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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ÓRGÃO ESPECIAL) Nº 5019281-71.2024.8.24.0000/SC
AUTOR: PREFEITO - MUNICÍPIO DE CRICIÚMA/SC - CRICIÚMA
RÉU: CÂMARA MUNICIPAL DE CRICIÚMA
DESPACHO/DECISÃO
Em suma, o autor argumenta que a norma questionada é inconstitucional porque não acompanhado de
adequado estudo de impacto orçamentário e financeiro. Frisa, no ponto, que aquele apresentado não possui
estimativa do impacto orçamentário e financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois
seguintes, não demonstra atendimento à lei de diretrizes orçamentárias, tampouco comprova que a renúncia foi
considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, assim como não foi acompanhada de medidas de
compensação, no exercício em que inicia a sua vigência e nos dois seguintes. Aponta, nesse contexto, violação aos
arts. 113 do ADCT e 165, § 6º, todos da CF/1988; e ao art. 121, § 1º, da CESC. Noutro flanco, sustenta que a
concessão de isenção tributária em ano eleitoral afronta os arts. 1º, V, e 5º, caput, da CF/1988, e o art. 1º, VI, da
CESC. Na sequência, ao tratar do pleito cautelar, ressalta que a norma possui efeitos imediatos com perda de
arrecadação, havendo ainda a mácula ao processo eleitoral. Requer a concessão de medida cautelar para suspender
os efeitos da norma e, ao final, a procedência do pedido com a declaração de inconstitucionalidade.
É o relatório.
1. Conforme art. 10 da Lei Estadual n. 12.069/2001, arts. 228 e 229 do RITJSC, e art. 10 da Lei n.
9.868/1999, a medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, em regra, apenas pode ser concedida por
maioria absoluta do Órgão Especial, e com prévia oitiva dos órgãos ou das autoridades que expediram a lei ou o ato
normativo questionado. Também por esses dispositivo, admite-se que, no período de recesso ou quando não houver
expediente forense, a medida seja deferida por decisão monocrática do relator, ad referendum do Órgão Especial, e
sem a prévia oitiva dos órgãos ou das autoridades que expediram a lei ou o ato normativo impugnado.
Não obstante, o STF, com base no poder geral de cautela, tem admitido a concessão de medida
cautelar pelo relator da ação direta de inconstitucionalidade, "ad referendum" do órgão competente para o
julgamento do mérito (Órgão Especial), nos casos de "urgência qualificada e dos riscos objetivamente
comprovados de efeitos de desfazimento dificultoso" (STF - ADI n. 4.307/DF, Relatora Ministra Cármen Lúcia,
DJe de 14/4/2010). No mesmo sentido: ADI n. 7.195-MC/DF, decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, DJe de
10/2/2023; ADI n. 6.169/PE, Rel. Ministro Celso do Mello, DJe de 6/12/2019; ADI n. 6.004/DF, Rel. Ministro
Ricardo Lewandowski, DJe de 1º/2/2019.
Desta Corte colhe-se no mesmo sentido: ADI n. 5071218-91.2022.8.24.0000, Rel. Des. Jorge Luiz de
Borba, decisão de 16/12/2022; ADI n. 5002424-18.2022.8.24.0000, Rel. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira
Neto, decisão de 22/2/2022; ADI n. 5008807-75.2023.8.24.0000, Rel. Des. Jaime Ramos, decisão de 23/2/2023.
Nesse contexto, havendo urgência qualificada, mesmo quando não se estiver em período de recesso
ou mesmo quando o pleito for requerido durante o expediente forense, o relator pode conceder medida cautelar em
ação direta de inconstitucionalidade, sem a prévia oitiva dos órgãos ou das autoridades que expediram a lei ou o ato
normativo impugnado, "ad referendum" do Órgão Especial em sessão seguinte.
O caso, a meu ver, enquadra-se como urgência qualificada na medida em que a norma ora
questionada tem amplo alcance que ainda não pode ser mensurado, uma vez que concede isenção do IPTU
incidente sobre uma gama de imóveis no território do município de Criciúma. Desse modo, caso a suspensão da
norma seja deferida apenas em sessão do Órgão Especial, evidente a dificuldade de desfazimento dos seus efeitos
já produzidos.
Art. 1º Ficam isentos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) os imóveis de propriedade das entidades de
prática desportiva sem fins lucrativos estabelecidas pela Lei nº 9615/98, quando utilizados no exercício de suas
atividades, desde que as entidades, comprovadamente, preencham os seguintes requisitos de forma cumulativa:
§ 1° As isenções mencionadas neste artigo dependem de requerimento anual instruído, no mínimo, com os seguintes
documentos:
V – Declaração, devidamente assinada pelo presidente da associação, afirmando que a entidade mantém escrituração
de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão;
Art. 2° As entidades de prática desportiva devem comprovar sua filiação a, no mínimo, uma entidade estadual ou
federal de administração do desporto de modalidade olímpica.
Parágrafo único. É requisito imprescindível que a associação possua, no mínimo, 05 (cinco) anos de fundação e regular
exercício sem suspensão de atividades
Art. 3° As entidades de prática desportiva devem executar projeto de cunho assistencialista e educacional, prestando
serviços à comunidade em geral, em caráter complementar às atividades do estado, sem fins lucrativos.
Art. 4º A isenção concedida nos termos desta Lei não exonera os beneficiários do cumprimento das obrigações
acessórias a que estão sujeitos.
Art. 5° É vedada, em qualquer caso, a restituição de importâncias recolhidas, a qualquer desses títulos.
Art. 6º Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
De registro que a Excelsa Corte, ao apreciar o Tema 682 do STF, assentou que "inexiste, na
Constituição Federal de 1988, reserva de iniciativa para leis de natureza tributária, inclusive para as que
concedem renúncia fiscal".
Contudo, o vício formal apontado é que a norma não teve o adequado estudo de impacto
orçamentário e financeiro, afrontando o art. 113 do ADCT da CF/1988. Esse argumento, pelo menos nesta fase
perfunctória, mostra-se elevada plausibilidade jurídica.
Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser
acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
O STF, ao apreciar a questão, reconheceu que o dispositivo foi incorporado pelas Cartas Estaduais
por se tratar de norma de reprodução obrigatória:
Direito constitucional e tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. IPVA. Isenção. Ausência de estudo de impacto
orçamentário e financeiro. 1. Ação direta contra a Lei Complementar nº 278, de 29 de maio de 2019, do Estado de
Roraima, que acrescentou o inciso VIII e o § 10 ao art. 98 da Lei estadual nº 59/1993. As normas impugnadas versam
sobre a concessão de isenção do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) às motocicletas,
motonetas e ciclomotores com potência de até 160 cilindradas. 2. Inconstitucionalidade formal. Ausência de
elaboração de estudo de impacto orçamentário e financeiro. O art. 113 do ADCT foi introduzido pela Emenda
Constitucional nº 95/2016, que se destina a disciplinar 'o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da
Seguridade Social da União'. A regra em questão, porém, não se restringe à União, conforme a sua interpretação
literal, teleológica e sistemática. 3. Primeiro, a redação do dispositivo não determina que a regra seja limitada à União,
sendo possível a sua extensão aos demais entes. Segundo, a norma, ao buscar a gestão fiscal responsável, concretiza
princípios constitucionais como a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (art. 37 da CF/1988).
Terceiro, a inclusão do art. 113 do ADCT acompanha o tratamento que já vinha sendo conferido ao tema pelo art. 14 da
Lei de Responsabilidade Fiscal, aplicável a todos os entes da Federação. 4. A exigência de estudo de impacto
orçamentário e financeiro não atenta contra a forma federativa, notadamente a autonomia financeira dos entes. Esse
requisito visa a permitir que o legislador, como poder vocacionado para a instituição de benefícios fiscais, compreenda
a extensão financeira de sua opção política. 5. Com base no art. 113 do ADCT, toda 'proposição legislativa [federal,
estadual, distrital ou municipal] que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser
acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro', em linha com a previsão do art. 14 da Lei de
Responsabilidade Fiscal. 6. A Lei Complementar do Estado de Roraima nº 278/2019 incorreu em vício de
inconstitucionalidade formal, por violação ao art. 113 do ADCT. 7. Pedido julgado procedente, para declarar a
inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 278, de 29 de maio de 2019, do Estado de Roraima, por violação
ao art. 113 do ADCT. 8. Fixação da seguinte tese de julgamento: 'É inconstitucional lei estadual que concede
benefício fiscal sem a prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro exigida pelo art. 113 do ADCT.' (ADI
6303, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052
DIVULG 17-03-2022 PUBLIC 18-03-2022; destaquei).
No mesmo sentido, bem observou o eminente Des. Sidney Eloy Dalabrida que "segundo o art. 113 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, aplicável como parâmetro de controle de constitucionalidade no
âmbito estadual, 'a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser
acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro'" (ADI n. 5026513-08.2022.8.24.0000, Rel.
Des. Sidney Eloy Dalabrida, Órgão Especial, j. 19-10-2022).
É reiterado o entendimento de que a lei que concede isenção tributária, por se tratar de renúncia de
receita, é inconstitucional se não acompanhada de prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro:
Voltando atenção ao caso concreto, colhe-se que a norma atacada trouxe um anexo intitulado de
"Demonstrativo do Impacto Orçamentário-Financeiro":
Contudo, tal documento não pode ser considerado como a necessária estimativa de impacto
orçamentário e financeiro na forma como exigido pelo art. 113 do ADCT da CF/1988. De fato, não se verifica
estimativa do impacto orçamentário e financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois
seguintes, não demonstra atendimento à lei de diretrizes orçamentárias, tampouco comprova que a renúncia foi
considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, assim como não foi acompanhada de medidas de
compensação, no exercício em que inicia a sua vigência e nos dois seguintes.
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita
deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua
vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes
condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001) (Vide ADI 6357)
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na
forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes
orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita,
proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral,
alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou
contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da
condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no
mencionado inciso.
I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do
seu § 1º;
II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.
Chama atenção também o argumento trazido na inicial de que o impacto apresentado no anexo
considerou apenas o Criciúma Esporte Clube. Ocorre que a lei é genérica e ampla, de forma que tem potencial de
isentar imóveis de outras entidades de prática desportiva sem fins lucrativos. Os valores indicados no documento,
assim, não teriam sido baseados num dado correto.
Desse modo, em sede liminar, tem-se que o referido demonstrativo constante no anexo da lei não
supre a exigência de apresentação de estudo do impacto orçamentário e financeiro.
Pelo exposto, DEFIRO a medida cautelar, ad referendum do Órgão Especial, para sustar os efeitos da
Lei Complementar n. 567, de 2 de abril de 2024, do Município de Criciúma, até o julgamento definitivo da
presente demanda.
Intimem-se.
Documento eletrônico assinado por SERGIO ROBERTO BAASCH LUZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de
dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico
https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4658682v31 e do código CRC a02e8d6d.