Escolas Públicas Totais
IES/ACAFE
1 Tubarão 917 2168 3085
2 Navegantes 191 1920 2111
3 Camboriú 158 1556 1714
4 Imbituba 135 1039 1174
5 Herval d'Oeste 0 527 527
6 Capivari de Baixo 0 492 492
7 Gaspar 134 1389 1523
8 Itapiranga 51 432 483
9 Sombrio 56 726 782

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10 São João Batista 0 739 739
11 Içara 0 1345 1345
12 Pomerode 74 820 894
13 Santo Amaro da Imperatriz 74 635 709
14 Penha 0 1098 1098
15 São Joaquim 85 523 608
16 Ponte Alta 0 128 128
17 Lauro Müller 0 378 378
18 Papanduva 0 641 641
19 São Carlos 0 212 212
20 Campo Erê 0 457 457
21 Iporã do Oeste 0 242 242
22 Otacílio Costa 0 506 506
23 Abelardo Luz 0 515 515
24 São Domingos 0 248 248
25 Seara 0 387 387
26 Faxinal dos Guedes 0 392 392
27 Anita Garibaldi 0 272 272
28 Garuva 0 473 473
29 Agrolândia 0 269 269
30 Palma Sola 0 227 227
31 Alfredo Wagner 0 258 258
32 Itaiópolis 28 649 677
33 Saudades 0 283 283
34 Urussanga 27 404 431
35 Ipumirim 0 156 156
36 Irani 0 304 304
37 Garopaba 0 698 698
38 Lebon Régis 0 326 326
39 Dionísio Cerqueira 0 286 286
40 Correia Pinto 21 405 426
41 Imaruí 0 280 280
42 Catanduvas 19 173 192
43 Ouro 19 185 204
44 Nova Trento 0 329 329
45 Porto Belo 64 421 485
46 Treze Tílias 0 92 92
47 Turvo 0 303 303
48 Forquilhinha 36 547 583
49 Armazém 0 229 229
50 Monte Castelo 0 323 323
51 Três Barras 0 534 534

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52 Caibi 0 166 166
53 Anchieta 0 184 184
54 Passo de Torres 0 192 192
55 Rio do Campo 0 213 213
56 Água Doce 0 258 258
57 Luiz Alves 0 401 401
58 Itá 0 147 147
59 Balneário Arroio do Silva 0 231 231
60 Lontras 0 278 278
61 Ipira 0 176 176
62 Major Vieira 0 232 232
63 Guabiruba 0 560 560
64 Bom Jardim da Serra 0 119 119
65 Frei Rogério 0 105 105
66 Irineópolis 0 332 332
67 Jaguaruna 0 492 492
68 Coronel Martins 0 81 81
69 Modelo 0 90 90
70 Rodeio 0 233 233
71 Ilhota 0 385 385
72 Bela Vista do Toldo 0 247 247
73 Bombinhas 0 404 404
74 Morro da Fumaça 0 567 567
75 São Ludgero 75 326 401
76 Serra Alta 0 89 89
77 Cunha Porã 0 292 292
## TOTAL 2.164 34.741 36.905

41.2. Isso significa, portanto, que todo esse contingente de pessoas necessariamente
deve se deslocar para outra cidade caso queira usufruir de uma bolsa do PUG – que, como se
sabe, é paga com recursos do erário e deveriam beneficiar todos os estudantes, e não apenas
aqueles que nasceram em uma ou outra localidade atendida por uma IES da ACAFE.

41.3. Assim, das duas, uma: (i) ou a família tem condições de arcar com as despesas
para se manter em outra localidade (ii) ou, se os custos dessa mudança e da permanência
forem proibitivos, esses jovens serão impedidos de usufruir das bolsas pagas com recursos
públicos, o que muitas vezes pode ser decisivo para poderem ingressar em uma IES.

O fato, portanto, é que a LC 831/23 praticamente condena esses mais de 36.000


alunos que se formam anualmente a renunciar às chances de gozar do benefício do Programa

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e, assim, buscar emprego para dar continuidade aos seus estudos. E isso é o que basta para
concluir que o Programa, tal qual estruturado, viola o princípio da isonomia e o princípio de
iguais condições de acesso e permanência às IES, uma vez que não oferece as mesmas
oportunidades de acesso e permanência aos estudantes residentes em cidades com IES
habilitadas a funcionar no Estado, privilegiando aqueles que residem em locais
atendidos por IES da ACAFE – o que não faz o menor sentido, pois todos são
catarinenses.

As bolsas de estudo oferecidas no Programa se restringem àqueles poucos com


sorte de viver em um Município atendido pela IES da ACAFE ou, então, que têm condições
mínimas para se mudar para essas localidades. Nesse cenário, na prática, o Programa não
foi desenhado para atender o dever constitucional de maximização do acesso ao ensino,
mas sim para financiar as Instituições Comunitárias, à custa do erário catarinense (e sem
qualquer razão aparente).

III.4. A AGRESSÃO À PROPORCIONALIDADE PELOS ARTS. 1º E 2º DA LC 831/2023

A estrutura dessa política pública, representada pelos arts. 1º e 2º da LC 831/2023,


também é inadequada à luz da proporcionalidade, regra basilar de interpretação e aplicação
das normas jurídicas. Seguindo a já clássica lição de Virgílio Afonso da Silva,16 a
proporcionalidade visa a evitar que restrições a direito fundamentais ou interesses coletivos
ganhem dimensões desproporcionais:

“A regra da proporcionalidade [...] é empregada especialmente nos casos em


que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito
fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou
outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da
proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que
nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões
desproporcionais” (Grifos nossos).

Como já pontuado pelo Ministro Luiz Fux quando do julgamento da ADI 5.657/DF,
o princípio da proporcionalidade “acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar abusos do
poder público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição
da própria constitucionalidade material dos atos estatais”.17

16 SILVA, Virgílio Afonso da. “O proporcional e o razoável”, in Revista dos Tribunais 798, p. 23-50, 2003.
17 STF, Plenário, ADI 5657/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 17/11/2022, DJ 28/4/2023.

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Este Col. Tribunal também reconhece a necessidade de aplicação da
proporcionalidade no exame de constitucionalidade de normas que afetam os direitos
fundamentais dos cidadãos:

“Assim, o que se observa no presente caderno processual, é que a lei


impugnada cria um conflito entre dois direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados, ou seja, de um lado busca garantir a
segurança dos munícipes, enquanto que do outro, limita o direito de
liberdade, tanto daqueles que almejam o consumo de bebida alcoólica,
quanto daqueles que efetuam sua respectiva venda.
Portanto, para se concluir se a lei é, ou não, inconstitucional, deve-se
ponderar acerca da sua proporcionalidade, vale dizer, se a norma
impugnada, na forma com a qual foi editada, é adequada e necessária
para o fim que se destina. A respeito: "A atividade legislativa sujeita-se à
estrita observância de diretriz fundamental pela qual, havendo suporte
teórico no princípio da proporcionalidade, vedam-se os excessos normativos
e as prescrições irrazoáveis do Poder Público" (STF, Pleno, ADI 6031, rel. Min.
Cármen Lúcia, j. 27/3/2020, DJe 16/4/2020)”18 (Grifou-se).

A proporcionalidade de uma norma ou política pública deve ser confirmada


mediante avaliação da observância aos três requisitos sequenciais que compõem a regra de
aplicação: a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Estes
requisitos devem ser analisados exatamente nessa ordem, de modo que, se a norma sob
avaliação já é reprovada sob a perspectiva da adequação, sequer é preciso seguir com a
avaliação das demais sub-regras.19

47.1. No caso concreto, é exatamente essa a situação enfrentada: ao destinar os


recursos exclusivamente aos alunos das IES da ACAFE e, portanto, de maneira
incompatível com a distribuição dos estudantes do ensino superior no Estado, o
Programa regulado pela LC 831/23 sequer sobrevive ao primeiro requisito.

Para atender ao requisito da adequação, é necessário que a medida estatal


adotada se qualifique como meio mais apto a atingir ou fomentar o fim almejado. O exame
da adequação pressupõe a comparação dentre várias alternativas existentes para atingir o
mesmo objetivo. Este aspecto fica claro na leitura do parágrafo único ao art. 20 da LINDB:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá


com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão.

18 TJ/SC, Órgão Especial, ADI 5058791-96.2021.8.24.0000/SC. rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira. DJ 1/6/2022.
19 SILVA, Virgílio Afonso da. “O proporcional e o razoável”, in Revista dos Tribunais 798, p. 34.

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mattosfilho.com.br 23
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da
medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou
norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas” (grifos
nossos).

No caso, o art. 170 da CE/SC prescreve que o Estado deve prestar assistência
financeira “aos alunos matriculados nas IES”. A medida adequada, nesse caso, é oferecer
assistência a todos os alunos que frequentam IES no Estado, indistintamente.

49.1. Ocorre que os recursos públicos a serem alocados para esse fim são escassos, de
modo que o cenário de atendimento integral dos mais de 400 mil alunos matriculados em
IES é economicamente inviável. Assim, deve-se partir para a segunda alternativa mais
adequada, que, logicamente, consiste em assegurar a assistência financeira ao maior
número possível de estudantes.

49.2. A questão, contudo, é que o Programa não cumpre esse comando, tendo em vista
que não foi pautado em critérios objetivos, como a distribuição do alunado catarinense entre
as IES, presença em municípios ou qualquer outra justificativa que não fosse puramente
subjetiva. A decisão de alocar 100% dos recursos às Instituições Comunitárias, em suma,
não considera critérios objetivos e, com isso, não privilegia o maior número possível de
alunos.

49.3. Isso porque, conforme exposto, o alunado, especialmente de baixa renda, se


concentra nas IES Privadas. Além disso, os dados do setor indicam que as mensalidades das
Instituições Comunitárias são mais elevadas do que as das IES Privadas, de modo que um
número ainda menor de estudantes será beneficiado pelo Programa, com o mesmo número
de recursos.

49.4. Esse aspecto, aparentemente, foi ignorado pela Secretaria de Estado de Educação,
já que, como pontuado pela área técnica do TCE/SC no Relatório DGE nº 494/2023, a
estimativa de recursos a serem alocados no PUG é incompatível com o valor das mensalidades
cobradas pelas Instituições Comunitárias:

“O segundo ponto, menos óbvio, é o valor da mensalidade em si. De acordo


com informações sobre o programa Uniedu, encaminhadas pela SED ao
TCE/SC em 25/10/2022 (anexo), a mensalidade média dos alunos da Acafe
foi de R$ 1.599,73. Atualizando-se esse valor pela inflação entre outubro
de 2022 e junho de 2023 (4,54%), chega-se a um valor médio atual de
R$ 1.672,29, em contraste com a mensalidade média de R$ 1.268,94
estimada pela SED, perfazendo uma diferença de 32,91%. Ao ampliar o

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estudo para todo o período, até 2026, observa-se que a estimativa da SED
está subavaliada em aproximadamente R$ 1,09 bilhão”.

A área técnica pontua, ainda, que a situação pode ser agravada em função dos
aumentos das mensalidades cobradas pelas IES da ACAFE. Afinal, a estrutura do Programa
cria um risco de aumentos desproporcionais, que não se sujeitarão a qualquer controle por
parte do Estado:

“Por fim, também é digno de nota o risco de integridade na


implementação do programa Universidade Gratuita, especialmente em
razão de a instituição universitária ser a responsável pela definição do
valor da mensalidade (art. 10), pela seleção dos estudantes e pela
fiscalização da sua execução (arts. 6º, § 2º; 8º; e 14, V), o que pode fragilizar
os controles necessários a toda política pública, nos termos definidos pelo
art. 3º da Lei nº 17.715/2019 (estadual). Exemplo disso são os diversos
indícios de irregularidades constatados por esta Corte de Contas no
programa Uniedu.

Nesse contexto, vale destacar que as leis aprovadas não trazem qualquer
mecanismo de controle de custos por parte das universidades, de modo a
mitigar o risco de futuros aumentos desproporcionais nos preços das
mensalidades. A forma como proposta a implementação do
“Universidade Gratuita” permite que eventual aumento de custos, a
exemplo do que preveem os incisos IV e VIII, do art. 14, seja repassado
para a mensalidade. E, como o estado será o responsável por arcar com
o valor integral dos estudantes contemplados, não haverá incentivos
para que as faculdades controlem seus gastos, tampouco razões para que
os alunos questionem o valor pago mensalmente. Assim, o Estado passará
a arcar com despesas sobre as quais não tem qualquer controle.”

50.1. A área técnica do Tribunal chama a atenção para o risco que essa verdadeira
estatização às avessas traz para o Erário Catarinense. Afinal, com a gratuidade das
mensalidades de todos os seus cursos, as IES da ACAFE, que são instituições submetidas ao
regime de direito privado, se aproximarão do regime das instituições públicas de ensino –
mas essa transformação ocorrerá mediante a instituição de uma política pública e, portanto,
sem devido respeito aos requisitos e critérios básicos de um processo de estatização.

50.2. Os impactos de um tal processo para o erário catarinense podem ser


extremamente relevantes, ainda mais se considerarmos que, com o PUG, as IES da ACAFE
terão a oportunidade de atuar em um regime cujos efeitos econômicos tendem a ser
semelhantes aos de monopólio. Isso porque, na medida em que o Governo passa a custear a
integralidade de suas mensalidades, as IES Comunitárias deixam de ser sensíveis a preços,
uma vez que não incorrerão no risco de os estudantes inadimplirem com o pagamento das

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mensalidades. Com isso, conforme pontua a área técnica do TCE/SC, cria-se uma tendência
natural de as IES da ACAFE elevarem os (já altos) valores cobrados.

Veja-se, portanto, que além de não beneficiar o maior número de alunos


catarinenses, o Programa cria um risco gravíssimo ao Erário Catarinense e à própria
estrutura de livre concorrência entre as IES, na medida em que gera uma vantagem
competitiva indevida às IES Comunitárias, que terão um conforto típico dos monopolistas:
operaram sem risco de demanda e praticarão os valores que entenderem pertinentes.

Isso viola, também, a previsão do art. 135, § 4º, da CE/SC, que estabelece o papel
subsidiário do Estado na intervenção econômica em setores de mercado, bem como expressa
que “a lei estimulará a livre iniciativa e a livre concorrência” – exatamente o oposto do
que ocorre com o caso do PUG. Não há, portanto, qualquer adequação na medida.

Apenas para fins argumentativos, é importante considerar que o Programa


tampouco atende aos demais requisitos que compõem a regra da proporcionalidade.

53.1. Sob a perspectiva da necessidade, o Programa apenas se justificaria se o objetivo


perseguido – assistência financeira aos estudantes – não pudesse ser promovido, com a
mesma intensidade, por meio de outro ato que importasse impacto menor aos diversos
ditames constitucionais já discutidos. Essa premissa, evidentemente, não se verifica no caso
concreto; afinal, os recursos (I) estão sendo alocados às IES Comunitárias, e não aos alunos
em si, que, por sua vez, (II) atendem um número restrito de estudantes catarinenses. É
evidente que tais recursos poderiam ser alocados aos alunos de outras formas, seguindo
critérios mais claros e objetivos que efetivamente privilegiassem o maior número possível de
estudantes catarinenses.

Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito exige “o sopesamento entre a


intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do
direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva”.20
Ora, por tudo quanto já exposto, não há dúvidas de que há outras formas para alocação dos
recursos públicos e que permitiriam, simultaneamente, o cumprimento do comando do
art. 170 da CE/SC e o respeito aos princípios que pautam a conduta da Administração Pública.

Como bem apontou o TCE/SC, o desafio do PUG é envolver um volume


monumental de recursos públicos para, praticamente, adquirir todas as vagas das IES do

20 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, ed. 798, p. 40.

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sistema ACAFE, o que coloca em xeque a capacidade do Estado em investir em ensino básico
e até mesmo em promover outros tipos de investimentos públicos relevantes.

Sobre o primeiro aspecto, vale lembrar que o art. 10, VI, da LDB estabelece que
cabe aos Estados “assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio
a todos que o demandarem”. Logo, apenas parece fazer sentido estruturar uma política pública
que amplia sobremaneira os gastos com ensino superior se tal obrigação tiver sido cumprida,
o que não é o caso.

No voto COE/GSS - 615/2023 (doc. 8), aprovado à unanimidade pelo TCE/SC ao


julgar o encaminhamento do processo RLI 23/80041207, ficou claro que, no Estado, o ensino
básico ainda não é uma realidade para diversos alunos. E, mesmo quando é ofertado, há
muitas escolas em situação precária: (I) 1000 não possuem laboratório de ciências; (II) 392
não têm laboratório de informática; (III) 159 não têm projeto multimídia; (IV) 27 não possuem
acesso à internet; (V) 244 não possuem biblioteca; e (VI) 409 não têm salas climatizadas.

O TCE/SC demonstrou, também, que o Estado está atrasado no cumprimento de


praticamente todas as metas do Plano Estadual de Educação (“PEE”) relacionado à educação
básica21. E, em vez de priorizar o direito à educação das crianças e jovens, o Estado se
preocupa em financiar as IES da ACAFE.

De acordo com os dados públicos sobre o PEE, atualmente há mais de 45.186


pessoas entre 6 e 14 anos fora da escola. A evasão ultrapassa todas as metas previstas pelo
PEE e tampouco se percebe uma melhoria nas avaliações de qualidade medidas pelo Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (“IDEB”), conforme almejado pelo PEE.

Um exemplo bastante sintomático desse movimento é a redução, em 2022 e 2023,


do volume de beneficiários do programa “bolsa estudante”22, para alunos do ensino médio.
Em o Governo reduziu de forma drástica o número de vagas no programa, das 60.000
(sessenta mil) bolsas no ano de 2022 para apenas 10.000 (dez mil). Ou seja, houve um
corte de mais de 80% no número de bolsas ofertadas para todos os estudantes do Ensino
Médio da rede estadual!

21 7º Relatório de Monitoramento e Avaliação do Plano Estadual de Educação de Santa Catarina – 2022. Secretaria
de Estado da Educação de Santa Catarina (SED/SC), Florianópolis, fevereiro de 2023 (doc. 21). Disponível em:
<https://www.sed.sc.gov.br/documentos/plano-estadual-de-educacao-sc-452/16890-7-relatorio-anual-
monitoramento-e-avaliacao-pee-sc-exercicio-2022-assinado>. Acesso em: 28.08.2023.
22 Este programa, criado pela Lei Estadual 18.338/2022 (“Lei 18.338/22”), oferece auxílio financeiro a estudantes
em situação de vulnerabilidade social que cursam o ensino médio regular e o ensino médio da Educação de
Jovens e Adultos (“EJA”) em escolas da rede estadual de ensino, com o intuito de combater a evasão escolar.

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mattosfilho.com.br 27
Embora a Lei Orçamentária Anual de 2023 (“LOA 2023”) tenha previsto aumento
de recursos para o programa, a Secretaria de Estado da Fazenda (“SEF”) publicou a Portaria
nº 24, de 08 de fevereiro de 2023, (“Portaria SEF 24/23”) (doc. 14), alterando a LOA 2023
para diminuir em R$ 147 milhões o orçamento vinculado ao Programa Bolsa Estudante!

61.1. A mesma portaria especifica que tais recursos deveriam continuar vinculados a
rubricas da SED. Mas eles não foram integralmente mantidos no custeio da rede básica de
ensino estadual, uma vez que R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) foram destinados
ao UniEdu (e seriam, agora, destinados ao PUG)!

Isso revela, portanto, que o Estado tem retirado recursos da rede básica para
investir na oferta de ensino superior. O sacrifício do direito à educação de crianças e jovens,
que haveria de ser a prioridade do Estado, se dá em benefício das IES da ACAFE, que
receberão os recursos que deveriam ser destinados à rede pública de ensino básico.

Essa foi exatamente a conclusão a que chegou a área técnica do TCE/SC no


relatório DGE nº 494/2023 (doc. 15): “evidente que o Estado de Santa Catarina está a criar um
programa destinado ao ensino superior, ampliando em larga escala o investimento nessa etapa
educacional, sem antes garantir o cumprimento das obrigações atinentes aos ensinos
fundamental e médio, o que ocasionará distorção e incongruência ainda maiores com a atuação
prioritária que lhe é atribuída pela Constituição Federal”.

Com relação ao segundo aspecto indicado acima, é fácil visualizar que, em termos
orçamentários, o PUG tende realmente a comprometer a capacidade do Estado ofertar ensino
básico de qualidade ou cumprir com as metas do PEE. E isso em função de o PUG não prever
quaisquer controles sobre o valor das mensalidades das IES da ACAFE ou mesmo voltados a
garantir que os estudantes que deixarem de executar sua contrapartida em serviços à
comunidade efetivamente devolvam os valores ao erário catarinense.

Na prática, portanto, o Estado passará a arcar com todos os custos das IES da
ACAFE, mas as instituições permanecerão operando como privadas, elevando suas
mensalidades em bases de mercado e sem qualquer incentivo para as reduzir.

Assim, na forma como editado a partir da LC 831/2023, o PUG tende a ser um


candidato a superar a tragédia ocorrida com o Fundo de Financiamento Estudantil (“FIES”)
em termos de descontrole das despesas públicas e prejuízos ao erário. O famoso programa
de ampliação do acesso ao ensino superior do governo federal cresceu espantosamente entre
2010 e 2015, tornando-se a maior política pública do Brasil em termos de aporte de recursos
– exatamente o que ocorrerá com o PUG no Estado.

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mattosfilho.com.br 28
Ocorre que o custo público do programa nesse ínterim foi de R$ 32,3 bilhões em
2016 – valor superior ao custo do Bolsa Família no período, conforme destaca a auditoria
preparada pela Secretaria do Tesouro Nacional (“STN”) em 2017 (doc. 11).

Esse descontrole na elevação dos gastos públicos, de acordo com a análise


conduzida pelo Tribunal de Contas da União (“TCU”) na auditoria operacional realizada por
meio do acórdão nº 3001/2016 – Plenário (doc. 16), ocorreu exatamente em função das falhas
na governança e falta de controles ao FIES, que representaram incentivos a elevações de
mensalidades e tornaram a política pública “insustentável”, segundo o TCU.

Em função desses achados, o TCU recomendou a reforma do programa, que


ocorreu em 2017, por meio da Lei nº 13.530/2017, que criou uma estrutura de controles sobre
a elevação das mensalidades e, também, sobre o total do financiamento que poderia ser
oferecido ano a ano, conforme as disponibilidades do orçamento. O rombo do passado,
contudo, permaneceu, e veio a ser anistiado em 2022 pela Lei nº 14.375/2022 – que,
basicamente, permitiu o perdão de cerca de 90% das dívidas de todos os contratos celebrados
até o segundo semestre de 2017.

No caso em análise, percebe-se que a estrutura do PUG pode gerar o mesmo


efeito, representando uma elevação insustentável dos gastos públicos a ponto de inviabilizar
a capacidade de o Estado realizar investimentos em outras áreas prioritárias. Também por
essa perspectiva é que se revela que o PUG não ultrapassa a análise do subcritério da
proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que sacrifica em muito maior medida diversos
outros direitos fundamentais que haveriam de ser tutelados por meio do orçamento público,
com destaque para a educação básica de crianças e jovens.

III.5. A IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO EFEITO REPRISTINATÓRIO: AS


MESMAS INCONSTITUCIONALIDADES ACOMETIAM O UNIEDU

Todo o exposto até aqui evidencia a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º da LC


831/23, dispositivos que constituem o fundamento basilar do Programa e que, se declarados
como tal, conduzem à inconstitucionalidade de toda a norma, por arrastamento.

Muito embora o efeito natural da declaração de inconstitucionalidade de


determinado dispositivo seja a repristinação da norma que o antecedeu23 - com, no caso
concreto, a restauração da vigência da LC 281/2005, que, até a promulgação da LC 831/23,

23 TJSC, Direta de Inconstitucionalidade n. 8000064-17.2018.8.24.0900, da Capital, rel. Alexandre d'Ivanenko,


Órgão Especial, j. 05.06.2019.

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regulamentava o art. 170 da CE/SC – isto não pode ser cogitado no presente caso, tendo em
vista que a LC 281/2005, revogada pela norma ora atacada, era eivada das mesmas
inconstitucionalidades materiais da LC 831/23.

72.1. Com efeito, tal como o art. 1º da LC 831/23, o art. 1º da LC 281/2005 previa a
concessão de assistência financeira às IES, e não diretamente aos estudantes catarinenses,
descumprindo, portanto, o comando da CE/SC. No mais, ainda que os recursos em questão
não fossem integralmente alocados às IES da ACAFE, eles o eram majoritariamente: como já
exposto, no âmbito do UniEdu, 90% dos recursos eram destinados às Instituições
Comunitárias, enquanto apenas 10% eram alocados às IES Privadas. Veja-se a representação:

72.2. Dessa forma, o UniEdu também violava, ainda que em menor grau, os princípios
da impessoalidade e da isonomia, bem como a regra da proporcionalidade. Afinal, não havia
– como não há hoje – justificativa alguma para alocar a maior parte dos recursos públicos aos
estudantes das Instituições Comunitárias, que reúnem um contingente muito menor do
alunado catarinense e que, em regra, possui condições socioeconômicas mais favoráveis.

72.2.1. Um exemplo ajuda a ilustrar os problemas do UniEdu. A Portaria nº 286 do


Secretário de Estado da Educação (doc. 17), divulgada no início do ano corrente, previa a
disponibilização, durante o ano de 2023, de (I) R$ 180 milhões às IES da Acafe e (II) R$ 27
milhões às IES Privadas. Esse montante permitiria beneficiar 277.258 estudantes.

72.2.2. Contudo, se esse mesmo montante tivesse sido destinado integralmente às IES
Privadas, o total de beneficiários tenderia a ser de 350.194 estudantes, ou seja: 55,83% a mais
de alunos catarinenses. Da mesma forma, se cogitarmos um cenário de distribuição equitativa
do volume global de recursos (R$ 207 milhões) entre as IES da ACAFE e IES Privadas (50%
para cada grupo), o número de estudantes beneficiados com bolsas de estudos também seria

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superior: cerca de 129.213 estudantes catarinenses de IES da ACAFE seriam beneficiados e,
ainda, 201.309 de IES Privadas, totalizando aproximadamente 330.522 alunos.

72.2.3. Os gráficos abaixo deixam bem clara a distorção resultante do modelo de


distribuição adotado no UniEdu:

72.2.4. Esse exemplo demonstra que a política pública existente antes do Programa – o
UniEdu – também impedia a disponibilização do maior volume de recursos públicos à maior
parcela do alunado catarinense. Ou seja, o arranjo institucional previsto na LC 281/2005
também violava os preceitos da isonomia e da proporcionalidade, posto que
privilegiava, injustificadamente, os alunos das IES Comunitárias, que (I) representam um
contingente muito menor de estudantes vis-à-vis as IES Privadas e (II) vêm de classes mais
abastadas.

A despeito da evidente incompatibilidade entre a LC 281/2005 e os princípios que


regem a atuação da Administração Pública, a norma permaneceu em vigor todos esses anos
em razão da previsão do art. 49 dos ADCT. Recentemente, contudo, esse dispositivo foi
revogado pela Emenda Constitucional nº 90/2023. Dessa forma, é certo que não há qualquer
respaldo para sustentar a sua constitucionalidade.

Em casos como esse, em que toda a cadeia normativa é inconstitucional, o STF


entende ser inaplicável o efeito repristinatório, desde que a ação direta de
inconstitucionalidade questione todas as normas existentes:

“CONSTITUCIONAL. ART. 46, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO


GRANDE DO SUL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL À FIXAÇÃO DE ISONOMIA
REMUNERATÓRIA ENTRE INTEGRANTES DA BRIGADA MILITAR, DO CORPO

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DE BOMBEIRO MILITAR E DA POLÍCIA CIVIL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 37, XIII, E
61, § 1º, II, ‘A’, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADES
FORMAL E MATERIAL. PROCEDÊNCIA.
1. A jurisprudência desta CORTE aponta para a necessidade de que a Ação
Direta questione todas as normas que integram o conjunto normativo
apontado como inconstitucional, tendo em conta o efeito
repristinatório verificado na declaração de inconstitucionalidade. A
ausência de impugnação de toda a cadeia normativa, ressalvados os
diplomas normativos anteriores à Constituição Federal de 1988, enseja o não
conhecimento da ação ajuizada. Houve o oportuno aditamento da inicial,
de modo a impugnar também a redação originária do § 5º do art. 46 da
Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Direta de
Inconstitucionalidade conhecida. Precedentes desta CORTE”.24

74.1. Este entendimento também já foi acolhido por este E. Tribunal em diversas
oportunidades:

“3. O Parquet requereu à Corte a expressa inibição do efeito repristinatório


inerente à declaração de inconstitucionalidade, a fim de evitar que os
dispositivos revogados pela lei impugnada voltassem à vigência.
Conforme se vê, o efeito repristinatório emana somente da declaração de
inconstitucionalidade, pois, com o acolhimento da ação direta, a lei ou o ato
normativo objeto da ação deixa de existir, bem como seus efeitos. No
presente caso, é patente a inconstitucionalidade dos dispositivos
guerreados. Destarte, afasta-se o efeito repristinatório, visto que os
dispositivos questionados, em sua redação original, incorrem no mesmo
vício”.25

“4 Requereu o Ministério Público, por fim, seja afastado o efeito


repristinatório para que não sejam reativadas as normas anteriores
àquelas combatidas e que prevejam a criação de cargos idênticos aos
que constaram das leis declaradas inconstitucionais pela presente
decisão. Com efeito, a regra é que a pronúncia da inconstitucionalidade da
norma revogadora gera a repristinação dos diplomas normativos revogados.
Inviável, contudo, aceitar que a procedência dos pedidos restabeleça os
efeitos de leis que, como já visto acima, repetiam as mesmas
inconstitucionalidades”.26

“Deve ser afastado o efeito repristinatório da norma municipal ora


declarada inconstitucional, como forma de evitar a restauração da Lei
Municipal nº 1.816/1998, cujo teor padece dos mesmos vícios de
inconstitucionalidade. A norma revogada também criou o Fundo Municipal
de Reequipamento do Corpo de Bombeiros Militar, custeado pelas taxas de

24 STF, Plenário, ADI 5.260/RS, rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 11/10/2018, DJ 29/10/2018.
25 TJ/SC, Órgão Especial, ADI nº 8000495-69.2017.8.24.0000, rel. Des. Marcus Tulio Sartorado. DJ 20/11/2019.
26 TJ/SC, Órgão Especial, ADI nº 8000489-62.2017.8.24.0000, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, DJ 17/7/2019.

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segurança ostensiva e de segurança preventiva que remuneravam a
atividade-fim exercida por este órgão da administração direta do Estado de
Santa Catarina. Há, na mesma medida, inconstitucionalidade formal e
material, diante da invasão da competência do Município para legislar
sobre tema reservado à iniciativa privativa do Governador do Estado e
da criação de taxa para remunerar de serviço público universal e
indivisível”.27

Assim, seguindo a jurisprudência sobre o assunto, objetiva-se, com a presente


ADI, obter a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º da LC 831/23, bem como
do art. 1º da LC 281/2005, visto que, como exposto, todos esses dispositivos violam os
mesmos preceitos constitucionais.

Não se ignora que deixar de aplicar o efeito repristinatório terá como implicação
a ausência de programa de bolsas de estudo custeadas pelo Estado, o que tende a gerar
prejuízos aos alunos, na medida em que reduzirá as possibilidades de acesso ao ensino
superior.

Nesse contexto, é o caso de se modular os efeitos da declaração de


inconstitucionalidade da LC 281/2005, nos termos da supracitada jurisprudência deste
Col. Tribunal, a fim de manter a referida legislação em vigor temporariamente, por um
semestre letivo, até que outra seja editada em seu lugar e sem os vícios ora apontados.

III.6. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 27 DA LC 831/23

O art. 27 da LC 831/23 é outro item do rol de inconstitucionalidades que


caracterizam esse diploma normativo. Tal dispositivo prevê que para viabilizar a
implementação do Programa, o Governador do Estado poderá promover as adequações
necessárias à LOA relativa ao exercício de 2023 e ao PPA do quadriênio 2020-2023.

78.1. A questão, contudo, é que a CE/SC não atribuiu ao Governador do Estado


competência para promover adequações orçamentárias àquilo que tenha sido aprovado
pelo Poder Legislativo em tal matéria. Na verdade, o § 1º do art. 56 é expresso ao afirmar
que a legislação sobre os planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos não
poderá ser objeto de delegação.

27 TJ/SC, Órgão Especial, ADI nº 8000341-85.2016.8.24.0000, rel. Des. Rodrigo Collaço, DJ 20/9/2017.

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Dessa forma, ao outorgar ao Governador do Estado a prerrogativa de promover
toda e qualquer adequação ao orçamento aprovado pela ALESC para viabilizar a continuidade
do Universidade Gratuita, o art. 27 da LC 831/23 viola o comando constitucional supracitado.

E mais. Fere frontalmente o princípio da separação dos poderes, ao permitir que


o Executivo seja o responsável exclusivo por acomodar despesas públicas fora do orçamento,
podendo comprometer seriamente as finanças estaduais sem que o Legislativo tenha
qualquer maneira de opor freios e contrapesos a tal prerrogativa manifestamente
inconstitucional.

A inconstitucionalidade do dispositivo em comento foi, inclusive, pontuada pela


Consultoria Legislativa da ALESC, ainda durante a tramitação do PLC 13/23 (doc. 18) – tendo
sido, portanto, solenemente ignorada pelos Exmos. Deputados Estaduais:

“Por fim, ainda sobre os aspectos financeiros e orçamentários que envolvem


o Projeto de Lei Complementar em exame, assinala-se que a autorização
prevista no art. 27, especificamente para o Governador do Estado
promover as adequações orçamentárias, fere o disposto no § 1º do art.
56 da Constituição Estadual, que desautoriza a delegação em matéria de
competência exclusiva do Legislativo, incluída aí a legislação sobre os planos
plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais. Sendo assim, a
medida autorizativa proposta caracteriza-se como um ato de abdicação
de competência institucional, uma vez que pretende permitir que o
Poder Executivo produza as referidas adequações sem a devida
deliberação desta Casa” (Grifou-se).

A questão é ainda mais grave porque o Estado não tem, hoje, recursos públicos
disponíveis em montante suficiente para viabilizar a execução dos valores previstos na
LC 831/23. Essa realidade foi, inclusive, apontada pela Secretaria de Estado da Fazenda na
Informação DITE/SEF nº 152/2023, que acompanhou o PLC 13/23 (doc. 19):

“Desta forma, a diferença entre os recursos já disponíveis e o custo total


do programa constitui aporte financeiro extra à SED, chamado no
primeiro quadro apresentado de ‘Esforço SEF’, para fazer frente aos
desembolsos com bolsas universitárias, aí compreendidas aquelas do
Programa Universidade Gratuita e das demais instituições particulares. [...] A
partir disso, é importante que sejam realizadas as ressalvas e alertas quanto
ao atual cenário das finanças estaduais. Os números apresentados nesta
Informação demonstram tratarem-se de projetos arrojados para a
expansão da oferta de vagas universitárias, especialmente ao se
considerar que o exercício de 2022 foi encerrado com um deficit
apurado de R$ 128 milhões na chamada Fonte 100. Além disso, foi
verificado que restaram pendentes de pagamento cerca de 3,7 bilhões

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somente em transferências voluntárias especiais e convênios, bem como que
a folha de pagamento, maior despesa fixa do Estado, recebeu incremento de
cerca de 3,5 bilhões no exercício de 2022 em comparação com o de 2021.
[...] Diante disso, é importante que o Grupo Gestor de Governo esteja
ciente do esforço que será necessário para a viabilização do Programa
nestes primeiros exercícios: R$ 205,6 milhões em 2024; R$ 452,8 milhões
em 2025; R$ 714 milhões em 2026. Esses montantes deverão ser
buscados via redução/alocação de despesas em órgãos e entidades
estaduais; ou via aumento de receita” (Grifou-se).

82.1. Essas preocupações também foram externadas pelo Plenário do Tribunal,


conforme demonstra o voto lavrado pelo Cons. Gerson Sica nos autos do mesmo processo:

“Cumpre ao Tribunal de Contas, no contexto de que se trata, alertar sobre os


riscos para as finanças estaduais e a possível afronta aos dispositivos
constitucionais e legais referidos. Ao fazê-lo em caráter preventivo, confere
oportunidade aos agentes responsáveis pela tomada de decisão para
avaliarem caminhos possíveis, hierarquizem prioridades e corrijam rumos
para a boa consecução da política pública da educação. A documentação
que embasa o Projeto de Lei Complementar não demonstra a viabilidade
orçamentário-financeira do Programa, o qual dependerá de ajustes que, até
o momento, são apenas intenções dos órgãos de governo”.

82.2. Posteriormente, elas foram reforçadas pela área técnica do TCE-SC, por meio do
Relatório nº DGE 494/2023 (doc. 15):

“Conforme estimado anteriormente por esta área técnica (fls. 23-24), os


gastos com o ‘Universidade Gratuita’ e com o FUMDES podem chegar a
R$ 1,06 bilhão em 2024, enquanto a SEF aponta que há apenas R$ 632,2
milhões disponíveis para custear as despesas, totalizando um déficit de R$
427,99 milhões somente em 2024, o que evidencia a incompatibilidade
dos programas com a LDO. [...] Em suma, não há comprovação de que há
recursos disponíveis para executar os programas destinados ao ensino
superior” (Grifou-se).

Nesse contexto, não há dúvidas de que o teor do art. 27 abre as portas para que
o Poder Executivo, assumindo uma competência que é exclusiva do Poder Legislativo, aprove
ajustes à LDO incompatíveis com a realidade financeira do Estado.

Sob outra perspectiva, ainda, veja-se que o art. 27 também altera o critério
constitucionalmente previsto para definição dos montantes a serem destinados à assistência
financeira. Com efeito, enquanto o art. 170 da CE/SC prevê a vinculação de ao menos 5% dos
25% vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, o art. 27 define valores em reais,
crescentes até o ano de 2026.

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84.1. A desobediência ao critério constitucionalmente firmado não passou
despercebida pelo TCE/SC, conforme se verifica no voto prolatado pelo Cons. Gerson Sicca
nos autos do Processo RL 23/80041207:

“A diferença do art. 170 da Constituição Estadual, que estabeleceu uma


subvinculacão, ao dispor que, pelo menos 5% dos 25% vinculados a
manutenção e desenvolvimento do ensino deverão atender ao objetivo
de assistir financeiramente estudantes de instituições de ensino no
Estado de Santa Catarina, o Programa Universidade Gratuita pretende
garantir por Lei valores em reais, crescentes até o ano de 2026. Nos
exercícios seguintes, serão corrigidos por índice inflacionário. Fixa, assim,
critério diverso daquele estipulado pelo art. 170, a despeito de nele
buscar fundamento. Pelo Programa, como exposto no quadro anterior, os
seguintes valores e número de vagas estão previstos para os exercícios de
2023, 2024, 2025 e 2026: (...)”.

84.2. Ocorre que, conforme exposto acima, o preceito da supremacia da Constituição


Estadual impõe a observância dos estritos limites por ela fixados. Ou seja, se a CE/SC estipulou
o critério a ser observado para alocação de recursos, não é admissível que os Poderes
Legislativo e Executivo aprovem lei contemplando critério diverso. A inconstitucionalidade,
nesse caso, é flagrante.

IV. NECESSIDADE DE CONCESSÃO CAUTELAR

À luz do exposto, não há dúvidas da imprescindibilidade de atender ao pleito ora


formulado sem que haja qualquer dano derivado da demora da tramitação processual.

Conforme entendimento firmado pelo Col. STF,28 em entendimento acolhido na


esfera estadual por este E. Tribunal,29 a concessão de cautelares inaudita altera parte, mesmo
em ações de controle concentrado de constitucionalidade, impõe-se nos casos em que for
inequívoca a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e houver perigo da demora (periculum
in mora).

28 “Para a concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, devem ser satisfeitos
cumulativamente os requisitos da plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris) e da possibilidade
de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora)" (STF, Pleno, ADI 5374 MC-
AgR, rel. Min. Roberto Barroso, j. 22/6/2020, DJe-172 de 8/7/2020)
29 TJ-SC, Órgão Especial. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5011374-79.2023.8.24.0000/SC, Rel. Des. Sidney
Eloy Dalabrida, DJ 5/4/2023.

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Ambos os requisitos estão presentes in casu, a exigir a concessão de tutela de
urgência para resguardar os efeitos deletérios que a demora na tramitação processual pode
causar ao erário catarinense.

O fumus boni iuris, amplamente demostrado pelos argumentos apresentados ao


longo desta peça, reside no fato de os arts. 1º, 2º e 27 da LC 831/23 contrariarem comandos
expressos da CE/SC, considerando que (I) não preveem a prestação de assistência financeira
aos alunos matriculados na rede de ensino superior habilitada a funcionar no Estado,
conforme comanda o art. 170 da CE/SC, mas apenas às IES da ACAFE e a seu reduzido
universo de alunos, que correspondem a singelos 17% do total daqueles matriculados em IES
no Estado; (II) violam os princípios da impessoalidade e da moralidade previstos no art. 16 da
CE/SC, em função da escolha imotivada por privilegiar um grupo específico de IES e não os
alunos; e (III) delegam ao Poder Executivo Estadual a competência para alterar a LOA e o PPA,
quando a indelegabilidade foi expressamente firmada pelo art. 56, § 3º, da CE/SC. A violação
aos comandos constitucionais não poderia ser mais evidente.

O periculum in mora, por sua vez, decorre do fato de o Governo já ter iniciado os
trâmites para dar concretude ao Programa e, com isso, efetuar o dispêndio de quase R$ 217
milhões exclusivamente aos alunos das IES Comunitárias.

89.1. Com efeito, em 8/8/2023, foi publicado no Diário Oficial do Estado de Santa
Catarina o Edital nº 2.206/2023 da Secretaria de Estado da Educação, que dispõe sobre a
inscrição das IES para participação no PUG (doc. 12). Conforme consta do seu item 1, o
período de inscrições se encerrará em 5/9/2023. O Anexo 1, por sua vez, esclarece que o
resultado final do credenciamento das IES da ACAFE será divulgado em 18/9/2023.

89.2. Superada essa etapa, o Governo pretende (I) cadastrar os estudantes ainda
durante o mês de setembro, (II) classificá-los segundo índice de carência, durante o mês de
outubro e (III) conceder os benefícios financeiros às IES credenciadas, ainda durante o mês de
outubro. Todas essas informações constam do website criado pelo Governo para
esclarecimento de dúvidas sobre o Programa e do informativo divulgado nessa mesma
página (doc. 20):30

30 Disponível em: < https://estado.sc.gov.br/noticias/tire-suas-duvidas-sobre-o-programa-universidade-


gratuita/ >. Acesso em: 25.08.2023

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89.3. Nesse sentido, caso a medida cautelar não seja concedida, há um risco iminente
de o Governo empenhar os R$ 217 milhões que o art. 11 da LC 831/23 preveem para
desembolso no ano de 2023. E esse valor, não se engane o E. Tribunal, não tem retorno.

89.4. É fundamental ter clareza de que, uma vez concedida a bolsa ao estudante, este
terá a legítima expectativa de continuar a estudar de forma gratuita até o fim do curso.
Mesmo que a LC 831/2023 venha a ser declarada inconstitucional ao fim da tramitação destes
autos, não será possível paralisar o repasse de recursos públicos para custear tais bolsas de
estudos, sob pena de prejudicar o futuro de uma série de jovens.

89.5. Nessa perspectiva, revela-se que o risco de irreversibilidade do provimento milita


em favor da Autora. Isso porque a suspensão da execução do PUG, por meio da concessão
da medida cautelar ora pleiteada, tende a preservar o erário e evitar que as expectativas dos
alunos sejam frustradas. Até mesmo a área técnica do TCE/SC reconheceu que tais
circunstâncias demandam a concessão de medida cautelar, para evitar o dispêndio irregular
e irreversível de recursos públicos:

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Urge, assim, a necessidade de se impedir a formação de relação jurídica entre
o Estado de Santa Catarina e os alunos de ensino superior, por meio da
concessão de bolsas de estudo nos temos propostos pelas leis recentemente
aprovadas. Concretizadas tais benesses, não há como se reverter a
despesa irregular sem que ocorra considerável prejuízo aos estudantes
contemplados, os quais figuram, nesse contexto, como terceiros de boa-
fé, sem qualquer ingerência ou ligação com as ações mal planejadas pelo
Governo.

Ante todo o exposto, entende-se cabível a determinação de medida


cautelar, nos termos do art. 114-A da Resolução TC-006/200123, para que
Secretaria de Estado da Educação se abstenha de executar despesas
relacionadas à concessão das bolsas de estudos instituídas pela Lei
Complementar nº 831/2023 e pela Lei nº 18.672/2023, excetuando-se as
despesas decorrentes das bolsas já concedidas com amparo na Lei
Complementar nº 281/2005 (estadual).

89.6. Ao mesmo tempo, porém, com o intuito de não prejudicar os estudantes, poder-
se-ia admitir a continuidade provisória das bolsas do UniEdu, cujo volume de recursos é
menor. E, por outro lado, caso este E. Tribunal conclua, ao final, pela constitucionalidade da
LC 831/23 (o que nos parece improvável), o Estado poderá dar continuidade ao processo de
seleção e de concessão dos benefícios às IES Comunitárias.

89.7. Dessa forma, urge que este E. Tribunal determine a suspensão imediata dos
efeitos da LC 831/23 e proíba o empenho dos recursos públicos dedicadas ao PUG até que
se aprecie em definitivo o pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado.

89.8. Dada a urgência das circunstâncias, entende-se que o deferimento da medida


cautelar deve se dar sem prévia audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis, até
porque o prazo para cadastro das IES Comunitárias no PUG se inicia no dia 4/9/2023, próxima
segunda-feira, e finaliza já no dia 5/9/2023, de modo a tornar inviável o cumprimento do
prazo de 30 dias para que a autoridade responda à ação.

Assim, é à luz do exposto, a Autora pede que este E. Tribunal defira, inaudita altera
pars, medida cautelar para determinar ao Governo que se abstenha de empenhar os recursos
públicos no âmbito do Programa até que se conclua a análise das razões de mérito ora
apresentadas.

V. PEDIDOS

Diante do exposto, a Autora pede:

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(i) o recebimento da presente ação direta de inconstitucionalidade, considerando-
se que estão preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade;

(ii) a concessão de medida cautelar antes da oitiva dos responsáveis e interessados,


nos termos do art. 10, § 3º, da Lei Estadual 12.069/2001, para suspender a eficácia
da LC 831/23 e, consequentemente, do Edital nº 2.206/2023, obstando-se o
empenho dos recursos previstos no art. 11, inc. I, da LC 831/23 até a decisão do
mérito desta ação;

(iii) concedida a medida cautelar, a oitiva das autoridades competentes para


apresentação de informações, nos termos do art. 11 da Lei Estadual 12.069/2001;

(iv) no mérito, seja julgada procedente a presente ação direta de


inconstitucionalidade, declarando-se a inconstitucionalidade dos arts. 1º, 2º e 27
da LC 831/23 e, consequentemente, do Programa Universidade Gratuita, bem
como do art. 1º da LC 281/2005, por arrastamento, afastando-se a incidência do
efeito repristinatório;

(v) em sede de modulação dos efeitos, que se determine que os efeitos da


inconstitucionalidade do UniEdu (LC 281/2005) apenas sejam aplicados durante 6
meses, em linha com os precedentes deste E. Tribunal, de modo a garantir a
permanência de um programa de bolsas custeado pelo Estado até que outra
norma venha a ser editada neste interregno em seu lugar e sem os vícios ora
apontados;

(vi) o encaminhamento de todas as comunicações pertinentes ao processo aos


advogados subscritores desta representação, pelos e-mails:
marici.giannico@mattosfilho.com.br, henrique.silveira@mattosfilho.com.br,
patricia.mattos@mattosfilho.com.br e pedro.mazer@mattosfilho.com.br todos
com endereço profissional na Alameda Joaquim Eugênio de Lima nº 447,
Cerqueira Cesar, São Paulo, SP, CEP: 01403-001.

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 para fins meramente fiscais e protocolares, considerando
a exigência do sistema e-PROC do TJSC.

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Termos em que pede deferimento.

Florianópolis, 30 de agosto de 2023.

Henrique Lago da Silveira Maricí Giannico


OAB-SP nº 327.013 OAB-SP nº 149.850

Patrícia Mutti e Mattos Pedro Benintendi Mazer


OAB/SP 422.617 OAB/SP 469.705

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ROL DE DOCUMENTOS ANEXOS

doc. 1 – Atos constitutivos da AMPESC.

doc. 2 – Procuração com outorga de poderes de representação.

doc. 3 – Lei Complementar Estadual nº 831/2023.

doc. 4 – Lei Complementar Estadual nº 281/200531.

doc. 5 - Denúncia protocolada pela ANUP perante o Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina (TCE/SC).

doc. 6 – Decisão nº 785/2023 - PAP 23/80012614.

doc. 7 – Relatório DGE nº 371/2023.

doc. 8 – Acórdão COE/GSS - 615/2023.

doc. 9 – Representação da ANUP perante o Ministério Público de Santa Catarina.

doc. 10 - Ofício nº 1156/2023/SED/APOIO/JUD – Resposta da Secretaria de Estado de


Educação nos autos da Notícia de Fato nº 01.2023.00017679-6.

doc. 11 – Diagnóstico do FIES, elaborado pela Secretaria de Tesouro Nacional.

doc. 12 - Edital nº 2.206/2023 da Secretaria de Estado de Educação.

doc. 13 – Decreto Estadual nº 219/2023.

doc. 14 - Portaria nº 24, de 08 de fevereiro de 2023, da Secretaria de Estado da Fazenda de


Santa Catarina.

doc. 15 - Relatório DGE nº 494/2023.

doc. 16 – Auditoria operacional do Tribunal de Contas da União sobre o FIES.

31 Junta-se a versão da Lei Complementar Estadual nº 281/2005 disponibilizada no site da ALESC. Considerando,
contudo, que a norma foi revogada e essa versão está tarjada, apresentamos, também, cópias da norma
obtidas em site confiável.

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doc. 17 - Portaria SED nº 286, de 03.02.2023.

doc. 18 – Parecer da Consultoria Legislativa da ALESC sobre o Projeto de Lei Complementar


nº 13/2023.

doc. 19 - Projeto de Lei Complementar nº 13/2023.

doc. 20 – FAQ Universidade Gratuita, disponibilizado pelo Governo do Estado.

doc. 21 - 7º Relatório de Monitoramento e Avaliação do Plano Estadual de Educação de Santa


Catarina – 2022. Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED/SC).

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