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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REVISOR : MIN. CELSO DE MELLO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
ASSIST.(S) : PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
ADV.(A/S) : TALES DAVID MACEDO E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER JÚNIOR
ADV.(A/S) : MARINA DE ALMEIDA VIANA
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO
ADV.(A/S) : PRISCILA NEVES MENDES
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA
RÉU(É)(S) : CRISTIANO AUGUSTO MEURER
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA

EMENTA: AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA E LAVAGEM DE


DINHEIRO. 1. PRAZO SUCESSIVO À ACUSAÇÃO E ASSISTENTE
PARA ALEGAÇÕES FINAIS. PROCEDIMENTO NECESSÁRIO EM
RAZÃO DA PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. QUEBRA DO TRATAMENTO
ISONÔMICO NÃO CONFIGURADO. 2. SUBSTITUIÇÃO DE
TESTEMUNHAS. INDEFERIMENTO. IRRESIGNAÇÃO ANALISADA
EM AGRAVO REGIMENTAL. PRECLUSÃO. 3. PROVA PERICIAL.
PRETENSÃO DEDUZIDA A DESTEMPO. INDEFERIMENTO.
IMPRESCINDIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA. CERCEAMENTO DE
DEFESA INOCORRENTE. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 4.
DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES. OITIVA DE TESTEMUNHAS
REFERIDAS. PLEITO INDEFERIDO. SIMPLES MENÇÕES A NOMES.
NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AGRAVO REGIMENTAL

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PREJUDICADO. 5. PRETENSÃO DE JULGAMENTO CONJUNTO


DESTES AUTOS COM OS INQUÉRITOS 3.989 E 3.980. ALEGADA
CONEXIDADE. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 80 DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 6. TESTEMUNHA DEFENSIVA
CONTRADITADA. QUEBRA DA PARIDADE DE ARMAS. PESSOA
DENUNCIADA POR FATOS SEMELHANTES NO INQUÉRITO 3.980.
INTERESSE NOTÓRIO NA RESOLUÇÃO DA CAUSA PENAL. VÍCIO
NÃO CONFIGURADO. 7. CORRUPÇÃO PASSIVA. DEMONSTRAÇÃO
DE TODOS OS ELEMENTOS DO TIPO PENAL NAS OPORTUNIDADES
ESPECIFICADAS. ATO DE OFÍCIO. ATUAÇÃO PARLAMENTAR E
PARTIDÁRIA. APOIO POLÍTICO À NOMEAÇÃO OU À
MANUTENÇÃO DE AGENTE EM CARGO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE
TAL PROCEDER PARA A OBTENÇÃO DE VANTAGENS
PECUNIÁRIAS INDEVIDAS. CONDENAÇÃO. 8. LAVAGEM DE
CAPITAIS. 8.1. RECEBIMENTO DE DINHEIRO EM ESPÉCIE.
ATIPICIDADE. 8.2. VANTAGEM INDEVIDA DEPOSITADA DE FORMA
PULVERIZADA EM CONTAS-CORRENTES. CONDUTA TÍPICA. 8.3.
DECLARAÇÃO À AUTORIDADE FAZENDÁRIA DE
DISPONIBILIDADE MONETÁRIA INCOMPATÍVEL COM
RENDIMENTOS REGULARMENTE PERCEBIDOS. CONFIGURAÇÃO
DO DELITO. 8.4. DOAÇÃO ELEITORAL. FORMA DE
ADIMPLEMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA. INFRAÇÃO PENAL
DE BRANQUEAMENTO CARACTERIZADA. CONDENAÇÃO.
1. A disponibilização de prazos distintos e sucessivos à
Procuradoria-Geral da República e à assistente da acusação para a oferta
de alegações finais foi motivada pela prerrogativa prevista em favor da
primeira no art. 18, II, h, da LC 75/1993, circunstância que impede o
reconhecimento da quebra de tratamento isonômico no caso em análise,
diante do prazo comum concedido aos réus.
2. O assentado cerceamento de defesa, em decorrência do
indeferimento do pleito de substituição de testemunhas, foi objeto de
deliberação pela Segunda Turma, por ocasião do julgamento de agravo
regimental em 8.8.2017, o que evidencia a preclusão em relação ao tema,

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diante da inexistência de qualquer fato superveniente que autorize a sua


reanálise.
3. Nos termos do art. 396-A do Código de Processo Penal, a resposta
à acusação é o momento processual oportuno para a defesa especificar
todas as provas pretendidas. O requerimento de produção probatória,
além de específico, deve ser acompanhado de demonstração da sua
relevância à resolução do mérito da ação penal, viabilizando o controle a
ser exercido pela autoridade judiciária, conforme preceitua o art. 400, § 1º,
do Estatuto Processual Penal.
Revela-se, portanto, extemporâneo e inadequado o pleito de
produção de prova pericial especificado somente após esgotado o prazo
para a oferta da resposta à acusação, razão pela qual o seu indeferimento
não gera cerceamento de defesa, mormente quando ainda evidenciada a
prescindibilidade dos exames ao deslinde do mérito da ação penal.
Agravo regimental prejudicado.
4. A fase prevista no art. 10 da Lei n. 8.038/1990 destina-se à
realização de diligências cuja imprescindibilidade tenha como causa fato
ocorrido no curso da instrução criminal. A mera menção a nomes de
pessoas não arroladas inicialmente como testemunhas não autoriza suas
oitivas nesse novo momento processual, sem que fique caracterizada
violação ao limite previsto no art. 401, caput, do Código de Processo
Penal. Agravo regimental prejudicado.
5. Ainda que haja conexão intersubjetiva entre a presente ação penal
e o objeto dos Inquéritos 3.980 e 3.989, o art. 80 do Código de Processo
Penal faculta a separação de causas aparentemente conexas, providência
recomendável no caso em análise, quer pela pluralidade de implicados
nos procedimentos relacionados, quer pela complexidade dos fatos em
apuração.
6. Figurando uma das testemunhas defensivas como denunciado em
inquérito em que se apuram fatos semelhantes aos narrados nesta
incoativa, escorreita a sua contradita formulada pelo órgão acusatório em
audiência, nos termos do art. 405, § 3º, IV, do Código de Processo Civil c/c
art. 3º do Código de Processo Penal, diante do seu notório interesse no

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deslinde da causa, circunstância que rechaça eventual quebra da paridade


de armas na relação processual.
7. A configuração constitucional do regime presidencialista brasileiro
confere aos parlamentares um espectro de poder que vai além da mera
deliberação a respeito de atos legislativos. A participação efetiva de
parlamentares nas decisões de governo, indicando quadros para o
preenchimento de cargos no âmbito do poder executivo, é própria da
dinâmica do referido regime, que exige uma coalizão para viabilizar a
governabilidade. Tal dinâmica não é, em si, espúria, e pode possibilitar,
quando a coalizão é fundada em consensos principiológicos éticos, numa
participação mais plural na tomada de decisões usualmente a cargo do
Poder Executivo. Todavia, quando o poder do parlamentar de indicar
alguém para um determinado cargo, ou de lhe dar sustentação política
para nele permanecer, é exercido de forma desviada, voltado à percepção
de vantagens indevidas, há evidente mercadejamento da função pública.
Na espécie, o conjunto probatório é solido e demonstra o nexo causal
entre o apoio político envidado por Nelson Meurer, na qualidade de
integrante da cúpula do Partido Progressista (PP), para a indicação e
manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A, e o recebimento, de forma ordinária, de vantagens
pecuniárias indevidas, configurando, nas oportunidades especificadas, de
forma isolada ou com o auxílio de Nelson Meurer Júnior e Cristiano
Augusto Meurer, o crime de corrupção passiva.
7.1. Embora não haja óbice à configuração do delito de corrupção
passiva nos casos em que a vantagem indevida é adimplida mediante
doação eleitoral, na hipótese o conjunto probatório não autoriza o juízo
condenatório. Vencidos, no ponto, o Relator e o Revisor.
8. Verificada a autonomia entre o ato de recebimento de vantagem
indevida oriunda do delito de corrupção passiva e a posterior ação para
ocultar ou dissimular a sua origem, possível é a configuração do crime de
lavagem de capitais.
8.1. Na esteira de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal por ocasião do julgamento da AP 470, se mesmo por

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interposta pessoa o mero recebimento da vantagem decorrente da


mercancia da função pública não é conduta apta a configurar o delito de
lavagem de capitais, tal conclusão, por uma questão lógica, merece incidir
sobre a conduta do próprio agente público que acolhe a remuneração
indevida. Absolvição dos denunciados, nos termos do art. 386, III, do
Código de Processo Penal.
8.2. O depósito fracionado de valores em conta-corrente, em quantias
que não atingem os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à
comunicação compulsória dessas operações, apresenta-se como meio
idôneo para a consumação do crime de lavagem de capitais. No caso, tal
prática foi cabalmente demonstrada pelo conjunto probatório amealhado
aos autos.
8.3. A declaração, em ajustes anuais de imposto de renda de pessoa
física, de disponibilidade monetária incompatível com os rendimentos
regularmente percebidos pelo agente, é conduta apta a configurar o delito
de lavagem de capitais.
Na situação em exame, as informações extraídas das declarações de
imposto de renda fornecidas tanto pelo acusado como pela Receita
Federal do Brasil, quando comparadas com os dados obtidos mediante a
quebra do seu sigilo bancário, revelam movimentações financeiras muito
superiores aos rendimentos líquidos declarados nos anos de 2010 a 2014,
os quais também se mostram incompatíveis com a expressiva quantia de
dinheiro em espécie declarada à autoridade fazendária.
8.4. Embora não haja óbice à configuração do delito de lavagem de
capitais mediante doação eleitoral simulada, na hipótese o conjunto
probatório não autoriza o juízo condenatório. Vencidos, no ponto, o
Relator e o Revisor.
9. Denúncia julgada procedente, em parte, para: (a) condenar o
denunciado Nelson Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do
Código Penal, por 30 (trinta) vezes, bem como nas sanções do art. 1º,
caput, da Lei n. 9.613/1998, por 7 (sete) vezes; (b) condenar o denunciado
Nelson Meurer Júnior como incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do
Código Penal, por 5 (cinco) vezes, na forma do art. 29 do mesmo diploma

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legal; (c) condenar o denunciado Cristiano Augusto Meurer como incurso


nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal, por 1 (uma) vez, na forma
do art. 29 do mesmo diploma legal; (d) absolver o denunciado Nelson
Meurer no tocante à alegada participação em todos os crimes de
corrupção passiva praticados no âmbito da Diretoria de Abastecimento
da Petrobras S/A, por Paulo Roberto Costa, com fundamento no art. 386,
VII, do Código de Processo Penal; (e) absolver o denunciado Nelson
Meurer no tocante à participação em todos os delitos de lavagem de
dinheiro praticados por Alberto Youssef, em decorrência dos contratos
celebrados por empresas cartelizadas no âmbito da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A, com fundamento no art. 386, VII, do
Código de Processo Penal; e (f) absolver todos os denunciados em relação
aos crimes de lavagem de capitais consubstanciados nos recebimentos de
dinheiro em espécie, oriundos dos pagamentos ordinários e
extraordinários de vantagens indevidas, com fundamento no art. 386, III,
do Código de Processo Penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da


Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do
Senhor Ministro Edson Fachin, na conformidade da ata de julgamento e
das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em rejeitar as
preliminares. Quanto ao mérito, após o voto do Relator, que julgava
procedente em parte a denúncia para condenar o réu Nelson Meurer
como incurso nas sanções do art. 317, § 1º do Código Penal, por trinta e
uma vezes, bem como nas sanções do art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98, por
oito vezes, absolvendo-o das demais acusações, e ainda, por condenar o
réu Nelson Meurer Júnior como incurso nas sanções do art. 317, § 1º do
Código Penal por cinco vezes na forma do artigo 29 do mesmo diploma

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legal, absolvendo-o das demais acusações, e para condenar o réu


Cristiano Augusto Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º do
Código Penal por uma vez, na forma do artigo 29 do mesmo diploma
legal, também o absolvendo das demais acusações, no que foi
acompanhado integralmente pelo Ministro Revisor. Presidência do
Ministro Edson Fachin. 2ª Turma, 22.5.2018.
Decisão: Prosseguindo no julgamento do feito, quanto ao mérito, a
Turma, por maioria, julgou procedente em parte a denúncia para i)
condenar o réu Nelson Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º,
do Código Penal (corrupção passiva), por trinta vezes, vencidos, nesse
ponto, os Ministros Relator e Revisor que o condenavam também pelo
crime de corrupção passiva decorrente do fato referente à doação eleitoral
recebida da sociedade empresária Queiroz Galvão, vencido também o
Ministro Ricardo Lewandowski que o condenava pela prática de 18
delitos de corrupção passiva circunscritos ao tempo em que Nelson
Meurer exercia a liderança do Partido Progressista na Câmara dos
Deputados; ii) para condenar o denunciado Nelson Meurer Júnior como
incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal (corrupção passiva),
por 5 vezes, na forma do art. 29 da Lei Penal, vencido, nesse ponto, o
Ministro Ricardo Lewandowski, que o condenava por 3 delitos à luz do
mesmo dispositivo legal citado; iii) condenar o réu Cristiano Augusto
Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal
(corrupção passiva), por uma vez, vencido nesse ponto, o Ministro
Ricardo Lewandowski, que o absolvia; iv) condenar Nelson Meurer como
incurso nas sanções do art. 1º, caput, da Lei nº 9.613 por sete vezes,
vencidos os Ministros Relator e Revisor, no ponto, pois o condenavam
também pela lavagem de capitais em decorrência de doação eleitoral; e,
por unanimidade, para i) absolver Nelson Meurer no tocante à
participação em todos os crimes de corrupção passiva praticados no
âmbito da PETROBRAS por Paulo Roberto Costa, com fundamento no
inc. VII do art. 386 do Código de Processo Penal; ii) absolver Nelson
Meurer no que tange à participação em todos os crimes de lavagem de
dinheiro praticados por Alberto Youssef em decorrência de contratos

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celebrados por empresas cartelizadas no âmbito da Diretoria de


Abastecimento da PETROBRAS, igualmente nos termos do inciso VII do
art. 386 do Código de Processo Penal; iii) absolver Nelson Meurer, Nelson
Meurer Junior e Cristiano Augusto Meurer das imputações relativas aos
crimes de lavagem de capitais consubstanciados nos recebimentos em
dinheiro em espécie com fundamento no inc. III, art. 386, do Código de
Processo Penal. Quanto à dosimetria da pena, por unanimidade, fixou,
para Nelson Meurer, a pena de 13 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão em
regime inicial fechado, e o pagamento de 122 dias-multa, este fixado em 3
salários mínimos no valor vigente à época do último fato devidamente
corrigido por ocasião do pagamento; para Nelson Meurer Junior, a pena
de 4 anos, 9 meses e 18 dias de reclusão em regime inicial semi-aberto, e o
pagamento de 31 dias-multa, este fixado em 2 salários mínimos no valor
vigente à época do último fato, devidamente corrigido por ocasião do
pagamento; e para Cristiano Augusto Meurer, a pena de 3 anos e 4 meses
de reclusão e o pagamento de 20 dias-multa, declarando-se extinta a
punibilidade, pela prescrição, com fundamento no inciso IV do artigo 107
do Código Penal, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, que o
absolvia. Em relação aos efeitos da condenação, quanto aos danos
materiais, a Turma, por unanimidade, fixou como valor mínimo
indenizatório, em favor da PETROBRAS, a quantia de 5 milhões de reais,
corrigidos monetariamente a partir da proclamação do julgamento e com
juros de mora a partir do trânsito em julgado; quanto aos danos morais
coletivos, por maioria, indeferiu o pedido, nos termos do voto do
Ministro Dias Toffoli, vencidos os Ministros Relator e Revisor; quanto à
perda de bens, por unanimidade, determinou a perda em favor da União
dos bens direitos e valores objeto em relação aos quais foram os réus
condenados, ressalvado o direito de lesado ou terceiro de boa-fé (inc. I,
art. 7º, da Lei 9.613/98); quanto à interdição para o exercício de cargo ou
função pública (inc. II do art. 7º da Lei 9.613/98), também por
unanimidade, determinou a interdição de Nelson Meurer para o exercício
de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor ou membro
de Conselho de Administração ou de gerencia das pessoas jurídicas

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referidas no art. 9º dessa mesma lei 9.613/98 pelo dobro do tempo da pena
privativa de liberdade aplicada; e por fim, quanto à perda do mandato
parlamentar, a Turma, por maioria, deliberou que a perda do mandato
não é automática e nos termos da divergência inaugurada pelo Ministro
Dias Toffoli determinou, após o trânsito em julgado, oficiar-se à Câmara
dos Deputados, vencidos os Ministros Relator e Revisor. Presidência do
Ministro Edson Fachin. 2ª Turma, 29.5.2018.

Brasília, 29 de maio de 2018.

Ministro EDSON FACHIN


Relator

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Relatório

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RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REVISOR : MIN. CELSO DE MELLO
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RÉU(É)(S) : NELSON MEURER
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA
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ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. Trata-se de ação


penal pública ajuizada pela Procuradoria-Geral da República em desfavor
do Deputado Federal Nelson Meurer, Nelson Meurer Júnior e Cristiano
Augusto Meurer, na qual lhes atribui a prática de delitos de corrupção
passiva majorada (art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal),
bem como de crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º, § 4º, da Lei n.
9.613/1998), na forma dos arts. 29 e 69 do Estatuto Repressor (fls. 867-970).
De acordo com a proposta acusatória, o Deputado Federal Nelson
Meurer, na qualidade de integrante da cúpula do Partido Progressista
(PP), entre os anos de 2006 e 2014, teria concorrido de forma dolosa e
decisiva para que Paulo Roberto Costa, então Diretor de Abastecimento
da Petrobras S/A e em razão do exercício desta função, solicitasse,
aceitasse promessa nesse sentido e recebesse, pelo menos 161 (cento e
sessenta e uma) vezes, para si e para o Partido Progressista, vantagens

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Relatório

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indevidas no valor total de R$ 357.945.680,52 (trezentos e cinquenta e sete


milhões, novecentos e quarenta e cinco mil, seiscentos e oitenta reais e
cinquenta e dois centavos).
Parte desse valor, ao menos em 180 (cento e oitenta) vezes, teria sido
pago mediante contratos de prestação de serviços fictícios celebrados com
empresas ligadas a Alberto Youssef, tido como o gerenciador dos recursos
obtidos pelo Partido Progressista no âmbito da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras, os quais somaram o valor de R$
62.146.567,80 (sessenta e dois milhões, cento e quarenta e seis mil,
quinhentos e sessenta e sete reais e oitenta centavos), como forma de
ocultar e dissimular a natureza, origem e movimentação da quantia,
proveniente da corrupção passiva, condutas para as quais o denunciado
Nelson Meurer também teria concorrido de forma dolosa e decisiva.
Conforme narra a incoativa, o denunciado Nelson Meurer teria,
ainda, de forma periódica e ordinária, solicitado, aceitado promessa nesse
sentido e recebido pelo menos R$ 29.700.000,00 (vinte e nove milhões e
setecentos mil reais), correspondentes a 99 (noventa e nove) repasses de
R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) mensais, fruto do desvio de recursos
operado no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.
Concorreram, em parte, para essas condutas os denunciados Nelson
Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer.
Como forma de ocultar e dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação e a propriedade, tais recursos foram (i)
recebidos em espécie, mediante entregas pessoais por agentes ligados a
Alberto Youssef em ao menos 8 (oito) oportunidades; (ii) recebidos em
espécie, mediante recursos repassados pelo Posto da Torre, localizado na
cidade de Brasília, em ao menos 4 (quatro) datas distintas; e (iii)
depositados em contas bancárias pessoais, de forma pulverizada e em 130
(cento e trinta) dias distintos, totalizando R$ 1.461.226,00 (um milhão,
quatrocentos e sessenta e um mil, duzentos e vinte e seis reais), como
forma de fracionar as operações e mesclar recursos de origem lícita e
ilícita. Para a mesma finalidade, o denunciado teria registrado, em
declarações anuais de ajuste de imposto de renda, a manutenção de

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Relatório

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considerável quantia em espécie, a qual, na verdade, seria produto das


vantagens indevidas percebidas. Em parte dessas condutas concorreram
os denunciados Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer.
Ainda de acordo com a denúncia, de forma extraordinária, mas
também em decorrência dos desvios de recursos operados no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, o denunciado Nelson
Meurer teria solicitado, aceitado promessa nesse sentido e recebido pelo
menos o valor de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) em espécie,
mais R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) sob a falsa rubrica de doação
eleitoral oficial. Concorreu, em parte, para essa conduta, o denunciado
Nelson Meurer Júnior.
Com a intenção de ocultar e dissimular a natureza, origem,
movimentação e propriedade de tais recursos, o denunciado Nelson
Meurer os teria recebido (i) em espécie, mediante entregas
operacionalizadas por pessoas ligadas a Alberto Youssef, ao menos em 7
(sete) oportunidades; e (ii) sob a falsa roupagem de doações eleitorais
oficiais, ocorridas em 2 (duas) datas. Em parte dessas condutas o
denunciado contou com o auxílio de Nelson Meurer Júnior.
Ao final, requer a condenação de (a) Nelson Meurer às penas
previstas no art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, na forma dos artigos 29 e 69,
ambos do Código Penal, por 269 (duzentos e sessenta e nove) vezes, e no
art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998, na forma dos arts. 29 e 69, ambos do
Estatuto Repressor, por 336 (trezentos e trinta e seis) vezes; (b) Nelson
Meurer Júnior às penas previstas no art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, na
forma dos artigos 29 e 69, ambos do Código Penal, por 7 (sete) vezes, e no
art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998, na forma dos arts. 29 e 69, ambos do
Estatuto Repressor, por 7 (sete) vezes; e (c) Cristiano Augusto Meurer às
penas previstas no art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, na forma dos artigos 29 e
69, ambos do Código Penal, por 4 (quatro) vezes, e no art. 1º, § 4º, da Lei
n. 9.613/1998, na forma dos arts. 29 e 69, ambos do Estatuto Repressor,
por 4 (quatro) vezes. Pleiteia, ainda, (i) a decretação da perda em favor da
União, nos termos do art. 7º, I, da Lei n. 9.613/1998, dos bens e valores
objeto do delito de lavagem de dinheiro, no valor de R$ 357.945.680,52

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Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 486 3425


AP 996 / DF

(trezentos e cinquenta e sete milhões, novecentos e quarenta e cinco mil,


seiscentos e oitenta reais e cinquenta e dois centavos), acrescidos de juros
e correção monetária; (ii) a condenação dos réus à reparação de danos
materiais e morais causados por suas condutas, nos termos do art. 387, IV,
do Código de Processo Penal, com a fixação de valor mínimo em R$
357.945.680,52 (trezentos e cinquenta e sete milhões, novecentos e
quarenta e cinco mil, seiscentos e oitenta reais e cinquenta e dois
centavos); e (iii) a decretação da perda da função pública para o
condenado detentor de cargo ou emprego público ou mandato eletivo,
nos moldes do art. 92 do Código Penal.

2. Em sessão de julgamento realizada em 21.6.2016 e ainda sob a


relatoria do saudoso Ministro Teori Zavascki, a Segunda Turma deste
Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, recebeu, em parte, a
denúncia, excluindo-se apenas a causa de aumento prevista no art. 327, §
2º, do Código Penal, em razão da ausência de descrição de eventual
imposição hierárquica exercida pelos denunciados (fls. 1.841-1.929). O
respectivo acórdão foi objeto de embargos declaratórios opostos pelos
acusados, os quais foram rejeitados pelo mesmo Órgão Colegiado em
sessão de julgamento realizada em 25.10.2016 (fls. 1.970-2.004).
Por meio de petição acostada às fls. 2.017-2.021, a Petrobras S/A
pugnou pela habilitação nos autos na condição de assistente da acusação,
a qual foi admitida por meio da decisão de fls. 2.031-2.032, após
concordância manifestada pela Procuradoria-Geral da República às fls.
2.027-2.030.
Regularmente citados, os acusados Nelson Meurer, Cristiano
Augusto Meurer e Nelson Meurer Júnior apresentaram suas defesas
prévias às fls. 2.035-2.037, 2.055-2.058 e 2.060-2.063, oportunidade na qual
requereram a produção de provas.
Após a redistribuição dos autos aos 8.2.2017 (fl. 2.065), deu-se início
à instrução criminal com a oitiva das testemunhas arroladas pela
acusação em audiências realizadas aos 2.3.2017 (fls. 2.129-2.130), 17.3.2017
(fls. 2.201-2.202), 20.3.2017 (fls. 2.257-2.264), 23.3.2017 (fls. 2.287-2.289) e

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 486 3426


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29.5.2017 (fls. 2.339-2.341), ao passo que os testigos indicados pelas


defesas técnicas foram ouvidos em 16.6.2017 (fls. 2.424-2.425), 26.6.2017
(fls. 2.476-2.477) e 5.7.2017 (fls. 2.486-2.489).
Por meio de petição juntada às fls. 2.093-2.095, o Ministério Público
Federal requereu a inclusão de Pedro da Silva Corrêa de Oliveira
Andrade Neto no rol de testemunhas da acusação, o que foi indeferido na
decisão de fls. 2.105-2.106.
Em petições juntadas às fls. 2.364 e 2.366, os acusados Nelson
Meurer e Nelson Meurer Júnior requereram a substituição de
testemunhas, o que foi indeferido por meio de decisão proferida em
1º.6.2017 (fls. 2.359-2.362). Irresignadas, as defesas técnicas dos aludidos
denunciados interpuseram agravos regimentais (fls. 2.371-2.373 e 2.378-
2.386), aos quais a Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal negou
provimento, em sessão de julgamento realizada aos 8.8.2017 (fls. 2.534-
2.541).
A defesa técnica dos acusados Nelson Meurer e Nelson Meurer
Júnior, por meio de petições juntadas às fls. 2.513-2.516 e 2.518-2.519,
requereram a produção de prova pericial destinada a aferir a valorização
de imóvel localizado no Município de Francisco Beltrão/PR, o que foi
indeferido, nos termos da decisão proferida às fls. 2.521-2.524, objeto de
irresignação apenas por parte do denunciado Nelson Meurer, em agravo
regimental interposto às fls. 2.567-2.579, ao qual não foi atribuído o
pretendido efeito suspensivo (fl. 2.626), tendo a Procuradoria-Geral da
República se manifestado pelo seu desprovimento (fls. 2.630-2.635).
Os acusados Nelson Meurer, Nelson Meurer Júnior e Cristiano
Augusto Meurer foram interrogados em 4.9.2017 (fls. 2.584-2.587).
Na fase do art. 10 da Lei n. 8.038/1990, o Ministério Público Federal
pugnou apenas pelo indeferimento de eventuais diligências requeridas
pelos acusados, ou pelo deferimento apenas das que se revelarem céleres
e essenciais à apuração dos fatos denunciados (fls. 2.637-2.638).
Após a juntada das transcrições dos áudios das audiências em que
foram ouvidas as testemunhas e realizados os interrogatórios às fls. 2.651-
2.886 e 2.893-2.950, a defesa técnica do acusado Nelson Meurer requereu

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 486 3427


AP 996 / DF

diligências complementares às fls. 2.965-2.968, consistentes na oitiva das


testemunhas Mário Silvio Mendes Negromonte, Aguinaldo Velloso
Borges Ribeiro, Ciro Nogueira Lima Filho e Francisco Oswaldo Neves
Dornelles. Os acusados Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto
Meurer, apesar de devidamente intimados na fase do art. 10 da Lei n.
8.038/1990, nada requereram.
Em decisão proferida às fls. 2.970-2.975, as diligências
complementares requeridas por Nelson Meurer foram indeferidas,
oportunidade em que foi declarado o encerramento da instrução criminal
e determinada a abertura de vista dos autos à Procuradoria-Geral da
República para alegações escritas, nos termos do art. 11 da Lei n.
8.038/1990.
A aludida decisão foi objeto de novo agravo regimental interposto
por Nelson Meurer, acostado às fls. 2.985-2.996, ao qual também não foi
atribuído efeito suspensivo, nos termos da decisão proferida em
28.11.2017 (fls. 3.161-3.163), cujas contrarrazões ministerial se encontram
às fls. 3.170-3.177.

3. Por meio de petição juntada às fls. 2.998-3.121, o Ministério


Público Federal apresenta alegações finais, na qual requer a juntada do
Relatório de Pesquisa n. 1842/2017 da Assessoria de Pesquisa da
Procuradoria-Geral da República, bem como da Prestação de Contas
Eleitorais de Nelson Meurer do ano de 2010. Pugna pela integral
procedência da denúncia, com a condenação de (i) Nelson Meurer nas
penas do art. 317, § 1º, c/c os arts. 29 e 69, ambos do Código Penal, por 269
(duzentas e sessenta e nove) vezes, e do art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998,
c/c os arts. 29 e 69, ambos do Código Penal, por 336 (trezentos e trinta e
seis) vezes; (ii) Nelson Meurer Júnior nas penas do art. 317, § 1º, c/c os
arts. 29 e 69, ambos do Código Penal, por 7 (sete) vezes, e do art. 1º, § 4º,
da Lei n. 9.613/1998, c/c os arts. 29 e 69, ambos do Código Penal, por 8
(oito) vezes; e (iii) Cristiano Augusto Meurer nas penas do art. 317, § 1º,
c/c os arts. 29 e 69, ambos do Código Penal, por 4 (quatro) vezes, e do art.
1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998, c/c os arts. 29 e 69, ambos do Código Penal,

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AP 996 / DF

por 4 (quatro) vezes. Pleiteia, ainda, (a) a decretação da perda em favor da


União, nos termos do art. 7º, I, da Lei n. 9.613/1998, dos bens e valores
objeto do delito de lavagem de dinheiro, no valor de R$ 357.945.680,52
(trezentos e cinquenta e sete milhões, novecentos e quarenta e cinco mil,
seiscentos e oitenta reais e cinquenta e dois centavos), acrescidos de juros
e correção monetária; (b) a condenação dos réus à reparação de danos
materiais e morais causados por suas condutas, nos termos do art. 387, IV,
do Código de Processo Penal, com a fixação de valor mínimo em R$
357.945.680,52 (trezentos e cinquenta e sete milhões, novecentos e
quarenta e cinco mil, seiscentos e oitenta reais e cinquenta e dois
centavos); e (c) a decretação da perda da função pública para o
condenado detentor de cargo ou emprego público ou mandato eletivo,
nos moldes do art. 92 do Código Penal.
Às fls. 3.135-3.140, a Petrobras S/A, aderindo às alegações finais
ofertadas pelo órgão acusatório, centraliza a sua pretensão na
quantificação do quantum indenizatório, aduzindo que o denunciado
Nelson Meurer teria sido diretamente beneficiado com os desvios
praticados em detrimento da aludida sociedade de economia mista,
requerendo a condenação solidária dos denunciados no valor mínimo de
R$ 34.200.000,00 (trinta e quatro milhões e duzentos mil reais).
Por meio da petição de fl. 3.179, a defesa técnica de Nelson Meurer
requereu a dobra do prazo para apresentação das alegações finais, sob o
argumento de que a acusação e o respectivo assistente tiveram prazos
sucessivos para a oferta das manifestações finais, pretensão indeferida na
decisão de fls. 3.181-3.182.
Em petição juntada às fls. 3.185-3.232, Nelson Meurer oferta suas
alegações finais, na qual argui, preliminarmente, (i) nulidade na instrução
processual, consubstanciada na concessão de prazo dobrado para a
acusação e assistente ofertarem suas alegações inscritas, ao passo que
para a defesa dos três denunciados foi oportunizado prazo único para a
mesma finalidade, o que representaria o tratamento não isonômico das
partes; (ii) cerceamento de defesa representado pelo indeferimento do
requerimento de substituição de testemunhas; (iii) cerceamento de defesa

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AP 996 / DF

consistente no indeferimento da produção de prova pericial; (iv)


cerceamento de defesa configurado no indeferimento da oitiva de
testemunhas por ocasião da fase prevista no art. 10 da Lei n. 8.038/90; (v)
a necessidade de julgamento conjunto da presente ação penal com as
acusações formuladas nos autos dos INQ 3.989 e 3.980, em razão da
alegada identidade dos fatos narrados nas respectivas incoativas; e (vi)
violação ao devido processo legal com a quebra da paridade de armas
decorrente do acolhimento da contradita aposta pelo Ministério Público
Federal à testemunha João Alberto Pizzolatti Júnior, que foi ouvido na
qualidade de informante.
No mérito, alega que a tese acusatória estaria embasada apenas em
depoimentos prestados no âmbito de acordo de colaboração premiada, os
quais não teriam aptidão para fundamentar uma decisão condenatória.
Aduz, ainda, que os fatos narrados na denúncia não encontrariam
confirmação no conjunto probatório produzido na fase instrutória, razão
pela qual pugna pela absolvição, nos termos do art. 386, VII, do CPP.
Afirma, ademais, que não estaria comprovado o liame entre a
vantagem recebida e o exercício da função pública, o que impediria a
caracterização do delito de corrupção passiva. Defende, por fim, que não
teriam sido delimitadas as fases de preparação, consumação e
exaurimento de cada uma das supostas condutas de lavagem de dinheiro,
tampouco o liame subjetivo com os fatos narrados na denúncia, razão
pela qual seria inviável a proposta acusatória, o que ensejaria a prolação
de sentença absolutória, nos termos do art. 386, III e V, do CPP.
Os acusados Cristiano Augusto Meurer e Nelson Meurer Júnior
ofertaram as respectivas alegações finais por meio das petições juntadas
às fls. 3.235-3.250 e 3.253-3.269, nas quais repetem a tese de
imprestabilidade dos depoimentos colhidos no âmbito de acordo de
colaboração para utilização como prova.
Defendem, ainda, a insuficiência dos elementos probatórios para
fundamentar a proposta acusatória, bem como a inexistência de
demonstração do liame subjetivo de suas participações nos fatos
imputados ao denunciado Nelson Meurer, razão pela qual requerem suas

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Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 486 3430


AP 996 / DF

absolvições, nos termos do art. 386, III, V ou VII, do CPP.

4. É o relatório. À douta revisão, em 19.12.2017.

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 486 3431

15/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REVISOR : MIN. CELSO DE MELLO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
ASSIST.(S) : PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS
ADV.(A/S) : TALES DAVID MACEDO E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER JÚNIOR
ADV.(A/S) : MARINA DE ALMEIDA VIANA
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO
ADV.(A/S) : PRISCILA NEVES MENDES
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA
RÉU(É)(S) : CRISTIANO AUGUSTO MEURER
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Revisor): Assinalo,


na condição de Revisor, que o eminente Relator expôs, de modo completo, os
fatos, incidentes e demais eventos ocorridos ao longo da presente causa
penal, reproduzindo, com absoluta fidelidade, o quadro que se desenha
neste processo penal de conhecimento.

Desse modo, manifesto-me de inteiro acordo com o douto relatório


apresentado por Vossa Excelência, Senhor Presidente.

______________________________

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 486 3432

15/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO
(s/ questões preliminares)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Revisor):

O caso em julgamento

Trata-se de ação penal ajuizada pelo Ministério Público Federal


contra o Deputado Federal Nelson Meurer, Nelson Meurer Júnior e Cristiano
Augusto Meurer, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (CP,
art. 317, § 1º, c/c o art. 327, § 2º, art. 29 e art. 69) e de lavagem de dinheiro
(Lei nº 9.613/98, art. 1º, § 4º, c/c o art. 29 e art. 69).

O Ministério Público Federal sustenta, em síntese, o que se segue


(fls. 2.999/3.001):

“(...) entre os anos de 2006 e 2014, em São Paulo/SP e no Rio


de Janeiro/RJ, o Deputado Federal NELSON MEURER – na
condição de integrante da cúpula do Partido Progressista e em
unidade de ação e de desígnios com pelo menos José Janene,
Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa – forneceu o apoio e a
sustentação política necessários para manter este último como
Diretor de Abastecimento da Petrobras. Também concorreu
para que ele [Paulo Roberto], na condição de agente público ocupante
de função de Direção, solicitasse e aceitasse promessa de
vantagem indevida e recebesse, pelo menos 161 (cento e
sessenta e uma) vezes, para si e para o partido político, em
razão do exercício desta função pública na Petrobras,
vantagens indevidas no valor total de R$ 357.945.680,52
(trezentos e cinquenta e sete milhões, novecentos e quarenta e cinco
mil, seiscentos e oitenta reais e cinquenta e dois centavos), que foram
efetivamente obtidas como contrapartida pela viabilização do
funcionamento de um cartel de empreiteiras interessadas em

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 486 3433


AP 996 / DF

celebrar irregularmente contratos no âmbito da Diretoria de


Abastecimento da Petrobras e em obter benefícios indevidos do
respectivo Diretor.
(…) parcela considerável desta vantagem indevida foi
paga pelas empreiteiras mediante contratos de prestação de
serviços fictícios celebrados com as empresas de fachada de Alberto
Youssef, responsável por administrar um verdadeiro ‘caixa de
propinas’ do PP, o que ocorreu em pelo menos 180 (cento e oitenta)
pagamentos, no valor total de R$ 62.146.567,80 (sessenta e dois
milhões, cento e quarenta e seis mil, quinhentos e sessenta e sete reais
e oitenta centavos), de forma sucessiva e no âmbito de
organização criminosa, como estratégia de ocultação e
dissimulação da natureza, origem e movimentação de valores
provenientes da corrupção passiva acima delineada.
(…) entre os anos de 2006 e 2014, em Brasília/DF e
Curitiba/PR, o Deputado Federal NELSON MEURER, na
condição de integrante da cúpula do PP, em unidade de desígnios com
pelo menos José Janene, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef,
solicitou, aceitou promessa de vantagem indevida e recebeu o
valor total de pelo menos R$ 29.700.000,00 (vinte e nove milhões e
setecentos mil reais), correspondente a 99 (noventa e nove)
repasses de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) mensais. Este
montante é oriundo do ‘caixa de vantagens indevidas’
administrado pelo doleiro Alberto Youssef em função do
esquema de corrupção e lavagem de dinheiro estabelecido na
Diretoria de Abastecimento da Petrobras, na época ocupada por
Paulo Roberto Costa, por indicação do PP (com finalidade
predeterminada de locupletação). Paulo Roberto Costa foi
indevidamente mantido no cargo em decorrência do apoio e da
sustentação política prestados pelo parlamentar NELSON
MEURER por intermédio do PP. Quanto a estes valores
ilicitamente recebidos, a denúncia narra diversas estratégias
adotadas por NELSON MEURER, de forma reiterada e no
âmbito de organização criminosa, com vistas a ocultar e
dissimular a sua natureza, origem, localização, disposição,
movimentação e propriedade.

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 486 3434


AP 996 / DF

(...) em 2010, em Curitiba/PR e em Brasília/DF, o Deputado


Federal NELSON MEURER, na condição de integrante da
cúpula do PP, em unidade de desígnios com pelo menos José Janene,
Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, solicitou, aceitou promessa
neste sentido e recebeu – além das vantagens indevidas repassadas
mensalmente –, repasses extraordinários para a sua campanha
de reeleição à Câmara dos Deputados, que consistiam em
propina oriunda do esquema de corrupção e lavagem de
dinheiro estabelecido na Diretoria de Abastecimento da
Petrobras, na época ocupada por Paulo Roberto Costa, por indicação
do PP, o qual foi indevidamente mantido no cargo em decorrência do
apoio e da sustentação política prestados pelo parlamentar NELSON
MEURER, por intermédio da agremiação partidária em questão. (…).
…...................................................................................................
(...) o Deputado Federal NELSON MEURER, para a
prática das condutas mencionadas, contou com a ajuda de seus
filhos NELSON MEURER JÚNIOR e CRISTIANO AUGUSTO
MEURER, os quais, plenamente cientes de todo o esquema
integrado por seu genitor, o auxiliaram no recebimento de parte
das propinas pagas ao parlamentar mediante estratégias de
ocultação e dissimulação da natureza, origem, movimentação e
propriedade dos valores ilícitos subjacentes, ora
acompanhando-o nas entregas pessoais, ora recebendo-as diretamente
dos entregadores escalados por Alberto Youssef.” (grifei)

A denúncia foi recebida, em parte, por esta colenda Segunda Turma,


em 21/06/2016, com exclusão, somente, da causa geral de aumento de pena
prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, em decisão consubstanciada
em acórdão assim ementado (fls. 1.843/1.845):

“INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS


NO ART. 317, § 1º, C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO PENAL E
ART. 1º, § 4º, DA LEI 9.613/1998. RÉPLICA PELA ACUSAÇÃO
ÀS RESPOSTAS DOS DENUNCIADOS. POSSIBILIDADE.
JUNTADA DE DOCUMENTO ISOLADO APÓS A OFERTA
DA DENÚNCIA. VIABILIDADE. INÉPCIA DA PEÇA

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AP 996 / DF

ACUSATÓRIA. INOCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO


INDIVIDUALIZADA E OBJETIVA DAS CONDUTAS
ATRIBUÍDAS AOS DENUNCIADOS, ASSEGURANDO-LHES
O EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. ATENDIMENTO
AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. COMPREENSÃO DO CONJUNTO
INVESTIGATÓRIO MESMO COM O FRACIONAMENTO
DOS FATOS. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DO CONCURSO DE
AGENTES. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE INDÍCIOS
DE AUTORIA E MATERIALIDADE EM FACE DOS
ACUSADOS. MAJORANTE DO ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO
PENAL. EXCLUSÃO. DENÚNCIA PARCIALMENTE
RECEBIDA.
1. É possível assegurar, também no âmbito da Lei 8.038/1990,
o direito ao órgão acusador de réplica às respostas dos
denunciados, especialmente quando suscitadas questões que, se
acolhidas, poderão impedir a deflagração da ação penal. Só
assim se estará prestigiando o princípio constitucional do
contraditório (art. 5º, LV, CF), que garante aos litigantes, e não
apenas à defesa, a efetiva participação na decisão judicial.
2. Não importa em violação aos princípios do
contraditório e da ampla defesa a juntada de documento
isolado após a oferta da denúncia, pois, além de essa
possibilidade estar prevista no art. 231 do Código de Processo
Penal, no caso, tiveram as defesas a oportunidade de sobre ele se
manifestar, em sua inteireza, não ocorrendo qualquer alteração ou
incremento de acusação em virtude do referido documento.
3. Tem-se como hábil a denúncia que descreve, de forma
individualizada e objetiva, as condutas atribuídas aos
acusados, correlacionando-as aos tipos penais declinados. A
separação das condutas em vários momentos, visando melhor apontar
os diversos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, bem
como a menção a pessoas investigadas em outras instâncias, não
impede o processamento dos denunciados em demanda autônoma,
notadamente quando esclarecida a participação de cada um deles nos
eventos. Não existe afronta ao art. 41 do Código de Processo Penal

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quando a denúncia narra o contexto em que se deram os repasses


ilegais à agremiação partidária, sempre expondo a relação do
denunciado em cada uma das fases do ilícito. O fracionamento dessa
investigação em várias ações penais não inviabiliza a compreensão do
todo, porque a referência aos aqui acusados encontra-se perfeitamente
delineada. Ademais, os denunciados defendem-se na medida de suas
imputações, não tendo relevância condutas outras que não estejam
materialmente imbricadas de modo a revelar a necessidade de reunião
de processos. O concurso de agentes está descrito nas imputações da
denúncia com suas variantes, a depender do grau de envolvimento de
cada um dos acusados nos diversos crimes narrados.
4. A materialidade e os indícios de autoria, elementos
básicos para o recebimento da denúncia, encontram-se
presentes a partir do substrato trazido com o caderno
indiciário. A análise inicial revela a existência de indícios robustos
dando conta de que o parlamentar, auxiliado por seus filhos
codenunciados, na condição de membro da cúpula de partido político,
aderiu ao recebimento, para si, e concorreu à percepção por parte de
outros integrantes da mesma agremiação, de vantagens indevidas. O
recebimento desses valores, porque núcleo alternativo do próprio tipo,
não pode ser descartado nesta ocasião como mero exaurimento da
conduta de outrem, mormente porque as propinas pagas pelas
empreiteiras continham destinação certa. Convém lembrar que: ‘Não é
lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas
juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos
fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no
momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a
‘emendatio libelli’ ou a ‘mutatio libelli’, se a instrução criminal assim
o indicar’ (HC 87324, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma,
DJe de 18.5.2007).
5. Conforme decidido pelo Plenário, no INQ 3983, de
minha relatoria, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código
Penal, é incabível pelo mero exercício do mandato
parlamentar, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no
art. 317, § 1º. A jurisprudência desta Corte, conquanto revolvida
nos últimos anos (INQ 2606, Rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno,

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DJe de 2.12.2014), exige uma imposição hierárquica ou de direção


(INQ 2191, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, DJe
de 8.5.2009) que não se acha nem demonstrada nem descrita nos
presentes autos.
6. Denúncia parcialmente recebida, com exclusão somente
da causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do Código
Penal.”
(Inq 3.997/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – grifei)

Concluída a fase instrutória da presente causa penal, o Ministério


Público Federal, em suas alegações finais (fls. 2.998/3.121), postulou a
condenação criminal de todos os litisconsortes penais passivos, fazendo-o nos
seguintes termos (fls. 3.120/3.121):

“(ii) a condenação dos réus da seguinte forma:

(ii.a) NELSON MEURER, nas penas previstas no


art. 317, § 1º combinado com os arts. 29 e 69 do Código Penal,
duzentos e sessenta e nove vezes; e no art. 1º, § 4º da
Lei n. 9.613/1998 combinado com os arts. 29 e 69 do Código
Penal, (trezentos e trinta e seis vezes).
(ii.b) NELSON MEURER JÚNIOR, nas penas
previstas no art. 317, § 1º combinado com os arts. 29 e 69 do
Código Penal, sete vezes; e no art. 1º § 4° da Lei n. 9.613/1998
combinado com os arts. 29 e 69 do Código Penal, oito vezes;
(ii.c) CRISTIANO AUGUSTO MEURER, nas penas
previstas no art. 317, § 1º combinado com os arts. 29 e 69 do
Código Penal, quatro vezes; e no art. 1º, § 4º, da
Lei n. 9.613/1998, combinado com os arts. 29 e 69 do Código
Penal, quatro vezes.

(iii) a decretação da perda em favor da União, com base no


art. 7º, I, da Lei n. 9.613/1998, dos bens e valores objeto de
lavagem de dinheiro, judicialmente apreendidos ou
sequestrados, no valor originário total de R$ 357.945.680,52
(trezentos e cinquenta e sete milhões, novecentos e quarenta e cinco

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mil, seiscentos e oitenta reais e cinquenta e dois centavos), a ser


acrescido de juros e correção monetária;
(iv) a condenação dos réus à reparação dos danos
materiais e morais causados por suas condutas, nos termos do
art. 387, IV, do Código de Processo Penal, fixando-se valor
mínimo equivalente ao montante cobrado a título de propina
no caso, no total de R$ 357.945.680,52 (trezentos e cinquenta e sete
milhões, novecentos e quarenta e cinco mil, seiscentos e oitenta reais
e cinquenta e dois centavos), já que os prejuízos decorrentes da
corrupção são difusos (lesões à ordem econômica, à administração
da justiça e à administração pública, inclusive à respeitabilidade do
parlamento perante a sociedade brasileira), sendo dificilmente
quantificados; e
(v) a decretação da perda da função pública para o
condenado detentor de cargo ou emprego público ou mandato eletivo,
principalmente por ter agido com violação de seus deveres para com
o Poder Público e a sociedade, nos termos do art. 92 do Código
Penal.” (grifei)

A Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, na condição de assistente do


Ministério Público (CPP, art. 268), manifestou-se no sentido de “integral
concordância” com as alegações finais apresentadas pela Procuradoria-
-Geral da República, postulando, ainda, que os réus sejam condenados
ao pagamento do valor mínimo de R$ 34.200.000,00 (trinta e quatro
milhões e duzentos mil reais) a título de reparação dos danos sofridos por
essa empresa (fls. 3.135/3.140).

O Deputado Federal Nelson Meurer, nas alegações finais apresentadas


(fls. 3.185/3.232v.), suscita, preliminarmente, (i) a ocorrência de cerceamento
de defesa e de quebra de paridade de armas, em virtude do indeferimento,
pelo eminente Ministro Relator, do pedido de prazo em dobro para as
defesas apresentarem suas razões finais, mesmo diante da concessão
de prazo sucessivo para o Ministério Público Federal e para a assistente de
acusação apresentarem suas alegações finais; (ii) a violação ao princípio do
devido processo legal e a existência de cerceamento de defesa, em razão do

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indeferimento, pelo eminente Ministro Relator, dos requerimentos de


substituição de testemunhas, de produção de prova pericial e de
realização de diligências complementares; (iii) a necessidade de
julgamento conjunto da presente ação penal com o Inq 3.980 e o Inq 3.989,
“dada a estrita ligação entre os fatos narrados, visando-se evitar a prolação de
decisões conflitantes acerca dos mesmos fatos” (fls. 3.206v. – grifei); e (iv) a
ofensa ao princípio do devido processo legal e a ocorrência de quebra de
paridade de armas, ao argumento de que foi acolhida contradita em
relação a uma testemunha arrolada pela defesa, sendo esta ouvida apenas
como informante.

No mérito, a defesa do parlamentar postula sua absolvição,


fazendo-o com apoio nos seguintes fundamentos (fls. 3.232/3.281):

“a) A absolvição do réu com base no art. 386, III, do CPP,


em razão da clara atipicidade das condutas de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, considerando não se ter verificado nos autos a
presença de todas as elementares dos tipos, mormente a
inexistência da prática de ato de ofício nem a prova da percepção
de vantagens e nem a ocultação destas;
b) Caso assim não se entenda, requer a absolvição do réu
com base no art. 386, V, do CPP, em razão da inexistência de liame
subjetivo do Deputado Nelson Meurer com os fatos constantes da
denúncia e nem a demonstração de qualquer ato seu no sentido de
concorrer para a prática dos atos narrados;
c) Caso ainda assim não se entenda, requer a absolvição
do réu com base no art. 386, VII, do CPP, considerando a evidente
insuficiência de provas para sustentar uma condenação, seja
porque os fatos narrados são unicamente baseados nas palavras
dos delatores, seja porque a acusação não se desincumbiu do
ônus probatório que lhe cabe.” (grifei)

Já os litisconsortes penais passivos Cristiano Augusto Meurer e


Nelson Meurer Júnior, por meio de petições substancialmente idênticas,
ainda que com pequenas variações pontuais, apresentaram suas

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 486 3440


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alegações finais (fls. 3.235/3.250 e fls. 3.253/3.269), sustentando, em síntese,


(i) que as acusações formuladas pelo Ministério Público Federal estão
baseadas exclusivamente nos depoimentos prestados por agentes
colaboradores, o que é insuficiente para a condenação criminal; (ii) que
não há provas mínimas de autoria e de materialidade, uma vez que, na
instrução penal, o Ministério Público não logrou êxito em comprovar as
acusações formuladas; e (iii) que estão ausentes elementares dos crimes de
corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.

1. Preliminares

1.1. Cerceamento de defesa – Quebra da Paridade de Armas ou de


tratamento isonômico das partes: inocorrência. Concessão de prazo
sucessivo, para apresentação de alegações finais, ao Ministério Público e à
sociedade empresária assistente: ausência de prejuízo

Passo a examinar, inicialmente, a primeira questão preliminar suscitada


pelo réu Nelson Meurer, referente ao alegado cerceamento de defesa
e à suposta ocorrência de quebra da paridade de armas diante da concessão
de prazo sucessivo, para alegações finais, ao Ministério Público e à sua
assistente, não obstante tenha sido deferido à defesa dos 03 (três)
litisconsortes penais passivos prazo comum para essa mesma finalidade.

Assinalo que essa questão também constitui objeto do quarto agravo


interno interposto por esse mesmo acusado.

É inegável que a paridade de armas, importante consectário da


cláusula constitucional do “due process of law”, impõe que se estabeleça
relação de equilíbrio entre os contendores do litígio, notadamente em sede
processual penal.

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Cabe enfatizar, bem por isso, Senhor Presidente, que o Supremo


Tribunal Federal, no exame da presente causa penal, garantiu, de modo pleno,
às partes envolvidas, com especial destaque para os réus, na linha de sua
longa e histórica tradição republicana, o direito a um julgamento justo,
imparcial e independente, com rigorosa observância de um dogma essencial
ao sistema acusatório: o da paridade de armas, que impõe a necessária
igualdade de tratamento entre o órgão da acusação estatal e aquele contra
quem se promovem atos de persecução penal (ARE 648.629/RJ, Rel. Min.
LUIZ FUX – AP 644-AgR/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES –
RHC 138.752/PB, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.), em contexto legitimado
pelos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito e que
repele, por isso mesmo, a tentação autoritária de presumir-se provada
qualquer acusação criminal e de tratar como se culpado fosse aquele em favor
de quem milita a presunção constitucional de inocência.

Cumpre destacar, por relevante, apesar da previsão constante do


art. 11, § 1º, da Lei nº 8.038/90, segundo a qual “Será comum o prazo do
acusador e do assistente”, que, no caso dos autos, o eminente Ministro Relator
fixou prazo sucessivo para o “Parquet” e para a assistente de acusação
apresentarem suas razões finais, de modo a compatibilizar referida
regra, que contém cláusula genérica, com as prerrogativas do Ministério
Público de receber intimação pessoal nos autos (LC nº 75/93, art. 18, II, “h”).
Esse específico aspecto foi bem ressaltado pelo eminente Ministro
EDSON FACHIN, como o evidenciam as razões que dão suporte à sua
decisão de indeferimento do pedido da defesa (fls. 3.181/3.182v.) e, sobretudo,
os motivos subjacentes ao voto que vem de proferir nesta sessão:

“Não se desconhece, conforme pontuado pela defesa, que o


art. 11, § 1º, da Lei n. 8.038/1990 prevê prazo comum para a
acusação e seu assistente, assim como para os corréus, ofertarem as
alegações escritas, nas respectivas oportunidades sucessivas descritas
no ‘caput’ do aludido dispositivo legal.

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Tal cenário, ainda que evidencie a ocorrência de um


aparente conflito de normas, mostra-se solucionável, todavia,
tanto pelo critério cronológico como pelo da especialidade, já
que a LC 75/1993, que estabelece, de forma especial, a prerrogativa
da intimação pessoal em favor do Ministério Público, é posterior
à previsão genérica encontrada no rito das ações penais originárias
descrito na Lei n. 8.038/1990.
Mesmo que assim não fosse, as distintas formas de
intimação do Ministério Público Federal e da assistente de
acusação importariam, invariavelmente, na fluidez de lapsos
temporais diversos à prática do aludido ato processual, o que
redundaria, de certa forma, na inobservância da norma invocada pela
defesa técnica como reveladora do ‘discrimen’ reclamado nesta
oportunidade.
Entretanto, a concessão desses prazos sucessivos para a
Procuradoria-Geral da República e para a assistente de acusação
ofertarem suas alegações finais em hipótese alguma teve aptidão
de desequilibrar a relação processual travada nestes autos. É
que, ainda que destacados de forma cronológica, todas as partes
tiveram idêntico prazo para a prática do ato processual
questionado, anotando-se, ademais, como afirmado pela própria
defesa, que, embora estes autos tramitem de forma física, uma
cópia digitalizada é disponibilizada para todas as partes de
forma concomitante.
Por tal razão, caso a concessão de prazo sucessivo à
Procuradoria-Geral da República e à assistente da acusação para a
oferta das alegações finais seja considerada a causa do apontado
desequilíbrio na relação processual em razão da possibilidade, desta
última, utilizar-se de maior lapso temporal para a prática do ato, é
correto afirmar que, nesse cenário, as defesas técnicas dos
acusados foram igualmente beneficiadas, já que dispuseram de
maior lapso temporal para compulsar os autos digitalizados e
elaborar as respectivas teses declinadas nas razões escritas.

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Por fim, cumpre consignar que a determinação, no mesmo


despacho proferido aos 29.11.2017, de abertura de prazo para as
defesas apresentarem as alegações finais e de concessão de vista dos
autos à Procuradoria-Geral da República para as contrarrazões a
agravo regimental interposto não impediu, em absoluto, a prática do
ato processual.
Com efeito, como já destacado, ainda que os autos tenham
sido deslocados à Procuradoria-Geral da República para as
contrarrazões ao agravo regimental interposto, é fato que o acesso
ao seu conteúdo é franqueado vinte e quatro (24) horas por dia
na plataforma do processo eletrônico de forma concomitante a
todos os sujeitos da relação processual, circunstância que
evidencia a inexistência de tratamento diferenciado a qualquer das
partes.” (grifei)

De qualquer maneira, no entanto, ainda que superada essa questão,


a análise da controvérsia suscitada evidencia não se revelar acolhível
referida preliminar, pois não restou demonstrada a ocorrência de qualquer
prejuízo para os réus, que exerceram, plenamente, sem qualquer restrição,
as prerrogativas inerentes ao direito de defesa, tal como assinalado
pelo douta Procuradoria-Geral da República nas contrarrazões
apresentadas ao “agravo regimental” interposto pelo réu Nelson Meurer
(fls. 3.291/3.296):

“No caso concreto, contudo, enquanto o Ministério


Público Federal utilizou-se integralmente do prazo de
15 (quinze) dias para o oferecimento de suas alegações finais
(fls. 2977 e 2998), a assistente Petrobras sequer valeu-se de 1 (um)
dia para a apresentação da mesma peça, tendo-a protocolado
em 24/11/2017, mesma data da publicação pela qual foi intimada
para tanto. Nesses moldes, verifica-se que a acusação, no caso
concreto, utilizou-se do total de 15 (quinze) dias para
oferecimento de suas alegações finais. Já as defesas dos réus,
por sua vez, utilizaram-se dos mesmos 15 (quinze) dias para

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oferecimento de suas alegações finais, tendo-as protocolado, todas,


no dia 14/12/2017, termo final do prazo legal, contado do dia seguinte
à data da publicação da decisão em que foram para tanto
intimadas, 29/11/2017.
Nesses moldes, diante das peculiaridades do caso, ainda que se
concluísse irregular a decisão pela qual o Ministro Relator concedeu
prazo de apenas 15 (quinze) dias para apresentação de alegações finais
pelas defesas, verifica-se que não houve qualquer prejuízo
concreto e efetivo à paridade de armas, visto que ambas, defesa
e acusação, utilizaram-se do mesmo período temporal para
oferecimento das referidas peças.” (grifei)

Daí a correta observação de Vossa Excelência, Senhor Presidente,


constante do voto, hoje proferido, no qual – após destacar a ausência de
prejuízo em detrimento dos réus – assim se pronunciou:

“No caso, constato que, no prazo legal, a defesa técnica do


acusado Nelson Meurer protocolizou petição contendo
alegações finais que ocupam exatas 100 (cem) laudas, nas quais
foram declinadas substanciosas teses defensivas contrapostas à versão
acusatória exposta na denúncia, as quais abordam todo o
conjunto probatório produzido no decorrer da instrução criminal,
razão pela qual não há falar em cerceamento ou deficiência de
defesa que justifique a pretendida declaração de nulidade do processo,
diante da induvidosa inexistência de qualquer prejuízo às garantias
processuais constitucionais.” (grifei)

Cabe ressaltar, Senhor Presidente, no sentido que orienta o seu


douto voto, que a disciplina normativa das nulidades, no sistema jurídico
brasileiro, rege-se pelo princípio segundo o qual “Nenhum ato será
declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a
defesa” (CPP, art. 563). Esse postulado básico – “pas de nullité sans grief” –
tem por finalidade rejeitar o excesso de formalismo, desde que a eventual
preterição de determinada providência legal não tenha causado prejuízo
para qualquer das partes (RT 567/398 – RT 570/388 – RT 603/311, v.g.).

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É por tal razão que esta Suprema Corte tem exigido a comprovação de
efetivo prejuízo, que não se presume, para declarar a nulidade de um
determinado ato processual (RTJ 182/662-663, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE – RTJ 220/385, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 85.155/SP,
Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC 100.329/RS, Rel. Min. CÁRMEN
LÚCIA – HC 112.191/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 117.102/SP,
Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RHC 134.832/ES, Rel. Min.
ROBERTO BARROSO, v.g.):

“1. À luz da norma inscrita no art. 563 do CPP e da


Súmula 523/STF, a jurisprudência desta Corte firmou o
entendimento de que, para o reconhecimento de nulidade dos atos
processuais, relativa ou absoluta, exige-se a demonstração do
efetivo prejuízo causado à parte (‘pas de nulitté sans grief’).
Precedentes.
…...................................................................................................
3. Ordem denegada.”
(HC 104.648/MG, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – grifei)

Impõe-se, desse modo, a rejeição de referida preliminar, com o


consequente reconhecimento da prejudicialidade do quarto recurso de
agravo interno interposto por Nelson Meurer.

1.2. Cerceamento de defesa – Alegada violação ao princípio do


devido processo legal. Indeferimento do pleito de substituição de
testemunhas. Matéria já apreciada, no presente caso, por esta colenda
Segunda Turma: Preclusão

Examino, agora, a segunda preliminar suscitada pelo réu Nelson


Meurer, na qual este alega a ocorrência de cerceamento de defesa e de
violação ao devido processo legal, em razão do indeferimento do pleito de
substituição de testemunhas arroladas por sua defesa.

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Entendo não assistir razão a esse acusado, pelo fato de achar-se preclusa
a matéria em causa, eis que a questão já foi resolvida por esta colenda
Segunda Turma na análise de agravos internos interpostos pelos réus,
fazendo-o em julgamento que se acha consubstanciado em acórdão
assim ementado (fls. 2.534/2.535):

“AGRAVOS REGIMENTAIS. AÇÃO PENAL.


SUBSTITUIÇÃO DE TESTEMUNHAS. APLICABILIDADE DO
ART. 451 DO CÓDIDO DE PROCESSO CIVIL, NOS TERMOS
DO ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ART. 9º
DA LEI N. 8.038/1990. HIPÓTESES NÃO VERIFICADAS.
REQUERIMENTO DESMOTIVADO. IMPOSSIBILIDADE.
INSURGÊNCIAS DESPROVIDAS.
1. Não havendo previsão legal específica, aplica-se o
disposto no art. 451 do Código de Processo Civil, na forma do
art. 3º do Código de Processo Penal e do art. 9º da Lei n. 8.038/1990,
para o regramento do pleito de substituição de testemunhas no
processo penal.
2. Operada a preclusão consumativa da pretensão
probatória com a apresentação do rol de testemunhas, a
posterior substituição destas só é permitida nos casos de não
localização, falecimento ou enfermidade que inviabilize o
depoimento.
3. No caso, os agravantes não indicam qualquer
circunstância concreta superveniente à indicação do rol de
testemunhas que dê embasamento ao pleito excepcional de
substituição, assinalando que, inclusive, tinha ciência da anterior
indicação dos mesmos testigos pela acusação.
4. Agravos regimentais desprovidos.” (grifei)

Sendo assim, e em face das razões expostas, acompanho o eminente


Relator e, em consequência, rejeito a segunda preliminar suscitada.

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1.3. Cerceamento de defesa – Violação ao princípio do devido


processo legal. Indeferimento de prova pericial requerida por um dos
acusados

Em relação à terceira preliminar (indeferimento de prova pericial),


também suscitada pelo réu Nelson Meurer, cabe destacar que ela se apoia
na mesma fundamentação deduzida no segundo agravo interno por ele
interposto.

Impõe-se registrar, por necessário, que o indeferimento de


determinada diligência probatória requerida pela defesa ou pelo próprio
Ministério Público – como a realização de perícia, p. ex. – não se qualifica, só
por si, como medida caracterizadora de cerceamento da defesa, desde que
tal ato encontre suporte em decisão adequadamente motivada (CPP, art. 400,
§ 1º, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008).

Como se sabe, o Relator exerce, nessa matéria, irrecusável competência


discricionária, ainda que regrada, que lhe permite, a partir de avaliação
quanto à conveniência ou à necessidade da medida, ordenar, ou não,
sempre em decisão fundamentada, a adoção dessa providência de caráter
instrutório.

Esse entendimento – cabe ressaltar – vem sendo observado em


sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte, cujo
magistério jurisprudencial firmou orientação no sentido de que o
indeferimento de produção de prova, desde que veiculado em decisão
adequadamente fundamentada, não caracteriza medida configuradora de
cerceamento de defesa (AP 409-AgR/CE, Rel. Min. AYRES BRITTO –
HC 69.575/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 80.205/SP, Rel. Min.
CELSO DE MELLO – HC 83.578/RJ, Rel. Min. NELSON JOBIM –

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HC 91.777/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 95.694/PR,


Rel. Min. MENEZES DIREITO – HC 100.988/RJ, Red. p/ o acórdão Min.
ROSA WEBER – HC 135.026/AP, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.):

“PENAL. DECISÃO QUE INDEFERE REALIZAÇÃO


DE PERÍCIA E REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS.
INUTILIDADE DA PROVA. AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO DESPROVIDO.

I – Incabível a prova pericial, por motivo de inutilidade,


quando não puder refletir a situação patrimonial e financeira de
empresa beneficiada por recursos da SUDAM no momento em que os
fatos controvertidos ocorreram.
II – Nada impedindo que o réu traga aos autos cópias de
atas do CONDEL-SUDAM e de outros documentos, correta de
decisão que indeferiu a pretensão.
III – Agravo regimental desprovido.”
(AP 374-AgR/TO, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI – grifei)

“Agravo regimental em ação penal originária. Processo


penal. 2. Perícia grafodocumentoscópica, com o objetivo de
demonstrar que o réu não assinou ou produziu as notas de compra
acostadas aos autos. Impertinência da prova, visto que a
acusação não atribui a autoria dos documentos ao punho do
réu – art. 400, § 1º, CPP. 3. Reformulação do requerimento para
contestar a assinatura de terceiros e a contemporaneidade de anotação
feitas nos documentos. Inovação quanto ao objeto da prova.
A resposta é a oportunidade para ‘especificar as provas
pretendidas’ – art. 396-A do CPP. Pedido formulado a
destempo. 4. O deferimento da prova requerida de forma
intempestiva só se justifica excepcionalmente e sem prejuízo do
regular andamento processual. (...). 6. Necessidade da perícia.
A autenticidade dos documentos será avaliada com base no conjunto
da prova produzida. Prova que, no atual momento processual,

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não desponta como necessária. Indeferimento, na forma do


art. 400, § 1º, do CPP. 7. Negado provimento ao agravo regimental.”
(AP 974-AgR-segundo/SE, Rel. Min. GILMAR MENDES –
grifei)

“RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’ –


ALEGADA NULIDADE DO PROCESSO PENAL
CONDENATÓRIO – PERÍCIA SOLICITADA PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO – INDEFERIMENTO –
POSSIBILIDADE – COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA DO
JUIZ, QUE LHE PERMITE, A PARTIR DA AVALIAÇÃO
CRITERIOSA QUANTO À CONVENIÊNCIA, UTILIDADE OU
NECESSIDADE DA MEDIDA, ORDENAR, OU NÃO, SEMPRE
EM DECISÃO FUNDAMENTADA, A ADOÇÃO DESSA
PROVIDÊNCIA DE CARÁTER INSTRUTÓRIO – NÃO
OCORRÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO E DA PLENITUDE DE DEFESA – (…)
RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.”
(RHC 90.719/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cumpre observar, neste ponto, que essa compreensão do tema – que


reconhece a possibilidade de o juiz indeferir diligências, desde que em
decisão fundamentada, sem que tal negativa configure nulidade processual
por cerceamento de defesa – encontra apoio no magistério da doutrina
(EUGÊNIO PACELLI e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código
de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 828/830, 4ª ed., 2012, Atlas;
MARIA FERNANDA DE TOLEDO R. PODVAL e ROBERTO PODVAL,
“Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial”,
coordenado por Alberto Silva Franco e Rui Stoco, vol. 4/160-163,
item n. 3.03, cap. V, 2ª ed., 2004, RT; FERNANDO DA COSTA
TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. II/49,
14ª ed., 2012, Saraiva; DENILSON FEITOZA, “Direito Processual Penal –
Teoria, Crítica e Práxis”, p. 485, item n. 9.3, 6ª ed., 2009, Impetus; JULIO
FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”,
p. 576/577, item n. 499.3, 2ª ed., 1994, Atlas), valendo referir, por

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relevante, nesse mesmo sentido, a lição de MARCO ANTONIO MARQUES


DA SILVA e JAYME WALMER DE FREITAS (“Código de Processo Penal
Comentado”, p. 625/626, item n. 10, 2012, Saraiva):

“10. Indeferimento de provas irrelevantes, impertinentes


ou protelatórias. O juiz deve cuidar para que as provas
coligidas ao feito sejam úteis para descortinar os fatos
articulados pelas partes. Dentro do espírito de aproximar o
processo penal do processo civil, também aqui, inspirando-se no
art. 130 do Código de Processo Civil e na Lei n. 9.099/95, atinente aos
Juizados Cíveis e Criminais, arts. 33 e 81, a despeito do poder de
produzir provas de ofício na busca da verdade real, o juiz tem a
faculdade de indeferir determinadas provas.
Será irrelevante a prova prescindível, desnecessária para o
desvendamento do fato imputado ou para o fim a que se destina, tal
como exigir prova pericial para descobrir de qual arma foi o disparo
fatal no latrocínio, estando autor e coautor armados no local dos fatos,
bem como em homicídio culposo, tendo o acusado confessado o crime,
mostra-se irrelevante a realização de prova pericial no veículo.
A prova deve ser tida por impertinente quando não guarda
relação com o fato imputado (…).” (grifei)

Impende reproduzir, no ponto, fragmento da decisão proferida pelo


eminente Ministro EDSON FACHIN, ao corretamente negar o pedido da
defesa de Nelson Meurer para realização de perícia sobre valorização
imobiliária de propriedade desse mesmo réu (fls. 2.521/2.524):

“Ainda que o acusado Nelson Meurer tenha, às fls. 2.037, por


ocasião da apresentação da defesa prévia, protestado genericamente
pela ‘produção de todas as provas em direito admitidas, em especial a
documental, testemunhal, pericial e oral...’, o pedido ora formulado
é intempestivo.

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Isso porque, como exige o art. 396-A do Código de


Processo Penal, cumpre ao acusado, quando da apresentação da
defesa, ‘especificar as provas pretendidas’, o que não se
confunde com o protesto genérico pela produção de todas as provas
em direito admitidas.
Somente na presente oportunidade é que o acusado
especifica qual prova pericial pretende produzir, informando que
busca demonstrar a valorização econômica de um imóvel de sua
propriedade, localizado em Francisco Beltrão, o que justificaria seu
incremento patrimonial.
Sendo assim, intempestivo o pedido, só agora
especificado, de produção da prova pericial.
…...................................................................................................
Ainda que se desconsiderasse a intempestividade do pedido
de produção da referida prova, em vista do que dispõe o art. 400,
§ 1º, do CPP, segundo o qual se indeferem as provas
‘consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias’,
o pedido formulado pelo acusado não merece deferimento, uma
vez que a alegação da valorização econômica de um determinado
imóvel pode ser demonstrada independentemente de perícia.”
(grifei)

Esses fundamentos foram, agora, expostos, de forma mais minuciosa,


no voto proferido pelo eminente Relator, cujo teor confere plena
legitimidade jurídica à sua decisão:

“A par disso, na visão da nobre defesa, a aplicabilidade


subsidiária do Código de Processo Penal seria permitida apenas na
fase instrutória, nos termos do art. 9º da Lei n. 8.038/1990, da qual
não faria parte a defesa prévia, já que a sua oferta precede ao próprio
recebimento da denúncia.
Entretanto, uma leitura atenta do referido dispositivo
legal evidencia a mera indicação de observância do procedimento
comum previsto no Código de Processo Penal na instrução criminal

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da ação penal originária, sendo inviável extrair da sua redação


qualquer interpretação que limite a aplicabilidade do Estatuto
Processual Penal à fase instrutória. Confira-se:

‘Art. 9º – A instrução obedecerá, no que couber, ao


procedimento comum do Código de Processo Penal’.

Nesse cenário, diante da inexistência de qualquer previsão


específica acerca da oportunidade para o exercício da pretensão
probatória na ação penal originária, seja na Lei n. 8.038/1990 ou no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, concluo pela
plena aplicabilidade da norma prevista no art. 396-A do Código de
Processo Penal, que preceitua:

‘Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir


preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer
documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e
arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua
intimação, quando necessário’.

Como se depreende desse dispositivo transcrito, a


resposta à acusação é o momento processual oportuno para a
defesa ‘especificar as provas pretendidas’. O emprego do verbo
‘especificar’ pelo legislador ordinário impõe à defesa técnica o
ônus de delimitar, de acordo com o panorama fático-
-processual verificado no caso concreto, as provas que
intenciona ver produzidas no processo. Não por outra razão é
que a pretensão será submetida ao crivo da autoridade judiciária, a
qual poderá ‘indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou
protelatórias’ (art. 400, § 1º, do CPP). Em suma, o aludido
requerimento de produção probatória, além de específico, deve ser
acompanhado da demonstração da sua relevância para a resolução
do mérito da ação penal.
.......................................................................................................
No caso em apreço, repiso, por ocasião da defesa
preliminar protocolizada em 12.12.2016 (fl. 2.038) os patronos

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 486 3453


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constituídos pelo acusado Nelson Meurer limitaram-se a requerer,


de forma genérica, a produção de prova pericial, olvidando-se
de especificar o objeto do exame especializado pretendido, bem
como a sua pertinência para a resolução da causa.
A partir do término da oitiva das testemunhas arroladas pelas
defesas dos acusados e com a designação de datas para os respectivos
interrogatórios, nos termos da decisão de fls. 2.506-2.507, somente
em 18.8.2017 (fl. 2.513) peticionaram os patronos dos
denunciados Nelson Meurer e Nelson Meurer Júnior requerendo a
análise da pretensão de produção da prova pericial, oportunidade
na qual, de forma flagrantemente extemporânea, externaram a
intenção de juntada de ‘perícia contábil’ e de realização de
exame técnico para aferição de alegada valorização de imóvel
localizado na cidade de Francisco Beltrão/PR.
.......................................................................................................
Sobre tais argumentos defensivos, cumpre anotar, num
primeiro momento, que, pela sua generalidade, sequer seria possível
a análise do pleito de produção de prova pericial formulado por ocasião
da defesa prévia, já que não foram individualizados o exame
especializado pretendido, tampouco o seu objeto.” (grifei)

Como se vê, no caso, além de intempestivo – e, portanto, tardio – o


requerimento específico de produção da prova pericial, esta não se revelava
pertinente ou necessária, conforme bem destacou o Ministro Relator, o que
enseja a rejeição dessa preliminar e, em consequência, a prejudicialidade
do segundo agravo interno interposto por Nelson Meurer.

De outro lado, e no que se refere à realização de perícia contábil sobre


os créditos nas contas de Nelson Meurer, cabe destacar que a defesa
desse réu não requereu, em momento algum, tal prova, apenas se
manifestando pelo adiamento do seu interrogatório, ao argumento de que
haveria “diligências de importância ímpar à defesa, como, por exemplo, a
apresentação de relatório contábil (que já se encontra em produção), no
qual se evidenciarão divergências gritantes em relação ao levantamento
contábil/fiscal realizado pela acusação” (fls. 2.516 – grifei). Desse modo, nada

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impedia a defesa de produzir, nos autos, mencionado relatório contábil


que, segundo por ela mesma informado, já se encontrava em elaboração,
como se infere do douto voto hoje proferido pelo eminente Relator:

“Ademais, especificamente no que diz respeito à perícia


sobre os depósitos realizados em contas-correntes vinculadas ao
denunciado Nelson Meurer, destaco que a própria defesa, no
requerimento acima transcrito, afirma ter providenciado a confecção
de relatório contábil, circunstância que evidencia a desnecessidade de
qualquer intervenção judicial no ponto.
Da mesma forma, sublinho a prescindibilidade da produção
de prova pericial à demonstração da alegada valorização de
imóvel de propriedade do aludido acusado situado na cidade de
Francisco Beltrão/PR.
Com efeito, trata-se de fato econômico que não demanda
conhecimentos especializados para a sua correta compreensão
pelo Juízo, razão pela qual a sua demonstração poderia vir aos
autos pela própria defesa, sob a fé de profissionais registrados no
Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Paraná, por exemplo.
Por fim, tal postulação sequer foi requerida pela defesa
técnica na fase do art. 10 da Lei n. 8.038/1990, o que revela, mais
uma vez, a sua dispensabilidade para a resolução do mérito da ação
penal.
Todas essas circunstâncias levam à conclusão pela
inexistência do alegado cerceamento de defesa com o
indeferimento da pretensão probatória, a qual foi, insisto, exercida de
forma extemporânea e desprovida de suporte fático que justificasse a
sua produção. (...).” (grifei)

1.4. Cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de


diligências complementares: inocorrência

Examino, agora, a quarta preliminar arguida pelo réu Nelson Meurer –


também objeto de seu terceiro agravo interno (fls. 2.985/2.996) – no sentido

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de que teria havido cerceamento de defesa ante o indeferimento, pelo


eminente Ministro Relator, do seu pedido de diligências complementares,
voltado à inquirição de 04 (quatro) testemunhas referidas durante a
produção da prova oral.

Cumpre ter presente, neste ponto, que o magistério jurisprudencial


desta Suprema Corte declara, com total correção, que a fase procedimental
instituída pelo art. 10 da Lei nº 8.038/90 – cujo teor encontra idêntica
correspondência no art. 402 (antigo art. 499) do Código de Processo Penal –
não autoriza a reabertura da etapa de ampla realização probatória, mas, tão
somente, o seu complemento, com o propósito exclusivo de esclarecer
circunstâncias ou fatos surgidos durante a instrução (AP 864-AgR/AM,
Rel. Min. ROBERTO BARROSO – HC 87.728/RJ, Rel. Min. AYRES
BRITTO – grifei):

“AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO PENAL. DECISÃO


SINGULAR QUE INDEFERIU PROVA PERICIAL.
PRETENSÃO MERAMENTE PROTELATÓRIA. PEDIDO
INOPORTUNO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A diligência tida por imprescindível pela parte agravante não
foi cogitada uma única vez sequer pela defesa técnica no transcorrer de
todo o processo-crime. Prova técnica imprestável para a exclusão
da ilicitude ou tipicidade do delito, assim como para a
culpabilidade do acusado.
2. A realização de perícia de engenharia civil em cada
uma das dezesseis ‘passagens molhadas’ nenhuma relevância
terá para o deslinde da causa, a não ser para o prolongamento da
instrução criminal, que já se arrasta por mais de sete anos. Caráter
meramente protelatório da diligência requerida.
3. A finalidade da norma que se extrai do artigo 10 da
Lei nº 8.038/90 (correlata ao artigo 499 do CPP) não avança
para o campo da reabertura do espaço de produção probatória.
Ao contrário, oportuniza o revide ou mesmo a confirmação de
fatos e dados surgidos ao longo da marcha processual.

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4. Agravo regimental desprovido com a imediata abertura de


prazo para alegações finais, independentemente da publicação do
acórdão.”
(AP 409-AgR/CE, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)

Essa particular circunstância – vale observar – foi posta em destaque


pelo eminente Ministro Relator, como o demonstra o seguinte e
expressivo fragmento que se extrai da decisão agravada (fls. 2.970/2.975):

“2. Principio anotando que a atual fase do procedimento


da ação penal originária, disciplinado na Lei n. 8.038/1990,
destina-se a oportunizar a realização de diligências cuja
imprescindibilidade tenha como causa fato ocorrido no curso
da instrução criminal.
…...................................................................................................
3. Nada obstante os argumentos defensivos, (...) a
pretensão da defesa não detém origem em fatos revelados no
decorrer da instrução.
…...................................................................................................
Tratando-se, portanto, de fatos já expostos pelo órgão
acusatório na própria incoativa, eventual pretensão
probatória em relação a estes deveria ter sido manifestada
oportunamente, pois de conhecimento prévio dos acusados,
circunstância que não autoriza o deferimento da diligência
pretendida.
…...................................................................................................
A par disso, a mera referência ao nome de Francisco Dornelles,
sem qualquer implicação nos fatos denunciados, (…), também
não justifica a sua oitiva em juízo na qualidade de testemunha
(…).” (grifei)

É imperioso acentuar, de outro lado, que a questão em tela diz


respeito, em última análise, ao grau de discricionariedade conferido ao
Ministro Relator para apreciar pedido de diligência formulado com base
no art. 10 da Lei nº 8.038/90 (correspondente ao art. 402 do CPP). No caso

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concreto, a diligência consistiria na inquirição de testemunhas referidas,


consideradas relevantes para a defesa.

Embora não se questione que a fase do art. 402 do CPP é o momento


processualmente adequado para que qualquer das partes requeira o
depoimento de testemunha referida (JOSÉ FREDERICO MARQUES,
“Elementos de Direito Processual Penal”, vol. II/341, 1965, Forense),
não procede a objeção, deduzida pelo Deputado Meurer, de que o Relator,
no caso, não poderia indeferir o pedido, sob pena de cerceamento de defesa.

A discricionariedade conferida ao juiz, no particular, encontra


suporte legitimador no art. 209, § 1º, do CPP: “Se ao juiz parecer
conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem”
(grifei). E o Supremo Tribunal Federal tem prestigiado, no ponto, a
textualidade da norma, como o fez, p. ex., no julgamento do
HC 60.999/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES:

“(…) no tocante ao alegado cerceamento de defesa, ele


inexiste, uma vez que, em face do disposto no § 1º do artigo 209 do
Código de Processo Penal, as pessoas a que as testemunhas se
referiram só serão ouvidas se ao juiz parecer conveniente, o que
implica dizer que a decisão dessa conveniência cabe
exclusivamente ao juiz.” (grifei)

Vale relembrar, sob tal aspecto, que o ordenamento positivo


proporciona ao Relator a oportunidade de, independentemente de
qualquer alegação das partes, determinar “ex officio” diligências
complementares, como o permite a norma inscrita no art. 11, § 3º, da
Lei nº 8.038/90, sendo certo que a necessidade de tais providências
somente ao magistrado caberá aferir, na medida em que estritamente
destinadas ao seu convencimento quanto à apuração da verdade real
(EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro
Anotado”, vol. III/117, 6ª ed., 1965, Borsoi). Observe-se, ainda, que,
mesmo quando requerida a diligência por uma das partes, ainda assim

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preservar-se-á a discricionariedade reconhecida ao Relator, obrigado,


apenas, a motivar, adequadamente, por efeito do que impõe o art. 93, IX, da
Constituição, o ato decisório veiculador de eventual indeferimento da
medida postulada.

Daí a absoluta correção com que se houve, nessa específica matéria,


o eminente Ministro Relator, cuja decisão ajusta-se, com integral fidelidade,
à diretriz jurisprudencial firmada por esta Corte no tema ora em exame.

Sendo assim, rejeito a presente preliminar e, por conseguinte, julgo


prejudicado o terceiro agravo interno interposto pelo réu Nelson Meurer.

1.5. Necessidade de reunião desta ação penal com os


Inquéritos 3.980/DF e 3.989/DF para julgamento conjunto, sob pena “de
vilipêndio à segurança jurídica”. Matéria preclusa

A questão em epígrafe foi a quinta preliminar suscitada pela defesa


de Nelson Meurer, apesar de já ter sido objeto de análise, por esta Segunda
Turma, por ocasião do recebimento da denúncia, encontrando-se, pois,
atingida pela preclusão, conforme se vê do texto abaixo reproduzido, da
lavra do saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI (fls. 1.843/1.845):

“(…) DESCRIÇÃO INDIVIDUALIZADA E OBJETIVA


DAS CONDUTAS ATRIBUÍDAS AOS DENUNCIADOS,
ASSEGURANDO-LHES O EXERCÍCIO DO DIREITO DE
DEFESA. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPREENSÃO DO
CONJUNTO INVESTIGATÓRIO MESMO COM O
FRACIONAMENTO DOS FATOS. DESCRIÇÃO SUFICIENTE
DO CONCURSO DE AGENTES. (…)
…...................................................................................................
3. Tem-se como hábil a denúncia que descreve, de forma
individualizada e objetiva, as condutas atribuídas aos acusados,
correlacionando-as aos tipos penais declinados. A separação das

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condutas em vários momentos, visando melhor apontar os diversos


crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, bem como
a menção a pessoas investigadas em outras instâncias, não
impede o processamento dos denunciados em demanda
autônoma, notadamente quando esclarecida a participação de
cada um deles nos eventos. (…) O fracionamento dessa
investigação em várias ações penais não inviabiliza a
compreensão do todo, porque a referência aos aqui acusados
encontra-se perfeitamente delineada. Ademais, os denunciados
defendem-se na medida de suas imputações, não tendo relevância
condutas outras que não estejam materialmente imbricadas de modo a
revelar a necessidade de reunião de processos. (…).”
(Inq 3.997/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – grifei)

De qualquer maneira, ainda que superado o óbice apontado, impende


enfatizar que o Supremo Tribunal Federal, com apoio no art. 80 do CPP,
tem entendido possível, em inúmeras decisões, a separação ou a cisão do
feito, presente motivo relevante que torne conveniente a adoção dessa
providência, como sucede, p. ex., nas hipóteses em que se registre
pluralidade de litisconsortes penais passivos, tal como ocorre na espécie ora
em exame (AP 561/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Inq 1.741/MA, Rel.
Min. CELSO DE MELLO – Inq 2.168-ED/RJ, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA – Inq 2.706-AgR/BA, Rel. Min. MENEZES DIREITO – Pet 2.020-
-QO/MG, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.):

“AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO PENAL.


PROCESSUAL PENAL. DEPUTADO FEDERAL.
PLURALIDADE DE RÉUS. DECLINAÇÃO DA
COMPETÊNCIA. DESMEMBRAMENTO. PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO.
1. O Relator pode decidir monocraticamente sobre todas
as providências pertinentes ao bom andamento do processo,
determinando, inclusive, a declinação da competência e o
desmembramento do feito. Precedentes.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 486 3460


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2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no


sentido de que o elevado número de agentes demanda
complexa dilação probatória a justificar o desmembramento.
Precedentes.
3. Desmembrado o processo-crime para que seja julgado o
recurso de apelação interposto pelo réu detentor da prerrogativa de
foro de que trata o art. 102, inc. I, alínea ‘b’, da Constituição da
República, não mais persiste a competência deste Supremo Tribunal
Federal para decidir sobre os demais pedidos do Agravante.
4. Agravo regimental ao qual se nega provimento.”
(AP 641-AgR/RJ, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO.


AGRAVOS REGIMENTAIS. INDICIADOS SEM
PRERROGATIVA DE FORO. DESMEMBRAMENTO.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVOS
DESPROVIDOS.
I – O elevado número de agentes demanda complexa
dilação probatória a justificar o desmembramento do feito.
Precedente do INQ 2706, Rel. Min. Menezes Direito.
II – Ademais, salvo hipóteses excepcionais, onde a conduta
dos agentes esteja imbricada de tal modo que torne por demais
complexo individualizar a participação de cada um dos envolvidos, é
de se desmembrar o feito em relação aos que não possuem foro
perante o STF.
III – Agravos Regimentais desprovidos.”
(Inq 2.471-AgR-Quinto/SP, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI – grifei)

Observo, também, que, no caso que ora se examina, não houve


comprovação de qualquer prejuízo decorrente da não reunião, para
julgamento conjunto, em “simultaneus processus”, dos procedimentos
indicados pela defesa.

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Não foi outra a compreensão exposta, no presente caso, por esta


colenda Turma, na sessão de julgamento que admitiu a instauração da
presente causa penal, como se vê de expressiva passagem do voto então
proferido pelo saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI, Relator originário,
que pôs em relevo a inocorrência, na espécie, de qualquer prejuízo em
detrimento dos réus em questão (fls. 1.860/1.867):

“(…) A simples menção a pessoas investigadas em outras


instâncias, por si só, não impede o processamento dos
denunciados em demanda autônoma, porque, como dito, a peça
acusatória, de forma muita clara, descreve a participação de cada um
deles nos eventos. Ao lado disso, poderá a defesa, caso entenda
conveniente, juntar a qualquer tempo documento ou declaração
existente nesses outros procedimentos investigatórios ou ações penais
que tramitam em foro diverso.
…...................................................................................................
Também não procede a alegação de que o fracionamento
da investigação em várias ações penais inviabilizou a
compreensão do todo – aludindo a defesa aos episódios em que
Nelson Meurer teria recebido dinheiro com a participação de terceiros
denunciados em foro diverso –, notadamente porque a referência
aos aqui acusados encontra-se perfeitamente delineada na
denúncia, conforme já afirmado, demonstrando a efetiva participação
nos fatos, descabendo falar, assim, em indissociável vinculação
entre os delitos apurados neste procedimento e os supostamente
praticados por Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e outros.
.......................................................................................................
Nessa linha, refuta-se a alegação de necessidade do
‘julgamento conjunto do feito’ com suas subdivisões (…).”
(grifei)

A rejeição da preliminar, portanto, tal como propôs o eminente


Relator, é medida que se impõe.

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1.6. Contradita acolhida em relação à testemunha arrolada pela


defesa. Violação ao devido processo legal e quebra da paridade de armas
entre acusação e defesa: inocorrência

Finalmente, a defesa de Nelson Meurer, na sexta preliminar arguida,


insurge-se contra o acolhimento, em juízo, da contradita suscitada pelo
“dominus litis” em relação a João Alberto Pizzolatti Júnior, cujo
depoimento, por isso mesmo, foi tomado sem a prestação do compromisso de
dizer a verdade, em razão de, em tese, achar-se o informante alegadamente
envolvido na prática criminosa, o que, segundo o parlamentar acusado,
romperia a paridade de armas entre os sujeitos processuais, com
consequente violação à garantia do “due process of law”.

Inconsistente essa impugnação do acusado em referência, pois a


contradita constitui medida acessível a qualquer dos sujeitos da relação
processual penal, qualificando-se como verdadeiro incidente processual no
curso do procedimento probatório de inquirição de testemunhas, eis que
se destina a tornar efetiva a regra legal que objetiva impedir
depoimentos de pessoas suspeitas de parcialidade, ou indignas de fé, ou,
ainda, interessadas na resolução do litígio.

Em ocorrendo tais circunstâncias, o Juiz fará consignar a contradita,


bem assim a resposta da testemunha, impedindo-a de depor nos casos
em que for ela proibida de fazê-lo (CPP, art. 207) ou, então, não lhe
deferindo o compromisso nas hipóteses a que se refere o art. 208 do
estatuto processual penal.

E foi, precisamente, o que ocorreu na espécie, pois o depoimento de


João Alberto Pizzolatti Júnior foi efetivamente tomado, sem que se lhe
deferisse o compromisso a que alude o art. 203 do CPP.

Vale destacar que essa compreensão do tema tem o beneplácito da


jurisprudência desta Corte (HC 89.671/RJ, Rel. Min. EROS GRAU –

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RHC 99.768/MG, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – RHC 116.108/RJ, Rel.


Min. RICARDO LEWANDOWSKI):

“AÇÃO PENAL. TERCEIRA QUESTÃO DE ORDEM. (…)


ARROLAMENTO DOS CORRÉUS COMO TESTEMUNHAS.
IMPOSSIBILIDADE. APROVEITAMENTO DOS
DEPOIMENTOS NA CONDIÇÃO DE INFORMANTES.
VIABILIDADE. RESPEITO AOS DITAMES LEGAIS E AO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. QUESTÃO DE ORDEM
RESOLVIDA PARA AFASTAR A QUALIDADE DE
TESTEMUNHAS E MANTER A OITIVA DOS CO-RÉUS NA
CONDIÇÃO DE INFORMANTES.
…...................................................................................................
6. O fato de não terem sido denunciados nestes autos
não retira dos envolvidos a condição de corréus. Daí a
impossibilidade de conferir-lhes a condição de testemunhas no
feito.”
(AP 470-QO-Terceira/MG, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA – grifei)

“AÇÃO PENAL. CORRÉU ARROLADO COMO


TESTEMUNHA. ILEGALIDADE. INDEFERIMENTO DA
OITIVA (…).”
…...................................................................................................
O corréu, ainda que responda pela prática criminosa em autos
diversos – oriundos, v.g., de desmembramento – não ostenta
qualidade de testemunha, razão pela qual se revela ilegítimo
incluí-lo no rol de testemunhas, salvo quando se comprometa com
a condição de colaborador, nos termos da Lei 9.807/99.”
(AP 923/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, tem


advertido que “O sistema processual brasileiro não admite a oitiva de co-réu
na qualidade de testemunha ou, mesmo, de informante (…)”, ainda que não
tenha sido ele acusado no mesmo processo penal em que se pretenda a

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sua inquirição (AP 470-AgR-sétimo/MG, Rel. Min. JOAQUIM


BARBOSA – grifei), exceto se se tratar de agente colaborador cujo
depoimento seja prestado no contexto do regime jurídico de colaboração
premiada, hipótese inocorrente na espécie destes autos, motivo pelo
qual esta Corte se pronunciou, no precedente ora referido, no sentido de
“(...) ser aplicada a regra geral da impossibilidade de o co-réu ser ouvido como
testemunha ou, ainda, como informante”.

Esse entendimento, por sua vez, que tem suporte em autorizado


magistério doutrinário (GUSTAVO BADARÓ, “Processo Penal”, p. 454/455,
item n. 10.5.2, 4ª ed., 2016, RT; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de
Processo Penal Interpretado”, p. 260/261, item n. 207.2 a 208.1, 2ª ed.,
1994, Atlas; EUGÊNIO PACELLI e DOUGLAS FISCHER, “Comentários
ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 416/417,
item n. 186.7, 9ª ed., 2017, Atlas; ANDRÉ NICOLITT, “Manual de
Processo Penal”, p. 691, item n. 9.3.1.6, 6ª ed., revista, atualizada e
ampliada, 2016, RT; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de
Processo Penal Comentado”, p. 506/507, item n. 11, 14ª ed., 2015, Forense;
DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 2015,
25ª ed., 2012, Saraiva; RENATO MARCÃO, “Curso de Processo Penal”,
p. 532/533, item n. 10.1.10.23, 2014, Saraiva; ROGÉRIO SANCHES
CUNHA e RONALDO BATISTA PINTO, “Código de Processo Penal e
Lei de Execução Penal Comentados”, p. 553/554, 2017, JusPODIVM;
MARCO ANTÔNIO MARQUES DA SILVA e JAYME WALMER DE
FREITAS, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 346, item n. 1,
2012, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “Curso de Processo
Penal”, p. 572, item n. 14, 9ª ed., 2016, Gazeta Jurídica, v.g.), tem
igualmente prevalecido na jurisprudência de outros Tribunais
judiciários, cujos pronunciamentos ressaltam a impossibilidade jurídica de
tomar-se o depoimento, na condição de testemunha devidamente
compromissada, de pessoa sujeita, em outro procedimento criminal, a ações
penais concernentes aos mesmos episódios delituosos, daí não se
podendo vislumbrar qualquer cerceamento ao exercício do direito de

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ampla defesa assegurado aos acusados em geral (HC 88.223/RJ, Rel. Min.
JANE SILVA – RHC 40.257/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI – RHC 65.835/DF,
Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA):

“O indeferimento de oitiva de corréu como testemunha


não configura cerceamento de defesa, visto que, por também ser
réu, não está submetido à obrigação de dizer a verdade nem de
responder às perguntas feitas, por força do art. 5º, LXIII, da CF,
que lhe assegura o direito de permanecer em silêncio, não podendo,
portanto, colaborar com a busca da verdade, que é o objetivo da
prova testemunhal (TACRIM-SP – 6ª C. – AP 1.177.393/5 – Rel.
Almeida Braga – j. 15.12.1999 – RT 777/627).” (grifei)

Cumpre destacar, nesse sentido, que o informante João Alberto


Pizzolatti Júnior integrava, no curso dos fatos descritos na denúncia, a
cúpula da agremiação partidária a que pertence o parlamentar Meurer
(PP), e que, de acordo com a peça acusatória, comporia o mesmo grupo
criminoso que, em comunhão de esforços e desígnios, viabilizou a captura de
destacado segmento da empresa petrolífera governamental, com o
propósito específico de auferir vantagens indevidas, tanto de ordem
pessoal quanto de natureza político-partidária.

Assinalo que o ex-parlamentar João Alberto Pizzolatti Júnior, embora


não tenha figurado como investigado no Inq 3.997/DF (que precedeu o
ajuizamento da presente ação penal), veio a sofrer investigação e
persecução criminais instaurados em procedimentos autônomos a
propósito de fatos que compõem o mesmo contexto delinquencial,
circunstância essa que – por não descaracterizar a qualidade de referido
ex-congressista como suposto autor, coautor ou partícipe, e virtual corréu,
não obstante em outro processo penal (Inq 3.980/DF, com denúncia já
recebida) –, justificou, no caso, a inviabilidade de sua inquirição como
testemunha compromissada.

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Devo registrar, de outro lado, que o princípio do livre convencimento


motivado ou o critério da persuasão racional outorga ao magistrado, na
tentativa de reconstruir, nos autos, o caminho da verdade histórica, a
possibilidade de valorar, sem quaisquer embaraços ou restrições de ordem
normativa, as provas produzidas sob o crivo do contraditório, uma vez
que não vigora, entre nós, o sistema da prova legal ou tarifada. Daí a
advertência formulada pelo Superior Tribunal de Justiça a propósito dessa
questão, em julgamento de que foi Relator o eminente Ministro NEFI
CORDEIRO (RHC 75.856/SP), em voto de que consta, em expressiva
análise do tema, o seguinte fragmento:

“A diferença de valor da prova colhida, como informante


ou testemunha, com ou sem compromisso de dizer a verdade, é
matéria de ponderação judicial e não de classificação em uma
ou outra categoria de prova oral.” (grifei)

Isso significa dizer, portanto, ao contrário do que sustenta a defesa,


que a qualidade de informante atribuída a João Alberto Pizzolatti Júnior
não compromete, por si só, eventual força probatória de seu depoimento,
cuja verossimilhança e plausibilidade devem ser aferidas, pelo órgão julgador,
em cotejo com os demais elementos de convicção produzidos no curso deste
processo penal de conhecimento.

Cabe reconhecer, por necessário e relevante, que se assegurou aos


acusados, na espécie, o exercício de seu direito de confronto (“right of
confrontation”) em relação ao depoimento do aludido informante, não tendo
havido qualquer manifestação de inconformismo quanto ao teor das
declarações por ele prestadas.

Em uma palavra: o ato processual em referência não se ressente da


eiva de nulidade, tampouco transgrediu a cláusula do “due process of law”
ou desrespeitou o necessário equilíbrio de armas entre acusação e defesa,
não havendo que se cogitar, por isso mesmo, de prejuízo a qualquer dos
réus.

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Incensurável, desse modo, o voto do eminente Ministro EDSON


FACHIN, Relator, quando, ao rejeitar a questão preliminar ora em exame,
assim se pronunciou:

“Como última questão prefacial ao mérito da acusação, a


defesa técnica do denunciado Nelson Meurer sustenta que a
testemunha João Alberto Pizzolatti Júnior foi indevidamente
contraditada em sua oitiva a pedido do Ministério Público Federal,
circunstância que redundaria na quebra da paridade de armas,
já que, das 11 (onze) pessoas arroladas por ocasião da defesa prévia,
apenas 7 (sete) prestaram o compromisso de dizer a verdade, na
forma do art. 203 do Código de Processo Penal.
Nada obstante, como consignado em audiência, a referida
testemunha figura como denunciada no INQ 3.980, no qual a
Procuradoria-Geral da República lhe imputa a prática de condutas
semelhantes às narradas nesta ação penal e que, por conveniência da
prestação jurisdicional, tramitaram de forma separada em função
de desmembramento.
Constata-se, portanto, que a sua situação subjetiva se
amolda ao disposto no art. 405, § 3º, IV, do Código de Processo
Civil, aplicável ao caso por força do art. 3º do Código de Processo
Penal, na medida em que é notório o seu interesse no litígio, já
que condutas semelhantes lhe são atribuídas em denúncia
diversa já oferecida e recentemente recebida pelo órgão colegiado.
Nesse cenário, a dispensa do compromisso de dizer a
verdade exigido no art. 203 do Código de Processo Penal é medida
consentânea com o direito ao silêncio garantido a qualquer
acusado da prática de fato definido como crime pelo ordenamento
jurídico pátrio, e evita a ocorrência de constrangimento apto a
macular o exercício do direito de defesa que é corolário do
devido processo legal garantido no art. 5º, LIV, da Constituição
Federal (...).
.......................................................................................................
Convém ressaltar que, no ordenamento jurídico processual
penal pátrio, não vige o sistema de provas tarifadas, tendo o

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 486 3468


AP 996 / DF

Estado-Juiz o poder de exercer a livre apreciação do conjunto


probatório, cuja valoração deve ser objeto de expressa motivação,
em observância à garantia insculpida no art. 93, IX, da Constituição
Federal.
Desse modo, não se constata qualquer prejuízo à defesa
na oitiva de João Alberto Pizzolatti Júnior na qualidade de
informante, cujas declarações serão objeto de oportuna e
adequada valoração, assim como os demais elementos
probatórios produzidos no decorrer da instrução criminal, por
ocasião do enfrentamento do mérito da ação penal.
Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada.” (grifei)

Em suma: são esses, Senhor Presidente, os fundamentos que me


levam a acompanhar, integralmente, o douto voto que Vossa Excelência
vem de proferir, rejeitando, por isso mesmo, todas as preliminares
arguidas na presente causa penal.

É o meu voto.

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Extrato de Ata - 15/05/2018

Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 486 3469

SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

AÇÃO PENAL 996


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REVISOR : MIN. CELSO DE MELLO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
ASSIST.(S) : PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
ADV.(A/S) : TALES DAVID MACEDO (20227/DF) E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA (50393/DF)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER JÚNIOR
ADV.(A/S) : MARINA DE ALMEIDA VIANA (52204/DF)
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO (30789/DF)
ADV.(A/S) : PRISCILA NEVES MENDES (44051/DF)
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)
RÉU(É)(S) : CRISTIANO AUGUSTO MEURER
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO (30789/DF)
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA (50393/DF)
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)

Decisão: Após o voto do Relator, que rejeitava todas as


preliminares e, de consequência, julgava prejudicados os agravos
regimentais respectivos, no que foi acompanhado integralmente pelo
Ministro Celso de Mello, Revisor, foi suspenso o julgamento cuja
retomada se dará ao início da próxima sessão do dia 22 de maio
corrente, com a colheita dos demais votos. Falaram: pelo
Ministério Público Federal, a Dra. Cláudia Sampaio Marques; pelo
assistente Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS, o Dr. André
Tostes; pelo réu Nelson Meurer, o Dr. Alexandre Jobim; e, por
Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer, o Dr. Michel
Saliba Oliveira. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias
Toffoli. Presidência do Ministro Edson Fachin. 2ª Turma,
15.5.2018.

Presidência do Senhor Ministro Edson Fachin. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e
Ricardo Lewandowski. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Dias Toffoli, em face da participação, na qualidade de
representante do Supremo Tribunal Federal, do VIII Fórum Jurídico
Internacional de São Petersburgo, realizado na Rússia.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio


Marques.

Marília Montenegro
Secretária Substituta

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Supremo Tribunal Federal
Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 486 3470

22/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhor Presidente, eminentes Colegas, Senhora Procuradora,
Senhores Advogados. Preliminarmente, é fato público e notório que eu
não estive presente na sessão da semana passada, em razão de
representação desta Corte em um fórum internacional onde se reuniram
cerca de oitenta Cortes Constitucionais de todo o mundo. Mas,
evidentemente que, com os recursos técnicos que hoje nós temos - e digo
isso às partes, tanto ao Ministério Público, quanto aos advogados; e vejo
que assentem os senhores advogados quanto a isso -, encontro-me
habilitado para a votação.
Também gostaria de fazer dois registros: um inicial, sobre Vossa
Excelência, Senhor Presidente e Relator, e sobre o Revisor, Ministro Celso
de Mello, que muito gentilmente me encaminharam, logo de imediato ao
seu proferimento, os votos sobre as preliminares. E o segundo registro diz
respeito ao Ministro Ricardo Lewandowski e ao Ministro Gilmar
Mendes, que aguardaram para votar sobre as preliminares na ordem da
composição da Turma.

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22/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO SOBRE PRELIMINARES

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Passo a enfrentar, sem maiores delongas, as seis preliminares
arguidas pela defesa, bem destacadas pelo eminente Relator em seu voto:

1 – Violação da paridade de armas, em razão da concessão de prazo


sucessivo para alegações finais à Procuradoria-Geral da República e à
assistente de acusação, mas de prazo comum à defesa para a mesma
finalidade.
Como bem destacado pelo Relator, embora físicos os autos, seu
conteúdo é integralmente disponibilizado às partes de forma digital, que
podem acessá-lo a todo tempo.
Não bastasse isso, o réu Nelson Meurer apresentou sólidas e
alentadas alegações finais para, contrapondo-se às hipóteses acusatórias,
tecer suas próprias teses defensivas, numa demonstração inequívoca da
ausência de prejuízo.
Inexiste, pois, nulidade a ser reconhecida.

2 - Cerceamento de defesa, derivado do indeferimento de pedido


de substituição de testemunhas.
Essa questão, reiterada em preliminar de alegações finais, está
acobertada pela preclusão.
A decisão do eminente Relator de indeferir o pedido de substituição
de testemunhas de defesa foi objeto de agravo regimental, ao qual esta
Colenda Segunda Turma negou provimento (AP 996/DF-AgR, Relator o
Ministro Edson Fachin, DJe de 28/8/17).
Transcrevo sua ementa:

“AGRAVOS REGIMENTAIS. AÇÃO PENAL.


SUBSTITUIÇÃO DE TESTEMUNHAS. APLICABILIDADE
DO ART. 451 DO CÓDIDO DE PROCESSO CIVIL, NOS

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AP 996 / DF

TERMOS DO ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL


E ART. 9º DA LEI N. 8.038/1990. HIPÓTESES NÃO
VERIFICADAS. REQUERIMENTO DESMOTIVADO.
IMPOSSIBILIDADE. INSURGÊNCIAS DESPROVIDAS.
1. Não havendo previsão legal específica, aplica-se o
disposto no art. 451 do Código de Processo Civil, na forma do
art. 3º do Código de Processo Penal e do art. 9º da Lei n.
8.038/1990, para o regramento do pleito de substituição de
testemunhas no processo penal.
2. Operada a preclusão consumativa da pretensão
probatória com a apresentação do rol de testemunhas, a
posterior substituição destas só é permitida nos casos de não
localização, falecimento ou enfermidade que inviabilize o
depoimento.
3. No caso, os agravantes não indicam qualquer
circunstância concreta superveniente à indicação do rol de
testemunhas que dê embasamento ao pleito excepcional de
substituição, assinalando que, inclusive, tinha ciência da
anterior indicação dos mesmos testigos pela acusação.
4. Agravos regimentais desprovidos.”

3 - Cerceamento de defesa, pela não admissão da produção de


prova pericial.
O eminente Relator, em seu voto, rejeita a preliminar em questão,
secundado pelo douto Revisor.
Embora meu entendimento seja convergente na conclusão, divirjo,
respeitosamente, de uma das premissas adotadas por Suas Excelências,
qual seja, a de intempestividade do requerimento de produção de prova
pericial.
A Lei nº 8.038/90 prevê, em seu art. 4º, § 1º, a fase preliminar da
resposta à acusação, in verbis:

“Art. 4º - Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal,


far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no
prazo de quinze dias.

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AP 996 / DF

§ 1º - Com a notificação, serão entregues ao acusado cópia


da denúncia ou da queixa, do despacho do relator e dos
documentos por este indicados.”

Outrossim, recebida a denúncia ou queixa, prevê a Lei nº 8.038/90,


em seu art. 8º, a intimação do réu para oferecimento da defesa prévia.
A lei de regência da ação penal originária, portanto, assim desdobra,
nas fases iniciais do procedimento, o exercício do direito de defesa: i)
resposta preliminar e ii) defesa prévia.
Nesse sentido, posiciona-se Daniel Marchionatti, eminente
Magistrado Instrutor desta Suprema Corte, em obra inédita:

“A resposta à acusação do processo comum do CPP


concentra em uma manifestação aquilo que a Lei do Processo
nos Tribunais divide em duas: a defesa contra a admissibilidade
da acusação e o requerimento de provas. A Lei do Processo nos
Tribunais prevê a defesa contra a admissibilidade da acusação
na resposta (art. 4º) e o requerimento de provas na defesa
prévia (art. 8º)” (Processo penal contra autoridades: foro
privilegiado, inviolabilidades, investigação e ação penal.
Brasília: 2018 (no prelo) – grifei.

A meu sentir, portanto, a fase para o acusado especificar as provas


pretendidas e arrolar testemunhas é a da defesa prévia a que se refere o
art. 8º da Lei nº 8.038/90, e não a fase da resposta preliminar à acusação
(art. 4º da lei em questão).
Muito embora o Código de Processo Penal, para os procedimentos
ordinário e sumário, tenha unificado essas fases nos arts. 396 e 396-A,
essa unificação não se estendeu à Lei nº 8.038/90, por força do art. 394, §
4º, do Código de Processo Penal.
Transcrevo os arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal:

“Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário,


oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar
liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para

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responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.


[...]
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir
preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer
documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e
arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua
intimação, quando necessário.”

Por sua vez, o art. 394, § 4º, do Código de Processo Penal


expressamente determina que “as disposições dos arts. 395 a 398 deste
Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau,
ainda que não regulados neste Código”.
Assim, caso se antecipasse para a fase do art. 4º da Lei nº 8.038/90 o
momento de proposição de provas pela defesa, o art. 8º, que trata da
defesa prévia na ação penal originária, restaria completamente esvaziado
e desprovido de sentido.
O art. 8º da Lei nº 8.038/90, portanto, não foi tacitamente revogado,
em face do quanto dispõe o art. 394, § 4º, do Código de Processo Penal.
Com a mais respeitosa vênia, nesse contexto, em minha
compreensão, o requerimento formulado pelo réu de produção de provas
é tempestivo, uma vez que deduzido oportunamente na fase da defesa
prévia (art. 8º da Lei nº 8.038/90).
De toda sorte, a proposição oportuna da produção da prova pericial
não torna automática sua admissão, vale dizer, o requerimento oportuno
não importa em seu consequente deferimento.
Nesse particular, o fato de não se aplicar o art. 396-A do Código de
Processo Penal à ação penal originária não impede que sua ratio seja
invocada para a correta interpretação do art. 8º da Lei nº 8.038/90.
Logo, não basta à defesa deduzir, tal como na espécie, um protesto
genérico e imotivado pela produção de todos os meios de prova em
Direito admitidos, “em especial a documental, testemunhal, pericial e
oral”.
Seja na resposta à acusação dos procedimentos ordinário e sumário
de primeiro grau, regida pelo art. 396-A, do Código de Processo Penal,

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seja na defesa prévia do procedimento da ação penal originária dos


tribunais, regida pelo art. 8º da Lei nº 8.038/90, é indeclinável o dever da
defesa de especificar as provas que pretenda produzir, justificando,
desde logo, no caso da prova pericial, sua pertinência e relevância.
A vedação às provas impertinentes e irrelevantes constitui um limite
lógico ao direito à prova.
Como observa Michele Taruffo, o critério de relevância da prova

“(...) exprime uma exigência de ordem generalíssima,


ligada ao princípio de economia processual, bem expressa na
regra tradicional pela qual frustra probatur quod probatum non
relevat. Não por acaso, esse critério, com poucos e não
significativas variantes terminológicas, está presente em todos
os ordenamentos, uma vez que nenhum deles admite o
desperdício de atividade processual consistente em dar
ingresso a provas que a priori parecem inúteis para a verificação
dos fatos” (La prova del fatti giuridici. Milano: Giufrrè, 1992. p.
358.

Para Antônio Magalhães Gomes Filho,

“[o] direito das partes à introdução, no processo, das


provas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos
fatos em que se assentam suas pretensões, embora de índole
constitucional, não é, entretanto, absoluto. Ao contrário, como
qualquer direito, também está sujeito a limitações decorrentes
da tutela que o ordenamento confere a outros valores e
interesses igualmente dignos de proteção.
(...)
Esses limites probatórios podem ter fundamentos
extraprocessuais (políticos), como ocorre em relação à proibição
de introdução de provas obtidas com violação de direitos
fundamentais, ou processuais (lógicos, epistemológicos), quando se
excluem, por exemplo, as provas impertinentes, irrelevantes, ou
que possam conduzir o julgador a uma avaliação errônea”

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(Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997. p. 91-


93).

Para o eminente Professor Titular do Largo de São Francisco, a prova


é pertinente quando houver conexão entre o meio de prova requerido e os
fatos controvertidos, ao passo que a prova é relevante quando tiver a
aptidão para estabelecer a existência ou inexistência, a verdade ou
falsidade, de um outro fato por meio do qual seja possível realizar uma
inferência lógica do fato principal”. (op. cit., p. 130).
Segundo Gustavo Badaró,

“[a] análise da relevância deve ser fundada em mero juízo


hipotético, de relação entre o fato que se pretende provar com o
meio requerido e o fato que constitui a imputação penal, ou a
res in iudicio deducta. É um julgamento ex ante, para definir a
admissibilidade da prova com base nas aquisições probatórias
que hipoteticamente resultarão do meio requerido pela parte”
(grifei).

Assim,

“[o] meio de prova requerido pela parte será relevante


quando for potencialmente apto a introduzir fatos
representativos que possam determinar alguma escolha do juiz,
quando futuramente tiver que, de modo racional, decidir e
justificar a escolha de uma afirmação sobre aspectos fáticos que
integram o fato principal ou fatos secundários” (Direito à prova
e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de
pertinência e relevância – disponível em http://badaro
advogados.com.br/direito-a-prova-e-os-limites-logicos-de-sua-
admissao-os-conceitos-de-pertinencia-e-relevancia.html).

Gustavo Badaró, após enfrentar a tormentosa questão terminológica


que envolve os conceitos de pertinência e relevância, propõe a seguinte
distinção:

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“Um fato que se pretende provar por um determinado


meio de prova será pertinente quando houver um juízo de
identidade entre esse fato que se pretende provar e fato que
integra a imputação ou a causa de pedir (fato jurídico ou
principal). O fato objeto do prova pertine ao fato objeto do
processo. Há, pois, uma relação lógica de pertinência. Numa
linguagem processual civilística, o factum probans dirá respeito
ao fato constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do
direito. No campo processual penal, dirá respeito ao fato típico,
antijurídico e culpável, bem com a sua autoria, além de
qualquer aspecto fático que se inclua num juízo de subsunção
de fatos consideráveis na dosimetria da pena.
Por outro lado, o fato que se pretende provar será
relevante quando, na hipótese de ser demonstrado pelo
resultado probatório, permita inferir, com base nas máximas de
experiência normalmente aceitas, a ocorrência ou inocorrência
de um aspecto fático da imputação ou causa de pedir (sendo,
pois, um fato secundário ou circunstancial).
(...)
De forma mais simples. Fato pertinente é aquele,
abstratamente, que tem por objeto o fato principal ou
jurídico. Fato relevante é aquele que tem por objeto um fato
secundário ou circunstancial, que por inferência, se relaciona
com o fato principal” (op. cit., grifo nosso).

Como destaquei nesta Colenda Turma, no voto condutor de


recentíssimo julgado de minha relatoria (HC nº 155.363/RJ), “(...) o
princípio do livre convencimento motivado (CPP, art. 400, § 1º) ‘faculta ao
juiz o indeferimento das provas consideradas irrelevantes, impertinentes
ou protelatórias’”.
Na espécie, como bem apontou o eminente Relator,

“os patronos constituídos pelo acusado Nelson Meurer


limitaram-se a requerer, de forma genérica, a produção de
prova pericial, olvidando-se de especificar o objeto do exame

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especializado pretendido, bem como a sua pertinência para a


resolução da causa”.

Assim, prossegue o Relator,

”(...) pela sua generalidade, sequer seria possível a análise


do pleito de produção de prova pericial formulado por ocasião
da defesa prévia, já que não foram individualizados o exame
especializado pretendido, tampouco o seu objeto.
Ademais, especificamente no que diz respeito à perícia
sobre os depósitos realizados em contas-correntes vinculadas ao
denunciado Nelson Meurer, destaco que a própria defesa, no
requerimento acima transcrito, afirma ter providenciado a
confecção de relatório contábil, circunstância que evidencia a
desnecessidade de qualquer intervenção judicial no ponto.
Da mesma forma, sublinho a prescindibilidade da
produção de prova pericial à demonstração da alegada
valorização de imóvel de propriedade do aludido acusado
situado na cidade de Francisco Beltrão/PR.
Com efeito, trata-se de fato econômico que não demanda
conhecimentos especializados para a sua correta compreensão
pelo Juízo, razão pela qual a sua demonstração poderia vir aos
autos pela própria defesa, sob a fé de profissionais registrados
no Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Paraná, por
exemplo”.

Em síntese, em meu sentir, embora deduzido tempestivamente, o


pedido de produção de prova pericial, em face de sua generalidade, não
atendeu ao comando normativo de “especificidade” da indicação desse
meio de prova.
Não bastasse isso, o douto Relator bem demonstrou a impertinência
do pleito.
Nesse contexto, o motivado indeferimento da produção desse meio
de prova não importou em cerceamento de defesa.

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4. Cerceamento de defesa, pelo indeferimento do pedido de


inquirição de novas testemunhas na fase do art. 10 da Lei nº 8.038/1990.
O art. 10 da Lei nº 8.038/90 não reabre às partes oportunidade para
ampla proposição de meios de prova.
Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal,

“AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO PENAL. DECISÃO


SINGULAR QUE INDEFERIU PROVA PERICIAL.
PRETENSÃO MERAMENTE PROTELATÓRIA. PEDIDO
INOPORTUNO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A diligência tida por imprescindível pela parte
agravante não foi cogitada uma única vez sequer pela defesa
técnica no transcorrer de todo o processo-crime. Prova técnica
imprestável para a exclusão da ilicitude ou tipicidade do delito,
assim como para a culpabilidade do acusado.
(…)
3. A finalidade da norma que se extrai do artigo 10 da Lei
nº 8.038/90 (correlata ao artigo 499 do CPP) não avança para o
campo da reabertura do espaço de produção probatória. Ao
contrário, oportuniza o revide ou mesmo a confirmação de fatos
e dados surgidos ao longo da marcha processual.
4. Agravo regimental desprovido com a imediata abertura
de prazo para alegações finais, independentemente da
publicação do acórdão” (AP nª 409/CE-AgR, Pleno, Relator o
Ministro Ayres Britto, DJe de 1º/7/10 - grifei).

Como destacado no voto condutor do julgado proferido na AP nº


671/AM- AgR-Segundo, Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe
de 16/5/13,

“(...) nos termos do art. 10 da Lei 8.038/90, faculta-se às


partes o requerimento de diligências complementares. A fase
processual equivale àquela anteriormente prevista no art. 499
do Código de Processo Penal, atualmente prevista no art. 402
do mesmo Código. A fase é de complementação e, não,

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propriamente, de instrução”.

Nesse contexto, integral razão assiste ao eminente Relator quando


assevera que

“essa nota da complementariedade anuncia que, nesse


momento, as partes já não têm direito subjetivo à ampla
produção probatória, porquanto lhes incumbe o ônus de
demonstrar que a diligência requerida é apta a esclarecer ou
sanar os fatos extraordinários verificados no decorrer da fase de
instrução”.

Por outro lado, o douto Relator bem justificou a desnecessidade de


inquirição das testemunhas indicadas pela defesa na fase em questão, “à
luz do panorama fático-processual verificado no caso concreto”.
Acompanho, pois, Sua Excelência na rejeição da preliminar
suscitada, declarando prejudicado o agravo regimental interposto (fls.
2985-2996).

5. Pretensão de julgamento conjunto da presente ação penal com o


Inq nº 3.980 e o Inq nº 3.989.
Nos casos de conexão ou continência, o art. 80 do Código de
Processo Penal autoriza a separação de causas quando

“as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de


tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo
número de acusados e para não lhes prolongar a prisão
provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar
conveniente a separação”.

Como bem destacado pelo eminente Relator,

“o INQ nº 3.989 trata apenas da imputação de organização


criminosa em relação a diversos investigados já tendo sido
desmembrado pelo saudoso Ministro Teori Zavascki, dando

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origem a outros quatro (4) novos cadernos indiciários (INQ


3.989, 4.325, 4.326 e 4.327), divididos por agremiação
partidária”.

Por sua vez, a denúncia no Inq nº 3.980 - deduzida pela Procuradoria-


Geral da República contra outros membros do Partido Progressista (PP) -
somente veio a ser recebida, em parte, por esta Segunda Turma em sessão
de 6/3/18.
Nesse diapasão, em face da manifesta assimetria de fases
processuais, descabe proceder-se a sua reunião com este feito para
processamento e julgamento conjuntos.

6. Suposta violação da paridade de armas, em razão do


acolhimento de contradita a testemunha arrolada pela defesa.
A testemunha de defesa João Alberto Pizzolatti Júnior, cuja
contradita do Ministério Público Federal foi acolhida, foi ouvida na
qualidade de informante do juízo, o que, ao ver do acusado Nelson
Meurer, representaria quebra da paridade de armas.
Ocorre que João Alberto Pizzolatti Júnior foi denunciado pelos
crimes de corrupção e lavagem de capitais nos autos do Inq nº 3.980, em
contexto similar ao do ora acusado, e a respectiva denúncia somente veio
a ser recebida em parte por esta Segunda Turma em sessão de 6/3/18.
Como salientado pelo eminente Relator,

“sua situação subjetiva se amolda ao disposto no art. 405,


§ 3º, IV, do Código de Processo Civil, aplicável ao caso por força
do art. 3º do Código de Processo Penal, na medida em que é
notório o seu interesse no litígio, já que condutas semelhantes
lhe são atribuídas em denúncia diversa já oferecida e
recentemente recebida pelo órgão colegiado”.

Nesse contexto, João Alberto Pizzolatti Júnior não poderia, a toda


evidência, ser compelido a prestar o compromisso de dizer a verdade, por
gozar do privilégio contra a autoincriminação.

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AP 996 / DF

Como observa Maria Elizabeth Queijo, a expressão nemo tenetur se


detegere significa que ninguém é obrigado a se descobrir, à qual também
equivale a máxima latina nemo tenetur se accusare (ninguém é obrigado a
se acusar). Lembra ainda que, no direito anglo-americano, o princípio é
expresso pelo privilege against self-incrimination (O direito de não
produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p.4).
O reconhecimento desse princípio, que se funda no instinto ou dever
natural de autopreservação, representa, sobretudo, o respeito à dignidade
da pessoa humana no processo penal e a vedação da produção de provas
que impliquem violação de direitos do imputado; em outras palavras,
traduz, em maior ou menor grau, a depender de cada ordenamento
jurídico, uma limitação à busca da verdade (João Cláudio Couceiro. A
garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: RT, 2004. p. 25 e
45).
De toda sorte, como bem pontuado pelo eminente Relator, o valor
probante das declarações de João Alberto Pizzolatti Júnior, como de toda
testemunha ou informante, não derivará da mera circunstância de haver
ou não prestado o compromisso de dizer a verdade, mas sim da
credibilidade que possa merecer, mediante oportuna confrontação com os
demais elementos probatórios amealhados nos autos.
Com essas considerações, rejeito a preliminar em questão.

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22/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO
(s/ preliminares)

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente,


inicialmente, cumprimento Vossa Excelência e também o Ministro
Revisor, Celso de Mello, pela verticalidade de seus pronunciamentos
sobre as preliminares suscitadas pela defesa técnica, a quem também
estendo os meus cumprimentos.

Pois bem, primeiramente, quanto ao alegado cerceamento de defesa


por suposta quebra do tratamento isonômico das partes na abertura do
prazo para oferta das alegações finais, ressalto que, além dos aspectos
processuais e procedimentais já muito bem delineados pelo eminente
Relator, que a meu ver também afastam a alegada quebra da paridade de
armas, ressalto que a defesa não apontou em que medida o procedimento
adotado teria dificultado ou impedido a apresentação de todos os
possíveis argumentos defensivos.

Tal como referido pelo Relator, o acesso simultâneo aos autos, por
meio da plataforma de processo eletrônico da Secretaria Judiciária do
Supremo Tribunal Federal STF, acabou por contemplar a defesa técnica
com prazo mais dilatado do que o destinado às partes contrárias
(acusação e assistente de acusação), e nem por isso há de se cogitar em
prejuízo processual a elas.

Com efeito, o entendimento desta Corte é o de que, para o


reconhecimento de eventual nulidade, mesmo que absoluta, faz-se
necessária a demonstração do prejuízo.

Nesse sentido, o Tribunal tem reafirmado que a demonstração de


prejuízo,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 72 de 486 3484


AP 996 / DF

“[...] a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de


nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que […] o âmbito
normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades
pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC
85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie).

Na mesma direção, destaco os seguintes julgados:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO


EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL.
CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA, DE FORMAÇÃO DE
QUADRILHA, DE FALSIDADE IDEOLÓGICA, DE USO DE
DOCUMENTO FALSO, DE CORRUPÇÃO ATIVA E DE
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ARTIGOS 168, 288, 299, 304,
333 E 339 DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADES
PROCESSUAIS. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA, ABUSO
DE PODER OU FLAGRANTE ILEGALIDADE. ATUAÇÃO EX
OFFICIO DO STF INVIÁVEL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS
GRIEF. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. […] 3. Esta Suprema
Corte sufraga o entendimento de que a alegação de que a defesa
não teve acesso a uma determinada prova e o prejuízo daí
advindo imprescindem de comprovação. De acordo com o teor
da Súmula 523 desta Suprema Corte, a deficiência da defesa
somente anulará o processo se houver prova de prejuízo para o
réu. 4. Agravo regimental desprovido” (RHC 142.765 AgR/PB,
Rel. Min. Luiz Fux).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS


PROCESSO PENAL NULIDADE INOCORRÊNCIA PAS DE
NULLITÉ SANS GRIEF (CPP, art. 563) PRINCÍPIO APLICÁVEL
ÀS NULIDADES ABSOLUTAS E RELATIVAS AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO, QUE NÃO SE

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 73 de 486 3485


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PRESUME PRECEDENTES CONDENAÇÃO CRIMINAL


TRANSITADA EM JULGADO […]. RECURSO DE AGRAVO
NÃO PROVIDO” (RHC 125.242 AgR/PA, Rel. Min. Celso de
Mello).

“Agravo regimental em recurso extraordinário com


agravo. 2. […] 5. Ausência de prequestionamento. Súmulas 282
e 356. Parcialidade dos jurados. Nulidade. Inexistente. Esta
Suprema Corte firmou entendimento de que, para
reconhecimento de eventual nulidade, ainda que absoluta, faz-
se necessária a demonstração do prejuízo. 6. Agravo regimental
a que se nega provimento” (ARE 964.175 AgR/PR, Rel. Min.
Gilmar Mendes).

Na hipótese dos autos, não é possível identificar o que o acusado


poderia ter alegado em seu favor, além do que já consta em sua peça
defensiva. Nesse sentido, também é preciso registrar o brilhantismo das
sustentações orais realizadas por seus defensores.

Diante desse cenário, acompanho o Relator pela rejeição desta


preliminar.

Quanto ao indeferimento do pedido defensivo de substituição de


testemunhas, verifico que essa questão foi esgotada por ocasião do
julgamento do agravo regimental interposto pela defesa contra a decisão
que indeferiu o pleito de substituição, de modo que houve preclusão
consumativa da matéria.

A insurgência, no caso, não possui conteúdo defensivo em seu


sentido técnico, mas apenas demonstra a insatisfação da parte com o que
foi decidido por este Colegiado, em momento anterior, razões pelas quais
também rejeito essa preliminar.

No tocante ao indeferimento da pretensão de produção de prova


pericial sobre a valorização do imóvel indicado pela defesa, sublinho -

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 74 de 486 3486


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independentemente de ser ou não intempestivo o pedido formulado - que


a pretensão em si deveria vir acompanhada da demonstração da
pertinência da prova, sob pena de indeferimento, nos termos do que
estabelece o art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal.

No caso sob exame, depois de indicar as circunstâncias em que o


pedido foi formulado, Sua Excelência, o Relator, registrou a
prescindibilidade da referida prova técnica, asseverando o seguinte:

“[...] trata-se de fato econômico que não demanda


conhecimentos especializados para a sua correta compreensão
pelo Juízo, razão pela qual a sua demonstração poderia vir aos
autos pela própria defesa, sob a fé de profissionais registrados
no Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Paraná, por
exemplo”.

Nesse contexto, é importante consignar que é pacífica a orientação


desta Suprema Corte no sentido de que o indeferimento de produção de
prova tida por desnecessária pelo juízo não viola os princípios do
contraditório e da ampla defesa (nesse sentido: RE 156.576 AgR/RJ, Rel.
Min. Celso de Mello; HC 87.728/RJ, Rel. Min. Carlos Britto; HC 84.849/PR,
Rel. Min. Eros Grau; HCs 83.578/RJ e 80.990/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim;
HCs 80.723/RJ e 73.509/RS, Rel. Min. Carlos Velloso; HC 76.614/RJ, Rel.
Min. Ilmar Galvão; HC 71.678/RS, Rel. Min. Celso de Mello; HC 70.081/SP,
Rel. Min. Francisco Rezek; HC 88.904/SP e RHC 90.399/RJ, ambos de
minha relatoria).

São paradigmáticos, ainda, os seguintes precedentes:

“DEFESA. PERÍCIA (INDEFERIMENTO). PREJUÍZO.


ARBÍTRIO DO JUIZ. - AO JUIZ E LÍCITO INDEFERIR AS
PROVAS DESNECESSÁRIAS OU PROTELATÓRIAS.
PREJUÍZO, DECORRENTE DO INDEFERIMENTO DA
PERÍCIA, NÃO COMPROVADO. INOCORRÊNCIA DE

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 75 de 486 3487


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VULNERAÇÃO AOS ARTS. 2, 130, 332, I E 337, DO CÓDIGO


DE PROCESSO CIVIL. - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO
CONHECIDO” (RE 90.008/RJ, Rel. Min. Rafael Mayer, Primeira
Turma, DJ 31-8-1979).

“HABEAS CORPUS . PROVA. A LEI PROCESSUAL


PENAL BRASILEIRA CONCEDE AO JUIZ A FACULDADE DE
DETERMINAR DE OFÍCIO A PRODUÇÃO DE CERTAS
PROVAS, BEM COMO DE INDEFERIR OUTRAS QUE
ENTENDA DESNECESSÁRIAS OU PROTELATÓRIAS” (RHC
49.702/Guanabara, Rel. Min. Bilac Pinto, Segunda Turma, DJ 26-
5-1972).

Daí por que também eu entendo que o deferimento ou não de provas


submete-se ao prudente arbítrio do magistrado, cuja decisão, sempre
fundamentada, há de levar em conta a sua utilidade dentro do acervo
probatório.

Por essa razão, é lícito ao juiz indeferir diligências que reputar


impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. Com essas reflexões,
acompanho o Relator e rejeito a preliminar.

Já no que se refere à oitiva de novas testemunhas na fase do art. 10


da Lei 8.038/1990, pondero que o Ministro Relator, a seu juízo, afirma que
os fatos a serem elucidados pelos depoimentos então postulados pela
defesa não surgiram durante a instrução criminal, como se alega, mas já
se encontravam amplamente descritos na peça acusatória, motivo pelo
qual reputou que a simples referência a seus nomes não detém o condão
de autorizar suas oitivas em juízo, sem que fique caracterizada violação
ao limite de testemunhas previstos no art. 401, caput, do Código de
Processo Penal, tornando-se, portanto, desnecessária e imprópria a
produção de referida prova testemunhal.

A propósito deste tema, relembro o que foi asseverado pelo Ministro


Gilmar Mendes, Relator da AP 671-AgR-segundo, da qual foi revisor, no

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 486 3488


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sentido de que,

“[...] após a oitiva das testemunhas, nos termos do art. 10


da Lei 8.038/90, faculta-se às partes o requerimento de
diligências complementares. A fase processual equivale àquela
anteriormente prevista no art. 499 do Código de Processo Penal,
atualmente prevista no art. 402 do mesmo Código. A fase é de
complementação e, não, propriamente, de instrução. [...]
Ademais, as referências factuais afirmadas pelas testemunhas
inquiridas não inovaram o quadro fático descrito nos autos ou
as circunstâncias já conhecidas, sendo que eventuais
contradições entre os depoimentos inserem-se no juízo de
valoração da prova” (grifei).

Nesse diapasão, menciono, ainda, o seguinte julgado:

“HABEAS CORPUS - INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA


REFERIDA - INDEFERIMENTO MOTIVADO -
CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - ORDEM
DENEGADA. A INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA REFERIDA,
QUANDO POSTULADA POR QUALQUER DAS PARTES,
NÃO CONSTITUI ATIVIDADE PROCESSUAL VINCULADA
DO MAGISTRADO, QUE EXERCE, NESSE TEMA, PODERES
DISCRICIONÁRIOS RESULTANTES DA LEI (CPP, ART. 209,
PARAGRAFO 1º). AS PESSOAS A QUE AS TESTEMUNHAS SE
REFERIREM SOMENTE SERÃO OUVIDAS SE AO JUIZ
PARECER CONVENIENTE. A NECESSIDADE E A
CONVENIÊNCIA DESSA DILIGÊNCIA PROBATÓRIA
SUJEITAM-SE, PLENAMENTE, A AVALIAÇÃO
DISCRICIONÁRIA DO MAGISTRADO, O QUAL, NO
ENTANTO, OBRIGA-SE A MOTIVAR AS RAZÕES DO SEU
INDEFERIMENTO. ASSIM, A RECUSA JUDICIAL, DESDE
QUE FUNDAMENTADAMENTE MANIFESTADA, NÃO
CONFIGURA CERCEAMENTO DE DEFESA” (HC 68.032/SP,
Rel. Min. Celso de Mello).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 77 de 486 3489


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Feitas essas observações de ordem estritamente técnica, entendo que


o indeferimento do pedido formulado pela defesa, de oitiva de pessoas
referidas em outros depoimentos, foi devidamente justificado, razão pela
qual rejeito, igualmente, essa preliminar.

Quanto à pretensão de julgamento conjunto da presente ação penal


com o INQ 3.980 e INQ 3.989, é importante assinalar que o julgamento
conjunto de ações penais ou inquéritos, ainda que possuam conexão
instrumental ou intersubjetiva, não é obrigatório, porém facultativo,
segundo decorre do art. 80 do Código de Processo Penal, verbis:

“Art. 80. Será facultativa a separação dos processos


quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias
de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo
número de acusados e para não lhes prolongar a prisão
provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar
conveniente a separação” (grifei).

O Supremo Tribunal Federal, levando em conta o estatuído no art. 80


do CPP, em inquéritos e ações penais que nele tramitam, tem,
sistematicamente, determinado o seu desmembramento pelos mais
variados motivos, o que corrobora a decisão exarada pelo eminente
Relator.

Com efeito, Sua Excelência destacou as peculiaridades existentes em


cada um dos procedimentos indicados (INQ 3.980 e INQ 3.989) o que, a
meu ver, não só desobriga o julgamento conjunto sugerido pela defesa,
mas recomenda que a sua apreciação se dê em momentos distintos,
cumprindo-se realçar, no ponto, que as fases processuais em que se
encontram os referidos feitos impedem o deferimento dessa providência,
tal como exposto pelo Relator.

Relembro, a propósito, que, já no início da tramitação daqueles


inquéritos perante esta Corte Suprema, o saudoso Ministro Teori

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 486 3490


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Zavascki, então Relator, determinou que assim prosseguissem,


justamente em razão dos motivos que agora foram ressaltados pelo
Ministro Edson Fachin.

Assim, não identifico razões jurídicas e processuais suficientes para


que se determine a reunião de processos, com o consequente julgamento
conjunto dos Inquéritos 3.980 e 3.989, como pretende a defesa. Rejeito,
portanto, a preliminar arguida.

Por fim, no que concerne ao acolhimento de contradita à testemunha


arrolada pela defesa que teria provocado a suposta quebra da paridade
de armas, registro que o Ministro Relator assim resumiu a querela:

A defesa técnica do denunciado Nelson Meurer sustenta que a


testemunha João Pizzolatti Júnior foi indevidamente contraditada em sua
oitiva a pedido do Ministério Público Federal, circunstância que
redundaria na quebra da paridade de armas, já que, das 11 (onze) pessoas
arroladas por ocasião da defesa prévia, apenas 7 (sete) prestaram o
compromisso de dizer a verdade, na forma do art. 203 do Código de
Processo Penal.

Ora, tal como enfatizado, referida testemunha figura como acusado


em outro inquérito que tramita nesta Corte (INQ 3.980) pela prática de
condutas semelhantes às examinadas nesta ação penal, de modo que sua
oitiva, na condição de testemunha compromissada, nestes autos,
consubstanciaria flagrante violação da garantia da não autoincriminação
naquele outro processo.

No ponto, esta Suprema Corte já assentou, em mais de uma ocasião,


que, seja na condição de investigado ou de testemunha, o acusado tem o
direito de permanecer em silêncio, de comunicar-se com seu advogado e
de não produzir prova contra si mesmo, conforme lhe assegura o art. 5º,
LXIII, da Carta da República. Incide, na hipótese, o princípio nemo tenetur

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 79 de 486 3491


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se detegere .

Nesse sentido, vide os seguintes precedentes: HC 79.244/DF, Rel.


Min. Sepúlveda Pertence; HC 114.127 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio;
HC 114.140/GO, Rel. Min. Rosa Weber; HC 114.134 MC/DF, Rel. Min.
Cármen Lúcia; HC 114.102 MC/DF, Rel. Min. Cezar Peluso; HC
113.881/DF, Rel. Min. Luiz Fux; HC 113.862 MC/DF, Rel. Min. Celso de
Mello; e HC 113.645 MC/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa.

Daí por que entendo, na linha do voto do Relator, que, nessas


circunstâncias, a dispensa de dizer a verdade por parte do referido
investigado teve motivo justo e consentâneo com as boas práticas
processuais, sendo certo, por outro lado, que tal providência não
configura cerceamento de defesa, na medida em que o conteúdo das
informações prestadas será valorado por este Colegiado à luz dos demais
elementos de prova existentes nos autos.

Oportuno, recordar, nessa linha de raciocínio, o voto do Ministro


Evandro Lins e Silva proferido no HC 40.609/Guanabara:

“Nunca é demais advertir que o livre convencimento não


quer dizer puro capricho ou mero arbítrio na apreciação das
provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das
provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se de seu conteúdo.
Livre convicção não é a emancipação absoluta da prova, nem
julgamento contrário à prova ou à revelia da prova. Não é, tão
pouco, julgamento ex-informata conscientia, com o qual não se
confunde, porque pressupõe unicamente a livre apreciação da
prova, jamais a independência desta, no ensinamento de
Manzini […]. A liberdade da apreciação da prova pelo juiz está
necessariamente subordinada à natureza do fato que deva ser
provado”.

Com essa perspectiva hermenêutica, aliada ao disposto no art. 155

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Voto s/ Preliminar

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AP 996 / DF

do Código de Processo Penal, no sentido de que o juiz formará sua


convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, penso que não ficou
demonstrado o prejuízo alegado pela defesa.

Isso posto, rejeito essa e também todas as demais preliminares


arguidas pela defesa.

10

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22/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Também eu rejeito


integralmente as preliminares.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 486 3494

22/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Principio


rememorando que nesta ação penal a Procuradoria-Geral da República
ofertou denúncia em desfavor do Deputado Federal Nelson Meurer, bem
como de seus filhos, Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer,
atribuindo-lhes a prática dos crimes de corrupção passiva e de lavagem
de capitais, tipos penais previstos no art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos
do Código Penal e art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998, tudo na forma do art.
29 e art. 69 da Lei Penal.
Conforme narra a incoativa (fls. 867-970), recebida pela Segunda
Turma desta Suprema Corte em sessão de julgamento realizada em
21.6.2016, o Deputado Federal Nelson Meurer, na qualidade de integrante
da cúpula do Partido Progressista (PP), teria concorrido para os desvios
de recursos realizados por Paulo Roberto Costa no âmbito da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A, emprestando-lhe fundamental apoio
político na indicação e manutenção no aludido cargo.
No período em que permaneceu à frente da referida diretoria, Paulo
Roberto Costa viabilizou um cartel formado pelas maiores empreiteiras
em operação no país, no seio do qual eram divididas as obras licitadas
pela sociedade de economia mista com a finalidade de que apenas estas
fossem chamadas a celebrar os contratos. Como contrapartida, as
referidas empresas cartelizadas, a partir do acréscimo intencional de
sobrepreço ao custo de execução das obras, destinavam recursos a Paulo
Roberto Costa que, por intermédio de Alberto Youssef, abastecia o
denominado caixa de propinas do Partido Progressista (PP).
Nesse contexto de tais relações espúrias, o crime de corrupção
passiva foi praticado 161 (cento e sessenta e uma) vezes, por ocasião do
pagamento de cada contrato, respectivos aditivos e acordos extrajudiciais
celebrados. Do valor pago pela Petrobras S/A às empreiteiras, 1% (um por

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 486 3495


AP 996 / DF

cento) era destinado a Paulo Roberto Costa para posterior distribuição no


âmbito do Partido Progressista (PP), totalizando um desvio de recursos
no valor estimado de R$ 357.945.680,52 (trezentos e cinquenta e sete
milhões, novecentos e quarenta e cinco mil, seiscentos e oitenta reais e
cinquenta e dois centavos).
Ainda de acordo com a exposição acusatória, tais recursos foram
submetidos a processos de branqueamento, pois ingressaram na esfera de
disponibilidade de Paulo Roberto Costa e, consequentemente, do Partido
Progressista (PP), mediante a celebração de 180 (cento e oitenta) contratos
de prestação de serviços fictícios entre as empresas cartelizadas e
sociedades empresárias ligadas a Alberto Youssef, alcançando o montante
de R$ 62.146.567,80 (sessenta e dois milhões, cento e quarenta e seis mil,
quinhentos e sessenta e sete reais e oitenta centavos).
A partir do aludido caixa de propinas, o Deputado Federal Nelson
Meurer teria recebido, por intermédio de Alberto Youssef, 99 (noventa e
nove) pagamentos ordinários mensais no valor de R$ 300.000,00
(trezentos mil reais), totalizando a quantia de R$ 29.700.000,00 (vinte e
nove milhões e setecentos mil reais), como contraprestação ao apoio
político em favor de Paulo Roberto Costa para sua manutenção no cargo
de Diretor de Abastecimento da Petrobras S/A, apontando a incoativa
que, em determinadas oportunidades, o referido acusado contou com o
auxílio direto de seus filhos Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto
Meurer.
Esses valores, conforme a proposta acusatória, também foram objeto
do crime de lavagem de capitais, porquanto entraram na esfera de
disponibilidade do denunciado Nelson Meurer de forma sub-reptícia,
mediante a entrega pessoal de dinheiro em espécie por parte de
emissários de Alberto Youssef, bem como por quantias obtidas
juntamente ao Posto da Torre, localizado nesta Capital Federal e de
propriedade Carlos Habib Chater, com quem Alberto Youssef mantinha
uma espécie de conta corrente. Aponta a exordial, além disso, que parte
da vantagem indevida foi depositada de forma pulverizada em contas de
titularidade do Deputado Federal Nelson Meurer, de modo a impedir a

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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AP 996 / DF

fiscalização dos respectivos órgãos de controle, e, ainda, declarada à


Secretaria da Receita Federal como quantias em espécie mantidas em seu
poder.
Também em razão do apoio político prestado a Paulo Roberto Costa
para sua manutenção no cargo de Diretor de Abastecimento, o
denunciado Nelson Meurer beneficiou-se com o recebimento de
vantagens indevidas extraordinárias, consubstanciadas no pagamento de
R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), entregues em espécie por
emissários de Alberto Youssef, bem como na doação de R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais) por parte da empresa Queiroz Galvão, destinados
à campanha eleitoral do ano de 2010.
Tais entregas de valores em espécie, bem como a mencionada doação
eleitoral são consideradas pelo órgão acusatório, mais uma vez, como
formas de consumação do delito de lavagem de capitais.
Por todos esses fatos ora sumariados, a Procuradora-Geral da
República requer a condenação dos acusados em razão da prática do
crime de corrupção passiva majorada (art. 317, § 1º, do Código Penal),
bem como do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º, caput e § 4º, da Lei
9.613/1998), na forma do art. 29 e art. 69 do Estatuto Repressor, cabendo
destacar que a pretendida incidência da causa de aumento de pena
prevista no art. 327, § 2º, do Estatuto Repressor já foi rechaçada por esta
colenda Segunda Turma por ocasião do recebimento da denúncia.

1. Questões preliminares.
1.1. Cerceamento de defesa. Quebra do tratamento isonômico das
partes na abertura do prazo para a oferta das alegações finais.

A defesa técnica do acusado Nelson Meurer suscita questão


preliminar ao mérito da denúncia, alegando que a concessão de prazo
sucessivo à Procuradoria-Geral da República e para a Petrobras S/A
(assistente de acusação) apresentarem alegações finais importou em
quebra da paridade de armas, tendo em vista que em favor da defesa dos
três (3) acusados foi conferido prazo comum com idêntica finalidade.

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Conforme declinei na decisão de fls. 3.181-3.182, a disponibilização


de prazos distintos à Procuradoria-Geral da República e à assistente da
acusação para a prática do ato processual em questão foi motivada pela
prerrogativa prevista em favor da primeira no art. 18, II, “h”, da LC
75/1993, que lhe garante “receber intimação pessoalmente nos autos em
qualquer processo e grau de jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar”, sendo
certo que, nos termos do art. 800, § 2º, do Código de Processo Penal, “os
prazos do Ministério Público contar-se-ão do termo de vista”.
Não se desconhece, conforme pontuado pela defesa, que o art. 11, §
1º, da Lei n. 8.038/1990 prevê prazo comum para a acusação e seu
assistente, assim como para os corréus, ofertarem as alegações escritas,
nas respectivas oportunidades sucessivas descritas no caput do aludido
dispositivo legal. Tal cenário, ainda que evidencie a ocorrência de um
aparente conflito de normas, mostra-se solucionável, todavia, tanto pelo
critério cronológico como pelo da especialidade, já que a LC 75/1993, que
estabelece, de forma especial, a prerrogativa da intimação pessoal em
favor do Ministério Público, é posterior à previsão genérica encontrada
no rito das ações penais originárias descrito na Lei n. 8.038/1990.
Mesmo que assim não fosse, as distintas formas de intimação do
Ministério Público Federal e da assistente de acusação importariam,
invariavelmente, na fluidez de lapsos temporais diversos à prática do
aludido ato processual, o que redundaria, de certa forma, na
inobservância da norma invocada pela defesa técnica como reveladora do
discrimen reclamado nesta oportunidade.
Entretanto, a concessão desses prazos sucessivos para a
Procuradoria-Geral da República e para a assistente de acusação
ofertarem suas alegações finais em hipótese alguma teve aptidão de
desequilibrar a relação processual travada nestes autos.
É que, ainda que destacados de forma cronológica, todas as partes
tiveram idêntico prazo para a prática do ato processual questionado,
anotando-se, ademais, como afirmado pela própria defesa, que, embora
estes autos tramitem de forma física, uma cópia digitalizada é
disponibilizada para todas as partes de forma concomitante.

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Por tal razão, caso a concessão de prazo sucessivo à Procuradoria-


Geral da República e à assistente da acusação para a oferta das alegações
finais seja considerada a causa do apontado desequilíbrio na relação
processual em razão da possibilidade, desta última, utilizar-se de maior
lapso temporal para a prática do ato, é correto afirmar que, nesse cenário,
as defesas técnicas dos acusados foram igualmente beneficiadas, já que
dispuseram de maior lapso temporal para compulsar os autos
digitalizados e elaborar as respectivas teses declinadas nas razões escritas.
Por fim, cumpre consignar que a determinação, no mesmo despacho
proferido aos 29.11.2017, de abertura de prazo para as defesas
apresentarem as alegações finais e de concessão de vista dos autos à
Procuradoria-Geral da República para as contrarrazões a agravo
regimental interposto não impediu, em absoluto, a prática do ato
processual.
Com efeito, como já destacado, ainda que os autos tenham sido
deslocados à Procuradoria-Geral da República para as contrarrazões ao
agravo regimental interposto, é fato que o acesso ao seu conteúdo é
franqueado vinte e quatro (24) horas por dia na plataforma do processo
eletrônico de forma concomitante a todos os sujeitos da relação
processual, circunstância que evidencia a inexistência de tratamento
diferenciado a qualquer das partes.
Não é demais lembrar que no âmbito do Processo Penal pátrio, a
declaração de nulidade de determinado ato deve ser precedida da cabal
demonstração de prejuízo apto a caracterizar ofensa às garantias
constitucionais inerentes ao devido processo legal, como preceitua o art.
563 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, colaciono o seguinte
precedente deste Órgão Colegiado:

“Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal.


Crime de responsabilidade praticado por prefeito municipal.
Artigo 1º, inciso XIII, do Decreto-Lei nº 201/67. Condenação.
Perda da prerrogativa de foro por exercício de função. Declínio
da competência pelo Tribunal de Justiça local antes da
apreciação da denúncia e da defesa prévia. Ausência de nova

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abertura de prazo para manifestação prévia da defesa antes do


recebimento da exordial pelo juízo de primeiro grau.
Cerceamento de defesa. Violação do princípio da paridade de
armas. Não ocorrência. Simples ratificação da denúncia pelo
Parquet em primeiro grau. Inexistência de acréscimo de fato ou
argumento novo ao quadro fático-probatório reportado na peça
original. Essencialidade da demonstração de prejuízo concreto
para o reconhecimento da nulidade do ato. Princípio do pas de
nullité sans grief. Artigo 563 do Código de Processo Penal.
Precedentes. (...) 1. Não se nega que o Juízo da Vara Única da
Comarca de Boqueirão/PB não andou na melhor trilha
processual quando intimou o Parquet estadual para ratificar a
denúncia apresentada em grau superior e não fez o mesmo em
relação à defesa do acusado por força do par conditio,
desprestigiando, assim, o postulado constitucional do
contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, inciso LV). 2.
Todavia, além da arguição opportune tempore da suposta
nulidade, seja ela relativa ou absoluta, a demonstração de
prejuízo concreto é igualmente essencial para seu
reconhecimento, de acordo com o princípio do pas de nullité
sans grief, presente no art. 563 do Código de Processo Penal
(v.g. AP nº 481-EI-ED/PA, Tribunal Pleno, de minha relatoria,
DJe de 12/8/14), o que não ocorreu na espécie. 3. A denúncia
ofertada no Tribunal de Justiça local foi apenas ratificada pelo
Parquet, o qual não acrescentou, contudo, qualquer fato ou
argumento ao quadro fático-probatório reportado na denúncia
original de que a defesa do recorrente não tivesse ciência
quando da apresentação da defesa prévia. 4. O recorrente não
logrou demostrar a existência de prejuízo capaz de macular a
decisão do juízo de primeiro grau, que recebeu a denúncia tão
logo ratificada pelo Ministério Público. 5. Acolher a pretensão
da defesa nesse particular apenas potencializaria “a forma pela
forma”, que não deve ser prestigiada, pois, “se do vício formal
não deflui prejuízo, o ato deve ser preservado” (HC nº
114.512/RS, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber,
DJe de de 8/11/13). (...) 12. Recurso ordinário ao qual se nega

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 88 de 486 3500


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provimento” (RHC 138.752, Rel.: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda


Turma, DJe 27.4.2017 - destaquei) .

No caso, constato que, no prazo legal, a defesa técnica do acusado


Nelson Meurer protocolizou petição contendo alegações finais que
ocupam exatas 100 (cem) laudas, nas quais foram declinadas
substanciosas teses defensivas contrapostas à versão acusatória exposta
na denúncia, as quais abordam todo o conjunto probatório produzido no
decorrer da instrução criminal, razão pela qual não há falar em
cerceamento ou deficiência de defesa que justifique a pretendida
declaração de nulidade do processo, diante da induvidosa inexistência de
qualquer prejuízo às garantias processuais constitucionais.
Por tais razões, rejeito a preliminar suscitada.

1.2. Cerceamento de defesa. Indeferimento do pedido defensivo de


substituição de testemunhas.

A defesa do denunciado Nelson Meurer, ainda em sede prefacial,


afirma que o processo penal em análise estaria eivado por cerceamento de
defesa, consistente no indeferimento do requerimento de substituição de
testemunhas.
Tal questão já foi objeto de expressa deliberação por este Órgão
Colegiado no julgamento do respectivo agravo regimental em 8.8.2017,
oportunidade na qual, à unanimidade, a insurgência foi desprovida nos
termos da seguinte fundamentação:

“(...)
Da leitura das razões recursais, conforme consignado pelo
Procurador-Geral da República em suas contrarrazões, tem-se
que os agravantes não indicam qualquer circunstância concreta
superveniente à indicação do rol de suas testemunhas que dê
embasamento ao pleito excepcional de substituição, limitando-
se a afirmar que a pretensão se justificaria na oitiva já realizada
em juízo daquelas que pretendem substituir, pois arroladas

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também pelo órgão acusatório.


Tal argumentação, todavia, não autoriza a reforma do
decisum atacado, pois as defesas técnicas eram conhecedoras,
antecipadamente, dos nomes das testemunhas arroladas pela
acusação por ocasião do oferecimento da peça acusatória e,
mesmo assim, indicaram duas idênticas, cientes da limitação
quantitativa imposta pela legislação de regência.
Logo, a posterior e efetiva oitiva em juízo das aludidas
testemunhas não pode ser considerada fato superveniente que
autorize a pretendida substituição, porque se trata de
consequência previsível e natural da postulação probatória
ministerial, não se verificando, na hipótese, nenhuma das
causas previstas no art. 451 do Código de Processo Civil - aqui
aplicado por força da norma contida no art. 3º do Código de
Processo Penal e do art. 9º da Lei n. 8.038/1990 - que justifique a
pretensão dos agravantes, diante da preclusão consumativa
verificada.
(...)
É imperioso destacar, ademais, que a paridade de armas é
garantida na previsão legal equânime do número de
testemunhas posto à disposição das partes à instrução
probatória, sendo certo que eventual substituição extemporânea
fora das hipóteses previstas no art. 451 do CPC deve vir
acompanhada de fundamentos concretos que justifiquem a
medida excepcional, sob pena, aí sim, de se promover o
desequilíbrio da relação processual, a qual deve se pautar,
sempre, pela boa-fé. Aliás, insisto, esse mesmo fundamento foi
utilizado para indeferir o pedido de inclusão de testemunhas
feito pela acusação.
Por fim, o requerimento desmotivado de substituição de
testemunhas impede até mesmo que se verifique a
possibilidade da produção da prova de ofício, nos termos do
art. 11, § 3º, da Lei n. 8.038/1990, circunstância que impõe o
indeferimento da pretensão dos agravantes” (fls. 2.539-2.540).

Concluo, desse modo, pela ocorrência da preclusão pro iudicato em

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relação ao tema, não exsurgindo nos autos qualquer circunstância


superveniente que autorize a reanálise da matéria, impondo-se, portanto,
o afastamento da preliminar novamente arguida agora em sede de
alegações finais.

1.3. Cerceamento de defesa. Indeferimento da pretensão de


produção de prova pericial.

A defesa do acusado Nelson Meurer aventa, como nova preliminar, a


nulidade desta ação penal pelo indeferimento da pretensão de produção
de prova pericial, conforme decisão proferida às fls. 2.521-2.524 nos
seguintes termos:

“(...)
Ainda que o acusado Nelson Meurer tenha, às fls. 2.037,
por ocasião da apresentação da defesa prévia, protestado
genericamente pela ‘produção de todas as provas em direito
admitidas, em especial a documental, testemunhal, pericial e oral...’, o
pedido ora formulado é intempestivo.
Isso porque, como exige o art. 396-A do Código de
Processo Penal, cumpre ao acusado, quando da apresentação da
defesa, ‘especificar as provas pretendidas’, o que não se confunde
com o protesto genérico pela produção de todas as provas em
direito admitidas.
Somente na presente oportunidade é que o acusado
especifica qual prova pericial pretende produzir, informando
que busca demonstrar a valorização econômica de um imóvel
de sua propriedade, localizado em Francisco Beltrão, o que
justificaria seu incremento patrimonial.
Sendo assim, intempestivo o pedido, só agora
especificado, de produção da prova pericial.
Mesmo que se pudesse ter por regular o genérico protesto
pela produção de ‘todas as provas em direito admitidas’, a respeito
do pedido de produção de provas, este Relator decidiu às fls.
2.066-2.067, não contemplando a pretensão do acusado, de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 91 de 486 3503


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modo que caberia a ele insurgir-se, tempestivamente, pela via


recursal própria. Não o tendo feito, preclusa sua pretensão.
Ainda que se desconsiderasse a intempestividade do
pedido de produção da referida prova, em vista do que dispõe
o art. 400, § 1º, do CPP, segundo o qual se indefere as provas
‘consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias’, o pedido
formulado pelo acusado não merece deferimento, uma vez que
a alegação da valorização econômica de um determinado
imóvel pode ser demonstrada independentemente de perícia.”

A citada decisão foi alvo de agravo regimental interposto pela defesa


técnica por meio da petição juntada às fls. 2.567-2.579, cujas razões serão
apreciadas nesta oportunidade, em conjunto com os argumentos
declinados em alegações finais.
Sustenta a defesa, inicialmente, que, ao contrário do afirmado na
decisão objurgada, o pleito de produção da prova pericial teria sido
formulado tempestivamente, por ocasião da defesa prévia prevista no art.
8º da Lei n. 8.038/1990.
Compulsando a referida peça defensiva, acostada às fls. 2.038-2.037,
constato que o requerimento que se alega tempestivo foi formulado nos
seguintes termos:

“Requer-se seja deferida a produção de todas as provas


em direito admitidas, em especial a documental, testemunhal,
pericial e oral, apresentando, desde logo, o rol de testemunhas,
ao final indicadas, requerendo sejam as mesmas intimadas, sob
a cláusula de imprescindibilidade, a fim de que compareçam e
sejam ouvidas para prestarem esclarecimentos sobre os fatos
em apuração, reservando-se, por óbvio, no direito de substituí-
las, se necessário, bem como se reserva, no direito de provar sua
inocência com outros meios de prova no curso da instrução
processual” (fl. 2.036 - destaquei).

Para sustentar o argumento de que a produção da prova pericial


teria sido requerida tempestivamente, recorre a defesa técnica à mera

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 92 de 486 3504


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expressão “pericial” destacada no excerto transcrito, aduzindo, em síntese,


que o art. 8º da Lei n. 8.038/1990 não especifica a extensão na qual a
produção probatória deve ser pleiteada na defesa prévia, alegando, ainda,
que a norma prevista no art. 396-A do Código de Processo Penal não seria
aplicável ao caso em tela, tendo em vista que a incidência subsidiária do
Estatuto Processual Penal nas ações penais originárias seria admitida
apenas na fase de instrução, segundo dicção que empresta ao art. 9º da
Lei n. 8.038/1990.
Nada obstante os judiciosos argumentos declinados, calha destacar
que o art. 1º do Código de Processo Penal estabelece a sua aplicabilidade
aos processos penais que tramitam em todo o território brasileiro, sendo
certo que o caso em análise não se amolda a quaisquer das hipóteses
excepcionais relacionadas nos incisos do referido dispositivo, nas quais o
legislador ordinário previu a não incidência de suas disposições.
Aliás, as ações penais de competência originária dos Tribunais são
regidas pelas normas especiais inseridas na Lei n. 8.038/1990, sem
prejuízo da utilização subsidiária e complementar das disposições gerais
previstas no Código de Processo Penal, conforme preceitua
expressamente o art. 2º daquele diploma legal, verbis:

“Art. 2º - O relator, escolhido na forma regimental, será o


juiz da instrução, que se realizará segundo o disposto neste
capítulo, no Código de Processo Penal, no que for aplicável, e
no Regimento Interno do Tribunal.
Parágrafo único - O relator terá as atribuições que a
legislação processual confere aos juízes singulares”.

De acordo com o dispositivo transcrito, o desenvolvimento da


relação processual estabelecida nas ações penais originárias deve
observar, prioritariamente, as normas previstas na legislação especial.
Todavia, na ausência de regulamentação específica, deve o relator valer-se
das disposições gerais previstas no Código de Processo Penal, no que for
aplicável, bem como no regimento interno do respectivo tribunal.
A par disso, na visão da nobre defesa, a aplicabilidade subsidiária do

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Código de Processo Penal seria permitida apenas na fase instrutória, nos


termos do art. 9º da Lei n. 8.038/1990, da qual não faria parte a defesa
prévia, já que a sua oferta precede ao próprio recebimento da denúncia.
Entretanto, uma leitura atenta do referido dispositivo legal evidencia
a mera indicação de observância do procedimento comum previsto no
Código de Processo Penal na instrução criminal da ação penal originária,
sendo inviável extrair da sua redação qualquer interpretação que limite a
aplicabilidade do Estatuto Processual Penal à fase instrutória. Confira-se:

“Art. 9º - A instrução obedecerá, no que couber, ao


procedimento comum do Código de Processo Penal”.

Nesse cenário, diante da inexistência de qualquer previsão específica


acerca da oportunidade para o exercício da pretensão probatória na ação
penal originária, seja na Lei n. 8.038/1990 ou no Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, concluo pela plena aplicabilidade da norma
prevista no art. 396-A do Código de Processo Penal, que preceitua:

“Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir


preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer
documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e
arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua
intimação, quando necessário”.

Como se depreende desse dispositivo transcrito, a resposta à


acusação é o momento processual oportuno para a defesa “especificar as
provas pretendidas”. O emprego do verbo “especificar” pelo legislador
ordinário impõe à defesa técnica o ônus de delimitar, de acordo com o
panorama fático-processual verificado no caso concreto, as provas que
intenciona ver produzidas no processo. Não por outra razão é que a
pretensão será submetida ao crivo da autoridade judiciária, a qual poderá
“indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias” (art. 400,
§ 1º, do CPP). Em suma, o aludido requerimento de produção probatória,
além de específico, deve ser acompanhado da demonstração da sua

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relevância para a resolução do mérito da ação penal.


Em caso análogo, outra não foi a conclusão deste Órgão Colegiado:

“Agravo regimental em ação penal originária. Processo


penal. 2. Perícia grafodocumentoscópica, com o objetivo de
demonstrar que o réu não assinou ou produziu as notas de
compra acostadas aos autos. Impertinência da prova, visto que
a acusação não atribui a autoria dos documentos ao punho do
réu – art. 400, § 1º, CPP. 3. Reformulação do requerimento para
contestar a assinatura de terceiros e a contemporaneidade de
anotação feitas nos documentos. Inovação quanto ao objeto da
prova. A resposta é a oportunidade para ‘especificar as provas
pretendidas’ - art. 396-A do CPP. Pedido formulado a
destempo. 4. O deferimento da prova requerida de forma
intempestiva só se justifica excepcionalmente e sem prejuízo
do regular andamento processual. 5. O requerimento de perícia
não suspende o curso da instrução processual. O art. 400 do
CPP menciona que os esclarecimentos dos peritos serão
tomados após a inquirição das testemunhas. Dispositivo que
deve ser lido em conjunto com o art. 159, § 5º, I, do CPP, que
trata do requerimento para que os peritos que atuaram na fase
de investigação sejam chamados a prestar ulteriores
esclarecimentos. A prova pericial requerida no curso da ação
penal pode ser realizada de forma independente da instrução
processual, não sendo causa de suspensão de seu curso. 6.
Necessidade da perícia. A autenticidade dos documentos será
avaliada com base no conjunto da prova produzida. Prova que,
no atual momento processual, não desponta como necessária.
Indeferimento, na forma do art. 400, § 1º, do CPP. 7. Negado
provimento ao agravo regimental” (AP 974 AgR-segundo, Rel.:
Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe 14.2.2017 –
destaquei).

Embora o processo penal seja o instrumento destinado à reprodução


mais fiel possível dos fatos submetidos à prestação jurisdicional, tal
finalidade deve ser alcançada com a observância dos prazos e momentos

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definidos em lei para a prática de cada ato processual, dando-se


efetividade à garantia prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição
Federal, e evitando-se o desvirtuamento do processo como forma de se
buscar a impunidade mediante a prática abusiva de atos protelatórios.
No caso em apreço, repiso, por ocasião da defesa preliminar
protocolizada em 12.12.2016 (fl. 2.038) os patronos constituídos pelo
acusado Nelson Meurer limitaram-se a requerer, de forma genérica, a
produção de prova pericial, olvidando-se de especificar o objeto do
exame especializado pretendido, bem como a sua pertinência para a
resolução da causa.
A partir do término da oitiva das testemunhas arroladas pelas
defesas dos acusados e com a designação de datas para os respectivos
interrogatórios, nos termos da decisão de fls. 2.506-2.507, somente em
18.8.2017 (fl. 2.513) peticionaram os patronos dos denunciados Nelson
Meurer e Nelson Meurer Júnior requerendo a análise da pretensão de
produção da prova pericial, oportunidade na qual, de forma
flagrantemente extemporânea, externaram a intenção de juntada de
“perícia contábil” e de realização de exame técnico para aferição de
alegada valorização de imóvel localizado na cidade de Francisco
Beltrão/PR.
Para a exata compreensão do comportamento da defesa nestes autos,
cumpre trazer à colação os seguintes trechos do requerimento em
questão:

“(...)
Encerrada a fase de oitiva das testemunhas de defesa, V.
Exa. proferiu despacho mercê do qual designou data para a
realização do interrogatório dos réus - último ato da instrução
probatória - determinando-se, outrossim, a intimação de todos
os requeridos para o comparecimento ao ato.
Não obstante isso, e rogando as mais respeitosas venias, V.
Exa. deixou de observar pedido expresso de produção da prova
pericial feito por este réu quando da apresentação da sua defesa
prévia nos moldes do art. 8º da Lei nº 8.038/90, às fls. 2035/2037,

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sobre o qual não houve qualquer despacho, o que impede a


designação do interrogatório e, conseguinte, o término da
instrução probatória.
(…)
Iniciou-se, assim, a instrução processual penal, com a
oitiva de testemunhas de acusação, seguida das testemunhas de
defesa, que, com todo respeito, não pode atingir o seu último
ato - interrogatório dos réus - sem que antes se examine o
pedido de produção de prova pericial deduzido oportunamente
na defesa prévia.
(…)
Cumpre explicitar, ainda, que, especificamente no caso
concreto, a perícia é essencial à completa instrução da lide, o
que reforça a necessidade de que o pedido da defesa seja
examinado antes do interrogatório e, logo, do término da
instrução processual penal.
Com efeito, há diligências de importância ímpar à
defesa, como por exemplo, a apresentação de relatório
contábil (que já se encontra em produção), no qual se
evidenciará divergências gritantes em relação ao
levantamento contábil/fiscal realizado pela acusação.
Da mesma forma, faz-se fundamental a produção de
prova pericial para aferir a valorização imobiliária de
propriedade deste réu, localizada no Município de Francisco
Beltrão/PR, que no passado (1985) havia sido doado ao
IBAMA, mas revertida a doação em 2012, representou um
relevante acréscimo em seu patrimônio, fato este tido como
relevante e passível de mensuração - e, portanto, de instrução
probatória - pelo acórdão que recebeu a denúncia do ora
requerido” (fls. 2.513-2.516 – destaquei).

Sobre tais argumentos defensivos, cumpre anotar, num primeiro


momento, que, pela sua generalidade, sequer seria possível a análise do
pleito de produção de prova pericial formulado por ocasião da defesa
prévia, já que não foram individualizados o exame especializado
pretendido, tampouco o seu objeto.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 97 de 486 3509


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Ademais, especificamente no que diz respeito à perícia sobre os


depósitos realizados em contas-correntes vinculadas ao denunciado
Nelson Meurer, destaco que a própria defesa, no requerimento acima
transcrito, afirma ter providenciado a confecção de relatório contábil,
circunstância que evidencia a desnecessidade de qualquer intervenção
judicial no ponto.
Da mesma forma, sublinho a prescindibilidade da produção de
prova pericial à demonstração da alegada valorização de imóvel de
propriedade do aludido acusado situado na cidade de Francisco
Beltrão/PR.
Com efeito, trata-se de fato econômico que não demanda
conhecimentos especializados para a sua correta compreensão pelo Juízo,
razão pela qual a sua demonstração poderia vir aos autos pela própria
defesa, sob a fé de profissionais registrados no Conselho Regional dos
Corretores de Imóveis do Paraná, por exemplo.
Por fim, tal postulação sequer foi requerida pela defesa técnica na
fase do art. 10 da Lei n. 8.038/1990, o que revela, mais uma vez, a sua
dispensabilidade para a resolução do mérito da ação penal.
Todas essas circunstâncias levam à conclusão pela inexistência do
alegado cerceamento de defesa com o indeferimento da pretensão
probatória, a qual foi, insisto, exercida de forma extemporânea e
desprovida de suporte fático que justificasse a sua produção. Nesse
sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. CONTROVÉRSIA ACERCA DA
NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL.
QUESTÃO RESTRITA AO ÂMBITO
INFRACONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. 1. Não
caracteriza cerceamento de defesa a decisão que,
motivadamente, indefere determinada diligência probatória.
Precedentes: AIs 382.214, da relatoria do ministro Celso de
Mello; e 144.548-AgR, da relatoria do ministro Sepúlveda

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Pertence. 2. Caso em que entendimento diverso do adotado


pelo aresto impugnado demandaria o revolvimento de fatos e
provas. Providência vedada na instância extraordinária. 3.
Agravo regimental desprovido”
(RE 597.299 AgR, Rel.: Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma,
DJe 8.10.2010 - destaquei).

Por tais fundamentos, rechaço a preliminar suscitada e, por


consequência, julgo prejudicado o agravo regimental interposto às fls.
2.567-2.579.

1.4. Cerceamento de defesa. Indeferimento da pretensão de oitiva


de novas testemunhas na fase do art. 10 da Lei n. 8.038/1990.

Na fase do art. 10 da Lei n. 8.038/1990, a defesa do acusado Nelson


Meurer (fls. 2.965-2.968) requereu a realização de diligências
complementares, consubstanciadas na oitiva de Mário Sílvio Mendes
Negromonte, Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro, Ciro Nogueira Lima
Filho e Francisco Oswaldo Neves Dornelles, os quais, no decorrer da
instrução criminal, foram referidos nos depoimentos de testemunhas,
informantes ou colaboradores.
Essa pretensão foi indeferida, em decisão datada de 7.11.2017 (fls.
2.970-2.975), sendo interposto agravo regimental às fls. 2.985-2.996, cujos
fundamentos, aliados aos argumentos declinados em sede preliminar nas
alegações finais defensivas, serão analisados nesta oportunidade.
Sustenta o denunciado Nelson Meurer que o indeferimento da oitiva
de novas testemunhas representaria cerceamento do seu direito de defesa,
porque todas “foram referidas nos depoimentos prestados no curso da instrução
processual destes autos” (fl. 3.201), tratando-se de matéria pertinente à fase
de diligências complementares.
Acerca da necessidade de produção da prova oral pretendida,
assenta que Mário Sílvio Mendes Negromonte foi citado por cinco (5)
testemunhas, e denunciado em conjunto com o ora acusado Nelson
Meurer nos autos dos INQ 3.989 e INQ 3.980, razão pela qual seria

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imprescindível a sua oitiva para que “esclareça fatos relativos ao suposto


envolvimento de Nelson Meurer com Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, que
é objeto da presente ação penal” (fl. 3.202).
No que diz respeito a Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro, esclarece a
defesa que o seu nome foi citado nos depoimentos de Alberto Youssef e
Dilceu Sperafico, os quais narraram a substituição da liderança do Partido
Progressista (PP) na Câmara dos Deputados ocorrida no ano de 2011,
motivo pelo qual a sua oitiva seria necessária para que “esclareça com
detalhes de que modo, o porquê e com qual finalidade se deu, efetivamente, a
referida troca de lideranças” (fl. 3.202).
Em relação a Ciro Nogueira Lima Filho, defende que a oitiva seria
imperiosa também para elucidar sua ascensão ao comando do Partido
Progressista (PP) após o falecimento de José Janene, conforme
depoimento prestado por Paulo Roberto Costa.
A par dessas considerações, conforme consignei na decisão de fls.
2.970-2.975, a posição de Mário Silvio Mendes Negromonte no
gerenciamento do Partido Progressista (PP), bem como a sua relação com
Nelson Meurer, Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa; a troca de
liderança do Partido Progressista (PP) na Câmara dos Deputados
envolvendo o ora acusado e Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro; assim
como a condução da aludida agremiação partidária por Ciro Nogueira a
partir do falecimento de José Janene encontram-se devidamente descritos
na própria peça acusatória, a demonstrar que a pretensão da defesa não
detém origem em fatos revelados no decorrer da instrução.
Destarte, eventual pretensão probatória em relação a tais fatos
deveria ter sido manifestada oportunamente, pois de conhecimento
prévio dos acusados e de seus defensores, circunstância que impede o
acolhimento da diligência pretendida.
Nesse sentido, tem-se que a fase prevista no art. 10 da Lei n.
8.038/1990 destina-se à realização de diligências cuja imprescindibilidade
tenha como causa fato ocorrido no curso da instrução criminal. Trata-se
de mecanismo que viabiliza a manutenção da higidez das garantias
inerentes ao devido processo legal por meio da complementação da

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 100 de 486 3512


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produção probatória, cuja adoção deve ser precedida da demonstração da


sua imperiosa necessidade.
Essa nota da complementariedade anuncia que, nesse momento, as
partes já não têm direito subjetivo à ampla produção probatória,
porquanto lhes incumbe o ônus de demonstrar que a diligência requerida
é apta a esclarecer ou sanar os fatos extraordinários verificados no
decorrer da fase de instrução.
Como visto, a pretensão de oitiva de Mário Sílvio Mendes
Negromonte, Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro e Ciro Nogueira Lima
Filho não teve como causa qualquer fato ocorrido no decorrer da
instrução processual, sendo certo que a simples referência a seus nomes
não detém o condão de autorizar sua oitivas em juízo, sem que fique
caracterizada violação ao limite de testemunhas previsto no art. 401,
caput, do Código de Processo Penal.
Quanto à pretendida oitiva de Francisco Oswaldo Neves Dornelles,
alude a defesa que a sua necessidade se justificaria pelo fato de ter
exercido a presidência do Partido Progressista (PP) entre os anos de 2008
a 2012, bem como por ter sido citado nos depoimentos prestados por
Dilceu Sperafico e, indiretamente, por Paulo Roberto Costa.
Volto a repisar, entretanto, que a mera referência ao nome de
Francisco Dornelles, sem qualquer implicação nos fatos denunciados, não
torna impositiva a sua oitiva em juízo na qualidade de testemunha,
mormente porque, de acordo com a tese acusatória, não lhe foi atribuída
qualquer ciência dos ilícitos descritos na denúncia, olvidando-se a defesa
em demonstrar a relevância da diligência pretendida à construção do
ônus da prova defensivo.
Ressalto, por fim, que o fato das pretendidas testemunhas terem sido
incluídas em denúncias ofertadas em autos diversos e,
consequentemente, por fatos também distintos, não se constitui em causa
apta a justificar suas oitivas nesta ação penal, tendo em vista a autonomia
das imputações e das respectivas instruções processuais. A propósito:

“Agravo regimental em ação penal. Indeferimento de


diligências. Testemunhas referidas. Novo interrogatório.

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Informações sobre a movimentação processual e autuação.


Testemunhas arroladas e outras conhecidas desde o início da
ação penal. Ausência de inovação fática. Falta de demonstração
objetiva da necessidade e utilidade da prova. Desnecessidade
de realização de novo interrogatório (precedentes). Modificação
do suporte físico dos autos digital/papel. Diligências devem
dirigir-se à elucidação dos fatos. Irrelevância do extrato de
movimentação processual. Inexistência das irregularidades
alegadas. Negado provimento” (AP 671 AgR-segundo, Rel.:
Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe 16.5.2013).

“1. AÇÃO PENAL. Nulidade. Cerceamento de defesa.


Desentranhamento de documento. Alegação de ofensa ao art.
232 do CPP. Matéria não conhecida em recurso especial. Falta
de prequestionamento. HC. Pedido não conhecido. Não pode o
Supremo Tribunal Federal apreciar, em habeas corpus, matéria
não conhecida pelo Superior Tribunal de Justiça. 2. AÇÃO
PENAL. Prova. Cerceamento de defesa. Não caracterização.
Testemunha referida. Inquirição negada. Decisão
fundamentada. Faculdade do juiz na direção da causa. HC
denegado. Aplicação do § 1º do art. 209 do CPP. Compete ao
juiz da causa, mediante decisão fundamentada, na direção da
causa, deferir, ou não, inquirição de testemunhas referidas”
(HC 85.533, Rel.: Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, DJe
29.6.2007).

Cumpre assinalar que a pretensão de diligências complementares ao


final de instrução criminal não se confunde com o pleito de substituição
de testemunhas, tampouco com a iniciativa probatória disposta em favor
do Juízo, nos termos do art. 11, § 3º, da Lei n. 8.038/1990.
Logo, o registro feito ao final da decisão na qual foi analisado o
pleito de substituição de testemunhas formulado pelo Ministério Público,
extensível à defesa (fls. 2.105-2.106), no sentido de que o indeferimento da
pretensão não prejudicaria, por ocasião da fase de diligências
complementares, a análise da necessidade de inquirição de “novas pessoas
ou até colaboradores, com fundamento no art. 209 do Código de Processo Penal”,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 102 de 486 3514


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em hipótese alguma significa sinalização de irrestrita adoção de


quaisquer providências excepcionais requeridas pelas partes nas fases
procedimentais ulteriores, cuja implementação deve preceder a cabal
demonstração da necessidade à luz do panorama fático-processual
verificado no caso concreto.
Por tais razões, indefiro a preliminar suscitada e julgo prejudicado
o agravo regimental interposto às fls. 2.985-2.996.

1.5. Pretensão de julgamento conjunto da presente ação penal com


os INQ 3.980 e INQ 3.989.

Não assiste razão ao denunciado Nelson Meurer quando argumenta


a necessidade de julgamento conjunto deste processo com os INQ 3.980 e
INQ 3.989.
É que, ainda que haja conexão intersubjetiva e instrumental entre a
presente ação penal e os precitados inquéritos, o art. 80 do Código de
Processo Penal faculta a separação de causas conexas quando “as infrações
tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou,
quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão
provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a
separação”.
Nesse sentido: HC 83.463, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Segunda
Turma, DJ de 4.6.2004; HC 73.423, Rel. Min. FRANCISCO REZEK,
Segunda Turma, DJ de 12.11.1999; HC 73.208, Rel. Min. MAURÍCIO
CORRÊA, Segunda Turma, DJ de 7.2.1997; HC 70.688, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, Segunda Turma, DJ de 10.12.1993.
Na espécie, em função da pluralidade de investigados e da
complexidade dos fatos, especialmente em relação ao INQ 3.989, afigura-
se conveniente à persecução penal que as apurações tramitem
separadamente, sem que haja, com isso, qualquer prejuízo à defesa.
Relembro, a propósito, que nesta ação penal encontram-se sob
julgamento condutas em tese enquadradas como crimes de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro, enquanto o INQ 3.989 trata apenas da

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 103 de 486 3515


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imputação de organização criminosa em relação a diversos investigados,


já tendo sido desmembrado pelo saudoso Ministro Teori Zavascki, dando
origem a outros quatro (4) novos cadernos indiciários (INQ 3.989, 4.325,
4.326 e 4.327), divididos por agremiação partidária.
Já no INQ 3.980, por sua vez, foram denunciados João Alberto
Pizzolatti Júnior, Mário Sílvio Mendes Negromonte, Mário Sílvio Mendes
Negromonte Júnior, Luiz Fernando Ramos Faria, José Otávio Germano,
Roberto Pereira De Britto e Arthur César Pereira De Lira, tendo a
Procuradoria-Geral da República lhes atribuído a prática de delitos de
corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Embora as condutas descritas na incoativa ofertada nos autos desse
último caderno processual sejam semelhantes às narradas nestes autos, é
certo que os feitos estão em fases processuais distintas, o que reforça a
conclusão da inconveniência da pretendida unificação, mormente
levando em conta o expressivo número de acusados, circunstância que
ainda redundaria em irrazoável atraso na prestação jurisdicional.
Por tais razões, rejeito a preliminar suscitada.

1.6. Acolhimento de contradita à testemunha arrolada pela defesa.


Alegada quebra da paridade de armas.

Como última questão prefacial ao mérito da acusação, a defesa


técnica do denunciado Nelson Meurer sustenta que a testemunha João
Alberto Pizzolatti Júnior foi indevidamente contraditada em sua oitiva a
pedido do Ministério Público Federal, circunstância que redundaria na
quebra da paridade de armas, já que, das 11 (onze) pessoas arroladas por
ocasião da defesa prévia, apenas 7 (sete) prestaram o compromisso de
dizer a verdade, na forma do art. 203 do Código de Processo Penal.
Nada obstante, como consignado em audiência, a referida
testemunha figura como denunciado no INQ 3.980, no qual a
Procuradoria-Geral da República lhe imputa a prática de condutas
semelhantes às narradas nesta ação penal e que, por conveniência da
prestação jurisdicional, tramitaram de forma separada em função de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 486 3516


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desmembramento.
Constata-se, portanto, que a sua situação subjetiva se amolda ao
disposto no art. 405, § 3º, IV, do Código de Processo Civil, aplicável ao
caso por força do art. 3º do Código de Processo Penal, na medida em que
é notório o seu interesse no litígio, já que condutas semelhantes lhe são
atribuídas em denúncia diversa já oferecida e recentemente recebida pelo
órgão colegiado.
Nesse cenário, a dispensa do compromisso de dizer a verdade
exigido no art. 203 do Código de Processo Penal é medida consentânea
com o direito ao silêncio garantido a qualquer acusado da prática de fato
definido como crime pelo ordenamento jurídico pátrio, e evita a
ocorrência de constrangimento apto a macular o exercício do direito de
defesa que é corolário do devido processo legal garantido no art. 5º, LIV,
da Constituição Federal. Em caso análogo, confira-se o seguinte
precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO PENAL. TERCEIRA QUESTÃO DE ORDEM. CO-


RÉUS COLABORADORES. DENÚNCIA NO PRIMEIRO GRAU
DE JURISDIÇÃO. DESMEMBRAMENTO DO FEITO.
INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ACUSAÇÃO FORMAL
CONTRA OS RÉUS NESTA CORTE. INCOMPETÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O JULGAMENTO
ORIGINÁRIO. INCONVENIÊNCIA DA REUNIÃO DOS
PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO
CONJUNTO. MANUTENÇÃO DO FEITO NO JUÍZO DE
ORIGEM. ARROLAMENTO DOS CO-RÉUS COMO
TESTEMUNHAS. IMPOSSIBILIDADE. APROVEITAMENTO
DOS DEPOIMENTOS NA CONDIÇÃO DE INFORMANTES.
VIABILIDADE. RESPEITO AOS DITAMES LEGAIS E AO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. QUESTÃO DE ORDEM
RESOLVIDA PARA AFASTAR A QUALIDADE DE
TESTEMUNHAS E MANTER A OITIVA DOS CO-RÉUS NA
CONDIÇÃO DE INFORMANTES. (...) 6. O fato de não terem
sido denunciados nestes autos não retira dos envolvidos a
condição de co-réus. Daí a impossibilidade de conferir-lhes a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 105 de 486 3517


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condição de testemunhas no feito. 7. De todo modo, por não


terem sido ouvidos na fase do interrogatório judicial, e
considerando a colaboração prestada nos termos da delação
premiada que celebraram com o Ministério Público, é
perfeitamente legítima sua oitiva na fase da oitiva de
testemunhas, porém na condição de informantes. Precedente.
8. Respeito ao princípio do contraditório e necessidade de
viabilizar o cumprimento, pelos acusados, dos termos do
acordo de colaboração, para o qual se exige a efetividade da
colaboração, como prevêem os artigos 13 e 14 da Lei n°
9.807/99. 9. Questão de ordem resolvida para julgar ausente
violação à decisão do plenário que indeferiu o
desmembramento do feito e, afastando sua condição de
testemunhas, manter a possibilidade de oitiva dos co-réus
colaboradores nestes autos, na condição de informantes”
(AP 470 QO-terceira, Rel.: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal
Pleno, DJe 30.4.2009 - destaquei)

Convém ressaltar que no ordenamento jurídico processual penal


pátrio não vige o sistema de provas tarifadas, tendo o Estado-Juiz o poder
de exercer a livre apreciação do conjunto probatório, cuja valoração deve
ser objeto de expressa motivação, em observância à garantia insculpida
no art. 93, IX, da Constituição Federal.
Desse modo, não se constata qualquer prejuízo à defesa na oitiva de
João Alberto Pizzolatti Júnior na qualidade de informante, cujas
declarações serão objeto de oportuna e adequada valoração, assim como
os demais elementos probatórios produzidos no decorrer da instrução
criminal, por ocasião do enfrentamento do mérito da ação penal.
Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada.

2. Mérito.

Em atenção ao princípio da legalidade estrita que vige no Direito


Penal pátrio, enunciado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e no
art. 1º do Código Penal, a incidência da sanção prevista no preceito

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secundário de determinada norma incriminadora só se revela legítima


quando comprovada, no seio do devido processo legal, a ocorrência de
todos os elementos que compõem o tipo penal.
Na espécie, a Procuradoria-Geral da República atribui aos acusados,
em denúncia recebida por este Colegiado em menor extensão, a prática
dos crimes previstos no art. 317, § 1º, do Código Penal e no art. 1º, caput e
§ 4º, da Lei n. 9.613/1998.

2.1. Corrupção passiva.

O delito de corrupção passiva recebeu do legislador ordinário a


seguinte definição:

“Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem,


direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em
consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda
ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica
infringindo dever funcional”.

Como se infere da sua redação, o tipo penal em análise, encartado no


título que define os crimes contra a administração pública, tutela a
moralidade administrativa, tendo por finalidade coibir e reprimir a
mercancia da função pública, cujo exercício deve ser pautado
exclusivamente pelo interesse público.
A configuração do delito em questão pressupõe a solicitação,
recebimento ou aceitação de promessa da vantagem indevida por parte
de funcionário público, mesmo que ainda não se encontre investido na
função, mas a utilize como o objeto da contraprestação a ser adimplida no
negócio espúrio.
Nesse sentido, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 107 de 486 3519


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considera que a perfeita subsunção da conduta ao tipo penal exige a


demonstração de que o favorecimento negociado pelo agente público se
encontra no rol das atribuições previstas para a função que exerce.
Logo, ainda que o retardamento, a prática ou a omissão do ato de
ofício em infração ao dever funcional seja previsto pelo legislador como
uma causa de especial aumento de pena do crime de corrupção passiva, é
imprescindível à configuração do ilícito que a vantagem indevida
solicitada, recebida ou prometida e aceita pelo agente público sirva como
contraprestação à possibilidade de sua atuação viciada no espectro de
atribuições da função pública que exerce ou venha a exercer.
Assim, mesmo que o agente público tenha solicitado, recebido ou
aceito promessa de vantagem indevida de terceiro, caso a contraprestação
negociada seja de adimplemento impossível, por se encontrar fora das
atribuições da função pública que exerce ou venha a exercer, não se terá
por configurado o crime de corrupção passiva, em respeito ao postulado
da legalidade estrita que vige no Direito Penal pátrio, sem prejuízo de
que tal conduta encontre adequada subsunção em outro tipo penal.
Trago à colação os seguintes precedentes:

“Inquérito. 2. Competência originária. 3. Penal e


Processual Penal. (...) 9. Tipicidade, em tese. Art. 317, caput,
combinado com § 1º, do CP (corrupção passiva), e art. 333,
parágrafo único, do CP (corrupção ativa). Indícios de autoria.
10. Nexo improvável entre a prática do ato de ofício e a
vantagem. Inexistência de requerimento de produção de
provas que tenham real possibilidade de demonstrar a
ligação. 11. Denúncia rejeitada” (INQ 3.705, Rel.: Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, DJe 15.9.2015 - destaquei).

“(…) CAPÍTULO III DA DENÚNCIA. SUBITEM III.1.


CORRUPÇÃO PASSIVA. CORRUPÇÃO ATIVA. PECULATO.
LAVAGEM DE DINHEIRO. AÇÃO PENAL JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Restou comprovado o
pagamento de vantagem indevida ao então Presidente da
Câmara dos Deputados, por parte dos sócios da agência de

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publicidade que, poucos dias depois, viria a ser contratada pelo


órgão público presidido pelo agente público corrompido.
Vinculação entre o pagamento da vantagem e os atos de ofício
de competência do ex-Presidente da Câmara, cuja prática os
réus sócios da agência de publicidade pretenderam
influenciar. Condenação do réu JOÃO PAULO CUNHA, pela
prática do delito descrito no artigo 317 do Código Penal
(corrupção passiva), e dos réus MARCOS VALÉRIO,
CRISTIANO PAZ e RAMON HOLLERBACH, pela prática do
crime tipificado no artigo 333 do Código Penal (corrupção
ativa). (…) CAPÍTULO III DA DENÚNCIA. SUBITEM III.3.
CORRUPÇÃO PASSIVA, CORRUPÇÃO ATIVA, PECULATO E
LAVAGEM DE DINHEIRO. DESVIO DE RECURSOS
ORIUNDOS DE PARTICIPAÇÃO DO BANCO DO BRASIL NO
FUNDO VISANET. ACUSAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1.
Comprovou-se que o Diretor de Marketing do Banco do Brasil
recebeu vultosa soma de dinheiro em espécie, paga pelos réus
acusados de corrupção ativa, através de cheque emitido pela
agência de publicidade então contratada pelo Banco do Brasil.
Pagamento da vantagem indevida com fim de determinar a
prática de atos de ofício da competência do agente público
envolvido, em razão do cargo por ele ocupado. Condenação do
réu HENRIQUE PIZZOLATO, pela prática do delito descrito no
artigo 317 do Código Penal (corrupção passiva), bem como dos
réus MARCOS VALÉRIO, CRISTIANO PAZ e RAMON
HOLLERBACH, pela prática do crime tipificado no artigo 333
do Código Penal (corrupção ativa). (…) CAPÍTULO VI DA
DENÚNCIA. SUBITENS VI.1, VI.2, VI.3 E VI.4. CORRUPÇÃO
ATIVA E CORRUPÇÃO PASSIVA. ESQUEMA DE
PAGAMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA A
PARLAMENTARES PARA FORMAÇÃO DE ‘BASE ALIADA’
AO GOVERNO FEDERAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.
COMPROVAÇÃO. RECIBOS INFORMAIS. DESTINAÇÃO
DOS RECURSOS RECEBIDOS. IRRELEVÂNCIA. AÇÃO
PENAL JULGADA PROCEDENTE, SALVO EM RELAÇÃO A
DOIS ACUSADOS. CONDENAÇÃO DOS DEMAIS. 1.

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Conjunto probatório harmonioso que, evidenciando a sincronia


das ações de corruptos e corruptores no mesmo sentido da
prática criminosa comum, conduz à comprovação do amplo
esquema de distribuição de dinheiro a parlamentares, os quais,
em troca, ofereceram seu apoio e o de seus correligionários aos
projetos de interesse do Governo Federal na Câmara dos
Deputados. 2. A alegação de que os milionários recursos
distribuídos a parlamentares teriam relação com dívidas de
campanha é inócua, pois a eventual destinação dada ao
dinheiro não tem relevância para a caracterização da conduta
típica nos crimes de corrupção passiva e ativa. Os
parlamentares receberam o dinheiro em razão da função, em
esquema que viabilizou o pagamento e o recebimento de
vantagem indevida, tendo em vista a prática de atos de ofício.
(...)” (AP 470, Rel.: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno,
DJe 22.4.2013)

No caso em tela, o delito de corrupção passiva é atribuído ao


acusado Nelson Meurer em três (3) momentos distintos, em dois (2) dos
quais teria contado com o auxílio dos denunciados Nelson Meurer Júnior
e Cristiano Augusto Meurer. Em todos, entretanto, é ponto comum da
acusação a afirmação de que os valores indevidos percebidos por Nelson
Meurer seriam contraprestação ao apoio político fornecido, na qualidade
de integrante da cúpula do Partido Progressita (PP) e no exercício da
atividade parlamentar, para a indicação e manutenção de Paulo Roberto
Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, viabilizando, por
conseguinte, o funcionamento do cartel de empreiteiras que ali se
formou.
Por se tratar de questão essencial à configuração do referido crime
de corrupção passiva, cumpre perquirir, nesse primeiro momento, se o
apoio político envidado na indicação a cargos públicos ou para a
manutenção de agentes neles investidos se insere no âmbito da atuação
funcional de parlamentar.
Ao meu sentir, a depender das circunstâncias fáticas verificadas em
cada situação concreta, a resposta é afirmativa.

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De fato, não se desconsidera que a doutrina, a exemplo de Cezar


Roberto Bitencourt, sustenta que o crime de corrupção passiva exige ser
“necessário que a ação do funcionário corrupto seja inequívoca, demonstrando o
propósito do agente de traficar com a função que exerce. É indispensável que a
ação do sujeito ativo tenha o propósito de ‘vender’, isto é, de ‘comercializar’ a
função pública” (Tratado de direito penal. v 5. 9ª ed. São Paulo: Saraiva :
2015, p. 114).
Nessa linha, como sublinhado pela defesa técnica mesmo que
genericamente, argumenta-se que hipóteses como a dos autos, em que
valor indevidamente percebido em razão do exercício da função
parlamentar dá-se em troca de apoio político para manutenção de um
determinado agente (ora corruptor, ora partícipe da corrupção passiva)
em cargo público - de onde pratica atos de desvio de dinheiro público -,
não se traduz em qualquer contraprestação configuradora de corrupção
passiva, pois a nomeação e exoneração do titular desses cargos não se
insere na esfera das atribuições parlamentares.
Penso de modo diverso, pois compreendo que a tese não resiste à
compreensão completa das atribuições parlamentares no regime
constitucional vigente.
Com efeito, importa ter em mente as próprias peculiaridades do
sistema presidencialista brasileiro, em que as atividades parlamentares
não se resumem à apreciação e proposições de atos legislativos, mas vão
além disso, franqueando-se aos congressistas participação ativa nas
decisões de governo.
A esse respeito, ganhou notoriedade a expressão “presidencialismo de
coalizão” cunhada por Sérgio Henrique Hudson de Abranches para
descrever as peculiaridades do sistema presidencialista brasileiro.
Segundo o doutrinador:

“(...) o Brasil é o único país que, além de combinar a


proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo
imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões.
A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira
chamarei, à falta de melhor nome, ´presidencialismo de

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coalizão´.
(…)
A formação de coalizões envolve três momentos típicos.
Primeiro, a constituição de uma aliança eleitoral, que requer
negociação em torno de diretivas programáticas mínimas,
usualmente amplas e pouco específicas, e de princípios a serem
obedecidos na formação do governo, após a vitória eleitoral.
Segundo, a constituição do governo, no qual predomina a
disputa por cargos e compromissos relativos a um programa
mínimo de governo, ainda bastante genérico. Finalmente a
transformação da aliança em coalizão efetivamente governante,
quando emerge, com toda força, o problema da formulação da
agenda....
(…)
Esse é, naturalmente, um processo de negociação e
conflito, no qual os partidos na coalizão se enfrentam em
manobras calculadas para obter cargos e influência decisória.
Tal processo se faz por uma combinação de reflexão e cálculo,
deliberação e improviso, ensaio e erro da qual resulta a
fisionomia do governo” (Presidencialismo de coalizão: o
dilema institucional brasileiro. In Revista de Ciências Sociais,
Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1, 1988, pp. 21-22, 27).

A despeito de eventuais críticas a essa peculiaridade do sistema


presidencialista brasileiro, parcela relevante da doutrina, da qual é
exemplo Paulo Ricardo Schier, saúda-o como “mecanismo eficiente para
garantir estabilidade e governabilidade no contexto de um arranjo institucional
em que o presidente da república possui muitos poderes e, inevitavelmente, um
parlamento multipartidário, tendo que dar conta de interesses políticos e sociais
plurais e fragmentados o que, certamente, gera frustrações e tensões”
(Presidencialismo de coalizão. Curitiba: Juruá, 2016, p. 123). Segue o
autor, esclarecendo que a “democracia plural também exige que decisões sejam
tomadas e escolhas feitas. E sempre existirão interesses que serão frustrados. O
importante é que no processo decisório as escolhas não sejam impostas, que as
minorias e os afetados possam influenciar e participar da negociação, inclusive

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podendo obter cargos, impor pontos inegociáveis ou mesmo buscarem vantagens.


A lógica da coalizão permite que este processo ocorra dialogicamente e seja
negociado, e não imposto” (p. 126).
Essa peculiar característica de nosso sistema presidencialista tem
sido, igualmente, objeto de considerações por parte do eminente Ministro
Gilmar Mendes. Cito como exemplo, argumentos lançados em obiter
dictum, por ocasião do voto na ADI 4.568, quando expôs que “em sistemas
de governo presidencialistas e, especialmente, em nosso modelo (denominado
pelos cientistas políticos de Presidencialismo de Coalizão), as eleições para a
Chefia do Executivo e para o Parlamento são independentes. Daí afirmar-se que,
no presidencialismo de coalizão vigente no Brasil, não é o governo resultado de
uma maioria parlamentar, mas esta, a maioria parlamentar, é que deve ser
conquistada pelo Governo eleito”.
Nessa toada, como se depreende das lições acima transcritas, a
própria configuração constitucional do regime presidencialista brasileiro
confere aos parlamentares um espectro de poder que vai além da mera
deliberação a respeito de atos legislativos, tanto que a participação efetiva
de parlamentares nas decisões de governo, indicando quadros para o
preenchimento de cargos no âmbito do poder executivo, é própria da
dinâmica do sistema presidencialista brasileiro, que exige uma coalizão
para viabilizar a governabilidade.
Destarte, a partir do que se sustenta na doutrina, em tese, essa
dinâmica não é, em si, espúria, e pode possibilitar, quando a coalizão é
fundada em consensos principiológicos éticos, numa participação mais
plural na tomada de decisões usualmente a cargo do poder executivo.
Todavia, quando o poder do parlamentar de indicar alguém para um
determinado cargo, ou de lhe dar sustentação política para nele
permanecer, é exercido de forma desviada, voltado à percepção de
vantagens indevidas, há evidente mercadejamento da função
parlamentar, ao menos nos moldes em que organizado o sistema
constitucional político-partidário brasileiro.
Logo, a singela assertiva de que não compete ao parlamentar nomear
nem exonerar alguém de cargos públicos vinculados ao poder executivo

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 113 de 486 3525


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desconsidera a organização constitucional do sistema presidencialista


brasileiro.
Não fosse isso, deve-se ter em mente que a Constituição da
República, expressamente, confere a parlamentares funções que vão além
da tomada de decisões voltadas à produção de atos legislativos,
peculiaridade que não passou despercebida quando do julgamento da AP
470, como restou claro do seguinte trecho do acórdão, ao tempo que
debatido o tema.
Naquela oportunidade, os eminentes Ministros assim se
manifestaram sobre essa peculiaridade das atribuições parlamentares:

“(...)
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) -
Ministro Gilmar Mendes, se Vossa Excelência permite?
Nessa mesma linha do seu douto pensamento, o ato de
ofício, essa expressão, no nosso Direito - seja em Direito
Administrativo, seja em Direito Processual Civil, Penal -, já vem
consagrada como o ato que, para ser praticado, não precisa de
provocação de quem quer que seja. A autoridade sponte propria
ou sponte sua, por impulso interno, portanto, pratica o ato.
Ao passo que ato do ofício revela uma abrangência
material compatível com o que pretende o Código Penal - acho
que é o § 1º do artigo 317. É ato do ofício público
correspondente ao cargo exercido, no caso, pelo parlamentar. E
o Ministro Celso de Mello, ainda há pouco, falou que esse ato
do ofício compreende centralmente o voto. Mas, nos termos da
Constituição, vai além para alcançar opiniões, palavras e votos.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Mesmo
porque os parlamentares acham-se investidos de uma tríplice
função constitucional: elaboração das leis, fiscalização dos atos
do Poder Executivo e representação, com dignidade, do Povo
brasileiro.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) -
Perfeito!
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 114 de 486 3526


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(RELATOR) - Mas eu citei outras funções. Citei o Regimento


Interno da Câmara dos Deputados, que elenca uma série de
outras funções, que não apenas o voto.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Referi-me,
Senhor Relator, às funções constitucionais mais expressivas dos
congressistas.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA
(RELATOR) - Sobretudo, os líderes.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O exercício
do voto, pelos membros do Congresso Nacional, talvez
represente o mais expressivo dos momentos em que se
desenvolve a prática do ofício parlamentar. Observe-se, no
entanto, que a atividade parlamentar não se exaure no ato de
votação, eis que, como Vossa Excelência bem ressaltou, os
congressistas dispõem de múltiplas atribuições, tanto
constitucionais quanto regimentais.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA
(RELATOR) – No mundo em que vivemos, a função, talvez,
mais eficaz, de qualquer Parlamento é a função fiscalizatória,
não a função de legislar.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) -
Ministro Gilmar, se me permite, ainda vou concluir, mas eu
tenho certeza que bate com o que vou dizer com o raciocínio de
Vossa Excelência.
Como se delinque tanto por ação quanto por omissão, no
caso dos autos, há um, esse tipo de cooptação pode levar - como
me parece que levou - talvez à mais danosa das omissões: é
quando um partido, por si e seus parlamentares, passa a,
sistematicamente, não fazer proposta nem oposição. Esse modo
sistemático de se omitir é uma modalidade tão radical quanto
danosa.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - E há funções
institucionais notórias, por exemplo, o Colégio de Líderes que
define a pauta, a agenda congressual, a agenda de cada uma
das Casas Legislativas, significa decide se algo que será
colocado na pauta ou, eventualmente, não será colocado. Quer

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 115 de 486 3527


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dizer, para isso, basta a aceitação ou a objeção. Veja é uma


decisão importante e nem é submetida ao Colégio dos
Parlamentares, mas ao Colégio de Líderes, juntamente com o
Presidente de cada uma das Casas.
Portanto, há uma série de atos outros que estão hoje
consagrados na prática constitucional, na prática regimental, na
prática congressual” (Inteiro Teor do Acórdão - Página 4445-47)

A Constituição Federal, em seu art. 49, X, dentre outras, confere ao


Congresso Nacional competência exclusiva para: “X - fiscalizar e controlar,
diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo,
incluídos os da administração indireta”.
Parece evidente, nessa perspectiva, que um parlamentar, em tese, ao
receber dinheiro em troca ou em razão de apoio político a um diretor de
empresa estatal está mercadejando uma de suas principais funções que é
o exercício da fiscalização da lisura dos atos do Poder Executivo,
incluídos os da administração indireta.
Percebe-se, desse modo, a importância superlativa dada pela Carta
Magna a essas funções parlamentares quando se verifica, para evitar
conflitos de interesses, que aos deputados e senadores é
constitucionalmente vedado, desde a expedição do diploma, “a) firmar ou
manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa
pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço
público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; e b) aceitar ou
exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam
demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior;” (art. 54, I,
letras “a” e “b”).
Além disso, a Constituição dotou o Congresso Nacional de poderes
próprios de autoridade judicial, quando instituídas comissões
parlamentares de inquérito, para apuração de fatos determinados, com
encaminhamento de suas conclusões para o Ministério Público para
responsabilização civil e criminal de infratores (art. 58, § 3º).
Dessa feita, a percepção de vantagens indevidas, oriundas de
desvios perpetrados no âmbito de entidades da administração indireta, a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 116 de 486 3528


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partir de sustentação política a detentores de poder de gestão nessas


entidades, implica evidente ato omissivo no que diz respeito ao exercício
dessas funções parlamentares.
Por todos esses fundamentos, como anotei, inclusive, em julgamento
anterior, afirmo ser plenamente viável a configuração do crime de
corrupção passiva, previsto no caput do art. 317 e parágrafos do Código
Penal, quando a vantagem indevida é solicitada, recebida ou aceita pelo
agente público, em troca da manifestação da força política que este detém
para a condução ou sustentação de determinado agente em cargo que
demanda tal apoio.
À luz de tal premissa, e examinando o caso vertente, tem-se que o
conjunto probatório produzido no decorrer da instrução criminal
demonstra que, na distribuição de cargos decorrente da coalizão formada
pelo Governo Federal, a Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A era
destinada ao Partido Progressista (PP), a quem competia a indicação do
nome que ocuparia o aludido cargo.
Esclarecedoras, nessa direção, são as declarações prestadas em juízo
pelo colaborador Paulo Roberto Costa:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Esta ação penal aqui, ela trata de
toda aquela questão envolvendo a sua nomeação, a sua
manutenção no cargo, o que era obtido em troca disso. Então, é
um processo que trata de forma bem ampla. Tanto que envolve
alguns depoimentos que você prestou na sua colaboração.
Então, eu queria - começando, perguntando de uma forma
geral, para que o senhor colocasse aqui, para ficar, mesmo que o
senhor já tenha prestado diversos depoimentos sobre isso, esse
processo aqui, agora, seu depoimento está sendo submetido ao
contraditório em relação especificamente ao Deputado Nelson
Meurer e a seus filhos, mais toda aquela sistemática - então, eu
queria que o senhor começasse narrando, então, como é que foi
a sua ascensão ao cargo de Diretor de abastecimento da
Petrobras, o período que ficou, como que foi a questão da
indicação política, manutenção?

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 117 de 486 3529


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COLABORADOR - Eu entrei na Petrobras por concurso


público, em 1977. Trabalhei por vinte e sete anos na Petrobras,
tive vários cargos importantes, fui Gerente da Bacia de Campos,
que era área mais importante de produção da Petrobras, sem
nunca precisar de nenhum apoio político, por capacitação pura
e minha em termos de trabalho. Mas, para chegar à diretoria da
Petrobras, e sempre foi assim até quando eu saí da Petrobras,
sempre foi assim, todos, sem exceção, diretores e o presidente
da Petrobras, por indicações políticas. Todos, não tem exceção.
E eu fui procurado, na época, pelo PP com essa possibilidade
de ser indicado para diretor. E eu tinha um sonho, eu tinha
capacitação técnica para ser diretor. E o PP me indicou, através,
na época, do Deputado José Janene. Tive primeira reunião com
ele e com o Pedro Corrêa. E eu fui indicado, então, pelo Partido.
Isso foi para Brasília - né? -, tinha que ter sempre o aval não só
nessa época, mas nos governos anteriores, sempre, porque, pela
importância da Petrobras, importância dos cargos da Petrobras,
a última palavra sempre era do Presidente da República. Então,
isso foi lá desde Sarney, de Collor, que eu lembro, e de Itamar
Franco, e de Fernando Henrique, e de Lula, e de Dilma, sempre
foi assim. E o PP, então, me indicou. Teve o aval do Presidente
da República. E, após isso, aí tinha que ser aprovado também
no Conselho de Administração da Petrobras. E eu fui aprovado
e assumi, então, o cargo lá, em maio de 2004 e fiquei até abril de
2012. Saí, por aposentadoria, da Companhia” (fls. 2.770-2.771 -
destaquei).

No mesmo sentido, colhe-se o seguinte excerto do depoimento


prestado em juízo pelo colaborador Alberto Youssef:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
O Paulo Roberto Costa foi Diretor de Abastecimento da
Petrobras. Ele foi uma indicação do José Janene, do Partido
Progressista, como é que foi isso aí?
COLABORADOR - A indicação do Paulo Roberto Costa se

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deu através do Partido Progressista. No caso, na época, o Pedro


Corrêa era Presidente, salvo engano, o Pedro Henry era o líder,
e o José Janene era o operador e era o cara que coordenava o
Partido na época” (fls. 2.816-2.817).

Nesse cenário, tem-se por incontroversa que a ascensão de Paulo


Roberto Costa à Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A deu-se por
indicação do Partido Progressista, em razão do papel exercido pela
agremiação partidária no governo de coalizão instituído, conforme afirma
o próprio denunciado Nelson Meurer no seu interrogatório judicial:

“(...)
JUIZ - O senhor tinha conhecimento de que o Paulo
Roberto Costa era um diretor da Petrobras que havia sido
indicado e tinha sustentação política por parte do partido ao
qual o senhor é filiado e em relação ao qual o senhor foi líder,
ou não?
RÉU - Todos os deputados do Partido Progressista tinham
conhecimento que, sim, que tinha sido indicado, pelo Partido
Progressista, pro Paulo Roberto Costa assumir a diretoria da
Petrobras.
(...)
JUIZ - O senhor nunca ouviu, assim, nem nos corredores
da Câmara dos Deputados, a razão pela qual o Partido
Progressista, enfim, dava sustentação política a um
determinado diretor?
RÉU - Não, eu acho que não é só os parlamentares, sabe?,
mas todo cidadão brasileiro sabe coma funciona o Governo.
Para ter o apoio no Congresso Nacional, o Governo traz
também a responsabilidade dos partidos que o apoiam no
governo para assumir alguns cargos importantes do Governo,
para ajudar administrar o país e fazer uma grande
administração.
JUIZ - Compreendi. Então esse teria sido então o ânimo do
Partido Progressista...
RÉU - Não só do Partido Progressista, mas de todos os

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partidos que compõem a Câmara e o Senado.


JUIZ - Compreendo.
RÉU - Ou você é oposição ou é da base do governo para
apoiar o governo e ajudar o governo a fazer uma grande
administração. E, portanto, ele tem que ter a responsabilidade
também de fazer parte do governo e ajudar a concretizar aquele
objetivo do Presidente realizar uma grande administração” (fls.
2.850-2.852),

No âmbito do Partido Progressista (PP), o denunciado Nelson


Meurer, ao contrário do que quer fazer crer a defesa, exercia suas funções
com protagonismo, ao lado de outras lideranças, na condução das
questões partidárias, principalmente após o falecimento de José Janene,
ocorrido no ano de 2010.
Tal afirmação, é necessário frisar, pode ser extraída das declarações
de Roberto Bertholdo, testemunha arrolada inclusive pela defesa, nas
quais afirma que, enquanto vivo, José Janene considerava o acusado
Nelson Meurer do denominado “baixo clero” [sic] do partido, grupo no
qual se encontravam os Deputados Pedro Corrêa e Pedro Henry. Confira-
se:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Doutora, eu tenho sim.
Doutor Roberto, o senhor está dando uma contribuição
bem valiosa, aqui, à Justiça no esclarecimento dos fatos. Eu
gostaria que o senhor nos esclarecesse como era que o Alberto
Youssef, ele operacionalizava esses recursos? Como é que
funcionava esse esquema de desvio de recurso que o senhor
está aqui nos relatando?
TESTEMUNHA - O dia a dia, a operação em si, eu não
tinha conhecimento. Eu tinha conhecimento pelo que o José
Janene me contava. Eu sei que todo o recurso produzido pelo
seja o oficial ou não oficial, porque, salvo engano, havia das
duas origens, de doação e de... O Zé Janene, vamos dizer assim,
deixava o manejo desse recurso por conta do Alberto Youssef.

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AP 996 / DF

Como ele fazia, eu não sei. Eu não sei dizer, porque eu mesmo
não tinha relação com o Alberto Youssef. Eu sabia das histórias
do Alberto Youssef pelo que o José Janene me contava. O Janene
não era um cara de muitos segredos não. Ele, pelo contrário,
ele, de certo modo, ele se vangloriava de ter a posição que tinha,
ele não... Ele, realmente, ele desmerecia as figuras de deputados
menos, menos favorecidos ou de baixo clero, como ele
chamava. No caso, o Meurer, ele tratava dessa maneira. Talvez
até... Ele não tinha... O deus do José Janene era o dinheiro, tá?
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Junto com o Deputado
Federal José Janene, a gente pode dizer que tinha também uma
participação relevante, na liderança dessa parte de tesouraria
do Partido, o Deputado Pedro Corrêa e o Deputado Pedro
Henry? O Deputado Janene falava deles também?
TESTEMUNHA - Não, eu acho que... Volto a dizer, se eu
pudesse listar, a gente teria, o José Janene era... Se a gente
pudesse classificar, dentro de um organograma, ele seria o
presidente; eu acho que o Pedro Corrêa estaria abaixo dessa
função, seria um nível intermediário - mas não falo em
arrecadação, não sei.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Perfeito.
TESTEMUNHA - Mas, no domínio, seria ele e, depois,
viria todo esse resto, o restante, que seriam aqueles deputados
da onde o Deputado Meurer se encontra” (fls. 2.680-2.681 –
destaquei).

Ao menos após a morte de José Janene, o mencionado grupo de


deputados - do qual Nelson Meurer fazia parte -, que até então
compunham o “baixo clero” [sic] do Partido Progressista (PP), passou a
comandar a agremiação partidária, tanto que, consoante as declarações
desse mesmo denunciado, foi ele indicado como líder da bancada na
Câmara dos Deputados no ano de 2011 (fl. 2.849), ocupação, sem sombra
de dúvida, relevante no contexto político.
Tal protagonismo é descrito de forma uníssona pelos colaboradores
Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef em seus respectivos depoimentos

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 121 de 486 3533


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prestados em juízo:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Correto. O senhor coloca
também que o Deputado Nelson Meurer era bastante próximo
do Janene.
COLABORADOR - Era. Pelo que eu percebia, era. Talvez,
por ser do mesmo Estado, os dois eram do Paraná.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E era um dos políticos desse
grupo principal de comando do PP?
COLABORADOR - (Ininteligível), pelo menos nas
reuniões, ele tava sempre presente e mostrava ser um cara
influente.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Nesse grupo de comando,
Negromonte, Pizzolatti, Janene, Pedro Corrêa, Nelson Meurer,
dá para se dizer que ele seria um grupo de comando?
COLABORADOR - Sim, sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Pelo menos na sua percepção?
COLABORADOR - Pelo menos, na minha percepção. É
isso. Estavam sempre reunidos, juntos, lá, nesses eventos” (fl.
2.776).

“COLABORADOR - Depois que o Senhor Janene adoeceu,


e, aí, quem passou a comandar o partido foi o Nelson, o
Pizzolatti, o Mário Negromonte e o Pedro Corrêa. Aí, eu passei
a obedecer às ordens deles. E, aí, esses valores aumentaram
nesse sentido. Eu mandava recursos, sim, pra que eles
distribuíssem para o partido, mas, além disso, os quatro tinham
uma retirada maior do que se arrecadava.
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E essas entregas em Brasília, o senhor falou no
apartamento funcional de Janene e Pizzolatti, o senhor chegou a
participar de reuniões nesses locais? Nessas reuniões, havia a
presença de Nelson Meurer, havia a entrega de dinheiro, como
é que é?

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 122 de 486 3534


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COLABORADOR - É, eu chegava com os valores lá. Às


vezes, almoçava lá; às vezes, jantava; às vezes, dormia por lá,
quando chegava muito tarde, e, consequentemente, o Nelson
vinha pro jantar ou pro almoço, e a gente conversava sobre os
assuntos todos.
(…)
JUIZ - Tá.
Nessas entregas em Brasília, que o senhor disse que o
senhor fez pessoalmente, agora vamos falar atos pessoais do
senhor Alberto.
COLABORADOR - Claro!
JUIZ - O senhor teria como estimar quantas entregas em
dinheiro o senhor levou, e estava presente, naquele local, o
Senhor Nelson Meurer? Se foi uma, se foram dez ou mais de
dez?
COLABORADOR - Não necessariamente na hora que eu
cheguei, mas, sim, pra depois, pro almoço, pro jantar, pra gente
conversar? Todas as vezes que eu fui.
(…)
JUIZ - Sobre essa divisão, quando o senhor entregava em
Brasília, então, eram várias pessoas que recebiam? Havia mais
de um deputado geralmente lá? É isso? Daquele núcleo que o
senhor relatou.
COLABORADOR - Sim,vou explicar pra Vossa Excelência.
Os quatro, depois que o Senhor José morreu, é que ficaram
coordenando essa questão de valores. Então, eles tinham uma
participação maior no recebimento. Mas, os valores que iam
para Brasília eram repassados a outros deputados.
JUIZ - Mas os quatro que o senhor fala são: o Deputado
Pizzolatti, o Deputado Meurer, o Deputado...
COLABORADOR - Mário Negromonte.
JUIZ - Mário Negromonte...
COLABORADOR - E o Pizzolatti.
JUIZ - Não, já falei. Pizzolati, Meurer, Negromonte....
COLABORADOR - Pizzolatti, Nelson Meurer,
Negromonte e Pedro Corrêa.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 123 de 486 3535


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JUIZ - Pedro Corrêa. Tá.


É isto que eu gostaria de saber: quando o senhor chegava
lá, ou quando o seu emissário chegava lá, os quatro estavam
reunidos geralmente?
COLABORADOR - Não necessariamente. Às vezes, por
exemplo, o Nelson Meurer normalmente tava na Liderança.
Então, ele não tava lá, mas vinha pro almoço ou vinha pro
jantar...” (fls. 2.820-2.833).

A presença do acusado Nelson Meurer em momentos agudos da


relação espúria travada entre o Partido Progressista (PP) e Alberto
Youssef também revela a proeminência do seu papel na condução dos
assuntos partidários, não sendo crível que qualquer membro da
agremiação, senão os integrantes de sua cúpula, fosse testemunha de
entrega de quantias em espécie ou participasse de reuniões acerca de
assuntos relacionados à Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.
Desse modo, sendo certo que a indicação para a condução da
aludida diretoria competia ao Partido Progressista (PP), que o fazia a
partir de seus líderes, nos quais se inclui o acusado Nelson Meurer,
constato a viabilidade, no caso concreto, da sustentação política envidada
em favor de Paulo Roberto Costa caracterizar ato de ofício inerente às
funções parlamentares e partidárias exercidas pelo referido denunciado.
Como dito anteriormente, não se trata simplesmente de criminalizar
a atividade político-partidária usualmente praticada no país, mas de
responsabilizar, nos termos da legislação de regência, os atos que
transbordam os limites do exercício legítimo da representação popular, o
qual pressupõe o engajamento do mandatário às fileiras de algum dos
inúmeros partidos políticos atualmente em funcionamento no país.
Destaco que o Poder Constituinte Originário instituiu como condição
de elegibilidade de candidato a mandato eletivo a prévia filiação a
partido político, conforme preceitua o art. 14, § 3º, V, da Constituição
Federal. Essa filiação deve ser observada, em regra, no decorrer de todo o
exercício do mandato eletivo para o qual o candidato sagrou-se vencedor,
conforme se infere da redação do art. 22-A da Lei 9.096/1995, que

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 124 de 486 3536


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preceitua:

“Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo


que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito”.

A norma em destaque é fruto de consolidado posicionamento desta


Suprema Corte sobre o tema, no qual se assentou que o exercício do
mandato eletivo pressupõe a manutenção da filiação partidária, como
forma de garantir a representatividade conquistada pelo partido político
que viabilizou a candidatura do eleito. A propósito:

“CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE


SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO.
PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA
CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE
SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO
RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE
MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA
ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE
NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA
MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA
PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E
COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MARCO TEMPORAL A
PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER
OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E
EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.
DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À
CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA. (...) 2. A
permanência do parlamentar no partido político pelo qual se
elegeu é imprescindível para a manutenção da
representatividade partidária do próprio mandato. Daí a
alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a
fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo
eletivo. 3. O instituto da fidelidade partidária, vinculando o

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 125 de 486 3537


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candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da


resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em
27 de março de 2007. 4. O abandono de legenda enseja a
extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações
específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou
perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a
caso pelo Tribunal Superior Eleitoral. 5. Os parlamentares
litisconsortes passivos no presente mandado de segurança
mudaram de partido antes da resposta do Tribunal Superior
Eleitoral. Ordem denegada” (MS 26.602, Rel.: Min. EROS
GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 4.10.2007).

Nesse cenário, concluo que o mandato eletivo, sobretudo dos cargos


nos quais o pleito é disciplinado pelo sistema proporcional, é exercido de
forma concomitante e indissociável à atividade partidária, tendo em vista
a sua imprescindibilidade no âmbito da democracia representativa
instituída na República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º,
parágrafo único, da Constituição Federal.
Tratando-se, portanto, de meio necessário à investidura dos
representantes do povo nos mandatos eletivos, os partidos políticos, além
de agrupar parcela dos atores sociais que compartilham dos mesmos
ideais, têm responsabilidade pela observância aos fundamentos e
objetivos da República, insculpidos nos arts. 1º e 4º da Carta Magna, os
quais repelem qualquer atuação do Estado que se afaste do interesse
público. Da doutrina, colhe-se a seguinte definição de partido político:

“(...)
Compreende-se por partido político a entidade formada
pela livre associação de pessoas, com organização estável, cujas
finalidades são alcançar e/ou manter de maneira legítima o
poder político-estatal e assegurar, no interesse do regime
democrático de direito, a autenticidade do sistema
representativo, o regular funcionamento do governo e das
instituições políticas, bem como a implementação dos direitos
humanos fundamentais” (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral.

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13ª ed. São Paulo : Atlas, 2017. p. 108)


Assentada, volto a insistir, a indissociabilidade do exercício do
mandato eletivo com as correspectivas atividades político-partidárias,
ressalto que, para a escorreita subsunção ao crime de corrupção passiva, a
sustentação política à indicação ou manutenção de agentes em
determinados cargos públicos deve ser eivada pela solicitação,
recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida, a partir de
quando a atuação do mandatário entra em conflito com os valores
insculpidos na Constituição Federal, em razão do distanciamento do
interesse exclusivamente público que deve nortear a sua atividade.
Dessarte, nada obstante os argumentos defensivos declinados por
ocasião das alegações finais, o conjunto probatório amealhado no seio do
contraditório estabelecido em juízo revela que o caso em análise retrata,
ao menos em parte dos fatos denunciados, a atuação desviada do
Deputado Federal Nelson Meurer no exercício da sua atividade
parlamentar e partidária, conforme passo a fundamentar de forma
individualizada de acordo com as imputações delimitadas na denúncia
pela Procuradoria-Geral da República.

2.1.1. Participação de Nelson Meurer na corrupção praticada por


Paulo Roberto Costa no âmbito da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A.

Como se depreende do item 4.1 da denúncia (fls. 894-910), a


Procuradoria-Geral da República atribui ao denunciado Nelson Meurer a
participação em 161 (cento e sessenta e um) atos de corrupção passiva
praticados por Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A, consubstanciados na celebração do mesmo número de
contratos superfaturados com empreiteiras cartelizadas, a partir dos
quais eram gerados os recursos que guarneciam o caixa de propinas do
Partido Progressista.
Nessa ambiência, a participação do denunciado Nelson Meurer
consistiria na sustentação política de Paulo Roberto Costa no cargo de
Diretor de Abastecimento da sociedade de economia mista, dando-lhe

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 127 de 486 3539


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condições de viabilizar a atuação do cartel formado pelas maiores


empreiteiras em atuação no país e, por conseguinte, obter vantagens
indevidas em decorrência dos contratos celebrados.
Em razão da inexistência de descrição da prática de atos materiais de
execução do delito de corrupção passiva por parte do denunciado Nelson
Meurer neste específico segmento da acusação, a sua responsabilização é
invocada em razão da norma de extensão prevista no art. 29 do Código
Penal, que preceitua:

“Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime


incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.”

Todavia, em respeito ao postulado da responsabilização criminal


subjetiva que vige no ordenamento jurídico pátrio, corolário do Direito
Penal do fato, a perfeita subsunção da conduta atribuída ao acusado não
se faz sem a análise do aspecto volitivo na ação ou omissão que lhe é
atribuída, extraível das circunstâncias fáticas retratadas no conjunto
probatório produzido na instrução criminal.
Nos casos em que se atribui determinada prática delitiva em
concurso de pessoas, é imprescindível que se verifique, ainda, a existência
de vínculo subjetivo na conduta dos agentes consorciados, bem como a
relevância causal da atuação de cada um destes na violação do bem
jurídico tutelado pela norma penal, sob pena de não incidência da
referida norma de extensão, diante da impossibilidade de
responsabilização penal objetiva. Nesse sentido:

“AÇÃO PENAL. CRIME DE PREVARICAÇÃO (ART. 319


DO CP) E DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO (ART. 1º
DO DECRETO-LEI Nº 201/67). AUSÊNCIA DE PROVAS.
IMPROCEDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. (...) 2. A
acusação ministerial pública carece de elementos mínimos
necessários para a condenação do parlamentar pelo crime de
responsabilidade. Os depoimentos judicialmente colhidos não

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 128 de 486 3540


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evidenciaram ordem pessoal do Prefeito de não-autuação dos


veículos oficiais do Município de Santa Cruz do Sul/RS. A mera
subordinação hierárquica dos secretários municipais não pode
significar a automática responsabilização criminal do Prefeito.
Noutros termos: não se pode presumir a responsabilidade
criminal do Prefeito, simplesmente com apoio na indicação de
terceiros -- por um "ouvir dizer" das testemunhas --; sabido que
o nosso sistema jurídico penal não admite a culpa por
presunção. 3. O crime do inciso XIV do art. 1º do Decreto-Lei nº
201/67 é delito de mão própria. Logo, somente é passível de
cometimento pelo Prefeito mesmo (unipessoalmente, portanto)
ou, quando muito, em coautoria com ele. Ausência de
comprovação do vínculo subjetivo, ou psicológico, entre o
Prefeito e a Secretária de Transportes para a caracterização do
concurso de pessoas, de que trata o artigo 29 do Código Penal.
4. Improcedência da ação penal. Absolvição dos réus por falta
de provas, nos termos do inciso VII do artigo 386 do Código de
Processo Penal” (AP 447, Rel.: Min. CARLOS BRITTO, Tribunal
Pleno, julgado em 18.2.2009).

Feitas essas considerações, repiso que, por força da norma de


extensão prevista no art. 29 do Código Penal, a Procuradoria-Geral da
República atribui ao acusado Nelson Meurer a prática, na qualidade de
partícipe, de 161 (cento e sessenta e um) atos de corrupção passiva,
consubstanciados em todos os contratos celebrados no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A no período de 2006, quando
teve início um ciclo de grandes obras relacionadas à aludida diretoria, a
março de 2014, momento em que a atividade espúria foi encerrada com a
prisão de Alberto Youssef.
Embora o denunciado Nelson Meurer tenha efetivamente se
beneficiado de forma direta da sustentação política envidada em favor de
Paulo Roberto Costa, como se verá adiante, constato que o conjunto
probatório produzido nos autos é insuficiente para confirmar a sua
adesão subjetiva à forma espúria como eram celebrados todos os
contratos pela Petrobras S/A com as empreiteiras cartelizadas no âmbito

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 129 de 486 3541


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da Diretoria de Abastecimento.
Com efeito, os colaboradores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef
afirmam que os valores obtidos de forma ilícita pelo primeiro e
destinados ao Partido Progressista eram gerenciados por José Mohamed
Janene, até o seu falecimento no ano de 2010, momento em que tal função
passou a ser exercida pelo segundo colaborador, sob orientação do grupo
que ascendeu à liderança da agremiação partidária, formado, dentre
outros, pelo denunciado Nelson Meurer.
Nesse sentido, transcrevo o seguinte trecho do depoimento prestado
em juízo por Paulo Roberto Costa:

“MINISTÉRIO PÚBLICO - E, aí, como é que foi a sua


indicação e como é que começaram a questão de pagamento de
propina, de encaminhamento de recurso para agente político?
Como é (ininteligível)?
COLABORADOR - É, a primeira conversa que eu tive lá
com o Janene e Pedro Corrêa, eles me pediram pra ajudar a
empresas que eles tinham interesse que participassem das
licitações. E eu falei que, para qualquer empresa participar de
qualquer licitação na Petrobras, primeiro ponto, tinha que ser
empresa cadastrada. Se a empresa foi cadastrada e ela tivesse
competência, ela teria condições de participar. E que eu não
poderia agir em relação à comissão de licitação, porque era um,
vamos dizer, a comissão era isolada, era autônoma em relação a
esse assunto, mas, se a empresa fosse cadastrada, participar da
licitação é algo que poderia ser feito.
No início, lá em 2004, 2005, 2006, a minha área não tinha
projetos nem tinha recursos orçamentários. Então, por exemplo,
o sistema de cartel, que eu comentei que ocorreu na Petrobras,
na minha área, em outras áreas já tinha isso antes - eu já
declarei isso várias vezes -, na minha área só começou a ter
grandes projetos e grandes obras a partir do final de 2006, início
de 2007. E aí, então, eu fiquei até sabendo desse (ininteligível)
eu fiquei sabendo do processo de cartelização, que já ocorria na
Petrobras, em outras áreas, na minha não ocorria porque não

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nem projeto nem orçamento. E aí, através desse processo de


cartelização, havia um percentual significativo que era pago à
área política.
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Como é que era a participação
do Alberto Youssef em todo esse esquema?
COLABORADOR - Inicialmente, quem fazia esses
contatos todos com as empresas, estava sempre a frente dos
processos todos, eram o Deputado José Janene. O Alberto
Youssef, quando ele teve um papel mais de destaque, quando o
Janene adoeceu e ele veio a falecer em 2010. Então, até o Janene
adoecer e não ter esse, quando não tinha esse problema de
saúde, ele que, pessoalmente, ficava a frente dos processos,
depois o Alberto Youssef assumiu essa função.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E ele que fazia a distribuição
dos recursos pra os agente políticos do PP?
COLABORADOR - É. Eu nunca recebi nada diretamente
de nenhuma empresa e nunca paguei nada pra nenhum
político, sempre era feito através do José Janene, e depois do
Alberto Youssef, e depois outros operadores que tiveram no
processo. Mas os contatos, os contatos com os políticos, em
termos de liberação de recursos ilícitos, sempre era feito ou pelo
Janene ou pelo Alberto Youssef, em relação ao PP.” (fls. 2.771-
2.775)

No mesmo norte são as declarações de Alberto Youssef:

“COLABORADOR - Ok.
Bom, eu era muito amigo do Deputado José Janene e, ao
mesmo tempo de ser amigo e compadre, eu cuidava das
operações dele na questão de valores. Num primeiro momento,
o próprio Deputado se organizava, e eu só retirava os valores
que estavam com ele. Passou, um pouco, o tempo, e, aí, ele
passou que eu pudesse ir nas empresas e retirar os valores dos
negócios que eles faziam com as empresas. Consequentemente,
como eu que movimentava os valores, a pedido dele eu passei a

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levar recursos para entregar para o Paulo Roberto Costa e levar


recursos para Brasília para que fosse entregue aos Deputados
do partido.
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E qual foi o interesse do Deputado José Janene e do
Partido Progressista em indicar e conseguir a nomeação de
Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da
Petrobras?
COLABORADOR - Na verdade, para obter recursos para a
campanha do Partido.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E esses eram obtidos como?
COLABORADOR - Eram obtidos com os empresários que
prestavam serviço para a Petrobras.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quem era que cobrava esses
valores dos empresários?
COLABORADOR - No primeiro momento, o Senhor José
e, depois, eu passei a cobrar.
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E esses sessenta por cento aí pra o Janene eram entregues
só pra ele ou tinha mais alguém a quem o senhor destinava
esses valores aí?
COLABORADOR - Quando o Senhor José era vivo, ele é
que determinava esses assuntos. Então, ele pedia o dinheiro em
Brasília, enquanto ele era deputado, até 2006, e eu levava na
casa dele, e ele dava o destino dos valores. Algumas vezes, ele
pediu que eu levasse o dinheiro pro Nelson Meurer, pro
Pizzolatti, pro Pedro Correia, nas suas residências.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Esse Negromonte também?
COLABORADOR - E o Mário Negromonte também.
Para as outras pessoas do partido, quando ele era vivo, ele
é que direcionava esses valores.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Detalha aí como é que teriam ocorrido essas entregas a
Nelson Meurer, que é o acusado na presente ação penal.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 132 de 486 3544


AP 996 / DF

COLABORADOR - Bom, quando o Senhor José era vivo...


Inclusive, o valor acho que era até um pouco menos - bem
menos, né - do que depois que ele faleceu, que eu vim a
participar mais efetivamente, cuidar dos valores. Ele mandava
em torno de R$ 130 a 150 mil por mês. Eventualmente, na época
de campanha, um pouco mais. E, algumas vezes, eu levei,
entreguei esses valores, ou em Brasília mesmo, pro Nelson
Meurer, ou pedi que o Carlos Habib entregasse através do
posto; e, nas outras vezes, eu mandei pra Curitiba, onde ele se
hospedava, no Hotel Curitiba, enquanto o Senhor José Janene
era vivo.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. E depois que...
COLABORADOR - Depois que o Senhor Janene adoeceu,
e, aí, quem passou a comandar o partido foi o Nelson, o
Pizzolatti, o Mário Negromonte e o Pedro Corrêa. Aí, eu passei
a obedecer às ordens deles. E, aí, esses valores aumentaram
nesse sentido. Eu mandava recursos, sim, pra que eles
distribuíssem para o partido, mas, além disso, os quatro tinham
uma retirada maior do que se arrecadava.” (fls. 2.816-2.820)

Do relato dos colaboradores é possível inferir que, na gênese do


estratagema de apropriação de recursos da sociedade de economia mista
ora denunciado, o Partido Progressista (PP) teve seus interesses geridos
por José Mohamad Janene que, por sua vez, procedia à distribuição de
recursos entre os demais integrantes da agremiação partidária, os quais,
até então, eram meros beneficiários das quantias arrecadadas junto às
empresas cartelizadas.
Por ocasião do seu falecimento no ano de 2010, quando tal função foi
diluída entre os demais líderes, todo o sistema de cartelização das
empreiteiras, superfaturamento de contratos e pagamento de propina ao
Partido Progressista (PP) já se encontrava em pleno funcionamento, não
havendo prova nos autos que indique a adesão subjetiva, especificamente
por parte do denunciado Nelson Meuer, à conduta de Paulo Roberto
Costa na obtenção das vantagens indevidas, mormente na extensão
pretendida pela Procuradoria-Geral da República na incoativa.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 133 de 486 3545


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Em outras palavras, não há nos autos comprovação de que o


denunciado Nelson Meurer, como integrante do grupo de líderes do
Partido Progressista (PP) após o falecimento de José Mohamad Janene,
tenha direcionado instruções a Paulo Roberto Costa ou a Alberto Youssef
no sentido de como proceder ao desvio de recursos da sociedade de
economia mista, mormente porque não existiu, segundo os autos, solução
de continuidade na prática delituosa por parte dos colaboradores mesmo
por ocasião da troca de comando da referida agremiação partidária.
Enfatizo que a denúncia atribui a Nelson Meurer a participação na
geração de vantagens indevidas em todos os contratos celebrados pelas
empreiteiras cartelizadas no período em que Paulo Roberto Costa esteve à
frente da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, presumindo,
assim, que teve participação efetiva na viabilização de tal estratagema.
Entretanto, embora seja certo que tenha se beneficiado diretamente
das vantagens indevidas direcionadas ao Partido Progressista, como se
verá no tópico apropriado, e ainda que seja provável a sua ciência do
estratagema deflagrado para tal desiderato, o conjunto probatório
produzido nos autos não se revela suficiente para o estabelecimento do
indispensável vínculo subjetivo apto a justificar a sua responsabilização
na qualidade de partícipe de Paulo Roberto Costa em todos os contratos
celebrados de forma espúria em detrimento da Petrobras S/A,
circunstância que impede a incidência da norma de extensão prevista no
art. 29 do Código Penal.
Ressalto que tal conclusão não contrasta com a já afirmada
viabilidade da sustentação política envidada para a manutenção de Paulo
Roberto Costa no cargo de Diretor de Abastecimento da Petrobras S/A
configurar, no âmbito das funções parlamentares e partidárias, o ato de
ofício que compõe o tipo penal de corrupção passiva, ao menos em
relação aos fatos em que o Ministério Público Federal imputa ao
denunciado Nelson Meurer a efetiva percepção de vantagens indevidas,
conforme passo a analisar.

2.1.2. Recebimento periódico e ordinário de vantagens indevidas

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 134 de 486 3546


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no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.

Diverso e robusto é o quadro probatório no tocante à imputação


relacionada aos recebimentos ordinários e periódicos de vantagens
indevidas, por parte do acusado Nelson Meurer, contando, em algumas
oportunidades, com o auxílio de seus filhos e também denunciados
Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer. Essas vantagens, aliás,
eram oriundas do caixa de propinas do Partido Progressista (PP), o qual
se abastecia por meio das empreiteiras cartelizadas que celebravam
contratos com a Petrobras S/A, no âmbito da Diretoria de Abastecimento.
Com efeito, sobre a destinação ao Partido Progressista (PP) de
parcela do percentual de sobrepreço nos contratos celebrados pela
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, esclarecedoras são as
declarações de Paulo Roberto Costa:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - E, aí, como é que foi a sua
indicação e como é que começaram a questão de pagamento de
propina, de encaminhamento de recurso para agente político?
Como é (ininteligível)?
COLABORADOR - É, a primeira conversa que eu tive lá
com o Janene e Pedro Corrêa, eles me pediram pra ajudar a
empresas que eles tinham interesse que participassem das
licitações. E eu falei que, para qualquer empresa participar de
qualquer licitação na Petrobras, primeiro ponto, tinha que ser
empresa cadastrada. Se a empresa foi cadastrada e ela tivesse
competência, ela teria condições de participar. E que eu não
poderia agir em relação à comissão de licitação, porque era um,
vamos dizer, a comissão era isolada, era autônoma em relação a
esse assunto, mas, se a empresa fosse cadastrada, participar da
licitação é algo que poderia ser feito.
No início, lá em 2004, 2005, 2006, a minha área não tinha
projetos nem tinha recursos orçamentários. Então, por exemplo,
o sistema de cartel, que eu comentei que ocorreu na Petrobras,
na minha área, em outras áreas já tinha isso antes - eu já

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 135 de 486 3547


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declarei isso várias vezes -, na minha área só começou a ter


grandes projetos e grandes obras a partir do final de 2006, início
de 2007. E aí, então, eu fiquei até sabendo desse (ininteligível)
eu fiquei sabendo do processo de cartelização, que já ocorria na
Petrobras, em outras áreas, na minha não ocorria porque não
nem projeto nem orçamento. E aí, através desse processo de
cartelização, havia um percentual significativo que era pago à
área política.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Hum, hum! Como é que
funcionava? No percentual de cada contrato que as empresas
firmavam na sua área?
COLABORADOR - É. Das empresas do cartel.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Hum, hum!
COLABORADOR - Petrobras tem... tinha dezenas,
centenas de empresas que prestavam serviço. Mas, nessas obras
grandes, normalmente era em torno de 15 empresas. E essas
empresas então do cartel pagavam valores, na época, para,
inicialmente para, que eu tinha conhecimento, o PT e o PP.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E como é que era o percentual
de divisão?
COLABORADOR - Os orçamentos eram feitos pela
Petrobras, de cada obra dessa. E há um equívoco muito grande
aí, de várias áreas, que até hoje não conseguiram entender como
é que isso funcionava. Como o projeto que a Petrobras punha
pra licitação não era um projeto executivo, um projeto
concluído, a Petrobras sempre contratava só com o projeto
básico, e isso a indústria de petróleo fazia assim, não era algo só
da Petrobras, se olhar, o mundo inteiro fazia assim, porque os
projetos, pra você concluir um projeto de grande porte, seja de
uma plataforma, seja de uma refinaria, você demora cinco, seis
anos pra ter o projeto completo, e, na área de petróleo, qualquer
ano que se avança mais rápido você se ganha muito dinheiro,
ou pode perder muito dinheiro, mas normalmente ganha muito
dinheiro. Então, as empresas a nível mundial contratavam,
faziam os contratos de prestação de serviço não com o projeto
todo concluído, e assim a Petrobras também fazia. Tanto que,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 136 de 486 3548


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internamente, a Petrobras aceitava, em relação ao seu


orçamento básico, uma variação de menos 20 a mais 15 - fiquei
no (inaudível) menos 15 ou 20 -, nessa faixa de 15 a 20% de
valor menor por orçamento e valor maior por orçamento; acho
que era menos 20 e mais 15, por ainda ter muitas dúvidas em
relação ao projeto. Então, nessa faixa de variação de preço era
aceita, e as empresas então trabalhavam nessa faixa de preço, a
Petrobras também. O orçamento básico da Petrobras era feito
com dados de mercado, então as mesmas fontes que a Petrobras
fazia o orçamento básico, as empresas faziam. Então, quanto é
que custa a tonelada de aço, quanto é que custa o metro cúbico
de concreto, quanto é que custa um equipamento etc, as fontes
sempre são as mesmas, você não tem muita variação. Agora,
existia, vamos dizer, um percentual de referência, que era algo
como 3%, muitas vezes, e a grande parte das vezes foi menor
que 3%, mas a referência era 3% - estou falando da área de
abastecimento, não das outras áreas da Petrobras -, e
normalmente esse 3%, quando era 3%, 2% era para o PT.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Esse 3% de sobrepreço?
COLABORADOR - De sobrepreço. Vamos dizer que a
empresa lá fez um orçamento e chegou à conclusão de 10%
além do orçamento da Petrobras, como a Petrobras aceitava até
15, 20% além do orçamento, tava dentro do range que a
Petrobras aceitava; muitas vezes era 3%, mas a maior parte das
vezes não era 3%.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E, como elas eram cartelizadas,
elas conseguiram fechar isso nesse preço que elas queriam?
COLABORADOR - Isso, elas se combinavam entre elas, as
empresas se combinavam entre elas: ‘olha, essa ganhadora
agora vai ser a empresa X’. Então, ela vai dar, por exemplo, 10%
acima do orçamento.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ela já sabia que ela podia botar
um percentual acima, porque não teria outra abaixo.
COLABORADOR - Isso, isso. Agora, eu nunca soube, lá
dentro da Petrobras, que as empresas sabiam do orçamento da
Petrobras a priori; eu nunca soube disso, acho que não ocorria.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 137 de 486 3549


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Mas, como eu falei, as fontes de referência eram as mesmas, não


tem fonte de referência diferente. Então, vamos dizer, imagina
que eles chegaram à conclusão que dava 10%, tá, então, em vez
de 10, eu vou colocar aqui 11, 12, 13, pra ter esse sobrepreço.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
COLABORADOR - E aí há uma confusão muito grande,
inclusive do próprio TCU, que não consegue entender isso,
infelizmente, e está gerando distorções gigantes em termos de
valores, valores que colocam na mídia que não existiram. Mas
não sou eu que tenho que comprovar isso. Então, na hipótese,
na hipótese de ser 3%.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quando era 3%.
COLABORADOR - Na hipótese de 3%, normalmente 2%
era para o PT e 1% era para o PP.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E aí essa divisão do PP, esse 1%
que é o PP, como é que funcionava?
COLABORADOR - É. Essa divisão dentro do PP era 60%
pra classe política, 20% pra os operadores lá, despesa, notas
fiscais, contratos fictícios etc, e 20% restante eu ficava com...,
acho que 60% desse 20%. Está, nos meus termos, indicações, os
números hoje também já não tenho lembrança de todos, que já
não me lembro de todos, mas, se não me engano, ficava com
60% dos 20%.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Dos 20%.
COLABORADOR - 60 a 80%, nessa faixa, acho que era
80% dos 20%.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tá. E me diz uma coisa, Paulo.
Se você não aceitasse continuar com isso, destinando, fazendo,
participando dessa situação e possibilitando essa destinação de
recurso pros agentes políticos, você conseguiria se manter no
cargo de Diretor de Abastecimento?
COLABORADOR - Não. Se eu não contribuísse com a
classe política, no dia seguinte, eles iam lá e me retiravam, de
imediato, não tinha..., ou você tá dentro do jogo, ou você tá fora
do jogo. E, eu, infelizmente, errei, entrei no jogo, me arrependo
profundamente disso, estou pagando muito caro por isso, mas

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 138 de 486 3550


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entrei no jogo. A culpa foi minha.


MINISTÉRIO PÚBLICO - Como é que era a participação
do Alberto Youssef em todo esse esquema?
COLABORADOR - Inicialmente, quem fazia esses
contatos todos com as empresas, estava sempre a frente dos
processos todos, eram o Deputado José Janene. O Alberto
Youssef, quando ele teve um papel mais de destaque, quando o
Janene adoeceu e ele veio a falecer em 2010. Então, até o Janene
adoecer e não ter esse, quando não tinha esse problema de
saúde, ele que, pessoalmente, ficava a frente dos processos,
depois o Alberto Youssef assumiu essa função.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E ele que fazia a distribuição
dos recursos pra os agente políticos do PP?
COLABORADOR - É. Eu nunca recebi nada diretamente
de nenhuma empresa e nunca paguei nada pra nenhum
político, sempre era feito através do José Janene, e depois do
Alberto Youssef, e depois outros operadores que tiveram no
processo. Mas os contatos, os contatos com os políticos, em
termos de liberação de recursos ilícitos, sempre era feito ou pelo
Janene ou pelo Alberto Youssef, em relação ao PP” (fls. 2.771-
2.775 - destaquei)

Em depoimento prestado em juízo, o colaborador Alberto Youssef,


responsável pela operacionalização das vantagens indevidas destinadas
aos políticos, inicialmente por indicação de José Janene e, posteriormente,
do grupo que ascendeu à liderança do Partido Progressista (PP), formado,
como já visto, pelo denunciado Nelson Meurer, dentre outros, afirma ter
feito pagamentos periódicos em favor deste referido parlamentar, aqui
denunciado. Infere-se a respeito os seguintes trechos:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E qual foi o interesse do Deputado José Janene e do
Partido Progressista em indicar e conseguir a nomeação de
Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da
Petrobras?

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 139 de 486 3551


AP 996 / DF

COLABORADOR - Na verdade, para obter recursos para a


campanha do Partido.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E esses eram obtidos como?
COLABORADOR - Eram obtidos com os empresários que
prestavam serviço para a Petrobras.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quem era que cobrava esses
valores dos empresários?
COLABORADOR - No primeiro momento, o Senhor José
e, depois, eu passei a cobrar.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E como é que ocorria o repasse desses valores dos
empresários para o senhor, para o Janene e para o Partido?
COLABORADOR - Algumas empresas pagavam lá fora,
algumas empresas necessitavam de contratos e emissão de
notas para que a gente pudesse obter o recebimento, e algumas
empresas pagavam um valor aqui no Brasil em dinheiro vivo.
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E, de posse do dinheiro, como é que o senhor fazia chegar
os valores ao Janene ou a quem quer que ele indicasse?
COLABORADOR - Bom, o Senhor José, quando precisava
de dinheiro em São Paulo, eu entregava para ele em São Paulo;
quando era em Londrina, eu levava para ele para Londrina;
quando era em Brasília, eu mandava em Brasília; quando era
em Curitiba, eu mandava para Curitiba; quando era em Recife,
eu mandava para Recife, e assim por diante.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E era o senhor que transportava
ou tinha funcionários que faziam essa função, ou alguém que
prestava esse serviço para o senhor?
COLABORADOR - Às vezes, eu; a maioria das vezes, ou o
Senhor Rafael Ângulo ou o Ceará, que prestava serviço para
mim, ou até o próprio Pieruccini chegou a fazer alguma entrega
também.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E, com relação aos destinatários aí, era só o José Janene, os
valores iam para alguém mais, a algum outro parlamentar a ele

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 140 de 486 3552


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vinculado? E explique aí como é que ocorria também a questão


da divisão desses valores. O senhor ficava com alguma parte?
Repassava tudo para ele? Qual era a parte que ia para Paulo
Roberto, etc.?
COLABORADOR - Não, normalmente, ele mandava trinta
por cento do recurso arrecadado - sempre foi assim - para o
Paulo Roberto. Os outros sessenta por cento ficavam para ele, e
ele direcionava quem receberia no Partido. E eu cobrava dez
por cento e dividia essa propina com o Genu.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E esses sessenta por cento aí pra o Janene eram entregues
só pra ele ou tinha mais alguém a quem o senhor destinava
esses valores aí?
COLABORADOR - Quando o Senhor José era vivo, ele é
que determinava esses assuntos. Então, ele pedia o dinheiro em
Brasília, enquanto ele era deputado, até 2006, e eu levava na
casa dele, e ele dava o destino dos valores. Algumas vezes, ele
pediu que eu levasse o dinheiro pro Nelson Meurer, pro
Pizzolatti, pro Pedro Correia, nas suas residências.
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Detalha aí como é que teriam ocorrido essas entregas a
Nelson Meurer, que é o acusado na presente ação penal.
COLABORADOR - Bom, quando o Senhor José era vivo...
Inclusive, o valor acho que era até um pouco menos - bem
menos, né - do que depois que ele faleceu, que eu vim a
participar mais efetivamente, cuidar dos valores. Ele mandava
em torno de R$ 130 a 150 mil por mês. Eventualmente, na época
de campanha, um pouco mais. E, algumas vezes, eu levei,
entreguei esses valores, ou em Brasília mesmo, pro Nelson
Meurer, ou pedi que o Carlos Habib entregasse através do
posto; e, nas outras vezes, eu mandei pra Curitiba, onde ele se
hospedava, no Hotel Curitiba, enquanto o Senhor José Janene
era vivo.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. E depois que...
COLABORADOR - Depois que o Senhor Janene adoeceu,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 141 de 486 3553


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e, aí, quem passou a comandar o partido foi o Nelson, o


Pizzolatti, o Mário Negromonte e o Pedro Corrêa. Aí, eu passei
a obedecer às ordens deles. E, aí, esses valores aumentaram
nesse sentido. Eu mandava recursos, sim, pra que eles
distribuíssem para o partido, mas, além disso, os quatro tinham
uma retirada maior do que se arrecadava.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Isso era de, mais ou menos,
quanto?
COLABORADOR - Variava do mês que a gente
arrecadava, mas era em torno de R$ 300/400 mil, mais ou
menos, no máximo, R$ 500/600. Época de campanha, não.
Época de campanha, na campanha de 2010, cada um desses
cinco, fora o que foi dado pra outras pessoas do partido, que, aí,
algumas foi oficialmente e algumas, não, que eu não sei; as que
foram oficial, que eu tratei já está detalhado. Mas cada um
recebeu na campanha, mais ou menos, de 2010, em torno de R$
5 milhões, R$ 5,5 milhões, que eu me lembro na época.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Esses repasses...
COLABORADOR - Em vários repasses, né? Não foi tudo
de uma vez.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Esses repasses periódicos aí ao
Nelson Meurer e ao grupo dele duraram até quando?
COLABORADOR - Duraram até quando o Paulo Roberto
Costa foi Diretor da Petrobras.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Paulo Roberto saiu por volta de
abril de 2012.
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor mencionou, agora
tratando especificamente sobre as formas de repasse, que
chegou a repassar valores para o Nelson Meurer por meio do
Mustatub, né? Eu queria que o senhor explicasse melhor como é
que se dava isso aí, como é que era sua relação com o Habib,
dono do posto, como é que vocês mantinham essa espécie de
troca de créditos, compensações?
COLABORADOR - O Carlos Habib, na verdade, ele fazia
esse negócio não por remuneração. O Carlos Habib, na verdade,

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ele precisava de dinheiro para comprar combustível e para


poder ter o produto pra vender no posto. E o que acontecia é
que eu mandava esse dinheiro pra ele, entendeu, e, quando eu
precisava dos valores, eu pedia que ele me repassasse, e ele me
repassava em reais, ou eu pedia para ele entregar no
apartamento funcional, na época do Pizzolatti, ou do que... Na
verdade, o apartamento que era do Senhor José ficou com pro
Pizzolatti, o funcional, o mesmo apartamento. Então, eu
mandava entregar, quando era o Senhor José que tava lá,
mandava entregar para o Senhor José; quando Pizzolatti tava lá,
mandava entregar pro Pizzolatti, ou o Pedro Corrêa, que ficava
lá para receber. E, algumas vezes, eu me lembro que eu mandei
entregar algumas coisas diretamente ao Nelson, e, salvo
engano, o Carlos Habib foi e entregou.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Só para entender melhor: o
senhor comprava o combustível que ele necessitava ou o senhor
transferia o crédito?
COLABORADOR - Não, eu não comprava nada. Eu
simplesmente falava: ‘Eu vou precisar de um milhão na semana
que vem em Brasília, ou dez dias antes’. Aí, ele falava: ‘Ah,
então, eu vou te mandar aí umas duplicatas pra você pagar
essas duplicatas pra mim, e depois você retira os valores aqui;
ou vou te passar uma conta de uma distribuidora, você
transfere pra distribuidora e depois você retira aqui’. Era assim
que eu fazia.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E a disponibilização dos valores
correspondentes em Brasília, era o próprio Habib que se
encarregava de entregar ao destinatário? O senhor falou pra
entregar no apartamento funcional do Janene, ou do Pizzolatti,
ou entregar pro Meurer. Era alguém do Habib que levava o
dinheiro ou alguém do destinatário vinha buscar no posto?
COLABORADOR - Eu não sei se ele combinava de alguém
ir buscar. Eu não me lembro de alguém ter ido buscar lá. Eu sei
que eu me lembro que o dinheiro chegava ao destino. Algumas
vezes, eu ia a Brasília, retirava e entregava também, ou, às
vezes, o Rafael passava também. Às vezes, o valor que tinha lá

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não era o total valor que tinha que ser repassado, então, eu
mandava de São Paulo, juntava com que tinha lá, e, então,
quando ia alguém de São Paulo para Brasília, retirava a parte
que tinha lá e o restante completava com que levou.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E essas entregas em Brasília, o senhor falou no
apartamento funcional de Janene e Pizzolatti, o senhor chegou a
participar de reuniões nesses locais? Nessas reuniões, havia a
presença de Nelson Meurer, havia a entrega de dinheiro, como
é que é?
COLABORADOR - É, eu chegava com os valores lá. Às
vezes, almoçava lá; às vezes, jantava; às vezes, dormia por lá,
quando chegava muito tarde, e, consequentemente, o Nelson
vinha pro jantar ou pro almoço, e a gente conversava sobre os
assuntos todos.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo, mas havia a distribuição
do dinheiro lá?
COLABORADOR - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Como é que ocorria a
distribuição?
COLABORADOR - Aí, eu não ficava prestando atenção.
Eles entrava lá para dentro do quarto e conversava e distribuía
os valores.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Em Brasília, o senhor falou que o Rafael também foi,
algumas vezes, entregar dinheiro. Havia mais algum outro
transportador além do senhor e do Rafael, que tenha ido a
Brasília para esse apartamento funcional?
COLABORADOR - O Ceará, eu acho que foi várias vezes
também.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E, em Curitiba, como é que eram as entregas de valores?
COLABORADOR - Em Curitiba, às vezes, eu pedia pro
Rafael levar, às vezes, eu mesmo levava, ou, muitas vezes, o
Ceará, uma ou duas vezes, três vezes, no máximo. Uma ou duas
vezes, eu pedi pro Pieruccini levar também, porque que ele

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estava em São Paulo, aproveitei que ele estava lá, acabei


pedindo para que ele entregasse. Isso ocorria mensalmente.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Pieruccini era quem? Explique
aí a situação dele.
COLABORADOR - Pieruccini era um amigo meu, eu fazia
alguns investimentos em parceria com ele na questão de
construção civil e que, muitas vezes, ele vinha em São Paulo
para conversar comigo, eu pedia esse favor a ele, e acabava
fazendo.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ele residia em Curitiba?
COLABORADOR - Residia em Curitiba.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Rafael era seu funcionário, né?
COLABORADOR - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E Ceará? Qual era a situação?
COLABORADOR - Prestação de serviço, cobrava pra fazer
o serviço.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Serviço de transporte do valor?
COLABORADOR - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E onde ocorriam essas entregas
ao Nelson Meurer em Curitiba?
COLABORADOR - Às vezes, ele encontrava no aeroporto,
no estacionamento do aeroporto, quando ele vinha de Brasília e
descia no Afonso Pena, e um funcionário meu encontrava ele no
aeroporto e entregava a ele. Ou, muitas vezes, ele se hospedava
no Hotel Curitiba, e a pessoa ia lá e entregava para ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor já entregou valores a
ele no Hotel Curitiba Palace?
COLABORADOR - Sim, eu pessoalmente já, sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor ou seus entregadores
chegavam a se hospedar no Hotel Curitiba Palace?
COLABORADOR - Não, senhor.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Só chegavam lá...
COLABORADOR - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Entregavam o dinheiro e
voltavam” (fls. 2.817-2.824 – destaquei)

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Como se extrai dessas declarações colacionadas, a partir da geração


ilícita de recursos na Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, o
denunciado Nelson Meurer foi, diretamente, beneficiado desde a época
em que o Partido Progressista (PP) era comandado por José Mohamed
Janene, recebendo entregas ordinárias de dinheiro em espécie, para as
quais o colaborador Alberto Youssef utilizava seus funcionários, bem
como os préstimos do proprietário do Posto da Torre, localizado nesta
Capital Federal.
Nesse sentido, corroborando todo o teor da narrativa acima
transcrita, confira-se excerto do depoimento prestado em juízo por Rafael
Ângulo Lopez:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Em relação a políticos do
Partido Progressista, especialmente vinculados a José Janene, o
senhor entregou o dinheiro para quem?
COLABORADOR - Eu comecei a conhecer o Senhor José
Janene, ele, na época, deputado, isso em 2006, por aí - ele
frequentava o escritório do Senhor Alberto, aqui em São Paulo -,
e nisso acabei conhecendo essas outras pessoas, que,
posteriormente, eu soube que eram políticos. Eles eram João
Pizzolatti, era o Nelson Meurer, Pedro Corrêa, Luiz Argolo,
André Vargas, alguns mais, que não me recordo agora no
momento, mas, normalmente, eram quase todos os políticos
que eram em torno do José Janene, do PP.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Esta ação penal trata
especificamente de Nelson Meurer. O senhor pode especificar
se o senhor fez entregas de dinheiro para ele, como, onde
ocorreram essas entregas?
COLABORADOR - Sim, eu fiz várias entregas para o
senhor, o Deputado José, desculpe, Nelson Meurer. Isso foi
entregue em escritório do Senhor Alberto; ele entregou também.
E eu pegava o dinheiro que ele pedia, entregava para o Senhor
Alberto, o Senhor Alberto entregava para o Nelson Meurer. Às
vezes, o Nelson Meurer ia no escritório, eu entregava dinheiro

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para ele, o Senhor Alberto pedia, no próprio escritório, em


mãos, a ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Esse escritório ficava em São
Paulo?
COLABORADOR - Em São Paulo, na Avenida São Gabriel.
E também levei dinheiro para ele para o Paraná, em Curitiba.
Eu levei várias vezes em hotel. Hum, o hotel, acho que era
Hotel Curitiba ou Palace Curitiba, lá no centro de hotel, perto
do Palácio Avenida. Entreguei dinheiro para ele pessoalmente,
entreguei dinheiro para os filhos dele, Nelson e um outro que
era mais novo, um pouco mais forte, não me recordo o nome
dele, mas eu entreguei, inclusive, no aeroporto de Curitiba. O
Senhor Nelson Meurer me aguardava no aeroporto, às vezes, na
maioria das vezes, com o filho. Ia até o carro dele, dávamos
uma volta em torno do local de via do veículo, pelo
estacionamento, entregava o dinheiro, colocava na pasta dele,
me deixava novamente e eu retornava para São Paulo. Essas
eram as formas que eu entregava, no carro dele, em hotel,
também, em Curitiba, um ou dois, um, além do Curitiba Palace,
para o Nelson Júnior.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Como é que o senhor
transportava o dinheiro e quanto o senhor transportava?
COLABORADOR - Eu transportava desde 50 mil até 150
mil, ou casos de 200 mil. Isso distribuído pelo corpo e em
alguma coisa, em alguma pasta, de bagagem de mão, nessas
condições.
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. O senhor falou que
entregou valores no aeroporto de Curitiba em um carro. Qual
era esse carro? O senhor lembra?
COLABORADOR - Era um carro prata, tipo aqueles carros
fechados, não era sedan, tipo Tucson, não lembro a marca, mas
era um tipo de peruazinha desse.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Prata?
COLABORADOR - Era prata. Outra vez, era um carro
preto. Mas não lembro marca, porque não reparava.

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MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. E, no Hotel Curitiba


Palace, como é que era o procedimento? Você chegava...
COLABORADOR - Eu chegava na recepção, me
anunciava, já sabia o apartamento porque, quando saía de São
Paulo, já era orientado, às vezes, pelo Senhor Alberto para
quem era e quem procurar e aonde. Outras vezes, quando eu
chegava em Curitiba, ou em outros locais, eu ligava para o
Senhor Alberto de telefone público e ele me informava para
quem era e aonde era.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Subia ao quarto do
Deputado?
COLABORADOR - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ou eles desciam lá embaixo?
COLABORADOR - Não, eu subia; ele mandava subir. Me
anunciava na recepção, entrava em contato - eles me conheciam
mais pelo apelido de velho -, então eu já me identificava por
velho e subia, já sabiam que era eu.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
COLABORADOR - Até porque eles confirmavam com o
Senhor Alberto antes.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Existia alguma outra pessoa
para quem o senhor entregava valores aqui em Curitiba? Ou,
quando o senhor vinha, era só para entregar para Meurer?
COLABORADOR - Eu vinha para Curitiba, normalmente,
mais para entregar para o Senhor Nelson Meurer ou um dos
filhos. Levei também em Brasília dinheiro no apartamento do
João Pizzolatti. Eles se reuniam lá, o José Janene, na ocasião,
Mário Negromonte, o Pedro Corrêa, o Nelson Meurer, todos
esses que eu já tinha citado. E eu levava um determinado valor
e entregava ou pra o José Janene, quando estava lá, ou então, às
vezes, para o Pizzolatti. E ele estava com mais algumas outras
pessoas, que eu não sei se eram motoristas ou assistentes.
Cheguei a entregar em Brasília também várias vezes.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Aí, lá em Brasília, o senhor subia
nesse apartamento?
COLABORADOR - Eu subia no apartamento. Já ligava de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 148 de 486 3560


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Brasília, quando eu chegava, para o Senhor Alberto. Ele


informava qual era o endereço, e eu ia. Era sempre no
apartamento que é operacional dele (ininteligível).
MINISTÉRIO PÚBLICO - E Nelson Meurer estava
presente nessas ocasiões em que o senhor foi a Brasília?
COLABORADOR - Algumas vezes, sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Com relação aos filhos dele - o
senhor falou Nelson Meurer Júnior -, ele recebeu valores no
hotel? No aeroporto? Era em Curitiba? Ele chegou a vir a São
Paulo ou estava em Brasília? Como é que era?
COLABORADOR - Normalmente, no hotel lá em Curitiba
e, no aeroporto, ele me apanhava. Às vezes, estava me
aguardando, e, no carro, eu entregava às vezes pra ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E ele estava acompanhado do
pai ou ele estava sozinho?
COLABORADOR - A maioria das vezes, vamos dizer de
"n", um exemplo, entre cinco vezes, quatro estava com o pai.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Ou...?
COLABORADOR - Outras vezes, no hotel, o Hotel
Curitiba ou o Palace Curitiba. Às vezes, a maioria das vezes, ele
estava só.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Estava só no hotel.
COLABORADOR - Sozinho, pelo menos quando me
recebeu e...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tá. O outro filho que o senhor
falou que era mais forte...
COLABORADOR - Sim, o mais novo, parece...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ele recebeu como os valores? No
hotel ou no...?
COLABORADOR - Também... No hotel. Mas pra ele eu
entreguei poucas vezes. Foram umas duas ou três vezes só.
(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Nos seus registros de
viagem pra Curitiba, algumas vezes o senhor volta pra São
Paulo no mesmo dia.
COLABORADOR - Sim.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 149 de 486 3561


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MINISTÉRIO PÚBLICO - (Ininteligível) o intervalo é


muito pequeno.
COLABORADOR - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Outras vezes, volta no dia
seguinte.
COLABORADOR - Hum, na parte da manhã.
MINISTÉRIO PÚBLICO - A finalidade da viagem era só
entregar o dinheiro?
COLABORADOR - Só entregar dinheiro. Houve ocasiões -
umas duas, pelo menos - que o filho dele, o Nelson Meurer, me
levava até hotéis, porque eu estava sem..., não ia de carro, pra
conseguir vaga pra dormir, pra voltar pra São Paulo no dia
seguinte.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor chegou a se hospedar
alguma vez no Curitiba Palace?
COLABORADOR - Não. Nesse aí nunca.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
COLABORADOR - Eu não gostava de ficar onde eles
estavam.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tá. No depoimento prestado nas
investigações, o senhor reconheceu as fotografias do Nelson
Meurer Júnior e do outro filho, Cristiano Augusto Meurer, estão
nas folhas 12 e 13 do apenso. Eu gostaria de mostrar pra o
senhor pra...
JUIZ - O senhor se recorda desse reconhecimento que o
senhor fez de fotos?
COLABORADOR - Eu reconheci muita gente por foto,
várias vezes, durante todo...
JUIZ - Pode mostrar, então. Doutor (ininteligível).
COLABORADOR - É ele sim. Tinha mais cabelo. Esse é o
mais novo.
JUIZ - Qual é a folha ali (ininteligível)?
MINISTÉRIO PÚBLICO - Doze e treze do apenso.
JUIZ - O mais novo é na folha...?
SENHORA - Treze.
JUIZ - Treze? Tá. Só pra ficar registrado.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 150 de 486 3562


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SENHORA - Só isso?
JUIZ - Só isso.
COLABORADOR - São esses dois.
JUIZ - Obrigado!
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Lá no escritório do Alberto
Youssef, além do senhor, havia algum outro funcionário,
alguma outra pessoa que fazia transporte de dinheiro?
COLABORADOR - Sim. Adarico Negromonte; ao mesmo
tempo, o de apelido Ceará, que era o Carlos Rocha; que eu saiba
também, às vezes, o Senhor Alberto pedia pro Carlos Habib
Chater, lá do posto de gasolina de Brasília, entregar para algum
deles no apartamento funcional, ou..., não sei se eles iam buscar,
ou o Carlos Chater entregava no apartamento, mas também era
usada esse meio.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E o Antônio Carlos Pieruccini?
COLABORADOR - O Antônio Carlos Pieruccini também.
De Curitiba, ele já chegou a pegar dinheiro que eu entreguei e
que o Senhor Alberto pediu para entregar para o Carlos
Pieruccini para entregar para alguém em Curitiba. E, algumas
vezes, eu soube que era para o Nelson Meurer ” (fls. 2.791-2.796
- destaquei).

Trago à colação, ainda, as declarações prestadas por Antônio Carlos


Brasil Fioravante Pieruccini, também acionado por Alberto Youssef para a
entrega de dinheiro em espécie ao denunciado Nelson Meurer:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Senhor Antônio, eu queria que o
senhor narrasse aqui como começou a sua relação com Alberto
Youssef até chegar às entregas que o senhor ao Deputado
Nelson Meurer. Então, começando, como começou a sua relação
com Alberto Youssef?
COLABORADOR - O Alberto Youssef eu conheci por volta
de 2002, numa... eu era advogada de uma massa falida e eu fui
fazer um recebimento da Copel, onde eu conheci o Alberto

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 151 de 486 3563


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Youssef. Desse recebimento, originou um processo no Estado


do Paraná, eu estou respondendo esse processo ainda. E, com o
Alberto Youssef, nós tivemos uma amizade que se prolongou,
mas nada... Se prolongou, primeiro, que nós tínhamos uma casa
de praia vizinhos; e a gente passou; nós passamos a, assim, pelo
menos na temporada, a conviver. E, passado um tempo, o
Alberto Youssef contatou comigo para eu atender um
laboratório aqui em Curitiba, que havia sido comprado pelo
Deputado Janene, José Janene, porque o Alberto era ligado ao
Deputado José Janene. E eu passei a trabalhar para o Janene,
passei a trabalhar para o Janene, eu ia sistematicamente a
Curitiba, quase que semanalmente, e foi quando o Alberto
Youssef me pediu um favor, para trazer um numerário para o
deputado Nelson Meurer. Na ocasião...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Isso foi quando, mais ou menos?
Em que ano?
COLABORADOR - Olha, isso foi quando o Deputado
Nelson Meurer era líder da bancada do PP. Isso foi em meados
de 2009. E isso se perdurou até ele deixar de ser o líder do PP,
então acho que foi em torno de 2011. E como eu ia
semanalmente a São Paulo, e sempre ele: ‘leva esse pacote, leva
esse pacote, esse dinheiro’. Às vezes, Alberto nem estava em
São Paulo, eu apanhava no escritório do Youssef com o Rafael
Angulo, que era o financeiro do Alberto Youssef. A priori, nas
primeiras remessas, nunca eu soube a quantia que era. Eu
nunca ganhei um real para fazer essas entregas. O único
dinheiro que eu ganhei, cada vez que eu trazia, o Deputado
Nelson Meurer me agraciava com mil reais, mas do Alberto
Youssef eu nunca ganhei, recebi nada por fazer esses favores,
porque, já que eu trabalhava para uma empresa que ele me
indicou, para o Janene, e eu ia lá também sempre, na maioria
das vezes, atrás de recursos para manter o funcionamento do
laboratório aqui. Então, isso se deu no período de um ano e
meio, dois anos. Eu, para o Deputado, era quase que
semanalmente, era quase que... Semanalmente não. No começo,
eram duas vezes por mês. Aí, quando o Deputado assumiu a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 152 de 486 3564


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liderança, aí foi um volume maior. E esse volume de dinheiro,


daí, praticamente, um grande período foi quase que
semanalmente. E, depois, o Deputado deixou de ser o líder do
PP. Deixou de ser o líder do PP, e eu acho que eu trouxe uma ou
duas entregas para ele. E, depois, as entregas cessaram. O
Deputado me ligava perguntando, ele tratava o Alberto Youssef
como ‘primo’: ‘O primo mandou alguma encomenda para
mim? Pô, mas o primo tá me sacaneando’. Eu dizia: ‘Olha,
Deputado, eu simplesmente sou o portador, eu não tenho nada
a ver, com não conheço....’
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor já conhecia o
Deputado Nelson Meurer antes?
COLABORADOR - Eu conhecia o Deputado Nelson
Meurer porque eu sou de Francisco Beltrão; eu vim de
Francisco Beltrão em 1962, para fazer um ginásio em Curitiba, e
não voltei mais. Mas eu conhecia ele de lá, conhecia ele. Ele era
amigo de família.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor tinha contato com ele?
COLABORADOR - Não, não tinha, não tinha contato com
ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. E quando o Alberto
Youssef pediu a primeira vez para o senhor, como é que foi? Ele
deu o telefone do Deputado para o senhor? Ele passou o seu
telefone para Deputado?
COLABORADOR - Ele deu o telefone para o Deputado.
Eu tenho até hoje o telefone, eu não estou com meu celular aqui.
Até hoje eu tenho o telefone do Deputado.
MINISTÉRIO PÚBLICO - É esse telefone que o senhor
disse no seu termo de colaboração?
JUIZ - É o telefone que o senhor usava a essa época?
COLABORADOR - Olha, eu não tenho certeza, mas
deveria ser outro número. Mas todas as minhas contas eu
entreguei em juízo, todas as minhas contas eu entreguei em
juízo.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E aí quem fez o primeiro
contato? O senhor recorda? Foi o senhor ligando para ele ou ele

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 153 de 486 3565


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ligando para o senhor?


COLABORADOR - Não, o primeiro contato foi o Alberto
Youssef, fez o Alberto Youssef. Daí o Alberto Youssef me deu o
telefone: ‘Olha, chegando em Curitiba, você liga nesse número,
converse com Deputado e viabilize a entrega, o local onde ele
vai te dar as coordenadas’. E assim foi feito por todas as outras
vezes.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E, aí, como é que era então? O
senhor buscava esse pacote no escritório do Alberto Youssef em
São Paulo, pegava esse pacote lá...?
COLABORADOR - Sim, inicialmente, o Alberto Youssef
tinha o escritório dele, inicialmente, era na Rua São Gabriel.
Então, eu apanhava esse dinheiro lá, sempre com o Rafael
Angulo. E depois que o Alberto mudou, acho que para a Paes
de Barro ali, ali, depois, eu apanhava nesse escritório onde eu
também buscava o dinheiro para abastecer o laboratório.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. E aí o senhor chegava
aqui em Curitiba, então, e ligava para Deputado?
COLABORADOR - Aí, é interessante, porque o Deputado,
ele vinha toda sexta-feira de Brasília e ele ficava me
aguardando, me aguardando para seguir para Francisco
Beltrão. Aí, basicamente, ele exercia um monitoramento: ‘Já saiu
de São Paulo?’; ‘Ainda não, Deputado, ainda não’. Porque às
vezes demorava, às vezes não era chegar lá e pegar. Às vezes eu
ficava... Já houve vezes de passar mais dia, ficar dois dias para
esperar encomenda dele, porque o Alberto Youssef não
arrumava dinheiro. Aí, o Deputado, ele fazia o monitoramento:
‘Onde você tá?’. E eu ‘Olha, eu estou saindo de São Paulo’;
‘Agora eu tô em Registro’; ‘Que horas você vai chegar?’. Isso era
normal.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E aí o senhor encontrava ele
onde, normalmente?
COLABORADOR - Normalmente, era no Hotel Curitiba.
O Hotel Curitiba é no centro de Curitiba, aqui na avenida... Eu
não lembro o nome... Ermelindo de Leão, se eu não me engano.
Ermelindo de Leão. E eu sempre encontrava ele ali. Houve uma

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ou duas vezes, eu encontrei o deputado no aeroporto. Então a


encomenda estava comigo e o deputado estava chegando de
avião. Aí eu ia até o aeroporto e fazia essa entrega.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ali no hotel, como é que o
senhor fazia? O senhor chegava ali, estacionava o carro?
COLABORADOR - Estacionava o carro em frente. O
Deputado, geralmente, ele estava no saguão do hotel.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Que horário que era isso, mais
ou menos?
COLABORADOR - Ah, era variado. Era variado, era
variado, a hora que eu chegasse. Quando eu chegava muito
tarde da noite, era pela manhã; mas geralmente não.
Geralmente, 10 horas da noite estava chegando de São Paulo e
eu já me desvencilhava da...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Aí, ele estava ali na recepção e o
senhor já entregava para ele ali?
COLABORADOR - Sempre. Às vezes, muita das vezes,
mesmo quando o Deputado estava acompanhado do filho dele,
muitas das vezes eu subia no aposento com filho dele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O filho dele aguardava o senhor
lá embaixo e o senhor subia?
COLABORADOR - Os dois estavam juntos, daí o
Deputado ficava ali embaixo e eu subia com o filho.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ah, o Deputado ficava e o
senhor subia com filho?
COLABORADOR - Ficava, mas quando o filho não
estava...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Qual era o filho?
COLABORADOR - Olha, eu... O nome... Eu sei que é um
que é advogado. Eu não sei se os dois são advogados. Inclusive,
estive no escritório deles em Francisco Beltrão, fiz uma entrega
para ele em Francisco Beltrão.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ah o senhor fez uma entrega
(ininteligível). Para o deputado, ou para o filho dele?
COLABORADOR - Para o filho.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quando que foi isso? Nesse

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mesmo período, foi nesse mesmo (ininteligível)?


COLABORADOR - É, nesse período. Nesse período, é. O
Deputado estava em Brasília, não pôde vir e ele pediu para
mim se eu podia, se faria essa gentileza, ir a Beltrão entregar
essa encomenda.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E aí o senhor foi a Francisco
Beltrão?
COLABORADOR - Fui, entreguei no escritório dele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Entregou para quem?
COLABORADOR - Para o filho.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor não recorda o nome?
COLABORADOR - Não, não. Eu não sei se é o Nelson
Meurer Júnior. Perdoe, eu não sei. Eu que ele é o advogado.
Agora, eu não sei o nome, não posso...
MINISTÉRIO PÚBLICO - E, aí, como é que foi? Onde é
que era o escritório dele lá em Francisco Beltrão? O senhor se
recorda?
COLABORADOR - Olha, descendo a Avenida Júlio de
Assis, que é a avenida principal de Francisco Beltrão, você desce
em direção ao rio, ele vai ficar à esquerda, numa rua paralela à
esquerda, no primeiro andar. Era um prédio com andar
sobreandar, térreo e sobreandar.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E o senhor chegou ali eu disse:
‘olha, eu vim fazer...’
COLABORADOR - Não, nós já nos conhecíamos por
telefone. Eu tinha o telefone dele, liguei: ‘Ó, tô chegando daqui
(ininteligível)’. Daí ele me deu o endereço, eu fui até ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor tinha o telefone do
filho também?
COLABORADOR - Também.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quem que tinha passado para o
senhor? O senhor recorda?
COLABORADOR - O telefone do filho? Eu não lembro
agora. Provavelmente, como eu fui atender um pedido do
Deputado, provavelmente acho que deve ter sido o Deputado.
Eu não lembro agora. Honestamente, eu não... Quem me passou

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esse... Eu não lembro.


(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor apresentou os seus
extratos de ligação telefônica, né?
COLABORADOR - Sim, apresentei todos eles.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tem vários contatos seus com
deputado. Todos eles eram para tratar de entrega, ou senhor
tratava de outro assunto com o Deputado?
COLABORADOR - Não, nunca tive outro assunto com
Deputado?
MINISTÉRIO PÚBLICO - Nunca teve?
COLABORADOR - Não.
MINISTÉRIO PÚBLICO - (ininteligível)
COLABORADOR - Não, nunca solicitei nenhum outro
favor e nunca...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Nunca falou com ele...
COLABORADOR - Não, não, sobre...
MINISTÉRIO PÚBLICO - ...sobre futebol, sobre qualquer
coisa, só sobre isso.
COLABORADOR - Não, não.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O outro filho do Deputado, o
Cristiano, o senhor não...
COLABORADOR - Não, eu só estive com...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Só com um filho.
COLABORADOR - Só com um filho.
JUIZ - Que é o advogado que o senhor não sabe
diferenciar o nome.
COLABORADOR - Isso, o que é advogado.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor lembra, mais ou
menos, quantas entregas o senhor fez?
COLABORADOR - Olha, eu... Precisar, precisar... Mas foi
em torno de... Olha, acho que umas trinta vezes, acho que é. Ou
mais um pouco, talvez. Eu nunca soube, nunca soube o quanto
vinha nos envelopes. O Rafael me entregava lacrado, entregava
lacrado. Nunca (ininteligível).
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor tem conhecimento de

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outras pessoas que faziam esse transporte de dinheiro pro


Deputado?
COLABORADOR - O Rafael.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ele comentou com o senhor que
fazia?
COLABORADOR - Sim, sim, sim. Aliás, até fui eu que
substituí ele, porque ele é que vinha, anterior.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ele vinha para Curitiba só para
isso?
COLABORADOR – Provavelmente.” (fls. 2.916-2.922 –
destaquei)

Não é difícil concluir, da simples leitura desses trechos extraídos dos


depoimentos prestados em juízo pelos colaboradores, que todos são
uníssonos, coesos e firmes em afirmar que o denunciado Nelson Meurer,
em algumas oportunidades com o auxílio de seus filhos aqui acusados
(Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer), recebeu,
periodicamente, vantagens indevidas que lhes eram disponibilizadas por
Paulo Roberto Costa, por intermédio do operador Alberto Youssef,
mediante a remessa e entrega de dinheiro em espécie.
Não se olvida, merece registro, que somente as declarações dos
colaboradores, de forma isolada, são inservíveis para fundamentar um
decreto condenatório, nos exatos termos do que preceitua o art. 4º, § 16,
da Lei n. 12.850/2013.

“Art. 4º (…)
§ 16 – Nenhuma sentença condenatória será proferida com
fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.

Todavia, os fatos aqui retratados, ao menos em parte, encontram


consistente suporte em outros elementos de prova produzidos sob o crivo
do contraditório, circunstância que atesta e reforça a veracidade dessas
declarações e, portanto, autoriza a sua utilização como fundamento à
resolução do mérito da causa penal em análise.
Com efeito, a partir do cruzamento de dados de companhias aéreas,

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como também dos encaminhados pelo Hotel Curitiba Palace, é possível


afirmar, sem qualquer margem de dúvida, que, ao menos em 6 (seis)
oportunidades, Rafael Ângulo Lopez esteve na cidade de Curitiba nos
exatos dias em que Nelson Meurer, Nelson Meurer Júnior ou Cristiano
Augusto Meurer também foram registrados como hóspedes no aludido
estabelecimento hoteleiro.
Essas mesmas cópias dos bilhetes aéreos corroboram, ademais, a
metodologia revelada por Rafael Ângulo Lopez, utilizada para a entrega
de dinheiro em espécie para Nelson Meurer, consistente em viagens de
ida e volta no mesmo dia entre as cidades de São Paulo e Curitiba,
especialmente próximo ao fim da semana, quando o parlamentar acusado
chegava ao seu Estado de origem.
Nesse sentido, as cópias dos bilhetes aéreos acostadas à fl. 55 do
apenso 1 demonstram que o colaborador Rafael Ângulo Lopez voou de
São Paulo para Curitiba às 6:53h do dia 29.2.2008, retornando à Capital
Paulista no mesmo dia às 10:30h; de acordo com a lista de registro de
hóspedes remetidas pelo Hotel Curitiba Palace, nessa data ali se
encontravam hospedados os denunciados Nelson Meurer e Nelson
Meurer Júnior, conforme se infere do arquivo “lista2008.pdf”, páginas 64
e 219, contido na mídia acostada à fl. 813 dos autos.
Calha destacar que, no ano bissexto de 2008, o dia 29 de fevereiro
correspondeu à sexta-feira, justamente o período da semana em que o
colaborador afirmou ser rotineira a entrega de quantias em espécie na
cidade de Curitiba.
Já à fl. 54 do apenso 1 foram reproduzidos não só os bilhetes aéreos,
mas também o documento de emissão das passagens, cuja análise revela
que o colaborador Rafael Ângulo Lopez viajou de São Paulo para Curitiba
às 8:46h do dia 11.4.2008 (sexta-feira), retornando para a Capital Paulista
no mesmo dia às 14:00h; nessa mesma data, consta registro de
hospedagem de Nelson Meurer Júnior no hotel Curitiba Palace, conforme
informação constante do arquivo “lista2008.pdf”, página 219, contido na
mídia acostada à fl. 813 dos autos.
Dignas de nota, nesse específico ponto, são as declarações do

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acusado Nelson Meurer Júnior por ocasião do seu interrogatório perante


a autoridade policial, no sentido de que jamais houvera se hospedado no
aludido estabelecimento. Confira-se:

“(...) QUE não se hospeda nem se hospedou e nem se


hospedava com frequência no Hotel Curitiba Palace, porém por
vezes já esteve com seu pai, às segundas-feiras, para um café da
manhã” (fl. 753).

Como visto, as diligências encetadas pela autoridade policial não


tiveram dificuldades em infirmar a declaração citada, sendo certo que,
por ocasião do seu interrogatório judicial, o acusado Nelson Meurer
Júnior, ciente da prova documental demonstrando a inveracidade de sua
narrativa, declinou resposta diversa ao mesmo questionamento,
esclarecendo que se hospedava no hotel desde a infância.
Retomando a análise dos elementos de corroboração, no dia 5.6.2008,
uma quinta-feira, a documentação reproduzida à fl. 53 do apenso 1 revela
que Rafael Ângulo Lopez fez o mesmo trajeto saindo de São Paulo às
13:16h, retornando da capital paranaense às 16:05h; no mesmo dia estava
hospedado Cristiano Augusto Meurer no Hotel Curitiba Palace, conforme
informação constante do arquivo “lista2008.pdf”, página 59, contido na
mídia acostada à fl. 813 dos autos.
Idênticos fatos são comprovados pelas cópias de bilhetes aéreos
constantes às fls. 50, 45 e 43 do apenso 1, que atestam viagens de Rafael
Ângulo Lopez nos trechos São Paulo - Curitiba - São Paulo nos dias
7.8.2008, 11.8.2009 e 23.12.2010, respectivamente. Em todas essas datas
foram encontrados registros de hospedagem do acusado Nelson Meurer
no Hotel Curitiba Palace, ressaltando-se que nas duas (2) últimas esteve
acompanhado do também denunciado Nelson Meurer Júnior, conforme
se extrai das informações contidas nos arquivos “lista2008.pdf”, página
218; “lista2009.pdf”, páginas 71 e 232; e “lista2010.pdf”, página 407.
Diante desse cenário, ao contrário do que afirmam as defesas
técnicas dos acusados, o conjunto probatório produzido no seio do
contraditório estabelecido em juízo é apto, insisto, a corroborar as

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afirmações feitas pelos colaboradores, no sentido de que entregas


ordinárias de dinheiro em espécie a Nelson Meuer ocorriam na cidade de
Curitiba, seja no Hotel Curitiba Palace, seja no estacionamento do
Aeroporto Internacional Afonso Pena.
Não fosse isso, somam-se a tais elementos de prova as informações
obtidas por meio do afastamento do sigilo bancário do acusado Nelson
Meurer, as quais revelam dezenas de depósitos fracionados em conta-
corrente de sua titularidade, muitos deles no mesmo dia e em valores
abaixo dos limites utilizados para a fiscalização por parte das autoridade
monetárias.
Aliás, a soma dessas quantias, frise-se, mostra-se flagrantemente
incompatível com as remunerações ordinariamente recebidas em razão
do exercício da atividade parlamentar e da aposentadoria a que faz jus o
denunciado Nelson Meurer.
Assinalo, por exemplo, conforme consigna relatório contido em
mídia encartada à fl. 3 do apenso 1, que no dia 3.9.2008 foram realizados 2
(dois) depósitos de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) na conta 2687216, mais
um depósito de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) na conta 278216, ambas da
agência 4884 do Banco do Brasil, cujo somatório perfaz a quantia de R$
15.000,00 (quinze mil reais), a qual, nos termos do art. 13, I, da Carta
Cicular n. 3.461/2009 do Banco Central, se depositada de forma conjunta,
estaria sujeita à informação ao COAF por parte da instituição financeira.
O mesmo modus operandi é verificado nos dias 28.8.2008, 10.10.2008,
3.5.2010, 8.7.2010, 15.7.2010, 18.8.2010, 10.9.2010 e 3.3.2011, nos quais
foram realizadas operações capazes de burlar as normas que viabilizam a
fiscalização pelas autoridades com atribuição para tal mister.
No que tange às afirmações de que as vantagens indevidas a Nelson
Meurer também foram pagas por intermédio do Posto da Torre,
localizado nesta Capital Federal, de propriedade de Carlos Habib Chater,
pessoa, relembro, com a qual Alberto Youssef mantinha uma espécie de
conta-corrente para disponibilização de recursos em espécie, igualmente
se encontra suporte em elementos de prova produzidos nos autos. Essa
relação, de início, é bem descrita na seguinte passagem do depoimento

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prestado em juízo pelo aludido colaborador, a qual volto a repisar:

“(…)
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor mencionou, agora
tratando especificamente sobre as formas de repasse, que
chegou a repassar valores para o Nelson Meurer por meio do
Mustatub, né? Eu queria que o senhor explicasse melhor como é
que se dava isso aí, como é que era sua relação com o Habib,
dono do posto, como é que vocês mantinham essa espécie de
troca de créditos, compensações?
COLABORADOR - O Carlos Habib, na verdade, ele fazia
esse negócio não por remuneração. O Carlos Habib, na verdade,
ele precisava de dinheiro para comprar combustível e para
poder ter o produto pra vender no posto. E o que acontecia é
que eu mandava esse dinheiro pra ele, entendeu, e, quando eu
precisava dos valores, eu pedia que ele me repassasse, e ele me
repassava em reais, ou eu pedia para ele entregar no
apartamento funcional, na época do Pizzolatti, ou do que... Na
verdade, o apartamento que era do Senhor José ficou com pro
Pizzolatti, o funcional, o mesmo apartamento. Então, eu
mandava entregar, quando era o Senhor José que tava lá,
mandava entregar para o Senhor José; quando Pizzolatti tava lá,
mandava entregar pro Pizzolatti, ou o Pedro Corrêa, que ficava
lá para receber. E, algumas vezes, eu me lembro que eu mandei
entregar algumas coisas diretamente ao Nelson, e, salvo
engano, o Carlos Habib foi e entregou.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Só para entender melhor: o
senhor comprava o combustível que ele necessitava ou o senhor
transferia o crédito?
COLABORADOR - Não, eu não comprava nada. Eu
simplesmente falava: "Eu vou precisar de um milhão na semana
que vem em Brasília, ou dez dias antes". Aí, ele falava: "Ah,
então, eu vou te mandar aí umas duplicatas pra você pagar
essas duplicatas pra mim, e depois você retira os valores aqui;
ou vou te passar uma conta de uma distribuidora, você
transfere pra distribuidora e depois você retira aqui". Era assim

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que eu fazia.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E a disponibilização dos valores
correspondentes em Brasília, era o próprio Habib que se
encarregava de entregar ao destinatário? O senhor falou pra
entregar no apartamento funcional do Janene, ou do Pizzolatti,
ou entregar pro Meurer. Era alguém do Habib que levava o
dinheiro ou alguém do destinatário vinha buscar no posto?
COLABORADOR - Eu não sei se ele combinava de alguém
ir buscar. Eu não me lembro de alguém ter ido buscar lá. Eu sei
que eu me lembro que o dinheiro chegava ao destino. Algumas
vezes, eu ia a Brasília, retirava e entregava também, ou, às
vezes, o Rafael passava também. Às vezes, o valor que tinha lá
não era o total valor que tinha que ser repassado, então, eu
mandava de São Paulo, juntava com que tinha lá, e, então,
quando ia alguém de São Paulo para Brasília, retirava a parte
que tinha lá e o restante completava com que levou.” (fls. 2.821-
2.823).

Para o controle dessas entradas e saídas de dinheiro, a administração


do Posto da Torre utilizava um sistema de contabilidade informatizado
denominado “SISMONEY”, cujo funcionamento é explicado pela
testemunha Ediel Viana da Silva:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Não, claro!
O senhor, durante o trabalho que o senhor teve no posto, o
senhor tomou conhecimento de um Sistema Money utilizado?
TESTEMUNHA - Sim, Sistema Money.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor poderia discorrer que
sistema é esse, como é que funcionava, quem alimentava?
TESTEMUNHA - O sistema tinha esse sistema do banco,
né, o sistema normal que você abria o..., o financeiro abria o
caixa, consultava banco e fazia as conciliações do banco com as
atividades dos pagamentos do posto, né? E ele lançava nesse
Money, que era o sistema do posto.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.

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Nesse sistema, o senhor tomou ciência de que se


denominava contas BB?
TESTEMUNHA - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E essas contas BB eram
destinadas a quê?
TESTEMUNHA - BB, ele utilizava no Alberto Youssef, que
mandava empréstimo pro posto.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Só para ficar claro, essa conta
recebia dinheiro do Alberto Youssef?
TESTEMUNHA - Recebia dinheiro do Alberto.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Pagava dinheiro pro Alberto
Youssef?
TESTEMUNHA - Não.
Essa conta, vinha dinheiro de empréstimo pro posto, e
posto devolvia através de pessoas que chegavam lá.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E qual a ligação do Alberto Youssef com essas contas e
com o Habib? Só porque ainda não está claro. É só para ficar
claro.
TESTEMUNHA - Ele sempre colocou que o Alberto era
amigo e socorria ele nas horas de dificuldade do posto. A gente
tinha um... (ininteligível) tem um capital de giro muito alto pra
poder tocar o posto, esse dinheiro não - como é que eu vou
explicar - não ficava no caixa do posto, né? O posto estava
sempre em dificuldade financeira.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Mas qual o contexto do Alberto, aí? Essas contas, esse
dinheiro dessas contas BBs, que tinham lá no Sismoney, no
Sistema Money, era dinheiro que o Alberto Youssef transferia
pra essa conta?
TESTEMUNHA - Pro Posto da Torre.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O Alberto Youssef transferia pro
Posto da Torre?
TESTEMUNHA - Isso, através de TED, através de
depósito.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Que, no Sistema Money, ficava

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vinculado a essas contas BBs?


TESTEMUNHA - Aí, quando chegava na conta, o André,
que é o financeiro, conciliava. Entrou 500 mil, 100 mil, 300 mil
na conta BB, o que foi feito com ele? Comprou combustível? Aí,
tinha a entrada e tinha a saída dele. E esse crédito dele, as
pessoas que ele mandava iam buscar o dinheiro ou levava. Mas,
pessoalmente, era difícil ele ir no posto buscar esse empréstimo
que ele enviava. Se ele esteve lá umas cinco ou seis vezes nesses
onze anos foi muito.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ele quem? Desculpe.
TESTEMUNHA - O Alberto Youssef.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O Alberto Youssef. Ele foi lá
algumas vezes nesse tempo, cinco ou seis vezes mais ou menos.
TESTEMUNHA - Que eu me lembre, assim, cinco ou seis
vezes. Poderia ter ido nas minhas férias ou mesmo na minha
ausência, mas não era uma coisa que era pertinente ao Posto da
Torre assim.” (fls. 2.737-2.739).

Percebe-se, dessas declarações, que Carlos Habib Chater escriturava


contabilmente as entradas e saídas de recursos obtidos junto a Alberto
Youssef a título de empréstimo, identificando a respectiva conta com as
siglas “bb”, enquanto a liquidação do mútuo dava-se mediante a
destinação de recursos oriundos do faturamento do Posto da Torre à
pessoas ou contas indicadas por Alberto Youssef.
Pois bem, o referido sistema de contabilidade foi apreendido pela
autoridade policial, no qual se encontram registradas operações
realizadas em favor de “Nelson”, nos dias 19.12.2008 e 22.12.2008, e de
“Nelson Meurer”, nos dias 4.1.2009 e 27.1.2009, conforme se infere da
cópia acostada às fls. 739-740.
Esses dados foram submetidos a exame pericial, oportunidade em
que foram confrontados com o resultado da quebra do sigilo bancário do
acusado Nelson Meurer, tendo os experts declinado as seguintes respostas
aos quesitos formulados:

“(...)

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IV – RESPOSTAS AOS QUESITOS


Quesito 1: Foram encontradas transações registradas
pelo Posto da Torre que fazem referência a Nelson Meurer, CPF
005.648.349-04?
16. Foram encontradas duas transações registradas pelo
Posto da Torre no arquivo ‘posto.mny’ que fazem referência ao
termo "nelson meurer", nos valores de R$ 42.000,00, em
04/01/2009, e R$ 10.000,00, em 27/01/2009, conforme
evidenciado na Figura 1 e na Tabela 1.
17. Essas transações foram registradas no Money99 na
conta contábil ‘bb-2’. Conforme Termo de Dec1arações de Ediel
Viana da Silva, lavrado em 08/10/2014, essa conta contábil era
utilizada para registrar negócios entre Cados Habib Chater,
proprietário do Posto da Torre, e Alberto Youssef.
Quesito 2: Em caso positivo, essas transações constam nos
dados bancários do CASO 002-PF-001743-04?
18. As transações apontadas na resposta ao Quesito 1 são
compatíveis com os depósitos realizados na conta bancária n°
2787210, agencia 4884, Banco do Brasil, titularidade de Nelson
Meurer (CPF 005.648.349-04), conforme evidenciado Tabelas 2 e
3 .” (fl. 749).

Convém ressaltar que, de acordo com os dados obtidos em


decorrência da quebra do sigilo bancário (mídia acostada à fl. 3 do apenso
1), somente no dia 5.1.2009 foram identificados 24 (vinte e quatro)
depósitos na conta n. 2787210, da agência 4884 do Banco do Brasil,
titularizada por Nelson Meurer, perfazendo a exata quantia de R$
42.000,00 (quarenta e dois mil reais), a mesma que consta ter sido
disponibilizada pelo Posto da Torre no dia imediatamente anterior,
4.1.2009.
Idêntica é a constatação alcançada em relação a 8 (oito) depósitos
realizados na mesma conta no dia 29.1.2009, os quais somam R$ 10.000,00
(dez mil reais), equivalentes à anotação constante do sistema de
contabilidade do Posto da Torre como quantia disponibilizada a Nelson
Meurer no dia 27.1.2009.

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Em seu interrogatório, o denunciado Nelson Meurer afirma que tais


quantias foram solicitadas a José Mohamed Janene, a título de
empréstimo, quitado nos meses ulteriores, motivo pelo qual desconhecia
a origem dos recursos, tampouco desconfiou da ilicitude da operação.
Entretanto, esse comum argumento defensivo sucumbe às
circunstâncias fáticas reveladas pelo conjunto probatório, mormente
quando o Posto da Torre, estabelecimento junto ao qual obteve a referida
quantia, era, como já demonstrado, utilizado por Alberto Youssef para
realizar pagamentos na Capital Federal, o qual, no contexto do Partido
Progressista (PP), confessadamente operava recursos ilícitos.
Mais uma vez é legítimo considerar que tais elementos de prova, aos
quais a defesa teve amplo acesso no decorrer da instrução criminal,
corroboram as afirmações feitas pelos colaboradores em seus
depoimentos prestados na fase inquisitorial e, importante registrar,
confirmados no seio do contraditório estabelecido em juízo, todos no
sentido de que o acusado Nelson Meurer recebeu vantagens indevidas
pagas por Alberto Youssef, fruto dos delitos de corrupção praticados por
Paulo Roberto Costa no âmbito da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A.
Conforme se infere das declarações prestadas em juízo, o
colaborador Antônio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini também afirma
ter feito frequentes entregas de dinheiro em espécie para Nelson Meurer e
Nelson Meurer Júnior na cidade de Curitiba, bem como em Francisco
Beltrão/PR, conforme destacado alhures.
Friso, a esse respeito, que, por ocasião de seu interrogatório, o
denunciado Nelson Meurer negou conhecer ou ter qualquer tipo de
relacionamento com o aludido entregador de Alberto Youssef.
Transcrevo, no ponto, o seguinte excerto de suas declarações:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Eu agradeço. Há uma referência
às pessoas de Adárico Negromonte e Antônio Carlos Pieruccini,
uma referência de que eles também realizaram entregas para o
senhor.

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AP 996 / DF

RÉU - Era o quê?


MINISTÉRIO PÚBLICO - Adárico Negromonte e Antônio
Carlos Pieruccini.
RÉU - Hã.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor conhece essas pessoas?
RÉU - Não conheço.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Não. Esse fato o senhor nega?
RÉU - Desculpa eu dizer, o Negromonte é irmão do Mário
Negromonte, que era funcionário do Youssef.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Sim, esse Adárico.
RÉU - É ele, Adárico (ininteligível). Foi ele que foi com o
Mário Negromonte e fomos almoçar junto.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Compreendo. E o Antônio
Carlos Pieruccini o senhor conhece?
RÉU - Não conheço.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Não? O senhor nega então que
essas pessoas tenham entregado dinheiro ao senhor?
RÉU - Hein?
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor nega que essas
pessoas, alguma vez, tenham entregado dinheiro ao senhor?
RÉU - Exatamente. Não só ele, como tudo o que tá aí,
escrito aí no processo” (fls. 2.877-2.878)

A par dessa peremptória negativa, a análise dos dados telefônicos


fornecidos por Antônio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini evidenciam
contatos frequentes entre o seu terminal e os telefones utilizados pelos os
denunciados Nelson Meurer e Nelson Meurer Júnior, circunstância que
infirma a declaração feita pelo primeiro em seu interrogatório e, por
óbvio, corrobora a versão dada pelo colaborador.
Com efeito, quando ouvidos perante a autoridade policial, os
acusados Nelson Meurer e Nelson Meurer Júnior declararam utilizar os
telefones (61) 9978-7371 e (46) 9975-2700, respectivamente (fls. 411 e 753).
Compulsando os extratos telefônicos cujas cópias encontram-se
encartadas às fls. 1.271-1.754, são constatadas dezenas de chamadas entre
os referidos ramais e o utilizado pelo colaborador Antônio Carlos Brasil

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Fioravante Pieruccini nos anos de 2010, 2011 e 2012.


Nesse sentido, à fl. 1.377 consta o registro de ligação de Nelson
Meurer para Antônio Carlos Pieruccini em 13.4.2010, com duração de 54
segundos; à fl. 1.394 é registrada uma ligação de Antônio Carlos
Pieruccini para Nelson Meurer no mês de agosto de 2010, com duração de
54 segundos; à fl. 1.402 consta o registro de ligação de Nelson Meurer
para Antônio Carlos Pieruccini no mês de outubro de 2010, com duração
de 1 minuto e 6 segundos; à fl. 1.406 constam registros de uma ligação de
Antônio Carlos Pieruccini para Nelson Meurer no mês de novembro de
2010, com duração de 1 minuto e 12 segundos, e outra para Nelson
Meurer Júnior, no mesmo mês, com duração de 30 segundos; à fl. 1.411
consta o registro de ligação de Nelson Meurer para Antônio Carlos
Pieruccini no dia 22.12.2010, com duração de 48 segundos.
No mês de fevereiro de 2011 é registrado um contato de Antônio
Carlos Pieruccini com Nelson Meurer Júnior com duração de 36
segundos, conforme informação contida à fl. 1.418, bem como uma
ligação de Nelson Meurer para o aludido colaborador no dia 17, com
duração também de 36 segundos, conforme se infere da cópia de fl. 1.419.
Há registros, ainda, de ligações entre os referidos ramais nos meses
de março (fl. 1.422), maio (fl. 1.429), junho (fl. 1.437), julho (fl. 1.441),
agosto (fl. 1.445 e 1.446), setembro (fl. 1.449), novembro (fl. 1.459) e
dezembro (fl. 1.465) do ano de 2011, bem como no mês de maio de 2010
(fl. 1.495).
Inegável que todo esse quadro é ilustrativo do modus operandi
utilizado por Antônio Carlos Pieruccini para a entrega de dinheiro em
espécie a Nelson Meurer, corroborando suas declarações prestadas em
juízo, especialmente as ligações registradas no dia 9.6.2011, constantes
das fls. 1.437 e 1.439.
É que, nesse dia, foram registradas duas (2) ligações de Nelson
Meurer às 14h56m20s e 15h26m28s, a partir da área 41 do roaming
nacional (cidade de Curitiba), para Antônio Carlos Pieruccini, que as
recebeu na área 11 do roaming nacional, sabidamente correspondente à
cidade de São Paulo. Às 16h58m20s é registrada uma ligação de Antônio

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Carlos para Nelson Meurer também a partir da área 11, ou seja, a cidade
de São Paulo. Por fim, às 22h43m28s, consta a ligação de Antônio Carlos
para Nelson Meurer já na área 41, que abrange a cidade de Curitiba.
Destaco, por derradeiro, que o episódio de entrega de quantias em
espécie a Nelson Meurer Júnior na cidade de Francisco Beltrão/PR, a
pedido de Nelson Meurer, também é corroborado pelos dados constantes
dos extratos telefônicos fornecidos por Antônio Carlos Brasil Fioravante
Peruccini.
Com efeito, como se extrai dos registros de fl. 1.459, no dia 7.11.2011
Antônio Carlos realizou chamada de longa distância com Nelson Meurer
às 12h04m24s, o qual se encontrava na área 61, sabidamente
correspondente à cidade de Brasília; no mesmo dia, às 15h33m45s,
também por chamada de longa distância, o aludido entregador contata o
ramal telefônico de Nelson Meurer Júnior, que se encontrava na área 46,
correspondente à região da cidade de Francisco Beltrão.
Concluo, portanto, que tais elementos de prova confortam a tese
acusatória exposta na exordial e afastam qualquer dúvida acerca do
efetivo recebimento de vantagens indevidas de forma ordinária e
periódica, ao menos em 30 (trinta) oportunidades, por parte do acusado
Nelson Meurer, consubstanciadas: (a) em 6 (seis) entregas realizadas por
Rafael Ângulo Lopez na cidade de Curitiba; (b) em 2 (duas) operações
efetivadas por meio do Posto da Torre; e (c), em 22 (vinte e duas) remessas
de dinheiro em espécie por intermédio de Antônio Carlos Brasil
Fioravante Pieruccini. Nessas, conforme também destaquei, o aludido
acusado foi auxiliado em 5 (cinco) oportunidades pelos codenunciados
Nelson Meurer Júnior - 4 (quatro) entregas em Curitiba e 1 (uma) em
Francisco Beltrão, e 1 (uma) vez por Cristiano Augusto Meurer, na cidade
de Curitiba.

2.1.3. Recebimento extraordinário de vantagens indevidas obtidas


no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.

A exordial acusatória atribui ao denunciado Nelson Meurer, como

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terceiro fato ilícito, o recebimento de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de


reais) de Paulo Roberto Costa, via Alberto Youssef, correspondente a
pagamento extraordinário de vantagem indevida a partir do caixa de
propinas da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, valores que
foram destinados à campanha para a Câmara dos Deputados nas eleições
do ano de 2010.
A referida quantia teria sido disponibilizada ao parlamentar
denunciado mediante entrega de valores em espécie, parte por
intermédio de emissários de Alberto Youssef, parte por meio de doação
eleitoral oficial.
Conforme se infere da denúncia, ditas entregas de dinheiro
ocorreram nas cidades de Curitiba e Brasília:

“(...)
A entrega de valores em espécie ocorreu de forma
parcelada, por meio de contatos entre entregadores de
ALBERTO YOUSSEF, principalmente CARLOS ALEXANDRE
DE SOUZA ROCHA, conhecido como ‘CEARÁ’, e o Deputado
Federal NELSON MEURER ou interpostas pessoas relacionadas
ao parlamentar, notadamente o seu filho NELSON MEURER
JÚNIOR e outros políticos do PARTIDO PROGRESSISTA. Os
repasses dos valores aconteceram em Curitiba, notadamente no
Hotel Curitiba Palace, onde NELSON MEURER se hospeda
frequentemente há vários anos, bem como em Brasília, no
apartamento funcional da liderança do PARTIDO
PROGRESSISTA” (fl. 947).

Ouvido em juízo, o emissário de Alberto Youssef, Carlos Alexandre


de Souza Rocha, também conhecido por “Ceará”, confirma ter feito as
entregas a Nelson Meurer nas aludidas cidades. Colhe-se do seu
depoimento:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. E, tratando já
especificamente aí do caso concreto, o senhor efetuou entregas

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de dinheiro a pedido de Alberto Youssef para Deputado Federal


Nelson Meurer?
TESTEMUNHA - Sim, senhor.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Como é que foram essas
entregas aí? Quando elas ocorreram? Onde ocorreram?
TESTEMUNHA - Olha, em 2010. E elas ocorreram num
hotelzinho pequeno, tinha uma praça na frente, de difícil
acesso, até estacionava meu carro antes, um hotel chamado
Hotel Curitiba. Acho que é isso aí. E eu me identificava na
recepção como o primo e falava o nome de uma pessoa, que eu
não sei se era o nome verdadeiro da pessoa que ia receber ou
não. Depois, eu fiquei sabendo que essa pessoa que recebia esse
dinheiro era filho do deputado.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Essas entregas o senhor fez lá
nesse hotel em Curitiba qual foi o ano?
TESTEMUNHA - 2010; foi o ano da campanha, assim, pré-
campanha, que tinha muito movimento de dinheiro, aí
realmente ele me usava pra complementar aquilo que os
empregados dele não podiam fazer, porque pra ele não era
interessante me usar, porque eu não era empregado dele. Ele
tinha que me pagar um percentual sobre aquilo que eu
carregava, entendeu?
MINISTÉRIO PÚBLICO - Saia mais caro...
TESTEMUNHA - Pra ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - ...se ele usasse seus serviços.
TESTEMUNHA - Claro, pra ele, sim, porque eu entregava
trezentos mil - entendeu? -, e ele me dava geralmente quatro
mil e quinhentos desse dinheiro. Ele dizia que cobrava à pessoa,
pra entregar o dinheiro, 3%.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Então, ele recorria ao
senhor quando ele não tinha mais disponibilidade de fazer a
entrega com o empregado dele?
TESTEMUNHA - Exatamente. Eu não era funcionário de
Alberto Youssef. Eu não tinha nenhum vínculo empregatício
com ele. Eu não recebia dinheiro dele mensal. Eu tinha, fazia
negócios esporádicos com o senhor Alberto Youssef.

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MINISTÉRIO PÚBLICO - E quantas vezes você fez essas


entregas em Curitiba?
TESTEMUNHA - Especificamente, especificamente ao
Deputado Nelson Meurer, eu fiz três vezes, que eu me recordo
bem.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Lá em Curitiba?
TESTEMUNHA - Lá em Curitiba. Mas eu fiz entregas no
apartamento em Brasília; tá certo? Essa eu fiz mais.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tá. Vamos, vamos tratar
primeiro das de Curitiba.
TESTEMUNHA - Tá bom.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Teriam sido três.
TESTEMUNHA - Doutor, pode ter sido três, pode ter sido
quatro, mas assim exatamente o número...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Em torno de três.
TESTEMUNHA - Em torno de três. Exatamente.
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Aí, como era o
procedimento? Chegava lá no hotel, se identificava...
TESTEMUNHA - Chegava no hotel, me identificava na
portaria. Ele mandava eu subir, entendeu? O rapaz abriu... Era
um hotel muito, como é que eu vou dizer pro senhor, assim, um
hotel duas estrelas - né? -, um hotel, entendeu? Até a primeira
vez que eu cheguei lá, fiquei assustado.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Hotel Curitiba, o senhor falou?
TESTEMUNHA - Hotel Curitiba, é.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Palace? Curitiba Palace?
TESTEMUNHA - Curitiba... É algum nome assim, é
algum nome assim. Mas eu reconheço o hotel, se eu voltar lá, ou
se me mostrarem foto. E eu batia na porta, entrava. Era uma
pessoa muito educada, entendeu? Eu tirava o dinheiro. Pedia
pra entrar no toilet, tirava o dinheiro, entregava pra ele, ele
contava as cabeças, entendeu, e eu ia embora.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Havia a conferência do dinheiro,
então?
TESTEMUNHA - Não, só das cabeças.

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MINISTÉRIO PÚBLICO - Só das cabeças?


TESTEMUNHA - Só das cabeças. Dinheiro, um por um,
não. Só as cabeças. Que eu... Eu fazia questão, toda entrega...
Geralmente, assim, de todas as entregas que eu fiz, ninguém, é,
queria que eu entregasse e fosse embora. Eu também queria ir
embora, mas eu fazia questão que contassem as cabeças pra -
né? - eu ficar tranquilo.
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tá! Num outro depoimento, ao
longo do inquérito, o senhor chegou a reconhecer, em
fotografia, o filho do Nelson Meurer, que seria o...
TESTEMUNHA - De primeiro, não - né? -, doutor; o
senhor mostrou um..., foi me mostrado um que eu não... Assim,
é muito difícil, para mim, de 2010 para 2015, quando fiz a
minha colaboração, entendeu, eu visualizei uma pessoa poucas
vezes, entendeu, me lembrar exatamente. Me mostraram uma
foto de uma pessoa mais forte e eu falei: "Olha, pode ser, mas
eu acho que não". Entendeu? Aí, no segundo que me
mostraram, esse eu reconheci.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. As fotos e o seu
depoimento estão aqui no apenso na ação penal. As fotos estão
às folhas seis e sete, são as fotos dos dois filhos dele que são
acusados. Vou mostrar pro senhor e o senhor diz se, neste
momento, reconhece como sendo destinatário do dinheiro.
TESTEMUNHA - Só uma foto que o senhor vai me
mostrar?
O SENHOR - Se o senhor quiser pode ficar em pé.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Folha 6, do apenso
(ininteligível).
TESTEMUNHA - Não, não era esse, era o de cima. Esse
não era, era o de cima.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Eram das folhas 6...
TESTEMUNHA - Exatamente.
MINISTÉRIO PÚBLICO - (Ininteligível) a foto do
passaporte. Nelson Meurer Júnior.
(...)

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MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.


Essas foram as entregas em Curitiba. O senhor disse que
fez entregas também em Brasília?
TESTEMUNHA - Sim, senhor.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Como é que eram as entregas
em Brasília?
TESTEMUNHA - O apartamento na 311/Sul, eu não me
lembro o bloco - entendeu? -, realmente não me lembro - ‘H’,
alguma coisa assim. Aí, nesses apartamento, aí, geralmente, aí,
nesses apartamento tava o - eu posso falar as pessoas que
estavam lá?
JUIZ - Sim, sim.
TESTEMUNHA - Nesse apartamento, sempre tava Pedro
Corrêa, Pizzolatti...; é...; o que foi ministro... É... Agora me foge
a memória.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Mário Negromonte?
TESTEMUNHA - Exatamente. Negromonte. E, por duas
vezes, muito discreto, não falava nada, porque sempre era
"Ceará" - né? -, conversavam de vinho - entendeu? -,
conversavam de outros assuntos, eles brincavam e tal, me
ofereciam água, me ofereciam café. Com essa pessoa específica,
única vez que ele se dirigiu pra mim, foi uma..., uma
oportunidade que Pedro Corrêa me apresentou a ele, aí, ele
falou assim: "Você é o famoso Ceará, você é o..."; alguma coisa
assim, ele fez um... Mas a única vez que eu ouvi a voz desse
homem.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Esse homem que o senhor está
falando é...
TESTEMUNHA - É o Nelson...
MINISTÉRIO PÚBLICO - Nelson Meurer.
TESTEMUNHA - Exatamente.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor encontrou ele lá, nesse
apartamento?
TESTEMUNHA - Nesse apartamento. E nunca entreguei
dinheiro a ele. Sempre entregava a Pedro Corrêa ou a Pizzolatti.
Acredito que a Mário Negromonte também acho que eu

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entreguei, mas a ele eu nunca entreguei.


MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Mas eles dividiam o
dinheiro lá?
TESTEMUNHA - Não sei como funcionava, doutor.
Sempre perguntavam: ‘E o resto, Ceará? E o resto?’. Eu digo:
‘Não sei de resto; eu não tenho resto’. Teve ocasiões, teve
ocasiões, em Brasília, de eu ir duas vezes, nesse mesmo
apartamento, entregar dinheiro.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Aí, como era... O senhor...
TESTEMUNHA - Agora, desses deputados - só para
complementar doutor, porque as vezes eu esqueço, desculpa
interromper o senhor -, não só tinha esses deputados não.
Tinham mais, entendeu? Mas os que eu conheço era, era: Pedro
Corrêa; Mário Negromonte; Pizzolatti; e, e Nelson Meurer, da
cabeça bem branquinha; e o, uma... Mas eu vi esse Nelson
Meurer lá uma ou duas vezes. Não era frequentual, de tá lá
toda hora, todo, toda vez que eu cheguei lá pra entregar
dinheiro não. E por uma vez ou duas vezes, também vi aquele
deputado novinho - ...é... -, Argôlo, Luiz Argôlo, nesse
apartamento.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Aí como é que era o
procedimento? O senhor levava o dinheiro em mala, ou
também era no corpo?
TESTEMUNHA - Sempre no corpo, doutor. Eu não
carregava dinheiro em mala, nem mochila.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Aí chegava lá...
TESTEMUNHA - Chegava lá, ia no banheiro, tirava o
dinheiro. Eles sempre me ofereciam café, aí vendia alguns
vinhos, vendia alguns vinhos pra eles. Sei lá, faziam alguns
negócios, relógio (ininteligível) - entendeu? -, conversava muito
- né? -, mas só vendia se o Beto dissesse que ia pagar.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. E deixava o dinheiro com
um deles, o senhor falou...
TESTEMUNHA - Com um deles, com um deles. Sempre
com o Pedro Corrêa, assim. Que eu me lembre, assim, Pedro
Corrêa, Pizzolatti, também, entendeu? Eles... Tinha um que

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pegava o dinheiro, que eu entregava o dinheiro e fazia questão


de contar essas cabeças.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Eles contavam?
TESTEMUNHA - As cabeças.
MINISTÉRIO PÚBLICO - A cabeça.
TESTEMUNHA - Trinta pacotes, entendeu?
MINISTÉRIO PÚBLICO - Se era dividido, ou não, o
senhor não (ininteligível)?
TESTEMUNHA - Como era dividido, eu não sei.
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - É... E o senhor morava onde,
nessa época aí?
TESTEMUNHA - Eu, quando, quando eu, quando eu fiz
esse serviço, eu morava numa cidade de Santa Catarina
chamada Balneário Camboriú.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Aí, pra fazer as entregas em
Curitiba, o senhor foi de avião, foi de carro?
TESTEMUNHA - Carro, carro. Porque, geralmente, eu
fazia o seguinte, eu trazia o dinheiro, o dólar, vendia o dólar em
Balneário Camboriú - entendeu? -; ou trazia real - tá certo? -; me
arrumava em casa - entendeu? -; e ia me embora entregar o
dinheiro em Curitiba, que era pertinho, 200Km” (fls. 2.744-
2.751).

Embora coerente com as descrições fáticas feitas por outros


colaboradores, como Alberto Youssef, por exemplo, a narrativa de Carlos
Alexandre de Souza Rocha não encontra respaldo em outro elemento de
prova produzido na instrução criminal, circunstância que encaminha, ao
menos à dúvida, impedindo o seu uso para a formação do juízo de mérito
da causa penal em apreço, nos termos do art. 4º, § 16, da Lei n. 12.850/13.
Como se verá, as circunstâncias que permearam as noticiadas
entregas extraordinárias de quantias em espécie em favor de Nelson
Meurer, por sua especificidade, limitaram de forma significativa a
possibilidade de obtenção de elementos de corroboração da versão dada
pelo colaborador.

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Com efeito, consoante se depreende de suas declarações, para


realizar as supostas entregas de dinheiro a Nelson Meurer, na cidade de
Curitiba, Carlos Alexandre de Souza Rocha deslocava-se de carro a partir
do município de Balneário Camboriú/SC, não existindo nos autos prova
que corrobore a efetiva realização desse trajeto.
No tocante às alegadas entregas de dinheiro realizadas em
Brasília/DF, nada obstante tenham as autoridades incumbidas da
investigação encontrado 5 (cinco) voos realizados por Carlos Alexandre
de Souza Rocha, no ano de 2010, a partir das cidades de São Paulo,
Navegantes e Florianópolis, não se pode olvidar que o próprio
colaborador afirmou que as quantias em espécie eram também entregues
a Pedro Corrêa, Mário Negromonte e João Alberto Pizzolatti Júnior, em
imóvel funcional ocupado por este último, mas nunca a Nelson Meurer,
embora este estivesse no local em algumas oportunidades.
Logo, ainda que seja certo que, após a entrega, as quantias eram
divididas entre os membros do Partido Progressista (PP), não há como se
afirmar, sem que se incorra, repiso, em dúvida inadmissível em juízos
criminais condenatórios, que o acusado Nelson Meurer foi diretamente
beneficiado nessas oportunidades, já que tanto Alberto Youssef quanto
Carlos Alexandre de Souza Rocha declararam não ter presenciado o
processo de divisão dos valores.
Nesse ponto, portanto, concluo que não se desincumbiu a
Procuradoria-Geral da República do ônus que lhe é imposto pelo art. 156
do Código de Processo Penal, sendo inviável o acolhimento da pretensão
requerida na exordial acusatória, neste particular.
Cenário diverso é constatado no tocante à doação eleitoral realizada
pela sociedade empresária Queiroz Galvão em favor da campanha de
Nelson Meurer nas eleições do ano de 2010.
Calha esclarecer, preambularmente, que o tema vem sendo objeto de
controvérsias, seja no âmbito acadêmico ou no cotidiano dos tribunais
pátrios, mormente no que diz respeito acerca da possibilidade de a
doação eleitoral oficial configurar a vantagem indevida que tipifica o
delito de corrupção passiva.

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Para ilustrar a extensão das discussões travadas, trago excerto de


artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico, de autoria de
Alaor Leite e Adriano Teixeira:

“(...)
É, de fato, difícil estabelecer o limite entre mera doação
eleitoral (regular ou irregular) e corrupção. O discurso de
justificativa de uma possível criminalização das doações
irregulares ou do caixa dois eleitoral vive, a despeito dessa
questão-limite, da suposição de que ambos os fenômenos
relacionam-se de maneira necessária, e que o enfrentamento do
segundo exige a criminalização do primeiro. Em geral,
costuma-se associar vultosas doações eleitorais por parte de
grandes companhias ou de sujeitos opulentos a pagamentos de
‘propina’ em troca da obtenção de contratos ou outras
vantagens perante a Administração Pública. Estabelece-se,
assim, uma relação simbiótica e automática entre doações
vultosas e ‘propina’. Essas doações vultosas seriam
posteriormente mantidas em contabilidade paralela. Por outro
lado, muito comum é o argumento defensivo, utilizado tanto
pelos partidos políticos quanto pelas empresas ou pessoas
doadoras, segundo o qual as doações teriam sido realizadas
regularmente, ou seja, teriam sido registradas devidamente na
Justiça Eleitoral, o que afastaria a pecha de corrupção.
A rigor, ambas as associações acima descritas apresentam
saltos argumentativos: nem a associação automática entre
doação vultosa ou ilegal e corrupção, nem o argumento de que
a regularidade afastaria a existência de corrupção são, por si,
pertinentes. Dito mais concretamente, é possível falar em
corrupção em casos em que a doação foi regular segundo os
padrões do direito eleitoral e, inversamente, é perfeitamente
possível chegar-se à conclusão de que não houve corrupção em
casos de doações vultosas e irregulares. A discussão é mais
complexa do que fazem crer as apressadas associações
referidas, pois exige uma intensa reflexão sobre o conceito de
vantagem indevida e também sobre a necessidade de uma

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 179 de 486 3591


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conexão entre a vantagem e o exercício da função, o chamado


‘pacto de injusto da corrupção’ (Nem toda doação irregular a
caixa dois é crime de corrupção, 2016. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2016-nov-15/nem-toda-doacao-
irregular-caixa-dois-constituem-crime-corrupcao>. Acesso em
19 de mar. 2018 - destaquei).

Como já anotado em tópico apropriado deste voto, a configuração


do crime de corrupção passiva pressupõe que a vantagem indevida
percebida pelo agente público ou candidato a ocupar função pública
represente uma contrapartida à sua atuação ou promessa de agir em
desvio de finalidade para atender aos anseios do corruptor.
De acordo com premissa também já fixada alhures, o exercício
ilegítimo da atividade parlamentar, mesmo no contexto das negociações
políticas inerentes ao funcionamento de um governo de coalizão, é apto a
caracterizar o ato de ofício viciado que tipifica o crime de corrupção
passiva, caso motivado pela solicitação, aceitação ou recebimento de
vantagem indevida.
Como o delito de corrupção passiva destina-se a tutelar
prioritariamente a administração pública, não se exige que a vantagem
solicitada, aceita ou recebida seja de cunho exclusivamente patrimonial,
embora esta seja a forma mais comum de adimplemento, sendo
prescindível, ainda, que este se dê por meios sub-reptícios.
A propósito, colho a lição de Guilherme de Souza Nucci:

“(...)
100. Conceito de vantagem indevida: pode ser qualquer
lucro, ganho, privilégio ou benefício ilícito, ou seja, contrário ao
direito, ainda que ofensivo apenas aos bons costumes.
Entendíamos que o conteúdo da vantagem indevida deveria
possuir algum conteúdo econômico, mesmo que indireto.
Ampliamos o nosso pensamento, pois há casos concretos em
que o funcionário deseja obter somente um elogio, uma
vingança ou mesmo um favor sexual, enfim, algo imponderável
no campo econômico e, ainda assim, corrompe-se para

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 180 de 486 3592


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prejudicar ato de ofício.


(…)
102. Vantagem indevida idônea: não bastam meras ofertas
de vantagens impossíveis ou não factíveis, incapazes de gerar
no funcionário público uma real cobiça ou um atentado à
moralidade administrativa. É preciso que o agente ofereça algo
idôneo e verossímil, de acordo com suas condições, bem como
harmônico com o seu contexto de vida” (Código Penal comentado.
15ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2015. p. 1.341-1.342).

Sendo assim, afasto, de antemão, a assertiva defensiva no sentido de


que a doação eleitoral, porque declarada à justiça especializada, não seria
meio apto à configuração do delito de corrupção passiva.
De fato, o atendimento às formalidades exigidas pela legislação
eleitoral acerca do financiamento de campanhas é requisito para seja
aferida a regularidade do certame, de acordo com as normas que visam
tutelar o equilíbrio entre candidatos que deve nortear a disputa por
mandatos eletivos.
Nesse sentido, trago à colação, uma vez mais, os ensinamentos de
José Jairo Gomes:

“(...)
No que concerne ao financiamento privado, impera o
princípio da transparência, sendo necessário que se divulgue
publicamente por quem e como o candidato é financiado. É
preciso que os eleitores saibam, ou pelo menos possam saber,
da origem e do destino dos recurso usados nas campanhas
políticas, sob pena de votarem ignorando os verdadeiros
patrocinadores do candidato escolhido, o que ensejaria
representação política mendaz, dissociada da verdadeira
vontade coletiva. (…)
A arrecadação de recursos no meio privado submete-se a
complexo regramento legal, havendo controle estrito quanto à
origem e quem pode contribuir, o montante que cada pessoa
pode doar, o destino dado aos recursos. Além disso, os

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 181 de 486 3593


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beneficiários são obrigados a prestar contas minuciosas à


Justiça Eleitoral” (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13ª ed. São
Paulo : Atlas, 2017. p. 427-428)

As normas que regulam a fiscalização do financiamento de


campanhas, entretanto, não cuidam dos motivos que ensejaram a doação
de recursos a determinado candidato, a qual, como é cediço, deve ser
presumida lícita até que se prove o contrário. Caso atendidos os limites e
requisitos previstos na legislação de regência, certamente a prestação de
contas obrigatória será aprovada pela Justiça Eleitoral.
A motivação do financiamento de campanha, todavia, não passou
despercebida pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento
da ADI 4.650, oportunidade na qual, por maioria de votos, foi declarada a
inconstitucionalidade de dispositivos legais que permitiam doações por
parte de pessoas jurídicas justamente por lhes faltar a capacidade de
exercício da cidadania, sendo oportuno destacar os seguintes
fundamentos invocados pelo eminente relator, o Ministro Luiz Fux:

“(...)
De início, não me parece que seja inerente ao regime
democrático, em geral, e à cidadania, em particular, a
participação política por pessoas jurídicas. É que o exercício da
cidadania, em seu sentido mais estrito, pressupõe três
modalidades de atuação cívica: o ius suffragii (i.e., direito de
votar), o jus honorum (i.e., direito de ser votado) e o direito de
influir na formação da vontade política através de instrumentos
de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a
iniciativa popular de leis (SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros,
2011, p. 347). Por suas próprias características, tais modalidades
são inerentes às pessoas naturais, afigurando-se um disparate
cogitar a sua extensão às pessoas jurídicas. Nesse particular,
esta Suprema Corte sumulou entendimento segundo o qual as
‘pessoas jurídicas não têm legitimidade para propor ação
popular’ (Enunciado da Súmula nº 365 do STF), por essas não

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 182 de 486 3594


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ostentarem o status de cidadãs. (…)


Deveras, o exercício de direitos políticos é incompatível
com a essência das pessoas jurídicas. Por certo, uma empresa
pode defender bandeiras políticas, como a de direitos humanos,
causas ambientais etc., mas daí a bradar pela sua
indispensabilidade no campo político, investindo vultosas
quantias em campanhas eleitorais, dista uma considerável
distância. É o que defende o saudoso filósofo norte-americano
Ronald Dworkin: as ‘empresas são ficções legais. Elas não têm
opiniões próprias para contribuir e direitos para participar com
a mesma voz e voto na política’ [Do original: ‘Corporations are
legal fictions. They have no opinions of their own to contribute
and no rights to participate with equal voice or vote in politics.’]
(DWORKIN. Ronald. ‘The Devastating Decision’. In: The New
York Tomes Review of Books, 25.02.2010, disponível em
(http://www.public.iastate.edu/~jwcwolf/Law/DworkinCitizens
United.pd f). Assim é que autorizar que pessoas jurídicas
participem da vida política seria, em primeiro lugar, contrário à
essência do próprio regime democrático” (destaques no
original).

É certo que no caso em apreço não se discute a legalidade da doação


eleitoral feita por pessoa jurídica, pois, à época dos fatos, tal liberalidade
era permitida pela legislação de regência.
Entretanto, os fundamentos declinados no precedente citado
evidenciam que a doação eleitoral legítima pressupõe manifestação livre
da vontade do doador em apoiar as ideias e projetos divulgados pelo
candidato donatário, como corolário do exercício da cidadania que
fundamenta o Estado Democrático de Direito em que se constitui a
República Federativa do Brasil.
Mas se os motivos que deram ensejo à liberalidade em favor do
candidato violarem determinado bem jurídico tutelado pelo ordenamento
pátrio, o fato de a doação ter sido registrada e chancelada pela Justiça
Eleitoral não afasta a incidência da sanção prevista em lei para o
malferimento pretérito.

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Em outras palavras, a doação eleitoral, se não realizada com o


propósito de apoiar os ideais propagados pelo candidato ou partido
político beneficiário, travestindo-se de adimplemento de vantagem
negociada no contexto de prática delitiva, passa a ser qualificada como
liberalidade indevida, pois viciada pela simulação que a nulifica, nos
termos do art. 167, § 1º, II, do Código Civil, que dispõe:

“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas


subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na
forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
(…)
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula
não verdadeira;”

Sobre o referido vício do negócio jurídico, confira-se a lição de


Heleno Taveira Torres:

“(...)
Mediante exercício de autonomia privada, as partes (fonte
normativa) criam uma específica relação entre elas, com a
finalidade de predispor, perante terceiros de boa-fé, uma
aparência de negócio jurídico legítimo, com causa própria, a
partir de concurso de declarações de vontade. O texto que o
constitui poderá ter qualquer objeto, dentre os permitidos pelo
ordenamento, nos termos da declaração, usada tanto para
encobrir outro negócio de interesse das partes (simulação
relativa), como para criar uma ficção (simulação absoluta).
Em paralelo, também por um ato de vontade (decisão ou
‘fonte’) das partes, põe-se outra norma jurídica no
ordenamento, mediante ato jurídico próprio, cujo programa
normativo estabelece uma relação jurídica intra pars, tendo
como objeto a manifestação de declaração contrária ao ato
aparente e desconhecida aos terceiros de boa-fé. Eis a norma do
‘acordo simulatório’. Pragmaticamente, não é outro senão um
ato performativo típico, com função ilocucionária, na medida

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 184 de 486 3596


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que visa a influir no comportamento do receptor, pois todo ato


de fala realiza ou tende a realizar a ação nomeada, qual seja,
confirmar o conceito do ato aparente na mente dos
destinatários. O pacto simulatório é norma porque decorre do
exercício de autonomia privada, tal como surge aquela do
negócio jurídico simulado, ou mesmo o negócio jurídico
dissimulado. Tem-se aqui, de modo inconteste, a presença de
uma causa desconforme com os valores do ordenamento, da
boa-fé, especialmente.
Como este negócio normalmente não aparece, cumpre ao
terceiro identificar tal vontade normativa mediante
competente produção de prova, construindo seus elementos
por meio de linguagem própria. Assim, quando prejudicado
por essa composição normativa, porque surge o efeito
simulatório, em termos jurídicos, faz-se lícito a qualquer
sujeito sobre quem possa recair suas conseqüências,
(re)constituir, com apoio na linguagem das provas, o pacto
simulatório e demonstrar a ausência de causa no negócio
jurídico (simulação absoluta) ou a dissimulação de outro
negócio jurídico desejado pelas partes (simulação relativa).
(...)” (TORRES, Heleno Taveira. Teoria da simulação de atos e
negócios jurídicos. In: TEPEDINO, Gustavo. FACHIN, Luiz
Edson. Doutrinas Essenciais. Obrigações e Contratos. V. 2. São
Paulo : Revista dos Tribunais, 2011. p. 564-565).

No caso em análise, conforme se passará a demonstrar com arrimo


no conjunto probatório produzido nos autos, a doação eleitoral realizada
pela sociedade empresária Queiroz Galvão em favor da campanha de
Nelson Meurer, nas eleições do ano de 2010, trata-se de negócio jurídico
simulado, praticado com o intuito de encobrir a verdadeira finalidade da
transferência de recursos, que não era outra senão o adimplemento de
vantagem indevida para viabilizar a manutenção da atuação do cartel de
empreiteiras no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.
Com efeito, em depoimento prestado em juízo, o colaborador
Alberto Youssef relata que a doação oficial realizada pela empreiteira

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 185 de 486 3597


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Queiroz Galvão à campanha de Nelson Meurer deu-se em razão de


valores devidos a Paulo Roberto Costa, no precitado contexto de atuação
das empresas cartelizadas. Nesse sentido, confira-se:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Durante a Operação Lava Jato,
no começo, em diligência de busca e apreensão, foi arrecadada
uma agenda do Paulo Roberto Costa, que havia uma anotação
4,0 - Nel. Seria uma referência a um repasse a Nelson Meurer.
COLABORADOR - É que, naquele momento que a gente
prestou conta, eu e o Paulo Roberto, porque, na verdade,
prestava-se conta dos dois lados: prestava conta pro Paulo
Roberto, prestava conta pro partido. Então, naquele momento, o
Nelson Meurer, naquele momento da prestação de conta que foi
feita com o Paulo Roberto, ele fez a anotação, era o número, até
aquele dia, que o Nelson Meurer tinha recebido pela campanha.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Campanha de 2010?
COLABORADOR - Campanha de 2010.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Os 4 milhões. O senhor falou
que foram várias formas de repasse.
COLABORADOR - Várias formas. Teve doação oficial,
teve valores em espécie, teve valores entregues em Brasília, teve
valores entregues em Curitiba.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Além disso, foram interceptadas mensagens,
interceptadas, não, identificadas mensagens de e-mail para o e-
mail que o senhor utilizava, Paulo Goia, que se referem à
cobrança de recibos de doações oficiais da Queiroz Galvão. E
um desses recibos seria referente a uma doação para Nelson
Meurer no valor total de R$ 500.000,00. Eu queria que o senhor
explicasse como é que se deu essa situação aí.
COLABORADOR - A questão da Queiroz foi que eu fui
cobrar a Queiroz e, naquele momento que eu fui cobrar a
Queiroz, já tinha ido várias vezes. A gente tinha um problema aí
de interlocutor, que, na verdade, a Queiroz estava conversando
já com o Fernando Soares, que era o Baiano, e estava fazendo

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esses recebimentos a pedido do Paulo. E eu não sei se estava


repassando para o PMDB ou se estava entregando diretamente
ao Paulo e a ele. Sempre o Paulo dizia que era para o PMDB. Eu
já não sei te dizer se realmente era para o PMDB mesmo ou não.
E, aí, insistentemente, eu com o Pedro Corrêa acabamos
cobrando, cobrando, cobrando, cobrando, até que o Paulo
Roberto conversou com a diretoria ou com o Idelfonso - salvo
engano -, na época, e disponibilizou sete milhões e meio pra
que a empresa ajudasse na campanha. Eu procurei o Oto na
época. O Oto falou pra mim que ia ver como que ele podia
fazer, pra fazer essas doações, mas que ele não trabalhava na
questão de "caixa dois", e que ele ia ver como ia fazer, mas que,
provavelmente, seria como doação oficial. E assim foi feito,
como doação oficial. O partido me passou a lista, e eu
entreguei.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E como é que foi essa questão do recibo? Ficou faltando o
recibo? O senhor entrou em contato?
COLABORADOR - Não, é que, quando a doação foi feita,
a empresa depois precisa do recibo pra prestação de conta.
Como foi eu que tratei diretamente com a empresa, então, ele
me cobrou que eu mandasse os recibos dos parlamentares pra
ele. E assim eu fiz, cobrei o Nelson Meurer, para que o Nelson
Meurer mandasse os recibos pra empresa.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Aí, o Nelson Meurer sabia que..., o senhor tem condições
de dizer se ele sabia se os valores eram oriundos desse crédito
de propina da Queiroz Galvão?
COLABORADOR - Sim, ele sabia que esses valores
vinham através do Paulo Roberto Costa, por conta da diretoria
e por conta da prestação de serviço das empresas perante a
Diretoria de Abastecimento” (fls. 2.825-2.826 – destaquei).

Elucidativos são os relatos de Othon Zanoide de Moraes Filho


perante a autoridade policial, nos quais assere que, na qualidade de
representante da sociedade empresária Queiroz Galvão, negociou com

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 187 de 486 3599


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Alberto Youssef a doação eleitoral a Nelson Meurer no pleito de 2010,


nada obstante a ausência de qualquer afinidade prévia com o
denunciado, assentando, ainda, que a liberalidade a candidato específico
não era a prática usual da empresa. Confira-se:

“(...)
QUE participava da reunião de Diretores da
CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO, opinando sobre
doações eleitorais, especificamente sobre valores, destinatários,
conforme representatividade dos partidos no cenário nacional;
QUE consigna porém que a última palavra era dada pelo
Presidente ILDEFONSO COLLARES; QUE o declarante era o
responsável, no ano de 2010, por entregar ao setor financeiro da
própria construtora a relação com os dados dos diretórios,
CNPJ e os valores respectivos para doação; (…) QUE não era
responsável por ordenar ao financeiro doação de outros
partidos, mas apenas do PP; (…) QUE em 2008, o então
Deputado JANENE procurou o declarante, no sentido de
solicitar-lhe doação para o PP, porém o declarante reservou-se a
afirmar que trataria do assunto no ano de 2010 quando das
eleições; QUE ainda em 2009, JANENE apresentou-lhe uma
pessoa apenas com a referência de ‘PRIMO’, recentemente
tendo conhecimento se tratar de YOUSSEF, com quem o
declarante deveria tratar a partir de então sobre doações ao PP,
e assim foi feito no ano de 2010; QUE para evitar pagamento em
duplicidade dentro do próprio grupo, considerando a
possibilidade de duas empresas, como exemplo, terem mesmo
interesse na destinação, os presidentes das empresas do grupo
conversaram entre si, para fins de definir a origem dos valores a
serem doados, sabendo informar que a doação era originária de
até 2% do faturamento anual de cada empresa do grupo; (…)
QUE após a conferência, havendo correspondência entre o valor
ajustado nas reuniões precitadas e a movimentação revelada
por extrato, o declarante dava-se por satisfeito, não precisando
mais de qualquer documento para prestação de contas; (…)
QUE acaso faltasse algum documento para prestação de contas,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 188 de 486 3600


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conforme informação do financeiro, o declarante pessoalmente


ou ao telefone cobrava; QUE foi isso que ocorreu no e-mail
encaminhado pelo declarante ao ‘PRIMO’ (ALBERTO
YOUSSEF) cobrando os recibos faltantes; QUE não sabe a razão
pela qual foi repassado ao declarante o endereço de NELSON
MEURER; QUE reconhece que doação especificamente a um
político e não ao diretório não era orientação da empresa, mas
assim foi solicitado por YOUSSEF e assim foi feito; QUE não
sabe informar as razões pelas quais YOUSSEF solicitou doações
diretamente a NELSON MEURER; QUE não conheceu
pessoalmente NELSON MEURER; (...)” (fls. 399-400 -
destaquei).

A par dessas declarações não terem sido repetidas em juízo, assinalo


que o próprio denunciado Nelson Meurer, por ocasião do seu
interrogatório judicial, afirmou não ter qualquer vínculo com a sociedade
empresária Queiroz Galvão, tampouco militar em favor de interesses da
área de atuação desta, conforme se infere do seguinte trecho:

“(...)
JUIZ - Segunda a denúncia, esses valores teriam sido
pagos pela Queiroz Galvão, que teria interesse na manutenção
do Paulo Roberto Costa na Petrobras...
RÉU - Isso já não pertencia a mim (ininteligível) do
partido.
JUIZ - O senhor não tinha não tinha vinculação nenhuma
com a Queiroz Galvão? Não foi o senhor pediu isso?
RÉU - Eu não conheço ninguém. E não conheço ninguém
não só da Queiroz Galvão e nenhum empreiteiro da Petrobras.
Nunca tive conhecimento, relação com empreiteiro da
Petrobras, nunca pedi ajuda financeira para empreiteiro
nenhum, nem da Petrobras e de nenhum desses seis mandato. A
única coisa que eu sempre tive foi pedir ajuda financeira para o
meu partido, que me ajudava sempre, e para e pelo comitê do
governador que eu apoiava no Estado do Paraná.
JUIZ - Certo. E o senhor sabe que, na na agenda, pelo

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menos é o que diz o Ministério Público, que foi apreendida no


escritório do Paulo Roberto Costa, onde havia anotação, não sei
se no escritório ou na residência, enfim, foi apreendida em
poder de Paulo Roberto Costa, havia uma anotação dos valores
repassados ao PP, que seriam vinte e oito milhões e quinhentos
mil, e há a informação de que quatro milhões de reais teriam
sido repassados ao senhor.
RÉU - Não, está escrito ‘Nel’. Primeiro que é dúvida. Eu vi
essa... Está escrito ‘Nel’.
JUIZ - Na agenda está escrito Nel, mas segundo a
denúncia...
RÉU - Supostamente, é Deputado (ininteligível). Não
aconteceu comigo isso aqui. Nunca...
JUIZ - O senhor nega isso.
RÉU - Nego, e que não existiu. Não é que nega. Isso não
aconteceu.
JUIZ - E em relação à doação oficial, seria o próximo
tópico que eu indagaria ao senhor, ou seja, a doação eleitoral
que foi contabilizada, vamos dizer assim, o senhor está
esclarecendo que essa doação, ela foi viabilizada por intermédio
do partido, não é isso?
RÉU - Do partido.
JUIZ - Muito bem. Não tinha nenhuma relação, não foi o
senhor, então, que pediu a um representante ou à Queiroz
Galvão essa doação?
RÉU - Não, não, nunca.
JUIZ - O senhor não conhecia?
RÉU - Como eu lhe disse, não conheço nenhum dono ou
nenhum presidente, ninguém de empresa, não só da Queiroz
Galvão, como nenhuma outra empresa, seja da Petrobras ou
não da Petrobras.
JUIZ - E o senhor não achou ruim receber uma doação de
uma empreiteira em relação à qual o senhor nunca tinha tido
contato?
RÉU - Doutor, nota bem, a doação política, quem fez a
doação e quem viabilizou foi o partido político. É permitido por

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lei o Partido Progressista receber doação. Se eu duvidar do meu


partido político, que está fazendo a doação, se eu duvidar
alguma coisa da doação dele, então, eu tenho que deixar, eu
tenho que sair do partido na mesma hora.
JUIZ - Certo, eu entendo o seu ponto de vista. Mas a
minha pergunta, ela diz respeito à formalização dessa doação
que o senhor sustenta que veio do partido. O senhor não... Por
que é que o senhor, enfim, já que o senhor pediu esse dinheiro
ao partido, não solicitou que o próprio partido aparecesse
formalmente como o doador? Só pra eu poder explicar bem a
pergunta. Porque o que o senhor está dizendo é o seguinte: o
senhor precisava de dinheiro para campanha e o Senhor pediu
ao partido.
RÉU - Exato.
JUIZ - O partido, pelo que o senhor está me dizendo, foi
até a Queiroz Galvão, de alguma forma, e pediu esse dinheiro à
Queiroz Galvão. Se quem doou ao senhor foi o partido e não a
Queiroz Galvão, por que que o senhor não teve o cuidado - essa
é a minha pergunta - de pedir que é formalização dessa doação
fosse feita via partido, já que a sua relação era com o partido e
não com a Queiroz Galvão?
RÉU - Mas, por ter esse cuidado, Doutor, é que eu tomei
essa atitude, por ter esse cuidado, eu tomei essa atitude.
Quando o Partido Progressista me ligou, que a Queiroz Galvão
ia viabilizar oficialmente 500 mil para mim, se eu queria o
dinheiro via partido ou via Queiroz Galvão, o que é que eu
falei? É mais transparente a Queiroz Galvão me fazer a doação
para mim, diretamente para mim. Agora, cabe ao partido, nesse
processo, explicar qual foi a forma que o partido chegou à
Queiroz Galvão de fazer essa doação para mim, não só para
mim como outros parlamentares que estão aqui. E por ter este
cuidado que eu pedi, porque, se eu quisesse camuflar, talvez,
essa doação, eu ia dizer: ‘Não, faz via partido’. Porque, naquela
época, o via partido não precisava colocar o nome da empresa
doadora. Essa eleição que passou, sim.
JUIZ - Por que o Alberto Youssef, que acabou

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 191 de 486 3603


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intermediando essa prestação de contas, vamos dizer assim,


que o senhor teve que assinar um recibo depois, enfim, pelo que
o Ministério Público alega, a empresa solicitou a assinatura do
recibo. E isso, segundo o Ministério Público alega e traz aqui
informações que seriam cópias emails utilizados pelo Alberto
Youssef, ele teria feito a intermediação entre os executivos da
Queiroz Galvão e o senhor, para poder obter...
RÉU - Eu, não. O partido, né? Não eu, o partido. Isso cabe,
é mais um equívoco do Ministério Público. Se foi o partido que
pediu o recurso, se foi..., calculo eu que o partido deve ter
pedido para o seu representante, que era o Paulo Roberto Costa,
o Paulo Roberto Costa que deveria... Porque o Janene, naquele
momento, era o tesoureiro do partido. Talvez, como assessor do
coisa, deve ter pedido. Isso cabe ao partido.
JUIZ - Em 2010 ele ainda era?
RÉU - Exato, 2010. Então, cabe ao partido esclarecer isso.
Eu não conheço o Queiroz Galvão.
(…)
JUIZ - Os recibos, o senhor assinou, vieram preenchidos
já?
RÉU - Não.
JUIZ - Quem preencheu os recibos?
RÉU - Quem preencheu foi o... Quem... Nota bem o
seguinte: quem pediu o preenchimento não foi a Queiroz
Galvão que pediu, não foi a Queiroz; foi o Partido Progressista
aqui de Brasília que pediu o recibo, mandou via... solicitou via
Diretório Estadual do Partido. O Diretório Estadual entrou em
contato com o meu filho, com Nelson Meurer Júnior, que fez a
prestação de conta minha de 2010. Ele, como advogado, como
administrador, foi o que fez administração. Foi ele que
preencheu o... foi Estado, o PP do Paraná que mandou pra ele,
mandou pra mim lá...
JUIZ - Quem preencheu? Foi o seu filho ou foi o...
RÉU - Foi o meu filho.
JUIZ - Seu filho...
RÉU - Meu filho preencheu, me entregou pra mim e eu

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 192 de 486 3604


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entreguei aqui, em Brasília, no Partido Progressista, eu


entreguei a coisa.
JUIZ - Entendi. Bem, então assim, em resumo, claro que
com as explicações que já estão dadas, o senhor nega todas as
acusações que foram feitas na denúncia.
Esse recibo, que está aqui, nas folhas... a cópia, está
reproduzido nas folhas 953...
RÉU - Para um pouquinho. Nove?
JUIZ - 953.
RÉU - Eu acho que eu não tenho. Quero ver.
JUIZ - Isso.
RÉU - É.
JUIZ - Essa letra que aí, exceto a assinatura...
RÉU - É do meu filho.
JUIZ - Nelson Meurer Júnior.
RÉU - Nelson Meurer Júnior. A minha assinatura é minha.
JUIZ - Othon Zanoide de Moraes Filho o senhor não
conhece?
RÉU - Não, não conheço. Nunca (ininteligível)” (fls. 2.871-
2.875 - destaquei).

Como se vê, o denunciado Nelson Meurer atribui toda a


responsabilidade pelo processo de obtenção de recursos junto à Queiroz
Galvão ao Partido Progressista (PP), afirmando, inclusive, que partiram
da agremiação partidária as instruções para o preenchimento dos recibos,
embora seja incontroversa a natureza personalíssima de tais obrigações,
nos termos do art. 28, § 2º, da Lei n. 9.504/97.
Confirma, ainda, que nunca teve qualquer contato com
representantes da empresa Queiroz Galvão que justificasse a doação
direta de recursos à campanha, cingindo-se a afirmar que, no seu sentir,
tal forma daria maior transparência à operação, “porque, naquela época, o
via partido não precisava colocar o nome da empresa doadora”.
As declarações do colaborador Alberto Youssef são suportadas pelas
cópias de e-mails trocados com o empresário Othon Zanoide de Moraes
Filho (fls. 461-468), cujas informações demonstram que as doações feitas

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 193 de 486 3605


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em favor de Nelson Meurer foram intermediadas pelo aludido


colaborador, que se encarregou, na interlocução com o representante da
sociedade doadora, de obter os dados faltantes para o preenchimento dos
recibos eleitorais.
Em 30.8.2010, a partir do endereço eletrônico
paulogoia58@hotmail.com, Alberto Youssef estabelece contato com Othon
Zanoide de Morais no e-mail omoraes@queirozgalvao.com solicitando os
“dados das empresas para prestação de conta” (fl. 464), obtendo resposta, no
mesmo dia, no sentido de que, à “exceção do Nacional” (fl. 463), referindo-
se ao Diretório Nacional do Partido Progressista, que teria como doadora
a empresa Vital Engenharia Ambiental S/A, todos os demais recibos
eleitorais seriam emitidos em nome da Construtora Queiroz Galvão S.A.
Posteriormente, novo contato é estabelecido entre os referidos
interlocutores em 23.9.2010, por meio dos mesmos endereços eletrônicos,
no qual Othon Zanoide de Moraes Filho cobra de Alberto Youssef os
“recibos faltantes” (fl. 467), dentre os quais se encontra o referente à doação
feita a Nelson Meurer, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Conforme atestam os recibos e respectivos comprovantes de
transferências bancárias acostados às fls. 550-573, todas as instruções
dadas por Othon Zanoide de Moraes Filho a Alberto Youssef foram
observadas, inclusive no tocante ao denunciado Nelson Meurer, que
emitiu 2 (dois) recibos no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta
mil reais), totalizando R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), constando
como doadora a Construtora Queiroz Galvão S.A (fls. 560-563).
Nada obstante o esforço defensivo em atribuir ao Partido
Progressista (PP) a responsabilidade pela tutela da origem dos recursos
obtidos por meio de doações eleitorais, o recebimento de liberalidade de
empresa com a qual não mantinha contato e que sequer atuava no ramo
abrangido pelo programa político defendido em sua candidatura, por
intermédio de pessoa sem outra vinculação com a agremiação partidária
senão a administração de recursos ilícitos, revela que a conduta do
acusado era destituída de qualquer propósito democrático, sendo
inviável extrair, desse contexto, a espontaneidade da doação para fins

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 194 de 486 3606


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estritamente eleitorais.
Tal conclusão não importa em juízo de condenação de toda e
qualquer doação eleitoral realizada por sociedade empresária que não
atue na área em que se concentram as propostas de trabalho do candidato
ao cargo eletivo, porque, a esta circunstância, no caso em tela, somam-se a
comprovada destinação de recursos ilícitos ao Partido Progressista (PP)
por Paulo Roberto Costa, bem como a formalização da liberalidade com a
intermediação de Alberto Youssef, conforme atestam os e-mails citados.
Ademais, de acordo com o Relatório de Análise de Material
Documental n. 5, constante da mídia de fl. 777, a Construtora Queiroz
Galvão S.A. era integrante do grupo de empresas cartelizadas que
centralizavam as contratações no âmbito da Diretoria de Abastecimento
da Petrobras S.A., já que, na qualidade de integrante do Consórcio
Ipojuca Interligações, celebrou contratos fictícios de prestação de serviços
com sociedades empresárias ligadas a Alberto Youssef, estratagema já
tratado à exaustividade como forma de viabilizar recursos para o caixa de
propinas do Partido Progressista.
Destaco, por fim, que, podendo obtê-los diretamente do Partido
Progressista (PP), a quem afirma ter feito a solicitação, preferiu o
denunciado Nelson Meurer receber os recursos da empresa Queiroz
Galvão, com a qual, enfatizo, não mantinha qualquer vínculo.
Assim, a partir da reconstrução dos fatos permitida pelo farto
conjunto probatório constituído não só por declarações de colaboradores,
mas também pelos elementos de prova indicados, concluo que a doação
eleitoral em tela foi utilizada como estratégia para camuflar a real
intenção das partes, que não era outra senão pagar e receber vantagem
patrimonial indevida em decorrência da manutenção do esquema de
contratação das empresas cartelizadas no âmbito da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A, tratando-se de nítido negócio simulado.
Registro, desde logo, que, nada obstante o denunciado tenha
recebido a doação em 2 (duas) oportunidades distintas, tenho por
configurado delito único, já que as circunstâncias fáticas evidenciam se
tratar de adimplemento parcelado de uma única vantagem avençada.

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2.2. Lavagem de dinheiro.

Como relatei no início deste julgamento, a denúncia também atribui


aos acusados a prática do crime de lavagem de dinheiro, previsto no art.
1º, caput e § 4º, da Lei n. 9.613/1998, que recebeu do legislador ordinário a
seguinte redação:

“Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem,


localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,
direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de
infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
(...)
§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os
crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada
ou por intermédio de organização criminosa”.

Em apertada síntese, de acordo com os fatos trazidos à baila pela


Procuradoria-Geral da República, o denunciado Nelson Meurer teria, no
primeiro momento, contribuído para a ação de lavagem de capitais
praticada por Alberto Youssef, em relação às vantagens indevidas pagas
pelas empreiteiras cartelizadas; ainda o parlamentar acusado teria, em
algumas oportunidades e com o auxílio de seus filhos Nelson Meurer
Júnior e Cristiano Augusto Meurer, cometido o mesmo delito quanto às
vantagens indevidas percebidas de forma ordinária e extraordinária de
Paulo Roberto Costa, em razão do apoio político dado à manutenção do
primeiro à frente da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.
Sobre o tema, sabe-se que há sistemas jurídicos os quais
expressamente excluem do âmbito de incidência das normas penais
definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores os próprios
autores do delito antecedente, deixando de punir o que a doutrina
denomina “autolavagem”.
Não sendo esse o caso da legislação brasileira, parcela da doutrina

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pátria, mesmo assim, advoga a impossibilidade de apenar-se por lavagem


o autor da infração penal antecedente, uma vez que a ocultação ou
dissimulação dos valores percebidos estaria compreendida como
desdobramento causal natural do crime anterior.
Tal compreensão doutrinária, todavia, já foi expressamente
rechaçada por esta Suprema Corte, por mais de uma vez. Anoto, como
exemplo, trecho da ementa da lavra do Ministro Ricardo Lewandowski,
que resumiu a compreensão do Pleno por ocasião do julgamento do INQ
2.471:

“(...)
IV – Não sendo considerada a lavagem de capitais mero
exaurimento do crime de corrupção passiva, é possível que dois
dos acusados respondam por ambos os crimes, inclusive em
ações penais diversas, servindo, no presente caso, os indícios da
corrupção advindos da AP 477 como delito antecedente da
lavagem” (g.n.) (Tribunal Pleno, j. 29.9.2011).

Não se desconhece, por outro lado, a deliberação que restou


vencedora por ocasião dos Embargos Infringentes interpostos em face do
julgamento da AP 470, quando se assentou que a percepção de valor
indevido, por parte do próprio sujeito ativo do delito de corrupção
passiva ou por interposta pessoa, pode vir a não configurar, igualmente, o
delito de lavagem de capitais na modalidade “ocultar”.
Naquela ocasião, concluiu-se que a possibilidade da incriminação da
autolavagem “pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto
do crime antecedente (já consumado)” (AP 470 EI-sextos, Rel. Min. Luiz Fux,
Red. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 21.8.2014;
AP 470 EI-décimos sextos, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão: Min.
Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 21.8.2014).
Nesses julgados, o Ministro Luís Roberto Barroso, redator do
acórdão, ressalta que “o recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o
destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da
corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 197 de 486 3609


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lavagem de dinheiro”, cuja configuração demanda a identificação de “atos


posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem
indevidamente recebida”.
Tratou-se, naquele emblemático caso, de situação relativa a
parlamentar federal, denunciado por corrupção passiva, cuja vantagem
indevida foi recebida por intermédio de terceira pessoa. O Ministério
Público Federal denunciou-o pelos crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, em concurso material, afirmando que o envio de
terceira pessoa à percepção da vantagem configurava expediente voltado
à ocultação da origem criminosa dos proveitos auferidos com o crime
antecedente. Tal imputação não prevaleceu, firmando-se o entendimento
de que a percepção de vantagem por interposta pessoa faz parte
integrante da descrição típica do art. 317 do Código Penal (corrupção
passiva), mormente quando o recebimento de vantagem indevida,
segundo redação típica, pode ser dar “direta ou indiretamente”, como se
confere do tipo penal:

“Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem,


direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.

Nessa linha, repiso, entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Federal


que o recebimento de vantagem oriunda de corrupção, via interposta
pessoa, por fazer parte dos próprios elementos típicos do art. 317 do
Código Penal, pode, a par da própria corrupção passiva, não configurar o
delito de lavagem na modalidade “ocultar”. Asseverou-se, chamo a
atenção, que a existência de atos autônomos do recebimento
escamoteado da vantagem caracterizariam o crime de lavagem de
capitais.
E assim se tem mantido a jurisprudência desta Suprema Corte,
citando-se, de passagem, trecho de ementa da lavra da Ministra Rosa
Weber, por ocasião do julgamento do mérito da AP 694:

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 198 de 486 3610


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“(...)
5. Lavagem de capitais e crimes contra a administração
pública. Corrupção passiva e autolavagem: quando a ocultação
configura etapa consumativa do delito antecedente - caso da
corrupção passiva recebida por pessoa interposta - de
autolavagem se cogita apenas se comprovados atos
subsequentes, autônomos, tendentes a converter o produto do
crime em ativos lícitos, e capazes de ligar o agente lavador à
pretendida higienização do produto do crime antecedente. Sob
uma linguagem de ação típica, as subsequentes e autônomas
condutas devem possuir aptidão material para ‘Ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal’ antecedente, ao feitio do artigo 1º
da Lei 9.613/98” (g.n.) (Primeira Turma, j. 2.5.2017).

Nesse norte, igualmente, os excertos doutrinários de Gustavo


Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini:

“(...)
Assim, se a ocultação ou dissimulação típica da lavagem
de dinheiro se limitar ao recebimento ‘indireto’ dos valores, há
contingência entre os tipos penais, aplicando-se o instituto da
consunção. Isso não impede a verificação do concurso material
entre lavagem de dinheiro e corrupção passiva se constatado no
caso concreto outro ato de ocultação ou dissimulação para além
do recebimento indireto, como, por exemplo, o envio de
dinheiro para o exterior, para contas de terceiros, ou a
simulação de negócios posteriores com a finalidade de conferir
aparência lícita aos recursos recebidos. A menção ao
recebimento indireto no tipo penal de corrupção passiva não
implica salvo conduto para qualquer comportamento de
ocultação posterior” (Lavagem de dinheiro. 3ª ed. São Paulo:
RT, 2016, p. 128).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 199 de 486 3611


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A partir desta introdução conceitual sobre o crime de lavagem de


capitais, de base doutrinária e jurisprudencial, passo a analisar de forma
individualizada as imputações contidas na exordial acusatória em
julgamento.

2.2.1. Participação de Nelson Meurer na lavagem de capitais


praticada por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.

De acordo com a denúncia, o acusado Nelson Meurer teria


concorrido para a lavagem de dinheiro levada a efeito por Paulo Roberto
Costa e Alberto Youssef, especificamente sobre todas as vantagens
indevidas angariadas no âmbito da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A.
Narra a Procuradoria-Geral da República que, para viabilizar o
pagamento da propina acordada com Paulo Roberto Costa, as empresas
cartelizadas celebravam contratos fictícios de prestação de serviços com
sociedades empresárias ligadas a Alberto Youssef, afirmando que “embora
não prestados, os serviços eram cobrados por meio de notas fiscais falsas, contra
as quais se davam os mencionados pagamentos” (fl. 910).
Esse procedimento deu origem à celebração de 180 (cento e oitenta)
contratos fictícios com as empresas MO Consultoria Comercial e Laudos
Estatísticos Ltda., Empreiteira Rigidez Ltda., RCI Software e Hardware
Ltda. e GFD Investimentos Ltda., cujos valores totalizam R$ 62.146.567,80
(sessenta e dois milhões, cento e quarenta e seis mil, quinhentos e
sessenta e sete reais e oitenta centavos), os quais abasteceram o caixa de
propinas destinado ao Partido Progressista (PP).
Em razão da falta de descrição da prática de atos materiais de
execução desse delito de lavagem de dinheiro por parte do aqui
denunciado Nelson Meurer, também nesse segmento da acusação a sua
responsabilização tem como fundamento a norma de extensão prevista
no art. 29 do Código Penal.
Todavia, como já me manifestei no tópico 2.1.1 deste voto, em

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 200 de 486 3612


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respeito ao postulado da responsabilização criminal subjetiva que vige no


ordenamento jurídico pátrio, corolário do Direito Penal do fato, a perfeita
subsunção da conduta atribuída a este acusado não se faz sem a análise
do aspecto volitivo na ação ou omissão que lhe é atribuída, extraível das
circunstâncias fáticas retratadas no conjunto probatório produzido no
seio da instrução criminal.
Em outras palavras, nos casos em que se atribui determinada prática
delitiva em concurso de pessoas, é imprescindível que se verifique a
existência do vínculo subjetivo na conduta dos agentes consorciados, bem
como a relevância causal da atuação de cada um deles na violação do
bem jurídico tutelado pela norma penal, sob pena de não incidência do
referido preceito extensivo, diante da impossibilidade de
responsabilização penal objetiva.
Na espécie, embora o denunciado Nelson Meurer tenha
efetivamente se beneficiado, de forma direta, da sustentação política
envidada em favor de Paulo Roberto Costa, como inclusive já afirmei
neste voto, constato que o conjunto probatório dos autos não se apresenta
suficiente a confirmar a sua adesão subjetiva à forma como era realizado
o branqueamento das vantagens indevidas pagas pelas empresas
cartelizadas no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.
É que, a partir da estruturação do cartel de empresas e do ajuste do
percentual dos contratos que deveria ser direcionado ao Partido
Progressista (PP), o colaborador Alberto Youssef foi responsável por
viabilizar o recebimento desses recursos, como se deflui do seguinte
trecho do seu depoimento:

“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E qual foi o interesse do Deputado José Janene e do
Partido Progressista em indicar e conseguir a nomeação de
Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da
Petrobras?
COLABORADOR - Na verdade, para obter recursos para a
campanha do Partido.

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MINISTÉRIO PÚBLICO - E esses eram obtidos como?


COLABORADOR - Eram obtidos com os empresários que
prestavam serviço para a Petrobras.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quem era que cobrava esses
valores dos empresários?
COLABORADOR - No primeiro momento, o Senhor José
e, depois, eu passei a cobrar.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
E como é que ocorria o repasse desses valores dos
empresários para o senhor, para o Janene e para o Partido?
COLABORADOR - Algumas empresas pagavam lá fora,
algumas empresas necessitavam de contratos e emissão de
notas para que a gente pudesse obter o recebimento, e algumas
empresas pagavam um valor aqui no Brasil em dinheiro vivo.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E o senhor operava alguma
empresa que viabilizava o repasse desses valores? Quais eram
essas empresas? Como é que isso ocorria?
COLABORADOR - Eu terceirizava a questão da emissão
de notas. Eu usava as empresas que o Waldomiro tinha, às
vezes, as empresas do Meirelles. Na verdade, eu não tinha
empresa para fazer esse tipo de coisa.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Quais eram as empresas do Waldomiro?
COLABORADOR - A MO Consultoria, a Empreiteira
Rigidez, que eu me lembre são essas duas, nesse momento.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tinha a RCI Software?
COLABORADOR - RCI Software também.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E essas empresas tinham
existência efetiva ou eram só empresas de fachada?
COLABORADOR - As empresas tinham local de escritório
e tudo, mas, na verdade, era só uma fachada, ela não tinha
funcionário, ela não prestava serviço.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E esses contratos, eles eram
providenciados por quem, era o senhor ou era o Waldomiro?
Como é que era?
COLABORADOR - Eu combinava tudo e, depois, indicava

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que o Waldomiro procurasse a pessoa da empresa, e, aí, eles


tratavam dos assuntos de contrato e a parte de pagamento.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E quem emitia a nota fiscal?
COLABORADOR - O Waldomiro emitia. Na verdade, eu
pedia para o contador dele emitir, alguma coisa assim nesse
sentido.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Os contratos e as notas eram
fictícios?
COLABORADOR - Sim, senhor.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O Waldomiro recebia alguma
remuneração por esse serviço aí de ceder as empresas dele, por
emitir essas notas?
COLABORADOR - Ele tinha remuneração, sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
Aí, como é que se operacionalizava a retirada desses
valores e o repasse para o destinatário?
COLABORADOR - Num primeiro momento, o
Waldomiro fazia a reserva no banco e retirava os valores e, ou
eu, ou o meu funcionário, encontrava com ele no banco e
retirava os valores sacados. Depois, começou a ficar muito
difícil a questão de saque na boca do caixa e, aí, o Waldomiro
me apresentou o Leonardo Meirelles, onde eu passei a enviar as
TED's para ele, e ele me dava os reais vivos no meu escritório”
(fls. 2.817-2.818).

Desse relato é possível concluir que a obtenção de recursos de


origem ilícita, por meio de contratos de prestação de serviços fictícios,
nítida manobra de lavagem de capitais, era operacionalizada
exclusivamente por Alberto Youssef, com o auxílio de Waldomiro de
Oliveira, o qual disponibilizou ao primeiro sociedades empresárias para a
operação, a partir das quais eram emitidas as notas fiscais que
emprestavam a aparência de licitude às despesas feitas pelas empresas
cartelizadas, cujos recursos destinavam-se ao caixa de propinas do
Partido Progressista (PP).
Transcrevo, no ponto, as declarações de Waldomiro de Oliveira:

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“(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - Eu queria só, basicamente, que o
senhor relatasse a sua relação com o Alberto Youssef, como ela
começou, como ela se desenvolveu, e essa questão que o senhor
já mencionou, no depoimento prestado durante o inquérito, do
empréstimo das empresas MO, Rigidez e RCI, pra que ele
recebesse dinheiro de empreiteiras.
INFORMANTE - Então é simples. Eu conheci o Alberto
aqui na Paulista, através de um amigo, e isso já tá tudo nos
autos já, desde quando eu tive em Curitiba, lá com o Doutor
Sérgio Moro, mas vou falar de novo, como o senhor pediu.
Nessa ocasião, eu tinha um escritório aqui na Alameda Santos e
trabalhava normal, com as minhas coisas lá de assessor de
empresa, ou alguma coisinha, mais junta comercial, e a gente
acabou se conhecendo. E houve uma situação de que ele
pediu... A gente acabou se conhecendo e ele falou: ‘Escuta, eu
tenho alguns clientes que eu preciso receber comissões e eu não
tenho como dar, recebendo esse valor, eu não tenho como
comprovante de nota fiscal, isso que a empresa precisa’. ‘Muito
bem, o que você precisa? O que que são?’ ‘Comissões, e essas
empresas me devem, e eu tenho que receber. Certo?’ ‘Por mim,
tudo bem’. Então nasceu dessa forma, ou seja, eu emitia as
notas que ele pedia, pra quem ele queria e, depois, o resto era
problema dele. Foi dessa forma que eu conheci o Alberto
Youssef e onde veio o caso da empreiteira, da Rigidez, da MO;
os casos são todos iguais.
MINISTÉRIO PÚBLICO - A RCI também era sua?
INFORMANTE - Sim.
MINISTÉRIO PÚBLICO - A RCI Software. E essas
empresas tinham existência efetiva?
INFORMANTE - Não. Uma parte, a MO tinha até, depois
ela foi desvirtuada totalmente do caminho, do rumo dela, aí
ficou usando simplesmente pra emissão de notas pro Alberto.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E como é que se dava a questão
dos contratos? Porque também a investigação chegou a

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apreender vários contratos.


INFORMANTE - Sim, esses contratos eles eram emitidos
pelas empresas que o próprio Alberto mexia e dizia: ‘Olha, você
vai receber contrato de fulano de tal, fulano de tal, fulano de
tal’. ‘Ok’. O contrato já vinha pronto, eu só assinava e devolvia
o contrato.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Chegava a ter alguma prestação
de serviço?
INFORMANTE - Não chegava, não tinha” (fl. 2.812-2.813).

À luz de tal contexto delineado pelos depoimentos colacionados, fica


evidenciada a existência de uma compartimentação de tarefas no acerto
feito para o pagamento de vantagens indevidas em decorrência dos
contratos celebrados no âmbito da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A. - tema que deverá ser objeto de análise e deliberação nos
autos do INQ 3.989, em que se investiga o núcleo político de organização
criminosa composto por membros do Partido Progressista (PP) -, não
sendo possível extrair do conjunto probatório qualquer ingerência do
acusado Nelson Meurer nesta etapa específica da viabilização dos
recursos à agremiação partidária.
Idêntica conclusão, aliás, fundamentou o juízo absolutório do
denunciado Nelson Meurer no que diz respeito aos antecedentes crimes
de corrupção praticados por Paulo Roberto Costa em detrimento da
Petrobras S/A. E aqui, mais uma vez, a ausência de comprovação do
vínculo subjetivo às práticas de lavagem de dinheiro por Alberto Youssef
igualmente impede a incidência do contido no art. 29 do Código Penal.

2.2.2. Lavagem do produto da corrupção passiva praticada por


Nelson Meurer, com auxílio de Nelson Meurer Júnior e Cristiano
Augusto Meurer, correspondente aos recebimentos ordinários de
vantagens indevidas.

Inicio, neste tópico, delimitando o campo de incidência hipotética da


imputação feita pela Procuradoria-Geral da República na incoativa, tendo

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em vista que, por se tratar de crime acessório, a configuração do delito de


lavagem de capitais tem por objeto material bens, direitos ou valores
obtidos em prática delituosa anterior.
Conforme exaustivamente analisado no capítulo apropriado deste
voto, na espacialidade narrada pela acusação, o crime de corrupção
passiva praticado por Nelson Meurer, mediante o recebimento de
vantagens ordinárias do caixa de propinas do Partido Progressista (PP),
viabilizado no seio da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A., foi
configurado em 30 (trinta) oportunidades, das quais em 5 (cinco)
concorreu o coacusado Nelson Meurer Júnior e em apenas 1 (uma)
Cristiano Augusto Meurer.
E ainda que seja desnecessária a cabal comprovação da prática do
crime antecedente à configuração do crime de lavagem de capitais (STF,
HC 94.958, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 9.12.2008), nos termos
do art. 2º, II, § 1º, da Lei n. 9.613/1998, o conjunto cognitivo dos autos não
permite a escorreita identificação de todos os atos de branqueamento
atribuídos aos acusados, como se verá adiante.
Segundo a denúncia, os valores recebidos pelo acusado Nelson
Meurer, correspondentes aos pagamentos ordinários de vantagens
indevidas para a manutenção de Paulo Roberto Costa no cargo de Diretor
de Abastecimento da Petrobras S/A e, consequentemente, do esquema de
corrupção ali deflagrado, teriam sido objeto de lavagem mediante: (i)
recebimentos de dinheiro em espécie; (ii) recebimentos de valores por
intermédio do Posto da Torre, localizado nesta Capital Federal; (iii)
depósitos em dinheiro de forma pulverizada em contas-correntes de sua
titularidade e; (iv) registros, em declarações de ajuste anual de imposto
de renda, da manutenção de considerável quantia de dinheiro em espécie.
Na esteira de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, afasto, de antemão, a pretendida tipicidade aos atos de
mero recebimento de valores em espécie pelos acusados.
Com efeito, como enfatizei ao tratar, de modo genérico, essa
específica imputação, por ocasião do julgamento de Embargos
Infringentes interpostos contra o acórdão proferido na AP 470, esta

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Suprema Corte assentou que o recebimento, ainda que por interposta


pessoa, da vantagem indevida negociada no âmbito do delito de
corrupção passiva antecedente, pode não configurar o crime de lavagem
de ativos. Novamente trago à colação:

“(...)
Embargos infringentes na AP 470. Lavagem de dinheiro. 1.
Lavagem de valores oriundos de corrupção passiva praticada
pelo próprio agente: 1.1. O recebimento de propina constitui o
marco consumativo do delito de corrupção passiva, na forma
objetiva ‘receber’, sendo indiferente que seja praticada com
elemento de dissimulação. 1.2. A autolavagem pressupõe a
prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime
antecedente (já consumado), não verificados na hipótese. 1.3.
Absolvição por atipicidade da conduta. 2. Lavagem de dinheiro
oriundo de crimes contra a Administração Pública e o Sistema
Financeiro Nacional. 2.1. A condenação pelo delito de lavagem
de dinheiro depende da comprovação de que o acusado tinha
ciência da origem ilícita dos valores. 2.2. Absolvição por falta de
provas 3. Perda do objeto quanto à impugnação da perda
automática do mandato parlamentar, tendo em vista a renúncia
do embargante. 4. Embargos parcialmente conhecidos e, nessa
extensão, acolhidos para absolver o embargante da imputação
de lavagem de dinheiro” (AP 470 EI-sextos, Rel.: Min. LUIZ
FUX, Rel. p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal
Pleno, j. 13.3.2014 - destaquei).

Desse modo, se mesmo por interposta pessoa o mero recebimento da


vantagem decorrente da mercancia da função pública não é conduta apta
a configurar o delito de lavagem de capitais, tal conclusão, por uma
questão lógica, merece incidir sobre a conduta do próprio agente público
que acolhe a remuneração indevida.
Portanto, nesse contexto, tenho por não configurados os crimes de
lavagem de dinheiro consubstanciados nos recebimentos diretos de
quantias em espécie atribuídos aos acusados.

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Conclusão diversa, todavia, se extrai do conjunto probatório no


tocante às quantias recebidas pelo denunciado Nelson Meurer via Posto
da Torre, de propriedade de Carlos Habib Chater e utilizado por Alberto
Youssef para a realização de pagamentos nesta Capital Federal.
De fato, dentre as mais variadas modalidades de ocultação da
origem e da localização de vantagem pecuniária recebida pela prática de
delito anterior, o depósito fracionado da quantia em conta-corrente, em
valores que não atingem os limites estabelecidos pelas autoridades
monetárias à comunicação compulsória dessas operações, é meio idôneo
para a consumação do crime em análise.
Nesse sentido, mais uma vez colho os ensinamentos de Gustavo
Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini:

“(...)
São exemplos da ocultação, a fragmentação dos valores
obtidos para movimentação de pequenas quantias incapazes de
chamar a atenção das autoridades públicas, ou que não exijem a
comunicação necessária de parte dos particulares colaboradores
(smurfing), o depósito do capital em contas de terceiros, sua
conversão em moeda estrangeiras, em outros ativos, e a compra
de imóveis em nome de laranjas” (Lavagem de dinheiro. Aspectos
penais e processuais penais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 66 - destaques no original).

Na espécie, está demonstrado, pelo laudo pericial acostado às fls.


745-750, que, logo após receber os recursos provenientes do Posto da
Torre, momento consumativo do crime de corrupção passiva, o
denunciado Nelson Meurer pratica, de modo autônomo e com finalidade
distinta, novos atos aptos a violar o bem jurídico tutelado pelo art. 1º da
Lei n. 9.613/1998, consistentes na realização, somente no dia 5.1.2009, de
24 (vinte e quatro) depósitos na conta n. 2787210, da agência 4884 do
Banco do Brasil, de sua titularidade, perfazendo a exata quantia de R$
42.000,00 (quarenta e dois mil reais), a mesma que consta ter sido
disponibilizada pelo referido estabelecimento comercial no dia

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imediatamente anterior, 4.1.2009.


Idêntica constatação também é alcançada em relação aos 8 (oito)
depósitos realizados na mesma conta no dia 29.1.2009, os quais somam
R$ 10.000,00 (dez mil reais), equivalentes à anotação constante do sistema
de contabilidade do Posto da Torre como quantia disponibilizada a
Nelson Meurer no dia 27.1.2009.
Essas circunstâncias revelam, de forma nítida, a ação dolosa do
acusado Nelson Meurer voltada a ocultar das autoridades fiscalizadoras a
origem espúria das quantias obtidas junto ao Posto da Torre, tratando-se
de atos que se amoldam à figura típica prevista no art. 1º, caput, da Lei n.
9.613/1998.
Destaco, no ponto, que as alterações operadas pela Lei n. 12.683/2012
não influenciam na resolução do caso em exame, pois o produto do delito
de corrupção passiva já se amoldava, antes da abertura do rol taxativo
previsto no art. 1º da Lei n. 9.613/1998, ao objeto material do crime de
lavagem de capitais, consoante se infere da redação do revogado inciso V
(contra a Administração Pública).
No que tange às imputações de lavagem de capitais
consubstanciadas nos demais depósitos fracionados realizados em contas
bancárias titularizadas pelo denunciado Nelson Meurer, embora as
operações listadas às fls. 916-928 sejam indicativas da prática delitiva,
porquanto novamente demonstram modus operandi apto a ocultar a
disponibilidade das quantias depositadas, o conjunto probatório, a meu
sentir, não permite a afirmação peremptória de que tais valores, à exceção
dos já destacados, sejam provenientes da prática delituosa anterior.
Com efeito, diversamente do que se verifica em relação aos
pagamentos efetuados via Posto da Torre, cujos atos de ocultação foram
prontamente atestados nos depósitos subsequentes que perfizeram a
exata quantia descrita no sistema de contabilidade apreendido, os demais
fracionamentos não encontram correspondência com eventuais
pagamentos de vantagens indevidas identificadas, motivo pelo qual não é
possível firmar, com a segurança necessária exigida na seara penal, um
juízo condenatório isento de dúvida.

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Derradeiramente, impende a análise da alegada ocorrência do crime


de lavagem de dinheiro mediante a declaração, em ajustes anuais de
imposto de renda de pessoa física, de disponibilidade monetária
incompatível com os rendimentos regularmente percebidos pelo
denunciado Nelson Meurer.
Sobre o tema, colho lições de Leandro Paulsen:

“(...)
O fato de uma pessoa ter adquirido bens ou realizado
depósito em suas contas e as declarado à Receita Federal pode
ser um indicativo de que se trata de ativos lícitos, mas não é
suficiente para que se conclua nesse sentido. Por vezes,
inclusive, revelará a própria evolução patrimonial a descoberto,
ou seja, a aquisição de bens sem renda lícita correspondente.
Noutras vezes, poderá consistir na tentativa de dar a aparência
de ter sido adquirido com os rendimentos lícitos também
declarados, quando, em verdade, possa ter sido adquirido com
outros recursos, provenientes de crimes antecedentes,
configurando a lavagem” (Crimes federais. São Paulo: Saraiva,
2017. p. 276)

No caso em tela, as informações extraídas das declarações de


imposto de renda fornecidas tanto pelo acusado Nelson Meurer como
pela Receita Federal do Brasil, quando comparadas com os dados obtidos
mediante a quebra do seu sigilo bancário, revelam movimentações
financeiras muito superiores aos rendimentos líquidos declarados nos
anos de 2010 a 2014, conforme conclusão exarada no Relatório de Análise
n. 75/2015, elaborado pela Secretaria de Pesquisa e Análise da
Procuradoria-Geral da República (fls. 518-534, do apenso 3).
Registro, aqui, o fato do aludido acusado, nos mesmos anos
destacados, ter declarado ser possuidor de expressivas quantias de
dinheiro em espécie, as quais também não guardam qualquer
compatibilidade com os rendimentos ordinários percebidos.
De fato, nas declarações de ajuste anual apresentadas nos anos de
2010 a 2014, o denunciado Nelson Meurer informou à Secretaria da

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 210 de 486 3622


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Receita Federal do Brasil manter em sua guarda R$ 108.160,00 (cento e


oito mil, cento e sessenta reais), R$ 122.408,00 (cento e vinte e dois mil,
quatrocentos e oito reais), R$ 1.365.410,00 (um milhão, trezentos e
sessenta e cinco mil, quatrocentos e dez reais), R$ 763.360,00 (setecentos e
sessenta e três mil, trezentos e sessenta reais) e R$ 804.550,00 (oitocentos e
quatro mil, quinhentos e cinquenta reais), respectivamente.
No entanto, nos anos correspondentes, as declarações de ajuste
anual de imposto de renda demonstram ter auferido rendimentos
líquidos nos valores de R$ 218.413,51 (duzentos e dezoito mil,
quatrocentos e treze reais e cinquenta e um centavos), R$ 303.039,51
(trezentos e três mil, trinta e nove reais e cinquenta e um centavos), R$
307.381,94 (trezentos e sete mil, trezentos e oitenta e um reais e noventa e
quatro centavos), R$ 279.400,23 (duzentos e setenta e nove mil e
quatrocentos reais e vinte e três centavos) e R$ 264.020,44 (duzentos e
sessenta e quatro mil e vinte reais e quarenta e quatro centavos).
Não bastasse esse flagrante e notável descompasso entre os
rendimentos auferidos pelas fontes declaradas e a manutenção de
quantias que em muito os superam, o mesmo Relatório de Análise n.
75/2015 revela que nos respectivos anos foram creditadas em contas-
correntes titularizadas por Nelson Meurer as cifras de R$ 879.162,55
(oitocentos e setenta e nove mil, cento e sessenta e dois reais e cinquenta e
cinco centavos) no ano de 2010; R$ 954.828,75 (novecentos e cinquenta e
quatro mil, oitocentos e vinte e oito reais e setenta e cinco centavos) no
ano de 2011; R$ 861.172,23 (oitocentos e sessenta e um mil, cento e setenta
e dois reais e vinte e três centavos) no ano de 2012; R$ 762.742,57
(setecentos e sessenta e cinco mil, setecentos e quarenta e dois reais e
cinquenta e sete centavos) no ano de 2013 e; R$ 351.135,24 (trezentos e
cinquenta e um mil, cento e trinta e cinco reais e vinte e quatro centavos),
no ano de 2014, sendo certo que, em relação a este último ano a
informação se refere apenas ao primeiro semestre (fl. 521, apenso 3).
O parlamentar denunciado, em seu favor, assenta basicamente que
por sua conta também transitavam verbas indenizatórias decorrentes do
exercício da atividade parlamentar, esclarecendo que o acréscimo

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patrimonial declarado teria como uma das causas a doação de um imóvel


ao IBAMA no ano de 1985, revertida no ano de 2012, o qual teve
significativa valorização no referido lapso temporal. Quanto às quantias
mantidas em espécie, seriam decorrentes de uma operação contábil
relacionada ao fechamento de um supermercado do qual foi sócio na
década de 1980.
Vale transcrever os esclarecimentos prestados pelo próprio acusado
em seu interrogatório:

“(...)
JUIZ - Bom, nas folhas 913 da denúncia, o Ministério
Público, ele alega a existência de um descompasso entre os
rendimentos líquidos que o senhor declarou nos anos de 2010,
2011, 2012, 2013 e 2014. Se o senhor puder dá uma olhadinha, o
senhor está com a denúncia nas mãos. Da denúncia, é a folha
47. Mas, dos autos, se o senhor estiver com uma cópia extraída
dos autos, é a folha 913.
RÉU - É esta aqui, né?
JUIZ - É essa página mesmo. Então, aqui, o Ministério
Público alega que o senhor teria tido no, ano de 2010, um
rendimento líquido de aproximadamente 218 mil reais - eu
estou aproximando aqui os números -; em 2011, 303 mil reais;
em 2012, 307 mil reais; em 2013, 279 mil reais; e 2014, 264 mil
reais. Em comparação com créditos em contas-correntes do
senhor: de 2010, 879 mil; 2011, 954 mil; 2013, 765 mil; e 2014, 351
mil. Segundo o Ministério Público aponta e alega na denúncia
contra o senhor, haveria uma incompatibilidade entre os
rendimentos líquidos declarados pelo senhor e os valores que
ingressaram a título de créditos em suas contas-correntes. Há
mesmo essa incompatibilidade? O senhor reconhece esses
valores como sendo os valores que ingressaram em sua conta-
corrente?
RÉU - Não, não, não. Primeiro, doutor, que não é verdade.
JUIZ - O que que não é verdade? Que parte?
RÉU - O Ministério Público não foi correto nessas
informações, porque ele deixou de incluir, aqui, o recurso que

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eu recebo do Nuvep, que é a verba indenizatória, certo?


JUIZ - Certo.
RÉU - Somando a verba indenizatória, por essa razão, por
essa razão, porque todos os recursos que entraram na minha
conta foram recursos lícitos. Lícitos, tranquilo. Porque existem
empréstimos no banco, que eu fiz para pagar em (ininteligível)
dias no banco; existe a verba indenizatória todo mês. É por
essas razões que foi pedido a... Como é que se diz? A perícia,
para mostrar que o Ministério Público está completamente
equivocado com essas informações, porque não existiu. Porque,
quando eu fiz o meu depoimento para a Polícia Federal no
coisa, eu, imediatamente, voluntariamente, apresentei todas as
minhas declaração de bens, todas as minhas declaração de bens
e todas as minhas contas-correntes das três contas que eu tinha,
que era a 278, a 268 e a conta da Caixa Econômica, que é a
minha mulher que administra, que entra ali a minha
aposentadoria de R$2.600,00 por mês.
JUIZ - Tá. Então, vamos resumir assim. Deixa eu ver se eu
entendi. O senhor não nega esses valores?
RÉU - Não, não. Eu não posso afirmar esses valores, por
essa razão que foi pedida a perícia.
JUIZ - Entendi. Mas, assim, a pergunta que eu faço...
RÉU - Mas não é verdade essa diferença. Essas diferenças
que aconteceram não é verdade, porque não tem nada ilícito aí
nessa história.
JUIZ - Entendi. Mas, então, assim: vamos supor aqui.
Vamos pegar um ano, 2010. Neste ano, o que ingressou na conta
do senhor foi o seu salário de deputado...
RÉU - A verba do Nuvep.
JUIZ - A verba indenizatória, né?
RÉU - A verba indenizatória.
JUIZ - E a sua aposentadoria?
RÉU - E a minha aposentadoria.
JUIZ - Nada além disso?
RÉU - Não, e também os empréstimos que eu fiz no banco.
JUIZ - Empréstimos que o senhor fez no próprio banco?

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RÉU - No Banco do Brasil.


JUIZ - No próprio Banco do Brasil. Tá.
RÉU - E também porque eu sempre tinha, nas minhas
declaração de bens, eu sempre tinha algum recursos, de um ano
para outro, recurso em espécie e (ininteligível).
JUIZ - Tá. Os empréstimos que o senhor fez no banco o
senhor declarou na sua declaração de imposto de renda?
RÉU - Não. Não, tá declarado no imposto de renda, lógico,
o empréstimo que eu devia no Banco do Brasil, tá declarado.
JUIZ - Tá declarado?
RÉU - Tá declarado. A não ser aqueles empréstimos que
você faz para pagar, que você faz durante o ano e quita no
mesmo ano.
JUIZ - Certo.
RÉU - Tu entendeu? Aí ele não vai aparecer no imposto de
renda.
JUIZ - Não precisa, não precisa.
RÉU - Exato.
JUIZ - Pela lei do imposto de renda, não há necessidade.
Tá. Então, assim, todos esses valores que ingressaram nas
contas do senhor são oriundos do subsídio, né - falando
tecnicamente -, de deputado?
RÉU - Exato. O que que entrou na minha conta? O meu
salário, a minha aposentadoria, a verba do Nuvep, que, durante
todos esses anos aqui foi mais de um milhão e meio
JUIZ - Quanto que é? Quanto que é por mês hoje? Quanto
que está por mês hoje a verba do Nuvep?
RÉU - A verba do Nuvep está em... Eu não lembro aqui, no
momento, porque é a minha assessora que vê, mas em torno de
42 mil, por mês.
JUIZ - Hoje?
RÉU - É.
JUIZ - Então todo deputado, hoje, tem à disposição...
RÉU - É, mais ou menos. Eu não posso afirmar o valor
correto, mas...
JUIZ - Sim, aproximadamente 42 mil.

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RÉU - Mas, aproximadamente, isso aí.


JUIZ - Quando foi que teve o último reajuste? O senhor
recorda esse valor?
RÉU - Ah, faz tempo.
JUIZ - Ok.
RÉU - Faz mais de (ininteligível)
JUIZ - A denúncia aponta - não é? - que o senhor teria um
valor em espécie.
RÉU - Isso.
JUIZ - Segundo o juízo de valor expresso na denúncia pelo
Ministério Público, esse valor era incompatível, pelo menos com
aquilo que usualmente ocorre.
RÉU - Por exemplo?
JUIZ - Diz assim, ó: no ano de 2012, as disponibilidades
em dinheiro em espécie do deputado federal Nelson Meurer
tiveram um acréscimo de R$ 1.243.002,00.
RÉU - E estava na minha declaração de bens, né?
JUIZ - Exatamente. Estava na sua declaração de bens.
RÉU - Se estava na minha declaração de bens, e foi
analisado pela Receita Federal, e foi aprovada a minha conta na
declaração de bens, é porque não acharam nenhuma
irregularidade.
JUIZ - Perfeito. O Ministério Público aponta isso como
um...
RÉU - Mas o Ministério Público, só que o Ministério
Público não é a Receita Federal.
JUIZ - Eu sei, deputado, mas é que nós estamos aqui, hoje,
justamente, num ato de defesa pessoal do senhor, justamente
para ajudar o Ministro e, enfim, os demais Ministros da Turma.
RÉU - Não, eu concordo. Tá certo. Eu entendo. O senhor
tem toda razão.
JUIZ - Justamente para decidir se o que o Ministério
Público está falando é verdade ou não.
RÉU - É que nessa...
JUIZ - Então, assim, é uma... Veja, o senhor não tem
obrigação de responder nada, como eu disse.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 215 de 486 3627


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RÉU - Não, mas eu faço questão de responder tudo


(ininteligível), porque não tem nada errado e nada ilegal nas
minhas ações.
JUIZ - Está ok. O senhor tinha, em espécie, esse dinheiro
em casa? Onde é que o senhor deixava esse dinheiro? É verdade
isso, o senhor tinha um milhão e duzentos mil reais em casa,
aproximadamente?
RÉU - Nota bem o seguinte, algumas coisas, por exemplo,
que ano foi esse?
JUIZ - Segundo a denúncia, no ano de 2012, o senhor
encerrou...
RÉU - 2012. O senhor foi notar de 2012, aí, desse valor
aqui, é só verificar a minha declaração de bens, e o Ministério
Público verificar, porque eu tinha uma cota da... eu tinha uma
cota do Supermercado Marrecão, que era de novecentos e
poucos mil reais. E fazia muito tempo que o Marrecão estava
fechado, estavam suspensas as atividades dele com a Receita
Federal, e já não tinha mais, e estava ali simplesmente, como é
que se diz, escriturado. E o meu contador, naquele ano, deu
baixa do Supermercado Marrecão. No dar baixa no
Supermercado Marrecão, ele, lógico, transferiu para recurso em
espécie o valor daquela cota, que eu tinha pago Imposto de
Renda, que eu tinha pago tudo (ininteligível). Então, quer dizer,
que eu tinha aquele dinheiro. Não sei se o senhor entendeu.
JUIZ - Estou tentando entender.
RÉU - (ininteligível)
JUIZ - O senhor está querendo me dizer que o senhor
declarou no Imposto de Renda...
RÉU - É só ver no Imposto de Renda.
JUIZ - Sim.
RÉU - O Imposto de Renda meu deve ter, vinha...
JUIZ - O senhor declarou que tinha um milhão e duzentos
mil em espécie, mas, na verdade, o senhor não tinha?
RÉU - Não tinha.
JUIZ - Então, foi uma declaração falsa?
RÉU - Não, não é declaração falsa porque foi a baixa,

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 216 de 486 3628


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naquela época, foi a baixa que o contador deu do Supermercado


Marrecão, que eu tinha uma cota de novecentos e poucos mil.
JUIZ - O senhor era sócio do Supermercado Marrecão?
RÉU - Era sócio majoritário.
JUIZ - O senhor era sócio majoritário?
RÉU - E ele foi fechado em 87, 88, e o contador não deu
baixa, ficou naquilo por causa que... Se tem um certo tempo...
JUIZ - Então ele colocou na sua declaração de Imposto de
Renda...
RÉU - Exato.
JUIZ - ...um valor em espécie que, na verdade, não existia?
RÉU - Deu aquilo e deu... e ficou aquilo lá, mas, na
realidade... Não era falso porque era um recurso que eu paguei
Imposto de Renda sobre aquilo.
JUIZ - Mas o recurso, de fato, não existia?
RÉU - Não existia. E só esse fato que deu no coisa.
JUIZ - Então, o senhor, na verdade... O senhor tinha
quanto em dinheiro, em espécie?
RÉU - Eu não lembro.
JUIZ - Mas chegava a ter muito dinheiro em espécie em
casa, ou não?
RÉU - Duzentos mil, duzentos e cinquenta mil.
JUIZ - Então, na verdade, era duzentos, duzentos e
cinquenta?
RÉU - É, trezentos mil, dependendo do coisa que tinha.
Não era só da minha conta, às vezes eu tinha emprestado para
um amigo meu, ficava aquele dinheiro, mas não tem.
JUIZ - O senhor, quando emprestava, o senhor não
colocava no Imposto de Renda que emprestou?
RÉU - Não, não colocava” (fls. 2.857-2.862).

Nada obstante a argumentação defensiva no sentido de dar base


fática às declarações prestadas à Receita Federal do Brasil, o conjunto
probatório evidencia que tais operações eram destinadas a criar, de forma
artificiosa, a existência de um patrimônio aparentemente lícito, mas
composto por vantagens auferidas de atividades delituosas.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 217 de 486 3629


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Convém assinalar, desde já, que os extratos bancários obtidos por


meio da respectiva quebra de sigilo identificam os valores recebidos dos
cofres do Tesouro Nacional, conforme se infere dos documentos
constantes dos arquivos contidos em mídia encartada à fl. 3 do apenso 1.
Por essa simples razão, não foi necessária a produção de prova pericial
para a aferição da quantia percebida a título de verba indenizatória.
No que diz respeito à reversão da doação de imóvel rural realizada
na década de 1980, não há nos autos qualquer comprovação de sua
alienação, sendo inviável a sua invocação para justificar a descompassada
movimentação financeira em contas-correntes titularizadas pelo
denunciado Nelson Meurer.
Tampouco a liquidação do estabelecimento comercial denominado
Supermercado Marrecão Ltda. serve como justificativa idônea para
sustentar, por exemplo, a declaração de ter em sua guarda a expressiva
quantia de R$ 1.365.410,00 (um milhão, trezentos e sessenta e cinco mil,
quatrocentos e dez reais).
Com efeito, mesmo que se admita tratar-se de uma manobra
contábil, o denunciado Nelson Meurer, nas declarações de imposto de
renda prestadas nos anos de 2011 e 2012 (fl. 566, apenso 2, CD 1),
informou ser proprietário de 103.500 (centro e três mil e quinhentas) cotas
da referida sociedade empresária, ao passo que, no ano seguinte, quando
declarada a sua liquidação, declinou possuir 848.568 (oitocentas e
quarenta e oito mil, quinhentas e sessenta e oito) cotas, atribuindo a cada
uma o valor de R$ 1,00 (um real).
Embora o valor atribuído à totalidade das cotas não tenha se
alterado durante os anos, é certo que o próprio denunciado confessa que
tal sociedade empresária já não se encontrava mais em atividade,
circunstância que revela que a sua liquidação foi utilizada para conferir
ares de licitude a recursos obtidos de forma espúria.
Soma-se a tal constatação o fato de que, nas declarações de imposto
de renda posteriores, o denunciado continuou informando a manutenção
em espécie de quantias muito superiores àquelas que ele mesmo, em seu
interrogatório, declarou como habitualmente guardadas em seu poder,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 218 de 486 3630


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algo em torno de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).


Destaco, por fim, que se mostra irrelevante a inexistência de
qualquer procedimento administrativo tributário deflagrado para
perquirir a veracidade das declarações prestadas pelo denunciado à
Secretaria da Receita Federal do Brasil para as conclusões ora exaradas,
em razão da independência da atuação do Estado na ambiência de cada
um dos Poderes da República.
Com essas considerações, tenho por demonstrada a
incompatibilidade entre os rendimentos auferidos pelo denunciado
Nelson Meurer, as quantias movimentadas em suas contas-correntes e os
valores em espécie declarados à Receita Federal, o que caracteriza a
formação dolosa de patrimônio lícito inexistente nos anos de 2010 a 2014,
conduta que perfeitamente amolda-se ao delito previsto no art. 1º, caput,
da Lei n. 9.613/1998.

2.2.3. Lavagem do produto da corrupção passiva praticada por


Nelson Meurer, com auxílio de Nelson Meurer Júnior, correspondente
aos recebimentos extraordinários de vantagens indevidas.

Neste particular, a Procuradoria-Geral da República imputa aos


acusados Nelson Meurer e Nelson Meurer Júnior a prática do crime de
lavagem de capitais em decorrência do recebimento de dinheiro em
espécie, bem como na obtenção de vantagem indevida por intermédio de
doação eleitoral oficial.
No tocante à primeira modalidade, atribuída a ambos os
denunciados acusados, para evitar indesejável tautologia, reporto-me aos
argumentos declinados no item anterior para absolver Nelson Meurer e
Nelson Meurer Júnior acerca da imputação relacionada ao recebimento
de dinheiro em espécie, em função da já definida atipicidade da conduta.
Quanto à possibilidade da doação eleitoral oficial, quando
comprovadamente destituída da gratuidade que a qualifica, configurar
não só o delito de corrupção passiva, mas também o de lavagem de
capitais, anoto que o tipo em análise, como visto, materializa a relevância
penal da ação de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 219 de 486 3631


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disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores


provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Cuida-se de delito por meio do qual o agente, em razão da vantagem
indevida obtida como produto de prática ilícita anterior, busca dar-lhe
ares de licitude para viabilizar a sua fruição a par de qualquer embaraço
legal.
Com tal desiderato, é plenamente viável que o agente corrompido
negocie com o seu corruptor que o adimplemento da vantagem indevida
se dê mediante a prática de ato aparentemente lícito, como é o caso de
uma doação eleitoral oficial, hipótese na qual, de forma induvidosa,
estaria configurado o crime de lavagem de capitais, diante da flagrante
inexistência da predisposição do particular em efetuar a liberalidade.
Em situações como estas, mostra-se inegável que o agente
corrompido terá a livre disponibilidade da vantagem indevida negociada,
proporcionada pela chancela da Justiça Eleitoral, caso atendidos os
requisitos e limites legais aplicáveis, para aplicação em gastos de sua
campanha, tornando desnecessário recorrer ao autofinanciamento ou à
obtenção de outros recursos.
Embora não desconheça a divergência existente sobre o tema,
relembro que esta Segunda Turma, em julgado recente, recebeu denúncia
que imputava a parlamentar a prática dos crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro em virtude do recebimento de vantagens indevidas
dissimuladas, sob a forma de doações eleitorais declaradas ao Tribunal
Superior Eleitoral (INQ 3.982, de minha relatoria, julgamento em
7.3.2017). Na ocasião, o Ministro Celso de Mello assentou, em seu voto:

“(...)
Peço vênia, bem por isso, para discordar do eminente
Ministro DIAS TOFFOLI quanto ao entendimento de Sua
Excelência, conforme expressamente ressaltado em seu douto
voto, de que inocorreu, no caso, a situação configuradora do
crime de lavagem de dinheiro ou de valores.
É que tenho por inconsistente o argumento de que a
configuração típica do crime de lavagem de dinheiro ou de

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valores exigiria, para concretizar-se, conforme sustentado pelo


Ministro DIAS TOFFOLI, o integral exaurimento de cada um
dos estágios que caracterizam, ordinariamente, o modelo
trifásico.
É sempre importante assinalar, quanto a esse aspecto, o
caráter autônomo das diversas fases que compõem o ciclo
tradicional do processo de lavagem de valores ou capitais,
ainda que possa haver, em alguns momentos ou em
determinados contextos, um nexo de interdependência entre as
diversas operações.
Isso significa que o crime de lavagem pode consumar-se já
em seu primeiro estágio, revelando-se ‘desnecessário atingir o
auge da aparente licitude de bens ou valores (...)’ (MARCO
ANTONIO DE BARROS, ‘Lavagem de Capitais e Obrigações
Civis Correlatas’, p. 49, item n. 1.7.1, 2ª ed., 2008, RT).
Esta Suprema Corte, por sua vez, já se pronunciou no
sentido da superação do modelo trifásico (colocação +
dissimulação/ocultação + integração), como resulta claro do
julgamento proferido no RHC 80.816/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE.
Essa percepção do tema dá razão ao eminente
Desembargador paulista WÁLTER FANGANIELLO
MAIEROVITCH, estudioso da matéria ora em exame, no ponto
em que observa, atento aos altos objetivos visados pela
comunidade internacional, notadamente a partir da Convenção
de Viena (1988), da Convenção de Palermo (2000) e da
Convenção de Mérida (2003), que delitos como a corrupção
governamental e o tráfico de entorpecentes guardam
indiscutível proximidade, em sua condição de infrações penais
antecedentes (pressuposto hoje abolido pela Lei nº 12.683, de
09/07/2012), com o primeiro estágio (‘placement’) do modelo
trifásico referente ao processo de lavagem.
Vê-se, portanto, que se mostra desnecessário o
esgotamento dos 03 (três) estágios que compõem,
ordinariamente, o ciclo peculiar às operações de lavagem de
dinheiro ou de valores (CARLA VERÍSSIMO DE CARLI,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 221 de 486 3633


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‘Lavagem de Dinheiro - Ideologia da Criminalização e Análise


do Discurso’, p. 117/119, item n. 2.3.2, 2008, Verbo Jurídico, v.g.).
Revelar-se-á essencial, no entanto, verificar se se registrou,
ou não, a ocultação ou a dissimulação prevista no tipo penal,
sem prejuízo do exame, em outro momento, da questão
pertinente à denominada ‘willful blindness’ (‘cegueira
deliberada’), que introduz a análise relativa ao dolo eventual
(tipicidade subjetiva) nos delitos previstos na Lei nº 9.613/98,
matéria em torno da qual se instaurou grande debate
doutrinário, com posições teóricas claramente antagônicas
(MARCO ANTONIO DE BARROS, ‘Lavagem de Capitais e
Obrigações Civis Correlatas’, p. 58/60, item n. 1.12, 2ª ed., 2007,
RT; ANTÔNIO SÉRGIO A. DE MORAES PITOMBO, ‘Lavagem
de Dinheiro: A Tipicidade do Crime Antecedente’, p. 133/144,
item n. 6.1, 2003, RT; LUIZ REGIS PRADO, ‘Direito Penal
Econômico’, p. 359/360, 3ª ed., 2009, RT; RODOLFO TIGRE
MAIA, ‘Lavagem de Dinheiro: Anotações às Disposições
Criminais da Lei n. 9.613/98’, p. 87/88, item n. 64, 2ª ed., 2007,
Malheiros; SERGIO FERNANDO MORO, ‘Crime de Lavagem
de Dinheiro’, p. 61/70, item n. 3.3, 2010, Saraiva, v.g.)’.
De qualquer maneira, a questão básica consiste em
identificar, na conduta imputada aos agentes, a sua plena
adequação ao modelo típico, abstratamente definido na lei,
concernente ao próprio núcleo do tipo penal, pois - é
desnecessário dizê-lo -, sem que se evidenciem os atos de
ocultação e/ou de dissimulação, não haverá como reconhecer
configurado o delito de lavagem de valores ou de capitais.
Isso, porém, deverá constituir matéria suscetível de
indagação em momento procedimentalmente oportuno, a ter
lugar na fase instrutória ou probatória do processo penal de
conhecimento.
Assentadas tais premissas, tenho para mim, por relevante,
que a prestação de contas à Justiça Eleitoral pode constituir
meio instrumental viabilizador do crime de lavagem de
dinheiro se os recursos financeiros doados oficialmente a
determinado candidato ou a certo partido político tiverem

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 222 de 486 3634


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origem criminosa, resultante da prática de outro ilícito penal, a


denominada infração penal antecedente, como os crimes contra
a Administração Pública, pois, configurado esse contexto, que
traduz engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a
prestação de contas atuará como típico expediente de ocultação
ou de dissimulação da natureza delituosa das quantias doadas
em caráter oficial oriundas da prática do crime de corrupção, p.
ex..
Esse comportamento, mais do que ousado, constitui gesto
de indizível atrevimento e de gravíssima ofensa à legislação
penal da República, na medida em que os agentes da conduta
criminosa, valendo-se do próprio aparelho de Estado,
objetivam, por intermédio da Justiça Eleitoral e mediante
defraudação do procedimento de prestação de contas, conferir
aparência de legitimidade a doações compostas de recursos
financeiros manchados, em sua origem, pela nota da
delituosidade”(g.n.).

No mesmo sentido, trago posicionamento da egrégia Primeira


Turma do Supremo Tribunal Federal:

(…)
Direito Penal e Processual Penal. Senador da República.
Denúncia. Corrupção Passiva. Lavagem de Dinheiro.
Desmembramento. Recebimento da Denúncia. (...) III. Indícios
de Materialidade e Autoria (...) III.2. Quanto ao Crime de
Lavagem de Dinheiro 12. Consta dos autos indícios de lavagem
de dinheiro por meio de (i) depósitos fracionados nas contas do
Parlamentar, comprovados documentalmente; e (ii)
recebimento de vantagem indevida na forma de doações
eleitorais. Quanto a este último, de se ressaltar que configura
a um só tempo indício do crime de corrupção passiva e de
lavagem de dinheiro, na medida em que esses valores são
apresentados na Prestação de Contas Eleitoral como de origem
lícita, a indicar possível estratégia para conferir aparência de
licitude ao dinheiro proveniente de infração penal. IV.

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Conclusão 13. O recebimento da denúncia, como se sabe, não


importa prejulgamento nem muito menos faz concluir pela
culpabilidade do denunciado. Significa, tão somente, a
plausabilidade da narrativa apresentada pelo Ministério
Público e a necessidade de aprofundamento das investigações.
14. Desmembramento para figurar no polo passivo apenas o
Senador. Denúncia recebida quanto aos crimes de corrupção
passiva e de lavagem de dinheiro” (INQ 4.141, Rel.: Min.
ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, j. Em 12.12.2017)

Na situação específica, tendo o denunciado Nelson Meurer


comprovadamente recebido vantagem indevida para a prática de ato de
ofício sob a roupagem de doação eleitoral, conforme atestam as
declarações do colaborador Alberto Youssef, corroboradas pelos recibos
eleitorais e pelos e-mails que elucidam a origem espúria de tal
liberalidade, inviável não se concluir pela perfeita subsunção da conduta
que lhe foi atribuída na denúncia ao delito previsto no art. 1º, caput, da
Lei n. 9.613/1998.
Com essas afirmações, concluo, portanto, que o conjunto probatório
atesta a prática de 8 (oito) crimes de lavagem de capitais pelo denunciado
Nelson Meurer, consubstanciados em depósitos fracionados de valores
obtidos junto ao Posto da Torre em 2 (duas) oportunidades; 5 (cinco)
declarações falsas de manutenção de dinheiro em espécie prestadas à
Secretaria da Receita Federal do Brasil e; 1 (uma) doação eleitoral
recebida simulada.
Desde logo, afasto a incidência da causa de aumento de pena
prevista no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998, tendo em vista que os fatos
denunciados são todos anteriores à entrada em vigor da Lei n. 12.850/13,
a qual introduziu no ordenamento jurídico pátrio o conceito de
organização criminosa, sob pena de malferimento ao princípio da estrita
legalidade, previsto no art. 1º do Código Penal.
Nesse sentido, aliás, foram as ponderações do Min. Celso de Mello
quando do seu voto no INQ 3.982, por ocasião do recebimento, em parte,
daquela denúncia.

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3. Síntese da condenação.

Conforme consignado nos respectivos tópicos, o conjunto probatório


produzido nos autos é sólido e confirma que:
(i) a partir do caixa de propinas do Partido Progressista (PP)
formado por Paulo Roberto Costa no âmbito da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A e administrado por Alberto Youssef, o
Deputado Federal Nelson Meurer, como contraprestação à sustentação
política envidada em favor do primeiro para sua manutenção no aludido
cargo, ao menos em 30 (trinta) oportunidades, recebeu, de forma
ordinária, quantias em espécie que se consubstanciam em vantagem
indevida que tipifica o crime de corrupção passiva, tendo sido auxiliado 5
(cinco) vezes por Nelson Meurer Júnior e 1 (uma) vez por Cristiano
Augusto Meurer;
(ii) de forma extraordinária, o Deputado Federal Nelson Meurer,
também como contraprestação à sustentação política envidada em favor
de Paulo Roberto Costa para sua manutenção à frente da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A, recebeu da sociedade empresária
Queiroz Galvão doação eleitoral simulada, vantagem indevida originária
do caixa de propina do Partido Progressista (PP), a qual, igualmente,
tipifica o delito previsto no art. 317 do Código Penal;
(iii) parte dos recursos recebidos de forma ordinária pelo Deputado
Federal Nelson Meurer foi submetida a procedimentos de
branqueamento, consubstanciados em depósitos fracionados, em 2 (duas)
datas distintas, dos valores que lhe foram destinados por intermédio do
Posto da Torre, bem como na inconsistência verificada entre as quantias
movimentadas em suas contas bancárias, os rendimentos percebidos de
fontes lícitas e os valores mantidos em espécie declarados à Secretaria da
Receita Federal, em 5 (cinco) oportunidades;
(iv) a doação eleitoral recebida da sociedade empresária Queiroz
Galvão, em razão da sua simulação, teve aptidão para dissimular a sua
origem, o que também tipifica o delito de lavagem de capitais.

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4. Dispositivo.

À luz do exposto, julgo procedente, em parte, a denúncia de fls. 867-


970 para: (a) condenar o denunciado Nelson Meurer como incurso nas
sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal, por 31 (trinta e uma) vezes,
bem como nas sanções do art. 1º, caput, da Lei n. 9.613/1998, por 8 (oito)
vezes; (b) condenar o denunciado Nelson Meurer Júnior como incurso
nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal, por 5 (cinco) vezes, na
forma do art. 29 do mesmo diploma legal; e (c) condenar o denunciado
Cristiano Augusto Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do
Código Penal, por 1 (uma) vez, na forma do art. 29 do mesmo diploma
legal.
De outra parte: (a) conforme fundamentação desenvolvida no item
2.1.1, absolvo o denunciado Nelson Meurer no tocante à alegada
participação em todos os crimes de corrupção passiva praticados no
âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, por Paulo
Roberto Costa, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo
Penal; (b) nos termos da fundamentação exposta no item 2.2.1, absolvo o
denunciado Nelson Meurer no tocante à participação em todos os delitos
de lavagem de dinheiro praticados por Alberto Youssef, em decorrência
dos contratos celebrados por empresas cartelizadas no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, com fundamento no art.
386, VII, do Código de Processo Penal; e (c) em conformidade com os
fundamentos declinados nos itens 2.2.2 e 2.2.3, absolvo todos os
denunciados em relação aos crimes de lavagem de capitais
consubstanciados nos recebimentos de dinheiro em espécie, oriundos dos
pagamentos ordinários e extraordinários de vantagens indevidas, com
fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
É o voto quanto à condenação.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 226 de 486 3638


AP 996 / DF

5. Dosimetria das penas.

5.1. Nelson Meurer.

5.1.1. Corrupção passiva.

No juízo de individualização da pena à luz do caso concreto, anoto


que a sanção cominada de forma abstrata ao crime de corrupção passiva é
de 2 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão e multa, nos termos do art. 317,
caput, do Código Penal.
Preambularmente, lembro que a jurisprudência desta Suprema Corte
não agasalha posicionamentos voltados a identificar relação matemática
entre o número de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal e um
percentual de aumento a ser aplicado sobre o mínimo da pena para cada
uma delas, quando da fixação da pena base.
Seguindo, então, o roteiro legal previsto no art. 68 da Lei Penal, na
primeira fase do cálculo da pena, considero a presença de circunstâncias
judiciais estabelecidas no art. 59 do mesmo livro, quais sejam, a
culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente,
motivos, circunstâncias, consequências, bem como o comportamento da
vítima.
A valoração desses vetores deve ser feita sobre a realidade verificada
à época dos fatos e reproduzida no decorrer da instrução criminal, em
conformidade com o Direito Penal do fato que vige no Estado
Democrático de Direito, o que implica na afirmação de que eventuais
circunstâncias supervenientes não devem ser consideradas na operação
dosimétrica.
Partindo de tal premissa, tenho como acentuada a culpabilidade do
acusado. O juízo de reprovação que recai sobre sua conduta é
particularmente intenso, na medida em que se trata de quem exerce há
longa data representação popular (seis mandatos), obtida por meio da
confiança depositada pelos eleitores em sua atuação. A transgressão da

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 227 de 486 3639


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lei, por parte de quem usualmente é depositário da confiança popular


para o exercício do poder, enseja juízo de reprovação muito mais intenso
do que seria cabível em se tratando de um cidadão comum. Do ponto de
vista da reprovabilidade, igualmente merece destaque negativo, no que
diz respeito à capacidade de compreensão da ilicitude do fato, a
circunstância de ser o acusado homem de longa vida pública, acostumado
com as regras jurídicas, às quais, com vantagem em relação aos demais
cidadãos, tem a capacidade acentuada de conhecer e compreender a
necessidade de observá-las.
As circunstâncias do crime também se mostram negativas, tendo em
vista a vultosa quantia de vantagens indevidas auferidas no exercício do
mandato parlamentar. À exceção das quantias recebidas por intermédio
do Posto da Torre, que somam R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil reais),
nas demais remessas os entregadores de Alberto Youssef não
disponibilizavam menos do que R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil
reais).
Logo, tendo sido identificados ao menos 30 (trinta) atos de
corrupção passiva, as vantagens indevidas percebidas por Nelson Meurer
alcançam ao menos a quantia de R$ 4.552.000,00 (quatro milhões,
quinhentos e cinquenta e dois mil reais), o que revela gravíssima violação
ao bem jurídico tutelado pela norma penal em análise, a qual transborda
o âmbito de proteção previsto de forma abstrata pelo legislador ordinário
e, por tal razão, autoriza a exasperação da pena-base.
Não identificando, nos fatos sob julgamento, qualquer outra
circunstância judicial que desborde da valoração abstrata já realizada no
preceito secundário do tipo penal em que incurso Nelson Meurer, fixo-lhe
a pena-base, para cada delito de corrupção passiva, em 4 (quatro) anos de
reclusão e pagamento de 40 (quarenta) dias-multa.
Na segunda fase do procedimento de individualização da pena,
verifica-se que o acusado, nascido em 23.7.1942 (fl. 867), conta com idade
superior a 70 (setenta) anos nesta data, razão pela qual faz jus à incidência
da circunstância atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal, ficando
a reprimenda provisoriamente fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de

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reclusão e pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa.


Na derradeira etapa, constato a incidência da causa especial de
aumento de pena prevista no § 1º do art. 317 do Código Penal, diante da
comprovada viabilização da atuação do cartel de empresas no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, a partir da manutenção de
Paulo Roberto Costa no aludido cargo.
Por tal razão, à pena provisória deve ser acrescida a fração de 1/3
(um terço), resultando na reprimenda de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses
de reclusão e pagamento de 46 (quarenta e seis) dias-multa.
Nada obstante a Procuradoria-Geral da República tenha requerido o
reconhecimento do concurso material entre os delitos de corrupção
passiva, constato que o modus operandi empregado pelo acusado amolda-
se aos requisitos previstos no art. 71, caput, do Código Penal, razão pela
qual deve ser reconhecido, no caso especifico, o instituto da continuidade
delitiva.
A definição da fração de aumento, entretanto, pressupõe a
verificação dos lapsos prescricionais aplicáveis ao caso.
O acusado, nascido em 23.7.1942 (fl. 2.585), atualmente conta com 75
anos de idade. Desse modo, todo cálculo relacionado à prescrição deve
ser feito com o redutor (metade) previsto no art. 115 do Código Penal.
Cumpre destacar, ainda, a inaplicabilidade da norma prevista no art.
110, § 1º, do Código Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.
12.234/2010, aos fatos praticados antes de sua vigência, por se tratar de lei
penal superveniente mais gravosa, irretroativa, portanto.
Nesse contexto, tendo em vista que para cada delito de corrupção
passiva a reprimenda privativa de liberdade foi concretamente fixada em
4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, o limite temporal para a
prestação jurisdicional foi estabelecido pelo legislador ordinário em 12
(doze) anos, nos termos do art. 109, III, do Código Penal, o qual, no caso
concreto, é reduzido para 6 (seis) anos, tendo em vista a idade do acusado
ao tempo desta sentença.
Tendo em vista que o primeiro marco interruptivo da prescrição
ocorreu com o recebimento da incoativa aos 21.6.2016 (fl. 1.841), declaro a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 229 de 486 3641


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extinção da punibilidade do acusado Nelson Meurer em relação aos fatos


ocorridos nos dias 29.2.2008, 11.4.2008, 5.6.2008, 7.8.2008, 11.8.2009
(entregas de dinheiro em espécie feitas por Rafael Ângulo Lopez na
cidade de Curitiba/PR), 4.1.2009 e 27.1.2009 (recebimento de vantagem
indevida via Posto da Torre), com fundamento no art. 107, IV, do Código
Penal.
Levando em conta, todavia, o número de infrações penais praticadas
que não se encontram prescritas - 23 (vinte e três) -, critério que tem sido
utilizado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal para a
definição do acréscimo de reprimenda (HC 117.719, Segunda Turma, Rel.
Min. Teori Zavascki, j. 24.6.2014), fixo a fração de 2/3 (dois terços) a ser
somada à pena fixada para cada delito, alcançando a sanção de 7 (sete)
anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 76
(setenta e seis) dias-multa.

5.1.2. Lavagem de dinheiro.

O preceito secundário da norma prevista no art 1º, caput, da Lei n.


9.613/1998 estabelece o intervalo de 3 (três) a 10 (dez) anos de reclusão e
multa como sanções abstratas para o delito de lavagem de capitais.
Atento às peculiaridades do caso concreto, bem como às diretrizes
elencadas no art. 59 do Código Penal, entendo, na esteira do que já
declinado em relação ao delito de corrupção passiva, que a culpabilidade
do acusado Nelson Meurer é particularmente exacerbada, pois a
transgressão da lei por parte de quem usualmente é depositário da
confiança popular para o exercício do poder enseja juízo de reprovação
muito mais intenso do que seria cabível em se tratando de um cidadão
comum.
As circunstâncias dos crimes de lavagem de dinheiro também
demandam maior reprovação, tendo em vista a utilização de variados
artifícios para o branqueamento dos recursos obtidos a partir dos delitos
de corrupção passiva, consistentes em depósitos fracionados de valores
em contas-correntes e declarações ideologicamente falsas às autoridades

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 230 de 486 3642


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fazendárias.
Não se pode olvidar, ainda, das consequências concretas originárias
das diversas práticas de lavagem de dinheiro pelo acusado Nelson
Meurer, porque se revelaram aptas a viabilizar o branqueamento de
considerável quantia oriunda da corrupção praticada no âmbito da
Petrobras S/A.
Tendo em vista a valoração negativa desses vetores, fixo a pena-base
em 5 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 40 (quarenta) dias-multa.
Na segunda fase do procedimento de individualização da pena,
verifica-se que o acusado, nascido em 23.7.1942 (fl. 867), conta com idade
superior a 70 (setenta) anos nesta data, razão pela qual faz jus à incidência
da circunstância atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal, ficando
a reprimenda provisoriamente fixada em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses
de reclusão e pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa, a qual torno
definitiva, considerando a inexistência de quaisquer causas especiais de
diminuição ou aumento de pena.
Tratando-se de 7 (sete) atos de lavagem de capitais, considero que os
2 (dois) praticados por intermédio do Posto da Torre e os 5 (cinco)
consubstanciados nas declarações falsas de imposto de renda configuram,
em cada bloco de prática delitiva, o instituto previsto no art. 71, caput, do
Código Penal.
No entanto, a definição da fração de aumento merece ser precedida
da verificação dos lapsos prescricionais aplicáveis ao caso, os quais se
revelam idênticos aos estabelecidos para o delito de corrupção passiva,
tendo em vista que a reprimenda concretamente imposta ao crime de
lavagem de capitais se encontra no mesmo intervalo previsto no art. 109,
III, do Código Penal.
Por tal razão, declaro prescritos os atos de lavagem de dinheiro
consubstanciados nos depósitos fracionados em conta-corrente dos
valores obtidos junto ao Posto da Torre (dias 5.1.2009 e 29.1.2009), com
fundamento no art. 107, IV, do Código Penal.
Em relação às lavagens de dinheiro praticadas mediante falsas
declarações à Receita Federal, verificadas em 5 (cinco) oportunidades,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 231 de 486 3643


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acresço a fração de 1/3 (um terço), para as quais as sanções são


estabelecidas em 6 (seis) anos de reclusão e pagamento de 46 (quarenta e
seis) dias-multa, a qual é tornada definitiva para a figura típica em
análise.

5.1.3. Total da reprimenda.

Em razão do concurso material no tocante aos delitos de corrupção


passiva e lavagem de dinheiro, o total da reprimenda imposta a Nelson
Meurer é estabelecido em 13 (treze) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias
de reclusão e pagamento de 122 (cento e vinte e dois) dias-multa.
Nos termos do art. 49, § 1º, do Código Penal, considerando a
condição pessoal e econômica do réu Nelson Meurer, que atualmente
ocupa o cargo de Deputado Federal, em razão do qual aufere uma renda
líquida mensal de R$ 22.654,94 (referente ao mês de abril de 2018),
conforme informação extraída do Portal da Transparência da Câmara dos
Deputados, fixo o valor do dia-multa em 3 (três) salários mínimos
vigentes à época do último fato, corrigidos monetariamente por ocasião
da execução desta decisão.
Considerando o quantum de reprimenda imposta e tendo em vista o
que preceitua o art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal, fixo o regime fechado
para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade.
Não preenchidos sequer os requisitos objetivos previstos nos arts. 44
e 77, ambos do Código Penal, o denunciado Nelson Meurer não tem
direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de
direitos, tampouco à suspensão condicional da pena.

5.2. Nelson Meurer Júnior.

5.2.1. Corrupção passiva.

Na avaliação dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, tenho

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 232 de 486 3644


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como exacerbada a sua culpabilidade, mormente no que diz respeito à


capacidade de compreensão da ilicitude dos fatos, porquanto exerce a
profissão de advogado, estando habituado, portanto, com regras
jurídicas, às quais, com vantagem em relação aos demais cidadãos, tem a
capacidade acentuada de conhecer e compreender a necessidade de
observá-las.
As consequências do delito também revelam gravidade que
desborda o juízo de reprovabilidade abstrato feito pelo legislador
ordinário ao estabelecer os patamares de sanção no preceito secundário
do tipo, já que a sua conduta foi apta a viabilizar a obtenção, em favor de
Nelson Meurer, de ao menos R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil
reais), quantia que, pela sua expressividade, autoriza a exasperação da
reprimenda básica.
Considerando a valoração negativa dessas 2 (duas) circunstâncias
judiciais, fixo a pena-base em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 20
(vinte) dias-multa para cada delito de corrupção passiva.
Na segunda fase do procedimento de individualização da pena, não
se verifica a ocorrência de quaisquer circunstâncias atenuantes ou
agravantes previstas na parte geral do Código Penal.
Na derradeira etapa, constato a incidência da causa especial de
aumento de pena prevista no § 1º do art. 317 do Código Penal, diante da
comprovada viabilização da atuação do cartel de empresas no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, a partir da manutenção de
Paulo Roberto Costa no aludido cargo. Por tal razão, à pena provisória
deve ser acrescida a fração de 1/3 (um terço), resultando na reprimenda
de 4 (quatro) anos de reclusão e pagamento de 26 (vinte e seis) dias-
multa.
Embora a Procuradoria-Geral da República tenha requerido o
reconhecimento do concurso material entre os delitos de corrupção
passiva, constato que o modus operandi empregado pelo acusado se
amolda aos requisitos previstos no art. 71, caput, do Código Penal, razão
pela qual deve ser reconhecido, no caso, o instituto da continuidade
delitiva.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 233 de 486 3645


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A par disso, a definição da fração de aumento pressupõe a análise


dos lapsos prescricionais aplicáveis ao caso, anotando-se, mais uma vez, a
não incidência da norma prevista no art. 110, § 1º, do Código Penal, com a
redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.234/2010, aos fatos praticados
antes de sua vigência, por se tratar de norma penal superveniente mais
gravosa e, por isso, irretroativa.
Nesse quadro, considerando que para cada delito de corrupção
passiva a reprimenda privativa de liberdade foi concretamente fixada em
4 (quatro) de reclusão, o limite temporal para a prestação jurisdicional foi
estabelecido pelo legislador ordinário em 8 (oito) anos, nos termos do art.
109, IV, do Código Penal.
Assim sendo, como o primeiro marco interruptivo da prescrição
ocorreu com o recebimento da incoativa aos 21.6.2016 (fl. 1.841), declaro a
extinção da punibilidade do acusado Nelson Meurer Júnior em relação
aos fatos ocorridos nos dias 29.2.2008 e 11.4.2008, o que faço na forma do
art. 107, IV, do Código Penal.

5.2.2. Total da reprimenda.

Levando em conta, agora, o número de infrações penais praticadas


que não se encontram prescritas - 3 (três) -, critério que tem sido utilizado
pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal para a definição do
acréscimo de reprimenda (HC 117.719, Segunda Turma, Rel. Min. Teori
Zavascki, j. 24.6.2014), fixo a fração de 1/5 (um quinto) a ser somada à
pena fixada para cada delito, alcançando a sanção de 4 (quatro) anos, 9
(nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e pagamento de 31 (trinta e
um) dias-multa.
Nos termos do art. 49, § 1º, do Código Penal, considerando a
condição pessoal e econômica do réu Nelson Meurer Júnior, que declarou
auferir renda mensal de aproximadamente R$ 15.000,00 (quinze mil reais)
(fl. 2.586), fixo o valor do dia-multa em 2 (dois) salários mínimos vigentes
à época do último fato, corrigidos monetariamente por ocasião da
execução desta decisão.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 234 de 486 3646


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Considerando o quantum de reprimenda imposta e tendo em vista o


que preceitua o art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal, fixo o regime
semiaberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade.
Não preenchidos sequer os requisitos objetivos previstos nos arts. 44
e 77, ambos do Código Penal, este réu não tem direito à substituição da
pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, tampouco à
suspensão condicional da pena.

5.3. Cristiano Augusto Meurer.

5.3.1. Corrupção passiva.

Na avaliação dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, levo


em conta que as consequências do delito revelam gravidade que
desborda o juízo de reprovabilidade abstrato feito pelo legislador
ordinário ao estabelecer os patamares de sanção no preceito secundário
do tipo, já que a sua conduta foi apta a viabilizar a obtenção, em favor de
Nelson Meurer, de ao menos R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais),
quantia que, pela sua expressividade, autoriza a exasperação da
reprimenda básica.
Considerando a valoração negativa de uma circunstância judicial,
fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e
pagamento de 15 (quinze) dias-multa.
Na segunda fase do procedimento de individualização da pena, não
se verifica a ocorrência de quaisquer circunstâncias atenuantes ou
agravantes previstas na parte geral do Código Penal.
Na derradeira etapa, constato a incidência da causa especial de
aumento de pena prevista no § 1º do art. 317 do Código Penal, diante da
comprovada viabilização da atuação do cartel de empresas no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, a partir da manutenção de
Paulo Roberto Costa no aludido cargo. Pela supra verificada razão, à pena
provisória deve ser acrescida a fração de 1/3 (um terço), resultando na
reprimenda de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento

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de 20 (vinte) dias-multa.

5.3.2. Total da reprimenda.

Não configuradas outras causas especiais de acréscimo, a sanção


privativa de liberdade é definitivamente fixada em 3 (três) anos e 4
(quatro) meses de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa.
Mais uma vez merece registro não ter aplicação ao caso a norma
prevista no art. 110, § 1º, do Código Penal, com a redação que lhe foi dada
pela Lei n. 12.234/2010, aos fatos praticados antes de sua vigência, por se
tratar de lei penal superveniente mais gravosa e, desse modo, irretroativa.
Assim, considerando a fixação de pena inferior a 4 (quatro) anos de
reclusão, o limite temporal para a prestação jurisdicional foi estabelecido
pelo legislador ordinário em 8 (oito) anos, nos termos do art. 109, IV, do
Código Penal.
Logo, como o marco interruptivo da prescrição, em questão, é o
recebimento da denúncia aos 21.6.2016 (fl. 1.841), declaro a extinção da
punibilidade do acusado Cristiano Augusto Meurer, com fundamento
no art. 107, IV, da Lei Penal, porque a condenação estabelecida deu-se
em razão de fato ocorrido em 5.6.2008.

6. Disposições finais.

6.1. Danos materiais.

Em relação ao pedido de fixação de valor mínimo à reparação dos


danos causados pela infração (fl. 966), tendo em vista que o próprio
legislador prevê como consectário da condenação penal a obrigação de
reparação do dano causado à vítima em razão da conduta delituosa, nos
termos do art. 91, I, do Código Penal, e levando em conta que as quantias
indevidamente destinadas a Nelson Meurer são originárias dos cofres da
Petrobras S/A, fixo em favor desta, como valor mínimo indenizatório, a
quantia de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), a ser adimplido de

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AP 996 / DF

forma solidária pelos condenados, corrigidos monetariamente a partir da


proclamação do julgamento, acrescidos de juros de mora a partir do
trânsito em julgado.

6.2. Danos morais coletivos.

As condutas praticadas pelos acusados foram direcionadas ao


malferimento de patrimônio público, mediante exercício espúrio e
desviado das funções parlamentares e partidárias do Deputado Federal
Nelson Meurer.
No âmbito da responsabilidade civil, além do dano material,
consubstanciado na diminuição do patrimônio da vítima verificado com a
ocorrência do ato ilícito, o ordenamento jurídico tutela igualmente o dano
moral, seja na esfera individual, seja de forma coletiva, conforme
preceituam, exemplificativamente, o art. 5º, X, da Constituição Federal; o
art. 186 do Código Civil; o art. 6º, VI e VII, do Código de Defesa do
Consumidor; e, de forma destacada, o art. 1º, VIII, da Lei n. 7.347/1985,
que preceitua:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem


prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por
danos morais e patrimoniais causados:
(…)
VIII – ao patrimônio público e social” (g.n).

Na tutela dos direitos coletivos lato sensu, a configuração da


responsabilidade civil pela ocorrência de dano moral coletivo a partir da
prática de ato ilícito é, de longa data, admitida pela doutrina, conforme se
infere das lições de Carlos Alberto Bittar Filho:

“Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo


menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi
agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 237 de 486 3649


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vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a


própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na
seara de dano moral individual, aqui também não há que se
cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente
pelo simples fato da violação (damnun in re ipsa)” (Dano moral
coletivo no atual contexto brasileiro. Revista de Direito do
Consumidor n. 12. São Paulo : Revista dos Tribunais, out-dez,
1994, p. 55).

Nessa toada, calha destacar que o Poder Constituinte Originário


estabeleceu diretrizes aos integrantes da República Federativa do Brasil
para o alcance dos objetivos fundamentais elencados no art. 3º da
Constituição Federal, promulgada com a finalidade de “instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica da controvérsias”,
conforme preceitua o seu preâmbulo.
Entre as diretrizes constitucionais mencionadas, destaco os
princípios que regem a administração pública, elencados no art. 37 da
Constituição Federal, cuja observância é garantia do alcance da finalidade
dos atos do Poder Público, que não é outra senão o atendimento ao
interesse público na sua execução.
O que se extrai do caso em análise é o absoluto desrespeito aos
princípios de observância obrigatória pelos exercentes de função pública,
sobre os quais não lhes foi outorgado qualquer limite transacional. A
situação se agrava quando o distanciamento do interesse público é
verificado na conduta e estimulado por um legítimo representante do
povo, em favor do qual os eleitores, no exercício da soberania popular,
depositaram suas confianças para representá-los nos trabalhos voltados
ao alcance dos objetivos da República.
É inegável que a atuação sorrateira de um parlamentar federal, com
o auxílio de seus filhos, que desvia suas atividades para a articulação de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 238 de 486 3650


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negociações espúrias voltadas para a manutenção de um instrumento


apto a lhe garantir, de forma indevida, recursos pertencentes à sociedade
brasileira, atinge diretamente os valores previstos constitucionalmente
como essenciais para a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”
(art. 3º, I, da Constituição Federal), bem como a legítima expectativa de
seus representados de que o mandato que lhe foi outorgado fosse
exercido em conformidade com os princípios constitucionais que regem a
administração pública.
Tais circunstâncias são aptas a demonstrar o necessário nexo causal
entre a conduta praticada pelos acusados e o dano moral coletivo
ocasionado à sociedade brasileira, razão pela qual reputo configurados os
pressupostos da responsabilidade civil que lhes obriga ao dever de
indenizar, nos termos do art. 927 do Código Civil.
Diante da ofensa a direitos difusos, ou seja, pertencentes a titulares
indeterminados, os danos morais coletivos, no caso em análise, têm
função eminentemente punitiva, razão pela qual a sua quantificação deve
ser guiada primordialmente pelo seu caráter pedagógico, que acolhe
tanto a prevenção individual como a geral.
Por tal razão, fixo como valor minimo indenizatório a título de danos
morais coletivos a quantia de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), a
ser adimplido de forma solidária pelos condenados em favor do fundo a
que alude o art. 13 da Lei n. 7.357/1985. A referida soma deverá ser
corrigida monetariamente a contar do dia da proclamação do resultado
do julgamento colegiado, incidindo juros de mora legais a partir do
trânsito em julgado deste acórdão.

6.3. Perda de bens.

Com base no art. 7º, I, da Lei 9.613/1998, decreto a perda, em favor


da União, dos bens, direitos e valores objeto da lavagem em relação a qual
foi o réu condenado, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa
fé.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 239 de 486 3651


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6.4. Interdição para exercício de cargo ou função pública.

Ainda, com fundamento no art. 7º, II, da Lei 9.613/1998, decreto a


interdição do acusado Nelson Meurer para o exercício de cargo ou
função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho
de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º
da mesma Lei, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade
aplicada.

6.5. Perda do mandato parlamentar.

Adoto a tese recentemente fixada na ambiência da Primeira Turma


desta Suprema Corte, no julgamento da AP 694, de relatoria da Min. Rosa
Weber, a qual, aderindo à proposta do Min. Roberto Barroso, decidiu que
a condenação ora imposta implica perda automática do mandato
parlamentar, independentemente de manifestação do Plenário da Câmara
dos Deputados. Naquela oportunidade, o Min. Roberto Barroso se
manifestou nos seguintes termos:

“(...)
Por fim, cabe assentar a melhor solução para a questão da
perda do mandato. A regra geral, por força do art. 55, § 2º da
Constituição, é que a decisão seja tomada pelo plenário da casa
legislativa a que pertença o sentenciado, por maioria absoluta.
Todavia, em se tratando de pena privativa de liberdade, em
regime inicial fechado, a perda do mandato se dá como
resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da
Mesa da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória, nos
termos do art. 55, § 3º, na linha do que afirmei no MS 32.326/DF,
sob minha Relatoria. São três as razões para tal solução: (i) se o
parlamentar deverá permanecer em regime fechado por prazo
superior ao período remanescente do seu mandato, existe
impossibilidade material e jurídica de comparecer à casa
legislativa e exercer o mandato; (ii) o art. 55, III da Constituição
comina a sanção de perda do mandato ao parlamentar que

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 240 de 486 3652


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deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte


das sessões ordinárias; e (iii) o art. 56, II da Constituição prevê a
perda do mandato para o parlamentar que se afastar por prazo
superior a 120 dias”.

Dessa feita, decreto a perda do mandato de deputado federal do réu


Nelson Meurer, tendo em vista a quantidade de pena fixada, bem como o
regime de pena estabelecido para o início do seu cumprimento, com
fundamento no art. 55, III e § 3º, da Constituição Federal.

7.6. Outras disposições.

Nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, condeno os


réus ao pagamento das custas processuais.
Tão logo esgotada a análise das insurgências cognoscíveis
interpostas contra esta decisão colegiada, expeça-se a guia de execução
das reprimendas impostas.
Após o trânsito em julgado da decisão colegiada: (i) oficie-se à
Câmara dos Deputados para que, nos termos do art. 55, § 3º, da
Constituição Federal, declare a perda do mandato do réu Nelson Meurer;
(ii) oficie-se ao Tribunal Superior Eleitoral, para fins do art. 15, III, da
Constituição Federal.
É como voto.

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 241 de 486 3653

22/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO
(s/ mérito)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Revisor):

1. Considerações introdutórias: “O direito do cidadão ao governo


honesto”. A corrupção governamental e o perigo de captura das
instituições estatais por organização criminosa

Este caso, Senhor Presidente, como tenho assinalado em diversos


votos proferidos nesta Corte, revela um dado absolutamente
impressionante e, ao mesmo tempo, profundamente inquietante, pois o que
parece resultar dos elementos de informação que vêm sendo coligidos ao
longo de diversos procedimentos de investigação penal, todos
instaurados no contexto da denominada “Operação Lava a Jato”, é que a
corrupção impregnou-se, profundamente, no tecido e na intimidade de
algumas agremiações partidárias e das instituições estatais, contaminando
o aparelho de Estado, transformando-se em método de ação
governamental e caracterizando-se como conduta administrativa
endêmica, em claro (e preocupante) sinal de degradação da própria
dignidade da atividade política, reduzida por esses agentes criminosos ao
plano subalterno da delinquência institucional.

O efeito imediato que resulta desses comportamentos alegadamente


delituosos parece justificar o reconhecimento de que as práticas ilícitas
perpetradas por referidos agentes têm um só objetivo: viabilizar a captura
das instituições governamentais por determinada organização criminosa,
constituída para dominar os mecanismos de ação governamental, em
detrimento do interesse público e em favor de pretensões inconfessáveis e

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 242 de 486 3654


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lesivas aos valores ético-jurídicos que devem conformar, sempre, a atividade do


Estado.

Convenço-me, por isso mesmo, Senhor Presidente, cada vez mais, de


que os fatos delituosos objeto de investigação e de persecução penais no
âmbito da “Operação Lava a Jato” nada mais constituem senão episódios
criminosos que, anteriores, contemporâneos ou posteriores aos do
denominado “Mensalão”, compõem um vasto e ousado painel revelador do
assalto e da tentativa de captura do Estado e de suas instituições por uma
organização criminosa, identificável, em ambos os contextos, por elementos
que são comuns tanto ao “Petrolão” quanto ao “Mensalão”.

Penso que se reveste de inteira pertinência fragmento de voto que,


por mim proferido no julgamento da AP 470/MG, acentuava que o ato de
corrupção constitui um gesto de perversão da ética do poder e da ordem
jurídica, cabendo ressaltar que o dever de probidade traduz obrigação cuja
observância se impõe a todos os cidadãos desta República que não tolera
o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper.

Daí a corretíssima advertência do eminente Professor CELSO


LAFER, para quem nenhum cidadão poderá viver com dignidade numa
comunidade política corrompida:

“Numa República, como diz Bobbio num diálogo com Viroli, o


primeiro dever do governante é o senso de Estado, vale dizer, o dever
de buscar o bem comum, e não o individual, ou de grupos; e o primeiro
dever do cidadão é respeitar os outros e se dar conta, sem egoísmo, de
que não se vive em isolamento, mas sim em meio aos outros.
É por essa razão que a República se vê comprometida quando
prevalece, no âmbito dos governantes, em detrimento do senso de
Estado, o espírito de facção voltado não para a utilidade comum, mas
para assegurar vantagens e privilégios para grupos, partidos e
lideranças. (…).
…...................................................................................................

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 243 de 486 3655


AP 996 / DF

Numa República, as boas leis devem ser conjugadas com os


bons costumes de governantes e governados, que a elas dão vigência e
eficácia. A ausência de bons costumes leva à corrupção (…), que
significa destruição e vai além dos delitos tipificados no Código Penal.
(…). A corrupção, num regime político (…), é um agente de
decomposição da substância das instituições públicas.
O espírito público da postura republicana é o antídoto
para esse efeito deletério da corrupção. É o que permite afastar a
mentira e a simulação, inclusive a ideológica, que mina a confiança
recíproca entre governantes e governados, necessária para o bom
funcionamento das instituições democráticas e republicanas. (…).”
(grifei)

É por isso, Senhor Presidente, que os fatos emergentes da


denominada “Operação Lava a Jato” sugerem que ainda subsiste, no âmago
do aparelho estatal, aquela estranha e profana aliança entre determinados
setores do Poder Público, de um lado, e agentes empresariais, de outro,
reunidos em um imoral sodalício com o objetivo perverso e ilícito de cometer
uma pluralidade de delitos gravemente vulneradores do ordenamento
jurídico instituído pelo Estado brasileiro.

Essas práticas delituosas – que tanto afetam a estabilidade e a


segurança da sociedade, ainda mais quando veiculadas por intermédio
de organização criminosa – enfraquecem as instituições, corrompem os
valores da democracia, da ética e da justiça e comprometem a própria
sustentabilidade do Estado Democrático de Direito, notadamente nos
casos em que os desígnios dos agentes envolvidos guardam
homogeneidade, eis que dirigidos, em contexto de criminalidade organizada
e de delinquência governamental, a um fim comum, consistente na
obtenção, à margem das leis da República, de inadmissíveis vantagens e de
benefícios de ordem pessoal, ou de caráter empresarial ou, ainda, de natureza
político-partidária.

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 244 de 486 3656


AP 996 / DF

Tais são as razões, Senhor Presidente, que me levam a constatar que


as investigações promovidas pela Polícia Federal e pelo Ministério
Público Federal, não obstante fragmentadas em diversos inquéritos e
procedimentos penais, têm por objeto uma vasta organização criminosa, de
projeção tentacular e dimensão nacional, estruturalmente ordenada em
níveis hierárquicos próprios, que observa métodos homogêneos de
atuação, integrada por múltiplos atores e protagonistas e que, operando
por intermédio de vários núcleos especializados, com clara divisão de tarefas
(núcleo político, núcleo empresarial, núcleo financeiro, núcleo
operacional e núcleo técnico, entre outros), busca obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, notadamente no âmbito do
Estado, mediante prática de infrações penais que abrangem amplo
espectro de ilicitudes criminosas, como aquelas que vão do cometimento de
crimes contra a Administração Pública, o Sistema Financeiro Nacional, o
Estatuto das Licitações e Contratações Administrativas até a perpetração
do delito de lavagem de dinheiro ou de valores, sem prejuízo de outros
gravíssimos ilícitos tipificados na legislação penal.

O que vejo nesses procedimentos penais instaurados no contexto da


Operação Lava-a-Jato, Senhor Presidente, são políticos que desconhecem a
República, que ultrajaram as suas instituições e que, atraídos por uma
perversa vocação para o controle criminoso do poder, vilipendiaram os
signos do Estado Democrático de Direito e desonraram, com os seus
gestos ilícitos e ações marginais, a ideia mesma que anima o espírito
republicano pulsante no texto de nossa Constituição.

Mais do que práticas criminosas, por si profundamente reprováveis,


identifico no comportamento desses agentes criminosos, notadamente
dos que exerceram (ou ainda exercem) parcela de autoridade do Estado,
grave atentado às instituições do Estado de Direito, à ordem democrática
que lhe dá suporte legitimador e aos princípios estruturantes da
República.

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 245 de 486 3657


AP 996 / DF

Esse contexto de delinquência que vem sendo apurado no âmbito


da Operação Lava-a-Jato revela um dos episódios mais vergonhosos da
história política de nosso País, tão ou mais grave que o “Mensalão”, pois
os elementos probatórios que foram produzidos pelo Ministério Público
expõem aos olhos de uma Nação estarrecida, perplexa e envergonhada um
grupo de delinquentes que degradou a atividade política,
transformando-a em plataforma de ações criminosas.

Torna-se importante enfatizar que não se está a incriminar a atividade


política, mas, isso sim, a punir aqueles que não se mostraram capazes de
exercê-la com honestidade, integridade e elevado interesse público,
preferindo, ao contrário, longe de atuar com dignidade, transgredir as leis
penais de nosso País, com o objetivo espúrio de conseguir vantagens
indevidas e de controlar, de maneira absolutamente ilegítima e criminosa, o
próprio funcionamento do aparelho de Estado.

Acentue-se, portanto, um dado que me parece fundamental: os fins


não justificam quaisquer meios, quando estes apresentam-se em conflito
ostensivo com a Constituição e com as leis da República.

A conquista e a preservação temporária do poder, em qualquer


formação social regida por padrões democráticos, embora constituam
objetivos politicamente legítimos, não autorizam quem quer que seja,
mesmo quem detenha a direção do Estado, ainda que invocando
expressiva votação eleitoral em determinado momento histórico,
independentemente de sua posição no espectro ideológico, a utilizar
meios criminosos ou expedientes juridicamente marginais, delirantes da
ordem jurídica e repudiados pela legislação criminal do País e pelo
sentimento de decência que deve sempre prevalecer no trato da coisa
pública.

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 246 de 486 3658


AP 996 / DF

Estamos a julgar, portanto, Senhor Presidente, não atores políticos,


mas, sim, protagonistas de sórdidas tramas criminosas. Em uma palavra:
processam-se não atores ou dirigentes políticos e/ou partidários, mas,
sim, autores de crimes...

Votações eleitorais, Senhor Presidente, embora politicamente


significativas como meio legítimo de conquista do poder no contexto de
um Estado fundado em bases democráticas, não se qualificam nem
constituem causas de extinção da punibilidade, pois delinquentes, ainda que
ungidos por eleição popular, não se subtraem ao alcance e ao império
das leis da República.

Afinal, nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia de República traduz um


valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da
igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente
ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a
Constituição de nosso País. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima
da autoridade do ordenamento jurídico do Estado.

Vale assinalar, neste ponto, Senhor Presidente, para efeito de mero


registro histórico, que a figura da corrupção passiva (“crimen
repetundae”), no Direito Penal Romano, segundo registra Theodor
Mommsen, grande romanista e historiador germânico, vencedor do
Prêmio Nobel de Literatura (1902), recebeu sucessivas regulações
legislativas durante o período republicano, consubstanciadas em diversas
leis, como a “Lex Calpurnia de repetundis” (149 a.C.), a “Lex Acilia de
Repetundarum” (123 a.C.), a “Lex Servilia de Repetundis” (111 a.C.) e a “Lex
Julia Repetundarum” (59 a.C), esta última promulgada por Júlio Cesar
durante o período em que foi Cônsul da República Romana, então já em
sua fase agônica!

Interessante observar que essa legislação penal editada por Júlio


Cesar no período final da República Romana (“Lex Julia Repetundarum”)

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 247 de 486 3659


AP 996 / DF

ainda se achava em vigor no século VI d.C., durante o Governo de


Justiniano, Imperador do Império Romano do Oriente (ou Império Bizantino),
com sede em Constantinopla, na Ásia Menor (hoje, Istambul, na
Turquia). As leis penais romanas impunham diversas punições ao
servidor público corrupto, que iam da devolução, até mesmo em dobro, da
vantagem indevida por ele criminosamente percebida, passando pela
aplicação da sanção da “infâmia” (com a consequente perda do cargo
público e inabilitação para o exercício de diversas outras atividades e
funções, como a de servir como testemunha, p. ex.), até alcançar a inflição
da gravíssima pena do “exilium” ou de seu equivalente, a “relegatio”!

Poderia, até mesmo, nesta passagem, Senhor Presidente, relembrar o


episódio do corrupto governador CAIO VERRES, “improbus administrator”
da Sicília, ocorrido no século I a.C, que desviou, criminosamente,
40 milhões de sestércios pertencentes à República Romana, o que
motivou o famoso processo criminal contra ele instaurado por CÍCERO,
então no início de sua trajetória no “cursus honorum” (atuou ele, então, na
condição de “quaestor”), que produziu 06 (seis) discursos acusatórios
(embora não os houvesse pronunciado todos), as conhecidas “Verrinas”
(“In Verrem”), denunciando as gravíssimas transgressões às leis penais
romanas cometidas contra o erário, em clara demonstração da
inadmissibilidade dessa prática delituosa, bem assim do caráter infamante e
desonroso do crime de corrupção cometido por agentes públicos.

Cabe destacar, agora, Senhor Presidente, um aspecto, de extrema


gravidade, que, embora a ele vá fazer referência, constituirá, no entanto,
objeto de mais aprofundado exame ao longo de meu voto quando da
apreciação do mérito desta causa penal.

Refiro-me à gravidade da corrupção governamental, notadamente


aquela praticada no Parlamento da República, que se evidencia pelas
múltiplas consequências que dela decorrem, tanto aquelas que se
projetam no plano da criminalidade oficial quanto as que se revelam na
esfera civil (afinal o ato de corrupção traduz um gesto de improbidade

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 248 de 486 3660


AP 996 / DF

administrativa) e, também, no âmbito político-institucional, na medida


em que a percepção de vantagens indevidas representa um ilícito
constitucional, pois, segundo prescreve o art. 55, § 1º, da Constituição, a
percepção de vantagens indevidas revela um ato atentatório ao decoro
parlamentar, apto, por si só, a legitimar, até mesmo, a perda do mandato
legislativo, independentemente de prévia condenação criminal.

A ordem jurídica, Senhor Presidente, não pode permanecer indiferente a


condutas de membros do Congresso Nacional – ou de quaisquer outras
autoridades da República – que hajam incidido em censuráveis desvios
éticos e em reprováveis transgressões criminosas no desempenho da
elevada função de representação política do Povo brasileiro.

Qualquer ato de ofensa ao decoro parlamentar, como a aceitação


criminosa de suborno, culmina por atingir, injustamente, a própria
respeitabilidade institucional do Poder Legislativo, residindo nesse
ponto a legitimidade ético-jurídica do procedimento constitucional de
cassação do mandato parlamentar, em ordem a excluir da comunhão dos
legisladores aquele – qualquer que seja – que se haja mostrado indigno do
desempenho da magna função de representar o Povo, de formular a legislação
da República e de controlar as instâncias governamentais de poder.

É por essa razão que o eminente e saudoso Professor MIGUEL


REALE (“Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato Eletivo”,
“in” Revista de Direito Público, vol. X/89), ao versar o tema em questão,
adverte que o ato indecoroso do parlamentar, como aquele que implica
percepção de vantagens indevidas, importa em falta de respeito à própria
dignidade institucional do Poder Legislativo:

“O ‘status’ do deputado, em relação ao qual o ato deve ser


medido (e será comedido ou decoroso em razão dessa medida),
implica, por conseguinte, não só o respeito do parlamentar a si
próprio, como ao órgão ao qual pertence (…).

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 249 de 486 3661


AP 996 / DF

No fundo, falta de decoro parlamentar é falta de decência no


comportamento pessoal, capaz de desmerecer a Casa dos
representantes (incontinência de conduta, embriaguez etc), e falta
de respeito à dignidade do Poder Legislativo, de modo a expô-lo a
críticas infundadas, injustas e irremediáveis, de forma inconveniente.”
(grifei)

O fato inquestionável, Senhor Presidente, é que a corrupção deforma


o sentido republicano da prática política, afeta a integridade dos valores
que informam e dão significado à própria ideia de República, frustra a
consolidação das Instituições, compromete a execução de políticas
públicas em áreas sensíveis como as da saúde, da educação, da segurança
pública e do próprio desenvolvimento do País, além de vulnerar o
princípio democrático.

Daí os importantes compromissos internacionais que o Brasil


assumiu em relação ao combate à corrupção, como o evidencia a assinatura,
por nosso País, da Convenção Interamericana contra a Corrupção
(celebrada na Venezuela em 1996) e da Convenção das Nações Unidas
(celebrada em Mérida, no México, em 2003).

As razões determinantes da celebração dessas convenções


internacionais (uma de caráter regional e outra de projeção global) residem,
basicamente, na preocupação da comunidade internacional com a extrema
gravidade dos problemas e das consequências nocivas decorrentes da
corrupção para a estabilidade e a segurança da sociedade, considerados
os vínculos entre a corrupção e outras modalidades de delinquência, com
particular referência à criminalidade organizada, à delinquência
governamental e à lavagem de dinheiro.

Delineado, assim, Senhor Presidente, o quadro em que se insere este


procedimento penal, passo a examinar o mérito do caso ora em
julgamento.

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2. Do Mérito

Quanto ao mérito da controvérsia ora em exame, conforme já


destacado, os reús foram denunciados pela prática dos crimes de
corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º) e de lavagem de dinheiro
(Lei nº 9.613/98, art. 1º, § 4º).

Entendo, na linha do douto voto apresentado pelo eminente Ministro


Relator, que a Procuradoria-Geral da República conseguiu demonstrar,
para além de qualquer dúvida razoável, que os acusados Nelson Meurer,
Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer efetivamente
cometeram os crimes cuja prática lhes foi atribuída, embora em extensão
menor do que a descrita na denúncia.

É de observar-se, a esse respeito, que a presente causa penal abrange


apenas uma fração dos fatos apurados no curso da assim denominada
“Operação Lava-Jato”, na qual se revelou ousado esquema criminoso de
cartel, fraude à licitação, corrupção e lavagem de dinheiro dentro da
empresa Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras.

Em resumo, no que diz respeito aos fatos que compõem o objeto deste
processo, os autos indicam que o cartel formado pelas maiores
empreiteiras nacionais loteou as grandes obras realizadas no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, logrando, com tal expediente,
celebrar contratos em valores próximos ao limite máximo aceitável por
referida empresa estatal, nos quais se inseria o percentual de vantagens
indevidas a serem posteriormente distribuídas, com o auxílio de Alberto
Youssef, ao Diretor Paulo Roberto Costa e a seus padrinhos políticos,
integrantes da cúpula do Partido Progressista, nesta incluído o
parlamentar ora acusado.

Feitas essas considerações, passo à análise das imputações


formuladas contra os réus, examinando, tal como sugeriu o eminente

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Relator, cada um dos crimes narrados nas mencionadas séries de fatos


descritas na peça acusatória.

2.1. Corrupção passiva

Examino, agora, Senhor Presidente, aspectos dogmáticos relativos ao


crime de corrupção passiva, voltando-me, com especial atenção, à questão
do ato de ofício.

Cumpre ter presente, desde logo, considerada a teoria da tipicidade,


que o preceito primário de incriminação revelador da descrição abstrata da
conduta punível definida no art. 317, “caput”, do Código Penal encerra
tipo penal de conteúdo variável ou de ação múltipla, bastando, para efeito de
sua configuração formal, que o agente incida em qualquer dos núcleos nele
inscritos, desde que o comportamento incriminado se realize na
perspectiva de um ato de ofício, muito embora a prática efetiva de tal ato
não se torne necessária à consumação do delito em referência.

Devo registrar, por isso mesmo, Senhor Presidente, e no que concerne


à questão do ato de ofício como requisito indispensável à plena
configuração típica do crime de corrupção passiva, tal como vem este
delito definido pelo art. 317, “caput”, do Código Penal, e na linha do que
fiz consignar em voto proferido, em 01/10/2012, na AP 470/MG, que dele
não se pode prescindir no exame da subsunção de determinado
comportamento ao preceito de incriminação constante da norma penal
referida.

Sem que o agente, executando qualquer das ações realizadoras do tipo


penal constante do art. 317, “caput”, do Código Penal, venha a agir ao
menos na perspectiva de um ato enquadrável no conjunto de suas
atribuições legais – ou que esteja relacionado com o exercício da sua
função –, não se poderá, ausente essa vinculação ao ato de ofício,
atribuir-lhe a prática do delito de corrupção passiva.

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Para a integral realização da estrutura típica constante do art. 317,


“caput”, do Código Penal, é de rigor a existência de uma relação entre a
conduta do agente – que solicita, ou que recebe, ou que aceita a promessa
de vantagem indevida – e a prática, que até pode não ocorrer, de um ato
determinado de seu ofício.

Torna-se imprescindível reconhecer, portanto, para o específico


efeito da configuração jurídica do delito de corrupção passiva tipificado
no art. 317, “caput”, do Código Penal, a necessária existência de uma
relação entre o fato imputado ao agente público e o desempenho concreto
de ato de ofício pertencente à esfera de suas atribuições funcionais, o que se
verifica se referido ato ajustar-se ao âmbito tanto dos poderes de direito
quanto dos poderes de fato exercitáveis pelo “intraneus”.

O eminente Ministro ILMAR GALVÃO, no julgamento da


AP 307/DF, observou, em expressiva passagem de seu douto voto, proferido
na qualidade de Relator, que, para a caracterização do crime de
corrupção passiva, “basta que o ato subornado caiba no âmbito dos poderes
de fato inerentes ao exercício do cargo do agente” (RTJ 162/46-47 – grifei).

Daí o magistério de nossa melhor doutrina penal (MAGALHÃES


NORONHA, “Direito Penal”, vol. 4/244, item n. 1.320, 17ª ed., 1986,
Saraiva) que salienta, na análise do tema, que o comércio da função
pública, caracterizador do gravíssimo delito de corrupção passiva, reclama,
dentre os diversos elementos que tipificam essa modalidade delituosa,
um requisito de ordem objetiva consistente em “haver relação entre o ato
executado ou a executar e a coisa ou utilidade” oferecida, entregue ou
meramente prometida ao servidor público faltoso.

Definitivo, sob esse aspecto, é o magistério doutrinário de HELENO


CLÁUDIO FRAGOSO (“Lições de Direito Penal”, vol. II/438, 1980,

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Forense), para quem a realização típica do delito de corrupção passiva,


tal como descrito no “caput” do art. 317 do Código Penal, “está na
perspectiva de um ato de ofício (…)” (grifei).

Orienta-se, nesse mesmo sentido – exigindo como essencial à


caracterização da figura típica da corrupção passiva a existência de
conduta do agente vinculada a atos de seu ofício –, a jurisprudência dos
Tribunais, cujo magistério destaca que o crime de corrupção passiva se
perfaz quando se evidencia, como pressuposto indispensável que é, que o
servidor público, na concreção de seu comportamento venal, agiu na
perspectiva de um ato de ofício inscrito em sua esfera de atribuições
funcionais (RT 374/164 – RT 388/200 – RT 390/100 – RT 526/356 –
RT 538/324).

A partir dessa perspectiva, a defesa de todos os litisconsortes penais


passivos sustenta a ausência de elementares do tipo penal inscrito no
art. 317, “caput”, do Código Penal, uma vez que, em sua compreensão,
o poder de nomear os dirigentes da Petrobras se insere na competência
exclusiva do Presidente da República, não podendo ser imputado a
parlamentares.

Propõe-se, desse modo, o reconhecimento da atipicidade penal, sob o


argumento, acima referido, de que o suposto apoio político à
nomeação/manutenção de Paulo Roberto Costa à frente da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras – apoio político esse qualificado, pelo
Ministério Público Federal, como o ato de ofício efetivamente praticado,
no caso, pelo Deputado Federal Nelson Meurer – não se acharia incluído
na esfera de atribuições funcionais desse acusado.

Alinho-me, no ponto, ao entendimento externado pelo eminente


Ministro Relator, em seu douto voto. É que a votação parlamentar –
conquanto constitua, de modo expressivo, exemplo conspícuo e clássico de
ato de ofício, por excelência – não exaure os demais encargos de ordem

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fática, de caráter institucional ou de índole regimental que se incluem no


complexo de poderes, funções e atribuições de qualquer membro do
Congresso Nacional.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se a


respeito dos elementos que compõem a estrutura formal do tipo penal
que descreve os aspectos diversos que definem o crime de corrupção
passiva, tem assinalado que no conceito de “ato de ofício” acham-se
contidos não apenas os poderes de direito do agente público, mas,
também, os poderes de fato, com particular destaque para o desempenho
das funções parlamentares, cuja abrangência compreende o exercício da
influência política, notadamente no contexto de um processo de
negociação com o Poder Executivo, objetivando a expansão da
interferência congressual e partidária na própria regência do Estado e, até
mesmo, no processo de ativa formulação da agenda governamental.

Cumpre rememorar, neste ponto, valiosa e pertinente análise que o


eminente Relator fez, não só no presente caso, mas, também, em outros
votos, como aquele proferido no Inq 4.259/DF, oportunidade em que
considerou, com inteira correção, que a noção conceitual de ato de ofício,
tratando-se de membros do Congresso Nacional, abrange, por igual,
para além de suas clássicas funções no Parlamento (representação, controle
e legislação), também a prática efetiva de influência política na esfera do
Poder Executivo, resultante das próprias atribuições inerentes ao ofício
legislativo, como se vê do fragmento a seguir reproduzido, extraído de
seu voto no referido Inq 4.259/DF:

“Imputa-se ao acusado, além disso, o exercício de sua


influência política sobre o presidente do banco para viabilizar a
concessão do empréstimo, o que lhe teria rendido valores
indevidos.
Descreve-se, mais, que o presidente do Banco do Nordeste
do Brasil – BNB teria sido alçado àquela posição em razão da
indicação política do denunciado, que lhe dava suporte

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político, sem o qual não teria conseguido alçar-se ao cargo de


presidente do referido banco nem nele manter-se.
Em situações tais, tem-se sustentado não haver violação
ou promessa de violação a um dever constante da esfera de
atribuições do funcionário público em questão (parlamentar),
razão pela qual não estaria configurada a corrupção passiva, já
que esta exige que a vantagem prometida ou proporcionada ao sujeito
passivo o seja visando à prática ou omissão de um ato que se insere no
âmbito das atribuições do funcionário público.
De fato, não se desconsidera que a doutrina, a exemplo de
Cezar Roberto Bitencourt, sustenta que o crime de corrupção passiva
exige ser ‘...necessário que a ação do funcionário corrupto seja
inequívoca, demonstrando o propósito do agente de traficar com a
função que exerce. É indispensável que a ação do sujeito ativo tenha o
propósito de ‘vender’, isto é, de ‘comercializar’ a função pública’
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v 5. 9ª ed.
São Paulo: Saraiva : 2015, p. 114).
Nessa linha, argumenta-se que hipóteses como a presente,
em que valor indevidamente percebido pelo parlamentar se dá em
troca de apoio político para manutenção de um determinado
agente (ora corruptor, ora partícipe da corrupção passiva) em cargo
público – de onde pratica atos de desvio de dinheiro público –, não se
traduz em contraprestação configuradora de corrupção passiva,
pois a nomeação e exoneração do titular desses cargos não se
insere na esfera das atribuições parlamentares.
Com as devidas vênias de quem entende de modo diverso,
compreendo que a tese não resiste a uma compreensão
completa das atribuições parlamentares no regime
constitucional vigente.
Num primeiro momento, importa ter em mente as próprias
peculiaridades do sistema presidencialista brasileiro, em que
as atividades parlamentares não se resumem à análise e
proposições de atos legislativos, mas vão além disso,
franqueando-se aos congressistas participação ativa nas
decisões de governo.

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Com efeito, ganhou notoriedade a expressão


‘presidencialismo de coalizão’ cunhada por Sérgio Henrique
Hudson de Abranches para descrever as peculiaridades do
sistema presidencialista brasileiro.
Segundo Sérgio Abranches,

‘... o Brasil é o único país que, além de combinar a


proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo
imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões.
A esse traço peculiar da institucionalidade concreta
brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ´presidencialismo
de coalizão’.
(…)
A formação de coalizões envolve três momentos
típicos. Primeiro, a constituição de uma aliança eleitoral,
que requer negociação em torno de diretivas programáticas
mínimas, usualmente amplas e pouco específicas, e de princípios
a serem obedecidos na formação do governo, após a vitória
eleitoral. Segundo, a constituição do governo, no qual
predomina a disputa por cargos e compromissos relativos a
um programa mínimo de governo, ainda bastante genérico.
Finalmente a transformação da aliança em coalizão
efetivamente governante, quando emerge, com toda força,
o problema da formulação da agenda....
(…)
Esse é, naturalmente, um processo de negociação e
conflito, no qual os partidos na coalizão se enfrentam em
manobras calculadas para obter cargos e influência
decisória. Tal processo se faz por uma combinação de reflexão e
cálculo, deliberação e improviso, ensaio e erro da qual resulta a
fisionomia do governo. (Presidencialismo de coalizão: o dilema
institucional brasileiro. ‘In’ Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro. Vol. 31, n. 1, 1988, pp. 21-22, 27).
.......................................................................................................
Nessa toada, como se depreende das lições acima transcritas, a
própria configuração constitucional do regime presidencialista

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brasileiro confere aos parlamentares um espectro de poder que vai além


da mera deliberação a respeito de atos legislativos.
A participação efetiva de parlamentares nas decisões de
governo, indicando quadros para o preenchimento de cargos no
âmbito do poder executivo, é própria da dinâmica do sistema
presidencialista brasileiro, que exige uma coalizão para viabilizar a
governabilidade.
Como mencionado acima, a partir do que se sustenta na
doutrina, em tese, essa dinâmica não é, em si, espúria e pode
possibilitar, quando a coalizão é fundada em consensos
principiológicos éticos, numa participação mais plural na tomada de
decisões usualmente a cargo do poder executivo.
Entretanto, quando o poder do parlamentar de indicar
alguém para um determinado cargo, ou de lhe dar sustentação
política para nele permanecer, é exercido de forma desviada,
voltado à percepção de vantagens indevidas, há evidente
mercadejamento da função parlamentar, ao menos nos moldes em
que organizado o sistema constitucional político-partidário brasileiro.
A singela alegação de que não cabe ao parlamentar nomear
nem exonerar alguém de cargos públicos vinculados ao poder
executivo desconsidera a organização constitucional do sistema
presidencialista brasileiro.” (grifei)

O fato indiscutível e relevante a considerar-se reside na


circunstância de que, na arquitetura do nosso “presidencialismo de
coalizão”, a partilha de cargos e a coparticipação político-parlamentar em
seu preenchimento, no alto escalão da Administração Pública, direta e
indireta, caracterizam-se como mecanismos, por excelência, a serem
acionados para que o Chefe do Poder Executivo componha e preserve
uma base majoritária no Parlamento, como forma de viabilizar a
concretização de sua agenda governamental.

Daí a advertência, extremamente lúcida, do cientista político PAULO


RICARDO SCHIER (“Presidencialismo de Coalizão”, p. 115, 2017, Juruá
Editora), no sentido de que “É por esta razão que alguns autores afirmam que

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o presidencialismo de coalizão é um sistema de distribuição de chaves de acesso à


patronagem”.

Tal constatação, de inegável e comprovada base empírica, foi objeto de


expressivo estudo empreendido pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) cujo resultado foi a edição, em 2015, do livro “Cargos
de Confiança no Presidencialismo de Coalizão Brasileiro”, p. 11/19
(org. FELIX GARCIA LOPES, 2015), do qual extraio, por pertinentes, os
fragmentos a seguir reproduzidos:

“2 BUROCRACIA POLÍTICA, DE LIVRE NOMEAÇÃO:


CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS
A burocracia brasileira, tal qual a maior parte dos sistemas
administrativos contemporâneos, pode ser classificada em dois
grupos. O primeiro é formado pela burocracia efetiva, mais
estável, e cujos ocupantes são definidos por meio de alguma
modalidade de seleção competitiva, a exemplo dos concursos públicos.
O segundo grupo é a burocracia constituída por nomeações de
caráter discricionário, que detém, comparativamente, mais poder
administrativo e capacidade de influir na gestão das políticas, e
mantém, em média, conexões mais estreitas com a esfera
político-partidária.
.......................................................................................................
As divergências teóricas sobre as implicações decorrentes de um
alto grau de flexibilidade e discricionariedade para nomeações na
burocracia estão enquadradas, como aqui mencionado, no debate
gerado em torno da forma pela qual as nomeações foram apropriadas
como clientelismo e patronagem pelo sistema político (Gaetani, 2002),
características observadas de maneira ainda mais pronunciada nas
burocracias subnacionais, menos estruturadas que a burocracia
federal.
.......................................................................................................
O grau de influência partidária sobre as nomeações em
diferentes escalões da burocracia e suas implicações para o
desenho e características das políticas constituem outra questão
relevante. Trata-se de identificar, por um lado, se – e até onde – os

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partidos definem nomes de suas redes políticas no preenchimento dos


quadros da burocracia e, por outro, a importância desses quadros para
a formulação de políticas, embora o poder de nomear não deva ser
naturalmente equacionado ao poder de desenhar as políticas.
O debate remete à tradicional dicotomia entre nomeações
motivadas por políticas públicas ou por cargos como um fim
em si – a patronagem. Estudos clássicos e recentes apontam a
histórica deficiência dos partidos políticos brasileiros para atuar como
instâncias de formulação de projetos e políticas públicas. Remontam
a Oliveira Vianna (1997) as análises que indicam a forte
orientação partidária por patronagem em função do contexto de
formação dos partidos, assim como os efeitos que estas marcas de
origem exerceram sobre a atuação subsequente em relação aos cargos
estatais. A inexistência de vínculos entre os partidos emergentes e
bases societárias definidas fomentou a hipertrofia e ascendência da
burocracia estatal independente do controle partidário no exercício do
governo. Paralelamente, o Estado se tornou a fonte dos
recursos de sobrevivência das agremiações, não pela via do
controle dos cargos como meio de implementar políticas, mas pelo
controle dos postos como recursos de poder por si, como
patronagem.
.......................................................................................................
4 A DIVISÃO DE CARGOS E A GOVERNABILIDADE
O presidencialismo multipartidário brasileiro requer
negociação bem-sucedida para que o presidente consiga formar e
manter coalizões partidárias majoritárias. Embora existam
divergências quanto ao tipo e volume de recursos necessários
para cimentar a coalizão de apoio, é consensual que a divisão
de cargos, a alocação de verbas do orçamento, em suas
diferentes formas (emendas parlamentares, alocação
discricionária de recursos orçamentários sob a jurisdição dos
ministérios para estados e municípios), e o acordo sobre
algumas políticas públicas são os recursos centrais para
alcançar aquele objetivo.
.......................................................................................................

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A despeito do espaço menor destinado à patronagem de partido,


Praça, Freitas e Hoepers (2012), e Lopez, Bugarin e Bugarin, neste
volume, confirmam de forma mais ampla que as mudanças
interpartidárias e, em menor escala, intrapartidárias no
comando político dos ministérios (ministros) aumentam de
forma relevante a rotatividade nos cargos de livre nomeação da alta
burocracia. Os achados confirmam que os cargos são um
importante canal para o exercício partidário ou faccional
de poder, embora não necessariamente de políticas públicas.”
(grifei)

Esse diagnóstico descritivo dos arranjos políticos que animam as


inter-relações travadas, no nosso sistema de governo, entre os Poderes
Legislativo e Executivo, encontra apoio no autorizado magistério de
eminentes cientistas políticos nacionais (ARGELINA CHEIBUB
FIGUEIREDO e FERNANDO LIMONGI, “Executivo e Legislativo na
Nova Ordem Constitucional”, p. 117, item “Coalizões governamentais e
apoio à agenda do Executivo”, 2ª ed., 2001, Editora FGV; SÉRGIO
HENRIQUE HUDSON DE ABRANCHES, “Presidencialismo de
Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”, p. 21/22, Revista de
Ciências Sociais, vol. 31, n. 1, 1988; PAULO RICARDO SCHIER,
“Presidencialismo de Coalizão”, p. 114/115, 2017, Juruá Editora;
OCTAVIO AMORIM NETO, “O Presidencialismo de Coalizão
Revisitado: Novos Dilemas, Velhos Problemas”, p. 84/87, “in” “O
Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira”, org. por
JOSÉ ANTÔNIO GIUSTI TAVARES, Instituto Teotônio Vilela, 2003), cuja
abordagem da matéria não destoa da lição, inteiramente aplicável ao caso,
expendida por FABIANO SANTOS (“Agenda Oculta da Reforma
Política”, in “Reforma Política”, Câmara dos Deputados, maio de 2007,
p. 64):

“A separação de poderes e o multipartidarismo formam a


base de funcionamento de nossas instituições democráticas. Como
efeito direto dessas características, surge a necessidade de
organizar coalizões de apoio ao presidente no Legislativo, uma vez

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que são remotíssimas as chances de que o partido do presidente


conquiste a maioria das cadeiras nas duas Casas do Congresso. Esse
contexto institucional define o presidencialismo de coalizão,
modelo de governança adotado no Brasil e em vários países da
América do Sul, onde é frequente a conjugação de presidencialismo e
fragmentação partidária. Quais são os pressupostos do bom
funcionamento do presidencialismo de coalizão? O exame dos
últimos mandatos presidenciais revela que pelo menos quatro pontos
são fundamentais:

1) a decisão de montar a coalizão e a disposição de


distribuir poder entre os partidos que demonstram o desejo de
fazer parte do governo;
2) a redução tanto quanto possível do número de
parceiros, assim corno de sua heterogeneidade, a fim de reduzir
os custos de transação política no interior da coalizão;
3) a distribuição proporcional de cargos no
Executivo ao peso que os partidos têm na base aliada;
4) a definição de uma agenda legislativa que seja
consenso na coalizão e a conquista dos postos-chave no
Congresso tendo em vista fazer tramitar os pontos principais de
tal agenda.”(grifei)

Esse aspecto da questão não passou despercebido ao eminente


Professor Derly Barreto e Silva Filho, ilustre Procurador do Estado de São
Paulo, em interessante estudo denominado “A Presidencialização do Poder
Legislativo e a Parlamentarização do Poder Executivo no Brasil”, notadamente
em sua parte conclusiva, que por ele foi assim exposta:

“1) Desprestigiado pela ordem constitucional antidemocrática


anterior, o Poder Legislativo foi, na Constituição Federal de 1988,
revigorado e colocado no centro de gravitação política do País,
tendo-lhe sido conferidas as condições para, virtualmente, exercer
todas as funções hoje afetas aos modernos Parlamentos. Hoje, o
Parlamento brasileiro é dirigido por seus próprios membros,
responde por funções não só legislativas, mas também por outras,

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situadas nos campos funcionais dos demais Poderes – e assim os


controla –, compartilha com o Poder Executivo a atividade
governativa, tem asseguradas prerrogativas institucionais e
funcionais, é dotado de um regime jurídico singular, voltado ao
proficiente exercício de suas funções constitucionais, e atua segundo
regras processuais próprias, peculiares à formação da vontade
normativa do Estado Democrático de Direito.” (grifei)

Amparado nessas premissas, Senhor Presidente, é imperioso


concluir que, no caso concreto, houve, efetivamente, o tráfico da função
pública por parte do parlamentar ora acusado, na medida em que, em
troca do recebimento periódico de vantagens indevidas, emprestou sua força
política para a manutenção, em cargo incluído na quota governamental
do Partido Progressista – em cujo âmbito esse réu figurava como um dos
seus mais expressivos dirigentes –, de Paulo Roberto Costa,
especificamente designado para instaurar, facilitar e operar a
engrenagem de um sofisticado esquema de corrupção dentro da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras.

Com efeito, o evidente protagonismo do réu na direção do Partido


Progressista e a efetiva influência do parlamentar acusado nas decisões
dessa agremiação partidária, incluindo a deliberação de manter Paulo
Roberto Costa no cargo de dirigente da petrolífera estatal – cuja saída, em
abril de 2012, ocorreu somente após a mudança do grupo que comandava
o Partido Progressista –, estão devidamente comprovados nos autos,
tal como ressaltou o eminente Ministro Relator, em seu judicioso voto,
do qual reproduzo a seguinte passagem:

“A presença do acusado Nelson Meurer em momentos


agudos da relação espúria travada entre o Partido Progressista
(PP) e Alberto Youssef também revela a proeminência do seu
papel na condução dos assuntos partidários, não sendo crível que
qualquer membro da agremiação, senão os integrantes de sua cúpula,

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fosse testemunha de entrega de quantias em espécie ou participasse de


reuniões acerca de assuntos relacionados à Diretoria de Abastecimento
da Petrobras S/A.” (grifei)

É sintomático, nesse sentido, o fato de Alberto Youssef haver


postulado a permanência de Paulo Roberto Costa à frente da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras ao então Deputado Federal, pelo Partido
Progressista, João Alberto Pizzolatti Júnior, na presença do próprio réu
Nelson Meurer cujo depoimento de fls. 412/413 constitui clara
confirmação desse episódio:

“QUE (…) esteve no escritório de ALBERTO YOUSSEF


juntamente com PIZOLATTI, ocasião em que presenciou um
pedido de ALBERTO YOUSSEF a PIZOLATTI para que o
partido PP mantivesse o apoio na permanência de PAULO
ROBERTO COSTA na Diretoria de Abastecimento da
PETROBRAS, ‘como representante do partido progressista’;
QUE ALBERTO YOUSSEF demonstrou receio de PAULO
ROBERTO COSTA ser exonerado de suas funções como diretor, razão
pela qual fez tal pedido (…).” (grifei)

Não custa insistir na asserção de que a audiência em referência,


previamente agendada com o propósito de discutir o preenchimento de uma
das duas únicas quotas do Partido Progressista junto ao Governo
Federal, ocorreu, precisamente, no escritório do doleiro Youssef, em São
Paulo/SP – conforme declarado, em juízo, por João Alberto Pizzolatti
(fls. 2.716v.) –, para onde se deslocaram referidos parlamentares, tanto o
réu Meurer como João Alberto Pizzolatti Júnior.

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Seria pouco provável conceber, em dialética sincera e sob o governo de


uma racionalidade não indiferente à lógica, que um congressista do assim
chamado “baixo clero” participasse de encontro tão restrito – apenas três
intervenientes –, realizado em local situado a mais de 1000km do
Congresso Nacional (em São Paulo/SP), para tratar de assunto de
invulgar relevo, de interesse da agremiação partidária que integrava e à
qual ainda pertence.

Essa particular circunstância já torna extremamente frágil o


discurso, sustentado pela defesa, de que o parlamentar acusado não tinha
voz dentro da cúpula partidária. À medida que se avança no estudo das
provas, tal argumento se torna indefensável, notadamente quando, ao
evento supramencionado, soma-se a circunstância, processualmente não
controvertida, de esse réu ter sido, efetiva e formalmente, o líder do Partido
Progressista, na Câmara dos Deputados, no ano de 2011.

Tudo isso revela o inegável poder de influência política do congressista


em questão no âmbito da cúpula dirigente de seu partido (o PP), bem
assim o seu irrecusável poder de fato em domínio institucionalmente
reservado ao Poder Executivo, com particular destaque para o
preenchimento do cargo de titular da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A.

Daí a corretíssima constatação feita pelo eminente Relator, em seu


douto voto:

“Desse modo, sendo certo que a indicação para a condução da


aludida diretoria competia ao Partido Progressista (PP), que o fazia
a partir de seus líderes, nos quais se inclui o acusado Nelson Meurer,
constato a viabilidade, no caso concreto, da sustentação política
envidada em favor de Paulo Roberto Costa caracterizar ato de
ofício inerente às funções parlamentares e partidárias exercidas
pelo referido denunciado.” (grifei)

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De fato, Senhor Presidente, não remanescem dúvidas de que o réu


Nelson Meurer emprestou seu capital político para, em comunhão de
esforços com outros nomes importantes de sua agremiação partidária, dar
sustentação política à manutenção de Paulo Roberto Costa à frente da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras, o que permitiu a subsistência
do esquema criminoso de poder vocacionado a viabilizar e a dar
continuidade ao método de corrupção estabelecido no âmbito daquele
particular segmento da empresa petrolífera governamental.

Com efeito, tal apoio político representou, nesse contexto delinquencial,


a contrapartida criminosa prestada pelo réu – em gesto revelador de sua
indisfarçável venalidade – ao recebimento, durante vários anos, das
vantagens ilícitas diretamente provenientes do denominado “caixa de
propinas” gerido por Alberto Youssef e abastecido pelo cartel de
empreiteiras contratualmente vinculadas à Diretoria de Abastecimento da
Petrobras, à razão, no mínimo, do percentual de 1% sobre o valor de cada
operação contratada.

Não se podem também desconsiderar, em face do caso ora sob


julgamento, as relevantes funções fiscalizatórias atribuídas, pela
Constituição Federal de 1988, aos integrantes do Congresso Nacional, tal
como o descreve, em dispositivo inerente ao sistema de freios e contrapesos que
harmoniza a convivência entre os Poderes estatais, o art. 49, X, que
outorga ao Congresso Nacional competência exclusiva para “fiscalizar e
controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder
Executivo, incluídos os da administração indireta”.

Esse é o motivo pelo qual o art. 70, “caput”, da Carta da República,


estabelece que “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional
e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,
quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder” (grifei).

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Com inteira razão Vossa Excelência, Senhor Presidente, quando


ressalta, em seu douto voto, o aspecto indigno de espúria comercialização da
função pública praticada pelo Deputado Federal Nelson Meurer:

“Não fosse isso, deve-se ter em mente que a Constituição da


República, expressamente, confere a parlamentares funções que
vão além da tomada de decisões voltadas à produção de atos
legislativos (…).
.......................................................................................................
A Constituição Federal, em seu art. 49, X, dentre outras,
confere ao Congresso Nacional competência exclusiva para: ‘X –
fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os
atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta’.
Parece evidente, nessa perspectiva, que um parlamentar, em
tese, ao receber dinheiro em troca ou em razão de apoio político
a um diretor de empresa estatal está mercadejando uma de
suas principais funções que é o exercício da fiscalização da
lisura dos atos do Poder Executivo, incluídos os da administração
indireta.
.......................................................................................................
Dessa feita, a percepção de vantagens indevidas, oriundas
de desvios perpetrados no âmbito de entidades da administração
indireta, a partir de sustentação política a detentores de poder de
gestão nessas entidades, implica evidente ato omissivo no que diz
respeito ao exercício dessas funções parlamentares.” (grifei)

Passo, agora, à análise da materialidade e da autoria dos crimes de


corrupção passiva imputados aos três litisconsortes penais passivos.

2.1.1. Participação de Nelson Meurer no recebimento de propina por


Paulo Roberto Costa e pelo Partido Progressista (item 4.1 da denúncia)

Na primeira série de fatos imputados na denúncia, o Ministério


Público Federal narra que o réu Nelson Meurer teria participação no
recebimento de vantagens indevidas, por parte de Paulo Roberto Costa,

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então Diretor de Abastecimento da Petrobras, e, também, por parte do


Partido Progressista – PP.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, as vantagens


indevidas correspondentes a 1% (um por cento) do valor dos contratos e
aditivos celebrados no âmbito da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras teriam sido repassadas, pelas empreiteiras cartelizadas, para
Paulo Roberto Costa e para os integrantes da cúpula do Partido
Progressista, dentre eles o réu Nelson Meurer (fls. 895/910).

Nesse contexto, o Ministério Público imputa ao réu Nelson Meurer


a prática do delito de corrupção passiva, por ele cometido na condição de
partícipe, figurando como autor Paulo Roberto Costa, tendo por objeto o
número (161) de todos os contratos, aditivos e transações extrajudiciais
celebrados entre a Petrobras, por meio da Diretoria de Abastecimento, e as
empreiteiras envolvidas nos crimes de cartel e fraude à licitação.

Concordo com o voto do eminente Relator que absolve o réu em


questão, especificamente no que se refere à imputação penal deduzida
no item n. 4.1 da denúncia, eis que, não obstante a existência de
materialidade dos crimes nela descritos, não há como reconhecer a
participação do réu Nelson Meurer nessa primeira série de fatos a que
alude a peça acusatória.

É que a acusação não se desincumbiu de seu ônus de provar como


Nelson Meurer teria participado da solicitação e/ou do recebimento de
vantagens indevidas por Paulo Roberto Costa, decorrentes de cada
contrato, aditivo ou transação judicial narrados pelo Ministério Público.

A prova de materialidade, só por si, não é suficiente para formulação


de um juízo condenatório, pois, como se sabe, torna-se necessário, também,
que a acusação comprove a autoria do fato delituoso, demonstrando, sempre
para além de qualquer dúvida razoável, que o agente praticou o crime ou,
então, concorreu, de qualquer modo, para a sua perpetração (CP, art. 29).

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Desse modo, não cabe responsabilizar o parlamentar Meurer,


genericamente, por todos os atos contratuais celebrados, no âmbito da
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, então dirigida por Paulo
Roberto Costa, com empresas envolvidas na formação de cartel.

Nesse contexto, é possível concluir, na linha do douto voto


absolutório do eminente Relator, que em relação à primeira série de fatos
(item n. 4.1 da denúncia), não há prova da participação de Nelson
Meurer na solicitação ou no recebimento, por Paulo Roberto Costa, de
vantagens indevidas em cada um dos 161 (cento e sessenta e um) atos
negociais celebrados na Diretoria de Abastecimento.

Cabe ressaltar, por relevante, tal como advertiu o eminente Relator,


que a falta de suporte probatório idôneo em relação à participação de Nelson
Meurer nos fatos objeto do item n. 4.1 da denúncia (CP, art. 29), impede
que se formule, legitimamente, contra ele, juízo penal condenatório.

Com efeito, o exame destes autos – insista-se – revela que o Ministério


Público não se desincumbiu do ônus de comprovar, de modo pleno, os
elementos pertinentes à acusação penal no tocante aos crimes de
corrupção passiva descritos na denominada primeira série de fatos
imputados ao réu Nelson Meurer (item 4.1 da denúncia).

As acusações penais, como se sabe, não se presumem provadas, eis que o


ônus da prova concernente aos elementos constitutivos do pedido (autoria e
materialidade do fato delituoso) incumbe, exclusivamente, a quem acusa.

Daí o magistério jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou no


tema:

“(…) AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM


PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE,
EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA

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Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete


ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério
Público comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer
dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais
prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra que, em dado
momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo),
criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os
regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua
própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5).
Precedentes.
Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do
contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação
descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ('essentialia
delicti') que compõem o tipo penal, sob pena de devolver-se,
ilegitimamente, ao réu o ônus (que sobre ele não incide) de provar
que é inocente.
Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no
modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o
Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras
suspeitas, reconhecera culpa do réu. Os princípios democráticos
que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato
estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por
presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.”
(HC 88.875/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Desse modo, Senhor Presidente, manifesto-me, na condição de


Revisor, de pleno acordo com Vossa Excelência, julgando, no ponto,
improcedente, a denúncia e declarando, em consequência, com apoio
no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, a absolvição do réu
Nelson Meurer dos crimes de corrupção passiva descritos no item n. 4.1
da peça acusatória.

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2.1.2. Recebimento periódico e ordinário de propina por NELSON


MEURER, com o auxílio de NELSON MEURER JÚNIOR e CRISTIANO
AUGUSTO MEURER (Item 4.2 da denúncia)

Nessa segunda série de fatos descrita na denúncia, o réu Nelson


Meurer teria solicitado, aceitado promessa e efetivamente recebido, entre
janeiro de 2006 e março de 2014, a quantia de, aproximadamente,
R$ 27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais), correspondentes a
99 (noventa e nove) repasses mensais no valor indivudual de
R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) – contando, em determinados momentos,
com o auxílio de seus filhos, Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto
Meurer, ora litisconsortes penais passivos –, em razão do apoio e da
sustentação política prestados, na condição de integrante parlamentar da
cúpula do Partido Progressista, à manutenção de Paulo Roberto Costa à
frente da Diretoria de Abastecimento da Petrobras.

De acordo com a narrativa ministerial, os valores da propina teriam


sido entregues, sempre em espécie, de duas formas: (a) por Alberto Youssef,
pessoalmente, ou por um de seus transportadores de dinheiro (Rafael
Angulo Lopez, Carlos Alexandre de Souza Rocha, “o Ceará”, e Antônio
Carlos Brasil Fioravante Pierrucini), e (b) por intermédio do Posto da
Torre, em Brasília.

Entendo, na linha do douto voto condenatório proferido pelo


eminente Relator, que estão plenamente comprovadas, nos autos, a
materialidade e a autoria de significativo número de vezes em que
cometido o delito de corrupção passiva, cuja prática foi atribuída aos três
acusados, pelo Ministério Público, no item n. 4.2 da denúncia.

Passo a examinar e a detalhar a prova existente nos autos.

Inicio com o relato do colaborador Paulo Roberto Costa, também


ouvido na presente ação penal sob o crivo do contraditório e exposto ao

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confronto direto dos acusados, uma vez que vigora, em nosso sistema
processual penal, em tema de tomada de depoimentos, o regime do exame
direto (“direct-examination”) e cruzado (“cross-examination”) das
testemunhas (CPP, art. 212), o que ensejou à defesa a possibilidade, no
próprio curso da produção da prova, de neutralizar a carga acusatória
resultante dos depoimentos favoráveis à imputação penal deduzida pelo
Ministério Público.

Totalmente pertinentes, a esse respeito, as considerações doutrinárias


de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“Provas: Lei nº 11.690,
de 09.06.2008”, “in” “As Reformas no Processo Penal” coordenado por
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, p. 286, 2008, RT), para quem:

“Na ‘cross-examination’ evidenciam-se as vantagens do


contraditório na coleta do material probatório, uma vez que, após o
exame direto, abre-se à parte contrária, em relação à qual a
testemunha é presumidamente hostil, um amplo campo de
investigação. No exame cruzado, é possível fazer-se uma reinquirição
a respeito dos fatos já abordados no primeiro exame (‘cross-
-examination as to facts’), como também formular questões que
tragam à luz elementos para a verificação da credibilidade do próprio
depoente ou de qualquer outra testemunha (‘cross-examination as to
credit’).”

De acordo com o referido colaborador, a cúpula do Partido


Progressista, capitaneada por José Janene, indicou-o para a Diretoria de
Abastecimento da Petrobras sob condição de que ele, Paulo Roberto
Costa, propiciasse o funcionamento de engenhoso esquema de drenagem dos
recursos financeiros daquela específica área da Petrobras, para irrigar os
cofres dos dirigentes da mencionada agremiação (fls. 2.771/2.774v.).

O depoimento de Alberto Youssef – igualmente ouvido, na fase


instrutória deste processo penal, na condição de colaborador – é coerente e
plenamente compatível com o relato acima transcrito e aponta, mais uma

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vez, que a indicação, pelo Partido Progressista, de Paulo Roberto Costa para
dirigir a Diretoria de Abastecimento da Petrobras tinha como único
objetivo viabilizar a captura desse destacado setor da empresa petrolífera
estatal, e, assim, propiciar o criminoso abastecimento, com dinheiro ilícito,
dos cofres de referida agremiação partidária e, por seu intermédio, o de
seus dirigentes, entre os quais o parlamentar Meurer (fls. 2.816v./2.817).

Revela-se importante definir, bem por isso, a participação do


acusado Nelson Meurer nessa trama criminosa, sendo fecundo, no ponto,
o depoimento de Paulo Roberto Costa, que, mesmo antes da instauração
desta causa penal, fora explícito quanto ao papel preponderante do réu
em questão no comando do Partido Progressista e na própria
engrenagem do esquema criminoso ora em julgamento (Termo de
Colaboração nº 20, fls. 361):

“QUE quanto a NELSON MEURER, esclarece que este tinha


bastante amizade com JOSÉ JANENE e fazia parte do grupo de
MARIO NEGROMONTE dentro do PP; (…); QUE em várias
reuniões em que o declarante esteve presente no apartamento
funcional de MARIO NEGROMONTE em Brasília e também
no de JOSÉ JANENE, no período de 2006 a 2010
aproximadamente, era frequente a presença de NELSON
MEURER, esclarecendo que JOSÉ JANENE foi deputado federal
apenas até 2006; QUE NELSON MEURER recebia parte dos
repasses periódicos destinados ao PP e oriundos das propinas
pagas nos contratos firmados no âmbito da Diretoria de
Abastecimento, então ocupada pelo declarante; (…).” (grifei)

Enfatizo, por relevante, que tais declarações foram confirmadas pelo


colaborador em juízo (fls. 2.776):

“MINISTÉRIO PÚBLICO – Nesse grupo de comando,


Negromonte, Pizzolatti, Janene, Pedro Corrêa, Nelson Meurer, dá
para se dizer que ele seria um grupo de comando?
COLABORADOR – Sim, sim.” (grifei)

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Paulo Roberto Costa também revelou, em seu testemunho, o mote


que invariavelmente dava a tônica dessas reuniões, nas quais, via de regra,
o acusado Nelson Meurer se fazia presente. O que os parlamentares
expoentes do Partido Progressista – aí incluído o acusado – buscavam
saber, nesses periódicos encontros, era a situação atual dos contratos e
aditivos celebrados no âmbito da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras e, especialmente, as perspectivas futuras de novos ajustes, com o
propósito exclusivo de ter conhecimento das fontes de receitas atuais e
vindouras, a serem revertidas, criminosamente, em vantagens ilícitas para
os comandantes do aludido grupo partidário (fls. 2.783/2.785):

“ADVOGADO – Perfeito. Mas o senhor fez menção à discussão


que era feita com a cúpula do Partido Progressista, reuniões que foram
realizadas, segundo o senhor disse, em alguns apartamentos
funcionais de deputados do PP em Brasília. Eu gostaria que o senhor
detalhasse um pouco o teor dessas conversas nessas reuniões. O que
que se conversava nesse momento? O senhor disse assim que falava-se
de contratos ...
COLABORADOR – É.
ADVOGADO – Eu gostaria que o senhor fosse mais específico
em relação a isso.
COLABORADOR – Eu não me recordo de nenhuma dessas
reuniões entrar em ... tenha-se entrado em detalhes de valores. Eu não
me recordo. O que eu me lembro sempre era discussão de contratos e
de, às vezes, aditivos: ‘como é que esse aditivo vai sair, não vai? Esse
contrato vai sair e quando que vai sair esse contrato? Quando que vai
ter uma licitação?’ Por exemplo: ‘A unidade de coqueamento
retardado da refinaria ‘X’, quando é que é a previsão pra ter esse
contrato? Tá bom, possivelmente, daqui a três meses, seis meses,
daqui um ano’, que eram os dados que eu tinha de cronograma na
minha cabeça. Então, era mais o foco da, vamos dizer, situação atual
em relação a contratos e aditivos etc., e perspectivas futuras. Na
realidade, estavam sempre muito preocupados com
perspectivas futuras. Novos contratos, era a grande

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preocupação deles. ‘Quando é que vamos ter novos contratos?’ Por


que preocupação com novos contratos? Porque eram novas
fontes de receita, né. Então, normalmente, era isso. Eu não me
recordo de nenhuma reunião dessas (ininteligível).
ADVOGADO – E, especificamente em relação ao Deputado
Nelson Meurer, ele mostrava preocupação com novas fontes de
receita?
COLABORADOR – Não, ele, na realidade, participava; mas,
vamos dizer, nessas reuniões, tinha sempre um líder da reunião –
vamos chamar assim, né – que era normalmente o presidente do
partido, ou o secretário-geral, ou quem quer que seja (ininteligível).
ADVOGADO – Senhor Paulo Roberto, a minha pergunta
é mais direta assim: ficava claro nessas reuniões que esses
deputados, incluído aí o Deputado Nelson Meurer, estavam
preocupados com novas fontes de receita e, portanto, novas
fontes de propina?
COLABORADOR – Sim, sim, sim. A resposta é sim.
ADVOGADO – Então, não havia uma solicitação direta?
COLABORADOR – Isso.
ADVOGADO – O deputado não dizia: ‘Olha, eu quero tantos
mil reais’.
COLABORADOR – Não, não.
ADVOGADO – Mas ficava claro nas reuniões que a
preocupação que eles tinham em relação a novos contratos da
Petrobras...
COLABORADOR – Eram novas receitas.
ADVOGADO – Era por conta do conhecimento que todos eles
tinham do esquema de ... Essa é a pergunta que estou fazendo.
COLABORADOR – Então, a resposta é afirmativa. Sim,
Excelência. Tá correta, é isso mesmo. Mas não, não ...
ADVOGADO – E o Nelson Meurer, o Deputado Nelson
Meurer aí incluído?
COLABORADOR – Sim. Mas não tinha conversas em termos
de percentuais e valores, não.

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ADVOGADO – Sim, o rateio posterior dessa propina era feito


via ...
COLABORADOR – José Janene e o Alberto Youssef depois.
ADVOGADO – Compreendo, sim.
COLABORADOR – Mas a resposta à sua pergunta,
Excelência, é sim.
ADVOGADO – Tá. Então, esses deputados, quando eles se
reuniam, incluído aí o Deputado Nelson Meurer, em
apartamentos funcionais, eles não estavam preocupados com o
interesse público da Petrobras em realizar prospecções e fazer com
que a empresa ...
COLABORADOR – Não. (Ininteligível).
ADVOGADO – O senhor pode dizer que de jeito nenhum?
COLABORADOR – Eu posso dizer: de jeito nenhum! A
preocupação deles era com futuras receitas.
ADVOGADO – Ilícitas?
COLABORADOR – Ilícitas. Sim, posso afirmar isso com
toda clareza.” (grifei)

Alberto Youssef, de igual modo, também colocou o réu Nelson


Meurer no centro do enredo criminoso, dando ênfase ao protagonismo
que o parlamentar exercia na direção do Partido Progressista, o que lhe
rendia dividendos mensais – que variaram, a depender da época, entre
R$ 130.000,00 (centro e trinta mil reais) e R$ 700.000,00 (setecentos mil
reais) – oriundos do “caixa de propinas” alimentado pelas empreiteiras
que mantinham contratos incluídos no espectro de atuação da
Diretoria de Abastecimento da empresa estatal vitimada por tais
comportamentos criminosos (fls. 60/61, 649/650 e 2.819/2.820v.).

O colaborador Alberto Youssef igualmente esclareceu que a maior


parte da propina era entregue – com periodicidade, no mínimo, mensal –, em
espécie, ao réu Nelson Meurer, por ele próprio (Youssef) ou por um de
seus emissários, Rafael Angulo Lopez, Carlos Alexandre de Souza Rocha

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(o Ceará), Adarico Negromonte e Antônio Carlos Brasil Fioravante


Pieruccini, no Hotel Curitiba Palace, em Curitiba/PR, como regra.
O restante do produto ordinário da corrupção era distribuído, em menor
número, por intermédio de um posto de combustível sediado nesta
Capital Federal, chamado “Posto da Torre”, de propriedade do doleiro
Carlos Habib Chater (fls. 649/650 e 2.818v./2.829v.).

Considero extremamente importante rememorar, sob esse aspecto,


que os emissários de Alberto Youssef, Rafael Angulo Lopez, Carlos
Alexandre de Souza Rocha (o Ceará) e Antônio Carlos Brasil Fioravante
Pieruccini – igualmente vinculados, por acordos de colaboração premiada,
com o “dominus litis” – trouxeram significativos detalhes acerca das
sucessivas operações, por eles deflagradas, de entrega de dinheiro ilícito ao
réu Nelson Meurer, algumas vezes por intermédio de seus filhos Nelson
Meurer Júnior e, com menor frequência, Cristiano Augusto Meurer.

Nesse sentido, ao depor em juízo, Angulo Lopez afirmou ter


transportado, por diversas vezes, entre 2007 e 2013, dinheiro em espécie
para o réu Nelson Meurer e seus dois filhos – que ora figuram, neste
processo, como litisconsortes penais passivos –, até o Hotel Curitiba
Palace, em Curitiba/PR, ou ao próprio Aeroporto Afonso Pena,
identificando, ainda, em declaração absolutamente harmônica à de
Alberto Youssef, os demais encarregados de transportar os recursos
indevidos ao destino indicado pelo parlamentar Meurer, quais sejam,
Carlos Rocha, Antônio Fioravante e Carlos Habib Chater, este
proprietário do Posto da Torre (fls. 2.791v./2.806).

Antônio Carlos Fioravante, por seu turno, declarou que, a pedido de


Alberto Youssef, promoveu cerca de 30 (trinta) ou 40 (quarenta) entregas
de dinheiro para o réu Nelson Meurer. O procedimento, iniciado no ano
de 2009, era linear: o colaborador retirava os valores em São Paulo, no
escritório do doleiro, e os transportava para Curitiba, onde o Deputado
ou seu filho, Nelson Meurer Júnior, aguardava-o no Hotel Curitiba

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Palace ou no Aeroporto Afonso Pena. Para a combinação da hora e do


local, Fioravante estabelecia prévio contato telefônico com os acusados
(fls. 1.263/1.265 e fls. 1.267/1.270):

“QUE, entre o começo de 2009 e agosto de 2011, o declarante


fez várias entregas de valores para o Deputado Federal NELSON
MEURER, em Curitiba, a pedido de ALBERTO YOUSSEF; (…)
QUE o declarante fazia as viagens de ida e volta entre São Paulo e
Curitiba de carro, em automóvel de sua propriedade; (…) QUE o
declarante, nesse contexto, a pedido de ALBERTO YOUSSEF,
chegou a fazer cerca de trinta ou quarenta entregas de dinheiro
ao Deputado Federal NELSON MEURER em Curitiba; (...) QUE
o declarante pegava valores em espécie no escritório de ALBERTO
YOUSSEF em São Paulo e levava para Curitiba; (…) QUE o
telefone de NELSON MEURER era (61) 9978-7371; (…) QUE
desde a saída de São Paulo o declarante era monitorado por
NELSON MEURER, que telefonava várias vezes para saber
onde o declarante estava; QUE quando chegava a Curitiba o
declarante ia direto ao Hotel Curitiba Palace repassar os
valores a NELSON MEURER; Que algumas vezes o declarante
chegava a Curitiba antes da chegada de NELSON MEURER; QUE
nessas ocasiões encontrava NELSON MEURER e lhe repassava os
valores no próprio Aeroporto Afonso Pena;” (grifei)

“QUE, algumas vezes, quando o Deputado Nelson Meurer


não podia se fazer presente, as entregas eram feitas ao filho do
Deputado Nelson Meurer cujo nomes (sic) não se recorda, sabendo
apenas que o mesmo era advogado; QUE, nas contas telefônicas
ora apresentadas deve constar o telefone do filho do Deputado
com o prefixo 046 (…).” (grifei)

Não é demasia destacar, no ponto, a firme coerência dos


depoimentos prestados por Angulo Lopez, Antônio Carlos Brasil
Fioravante Pieruccini e Carlos Alexandre Rocha cujo conteúdo projeta
um cenário coeso e uniforme quanto ao recebimento, em múltiplos
episódios, de vantagens indevidas pelo parlamentar Nelson Meurer, que

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contou com o auxílio, em algumas ocasiões, de seus dois filhos,


anteriormente nomeados.

Não questiono, de outro lado, a afirmação de que o depoimento do


agente colaborador não legitima, por si só, quando for o único elemento
incriminador, a prolação de um juízo penal condenatório, até porque,
como todos sabemos, nem mesmo quando se conjuguem, em desfavor do
réu, os relatos concordantes de vários colaboradores, atuando no contexto
da denominada colaboração recíproca ou cruzada, será possível cogitar-se de
solução diversa, sempre que, também nessa hipótese, não concorram, em
suporte às acusações delatórias, elementos externos de confirmação dos
depoimentos incriminadores, passíveis de serem qualificados como fonte
autônoma ou independente de prova.

Cabe enfatizar, no entanto, ao contrário do que sustenta a defesa dos


réus, a farta existência, nestes autos, de fontes autônomas de prova que
corroboram, no caso concreto, de forma extremamente persuasiva, os
depoimentos resultantes de diversos acordos de colaboração premiada
celebrados com o Ministério Público.

Inicialmente, vale mencionar, por oportuno, os registros de


hospedagem do réu Nelson Meurer e de seus dois filhos, ora litisconsortes
penais passivos, no Hotel Curitiba Palace, em Curitiba/PR, desde 2008 até
o ano de 2014 (fls. 318/370 e mídia a fls. 813). A esse respeito, as
testemunhas Cláudio Tomasin e Joaquim Tadeu Silveira, empregados
daquele estabelecimento, confirmaram que o parlamentar em questão é
cliente habitual do hotel há quase duas décadas (fls. 2.894v. e 2.910).

Tais elementos já denotam a verossimilhança das declarações de


Alberto Youssef (fls. 2.824/2.824v.), Rafael Angulo Lopez (fls. 2.792),
Antônio Carlos Fioravante Pieruccini (fls. 2.919) e Carlos Alexandre de
Souza Rocha (fls. 2.744v.) sobre as entregas por eles efetivadas no Hotel
Curitiba Palace, uma vez que os colaboradores não teriam, de outro modo,

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como ter ciência da preferência específica dos réus no que se refere ao


amplo setor hoteleiro da capital paranaense, que hoje concentra uma
miríade de estabelecimentos similares.

Essa, porém, é a prova de corroboração menos expressiva, embora


convincente, por si só. Há, porém, outras bem mais reveladoras do contexto
ora em apreciação, como se depreende do bem fundamentado voto agora
proferido pelo eminente Relator, do qual extraio as seguintes passagens
(fls. 76/79 do voto):

“Com efeito, a partir do cruzamento de dados de


companhias aéreas, como também dos encaminhados pelo Hotel
Curitiba Palace, é possível afirmar, sem qualquer margem de dúvida,
que, ao menos em 6 (seis) oportunidades, Rafael Ângulo Lopez
esteve na cidade de Curitiba nos exatos dias em que Nelson
Meurer, Nelson Meurer Júnior ou Cristiano Augusto Meurer
também foram registrados como hóspedes no aludido
estabelecimento hoteleiro.
Essas mesmas cópias dos bilhetes aéreos corroboram,
ademais, a metodologia revelada por Rafael Ângulo Lopez,
utilizada para a entrega de dinheiro em espécie para Nelson
Meurer, consistente em viagens de ida e volta no mesmo dia
entre as cidades de São Paulo e Curitiba, especialmente
próximo ao fim da semana, quando o parlamentar acusado chegava
ao seu Estado de origem.
Nesse sentido, as cópias dos bilhetes aéreos acostadas à
fl. 55 do apenso 1 demonstram que o colaborador Rafael Ângulo
Lopez voou de São Paulo para Curitiba às 6:53h do dia 29.2.2008,
retornando à Capital Paulista no mesmo dia às 10:30h; de
acordo com a lista de registro de hóspedes remetida pelo Hotel
Curitiba Palace, nessa data ali se encontravam hospedados os
denunciados Nelson Meurer e Nelson Meurer Júnior, conforme se
infere do arquivo ‘lista2008.pdf’, páginas 64 e 219, contido na mídia
acostada à fl. 813 dos autos.
Calha destacar que, no ano bissexto de 2008, o dia 29 de
fevereiro correspondeu à sexta-feira, justamente o período da

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semana em que o colaborador afirmou ser rotineira a entrega


de quantias em espécie na cidade de Curitiba.
Já à fl. 54 do apenso 1 foram reproduzidos não só os bilhetes
aéreos, mas também o documento de emissão das passagens,
cuja análise revela que o colaborador Rafael Ângulo Lopez viajou de
São Paulo para Curitiba às 8:46h do dia 11.4.2008 (sexta-feira),
retornando para a Capital Paulista no mesmo dia às 14:00h;
nessa mesma data, consta registro de hospedagem de Nelson Meurer
Júnior no hotel Curitiba Palace, conforme informação constante do
arquivo ‘lista2008.pdf’, página 219, contido na mídia acostada à
fl. 813 dos autos.
Dignas de nota, nesse específico ponto, são as declarações
do acusado Nelson Meurer Júnior por ocasião do seu interrogatório
perante a autoridade policial, no sentido de que jamais houvera se
hospedado no aludido estabelecimento. Confira-se:

‘(...) QUE não se hospeda nem se hospedou e nem se


hospedava com frequência no Hotel Curitiba Palace, porém por
vezes já esteve com seu pai, às segundas-feiras, para um café da
manhã’ (fl. 753)

Como visto, as diligências encetadas pela autoridade


policial não tiveram dificuldades em infirmar a declaração
citada, sendo certo que, por ocasião do seu interrogatório judicial, o
acusado Nelson Meurer Júnior, ciente da prova documental
demonstrando a inveracidade de sua narrativa, declinou resposta
diversa ao mesmo questionamento, esclarecendo que se hospedava no
hotel desde a infância.
Retomando a análise dos elementos de corroboração, no
dia 5.6.2008, uma quinta-feira, a documentação reproduzida à fl. 53
do apenso 1 revela que Rafael Ângulo Lopez fez o mesmo trajeto
saindo de São Paulo às 13:16h, retornando da capital paranaense às
16:05h; no mesmo dia estava hospedado Cristiano Augusto
Meurer no Hotel Curitiba Palace, conforme informação constante do
arquivo ‘lista2008.pdf’, página 59, contido na mídia acostada à fl. 813
dos autos.

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Idênticos fatos são comprovados pelas cópias de bilhetes


aéreos constantes às fls. 50, 45 e 43 do apenso 1, que atestam viagens
de Rafael Ângulo Lopez nos trechos São Paulo – Curitiba – São Paulo
nos dias 7.8.2008, 11.8.2009 e 23.12.2010, respectivamente. Em
todas essas datas foram encontrados registros de hospedagem
do acusado Nelson Meurer no Hotel Curitiba Palace,
ressaltando-se que nas duas (2) últimas esteve acompanhado do
também denunciado Nelson Meurer Júnior, conforme se extrai das
informações contidas nos arquivos ‘lista2008.pdf’, página 218;
‘lista2009.pdf’, páginas 71 e 232; e ‘lista2010.pdf’, página 407.
Diante desse cenário, ao contrário do que afirmam as
defesas técnicas dos acusados, o conjunto probatório
produzido no seio do contraditório estabelecido em juízo é
apto, insisto, a corroborar as afirmações feitas pelos
colaboradores, no sentido de que entregas ordinárias de dinheiro
em espécie a Nelson Meuer ocorriam na cidade de Curitiba, seja no
Hotel Curitiba Palace, seja no estacionamento do Aeroporto
Internacional Afonso Pena.
Não fosse isso, somam-se a tais elementos de prova as
informações obtidas por meio do afastamento do sigilo
bancário do acusado Nelson Meurer, as quais revelam dezenas de
depósitos fracionados em conta-corrente de sua titularidade,
muitos deles no mesmo dia e em valores abaixo dos limites
utilizados para a fiscalização por parte das autoridade
monetárias.
Aliás, a soma dessas quantias, frise-se, mostra-se
flagrantemente incompatível com as remunerações
ordinariamente recebidas em razão do exercício da atividade
parlamentar e da aposentadoria a que faz jus o denunciado Nelson
Meurer.” (grifei)

Não se desconhece a alegação da defesa, no sentido de que todas


essas circunstâncias não ultrapassariam a esfera das meras coincidências,
que teriam sido manipuladas, pelo Ministério Público, em desfavor dos
acusados.

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Tal asserção, contudo, não resiste à evidência dos fatos e à contundente


realidade das provas.

Com efeito, cumpre aqui relembrar, por oportuno, que tanto Rafael
Angulo Lopez quanto Antônio Fioravante Pieruccini afirmaram ter feito
entregas de propina ao réu Nelson Meurer no próprio estacionamento
do Aeroporto Afonso Pena, dentro do carro do parlamentar, de cor prata.

Nesse sentido, Angulo Lopez descreve o automóvel da seguinte


forma: “Era um carro prata, tipo aqueles carros fechados, não era sedan,
tipo Tucson, não lembro a marca, mas era um tipo de peruazinha desse”
(fls. 2.792v. – grifei), o que é compatível com a declaração de Antônio
Fioravante, de que se tratava de “uma camionete prata” (fls. 1.265 –
grifei).

Ora, o réu Meurer é proprietário de um automóvel da marca


Hyundai, modelo Vera Cruz, de cor Prata, ano 2010, UF: PR (conforme
atesta o Relatório de Pesquisa nº 464/2015, da Procuradoria-Geral da
República – fls. 531 da AC 3.826 – apenso 03) cuja aparência é compatível
com as percepções e descrições externadas pelos colaboradores.

Considero particularmente relevante, ainda, acentuar a


circunstância de o réu Nelson Meurer ter afirmado sequer conhecer o
colaborador Antônio Fioravante, quando tal assertiva é frontalmente
desmentida pelo conjunto probatório cuja contundência, no ponto, não é
demasiado enfatizar, potencializa a força probatória dos dados
informativos em detrimento das teses de exculpação sustentadas nos
autos.

Desse modo, assinalo, por importante, que, entre 2010 e 2012, há nada
menos que 25 (vinte e cinco) registros de ligações do telefone móvel de
Antônio Carlos Fioravante para o celular do Deputado Federal Nelson
Meurer e 09 (nove) para o aparelho de Nelson Meurer Júnior, chamando

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a atenção, ainda, que, em 05 (cinco) oportunidades, as ligações para pai e


filho ocorreram no mesmo dia (fls. 1.377/1.495), o que fortalece a
substância da acusação penal formulada na denúncia – e reafirmada nos
depoimentos de Angulo Lopez (fls. 2.792) e Carlos Alexandre de Souza
Rocha (fls. 2.747v.) –, de que Nelson Meurer Júnior, de fato, desempenhou
o papel de importante auxiliar de seu próprio pai, com ele colaborando,
com frequência e regularidade, no recebimento criminoso das vantagens
indevidas.

Cabe destacar, a esse respeito, considerado o depoimento prestado


por Antonio Fioravante, que os telefonemas dele para o congressista
Meurer eram quase sempre realizados no contexto de uma nova entrega
de propina (fls. 2.926v.), efetivada, no mais das vezes, no Hotel Curitiba
Palace (fls. 2.919).

A prova produzida nestes autos revela que, em 07 (sete)


oportunidades (22/12/2010; 07/8/2011; 29/8/2011; 19/9/2011; 07/11/2011;
07/5/2012, 28/5/2012), o dia da ligação coincidiu com a data da
hospedagem do congressista em questão no já referido estabelecimento
hoteleiro.

Também cumpre ter presente, sob esse aspecto, que, no mês de maio
de 2012, Antônio Fioravante telefonou, uma vez por semana, para o réu
Nelson Meurer (07/05/2012; 15/05/2012; 22/05/2012 e 28/05/2012), o que
confirma a sua declaração de que, em determinadas épocas, chegou a
transportar, semanalmente, valores indevidos ao parlamentar em causa
(fls. 2.917v.).

Destaco que, ouvido em juízo, Fioravante declarou que o volume de


ligações por ele recebidas do congressista suplanta, exponencialmente, os
contatos feitos por sua iniciativa (fls. 2.926v.), o que, no entanto, ante a
inexistência, nos autos, dos registros telefônicos do parlamentar, não pôde ser
objeto de verificação e de comprovação.

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Não custa insistir, por pertinente, que a descrição, efetuada por esse
agente colaborador, do incidente envolvendo o seu deslocamento até o
escritório do réu Nelson Meurer Júnior, em Francisco Beltrão/PR, a fim
de entregar, a pedido do Deputado Federal Nelson Meurer, determinada
quantia (fls. 2.920/2.920v.), encontra plena ressonância em sólidos documentos
de corroboração, como bem destacado pelo eminente Relator, em seu douto
voto:

“Destaco, por derradeiro, que o episódio de entrega de


quantias em espécie a Nelson Meurer Júnior na cidade de
Francisco Beltrão/PR, a pedido de Nelson Meurer, também é
corroborado pelos dados constantes dos extratos telefônicos
fornecidos por Antônio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini.
Com efeito, como se extrai dos registros de fl. 1.459, no
dia 7.11.2011 Antônio Carlos realizou uma chamada de longa
distância com Nelson Meurer às 12h04m24s, o qual se encontrava
na área 61, sabidamente correspondente à cidade de Brasília; no
mesmo dia, às 15h33m45s, também por chamada de longa
distância, o aludido entregador contata o ramal telefônico de
Nelson Meurer Júnior, que se encontrava na área 46, correspondente
à região da cidade de Francisco Beltrão.” (grifei)

Acerca desse particular episódio criminoso, assinalo que o


Relatório nº 1842/2017, da Assessoria de Pesquisa da Procuradoria-Geral
da República (fls. 3.122/3.130), traz o endereço e a foto da fachada do
escritório de advocacia de Nelson Meurer Júnior, em Francisco
Beltrão/PR (fls. 07/08 do Relatório), dados esses que espelham
rigorosamente a descrição apresentada por Antonio Fioravante,
a fls. 2.220v..

De fato, conforme se pode depreender do mapa encartado a


fls. 3.129, para quem desce a Avenida Júlio Assis – situada em Francisco
Beltrão/PR – em direção ao rio Marrecas, o escritório do réu Nelson
Meurer Júnior fica numa rua paralela à esquerda, tal qual descrito, com
impressionante precisão, por esse mesmo agente colaborador.

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AP 996 / DF

Além disso, de posse das fotografias impressas a fls. 3.128/3.129,


constata-se, mais uma vez, que o relato desse depoente ajusta-se, em exata
moldura, às imagens captadas, devendo-se destacar que referido
escritório realmente se situa “no primeiro andar de um prédio com térreo e
sobreandar”, tal qual fielmente retratado na audiência de instrução
(fls. 2.220v.).

Esse contundente conjunto de provas, Senhor Presidente, autoriza


que se vincule cada uma das datas em que houve ligação de Antônio
Fioravante para o Deputado Federal Nelson Meurer ou para o
litisconsorte penal passivo, Nelson Meurer Júnior – excluindo-se os
telefonemas efetuados em duplicidade, no mesmo dia – a um novo
recebimento criminoso de vantagem indevida pelo réu Nelson Meurer,
o que, comprovadamente, ocorreu em 22 (vinte e duas) oportunidades.

Devo registrar, de outro lado, que, em relação às entregas operadas


por intermédio do Posto da Torre, em Brasília/DF, os elementos de
corroboração são igualmente consistentes, como o evidenciam as provas
abaixo discriminadas:

“(i) o Laudo 1.890/14, ao analisar o sistema de contabilidade


do Posto da Torre – nomeado de ‘Money’ –, retrata os registros de
transações das contas ‘bb’, nas quais o nome do réu Nelson Meurer é
citado expressamente como destinatário dos seguintes valores:
(a) R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais), em 04/01/2009;
e (b) R$ 10.000,00 (dez mil reais), em 27/01/2009 (fls. 739/740);
(ii) o gerente-geral do Posto da Torre, Sr. Ediel Viana da
Silva, ouvido em juízo na qualidade de testemunha da acusação,
afirmou que as contas ‘bb’, do Sistema ‘Money’, eram utilizadas por
Alberto Youssef, em negócios efetuados com Carlos Habib Chater, para
a disponibilização, ao primeiro, de valores em espécie, em Brasília
(fls. 2.738/2.739);
(iii) em relato convergente, o gerente financeiro do Posto
da Torre, Sr. André Catão de Miranda, inquirido, de igual modo,

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sob o compromisso de dizer a verdade, testemunhou que os


registros por ele incluídos nas ‘contas bb’, indicando os destinatários
do numerário disponibilizado pelo Posto, eram feitos para a posterior
prestação de contas ao doleiro Alberto Youssef (fls. 2.733v./2.734);
(iv) o laudo pericial Nº 1211/2015-INC/DITEC/DPF, por
fim, cuidou de relacionar as disponibilizações de numerário anotadas
no Sistema Money, do Posto da Torre, com as movimentações
bancárias do réu Nelson Meurer. Nesse propósito, verificou que:
(a) no dia 04/01/2009, consta, no controle financeiro do Posto, o
registro contábil da transferência de R$ 42.000,00 (quarenta e dois
mil reais) ao parlamentar, e que, no dia seguinte, 05/01/2009, os
mesmos R$ 42.000,00 foram aportar, fracionados em 24 (vinte e
quatro) depósitos, na conta nº 2787210, agência 4884, Banco do
Brasil, de titularidade de Nelson Meurer; e (b) no dia 27/01/2009,
consta, no sistema Money, do Posto da Torre, o registro contábil da
transferência de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao acusado, e que, dois
dias depois, 29/01/2009, o mesmo valor desembarcou na conta do réu,
desmembrado em 08 (oito) depósitos (fls. 748).” (grifei)

É certo que a defesa do Deputado Federal Nelson Meurer tenta


debilitar a força incriminatória de tais provas (fls. 3.199), sob o
fundamento de que a denúncia teria apontado o depósito de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais), no dia 05/01/2009, nas contas bancárias de referido
parlamentar, e não os R$ 42.000,00, anteriormente descritos na planilha do
Posto da Torre.

Tal descompasso, de fato existente, não desvigora a narrativa do


Ministério Público, uma vez que a peça acusatória indica que os
R$ 8.000,00 (oito mil reais) restantes foram depositados em conta diversa
do parlamentar, a de nº 2687216, na mesma agência bancária (fls. 921). De
resto, ainda que tivessem sido creditados os R$ 50.000,00, integralmente, na
mesma conta, tal circunstância não descaracterizaria a força persuasiva
dos documentos citados, uma vez que o montante global é compatível
com o registro de dinheiro ilícito disponibilizado ao réu, no dia anterior
ao do depósito, por Carlos Habib Chater, proprietário do Posto da Torre.

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Cabe enfatizar, de igual modo, a absoluta falta de plausibilidade da


alegação, formulada pela defesa do parlamentar, de que os depósitos
efetuados de maneira fracionada “são empréstimos contraídos pelo Deputado
Nelson Meurer, parcelas de pagamentos oriundos da própria Câmara e proventos
de aposentadoria” (fls. 3.222).

Com efeito, em relação aos pagamentos oriundos da Câmara e,


igualmente, do INSS, a origem do recurso está textualmente registrada nos
extratos bancários do réu, o que não se confunde com a hipótese ora em
apreço, na qual os aportes financeiros provieram de depositantes
anônimos.

Quanto aos empréstimos, além de não terem sido provados, é fato


notório e inquestionável que, no comércio jurídico, a prática usual e
corrente consiste em o mutuante, após a celebração do contrato de
mútuo, depositar, integralmente, o seu valor na conta bancária do
mutuário, ou, se o acordo estipular a entrega parcelada, presume-se que
ela será feita, por óbvio, em datas distintas.

Desse modo, não foi apresentada nenhuma justificativa, dotada de


padrões aceitáveis de razoabilidade, apta a explicar o motivo pelo qual o
depósito de 50 mil reais, efetivado no mesmo dia e na mesma agência,
tenha se pulverizado em 25 (vinte e cinco) operações diferentes, todas em
montante inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), desobrigando, por isso
mesmo, a instituição financeira depositária de comunicar tais operações
ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, nos termos
do art. 13, inciso I, da Carta Circular nº 3.461/2009, do Banco Central.

Todas essas circunstâncias, Senhor Presidente, denunciam que


falece consistência à tese – alimentada, com destacado vigor, pela defesa
de todos os litisconsortes passivos – segundo a qual a proposta
condenatória estaria ancorada, ao cabo deste processo penal, tão somente na

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 288 de 486 3700


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palavra de colaboradores, o que, na linha do magistério jurisprudencial desta


Suprema Corte, constituiria intransponível obstáculo à formulação de um
juízo penal condenatório.

Com efeito, a densidade e a robustez das múltiplas fontes de prova já


minudenciadas no presente voto, introduzidas nesta causa mediante
lícita atividade processual perante o Estado-Juiz, conferem substância
aos dados informativos produzidas pelo Ministério Público e afastam,
sob esse aspecto, o discurso defensivo.

A verdade é que os sólidos elementos de corroboração apresentados,


oriundos de fontes autônomas ou independentes de prova, validam,
indiscutivelmente, as declarações prestadas por inúmeros colaboradores
cujo grave teor atesta, de forma profundamente inquietante, os atos de
transgressão ao mandato popular perpetrados pelo parlamentar ora sob
julgamento e revela, ao demonstrar condutas revestidas de absoluta
infidelidade democrática, a ofensa aos postulados ético-jurídicos que devem
governar e pautar o exercício legítimo da atividade congressional.

Dessa maneira, Senhor Presidente, manifesto minha integral


adesão – no que concerne ao item n. 4.2 da denúncia – às fundamentadas
razões expostas por Vossa Excelência, na qualidade de Ministro Relator,
para concluir que o réu Nelson Meurer recebeu, em pagamento pelo
comércio indigno e criminoso de sua função pública, verbas ilícitas
oriundas do vergonhoso esquema de corrupção instaurado na Diretoria
de Abastecimento da Petrobras S/A, em pelo menos 30 (trinta) diferentes
oportunidades.

De igual modo, o Ministério Público comprovou parte das


acusações penais formuladas no item n. 4.2 da denúncia, satisfazendo,
desse modo, o “onus probandi” quanto aos réus Nelson Meurer Júnior e
Cristiano Augusto Meurer, demonstrando, sem qualquer dúvida, que esses
litisconsortes penais passivos (Nelson Meurer Júnior, em 05 oportunidades,
e Cristiano Augusto Meurer, apenas uma vez), auxiliaram seu pai, o

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parlamentar Nelson Meurer, a receber, em atuação criminosa, as vantagens


indevidas objeto de descrição na peça acusatória.

Sendo assim, acompanho, integralmente, Vossa Excelência, Senhor


Presidente, quanto ao voto proferido a respeito das imputações penais
deduzidas pelo Ministério Público, no item n. 4.2 da denúncia, contra
Nelson Meurer, Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer.

2.1.3. Recebimento episódico e extraordinário de propina por NELSON


MEURER, com auxílio de NELSON MEURER JÚNIOR (item 4.3. da
denúncia)

Subitem “a”. Recebimento de propina mediante valores em espécie não


contabilizados em prestações de contas eleitorais

A acusação denuncia que, em 2010, o Deputado Federal Nelson


Meurer teria recebido, para a sua campanha de reeleição ao Parlamento
Federal, pelo menos R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), em espécie,
transportados pelo emissário do doleiro Alberto Youssef, Carlos
Alexandre de Souza Rocha (conhecido como “Ceará”), ao parlamentar,
diretamente ou de forma indireta, com o auxílio de Nelson Meurer Júnior,
sendo tais valores oriundos do esquema de corrupção e lavagem de
dinheiro estabelecido na Diretoria de Abastecimento da Petrobras, que
não foram declarados na prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Mais uma vez, Senhor Presidente, estou de inteiro acordo com as


razões que Vossa Excelência expôs, como Relator, em seu douto voto que
absolve, quanto ao ponto ora em exame, ambos os acusados.

Não custa insistir, por necessário, que o ordenamento positivo


brasileiro não autoriza o Poder Judiciário a formular juízo penal
condenatório quando o único elemento incriminador apoiar-se,
exclusivamente, em depoimento do agente colaborador, como sucede,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 290 de 486 3702


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precisamente, em relação à imputação penal constante do item n. 4.3, “a”


da denúncia, ora sob apreciação.

Com efeito , o Supremo Tribunal Federal tem admitido a utilização


do instituto da colaboração premiada (cujo “nomen juris” anterior era o de
delação premiada ), embora já advertisse, bem antes do advento da
Lei nº 12.850/2013 (art. 4º, § 16), que nenhuma condenação penal poderia
ter por único fundamento as declarações incriminadoras do agente
colaborador (HC 75.226/MS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 94.034/SP,
Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 213.937/PA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO,
v.g.).

O aspecto que venho de ressaltar – impossibilidade de condenação


penal com suporte unicamente em depoimento prestado pelo agente
colaborador, tal como acentua a doutrina (EDUARDO ARAÚJO DA
SILVA, “Organizações Criminosas: Aspectos Penais e Processuais da
Lei nº 12.850/13”, p. 71/74, item n. 3.6, 2014, Atlas, v.g.) – constitui
importante limitação de ordem jurídica que, incidindo sobre os poderes do
Estado , objetiva impedir que falsas imputações dirigidas a terceiros “sob
pretexto de colaboração com a Justiça” possam provocar inaceitáveis erros
judiciários, com injustas condenações de pessoas inocentes.

Na realidade, o regime de colaboração premiada, definido pela


Lei nº 12.850/2013, estabelece mecanismos destinados a obstar abusos que
possam ser cometidos por intermédio da ilícita utilização desse instituto,
tanto que, além da expressa vedação já referida (“lex. cit.”, art. 4º, § 16), o
diploma legislativo em questão também pune como crime, com pena
de 1 a 4 anos de prisão e multa, a conduta de quem imputa “falsamente, sob
pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que
sabe ser inocente” ou daquele que revela “informações sobre a estrutura de
organização criminosa que sabe inverídicas” (art. 19).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 291 de 486 3703


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Com tais providências, tal como pude acentuar em decisão proferida


na Pet 5.700/DF, de que fui Relator, o legislador brasileiro procurou
neutralizar, em favor de quem sofre imputação emanada de agente
colaborador, os mesmos efeitos perversos da denunciação caluniosa
revelados, na experiência italiana, pelo “Caso Enzo Tortora” (na década
de 80), de que resultou clamoroso erro judiciário, porque se tratava de pessoa
inocente, injustamente delatada por membros de uma organização
criminosa napolitana (“Nuova Camorra Organizzata”) que, a pretexto de
cooperarem com a Justiça (e de, assim, obterem os benefícios legais
correspondentes), falsamente incriminaram Enzo Tortora, então
conhecido apresentador de programa de sucesso na RAI (“Portobello”).

Registre-se, de outro lado, por necessário, que o Estado não poderá


utilizar-se da denominada “corroboração recíproca ou cruzada”, ou seja,
também não poderá impor condenação ao réu pelo fato de contra este
existir, unicamente, depoimento de agente colaborador que tenha sido
confirmado, tão somente, por outros delatores, valendo destacar, quanto a
esse aspecto, a advertência do eminente Professor GUSTAVO BADARÓ
(“O Valor Probatório da Delação Premiada: sobre o § 16 do art. 4º da
Lei nº 12.850/2013”):

“A título de conclusão, podem ser formulados os seguintes


enunciados:

A regra do § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13 aplica-se a


todo e qualquer regime jurídico que preveja a delação
premiada.
O § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13, ao não admitir a
condenação baseada exclusivamente nas declarações do delator,
implica uma limitação ao livre convencimento, como
técnica de prova legal negativa.

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É insuficiente para o fim de corroboração exigido pelo § 16 do


art. 4º da Lei 12.850/13 que o elemento de confirmação de uma
delação premiada seja outra delação premiada, de um diverso
delator, ainda que ambas tenham conteúdo concordante.
Caso o juiz fundamente uma condenação apenas com base
em declarações do delator, terá sido contrariado o § 16 do art. 4º da
Lei 12.850/13 (…).” (grifei)

Pareceu-me relevante destacar os aspectos que venho de referir,


Senhor Presidente, pois, embora os elementos de informação prestados
pelo agente colaborador possam justificar a válida formulação de acusação
penal, não podem, contudo, legitimar decreto de condenação criminal, eis
que incumbe ao Ministério Público o ônus substancial da prova
concernente à autoria e à materialidade do fato delituoso.

Na controvérsia penal ora em apreço, os documentos apresentados


revelaram-se insuficientes para confortar as declarações dos agentes
colaboradores, o que indiscutivelmente introduz, nesse específico trecho
da acusação, um significativo coeficiente de insuficiência probatória,
obstruindo, ante o cenário de incerteza daí decorrente, a expedição de
qualquer decreto condenatório contra os acusados.

A verdade é que o Ministério Público não se desincumbiu do ônus


de comprovar, de modo pleno, os elementos pertinentes à acusação penal
descrita neste subitem, o que conduz, inevitavelmente, à prolação de um
juízo absolutório.

Subitem “b”. Recebimento de propina mediante doações eleitorais


“oficiais”

Vale rememorar, por oportuno, que o “dominus litis” também acusa o


Deputado Federal Nelson Meurer de ter recebido, no mesmo ano eleitoral

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 293 de 486 3705


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de 2010, vantagens indevidas sob a roupagem disfarçada de doação


eleitoral “oficial”. Nesse sentido, o “Parquet” afirma (fls. 951/952):

“Para tanto, ALBERTO YOUSSEF manteve contato com


um dos diretores da CONSTRUTORA QUEIROZ GALVAO
S/A, OTHON ZANOIDE DE MORAES FILHO, a quem solicitou
a realização de contribuição para a campanha de NELSON
MEURER a Deputado Federal, em valores que seriam
posteriormente abatidos do montante de propina devido pela
empreiteira em razão de seu envolvimento no esquema de corrupção
estabelecido na Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS.”
(grifei)

Torna-se necessário reconhecer, no que concerne a esse particular


fragmento da peça incriminatória e na linha do douto voto do eminente
Relator, que a materialidade e a autoria da prática do crime de corrupção
passiva estão plenamente comprovadas nos autos.

Com efeito, o colaborador Alberto Youssef revelou que o montante de


R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), repassado ao Deputado Federal
Nelson Meurer por meio de 02 (duas) doações eleitorais, constituiu
parcela, por ele cobrada, do percentual de propina devido pela empreiteira
Queiroz Galvão, por força dos contratos por ela celebrados com a
Petrobras, no âmbito da Diretoria de Abastecimento, especificamente
vinculados à Refinaria Abreu e Lima (RNEST) e ao Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) (fls. 47/52).

Vê-se, portanto, que Alberto Youssef desempenhou, nesse específico


episódio criminoso, o papel de agente de cobrança, que, com empenhada
obstinação, reclamou a Othon Zanoide, então Diretor da Construtora
Queiroz Galvão S/A, o pagamento de 37,5 milhões de reais de vantagens
indevidas, quantia essa correspondente a 1% do valor dos contratos da
empreiteira no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 294 de 486 3706


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Chama a atenção, ainda, nessa espúria negociação, a circunstância


de ter sido o próprio colaborador (Youssef) quem sugeriu, ao ser
indagado pelo diretor da empreiteira, a forma pela qual gostaria de
receber o repasse ilícito, tendo recomendado, na oportunidade, que a
entrega do dinheiro percorresse o caminho dissimulado da doação eleitoral
oficial e havendo indicado, igualmente, os destinatários da benesse,
incluindo, entre estes, o Deputado Federal Nelson Meurer (fls. 48).

Cumpre enfatizar, bem por isso, a natureza ilícita da verba que


desaguou na conta eleitoral do réu, tratando-se, na contramão da tese
esgrimida pela defesa, do pagamento de propina e não de algum ato
revelador de doação eleitoral legítima. Daí o acerto da pretensão
acusatória, ao denunciar que a Justiça Eleitoral, no ponto, foi tão somente
utilizada como túnel para o escoamento da verba geneticamente
contaminada, em sua origem, pela nota da delituosidade.

Nesse sentido, o referido agente colaborador confirmou, em juízo, os


depoimentos anteriores, declarando, ainda, que o réu Nelson Meurer
tinha total consciência que a doação eleitoral recebida, pela via oficial,
provinha do débito de propina da empreiteira Queiroz Galvão, em razão
de seus contratos na esfera daquele específico segmento da petrolífera
governamental, dirigido por Paulo Roberto Costa (fls. 2.825/2.826v.).

Devo registrar, neste ponto, que as provas autônomas de


corroboração se mostram idôneas e aptas a validar as declarações de
Alberto Youssef, tal como bem detalhado no voto do eminente Relator:

“As declarações do colaborador Alberto Youssef são suportadas


pelas cópias de e-mails trocados com o empresário Othon Zanoide de
Moraes Filho (fls. 461-468), cujas informações demonstram que as
doações feitas em favor de Nelson Meurer foram intermediadas pelo
aludido colaborador (…)
.......................................................................................................

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Ademais, de acordo com o Relatório de Análise de Material


Documental n. 5, constante da mídia de fl. 777, a Construtora
Queiroz Galvão S.A. era integrante do grupo de empresas cartelizadas
que centralizavam as contratações no âmbito da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S.A, já que, na qualidade de integrante do
Consórcio Ipojuca Interligações, celebrou contratos fictícios de
prestação de serviços com sociedades empresárias ligadas a Alberto
Youssef, estratagema já tratado à exaustividade como forma de
viabilizar recursos para o caixa de propinas do Partido Progressista.”

Realmente, da leitura das correspondências eletrônicas havidas


entre o doleiro Alberto Youssef e o Diretor da empreiteira Queiroz
Galvão S/A, Othon Zanoide, constata-se que toda a negociação da doação
eleitoral ora em apreço foi intermediada por Alberto Youssef, inclusive no
que respeita à cobrança dos recibos eleitorais a serem emitidos pelo réu
Nelson Meurer em benefício da empreiteira doadora (fls. 461/468).

Esse particular aspecto, Senhor Presidente, enfatiza, na linha já


destacada na denúncia e acentuada por Vossa Excelência, a total
heterodoxia dos procedimentos deflagrados, a fim de canalizar esses
específicos recursos para a campanha de reeleição do parlamentar sob
julgamento, uma vez que, caso estivesse em jogo o legítimo exercício da
cidadania – espelhado, em uma de suas mais conspícuas expressões, pelas
contribuições eleitorais voluntárias – os diretores da empresa doadora
teriam tratado do tema diretamente com o partido político ou com o
próprio destinatário da quantia, então candidato, por mais uma legislatura,
ao mandato de Deputado Federal.

É por essa razão, portanto, que tais correspondências conferem alto


grau de certeza às declarações do colaborador, Alberto Youssef, no sentido
de que a Justiça Eleitoral foi o instrumento utilizado, no caso, para
dissimular a origem espúria (e criminosa) da verba então destinada ao
Deputado Federal Nelson Meurer, tudo com o pleno conhecimento do
beneficiário de referida vantagem ilícita.

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Cabe registrar, finalmente, que, em 25 de março de 2014, foi


apreendida, no cumprimento de ordem de busca e apreensão emitida nos
autos do IPL 1041/2012-SR/DPF/PR (Operação BIDONE), a agenda de
Paulo Roberto Costa (Relatório de Análise Polícia Judiciária nº 232/2015 –
fls. 427), da qual consta a anotação referente ao pagamento de 4 milhões
de reais de propina ao Deputado Federal Nelson Meurer.

Sobre o registro “4,0 Nel”, inscrito – entre outras anotações similares –


no referido documento (fls. 81), Paulo Roberto Costa foi textual ao
esclarecer-lhe o sentido, revelando que se tratava da representação
numérica do valor da propina, em milhões de reais, efetivamente entregue
ao parlamentar Nelson Meurer, no ano eleitoral de 2010. Disse, ainda, que
copiou tal informação “de uma tabela que se encontrava no escritório de
Alberto Youssef”, operador financeiro do Partido Progressista, a fim de se
municiar para as futuras cobranças de dinheiro ilícito a ele dirigidas
pelos agentes políticos, notadamente aqueles filiados a essa agremiação
partidária (fls. 1.002/1.003).

Não custa recordar, por relevante, o teor do testemunho, prestado em


juízo, pelo igualmente colaborador Alberto Youssef, quando afirmou que
parte desses quatro milhões de reais, provindos do esquema de corrupção
instaurado no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, foi
destinada ao réu Nelson Meurer por meio de doações eleitorais de caráter
oficial, tendo afirmado, ademais, que o parlamentar tinha total consciência
da origem ilícita do dinheiro (fls. 2.825v./2.826v.).

Falta consistência, de outro lado, à alegação da defesa de que a


anotação particular emanada do próprio delator não configura fonte
diversa de prova e, portanto, não pode servir, por si só, como instrumento
de certificação do depoimento oral por ele prestado. Ora, o documento
sob escrutínio foi apreendido, na época (em 25/03/2014), à revelia do ainda
investigado Paulo Roberto Costa cujo acordo de colaboração só viria a ser
pactuado com o Ministério Público mais de 05 (cinco) meses depois,

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sendo certo, por relevante, que a primeira declaração do ex-Diretor de


Abastecimento da Petrobras, na qualidade de agente colaborador, apenas
ocorreu em 29 de agosto de 2014 (fls. 06).

Tal contexto autoriza, portanto, atribuir-se elevado valor probatório


ao documento em questão e que, conjugado com os demais suportes de
corroboração já mencionados, legitima a formulação de decreto
condenatório referente à imputação penal descrita no item n. 4.3, “b”, da
denúncia.

Desse modo, o cotejo das provas mencionadas permite concluir,


com absoluta segurança, que o réu Nelson Meurer, de fato, recebeu, no ano
de 2010, a vantagem indevida de R$ 500.00,00 (quinhentos mil reais), por
meio de 02 (duas) doações eleitorais de caráter oficial, em troca de seu
apoio à manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria de
Abastecimento da Petrobras, o que perfaz, com exatidão, a fórmula típica
inscrita no art. 317, “caput”, e § 1º, do Código Penal.

Também compartilho, Senhor Presidente, do entendimento de


Vossa Excelência quanto à prática, no contexto antes descrito, de crime
único, consideradas, para tanto, as razões expostas por Vossa Excelência,
afastada, portanto, a proposta acusatória de pluralidade de ações
delituosas.

Concluo esta primeira parte do meu voto, Senhor Presidente.


E, ao fazê-lo, reconheço assistir total razão a Vossa Excelência, quando, na
qualidade de Relator desta causa penal, formula, em seu douto voto, com
integral acerto, juízo condenatório do Deputado Federal Nelson Meurer
(itens n. 4.2 e 4.3, “b”, da denúncia) e de seus filhos, Nelson
Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer, litisconsortes penais passivos
(item n. 4.2 da denúncia), em face dos graves crimes de corrupção
passiva por eles perpetrados contra a Administração Pública.

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Isso porque ficou devidamente comprovado nos autos que o


referido parlamentar, agindo com consciência e voluntariedade, recebeu,
direta e indiretamente, por 31 (trinta e uma) vezes, entre os anos de 2008
e 2012, vantagem indevida oriunda do esquema criminoso de corrupção
instaurado no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras.

De igual forma, não remanescem dúvidas de que, nas ocasiões


anteriormente já assinaladas, os litisconsortes penais passivos, Nelson
Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer, agindo em unidade de desígnios
com o corréu, Nelson Meurer, auxiliaram-no, com consciência e
voluntariedade, na prática dos crimes de corrupção passiva, devendo, por
tal razão, sujeitar-se à punição penal respectiva (CP, art. 29).

2.2. Lavagem de dinheiro

No que se refere aos crimes de lavagem de dinheiro, faz-se


necessário tecer algumas observações, antes de examinar-se a prova
existente nos autos.

A doutrina especializada, ao examinar referido delito, tem, em geral,


conceituado a lavagem de dinheiro como comportamentos, atos ou
conjunto de operações em que incide determinado agente com a
finalidade de conferir licitude ou aparência de legitimidade ao produto
proveniente da prática de infrações penais antecedentes (CARLA
VERÍSSIMO DE CARLI, “Lavagem de Dinheiro – Ideologia da
Criminalização e Análise do Discurso”, p. 118/120, item n. 2.3.1, 2012,
Verbo Jurídico; ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e ARIEL BARAZZETTI
WEBER, “Lavagem de Dinheiro”, p. 08/14, item n. 2.2, 2ª ed., 2017, Atlas;
MARCO ANTONIO DE BARROS, “Lavagem de Capitais e Obrigações
Civis Correlatas”, p. 46/48, item n. 1.6, 4ª ed., 2013, RT; MÁRCIA
MONASSI MOUGENOT BONFIM, “Lavagem de Dinheiro”, p. 28/29,
item n. 5, 2008, Malheiros; RODOLFO TIGRE MAIA, “Lavagem de
Dinheiro: Anotações às Disposições Criminais da Lei n. 9.613/98”,
p. 53/54, item n. 41, 2ª ed., 2007, Malheiros, v.g.).

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Vale referir, no ponto, ante a extrema pertinência de suas


observações, a lição de RENATO BRASILEIRO DE LIMA (“Legislação
Criminal Especial Comentada”, p. 474, 5ª ed., 2017, JusPODIVM):

“Em síntese, a lavagem de capitais é o ato ou o conjunto


de atos praticados por determinado agente com o objetivo de
conferir aparência lícita a bens, direitos e valores provenientes
de uma infração penal. Não se exige, para a caracterização do
crime, um vulto assustador das quantias envolvidas, nem
tampouco grande complexidade das operações transnacionais
para reintegrar o produto delituoso na circulação econômica legal, do
mesmo ou de outro país. Apesar de ser muito comum a utilização
do sistema bancário e financeiro para a prática da lavagem de
capitais, esta pode ser levada a efeito em outras áreas de
movimentação de valores e riquezas (v.g., agronegócio,
contrutoras, igrejas, importação e exportação de bens, loterias, bingos,
etc.).” (grifei)

No mesmo sentido é o magistério jurisprudencial desta Suprema


Corte a respeito do tema (Inq 4.141/DF, Rel. Min. ROBERTO BARROSO –
Inq 4.146/DF, Rel. Min. Teori ZAVASCKI – RHC 80.816/SP, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“(…) 2) A LAVAGEM DE DINHEIRO É ENTENDIDA


COMO A PRÁTICA DE CONVERSÃO DOS PROVEITOS DO
DELITO EM BENS QUE NÃO PODEM SER RASTREADOS
PELA SUA ORIGEM CRIMINOSA.
3) A DISSIMULAÇÃO OU OCULTAÇÃO DA
NATUREZA, ORIGEM, LOCALIZAÇÃO, DISPOSIÇÃO,
MOVIMENTAÇÃO OU PROPRIEDADE DOS PROVEITOS
CRIMINOSOS DESAFIA CENSURA PENAL AUTÔNOMA,
PARA ALÉM DAQUELA INCIDENTE SOBRE O DELITO
ANTECEDENTE.
…...................................................................................................

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7) EMBARGOS INFRINGENTES A QUE SE NEGA


PROVIMENTO.”
(AP 470-EI-décimos segundos/MG, Rel. Min. LUIZ FUX –
grifei)

“(…) 2. Caracteriza o crime de lavagem de capitais o


recebimento de dinheiro em espécie, que o réu sabia ser de origem
criminosa, mediante mecanismos de ocultação e dissimulação
da natureza, origem, localização, destinação e propriedade dos
valores, com auxílio dos agentes envolvidos no pagamento do
dinheiro, bem como de instituição financeira que serviu de
intermediária à lavagem de capitais.”
(AP 470/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – grifei)

Importante rememorar, por pertinente, que a doutrina e a


jurisprudência, após reconhecerem as três fases clássicas que compõem as
operações pertinentes ao crime de lavagem de valores, assinalam que não
se revela necessário, para efeito de configuração típica do crime em
questão, que sejam praticados atos inerentes a cada um desses estágios.

Cabe destacar, no ponto, que se revela inconsistente o argumento de


que a configuração típica do crime de lavagem de dinheiro ou de valores
exigiria, para concretizar-se, conforme sustentado pela defesa dos réus, o
integral exaurimento de cada um dos estágios que caracterizam,
ordinariamente, o modelo trifásico.

É sempre importante assinalar, quanto a esse aspecto, o caráter


autônomo das diversas fases que compõem o ciclo tradicional do processo
de lavagem de valores ou capitais, ainda que possa haver, em alguns
momentos ou em determinados contextos, um nexo de interdependência
entre as diversas operações.

Isso significa que o crime de lavagem pode consumar-se já em seu


primeiro estágio, revelando-se “desnecessário atingir o auge da aparente
licitude de bens ou valores (…)” (MARCO ANTONIO DE BARROS,

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“Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas”, p. 49,


item n. 1.7.1, 2ª ed., 2008, RT).

Esta Suprema Corte, por sua vez, já se pronunciou no sentido


da superação do modelo trifásico (colocação + dissimulação/ocultação +
integração), como resulta claro do julgamento proferido no
RHC 80.816/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.

Essa percepção do tema dá razão ao eminente Desembargador


paulista WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH, estudioso da
matéria ora em exame, no ponto em que observa, atento aos altos objetivos
visados pela comunidade internacional, notadamente a partir da
Convenção de Viena (1988), da Convenção de Palermo (2000) e da Convenção de
Mérida (2003), que delitos como a corrupção governamental e o tráfico de
entorpecentes guardam indiscutível proximidade, em sua condição de
infrações penais antecedentes (pressuposto hoje abolido pela Lei nº 12.683,
de 09/07/2012), com o primeiro estágio (“placement”) do modelo trifásico
referente ao processo de lavagem.

Vê-se, portanto, que se mostra desnecessário o esgotamento


dos 03 (três) estágios que compõem, ordinariamente, o ciclo peculiar às
operações de lavagem de dinheiro ou de valores (CARLA VERÍSSIMO DE
CARLI, “Lavagem de Dinheiro – Ideologia da Criminalização e
Análise do Discurso”, 2ª ed., p. 120/121, item n. 2.3.2, 2012, Verbo
Jurídico, v.g.).

Cabe destacar, por outro lado, que se mostra imprescindível a


identificação do elemento subjetivo para configuração do crime em
questão, uma vez que sem “o dolo de lavagem”, exsurge atípica a conduta
do agente, como reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal:

“EMBARGOS INFRINGENTES NA AP 470. LAVAGEM


DE DINHEIRO. (…). 2.1. A condenação pelo delito de lavagem de

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dinheiro depende da comprovação de que o acusado tinha ciência


da origem ilícita dos valores. (…).”
(AP 470-EI-sextos/MG, Red. p/ o acórdão Min. Rel. Min.
ROBERTO BARROSO – grifei)

Cumpre registrar, nesse mesmo sentido, a lição de MARCO


ANTONIO DE BARROS (“Lavagem de Capitais e Obrigações Civis
Correlatas”, p. 51, item n. 1.7, 4ª ed., 2013, RT), para quem “(…) o processo
de movimentação de bens e valores provenientes do crime-base deve ser feito
com o objetivo de se integrar ao patrimônio do criminoso, com a
aparência de produto lícito. Por exemplo, se ao traficante de drogas interessa
tão somente gastar os ativos ilícitos de forma perdulária e em proveito próprio, ou
se lhe satisfaz tão somente guardar o dinheiro sujo, sem colocá-lo no sistema
financeiro, não há de falar em crime de lavagem” (grifei).

Revelar-se-á essencial, desse modo, verificar se se registrou, ou não, a


ocultação ou a dissimulação prevista no tipo penal, sem prejuízo, quando
for o caso, do exame da questão pertinente à denominada “willful
blindness” (“cegueira deliberada”), que introduz a análise relativa ao dolo
eventual (tipicidade subjetiva) nos delitos previstos na Lei nº 9.613/98,
matéria em torno da qual se instaurou grande debate doutrinário, com
posições teóricas claramente antagônicas (MARCO ANTONIO DE
BARROS, “Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas”,
p. 58/60, item n. 1.12, 2ª ed., 2007, RT; ANTÔNIO SÉRGIO A. DE
MORAES PITOMBO, “Lavagem de Dinheiro: A Tipicidade do Crime
Antecedente”, p. 133/144, item n. 6.1, 2003, RT; LUIZ REGIS PRADO,
“Direito Penal Econômico”, p. 359/360, 3ª ed., 2009, RT; RODOLFO
TIGRE MAIA, “Lavagem de Dinheiro: Anotações às Disposições
Criminais da Lei n. 9.613/98”, p. 87/88, item n. 64, 2ª ed., 2007, Malheiros;
SERGIO FERNANDO MORO, “Crime de Lavagem de Dinheiro”,
p. 61/70, item n. 3.3, 2010, Saraiva; GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI, “Lavagem de Dinheiro – Aspectos Penais
e Processuais Penais”, p. 94/99, item n. 2.2.4.2, 2012, RT, v.g.).

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Impende destacar, ainda, que o crime de lavagem de dinheiro é


autônomo em relação à infração penal antecedente, sendo perfeitamente
possível que o autor do ilícito anterior seja o mesmo do crime de lavagem
de capitais, tendo em vista que não há, na legislação brasileira, qualquer
vedação à chamada “autolavagem”, como adverte a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (HC 92.279/RN, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA,
v.g.):

“(…) 3. A lavagem de dinheiro constitui crime autônomo em


relação aos crimes antecedentes, e não mero exaurimento do
crime anterior. A lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98), ao prever
a conduta delituosa descrita no seu art. 1º, teve entre suas finalidades
o objetivo de impedir que se obtivesse proveito a partir de recursos
oriundos de crimes, como, no caso concreto, os crimes contra a
administração pública e o sistema financeiro nacional.
Jurisprudência.”
(AP 470/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – grifei)

“IV – Não sendo considerada a lavagem de capitais mero


exaurimento do crime de corrupção passiva, é possível que dois
dos acusados respondam por ambos os crimes, inclusive em ações
penais diversas, servindo, no presente caso, os indícios da corrupção
advindos da AP 477 como delito antecedente da lavagem.”
(Inq 2.471/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI –
grifei)

Vale referir, no ponto, ante a extrema pertinência de suas


observações, a lição de RODOLFO TIGRE MAIA, “Lavagem de
Dinheiro: Anotações às Disposições Criminais da Lei n. 9.613/98”, p. 92,
item n. 69, 2ª ed., 2007, Malheiros, v.g.):

“(…) inexistindo qualquer restrição expressa no tipo


penal, não há porque restringir-se a autoria excluindo-se os
autores dos crimes pressupostos.

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De fato, em primeiro lugar, por tratar-se, aqui, da


realização de ações tipicamente relevantes e socialmente
danosas, que não se confundem com as condutas constantes
daqueles. Em segundo lugar pela diversidade de objetividades
jurídicas e sujeitos passivos dos tipos envolvidos. Aqui não se trata
de mero exaurimento do crime antecedente, com a imediata
disposição ou fruição do produto do crime, como ocorre na receptação,
mas prática pelo criminoso de novas condutas destinadas a
obstaculizar a atuação das forças da ordem para lograr a
impunidade do crime primário e a fruição tranquila dos ganhos
assim obtidos, em detrimento da administração da justiça e em
prejuízo das vítimas daquele crime, colocando em risco outros valores
especialmente resguardados, tais como o sistema financeiro e a ordem
econômica. Em terceiro lugar porque as atividades de ‘lavagem
de dinheiro’ processam-se via de regra sob a direção e o
controle dos autores dos crimes antecedente, que, nestes casos,
por não transferirem a titularidade dos produtos do crime e possuírem
o domínio do fato típico, configuram-se como autores. (…). Em
quarto lugar, (…) a própria etiologia da incriminação da
‘lavagem de dinheiro’, originada de sua intensa lesividade quer
à administração da justiça, quer à ordem econômica, remete à
ampliação dos limites de responsabilidade penal por sua
prática.” (grifei)

Esse entendimento – é sempre importante rememorar – tem o beneplácito


de autorizado magistério doutrinário (CARLA VERÍSSIMO DE CARLI,
“Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle Penal”, p. 225/231, item 6.3,
2ª ed., 2013, Verbo Jurídico; MARCO ANTONIO DE BARROS, “Lavagem de
Capitais: Crimes, Investigação, Procedimento Penal e Medidas
Preventivas”, p. 53/54, item 1.13.1, 5ª ed., 2017, Juruá; RENATO BRASILEIRO
DE LIMA, “Legislação Criminal Especial Comentada”, p. 486/489, item 9.1,
5ª ed., 2017, JusPODIVM; EMMANOEL CAMPELO DE SOUZA PEREIRA,
“Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado Transnacional”, p. 80/81,
item 2.1.6, 2016, LTr; MARCIA MONASSI MOUGENOT BONFIM e
EDILSON MOUGENOT BONFIM, “Lavagem de Dinheiro”, p. 55/57,

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item 11, 2ª ed., 2008, Malheiros; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Leis


Penais e Processuais Penais Comentadas”, vol. 2/591-592, item 4, 10ª ed.,
2017, Forense; ANDRÉ LUÍS CALLEGARI, “Lavagem de Dinheiro: Aspectos
Penais da Lei nº 9.613/98”, p. 87/93, item 11.1, 2ª ed., 2008, Livraria do
Advogado, v.g.).

De qualquer maneira, a questão básica consiste em identificar, na


conduta imputada aos agentes, a sua plena adequação ao modelo típico,
abstratamente definido na lei, concernente ao próprio núcleo do tipo penal,
pois – é desnecessário dizê-lo –, sem que se evidenciem os atos de ocultação
e/ou de dissimulação, não haverá como reconhecer configurado o delito de
lavagem de valores ou de capitais.

Feitas essas considerações, impõe-se o exame dos atos de lavagem


de dinheiro imputados aos réus.

2.2.1 Participação de Nelson Meurer na lavagem de dinheiro praticada


por Alberto Youssef (item 4.1 da denúncia)

Em relação à primeira série de fatos descrita na denúncia (item 4.1),


o Ministério Público narra que Nelson Meurer teria praticado o delito de
lavagem de dinheiro por 180 (cento e oitenta) vezes, considerando, para
tanto, como um crime autônomo, cada pagamento realizado pelas
empreiteiras envolvidas em cartel para as empresas de fachada
controladas por Alberto Youssef.

Assim como ressaltei na análise dos crimes de corrupção passiva


narrados no item 4.1 da denúncia, também entendo que há, nos autos,
vasto acervo probatório quanto à existência de atos de lavagem de valores
advindos dos delitos de cartel, fraude à licitação e corrupção ativa e
passiva ocorridos na Diretoria de Abastecimento da Petrobras.

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Porém, como já destacado ao longo deste voto, apenas a prova da


materialidade do crime não é suficiente para a formulação de um juízo
condenatório, sendo necessária, também, a prova de autoria ou de
participação do réu nos atos delituosos.

No caso dos autos, o “Parquet” não conseguiu comprovar como se


deu a participação do réu Nelson Meurer nos apontados 180 (cento e
oitenta) pagamentos de empreiteiras que foram realizados por meio de
empresas de fachada controladas por Alberto Youssef.

Não cabe responsabilizar o réu, genericamente, por todos os


contratos apontados como fraudulentos ou, ainda, pela totalidade de
mecanismos de lavagem de dinheiro que teriam sido empregados por
Alberto Youssef para o pagamento de quantias ilícitas a diversos outros
agentes públicos.

Como destacou o eminente Relator, ainda que o réu Nelson Meurer


tenha sido beneficiado, em parte, pelos valores recebidos ilicitamente de
empreiteiras envolvidas em fraudes à licitação no âmbito da Diretoria
de Abastecimento da Petrobras, mesmo assim não é possível
responsabilizá-lo por todos os contratos simulados empregados na
engrenagem criminosa, por ausência de comprovação de vínculo
subjetivo nessa primeira etapa de atos de lavagem de dinheiro praticados
por Alberto Youssef. Por oportuno, destaco as seguintes passagens do
voto proferido pelo eminente Ministro EDSON FACHIN:

“Em outras palavras, nos casos em que se atribui


determinada prática delitiva em concurso de pessoas, é
imprescindível que se verifique a existência do vínculo
subjetivo na conduta dos agentes consorciados, bem como a
relevância causal da atuação de cada um deles na violação do bem
jurídico tutelado pela norma penal, sob pena de não incidência do
referido preceito extensivo, diante da impossibilidade de
responsabilização penal objetiva.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 307 de 486 3719


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Na espécie, embora o denunciado Nelson Meurer tenha


efetivamente se beneficiado, de forma direta, da sustentação
política envidada em favor de Paulo Roberto Costa, como
inclusive já afirmei neste voto, constato que o conjunto probatório
dos autos não se apresenta suficiente a confirmar a sua adesão
subjetiva à forma como era realizado o branqueamento das
vantagens indevidas pagas pelas empresas cartelizadas no
âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A.
…...................................................................................................
À luz de tal contexto delineado pelos depoimentos
colacionados, fica evidenciada a existência de uma
compartimentação de tarefas no acerto feito para o pagamento de
vantagens indevidas em decorrência dos contratos celebrados no
âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A – tema que
deverá ser objeto de análise e deliberação nos autos do
INQ 3.989, em que se investiga o núcleo político de
organização criminosa composto por membros do Partido
Progressista (PP) –, não sendo possível extrair do conjunto
probatório qualquer ingerência do acusado Nelson Meurer nesta
etapa específica da viabilização dos recursos à agremiação partidária.
Idêntica conclusão, aliás, fundamentou o juízo
absolutório do denunciado Nelson Meurer no que diz respeito
aos antecedentes crimes de corrupção praticados por Paulo Roberto
Costa em detrimento da Petrobras S/A. E aqui, mais uma vez, a
ausência de comprovação do vínculo subjetivo às práticas de
lavagem de dinheiro por Alberto Youssef igualmente impede a
incidência do contido no art. 29 do Código Penal.” (grifei)

Feitas essas observações, no que concerne à alegada participação


do réu Nelson Meurer nos crimes de lavagem de dinheiro descritos no
item 4.1 da denúncia, acompanho o eminente Ministro Relator para, em
razão da insuficiência do conjunto probatório, proferir juízo de absolvição penal
em favor do acusado, fazendo-o com fundamento no art. 386, inciso VII,
do CPP.

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2.2.2. Do recebimento periódico e ordinário de propina por Nelson


Meurer, com auxílio de Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer,
mediante estratégias de lavagem de dinheiro (item 4.2 da denúncia)

O Ministério Público imputa aos denunciados, ainda, a prática de


diversos crimes de lavagem de dinheiro referentes aos valores recebidos
ilicitamente de forma periódica e ordinária no contexto dos crimes de
corrupção passiva cometidos por Nelson Meurer envolvendo a Diretoria
de Abastecimento da Petrobras.

Segundo a denúncia, os referidos delitos de lavagem de capitais


teriam sido cometidos da seguinte maneira: (i) recebimento de vantagens
indevidas em espécie, por meio de entregadores de Alberto Youssef;
(ii) recebimento de valores por meio do Posto da Torre com subsequente
depósito, de modo fracionado, em conta bancária; (iii) realização de
diversos depósitos de dinheiro, de forma pulverizada, em contas bancárias;
e (iv) utilização de declaração de imposto de renda com registros da
posse de significativa quantia de dinheiro em espécie.

a) Recebimentos de vantagem indevida em espécie mediante


entregas pessoais (item 4.2, “a”, da denúncia)

Neste ponto, o Ministério Público sustenta que está caracterizada a


prática do crime de lavagem de dinheiro pelo réu Nelson Meurer,
“ao dolosamente receber tais propinas em espécie, mediante entregas
pessoais – dinheiro transportado por entregadores de ALBERTO YOUSSEF”
(fls. 961 – grifei).

Já em relação aos litisconsortes penais passivos Nelson Meurer


Júnior e Cristiano Augusto Meurer, a denúncia entende que, ao
concorrerem “dolosa e decisivamente para que essas propinas fossem pagas
em espécie, mediante entregas pessoais” (fls. 963 – grifei), também teriam

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cometido o crime de lavagem de dinheiro na forma do art. 29 do Código


Penal.

Nesse contexto, a peça acusatória narra que o recebimento de valores


em espécie mediante entregas pessoais diretamente ao réu Nelson Meurer
ou por intermédio de seus filhos, Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto
Meurer, seria suficiente para configurar o delito previsto no art. 1º da
Lei nº 9.613/98.

Cumpre ressaltar, por relevante, que esta Corte, a partir do


julgamento dos Sextos Embargos Infringentes na AP 470/MG, Red. p/ o
acórdão Min. ROBERTO BARROSO, passou a entender que, em relação ao
crime de corrupção passiva, o agente que recebe a vantagem indevida de
forma dissimulada, por meio de interposta pessoa, não comete o crime de
lavagem de dinheiro, já que esse ato, só por si, constituiria mero
exaurimento do crime antecedente, sendo necessário, para configuração
desse segundo delito, o cometimento de atos posteriores e autônomos ao
recebimento do ilícito benefício, com o fim de ocultar ou de dissimular os
valores oriundos da prática de corrupção:

“EMBARGOS INFRINGENTES NA AP 470. LAVAGEM


DE DINHEIRO. 1. Lavagem de valores oriundos de corrupção
passiva praticada pelo próprio agente: 1.1. O recebimento de
propina constitui o marco consumativo do delito de corrupção
passiva, na forma objetiva ‘receber’, sendo indiferente que seja
praticada com elemento de dissimulação. 1.2. A autolavagem
pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do
produto do crime antecedente (já consumado), não verificados
na hipótese. 1.3. Absolvição por atipicidade da conduta. (…)
4. Embargos parcialmente conhecidos e, nessa extensão,
acolhidos para absolver o embargante da imputação de lavagem de
dinheiro.”
(AP 470-EI-sextos/MG, Red. p/ o acórdão Min. ROBERTO
BARROSO – grifei)

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Esse mesmo entendimento vem sendo aplicado por ambas as Turmas


desta Corte no sentido de que, para configuração do delito de lavagem
de dinheiro – nas circunstâncias em que o crime antecedente seja de corrupção
passiva praticado pelo mesmo agente e mediante o recebimento por meio de
interposta pessoa – é necessária a prática de atos subsequentes e
autônomos:

“Ação penal originária. Penal. Processo penal. (…)


7. Lavagem de dinheiro. Art. 1º da Lei 9.613/98. Ocultação da
propriedade e a localização da vantagem indevida recebida em
razão da corrupção passiva, mediante depósitos dos recursos em
contas de terceiros, assessores parlamentares. O recebimento dos
recursos por via dissimulada, como o depósito em contas de
terceiros, não configura a lavagem de dinheiro. Seria necessário
ato subsequente, destinado à ocultação, dissimulação ou
reintegração dos recursos – Rel. Min. Luiz Fux, redator para
acórdão Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 21.8.2014.
Absolvição. (…).”
(AP 644/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

“(…) 5. Lavagem de capitais e crimes contra a


administração pública. Corrupção passiva e autolavagem:
quando a ocultação configura etapa consumativa do delito
antecedente – caso da corrupção passiva recebida por pessoa
interposta – de autolavagem se cogita apenas se comprovados
atos subsequentes, autônomos, tendentes a converter o produto
do crime em ativos lícitos, e capazes de ligar o agente lavador
à pretendida higienização do produto do crime antecedente. Sob
uma linguagem de ação típica, as subsequentes e autônomas condutas
devem possuir aptidão material para ‘Ocultar ou dissimular a
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal’ antecedente, ao feitio do artigo 1º da
Lei 9.613/98.”
(AP 694/MT, Rel. Min. ROSA WEBER – grifei)

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Consideradas essas razões, entendo que não foi narrada, na denúncia,


qualquer conduta praticada pelos réus, além do simples ato de recebimento
de valores em espécie por meio de entregadores de Alberto Youssef, o que
se revela insuficiente para a adequação típica definida em lei, pois, sem
que se evidenciem atos de ocultação e/ou de dissimulação, não haverá como
reconhecer configurado o delito de lavagem de valores ou de capitais.

É indispensável ao Ministério Público, ao deduzir a imputação penal,


identificar, na peça acusatória, com absoluta precisão, a prática de atos de
dissimulação ou de ocultação da vantagem indevida recebida pelo
imputado.

O simples fato de receber valores em espécie de entregadores,


diretamente ou por intermédio de familiares, não se revela suficiente para a
caracterização do delito de lavagem de ativos, seja por faltarem, nessa
conduta, atos de ocultação e/ou de dissimulação, seja, ainda, pela ausência de
comportamento com aptidão de dar aparência de licitude às quantias
recebidas indevidamente.

Daí a correta observação do eminente Relator no voto proferido, na


presente ação penal, que assim se pronunciou sobre a aludida questão:

“Na esteira de entendimento firmado pelo Plenário do


Supremo Tribunal Federal, afasto, de antemão, a pretendida
tipicidade aos atos de mero recebimento de valores em espécie
pelos acusados.
Com efeito, como enfatizei ao tratar, de modo genérico, essa
específica imputação, por ocasião do julgamento de Embargos
Infringentes interpostos contra o acórdão proferido na AP 470,
esta Suprema Corte assentou que o recebimento, ainda que por
interposta pessoa, da vantagem indevida negociada no âmbito do
delito de corrupção passiva antecedente, pode não configurar o
crime de lavagem de ativos. (…).
…...................................................................................................

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Desse modo, se, mesmo por interposta pessoa, o mero


recebimento da vantagem decorrente da mercancia da função
pública não é conduta apta a configurar o delito de lavagem de
capitais, tal conclusão, por uma questão lógica, merece incidir
sobre a conduta do próprio agente público que acolhe a
remuneração indevida.
Portanto, nesse contexto, tenho por não configurados os
crimes de lavagem de dinheiro consubstanciados nos
recebimentos diretos de quantias em espécie atribuídos aos
acusados.” (grifei)

Trata-se, pois, de mero exaurimento do crime de corrupção passiva,


na linha de entendimento que vem sendo firmado pela jurisprudência,
anteriormente referida, desta Suprema Corte, no sentido de que o
recebimento de vantagem indevida, por intermédio de terceira pessoa,
só por si, não caracteriza o delito de lavagem de dinheiro (AP 470-EI-
-sextos/MG, Red. p/ o acórdão Min. ROBERTO BARROSO –
AP 644/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES – AP 694/MT, Rel. Min. ROSA
WEBER).

Em face das razões expostas, portanto, acompanho o eminente Relator,


para absolver os réus das imputações dos delitos de lavagem de dinheiro,
relativos ao recebimento de valores em espécie realizados por meio de
entregadores de Alberto Youssef (item 4.2, “a” da denúncia), nos termos
do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

b) Recebimento de valores em espécie por meio do Posto da Torre


(item 4.2, “b”, da denúncia)

Nesse ponto da peça acusatória, a Procuradoria-Geral da República


logrou êxito em comprovar a prática do tipo penal previsto no art. 1º, V,
da Lei nº 9.613/98 (na redação anterior à Lei nº 12.683/2012), uma vez que

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os recebimentos tratados nesse subitem ocorreram em 2009 e são


provenientes de crimes contra a administração pública.

Em relação aos específicos fatos em apreço, quando da análise da


prática do crime de corrupção passiva, ficou amplamente comprovado
o recebimento de propina em duas oportunidades (04/01/2009 e 27/01/2009),
pelo réu Nelson Meurer, com a utilização de posto de combustíveis,
conhecido, em Brasília, por Posto da Torre (item 2.1.2 de meu voto).

Portanto, configurada a prática do crime antecedente de corrupção


passiva pelo citado parlamentar, bem assim o seu pleno conhecimento de
que se tratava de valores ilícítos, uma vez que foi ele próprio o autor do
mencionado crime contra a administração pública, cabe, desse modo,
analisar se os fatos descritos neste ponto da denúncia caracterizam o crime
de lavagem de dinheiro.

Rememorando os fatos já apreciados, ficou demostrado que o réu


Nelson Meurer recebeu valores por meio do Posto da Torre, conforme
destacado pelas provas colhidas nos autos: (i) depoimentos das
testemunhas André Catão de Miranda (fls. 2.728/2.734v.) e Ediel Viana da
Silva, empregados do Posto da Torre; (ii) Laudo Pericial 1890/14,
realizado no sistema de contabilidade paralela do Posto da Torre
cuja apreensão se deu no cumprimento de mandado judicial de
busca (fls. 739/740); (iii) depoimento de Alberto Youssef em
colaboração premiada (fls. 61/63) e em juízo (fls. 2.816/2.834);
e (iv) Laudo Pericial 1211/2015-INC/DITEC/DPF que constatou a
existência de registros de pagamentos no sistema de contabilidade informal
do Posto da Torre (fls. 745/750).

As provas do cometimento do crime de lavagem de dinheiro por


Nelson Meurer também são robustas. Conforme identificado pelo Laudo
Pericial 1211/2015-INC/DITEC/DPF (fls. 745/750) – na comparação dos
dados de registros contábeis efetuados pelo Posto da Torre com a

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movimentação bancária de Nelson Meurer, que teve o sigilo bancário


afastado, por este Supremo Tribunal Federal, no autos da AC 3.826/DF
(apenso 3) – houve exata correspondência entre o valor lançado no
controle financeiro do Posto e os depósitos bancários não identificados na
conta-corrente deste réu.

Foram constatados registros em nome de Nelson Meurer no sistema


utilizado pelo Posto da Torre, relativo ao pagamento de R$ 42.000,00 no
dia 04/01/2009, que corresponde à soma de 24 (vinte e quatro) depósitos
fracionados na conta-corrente nº 2787210, agência 4.884, Banco do Brasil,
de titularidade do parlamentar, no dia seguinte ao respectivo recebimento
(05/01/2009). De igual modo, na análise realizada pelos peritos oficiais,
identificou-se que, no dia 27/01/2009, houve, no sistema “money”, do
Posto da Torre, o registro contábil do repasse de R$ 10.000,00 (dez mil
reais) ao parlamentar, e que, dois dias depois, em 29/01/2009, o mesmo
valor foi depositado na conta desse réu, desmembrado em
08 (oito) depósitos distintos.

Por oportuno, transcrevo as seguintes conclusões constantes do


referido laudo pericial (fls. 745/750):

“O exame consistiu na análise e extração dos dados do


arquivo computacional referente aos registros contábeis do
Posta da Torre nomeado ‘posto.mny’ e comparação com extratos
bancários constantes do casa Simba 002-PF-001743-04, referentes
a Nelson Meurer (CPF 005.648.349-04).
…...................................................................................................
Após pesquisas nos extratos bancários de Nelson Meurer,
foram localizados depósitos na conta bancária nº 2787210,
agência 4884, Banco do Brasil, nos dias 05/01/2009 e 29/01/2009,
respectivamente nos montantes de R$ 42.000,00 e R$ 10.000,00,
valores iguais aos registros contábeis localizados no arquivo
‘posto.moy’, cujo campo ‘Memo’ faz referência a ‘Nelson Meurer’.
A Tabela 2 descreve os depósitos verificados na conta
bancária nº 2787210, agência 4884, Banco do Brasil, de titularidade

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de Nelson Meurer, que, totalizados, são compatíveis com o


registro contábil de R$ 42.000,00 (…).

Tabela 2

Data Histórico Número do documento Valor


05/01/2009 Depósito online 000002231653029 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653037 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653045 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653052 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653060 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653078 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653086 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653094 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653102 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653110 2.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653128 1.000,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653136 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653144 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653169 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653177 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653185 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653193 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653532 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653557 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653565 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653573 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653581 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653599 2.500,00
05/01/2009 Depósito online 000002231653607 1.000,00
Total 42.000,00

A Tabela 3 descreve os depósitos verificados na conta


bancária nº 2787210, agência 4884, Banco do Brasil, de
titularidade de Nelson Meurer, que, totalizados, são compatíveis
com o registro contábil de RS 10.000,00 (…).

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Tabela 3 – (…)

Data Histórico Número do documento Valor


29/01/2009 Depósito online 000002669519346 300,00
29/01/2009 Depósito online 000002669519353 500,00
29/01/2009 Depósito online 000002669519361 2.500,00
29/01/2009 Depósito online 000002669519379 2.500,00
29/01/2009 Depósito online 000002669519387 1.200,00
29/01/2009 Depósito online 000002669519411 1.000,00
29/01/2009 Depósito online 000002669519429 1.000,00
29/01/2009 Depósito online 000002669519445 1.000,00
Total 10.000,00

Cabe salientar que os depósitos mencionados nas


Tabelas 2 e 3 foram os únicos créditos ocorridos na conta
bancária nº 2787210 nos dias 05/01/2009 e 29/01/2009, o que
reforça a compatibilidade entre tais depósitos e os registros
contábeis.” (grifei)

Desse modo, nada justificava que a realização do depósito de


R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais), no mesmo dia e na mesma agência,
fosse fragmentada em 24 (vinte e quatro) operações diferentes, todas em
montante inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) ou, ainda, o depósito de
outros R$ 10.000,00 (dez mil reais), também realizado de maneira
fracionada, e, igualmente, no mesmo dia e na mesma agência de
titularidade do réu, desobrigando, por isso mesmo, a instituição financeira
depositária de comunicar tais operações ao Conselho de Controle de
Atividades Financeiras – COAF, nos termos do art. 13, inciso I, da Carta
Circular nº 3.461/2009, do Banco Central, bem assim da determinação da
própria Lei de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98, arts. 10, II e 11, II).

Impende consignar, por relevante, que os fatos aqui tratados


diferenciam-se, nitidamente, daqueles referentes ao recebimento de
valores em espécie por meio de interposta pessoa. Como visto, o réu
Nelson Meurer valeu-se, aqui, da estrutura administrativa de um posto

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de gasolina que, além de suas atividades típicas, recebia valores de Alberto


Youssef provenientes de crimes contra a administração pública
(corrupção passiva e ativa), misturando-os em suas contas bancárias com
quantias licitamentes recebidas de venda de combustíveis e, posteriomente,
repassando-os para serem pagos aos beneficiários indicados por Alberto
Youssef, entre os quais o mencionado parlamentar, ora réu. Desse modo,
Nelson Meurer, além de receber esses valores em espécie de um posto de
gasolina, praticou atos subsequentes e autônomos consubstanciados em
inúmeros depósitos fracionados em sua conta-corrente, visando ocultar a
origem criminosa do montante auferido e subtraindo-se à necessidade de
comunicação e fiscalização de tais operações.

Diante do exposto, no que se refere aos ilícitos penais de lavagem de


valores recebidos por meio do Posto da Torre, reputo comprovado, além de
qualquer dúvida razoável, o cometimento desse crime em 05/01/2009, no
valor de R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais) e em 29/01/2009, no valor
de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por meio da técnica conhecida,
doutrinariamente, como fracionamento, “smurfing“ ou estruturação.

Essa mesma diretriz, que considera caracterizado o delito de lavagem de


capitais por meio de depósitos de dinheiro bancários fracionados com a
finalidade de ocultar a origem ilícita de valores provenientes de crime,
tem sido acolhida por autorizado magistério doutrinário (CARLA
VERÍSSIMO DE CARLI, “Lavagem de Dinheiro: Ideologia da
Criminalização e Análise do Discurso”, p. 121, item 2.3.2, 2ª ed., 2012, Verbo
Jurídico; GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOLO CRUZ BOTTINI,
“Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais”, p. 31/32,
item 1.2, 3ª ed., 2016, RT; JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR, “Crimes
Federais”, p. 1.097/1.099, item 4.3.2, 10ª ed., 2015, Saraiva; MARCIA
MONASSI MOUGENOT BONFIM e EDILSON MOUGENOT BONFIM,
“Lavagem de Dinheiro”, p. 37/41, item 7.2, 2ª ed., 2008, Malheiros; RENATO
BRASILEIRO DE LIMA, “Legislação Criminal Especial Comentada”,
p. 476/478, item 5, 5ª ed., 2017, JusPODIVM, v.g.).

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Eis, no ponto, em lição plenamente aplicável à espécie, o entendimento


exposto por ANDRÉ LUÍS CALLEGARI (“Lavagem de Dinheiro: Aspectos
Penais da Lei nº 9.613/98”, p. 46/47, item 7.1.2, 2ª ed., 2008, Livraria do
Advogado):

“7.1.2 Fracionamento
O procedimento de fracionamento consiste em dividir as
elevadas somas de dinheiro em outras de menor quantia ou
fracionar as transações em cédulas (depósitos, aquisição de
instrumentos monetários, troca de bilhetes de menor valor por outros
de maior valor, etc.) e assim evadir as obrigações de identificação
ou comunicação.
A esse respeito desse procedimento, ensina Fabian Caparros
[El Delito de Blanqueo de Capitales, p. 114] que uma maneira
habitual de amenizar os receios de suspeita de grandes quantidades
ingressadas através de uma conta bancária é fracionar
artificiosamente o ingresso nesta conta em vários depósitos de
menor quantia durante um período de tempo determinado,
permitindo-se que se utilize de depósitos em dinheiro ou outros
instrumentos.
(…) Esta técnica é utilizada porque permite o ingresso
numa conta bancária de dinheiro sujo em quantidades
inferiores às fixadas pela Administração, ou seja, não se
enquadram dentro dos valores em que a Administração deve se
informada dos depósitos.” (grifei)

Feitas essas considerações, acompanho o eminente Ministro EDSON


FACHIN para proferir juízo condenatório contra Nelson Meurer pela
prática do crime previsto no art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98 (na redação
anterior à Lei nº 12.683/2012), por duas vezes (item 4.2, “b”, da denúncia).

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c) Depósitos de valores na conta bancária de Nelson Meurer, de forma


fracionada, em 130 (cento e trinta) dias distintos, no total de R$ 1.461.226,00.

Na análise dessa específica questão, estou de inteiro acordo, Senhor


Presidente, com as razões que Vossa Excelência expôs, como Relator, em
seu douto voto.

Reconheço, no ponto, a absoluta ausência de prova juridicamente idônea


que possa justificar a formulação de um juízo de condenação. Há de
prevalecer, por isso mesmo, na espécie, a presunção constitucional de
inocência, eis que o Ministério Público não se desincumbiu do ônus de
comprovar, de modo pleno, os elementos pertinentes à acusação penal em
relação aos diversos depósitos bancários descritos na planilha constante na
denúncia (fls. 916/918).

Com efeito, a falta de suporte probatório idôneo no presente subitem


impede que se formule, legitimamente, na espécie, qualquer juízo penal
condenatório contra o ora acusado.

Como já destacado, as acusações penais não se presumem provadas,


pois o ônus da prova concernente aos elementos constitutivos do pedido
(autoria e materialidade do fato delituoso, de um lado, e demonstração do
nexo de causalidade entre a conduta e o resultado por ela provocado, de
outro) incumbe, exclusivamente, a quem acusa.

Não foi por outro motivo que o eminente Ministro Relator, ao


apreciar o tema relativo aos depósitos fracionados nas contas bancárias de
Nelson Meurer, assim se pronunciou:

“No que tange às imputações de lavagem de capitais


consubstanciadas nos demais depósitos fracionados realizados
em contas bancárias titularizadas pelo denunciado Nelson
Meurer, embora as operações listadas às fls. 916-928 sejam
indicativas da prática delitiva, porquanto novamente demonstram

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‘modus operandi’ apto a ocultar a disponibilidade das quantias


depositadas, o conjunto probatório, a meu sentir, não permite a
afirmação peremptória de que tais valores, à exceção dos já
destacados, sejam provenientes da prática delituosa anterior.
Com efeito, diversamente do que se verifica em relação aos
pagamentos efetuados via Posto da Torre, cujos atos de ocultação
foram prontamente atestados nos depósitos subsequentes que
perfizeram a exata quantia descrita no sistema de contabilidade
apreendido, os demais fracionamentos não encontram
correspondência com eventuais pagamentos de vantagens
indevidas identificadas, motivo pelo qual não é possível
firmar, com a segurança necessária exigida na seara penal, um
juízo condenatório isento de dúvida.” (grifei)

Com efeito, no caso em exame, não houve, por parte do Ministério


Público, a mínima comprovação de que os 130 (cento e trinta) depósitos
bancários relacionados na denúncia, no longo período que se estendeu de
fevereiro de 2006 a dezembro de 2014, constituiriam atos de ocultação de
valores recebidos, a título de vantagens indevidas, por Nelson Meurer,
decorrentes do apoio à manutenção de Paulo Roberto Costa como
Diretor de Abastecimento da Petrobras.

O fato indiscutível e relevante, Senhor Presidente, é que a


insuficiência da prova penal existente nos autos não pode legitimar, como
precedentemente enfatizado, a formulação, no caso, de um juízo de certeza que
autorize a condenação do réu em questão.

Impende destacar, uma vez mais, que, a situação de dúvida razoável


só pode beneficiar o réu, jamais prejudicá-lo, pois esse é um princípio
básico que deve sempre prevalecer nos modelos constitucionais que
consagram o Estado Democrático de Direito.

Em suma: a ausência ou a insuficiência de elementos probatórios


revestidos de idoneidade jurídica e produzidos sob a garantia constitucional
do contraditório desautoriza a prolação de qualquer juízo condenatório, eis

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que, em descumprindo o Ministério Público o ônus de comprovar a autoria e


a materialidade do delito, bem assim o de demonstrar a existência do necessário
nexo causal, incidirá, sempre, a fórmula de salvaguarda da liberdade do
acusado consubstanciada no princípio “in dubio pro reo”, como adverte a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (AP 421/SP, Rel. Min.
ROBERTO BARROSO – AP 619/BA, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI –
AP 678/MA, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.):

“PROCESSUAL PENAL. DEPUTADO FEDERAL.


ESTELIONATO. QUESTÃO INERENTE À ESFERA PRIVADA.
ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS.
…...................................................................................................
V – Ausentes elementos de prova aptos a propiciar
condenação.
VI – Absolvição por deficiência de provas, com base no
art. 386, V, do CPP.”
(AP 612/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI –
grifei)

Nesse sentido, Senhor Presidente, manifesto-me, de pleno acordo


com Vossa Excelência, julgando improcedente a presente denúncia neste
específico ponto e decretando, em consequência, a absolvição de Nelson
Meurer, com apoio no art. 386,VII, do Código de Processo Penal.

d) Registros em declarações de Imposto de Renda da manutenção de


considerável quantia de dinheiro em espécie

Segundo descreve a denúncia, parte considerável dos valores


recebidos, ilicitamente, em espécie pelo réu Nelson Meurer foi mantida
em sua posse, sendo, posteriormente, registrada em sua declaração de
imposto de renda com a finalidade de conferir aparência de licitude às mesmas
quantias.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 322 de 486 3734


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Como ressaltado pelo eminente Relator ao longo de seu douto voto,


ficou comprovado que o réu Nelson Meurer recebeu, ao menos em
31 (trinta e uma) oportunidades, valores a título de vantagem indevida,
correspondentes, no mínimo, a R$ 4.752.000,00 (quatro milhões, setecentos
e cinquenta e dois mil reais):

“(…) À exceção das quantias recebidas por intermédio do


Posto da Torre, que somam R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil
reais), nas demais remessas os entregadores de Alberto Youssef não
disponibilizavam menos do que R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais), não se podendo olvidar que a doação eleitoral
feita ao acusado pela empresa Queiroz Galvão alcançou a soma de
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Logo, tendo sido identificados ao menos 31 (trinta e um)
atos de corrupção passiva, as vantagens indevidas percebidas por
Nelson Meurer alcançam ao menos a quantia de
R$ 4.752.000,00 (quatro milhões, setecentos e cinquenta e dois mil
reais).” (grifei)

Dos valores acima mencionados, apenas os referentes à doação eleitoral


não foram repassados, em espécie, ao réu, demonstrando-se que, de fato,
Nelson Meurer recebeu e, por consequência, tinha a posse de alta quantia
em moeda corrente, fruto de vantagens indevidas.

Verificadas, portanto, a existência de delitos antecedentes e a plena


consciência do réu acerca da origem criminosa dos valores provenientes
de condutas ilícitas por ele mesmo perpetradas, cabe analisar se os atos
imputados ao ora acusado seriam suficientes para configurar o crime
previsto no art. 1º da Lei nº 9.613/98.

Impende consignar, por relevante, que o afastamento dos sigilos


bancário e fiscal do referido parlamentar evidenciou, conforme consta do
Relatório de Análise nº 75/2015-SPEA/PGR (fls. 518/534 – apenso 3), que a
movimentação financeira e o patrimônio declarado são incompatíveis com
suas fontes de renda que, segundo afirmado pelo próprio acusado,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 323 de 486 3735


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restringem-se à remuneração como Deputado Federal e a uma


aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
(fls. 414).

Em relação à disponibilidade de moeda corrente nos anos-


-calendário 2010 a 2014, constatou-se, pelo afastamento do sigilo fiscal, que
Nelson Meurer declarou possuir significativas quantias em sua posse:
R$ 108.160,00 (2010); R$ 122.408,00 (2011); R$ 1.365.410,00 (2012);
R$ 763.360,00 (2013) e R$ 804.550,00 (2014), em total descompasso com os
valores declarados e efetivamente recebidos em razão de atividades lícitas
(fls. 20/23 – Apenso 01).

Na específica análise dos valores em espécie declarados no


imposto de renda do réu Nelson Meurer, o Relatório de
Análise 082/2015, elaborado pela Secretaria de Pesquisa e Análise da
Procuradoria-Geral da República, consignou que (fls. 22 – Apenso 01):

“(…) de 2011 para 2012, houve um acréscimo de 1015%


nas disponibilidades em moeda corrente declaradas pelo
deputado federal, que passaram de R$ 122.408,00 para
R$ 1.365.410,00.
…...................................................................................................
Por fim, com base na análise apresentada, destacam-se os
valores declarados, de 2009 a 2014, a título de disponibilidade em
moeda nacional em poder de Nelson Meurer, sobretudo no ano-
-calendário 2012, em que essa quantia atingiu R$ 1.365.410,00,
sendo que manter quantias significativas fora das instituições
financeiras trata-se de política pouco usual.” (grifei)

Cabe salientar, por oportuno, que, no ano-calendário de 2012, como


destacado no aludido relatório, houve um acréscimo de R$ 1.243.002,00
(um milhão, duzentos e quarenta e três reais mil e dois reais) em relação à
manutenção de dinheiro em espécie informado no ano anterior.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 324 de 486 3736


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É de ressaltar-se, ainda, que Nelson Meurer também lançou em sua


declaração de imposto de renda informações sobre a propriedade de cotas de
sociedade empresária denominada “Supermercado Marrecão Ltda.”, que
não se encontrava em atividade desde 1987/1988, conforme declarado
pelo próprio réu em seu interrogatório (fls. 2.860/2.861v.). Pelo que se verifica
das declarações de imposto de renda, o réu utilizou-se dessas
informações inverídicas para justificar, no ano-calendário de 2012, a posse
de elevado montante de dinheiro em espécie, o que fez aumentar não só a
quantidade de cotas da mencionada empresa, há mais de uma década sem
funcionamento, de 103.500 para 848.568 cotas, como também viabilizou
sua liquidação com a consequente majoração de valores em espécie, tal
como consignado em suas declarações de imposto de renda (fls. 566,
apenso 02 – mídia eletrônica).

Nesse sentido, transcrevo elucidativo trecho do voto proferido pelo


eminente Ministro EDSON FACHIN:

“Tampouco a liquidação do estabelecimento comercial


denominado Supermercado Marrecão Ltda. serve como
justificativa idônea para sustentar, por exemplo, a declaração
de ter em sua guarda a expressiva quantia de R$ 1.365.410,00
(um milhão, trezentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e dez reais).
Com efeito, mesmo que se admita tratar-se de uma manobra
contábil, o denunciado Nelson Meurer, nas declarações de
imposto de renda prestadas nos anos de 2011 e 2012 (fl. 566,
apenso 2, CD 1), informou ser proprietário de 103.500 (centro e
três mil e quinhentas) cotas da referida sociedade empresária, ao
passo que, no ano seguinte, quando declarada a sua liquidação,
declinou possuir 848.568 (oitocentas e quarenta e oito mil,
quinhentas e sessenta e oito) cotas, atribuindo a cada uma o valor
de R$ 1,00 (um real).
Embora o valor atribuído à totalidade das cotas não tenha se
alterado durante os anos, é certo que o próprio denunciado
confessa que tal sociedade empresária já não se encontrava
mais em atividade, circunstância que revela que a sua

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liquidação foi utilizada para conferir ares de licitude a


recursos obtidos de forma espúria.
Soma-se a tal constatação o fato de que, nas declarações de
imposto de renda posteriores, o denunciado continuou
informando a manutenção em espécie de quantias muito
superiores àquelas que ele mesmo, em seu interrogatório,
declarou como habitualmente guardadas em seu poder, algo em
torno de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).” (grifei)

Sobre essa tipologia de lavagem de dinheiro, cabe destacar, as


considerações lançadas por DELTAN MARTINAZZO DALLAGNOL em
obra doutrinária coletiva sobre o tema (CARLA VERÍSSIMO DE CARLI,
”et al.”, ”Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle Penal”, p. 432,
item 9.6.50, 2ª ed., 2013, Verbo Jurídico):

“9.6.50. Fabricação de ‘caixa fictício’ em DIRPF. Técnica


comum utilizada tanto por lavadores como sonegadores é
incrementar, ano a ano, o valor de suposta (fictícia) quantia
mantida em espécie, com o titular, no campo de patrimônio da
Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda da Pessoa
Física (DIPRF), aproveitando-se da significativa diferença que existe,
normalmente, entre a renda lícita de determinado ano (maior) e o
correspondente acréscimo patrimonial (menor) – tal discrepância se
refere às despesas pessoais efetuadas. Assim, ao longo de vários
anos o criminoso pode fazer constar, falsamente, em sua
Declaração, montantes significativos em espécie, os quais
poderão ser substituídos por bens ou valores que são oriundos
de crimes. Tal prática é incentivada pela baixa probabilidade de
conferência pela Receita dos valores mantidos em efetivo e, caso ela
ocorra, o titular poderá informar simplesmente que os gastou no
mesmo ano em que a fiscalização é deflagrada.” (grifei)

Como se vê, no caso concreto, está comprovado que, durante os anos de


2010 a 2014, o réu Nelson Meurer valeu-se de suas declarações de imposto de
renda para dissimular a origem de valores obtidos pelos crimes de

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corrupção praticados em detrimento da Petrobras S/A, visando dar


aparência de licitude a tais quantias.

Também entendo, na linha do douto voto proferido pelo eminente Relator,


que se impõe, neste ponto de análise da denúncia, a prolação de um juízo
condenatório contra o réu Nelson Meurer, considerada a existência de
provas, além de qualquer dúvida razoável, da autoria e da materialidade do
fato delituoso, bem assim do nexo de causalidade entre a conduta desse
acusado e o resultado por ela provocado.

2.2.3 Do recebimento episódico e extraordinário de propina por Nelson


Meurer, com auxílio de Nelson Meurer Júnior, mediante estratégias de
lavagem de dinheiro (item 4.3 da denúncia)

Neste tópico, passo à análise das acusações formuladas pela


Procuradoria-Geral da República no tocante aos crimes de lavagens de
dinheiro consubstanciados na ocultação e na dissimulação de valores recebidos
extraordinariamente pelo réu Nelson Meurer à época das eleições de 2010,
quando era candidato ao cargo de Deputado Federal pelo Estado do
Paraná.

a) Recebimento de propina mediante valores em espécie não contabilizados


em prestações de contas eleitorais (item 4.3, “a”)

Quanto às acusações de lavagem de dinheiro em razão do


recebimento de vantagem indevida mediante valores em espécie repassados por
meio do entregador Carlos Alexandre da Rocha e que não teriam sido
contabilizados em prestações de contas eleitorais (fls. 944/951), valho-me
das considerações proferidas neste voto quando da análise do crime de
corrupção passiva, a respeito desses mesmos fatos (item 2.1.3, “a”), em
que se conclui pela improcedência da acusação em face da ausência de
comprovação da tese acusatória, pois, amparada, apenas, em declarações
de colaboradores, sem qualquer outro elemento de corroboração. Portanto,

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pela mesma razão, também se impõe a absolvição dos réus em relação a


essas específicas acusações de lavagem de dinheiro, uma vez que os
únicos elementos probatórios existentes a respeito desse tópico da
denúncia residem no depoimento de agentes colaboradores, não havendo
corroboração resultante de fonte autônoma ou independente de prova,
circunstância que faz incidir a cláusula fundada no § 16 do art. 4º da
Lei nº 12.850/2013.

Desse modo, acompanho o eminente Ministro Edson Fachin para


absolver os réus Nelson Meurer e Nelson Meurer Júnior quanto às
acusações formuladas no item 4.3, “a”, da denúncia, nos termos do
art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

b) – Recebimento de vantagens indevidas mediante doações eleitorais


oficiais (item 4.3, “b”)

Por fim, a denúncia sustenta, ainda, que Nelson Meurer recebeu


“propina” disfarçada de doação eleitoral de empresa beneficiária da
formação de cartel e fraudes em licitação na Diretoria de Abastecimento
da Petrobras.

Devo enfatizar, desde logo, o entendimento que tenho perfilhado


sobre a matéria em questão, no sentido de que o recebimento de vantagem
indevida por meio de doação eleitoral pode configurar, além do delito de
corrupção passiva, também o crime de lavagem de dinheiro.

Penso que se reveste de inteira pertinência rememorar voto que,


por mim proferido no julgamento do Inq 3.982/DF, acentuou que a
prestação de contas à Justiça Eleitoral pode constituir meio instrumental
viabilizador do crime de lavagem de dinheiro se os recursos financeiros
doados oficialmente a determinado candidato ou a certo partido político
tiverem origem criminosa, resultante da prática de outro ilícito penal –
a denominada infração penal antecedente, como os crimes contra a

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Administração Pública – pois, configurado esse contexto, que traduz


engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a prestação de contas atuará
como típico expediente de ocultação ou de dissimulação da natureza delituosa
das quantias doadas em caráter oficial, oriundas da prática do delito de
corrupção, “p. ex.”.

Esse comportamento, mais do que ousado, constitui gesto de indizível


atrevimento e de gravíssima ofensa à legislação penal da República, na medida
em que os agentes da conduta criminosa, valendo-se do próprio aparelho de
Estado, objetivam, por intermédio da Justiça Eleitoral e mediante
defraudação do procedimento de prestação de contas, conferir aparência
de legitimidade a doações compostas de recursos financeiros manchados,
em sua origem, pela nota da delituosidade.

Nessa linha, foi o entendimento expressado pela maioria dos


membros desta colenda Segunda Turma no julgamento do mencionado
Inq 3.982/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, vencidos os Ministros DIAS
TOFFOLI e GILMAR MENDES.

Essa mesma orientação foi adotada pela colenda Primeira Turma


desta Corte, quando do recebimento de denúncia formulada no
Inq 4.141/DF, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, do qual destaco o
seguinte trecho de sua ementa:

“(…) III.2. QUANTO AO CRIME DE LAVAGEM DE


DINHEIRO
12. Constam dos autos indícios de lavagem de dinheiro
por meio de (i) depósitos fracionados nas contas do Parlamentar,
comprovados documentalmente; e (ii) recebimento de vantagem
indevida na forma de doações eleitorais. Quanto a este último, de
se ressaltar que configura a um só tempo indício do crime de
corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, na medida em que
esses valores são apresentados na Prestação de Contas
Eleitoral como de origem lícita, a indicar possível estratégia

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para conferir aparência de licitude ao dinheiro proveniente de


infração penal.” (grifei)

Precisa, no ponto, a lição manifestada por CÉSAR DARIO


MARIANO DA SILVA, ilustre Promotor de Justiça do Estado
de São Paulo, em artigo publicado sobre a matéria
ora em análise (“http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/03/1865668-
-doacao-eleitoral-legal-pode-ser-criminalizada-sim.shtml”):

“(…) Aquele que efetua doações eleitorais aparentemente


legais com o propósito de que o agente público que a receba
interceda em seu favor pratica, juntamente com o funcionário
público, crime de corrupção (ativa e passiva) e lavagem de
dinheiro.
O corruptor faz a doação. O corrupto a recebe e realiza a
necessária declaração à Justiça Eleitoral. O dinheiro, que é
sujo (produto de corrupção), passa a ser empregado nas
despesas de campanha do corrupto, dando-lhe aparência de
legalidade.
Além dos crimes de corrupção (ativa e passiva) praticados
por quem deu a vantagem indevida e por quem a recebeu, subsiste
íntegro o crime de lavagem de dinheiro, que é autônomo em
relação ao delito antecedente.
…...................................................................................................
Ocorre que essa vantagem indevida dada ao agente
público precisa ser legalizada para que possa ser empregada
livremente. O instrumento criado para isso é a engenhosa
doação eleitoral fictícia, que caracteriza a dissimulação
constante do tipo penal de lavagem de dinheiro.
Por isso, ouvimos sempre a mesma justificativa de alguns
políticos acusados por delatores: a doação recebida é legal, tendo
sido declarada à Justiça Eleitoral.
Essa assertiva não procede. A forma é legal, mas não o
seu conteúdo. Não se trata de doação, mas de propina
disfarçada. O dinheiro, que é produto de crime, teve a origem

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dissimulada/ocultada e foi colocado em circulação para o


pagamento de campanha eleitoral.
Há dois crimes em concurso material. O antecedente
(corrupção) e a lavagem de dinheiro, cometidos em momentos
distintos e com condutas próprias.
Com efeito, muito embora realizada a prestação de contas
dos valores recebidos, ocorreu, uma vez que a origem do dinheiro é
criminosa, sua dissimulação/ocultação e consequente crime de
lavagem de dinheiro, que não se confunde com o delito de
corrupção, que é seu antecedente, não havendo entre eles
relação de meio e fim.” (grifei)

De fato, na linha do douto voto proferido pelo eminente Relator, entendo,


com Sua Excelência, que o modo de recebimento da vantagem indevida pode,
além de configurar o delito de corrupção passiva, caracterizar o delito de
lavagem de capitais, desde que o ato de recebimento evidencie o
propósito de ocultar ou dissimular a origem do dinheiro e seja suficiente
para garantir ao agente corrupto que usufrua do valor ilicitamente auferido,
conferindo-lhe a aparência de licitude. Portanto, a análise da ocorrência
de ambos os crimes ou o mero exaurimento da corrupção deve ser
realizada em cada caso concreto, buscando-se identificar os desígnios de
cada conduta.

Esse específico aspecto foi bem ressaltado pelo eminente Ministro


EDSON FACHIN, como o evidenciam as razões que dão suporte ao seu
douto voto não só neste julgamento, como, também, no da AP 644/MT, Rel.
Min. GILMAR MENDES, de que extraio os seguintes fundamentos:

“A despeito de, no caso concreto, quanto ao resultado,


concordar com a proposta feita pelo eminente relator, considero
importante consignar concepção mais detalhada a respeito do
tema, cuja solução pode não ser uniforme para todos os casos
em que a percepção de vantagem indevida se dê por intermédio de
depósitos em contas correntes de terceiros.
…...................................................................................................

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Além disso, apesar de os votos majoritários proferidos


quando do julgamento dos referidos Embargos Infringentes
opostos contra o julgamento da AP 470 terem conferido certa
relevância, à luz do caso concreto que estava em julgamento, à
necessidade de os atos autônomos serem subsequentes à
percepção da vantagem indevida, segundo compreendo, é a
autonomia dos atos de lavagem o aspecto relevante para o
efeito de se constatar a ocorrência dos dois crimes (lavagem e
corrupção) ou se apenas do crime de corrupção passiva.
A autonomia dos atos constata-se a partir da autonomia
dos desígnios. Se o desígnio for exclusivamente o de receber a
vantagem e a utilização de um terceiro servir apenas para
propiciar a percepção da vantagem tem-se unicamente o crime
de corrupção. Todavia, se houver desígnios distintos, um
voltado à percepção da vantagem e outro à ocultação da
origem criminosa mediante o distanciamento do agente do
produto do crime, compreendo presentes ambas as figuras
delitivas.” (grifei)

Vale destacar que igual orientação é perfilhada por CARLA


VERÍSSIMO DE CARLI, “Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle
Penal”, p. 204/208, item 5.3, 2ª ed., 2013, Verbo Jurídico):

“O delito de lavagem de dinheiro pode ser praticado em


concurso com outros crimes, respondendo o agente pelos atos ou
omissões que praticar em concurso, sempre que violados diversos
bens jurídicos.
…..................................................................................................
O concurso de crimes ocorrerá sempre que o agente,
mediante uma ou mais condutas, violar mais de um bem jurídico.
Em se tratando de delito de lavagem de ativos, mormente
quando praticado no contexto de organização criminosa, não é
incomum que, de forma simultânea, os agentes incorram em
mais de um tipo penal.” (grifei)

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Daí a observação feita pelo eminente Ministro EDSON FACHIN, em


seu douto voto na presente ação penal, no sentido de que:

“Com tal desiderato, plenamente é viável que o agente


corrompido negocie com o seu corruptor que o adimplemento
da vantagem indevida se dê mediante a prática de ato
aparentemente lícito, como é o caso de uma doação eleitoral
oficial, hipótese na qual, de forma induvidosa, estaria
configurado o crime de lavagem de capitais, diante da flagrante
inexistência da predisposição do particular em efetuar a liberalidade.
Em situações como estas, mostra-se inegável que o agente
corrompido terá a livre disponibilidade da vantagem indevida
negociada, proporcionada pela chancela da Justiça Eleitoral,
caso atendidos os requisitos e limites legais aplicáveis, para
aplicação em gastos de sua campanha, tornando desnecessário
recorrer ao autofinanciamento ou à obtenção de outros
recursos.” (grifei)

Feitos esses registros, reputo comprovada pelo Ministério Público a


prática do crime de lavagem de dinheiro pelo réu Nelson Meurer mediante a
utilização de doações eleitorais oficiais para o recebimento de vantagens
indevidas no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), em duas
parcelas de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), cada,
efetuadas em 26/08/2010 e em 10/09/2010.

Há farta prova de materialidade e autoria nos autos. A começar


pelos depoimentos de Alberto Youssef que relatou, expressamente, a
utilização de doações eleitorais como forma de repassar vantagens
indevidas ao acusado, bem assim que essa maneira de disponibilização
de propina teria partido das tratativas com Othon Zanoide de Moraes,
Diretor da Construtora Queiroz Galvão, como meio de dissimulação da
origem criminosa do dinheiro ilícito remetido (fls. 397/400):

“MINISTÉRIO PÚBLICO – (…) O senhor falou que foram


várias formas de repasse.

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COLABORADOR – Várias formas. Teve doação oficial,


teve valores em espécie, teve valores entregues em Brasília, teve
valores entregues em Curitiba.
MINISTÉRIO PÚBLICO – Certo.
Além disso, foram (…) identificadas mensagens de e-mail
para o e-mail que o senhor utilizava, Paulo Goia, que se referem à
cobrança de recibos de doações oficiais da Queiroz Galvão. E um
desses recibos seria referente a uma doação para Nelson Meurer no
valor total de R$ 500.000,00. Eu queria que o senhor explicasse como
é que se deu essa situação aí.
COLABORADOR – A questão da Queiroz foi que eu fui
cobrar a Queiroz e, naquele momento que eu fui cobrar a Queiroz, já
tinha ido várias vezes. (…) E, aí, insistentemente, eu com o Pedro
Corrêa acabamos cobrando, cobrando, cobrando, cobrando, até que
o Paulo Roberto conversou com a diretoria ou com o Idelfonso – salvo
engano –, na época, e disponibilizou sete milhões e meio pra que a
empresa ajudasse na campanha. Eu procurei o Oto na época.
O Oto falou pra mim que ia ver como que ele podia fazer, pra
fazer essas doações, mas que ele não trabalhava na questão de ‘caixa
dois’, e que ele ia ver como ia fazer, mas que, provavelmente,
seria como doação oficial. E assim foi feito, coma doação
oficial. O partido me passou a lista, e eu entreguei.
MINISTÉRIO PÚBLICO – (…) E como é que foi essa questão
do recibo? Ficou faltando o recibo? O senhor entrou em contato?
COLABORADOR – Não, é que, quando a doação foi feita, a
empresa depois precisa do recibo pra prestação de conta. Como fui eu
que tratei diretamente com a empresa, então, ele me cobrou que eu
mandasse os recibos dos parlamentares pra ele. E assim eu fiz, cobrei
o Nelson Meurer, para que o Nelson Meurer mandasse os
recibos pra empresa.” (grifei)

Além disso, Alberto Youssef, no depoimento em juízo, confirmou


que Nelson Meurer tinha plena ciência de que a doação eleitoral
recebida, pela via oficial, era oriunda do débito de propina da empreiteira

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Queiroz Galvão, em razão de seus contratos no âmbito da Diretoria de


Abastecimento da Petrobras (fls. 2.826/2.826v.):

“MINISTÉRIO PÚBLICO – Certo.


Aí, o Nelson Meurer sabia que..., o senhor tem condições
de dizer se ele sabia se os valores eram oriundos desse crédito
de propina da Queiroz Galvão?
COLABORADOR – Sim, ele sabia que esses valores
vinham através do Paulo Roberto Costa, por conta da
diretoria e por conta da prestação de serviço das empresas
perante a Diretoria de Abastecimento.” (grifei)

Como já destaquei, quando da análise dos crimes de corrupção passiva,


restou plenamente comprovado que Nelson Meurer, por fazer parte da
cúpula do Partido Progressista, foi beneficiário direto do esquema de
corrupção manejado por Paulo Roberto Costa, tendo clara ciência da
origem criminosa dos valores realizados, ainda mais, pelo fato de toda a
intermediação do pagamento da vantagem indevida ter sido realizada
por Alberto Youssef e não pelo Partido Progressista ou pelo próprio
candidato.

Somado ao depoimento do colaborador, têm-se diversas provas de


corroboração. Foram juntados, aos autos, e-mails trocados entre Alberto
Youssef e Othon Zanoide de Moraes Filho, então Diretor da Construtora
Queiroz Galvão S.A, em que tratavam do tema pertinente à doação
eleitoral efetuada diretamente ao acusado, além de o empresário Othon
cobrar a emissão de recibos por Nelson Meurer e o agente colaborador,
por sua vez, solicitar os dados da empresa Queiroz Galvão para fazê-los
constar no recibo eleitoral, sendo certo, ainda, que o próprio Youssef
forneceu ao referido Diretor da Queiroz Galvão, Othon Zanoide, o
endereço do parlamentar em questão (fls. 53/59).

Impende ressaltar, ainda, que a acusação e o depoimento do agente


colaborador são corroborados pelos respectivos recibos eleitorais

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preenchidos e assinados pelo parlamentar ora acusado (fls. 560 e 562),


pelos comprovantes de transferência bancária da conta-corrente da
Construtora Queiroz Galvão S.A para a conta-corrente da campanha de
Nelson Meurer (fls. 561 e 563), pelas subsequentes declarações à Justiça
Eleitoral e pelo depoimento de Othon Zanoide de Moraes Filho perante a
autoridade policial, admitindo que tratou das doações eleitorais para o
réu, diretamente, com Alberto Youssef (fls. 399/400):

“QUE o declarante era o responsável, no ano de 2010, por


entregar ao setor financeiro da própria construtora a relação
com os dados dos diretórios, CNPJ e os valores respectivos para
doação; (…) QUE não era responsável por ordenar ao financeiro
doação de outros partidos, mas apenas do PP; (…) QUE ainda em
2009, JANENE apresentou-lhe uma pessoa apenas com a referência de
‘PRIMO’, recentemente tendo conhecimento se tratar de YOUSSEF,
com quem o declarante deveria tratar a partir de então sobre
doações ao PP, e assim foi feito no ano de 2010; (…) QUE acaso
faltasse algum documento para prestação de contas, conforme
informação do financeiro, o declarante pessoalmente ou ao telefone
cobrava; QUE foi isso que ocorreu no e-mail encaminhado pelo
declarante ao ‘PRIMO’ (ALBERTO YOUSSEF) cobrando os recibos
faltantes; QUE não sabe a razão pela qual foi repassado ao
declarante o endereço de NELSON MEURER; QUE reconhece
que doação especificamente a um político e não ao diretório
não era orientação da empresa, mas assim foi solicitado
por YOUSSEF e assim foi feito; QUE não sabe informar as
razões pelas quais YOUSSEF solicitou doações diretamente a
NELSON MEURER.” (grifei)

Registre-se, por relevante, que a Construtora Queiroz Galvão era uma


das empreiteiras envolvidas no cartel existente na Diretoria de Abastecimento
da Petrobras, conforme já demostrado neste voto, além de ter celebrado
contratos fictícios com as empresas de fachada controladas por Alberto
Youssef (fls. 02 – apenso 01), o que reforça a acusação de que o
expediente realizado entre a empresa Queiroz Galvão e Alberto Youssef

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era mesmo um subterfúgio para dissimular o repasse de vantagem


indevida para Nelson Meurer.

Cumpre destacar, de outro lado, que o entendimento exposto por esta


Corte quando do julgamento da AP 470-EI-sextos/MG, Red. p/ o acórdão
Min. ROBERTO BARROSO, em nada beneficia o ora acusado, pois, nele,
acentuou-se, em contexto completamente diverso do que se registra no caso
presente, que o recebimento de vantagem indevida, por intermédio de
interposta pessoa, não se revelava suficiente, só por si, para caracterizar o
crime de lavagem de dinheiro, cuja configuração típica exige a finalidade
de conferir aparência de legitimidade a valores ilicitamente obtidos, a
partir de sua incorporação à economia formal.

No caso em apreço, a situação é diversa, uma vez que, com o ato de


doação eleitoral oficial, buscou-se não só repassar a vantagem indevida, como
também conferir aparência de licitude a valores recebidos e, principalmente,
possibilitar ao agente corrupto a fruição das quantias provenientes de ilícitos
penais por ele criminosamente obtidas.

Essa distinção foi bem esclarecida em voto proferido pelo eminente


Ministro ROBERTO BARROSO no já citado Inq 4.141/DF:

“B. RECEBIMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA VIA


DOAÇÃO ELEITORAL
44. Por sua vez, o pagamento de vantagem indevida por
meio de doações eleitorais configura, a um só tempo, indício da
prática do crime de corrupção passiva, na modalidade ‘receber’,
e do crime de lavagem de dinheiro.
45. É verdade que o recebimento indireto de vantagem
indevida não configura necessariamente o crime de lavagem de
dinheiro, até porque é uma das modalidades do crime de
corrupção passiva. No entanto, no atual estágio do processo
criminal, penso que o fato de receber a vantagem indevida por
meio de doações eleitorais também configura justa causa para

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o recebimento da denúncia quanto ao crime de lavagem de


dinheiro, em especial porque esses valores são apresentados na
Prestação de Contas Eleitoral como de origem lícita, tudo a
indicar possível estratégia para conferir aparência de licitude
ao dinheiro proveniente de infração penal.” (grifei)

É possível verificar, ainda, na presente ação penal, a prática, pelo


réu Nelson Meurer, de atos posteriores à conduta de receber a vantagem
indevida com o propósito de dissimular a origem criminosa das quantias
auferidas, tais como o preenchimento de recibos eleitorais e a declaração de
prestação de contas à Justiça Eleitoral, tornando-se, portanto, evidente a
prática do delito de lavagem de valores.

O aspecto que venho de referir, buscando assinalar o caráter autônomo


do delito de lavagem de dinheiro mediante doações eleitorais em relação
ao crime de corrupção, mereceu adequada análise por parte do eminente
Juiz JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, do E. Tribunal Regional Federal
da 4ª Região, em primoroso voto proferido, como Relator, no julgamento
de apelação interposta em determinado processo (Processo nº 5022179-
-78.2016.404.7000) referente ao ex-Senador GIM ARGELLO:

“5.2.3. Alegação de inexistência de ocultação ou


dissimulação
A defesa de (…) argumenta que a conduta seria atípica, por
inocorrência de ocultação ou dissimulação.
O argumento não merece guarida.
As doações configuraram manifesta dissimulação. Apesar de
formalmente regulares, com a aparência de negócios jurídicos lícitos,
as doações representaram sofisticado subterfúgio encontrado
para viabilizar a dissimulação da natureza dos recursos de
origem criminosa.
A prova dos autos tornou nítido que a real intenção das
empreiteiras e de seus dirigentes não era realizar doações a partidos
políticos ou doação para promover a festa de Pentecostes realizada pela
Paróquia de São Pedro.

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O conjunto probatório deixou claro que os valores


envolvidos nas referidas doações representavam, na verdade, a
contrapartida pela proteção prometida pelo ex-Senador no âmbito das
investigações das CPIs da PETROBRAS.
A questão atinente às doações eleitorais é bastante
peculiar. Uma leitura precipitada do caso poderia levantar a dúvida
se as doações oficiais (chamadas de caixa 1, em contraposição à
chamada caixa 2) configuram lavagem de dinheiro ou seriam
operações lícitas praticadas pelas empresas no âmbito da atividade
política.
É inequívoco que, ao tempo dos fatos (e isto já não é mais
permitido nos dias atuais) eram lícitas de doações por pessoas
jurídicas aos partidos políticos, nos termos do art. 20, da
Lei nº 9504/97, posteriormente alterada pela Lei nº 13.165/2015.
Assim, em regra, as doações eleitorais não eram atividades
proibidas, especialmente quando feitas de forma direta, formal e em
conformidade com a disciplina legal.
Ocorre que este dado não é excludente da ilicitude, ao
revés, pode ser o revelador dela.
Comprar bens, fazer transações comerciais, aplicações
financeiras são modalidades de condutas que, eventualmente, podem
caracterizar o crime de lavagem de dinheiro, quando decorrer da
conversão de ativos ilícitos em lícitos, consoante o disposto no art. 1º,
e seus parágrafos, da Lei nº 9613/98, tanto em sua redação original,
bem como com as modificações introduzidas pela Lei nº 12.683/2012.
Ontologicamente, não há qualquer diferença entre comprar
um imóvel, uma obra de arte, transferir recursos para uma empresa
offshore ou a doação de recursos para partidos políticos ou para uma
igreja, quando estes valores tiverem origem sabidamente ilícita e a
finalidade for a conversão destes ativos (recursos) ilícitos em lícitos.
O que caracteriza a ocorrência do crime de lavagem de
dinheiro é exatamente esta conversão de recursos ilícitos em
lícitos, mediante negócio jurídico com aparente licitude.

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Os ciclos da lavagem de dinheiro se decompõem em três


fases, consoante a explicação do Grupo de Ação Financeira (GAFI):

a) ocultação ou colocação (‘placement stage’);


b) escurecimento ou dissimulação (‘layering stage’);
c) reintegração (‘integration stage’).

Nada obstante haja esta clássica divisão, é consabido que


os fatos não necessariamente se encaixam com perfeição ao modelo,
dado o 'complicado polimorfismo' das condutas, na expressão de
Rodrigo Sanchez Rios (Advocacia e Lavagem de Dinheiro, Série
GVLaw, ed. Saraiva, 2010).
É assente na doutrina e na jurisprudência, todavia, que o
tipo penal, para a sua consumação, não exige a ocorrência das
três fases. É dizer, a mera ocultação primeira fase do ciclo da lavagem
já caracteriza o crime, sendo desnecessárias as etapas de dissimular e
reinserir os ativos na economia formal.
.......................................................................................................
Ficou suficientemente demonstrado que os recorrentes
dissimularam a natureza e disposição de vultosos valores provenientes
do crime de corrupção passiva, em forma de doações eleitorais e doação
para a Paróquia São Pedro, que acabaram sendo reinseridos na
economia formal em atividades de cunho eleitoral, que beneficiaram o
então Senador (...) e a Coligação que dava suporte à sua candidatura.
5.2.4. Alegação de que a lavagem seria mero exaurimento
do delito de corrupção
As defesas argumentam que as doações não poderiam
configurar crime autônomo de lavagem de dinheiro, mas mera fase de
exaurimento do delito de corrupção.
No ponto, a sentença realizou meticulosa fundamentação para
frisar que o presente caso se distingue da hipótese tratada pelo STF na
Ação Penal nº 470, no tocante ao julgamento dos embargos
infringentes que condenou o ex-deputado federal João Paulo Cunha
por corrupção, mas o absolveu por lavagem por entender que o
expediente de ocultação em questão envolvia o recebimento da

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vantagem indevida por pessoa interposta, no caso sua esposa que


sacou em espécie a propina no Banco.
Naquele caso específico, o Pleno do STF entendeu, por
6 votos contra 4 (ausente o então Ministro Joaquim Barbosa), que o
pagamento de propina a pessoa interposta ainda fazia parte do crime
de corrupção e não do de lavagem. Entendo pertinente mencionar,
também, os principais argumentos do entendimento minoritário
exposto naquela oportunidade, que foram assim sintetizados no
Informativo 738 do STF:

‘(…) Vencidos os Ministros Luiz Fux (relator), Cármen


Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que rejeitavam os
embargos. Afirmavam que a utilização de interposta pessoa
para o saque de valores em agência bancária configuraria o
delito de lavagem de dinheiro, pois seria o meio pelo qual a
identidade do verdadeiro destinatário desses bens ficaria em
sigilo. Anotavam que o tipo penal da lavagem de dinheiro não
tutelaria apenas o bem jurídico atingido pelo crime antecedente,
mas também a higidez do sistema econômico-financeiro e a
credibilidade das instituições. Aduziam que a conduta
caracterizada pelo recebimento de vantagem de forma
dissimulada, máxime quando a prática ocorre por meio do
sistema bancário, seria suscetível de censura penal autônoma.
AP 470 EISextos/MG, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o
acórdão Min. Roberto Barroso, 13.3.2014. (AP 470)’

Conforme bem concluiu a sentença, o presente caso é muito


diferente do caso envolvendo o ex-deputado federal João Paulo
Cunha, julgado pelo STF no âmbito da Ação Penal nº 470. Ele
abrange peculiaridades que demandam solução diversa da firmada
pelo STF no precedente em referência.
Em primeiro lugar, reitero o entendimento de que, além
dos próprios crimes de corrupção praticados por (…), também
devem ser considerados como crimes antecedentes os crimes de
cartel e de fraude às licitações narrados na denúncia que fazem parte
do enorme esquema criminoso que vitimou a PETROBRAS.

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Nada obstante, ainda que fosse admitir exclusivamente os


crimes de corrupção passiva praticados pelo réu (…) como sendo os
crimes antecedentes, os subsequentes atos fraudulentos por meio dos
quais se efetivaram as doações são suficientes para caracterizar a
prática autônoma dos crimes de lavagem.
A sentença ressaltou com propriedade que os réus
utilizaram um sofisticado meio para realizar o pagamento da
propina.
Acrescento que não se trata apenas de sofisticação. Os
mecanismos de entrega da propina utilizados pelos réus envolveram
atos concretos subsequentes e independentes ao simples pagamento da
propina, situados em momento posterior à fase de exaurimento dos
crimes de corrupção.
No tocante às doações eleitorais registradas, é imperioso
observar que as transações envolveram a confecção de documentos
oficiais relacionados às eleições de 2014, intitulados de 'Recibo
Eleitoral', assinados por representantes das empreiteiras, elaborados
para serem apresentados perante a Justiça Eleitoral (evento 2, OUT 19
e 32).
A elaboração de tais documentos destinados à Justiça
Eleitoral não guarda qualquer relação com os crimes de corrupção. A
fase de exaurimento de cada um dos crimes de corrupção havia se
encerrado com a transferência bancária de valores aos partidos
políticos.
A confecção de tais documentos e o registro das doações
perante a Justiça Eleitoral foram atos realizados especialmente para
dissimular a natureza dos valores provenientes da corrupção.
Mas além de esconder o real motivo das transações, o
registro perante a Justiça Eleitoral possibilitou a reinserção do
dinheiro na economia formal, em benefício de atos das campanhas do
ex-Senador e da demais candidaturas da sua Coligação nas eleições
de 2014.
.......................................................................................................
Não bastasse a execução dos crimes de lavagem de dinheiro
ter-se estendido por meio de atos subsequentes e independentes
à configuração dos crimes de corrupção, outros dois fundamentos

101

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reforçam a conclusão pela rejeição da tese defensiva: a) houve


desígnios autônomos em relação aos crimes de corrupção e lavagem
de dinheiro; b) os bens jurídicos afetados são diversos.
As circunstâncias permitem a segura constatação de que os
crimes foram praticados por desígnios autônomos.
A solicitação e o pagamento da propina foram realizados na
negociação que visava à blindagem das empreiteiras no âmbito das
investigações das CPIs. As condutas nos crimes de corrupção
afetaram a confiança na Administração Pública e no império da lei.
Por sua vez, a utilização de subterfúgios nas
movimentações de valores teve por finalidade, além de
dissimular a natureza e disposição, propiciar a reutilização do
dinheiro, com aparência de lícito, em (…) atos relacionados à
campanha do ex-Senador. As condutas nos crimes de lavagem de
dinheiro lesaram a higidez do sistema econômico-financeiro, a
administração da justiça e a integridade do sistema eleitoral.
Com efeito, não é necessária prova de um ciclo completo de
lavagem, com colocação (placement), dissimulação ou circulação
(layering) e a integração (integration).
No caso da legislação brasileira, o tipo penal não incorporou
ou fez qualquer referência à segmentação, motivo pelo qual para
a tipificação não tem ela maior importância. A realização de
qualquer das condutas atinentes a qualquer fase, em caso no qual
seja possível a segmentação, é apta a configurar a prática do crime.
O objetivo da criminalização da lavagem foi o de impedir que os
criminosos pudessem fruir do produto de sua atividade.” (grifei)

Em face do exposto, acompanho, neste ponto, o douto voto do eminente


Ministro Relator, para condenar o réu Nelson Meurer pela prática do
crime de lavagem de dinheiro por intermédio de doações eleitorais oficiais
descrito no item 4.3, “b”, da denúncia.

Cabe destacar, finalmente, Senhor Presidente, ainda em relação aos


crimes de lavagem de dinheiro que, assim como concluiu Vossa
Excelência, deve ser afastada, no caso, a incidência da causa especial de
aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/98.

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Segundo a denúncia, referida majorante deveria ser aplicada ao réu


em razão de as condutas de dissimulação e de ocultação de valores
ilicitamente recebidos terem sido praticadas “de forma reiterada e no âmbito
de organização criminosa”.

Entendo que a referência à organização criminosa, para incidência da


citada causa de aumento de pena, não se justifica no caso ora em exame,
considerado o tempo da prática criminosa, vale dizer, em momento que
precedeu a tipificação penal daquela nova entidade delituosa, eis que o tipo
penal concernente ao delito de organização criminosa, inexistente naquele
momento, somente veio a surgir com o advento da Lei nº 12.850,
de 02/08/2013 (art. 1º, § 1º, e art. 2º).

Cabe enfatizar, por relevante, que esse entendimento – por mim


perfilhado nesta Corte (HC 111.021/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO –
RHC 130.738/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) – tem prevalecido em
diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal (AP 470/MG, Rel.
Min. JOAQUIM BARBOSA – ADI 4.414/AL, Rel. Min. LUIZ FUX –
HC 96.007/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 108.715/RJ, Rel. Min.
MARCO AURÉLIO – RHC 124.082/RJ, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.):

“RECURSO ORDINÁRIO EM ’HABEAS CORPUS’ –


LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA –
INFRAÇÃO PENAL ANTECEDENTE – QUADRILHA
(ATUALMENTE DESIGNADA ‘ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA’) –
CONDUTAS PRATICADAS ENTRE 1998 E 1999, MOMENTO
QUE PRECEDEU A EDIÇÃO DA LEI Nº 12.683/2012 E DA
LEI Nº 12.850/2013 – IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL
DE SUPRIR-SE A AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO DO DELITO
DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, COMO INFRAÇÃO PENAL
ANTECEDENTE, PELA INVOCAÇÃO DA CONVENÇÃO DE
PALERMO – INCIDÊNCIA, NO CASO, DO POSTULADO DA
RESERVA CONSTITUCIONAL ABSOLUTA DE LEI EM

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SENTIDO FORMAL (CF, art. 5º, inciso XXXIX) – DOUTRINA –


PRECEDENTES – INADMISSIBILIDADE, DE OUTRO LADO,
DE CONSIDERAR-SE O CRIME DE FORMAÇÃO DE
QUADRILHA COMO EQUIPARÁVEL AO DELITO DE
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PARA EFEITO DE REPRESSÃO
ESTATAL AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
COMETIDO ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº 12.683/2012
E DA LEI Nº 12.850/2013 – RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO.
– Em matéria penal, prevalece o dogma da reserva
constitucional de lei em sentido formal, pois a Constituição da
República somente admite a lei interna como única fonte formal e
direta de regras de direito penal, a significar, portanto, que as
cláusulas de tipificação e de cominação penais, para efeito de
repressão estatal, subsumem-se ao âmbito das normas domésticas
de direito penal incriminador, regendo-se, em consequência, pelo
postulado da reserva de Parlamento. Doutrina. Precedentes (STF).
– As convenções internacionais, como a Convenção de
Palermo, não se qualificam, constitucionalmente, como fonte
formal direta legitimadora da regulação normativa concernente à
tipificação de crimes e à cominação de sanções penais.”
(RHC 121.835-AgR/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Constata-se, desse modo, que, analisada a imputação deduzida


contra o acusado, sob a perspectiva de que a conduta teria sido praticada
“por intermédio de organização criminosa”, mostra-se indevida a aplicação
da causa especial de aumento de pena precisamente em razão de
inexistir definição jurídica de organização criminosa à época em que
ocorreram os fatos.

Nem se diga que a ausência de lei formal definidora do delito de


organização criminosa seria suprível pela invocação da Convenção de
Palermo para efeito de configurar, no plano da tipicidade penal, a existência
do delito de organização criminosa à época dos fatos.

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Cumpre ter presente, sempre, que, em matéria penal, prevalece o


postulado da reserva constitucional de lei em sentido formal, pois – não é
demasiado enfatizar – a Constituição da República somente admite a lei
interna como única fonte formal e direta de regras de direito penal.

Esse princípio, além de consagrado em nosso ordenamento positivo


(CF, art. 5º, XXXIX), também encontra expresso reconhecimento na
Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 9º) e no Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 15), que
representam atos de direito internacional público a que o Brasil efetivamente
aderiu.

Mostra-se constitucionalmente relevante, portanto, como adverte a


doutrina (LUIZ FLÁVIO GOMES/VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI,
“Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos”,
vol. 4/122, 2008, RT), o entendimento segundo o qual, “no âmbito do
Direito Penal incriminador, o que vale é o princípio da reserva legal, ou seja,
só o Parlamento, exclusivamente, pode aprovar crimes e penas. Dentre as
garantias que emanam do princípio da legalidade, acham-se a reserva legal
(só o Parlamento pode legislar sobre o Direito Penal incriminador) e a
anterioridade (‘lex populi’ e ‘lex praevia’, respectivamente). Lei não aprovada
pelo Parlamento não é válida (…)” (grifei).

Não se pode também desconhecer, considerado o princípio


constitucional da reserva absoluta de lei formal, que as cláusulas de
tipificação e de cominação penais, como a própria formulação conceitual de
“organização criminosa”, para efeito de repressão estatal, subsumem-se ao
âmbito das normas domésticas de direito penal incriminador, regendo-se,
em consequência, pelo postulado da reserva de Parlamento, como adverte
autorizado magistério doutrinário (FERNANDO GALVÃO, “Direito
Penal – Curso Completo – Parte Geral”, p. 880/881, item n. 1, 2ª ed., 2007,
Del Rey; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”,
vol. 1/718, item n. 1, 27ª ed., 2003, Saraiva; CELSO DELMANTO,

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ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M.


DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 315, 7ª ed.,
2007, Renovar; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Tratado de Direito
Penal”, vol. 1/772, item n. 1, 14ª ed., 2009, Saraiva; ROGÉRIO GRECO,
“Código Penal Comentado”, p. 205, 2ª ed., 2009, Impetus; ANDRÉ
ESTEFAM, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/461, item n. 1.3, 2010,
Saraiva; LUIZ REGIS PRADO, “Comentário ao Código Penal”, p. 375,
item n. 2, 4ª ed., 2007, RT, v.g.).

Isso significa, pois, que somente lei interna (e não convenção


internacional, como a Convenção de Palermo) pode qualificar-se,
constitucionalmente, como a única fonte formal direta legitimadora da
regulação normativa concernente à tipificação ou à conceituação de
organização criminosa.

É por tal motivo que o magistério doutrinário, atento à significativa


importância do tipo penal e à função constitucional de garantia que lhe é inerente
(RTJ 177/485-486, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), adverte não se
aplicar ao crime de lavagem de dinheiro, presente o contexto normativo vigente
em momento que precedeu a vigência da Lei nº 12.850/2012, a causa de
aumento de pena prevista no § 4º do art. 1º da Lei nº 9.613/98, quando tiver
sido cometido por intermédio de organização criminosa. Nesse sentido,
a lição de GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOLO CRUZ
BOTTINI, (“Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais”,
p. 212/216, item 6.2.2, 3ª ed., 2016, RT), para os quais “apenas para os crimes
de lavagem de dinheiro praticados a partir de 16.09.2013 é possível aplicar
a causa de aumento de pena em questão” (grifei).

É de registrar-se, ainda, que esse mesmo entendimento tem sido


acolhido pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

“PENAL E PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’.


(…) 5. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO. ART. 1º, § 4º,
DA LEI N. 9.613/1998. CRIME PRATICADO POR

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INTERMÉDIO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. FATOS


ANTERIORES À LEI N. 12.850/2013. AUSÊNCIA DE
TIPIFICAÇÃO LEGAL. 6. ‘HABEAS CORPUS’ NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA
DECOTAR A CAUSA DE AUMENTO DO ART. 1º, § 4º, DA
LEI N. 9.613/1998.
…...................................................................................................
5. A denúncia atribui ao paciente a causa de aumento
trazida no § 4º do art. 1º da Lei n. 9.613/1998, com redação dada
pela Lei n. 12.683/2012, a qual dispõe que ‘a pena será aumentada de
um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de
forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa’.
Contudo, referida causa de aumento não pode incidir, uma
vez que a tipificação da organização criminosa só foi
implementada no ordenamento jurídico pátrio em 2013, por
meio da Lei n. 12.850/2013.
6. ‘Habeas corpus’ não conhecido. Ordem concedida de ofício,
apenas para decotar a causa de aumento prevista no art. 1º,
§ 4º, da Lei n. 9.613/1998.
(HC 336.549/SP, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA
FONSECA – grifei)

“RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL


PENAL. (…) LAVAGEM DE CAPITAIS. (…) ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA. CRIME ANTECEDENTE. INVIABILIDADE.
CONDUTA NÃO TIPIFICADA NA ÉPOCA DOS FATOS.
CAUSA DE AUMENTO. ART. 1º, § 4º, DA LEI N. 9.613/1998.
APLICAÇÃO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. (…).
…...................................................................................................
14. Se o conceito de organização criminosa ainda não
estava tipificado no ordenamento jurídico nacional, também,
mostra-se descabida a majoração do crime de lavagem de
capital, sob o fundamento de que teria sido praticado por
organização criminosa, na forma prevista no art. 1º, § 4º, da
Lei n. 9.613/1998. Ilegalidade flagrante constatada.”
(REsp 1.488.028/SC, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS – grifei)

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Não vislumbro, desse modo, em face dos atos de lavagem de dinheiro


cometidos pelo réu Nelson Meurer, a possibilidade de aplicação da causa
especial de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/98.

3. Conclusão

Diante do exposto, acompanho, integralmente, o douto voto do


eminente Ministro Relator e julgo parcialmente procedente a pretensão
acusatória, para: (a) condenar o réu Nelson Meurer como incurso,
por 31 (trinta e uma) vezes, nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal e,
por 08 (oito) vezes, nas penas do art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98 e
absolvê-lo das demais imputações; (b) condenar Nelson Meurer Júnior,
por 05 (cinco) vezes, pela prática do crime de corrupção passiva majorada,
nos termos do art. 29 do CP, absolvendo-o das demais acusações;
e (c) condenar Cristiano Augusto Meurer, por uma vez, pela prática do
crime do art. 317, § 1º, c/c o art. 29, ambos do CP, e absolvê-lo das demais
acusações.

4. Dosimetria e método trifásico: considerações gerais

Desejo fazer, neste ponto, Senhor Presidente, algumas observações,


que reputo importantes, a respeito da operação de dosimetria penal,
consideradas as diversas implicações legais e constitucionais a ela
concernentes.

Não se desconhece que a imposição da pena privativa de liberdade


supõe a observância, pelo magistrado sentenciante, do critério trifásico
resultante da combinação do art. 59 com o art. 68, ambos do Código Penal, a
significar que, nesse tema, não há margem nem espaço para o arbítrio do
juiz que profere a condenação penal.

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A dosimetria da pena, portanto, há de respeitar, criteriosamente e


com apoio em adequada fundamentação, as diversas fases a que se refere
o art. 68 do Código Penal, não cabendo, para tal efeito, por representar
conduta vulneradora do ordenamento penal, a mera enunciação da
vontade do magistrado, considerada a circunstância de que, na matéria
em causa, mostra-se limitada a discricionariedade judicial, tal como esta
Suprema Corte já teve o ensejo de assinalar:

“– Se é certo, de um lado, que nenhum condenado tem direito


público subjetivo à estipulação da pena-base em seu grau mínimo, não
é menos exato, de outro, que não se mostra lícito, ao magistrado
sentenciante, proceder a uma especial exacerbação da pena-base,
exceto se o fizer em ato decisório adequadamente motivado, que
satisfaça, de modo pleno, a exigência de fundamentação substancial
evidenciadora da necessária relação de proporcionalidade e de
equilíbrio entre a pretensão estatal de máxima punição e o interesse
individual de mínima expiação, tudo em ordem a inibir soluções
arbitrárias ditadas pela só e exclusiva vontade do juiz.
Doutrina. Precedentes.
– A concretização da sanção penal, pelo Estado-Juiz,
impõe que este, sempre, respeite o itinerário lógico-racional,
necessariamente fundado em base empírica idônea, indicado pelos
arts. 59 e 68 do Código Penal, sob pena de o magistrado – que não
observar os parâmetros estipulados em tais preceitos legais – incidir
em comportamento manifestamente arbitrário, e, por se colocar à
margem da lei, apresentar-se totalmente desautorizado pelo
modelo jurídico que rege, em nosso sistema de direito positivo, a
aplicação legítima da resposta penal do Estado.
– A condenação penal há de refletir a absoluta coerência lógico-
-jurídica que deve existir entre a motivação e a parte dispositiva da
decisão, eis que a análise desses elementos – que necessariamente
compõem a estrutura formal da sentença – permitirá concluir, em
cada caso ocorrente, se a sua fundamentação ajusta-se, ou não, de
maneira harmoniosa, à base empírica que lhe deu suporte.

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– A aplicação da pena, em face do sistema normativo


brasileiro, não pode converter-se em instrumento de opressão
judicial nem traduzir exercício arbitrário de poder, eis que o
magistrado sentenciante, em seu processo decisório, está
necessariamente vinculado aos fatores e aos critérios, que, em
matéria de dosimetria penal, limitam-lhe a prerrogativa de definir
a pena aplicável ao condenado.
– Não se revela legítima, por isso mesmo, a operação
judicial de dosimetria penal, quando o magistrado, na sentença, sem
nela revelar a necessária base empírica eventualmente justificadora
de suas conclusões, vem a definir, mediante fixação puramente
arbitrária, a pena-base, exasperando-a de modo evidentemente
excessivo, sem quaisquer outras considerações.”
(HC 101.118/MS, Red. p/ o acórdão Min. CELSO DE
MELLO)

Daí a advertência de SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA e de ALCEU


CORRÊA JÚNIOR (“Pena e Constituição”, p. 184, 1995, RT):

“É de mister que o julgador deixe dito como e porquê chegou


à fixação ou dosagem das penas que impôs na sentença; como e
porquê reduziu certa quantidade de pena e não outra; como e porquê
segue este caminho ou outro distinto. A sentença não é um ato de fé,
mas um documento de convicção racionada e as fases do cálculo de
pena devem ser muito claras para que defesa e Ministério Público
tenham ciência do julgado e possam dele recorrer. O Réu,
especialmente ele, não tem apenas o direito de saber por que é
punido, mas, também, o direito de saber porque lhe foi imposta
esta ou aquela pena.” (grifei)

Esse mesmo entendimento é também perfilhado por GILBERTO


FERREIRA (“Aplicação da Pena”, p. 66, 1995, Forense), para quem se
mostra imprescindível que o magistrado sentenciante deixe muito claro,
na concretização da pena imposta, qual o método, quais os critérios e

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quais as circunstâncias de que se valeu para a determinação final da pena


a ser aplicada ao réu condenado:

“Não se pode perder de vista, todavia, que o juiz, ao


estabelecer a pena-base, deverá esclarecer a quantidade de pena
que utilizou em relação a esta ou àquela circunstância. Não basta
dizer, genericamente, que, levando em consideração tais e tais
circunstâncias, fixou a pena-base em tanto. (…).” (grifei)

Se é certo, de um lado, que nenhum condenado tem direito público


subjetivo à estipulação da pena-base em seu grau mínimo, não é
menos exato, de outro – tal como já advertiu esta Suprema Corte
(HC 71.697/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO) –, que não se mostra lícito
ao magistrado sentenciante proceder a uma especial exacerbação da
pena-base, exceto se o fizer em ato decisório adequadamente motivado,
que satisfaça, de modo pleno, a exigência de fundamentação substancial
evidenciadora da necessária relação de proporcionalidade e de equilíbrio
entre a pretensão estatal de máxima punição e o interesse individual de
mínima expiação (HC 96.590/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), tudo em
ordem a inibir soluções arbitrárias ditadas pela só e exclusiva vontade
do juiz.

Na realidade, a concretização da sanção penal, pelo Estado-Juiz,


impõe que este, sempre, respeite o itinerário lógico-racional,
necessariamente fundado em base empírica idônea, indicado pelos
arts. 59 e 68 do Código Penal, sob pena de o magistrado – que não
observar os parâmetros estipulados em tais preceitos legais – incidir em
comportamento manifestamente arbitrário e, por se colocar à margem da
lei, apresentar-se totalmente desautorizado pelo modelo jurídico que
rege, em nosso sistema de direito positivo, a aplicação legítima da
resposta penal do Estado.

É por isso que o Supremo Tribunal Federal – tendo presente o


magistério da doutrina (INÁCIO DE CARVALHO NETO, “Aplicação da

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Pena”, 2ª ed., 2003, Forense; MIGUEL REALE JÚNIOR, “Instituições de


Direito Penal – Parte Geral”, p. 405/429, itens ns. 5.1 a 5.9, 3ª ed., 2009,
Forense; RENÉ ARIEL DOTTI, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”,
p. 512/516, itens ns. 6 a 17, 2ª ed., 2004, Forense; CEZAR ROBERTO
BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 216/221, 4ª ed., 2007,
Saraiva; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código Penal Comentado”,
p. 381/402, 8ª ed., 2008, RT; ROGÉRIO GRECO, “Código Penal
Comentado”, p. 127/130, 2ª ed., 2009, Impetus) – firmou jurisprudência
(HC 88.261/DF, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.) no sentido de que a
operação de dosimetria penal, longe de constituir um exercício de puro
arbítrio judicial, deve apoiar-se, ao contrário, em fundamentação
juridicamente idônea e que atenda à exigência imposta pelo art. 93, IX,
da Constituição, notadamente se a sentença condenatória houver fixado
a pena em seu máximo legal (HC 87.263/MS, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI) ou em limite muito próximo ao grau máximo
legalmente cominado.

A condenação penal há de refletir a absoluta coerência lógico-


-jurídica que deve existir entre a motivação e a parte dispositiva da
decisão, eis que a análise desses elementos – que necessariamente
compõem a estrutura formal da sentença – permitirá concluir, em cada
caso ocorrente, se a sua fundamentação ajusta-se, ou não, de maneira
harmoniosa, à base empírica que lhe deu suporte.

Impende observar, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo


Tribunal Federal (HC 96.590/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.)
orienta-se no sentido de invalidar aquelas decisões que, destituídas de
explicitação concernente às circunstâncias justificadoras da exasperação
penal, fixam a “sanctio juris” acima do mínimo legal, sem veicularem,
no entanto, em seu texto, a necessária fundamentação provida de
conteúdo lógico-jurídico ou sem guardarem o indispensável vínculo de
pertinência com os dados da realidade que confiram expressão concreta
aos elementos normativos abstratamente previstos nos arts. 59 e 68 do
Código Penal.

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Vê-se, portanto, que, mais do que motivar a exacerbação da pena,


a partir da observância de padrões de racionalidade atributivos de coerência
lógica à decisão condenatória, impõe-se que o ato decisório também
revele fatores concretos cuja realidade objetiva – materializando as
referências meramente abstratas da lei – permita justificar a especial
exasperação do “quantum” penal.

É por esse motivo que esta Suprema Corte, pronunciando-se


sobre esse específico aspecto da questão, já advertiu que “A exigência
de motivação da individualização da pena – hoje, garantia constitucional
do condenado (CF, arts. 5º, XLVI, e 93, IX) – não se satisfaz com a
existência na sentença de frases ou palavras quaisquer, a pretexto de
cumpri-la: a fundamentação há de explicitar a sua base empírica e essa,
de sua vez, há de guardar relação de pertinência, legalmente adequada,
com a exasperação da sanção penal, que visou a justificar” (RTJ 143/600,
Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

É por isso, Senhor Presidente, que o magistrado sentenciante deve


descrever, de maneira racionalmente adequada – e de modo plenamente
ajustado à realidade objetiva dos fatos constantes do processo penal de
conhecimento –, o “itinerário lógico que conduziu o juiz às
conclusões inseridas na parte dispositiva de sua manifestação sentencial”
(RTJ 143/600, 604, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

A aplicação da pena em bases objetivamente mais graves reveste-se


de legitimidade jurídica, sempre que, no momento de sua imposição,
indiquem-se os motivos, as circunstâncias e os elementos que permitem
ao juiz definir, com maior rigor, o “status poenalis” do sentenciado.

Nesse contexto, assume indiscutível relevo a exigência de motivação


do ato sentencial, em ordem a impor ao magistrado que o profere o dever
jurídico de justificar a operação que materializa o processo de dosimetria
penal.

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Cabe insistir, neste ponto, consideradas as razões precedentemente


expostas, que a aplicação da pena, em face do sistema normativo
brasileiro, não pode converter-se em instrumento de opressão judicial
nem traduzir exercício arbitrário de poder, eis que o magistrado
sentenciante, em seu processo decisório, está necessariamente vinculado
aos fatores e aos critérios que, em matéria de dosimetria penal,
limitam-lhe a prerrogativa de definir a pena aplicável ao condenado.

Não se mostra legítima, por isso mesmo, a operação judicial de


dosimetria penal, quando o magistrado, na sentença, sem nela revelar a
necessária base empírica eventualmente justificadora de suas conclusões,
vem a definir, mediante fixação puramente arbitrária, a pena-base,
exasperando-a de modo evidentemente excessivo, sem quaisquer outras
considerações.

Não se pode perder de perspectiva, em suma, que, em tema de


dosimetria penal, reputa-se destituída de fundamentação a sentença
condenatória que se abstém de descrever, de maneira racionalmente
adequada, o itinerário lógico percorrido pelo juiz na definição da
“sanctio juris”, pois cumpre ao magistrado indicar, no ato de imposição
da pena, as razões que, fundadas em dados da realidade constantes
do processo de conhecimento, conferem expressão concreta aos
elementos normativos abstratamente previstos nos arts. 59 e 68 do
Código Penal.

De outro lado, no que concerne à aplicação da regra do crime


continuado, penso que se reveste de inteira pertinência o voto que, por mim
proferido, em 25/10/2012, no julgamento da AP 470/MG, propôs,
consideradas as divergências registradas a propósito do art. 71 do CP,
a adoção, por esta Corte, de critério objetivo que tem sido utilizado pelos
Tribunais em geral, além de legitimado por autores eminentes.

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Esse critério objetivo, que se ajusta ao próprio espírito da regra legal


em questão e que se mostra compatível com a finalidade benigna subjacente
ao instituto do delito continuado, que representa abrandamento do rigor
decorrente da cláusula do cúmulo material, apoia-se na relação entre
o número de infrações delituosas e as correspondentes frações de acréscimo penal,
como abaixo indicado:

NÚMERO DE INFRAÇÕES FRAÇÃO DE ACRÉSCIMO

02 Um sexto (1/6)
03 Um quinto (1/5)
04 Um quarto (1/4)
05 Um terço (1/3)
06 Metade (1/2)
Mais de 06 Dois terços (2/3)

Esses parâmetros – que levam em consideração o número de infrações


penais cometidas – têm sido utilizados pelo Supremo Tribunal Federal
(HC 75.088/PR, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – HC 76.550/SP, Rel. Min.
SYDNEY SANCHES – HC 83.632/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA –
HC 95.415/RJ, Rel. Min. EROS GRAU – HC 117.719/RN, Rel. Min. TEORI
ZAVASCKI – RHC 85.923/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.) e, também,
por outros Tribunais, valendo destacar julgamentos, nesse sentido,
emanados do E. Superior Tribunal de Justiça:

“Para o aumento da pena pela continuidade delitiva


dentro do intervalo de 1/6 a 2/3, previsto no art. 71 do CPB, deve-se
adotar o critério da quantidade de infrações praticadas. Assim,
aplica-se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para
3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para
6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais Infrações.”
(REsp 1.071.166/RJ, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, Quinta Turma, DJe 13/10/2009 – grifei)

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Essa orientação tem prevalecido na jurisprudência dessa Alta Corte


de Justiça (HC 97.181/GO, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA –
HC 128.297/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER – HC 140.950/SP, Rel. Min.
GILSON DIPP – HC 141.884/RS, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR –
HC 153.641/RJ, Rel. Min. JORGE MUSSI, v.g.).

Também outros Tribunais têm adotado esse mesmo critério


(RT 683/345-347 – RT 731/587-588 – JTACrimSP 89/218, v.g.).

Essa orientação, por sua vez, é recomendada, dentre outros


eminentes autores (PAULO JOSÉ DA COSTA JR., “Código Penal
Comentado”, p. 245, 8ª ed., 2005, DPJ Editora; CLEBER MASSON,
“Código Penal Comentado”, p. 445, 4ª ed., 2016, Método; PAULO CÉSAR
BUSATO, “Direito Penal: Parte Geral”, p. 933, item 6.3, 2013, Atlas;
ROGÉRIO GRECO, “Código Penal Comentado”, p. 248, 12ª ed., 2018,
Impetus; ALBERTO SILVA FRANCO, “Código Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial”, vol. 01, p. 1.319/1.320, item 9.01, 2001, RT; MOHAMED
AMARO, “Código Penal na Expressão dos Tribunais”, p. 406; p. 31,
2007, Saraiva; SÉRGIO MAZINA MARTINS, “Unificação de Penas pela
Continuidade Delitiva”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais,
vol. 18/1997, p. 237/279, Abr-Jun, 1997, v.g.), também por JULIO
FABBRINI MIRABETE e RENATO N. FABBRINI (“Manual de Direito
Penal”, vol. I/307, item 7.6.4, 26ª ed., Atlas):

“Para o crime continuado foi adotado o sistema da


exasperação, aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticos
(crime continuado homogêneo), ou a do mais grave, se da mesma
espécie, mas diversos (crime continuado heterogêneo), sempre
aumentada de um sexto a dois terços. Para a dosagem do
aumento deve-se levar em conta, principalmente, o número de
infrações praticadas pelo agente. Tem-se recomendado como
parâmetros aumento de um sexto para duas infrações; de um
quinto para três; de um quarto para quatro; de um terço para cinco;
de metade para seis; de dois terços para sete ou mais ilícitos.”
(grifei)

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Assentadas essas premissas teóricas que venho de expor, passo a


examinar, no caso concreto, a dosimetria penal a ser aplicada aos réus.

5. Condenação dos réus e dosimetria das penas a eles impostas

Estou de inteiro acordo, Senhor Presidente, com a operação de


dosimetria penal procedida por Vossa Excelência, que corretamente
observou, na quantificação das sanções penais, as diversas etapas que
compõem o método trifásico adotado pelo Código Penal brasileiro (art. 68),
identificando, no exame das circunstâncias judiciais a que alude o art. 59
do Código Penal, com plena e pertinente fundamentação, a existência de
fatores negativos, como, p. ex., a acentuada culpabilidade e as censuráveis
circunstâncias em que foram praticados, pelo réu Nelson Meurer, os
crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, cujas
consequências negativas, em relação ao delito de branqueamento de capitais,
ultrapassam o juízo de reprovabilidade ínsito ao próprio tipo penal em
questão, valorando-os de modo adequado e proporcional à gravidade da
conduta punível em que incidiu esse mesmo acusado, e, no que concerne
ao delito de corrupção passiva, tenho por inteiramente acertada a
operação de dosimetria penal relativa aos demais corréus.

Inexistiu, portanto, segundo penso, qualquer incongruência jurídica ou


interpretação arbitrária dos fatores subjacentes à exacerbação das penas-
-base de todos os litisconsortes penais passivos. Também não vislumbro
qualquer inconsistência sistêmica na concreta aplicação das sanções penais
impostas aos réus em razão de seus comportamentos delituosos.

Atento às considerações que venho de fazer, Senhor Presidente,


reafirmo minha integral concordância com a individualização das penas
impostas por Vossa Excelência aos réus, por entender legítimos os

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critérios que informam o seu douto voto, no qual vislumbro adequada


resposta jurídica do Estado à prática dos graves delitos de corrupção passiva
e de lavagem de capitais objeto da presente causa penal.

Desse modo, e na linha da parte dispositiva que compõe o seu douto


voto, cujo teor integralmente acolho, pronuncio-me, resumidamente, nos
seguintes termos:

5.1. Nelson Meurer

a) Corrupção passiva

Em razão da prática, pelo Deputado Federal Nelson Meurer, do


crime de corrupção passiva (CP, art. 317, “caput” c/c § 1º), por 23 (vinte e três)
vezes (já excluídas as infrações penais atingidas pela prescrição), fixo-lhe,
nos termos do art. 71 do Código Penal (crime continuado), a pena de
07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e o pagamento
de 76 (setenta e seis) dias-multa.

b) Lavagem de dinheiro

Tendo o réu Nelson Meurer incorrido, por 05 (cinco) vezes


(descontados os fatos atingidos pela prescrição), na prática do crime de
lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98, art. 1º, “caput”), em continuidade
delitiva (CP, art. 71, “caput”), fixo-lhe a pena de 06 (seis) anos de reclusão
e o pagamento de 46 (quarenta e seis) dias-multa.

c) Total da reprimenda

Reconheço a existência de concurso material (CP, art. 69, “caput”)


entre os crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro acima
referidos, razão pela qual fixo a pena definitiva do réu Nelson Meurer em

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13 (treze) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e o


pagamento de 122 (cento e vinte e dois) dias-multa. Tendo em vista a
boa condição financeira do réu, que é Deputado Federal há mais de duas
décadas, arbitro o valor de cada dia-multa no montante de 03 (três)
salários-mínimos, considerado o valor do salário-mínimo vigente à época
do fato, que deve ser corrigido monetariamente até a data do efetivo
pagamento (CP, art. 49, §§ 1º e 2º).

Estabeleço o regime fechado para o início do cumprimento da pena


privativa de liberdade, em obséquio ao comando disposto no art. 33, § 2º,
“a”, do Código Penal.

Ausentes os requisitos objetivos dispostos nos arts. 44 e 77 do


Código Penal, haja vista o “quantum” da pena prisional ora imposta ao
réu, não se há falar em substituição da privação da liberdade por pena
restritiva de direitos, tampouco na suspensão condicional da pena.

5.2. Nelson Meurer Júnior

Tendo o réu Nelson Meurer Júnior sido condenado, no item 3, como


incurso, por 03 (três) vezes (já excluídas as infrações penais atingidas pela
prescrição), nas sanções descritas no preceito secundário do art. 317,
“caput”, e § 1º, do Código Penal, fixo a sua pena definitiva em 04 (quatro)
anos, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e o pagamento de 31
(trinta e um) dias-multa.

À vista da condição financeira desse réu, que aufere renda mensal


aproximada de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) (fls. 2.586), arbitro o valor
de cada dia-multa no montante de 02 (dois) salários-mínimos,
considerado o valor do salário-mínimo vigente à época do fato, que deve
ser corrigido monetariamente até a data do efetivo pagamento (CP, art. 49,
§§ 1º e 2º).

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Estabeleço o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena


privativa de liberdade, em obséquio ao comando disposto no art. 33, § 2º,
“b”, do Código Penal.

Ausentes os requisitos objetivos dispostos nos arts. 44 e 77 do


Código Penal, haja vista o “quantum” da pena prisional ora imposta ao
réu, não se há falar em substituição da privação da liberdade por pena
restritiva de direitos, tampouco na suspensão condicional da pena.

5.3. Cristiano Augusto Meurer

Considerando que o réu Cristiano Augusto Meurer foi condenado


pela prática, por uma única vez, do crime de corrupção passiva majorada
(CP, art. 317, “caput”, c/c § 1º), fixo-lhe a pena definitiva em 03 (três) anos
e 04 (quatro) meses de reclusão e o pagamento de 20 (vinte) dias-multa.

Ocorre, no entanto, que, tendo sido fixada pena privativa de


liberdade em patamar inferior ao limite de 04 (quatro) anos, incide, no
caso, a cláusula inscrita no inciso IV do art. 109 do Código Penal,
extinguindo-se, bem por isso, no prazo máximo de 08 (oito) anos, a
pretensão punitiva do Estado.

Desse modo, uma vez que o fato criminoso foi praticado em


05/6/2008 e o marco interruptivo prescricional operou-se, tão somente, com
o juízo de admissibilidade da peça acusatória (CP, art. 117, I), em
21/6/2016 (fls. 1.841), julgo extinta, em obediência ao comando do
art. 107, IV, do Código Penal, a punibilidade de Cristiano Augusto
Meurer.

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6. Outros efeitos, penais e extrapenais, resultantes das condenações


impostas aos denunciados

a) Dano Material

Tenho para mim que se revela processualmente viável o pedido


formulado pela douta Procuradoria-Geral da República de fixação de
valor mínimo para reparação civil “ex delicto”, a que se refere o art. 387,
inciso IV, do Código de Processo Penal, considerados, para tanto, os
prejuízos sofridos pela empresa ofendida, Petróleo Brasileiro S.A. –
Petrobras.

Desse modo, manifesto-me de pleno acordo com o valor mínimo de


R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) fixado pelo eminente Ministro
Relator a título de reparação dos danos materiais, consideradas as
quantias que restaram comprovadas como recebidas, direta ou
indiretamente, por Nelson Meurer, razão pela qual, definido o valor
mínimo acima mencionado, deverá ser ele adimplido, como determinado
pelo eminente Relator, “de forma solidária pelos condenados”, quantia essa
que deverá ser corrigida monetariamente “a partir da proclamação do
julgamento”, acrescida “de juros de mora a partir do trânsito em julgado”.

b) Dano moral coletivo

Cabe destacar, ainda, que o Ministério Público na peça acusatória


requereu, também, a condenação dos réus à reparação dos danos morais
coletivos.

Tenho por legítima, neste ponto, a condenação ora decretada pelo


eminente Relator, especialmente se se considerarem a natureza e a
finalidade resultantes do reconhecimento de que se revestem os danos

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morais coletivos cuja metaindividualidade, caracterizada por sua índole


difusa, atinge, de modo subjetivamente indeterminado, uma gama extensa de
pessoas, de grupos e de instituições, o que justifica a sua imposição e a
quantificação preconizada por Vossa Excelência, Senhor Presidente.

c) Perda de bens e Interdição para o exercício de cargo ou função pública

Trata-se de medidas autorizadas pelo ordenamento positivo


(Lei nº 9.613/98, art. 7º, incisos I e II), que incidem sobre réu condenado
pelo delito de lavagem de dinheiro ou de valores, como sucede, no caso,
com o Deputado Federal Nelson Meurer.

d) Perda do mandato parlamentar

Parece-me importante destacar, no ponto, Senhor Presidente, um


dado muito relevante: todas as Constituições do Brasil, sem exceção, desde
a Carta Imperial até a vigente Lei Fundamental, sempre atribuíram à
condenação criminal transitada em julgado a privação da cidadania.

É por isso que JOSÉ ANTONIO PIMENTA BUENO, o Marquês de São


Vicente, em sua clássica obra sobre a Carta Política do Império do Brasil
(“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”),
destacava que “seria inconsequente combinar o cumprimento da pena com a
intervenção do réu no regime político da sociedade”, pois “Os que não têm o
direito de votar, ou, por outra, os que não gozam de direitos políticos, certamente
não podem ter um direito ainda maior, como é o de ser membro de alguma
autoridade eletiva nacional ou local, ou de intervir na nomeação dela”.

E não é por outra razão que a própria Constituição da República hoje


em vigor define o pleno exercício dos direitos políticos como inafastável
condição de elegibilidade. É o que diz o artigo 14, § 3º, inciso II, da
Constituição.

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É importante assinalar, Senhor Presidente, a extrema relevância


desse aspecto, de inegável extração constitucional, que identifica, na
condenação criminal transitada em julgado, uma causa geradora da
suspensão dos direitos políticos. Isso constitui fato extintivo do próprio
mandato parlamentar, por efeito direto e imediato da incidência da regra
inscrita no art. 15, III, c/c o art. 55, VI, da Constituição.

Assim, Senhor Presidente, evitar-se-ia a consumação de uma


situação juridicamente esdrúxula, moralmente inaceitável e politicamente lesiva
aos valores constitucionais, causadora de grave perplexidade social, pois não
tem sentido algum permitir-se que peculatários, corruptores, corruptos,
integrantes de organizações criminosas e agentes manchados pela tisna da
venalidade, desde que condenados criminalmente por decisão transitada
em julgado, continuem a exercer, aos olhos de uma Nação justamente
estarrecida e indignada, o mandato parlamentar cuja respeitabilidade por
eles foi ultrajada e conspurcada.

Devo observar, no entanto, Senhor Presidente, que a jurisprudência


que tem prevalecido, nesse tema, no Supremo Tribunal Federal orienta-se
no sentido de fazer incidir, nos casos de condenação de congressista à
pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime inicial fechado,
como ocorre na espécie, a cláusula inscrita no art. 55, III, da Constituição,
em contexto que torna aplicável ao caso em exame a norma
consubstanciada no art. 55, § 3º, da Lei Fundamental, em ordem a
reconhecer que a perda do mandato parlamentar, por extinção, em
situação como a ora em análise, traduz consequência direta e imediata da
condenação penal transitada em julgado, cabendo à Mesa da Casa
legislativa competente proceder nos termos do já referido art. 55, § 3º, de
nossa Carta Política, declarando extinto o mandato legislativo do
congressista assim condenado.

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 364 de 486 3776


AP 996 / DF

Essa orientação, como ressaltado, tem o beneplácito da colenda


Primeira Turma desta Suprema Corte, como se vê, p. ex., de julgamentos
por ela proferidos (AP 863/SP, Rel. Min. EDSON FACHIN):

“7. Perda do mandato parlamentar: É da competência das


Casas Legislativas decidir sobre a perda do mandato do
Congressista condenado criminalmente (artigo 55, VI e § 2º, da
CF). Regra excepcionada – adoção, no ponto, da tese proposta
pelo eminente revisor, Ministro Luís Roberto Barroso –, quando a
condenação impõe o cumprimento de pena em regime fechado, e
não viável o trabalho externo diante da impossibilidade de
cumprimento da fração mínima de 1/6 da pena para a obtenção do
benefício durante o mandato e antes de consumada a ausência do
Congressista a 1/3 das sessões ordinárias da Casa Legislativa da qual
faça parte. Hipótese de perda automática do mandato,
cumprindo à Mesa da Câmara dos Deputados declará-la, em
conformidade com o artigo 55, III, § 3º, da CF. Precedente: MC no
MS 32.326/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, 02.9.2013.
8. Suspensão dos direitos políticos do condenado quando
do trânsito em julgado da condenação (art. 15, III, da CF).”
(AP 694/MT, Rel. Min. ROSA WEBER – grifei)

Nesse sentido, portanto, é o meu voto.

___________________________

124

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Extrato de Ata - 22/05/2018

Inteiro Teor do Acórdão - Página 365 de 486 3777

SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

AÇÃO PENAL 996


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REVISOR : MIN. CELSO DE MELLO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
ASSIST.(S) : PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
ADV.(A/S) : TALES DAVID MACEDO (20227/DF) E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA (50393/DF)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER JÚNIOR
ADV.(A/S) : MARINA DE ALMEIDA VIANA (52204/DF)
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO (30789/DF)
ADV.(A/S) : PRISCILA NEVES MENDES (44051/DF)
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)
RÉU(É)(S) : CRISTIANO AUGUSTO MEURER
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO (30789/DF)
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA (50393/DF)
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)

Decisão: Após o voto do Relator, que rejeitava todas as


preliminares e, de consequência, julgava prejudicados os agravos
regimentais respectivos, no que foi acompanhado integralmente pelo
Ministro Celso de Mello, Revisor, foi suspenso o julgamento cuja
retomada se dará ao início da próxima sessão do dia 22 de maio
corrente, com a colheita dos demais votos. Falaram: pelo
Ministério Público Federal, a Dra. Cláudia Sampaio Marques; pelo
assistente Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS, o Dr. André
Tostes; pelo réu Nelson Meurer, o Dr. Alexandre Jobim; e, por
Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer, o Dr. Michel
Saliba Oliveira. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias
Toffoli. Presidência do Ministro Edson Fachin. 2ª Turma,
15.5.2018.

Decisão: Colhidos os votos dos Ministros Dias Toffoli, Ricardo


Lewandowski e Gilmar Mendes, a Turma, por unanimidade, rejeitou as
preliminares. Quanto ao mérito, após o voto do Relator, que
julgava procedente em parte a denúncia para condenar o réu Nelson
Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º do Código Penal,
por trinta e uma vezes, bem como nas sanções do art. 1º, caput, da
Lei nº 9.613/98, por oito vezes, absolvendo-o das demais
acusações, e ainda, por condenar o réu Nelson Meurer Júnior como
incurso nas sanções do art. 317, § 1º do Código Penal por cinco
vezes na forma do artigo 29 do mesmo diploma legal, absolvendo-o
das demais acusações, e para condenar o réu Cristiano Augusto

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Extrato de Ata - 22/05/2018

Inteiro Teor do Acórdão - Página 366 de 486 3778

Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º do Código Penal


por uma vez, na forma do artigo 29 do mesmo diploma legal, também
o absolvendo das demais acusações, no que foi acompanhado
integralmente pelo Ministro Revisor, foi suspenso o julgamento que
será retomado na próxima sessão. Presidência do Ministro Edson
Fachin. 2ª Turma, 22.5.2018.

Presidência do Senhor Ministro Edson Fachin. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes,
Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio


Marques.

Marília Montenegro
Secretária Substituta

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 367 de 486 3779

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Louvo os eminentes Ministros Relator e Revisor por seus exaustivos
votos, que apreciaram com singular acuidade todas as questões postas em
debate.
Suas Excelências, com absoluta exação, procederam aos
decotamentos necessários na pretensão acusatória do Ministério Público
Federal, razão por que os acompanho em quase toda a extensão de seus
minuciosos votos.
Ouso, contudo, divergir em parte de Suas Excelências, para o fim de
estender o juízo absolutório às imputações decorrentes da doação
eleitoral oficial feita ao acusado Nelson Meurer.
A denúncia imputa ao parlamentar federal o que denominou de
“recebimento extraordinário de vantagens indevidas obtidas no âmbito
da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A”, que consistiria, como
destacado pelo Relator, no

“recebimento de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais)


de Paulo Roberto Costa, via Alberto Youssef, correspondente a
pagamento extraordinário de vantagem indevida a partir do
caixa de propinas da Diretoria de Abastecimento da Petrobras
S/A, valores que foram destinados à campanha para a Câmara
dos Deputados nas eleições do ano de 2010.
A referida quantia teria sido disponibilizada ao
parlamentar denunciado mediante entrega de valores em
espécie, parte por intermédio de emissários de Alberto Youssef,
parte por meio de doação eleitoral oficial” (grifei).

O eminente Relator, no tocante aos pagamentos extraordinários


realizados em espécie (item 2.1.3 do voto), concluiu não haver elementos
suficientes de corroboração do depoimento do “emissário de Alberto

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 368 de 486 3780


AP 996 / DF

Youssef, Carlos Alexandre de Souza Rocha, também conhecido por


Ceará”.
Sua Excelência, todavia, comungou de entendimento diverso quanto
“à doação eleitoral realizada pela sociedade empresária Queiroz Galvão
em favor da campanha de Nelson Meurer nas eleições do ano de 2010”,
concluindo pela tipificação do crime de corrupção passiva, ao
fundamento de que

“(...) a doação eleitoral em tela foi utilizada como


estratégia para camuflar a real intenção das partes, que não era
outra senão pagar e receber vantagem patrimonial indevida
em decorrência da manutenção do esquema de contratação das
empresas cartelizadas no âmbito da Diretoria de Abastecimento
da Petrobras S/A, tratando-se de nítido negócio simulado”
(grifei).

Mais: ao ver do Relator, essa doação eleitoral oficial, no valor de R$


500.000,00, fracionada em dois pagamentos, a par de constituir crime de
corrupção passiva, também tipificou o crime de lavagem de capitais,
“delito por meio do qual o agente, em razão da vantagem indevida obtida
como produto de prática ilícita anterior, busca dar-lhe ares de licitude
para viabilizar a sua fruição a par de qualquer embaraço legal” (vide item
2.2.3 do voto de Sua Excelência).
De acordo com o Ministro Edson Fachin,

“[c]om tal desiderato, é plenamente viável que o agente


corrompido negocie com o seu corruptor que o adimplemento
da vantagem indevida se dê mediante a prática de ato
aparentemente lícito, como é o caso de uma doação eleitoral
oficial, hipótese na qual, de forma induvidosa, estaria
configurado o crime de lavagem de capitais, diante da flagrante
inexistência da predisposição do particular em efetuar a
liberalidade.
Em situações como estas, mostra-se inegável que o agente
corrompido terá a livre disponibilidade da vantagem indevida

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 369 de 486 3781


AP 996 / DF

negociada, proporcionada pela chancela da Justiça Eleitoral,


caso atendidos os requisitos e limites legais aplicáveis, para
aplicação em gastos de sua campanha, tornando desnecessário
recorrer ao autofinanciamento ou à obtenção de outros
recursos.
(…)
Na situação específica, tendo o denunciado Nelson
Meurer comprovadamente recebido vantagem indevida para a
prática de ato de ofício sob a roupagem de doação eleitoral,
conforme atestam as declarações do colaborador Alberto
Youssef, corroboradas pelos recibos eleitorais e pelos e-mails que
elucidam a origem espúria de tal liberalidade, inviável não se
concluir pela perfeita subsunção da conduta que lhe foi
atribuída na denúncia ao delito previsto no art. 1º, caput, da Lei
n. 9.613/1998”.

A tipificação da doação eleitoral como crime de corrupção passiva


ou de lavagem de dinheiro constitui um tema altamente sensível.
A respeito do concurso material dessas imputações, tive a
oportunidade de me manifestar, neste Colegiado, no Inq nº 3.982/DF, DJe
de 2/6/17 e no Inq nº 3.980/DF, julgado em 6/3/18, ambos da relatoria do
Ministro Edson Fachin.
Nesse particular, transcrevo excerto do voto que proferi nesse último
julgado por ocasião do juízo de admissibilidade das imputações em
questão, deduzidas contra outros integrantes da cúpula do Partido
Progressista (PP):

“(...)
No tocante a esses denunciados, minha divergência se
limita, exclusivamente, às imputações específicas de lavagem
de dinheiro relacionadas a doações eleitorais oficiais.
Mantenho, assim, coerência com o voto parcialmente
divergente que proferi por ocasião do juízo de admissibilidade
da denúncia então oferecida contra o Senador Valdir Raupp e
outros nos autos do Inq nº 3.982/DF, Relator o Ministro Edson

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 370 de 486 3782


AP 996 / DF

Fachin, DJe de 2/6/17.


A meu sentir, a doação eleitoral oficial, dados seu registro
contábil na empresa doadora, sua publicidade e sua submissão
direta aos órgãos de controle eleitoral -, não se subsume no
verbo ’ocultar’, uma das ações nucleares do tipo penal da
lavagem de dinheiro, que tem o sentido de esconder, de sonegar
(Marco Antônio de Barros. Lavagem de capitais e obrigações
civis correlatas: comentários, artigo por artigo, à Lei
9.613/1998. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 76,
grifei).
Essa doação, em tese, poderia se subsumir na modalidade
‘dissimular’, uma vez que sua finalidade seria disfarçar a
procedência espúria da vantagem indevida supostamente
auferida pelos denunciados, conferindo-lhe uma aparência de
licitude, para reintrodução no sistema econômico.
Ocorre que, da perspectiva dos denunciados, a suposta
percepção da vantagem teria constituído a consumação do
crime de corrupção – na modalidade receber – ou mesmo seu
exaurimento, na modalidade solicitar.
A doação eleitoral teria sido tão somente o meio adotado
para o pagamento da vantagem indevida por ele solicitada.
Nesse diapasão, não vislumbro, da parte dos denunciados
em questão, uma conduta autônoma que caracterizasse o delito
de autolavagem e que pudesse justificar o reconhecimento do
concurso de crimes com a corrupção passiva.
Como destacado pelo Ministro Roberto Barroso, Relator
para o acórdão proferido no julgamento dos Sextos Embargos
Infringentes na AP nº 470, Tribunal Pleno,

’(...) tanto a doutrina quanto a jurisprudência


admitem a possibilidade de o autor do crime antecedente
ser responsabilizado também pela lavagem do dinheiro
recebido a título de propina (autolavagem). A ressalva que
se faz, de modo a evitar dupla incriminação pelo mesmo
fato, é no sentido de que a caracterização da lavagem de
dinheiro pressupõe a realização de atos tendentes a

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 371 de 486 3783


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conferir a aparência de ativo lícito ao produto do crime


antecedente, já consumado. Nesse sentido, o concurso
entre os delitos de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro depende da realização de atos pelo agente
corrompido que visem à inserção do produto do crime na
economia formal.
No caso dos autos, ao descrever a conduta
caracterizadora do delito de corrupção passiva, a denúncia
referiu-se tanto à aceitação quanto ao efetivo recebimento
de vantagem indevida pelo réu João Paulo Cunha. Leia-se,
a propósito, o seguinte trecho da peça acusatória:
(...)
A partir dessa descrição, o voto condutor do acórdão
construiu o raciocínio de que o delito de corrupção
passiva, dada sua natureza formal, consumou-se no
momento da aceitação da vantagem indevida pelo
acusado João Paulo Cunha. O sistema dolosamente
utilizado para o recebimento dos cinquenta mil reais
constituiria, consequentemente, ato ilícito diverso do
crime antecedente. Nesse contexto, o relator entendeu que
o recebimento foi o ato final do processo de lavagem de
dinheiro, e não da corrupção passiva – que já teria se
consumado.
Apesar de engenhosa, essa solução encontra óbice na
própria definição da corrupção passiva como tipo misto
alternativo. Com efeito, se a corrupção passiva se
caracteriza pela solicitação, recebimento ou aceitação de
vantagem indevida, não é possível enxergar no
recebimento um ato posterior ao delito, ainda que assim
tenha pretendido a acusação. Todo recebimento pressupõe
logicamente aceitação prévia, ainda que ambas as ações
ocorram em momentos imediatamente sucessivos. A
referência do tipo alternativo ao ato de aceitação, portanto,
significa que basta aceitar, ainda que inexista prova de que
o corrompido tenha recebido efetivamente a vantagem.
Nos casos em que a prova exista, porém, seria artificial

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 372 de 486 3784


AP 996 / DF

considerar o ato de entrega como posterior à corrupção.


Assim, conforme já destacado pelos votos vencidos,
o crime de corrupção passiva, na modalidade receber,
consuma-se no momento do pagamento da vantagem
indevida, dada a sua natureza material. Desse modo, o
recebimento da propina pela interposição de terceiro
constitui a fase consumativa do delito antecedente, tendo
em vista que corresponde ao tipo objetivo ‘receber
indiretamente’ previsto no art. 317 do Código Penal.
O recebimento por modo clandestino e capaz de
ocultar o destinatário da propina, além de esperado,
integra a própria materialidade da corrupção passiva, não
constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da
lavagem de dinheiro. Para caracterizar esse crime
autônomo seria necessário identificar atos posteriores,
destinados a recolocar na economia formal a vantagem
indevidamente recebida.
(...)
Nesse contexto, tendo em vista a inexistência de tais
atos autônomos de ocultação do produto do crime
antecedente, voto pelo reconhecimento da atipicidade da
conduta imputada ao embargante. E com isso passo ao
segundo fundamento pelo qual se entendeu caracterizada
a prática do delito.’

Digno de registro, ainda, o voto do Ministro Cezar Peluso


na AP nº 470, em que assentou que o fato

’(...) de o réu tê-lo recebido clandestinamente,


ocultando, com isso, a origem do dinheiro, não é ação
distinta e autônoma do ato de receber. É apenas uma
circunstância modal do recebimento: ao invés de receber
em público - coisa que não poderia fazer, por razões
óbvias -, o denunciado recebeu-o clandestinamente.’

Por essa razão, a seu ver, não se deve

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 373 de 486 3785


AP 996 / DF

’confundir o ato de ‘ocultar’ a natureza ilícita dos


recursos, presente no tipo penal de lavagem de dinheiro, e
o que a doutrina especializada descreve como
estratagemas comumente adotados para que o produto do
crime antecedente – já obtido – seja progressivamente
reintroduzido na economia, agora sob aparência de
licitude, com os atos tendentes a evitar-lhe o confisco
ainda durante o iter criminis do delito antecedente, em
outras palavras, para garantir a própria obtenção do
resultado do delito’ (grifei).

A meu sentir, idêntica solução se impõe no caso concreto,


em que, repita-se, a doação eleitoral teria sido tão somente o
meio para o recebimento da suposta vantagem indevida, ou,
nas argutas palavras do Ministro Cezar Peluso, ‘a circunstância
modal do recebimento’.
Corroborando a assertiva de que a doação eleitoral
propriamente dita não traduziu conduta autônoma, os
denunciados, até o momento do recebimento da suposta
vantagem indevida, não tinham a disponibilidade do dinheiro,
que se encontrava em poder da empresa doadora.
De parte dos denunciados, portanto, não houve o
momento anterior de captação de ativos para subsequente
lavagem.
Relembrem-se, com Rodolfo Tigre Maia, as etapas da
lavagem de dinheiro:

’A primeira etapa é a do ‘placement’ ou conversão:


tendo como momentos anteriores a captação de ativos
oriundos da prática de crimes e sua eventual
concentração, nesta fase busca-se a escamoteação
(ocultação) inicial da origem ilícita, com a separação física
entre os criminosos e o produto de seus crimes. Esta é
obtida através da imediata aplicação destes ativos ilícitos
no mercado formal para lograr sua conversão em ativos

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 374 de 486 3786


AP 996 / DF

lícitos (...)
(...)
O segundo momento do processo designa-se por
‘layering’, dissimulação: os grandes volumes de dinheiro
inseridos no mercado financeiro na etapa anterior, para
disfarçar sua origem ilícita e para dificultar a reconstrução
pelas agências de controle e repressão a trilha do papel
(paper trail), devem ser diluídos em incontáveis estratos,
disseminados através de operações e transações
financeiras variadas e sucessivas (...). Esta etapa
consubstancia a ‘lavagem’ de dinheiro propriamente dita,
qual seja, tem por meta dotar ativos etiologicamente
ilícitos de um disfarce de legitimidade.
(...)
A etapa final é a chamada ‘integration’, ou
reintegração, que se caracteriza pelo emprego dos ativos
criminosos no sistema produtivo, por intermédio da
criação, aquisição e/ou investimento em negócios lícitos ou
pela simples compra de bens (...).
Não se trata propriamente de ‘lavagem’ de dinheiro,
que a esta altura já está limpo, mas de uma fase
subsequente, melhor designada sob o nome de reciclagem
(recycling) e que reflete uma das faces do fenômeno
estudado: o processo de ‘lavagem’ é um custo operacional
que se convola em investimento’ (Lavagem de dinheiro
(lavagem de ativos provenientes de crime) – anotações às
disposições criminais da Lei nº 9.613/98. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 37/39, grifei).

Por sua vez, Pierpaolo Cruz Bottini aduz que

’[o] processo de lavagem de dinheiro tem como


antecedente necessário a prática de uma infração penal -
momento do nascimento do capital ilícito – e se inicia
com a ocultação dos valores ilicitamente aferidos.
Desenvolve-se nas diversas operações posteriores para

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AP 996 / DF

dissimulação da origem dos bens, e se completa pela


reinserção do capital na economia formal com aparência
lícita.
Assim, o processo completo de lavagem de dinheiro é
composto por – pelo menos – três fases: ocultação,
dissimulação e integração dos bens à economia formal. Nem
sempre os contornos de cada um dessas fases podem ser
reconhecidos de forma precisa. Na prática, é comum a
sobreposição entre as etapas do delito, sendo difícil
identificar o término de uma e o início de outra’ (Lavagem
de dinheiro: aspectos penais e processuais penais:
comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei
12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
p. 26, grifei).

Para Marco Antônio de Barros, ’o delito de ‘lavagem’


corresponde a uma conduta criminosa adicional, que se
caracteriza mediante nova ação dolosa, distinta daquela que é
própria do exaurimento de crime do qual provém o capital
‘sujo’’ (Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas:
comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/1998. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 55, grifei).
Ao tratar especificamente do crime antecedente de
corrupção passiva, referido autor é assertivo:

’Impõe-se, também nesta figura delituosa, o


recebimento da vantagem indevida, pois o crime de
‘lavagem’ somente se consuma com a ocultação ou a
dissimulação do capital’ (op. cit., p.117, grifei).

A lavagem de dinheiro, portanto, é um processo ulterior


à percepção da vantagem indevida, com a finalidade de
reintegrá-la na economia formal sob aparência lícita, e não a ela
antecedente ou concomitante.
Evidente que não se exige, para a caracterização do crime
de lavagem de dinheiro, que o agente necessariamente tenha a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 376 de 486 3788


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posse física dos bens ou valores, em decorrência de sua tradição


ou entrega, mas sim que possa exercer sobre eles o poder de
disposição, vale dizer, que tenha o domínio funcional dos
fatos.
Na espécie, não vislumbro, da parte dos denunciados, tal
poder de disposição sobre os valores de origem ilícita, que
estaria na esfera da empresa doadora.
Em suma, as doações eleitorais oficiais, enquadradas na
denúncia como crimes de lavagem de dinheiro, constituiriam
simples consumação (na modalidade receber) ou exaurimento
(na modalidade solicitar) do crime de corrupção passiva.
Está ausente, portanto, a autonomia de condutas que
poderia justificar o concurso material de crimes, sendo
manifesto o excesso de acusação.
Não havendo, de parte dos denunciados, uma conduta
autônoma que caracterizasse lavagem de dinheiro, há que se
reconhecer a inexistência desse fato, e não sua atipicidade –
haja vista que esse juízo de valor, diversamente, pressupõe a
existência de um fato que seja desprovido de adequação típica.”

Naquele caso, a doação eleitoral oficial - que também havia sido


tipificada como crime de lavagem de dinheiro - constituiria, a meu ver, tão
somente a consumação (na modalidade receber) ou o exaurimento (na
modalidade solicitar) do crime de corrupção passiva.
Em tese, não vislumbro óbice a que uma doação eleitoral oficial
possa efetivamente constituir – como exposto - forma de recebimento de
vantagem indevida ou o crime autônomo de lavagem de capitais (como na
hipótese, v.g., de financiamento de uma campanha eleitoral com valores auferidos
com o tráfico de drogas ou a prática de terrorismo).
No caso concreto, todavia, não estou convencido, para além de toda
dúvida razoável, de que a doação eleitoral oficial recebida pelo acusado
Nelson Meurer na campanha de 2010, no valor de R$ 500.000,00 -
fracionada em duas parcelas de R$250.000,00 -, representou o pagamento de
vantagem indevida.
Tratou-se de doação: i) materializada por transferência bancária; ii)

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 377 de 486 3789


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formalmente contabilizada na empresa doadora (Queiroz Galvão); iii)


objeto de recibos firmados pelo então candidato Nelson Meurer; iv)
regularmente declarada na prestação de contas eleitoral e que v) não foi
solicitada diretamente pelo acusado à Queiroz Galvão, mas sim por
outros representantes (em sentido amplo) de seu partido.
A propósito, Othon Zanoide de Moraes, diretor da Queiroz Galvão,
esclareceu que era o presidente da empresa, Ildefonso Collares, quem
dava “a última palavra” sobre doações eleitorais, seus respectivos valores
e destinatários.
Segundo Othon, foi o Deputado José Janene quem, de início, o
procurou para solicitar doações ao PP e posteriormente lhe apresentou
Alberto Youssef como o seu interlocutor a respeito desse tema.
Após asseverar que jamais teve contato com Nelson Meurer, Othon
declarou que a doação eleitoral foi feita pela Queiroz Galvão ao referido
acusado por solicitação de Alberto Youssef.
Por fim, Othon disse que se limitou a cobrar de Alberto Youssef o
envio dos recibos da doação feita a Nelson Meurer, tal como fazia nos
casos em que o setor financeiro da Queiroz Galvão o alertava da falta de
documentos para a prestação de contas.
Corroborando esse depoimento, o réu Nelson Meurer asseverou
que nunca teve contato com Othon Zanoide, que não conhecia ninguém
da Queiroz Galvão e que se limitou a pedir ajuda financeira a seu
partido, o qual viabilizou a doação junto à empresa em questão.
Com efeito, Nelson Meurer, ao ser interrogado em juízo, declarou,
no exercício de sua autodefesa, o seguinte:

“(...) [q]uando o Partido Progressista me ligou, que a


Queiroz Galvão ia viabilizar oficialmente 500 mil para mim, se
eu queria o dinheiro via partido ou via Queiroz Galvão, o que é
que eu falei? É mais transparente a Queiroz Galvão me fazer a
doação para mim, diretamente para mim. Agora, cabe ao
partido, nesse processo, explicar qual foi a forma que o
partido chegou à Queiroz Galvão de fazer essa doação para
mim, não só para mim como outros parlamentares que estão

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 378 de 486 3790


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aqui. E por ter este cuidado que eu pedi, porque, se eu quisesse


camuflar, talvez, essa doação, eu ia dizer: ‘Não, faz via partido’.
Porque, naquela época, o via partido não precisava colocar o
nome da empresa doadora. Essa eleição que passou, sim”
(grifei).

Ora, a solicitação feita pelo réu a seu partido para que a doação
fosse, oficialmente, feita em seu nome, e não no nome da agremiação,
inegavelmente revestiu-a de maior transparência, por vinculá-la
diretamente a sua pessoa física, e não à pessoa jurídica do partido.
Caso tivesse motivos para querer impedir que seu nome fosse
diretamente associado à empresa Queiroz Galvão, o réu Nelson Meurer,
indubitavelmente, teria solicitado que a doação fosse feita ao partido, a
fim de que, uma vez diluída a doação no caixa da agremiação, a ela
pudesse ter acesso de forma distanciada de sua origem.
Nesse contexto, a doação oficial realizada em nome do acusado,
longe de militar em seu desfavor, abona a tese defensiva de que não se
trataria do pagamento de vantagem indevida, e mesmo de que o
parlamentar não teria ciência de sua eventual origem espúria.
O simples fato de a Queiroz Galvão não ter vínculo programático
com o parlamentar é insuficiente, por si só, para demonstrar que a doação
oficial foi um ato jurídico simulado para encobrir uma transação espúria.
Com efeito, o vínculo programático ou a afinidade ideológica entre
doador e donatário não constituem elemento de existência ou requisito de
validade da doação eleitoral.
Ao contrário: até sua vedação, grassavam no cenário eleitoral, numa
mesma campanha política, doações oficiais realizadas por pessoas
jurídicas a partidos e candidatos dos mais variados matizes ideológicos.
Aliás, não há nenhum impedimento a que pessoas físicas continuem
a fazê-lo, sem que a Justiça Eleitoral esteja autorizada a perscrutar suas
razões de foro íntimo, as motivações internas desse proceder.
Não me olvido de que, como bem apontou o eminente Relator,
existem indícios de que

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 379 de 486 3791


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“(...) a Construtora Queiroz Galvão S.A. era integrante do


grupo de empresas cartelizadas que centralizavam as
contratações no âmbito da Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S.A., já que, na qualidade de integrante do Consórcio
Ipojuca Interligações, celebrou contratos fictícios de prestação
de serviços com sociedades empresárias ligadas a Alberto
Youssef, estratagema já tratado à exaustividade como forma de
viabilizar recursos para o caixa de propinas do Partido
Progressista”.

Esse fato, contudo, não autoriza a conclusão de que a doação


eleitoral oficialmente feita ao acusado Nelson Meurer constituiria o
pagamento de vantagem indevida para manutenção dos interesses do
cartel que atuava no âmbito da Petrobras.
Em suma,
i) tratou-se de doação eleitoral oficial, contabilizada pela empresa
doadora, feita ao candidato, e não ao partido, de modo a lhe conferir total
transparência;
ii) essa doação foi viabilizada junto à Queiroz Galvão pelo tesoureiro
do partido, José Janene, com o auxílio de Alberto Youssef;
iii) o acusado Nelson Meurer não tratou diretamente dessa doação
oficial com a empresa doadora, limitando-se a solicitar ao partido que
disponibilizasse recursos para sua campanha;
iv) Nelson Meurer nunca teve contato com o presidente da Queiroz
Galvão, Ildefonso Collares, detentor da última palavra em matéria de
doações eleitorais, ou com seu diretor Othon Zanoide, o qual, uma vez
autorizado pelo presidente da empresa, se limitava a materializar as
doações eleitorais oficiais a partidos e candidatos - note-se que, segundo
Alberto Youssef, Othon Zanoide jamais tratou de doações por meio de caixa dois.
À vista de todos esses elementos, em minha compreensão, não há
prova suficiente de que a doação eleitoral oficial tenha constituído
circunstância modal do crime de corrupção passiva.
Restaria a possibilidade de tipificação autônoma dessa doação como
crime de lavagem de ativos.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 380 de 486 3792


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Mas, de forma análoga, não vislumbro prova suficiente de que o


valor doado oficialmente pela empresa Queiroz Galvão constituísse
especificamente o produto de crime contra a administração pública,
máxime considerando-se que, de acordo com Othon Zanoide, as doações
eleitorais eram originárias de “até 2% do faturamento anual de cada
empresa do grupo”- faturamento que, a toda evidência, não era
derivado exclusivamente de atividades ilícitas.
Por fim, a título de argumentação, ainda que eventualmente o valor
oficialmente doado fosse produto de crime contra a administração
pública, não há prova segura de que Nelson Meurer tivesse ciência de sua
origem espúria e de que tivesse agido com o dolo de dissimular essa
origem e de promover sua reintegração na economia formal.
Dito de outro modo, caso se tenha pretendido utilizar a doação
eleitoral como forma de lavagem de capitais, não há prova segura de que
o acusado Nelson Meurer tenha dolosamente concorrido para esse crime.
Em suma, divirjo em parte dos eminentes Ministros Relator e
Revisor tão somente para o fim de absolver o acusado Nelson Meurer
das imputações de corrupção passiva e de lavagem de capitais
relativamente a doação eleitoral oficial no valor de R$ 500.000,00, com
fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 381 de 486 3793

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO
(s/ mérito)

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente,


inicialmente, reitero meus cumprimentos a Vossa Excelência e também ao
Ministro Revisor, Celso de Mello, agora pela proficiente análise que
realizaram dos elementos que se contêm nestes autos e pela densidade
dos votos que proferiram sobre o mérito da presente ação penal.

Registro, outrossim, que, conforme consta da peça acusatória, e


dentro dos limites do quanto recebido por esta Segunda Turma em sessão
realizada em 21/6/2016, ao denunciado Nelson Meurer são imputados
crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, os quais, em
resumo, podem ser aglutinados em três blocos:

(i) Na qualidade de integrante da cúpula do Partido


Progressista (PP), teria concorrido para os 161 (cento e sessenta
e um) desvios de recursos realizados por Paulo Roberto Costa
no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A,
emprestando-lhe fundamental apoio político na indicação e
manutenção no aludido cargo, sendo tais recursos submetidos a
processos de branqueamento, mediante a celebração de 180
(cento e oitenta) contratos de prestação de serviços fictícios
entre as empresas cartelizadas e sociedades empresárias ligadas
a Alberto Youssef;
(ii) Teria recebido, por intermédio de Alberto Youssef, 99
(noventa e nove) pagamentos ordinários mensais no valor de R$
300.000,00 (trezentos mil reais), como contraprestação ao apoio
político em favor de Paulo Roberto Costa para sua manutenção
no cargo de Diretor de Abastecimento da Petrobras S/A,
contando, em diversas oportunidades, com o auxílio direto de
seus filhos Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer,
sendo que tais valores teriam sido objeto do crime de lavagem

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 382 de 486 3794


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de capitais, porquanto teriam entrado na sua esfera de


disponibilidade de forma sub-reptícia, mediante a entrega
pessoal de dinheiro em espécie por parte de emissários de
Alberto Youssef, bem como por quantias obtidas juntamente ao
Posto da Torre, localizado nesta Capital Federal e de
propriedade Carlos Habib Chater, com quem Alberto Youssef
mantinha uma espécie de conta corrente. Ademais, parte da
vantagem indevida teria sido depositada de forma pulverizada
em contas de titularidade do Deputado Federal Nelson Meurer,
de modo a impedir a fiscalização dos respectivos órgãos de
controle, e, ainda, declarada à Secretaria da Receita Federal
como quantias em espécie mantidas em seu poder; e
(iii) Também em razão do apoio político prestado a Paulo
Roberto Costa para sua manutenção no cargo de Diretor de
Abastecimento, teria se beneficiado com o recebimento de
vantagens indevidas extraordinárias, consubstanciadas no
pagamento de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais),
entregues em espécie por emissários de Alberto Youssef, bem
como na doação de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por
parte da empresa Queiroz Galvão, destinados à campanha
eleitoral do ano de 2010, sendo que tais entregas de valores em
espécie, bem como a mencionada doação eleitoral
configurariam do delito de lavagem de capitais.

Passo, a seguir, à análise de cada uma destas imputações, de forma


individualizada e na mesma ordem com que a realizou o eminente
Relator em seu substancioso voto.

II. A - Corrupção Passiva

Inicio, pois, o meu pronunciamento pelo exame da imputação do


delito de corrupção passiva, constante do art. 317 do Código Penal, ao
Deputado Federal Nelson Meurer.

Preliminarmente, no que concerne à tipificação penal do crime de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 383 de 486 3795


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corrupção passiva, registro que, a despeito de esta Suprema Corte ter


assentado num passado não tão remoto (vide a respeito o julgamento da
AP 470) que, para a configuração do tipo previsto no art. 317 do Código
Penal, não se fazia necessária a precisa identificação do ato de ofício
praticado pelo funcionário público, tampouco a indicação da relação
entre o recebimento da vantagem indevida por parte do servidor e a
prática de determinado ato funcional, bastando a comprovação do mero
recebimento do favorecimento, atualmente verifica-se uma evolução no
entendimento da Corte a respeito do tema.

Com efeito, como bem destacado pelo eminente Ministro Relator, a


recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal exige que se
demonstre o nexo de causalidade entre o favorecimento negociado pelo
agente público e as atribuições inerentes à função estatal por ele exercida
ou ainda por exercer, sendo, portanto, imprescindível à configuração
desse delito que a vantagem indevida corresponda à uma contraprestação
da possível prática ou omissão de determinado ato de ofício inserido na
esfera de atribuições do intraneus.

Na hipótese, cuidando-se o agente público de membro do Congresso


Nacional, penso que o ato de ofício a ser aferido para fins de configuração
da corrupção passiva deve ser considerado dentro de um contexto mais
amplo que o simples exercício do voto do parlamentar na respectiva Casa
Legislativa.

Isso porque, consoante o modelo constitucional vigente, as


atividades parlamentares transcendem a mera análise e proposição de
atos legislativos, abrangendo, também, em razão do denominado sistema
de freios e contrapesos, a fiscalização e o controle dos atos do Poder
Executivo, incluídos os da administração indireta, conforme preceitua o
art. 49, X, da Constituição Federal.

E, nessa perspectiva, à vista das peculiaridades de nosso regime

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 384 de 486 3796


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presidencialista, tais funções podem também compreender a participação


ativa do parlamentar tanto na formação do governo, mediante indicação
de pessoas para preenchimento de cargos, quanto na influência das
próprias decisões governamentais, por meio do penhor de apoio político
ao chefe do Executivo, garantindo-lhe a indispensável sustentabilidade,
diante da miríade partidária peculiar à nossa ainda jovem democracia
(atualmente, existem 35 partidos políticos em atividade no país e 73 novas
siglas em processo de criação).

Esse, aliás, foi o entendimento que recentemente externei quando


propus o recebimento de denúncia em face de Senador da República no
Inquérito 4.011/DF, que, aqui, vejo adotado pelo Relator Ministro Edson
Fachin e pelo Revisor, Ministro Celso de Mello, inclusive com maior
amplitude.

Nesse particular, cito trecho do denso voto proferido pelo Revisor,


eminente decano desta Corte, que, aludindo ao posicionamento do
Relator, neste e em outros casos, pontuou:

“[...]
Alinho-me, no ponto, ao entendimento externado pelo
eminente Ministro Relator, em seu douto voto. É que a votação
parlamentar - conquanto constitua, de modo expressivo,
exemplo conspícuo e clássico de ato de ofício, por excelência - não
exaure os demais encargos de ordem fática, de caráter
institucional ou de índole regimental que se incluem no
complexo de poderes, funções e atribuições de qualquer membro
do Congresso Nacional.
Cumpre rememorar, neste ponto, valiosa e pertinente
análise que o eminente Relator fez, não só no presente caso, mas,
também, em outros votos, como aquele proferido no Inq.
4.259/DF, oportunidade em que considerou, com inteira
correção, que a noção conceitual de ato de ofício, tratando-se de
membros do Congresso Nacional, abrange, por igual, ´para
além de suas clássicas funções no Parlamento (representação,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 385 de 486 3797


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controle e legislação), também a prática efetiva de influência


política na esfera do Poder Executivo, resultante das próprias
atribuições inerentes ao ofício legislativo, como se vê do
fragmento a seguir reproduzido, extraído de seu voto no Inq.
4.259/DF: [...]”.

Em suma, filio-me àqueles que entendem que, para configuração do


crime de corrupção passiva de parlamentar, o exercício efetivo da
influência política decorrente do cargo pode consubstanciar ato de ofício
desse agente público, sempre, no entanto, à luz das circunstâncias do
caso concreto.

Na espécie, atribui-se ao Deputado Federal Nelson Meurer a prática


de corrupção passiva em três contextos distintos, dois dos quais teria
contado com o auxílio de seus filhos (os codenunciados Nelson Meurer
Júnior e Cristiano Augusto Meurer), sendo ponto comum, contudo, a
todas essas imputações, como elemento constitutivo do crime
(porquanto indicador do ato de ofício), a afirmação de que os valores
indevidos recebidos pelo acusado consistiram em contrapartida pelo
apoio político penhorado, na condição de integrante da cúpula do Partido
Progressista (PP) e no exercício da atividade parlamentar, para a
indicação e manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A, viabilizando, por conseguinte, o
funcionamento do cartel de empreiteiras que ali se formou, como bem
sintetizou o Ministro Edson Fachin.

Fixadas tais premissas, coloco-me de acordo com a quase


integralidade da conclusão a que chegou o Relator sobre este tópico, na
minudente análise que realizou em seu percuciente voto, acompanhando-
o tanto na absolvição do denunciado Nelson Meurer no tocante à
imputação de partícipe de todos os crimes de corrupção passiva
praticados por Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A, quanto na condenação desse mesmo corréu como incurso
nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal, embora em menor extensão.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 386 de 486 3798


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Assim, divirjo de Sua Excelência em parte reduzida de seu voto, tão


somente para delimitar a condenação do imputado ao crime de corrupção
passiva durante o período em que ele exerceu, de fato e de direito, na
qualidade de Deputado Federal, a liderança do Partido Progressista,
porquanto somente nesta hipótese reconheço sua efetiva capacidade de
fornecer, direta e decisivamente, o apoio político à manutenção de Paulo
Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A,
adequando, por simetria, a responsabilização penal dos respectivos
partícipes.

Dessa forma, no presente caso, entendo que, para a configuração dos


delitos de corrupção passiva atribuídos ao denunciado, afigura-se
imprescindível verificar, para além da existência de relação entre o
recebimento da vantagem indevida e a prática do ato de ofício, se o
alegado apoio político por ele fornecido assumiu caráter direto, relevante
e decisivo à manutenção de Paulo Roberto Costa à frente da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A.

Isso porque, no conjunto das funções parlamentares, é ao Líder que


se confere, institucionalmente, as essenciais atribuições relacionadas à
articulação política, à unificação do discurso e à posição partidária da
agremiação nas votações do parlamento, cabendo-lhe expressar a opinião
de seus pares, de seu bloco, do governo ou da oposição, além de
participar da definição da pauta de votações do plenário, por meio do
assim denominado “Colégio de Líderes”, contribuindo de maneira direta
para a definição dos rumos do parlamento e, consequentemente, do
próprio governo (vide artigos 9ª a 11-A, 20, 28, 45, 66, §1º, todos do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

In casu, oportuno transcrever didático texto constante do sítio da


Câmara dos Deputados, postado na rede mundial de computadores, a
respeito do papel dos líderes partidários:

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 387 de 486 3799


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“A atividade exercida por um deputado na função de líder


é parte essencial do processo legislativo. Além de nortear a
discussão e a votação de propostas, os líderes acumulam uma
série de atribuições importantes, principalmente ligadas à
articulação política e ao trabalho de unificação do discurso
partidário.
Durante as votações, cabe ao líder expressar a opinião de
quem ele representa: o partido, o bloco parlamentar, o governo
ou a oposição. Ele também participa do colégio de líderes –
órgão que, entre outras atribuições, define a pauta de votações
do plenário. O colegiado é formado pelos líderes da Maioria, da
Minoria, dos partidos, dos blocos e do governo.
No Plenário, cabe ao líder orientar a bancada quanto ao
voto; falar por sua bancada no período destinado às
comunicações das lideranças; e inscrever integrantes da
bancada no horário destinado às comunicações parlamentares.
O líder pode solicitar: a votação em globo de destaques; a
dispensa da discussão de matérias que tenham parecer
favorável de todas as comissões; o adiamento da discussão e da
votação de um projeto. Também é função do líder registrar
candidatos para concorrer a cargos da Mesa Diretora”
(http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/politica/15
0537-entenda-o-papel-dos-lideres-partidarios.html).

Esse especial relevo da atividade política desempenhada pelos


líderes partidários, aliás, restou destacado no voto no Relator, na parte em
que citou excerto do acórdão da AP 470, quando os Ministros debatiam a
caracterização do ato de ofício de parlamentares e, no ponto,
mencionavam as múltiplas atividades dos congressistas.

Pela relevância, peço vênia para aqui também reproduzir o seguinte


trecho do aludido julgado:

“O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Mesmo

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 388 de 486 3800


AP 996 / DF

porque os parlamentares acham-se investidos de uma tríplice


função constitucional: elaboração das leis, fiscalização dos atos
do Poder Executivo e representação, com dignidade, do Povo
brasileiro.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE):
Perfeito!
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA
(RELATOR): Mas eu citei outras funções. Citei o Regimento
Interno da Câmara dos Deputados, que elenca uma série de
outras funções, que não apenas o voto.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Referi-me,
Senhor Relator, às funções constitucionais mais expressivas dos
congressistas.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA
(RELATOR): Sobretudo, os líderes.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O exercício
do voto, pelos membros do Congresso Nacional, talvez
represente o mais expressivo dos momentos em que se
desenvolve a prática do ofício parlamentar. Observe-se, no
entanto, que a atividade parlamentar não se exaure no ato de
votação, eis que, como Vossa Excelência bem ressaltou, os
congressistas dispõem de múltiplas atribuições, tanto
constitucionais quanto regimentais.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA
(RELATOR): No mundo em que vivemos, a função, talvez, mais
eficaz, de qualquer Parlamento é a função fiscalizatória, não a
função de legislar.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE):
Ministro Gilmar, se me permite, ainda vou concluir, mas eu
tenho certeza que bate com o que vou dizer com o raciocínio de
Vossa Excelência.
Como se delinque tanto por ação quanto por omissão, no
caso dos autos, há um, esse tipo de cooptação pode levar - como
me parece que levou - talvez à mais danosa das omissões: é
quando um partido, por si e seus parlamentares, passa a,
sistematicamente, não fazer proposta nem oposição. Esse modo

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sistemático de se omitir é uma modalidade tão radical quanto


danosa.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: E há funções
institucionais notórias, por exemplo, o Colégio de Líderes que
define a pauta, a agenda congressual, a agenda de cada uma
das Casas Legislativas, significa decide se algo que será
colocado na pauta ou, eventualmente, não será colocado. Quer
dizer, para isso, basta a aceitação ou a objeção. Veja é uma
decisão importante e nem é submetida ao Colégio dos
Parlamentares, mas ao Colégio de Líderes, juntamente com o
Presidente de cada uma das Casas.
Portanto, há uma série de atos outros que estão hoje
consagrados na prática constitucional, na prática regimental,
na prática congressual” (grifei) (Inteiro Teor do Acórdão -
Páginas 4.445-47).

Nesse contexto, justamente em razão da aludida proeminência


institucional assumida pelo líder partidário, cujas atribuições lhe
outorgam poderes políticos superiores aos demais parlamentares
integrantes do mesmo partido ou bloco (os representados), podendo
inclusive assumir papel representativo dos interesses do Executivo no
Congresso Nacional, é que se mostra forçoso reconhecer ter ele a decisiva
participação (ativa e direta) no processo de constituição do governo,
mediante indicação de quadros para preenchimento de cargos
comissionados (seja na administração direta ou indireta), garantindo, por
outro lado, o apoio político em nome da agremiação que representa.

Não se olvida, contudo, que congressistas integrantes do mesmo


partido ou bloco que o Líder também desempenham papel de destacada
importância na direção política institucional, consoante as várias
correntes internas. Aliás, o protagonismo de certo grupo de
parlamentares no âmbito de cada partido ou bloco emerge como causa
natural e até necessária do próprio surgimento e da sustentação do Líder
no cenário parlamentar.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 390 de 486 3802


AP 996 / DF

No entanto, o que importa considerar, ao menos para fins da


configuração do crime de corrupção passiva, na forma como descrito na
denúncia, é que, dada as aludidas particularidades das atribuições
inerentes à função de Líder no peculiar sistema presidencialista brasileiro,
é este quem detém a potencial capacidade de fornecer apoio direto e
decisivo à sustentação política para manutenção de terceiros em cargos
sensíveis da administração pública federal direta ou indireta.

Em outras palavras, sem a sua necessária intervenção na qualidade


de interlocutor, o apoio ao Executivo não se concretiza no mundo
fenomênico.

Já os demais integrantes da cúpula partidária, a despeito de também


exercerem poder político relevante, em relação à indicação ou
manutenção de quadros no governo, o fazem apenas de forma reflexa ou
indireta, concedendo sustentação ao Líder, para que este possa atuar em
nome do partido e defender seus interesses.

Note-se que não basta o simples fato de o parlamentar ocupar


posição hierárquica relevante ou de cúpula no contexto político do
partido, sendo importante que, em razão de sua função tenha
competência suficiente para, por si só e independentemente da
manifestação de terceiros, exercer direta e decisivamente a alegada
influência política.

Do contrário, com o devido respeito, a se responsabilizar


concomitantemente vários parlamentares integrantes da cúpula
partidária, todos como autores de crime de corrupção passiva, num dado
período de tempo (2006 a 2014 ou, ainda, 2008 a 2011), por atos de
influência política praticados em favor de certo Governo Federal, entendo
que estaríamos avançando sobre o perigoso terreno de presunções e
incidindo em responsabilidade penal objetiva, o que não se admite no
vigente Estado Democrático de Direito.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 391 de 486 3803


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Vale dizer, para a precisa caracterização do ato de ofício, na espécie,


basta verificar em qual momento a atuação do denunciado, por si só,
mostrou-se imprescindível à manutenção de Paulo Roberto Costa na
Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A. Ou seja, em quais
hipóteses, caso retirada sua presença da cena política, os demais
parlamentares seriam suficientes a prestar o mencionado apoio político.

Quanto a este papel de proeminência do líder na indicação e


sustentação de Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da
Petrobras S/A, confira-se trechos do depoimento em juízo do colaborador
João Alberto Pizzolatti Júnior:

“ADVOGADO 2 - O senhor mencionou a indicação de


Paulo, seria Paulo Roberto Costa, correto?
INFORMANTE - Correto.
ADVOGADO 2 - (ininteligível) da Petrobrás. Como é que
se deu esse processo até se chegar ao nome dele e a sua
indicação como deputado?
INFORMANTE - Eu não sei. Eu não participei da
indicação. Se eu não me engano, era o Presidente Lula, o
presidente, e quem cuidava disso era o líder. Eu não sei se era
o Janene ou Mário ... Se era o Janene ou o menino lá de Mato
Grosso, e o Pedro era o Presidente do partido.
[...]
JUIZ - Eu queria alguns esclarecimentos, a começar por
esse ponto aí do Doutor. Eu queria que o senhor fosse um
pouquinho mais claro. O senhor disse que, a partir de um
determinado momento, o senhor trabalhou para retirar o Paulo
Roberto Costa. Então, vamos começar do início. Paulo Roberto
Costa era o que na Petrobras?
INFORMANTE - Diretor de abastecimento.
JUIZ- Como é que ele chegou lá?
INFORMANTE - Indicado pelo José Janene, eu acredito
que pelo Presidente.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 392 de 486 3804


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JUIZ - Esse era um acordo entre Partido Progressista e


Presidência da República, ou não?
INFORMANTE - Quem fazia as indicações para o
presidente do partido era o Presidente, a executiva nacional.
JUIZ - Então, eu gostaria de entender isso, a executiva
nacional do Partido Progressista tinha um líder [...]
INFORMANTE - Normalmente, era o líder ou o
presidente da executiva nacional que faziam indicação” (grifei
e sublinhei - fls. 2711/2713).

Ainda nesse particular, tenho por oportuno destacar as seguintes


passagens do depoimento em juízo de Paulo Roberto Costa, verbis:

“[...]
ADVOGADO - Certo. O senhor tem conhecimento se o
Deputado Nelson Meurer participou das tratativas políticas
que levaram à sua nomeação, ele diretamente ou isso foi feito
por José Janene e pelo Corrêa?
COLABORADOR - Na época, quem me procurou e quem
fez essas tratativas, que eu tenho conhecimento, foi o José
Janene e o Pedro Corrêa. É isso que eu tenho conhecimento da
época.
ADVOGADO - Certo. O senhor afirmou que o Deputado
Nelson Meurer nunca lhe solicitou vantagem indevida e, dentro
dessa mesma pergunta, só para confirmar, igualmente o senhor
também nunca entregou nada, nenhuma vantagem indevida a
ele?
COLABORADOR - Não.
ADVOGADO Certo. Nessas reuniões dos apartamentos
funcionais, ou melhor, eu vou reformular para ser mais
objetivo, os valores relativos às supostas propinas eram tratadas
somente entre ou, quando tratadas com o senhor, foi somente
com o Deputado José Janene e com o Senhor Alberto Youssef?
COLABORADOR - Sim.
ADVOGADO - O senhor nunca tratou desses valores
com o Deputado Meurer, Deputado Pizzolatti, Deputado

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 393 de 486 3805


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Mário Negromonte e tal?


COLABORADOR - Não me recordo de ter tratado.
Normalmente, que eu me recordo, as tratativas eram sempre
com o José Janene e, depois, com o Alberto Youssef.
ADVOGADO - Sem mais perguntas, Excelência .
[...]
ADVOGADO - Certo. A minha pergunta, então, é assim:
eu perguntei da perturbação dos deputados sobre o senhor.
COLABORADOR - Do Nelson?
ADVOGADO - Isso.
COLABORADOR - Não, ele nunca me cobrou nada
diretamente.
ADVOGADO - Ele nunca [...] Porque sempre quem fez
essas cobranças [...] O senhor falou que essa perturbação, na
verdade, é uma cobrança.
COLABORADOR - É.
ADVOGADO - É isso. A cobrança que se fazia sobre o
senhor [...]
COLABORADOR - A perturbação, a perturbação era, na
época, com José Janene, principalmente com ele. Depois que
ele faleceu, quem ficou à frente desse processo do PP foi o
Mário Negromonte. E, depois, mais na frente - todos os meus
depoimentos estão aí.-, mais na frente, ficou o Ciro Nogueira.
Então, eram essas pessoas que tinha mais atuação; as pessoas
que ficavam, que eram à frente do Partido.
ADVOGADO - Certo.
COLABORADOR - Eu nunca tive nenhuma cobrança do
Deputado Nelson Meurer. Não tive.
[...]
COLABORADOR - Esse atraso de pagamento causava
uma perturbação, porque, vamos dizer, o Deputado José
Janene, depois outros que eu mencionei, tinha um
compromisso dentro do Partido. Obviamente que, imagino
eu, que os deputados cobravam dessa pessoa e essa pessoa
mencionava [...] Vamos dizer, eu não tinha necessidade de
participar de uma reunião dessa, mas, aí, eu era convocado para

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 394 de 486 3806


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participar. O Janene dizia: Oh, Paulo, você tem que participar


da reunião. Aí, eu ia para a reunião, e era uma reunião
constrangedora. Agora, a cobrança era feita normalmente,
normalmente não, era feita pelas cabeças do Partido, que era o
Janene, depois, Mário Negromonte e, depois, Ciro Nogueira.
[...]
ADVOGADO - Obrigado, Excelência. Doutor Paulo
Roberto, o senhor disse que, nessas reuniões, tinha sempre
um secretáriogeral, um líder de partido, que eram os que
davam o tom da conversa. Só em relação ao réu, que a
instrução se cinge a isso. Ele tinha o papel de, não vou nem
dizer de destaque, mas um papel ativo nessas interlocuções,
nessas reuniões? Era um deputado ativo, participante nessas
reuniões que o senhor participou? Ou tinha um papel menor?
A pergunta é essa.
COLABORADOR - Ele era ativo, mas não era o - vamos
dizer -, cada reunião dessa tinha o líder da reunião. Ele era
ativo, mas não era o líder. O líder era ou o José Janene, ou
depois o Mário Negromonte, depois o Ciro Nogueira” (grifei e
sublinhei – 2.786v/2.789).

À vista de tais relatos oferecidos pelos próprios colaboradores, que


sabidamente procuram apontar responsabilidades em troca de benefícios
legais, pode-se verificar que o denunciado Nelson Meurer não exerceu
papel decisivo na indicação de Paulo Roberto Costa, tampouco forneceu a
este, de forma direta, sustentação política para manter-se no cargo.

Destarte, no caso em tela, considerando que ao denunciado Nelson


Meurer é imputada a conduta de ter sido o autor do crime de corrupção
passiva, por ter recebido vantagem indevida em troca da manifestação de
sua força política para a manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria
de Abastecimento da Petrobras S/A, imperioso reconhecer-se que apenas
no período em que exerceu a liderança do PP é que sua responsabilização
penal pode ser caracterizada a estreme de qualquer dúvida razoável,
mesmo porque a realidade intestina do PP, ou uma visão global das

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atividades de suposta organização criminosa constituída a partir do


vínculo subjetivo entre seus integrantes, não é objeto destes autos.

A meu sentir, essa delimitação temporal faz-se imprescindível para


conferir a segurança necessária na demonstração da efetiva culpabilidade
do denunciado, apta a produzir a certeza necessária da prova da
materialidade e da autoria do crime de corrupção passiva, indispensáveis
à imposição de sanção penal.

A corroborar tal raciocínio, veja-se que dos elementos de convicção


existentes nos autos pode-se extrair que, no período em que o Deputado
Nelson Meurer exerceu a liderança do PP, a ele foi destinado um maior
volume de dinheiro, com maior periodicidade na entrega, cessando o
recebimento desse benefício ilegal exatamente no momento em que
deixou aquela função.

Quanto ao particular, veja-se o seguinte excerto do depoimento em


juízo de Carlos Alexandre de Souza Rocha, vulgo “Ceará”, responsável
por parte da entrega do dinheiro que Alberto Yussef mandava ao
denunciado:

“[...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo.
É [...] O senhor, nos depoimentos, chegou a dizer que
ouviu do Alberto Youssef que Nelson Meurer seria um dos
deputados do Partido Progressista que ganharia aquela mesada
mais gorda. Como é que era essa história aí?
TESTEMUNHA - Existiam quatro deputados que, pelo
meu conhecimento, ganhavam mesadas gordas, que era
Negromonte, Meurer - Nelson-, Pedro Corrêa e Pizzolatti.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Como é que era essa mesada
mais gorda? Era maior participação no (ininteligível)?
TESTEMUNHA - Maior participação. Era com quem o
Senhor Alberto Youssef tinha mais contato direto, entendeu?
E eles repassavam um pedaço dessa - também não me

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pergunte o valor e não me pergunte quanto era-, Beto disse


que tinha mesada de dez mil a trinta mil, a trezentos mil, por
mês, independente se era ano de eleição ou não.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor não sabe quanto era
essa mais gorda aí não?
TESTEMUNHA - Não. Mas ele foi líder de partido no seu
ano, ele era um dos mandachuvas do PP, ele tinha realmente
influência no PP. [...]” (grifei – fls. 2753v/2754)
Ainda nesse sentido, oportuna a transcrição das seguintes
partes do depoimento do colaborador Antônio Carlos Brasil
Fioravante Pieruccini, principal entregador de dinheiro ilícito a
Nelson Meurer, verbis:
“COLABORADOR – [...] E eu passei a trabalhar para o
Janene, passei a trabalhar para o Janene, eu ia sistematicamente
a Curitiba, quase que semanalmente, e foi quando o Alberto
Youssef me pediu um favor, para trazer um numerário para o
deputado Nelson Meurer. Na ocasião [...]
MINISTERIO PÚBLICO - Isso foi quando, mais ou menos?
Em que ano?
COLABORADOR - Olha, isso foi quando o Deputado
Nelson Meurer era líder da bancada do PP. Isso foi em
meados de 2009. E isso se perdurou ate ele deixar de ser o
líder do PP, então acho que foi em torno de 2011. E como eu ia
semanalmente a São Paulo, e sempre ele: "leva esse pacote, leva
esse pacote, esse dinheiro". As vezes, Alberto nem estava em
São Paulo, eu apanhava no escritório do Youssef com o Rafael
Angulo, que era o financeiro do Alberto Youssef. [...] Então, isso
se deu no período de um ano e meio, dois anos. Eu, para o
Deputado, era quase que semanalmente, era quase que ...
Semanalmente não. No começo, eram duas vezes por mês. Aí,
quando o Deputado assumiu a liderança, aí foi um volume
maior. E esse volume de dinheiro, daí, praticamente, um
grande período foi quase que semanalmente. E, depois, o
Deputado deixou de ser o líder do PP. Deixou de ser o líder do
PP, e eu acho que eu trouxe uma ou duas entregas para ele. E,
depois, as entregas cessaram. O Deputado me ligava

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 397 de 486 3809


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perguntando, ele tratava o Alberto Youssef com o "primo": "O


primo mandou alguma encomenda para mim? Pô, mas o primo
tá me sacaneando". Eu dizia: "Olha, Deputado, eu simplesmente
sou o portador, eu não tenho nada a ver, com não conheço [...]"
(grifei e sublinhei - fl.s 2917/2917v)
[...]
MINISTERIO PLÚBLICO - O senhor lembra, mais ou
menos, quantas entregas O senhor fez?
COLABORADOR - Olha, eu [...] Precisar, precisar [...]
Mas foi em torno de [...] Olha, acho que umas trinta vezes,
acho que e. Ou mais um pouco, talvez. Eu nunca soube, nunca
soube o quanto vinha nos envelopes. O Rafael me entregava
lacrado, entregava lacrado. Nunca (ininteligível).
MINISTERIO PÚBLICO - O senhor tem conhecimento de
outras pessoas que faziam esse transporte de dinheiro pro
Deputado?
COLABORADOR - O Rafael.
MINISTERIO PÚBLICO - Ele comentou com o senhor que
fazia?
COLABORADOR - Sim, sim, sim. Aliás, até fui eu que
substitui ele, porque ele e que vinha, anterior.
MINISTERIO PÚBLICO - Ele vinha para Curitiba só para
isso?
COLABORA DOR - Provavelmente.
MINISTERIO PÚBLICO - O Alberto Youssef, ao longo
desses mais ou menos dois anos que o senhor disse que O
senhor fez entregas, ele comentou com o senhor do que que era
esse dinheiro? O que que era?
COLABORADOR - Bom, em princípio, eu não perguntei.
Daí, um dia, eu perguntei. Eu digo, forçando a amizade: "Beto,
de onde vem esse dinheiro, Beto. De onde vem isso aí"; "Ah,
isso e dinheiro do partido, esse e dinheiro do partido, do PP, e o
Deputado distribui". O Deputado, ele era o Presidente da
Câmara. Eu digo: "Sim, e do partido, mas [...] "
MINISTERIO PÚBLICO - Presidente da Câmara não.
Líder.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 398 de 486 3810


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COLABORADOR - É, líder do partido na Câmara. Daí eu


perguntei: "Mas espera ai, mas esse dinheiro não e quente?".
Daí ele deu risada e (ininteligível). (grifei e sublinhei -
2922v/2923)
[...]
JUIZ - Deixa eu fazer só outra indagação que talvez
chegue lá, mais ou menos, na intenção do doutor. O senhor
disse que liberou os seus ramais telefônicos. O senhor tem como
dizer se essa entrega, primeiro, era quinzenal, mensal ou
semanal, e, depois, ela foi mudando a periodicidade? Ou não?
COLABORADOR - Primeiro, acho que era umas duas
vezes por mês. As vezes era uma, as vezes era três.
JUIZ - E depois?
COLABORADOR - Depois, a partir da hora que o
Deputado passou a ser líder do partido, aí, ela foi
semanalmente quase.
JUIZ - E depois acabou?
COLABORADOR - Depois, acabou. Aí, quando eu
perguntei ao Deputado, eu lembro bem, daí o Deputado me
ligava: "Ô, o primo mandou alguma coisa?"; "Não, não
mandou". Daí eu digo: "O, Beto, o que aconteceu?"; "Ah, o
negócio e o seguinte: o partido [...] outro grupo assumiu a
liderança do partido, e nós estamos fora". (grifei e sublinhei -
2925v/2926)
[...]
ADVOGADO - Certo. Sobre as supostas entregas, as
entregas que o senhor mencionou ao Deputado Nelson Meurer,
o senhor já disse aqui que elas iniciaram em meados de 2009,
quando ele era líder do PP, o senhor disse isso.
COLABORADOR - Antes de ele ser líder, mas se
intensificaram quando ele passou a ser o líder do PP.
ADVOGADO - Certo. O senhor se recorda o período, por
quanto tempo ele exerceu a liderança do partido?
ADVOGADO - Eu tenho a impressão que foi até começo
de 2011 ou meados de 2011.
JUIZ - Isso deu mais de ano? O senhor se recorda disso, se

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 399 de 486 3811


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foi mais de ano?


COLABORADOR - Eu acho que o ano de 2010, que foi o
ano da eleição, esse ano todinho, e 2011. Um ano e meio. Se
pegar o período de novembro de 2009 até o começo de 2011,
não dá [...] Em tomo de 2 anos, um pouco menos, um
pouquinho mais, não tenho certeza.
ADVOGADO - O senhor teria coma precisar, dentro de
um mês ou dentro de um ano, quantas semanas [...] Vamos
trabalhar dentro de um mês, que tem 4 semanas em média. O
senhor ia a São Paulo todas as semanas; ou falhava uma, se
falhava, falhava duas? Qual era a sua regularidade nessa ida?
Apesar de o senhor ter respondido, não ficou e1aro pra defesa.
COLABORADOR - Vamos dizer assim: de 52 semanas, eu
fui 40 ou 35.
JUIZ - No mínimo, três vezes por mês?
COLABORADOR - No mínimo.
ADVOGADO - Certo. Depois que o Deputado Nelson
Meurer deixou a liderança, o doutor mencionou que fez mais
duas entregas para ele. O senhor lembra quanto tempo depois
que ele deixou a liderança essas entregas foram [...]
COLABORA DOR - Não, não lembro, nem sabia que ele
tinha deixado a liderança. Depois e que eu vim [...]
ADVOGADO - Mas foi em um curto espaço de tempo
depois que ele deixou, ou foi muito tempo depois?
COLABORADOR - Eu volto a dizer: eu não lembro
quando ele deixou, porque simplesmente parou. Daí o
deputado começou a me ligar, mas eu não tava sabendo que
ele tinha deixado a liderança do pp, eu não estava sabendo. Ai
que eu perguntei para o Youssef, e o Youssef falou: "Não, o
deputado não é mais líder do PP agora, agora é outro grupo
que está comandando". Isso que o Alberto Youssef me [...]
Agora, não posso dizer para o senhor, precisar datas e semana,
assim, eu não posso.
ADVOGADO - Sem precisar data, isso teria se dado ainda
em 2011, essas duas últimas entregas?
COLABORADOR - Provavelmente. Provavelmente.

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ADVOGADO - E que o doutor afirmou que ele deixou a


liderança em [...]
COLABORADOR - Provavelmente. Provavelmente”
(grifei e sublinhei – 2930v/2931v).

A despeito de certa imprecisão em tais relatos sobre o período em


que o Deputado Federal Nelson Meurer foi Líder do PP, a partir de
consulta pública no sítio da Câmara dos Deputados na rede mundial de
computadores verifico, com a segurança necessária, as exatas datas do
exercício desta função, que compreendeu o seguinte interstício: de
1º/2/2011 a 11/8/2011 <www2.camara.leg.br/deputados/ pesquisa/layouts_
deputados_biografia?pk=73781>.

Diante de tais elementos e à vista da informação no sentido de que o


denunciado, no período em que exerceu a liderança do partido político,
em contraprestação ao apoio que forneceu para a manutenção de Paulo
Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, recebeu
vantagem ilícita, de forma periódica e ordinária, por no mínimo três
vezes em cada mês, entendo estar configurada a prática do delito
tipificado no artigo 317, §1º, do Código Penal, por 18 (dezoito) vezes, e
não 30 (trinta) como concluiu o Relator, data maxima venia.

Registro, no ponto, que este fato pode ser constatado a partir do


cruzamento de dados levado a efeito pelo Relator em seu percuciente
voto, sobretudo quanto à análise dos extratos telefônicos de fls.
1.271/1.754, onde constam dezenas de chamadas entre os ramais
utilizados colaborador Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini e o
denunciado no ano de 2011, todas travadas para acertar a entrega do
dinheiro ilícito (segundo as próprias declarações do colaborador em juízo
- fls. 2.916/2.935).

Por fim, no que tange à responsabilidade penal dos codenunciados


Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer, filhos do Deputado
Federal, aos quais são imputados os mesmos crimes de corrupção

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passiva, mas na condição de partícipes de Nelson Meurer, verifico, dos


relatos dos principais responsáveis pela entrega dos numerários, que, de
fato, estes corréus prestaram o alegado auxílio, recebendo dos emissários
o dinheiro objeto da vantagem indevida.

Com efeito, a despeito de Carlos Alexandre de Souza Rocha, vulgo


“Ceará” ter declarado em juízo que as entregas do dinheiro que realizou
aos corréus em favor de Nelson Meurer deram-se, frequentemente, no
ano de 2010 – fora, portanto, do período em que o Deputado Federal era
Líder do PP, sendo, por consequência, impossível reconhecer-se a
configuração do delito – Rafael Angulo Lopes e Antônio Carlos Brasil
Fioravante Pieruccini confirmaram terem feito várias entregas de
quantias a Nelson Meurer Júnior, seja no Hotel Curitiba Palace, no
Aeroporto Afonso Pena, e até no escritório localizado em Francisco
Beltrão, e uma ou outra a Cristiano Augusto Meurer, todas em benefício
do Deputado Federal, no interstício que este exerceu a liderança
partidária, ou seja, durante o ano de 2011.

Confira-se, nesse particular, o que disse Rafael Angulo Lopes em


juízo:

“COLABORADOR - Em São Paulo, na Avenida São


Gabriel. E também levei dinheiro para ele para o Paraná, em
Curitiba. Eu levei várias vezes em hotel. Hum, o hotel, acho que
era Hotel Curitiba ou Palace Curitiba, lá no centro de hotel,
perto do Palácio Avenida. Entreguei dinheiro para ele
pessoalmente, entreguei dinheiro para os filhos dele, Nelson
e um outro que era mais novo, um pouco mais forte, não me
recordo o nome dele, mas eu entreguei, inclusive, no
aeroporto de Curitiba. O Senhor Nelson Meurer me
aguardava no aeroporto, às vezes, na maioria das vezes, com o
filho. Ia até o carro dele, dávamos uma volta em torno do local
de via do veículo, pelo estacionamento, entregava o dinheiro,
colocava na pasta dele, me deixava novamente e eu retomava
para São Paulo. Essas eram as formas que eu entregava, no

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 402 de 486 3814


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carro dele, em hotel, também, em Curitiba, um ou dois, um,


além do Curitiba Palace, para o Nelson Júnior.
[...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Existia alguma outra pessoa
para quem o senhor entregava valores aqui em Curitiba? Ou,
quando o senhor vinha, era só para entregar para Meurer?
COLABORADOR - Eu vinha para Curitiba,
normalmente, mais para entregar para o Senhor Nelson
Meurer ou um dos filhos. Levei também em Brasília dinheiro
no apartamento do João Pizzolatti. Eles se reuniam lá, o José
Janene, na ocasião, Mário Negromonte, o Pedro Corrêa, o
Nelson Meurer, todos esses que eu já tinha citado. E eu levava
um determinado valor e entregava ou pra o José Janene,
quando estava lá, ou então, às vezes, para o Pizzolatti. E ele
estava com mais algumas outras pessoas, que eu não sei se
eram motoristas ou assistentes. Cheguei a entregar em Brasília
também várias vezes.
[...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Com relação aos filhos dele - o
senhor falou Nelson Meurer Júnior -, ele recebeu valores no
hotel? No aeroporto? Era em Curitiba? Ele chegou a vir a São
Paulo ou estava em Brasília? Como é que era?
COLABORADOR - Normalmente, no hotel lá em
Curitiba e, no aeroporto, ele me apanhava. Às vezes, estava
me aguardando, e, no carro, eu entregava às vezes pra ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E ele estava acompanhado do
pai ou ele estava sozinho?
COLABORADOR - A maioria das vezes, vamos dizer de
"n", um exemplo, entre cinco vezes, quatro estava com o pai.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Ou [...] ?
COLABORADOR - Outras vezes, no hotel, o Hotel
Curitiba ou o Palace Curitiba. Às vezes, a maioria das vezes,
ele estava só.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Estava só no hotel.
COLABORADOR - Sozinho, pelo menos quando me
recebeu e [...]

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 403 de 486 3815


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MINISTÉRIO PÚBLICO - Tá. O outro filho que o senhor


falou que era mais forte [...] No hotel ou no [...] ?
COLABORADOR- Sim, o mais novo, parece [...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ele recebeu como os valores?
COLABORADOR – Também [...] No hotel. Mas pra ele eu
entreguei poucas vezes. Foram umas duas ou três vezes só.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E o senhor lembra quando foi,
mais ou menos, que entregou pra ele?
COLABORADOR - Não, não me lembro, porque eu
viajava bastante e ia pra muitos lugares. Não me recordo
datas, mas eu posso afirmar que é desde que é entre 2007 até
2012, início de 2013.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Eles, em relação aos
filhos, eles recebiam o dinheiro e colocavam em alguma mala
ou também acondicionavam no corpo? Como é que era o
transporte? COLABORADOR- O meu transporte pra isso?
MINISTÉRIO PÚBLICO - Não.
COLABORADOR - O dele?
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quando o senhor entregava pra
eles.
COLABORADOR - Não, quando eu entregava no hotel,
ele pegava, ele contava a quantidade de maços, guardava - ou
não guardava, deixava em cima da mesa -, e eu ia embora.
Quando era, no caso do aeroporto, pra ir no carro, era usado o
mesmo sistema. Eu entrava na frente, junto com ele. Às vezes
atrás, se estava muito iluminado. Ele tinha uma pasta entre o
banco e o encosto do motorista. Ele pedia pra pegar aquela
pasta, que praticamente era a mesma dele ou do Nelson
Meurer, e eu colocava dentro da pasta e passava pra ele,
deixava no mesmo lugar. Aliás, não passava, deixava no mesmo
lugar que estava.
[...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - A finalidade da viagem era só
entregar o dinheiro?
COLABORADOR - Só entregar dinheiro. Houve ocasiões
- umas duas, pelo menos - que o filho dele, o Nelson Meurer,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 404 de 486 3816


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me levava até hotéis, porque eu estava sem [...], não ia de


carro, pra conseguir vaga pra dormir, pra voltar pra São Paulo
no dia seguinte.
[...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Tá. No depoimento prestado nas
investigações, o senhor reconheceu as fotografias do Nelson
Meurer Júnior e do outro filho, Cristiano Augusto Meurer, estão
nas folhas 12 e 13 do apenso. Eu gostaria de mostrar pra o
senhor pra ...
JUIZ - O senhor se recorda desse reconhecimento que o
senhor fez de fotos?
COLABORADOR - Eu reconheci muita gente por foto,
várias vezes, durante todo ...
JUIZ - Pode mostrar, então. Doutor (ininteligível).
COLABORADOR - É ele sim. Tinha mais cabelo. Esse é
JUIZ - Qual é a folha ali (ininteligível)?
MINISTÉRIO PÚBLICO - Doze e treze do apenso.
JUIZ - O mais novo é na folha ... ?
SENHORA - Treze .
JUIZ - Treze? Tá. Só pra ficar registrado.
[...]
COLABORADOR - Todas as entregas pro Senhor Nelson
Meurer variava entre cinquenta mil a cento e cinquenta, ou
melhor, até duzentos mil reais. Isso, às vezes, quando era
duzentos mil reais, era fracionado: era entregue uma parte no
escritório; outras vezes, entrega outra parte pro filho; e outra
parte, às vezes, pra ele.
[...]
JUIZ - Com relação aos filhos, a entrega aos filhos.
COLABORADOR - Sim.
JUIZ - O Senhor Alberto Youssef disse que não eram
entregues - de conhecimento dele, pela menos - valores aos
filhos, ate porque ele usou a expressão ‘que o Nelson não faria
isso com os filhos’. O senhor me relator num momento que,
quando o senhor entregava no aeroporto, de cinco vezes, quatro
o Senhor Nelson estaria acompanhado - Nelson pai e filhos.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 405 de 486 3817


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COLABORA DOR - Correto.


JUIZ - Quando o senhor recebia a missão: vai lá entregue
isso daqui pro Nelson, o senhor recebia já a missão, o Alberto
Youssef falava: vai lá e entrega isso daqui pros filhos do Nelson.
COLABORA DOR - Não.
JUIZ - Vai lá e entrega isso daqui pro Nelson. Como que o
senhor sabia que era o Nelson ou os filhos? Isso era só quando o
senhor entrava dentro do veiculo? O senhor teve contato com os
filhos? Eu gostaria que senhor esclarecesse essas quest6es para
mim.
COLABORADOR - Muito bem. O Senhor Alberto falava
que era para o seu Nelson Meurer, ou quando eu saia de São
Paulo, ou quando eu chegava em Curitiba e ligava para ele.
JUIZ - Pra quem, pro Alberto?
COLABORA DOR - Pro Alberto Youssef. Ai, ele me
orientava para ir para tal local procurar o Nelson Meurer.
Quando eu chegava, o Senhor Nelson Meurer, às vezes, não
estava, estavam os filhos. Então ele, eu ligava pro [...]
JUIZ - O senhor sabe se isso era de conhecimentos do
Senhor Alberto, que estava o filho esperando?
COLABORADOR - Eu ligava para o senhor Alberto, olha:
"o Senhor Nelson não esta aqui, volto com ou dinheiro eu
espero?" - "(Ininteligível) um pouco, quem é a pessoa que esta
ai?" - "Olha, é o filho dele". Porque foi apresentado com o filho,
ele se apresentou com o filho, nas primeiras vezes, e estava
sempre junto, e o Senhor Nelson Meurer falava que era o
Nelson filho dele.
JUIZ - Tá. Naquelas vezes que o senhor tava, entregou no
aeroporto, que o senhor nominou, de cada cinco, quatro o
filho estava junto.
COLABORADOR - Sim.
JUIZ - O senhor fala que estava junto, era isso?
COLABORADOR - Sim, junto no carro [...]
JUIZ - E o senhor saiu com a missão de entregar ao Nelson
[...]
COLABORADOR - Ao Nelson Meurer.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 406 de 486 3818


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JUIZ - Ao Nelson Meurer?


COLABORADOR - Isso.
ADVOGADO III Nessas entregas, onde supostamente,
segundo Vossa Senhoria colocou, que os filhos, que o filho
estaria, era sempre os dois filhos, ou, na maioria das vezes, era
um e não outro?
JUIZ - Ou, em alguma vez, os dois estavam juntos?
ADVOGADO III - Juntos, ou era mais o Nelson, o Júnior e
menos o Cristiano, ou nunca o Cristiano?
COLABORADOR - Veja bem, a maioria das vezes que eu
entreguei pro Senhor Nelson Meurer estava junto com o
Nelson Junior.
JUIZ - O filho Nelson Junior.
COLABORADOR - Isto. Estava no carro, no aeroporto,
me aguardando também; outras vezes o Senhor Nelson
Meurer me aguardava no aeroporto, nas íamos ate o carro, e o
filho estava no carro. Quando eu ia lá, ao Hotel, procurando o
Senhor Nelson Meurer, as vezes, rara vez o Senhor Nelson
estava, mas (ininteligível) entregar para ele, pro Senhor
Nelson, no hotel, sa pro Senhor Nelson Meurer; outras vezes
pro Senhor Nelson Meurer junto com ou Nelson Junior (filho)
e, mais frequente, e eles estarem os dois juntos.
JUIZ - Ta.
COLABORADOR - Agora, quanto o mais novo, acho que
é Cristiano.
JUlZ - Isso.
COLABORADOR - Falou, mas não me recordo o nome,
eu só entrei umas duas ou três vezes, foi no Hotel Curitiba
Palace, só no hotel, só pra ele, só estava esse filho mais novo.
JU1Z - Ta. Então, o senhor encontrou muitas vezes o
Nelson (pai) e o Nelson (filho), aeroporto e Hotel?
COLABORADOR - Correto.
JUIZ - Com relação ao Cristiano, o senhor nunca o
encontrou no aeroporto?
COLABORADOR - Não.
JU1Z - Nunca o encontrou com o pai?

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 407 de 486 3819


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COLABORADOR - Não.
JUIZ - O senhor o encontrou duas a três vezes, no hotel,
sozinho?
COLABORADOR - Correto” (grifei e sublinhei - fls.
2972/2806).

Veja-se, igualmente, as informações judiciais de Antônio Carlos


Brasil Fioravante Pieruccini:

“[...]
COLABORADOR - Normalmente, era no Hotel Curitiba.
O Hotel Curitiba e no centro de Curitiba, aqui na avenida [...]
Eu não lembro o nome [...] Ermelindo de Leão, se eu não me
engano. Ermelindo de Leão. E eu sempre encontrava ele ali.
Houve uma ou duas vezes, eu encontrei o deputado no
aeroporto. Então a encomenda estava comigo e o deputado
estava chegando de avião. Aí eu ia até o aeroporto e fazia essa
entrega.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ali no hotel, como e que o
senhor fazia? O senhor chegava ali, estacionava o carro?
COLABORA DOR - Estacionava o carro em frente. O
Deputado, geralmente, ele estava no saguão do hotel.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Que horário que era isso, mais
ou menos?
COLABORADOR - Ah, era variado. Era variado, era
variado, a hora que eu chegasse. Quando eu chegava muito
tarde da noite, era pela manhã; mas geralmente não.
Geralmente, 10 horas da noite estava chegando de São Paulo e
eu já me desvencilhava da [...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Aí, ele estava ali na recepção e o
senhor já entregava para ele ali?
COLABORA DOR - Sempre. Às vezes, muita das vezes,
mesmo quando o Deputado estava acompanhado do filho
dele, muitas das vezes eu subia no aposento com filho dele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O filho dele aguardava o
senhor lá embaixo e o senhor subia?

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 408 de 486 3820


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COLABORADOR - Os dois estavam juntos, daí o


Deputado ficava ali embaixo e eu subia com o filho.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ah, o Deputado ficava e o
senhor subia com filho?
COLABORADOR - Ficava, mas quando o filho não
estava [...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Qual era o filho?
COLABORADOR - Olha, eu [...] O nome [...] Eu sei que é
um que e advogado. Eu não sei se os dois são advogados.
Inclusive, estive no escritório deles em Francisco Beltrão, fiz
uma entrega para ele em Francisco Beltrão.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Ah o senhor fez uma entrega
(ininteligíveis). Para o deputado, ou para o filho dele?
COLABORADOR - Para o filho.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quando que foi isso? Nesse
mesmo período, foi nesse mesmo (ininteligíveis)?
COLABORADOR - E, nesse período. Nesse período, e. O
Deputado estava em Brasília, não pôde vir e ele pediu para
mim se eu podia, se faria essa gentileza, ir a Beltrão entregar
essa encomenda.
MINISTÉRIO PÚBLICO - E aí o senhor foi a Francisco
Beltrão?
COLABORADOR - Fui, entreguei no escritório dele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Entregou para quem?
COLABORA DOR - Para o filho.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor não recorda o nome?
COLABORA DOR - Não, não. Eu não sei se é o Nelson
Meurer Junior. Perdoe, eu não sei. Eu que ele é o advogado.
Agora, eu não sei o nome, não posso [...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - E, aí, coma e que foi? Onde e
que era o escritório dele lá em Francisco Beltrão? O senhor se
recorda?
COLABORA DOR - Olha, descendo a Avenida Júlio de
Assis, que é a avenida principal de Francisco Beltrão, você desce
em direção ao rio, ele vai ficar a esquerda, numa rua paralela it
esquerda, no primeiro andar. Era um prédio com andar, sobre

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 409 de 486 3821


AP 996 / DF

andar, térreo e sobre andar.


MINISTÉRIO PÚBLICO - E o senhor chegou ali eu disse:
"olha, eu vim fazer [...] "
COLABORA DOR - Não, nós já nos conhecíamos por
telefone. Eu tinha o telefone dele, liguei: "Ô, tô chegando daqui
(ininteligível)". Daí ele me deu o endereço, eu fui até ele.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor tinha o telefone do
filho também?
COLABORADOR - Também.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Quem que tinha passado para o
senhor? O senhor recorda?
COLABORADOR - O telefone do filho? Eu não lembro
agora. Provavelmente, coma eu fui atender um pedido do
Deputado, provavelmente acho que deve ter sido o Deputado.
Eu não lembro agora. Honestamente, eu não [...] Quem me
passou esse [...] Eu não lembro.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Certo. Então, quando o senhor
fazia entrega no hotel, normalmente eles estavam ali embaixo e
subiam com o senhor?
COLABORADOR - Sim, sim. Muitas vezes, o Deputado
estava com pessoas, tomando café. La ele sempre tinha prefeitos
e tal. Então, aí eu subia com filho dele. Ele só cumprimentava e
dava um "oi".
[...]
MINISTÉRIO PÚBLICO - E quando era no aeroporto,
coma e que o senhor fazia a entrega? Encontrava ele aonde?
COLABORADOR - No aeroporto, ele telefonava: "Eu
estou chegando, eu vou chegar no voo tal e tal". Aí eu
encontrava ele. Daí meu carro estava no estacionamento.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor falava com ele por
telefone, então, para combinar o local do encontro.
COLABORADOR - Sim, era para (ininteligível) "Tá
chegando". Ele dava o número do voo que ele iria chegar. Isso
foi duas vezes no máximo, uma ou duas vezes, ou talvez uma
terceira.
MINISTÉRIO PÚBLICO - O senhor apresentou os seus

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 410 de 486 3822


AP 996 / DF

extratos de ligação telefônica, ne?


COLABORADOR - Sim, apresentei todos eles.
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO - O outro filho do Deputado, o
Cristiano, o senhor não [...]
COLABORADOR - Não, eu só estive com [...]
MINISTÉRIO PÚBLICO – Só com um filho.
COLABORADOR - Só com um filho.
JUIZ - Que é o advogado que o senhor não sabe
diferenciar o nome.
COLABORADOR - Isso, o que é advogado.
[...]
ADVOGADO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO – O senhor
subia, então, com o filho quando ele estava presente. Quando
o filho estava presente o seu subia com o filho.
COLABORADOR - Sim.
JUIZ - E o Deputado não ia?
COLABORADOR - E o deputado não ia” (grifei e
sublinhei fls. 2919/2924).

Em suporte às palavras desses colaboradores, impende considerar


que, tal como precisamente observado pelo eminente Relator, há nos
autos prova de registro de chamadas telefônicas realizadas entre Antônio
Carlos Brasil Fioravante Pieruccini e Nelson Meurer Júnior, ao menos nos
meses de fevereiro (fl. 1.418), março (fl. 1.422) e agosto de 2011 (fl.
1.445), todas dentro do período em que o Deputado Federal era líder do
Partido Progressista.

Quanto à entrega feita por Antônio Carlos Brasil Fioravante


Pieruccini a Nelson Meurer Júnior no escritório em Francisco Beltrão,
contudo, a despeito de ratificada pelo extrato de chamadas telefônicas de
fl. 1.459, verifico que esta ocorreu em 7.11.2011, fora, portanto, daquele
interregno da liderança partidária exercida por Nelson Meurer, razão por
que deixo de considerá-la para fins de responsabilização penal, pelos
fundamentos acima expostos.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 411 de 486 3823


AP 996 / DF

Por derradeiro, também entendo não ser possível, com a devida


vênia, atribuir responsabilidade criminal a Cristiano Augusto Meurer, na
medida em que o único elemento de suporte quanto à identificação da
data em que ocorreu a entrega do dinheiro - a saber, registro de
hospedagem do denunciado no Hotel Curitiba Palace -, aponta para o dia
de 5.6.2008 (fl. 813), fora, portanto, daquele período em que o Deputado
Federal era Líder do PP, sendo, por consequência, inviável reconhecer-se
a configuração do delito.

Assim, reportando-me, no particular, ao arguto cruzamento de


dados explicitado no voto do Ministro Edson Fachin – que, sob essa
perspectiva, corrobora a participação de apenas um dos filhos do
Deputado Federal na prática da corrupção passiva descrita – acompanho,
também, parcialmente, Sua Excelência na conclusão a que chegou sobre a
reponsabilidade penal de Nelson Meurer Júnior, para reconhecer a
configuração do crime tipificado no artigo 317, §1º, combinado com o art.
29, ambos do Código Penal, por 3 (três) vezes.

II. B - Lavagem de Dinheiro

Com relação a este tópico, ressalto que estou de pleno acordo com os
fundamentos declinados nos votos do Ministro Relator, Edson Fachin, e
do Ministro Revisor, Celso de Mello, no que diz respeito às absolvições
por eles declaradas quanto às imputações de lavagem de dinheiro em
suas diversas modalidades, considerada a forma direta e a participação a
que alude o art. 29 do Código Penal.

Da mesma maneira, comungo do entendimento manifestado pelo


Ministro Relator quanto à condenação do réu por lavagem de dinheiro
mediante declarações – em ajustes anuais de imposto de renda de pessoa
física – de disponibilidade monetária incompatível com os rendimentos
regularmente percebidos pelo denunciado Nelson Meurer.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 412 de 486 3824


AP 996 / DF

Assim como o Ministro Relator, verifico que estão devidamente


comprovados os cinco atos de lavagem de dinheiro praticados pelo réu,
os quais merecem a devida reprimenda. No ponto, penso que se mostra
irrespondível o seguinte trecho do voto de Sua Excelência, verbis:

“No que diz respeito à reversão da doação de imóvel rural


realizada na década de 1980, não há nos autos qualquer
comprovação de sua alienação, sendo inviável a sua invocação
para justificar a descompassada movimentação financeira em
contas-correntes titularizadas pelo denunciado Nelson Meurer.
Tampouco a liquidação do estabelecimento comercial
denominado Supermercado Marrecão Ltda. serve como
justificativa idônea para sustentar, por exemplo, a declaração de
ter em sua guarda a expressiva quantia de R$ 1.365.410,00 (um
milhão, trezentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e dez
reais).
Com efeito, mesmo que se admita tratar-se de uma
manobra contábil, o denunciado Nelson Meurer, nas
declarações de imposto de renda prestadas nos anos de 2011 e
2012 (fl. 566, apenso 2, CD 1), informou ser proprietário de
103.500 (centro e três mil e quinhentas) cotas da referida
sociedade empresária, ao passo que, no ano seguinte, quando
declarada a sua liquidação, declinou possuir 848.568 (oitocentas
e quarenta e oito mil, quinhentas e sessenta e oito) cotas,
atribuindo a cada uma o valor de R$ 1,00 (um real).
Embora o valor atribuído à totalidade das cotas não tenha
se alterado durante os anos, é certo que o próprio denunciado
confessa que tal sociedade empresária já não se encontrava mais
em atividade, circunstância que revela que a sua liquidação foi
utilizada para conferir ares de licitude a recursos obtidos de
forma espúria“ (fl. 136).

Nesse contexto, também eu condeno o réu pela prática do crime de


lavagem de dinheiro, por cinco vezes, em razão dos fatos reproduzidos
acima, que, como visto, têm por fundamento a própria palavra do

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 413 de 486 3825


AP 996 / DF

denunciado, além dos laudos periciais constantes dos autos.

Da mesma forma, condeno o réu pelo branqueamento


consubstanciado em depósitos fracionados dos valores que lhe foram
destinados por intermédio do Posto da Torre (smurfing).

Dessa maneira, a única divergência que tenho a manifestar com


relação a este capítulo do voto do Ministro Relator, reside na condenação
do réu em razão de suposta simulação da doação levada a efeito pela
empreiteira Queiroz Galvão.

Inicialmente, assento que, na minha concepção, para caracterizar o


delito de lavagem de dinheiro, assim como os demais tipos penais, o dolo
do agente, ou seja, a vontade livre e consciente de atingir o resultado
delituoso deve ser sempre claramente demonstrado, uma vez que não
existe o dolo eventual, nem a forma culposa desse crime, conforme firme
orientação doutrinária estrangeira e pátria sobre o tema.

Nesse sentido, observo que a Convenção de Viena (art. 3,1, b), a


Convenção de Palermo (art. 6,1) e a Diretiva do Parlamento Europeu
consignam que somente aqueles que possuem plena ciência da
procedência ilícita dos bens ou valores podem praticar o crime de
lavagem de dinheiro.

Ao comentar a modalidade delituosa de lavagem de dinheiro


prevista na legislação espanhola, Aránguez Sanchez 1 observa que nela, a
exemplo da nossa, não se menciona a possibilidade de enquadramento
por “dolo eventual, mas sí que se delimita el elemento volitivo del dolo, pues el
verbo típico consiste en realizar cualquier acto para ocultar, encubrir, o ayudar,
con lo que excluye el dolo eventual e incluso el dolo de consecuencias
necessárias”.

1 SÁNCHES ARÁNGUEZ, Carlos. El Delito de Blanqueo de Capitales. Madri, Marcial


Pons, 2000.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 414 de 486 3826


AP 996 / DF

Em sua obra Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas, Marco


Antônio de Barros2, por sua vez, assenta que:

“Desde o início destes estudos e pesquisas sustentamos


que o dolo, in casu, é o dolo direto (quando o agente quer o
resultado). Não é aceitável o argumento que defende a
possibilidade de se confirmar o elemento subjetivo com esteio
na figura do dolo eventual (quando o agente assume o risco de
produzi-lo). É que as condutas alternativas do tipo penal estão
ligadas à intencionalidade de se ocultar ou dissimular o
patrimônio ilícito originário de crime antecedente, ou então,
quando se trate das condutas paralelas de colaboração, também
se indica a prévia ciência da origem ilícita dos bens, direitos ou
valores. [...] Vale dizer, a intencionalidade de ocultar ou
dissimular não dá abrigo à assunção de risco. Ao contrário,
exige ação com conhecimento prévio da origem ilícita do
capital, conduzida a partir da decisão de alcançar o resultado
típico. Seria temerário e configuraria uma interpretação
extensiva insegura, demasiadamente longa para a defesa do
réu, admitir que, na ausência de previsão legal da forma
culposa, se possa substituí-la pela aplicação da teoria do dolo
eventual, para o fim de se evitar situações de eventuais
impunidades”.

Assim, o simples recebimento de numerário não caracteriza, por si


só, o crime de lavagem de dinheiro. Nesse diapasão, permito-me lembrar
que o elemento ocultar não é exclusivo do tipo penal da lavagem de
dinheiro.

No crime de corrupção passiva, por exemplo, o caput do art. 317 do


CP prevê a solicitação ou recebimento indireto da vantagem. Ou seja, nas
palavras de Nucci, “é possível a configuração do delito caso o agente atue
(...) de modo indireto, disfarçado ou camuflado ou por interposta

2 BARROS, Marcos Antônio. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. 3.


ed., rev., atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.

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pessoa”.

Nessa perspectiva, o fato de alguém ter recebido vantagem indevida,


sob a forma de dinheiro, dissimuladamente, pode, sim, caracterizar o
crime de corrupção passiva. Mas este único fato, qual seja, o recebimento
de propina de maneira camuflada, não pode gerar duas punições
distintas, a saber, uma a título de corrupção passiva e ainda outra de
lavagem de dinheiro, sobretudo quando não demonstrados dolos
distintos, sob pena de ferir-se de morte o princípio do ne bis in idem.

Um réu só pode ser condenado por corrupção passiva e lavagem de


dinheiro se verificada a ocorrência de dolos distintos. Isto é, deve ficar
devidamente demonstrada, e não implícita, a vontade livre e consciência
de realizar o branqueamento de capitais, com o escopo de limpar o
dinheiro sujo.

Gostaria de deixar essa premissa bem esclarecida em meu voto:


admito a coexistência da prática dos crimes de corrupção passiva e
lavagem por um mesmo agente, mas desde que se comprove a realização
de dolos distintos para cada um desses delitos. Em outras palavras, não
aceito a imposição de dupla punição automática advinda de um único
fato delituoso, se não estiverem devidamente comprovados os distintos
dolos.

Com efeito, o fato isolado de alguém receber uma vantagem


indevida, diretamente ou por interposta pessoa, enquadra-se no tipo
penal da corrupção passiva. Agora, se ficar demonstrado nos autos que a
pessoa que recebeu a propina tiver o dolo diverso daquele primeiro, ou
seja, se caracterizada a intenção de lavar o produto da corrupção, ele
incidirá, concomitantemente, no crime de lavagem de dinheiro.

Nessa hipótese, inclusive, não ficará caracterizado o mero


exaurimento da conduta, conforme já decidi no INQ 2.471/SP, de minha

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relatoria. Naquela assentada, tive a oportunidade de salientar que não


sendo considerada a lavagem de capitais mero exaurimento do crime de
corrupção passiva, é possível que dois dos acusados respondam por
ambos os crimes, inclusive em ações penais diversas.

É que, como se sabe, o delito de lavagem de dinheiro tem como


núcleo o ato de ocultar ou dissimular a origem dos valores, tratando o
agente de reciclá-los por meio de uma ou várias operações, de modo a
camuflar a sua origem espúria, reinserindo-os no mercado com aparência
lícita.

Há, pois, nesse crime, um elemento típico objetivo que corresponde


à conduta de maquiar, mediante os mais distintos artifícios, a origem
ilícita do dinheiro, para, em seguida, branqueá-lo mediante uma operação
de lavagem. Já o elemento subjetivo consiste na intenção do agente de
emprestar aos valores oriundos dos crimes antecedentes uma aparência
legal.

Assento, de outro lado, que o mero proveito econômico do produto


do crime de corrupção passiva não configura o delito de lavagem de
dinheiro, o qual exige, como visto, a prática das condutas típicas e
autônomas de ocultar ou dissimular o produto de crimes antecedentes
com o intuito de branquear capitais.

Por todas essas razões e transportando-se a teoria ao caso concreto,


comungo do entendimento manifestado pelo Ministro Dias Toffoli, no
sentido de que:

“[...] a título de argumentação, ainda que eventualmente o


valor doado fosse produto de crime contra a administração
pública, não há prova segura de que Nelson Meurer tivesse
ciência de sua origem espúria e de que tivesse agido com o dolo
de dissimular essa origem e de promover a sua reinserção na
economia formal.

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Dito de outro modo, caso se tenha pretendido utilizar a


doação eleitoral como forma de lavagem de capitais, não há
prova segura de que o acusado Nelson Meurer tenha
dolosamente concorrido para esse crime”.

Não encontro nos autos, após detida revisão, por mais que
pesquisasse, nenhuma prova e nem sequer um indício concreto de que o
réu, consciente e livremente, tenha tido a intenção de lavar dinheiro pela
via de doação oficial recebida.

Ao contrário, na espécie, verifico que há fortes elementos a indicar


que a forma de recebimento da doação em apreço foi compulsória, ou
seja, imposta pela construtora, não havendo mínimo espaço de ação
reservado ao réu para receber as referidas quantias desta ou daquela
maneira.

Especificamente sobre este ponto, trago à colação trecho


paradigmático do depoimento do próprio colaborador Alberto Youssef -
que figura como operador financeiro do esquema descrito na inicial - a
propósito das cobranças por ele realizadas, com o auxílio de Pedro
Corrêa, à construtora Queiroz Galvão, verbis:

“E, aí, insistentemente, eu com o Pedro Corrêa acabamos


cobrando, cobrando, cobrando, até que o Paulo Roberto
conversou com a diretoria ou com o Idelfonso [então Presidente
da Queiroz Galvão] – salvo engano -, na época, e disponibilizou
sete milhões e meio pra que a empresa ajudasse na campanha.
Eu procurei o Oto na época. O Oto falou pra mim que ia ver
como que ele podia fazer, pra fazer essas doações, mas que ele
não trabalhava na questão de ‘caixa dois’, e que ele ia ver
como ia fazer, mas que, provavelmente, seria como doação
oficial. E assim foi feito, como doação oficial. O partido me
passou a lista, e eu entreguei”. [...] quando a doação foi feita, a
empresa depois precisa do recibo pra prestação de contas.
Como foi eu que tratei diretamente com a empresa, então, ele

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 418 de 486 3830


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me cobrou que eu mandasse os recibos dos parlamentares pra


ele. E assim eu fiz, cobrei o Nelson Meurer, para que o Nelson
Meurer mandasse os recibos pra empresa” (grifei. Fls. 2825-
2826).

Ora, o depoimento transcrito acima revela, a um só tempo, que, de


fato: (i) o réu não teve contato com a empreiteira (vide na mesma direção
o interrogatório do réu e as declarações do próprio Othon Zanoide); (ii)
todas as doações ao Partido Progressista, e não apenas ao denunciado,
foram devidamente declaradas; e (iii) nenhum estratagema de lavagem
de dinheiro poderia ser imputado ao beneficiário, que sequer participou
das tratativas para o recebimento das referidas quantias e, evidentemente,
não teve opção de percebê-las de forma diversa.

Isso posto, penso, respeitosamente, que, para chegar à conclusão


contrária, teria de se lançar mão de conjecturas, ilações ou presunções,
metodologia intelectual que, como é sabido, não se afigura possível no
âmbito penal, em que as imputações devem estar devidamente
individualizadas e comprovadas para que seja possível privar o réu de
sua liberdade.

III – CONCLUSÃO

Isso posto, pelo meu voto, acompanho, em parte, o voto do eminente


Ministro Edson Fachin e julgo parcialmente procedente a pretensão
acusatória para: (i) condenar o réu Nelson Meurer como incurso, por 18
(dezoito) vezes, nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal, bem como
nas sanções do art. 1º, caput, da Lei n. 9.613/1998, por 7 (sete) vezes; e (ii)
condenar o denunciado Nelson Meurer Júnior como incurso nas sanções
do art. 317, § 1º, do Código Penal, por 3 (três) vezes, na forma do art. 29
do mesmo diploma legal.

De outra parte absolvo, com fundamento no art. art. 386, VII, do


Código de Processo Penal, o denunciado Nelson Meurer quanto à: (i)

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alegada participação em todos os crimes de corrupção passiva praticados


no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras S/A, por Paulo
Roberto Costa; e (ii) participação em todos os delitos de lavagem de
dinheiro praticados por Alberto Youssef, em decorrência dos contratos
celebrados por empresas cartelizadas no âmbito da Diretoria de
Abastecimento da Petrobras S/A.

Absolvo, ainda, o denunciado Cristiano Augusto Meurer da prática


do delito previsto no art. 317, § 1º, combinado com o art. 29, ambos do
Código Penal, com fulcro no art. 386, VII do Código de Processo Penal.

Absolvo, outrossim, todos os denunciados em relação aos crimes de


lavagem de capitais consubstanciados nos recebimentos de dinheiro em
espécie, oriundos dos pagamentos ordinários e extraordinários de
vantagens indevidas e quanto à lavagem de dinheiro decorrente da
doação eleitoral oficial.

IV – DOSIMETRIA DA PENA

A - Nelson Meurer

Estou de pleno acordo com os votos proferidos pelos Ministros


Edson Fachin e Celso de Mello no tocante às circunstâncias, aos
elementos e demais considerações sopesadas nas três fases de fixação das
penas por corrupção passiva e lavagem de dinheiro do condenado Nelson
Meurer.

Reconheço, outrossim, na linha do voto do Ministro Edson Fachin,


prescrita a conduta de branqueamento consubstanciado em depósitos
fracionados dos valores que foram destinados ao réu por intermédio do
Posto da Torre.

Ressalto, apenas, com a devida vênia dos que entendem em sentido

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contrário, que se deve descontar do total da reprimenda 4 (quatro) anos e


6 (seis) meses de reclusão, mais o pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-
multa, por entender não configurado o crime de lavagem de dinheiro
decorrente da doação eleitoral oficial.

Nessa perspectiva, penso que o total da reprimenda deve ser de 13


(treze) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de
122 (cento e vinte e dois) dias-multa.

No mais, alinho-me integralmente às considerações de Suas


Excelências na fixação do valor do dia-multa e no estabelecimento do
regime inicial de cumprimento de pena.

B - Nelson Meurer Júnior

Também neste subitem, ressalto que estou de pleno acordo com os


votos proferidos pelos Ministros Edson Fachin e Celso de Mello no que se
refere à pena fixada para o delito de corrupção passiva praticado pelo réu
Nelson Meurer Júnior.

Assim, condeno o acusado à sanção de 4 (quatro) anos, 9 (nove)


meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e ao pagamento de 31 (trinta e um)
dias-multa, manifestando minha adesão quanto à fixação do valor do dia-
multa e ao regime inicial de cumprimento de pena.

Quanto ao mais, acompanho na íntegra os proficientes votos


proferidos pelos Ministros Relator e Revisor, nos seguintes capítulos: (i)
fixação dos danos materiais; (ii) perda de bens; e (iii) interdição para
exercício de cargo ou função pública imposta ao condenado Nelson
Meurer.

Contudo, guardo restrições sobre a perda do mandato parlamentar,


bem como no que diz respeito à fixação do dano moral coletivo, pelas

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razões que declinarei em seguida.

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

APARTE
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Vossa Excelência,
Ministro Lewandowski, está trazendo um ponto extremamente
interessante. Confesso que, neste caso e em vários outros, já manifestei
alguma perplexidade com essa narrativa. Fico até com a impressão que
mesmo o leitmotiv, o pano de fundo, do presidencialismo de coalizão não
é suficiente para explicar toda essa discussão.
Eu entendo a narrativa, o esforço de fazer o enquadramento no
Código Penal, especialmente no tipo de corrupção, mas dizer que um
parlamentar atuou para nomear alguém - isso já seria um pouco mais
plausível -, e, portanto, conseguiu uma nomeação, em geral, não é em seu
próprio nome, mas em nome do grupo que representa. Parece até
plausível dizer: "Poxa, pode ter feito isto em troca de favores, prebendas,
e isso se enquadra como corrupção". Dizer que ele atuou, em seu próprio
nome ou em nome do grupo, para manter alguém em um dado cargo, a
narrativa já fica um tanto quanto menos consistente. Desde o inquérito
aqui citado do Senador Valdir Raupp, salvo engano, que essa questão
surgiu.
O tema é relevante, e faz parte de um sem-número de casos sobre os
quais teremos de nos manifestar.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Se Vossa
Excelência me permite uma parte dentro do aparte.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Por favor.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Eu direi
que, se nós levarmos essa argumentação ao extremo, estaríamos
imputando uma responsabilidade objetiva a um deputado, simplesmente
por ele fazer parte de uma bancada. Como disse no começo, a partir da
AP 470, a jurisprudência da Corte evoluiu no sentido de reconhecer que é
preciso identificar um ato de ofício, ainda que genérico. Em se tratando
de parlamentares, é mais genérico ainda, dentro da própria
argumentação trazida pelos dois eminentes magistrados que me

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AP 996 / DF

antecederam. Ou seja, para o parlamentar, não precisa ser do ut des, como


diziam os romanos, muito explícito, um toma-lá-dá-cá; é preciso de uma
participação minimamente consequente. E, aí, gostaria de explicitar o
meu ponto de vista no sentido de que o fato de a pessoa ser um simples
deputado de uma determinada bancada não quer dizer que ele tenha esse
poder, ainda que tenha recebido parte de um dinheiro que lhe é
distribuído, como sói acontecer, ou infelizmente tem acontecido, em
nosso presidencialismo de coalizão.
Esta é a minha preocupação: não atribuir, como uma narrativa
genérica, uma responsabilidade objetiva. Somente estou querendo dizer,
Senhor eminente Ministro Gilmar Mendes, que, a partir do momento em
que Nelson Meurer for guindado à liderança do Partido, em que ele
falava em nome do todo, ele tinha o poder político necessário para
manter, ou eventualmente até tirar do cargo, ou contribuir para
enfraquecer a posição desse diretor.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu entendo.
Gostaria de colocar mais um ponto nesse contexto. Se de fato houve -
e é deplorável que tenha havido - esse acerto financeiro, esse arranjo com
agremiação partidária, quer dizer, repasse a partir da Petrobras ou de
empresas para o partido, obviamente que a narrativa de que isso se
destinava a manter alguém naquela função fica muito empobrecida. A
meu ver, a questão é muito mais ampla. Nós estamos aqui a falar de um
tipo de arranjo para que a agremiação vote com o partido, vote com o
governo. Em suma, a questão é extremamente complexa. Eu entendo que
se faça essa narrativa, até porque se busca fazer um enquadramento
dentro dos limites do Código Penal, mas não podemos fazer ablação da
realidade institucional em que isso desenvolveu. O que acaba por ocorrer
- e lamentavelmente tudo indica - é que se fez um tipo de arranjo, mas
que não se delimita à figura de Paulo Roberto Costa, ou a eventual
diretoria da Petrobras, e sim a uma questão mais ampla.
Portanto, parece-me que o debate teria de ser um pouco mais aberto,
mesmo tendo como pano de fundo o chamado presidencialismo de
coalizão, porque, em princípio, parece que se trata - depois citarei isso em

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meu voto - de um contrato de patronagem, lembrando o parlamento


inglês do Século XVIII, alguma coisa do tipo, em que se faziam arranjos.
Por quê? Aquilo que o Sérgio Abranches chamou de presidencialismo de
coalizão, tendo em vista a necessidade de apoio parlamentar,
aparentemente, tinha a ver com um sistema de divisão de ministérios e
locus importantes na burocracia. Esse era um pouco o desenho. Depois,
ele vai ganhando essas novas feições - Vossa Excelência já fez remissão
aos episódios do Mensalão - mediante pagamento e cooperação, muitas
vezes, associada a campanha.
Estou fazendo essa colocação um pouco de propósito, para chamar a
atenção para uma questão que é realmente, para mim, bastante séria no
contexto geral. Esse é um ponto.
O segundo ponto, que já foi ferido no voto do Ministro Toffoli, tem a
ver com esse outro aspecto da narrativa, que são as doações - e no caso
específico, especialmente, as doações feitas de forma transparente, as
doações legais. Aqui, eu tenho um outro temor, Ministro Fachin, Ministro
Celso, Ministro Lewandowski, que é o seguinte: diante dessa
criminalização geral da temática doação - e aí a questão dos doadores;
nesse caso, inclusive, não ocorreu, pela leitura do Ministro Toffoli, mas,
como não estamos discutindo apenas o caso e sim estamos tentando fazer
uma moldura geral -, eu queria colocar um outro aspecto, que é a
tentação, a partir até de uma teoria dos jogos, que tem o delator de
transformar talvez, até mesmo, doações que tinham caráter de
normalidade em agora doações-propina.
A literatura mundial, Ministro Celso, chama a atenção para isso,
inclusive no que diz respeito à leniência - o convite que se faz, diante do
interlocutor que tem o poder da leniência, de reinterpretar o próprio ato.
Eu lembro que vi vários desses filmetes que passaram na televisão de
vários desses múltiplos doadores que, olhando para o Procurador,
diziam: "Fiz a doação. Não, não, a senhora quer que eu diga propina!"
Portanto, transformava a doação em propina, porque isso é que resulta
numa teoria dos jogos mais benevolente para a sua estratégia. Então,
parece-me que é preciso que ampliemos um pouco essas molduras para

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discutirmos essa temática no terreno em que de fato esse tema se deu.


A rigor, eu tenho imensa dificuldade de fazer este relato: "O
deputado tal prometeu e se esforçou para manter alguém num dado
cargo e por isso recebia doações, prebendas e coisas do tipo, advindas do
exercício daquela função". A mim me parece um tanto quanto desconexa
da realidade institucional. A mim me parece que os fatos narrados, como
eles estão narrados, são extremamente graves, porque revelam
exatamente essa prática.
Vossa Excelência está tentando, pelo menos para fins de ato de
ofício, fixar um qualitativo, dizer que tipo de parlamentar tem esse poder.
Vossa Excelência, pelo menos, tenta qualificar institucionalmente: é o
líder.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Ou o
presidente do partido, talvez.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Isto! É que poderia até
não ser um parlamentar dentro desse quadro de negociação. Vamos ter
também figuras importantes no Parlamento que não terão,
necessariamente, essa função, de líder formal, não obstante sejam vozes
importantes como Relatores, como temos os casos aí. De modo que eu só
queria compartilhar um pouco essa preocupação, porque ouvi e li com
atenção tanto o voto do Ministro Fachin como o do Ministro-Revisor,
nosso decano Ministro Celso de Mello. Claro, quedei-me encantado com a
justificativa, porque aqui sequer tenta-se romper com a ideia do ato de
ofício. Diz-se: não, há um ato de ofício, que seria esse. Mas será que, de
fato, temos essa caracterização? E será que o quadro não se dá de uma
maneira muito mais ampla? Então, são indagações que eu faço, porque
nós estamos lidando com esse tema e certamente virão outros casos. Eu
reconheço também que não é fácil, tanto por parte dos órgãos
investigadores - a polícia e o Ministério Público - como também de nossa
parte, procedermos a um enquadramento tranquilo ao fazer o
enquadramento com as figuras que temos na estrutura normativa que
temos. Até porque estamos lidando realmente com um tema mutante.
Um tema extremamente pouco bem conformado. Ele tem características

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muito pouco plasmáveis. Mas o risco que eu vislumbro - por isso estou
fazendo um pouco essa reflexão - é de, de alguma forma, estarmos
expandindo o próprio conceito de determinados crimes, a partir da
necessidade que temos de fazer um tipo de enquadramento: bom, fez-se o
pagamento, haveria algum tipo de ato oficial, portanto, isso precisa ser
enquadrado de alguma forma. E aí se busca, então, uma solução. Mas não
podemos nunca esquecer que é no campo do Direito Penal que nós
estamos. Por isso que Vossa Excelência me desculpe de ter-me alongado
um pouco sobre isso, mas é um pouco para revelar angústias que me vão
no espírito sobre uma temática que me parece que é assaz difícil no
contexto.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Eu
agradeço a intervenção de Vossa Excelência. Essa é a preocupação que me
animou também. Quer dizer, ainda que tenhamos dado um certo elastério
na prática do ato de ofício, nós não podemos atribuir uma participação
direta do réu nesses atos de ofício antes de ele ser Líder. O que acontece é
que a denúncia imputou-lhe a autoria direta destes crimes, antes mesmo
de ele ser Líder. Podia ser, eventualmente, um partícipe ou o Ministério
Público poderia ter-lhe imputado um outro crime, como, por exemplo, o
recebimento de dinheiro sem origem lícita. Enfim, o que se fez foi, na
verdade, facilitar o trabalho, talvez daquele que elaborou a denúncia e,
quiçá, dos juízes, imputando ao réu Nelson Meurer esta participação
direta no crime de corrupção ativa, sem estabelecer, data venia, com muita
clareza essas nuances.

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Adoto a mesma linha


seguida pelo Min. Dias Toffoli. Acompanho em substância o voto do
relator e do revisor, mas divirjo para absolver os réus quanto à imputação
de (i) corrupção passiva, dada a percepção de doação eleitoral declarada à
Justiça Eleitoral; e (ii) lavagem de dinheiro, em razão do recebimento de
doação eleitoral declarada à Justiça Eleitoral. Quanto à acusação de
corrupção passiva, permito-me ainda tecer algumas considerações, tendo
em vista o ato de ofício identificado na denúncia.

1 Corrupção
No caso concreto, Deputado Federal é acusado de autoria do crime
de corrupção passiva, por receber vantagem indevida para fornecer “o
apoio e a sustentação política necessários à manutenção” de Paulo Roberto
Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras. Os demais acusados,
filhos do Deputado Federal, teriam participado da perpetração do delito,
prestando auxílio material.
Este não é um caso em que há discussão sobre a existência, ou não,
de ato de ofício. Há uma importante controvérsia sobre a interpretação
das figuras básicas da corrupção passiva – caput do art. 317 do CP. O tipo
penal exige que a vantagem indevida esteja ligada à função (“em razão
dela”), mas não menciona nexo teleológico com ato de ofício. O ato de
ofício é mencionado apenas na causa de aumento de pena (§ 1º) e no tipo
da corrupção ativa (art. 333 do CP). Assim, resta dúvida se o pagamento
de vantagem em razão da função, mas não ligado à prática ou omissão de
ato de ofício, configuraria o tipo penal da corrupção.
Sobre o tema, há precedentes do Pleno afirmando a
indispensabilidade do ato de ofício (AP 307, Rel. Min. Ilmar Galvão,
julgado em 13.12.1994). No entanto, a Primeira Turma vem afirmando que
“O ato de ofício não é elementar do tipo (artigo 317 do CP), apenas causa de

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aumento da pena (§ 1º do mesmo dispositivo legal)” (AP 694, Rel. Min. Rosa
Weber, julgada em 2.5.2017. No mesmo sentido: AP 695, Rel. Min. Rosa
Weber, julgada em 6.9.2016).
Saber se o ato de ofício é elementar da corrupção, ou não, é tema
para um futuro próximo. Neste caso, a discussão é outra. Há um ato de
ofício descrito pela imputação. A vantagem indevida estaria ligada à
manutenção de servidor público corrupto, o qual seria responsável por
repassar recursos ao partido.
Há um esquema criminoso descrito e comprovado, o que é suficiente
para a condenação. Ainda assim, tenho que a descrição dá excessiva
ênfase à consequência como se fosse a causa. Não parece a melhor
elaboração dos fatos dizer que o líder do partido foi corrompido para
emprestar apoio ao Diretor.
O principal ato de ofício ao qual o líder partidário se compromete é
em emprestar apoio, em conjunto com sua bancada, ao Governo. Em
outras palavras, o ato de ofício não parece ser o apoio à manutenção de
Paulo Roberto Costa, em um incidente isolado. O parlamentar teria
negociado sua função ao se comprometer, juntamente com sua bancada, a
integrar a base aliada do Governo, patrocinando e apoiando projetos de
interesse do Palácio do Planalto.
Além disso, há questão dos demais membros da bancada, os quais
não ocupam a posição de liderança. A descrição do esquema criminoso
aponta que o líder do partido distribui os recursos entre os integrantes da
sua bancada parlamentar. Como dito, o objetivo do Poder Executivo em
fazer concessões é obter o apoio da bancada parlamentar, não apenas do
parlamentar individualmente. O parlamentar que segue a liderança em
troca de contrapartida financeira pode ou não saber da origem do
recurso. Parece mais de acordo com a realidade afirmar que, mais do que
apoiar a indicação ou manutenção de um Diretor da Companhia, estará
ele vendendo o apoio ao Governo.
A compra de apoio parlamentar não é uma novidade institucional.
Duverger descrevia assim o fenômeno da patronagem, em pleno Século
XVIII:

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“Por muito tempo, os ministros ingleses asseguravam a si


sólidas maiorias mediante a compra de votos, se não das
consciências dos deputados. A coisa era oficiosa: havia na
própria Câmara um guichê onde os parlamentares iam receber
o prêmio do seu voto na ocasião do escrutínio. Em 1714 foi
criado o posto de secretário político da tesouraria a fim de
assumir os encargos dessas operações financeiras; o aludido
secretário foi logo, aliás, intitulado de the Patronage secretary
porque dispunha da nomeação dos cargos do Governo, a título
de corrupção. Distribuindo assim as benesses governamentais
aos deputados da maioria, o Patronage secretary fiscalizava de
muito perto os seus votos e discursos: tornou-se desse modo
para eles o homem do chicote, the Whip (etimologicamente,
whip significa chicote; em linguagem cinegética, designa os
picadores armados de chicote que dirigem a matilha em direção
ao animal perseguido). Instaurou-se assim, progressivamente,
uma severa disciplina no partido majoritário. Por força das
circunstâncias, a minoria acabou por adotar, para defender-se,
uma disciplina análoga, embora baseada em outros métodos.
Posteriormente, com o gradativo apuro dos costumes
parlamentares, com sua vigorosa organização e a autoridade
dos seus whips, sobreviveu às razões que a haviam feito
nascer”. (DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução
de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editore,
1970. p. 22-23).

Em nosso país, atravessamos realidade semelhante de patronagem


no Mensalão.
Tenho que a narrativa construída pela denúncia pode, ao menos em
parte, ser atribuída à forma como os fatos foram investigados. A
Operação Lava Jato seguiu uma trilha de propinas, rastreando dinheiro
que fluía de contratos públicos para campanhas políticas e para outras
finalidades. Com o passar do tempo, as delações foram alcançando a
classe política. É inegável a relevância do acordo de colaboração

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premiada como técnica de investigação que permitiu a demonstração de


fatos da maior gravidade, em larga escala, contaminando altos escalões.
No entanto, o uso intensivo da colaboração premiada cobra seu preço. Foi
atribuída preponderância aos depoimentos dos primeiros colaboradores,
contaminando-se a tese acusatória com seus pontos de vista e seus
interesses pessoais.
Como observam FORRESTER e BERGHE, “é inegável que os
candidatos à leniência terão a tendência a apresentar a conduta cinza como muito
negra, enquanto os não colaboradores tenderão a apresentá-la como alva”
(FORRESTER, Ian S.; BERGHE, Pascal. Leniency: The poisonned Chalice or
the Pot at the End of the rainbow?)
Venho ressaltando que um sistema que oferece vantagens sem
medida propicia a corrupção dos imputados, incentivados a delatar não
apenas a verdade, mas o que mais for solicitado pelos investigadores.
Aqui e alhures, a confiança de poderes sem controle ao Ministério
Público faz com que boas intenções degringolem em uma rede de abusos
e violação de direitos fundamentais.
Nos Estados Unidos, uma série de leis que reforcem intervenções
sem controle dos órgãos de persecução na esfera privada está colocando
em sério risco o próprio tecido constitucional. Lá, a legislação permite que
governos estaduais, por exemplo, confisquem propriedade privada sem
formular acusação criminal com base na mera suspeita de atividade
criminosa grave.
Um médico de uma pequena cidade do Alabama chamado Richard
Lowe tinha por hábito guardar suas economias em caixas de sapato. Em
1990, por influência da esposa, depositou de inopino os seus recursos em
uma conta bancária, um valor que chegava a pouco mais de U$ 300.000
(trezentos mil dólares). O ingresso súbito de recursos levou o FBI a
promover o congelamento extrajudicial dos recursos da família. O gerente
do banco foi acusado de lavagem de dinheiro; o filho do banqueiro
também, mas as acusações contra ele foram retiradas, após uma delação
fajuta do pai. Apenas após 6 anos, o médico conseguiu reaver seus bens e
limpar seu nome.

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Segundo reportam estudiosos, a promotoria federal e o FBI sabiam


que o médico e o banqueiro não estavam envolvidos em crimes.
Simplesmente, acreditaram que o já idoso médico abriria mão de parte
dos seus bens em troca de um acordo – ROBERTS, Paul Craig;
STRATTON, Lawrence M. The Tyranny of Good Intentions: How
Prosecutors and Law Enforcement are Trampling the Constitution in the
Name of Justice. New York: Three Rivers Press, 2008.
Incentivos financeiros a delações são hoje uma realidade nos Estados
Unidos. Funcionários de companhias aéreas, farmácias, bancos, hotéis e
outros negócios propícios são remunerados por indicar clientes
“suspeitos”. Comprar uma passagem aérea com dinheiro, hospedar-se
em um hotel sem bagagem ou fazer um depósito bancário podem ser
condutas suficientemente suspeitas para levar a uma medida cautelar
patrimonial. Os casos nem sequer precisam ser apresentados a Cortes.
Incumbe ao prejudicado providenciar a prova de sua inocência.
Portanto, muito embora vislumbre que a narrativa feita na denúncia
contém os elementos suficientes e necessários a levar a uma condenação,
tenho que ela apresenta apenas parte da realidade, motivada pela adoção
não suficientemente refletida da tese dos primeiros colaboradores.
De outro lado, a narrativa de que o parlamentar teria praticado o ato
de ofício de apoiar a indicação ou manutenção de Diretor da Petrobras
traz dúvidas quanto à tipicidade formal, em razão da competência para a
prática do ato.
A versão do Estatuto da Petrobras aprovada pelo Decreto de 30 de
setembro de 1991 pelo Presidente da República, dispunha que o próprio
Presidente da República nomearia os Diretores da Companhia (art. 24). O
Estatuto da Petrobras sofreu sucessivas modificações pela Assembleia
Geral da Companhia. Na época dos fatos, a versão vigente já previa que a
Assembleia Geral elege o Conselho de Administração, que por sua vez
elege os Diretores. Assim, a nomeação não dependia de ato do Deputado
Federal, mas de uma intrincada rede de influências na democracia interna
da Companhia.
Venho fazendo ressalvas quanto à tipicidade de imputações de

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corrupção, quando o acusado não é o responsável pelo ato buscado em


troca da vantagem indevida. No Inq 3.982, Rel. Min. Edson Fachin,
julgado em 7.3.2017, expressei dúvidas quanto à acusação de Senador da
República por ato de responsabilidade do Presidente da República –
indicar e manter diretor de empresa pública federal. Tratava-se do caso
do Senador Valdir Raupp. Daquela feita, reservei-me para aprofundar o
tema em momento futuro.
No presente caso, já há quatro votos considerando a conduta típica
da corrupção passiva – ainda que o voto do Min. Ricardo Lewandowski
reconheça a tipicidade em menor extensão, apenas quanto ao período em
que o réu foi líder do partido na Câmara dos Deputados.
Ainda não supero a perplexidade de condenar funcionário público
por corrupção em relação a atos de ofício que são da competência de
outro funcionário público.
A corrupção é um crime próprio, visto que “exige uma qualidade ou
condição especial dos sujeitos ativos” (GRECO, Rogério. Curso de Direito
Penal - Parte Geral Vol. I. 19. ed. Niterói: Impetus, 2017). No caso, a
condição de funcionário público.
Rui Stoco leciona que o ato de ofício deve “ser de competência do
agente ou estar relacionado com o exercício de sua função”. (Rui Stoco, Código
Penal e sua interpretação jurisprudencial, RT, 4ª edição, p. 1647).
Nos debates, foi levantada a tese de que o presidencialismo de
coalizão praticado no Brasil tornaria possível ao parlamentar ser autor de
corrupção por negociar com atos de outro poder. Em nosso sistema,
membros do parlamento teriam grande poder de influência nas decisões
governamentais em geral.
Como explica Sérgio Victor, o sistema desenhado pela Constituição
de 1988 gerou “um quadro de fragmentação partidária que, combinado à figura
do Presidente da República, oriundo de um partido minoritário, levaria à
construção de coalizões partidárias para que se conseguisse governar”. O quadro
acabou conhecido, a partir da expressão de Sérgio Abranches, como
Presidencialismo de Coalizão (VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira.
Presidencialismo de coalizão. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 18). Não é o

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governo resultado de uma maioria parlamentar, mas esta, a maioria


parlamentar, é que deve ser conquistada pelo Governo eleito.
Tendo em vista a completa separação das eleições para a chefia do
Poder Executivo e para as cadeiras do parlamento, estabelecem-se
relações complexas entre os poderes. Dissertando sobre essas relações,
Sérgio Victor aponta (i) a tendência dos parlamentares a aderirem ao
projeto do Presidente da República, em um processo de nacionalização da
atuação dos representantes locais; (ii) em contrapartida, a tendência das
emendas parlamentares ao orçamento a servirem como um ponto de
aproximação da administração federal aos interesses paroquiais. Além
disso, (iii) o Poder Executivo tem prevalência no poder de agenda,
incumbindo aos partidos da base do governo participar da formação do
gabinete ministerial.
Um dos aspectos desse sistema é que há espaço para que os partidos
indiquem informalmente nomes para cargos do Poder Executivo. No
entanto, mesmo em nosso presidencialismo, a indicação não é vinculante.
A nomeação incumbe ao Presidente da República ou ao Ministro de
Estado.
Além disso, nosso sistema confere as nomeações prioritariamente
aos partidos, não especificamente aos seus integrantes. O objetivo do
Poder Executivo em fazer concessões é obter o apoio da bancada
parlamentar, não apenas do parlamentar individualmente. Portanto,
ainda que, na maior parte dos casos, os líderes do partido no parlamento
representem a bancada na negociação, a condição de parlamentar é pouco
mais do que acidental. Em tese, o partido poderia concentrar a negociação
em liderança que não ocupa cargo no parlamento.
Por enquanto, acompanho a ilustrada maioria. Deixo essas
perguntas em aberto, assim como o receio de tomar os parlamentares
federais em uma espécie de intermediários gerais de interesses.

2 Doação declarada e corrupção


Uma das imputações de corrupção decorre do pagamento da
vantagem por meio de doação feita pela Queiroz Galvão em favor da

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campanha de Nelson Meurer nas eleições do ano de 2010.


As doações foram contabilizadas e declaradas.
Tenho que, em tese, doações contabilizadas até podem ser vantagem
indevida, para fins do tipo penal da corrupção (art. 317 do CP). O político
não pode colocar o seu mandato à disposição de quem se dispuser a
pagar o preço, via caixa um ou dois.
Mas há diferenças relevantes entre receber doação contabilizada e
declarada e receber vantagens disfarçadas.
Na vantagem oculta, pode ser suficiente que o mandatário se
comprometa a agir no interesse do corruptor, ainda que praticando atos
lícitos.
Na doação conspícua, é necessário que o candidato se comprometa
a, no exercício do mandato, praticar atos ilícitos, ou permitir que atos
ilícitos sejam praticados, em razão da doação. Isso porque, ao menos em
larga medida, as doações eleitorais servem justamente para que aqueles
que apoiam o programa do candidato possam contribuir para a sua
realização.
Esse é um dado importante, que não pode ser escamoteado. Um
candidato poderia ser apoiado por empresas que estivessem de acordo
com sua linha de atuação política. Em que medida, estaria aí a
justificativa da criminalização? Tem que haver um liame, um nexo de
causalidade.
Imagine-se um candidato que defenda, porventura, a transposição
das águas do Rio São Francisco. Se as empresas se propusessem a doar,
onde se projetaria o crime de corrupção passiva?
Ou outro candidato que defenda interesses do meio ambiente e que
recebe doações de entidades ligadas a questões ambientais. Um ato de
ofício em defesa desse feixe de interesses seria criminalizável?
Temos linhas lindeiras muito pouco claras nesse universo.
Entendo que o candidato que recebe doação para seguir um
programa político lícito, caso eleito, não pratica crime algum.
Além disso, há uma diferença processual relevante quanto à prova a
ser exigida da acusação.

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A prova da doação oculta é um elemento consideravelmente mais


forte para a demonstração de eventual corrupção. Ainda assim, mesmo
oculta, a contribuição pode não indicar corrupção, se não for feita em
razão da função pública.
Já a prova da doação conspícua é, na pior das hipóteses, um ponto
de partida para investigação. Nada prova além da disposição do doador
em ver o candidato vitorioso.
Uma doação feita às claras tem um verniz de legalidade, impondo à
acusação um especial ônus probatório. Não é como se o candidato tivesse
sido flagrado recebendo uma mala preta cheia de dólares na madrugada.
No caso concreto, como demonstra o voto do Min. Dias Toffoli, não
há prova do nexo entre o pagamento e o esquema criminoso.
Portanto, acompanho o voto de Sua Excelência pela absolvição.

3 Doação declarada e lavagem de dinheiro


A denúncia imputa lavagem de dinheiro mediante o recebimento de
vantagem indevida como feita pela Queiroz Galvão em favor da
campanha de Nelson Meurer nas eleições do ano de 2010, devidamente
contabilizada e declarada. O relator e o revisor estão acolhendo a
denúncia neste ponto.
Peço vênia para divergir, na linha do que já defendi no Inq 3.980, Rel.
Min. Edson Fachin, julgado em 27.2.2018.
Uma doação eleitoral declarada pode, em tese, prestar-se ao
branqueamento de recursos ilícitos.
No caso dos desvios da Petrobras, o esquema parece grande a ponto
de financiar campanhas de candidatos não envolvidos na corrupção
original. Um partido ou candidato que aceita receber recursos
sabidamente oriundos de esquema criminoso, com o qual não está
envolvido, estaria reintegrando recursos ilícitos e, potencialmente,
praticando a lavagem de dinheiro.
Também seria o caso se, depois de receber a doação, o candidato
corrompido praticasse atos ulteriores de ocultação ou dissimulação dos
recursos.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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A denúncia não trata de hipóteses semelhantes. Ainda que, no curso


da peça, haja menção a um esquema anterior de crimes na Petrobras e ao
trânsito de recursos para a campanha do denunciado, tais fatos não são
qualificados pela acusação como lavagem de dinheiro. Da narrativa,
depreende-se que a doação declarada foi, ao mesmo tempo, a forma de
repassar a propina e lavar os recursos.
A jurisprudência do Pleno do Tribunal, contra meu voto, firmou-se
no sentido de que a lavagem de dinheiro há de ser posterior ao
pagamento da vantagem indevida – AP 470, Sextos Embargos
Infringentes, Rel. Min. Luiz Fux, Redator para acórdão Min. Roberto
Barroso, julgados em 13.3.2014.
Projetando o entendimento, é possível concluir pela atipicidade da
conduta.
Ademais, no caso concreto, sequer estou reconhecendo prova de que
o pagamento corresponda a vantagem indevida.
Por tudo, absolvo o réu.
De resto, estou de acordo com a apreciação das provas e acolho a
denúncia nos mesmos limites do voto do relator.

Dispositivo
Ante o exposto, peço vênia ao relator e ao revisor para divergir em
parte, para absolver o réu NELSON MEURER quanto à imputação (i) de
corrupção passiva em razão do recebimento de doação eleitoral declarada
à Justiça Eleitoral, na forma do art. 386, II, do CPP; e (ii) de lavagem de
dinheiro em razão do recebimento de doação eleitoral declarada à Justiça
Eleitoral, na forma do art. 386, III, do CPP.
De resto, acompanho o relator e o revisor.

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Incidências ao Voto

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

INCIDÊNCIAS AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu

sempre - no debate que travamos no TSE - lembrava o saudoso

parlamentar, e homem público, Roberto Campos.

Lembro que uma de suas campanhas, como Senador,

Ministro Celso, por Mato Grosso - consta das lendas urbanas -, teria sido

bafejada com muitos recursos, uma boa soma de recursos, vinda de

investidores, inclusive de investidores ou de representantes de

investidores estrangeiros.

E, Roberto Campos seria insuspeito, obviamente, de

estar recebendo essas doações por conta de estar de alguma forma

comprometido com os interesses dessas entidades, empresas ou pessoas.

Mas, obviamente, todos conheciam o seu catecismo liberal e, portanto,

inequivocamente se estava a apoiar um candidato que iria fazer no

Parlamento aquilo que ele fez nos doze anos que lá esteve.

De modo que a mim me parece que é preciso que nós

tenhamos presente, nesses tempos extremos e difíceis, que isto faz parte,

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Incidências ao Voto

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AP 996 / DF

um pouco, do processo político, com todas as suas nuances.

Entendo, portanto, que o candidato que recebe doação

para seguir um programa político lícito, caso eleito, não pratica crime

algum.

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

INCIDÊNCIAS AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu estou,

portanto - e acho que, nesse ponto, também o Ministro Lewandowski -

acompanhado, às inteiras, o voto de Sua Excelência, pedindo todas as

vênias a Vossa Excelência e ao eminente Ministro-Revisor, porque a mim

me parece que essa é uma questão extremamente importante não só para

este caso, mas para toda a casuística que se desenvolve em torno dessa

temática. E aqui, de novo, eu vou insistir num ponto que é de todos

conhecido, que é uma verdade consabida, mas que é relevante para o

nosso debate.

É muito curioso que, de quando em vez, nós façamos

movimentos que revelam, de certa forma, uma certa a-historicidade. Se

nós olharmos toda a crise que marcou o Governo Collor, especialmente

no que diz respeito às investigações que levaram ao impeachment, nós

vamos verificar que o pano de fundo de toda aquela crise tinha a ver com

o sistema de financiamento de eleições ou do sistema partidário. E a

CPMI, que investigou então aqueles fatos, chegou à conclusão de que era

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Incidências ao Voto

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AP 996 / DF

necessário fazer uma mudança. E que mudança era necessária fazer-se?

Disse a CPMI: Encerrar com o ciclo das doações, da proibição de doações

de pessoas jurídicas. Por quê? Porque a tradição brasileira sempre fora a

da proibição da doação das pessoas jurídicas, inclusive naquela eleição.

Mas também no modelo anterior. Não obstante - e isso foi verificado aqui

com o trânsito em julgado -, se sabia, portanto, que as empresas eram as

maiores doadoras e faziam pela via do célebre caixa dois. Portanto isso

era uma prática corrente que todas as forças políticas aceitavam, ninguém

fazia imputação a outrem de estar cometendo abuso de poder econômico

por perceber vantagens no caixa dois, tanto é que tivemos uma situação

bastante singular. O próprio Supremo Tribunal Federal, quando julgou o

processo de Collor, na ação criminal, reconheceu que ele tinha sobras de

campanha advindas do caixa dois. Esse é um dado curioso. A meu ver,

nós temos que lidar com essa temática à luz dessa realidade institucional.

Num movimento de grande simbolismo, o Parlamento recomendou que

se alterasse todo o modelo de financiamento do sistema para incluir as

empresas como doadoras, tradicionalmente doadoras vedadas.

Vamos agora, Presidente, ao ponto da doação

declarada e lavagem de dinheiro. A denúncia imputa lavagem de

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Incidências ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 441 de 486 3853


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dinheiro mediante o recebimento de vantagem indevida, como feita pela

Queiroz Galvão, em favor da campanha de Nelson Meurer, nas eleições

do ano de 2010, devidamente contabilizada e declarada.

O Ministro Lewandowski inclusive já transcreveu aqui

trechos do depoimento em que o candidato, aqui acusado, declara que fez

essa opção de forma consciente, preferindo que a doação se fizesse via

conta eleitoral e não via doação ao próprio partido para, depois, ser

repassada, que restaria naquele modelo ainda escamoteável e

escamoteado.

Vossa Excelência, Presidente, e o eminente Revisor

estão acolhendo a denúncia neste ponto, e eu estou pedindo vênia

também para, neste ponto, divergir, na linha do que já defendi no

Inquérito 3.980, da relatoria de Vossa Excelência.

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Incidências ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 442 de 486 3854

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

INCIDÊNCIAS AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu não

devo deixar de registrar que senti um certo fascínio em dialogar, e, até

mesmo, acompanhar a abordagem feita pelo Ministro Ricardo

Lewandowski, quando Sua Excelência tenta fazer um recorte, aqui, no

que diz respeito a essa questão do ato de ofício do parlamentar. Devo

dizer que continuo meditando.

E me dividi entre três abordagens possíveis: esta da

criminalização, tendo em vista as provas existentes e a estranheza na

movimentação desses recursos; a ideia de uma certa a atipicidade, mesmo

porque de não vislumbrar aqui ato de ofício; e esta abordagem que Vossa

Excelência traz, com muito brilho, como sói acontecer, mostrando que,

pelo menos, isso guardaria alguma relação, mas exclusivamente com as

funções de liderança.

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Voto s/ Dosimetria

Inteiro Teor do Acórdão - Página 443 de 486 3855

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO
(S/ DOSIMETRIA)

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor


Presidente, tendo em conta o resultado do julgamento, eu acompanho
Vossa Excelência, inclusive quanto às circunstâncias judiciais, com as
quais eu estou de acordo, nessa valoração que Vossa Excelência faz.
Evidentemente, no meu voto, eu trago uma outra dosimetria,
consentânea com as conclusões a que cheguei.
Estará aqui no meu voto, mas, evidentemente, prevalece a
proclamação que Vossa Excelência acaba de fazer, em função do resultado
obtido.

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 444 de 486 3856

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REVISOR : MIN. CELSO DE MELLO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
ASSIST.(S) : PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
ADV.(A/S) : TALES DAVID MACEDO E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER JÚNIOR
ADV.(A/S) : MARINA DE ALMEIDA VIANA
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO
ADV.(A/S) : PRISCILA NEVES MENDES
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA
RÉU(É)(S) : CRISTIANO AUGUSTO MEURER
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor


Presidente, veja que interessante - apenas para assinalar para que as
pessoas que nos ouvem compreendam bem. Vossa Excelência mesmo
afirmou que está condenando este réu em particular, por ter recebido ou
colaborado com o recebimento de uma verba indevida em 2008. É uma
época que eu considerei anterior à assunção da liderança pelo deputado
Nelson Meurer e por isso que eu o absolvo. Mas Vossa Excelência, em
função deste momento no tempo e considerando a pena em concreto,
decreta a absolvição. Portanto, no fundo, praticamente chegamos a uma
mesma conclusão - claro que por vias transversas ou diferentes, no caso.
Vossa Excelência decreta a prescrição e eu a absolvição, por razões de
ordem temporal também.

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 445 de 486 3857

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/ ITEM II
(Dano Moral Coletivo)

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski: Como é de conhecimento


geral, o Código de Processo Penal trata da lide que se estabelece entre as
partes (acusação e defesa) de maneira muito peculiar, uma vez que a
liberdade é o elemento sensível desta relação jurídico-processual.

Com efeito, o legislador ordinário estruturou a referida dialética


processual de modo equilibrado e cooperativo, com vistas a atender,
simultaneamente, aos interesses do acusado e dos órgãos de persecução
penal, para que, diante dos elementos colhidos ao longo da instrução
criminal, seja possível a realização de um juízo de subjunção também
muito particular e estrito, tal como ocorre, por exemplo, nas hipóteses de
incidência do Direito Tributário, que devem estar perfeitamente
demonstradas antes da cobrança do tributo.

Em outro espectro está o processo coletivo, que não leva em


consideração o indivíduo, mas, sim, os direitos coletivos, que pertencem a
um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público, situação
esta que não se compatibiliza com o esquema acima referido.

Em outras palavras, os direitos decorrentes das relações coletivas


não se projetam nos diplomas processuais de índole individual para
tornaram-se efetivos. Esses novos direitos ou interesses - criados a par
daqueles individuais por natureza e tradicionalmente tratados apenas a
título pessoal - passaram a ser exigidos coletivamente perante a Justiça
Civil, em razão de sua homogeneidade e da origem comum.

De fato, no processo coletivo, as regras determinantes da


legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não são

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 446 de 486 3858


AP 996 / DF

direcionadas ao indivíduo, uma vez que se trata de resguardar os


interesses da coletividade, mesmo que seus membros ou integrantes não
sejam citados individualmente.

Da mesma forma, no processo coletivo, os efeitos da sentença devem


obrigar a todos e não apenas as partes de um litígio interindividual, o que
bem demonstra que, para garantir-se a efetividade de tais direitos, deve-
se superar a visão individualista do processo tradicional.

A propósito, note-se que o minissistema brasileiro de processos


coletivos foi moldado pela Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública),
complementada pelo Código de Defesa do Consumidor, que ampliou o
âmbito de incidência da referida Lei ao determinar a sua aplicação para
todos os interesses difusos e coletivos.

Em termos processuais, o saudoso Ministro Teori Zavascki traduziu


este fenômeno da seguinte maneira:

“As modificações do sistema processual civil operaram-se


em duas fases, ou ondas, bem distintas. Uma primeira onda de
reformas, iniciada em 1985, foi caracterizada pela introdução,
no sistema, de instrumentos até então desconhecidos do direito
positivo, destinados (a) a dar curso a demandas de natureza
coletiva, (b) a tutelar direitos e interesses transindividuais, e (c)
a tutelar, com mais amplitude, a própria ordem jurídica
abstratamente considerada. E a segunda onda reformadora, que
se desencadeou a partir de 1994, teve por objetivo não o de
introduzir novos, mas o de aperfeiçoar ou de ampliar os já
existentes no Código de processo, de modo a adaptá-lo às
exigências dos novos tempos”.

Na mesma linha, Humberto Theodoro Júnior1 assevera que:

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos


especiais. Vol. III. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 479.

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 447 de 486 3859


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“O surgimento das ações coletivas é fruto da superação,


no plano jurídico-institucional, do individualismo exacerbado
pela concepção liberal que o Iluminismo e as grandes
revoluções do final do século XVIII impuseram à civilização
ocidental. O século XX descobriu que a ordem jurídica não
podia continuar disciplinando a vida em sociedade à luz de
considerações que focalizassem o indivíduo solitário e isolado,
com capacidade para decidir soberanamente seu destino. A
imagem que se passou a ter do sujeito de direito, em sua
fundamentalidade, é a da pessoa humana dotada de um valor
próprio, mas inserido por vínculos e compromissos, na
comunidade em que vive.
Essa visão destacou não apenas o homem social, pois o
próprio grupo impôs-se à valoração jurídica. Primeiro realçou-
se o papel conferido a associações, sindicatos e outros
organismos para ensejar o melhor exercício das franquias
individuais e coletivas. Depois, reconheceram-se direitos
subjetivos que, a par dos individuais, eram atribuídos
diretamente ao grupo e, que, por isso mesmo, teriam de ser
qualificados como coletivos, e, como tais, haveriam de ser
exercidos e protegidos”.

A respeito desse tema, também deve-se trazer à colação a doutrina


da Professora Ada Pellegrini Grinover 2, especialmente sobre a
representatividade adequada, ferramenta de conciliação tanto das
exigências do resguardo ao devido processo legal, quanto das
particularidades do processo coletivo:

“A parte ideológica leva a juízo o interesse meta-


individual, representando concretamente a classe, que terá
exercido seus direitos processuais através das garantias da
defesa e do contraditório asseguradas ao representante. O
mecanismo baseia-se na concepção de que o esquema
2 GRINOVER, Ada Pellegrini, O Novo Processo do Consumidor. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini et al (Orgs.), Processo Coletivo: do Surgimento à Atualidade, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 296.

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 448 de 486 3860


AP 996 / DF

representativo é apto a garantir aos membros da categoria a


melhor defesa judicial, a ponto de afirmar-se que nesse caso o
julgado não atuaria propriamente ultra partes, nem significaria
real exceção ao princípio da limitação subjetiva do julgado, mas
configuraria antes um novo conceito de representação
substancial e processual, aderente às novas exigências da
sociedade”.

Representatividade adequada não previne todos os males da


representação processual, mas consiste numa salvaguarda, dentre outras
existentes no processo, para proteger os interesses de natureza coletiva.

A esta salvaguarda devem-se somar outras de igual envergadura,


nominalmente as seguintes: (i) publicidade ampla dada a todos os atos
processuais; (ii) admissão de amici curiae, cujas manifestações devem ser
levadas em consideração; e (iii) a complementação da atuação das
entidades representativas pela fiscalização do Ministério Público.

Note-se, finalmente, que essas salvaguardas constituem alguns dos


mais importantes pilares do processo coletivo brasileiro, com vistas a
garantir à cidadania que os interesses coletivos serão devidamente
tutelados.

Por todas essas razões, no caso concreto, não verifico que exista
ambiente processual adequado para o exame do dano moral coletivo, seja
em razão das aludidas peculiaridades de ordem procedimental, seja
porque o mérito do presente feito volta-se para crimes praticados contra a
administração pública, sendo esta a vítima direta das condutas
imputadas aos acusados.

Por outro lado, é preciso sublinhar que as várias segmentações


realizadas inicialmente pelo Ministro Teori Zavascki e, posteriormente,
pelo Ministro Edson Fachin, para que fosse possível avançar na marcha
processual, impedem que se tenha uma visão mais precisa da

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 449 de 486 3861


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abrangência e da extensão do dano que ora se pretende reparar, de modo


que correríamos o risco de subdimensionar ou quiçá de superestimar a
correspondente indenização.

Feitas essas necessárias observações, entendo, com o devido respeito,


que tais circunstâncias fáticas e jurídicas recomendam o exame desta
querela em ação autônoma, com ambiente processual e
representatividade adequados para o aprofundamento do relevantíssimo
debate em apreço.

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES:

Dano moral coletivo

A Procuradoria-Geral da República pediu a condenação dos réus ao


pagamento de indenização por dano moral coletivo.
O Min. Edson Fachin acolheu o pedido, fixando a indenização em R$
5.000.000,00 (cinco milhões).
O Relator sustenta que a responsabilidade civil decorre da violação
aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da
CF) e aos princípios da administração pública (art. 37 da CF). Invoca uma
função punitiva da responsabilidade civil.
Divirjo, por razões de direito processual e material.
Quanto ao direito processual, tenho que a condenação abre a porta
da ação penal para uma discussão não prevista em lei, aumentando ainda
mais a complexidade do rito para a obtenção da decisão condenatória.
Desde sempre, a sentença condenatória penal tem por efeito tornar
certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I, do
CP).
A reforma processual de 2008 modificou o inciso IV do art. 387 do
CPP, que passou a dispor que a sentença condenatória fixará valor
mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando
os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Note-se que a lei menciona a fixação do valor mínimo para a
reparação. O ofendido passa a dispor de duas ações: pode executar a
sentença penal condenatória quanto à reparação do valor mínimo e, se
intender insuficiente, buscar mais em ação de liquidação de sentença. O
objetivo é permitir a formação de título executivo para exigência do

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 451 de 486 3863


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quantum já identificado. Com isso, tutela-se mais prontamente o


ofendido.
No caso concreto, estamos tratando de crime de corrupção. O valor
da reparação do dano material à ofendida Petrobras está sendo fixado.
Estou discutindo apenas o capítulo do dano moral coletivo.
A corrupção é crime contra a administração pública. O ofendido,
portanto, é a administração pública. Eventualmente, pode-se cogitar em
ofensa ao particular inocente ao qual a vantagem é solicitada, ou mesmo
ao terceiro prejudicado pelo ato de ofício objeto da corrupção. Eventual
dano moral à coletividade está exageradamente afastado do delito.
Por isso, a fixação da indenização mínima não contempla esse tipo
de debate. Se houve dano reparável, o Ministério Público pode propor a
competente ação cível indenizatória.
Portanto, não vislumbro razão para trazer esse debate para o âmbito
do processo penal.
A minha sugestão inicial é extinguir a ação penal quanto a esse
pedido, por inadequação da via eleita.
Se assim não se entender, principio a análise do direito material
fazendo um apontamento, para evitar ambiguidades. Muito embora não
afirme que a responsabilidade civil é objetiva, o relator transcreve lição de
Carlos Alberto Bittar Filho, em trabalho que trata da responsabilidade
civil por dano moral coletivo nas relações de consumo (Dano moral
coletivo no atual contexto brasileiro. Revista de Direito do Consumidor
n. 12. São Paulo : Revista dos Tribunais, out-dez, 1994, p. 55). No excerto,
o autor fala que não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se
responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnun in re
ipsa).
Deixo expresso que a responsabilidade civil do servidor por danos
causados à administração pública é aquiliana (art. 37, § 6º, da CF
combinado com art. 122 da Lei 8.112/90).
Em seu voto, o relator invoca uma função punitiva da
responsabilidade civil por dano moral coletivo:
Diante da ofensa a direitos difusos, ou seja, pertencentes a titulares

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 452 de 486 3864


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indeterminados, os danos morais coletivos, no caso em análise, têm


função eminentemente punitiva, razão pela qual a sua quantificação deve
ser guiada primordialmente pelo seu caráter pedagógico, que acolhe
tanto a prevenção individual como a geral.
A função punitiva da responsabilidade civil (punitive damages) é
bastante controversa em nosso direito. Otavio Rodrigues Júnior critica a
tendência de apropriação de figuras como os punitive damages
praticados no direito americano, dada a impossibilidade de apropriação
de sua experiência histórica e do modo como a responsabilidade civil é
trabalhada (RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Nexo causal
probabilístico: elementos para a crítica de um conceito. Revista de Direito
Civil Contemporâneo, v. 8(2016). São Paulo: RT, p. 115-137).
O Código Civil afirma que aquele que causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo (art. 927). Portanto, a previsão é que a
responsabilidade civil se presta a reparar o dano, e o dano é a medida da
indenização. Não há previsão legal de majoração da indenização com o
objetivo de sancionar a conduta especialmente desvalorada do autor do
ilícito.
Há, portanto, um problema de legalidade na invocação da função
punitiva dos danos extrapatrimoniais.
Além disso, o dano sequer é passível de demonstração mínima. Não
nego que a corrupção é um óbice ao desenvolvimento e causa desencanto
com a atividade pública. Mas, se tomarmos a responsabilidade do ponto
de vista do sentimento coletivo, devemos lembrar que condenado por
delitos semelhantes àqueles em julgamento, está muito bem colocado nas
pesquisas para as próximas eleições presidenciais.
Particularmente neste caso, a invocação do caráter punitivo da
responsabilidade civil parece estar justificando a fixação de uma
indenização sem um dano imediato. O dano estaria no âmbito daquilo
que a doutrina vem chamando de dano sociomoral, o qual tiraria
fundamento da solidariedade social (art. 3º, I, da CF) e serviria para
reparar lesão a valores sociais, como nos casos de atos de improbidade,
de más práticas eleitorais e de danos ambientais, e ainda mesmo nos

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 453 de 486 3865


AP 996 / DF

casos de violência contra valores de dignidade racial e étnica que


compõem a formação da nacionalidade brasileira (CASTRO JÚNIOR,
João Batista de. Dano moral coletivo e danosociomoral: distinção dada
pela construtura hermenêutica constitucional. Revista de direito civil
contemporâneo, v. 3, abr./jun. 2015. p. 185-205).
Otávio Rodrigues Júnior critica a invocação desses novos danos,
demonstrando que o sancionamento de ilícitos delituais converteu-se,
para além de sua função estritamente jurídica, em uma resposta
involuntária do sistema judiciário a toda uma sorte de deficiências
regulatórias na prestação de serviços públicos e privados (RODRIGUES
JUNIOR, Otávio Luiz. Nexo causal probabilístico: elementos para a crítica
de um conceito. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 8(2016). São
Paulo: RT, p. 115-137).
Tenho que, por mais abjeto que seja o agir do parlamentar
condenado, a frustração geral a objetivos da República Federativa do
Brasil e a princípios da administração pública não parece se traduzir em
dano reparável, especialmente por lhe faltar concretude. É lógico que os
efeitos nefastos da corrupção sistêmica que se instaurou no Brasil são
sentidos nas pontas, nas vidas dos cidadãos. No entanto, a questão não
encontra guarida na sistemática da responsabilidade civil.
Mas o problema não se restringe à configuração do dano. Também
não é possível estabelecer um liame claro e objetivo entre o ato ilícito e o
resultado danoso. Falta, portanto, também o nexo causal, elemento
essencial da responsabilidade civil seja qual for a espécie e o contexto.
Na verdade, a questão que aqui se coloca encerra um fenômeno
parecido com o que ocorreu com a chamada constitucionalização do
direito civil, movimento que viabilizou avanços sociojurídicos
importantes, mas que não pode ser banalizado. Aqui, o que se pretende é
conferir uma solução civil para um problema constitucional, de índole
jurídico-política, sem a devida contextualização.
A rigor, a dogmática civil tem suas peculiaridades, e muitas vezes a
leitura constitucional acrítica de instituições civis pode ensejar, como
alerta Otávio Rodrigues Jr., uma perda de referenciais teóricos do Direito

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Voto s/ item II

Inteiro Teor do Acórdão - Página 454 de 486 3866


AP 996 / DF

Civil contemporâneo (RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Estatuto


epistemológico do Direito civil contemporâneo na tradição de civil law
em face do neoconstitucionalismo e dos princípios, p. 56). Aqui, ao
aplicarmos acriticamente a lógica civil ao problema da violação a valores
democráticos insculpidos na Constituição, estamos perdendo o
referencial teórico de institutos político-constitucionais.
Neste sentido, apesar da unidade do Direito, é indiscutível que
determinados redutos da ordem jurídica seguem lógicas distintas. E
assim, apesar de termos construído um sistema de responsabilidade civil
do Estado e do agente público amparado na dogmática civil, não é
possível lançar mão da sistemática privatista para resolver toda e
qualquer falha no funcionamento do aparato estatal.
Dessa forma, eu voto pela extinção da ação em relação ao pedido de
reparação de dano moral coletivo e, caso vencido, pela improcedência
desse pedido.

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 455 de 486 3867

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - É


exatamente esta a nossa pequena divergência, mas de ordem, digamos
assim, substantiva e jurídica: É que, no caso dos danos materiais, esses
danos podem ser objetivamente aferidos, como Vossa Excelência muito
bem fez; mas, com relação aos danos morais, nós podemos ou subestimá-
los, ou superestimá-los, portanto, eu estou remetendo isso, se for o caso,
para um processo apropriado, data venia.

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Voto s/ item IV

Inteiro Teor do Acórdão - Página 456 de 486 3868

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/ITEM IV
(s/ interdição para cargo ou função pública)

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor


Presidente, eu também o acompanho. É uma sanção penal que decorre ex
vi legis, como agora esclareceu o nosso eminente Decano.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ item V

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO SOBRE DOSIMETRIA

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


O eminente Relator, sob o título “disposições finais”, dispôs sobre: i)
fixação de valor mínimo para reparação de danos materiais e de danos
morais coletivos; ii) perda de bens; iii) interdição para exercício de cargo
ou função pública e iv) perda do mandato parlamentar.
Respeitosamente, ouso divergir, em parte, de Sua Excelência,
especificamente quanto à fixação de valor mínimo para reparação de
danos morais coletivos e à decretação da perda do mandato parlamentar.

I. REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS COLETIVOS


Nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, o juiz, ao
proferir sentença condenatória, “fixará valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo
ofendido”.
O dispositivo em questão, introduzido pela Lei nº 11.719/08, teve por
escopo precípuo tutelar os interesses da vítima singularmente
considerada no processo penal, conferindo maior efetividade a seu
direito individual à reparação do dano causado.
Penso que o processo penal, de regra, não é a sede apropriada para a
fixação de valor, ainda que mínimo, para a reparação de suposto dano
moral decorrente da vulneração de direitos ou interesses difusos e/ou
coletivos, máxime quando altíssimo seu grau de indeterminação.
A propósito, o Ministério Público, na denúncia, requereu

“a condenação dos acusados à reparação dos danos


materiais e morais causados por suas condutas, nos termos do
art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, fixando-se um
valor mínimo equivalente ao montante cobrado a título de
propina, no caso, o total de R$357.945.680,52 (trezentos e
cinquenta e sete milhões, novecentos e quarenta e cinco mil,

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 458 de 486 3870


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seiscentos e oitenta reais e cinquenta e dois centavos), já que os


prejuízos decorrentes da corrupção são difusos (lesões à ordem
econômica, à administração da justiça e à administração
pública, inclusive a respeitabilidade do parlamento perante a
sociedade brasileira), sendo dificilmente quantificados”
(grifei).

Ora, a manifesta inviabilidade do pleito em questão na seara


processual penal deriva da própria indeterminação do pedido e da
fluidez de sua causa de pedir.
De partida, a Procuradoria-Geral da República, na própria denúncia,
reconhece a dificuldade – para não dizer impossibilidade – de se precisar o
dano moral e quantificá-lo, procurando equipará-lo, equivocadamente, ao
próprio montante supostamente “cobrado a título de propina”.
Some-se a isso a indistinção do pleito em relação aos destinatários
da reparação em questão: os interesses a tutelar seriam os dos acionistas
da Petrobras ou, difusamente, os da sociedade brasileira em geral?
A meu sentir, a sede adequada para a fixação da responsabilidade
por danos morais causados a interesses difusos ou coletivos é a ação civil
pública.
Se, no próprio âmbito da ação civil pública, cujo objeto específico é
esse tipo de reparação, já se mostra extremamente tormentoso
estabelecer a existência do dano moral coletivo ou difuso e mensurá-lo,
que se dirá da tentativa de o fazer, a latere, no processo penal, em que o
contraditório e o direito à prova orbitam em torno da pretensão
acusatória, vale dizer, do direito de liberdade do imputado.
Em suma, em razão do malferimento ao contraditório e à ampla
defesa, parecem-me insuperáveis os óbices a uma arbitrária imposição de
reparação de dano moral coletivo ou difuso, ainda que a título de piso
indenizatório.

II. PERDA DO MANDATO


O eminente Relator, em seu voto, adota

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 459 de 486 3871


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“(...) a tese recentemente fixada na ambiência da Primeira


Turma desta Suprema Corte, no julgamento da AP 694, de
relatoria da Min. Rosa Weber, a qual, aderindo à proposta do
Min. Roberto Barroso, decidiu que a condenação ora imposta
implica perda automática do mandato parlamentar,
independentemente de manifestação do Plenário da Câmara
dos Deputados. Naquela oportunidade, o Min. Roberto Barroso
se manifestou nos seguintes termos:

‘Por fim, cabe assentar a melhor solução para a


questão da perda do mandato. A regra geral, por força do
art. 55, § 2º da Constituição, é que a decisão seja tomada
pelo plenário da casa legislativa a que pertença o
sentenciado, por maioria absoluta. Todavia, em se
tratando de pena privativa de liberdade, em regime inicial
fechado, a perda do mandato se dá como resultado direto
e inexorável da condenação, sendo a decisão da Mesa da
Câmara dos Deputados vinculada e declaratória, nos
termos do art. 55, § 3º, na linha do que afirmei no MS
32.326/DF, sob minha Relatoria. São três as razões para tal
solução: (i) se o parlamentar deverá permanecer em
regime fechado por prazo superior ao período
remanescente do seu mandato, existe impossibilidade
material e jurídica de comparecer à casa legislativa e
exercer o mandato; (ii) o art. 55, III da Constituição comina
a sanção de perda do mandato ao parlamentar que deixar
de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte
das sessões ordinárias; e (iii) o art. 56, II da Constituição
prevê a perda do mandato para o parlamentar que se
afastar por prazo superior a 120 dias’.

Dessa feita, decreto a perda do mandato de deputado


federal do réu Nelson Meurer, tendo em vista a quantidade de
pena fixada, bem como o regime de pena estabelecido para o
início do seu cumprimento, com fundamento no art. 55, III e §
3º, da Constituição Federal”.

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 460 de 486 3872


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Respeitosamente, divirjo de Sua Excelência, mantendo-me


coerente com o entendimento de que há muito comungo.
No julgamento da AP nº 470, quando se votou, no Plenário, a
questão da perda do mandato eletivo, fiz as seguintes considerações
preliminares:

“Senhor Presidente, eu já tive a oportunidade de me


manifestar sobre o tema quando fui Relator da Ação Penal nº
481, em que, acompanhando o meu voto, a maioria deliberou
pela condenação de um parlamentar. E, naquela oportunidade,
assentei a necessidade de se oficiar à Câmara dos Deputados,
para os fins do art. 55, VI e § 2º, da Constituição Federal.
Naquela oportunidade, formou-se maioria nesse sentido. Vossa
Excelência, inclusive, no seu brilhante voto - muito bem
fundamentado o voto que Vossa Excelência trouxe, embora em
sentido oposto -, fez referência a esse julgado.
(...)
Pois bem, eu trago, Senhor Presidente, voto no mesmo
sentido daquele da Ação Penal nº 481.”

Transcrevo o voto que, na sequência, proferi:

“O art. 92 do Código Penal versa sobre os efeitos


secundários da condenação, da seguinte forma.

‘Art. 92 (...)
I - a perda de cargo, função pública ou mandato
eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por
tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados
com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade
por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 461 de 486 3873


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tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de


reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando
utilizado como meio para a prática de crime doloso.’

De acordo com o parágrafo único do art. 92., ‘os efeitos de


que trata este artigo não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença’.
Entretanto, a discussão que se instaura envolve saber se a
perda do mandato se aperfeiçoa a partir do trânsito em julgado
da decisão criminal originária desta Suprema Corte (CF, art. 15,
inciso III) ou se depende de deliberação da Câmara dos
Deputados, por voto secreto e maioria absoluta, mediante
provocação da respectiva Mesa ou de partido político
representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa,
nos moldes da regra especial contida no § 2º, do art. 55 da CF,
em estrita observância do seu inciso VI.
Eis a redação desta norma especial:

’Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:


I - que infringir qualquer das proibições
estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível
com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão
legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a
que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos
políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos
previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença
transitada em julgado.
§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além
dos casos definidos no regimento interno, o abuso das
prerrogativas asseguradas a membro do Congresso

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 462 de 486 3874


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Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.


§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do
mandato SERÁ DECIDIDA pela Câmara dos Deputados
ou pelo Senado Federal, [por maioria absoluta], mediante
provocação da respectiva Mesa ou de partido político
representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa.
§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda
SERÁ DECLARADA pela Mesa da Casa respectiva, de
ofício ou mediante provocação de qualquer de seus
membros, ou de partido político representado no
Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo
que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos
deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações
finais de que tratam os §§ 2º e 3º.’

Há que se considerar, ainda, o preceito genérico, e de


efeito automático, insculpido no art. 15, inciso III, da CF,
segundo o qual:

‘Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos,


cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença
transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado,
enquanto durarem seus efeitos.’

[...]
Pois bem, anoto que, espelhando minhas convicções
pessoais e o entendimento da Corte, já tive a oportunidade de
me manifestar sobre a questão no julgamento da AP nº 481/PA,
tribunal Pleno, de minha relatoria, DJe de 26/9/12, no qual
assentei a necessidade de se oficiar à Mesa Diretiva da Câmara
dos Deputados para que a Casa delibere sobre a eventual perda

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 463 de 486 3875


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do mandato, em conformidade com o preceituado no art. 55,


inciso VI e § 2º, da Constituição Federal, na hipótese de o agente
estar no exercício do cargo parlamentar por ocasião do trânsito
em julgado da sentença penal condenatória.
Conserva-se, assim, meu entendimento.
Note-se que esta Suprema Corte, em momento anterior,
empreendeu profundo debate quanto ao tema, por ocasião do
julgamento do RE nº 179.502/SP, Relator o Ministro Moreira
Alves, DJe de 31/5/95.
Naquela oportunidade Moreira, citando Pertence, bem
dirimiu a questão, in verbis:

’Com efeito, no tocante a não-autoaplicabilidade do


artigo 15, III, da atual Constituição, é de observar-se que
em todas as Constituições republicanas, com exceção da
Emenda Constitucional nº 1/69 (o artigo 149, depois de
aludir, no § 2º, ‘c’, à suspensão dos direitos políticos ‘por
motivo de condenação criminal, enquanto perdurarem
seus efeitos’, estabelecia, no § 3º, que Lei complementar
disporia, inclusive, sobre a perda ou suspensão de todos
ou de qualquer deles, razão por que esse dispositivo não
era considerado auto-executável, o preceito
correspondente ao do artigo 15, III, da atual Carta Magna
sempre foi tido como auto-executável, discutindo-se
apenas o seu alcance, também com relação ao sursis.
É cert[o] - como observou o eminente Ministro
Sepúlveda Pertence - que na Constituição atual, há um
complicador, a ser levado em conta, para a interpretação
desse artigo 15, III: a separação feita, no artigo 55, que
trata das causas de perda de mandato parlamentar, entre a
perda ou suspensão dos direitos políticos (inciso IV) e a
condenação criminal em sentença transitada em julgado
(inciso VI), daí decorrendo, ainda, que, quanto à primeira,
a perda do mandato será simplesmente declarada pela
Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado, ao passo
que, com referência à segunda, será ela decidida por voto

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secreto e maioria absoluta. Por isso, entende S. Exa. que


essa distinção afasta a auto-aplicabilidade do artigo 15, III,
pois, para conciliá-lo com os referidos princípios do artigo
55, é indispensável que se admita que lei federal possa
‘prever hipóteses, conforme a natureza e a gravidade da
infração penal e da pena aplicada, em que a condenação
criminal não acarretará a suspensão de direitos, nem
consequentemente a perda automática do mandado
eletivo’. Isso implica dizer, em última análise, que, por
interpretação lógica (que abrange o elemento sistemático),
se pode fazer depender a eficácia plena de um dispositivo
constitucional genérico de legislação infraconstitucional
que o restrinja para dar-lhe razoabilidade e para
compatibilizá-lo com outro dispositivo constitucional que
se tem como inconciliável com ele, a menos que seja
restringido por essa legislação infraconstitucional.
Com a devida vênia, por essa colocação do
problema, tal conclusão não me parece correta. No caso, a
complicador introduzido pelo art. 55 da atual Constituição
gerou, apenas, um conflito de normas entre esse
dispositivo e o artigo 15, III, pela inconciliabilidade que há
entre a generalidade do preceito desse art. 15, III, e a
especialidade das normas contidas no citado artigo 55. O
que há é uma antinomia, do tipo que BOBBIO (Teoria
dell‘Ordinamento Giuridico. p. 101, G. Giappichelli-
Editore, Torino, 1960) denominou ‘antinomia tota-parcial’,
e que se resolve com o critério da especialidade, pelo qual
a lex specialis restringe nos limites de seu âmbito, a lex
generalis. De feito, é indubitável que o preceito contido no
inciso III do artigo 15 é principio geral que sempre se
entendeu auto-aplicável nas Constituições anteriores à
atual que, à semelhança desta, não exigiam a sua
regulamentação por lei infraconstitucional, como também
é indubitável que as normas do artigo 55, inclusive as que
entram em choque com a generalidade do referido inciso
III do artigo 15, são especiais, pois só aplicáveis a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 465 de 486 3877


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parlamentares.
Assim sendo, tem-se que, por esse critério da
especialidade - sem retirar a eficácia de qualquer das
normas em choque, o que só se faz em último caso, pelo
princípio dominante no direito moderno, de que se deve
dar a máxima eficácia possível às normas constitucionais -,
o problema se resolve excepcionando-se da abrangência
da generalidade do artigo 15, III, os parlamentares
referidos no artigo 55, para os quais, enquanto no exercício
do mandato, a condenação criminal por si só, e ainda
quando transitada em julgado, não implica a suspensão
dos direitos políticos, só ocorrendo tal se a perda do
mandato vier a ser decretada pela Casa a que ele
pertencer, sendo que a suspensão de direitos políticos por
outra causa, que não como consequência da condenação
criminal transitada em julgado, é a hipótese em que se
aplica o disposto no artigo 55, IV e parágrafo 3º’ (grifei).

Atento a essas peculiaridades, o eminente Ministro Celso


de Mello, destacou, em seu voto naquele julgamento, que

’o vínculo de incongruência normativa entre o art. 15,


III, e o art. 55, § 2º, ambos da Constituição, ressaltado no
debate desta causa, subsume-se, no caso, ao conceito
teórico das antinomias solúveis ou aparentes, na medida
em que a alegada situação de antagonismo é facilmente
dirimível pela aplicação do critério da especialidade,
resolvendo-se o aparente conflito, desse modo - e tal como
acentuado pelo Relator - em favor da própria
independência do exercício, pelo parlamentar federal, de
seu ofício legislativo. É que o congressista, enquanto
perdurar o seu mandato, só poderá ser deste
excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação
penal transitada em julgado, por efeito exclusivo de
deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria
absoluta dos membros de sua própria Casa legislativa’.

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Sobre o tema, colhe-se da jurisprudência da Corte o


julgado proferido no MS nº 21.443/DF, Tribunal Pleno, Relator o
Ministro Octavio Gallotti:

‘Cassação de mandato de parlamentar (art. 55, II, da


Constituição Federal). Ato disciplinar da competência
privativa da Câmara respectiva, situado em instância
distinta da judiciária e dotado de natureza diversa da
sanção penal, mesmo quando a conduta imputada ao
deputado coincida com tipo estabelecido no Código Penal.
Pedido indeferido’ (DJ de 21/8/92).

Frise-se que esse posicionamento é pacífico no Supremo


Tribunal Federal até então.
Aliás, a doutrina também trilha esse caminho. Confira-se;

’O gozo dos direitos políticos é condição


indispensável à elegibilidade, como faz expresso o art. 14,
§ 3º, II, da CF. É, igualmente, requisito para o exercício de
cargos não eletivos de natureza política, tais como os de
Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais
(art. 87 da CF). Não teria sentido, que a estes agentes
políticos – ‘titulares dos cargos estruturais à organização
política do País,... ocupantes dos que integram o
arcabouço constitucional do Estado, o esquema
fundamental do Poder’, encarregados de formar a vontade
superior da sociedade política - fosse dado exercer o cargo
mesmo quando privados dos direitos de cidadania. Seria
um verdadeiro contrassenso, já que ‘o vínculo que tais
agentes entretêm com o Estado não é de natureza
profissional, mas de natureza política. Exercem um
munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o
exercício das correspondentes funções não é a habilitação
profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de
cidadãos, membros da civitas e por isto candidatos

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 467 de 486 3879


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possíveis à condução dos destinos da Sociedade’. Aos


agentes políticos - titulares de cargos eletivos ou não -
exige-se, portanto, o pleno gozo dos direitos políticos, não
apenas para habilitar-se ou investir-se no cargo, mas,
igualmente, para nele permanecer. Assim, a superveniente
perda ou suspensão dos direitos de cidadania implicará,
automaticamente, a perda do cargo. Há, porém, uma
exceção: a do parlamentar que sofrer condenação criminal.
O trânsito em julgado da condenação acarreta, como já se
viu, a suspensão, ipso iure, dos direitos políticos (art. 15,
III, da CF/88), mas não extingue, necessariamente, o
mandato eletivo. Ao contrário das demais hipóteses de
perda ou suspensão dos direitos políticos, que geram
automática perda do mandato (art. 55, IV, da CF), perda
que ‘será declarada pela Mesa da Casa respectiva (...)’ (art.
55, § 3º), em caso de condenação criminal a perda do
mandato (art. 55, VI) ‘(...) será decidida pela Câmara dos
Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e
maioria absoluta (...)’ (art. 55, § 2º, da CF). Ou seja: não
havendo cassação do mandato pela Casa a que pertencer o
parlamentar, haverá aí hipótese de exercício do mandato
eletivo por quem não está no gozo dos direitos de
cidadania. Esta estranha exceção poderá representar,
quem sabe, um mecanismo de defesa contra o exacerbado
rigor do art. 15, III, do texto Constitucional, mas é curioso
que assim seja, dado que a condenação do parlamentar só
se tornou viável ante a prévia licença dos seus pares para a
instauração da ação penal (art. 53, § 1º, da CF).
A essa altura cumpre referir o art. 92, I, do CP, que
prevê como efeitos da condenação: I - a perda do cargo,
função pública ou mandato eletivo, nos crimes praticados
com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública quando a pena aplicada for
superior a quatro anos; (...) À luz da Constituição passada
entendia-se que não era legítimo o dispositivo no que se
referia a mandato eletivo, já que, implicando suspensão de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 468 de 486 3880


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direito político, a pena não poderia ser criada senão em lei


complementar, como exigia o art. 149, § 3º, da CF/69. Pois
bem, no regime constitucional vigente, com mais razão a
disposição é inaplicável: o mandato eletivo ou se extingue
automaticamente pela suspensão dos direitos políticos
acarretada pela sentença penal condenatória transitada em
julgado, ou, no caso de mandato parlamentar, dependerá
de decisão da respectiva Casa Legislativa, como antes se
viu’ (ZAVASCKI, Teori Albino. Direitos Políticos – perda,
suspensão e controle jurisdicional. Revista de Processo nº
85, do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Jan-Mar
de 1997, pp. 188-189 – grifei).

Convergente é o ensinamento de Uadi Lammêgo Bulos:

’Parlamentares federais, condenados criminalmente


em sentenças transitadas em julgado, não têm os seus
mandatos suspensos de modo automático. Aqui a regra
genérica do art. 15, III, cede em face do preceito especial e
excepcional do art. 55, VI, c, § 2º, da Carta Magna.
Significa dizer que, em nome dos princípios da unidade
da Constituição e da máxima efetividade de seus
preceitos, elimina-se qualquer margem de conflito entre
ambos, priorizando-se o critério da especialidade, inscrito
no art. 55, VI, e § 2º, em face do critério da generalidade,
subjacente ao art. 15, III.
Vejamos, pois, o âmbito de abrangência normativa de
cada um dos artigos mencionados:

‘Art. 15, III, regra geral (critério da


generalidade) - aqueles que tiveram suspensos os
seus direitos políticos, inclusive enquanto durarem
os efeitos da condenação criminal transitada em
julgado, perdem o mandato eletivo, que cessa
automaticamente. Ademais, o alistamento e a filiação
partidária dos condenados são cancelados por igual

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AP 996 / DF

período ao da pena aplicada, incluindo aí o período


de prova do sursis.’
‘Art. 55, VI, e § 2º, preceito especial e
excepcional (critério da especialidade) - Deputados
federais e senadores da República condenados
criminalmente não perdem, de imediato, os seus
mandatos, embora não possam concorrer a pleitos
eleitorais enquanto durarem os efeitos da sentença
penal condenatória. A finalidade dessa exceção à
regra do art. 15, III, é garantir a independência do
Parlamento perante os demais Poderes do Estado.
Daí a perda do mandato ser decidida não pelo
Judiciário, mas pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, em votação secreta e por maioria
absoluta dos votos, mediante provocação da
respectiva Mesa ou de partido político devidamente
representado no Congresso, preservada a ampla
defesa.’

Como se pode observar, o congressista somente


perderá o mandato mediante ato politico-discricionário da
respectiva Casa Legislativa a que pertencer, e não por ato
judicial transitado em julgado’ (Curso de Direito
Constitucional. 6. ed., São Paulo, 2010, Saraiva, p.
879/879).

Cito, ainda, o magistério de Alexandre de Moraes, in


verbis:

’(...) como regra geral, a privação dos direitos


políticos, inclusive na hipótese de condenação criminal
transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos,
engloba a perda do mandato eletivo, determinando,
portanto, imediata cessação de seu exercício.
Porém, os parlamentares federais no exercício do
mandato que forem condenados criminalmente incidem

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 470 de 486 3882


AP 996 / DF

na hipótese do art. 55, inciso VI e § 2º, da CF, não


perdendo automaticamente o mandato, mas não podendo
disputar novas eleições enquanto durarem os efeitos da
decisão condenatória. Isso ocorre, pois a própria
Constituição Federal estabelece que perderá o mandato o
Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal em
sentença transitada em julgado, sendo que a perda será
decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado
Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante
provocação da respectiva Mesa ou de partido político
representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa.
Assim, em face de duas normas constitucionais
aparentemente conflitantes (CF, arts. 15, III, e 55, VI) deve-
se procurar delimitar o âmbito normativo de cada uma,
vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e
extensão, para então interpretá-las no sentido de garantir-
se a unidade da constituição e a máxima efetividade de
suas previsões. A partir dessa análise, percebe-se que a
razão de existência do art. 55, inciso VI, e § 2º, da Consti
tuição Federal é de garantir ao Congresso Nacional a
durabilidade dos mandatos de seus membros (deputados
federais e senadores da República), com a finalidade de
preservar a independência do Legislativo perante os
demais poderes, tendo sua extensão delimitada, tão
somente, aos próprios parlamentares federais, por
expressa e taxativa previsão constitucional. Trata-se, pois,
de uma norma constitucional especial e excepcional em
relação à previsão genérica do art. 15, inciso III.
Dessa forma, em relação aos Congressistas
condenados criminalmente, com trânsito em julgado, não
será automática a perda do mandato, pois a própria
Constituição, estabelecendo que ‘a perda será decidida’,
exigiu a ocorrência de um ato político e discricionário da
respectiva Casa Legislativa Federal, absolutamente
independente da decisão judicial. Como destacou o

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 471 de 486 3883


AP 996 / DF

Ministro Nelson Jobim, no caso de parlamentares federais,


‘a perda do mandato, por condenação criminal, não é
automática: depende de um juízo político do plenário da
casa parlamentar. A Constituição outorga ao Parlamento a
possibilidade da emissão de um juízo político de
conveniência sobre a perda do mandato. Desta forma, a
rigor, a condenação criminal, transitada em julgado, não
causará a suspensão dos direitos políticos, tudo porque a
perda do mandato depende de uma decisão da Casa
parlamentar respectiva e não da condenação criminal’’
(Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo, 2012, Atlas, p.
276-277).

São essas, portanto, as razões de ordem teórica que me


levam a conservar o entendimento que externei na AP nº
481/PA.
(...)”

Mais recentemente, esta Colenda Segunda Turma, ao condenar


parlamentar federal no julgamento da AP nº 618, de minha relatoria, DJe
de 1º/6/17, por unanimidade, acolheu a seguinte proposição do voto
condutor do acórdão:

“Finalmente, caso o réu ainda se encontre no exercício do


mandato parlamentar por ocasião do trânsito em julgado desta
decisão, oficie-se à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
para que delibere a respeito do disposto no art. 55, VI e § 2º, da
Constituição Federal.”

Nesse contexto, voto no sentido de não ser automática a perda do


mandato parlamentar em razão de condenação criminal, cumprindo
oficiar-se à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para que delibere a
respeito do disposto no art. 55, VI e § 2º, da Constituição Federal.
Ressalvadas essas pontuais divergências, acompanho o eminente
Relator, a quem, uma vez mais, louvo pelo hercúleo trabalho

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 472 de 486 3884


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desenvolvido.

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 473 de 486 3885

29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/ ITEM V
(Perda de mandato)

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, sobre


esse aspecto, entendo que o mandato político resulta da vontade popular,
expressa pelo voto direto, secreto, universal e periódico, conferindo ao
seu titular um plexo de prerrogativas constitucionalmente asseguradas,
dentro do respectivo prazo de duração.

A perda do mandato configura, pois, uma sanção excepcional, que se


encontra regrada, adicionalmente, pelo art. 55, I, II e VI, da Lei Maior, ao
passo que a sua extinção acha-se disciplinada nos incs. III, IV e V do
mesmo dispositivo.

Na presente ação penal, a hipótese é de aplicação do disposto no art.


55, VI, § 2º, da Constituição Federal. Nessa situação diferenciada, a perda
do mandato não será automática, embora seja vedado, desde logo, aos
parlamentares atingidos pela condenação criminal, enquanto durarem os
seus efeitos, disputar novas eleições, porquanto perderam a condição de
elegibilidade. Veja-se, a propósito, o Resp 13.324/SP do Tribunal Superior
Eleitoral.

Assinalo, por oportuno, que a hipótese de perda do mandato eletivo,


decorrente de condenação criminal transitada em julgado, também
encontra respaldo na legislação infraconstitucional, ou seja, no art. 92, I, a
e b, do Código Penal, o qual, no entanto, deve ser interpretado em
harmonia com o que dispõe a Carta Magna, e não o contrário.

Gomes Canotilho1, nesse sentido, chama a atenção para o verdadeiro


contrassenso lógico e jurídico de interpretar-se a Constituição segundo a

1 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991.

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 474 de 486 3886


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lei ordinária, porquanto se incorreria em evidente inconstitucionalidade,


reverberando, nesse aspecto, a advertência de juristas alemães que
repudiam essa exegese, que subverte a hierarquia normativa, à qual
denominam de gesetzeskonformen Verfassungsinterpretation.

Com efeito, a jurisprudência consolidada e a melhor doutrina sobre


o assunto sinalizam que a perda do mandato nos casos de condenação
criminal transitada em julgado, em se tratando de deputados e senadores,
regrada pelo art. 55, § 2º, da Lei Maior, não é automática.

Isso porque tal hipótese não se confunde com a perda de mandato


acarretada, por exemplo, em virtude de faltas injustificadas às sessões
parlamentares ou por força de decisão da Justiça Eleitoral, quer dizer,
aquelas situações previstas no art. 55, III, IV e V, da Constituição, em que
a cessação do mandato “será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de
ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de
partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa”, nos termos do que estabelece § 3º do mesmo dispositivo.

São situações bem distintas, às quais o constituinte desejou conferir


um tratamento diferenciado, apartando com clareza as consequências
jurídicas que elas ensejam.

Sublinhe-se, nesse sentido, que, quando o mandato resulta do livre


exercício da soberania popular, ou seja, quando o parlamentar é
legitimamente eleito, falece ao Judiciário competência para decretar a
perda automática de seu mandato, pois ela será, nos termos do art. 55, VI,
§ 2º, da Constituição, “decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante
provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no
Congresso Nacional, assegurada ampla defesa” (grifei).

Vê-se, pois, que o Texto Magno é claro ao outorgar, nesse caso, à

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 475 de 486 3887


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Câmara dos Deputados e ao Senado a competência de decidir, e não


meramente declarar, a perda de mandato de parlamentares das
respectivas Casas.

Auro Augusto Caliman2, estudando a questão, em obra


especializada, assevera o seguinte:

“Da análise das normas, conclui-se como especial a


hipótese prevista no inciso VI do artigo 55, daí sua superior
imperatividade em relação à norma geral de perda dos direitos
políticos prevista no inciso IV deste mesmo artigo, combinado
com o artigo 15, inciso III. Consequentemente, a decisão da
perda do mandato parlamentar será constitutiva quando
ocorrer condenação por infração criminal; e declaratória para as
demais hipóteses de perda de direitos políticos.
A perda do mandato, não só dos parlamentares federais,
como também dos estaduais e distritais, em decorrência de
condenação por infração criminal, não será automática,
mediante ato declaratório da Mesa da respectiva Casa
Legislativa. Poderá ocorrer, sim, mas somente após soberana
decisão do plenário, na votação do projeto de resolução que
preveja a perda em razão de condenação criminal. Trata-se de
decisão política, não vinculada a nada. Se, em escrutínio
secreto, maioria absoluta dos parlamentares da Casa Legislativa
decidir aprovar o projeto de resolução que concluiu pela perda
de mandato, o mandato estará cassado. Posto a votos e não
atingido o quorum de maioria absoluta para aprovação do
projeto, o parlamentar continuará investido no mandato e a
propositura será considerada rejeitada , pois a simples maioria
importa absolvição” (grifei).

De seu turno, o saudoso Ministro Teori Zavascki, em artigo


acadêmico publicado em março de 1997, expressa o seguinte

2 CALIMAN, Auro Augusto. Mandato Parlamentar: Aquisição e Perda Antecipada. São


Paulo: Atlas, 2005.

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 476 de 486 3888


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entendimento acerca do assunto:

“Aos agentes políticos titulares de cargos eletivos ou não


exige-se, portanto, o pleno gozo dos direitos políticos, não
apenas para habilitar-se ou investir-se no cargo, mas
igualmente, para nele permanecer. Assim, a superveniente
perda ou suspensão dos direitos de cidadania implicará,
automaticamente, a perda do cargo. Há, porém, uma exceção: a
do parlamentar que sofrer condenação criminal . O trânsito
em julgado da condenação acarreta, como já se viu, a
suspensão, ipso iure, dos direitos políticos (CF, art. 15, III), mas
não extingue, necessariamente, o mandato eletivo. Ao
contrário das demais hipóteses de perda ou suspensão dos
direitos políticos, que geram automática perda do mandato (art.
55, IV, da CF), perda que será declarada pela Mesa da Casa
respectiva... (art. 55, § 3º), em caso de condenação criminal a
perda do mandato (art. 55, VI) [...] será decidida pela Câmara
dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e
maioria absoluta... (CF, art. 55, § 2º). Ou seja: não havendo
cassação do mandato pela Casa a que pertencer o parlamentar,
haverá aí a hipótese de exercício do mandato eletivo por quem
não está no gozo dos direitos de cidadania. Esta estranha
exceção poderá representar, quem sabe, um mecanismo de
defesa contra o exacerbado rigor do art. 15, III, do texto
constitucional, mas é curioso que assim seja, dado que a
condenação do parlamentar só se tornou viável ante a prévia
licença dos seus pares para a instauração da ação penal (CF, art.
53, § 1º).
25. A essa altura cumpre referir o art. 92, I, do CP, que
prevê como efeitos da condenação: I a perda do cargo, função
pública ou mandato eletivo, nos crimes praticados com abuso
de poder ou violação de dever para com a Administração
Pública quando a pena aplicada for superior a quatro anos; [...]
À luz da Constituição passada entendia-se que não era legítimo
o dispositivo no que se referia ao mandato eletivo, já que,
implicando suspensão de direito político, a pena não poderia

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 477 de 486 3889


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ser criada senão em lei complementar, como exigia o § 3º, do


art. 149, da CF/69. Pois bem, no regime constitucional vigente,
com mais razão a disposição é inaplicável: o mandato eletivo ou
se extingue automaticamente pela suspensão dos direitos
políticos acarretada pela sentença penal condenatória transitada
em julgado, ou, no caso de mandato parlamentar, dependerá
de decisão da respectiva Casa Legislativa, como antes se viu”
(grifei).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está cristalizada no


mesmo sentido. Com efeito, por ocasião do julgamento da AP 565-RO,
ficou devidamente assentado no plenário que a perda do mandato
parlamentar deverá ser decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva
Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional,
conforme o disposto no o art. 55, VI, § 2º da Constituição Federal, cuja
redação foi dada pela Emenda Constitucional 76/2013.

Reproduzo, por oportuno, o voto da Ministra Cármen Lúcia,


Relatora do feito, sobre o tema:

“A discussão atem-se quanto à interpretação e a aplicação


da Constituição no que se refere ao art. 15, III, e fazê-lo
combinar com o principio da separação de poderes para evitar
antinomia, que e mais aparente do que de essência. Porque a
Constituição e um sistema. Mas fazer uma combinação de tal
natureza que a interpretação seja tão inteligente, como diria
Carlos Maximiliano, que permita a plena eficácia com respeito a
todos os princípios não e tarefa simples. E ai incluo o principio
da Separação de Poderes porque nos exercemos a jurisdição,
dizemos que alguém esta condenado. E o Ministro Joaquim
Barbosa chegou a chamar a atenção para uma incongruência
grave que adviria de haver a condenação de alguém com a pena
de prisão e como poderia ele cumprir a pena de prisão e exercer
o mandato. Mas peco vênia ao Ministro Joaquim para

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Voto s/ item V

Inteiro Teor do Acórdão - Página 478 de 486 3890


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acompanhar a divergência, porque considero que cumprimos a


jurisdição quando dizemos qual e o direito a ser aplicado nesse
caso, para os fins de condenação, e não considerar que seja um
consectário automático a declaração de perda de mandado pelo
Supremo Tribunal Federal. Nosso oficio e fazer este
encaminhamento para que se cumpra o art. 55, especialmente,
não quanto ao § 3º, mas quanto ao § 2º, como chamou a atenção
a Ministra Rosa Weber. Em primeiro lugar, porque também
considero que as prerrogativas que precisam de ser levadas em
consideração, para fins de declaração da perda de mandato,
vacância do cargo e sucessão, fazem-se pela Casa que tem essa
competência e que e um dos Poderes da Republica. E que,
portanto, nem acho, nem me parece que vai deixar de acontecer,
em que pese teoricamente ate poder ocorrer. Mas acho que,
num sistema - Vossa Excelência lembrou, Ministro Celso - de
uma Republica na qual um dos seus esteios e a legalidade e, no
outro, a responsabilidade, há de se esperar a responsabilidade
de todos os Poderes, como esperam de nos o que estamos
cumprindo.
Então me parece, como bem lembrou a Ministra Rosa
Weber, em seu brilhante voto, que as prerrogativas são da
instituição, são do mandato e o mandato, sim, que não pode ser
tisnado por uma condenação que impossibilite aquele que
recebeu a representação de poder cumpri-la, de continuar com
as atribuições dessa representação.
Logo, vai ser um consectário logico a cassação nos casos
em que o representante não tenha como exercer o mandato.
Apenas entendo que isso será feito pelo órgão competente. E,
neste caso, a jurisdição, quer dizer, jurisdictio, ‘dizer o direito’,
nos dissemos quando afirmamos que determinado réu esta
condenado a pena de reclusão por tantos anos. E o envio desta
conclusão será feita a cada Casa do Congresso para que ela
tome a providencia competente” (no mesmo sentido, vide AP
563/SP, Relator o Min. Teori Zavascki e AP 644/MT, Relator o
Min. Gilmar Mendes).

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A situação ora enfrentada não difere substancialmente, em suas


balizas fático-jurídicas, daquelas referidas acima, merecendo, portanto,
idêntico tratamento por parte desta Suprema Corte.

Não existem dúvidas, a meu ver, de que a decretação de perda de


mandato eletivo de parlamentar que se distancie das hipóteses regradas
pelo texto constitucional implicará grave violação ao princípio da
soberania popular e, ademais, um sério agravo ao consagrado mecanismo
de freios e contrapesos estabelecido no art. 2º de nossa Lei Maior, que
prevê a convivência independente, porém harmônica, entre os Poderes do
Estado.

Recordo, aliás, como reminiscência histórica, que a repulsa mais


intensa a qualquer impedimento tendente a tolher o pleno exercício do
mandato parlamentar nos vem da Revolução Francesa de 1789, que, como
sabemos, substituiu o absolutismo real pelo princípio da soberania
popular, vivificado por delegados eleitos pelos cidadãos comuns.

Nesse contexto, os revolucionários franceses aboliram as mais que


centenárias, mas nem por isso menos temíveis, lettres de cachet, grosso
modo traduzidas por cartas seladas, em verdade mandados de prisão
secretos, assinados pelos monarcas em conjunto com algum ministro,
cerradas com o selo real, contra determinado súdito, sem direito a
julgamento ou apelação, não raro expedido contra representantes do
povo, de maneira a impedi-los de exercer livremente a atividade política,
em particular a de reunir-se com seus pares.

Na França pós-revolucionária, para que fosse, de pronto, assegurado


o livre funcionamento da Assembleia Nacional, editou-se um decreto,
datado de 20 de junho de 1789, por meio do qual considerava-se traidor
da nação e sujeito a pena capital qualquer pessoa, plebeu ou aristocrata,
juiz ou integrante de tribunal, que interferisse na liberdade de ir e vir ou
de manifestação de deputado representante do Tiers État.

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Voto s/ item V

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AP 996 / DF

Em recente artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, intitulado


“Freios e Contrapesos”3 ressaltei que, por mais bem intencionados que
sejam, não é lícito aos juízes alterar, pela via interpretativa, o sentido da
Constituição e das leis que juraram defender.

Por todas essas razões, concluo o meu voto assentando que ao


Supremo Tribunal Federal, na hipótese vertente, compete tão somente
comunicar à Casa Legislativa a que pertence o parlamentar condenado
criminalmente que ocorreu o trânsito em julgado da decisão, para que
esta proceda conforme os ditames constitucionais.

Qualquer providência além dessa, a meu ver, teria o potencial de


desencadear um indesejável conflito institucional, em contraste com a
salutar postura de self restraint, ou seja, de autocontenção, que a Suprema
Corte dos Estados Unidos da América - paradigma que inspirou a criação
do STF -, prudentemente adota em situações assemelhadas, desde a sua
criação no século XVIII.

É como voto, Senhor Presidente, acompanhando, portanto, a


divergência.

3 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Freios e contrapesos. Folha de São Paulo, Brasil, 23


maio 2018.

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29/05/2018 SEGUNDA TURMA

AÇÃO PENAL 996 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/ ITEM V

(s/ perda do mandato)

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -

Presidente, eu também vou pedir todas as vênias a Vossa Excelência e ao

eminente Ministro-Revisor para acompanhar a divergência.

Registro que, no Plenário, já me manifestei em sentido

diverso. Parece-me que deveria haver uma coerência no tratamento dessa

temática. À época, eu sugeri que era preciso ser congruente com a solução

que se dá para os casos das chamadas decisões de improbidade

administrativa.

Aqui, é evidente que, se se aplica a improbidade

administrativa, dever-se-ia também se aplicar a casos em que

notoriamente, como crimes contra a Administração Pública, está presente

a violação à probidade administrativa de maneira inequívoca. Todavia, o

Plenário decidiu em sentido contrário e encaminhou pronunciamento,

nessa linha, que me parece que nos orienta.

É claro, que, há situações que já foram aqui

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 482 de 486 3894


AP 996 / DF

mencionadas, e que são extremamente relevantes, inclusive do ponto de

vista prático: a ideia, por exemplo, de se impor a uma dada autoridade, a

um parlamentar, o regime fechado, como aconteceu neste caso.

Entretanto, parece-me - como diz agora o Ministro

Lewandowski - estamos diante, realmente, de uma questão jurídica

extremamente delicada, por conta do equilíbrio entre os Poderes. E o

Plenário, quando foi convocado a discutir a temática, encaminhou-se em

sentido diverso.

É muito provável que, diante, inclusive, da pluralidade

de casos - dos casos que se multiplicam - que haja, talvez, aí,

encaminhamento no sentido de uma revisão dessa orientação. Mas isso

há de se fazer de jure constituendo, a meu ver. Essa talvez seja a solução

mais adequada, considerando que já se admite isto em matéria eleitoral,

que já se admite em matéria de improbidade, que houvesse uma

coerência de tratamento.

Amarrar a questão, exclusivamente, na pena, leva

àquilo que chamei, jocosamente, de "solução salame": a ideia de que, para

um determinado caso, vamos ter um tipo de solução; para outro, vamos

ter um outro tipo de solução, dependendo do regime de prisão que se

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 483 de 486 3895


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adote. De modo que me parece que, em nome mesmo da coerência e

integridade do sistema, devemos manter aquela orientação, até agora não

revista, do Plenário da Corte.

De modo que, pedindo todas as vênias a Vossa

Excelência e ao eminente Ministro Celso de Mello, acompanho a

divergência iniciada pelo Ministro Toffoli e, agora, subscrita pelo Ministro

Lewandowski.

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Extrato de Ata - 29/05/2018

Inteiro Teor do Acórdão - Página 484 de 486 3896

SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

AÇÃO PENAL 996


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REVISOR : MIN. CELSO DE MELLO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
ASSIST.(S) : PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
ADV.(A/S) : TALES DAVID MACEDO (20227/DF) E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA (50393/DF)
RÉU(É)(S) : NELSON MEURER JÚNIOR
ADV.(A/S) : MARINA DE ALMEIDA VIANA (52204/DF)
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO (30789/DF)
ADV.(A/S) : PRISCILA NEVES MENDES (44051/DF)
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)
RÉU(É)(S) : CRISTIANO AUGUSTO MEURER
ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARÃES PEIXOTO (30789/DF)
ADV.(A/S) : RICARDO LIMA PINHEIRO DE SOUZA (50393/DF)
ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA (24694/DF)

Decisão: Após o voto do Relator, que rejeitava todas as


preliminares e, de consequência, julgava prejudicados os agravos
regimentais respectivos, no que foi acompanhado integralmente pelo
Ministro Celso de Mello, Revisor, foi suspenso o julgamento cuja
retomada se dará ao início da próxima sessão do dia 22 de maio
corrente, com a colheita dos demais votos. Falaram: pelo
Ministério Público Federal, a Dra. Cláudia Sampaio Marques; pelo
assistente Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS, o Dr. André
Tostes; pelo réu Nelson Meurer, o Dr. Alexandre Jobim; e, por
Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer, o Dr. Michel
Saliba Oliveira. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias
Toffoli. Presidência do Ministro Edson Fachin. 2ª Turma,
15.5.2018.

Decisão: Colhidos os votos dos Ministros Dias Toffoli, Ricardo


Lewandowski e Gilmar Mendes, a Turma, por unanimidade, rejeitou as
preliminares. Quanto ao mérito, após o voto do Relator, que
julgava procedente em parte a denúncia para condenar o réu Nelson
Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º do Código Penal,
por trinta e uma vezes, bem como nas sanções do art. 1º, caput, da
Lei nº 9.613/98, por oito vezes, absolvendo-o das demais
acusações, e ainda, por condenar o réu Nelson Meurer Júnior como
incurso nas sanções do art. 317, § 1º do Código Penal por cinco
vezes na forma do artigo 29 do mesmo diploma legal, absolvendo-o
das demais acusações, e para condenar o réu Cristiano Augusto

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Meurer como incurso nas sanções do art. 317, § 1º do Código Penal


por uma vez, na forma do artigo 29 do mesmo diploma legal, também
o absolvendo das demais acusações, no que foi acompanhado
integralmente pelo Ministro Revisor, foi suspenso o julgamento que
será retomado na próxima sessão. Presidência do Ministro Edson
Fachin. 2ª Turma, 22.5.2018.

Decisão: Prosseguindo no julgamento do feito, quanto ao


mérito, a Turma, por maioria, julgou procedente em parte a
denúncia para i) condenar o réu Nelson Meurer como incurso nas
sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal (corrupção passiva),
por trinta vezes, vencidos, nesse ponto, os Ministros Relator e
Revisor que o condenavam também pelo crime de corrupção passiva
decorrente do fato referente à doação eleitoral recebida da
sociedade empresária Queiroz Galvão, vencido também o Ministro
Ricardo Lewandowski que o condenava pela prática de 18 delitos de
corrupção passiva circunscritos ao tempo em que Nelson Meurer
exercia a liderança do Partido Progressista na Câmara dos
Deputados; ii) para condenar o denunciado Nelson Meurer Júnior
como incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal
(corrupção passiva), por 5 vezes, na forma do art. 29 da Lei
Penal, vencido, nesse ponto, o Ministro Ricardo Lewandowski, que o
condenava por 3 delitos à luz do mesmo dispositivo legal citado;
iii) condenar o réu Cristiano Augusto Meurer como incurso nas
sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal (corrupção passiva),
por uma vez, vencido nesse ponto, o Ministro Ricardo Lewandowski,
que o absolvia; iv) condenar Nelson Meurer como incurso nas
sanções do art. 1º, caput, da Lei nº 9.613 por sete vezes,
vencidos os Ministros Relator e Revisor, no ponto, pois o
condenavam também pela lavagem de capitais em decorrência de
doação eleitoral; e, por unanimidade, para i) absolver Nelson
Meurer no tocante à participação em todos os crimes de corrupção
passiva praticados no âmbito da PETROBRAS por Paulo Roberto Costa,
com fundamento no inc. VII do art. 386 do Código de Processo
Penal; ii) absolver Nelson Meurer no que tange à participação em
todos os crimes de lavagem de dinheiro praticados por Alberto
Youssef em decorrência de contratos celebrados por empresas
cartelizadas no âmbito da Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS,
igualmente nos termos do inciso VII do art. 386 do Código de
Processo Penal; iii) absolver Nelson Meurer, Nelson Meurer Junior
e Cristiano Augusto Meurer das imputações relativas aos crimes de
lavagem de capitais consubstanciados nos recebimentos em dinheiro
em espécie com fundamento no inc. III, art. 386, do Código de
Processo Penal. Quanto à dosimetria da pena, por unanimidade,
fixou, para Nelson Meurer, a pena de 13 anos, 9 meses e 10 dias de
reclusão em regime inicial fechado, e o pagamento de 122 dias-
multa, este fixado em 3 salários mínimos no valor vigente à época
do último fato devidamente corrigido por ocasião do pagamento;
para Nelson Meurer Junior, a pena de 4 anos, 9 meses e 18 dias de

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reclusão em regime inicial semi-aberto, e o pagamento de 31 dias-


multa, este fixado em 2 salários mínimos no valor vigente à época
do último fato, devidamente corrigido por ocasião do pagamento; e
para Cristiano Augusto Meurer, a pena de 3 anos e 4 meses de
reclusão e o pagamento de 20 dias-multa, declarando-se extinta a
punibilidade, pela prescrição, com fundamento no inciso IV do
artigo 107 do Código Penal, vencido o Ministro Ricardo
Lewandowski, que o absolvia. Em relação aos efeitos da condenação,
quanto aos danos materiais, a Turma, por unanimidade, fixou como
valor mínimo indenizatório, em favor da PETROBRAS, a quantia de 5
milhões de reais, corrigidos monetariamente a partir da
proclamação do julgamento e com juros de mora a partir do trânsito
em julgado; quanto aos danos morais coletivos, por maioria,
indeferiu o pedido, nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli,
vencidos os Ministros Relator e Revisor; quanto à perda de bens,
por unanimidade, determinou a perda em favor da União dos bens
direitos e valores objeto em relação aos quais foram os réus
condenados, ressalvado o direito de lesado ou terceiro de boa-fé
(inc. I, art. 7º, da Lei 9.613/98); quanto à interdição para o
exercício de cargo ou função pública (inc. II do art. 7º da Lei
9.613/98), também por unanimidade, determinou a interdição de
Nelson Meurer para o exercício de cargo ou função pública de
qualquer natureza e de diretor ou membro de Conselho de
Administração ou de gerencia das pessoas jurídicas referidas no
art. 9º dessa mesma lei 9.613/98 pelo dobro do tempo da pena
privativa de liberdade aplicada; e por fim, quanto à perda do
mandato parlamentar, a Turma, por maioria, deliberou que a perda
do mandato não é automática e nos termos da divergência inaugurada
pelo Ministro Dias Toffoli determinou, após o trânsito em julgado,
oficiar-se à Câmara dos Deputados, vencidos os Ministros Relator e
Revisor. Presidência do Ministro Edson Fachin. 2ª Turma,
29.5.2018.

Presidência do Senhor Ministro Edson Fachin. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes,
Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio


Marques.

Marília Montenegro
Secretária Substituta

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