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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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18/03/2023 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.227 DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB
ADV.(A/S) : JOSE ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE
TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS - COBRAPOL
ADV.(A/S) : FABRICIO CORREIA DE AQUINO
AM. CURIAE. : FEDERACAO NACIONAL DOS POLICIAIS FEDERAIS
ADV.(A/S) : ANTONIO RODRIGO MACHADO DE SOUSA
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS DELEGADOS DE
POLICIA JUDICIARIA - ADPJ
ADV.(A/S) : DEBORAH DE ANDRADE CUNHA E TONI
AM. CURIAE. : FEDERACAO NACIONAL DOS POLICIAIS
RODOVIARIOS FEDERAIS
ADV.(A/S) : RUDI MEIRA CASSEL
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PERITOS
CRIMINAIS FEDERAIS
ADV.(A/S) : ALBERTO EMANUEL ALBERTIN MALTA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 3º E


4º DO ART. 28 DA LEI N. 8.096/1994 INCLUÍDOS PELA LEI N.
14.365/2022. MILITARES NA ATIVA E OCUPANTES DE CARGOS OU
FUNÇÕES DIRETA OU INDIRETAMENTE VINCULADOS A ATIVIDADE
POLICIAL. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA EM CAUSA PRÓPRIA.
INCOMPATIBILIDADE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA
MORALIDADE E DA EFICIÊNCIA. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA
JULGADA PROCEDENTE.
1. Proposta de conversão em julgamento definitivo de mérito, em
cumprimento ao princípio constitucional da razoável duração do processo.

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ADI 7227 / DF

Precedentes.
2. Atendido o requisito do inc. I do art. 3º da Lei n. 9.868/99 pela devida
argumentação específica quanto às normas que se pretende a declaração de
inconstitucionalidade. Precedentes.
3. As normas questionadas contemplam fator juridicamente inidôneo como
critério de discriminação com relação aos demais integrantes do serviço público
estatal, previstos no regime de incompatibilidade previsto no art. 28 da Lei n.
8.906/94.
4. A incompatibilidade do exercício da advocacia, mesmo em causa própria,
pelos integrantes das polícias e militares na ativa, objetiva obstar a ocorrência de
conflitos de interesse, preservar a necessidade de exclusividade no desempenho
das atividades policiais ou militares, ou da função de advogado, e manter o
núcleo essencial do direito à liberdade de profissão, que não é inviabilizado em
geral, mas restrito o exercício concomitante de duas profissões, assegurada,
contudo, a liberdade de escolha entre elas.
5. Ação direta de inconstitucionalidade:
a) proposta de conversão da apreciação da medida cautelar em
julgamento de mérito e julgada procedente;
b) julgada procedente com declaração de inconstitucionalidade dos
§§ 3º e 4º do art. 28 da Lei n. 8.906/1994, incluídos pela Lei n. 14.365/2022.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão do Plenário, na conformidade da
ata de julgamento, por unanimidade, converter a apreciação da medida
cautelar em julgamento de mérito e julgar procedente a ação direta para
declarar a inconstitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 28 da Lei n. 8.906,
incluídos pela Lei n. 14.365/2022, nos termos do voto da Relatora.
Falaram: pelo requerente, a Dra. Manuela Elias Batista; e, pelo amicus
curiae Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, a Dra. Aline
Benção. Sessão Virtual de 10.3.2023 a 17.3.2023.

Brasília, 20 de março de 2023.

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ADI 7227 / DF

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.227 DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB
ADV.(A/S) : JOSE ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE
TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS - COBRAPOL
ADV.(A/S) : FABRICIO CORREIA DE AQUINO
AM. CURIAE. : FEDERACAO NACIONAL DOS POLICIAIS FEDERAIS
ADV.(A/S) : ANTONIO RODRIGO MACHADO DE SOUSA
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS DELEGADOS DE
POLICIA JUDICIARIA - ADPJ
ADV.(A/S) : DEBORAH DE ANDRADE CUNHA E TONI
AM. CURIAE. : FEDERACAO NACIONAL DOS POLICIAIS
RODOVIARIOS FEDERAIS
ADV.(A/S) : RUDI MEIRA CASSEL
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PERITOS
CRIMINAIS FEDERAIS
ADV.(A/S) : ALBERTO EMANUEL ALBERTIN MALTA

RELATÓRIO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de


medida cautelar, ajuizada em 12.8.2022, pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil – CFOAB, contra o disposto na “Lei 14.365/2022,
na parte em que incluiu os §§ 3º e 4º ao art. 28 da Lei 8.906/1994 (Estatuto da
Advocacia)”, por alegada ofensa ao caput do art. 5º e ao caput do art. 37 da
Constituição da República.

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2. Nas normas impugnadas se estabelecem:


“Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria,
com as seguintes atividades: (…)
V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou
indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
VI - militares de qualquer natureza, na ativa; (…)
§ 3º As causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos
incisos V e VI do caput deste artigo não se aplicam ao exercício da
advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela
de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB,
vedada a participação em sociedade de advogados. (Incluído pela Lei nº
14.365, de 2022)
§ 4º A inscrição especial a que se refere o § 3º deste artigo deverá
constar do documento profissional de registro na OAB e não isenta o
profissional do pagamento da contribuição anual, de multas e de
preços de serviços devidos à OAB, na forma por ela estabelecida,
vedada cobrança em valor superior ao exigido para os demais membros
inscritos. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)”.

3. O autor alega que “a presente ação visa impugnar a lei especificamente


quanto à inclusão das disposições constantes nos parágrafos 3º e 4º do art. 28, as
quais autorizam, ao arrepio da Constituição Federal, o exercício em causa própria
por parte dos ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente
a atividade policial de qualquer natureza, bem como dos militares de qualquer
natureza, se na ativa”.

Argumenta que “a norma recentemente aprovada e que cuidou, na


prática, de prever exceções injustificadas ao regime de incompatibilidade já
previsto e sedimentado pelo art. 28, notadamente e tão somente quanto aos
incisos V e VI, que tratam de cargos vinculados a atividade policial e militares de
qualquer natureza, reacende a necessidade dessa corte mais uma vez se debruçar
sobre a importância da manutenção das incompatibilidades preconizadas pelo
legislador ordinário ao exercício da advocacia e sua plena compatibilização com o
paradigma constitucional vigente”.

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Afirma que “o impedimento ora em debate possui previsão legal sólida e já


teve sua constitucionalidade analisada no âmbito desse Supremo Tribunal,
inexistindo qualquer violação constitucional ao obstar a prática advocatícia aos
agentes da segurança pública, mas, ao contrário, a norma ora impugnada, ao
admitir que policiais e militares possam exercer a advocacia em causa própria,
mantendo a vedação a outros segmentos do serviço público estatal, constitui uma
diferenciação odiosa e injustificável, para além de atentar contra a moralidade
pública e ao Estado democrático de direito, violando princípios constitucionais e
ensejando a imediata atuação dessa Corte”.

Assevera que, “pelo entendimento positivado originalmente na lei, em


particular aquele constante no art. 28 e seguintes do Estatuto da OAB (lei
8.906/1994), a advocacia, caso exercida por servidores ocupantes de determinados
cargos e funções, pode colocar em risco o adequado funcionamento das
instituições as quais pertencem, especialmente os servidores que lidam
diretamente no Poder Judiciário e que compõem a segurança pública, pois estes
possuem íntima proximidade com julgadores, acusadores, serventuários, dentre
outros personagens do processo, e, portanto, detêm informações e prerrogativas
informais privilegiadas”.

Ressalta que, “ao apreciar o AgR no RE 550.005/PR5, o Min. Joaquim


Barbosa ressaltou que a Constituição autoriza não apenas a instituição de
qualificações positivas para o exercício profissional (v. g. formação, experiência,
certificação, habilitação profissional etc.), bem como a fixação de parâmetros
negativos que importem em limitações ao exercício da liberdade profissional em
prol de interesses mais amplos, no caso, da isonomia, moralidade e eficiência
administrativas: (…)”.

Acrescenta que “as incompatibilidades definidas no art. 28 e os


impedimentos do art. 30 da Lei nº 8.906/94 objetivam respeitar os postulados da
moralidade pública e da isonomia, pois os poderes imanentes às atribuições dos
cargos públicos vinculam a Administração e reforçam a supremacia do interesse

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público em detrimento do particular”.

Afirma que “os §§ 3º e 4º inseridos no art. 28, ao criar a ressalva e admitir


a possibilidade da atividade postulante apenas aos policiais e militares criou, com
a devida vênia, uma exceção esdruxula ao rol de incompatibilidades, autorizando
que somente essas carreiras sejam privilegiadas por uma nova regra, ao ponto de
criarem uma “inscrição especial” nos quadros da Ordem dos Advogados do
Brasil para manutenção desse privilégio”.

Sustenta que “a previsão constante no Estatuto da OAB sobre a


incompatibilidade para o exercício da advocacia para policiais e militares objetiva
respeitar o postulado da moralidade (art. 37, caput, CF), tendo em vista a
própria natureza da atividade exercida por esses agentes públicos, cujas funções
guardam relação com a conservação da ordem pública, da segurança geral e da
paz social”.

Para demonstrar o fumus boni iuris e o periculum in mora da medida


cautelar requerida, argumenta que “o fumus boni iuris foi caracterizado no
bojo dessa peça, uma vez que resta claro que a inserção dos §§ 3º e 4º, do art. 28,
da Lei 8.906/1994 é inconstitucional, pois a vedação ao exercício da advocacia
pelos servidores membros das forças de segurança, em especial os policiais
militares e militares na inativa, decorre da própria autorização constitucional de
regulamentação do exercício profissional, além de dar eficácia a outros princípios
constitucionais que devem preponderar em atenção ao interesse público,
notadamente a moralidade administrativa (…). Por sua vez, o periculum in
mora revela a urgência do deslinde da presente ação, com a necessidade de
imediata concessão da medida liminar. E a toda evidência, é urgente e salutar a
suspensão imediata dos referidos dispositivos, tendo em vista que, ao autorizar
que militares e policiais possam exercer a advocacia em causa própria, a norma
também instituiu a criação de uma inscrição especial nos quadros da classe
advocatícia, o que exigirá que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, ora requerente nessa ADI, regulamente os termos e regras para essa o uso
e os mecanismos de fiscalização dessa inscrição especial. (…) a manutenção da

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vigência do ato normativa impugnado possibilita a judicialização da questão,


incorrendo grave risco de que sejam proferidas decisões de forma descentralizada
no âmbito de ações individuais e mandados de segurança ajuizados em diversos
tribunais pátrios, acarretando uma regulamentação da matéria pela via judicial e
de forma não unificada da matéria, em nítida violação ao princípio da segurança
jurídica”.

4. Requer medida cautelar para “que seja determinada a suspensão


imediata da Lei n. 14.365/22, na parte em que acrescenta os §§ 3º e 4º, do art. 28,
da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), até o julgamento de mérito”.

5. No mérito, pede “seja julgado PROCEDENTE o pedido, para que se


declare a inconstitucionalidade da Lei n. 14.365/22, na parte em que acrescenta
os §§ 3º e 4º ao art. 28, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), em razão das
violações ao princípio da isonomia, moralidade e eficiência da Administração
Pública, à supremacia do interesse público, à regra definidora do conceito
constitucional do advogado como indispensável a administração da justiça, bem
como por fragilizar o sistema de justiça, suas instituições e funções essenciais e o
próprio Estado Democrático de Direito”.

6. Adotei o rito do art. 10 da Lei n. 9.868/1999 (e-doc. 9).

7. Nas informações prestadas, o Presidente do Senado Federal


defendeu a constitucionalidade das normas impugnadas:
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DA ADVOCACIA.
REGIME DE INCOMPATIBILIDADES. EXERCÍCIO DE
ADVOCACIA EM CAUSA PRÓPRIA POR OCUPANTES DE
CARGOS OU FUNÇÕES VINCULADOS À ATIVIDADE
POLICIAL E POR MILITARES NA ATIVA. DEFESA E TUTELA
DE DIREITOS PESSOAIS, DESDE QUE MEDIANTE
INSCRIÇÃO ESPECIAL NA OAB, VEDADAS A PARTICIPAÇÃO
EM SOCIEDADE DE ADVOGADOS E A COBRANÇA EM
VALOR SUPERIOR AO EXIGIDO PARA OS DEMAIS

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MEMBROS INSCRITOS” (e-doc. 13).

8. O Presidente da República, nos termos do parecer exarado pelo


Consultor-Geral da União, manifestou-se pela improcedência da ação:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. INCONFORMIDADE DA
ENTIDADE DEMANDANTE COM A INLCUSÃO, PELA LEI Nº
14.365/2022, DOS §§ 3º E 4º AO ART. 28 DA LEI 8.906/1994.
PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA
DE COTEJO INDIVIDUALIZADO ENTRE OS DISPOSITIVOS
IMPUGNADOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NO MÉRITO,
MUDANÇA LEGISLATIVA LEGÍTIMA. OBSERVÂNCIA DO
DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. ATENDIMENTO AOS
PRIMADOS DA ISONOMIA, AMPLA DEFESA, DEVIDO
PROCESSO LEGAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO
DA LIMINAR. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS” (e-doc. 18).

9. O Presidente da Câmara dos Deputados manifestou-se pela


constitucionalidade das normas impugnadas, afirmando ter sido
respeitado o devido processo legislativo:
“(…) a Lei n. 14.365/2022, originou-se do Projeto de Lei n.
5.284/2020, de autoria do Deputado Paulo Abi-Ackel. 18. Em
16/2/2022 a matéria foi submetida a discussão em turno único. Foi
proferido parecer em Plenário pelo Relator, Deputado Lafayette de
Andrada, que conclui pela constitucionalidade, juridicidade e técnica
legislativa; pela não implicação da matéria em aumento ou diminuição
da receita ou da despesa públicas, não cabendo pronunciamento
quanto à adequação financeira e orçamentária; e, no mérito, pela
aprovação da proposição, na forma do Substitutivo. 19. Encerrada a
discussão, foram apresentadas Emendas de Plenário de n. 1 a 17. 20.
As Emendas de Plenário de n. 8, 15 e 17 não obtiveram apoiamento
regimental. 21. As Emendas de Plenário de n. 3, 4, 5 e 6 foram
retiradas pelo autor. 22. Quanto às demais emendas, o Relator
apresentou parecer concluindo por sua rejeição. 23. Foi aprovado o
Substitutivo ao projeto de lei, adotado pelo Relator, ressalvados os

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destaques. Em consequência, ficaram prejudicadas a proposição inicial


e as emendas apresentadas. 24. Foram apresentadas emendas ao
substitutivo, as quais foram rejeitadas. 25. Em seguida, foi realizada a
votação de destaques de bancada relativos a dispositivos incluídos pelo
PL n. 5.284/2020 na Lei n. 14.365/2022, sem relação com o objeto da
presente ação direta. 26. A Redação Final assinada pelo Relator
Lafayette de Andrada foi aprovada, e a matéria foi encaminhada ao
Senado Federal (PL 5.284-A/2020), por meio do Ofício n.
50/2022/SGM-P. 27. Em 13/5/2022, o Senado comunicou a esta Casa
que a proposição foi aprovada e encaminhada ao Presidente da
República para as providências previstas no art. 66 da Constituição
Federal. 28. O projeto foi vetado parcialmente. No entanto, em
8/7/2022, o veto presidencial foi rejeitado, e a parte vetada foi
promulgada” (e-doc. 29).

10. O Advogado-Geral da União manifestou-se pelo não


conhecimento da ação e pelo indeferimento da medida cautelar
requerida:
“Exercício da advocacia. Artigo 28, §§ 3º e 4º, da Lei nº
8.906/1994 (Estatuto da OAB), com a redação conferida pela Lei nº
14.365/2022. Preliminar. Inépcia da inicial. Mérito. Ausência de
fumus boni iuris. Em nossa ordem constitucional, a regra é a
liberdade de exercício profissional, podendo a lei, diante de
justificativas legítimas, fixar as qualificações necessárias ao regular
desempenho de determinada atividade. Dada a peculiar natureza de
suas atividades, bem como a especificidade do regramento a que estão
sujeitos, a mitigação da restrição imposta aos integrantes dos órgãos
de segurança pública e aos militares da ativa, permitindo-lhes o
exercício da advocacia em causa própria, confere efetividade ao direito
à dignidade da pessoa humana, ao pleno acesso à tutela jurisdicional e
às garantias do devido processo legal, nos termos dos artigos 1º, inciso
III; e 5º, incisos LIV e LV, da Lei Maior. Opção legitimamente adotada
pelo Poder Legislativo, dentro de sua margem de conformação.
Necessidade de autocontenção do Poder Judiciário. Periculum in
mora inverso. Manifestação pelo não conhecimento da ação direta e
pelo indeferimento da medida cautelar pleiteada” (e-doc. 33).

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11. O Procurador-Geral da República manifestou-se pela


procedência da ação:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART.
28, §§ 3º E 4º, DA LEI 8.096/1994 (ESTATUTO DA OAB), COM A
REDAÇÃO DADA PELA LEI 14.365/2022. MILITARES E
OCUPANTES DE CARGOS OU FUNÇÕES DIRETA OU
INDIRETAMENTE VINCULADOS A ATIVIDADE POLICIAL.
EXERCÍCIO DA ADVOCACIA EM CAUSA PRÓPRIA.
INCOMPATIBILIDADE DE REGIMES E DIRETRIZES
CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS. PARECER PELA
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. A norma que permite o exercício da advocacia, mesmo em
causa própria, por ocupantes de cargos ou funções vinculados direta
ou indiretamente a atividade policial ou por militares de qualquer
natureza coloca em contraponto estatutos inconciliáveis, contrariando
simultaneamente diretrizes constitucionais regentes da advocacia (CF,
art. 133) e das carreiras policiais e militares (CF, arts. 42 e 142).
2. Disciplina e hierarquia são vetores constitucionais
estruturantes das instituições militares e policiais, constituindo
pilares que as distinguem das demais organizações civis ou sociais,
sendo conformadores de regime jurídico especialíssimo que diferencia,
em termos de exercício de direitos individuais, os militares dos
servidores públicos civis e dos demais cidadãos.
3. A restrição imposta pelo art. 28, V, da Lei 8.096/1994 visa a
proteger o interesse público dos possíveis conflitos de interesse
decorrentes do exercício simultâneo dessas profissões, bem como da
submissão das carreiras a regimes e diretrizes constitucionais
mutuamente excludentes: independência por parte dos advogados e
hierarquia e disciplina por parte dos militares e policiais.
— Parecer pela procedência do pedido para declarar
inconstitucionais os §§ 3º e 4º do art. 28 da Lei 8.906/1994, com
redação dada pela Lei 14.365/2022” (e-doc. 47).

12. Em 24.10.2022, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do


Brasil – CFOAB reiterou o requerimento da medida cautelar, nos

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seguintes termos:
“Conforme exposto na exordial, a norma ora impugnada, ao
admitir que policiais e militares possam exercer a advocacia em causa
própria, mantendo a vedação a outros segmentos do serviço público
estatal, constitui uma diferenciação sem qualquer critério ou
embasamento legal, que atenta contra a moralidade pública e viola
princípios constitucionais, notadamente o princípio da isonomia,
ensejando a imediata atuação dessa Corte. (…)
Nesses termos, foi requerido que a norma impugnada fosse
cautelarmente suspensa por essa E. Corte e o CFOAB vem reforçar
agora esse pedido de urgência diante de novas questões fáticas que
evidenciam a urgência na análise do pedido cautelar, notadamente o
deferimento de pedido liminar no bojo de Mandado de Segurança
impetrado com fundamento na norma impugnada. Na referida decisão
(anexa), prolatada no âmbito do MS n. 101174896.2022.4.01.3000, o
Exmo. Juízo da 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC, deferiu
pedido formulado por um servidor público ocupante do cargo de
policial civil e determinou que a seccional da OAB/AC efetuasse a
inscrição especial do impetrante nos quadros da entidade. (…)
Ante todo o exposto, considerando a urgência reconhecida pela
Exma. Min relatora na apreciação da questão, que o feito já se
encontra apto para julgamento e a ocorrência de fatos novos
relevantes, sobretudo a aplicação da norma impugnada em casos
concretos com deferimento de liminares que acarretam enorme
insegurança jurídica, o Conselho Federal da OAB vêm enfatizar a
urgência e reiterar o pedido liminar para que, primando pela
integridade do sistema OAB e pela segurança do sistema de justiça,
seja determinada a suspensão imediata da Lei n. 14.365/22, na parte
em que acrescenta os §§ 3º e 4º, do art. 28, da Lei n. 8.906/94
(Estatuto da Advocacia), até o julgamento de mérito” (e-doc. 64).

13. Em 10.11.2022, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do


Brasil – CFOAB apresentou outra petição reiterando o requerimento da
medida cautelar:
“O CFOAB já possui conhecimento de uma porção de mandados
de segurança impetrados em estados distintos e de ao menos duas

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Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 38

ADI 7227 / DF

decisões interlocutórias já proferidas – com fundamentos distintos –


de deferimento dos pedidos liminares do impetrante, sendo certo que
este número deverá aumentar caso a norma continue vigente. Assim,
o autor vem informar o proferimento de nova decisão interlocutória
(anexa) proferida no bojo do MS n. 1035432-57.2022.4.01.4000, em
trâmite na 5ª Vara Federal Cível da SJPI, no qual o Exmo. Juízo,
apesar de reconhecer que ‘a atuação do impetrante em causa própria
dependa de regulamentação pelo Conselho Federal’, conclui que ‘não
há dúvida de que a inscrição especial tem amparo legal’, e determinou
que o OAB/PI promovesse a inscrição dele no quadros da entidade. E
com o ajuizamento de novas ações, há o grande risco de que sejam
proferidas mais decisões conflitantes, com Juízos deferindo os pedidos
liminares e determinando a inscrição dos autores nos quadros da OAB
à revelia de uma regulamentação que defina em que termos isso
ocorrerá, ocasionando situação de grave insegurança jurídica e
comprometendo inclusive a integridade e eficácia do sistema de
justiça. (…). Ante todo o exposto, considerando a urgência
reconhecida pela Exma. Min. Relatora na apreciação da questão, a
ocorrência de fatos novos relevantes, consistente no risco à segurança
jurídica pela aplicação da norma impugnada em casos concretos, o
Conselho Federal da OAB vêm mais uma vez enfatizar a urgência e
reiterar o pedido liminar para que, primando pela segurança jurídica e
preservação do sistema OAB, seja imediatamente suspensa a eficácia
da Lei n. 14.365/22, na parte em que acrescenta os §§ 3º e 4º, do art.
28, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia)” (e-doc. 82).

14. Foram admitidos, na condição de amici curiae, Confederação


Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis – Cobrapol (e-doc. 31),
Federação Nacional dos Policiais Federais – Fenapef e Associação
Nacional dos Delegados da Polícia Judiciária – ADPJ (e-doc. 59).

É o relatório, cuja cópia deverá ser encaminhada a cada um dos


Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 9º da Lei n. 9.868/1999 c/c
inc. I do art. 87 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

10

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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18/03/2023 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.227 DISTRITO FEDERAL

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Põe-se em questão na presente ação direta de


inconstitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, o exame
dos §§ 3º e 4º do art. 28 da Lei n. 8.906/94, incluídos pela Lei n.
14.365/2022. Naqueles dispositivos se dispõe sobre a permissão de
ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a
atividade policial de qualquer natureza e militares na ativa para o
exercício da advocacia, em causa própria, para fins de defesa e tutela de
direitos pessoais, por inscrição especial na Ordem dos Advogados do
Brasil.

Alega o autor contrariedade ao princípio da isonomia, da


moralidade, da eficiência e da supremacia do interesse público, previstos
no caput do art. 5º e caput do art. 37 da Constituição da República.

2. Instruído o feito nos termos do art. 10 da Lei n. 9.868/1999, propõe-


se, em cumprimento ao princípio constitucional da razoável duração do
processo, converter-se em julgamento definitivo de mérito. Nesse sentido,
por exemplo: Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.163, Relator o
Ministro Cezar Peluso, Plenário, DJ 1º.3.2013; e Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 5.661, Relatora a Ministra Rosa Weber, Plenário,
DJ 5.10.2020.

Da preliminar de inépcia da petição inicial

3. Sustenta o Advogado-Geral da União a inépcia da petição inicial,


porque desatendido o inc. I do art. 3º da Lei n. 9.868/99, porque estaria
faltante argumentação específica sobre a apontada inconstitucionalidade

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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ADI 7227 / DF

das normas impugnadas.

Alega que “o requerente aponta violação a princípios de envergadura


constitucional – isonomia, moralidade, eficiência e supremacia do interesse
público – sem, contudo, estabelecer em que medida a norma questionada violaria
a Constituição Federal. Na verdade, o autor se limitou a formular hipóteses
meramente especulativas quanto ao suposto acesso facilitado a informações e
provas pelos agentes responsáveis por investigações e conduções de inquéritos e
processos, quando em defesa ou tutela de direitos pessoais” (e-doc. 33).

Não há razão jurídica para o acolhimento da preliminar arguida. Na


fundamentação apresentada na petição inicial, há argumentação
específica sobre as normas cuja declaração de inconstitucionalidade se
pretende, assim como o parâmetro de controle de constitucionalidade
adotado, consistente na ofensa ao princípio da isonomia, da moralidade e
da eficiência, com suficiente demonstração de densidade normativa para
o processamento do pedido.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5823


ponderei que “mesmo em controle abstrato, as ações agora julgadas tratam de
princípios que haverão de ser ponderados, na minha compreensão e com todas as
vênias aos que pensam em sentido contrário, no sentido de orientar a
interpretação e a aplicação das normas constitucionais. Isso é exatamente o que
torna a Constituição viva: é a sua interpretação de acordo com a dinâmica de
cada sociedade. O Direito não é um instrumento que possa impedir que se torne
eficiente o conjunto de princípios e direitos fundamentais, menos ainda que leve a
qualquer desestruturação do Estado” (Relator o Ministro Marco Aurélio,
Plenário, DJe 16.11.2020).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3541, na qual o Plenário


deste Supremo Tribunal Federal decidiu, no exame de
constitucionalidade do inc. V do art. 28 da Lei n. 8.906/94, pela
incompatibilidade do exercício da advocacia por policiais, quanto à

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mesma preliminar apontada nesta ação direta, o Ministro Relator Dias


Toffoli, anotou:
“Alega-se em primeiro lugar que a inicial faleceria de idoneidade
para a instauração do processo objetivo, porque desatendido o art. 3º,
inciso I, da Lei nº 9.868/99, no tange à falta de argumentação
específica sobre a apontada inconstitucionalidade do dispositivo. Não
verifico, contudo, razão para acolher a preliminar arguida, porquanto
a afirmação de ofensa ao princípio da isonomia pela autora é de
suficiente densidade para o processamento do pedido, guardando com
ele consonância e coerência lógica”.

Rejeito a preliminar e conheço da presente ação direta de


inconstitucionalidade.
Do mérito

4. Alega a autora que, ao permitirem o exercício da advocacia, em


causa própria, pelos integrantes de órgãos de segurança pública e
militares na ativa, preservando a vedação para outros integrantes do
serviço público estatal dispostos no art. 28 da Lei n. 8.906/94, as normas
impugnadas teriam criado “uma diferenciação odiosa e injustificável, além de
atentar contra a moralidade pública e o Estado democrático de direito, violando
princípios constitucionais”.

A questão posta à apreciação do Supremo Tribunal Federal está na


legitimidade constitucional ou não das normas nas quais se permite o
exercício da advocacia, em causa própria, pelos ocupantes de cargos ou
funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial ou militar
de qualquer natureza, na ativa, a partir de exame e conclusão sobre a
idoneidade jurídica do critério de discriminação adotado pelo legislador,
relativamente aos demais integrantes do serviço público estatal, previstos
no regime de incompatibilidade previsto no art. 28 da Lei n. 8.906/94.

5. De se ressaltar a possibilidade jurídica de normas


infraconstitucionais estabelecerem parâmetros de diferenciação a grupos

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diversos, acompanhando-se de causas jurídicas suficientes para


fundamentar a discriminação.

Nessa linha, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que “normas


legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas
compreendidas em umas ou em outras vem a ser colhidas por regimes diferentes”.
Insiste que, em vários casos, “a lei erigiu algo em elemento diferencial, vale
dizer: apanhou, nas diversas situações qualificadas, algum ou alguns pontos de
diferença a que atribuiu relevo para fins de discriminar situações, inculcando a
cada qual efeitos jurídicos correlatos e, de conseguinte, desuniformes entre si”
(Bandeira de Mello, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da
igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 12-13).

E continua o citado autor que “qualquer elemento residente nas coisas,


pessoas ou situações, pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório, donde
se segue que, de regra, não é no traço de diferenciação escolhido que se deve
buscar algum desacato ao princípio isonômico”. Acrescenta que “as
discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas
e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade
diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em
função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com
interesses prestigiados na Constituição” (ibidem, p. 17).

No mesmo sentido, ponderei:


“Qualquer fator que não guarde coerência imediata, lógica e
substancial com o interesse justo resguardado pelo sistema e posto à
concretização por uma norma jurídica, refoge à validação
constitucional” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios
constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p.
74).

Ao cuidar do princípio constitucional da igualdade, sustentei:

“A igualdade fática é que conduz à equivalência de direitos,

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denotando uma nova formulação material do princípio. Não se


pretende apenas que não se discriminem ou se privilegiem, mas que se
superem desigualdades materiais, fontes de outras desigualdades
jurídicas e sociais. Daí por que a igualdade material no direito impõe
ao Estado prestação de deveres positivos, intervenção na dinâmica
social e nas relações políticas e econômicas estabelecidas na
coletividade. (...) Assim, se o legislador vier a definir, quando indica os
fatores de desigualdade para situações desiguais, diferenças onde elas
não existem, ensejando por isso regimes remuneratórios diversos para
situações iguais haverá óbvia e inconvalidável inconstitucionalidade,
perfeitamente possível de ser desfeita pelo controle de
constitucionalidade” (ibidem, p. 326-330).

Nesse sentido também se tem, na doutrina, que “o constituinte


originário não outorgou um cheque em branco ao legislador para colmatar as
disposições constitucionais ao seu alvedrio ou para adotar os critérios normativos
que melhor lhe aprouver. Ao revés, a Constituição forneceu uma moldura que
traça limites à discricionariedade legislativa” (ALEXY, Robert. Teoria dos
Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 583-584).

6. Na justificativa apresentada no projeto de lei do qual nasceu a


norma impugnada se anotou:
“JUSTIFICATIVA: Propugnamos que se permita aos policiais
em geral e aos militares em todo o País, que possuam a devida
formação acadêmica em Direito e tenham obtido aprovação no Exame
de Ordem da OAB, o exercício da advocacia em causa própria. Nesse
sentido, esta Emenda tem como motivação a situação vivenciada,
cotidianamente, pelos militares e profissionais de segurança pública,
os quais, no exercício da atividade policial e militar, não poucas vezes,
se deparam com situações que, por infortúnio, os impele a ter que
responder administrativamente ou judicialmente por atos cometidos
no exercício profissional ou em decorrência deles. Com efeito, embora
seja assegurada a assistência jurídica a esses profissionais, nem
sempre a defesa é feita por operadores do Direito que realmente
conheçam as peculiaridades que envolvem o exercício de suas
atribuições, as dificuldades que enfrentam e os desafios cotidianos das

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atividades da segurança pública. Além disso, quase sempre, os


policiais e militares se valem do próprio soldo ou salário para custear
sua defesa administrativa ou em juízo, o que onera sobremaneira a sua
defesa e, especialmente, leva, muitas vezes, ao próprio desestímulo
para o exercício profissional dessas categorias, que não dispõem de
remuneração adequada para custear este risco inerente à profissão,
bem como o patrocínio de outras demandas de seu interesse pessoal,
mesmo possuindo formação acadêmica e obtendo aprovação no exame
de ordem promovido pela OAB. Apesar de, hoje, existirem muitos
policiais (civis, militares, rodoviários e federais) e militares das Forças
Armadas com formação jurídica, esses profissionais são impedidos de
exercer a advocacia EM CAUSA PRÓPRIA, por força da vedação
inserta nos incisos V e VI do art. 28 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da
OAB). Assim, nos termos desta Emenda, permite-se a defesa daqueles
que possuem a devida formação acadêmica em Direito, desde que
regularmente aprovados no Exame de Ordem e que voluntariamente
optem por exercer sua defesa e tutelar seus direitos em juízo. E, para
dar transparência à verificação de compatibilidade e impedimentos,
sugere-se uma inscrição especial na OAB, em que se registre a
limitação ao exercício da advocacia para que seja apenas em causa
própria” (Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarinte
gra?codteor=2094788&filename=EMP+14+%3D
%3E+PL+5284/2020>. Acesso em: 24.10.2022).

7. Na espécie, o elemento de discrímen apontado na justificativa das


normas impugnadas é o exercício do cargo de policial e militar na ativa,
que garante aos respectivos servidores o exercício da advocacia, em causa
própria, por “não disp[orem] de remuneração adequada para custear [o] risco
inerente à profissão, bem como o patrocínio de outras demandas de seu interesse
pessoal, mesmo possuindo formação acadêmica e obtendo aprovação no exame de
ordem promovido pela OAB”.

Essa exceção não é estendida aos demais integrantes do serviço


público estatal, prevista no regime de incompatibilidade da advocacia

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listados no art. 28 da Lei n. 8.906/94, como, por exemplo, membros de


órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, os que exerçam
serviços notariais e de registro, dentre outros.
8. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.541, o
Plenário deste Supremo Tribunal Federal assentou a incompatibilidade
do exercício da advocacia pelos policiais, declarando-se a
constitucionalidade do inc. V do art. 28 da Lei n. 8.906/94. Tem-se na
ementa do julgado:
“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Exercício da
advocacia. Servidores policiais. Incompatibilidade. Artigo 28, inciso V,
da Lei nº 8.906/94. Ausência de ofensa ao princípio da isonomia.
Improcedência da ação. 1. A vedação do exercício da atividade de
advocacia por aqueles que desempenham, direta ou indiretamente,
serviço de caráter policial, prevista no art. 28, inciso V, da Lei nº
8.906/94, não se presta para fazer qualquer distinção qualificativa
entre a atividade policial e a advocacia. Cada qual presta serviços
imensamente relevantes no âmbito social, havendo, inclusive, previsão
expressa na Carta Magna a respeito dessas atividades. O que
pretendeu o legislador foi estabelecer cláusula de incompatibilidade de
exercício simultâneo das referidas atividades, por entendê-lo
prejudicial ao cumprimento das respectivas funções. 2. Referido óbice
não é inovação trazida pela Lei nº 8.906/94, pois já constava
expressamente no anterior Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil, Lei nº 4.215/63 (art. 84, XII). Elegeu-se critério de
diferenciação compatível com o princípio constitucional da isonomia,
ante as peculiaridades inerentes ao exercício da profissão de advogado
e das atividades policiais de qualquer natureza. 3. Ação julgada
improcedente” (ADI n. 3541, Relator o Ministro Dias Toffoli,
Plenário, DJe 24.3.2014).

No julgamento daquela ação direta, no voto do Ministro Relator Dias


Toffoli, observou-se quanto ao objetivo da restrição prevista no inc. V do
art. 28 da Lei n. 8.906/94:
“O que pretendeu o legislador, como salientaram os demais
atores processuais, foi estabelecer cláusula de incompatibilidade de

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exercício simultâneo das referidas atividades, por entendê-lo


prejudicial às relevantes funções de ambas as atividades. Como
ressaltado nas diversas manifestações contidas nos autos, a atuação
concomitante refletiria certa problemática: a) da perspectiva da
advocacia, pela interferência direta dos policiais civis na fase
inquisitorial da persecução penal (inquérito policial), a qual,
conquanto não constitua peça imprescindível da propositura da ação
penal, configura elemento de substancial importância para o processo;
b) do ponto de vista da atividade policial, no sentido da necessidade de
exclusividade no desempenho da função, como se observa, por
exemplo, na lei de regência dos funcionários policial civis da União
(atual Polícia Federal) e do Distrito Federal (art. 4º da Lei 4.878/65)”.

Nos termos da fundamentação do acórdão, concluiu-se que o


legislador “elegeu, portanto, critério de diferenciação compatível com o
princípio constitucional da isonomia, ante as peculiaridades inerentes ao
exercício da profissão de advogado e das atividades policiais de qualquer
natureza”.

9. No julgamento do Agravo no Recurso Extraordinário n. 550.005,


pela Segunda Turma deste Supremo Tribunal, ficou assentado que “a
restrição operada pelo art. 28, V, da Lei 8.906/1994 atende ao art. 5º, XIII, da Lei
Maior, porquanto a incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a função de
Delegado da Polícia Federal traduz requisito negativo de qualificação
profissional, considerado o princípio da moralidade administrativa”. Confira-se
a ementa do julgado:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE
OFÍCIO. ART. 5º, XIII, DA CONSTITUIÇÃO. DELEGADO DA
POLÍCIA FEDERAL. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.
IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADE INCOMPATÍVEL. ART. 28 DA
LEI 8.906/1994. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
DO PRECEITO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA. MORALIDADE
ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. A restrição operada pelo art.
28, V, da Lei 8.906/1994 atende ao art. 5º, XIII, da Lei Maior,

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porquanto a incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a


função de Delegado da Polícia Federal traduz requisito negativo de
qualificação profissional, considerado o princípio da moralidade
administrativa. Precedente: RE 199.088, rel. min. Carlos Velloso,
Segunda Turma, DJ de 16.04.1999. Agravo regimental a que se nega
provimento” (RE n. 550.005-AgR, Relator o Ministro Joaquim
Barbosa, Segunda Turma, DJe 25.5.2012).

No voto condutor do recurso, o Ministro Joaquim Barbosa ressaltou


que a Constituição da República autoriza a instituição de qualificações
positivas para o exercício profissional, como, por exemplo, formação,
experiência, certificação e habilitação profissional, mas também
estabelece limitações ao exercício da liberdade profissional em benefício
do princípio da isonomia, da moralidade e da eficiência administrativa:
“A expressão ‘qualificações profissionais’ não cuida apenas da
aptidão técnica exigida do indivíduo para o exercício da profissão, mas
também possui uma face negativa, traduzida nos impedimentos e
incompatibilidades que o legislador entende necessários para o
exercício da profissão regulamentada. Nesse aspecto, portanto, não há
qualquer ilegitimidade do art. 28, V, da Lei 8.906/1994, ao considerar
incompatível o exercício da advocacia por delegado de polícia, ainda
que em causa própria. Na verdade, o que se deve examinar é a
existência de fundamento constitucional para intervenção legislativa
e, nessa linha, a jurisprudência recente desta Corte tem ressaltado que
a liberdade de ofício pode ser restringida sempre que o seu exercício
importe risco à coletividade. Baseado nessa orientação, por exemplo, o
Supremo Tribunal Federal considerou legítimo o Exame da Ordem,
que se destina à avaliação dos candidatos à advocacia. No julgamento
do RE 603.583, o ministro-relator Marco Aurélio ressaltou: ‘Quando
(...) o risco é suportado pela coletividade, então cabe limitar o acesso à
profissão e o respectivo exercício, exatamente em função do interesse
coletivo. Daí a cláusula constante da parte final do inciso XIII do
artigo 5º da Carta Federal, de ressalva das qualificações legais exigidas
pela lei. Ela é a salvaguarda de que as profissões que representam
riscos à coletividade serão limitadas, serão exercidas somente por
aqueles indivíduos conhecedores da técnica.’ [...] No presente caso, o

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evidente risco à moralidade administrativa legitima a vedação trazida


pelo art. 28, V, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Com
efeito, o dispositivo impugnado visa a impedir a possível utilização de
cargos policiais em prol, não da investigação de delitos, mas da
obtenção de vantagens pessoais estranhas ao interesse público”.

10. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.235, de relatoria da


Ministra Rosa Weber, o Plenário deste Supremo Tribunal assentou que as
incompatibilidades previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil, restritivas do exercício da advocacia por analistas, técnicos e
auxiliares do Poder Judiciário e do Ministério Público da União,
configuram limitações adequadas e razoáveis à liberdade de exercício
profissional, por traduzirem expressão de valores constitucionalmente
protegidos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ESTATUTO DA OAB (LEI Nº 8.906/94). INCOMPATIBILIDADE
PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA DECORRENTE DA
OCUPAÇÃO DOS CARGOS DE ANALISTA, TÉCNICO OU
AUXILIAR NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO
PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO. LEGÍTIMA RESTRIÇÃO À
LIBERDADE DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL (CF, ART. 5º,
XIII). LIMITAÇÃO FUNDADA NA GARANTIA DE
OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, DA
MORALIDADE E DA ISONOMIA. PRECEDENTES. 1. A
intervenção dos Poderes Públicos na liberdade de exercício de
atividade, ofício ou profissão deve sempre manter correspondência com
o objetivo de proteger a coletividade contra possíveis riscos indesejados
decorrentes da própria prática profissional ou de conferir primazia à
promoção de outros valores de relevo constitucional, como, no caso, a
garantia da eficiência, da moralidade e da isonomia no âmbito da
Administração Pública. 2. As incompatibilidades previstas no
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94)
restritivas do exercício da advocacia por analistas, técnicos e auxiliares
do Poder Judiciário e do Ministério Público da União configuram
restrições adequadas e razoáveis à liberdade de exercício profissional
por traduzirem expressão de valores constitucionalmente protegidos.

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ADI 7227 / DF

3. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida. Pedido julgado


improcedente” (Plenário, DJe 24.6.2021).

11. Também no julgamento do Recurso Extraordinário n. 199.088


firmou-se entendimento no sentido da impossibilidade do exercício da
advocacia por assessor jurídico de Desembargador:

“EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ADVOGADO:


EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. INCOMPATIBILIDADE. C.F., art.
5º, XIII; art. 22, XVI; art. 37. Lei 4.215/63, artigos 83 e 84. Lei
8.906/94, art. 28. I. - Bacharel em Direito que exerce o cargo de
assessor de desembargador: incompatibilidade para o exercício da
advocacia. Lei 4.215, de 1963, artigos 83 e 84. Lei 8.906/94, art. 28,
IV. Inocorrência de ofensa ao art. 5º, XIII, que deve ser interpretado
em consonância com o art. 22, XVI, da Constituição Federal, e com o
princípio da moralidade administrativa imposto à Administração
Pública (C.F., art. 37, caput). II. - R.E. não conhecido” (RE n.
199088, Relator o Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ
16.4.1999).

12. Na revogada Lei n. 4.215/63, anterior Estatuto da Ordem dos


Advogados do Brasil, já se previa no art. 84, rol de atividades, funções e
cargos incompatíveis, no qual constava policiais e militares (incs. XI e
XII), com o exercício da advocacia, mesmo em causa própria, nos termos
previstos no vigente art. 28 da Lei n. 8.906/1998:
“Art. 84. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria,
com as seguintes atividades, funções e cargos:
I - Chefe do Poder Executivo e seus substitutos legai, Ministros
de Estado, Secretários de Estado, de Territórios e Municípios;
II - membros da Mesa de órgão do Poder Legislativo federal e
estadual, da Câmara Legislativa, do Distrito Federal e Câmara dos
municípios das capitais;
III - membros de órgãos do Poder Judiciário da União, do
Distrito Federal, dos Estados e Territórios bem como dos Tribunais de
Contas da União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e
Municípios e do Tribunal Marítimo;

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IV - Procurador-Geral e Subprocurador-Geral da República,


bem como titulares de cargos equivalentes no Tribunal Superior
Eleitoral, no Superior Tribunal Militar, no Tribunal Superior do
Trabalho e nos Tribunais de Contas da União, dos Estados, Territórios
e Municípios, e do Tribunal Marítimo.
V - Procuradores Gerais e Subprocuradores Gerais, sem
distinção das entidades de direito público ou dos órgãos a que sirvam;
VI - Presidentes, Superintendentes, Diretores, Secretários,
delegados, tesoureiros, contadores, chefes de serviço, chefes de gabinete
e oficiais ou auxiliares de gabinete de qualquer serviço da União, do
Distrito Federal, dos Estados, Territórios Municípios. bem como de
autarquias, entidades par estatais, sociedades de economia mista e
empresas administradas pelo Poder Público;
VII - servidores públicos, inclusive de autarquias e entidades
paraestatais e empregados de sociedades de economia, mista e
empresas concessionárias de serviço público, que tiverem competência
ou interesse direta ou indireta, eventual ou permanentemente no
lançamento, arrecadação e fiscalização de impostos, taxas e
contribuições de caráter obrigatório, inclusive para fiscais, ou para
aplicar multas relacionadas com essas atividades;
VIII - tabeliães, escrivãs, escreventes, oficiais dos registros
públicos e quaisquer funcionários e a serventuários da Justiça;
IX - corretores de fundos públicos, de café de câmbio, de
mercadorias e de navios;
X - leiloeiros, trepicheiros, despachantes e empresários ou
administradores de armazéns-gerais;
XI - militares da ativa, assim definidos no seu respectivo
estatuto, inclusive os das Policias Militares, do Distrito Federal dos
Estados, Territórios e Municípios;
XII - Policiais de qualquer categoria da União, do Distrito
Federal, dos Estados, Territórios e Municípios”.

No vigente Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei n.


8.906/1994, se dispõe (art. 28) o rol de atividades consideradas
incompatíveis o exercício da advocacia, ainda que em causa própria:
"Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria,

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com as seguintes atividades:


I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder
Legislativo e seus substitutos legais;
II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério
Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da
justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam
função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da
administração pública direta e indireta; (Vide ADIN 1.127-8)
III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da
Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em
suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;
IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou
indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem
serviços notariais e de registro;
V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou
indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
VI - militares de qualquer natureza, na ativa;
VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de
lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições
parafiscais;
VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições
financeiras, inclusive privadas.
§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do
cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.
§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não
detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a
juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração
acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.
§ 3º As causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos
incisos V e VI do caput deste artigo não se aplicam ao exercício da
advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela
de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB,
vedada a participação em sociedade de advogados (Incluído pela Lei nº
14.365, de 2022).
§ 4º A inscrição especial a que se refere o § 3º deste artigo deverá
constar do documento profissional de registro na OAB e não isenta o

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profissional do pagamento da contribuição anual, de multas e de


preços de serviços devidos à OAB, na forma por ela estabelecida,
vedada cobrança em valor superior ao exigido para os demais membros
inscritos (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)”.

A incompatibilidade do exercício da advocacia e das funções


exercidas por policiais e militares na ativa dispõe de previsão legal há
décadas, tendo tido sua constitucionalidade, quanto aos policiais,
apreciada por este Supremo Tribunal, que concluiu inexistir ofensa
constitucional ao óbice ao exercício da advocacia pelos agentes da
segurança pública, mesmo em causa própria.

As incompatibilidades têm a função de resguardar a liberdade e a


independência da atuação do advogado, afastando-se a subordinação
hierárquica ou o exercício de atividades de Estado que exijam a
imparcialidade em favor do interesse público na aplicação da lei.

Nos termos do art. 133 da Constituição da República, o advogado é


indispensável à administração da justiça, não podendo o seu desempenho
ocorrer sem independência e com sujeição a poderes hierárquicos
próprios às atividades e regulamentos militares, e mesmo aos poderes
hierárquicos decorrentes da atividade policial civil.

Assim, por exemplo, Ruy de Azevedo Sodré discorre sobre a


necessidade do advogado dispor de liberdade e independência no
exercício profissional, essência da norma prevista no art. 133 da
Constituição da República1, anotando que:
“A redução de independência pode caracterizar-se de duas
maneiras: ou o candidato tem a independência reduzida com a falta de
liberdade de locomoção, ou aquela redução se concretiza com a
subordinação a que esteja vinculado.
No primeiro caso se enquadraria aquele que, por exemplo, está

1 “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus
atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

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sujeito ao horário e à permanência no emprego, e no segundo caso se


classificaria aquele que, gozando de certa liberdade de locomoção, se
acha subordinado à escala hierárquica. (...) a incompatibilidade resulta
(...) na falta de (...) liberdade moral de agir, que se expressa pela
consequente liberdade de pensamento, e liberdade de expressão (...).
A falta ou mesmo a redução da liberdade moral de agir,
decorrente da subordinação do candidato à inscrição a um superior
hierárquico, caracteriza a incompatibilidade consistente na redução na
independência do profissional. (...) Em três grandes grupos se
enquadra a maioria dos casos que acarretam a incompatibilidade
decorrente da captação de clientela: fiscal, judicial e policial.(...).
Nessa categoria se incluíam os militares. Sempre entendemos
que o militar exerce atividade incompatível com a advocacia. Ele não
possui os requisitos essenciais para a nossa atividade, que são a
liberdade e a independência. E nessa categoria se incluem, (...) tanto
os de terra, do mar e do ar, da Forças Armadas, como as Polícias
Militares do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e Municípios.
Na mesma incompatibilidade se enquadram os policiais, de
qualquer categoria. (...). Estão os militares, e mesmo os policiais de
qualquer categoria, presos a uma hierarquia ríspida, que lhes tira toda
e qualquer liberdade de ação, no tocante mormente ao desempenho de
atividade estranha que, contrastando com a militar, deve ser exercida
com liberdade e na liberdade encontrando o seu mais valioso atributo.
Não há possibilidade de coexistirem, e na prática terem eficácia,
o Estatuto do Militar e da Ordem dos Advogados, não só no que se
refira aos direitos e deveres neste estipulados, como quanto às
obrigações naquele impostas. Até as sanções disciplinares se conflitam,
não permitindo o primeiro que se apliquem aos seus subordinados, o
que vem consignado, a tal título, no Estatuto da Ordem dos
Advogados.
Ainda não se pode perder de vista a circunstância de que o
militar exerce função pública, de alto relevo, na defesa da ordem
pública, impondo-se-lhe, por isso, uma série de obrigações que, para o
caso em exame, importam em restrição à sua liberdade de ação –
vinculado como está à hierarquia – e à sua livre disposição de tempo –
preso aos exercícios, regulamentos e vigilância.

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Como detentor de parcela do poder público – defesa da ordem


pública – não poderia, além do mais, exercer outra atividade, cujo
magistério é privado, no exercício de função pública. Investido dessas
duas atribuições – ordem pública e função pública – ficaria o militar
mais do que qualquer outro incurso na proibição genérica do art. 83,
não só porque a sua função, a sua atividade e mesmo o seu cargo lhe
reduzem a independência, como também porque eles lhe
proporcionariam a captação de clientela” (Ética Profissional e
Estatuto do Advogado, 4ª ed., São Paulo: LTr, 1991. p. 351-359).

14. No art. 144 da Constituição da República atribui-se à polícia a


função essencial da segurança pública do Estado brasileiro e de auxílio às
funções judiciárias:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,
organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se
a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e
de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras;

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IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária


da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma
da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma
da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além
das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de
defesa civil.
§ 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador
do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a
segurança dos estabelecimentos penais (...)”.

15. Nos termos do art. 142 da Constituição da República, os


militares, integrantes das Forças Armadas, organizam-se “com base nos
princípios da hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Esses mesmos preceitos também estruturam as carreiras das polícias


militares, conforme previsto no art. 42 da Constituição.

Os membros das Forças Armadas são submetidos a regime jurídico


próprio, baseado na hierarquia e disciplina, que não constituem simples
predicados institucionais, mas elementos conceituais e basilares da
estrutura militar, como observado, por exemplo, pelo Ministro Ayres
Britto:
“(…) se a hierarquia implica sobreposição de autoridades (as
mais graduadas a comandar e as menos graduadas a obedecer), a

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ADI 7227 / DF

disciplina importa a permanente disposição de espírito para a


prevalência das leis e regramentos que presidem por modo peculiar a
estrutura e o funcionamento das instituições castrenses” (HC
108.811, Segunda Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe
21.3.2012).

No art. 14 da Lei n. 6.880/1980 se dispõe que a hierarquia e a


disciplina são a base institucional das Forças Armadas:

“Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das


Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o
grau hierárquico.
§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis
diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se
faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou
graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O
respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à
sequência de autoridade.
§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral
das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o
organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e
harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por
parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.
§ 3º A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos
em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva
remunerada e reformados”.

O inc. II do § 3º do art. 142 da Constituição da República estabelece


que “o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil
permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea ‘c’, será
transferido para a reserva, nos termos da lei”.

Também os policiais estão submetidos ao regime de dedicação


exclusiva, nos termos das Leis ns. 4.878/1968 e 9.654/1998 e pelo Decreto
n. 59.310/1966, sendo-lhes expressamente vedado o exercício de outras

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atividades.

16. Os regimes jurídicos a que submetidos os policiais e militares não


se compatibilizam com o exercício simultâneo da advocacia.

Os policiais exercem atividades voltadas para a preservação da


ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, orientados
pela busca imparcial da verdade dos fatos. O militar da ativa tem como
funções essenciais a manutenção da ordem, da segurança e da soberania
do país, subordinado à estrutura hierarquizada e à disciplina na
realização de tarefas submetidas a ordens de comando. Não há
possibilidade de se conciliarem essas atividades com o exercício da
advocacia, ainda que na atuação em causa própria, sem que ocorram
conflitos de interesses e derrogação de regimes jurídicos pertinentes a
cada carreira em particular.

A inscrição especial a que se referem os questionados §§ 3º e 4º do


art. 28, da Lei n. 8.906/1994, incluídos pela Lei n. 14.365/2022, resulta na
criação de classe de advogados que disponham de capacidade
postulatória destituída de todas as prerrogativas 2 inerentes ao exercício
2 “Art. 7º São direitos do advogado: I - Exercer, com liberdade, a profissão em todo o território
nacional; (…) V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de
Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar; VI -
Ingressar livremente: (…) b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de
justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de
expediente e independentemente da presença de seus titulares; c) em qualquer edifício ou recinto em
que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher
prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser
atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado; VII - permanecer sentado ou em
pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença; (…) XI
- reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a
inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento; (…) XIV - examinar, em qualquer
instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de
investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade,
podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; XV - ter vista dos processos

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da advocacia, pois, como antes anotado, inconciliáveis a liberdade e


independência de atuação do advogado prevista no art. 7º da Lei n.
8.906/2022 e as atividades desenvolvidas no exercício das funções de
policiais e militares.

Nesse sentido, pontuou o Procurador-Geral da República:

“De acordo com que prevê o art. 133 da Constituição Federal, o


advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável
por seus atos e manifestações no exercício da profissão, que é regida
pelos princípios da liberdade e da independência. Ser advogado não se
resume a deter capacidade postulatória, sendo certo que a inscrição
nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil investe o profissional
não apenas do jus postulandi, mas também de uma série de
prerrogativas que representam a concretização da independência e da
inviolabilidade e se consubstanciam como verdadeiros poderes-deveres
(...). Ainda, consoante o que prescreve o art. 31 da Lei 9.806/1994, é
dever do profissional da advocacia manter independência em qualquer
circunstância e não se deter diante do receio de desagradar a qualquer
autoridade. Já os integrantes das forças armadas, conforme se lê do
art. 142 da Constituição Federal, organizam-se com base nos
princípios da hierarquia e disciplina, preceitos sobre os quais também

judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-


los pelos prazos legais; XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de
dez dias; XVII - ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão
dela; XVIII - usar os símbolos privativos da profissão de advogado; (…) XXI, a: apresentar razões e
quesitos; (…) § 3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da
profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo. (…) § 5º No
caso de ofensa a inscrito na OAB, no exercício da profissão ou de cargo ou função de órgão da OAB, o
conselho competente deve promover o desagravo público do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade
criminal em que incorrer o infrator. (…) § 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso
XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças
já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de
autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da
defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.
(Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016)”.

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se estruturam as carreiras policiais em geral (CF, art. 42), e que


impõem a esses agentes públicos atuação subordinada e rigoroso
cumprimento de ordens dos superiores por parte desses servidores (...).
Não parecem se harmonizar os dois regimes. A inscrição especial a que
aludem os §§ 3º e 4º, incluídos na Lei 8.906/1994 pela Lei
14.365/2022, ora questionados, conterá renúncia das prerrogativas
conferidas aos profissionais da advocacia em geral e que não se
coadunam com as normas que regem os militares e as polícias.5 Ou se
fará o contrário, obrigando as corporações a tolerar que o militar ou
policial aprovado no Exame de Ordem e inscrito na OAB possa se
sobrepor à natural cadeia de comando, deixando de observá-la quando
invocar a condição de advogado. Perceba-se que admitir a modalidade
de inscrição especial em questão importaria em criar classe de
advogados imbuída apenas de capacidade postulatória, mas que seria
naturalmente destituída de várias das prerrogativas inerentes ao
exercício da advocacia, o que acabaria por desfigurar a feição conferida
pela Constituição à figura do advogado” (e-doc. 47).

17. As restrições legais previstas nos incs. V e VI do art. 28 da Lei n.


8.906/1994, quando aplicada aos integrantes das polícias e militares na
ativa, objetivam obstar a ocorrência de conflitos de interesse, preservar a
necessidade de exclusividade no desempenho das atividades policiais ou
militares, ou da função de advogado, e manter o núcleo essencial do
direito à liberdade de profissão, pois não o inviabiliza, mas apenas atinge
o exercício concomitante de duas profissões, assegurada, como é certo, a
liberdade de escolha entre elas.

Sobre a limitação ao exercício profissional da advocacia, Paulo Lôbo


realça que “não há qualquer exceção a essa regra, mesmo em se tratando de
funções modestas. O mais simples serventuário pode exercer perigoso tráfico de
influência na tramitação e resultado de processos judiciais, tendo em vista seu
convívio diuturno com juízes, promotores e auxiliares de justiça. O exercício da
advocacia, nessas circunstâncias, representa enorme risco à dignidade e à
independência da profissão” (Comentários ao estatuto da advocacia e da OAB 5ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 166).

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 38

ADI 7227 / DF

Ao se permitir o desempenho da advocacia, mesmo em causa


própria, por profissionais incumbidos das nobres funções estatais
relacionadas à conservação da segurança pública e da paz social e que
executam tarefas que os colocam, de forma direta ou indireta, próximos
de litígios jurídicos, pelas normas questionadas abre-se flanco a propiciar
influência indevida e privilégios de acesso a autos de inquéritos e
processos, entre outras vantagens que desequilibram a relação processual.

Não se demonstra, pois, nas normas impugnadas, parâmetro de


diferenciação para o exercício da advocacia, em causa própria, por
policiais e militares, acompanhado de causas jurídicas suficientes para
fundamentar validamente a discriminação permitida.

A questão remuneratória das carreiras policiais e militares não


constitui critério válido constitucionalmente para autorização do exercício
da advocacia, em contrariedade ao sistema normativo constitucional
vigente, consistindo em privilégio para determinados servidores públicos
sem adoção de fator de discrímen razoável e juridicamente aceitável.

18. Evidencia-se ainda que as normas questionadas ofendem ao


princípio da moralidade, que, na lição de Maria Sylvia Di Pietro se
configura “sempre que houver ofensa à moral, aos bons costumes, às regras de
boa administração, aos princípios de justiça e de equidade, bem como à ideia
comum de honestidade” (Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro:
Editora Forense, p. 426).

A advocacia simultânea, mesmo em causa própria, exercida por


policiais e militares põe em risco a boa administração da justiça,
privilegiando estes servidores relativamente aos demais advogados.
Compromete-se, ainda, pelo modelo legal assim adotado o bom e regular
funcionamento das instituições de segurança pública e o exercício das
funções inerentes aos policiais e militares.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 38

ADI 7227 / DF

A incompatibilidade constitui medida legal que visa impedir abusos,


tráfico de influência, práticas que coloquem em risco a independência e a
liberdade da advocacia. Afinal, os policiais podem ter acesso facilitado a
informações, provas e conduções de inquéritos e processos.

Considera-se, pois, medida necessária o obstáculo posto na norma


alterada pela incompatibilidade estabelecida para que se garanta o
adequado funcionamento das polícias e das Forças Armadas, em
atendimento também à eficiência administrativa e supremacia do
interesse público na manutenção da ordem, segurança e paz social.

Neste mesmo sentido asseverou o Procurador-Geral da República


que “mais do que contraporem estatutos inconciliáveis, os dispositivos
questionados contrariam simultaneamente as diretrizes constitucionais regentes,
seja da advocacia, seja das carreiras policiais e militares, razão pela qual não pode
prosperar a exceção inserida no art. 28 da Lei 8.906/1994 pela Lei 14.365/2022,
que deve ser declarada inconstitucional” (e-doc. 47).

Também no acórdão proferido na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 3.541 se transcreveu manifestação do Advogado-
Geral da União na defesa da constitucionalidade do inc. V do art. 28 da
Lei n. 8.906/1994, antes da alteração agora questionada:
“(...) não se proíbe a ninguém o exercício em separado da
advocacia ou da função policial – desde que preenchidos os requisitos
legais de inscrição na Ordem ou o concurso público para a carreira de
segurança pública escolhida –; o que se proíbe é o exercício simultâneo
das duas atividades, haja vista o absoluto conflito de interesses entre
as mesmas. Por exemplo, imagine-se a situação do delegado de polícia
ou de agentes que realizaram investigações em determinado crime de
homicídio procederem à defesa do acusado no Tribunal do Júri; ou,
ainda, a absurda hipótese da autoridade policial que lavrou o auto de
prisão em flagrante de indiciado por tráfico de entorpecentes receber
do mesmo procuração e honorários advocatícios. Tais complicações

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 38

ADI 7227 / DF

estariam presentes também no exercício das outras searas da


advocacia. Embora, dogmaticamente, as áreas, v.g., do Direito Civil,
do Administrativo, do Trabalho, do Tributário, do Comercial e do
Penal sejam distintas, na dinâmica da realidade elas se entrelaçam.
Assim, a autoridade policial, que está constitucionalmente incumbida
das funções de polícia judiciária e da apuração de infrações penais,
caso pudesse se enveredar pelos caminhos da advocacia, incidiria,
constantemente, em intransponíveis conflitos de interesses. Para
ilustrar, suponha-se um policial-advogado que exercesse consultoria
jurídica no campo tributário ou empresarial, em que há diversas
condutas tipificadas como crimes (p.ex., Leis nºs 8.021, de 1990;
8.137, de 1990, etc). Diga-se o mesmo do Direito Administrativo e do
Trabalho (p. ex., Leis nºs 8.666, de 1993; 9.029, de 1995, etc). Aliás,
mesmo na advocacia de Direito de Família, há constantes notícias de
práticas delitivas pelas partes dos processos, consubstanciadas em
ameaças, lesões corporais, injúrias, furtos, subtração de menores etc.
Além disso, as informações de inteligência policial, o porte de armas e
munição, de viaturas, de algemas e de outros meios intimidatórios, a
que têm acesso os policiais, gerariam, na prática, reais disparidades e
privilégios em favor do ‘policial advogado’ e em prejuízo dos demais
advogados. Nem se olvidem as facilitações que os policiais
encontrariam, em razão direta da natureza de suas atividades. (…)
Por fim, a valorização das carreiras policiais e das respectivas
remunerações não deve trilhar o caminho da confluência com a
advocacia. Ao contrário, as autoridades policiais devem se dedicar com
exclusividade ao exercício de suas atribuições, sempre com ética, zelo e
dedicação, em prol da dignificação institucional (fls. 98/100)”
(Relator o Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 24.3.2014).

21. Pelo exposto, voto pela conversão da apreciação da medida


cautelar em julgamento de mérito e pela procedência da presente ação
direta para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 28 da
Lei n. 8.906, incluídos pela Lei n. 14.365/2022.

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Extrato de Ata - 18/03/2023

Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 38

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.227


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL -
CFOAB
ADV.(A/S) : JOSE ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL (3725/AM, 45240/
DF)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRABALHADORES POLICIAIS
CIVIS - COBRAPOL
ADV.(A/S) : FABRICIO CORREIA DE AQUINO (18486/DF, 59132/PE)
AM. CURIAE. : FEDERACAO NACIONAL DOS POLICIAIS FEDERAIS
ADV.(A/S) : ANTONIO RODRIGO MACHADO DE SOUSA (34921/DF, 4370/SE)
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLICIA
JUDICIARIA - ADPJ
ADV.(A/S) : DEBORAH DE ANDRADE CUNHA E TONI (43145/DF, 61434-A/SC)
AM. CURIAE. : FEDERACAO NACIONAL DOS POLICIAIS RODOVIARIOS
FEDERAIS
ADV.(A/S) : RUDI MEIRA CASSEL (22256/DF, 38605/ES, 165498/MG,
170271/RJ, 49862A/RS, 421811/SP)
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PERITOS CRIMINAIS FEDERAIS
ADV.(A/S) : ALBERTO EMANUEL ALBERTIN MALTA (46056/DF, 456898/SP)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, converteu a apreciação


da medida cautelar em julgamento de mérito e julgou procedente a
ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 3º e 4º
do art. 28 da Lei n. 8.906, incluídos pela Lei n. 14.365/2022, nos
termos do voto da Relatora. Falaram: pelo requerente, a Dra.
Manuela Elias Batista; e, pelo amicus curiae Associação Nacional
dos Peritos Criminais Federais, a Dra. Aline Benção. Plenário,
Sessão Virtual de 10.3.2023 a 17.3.2023.

Composição: Ministros Rosa Weber (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto
Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André
Mendonça.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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