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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


COMARCA DE SÃO PAULO
FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA
14ª VARA CRIMINAL
AV. DR. ABRAÃO RIBEIRO, 313, São Paulo-SP - CEP 01133-020
Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0027264-12.2018.8.26.0050 e código AC5F110.
SENTENÇA

Processo Digital nº: 0027264-12.2018.8.26.0050


Classe – Assunto: Ação Penal - Procedimento Ordinário - Roubo
Documento de Origem: Boletim de Ocorrência, Inquérito Policial - 1222/2018 - 4º Distrito Policial -
Consolação, 13/2018 - DHPP - DECRADI
Autor: Justiça Pública

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PALOMA MOREIRA DE ASSIS CARVALHO, liberado nos autos em 19/03/2021 às 17:33 .
Indiciado: Gustavo Metropolo

Juiz(a) de Direito: Dr(a). PALOMA MOREIRA DE ASSIS CARVALHO

Vistos.

O representante do Ministério Público ingressou em juízo pedindo a


condenação de GUSTAVO METROPOLO já qualificado nos autos, como incurso no topo do
artigo 20, caput e §2º da Lei nº 7.716/1989 em concurso formal (artigo 70 do Código Penal) com
o artigo 140, §3º, c.c. artigo 141, III, ambos do Código Penal afirmando que em 06 de março de
2018, na Rua Itapeva, nº 432, bairro Bela Vista, nas dependências da FGV Fundação Getulio
Vargas, nesta comarca de São Paulo, através do aplicativo de mensagens WhatsApp, incitou a
discriminação de raça e cor.

Segundo se apurou no inquérito policial que embasou a denúncia, a


vítima, João Gilberto Pereira Lima, compareceu na delegacia registrando uma ocorrência pois, no
dia 20 de setembro de 2017, o réu teria realizado uma postagem em um grupo do Whatsapp, com
uma foto em que constavam duas mulheres brancas e a vítima, com o comentário: “Achei esse
escravo aqui no fumódromo. Quem for o dono avisa!”. Poucos meses depois, a postagem
encaminhada pelo denunciado tornou-se pública, chegando ao conhecimento de inúmeras pessoas,
inclusive da própria vítima, o que lhe causou intensa dor, sofrimento e sentimento de menos valia.

Recebida a denúncia, o réu foi citado e apresentou defesa preliminar.


Em audiência, foram ouvidas as testemunhas de acusação. Interrogando-se o réu e em debates a
acusação pediu a procedência da ação e a defesa pugnou pela absolvição do réu e mitigação dos
rigores da pena.

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É o breve relatório. Fundamento e decido.

De início, não há o que se falar em nulidade do interrogatório, uma vez


que a audiência foi presidida por magistrada com competência e jurisdição, designada para a Vara
em questão.

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Nem se cogite ofensa ao princípio da identidade física do juiz. É que a
designação administrativa de magistrado, para auxiliar o juiz responsável pela vara ou unidade
jurisdicional. não viola o princípio do juiz natural.

O princípio da identidade física do juiz, previsto no artigo 399, § 2º,


do CPP, não é absoluto, podendo a sentença penal ser proferida por
outro juiz de direito quando o magistrado que presidiu a instrução
criminal foi substituído regularmente por força de ato administrativo do
Tribunal a que está vinculado. 2. Segundo a dicção do
artigo 132 do CPC, aplicável por analogia ao processo penal, 'o juiz,
titular ou substituto que concluir a audiência julgará a lide, salvo se
estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido
ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.' 3. Na
hipótese, a magistrada que promoveu a instrução criminal foi removida
para a 9ª Vara Federal das Execuções Fiscais de São Paulo/SP, por força
de Resolução da Presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
No mesmo ato, ocorreu a remoção da juíza sentenciante para a 5ª Vara
Federal Criminal. 4. Prejuízo não demonstrado na situação, ausência de
nulidade. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(...) Conforme entendimento desta Corte, o princípio da identidade física
do Juiz não é absoluto, podendo a sentença ser proferida por outro
magistrado quando não houver prejuízo e ocorrer alguma situação
excepcional prevista no artigo 132 do Código de Processo Civil,
aplicado por analogia nestes casos.” (AgRg no Recurso em Habeas
Corpus 28.690/SP, Rel. Minª Alderita Ramos de Oliveira, j. 18.06.13).

Além disso, o interrogatório foi realizado em extrema observância aos


princípios do contraditório e ampla defesa, sendo oportunizado ao réu manifestar-se da forma que
lhe conviesse, ressaltado o seu direito constitucional ao silêncio. Aos Defensores também foi

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permitido fazer perguntas ou protestar por qualquer questão que entendessem relevantes ao
deslinde de causa.

Sem mais, passo a análise do mérito.

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O artigo 20, caput e o §2º, da Lei 7.716/1989 assim descrevem o crime
de racismo:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de


raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela
Lei nº 9.459, de 15/05/97)
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por
intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer
natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa”

Já o artigo 140 c.c § 3º do Código Penal assim descreve o crime de


injúria racial:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:


§3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça,
cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora
de deficiência:

No caso em exame, há prova da existência dos crimes e de sua autoria.

A existência do crime está comprovada pelo Boletim de Ocorrência


(fls.4/5), pelo auto de apreensão (fls.12/38) e, sobretudo, pela prova oral colhida.

A autoria também é certa.

A vítima, João Gilberto Pereira Lima, na fase policial, declarou que à


data dos fatos cursava o segundo semestre do curso de administração pública da FGV. Que no dia
06/03/2018 foi chamado pela Coordenação da faculdade, oportunidade em que tomou
conhecimento que uma fotografia sua acompanhado de duas alunas de pele branca havia sido
postada num grupo de Whatsapp de que participava o réu, nas dependências da universidade. Que
esta havia tomado conhecimento do fato através de denúncia anônima e naquele momento o

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cientificaram do fato, informando-o que seria instituída uma Comissão de Ética com urgência
para avaliar o ocorrido. Na quarta-feira à noite soube que o réu havia admitido para a comissão ter
tirado a fotografia e postado no grupo de Whatsapp. A coordenação da faculdade suspendeu o réu
por 90 dias, prazo máximo para formação de órgão que iria deliberar sobre a expulsão do aluno da
faculdade. Sobre a fotografia, disse que foi tirada sem seu conhecimento em uma área aberta no 7º

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andar da FGV, num local conhecido como “fumódromo”. Em juízo, manteve a versão dos fatos.
Disse que ao receber a notícia da postagem, não acreditou, ficou em estado de choque. Já estava
na faculdade há um certo tempo e nunca havia passado por situação semelhante. Declarou que
faculdade é elitista e, embora algumas coisas já tivessem ocorrido de forma sutil, nunca havia
passado por isso. Soube que a postagem tinha sido feita pelo réu, pois no corpo da mensagem
aparecia seu nome. Disse que não manteve contato com o aluno cujo nome constava na foto e que
ele também não o procurou. A faculdade não quis lhe fornecer o print da postagem, porém, como
a foto circulou entre outros grupos, acabou tendo acesso a ela. Negou que tenha repassado a foto
para outros grupos, além do grupo da FGV no Facebook, após a realização do BO. Disse que uma
comissão da faculdade foi formada e que decidiram pela suspensão do aluno autor. Afirmou que
não conhecia o réu. Declarou que estava em tratamento psicológico para lidar com o fato
(fls.681/685). e que sentiu que os outros alunos negros da faculdade se abalaram com o ocorrido,
o que lhe motivou a ingressar com a ação

A testemunha de acusação, Luciana Stocco Betiol, na fase policial disse


que integra a Comissão de Conduta do Curso de Graduação da FGV-EAESP desde agosto de
2017. Que recebeu um e-mail entre os dias 05 e 06 de março, do Professor Renato Guimarães,
Coordenador do Curso, solicitando o agendamento urgente de uma reunião pelo fato de ter
tomado conhecimento que um dos alunos teria divulgado em um grupo de Whatsapp uma
postagem discriminatória, que reconhece como sendo a fotografia juntada às fls. 06 dos autos.
Relatou que a Comissão de Conduta tomou providências no sentido de agendar o mais rápido
possível uma reunião, que foi marcada para o dia 07/03, uma quarta feira, no período da tarde,
para a qual o réu foi convocado. Informou que nessa reunião todos os professores se apresentaram
e esclareceram qual papel tinham na Comissão e em seguida foi cientificado ao réu que seria
elaborada uma Ata de tudo o que ele dissesse e que se estivesse correto todos assinariam. Informa
que a Ata foi digitada pelo Professor Guilherme. Na sequência foi perguntado ao réu se ele tinha
ciência do motivo de ter sido convocado para a reunião, no que ele informou que não. Em
seguida, foi mostrada ao réu a postagem, juntada às fls. 06, no que ele confirmou de forma

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espontânea ter sido o autor, tanto da fotografia como dos comentários. O réu começou se
desculpando dizendo que o que tinha feito era uma infantilidade, mas em seguida mudou dizendo
que se tratava na verdade de uma monstruosidade. Acrescenta que o réu se mostrou
completamente arrependido, disse que estava profundamente envergonhado e que esse tipo de
atitude não havia sido ensinada por sua família. O réu disse ainda que gostaria de pedir desculpas

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para a Comissão porque teve que se reunir por causa de um “aluno idiota” conforme referiu-se a
si mesmo. Por fim, disse ainda que gostaria de se desculpar com a vítima e pediu a Comissão que
fizesse a intermediação dessa aproximação, pois teoricamente o réu tinha afirmado que não
conhecia a vítima. Disse que a Comissão se manifestou dizendo que o réu tinha total liberdade
para procurar a vítima e se desculpar. Esclareceu que a Comissão se restringe a relatar os fatos e
as declarações do envolvido, através de Ata, sendo que o envolvido, no caso o réu, só assinaria a
ata se estiver de pleno acordo. A ata foi encaminhada para o Coordenador do Curso que solicitou
a reunião. Em juízo, manteve a versão dos fatos. Questionada sobre os demais integrantes da
comissão, se de alguma forma algum deles pressionou o réu, respondeu que os integrantes
estavam muito tranquilos, que foi dado um tempo para o réu se manifestar após questionado sobre
a postagem e o conteúdo. Disse que o réu não mencionou ter perdido o celular à época da
postagem. Declarou que não foi professora nem da vítima e nem do aluno. Não soube dizer se a
postagem circulou por outros grupos, além daquele em que foi postado. Não soube dizer se o
primeiro procedimento da comissão foi anulado. Em relação a estranhos acessarem as
dependências da faculdade, informou que só ocorre mediante convite, com prévia autorização na
portaria ou autorizada pelo setor responsável. Disse que o réu estava tenso na reunião com a
comissão, mas dentro da normalidade dos alunos que são chamados a participar desse tipo de
reunião. Informou que a comissão não tem papel punitivo, mas sim de obtenção de informações.
Que não é proibida o acompanhamento de advogados por parte dos alunos. Disse que não foi
informado ao aluno e nem questionado por ele se poderia se fazer acompanhar por um advogado.
Que o responsável pela aplicação da punição era o Professor Renato.

A testemunha de acusação, Rosa Maria Vieira Berriel, na fase policial


disse que é Professora e Orientadora Acadêmica da Faculdade Getúlio Vargas do Curso de Adm.
De Empresas, sendo sua função dentre outras receber e acolher alunos com dúvidas e
reclamações. Que semana passada recebeu um aluno, cujo nome não se recorda, narrando um
caso de racismo. Diante da situação, orientou para que encaminhasse a postagem considerada
preconceituosa para seu e-mail a fim de que adotasse as providências administrativas. No mesmo

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dia recebeu uma mensagem deste aluno com a postagem que reconhece às fls. 06 e diante do
comentário e da fotografia imediatamente encaminhou a mensagem para os Coordenadores do
Curso de Administração, Renato e Marco Antônio para ciência dos fatos. Realizou uma conversa
sobre o ocorrido na sala e comentou sobre a gravidade do comentário preconceituoso, afirmando
que o movimento negro e o feminista deveriam se posicionar sobre tal situação, bem como o

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próprio Diretório Acadêmico. Em juízo, disse que foi procurada por um aluno que não participava
dos fatos, mas cujo irmão fazia parte de um grupo no Facebook em que foi veiculada a postagem.
O rapaz estava preocupado porque a publicação teria tido caráter racista e, tendo havido casos na
faculdade no passado e realização de campanha contra o racismo. Questionada sobre episódios
anteriores na universidade, se eram no mesmo caráter, respondeu que houve um caso de uma
aluna negra que foi participar de um jogo de vôlei, e quando a bola foi rebatida por ela e de
encontro à torcida, alguns disseram “negrinha seu lugar não é aqui”. Foi um caso complicado,
pois não identificaram os ofensores. Diante disso fizeram campanha dentro da escola.
Questionada se vê os fatos como algo que afeta toda uma raça ou algo dirigido a uma determinada
pessoa, respondeu que é uma situação muito delicada, mas que por sua formação sociológica e
pessoal, acredita que não há um movimento estruturado de brancos, mas uma resistência
entranhada nas pessoas, e que seria uma manifestação natural. Que o preconceito seria um dado
natural. Não soube afirmar se a ofensa seria contra o indivíduo ou a raça sem maiores
informações sobre o réu e a vítima. Disse que não teve contato com o réu, somente encontrou-o
no corredor da faculdade, porém não conversaram sobre o assunto. A vítima, por sua vez, era seu
aluno à época dos fatos e se encontrava bastante incomodado e perturbado com a situação. Em
relação ao caso da menina ofendida, foi feita uma campanha, discussão pública a respeito da
problemática do negro na sociedade brasileira, pois não foi identificada a autoria. Disse que
houve dois acontecimentos marcantes sobre o assunto, mas não recorda de incidentes pontuais.
Mencionou que um professor havia feito uma citação sobre um bedel negro e os demais alunos da
sala se insurgiram contra. Não soube dizer se o réu estaria envolvido em outros incidentes e que
era uma pessoa discreta, não se recordando dele como aluno. Questionada sobre a possibilidade
de uma pessoa visitar a universidade, respondeu que há uma organização muito cautelosa da
universidade, sendo necessária uma autorização ou contato interno para entrar, não sendo possível
entrar livremente na escola. Que para visitação deve agendar a visita e esta é acompanhada. Disse
que não viu o réu tirar a foto.

A testemunha de acusação, Nelson Lerner Barth, na fase policial disse

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que integra a Comissão de Conduta do Curso de Graduação da FGV EAESP há alguns meses,
sendo certo que já fez parte dessa Comissão há alguns anos. Informa que a Comissão existe para
apurar diversos fatos envolvendo os alunos dos cursos de graduação de Administração de
Empresa e Administração Pública, tais como “cola”, desrespeito etc. Informa que recentemente,
não sabe se final de fevereiro ou início de março, primeiramente, tomou conhecimento pelo

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Coordenador do Curso de Adm. Pública que um caso necessitaria ser analisado pela Comissão.
Posteriormente, o Coordenador do Curso de Administração de Empresas, curso que é frequentado
pelo réu, formalizou uma solicitação para que fosse marcada uma reunião para analisar uma
postagem com comentário, publicados num grupo de Whatsapp, pelo réu, comentário esse que
reconhece como sendo o juntado às fls. 06 dos autos. Relata que a Comissão marcou o dia 07/03
no período da tarde, data para a qual o réu foi devidamente convocado. Que no dia da reunião
agendada pela Comissão o réu entrou na sala visivelmente abalado. Naquele dia todos os
professores da Comissão se apresentaram e explicaram que a Comissão tinha o papel de apurar
fatos e recomendar providências aos Coordenadores do Curso. Após, foi perguntado ao réu se ele
tinha conhecimento do motivo de ter sido convocado, no que ele disse que não, que então mostrou
ao réu a cópia em papel da postagem com a fotografia, que consta às fls. 06, no que o réu olhou
para a foto, sem nenhuma surpresa e de pronto, sem nenhuma dúvida, de forma clara, declarou
“fui eu” e acrescentou algo do tipo “foi uma brincadeira que eu fiz”. O réu chegou a dizer,
durante a conversa, a seguinte frase: “que eu, uma pessoa com a educação que tive, não poderia
ter feito isso, não tenho o que dizer em minha defesa e peço desculpas ao senhores que são
professores ocupados, por estarem gastando seu tempo para estar escutando uma pessoa como
eu”. Além disso, o réu chegou a dizer que o que mais queria era pedir desculpas para a vítima,
que declarou não conhecer, demonstrando estar profundamente arrependido e após essa afirmação
disse de forma enfática “eu vou pedir desculpas”. O papel da Comissão foi o de relatar o que
ocorreu na reunião, através da elaboração de uma Ata, e encaminhá-la ao coordenador do curso.
Em juízo, manteve a versão dos fatos. Disse que o réu não falou durante a reunião com a
comissão que havia perdido o celular ou que o aparelho havia sido roubado. Afirmou que o réu
confessou a autoria da postagem e se disse arrependido. Não sabe se o réu procurou a vítima para
se desculpar. Soube que o réu foi suspenso por seis meses, mas não é a Comissão que aplica as
penalidades. Declarou que não houve pressão sobre o réu durante a reunião. Questionado sobre se
na faculdade há um controle de entrada de pessoas, respondeu que é feito com crachá. Que uma
pessoa estranha tem que agendar com uma coordenação uma visita, que sempre é acompanhada.
Disse que o réu assumiu ter passado a mensagem ofensiva e que em nenhum momento ele disse

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“não fui eu ou não sei do que se trata”.

A testemunha de acusação, Renato Guimarães Ferreira, na fase policial


disse que é coordenador do Curso de Adm. De Empresas desde 01/04/2017, e que o réu e a vítima
cursavam cursos diferentes. Que tomou ciência dos fatos ora apurados por intermédio de um e-

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mail encaminhado pela professora Rosa Maria Vieira que trabalha na Coordenadoria do curso e
que tem por atividade principal o acolhimento de alunos. Que a mensagem foi enviada no dia
06/03/2018, sendo no mesmo dia convocada de imediato uma reunião da Comissão de Conduta
solicitando análise e recomendações com a maior brevidade. No próprio dia 07/03 foi informado
sobre o ocorrido na reunião, tomando ciência de que o réu assumira a responsabilidade pelo ato,
não tendo negado em qualquer momento que não era o autor (da postagem). O réu teria, segundo
relatos, demonstrado arrependimento, se oferecido para se desculpar com a vítima e ainda se
propondo a conversar com ela. Naquele mesmo dia, após a reunião da Comissão, o réu
permaneceu na recepção da Coordenadoria aguardando o declarante, pois queria se desculpar do
ocorrido, tendo novamente assumido a responsabilidade pelo fato, dizendo estar extremamente
arrependido. O réu chorou e apresentava-se muito emocionado. O réu utilizava a expressão “o que
eu fiz foi horrível, eu sei”. Em nenhum momento negou a autoria ou outra possibilidade que o
eximisse da responsabilidade. Em juízo, manteve a versão dos fatos. Questionado sobre quando
conversou pessoalmente com o réu, se ele estaria abalado porque foi pressionado ou porque
estava arrependido. Em tese, por conta da proporção que o caso tomou, respondeu, que o réu teria
reconhecido algumas vezes que o que teria ocorrido ali era algo de extrema gravidade. O réu não
estava descontrolado nem nada neste sentido. Ele se manifestou mais de uma vez no sentido de
reconhecimento que o ato, não era um ato muito adequado. Disse que o réu caracterizou o ato de
uma maneira genérica e disse “isso foi uma monstruosidade, não há explicação para aquilo que eu
fiz”, sem uma descrição detalhada de cada uma das etapas (fotografar, compartilhar).
Questionado sobre o motivo de se atribuir a autoria ao réu, respondeu que havia um print da tela
em que constava o nome do réu como participante de um grupo fechado onde o post estava
associado com o nome dele. E que nem na fala na comissão nem na reunião com ele (o
coordenador) não houve em nenhum momento uma contestação de que aquilo era um post dele.
Que a função da comissão de conduta é justamente ouvir a outra parte e formar um juízo
preliminar do ocorrido, sendo que naquela situação o réu disse “fui eu” e demonstrava
arrependimento. Declarou ainda que teve mais um contato com o réu no momento de
comunicação da penalidade, que foi o terceiro contato, e novamente, o réu veio, ouviu a

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penalidade e não fez nenhuma contestação de autoria. Que a única pergunta que o réu fez foi
“quais os efeitos acadêmicos disso? Isso afeta minha média? Eu vou poder fazer intercâmbio?”.
Que tais perguntas causaram estranheza porque o réu estaria “quase frio”, já pensando nas
consequências do que estava acontecendo. Sobre a anulação da comissão, disse que que
acompanhou todo o caso, que a partir de determinado momento, o caso foi diretamente

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judicializado, em que uma questão nova foi aventada, a do roubo de celular. Que essa questão não
foi apresentada para a Coordenação da faculdade, e que não seria o coordenador a pessoa
adequada para tomar a decisão que tomou (da suspensão). Que a partir deste momento toda a
conversa se transferiu para o setor legal, e, com a punição anulada, o réu se reuniu com o
coordenador para analisar os efeitos acadêmicos e o réu respondeu “eu não posso falar com o
senhor, fale com meus advogados”. daí em diante todos os contatos foram registrados via e-mail.
O réu voltou a frequentar as aulas, que a faculdade atendeu a determinação da justiça e apoiou o
aluno para continuar o semestre: faltas abonadas, possibilidade de fazer as provas perdidas.
Suspenderam a análise de uma eventual expulsão para depois de uma decisão tomada pela justiça.
Que a nova versão escapava da competência de análise da comissão de conduta. Disse que houve
um episódio semelhante em 2017 com outro aluno, todavia não foi identificar o(s) autor (es) dos
impropérios. Por tal motivo, implantaram vários procedimentos de conscientização e diversidade
na faculdade como forma de combater o racismo. Disse que a vítima é aluno muito ativo e
conhecido na faculdade, sendo muito querido.

A testemunha de acusação, Marco Antônio Carvalho Teixeira, na fase


policial disse que é Coordenador do Curso de Graduação de Adm. Pública da FGV há dois meses.
Que no dia 06/03/2018, através de um e-mail enviado pela Professora Rosa da Coordenação,
tomou conhecimento que uma fotografia com um comentário, os quais reconhece juntado às fls.
06, haviam sido publicados num grupo de Whatsapp pelo réu, então graduando em Adm. De
Empresas. Que considerando a conduta gravíssima, a Professora Rosa enviou o e-mail tanto para
ele como para os membros da Comissão de Conduta, pois esse seria um caso a ser analisado.
Informou que como Coordenador, enviou e-mail comunicando a Comissão do caso, mas todavia
como o réu cursava Adm. De Empresas, o Coordenador daquele curso era quem necessitava
comunicar a questão a ser tratada pela Comissão, o que foi feito no mesmo dia pelo Professor
Renato. Diante da confirmação de que o caso seria avaliado pela Comissão, achou por bem
chamar a vítima e cientificá-la do que estava acontecendo. Relatou que pediu à vítima que não
tomasse qualquer providência até que o réu fosse ouvido, tendo em vista que aquele poderia

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Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0027264-12.2018.8.26.0050 e código AC5F110.
alegar não ser o autor da postagem, o que foi aceito pela vítima. Mais ainda, que a vítima pediu
que fosse fornecida a postagem para que ele divulgasse nas redes sociais e fizesse o BO, mas que
por prudência achou melhor não fornecer naquele momento. O encaminhou ao setor Jurídico da
Faculdade para que fosse orientado sobre quais caminhos poderia seguir. Informa que a vítima,
contudo, conseguiu cópia da postagem e a divulgou nas redes sociais, causando grande alvoroço,

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PALOMA MOREIRA DE ASSIS CARVALHO, liberado nos autos em 19/03/2021 às 17:33 .
salvo engano na quinta-feira a noite. Posteriormente foi comunicado formalmente pela Comissão
de que o réu admitiu ter sido o autor da postagem, conforme Ata que lhe foi encaminhada. Em
juízo, manteve a versão dos fatos. Questionado sobre ter conhecimento se essa reunião haveria
sido anulada posteriormente, respondeu que tem conhecimento do desdobramento da ação
judicial, e dos efeitos. Que sabe que foi aplicada uma suspensão de três meses e depois o ingresso
de uma ação judicial que acabou por suspender os efeitos da punição. Que uma reunião de
coordenação a ser agendada também foi suspensa. Disse que a vítima não fez acompanhamento
psicológico junto a FGV e se fez, foi particular. Declarou que a vítima se assustou ao saber do
ocorrido e que pediu a ela para manter a calma e aguardar a comissão de conduta, pois iriam
confirmar a autoria da postagem. Disse não ter tido contato com o réu. Que o incidente
semelhante ao caso ocorrido em um evento esportivo não prosseguiu, pois não foram capazes de
identificar o autor.

A testemunha de acusação, Guilherme Stolle Paixão e Casarões, na


fase policial disse que é Vice Coordenador do Curso de Graduação de Adm. Pública da FGV há 9
meses. Que no dia 06/03/18 a Coordenação recebeu um e-mail encaminhado pela Prof. Rosa
Maria Vieira, da Coordenação do Curso de Graduação de Adm. De Empresas. Que o Prof. Marco
Antonio, Coordenador, mostrou-lhe um impresso, que veio anexo ao e-mail, de uma fotografia
com um comentário preconceituoso, que teria sido publicado pelo réu, então graduando do Curso
de Adm. De Empresas, num grupo de Whatsapp, a qual reconhece como sendo a página juntada
às fls. 06 dos autos. Que devido à gravidade da situação, a Comissão de Conduta foi formalmente
convocada pela Coordenação do Curso de Administração de Empresas, por ser o curso que o réu
frequenta, enquanto sua Coordenação de Adm. Pública preocupou-se em já convocar a vítima
para cientificá-lo do que estava acontecendo. Relatou que integra a Comissão de Conduta há oito
meses e estava presente na reunião que ocorreu no dia 07/03, no período da tarde, para tratar do
caso em questão. Que naquele dia o réu, prévia e devidamente convocado para a reunião, entrou
na sala, oportunidade em que os professores se apresentaram e explicaram o papel da Comissão
de Conduta. Foi o relator da Ata e todo o documento, após o término da reunião, o documento foi

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lido em voz alta para o réu antes que todos assinassem, e que inclusive o terceiro parágrafo, foi
todo acrescido porque o réu disse que gostaria de falar que se arrependia do ocorrido. Na reunião
o réu foi perguntado se tinha conhecimento do motivo de ter sido convocado, no que ele disse que
não. Em seguida, foi-lhe mostrada a postagem de fls. 06 e o réu imediatamente, baixou os olhos e
disse “fui eu e não tenho nada a dizer em minha defesa”. O réu viu a imagem e admitiu ser o autor

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(da postagem). O réu reforçou dizendo: “não tenho nada para dizer em minha defesa, foi uma
brincadeira péssima e monstruosa”. Que em dado momento foi perguntado ao réu sobre o
contexto da postagem, se ele conhecia a vítima, no que ele afirmou desconhecer a vítima, que
havia sido uma postagem gratuita com alguém que não conhecia. Declara que toda a colocação do
autor foi de assumir a autoria, inclusive se qualificando como “monstro”, por ter feito algo
monstruoso e que estava envergonhado. Que o réu ainda disse que pediria desculpas à vítima e
pediu desculpa “aos senhores que estão perdendo tempo”. Cientificaram o réu de que a Comissão
de Conduta teria o papel de recomendar uma ação a ser tomada, tal como suspensão, mas que esta
seria aplicada pela coordenação do curso. Na noite do dia 07, comunicou a vítima do resultado da
reunião da Comissão de Conduta e disse que o réu confessou a autoria da postagem e que gostaria
de se desculpar, no que a vítima perguntou o que poderia fazer dali pra frente. Que explicou que o
réu seria punido na esfera administrativa e que uma expulsão teria que ser feita pela Congregação
da Unidade de Ensino. Relatou que a vítima disse que gostaria que o réu fosse expulso. A vítima
foi instruída juridicamente pela Assessoria Jurídica da FGV do que poderia ser feito nas áreas
cível e criminal. Cientificou a vítima que a Unidade de Ensino estaria a seu lado para dar apoio. A
vítima lhe disse que não queria prejudicar o réu, mas era um dever dele com os negros que
tomasse uma atitude pois ele já não era mais a vítima e sim todos os negros. Informou que a
vítima pediu o print do Whatsapp por duas vezes, uma delas para colocar em redes sociais,
todavia foi informado pela coordenação que não estava autorizado a lhe passar. Todavia, a vítima
conseguiu a postagem e a publicou nas redes sociais, fato que causou um alvoroço de grande
repercussão. Em juízo, manteve a mesma versão dos fatos. Disse que o réu se mostrou
arrependido na reunião e que não teve mais contato com ele. Declarou que o réu não especificou
sua conduta (“eu tirei a foto, eu escrevi o texto), mas que atribuiu a si “ter feito algo monstruoso”.
A vítima ao receber a notícia, ficou muito abalada e que na hora não sabia como reagir.
Questionado sobre uma frase sua no IP “em dado momento foi perguntado ao Gustavo sobre o
contexto da postagem e se ele conhecia a vítima, ao que Gustavo respondeu que não conhecia a
vítima e que teria sido uma postagem gratuita contra alguém que não conhecia”, perguntou se
confirmava a frase, respondeu que lembrava do réu falar que a postagem foi uma brincadeira e

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frisar que não imaginava que a brincadeira tomaria essa proporção.

A testemunha de acusação, Bruno Sgarbi Gagioti, na fase policial disse


que fazia parte do grupo de Whatsapp, na data do depoimento chamado “Candango Junior”. Não
se recordava especificamente, mas acreditava que o grupo tinha sido criado quando cursavam o

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terceiro semestre da faculdade para que compartilhassem ideias sobre trabalhos e disciplinas.
Relatou que o grupo já teve o nome “Candango (Aquitemcoraje)”. Que o grupo era composto por
oito integrantes sendo: ele, o réu (Gustavo Metropolo), Leonardo Labate, Leonardo Oliveira,
Sergio Lins, Said Dargham, Henrique Matuoka e Nicolau Schettini. Que a primeira postagem (fls.
99) datava provavelmente do mês de setembro, pois se recorda que naquele mês a Professora Zila
Patrícia Bendit tinha passado um trabalho com uma atividade denominada “focus”, que consistia
em chamar pessoas, outros alunos para discutir algum tema que versasse sobre um serviço ou um
produto. Neste encontro seria oferecido um café da manhã, ao que o réu teria respondido que iria
num ”grupo de focus” apenas pelo bolo. Com relação à conversa do grupo de Whatsapp
“Candango”, apresentou seu celular, que não mais contém a postagem preconceituosa, nem
qualquer outra postagem do referido grupo. Informou que o grupo teve postagens este ano, mas
diante da repercussão dos fatos ora apurados muitos colegas o orientaram de que seria melhor
apagar as mensagens e receoso terminou por apaga-las, no dia 08/03/2018. Indagado sobre a
existência de outros comentários racistas feitos em seguida ao do réu, que não se recordava com
exatidão, mas acredita que tenha tido um ou outro, embora não se recorde de quais os dizeres ou
de quem os postou. Esclareceu que não fez qualquer comentário racista ou preconceituoso de
plano por não concordar com qualquer preconceito ou racismo, até por ter parentes e queridos que
são negros. Indagado sobre se o réu fez algum pedido de desculpas ou se avisou sobre eventual
clonagem de seu celular, informou que tais não ocorreram em nenhum momento, nem
pessoalmente nem nas redes sociais. Não se sentia à vontade com alguns comentários do réu, mas
nunca falaram sobre isso. Em juízo, disse que o grupo do Whatsapp tinha intimidade então, entre
eles, havia brincadeiras pessoais, mas que não ofendiam, mas quem está de fora poderia pensar
diferente. Citou como exemplo “zoar” o réu porque ele jogava mal futebol. Disse que o réu não
lhe disse que o seu celular havia sido roubado ou que ele havia perdido. Questionado se sabe se o
réu já havia feito alguma brincadeira indelicada em relação a outra pessoa, respondeu que pode
ser que tenha acontecido, mas não sabe se a outra pessoa se sentiria ofendida. Disse que não é
amigo da vítima e que o conhece da bateria da escola. Não acredita que a postagem possa ter sido
feita por outra pessoa., mas disse não saber se alguém pegou o celular do acusado. Não se recorda

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se o grupo já teve o nome de “Candango aqui tem corage”. Não se recorda se após os fatos, o réu
disse que estava chateado ou preocupado. Questionado se conhece o Sérgio, mostrou foto das fls.
216, em que havia postagem do grupo Candango Jr, questionando se se recorda do comentário do
réu para o integrante Leonardo “mano, ele entrou na justiça”, “oq eu faco mano” e demais
comentários, e se se recorda de ter visto o comentário no grupo, respondeu que sim, se recorda de

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ter visto a conversa nos comentários do grupo. Que na hora da conversa não estava com o celular,
mas recorda de ter lido depois.

A testemunha de acusação, Sérgio Fonseca Lins, na fase policial disse


que estuda na FGV cursando Adm. De Empresas já há 4 semestres, sendo que conhece o réu
desde o início. Indagado quanto ao grupo “Candangos” informa que participa do grupo formado
por 8 integrantes da sala atual. Sobre os fatos, informa que viu a referida postagem em setembro
do ano de 2017, mas não fez nenhum comentário a respeito. Indagado se seu telefone conteria
aquelas mensagens, informou que não as tem mais pois tem o hábito de limpar as conversas
semanalmente. Explicou ainda que não arquiva (backup) suas conversas de Whatsapp não
sabendo como recuperá-las. Informou que continua participando do grupo, que mudou o nome
para “Candango Júnior”. Quanto à postagem, informou que na época, setembro de 2017, eram
organizados grupos denominados “focus” pela professora Zilá e que se lembra da postagem do
réu dizendo “vou pelo bolo”. Que chegou a comentar sobre a postagem preconceituosa do réu
com seu colega Leonardo Oliveira Rodrigues e que ambos entenderam que seria um comentário
no mínimo infeliz. Disse que teve ciência dos fatos e da repercussão ao ler no grupo fechado da
FGV no Facebook a postagem da vítima. Questionado sobre eventual clonagem do celular
informou que o réu nada lhe disse a respeito, todavia se recorda de que em novembro o colega
teria informado que o celular dele havia sido roubado. Acrescenta que a postagem do réu foi
infeliz, pois mexe com todo um viés histórico. Em juízo, disse não se recordar do teor exato da
postagem, mas que na foto estava o aluno João Gilberto. Era amigo do réu, mas não chegou a
falar com ele sobre o ocorrido. Não soube como a foto saiu do grupo. Não soube dizer quando o
celular do réu foi roubado, se antes ou depois dos fatos. Não se lembra se o grupo mudou de
nome. Afirmou que o réu lhe disse que a vítima havia entrado na justiça, mas não se recorda
exatamente o teor da conversa.

A testemunha de acusação, Leonardo Labate Vasconcellos, na fase


policial disse que cursava Adm. De Empresas já há 4 semestres, e que conhece o réu desde o

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início. Que participava do grupo de whatsapp “Candangos” formado por oito integrantes da sala.
Que viu a postagem do réu em setembro do ano de 2017, mas que não fez nenhum comentário.
Que não mais possuía o aparelho de telefone da época dos fatos, pois havia adquirido um novo e
não fazia backup de mensagens de Whatsapp. Atualmente continua participando do grupo que
mudou de nome para “Candango Junior”. Quanto à postagem objeto do inquérito, informou que à

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época, setembro de 2017, eram organizados grupos denominados “focus” pela professora Zila e
que se lembra da postagem do réu dizendo “vo pelo bolo”. Quando à postagem com a fotografia
da vítima, que correu logo em seguida, que se recorda do comentário do réu, mas que não
escreveu nada a respeito. Que algum outro participante do grupo teria rido, mas não sabe dizer
quem. Que a postagem de fls. 06 não é um print de seu aparelho de telefone. Sobre como teve
ciência dos fatos, disse que ficou sabendo pelo próprio réu que informou ter sido suspenso por
três meses e, posteriormente, leu no grupo fechado da FGV no Facebook. Que o réu então teria
dito que a “suspensão seria por conta de uma postagem que ele teria feito, zoando uma terceira
pessoa”. Que o réu teria explicado “que havia enviado uma mensagem para a vítima com o intuito
de pedir desculpas, mas que ainda não havia obtido uma resposta dela”. Que não se lembra de o
réu ter feito qualquer comentário público ou particular sobre eventual clonagem de celular dele.
Questionado se fez o print e enviou para outro grupo, respondeu que sim, e que se sentiu
incomodado porque conhece o réu e isso não é da índole dele, mas que enviou no outro grupo
numa forma de saber o que os outros colegas achavam da postagem. Justificou que pelo que
conhece do réu essa não é a índole dele, que ele participou do cursinho da FGV e se fosse uma
pessoa preconceituosa não teria participado dos seminários, então ficou incomodado com o
comentário em si e quis trazer à discussão com o outro grupo. Disse que encaminhou o print a um
grupo de colegas do Colégio Dante. Que no grupo falaram que o João era um cara “gente boa” e
que havia escrito “olha o pessoal da GV que estuda comigo”.

A testemunha de defesa, Graziella Matos de Oliveira, disse que o réu


afirmou não ter escrito a mensagem e nem tirado a foto. Que o réu nunca teve comportamento
parecido. Que ele não se lembra de ter visto isso nem postado a imagem e a mensagem.

A testemunha de defesa, Marta de Oliveira Nascimento, disse que


cuidou do réu desde os 5 anos de idade. Soube das postagens pelo Facebook e que o réu havia lhe
dito que não tinha feito nada. O réu contou que aconteceu de uma imagem de um rapaz na
faculdade e que haviam repassado. E que aparentemente repassaram para ele. Que ele nem lembra

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de ter visto isso nem postado a imagem e a mensagem. Que ele não disse quem teria recebido a
imagem ou feito o comentário. Disse que o réu nunca se envolveu em nada parecido

GUSTAVO METROPOLO, na fase policial, disse que foi convocado


pela faculdade a participar de uma reunião, em que lhe foi apresentado um papel com uma

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imagem impressa e que lhe pediram pra explicar a imagem. Vendo que seu nome constava na
imagem, sentiu medo e se sentindo pressionado, foi obrigado a confessar algo que não reconhecia
como de sua autoria. Acuado por estar naquela posição, assinou a confissão de algo que não havia
feito. Não sabia do ocorrido e só ficara sabendo no dia da reunião, ao ver aquela foto. Ao ser
suspenso não entendeu porque deveria se ausentar por um período tão grande já que nem sabia
daquela foto. Foi vítima de roubo de seu celular, no dia 22/11/2017, às 21h30 mas que no dia
01/02/2018, recebeu telefonema para retirada de seu aparelho telefônico que fora encontrado em
uma batida policial. Que chegando lá o aparelho telefônico era clone do seu, não sendo o mesmo
aparelho, tendo sido deixado na delegacia. Não se recordava da postagem preconceituosa nem da
foto, nem das mensagens trocadas no grupo dizendo que ia no evento do grupo, em que escreveu
“vou pelo bolo”. Não sabe dizer porque as postagens apareceram com seu nome. Não se recorda
de ter dito que “foi uma brincadeira de extremo mau gosto e que estava sem palavras” na reunião
da Comissão, que não se recorda de ter dito que gostaria de pedir desculpas à vítima. Sobre o
depoimento dos membros da Comissão, disse que não se recorda. Em nenhum momento disse que
admitiu os fatos e que nada tinha a dizer em sua defesa, na reunião da Comissão. Em síntese alega
não ter sido autor da fotografia nem do comentário, não sabendo dizer como tal se deu. Em juízo,
negou os fatos. Disse que não tirou a foto e nem escreveu a mensagem. Não sabe dizer como a
foto apareceu no grupo e em qual contexto foi veiculada. Conhece a vítima, pois é uma pessoa
muito ativa na faculdade. Não sabe dizer se quem tirou a foto tinha algum problema com a vítima.
Disse que participava do grupo “Candangos” com mais 7 amigos. Relatou que sofreu roubo do
celular, mas que foi antes dos fatos. Não soube dizer se o celular foi clonado. Afirmou que nunca
disse à Comissão que havia sido ele o autor da postagem. Que os professores nunca lhe
perguntaram se ele havia tirado a foto ou escrito à imagem. Questionou a coordenação se poderia
falar com a vítima para tentar descobrir o que havia acontecido. Iria pedir desculpas para a vítima
não por ter feito algo, mas pela situação em que se encontravam. Não soube dizer porque somente
ele foi convocado pela comissão quando havia mais participantes no grupo. Disse que entrou com
mandado de segurança para recorrer da decisão da suspensão e que o desembargador havia dito
que ele não teve chance de se defender. Questionado se conhecia o Leonardo Oliveira Rodrigues,

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respondeu que o conhecia e era seu amigo. Foi informado que em depoimento, o Leonardo
afirmou que soube pelo réu que este havia sido suspenso por ter feito uma postagem “zoando”
uma terceira pessoa e enviado uma mensagem pedindo desculpas à vítima, mas não obtendo
resposta. Questionado se confirma a afirmação de Leonardo, respondeu que não lembrava do que
haviam conversado, pois fazia muito tempo, e que também não lembrava de ter falado nada disso.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PALOMA MOREIRA DE ASSIS CARVALHO, liberado nos autos em 19/03/2021 às 17:33 .
Sobre o ter discriminatório da imagem, disse não saber interpretar os dizeres da postagem. Disse
não saber dizer como uma pessoa negra se sentiria e que não sabe dizer se a postagem seria
apenas uma brincadeira. Afirmou que não tirou a foto e que não escreveu a mensagem. Não sabe
dizer quem seria o responsável pela postagem.

Embora tenha negado os fatos, a versão dada pelo acusado restou


isolada nos autos, não encontrando respaldo nas demais provas e elementos de convicção. Até
porque foi insuficiente para invalidar o restante do contexto probatório, que o contradiz, sendo
incapaz de apontar um motivo idôneo para ilidir a robusta prova trazida pela acusação.

Por outro lado, a versão da vítima e os depoimentos das testemunhas


foram uniformes e lógicos, resguardados por todos os elementos averiguados antes e durante este
processo, comprovando a existência do crime e a sua autoria conforme a denúncia oferecida pelo
Parquet.

Não convence a versão do réu de que não foi o responsável pela


fotografia, postagem e mensagem. Restou comprovado que, por diversas vezes, o réu admitiu aos
professores e coordenadores da Faculdade ter sido o autor dos fatos, chegando a dizer que havia
feito uma “monstruosidade” e que eles estariam “perdendo tempo” com uma pessoa como ele.
Afirmou que não era isso que aprendera com a sua família, mostrando-se arrependido da conduta.

Por mais que o acusado não tenha dito com todas as palavras “eu tirei a
foto” e “eu escrevi a mensagem”, por indução lógica, fica claro que alguém que assume a culpa
por um ato, denominado por ele próprio de “monstruoso”, tinha conhecimento e noção do que se
tratava. Ademais, não haveria motivos para o réu dizer à Comissão que tinha a intenção de se
desculpar com a vítima, se não fosse o responsável pela mensagem.

O réu assinou a ata da Reunião da Comissão de Conduta (fls. 23/30) em

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que lhe foi questionado sobre a postagem, confessando a autoria e dizendo estar arrependido dos
fatos. Todos os participantes da reunião foram categóricos e uníssonos ao dizer que o réu estava
tenso como qualquer aluno que participasse desse tipo de reunião, mas que ele não foi
pressionado. Até porque a Comissão somente é responsável pela apuração dos fatos, não lhe
cabendo aplicar penalidades.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PALOMA MOREIRA DE ASSIS CARVALHO, liberado nos autos em 19/03/2021 às 17:33 .
Consta que a Coordenadoria do Curso de Administração de Empresas da
FGV recebeu a referida postagem na data de 06/03/2018 e imediatamente determinou que se
realizasse uma reunião do réu, então aluno, com a comissão de conduta para apuração da autoria
da postagem. Na data de 07/03/2018 realizou-se a referida reunião da Comissão e, diante da
“confissão espontânea do réu, que teria reconhecido ser o autor da fotografia e do comentário,
alegando se tratar de uma brincadeira de mau gosto, estúpida, e ainda, que se encontrava
arrependido”, cuja ata ensejou a aplicação de pena disciplinar de suspensão pelo período de três
meses.

Além disso, foi ouvido o Coordenador do Curso de Administração de


Empresas- FGV, o qual declarou ter mantido conversa com o réu após a reunião, em que ele teria
chorado e demonstrado arrependimento.

Em relação à perícia no aparelho telefônico para verificar o contexto em


que enviada a foto e a mensagem, a alegação não prospera. A uma, porque não foi pedido pela
Defesa quando oportunizado se manifestar, sendo questão preclusa. A mensagem e a foto foram
postadas em nome do acusado, do que se infere que foram tiradas e escritas por ele. Caberia a
Defesa requerer ou comprovar, pelos diversos meios de prova, que o conteúdo foi criado e
compartilhado por terceira pessoa. A duas, porque o conteúdo racista da mensagem em
consonância com a foto é indiscutível, sendo desnecessário verificar o contexto das conversas
para se chegar a essa conclusão.

Da mesma forma, a alegação de suspeição das testemunhas também se


encontra peclusa, uma vez que antes dos depoimentos é que deve ser feita a contradita, nos termos
do artigo 214 do Código de Processo Penal.

Insta salientar que houve a anulação da punição imposta ao réu pela

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14ª VARA CRIMINAL
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Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0027264-12.2018.8.26.0050 e código AC5F110.
FGV (suspensão de 3 meses) através da impetração de mandado de segurança. Cabe transcrever o
trecho do acórdão: “Pelo que pude observar, a autoridade impetrada se preocupou em instruir o
processo com peças atinentes à investigação policial sobre os fatos descritos na exordial,
quando, na verdade, o presente writ tem por objeto a alegada inobservância do devido processo
legal no âmbito administrativo. O quero significar, em suma, é que o presente não versa sobre a

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(in)ocorrência dos fatos que mandamus acarretaram a punição ou mesmo sobre a justeza da
pena aplicada (se excessiva ou não). Aqui se discute, tão somente, o respeito ou não a postulados
de estatura constitucional como condição para imputação de responsabilidade.”

Nesse contexto, a cassação da suspensão se deu tão somente pelo


desrespeito ao próprio Estatuto da faculdade na apuração dos fatos e aplicação da sanção, sem
envolvimento no mérito da conduta do acusado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos qualifica como


discriminação racial qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências baseadas em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica. Condena ainda a incitação às práticas
discriminatórias que “se inspirem em ideias e teorias baseadas na superioridade de uma raça ou de
um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa origem étnica que pretendem justificar ou
encorajar qualquer forma de ódio e discriminação raciais”.

Além disso, o Brasil já ratificou diversos tratados internacionais sobre a


garantia dos direitos humanos, inspirando e respeitando a Constituição Federal de 1988 que cuida
do tema no artigo 4º, inciso VIII, ao definir como um dos princípios da política brasileira o
repúdio ao racismo e ao terrorismo.

Destarte, reproduzo trecho do voto do eminente Min. Celso de Mello no


HC 82424 (caso Ellwanger): "Aquele que ofende a dignidade de qualquer ser humano,
especialmente quando movido por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada
um”.

Dessa forma, respeitada a liberdade de expressão dos indivíduos,


elemento fundante da nossa Constituição Federal, certo é que os direitos fundamentais devem ser
exercidos nos limites das demais garantias, não se tolerando manifestações de cunho

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discriminatório.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL.


CRIME DE RACISMO RELIGIOSO. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
INOCORRÊNCIA. IMPRESCRITIBILIDADE. PREVISÃO

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CONSTITUCIONAL EXPRESSA. LIVRO. PUBLICAÇÃO.
PROSELITISMO COMO NÚCLEO ESSENCIAL DA LIBERDADE
DE EXPRESSÃO RELIGIOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. 1. Não se reconhece a inépcia da denúncia na hipótese em que
a tese acusatória é descrita com nitidez e o acusado pode insurgir-se,
com paridade de armas, contra o conteúdo veiculado por meio da
respectiva peça acusatória. 2. Nos termos da jurisprudência do STF, “a
divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo
meramente político-social” (HC 82424, Relator (a): Min. MOREIRA
ALVES, Relator (a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal
Pleno, julgado em 17/09/2003), de modo que o conceito jurídico
associado ao racismo não pode ser delineado a partir de referências
raciais ancoradas em compreensões científicas há muito superadas.
Assim, a imprescritibilidade de práticas de racismo deve ser aferida
segundo as características político-sociais consagradas na Lei 7.716/89,
nas quais se inserem condutas exercitadas por razões de ordem religiosa
e que se qualificam, em tese, como preconceituosas ou discriminatórias.
3. A liberdade religiosa e a de expressão constituem elementos
fundantes da ordem constitucional e devem ser exercidas com
observância dos demais direitos e garantias fundamentais, não
alcançando, nessa ótica, condutas reveladoras de discriminação. 4. No
que toca especificamente à liberdade de expressão religiosa, cumpre
reconhecer, nas hipóteses de religiões que se alçam a universais, que o
discurso proselitista é da essência de seu integral exercício. De tal
modo, a finalidade de alcançar o outro, mediante persuasão, configura
comportamento intrínseco a religiões de tal natureza. Para a consecução
de tal objetivo, não se revela ilícito, por si só, a comparação entre
diversas religiões, inclusive com explicitação de certa hierarquização ou

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animosidade entre elas. 5. O discurso discriminatório criminoso
somente se materializa após ultrapassadas três etapas indispensáveis.
Uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos
e/ou indivíduos; outra de viés valorativo, em que se assenta suposta
relação de superioridade entre eles e, por fim; uma terceira, em que o

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agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação,
exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos
fundamentais do diferente que compreende inferior. 6. A discriminação
não libera consequências jurídicas negativas, especialmente no âmbito
penal, na hipótese em que as etapas iniciais de desigualação
desembocam na suposta prestação de auxílio ao grupo ou indivíduo que,
na percepção do agente, encontrar-se-ia em situação desfavorável. 7.
Hipótese concreta em que o paciente, por meio de publicação em livro,
incita a comunidade católica a empreender resgate religioso direcionado
à salvação de adeptos do espiritismo, em atitude que, a despeito de
considerar inferiores os praticantes de fé distinta, o faz sem sinalização
de violência, dominação, exploração, escravização, eliminação,
supressão ou redução de direitos fundamentais. 8. Conduta que, embora
intolerante, pedante e prepotente, se insere no cenário do embate entre
religiões e decorrente da liberdade de proselitismo, essencial ao
exercício, em sua inteireza, da liberdade de expressão religiosa.
Impossibilidade, sob o ângulo da tipicidade conglobante, que conduta
autorizada pelo ordenamento jurídico legitime a intervenção do Direito
Penal. 9. Ante a atipicidade da conduta, dá-se provimento ao recurso
para o fim de determinar o trancamento da ação penal pendente. (STF -
RHC: 134682 BA - BAHIA 4000980-28.2016.1.00.0000, Relator: Min.
EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 29/11/2016, Primeira Turma,
Data de Publicação: DJe-191 29-08-2017)

Sobre a distinção entre o crime de injúria racial previsto no Código


Penal e o delito de racismo, vejam-se trechos do voto do Ministro Felix Fisher:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS

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CORPUS. ART. 20, DA LEI Nº 7.716/89. ALEGAÇÃO DE QUE A
CONDUTA SE ENQUADRARIA NO ART. 140, §3º, DO CP.
IMPROCEDÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA
DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. (...) Voto Com efeito, no delito
de injúria preconceituosa, a finalidade do agente, a fazer uso de

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elementos ligados a raça, cor, etnia, origem etc., é atingir a honra
subjetiva da vítima, bem juridicamente protegido pelo crime em
questão. Ao contrário, o delito previsto no art. 20, da Lei nº 7716/89, na
modalidade de praticar ou incitar a discriminação ou preconceito de
procedência nacional, constitui manifestação de um sentimento em
relação a toda uma coletividade em razão de sua origem
(nacionalidade). Em sentido semelhante, no plano doutrinário, tem-se:
Rogério Greco, Curso de Direito Penal - parte especial, v. II, ed.
Ímpetus, 2006, p. 516; Fernando Capez, Curso de Direito Penal - parte
especial, v. 2, ed. Saraiva, 2003, p. 251; Cezar Roberto Bitencourt,
Tratado de Direito Penal - parte especial, v. 2, ed. Saraiva, 2004, p. 393;
Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, ed. Saraiva, 2002, p.
490/491, Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, ed. RT,
2006, p. 605; Luiz Flávio Gomes, Racismo contra Grafite: houve
exagero?, in www.lfg.com.br, etc. No caso vertente, como dito alhures,
a intenção dos agentes, nos limites do writ, não transparece ser mera
ofensa à honra subjetiva da vítima (ataque verbal exclusivo contra a
pessoa do ofendido), tendo em vista o contexto em que proferidas as
palavras, bem como a insistência em marcar a diferença entre ofensores
e ofendido, ressaltando a pretensa superioridade daqueles por serem
americanos. Repare que o primeiro denunciado, com a contribuição
moral do segundo denunciado, que o teria incitado, mencionou cinco
adjetivos para qualificar os atributos do povo americano (v.g., jovem,
bonito, orgulhoso, rico e poderoso) e, em seguida, outros cinco adjetivos
para depreciar o povo brasileiro (v.g., safado, depravado, repulsivo,
canalha e miserável). Em outras palavras, o intento manifesto, em tese,
não era precisamente depreciar o passageiro, mas salientar sua
humilhante condição em virtude de ser brasileiro, i.e., a ideia foi exaltar

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a superioridade do povo americano em contraposição à posição inferior
do povo brasileiro. Esta, ao que tudo indica, foi a real intenção”. (RHC
n. 19.166/RJ, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 20/11/2006, p.
342).

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Sobre o tema, ensina Guilherme de Souza Nucci: "(...) é preciso
considerar que o art. 20 da Lei 7.716/89 diz respeito à ofensa a um grupo de pessoas e não
somente a um indivíduo, enquanto o art. 140, § 3.º, do Código Penal, ao contrário, refere-se a uma
pessoa, embora valendo-se de instrumentos relacionados a um grupo de pessoas (...)” (Leis Penais
e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 320). Em
seguida, referido autor preleciona que a distinção entre os tipos penais repousa no dolo ou
intenção do agente. Por conseguinte, "se o agente pretender ofender um indivíduo, valendo-se de
caracteres raciais, aplica-se o art. 140, § 3.º, do Código Penal", de outro lado "se o seu real intento
for discriminar uma pessoa, embora a ofendendo, para que, de algum modo, fique segregada, o
tipo penal aplicável é o do art. 20" (Op. cit., p. 320/321).

Vejamos também a definição dada no portal do CNJ: “Em geral, o crime


de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção
de ofender a honra da vítima.[...] Já o crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, implica
conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a
crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o
ofensor. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou
impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios
públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em
empresa privada, entre outros. De acordo com o promotor de Justiça do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Thiago André Pierobom de Ávila, são mais comuns no
país os casos enquadrados no artigo 20 da legislação, que consiste em “praticar, induzir ou incitar
a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. (CNJ:
Conheça a diferença entre racismo e injúria racial. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/conheca-a-
diferenca-entre-racismo-e-injuria-racial/, Acesso em: 02/03/2021).

Como bem pontuado por Cleber Masson (Direito Penal Esquematizado.


Vol.2. Parte Especial): “Racismo é a divisão dos seres humanos em raças, superiores ou

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inferiores, resultante de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto
origina-se essa prática nefasta que, por sua vez, gera discriminação e preconceito segregacionista.
O racismo não pode ser tolerado, em hipótese alguma, pois a ciência já demonstrou, com a
definição e o mapeamento do genoma humano, que não existem distinções entre os seres
humanos, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura ou quaisquer outras

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características físicas. Não há diferença biológica entre os seres humanos, que na essência,
biológica ou constitucional (art. 5.º, caput), são todos iguais”.

Nota-se que a conduta do réu se dirigiu tanto à coletividade quanto à


vítima. Isso porque no contexto em que publicada (grupo de amigos), dentro de uma instituição
renomada e voltada à classes abastadas da sociedade, observa-se a intenção de segregar um aluno
preto, que não "poderia pertencer" àquele mundo. Além disso, ao dizer que encontrou um
“escravo”, o acusado objetifica a vítima, dando a entender que ela só poderia estar naquele local
acompanhada de seu “dono”. Nesse contexto, com a postagem, o autor diminuiu e ofendeu toda a
coletividade de pessoas pretas, principalmente, as que frequentavam a faculdade à época dos
fatos.

Já no tipo objetivo da injúria, segundo Celso Delmanto, é “[...] não há a


imputação de um fato, mas a opinião que o agente dá a respeito do ofendido. Ela precisa chegar
ao conhecimento da vítima, ainda que por meio de terceiros (o ofendido não precisa ouvi-la
pessoal ou diretamente). Pode ser praticada por qualquer forma; é comissiva, embora,
teoricamente, possa também ser omissiva”.

Ao ver a vítima, abraçadas com duas mulheres brancas, o réu realizou a


postagem depreciativa, atribuindo-lhe inferioridade exclusivamente em razão de sua cor/raça para
tanto, utilizando-se do vergonhoso e dolorido histórico da escravidão. Conforme relatado pelas
testemunhas, a vítima ficou surpresa quando viu a postagem, precisando de tempo para entender o
ocorrido. Não por outro motivo, precisou de acompanhamento psicológico para lidar com a
situação. Ademais, o réu afirmou conhecer a vítima, que era uma pessoa muito ativa na faculdade,
o que demonstra a sua compreensão sobre a ofensa e a quem a dirigia.

Ao veicular a fotografia e a mensagem, o acusado atingiu, não somente


à vítima, que se viu exposta àquela situação, mas a todos os alunos pretos e a toda uma sociedade,

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que diariamente luta contra preconceitos e clama por respeito e igualdade.

Por fim, atribuir o caráter de “brincadeira” ou “bobagem” ou qualquer


eufemismo a conduta do acusado significa compactuar com ideais preconceituosos, ultrapassados
e sem fundamento, que se configuram como uma tentativa fracassada e vergonhosa de justificar a

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sobreposição de indivíduos brancos sobre outros povos. Felizmente, que se trata de uma minoria
ainda muito criticada (e combatida) nos meios acadêmicos e sociais.

Em relação à qualificadora do §2º do artigo 20 da lei 7.716/89, não


restaram dúvidas que a mensagem foi veiculada por meio do aplicativo de mensagens Whatsapp,
no grupo denominado Candangos, sendo imperiosa a elevação da pena base.

Comprovada, portanto, a autoria e a materialidade, configurado, assim,


os delitos de injúria racial previsto no §3º do art. 140 do Código Penal, cujo preceito secundário
prevê pena de "reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa" o crime de racismo, previsto no artigo
20, caput e §2º da Lei 7.716/89, o qual prevê pena de “reclusão de dois a cinco anos e multa”.

Passo a dosar a pena.

Primeira etapa. Ao analisar as circunstâncias judiciais do acusado, nos


termos do artigo 59 do Código Penal, anoto que ele não apresenta maus antecedentes. As
demais circunstâncias são normais à espécie. Fixo as penas base em:
a) Racismo: 2 anos de reclusão e 10 dias-multa.
b) Injúria racial: 1 ano de reclusão e 10 dias-mula.

Segunda etapa. Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes.


Mantenho a pena anteriormente fixada.

Terceira etapa. Ausentes causas de diminuição da pena. Incide, nesta


etapa, a causa de aumento de pena prevista no art. 141, inciso III do Código Penal. O crime foi
cometido “na presença de várias pessoas” (em grupo de whatsapp) e por meio que facilitou a
divulgação da injúria (restou comprovado que o conteúdo foi compartilhado). Assim, majoro a
pena do delito de injúria em 1/3. Fixo as penas em:

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a) Racismo: 2 anos de reclusão e 10 dias-multa.
b) Injúria racial: 1 ano e meses de reclusão e 13 dias-mula.

Concurso formal: nos termos do artigo 70 do Código Penal, o acusado


cometeu dois delitos diversos em uma única ação, o que exige a elevação da pena do crime de

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racismo (maior pena) em 1/6. Fixo a pena definitiva em 2 anos e 4 meses de reclusão e 23 dias
multa.

Regime inicial de cumprimento. Considerando as circunstâncias


judiciais, primariedade do réu e a pena imposta, considero como adequado o regime inicial
aberto, conforme artigo 33, §3º, do Código Penal.

Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por prestação de


serviços à comunidade e prestação pecuniária, nos termos do artigo 44 do Código Penal.

A prestação de serviços à comunidade, aplicável às condenações


superiores a seis meses de privação da liberdade, consistirá na atribuição de tarefas gratuitas ao
condenado a serem realizadas em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros
estabelecimentos congêneres de indicação do Juízo da Execução. Devem ser cumpridas à razão de
uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de
trabalho (artigo 46, §§ 2º e 3º, do Código Penal).

A prestação pecuniária consistirá no pagamento de 5 (cinco) salários


mínimos em favor da vítima (artigo 45, §1º, do Código Penal).

Valor do dia-multa (artigo 49 do Código Penal): considerando a


capacidade financeira do acusado, ex-aluno da Fundação Getúlio Vargas e atualmente aluno do
Insper, fixo o dia-multa em 1/2 salário mínimo, corrigido monetariamente pela Tabela Prática do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a partir de então.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão acusatória


para CONDENAR GUSTAVO METROPOLO à pena de reclusão, pelo prazo de 2 anos e 4
meses, em regime inicial aberto, bem como a 23 dias-multa, fixados no valor unitário de 1/2

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(metade) salário mínimo, em virtude da conduta típica descrita no artigo 20, caput e §2º da Lei
7.716/89 em concurso formal (artigo 70, CP) com o artigo 140, §3º c.c artigo 141, III, todos do
Código Penal.

Substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à

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comunidade, a entidade a ser definida pelo juízo da Execução, e à pena de prestação pecuniária,
consistente no pagamento de 5 (cinco) salários mínimos em favor da vítima.

Poderá o réu apelar em liberdade, posto que não houve, durante a


instrução, qualquer motivo ensejador de custódia cautelar, e diante da substituição da pena,
tampouco há agora.

Condeno o(s) acusado(s) ao pagamento das custas e despesas


processuais.

Oportunamente, com o trânsito em julgado, procedam-se às


comunicações necessárias aos institutos de identificação criminal, ao cartório distribuidor local e
ao Tribunal Regional Eleitoral acerca do veredicto condenatório.

Determino a cessação das respectivas transmissões eletrônicas e a


publicação das imagens por qualquer meio, além da interdição das respectivas mensagens ou
páginas de informação na rede mundial de computadores, nos termos do artigo 20, §3º, incisos II
e III da Lei 7.716/89. Expeçam-se os ofícios a rede Google e Facebook.

P.I.C

São Paulo, 19 de março de 2021.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,


CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

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