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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO


REDATOR DO : MIN. ROBERTO BARROSO
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB
ADV.(A/S) : OSWALDO PINHEIRO RIBEIRO JÚNIOR E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ACRE
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES
PÚBLICOS FEDERAIS - ANADEF
ADV.(A/S) : DEBORA CAMILA DE ALBUQUERQUE CURSINE E
OUTRO(A/S)

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. GOVERNADOR DE ESTADO. NORMAS DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL SOBRE CRIMES DE RESPONSABILIDADE. LICENÇA
PRÉVIA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSOS POR
CRIMES COMUNS .
1. “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são da competência
legislativa privativa da União” (Súmula Vinculante 46, resultado da
conversão da Súmula 722/STF). São, portanto, inválidas as normas de
Constituição Estadual que atribuam o julgamento de crime de
responsabilidade à Assembleia Legislativa, em desacordo com a Lei nº
1.079/1950. Precedentes.
2. A Constituição Estadual não pode condicionar a instauração de
processo judicial por crime comum contra Governador à licença prévia da
Assembleia Legislativa. A república, que inclui a ideia de
responsabilidade dos governantes, é prevista como um princípio
constitucional sensível (CRFB/1988, art. 34, VII, a), e, portanto, de
observância obrigatória, sendo norma de reprodução proibida pelos

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ADI 4764 / AC

Estados-membros a exceção prevista no art. 51, I, da Constituição da


República.
3. Tendo em vista que as Constituições Estaduais não podem
estabelecer a chamada “licença prévia”, também não podem elas
autorizar o afastamento automático do Governador de suas funções
quando recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo Superior Tribunal de
Justiça. É que, como não pode haver controle político prévio, não deve
haver afastamento automático em razão de ato jurisdicional sem cunho
decisório e do qual sequer se exige fundamentação (HC 101.971, Primeira
Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 21.06.2011, DJe 02.09.2011; HC
93.056 Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 16.12.2008, DJe
14.05.2009; e RHC 118.379 (Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. em
11.03.2014, DJe 31.03.2014), sob pena de violação ao princípio
democrático.
4. Também aos Governadores são aplicáveis as medidas cautelares
diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal,
entre elas “a suspensão do exercício de função pública”, e outras que se
mostrarem necessárias e cujo fundamento decorre do poder geral de
cautela conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro aos juízes.
5. Pedido julgado integralmente procedente, com declaração de
inconstitucionalidade por arrastamento da suspensão funcional
automática do Governador do Estado pelo mero recebimento da
denúncia ou queixa-crime. Afirmação da seguinte tese: “É vedado às
unidades federativas instituírem normas que condicionem a instauração de ação
penal contra o Governador, por crime comum, à prévia autorização da casa
legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente,
sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo".
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata de julgamento, sob a
presidência da Ministra Cármen Lúcia, por maioria, vencido em parte o
Ministro Celso de Mello (Relator), julgar procedente a ação, para declarar

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a inconstitucionalidade das expressões constantes do art. 44, VII


(“processar e julgar o Governador (...) nos crimes de responsabilidade”) e do art.
81, parte final (“ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de
responsabilidade”), assim como das expressões do art. 44, VIII (“declarar a
procedência da acusação”) e do art. 81, caput, primeira parte (“Admitida a
acusação contra o Governador do Estado, por dois terços da Assembleia
Legislativa”), bem como, por arrastamento, do art. 82, I (“Art. 82. O
Governador ficará suspenso de suas funções: I - nas infrações penais comuns, se
recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça”), todos
da Constituição do Estado do Acre. Por unanimidade, acordam, nos
termos do que proposto pelo Ministro Luís Roberto Barroso, que redigirá
o acórdão, fixar a seguinte tese, a figurar como uma proposta de súmula
vinculante: “É vedado às unidades federativas instituírem normas que
condicionem a instauração de ação penal contra o Governador, por crime comum,
à prévia autorização da casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça
dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais,
inclusive afastamento do cargo”. O Tribunal deliberou autorizar os
Ministros a decidirem monocraticamente matéria em consonância com o
entendimento firmado nesta ação direta de inconstitucionalidade, contra
o voto do Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro
Dias Toffoli.
Brasília, 4 de maio de 2017.

MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - REDATOR P/O ACÓRDÃO

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RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Trata-se de


ação direta de inconstitucionalidade que, proposta pelo Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, tem por finalidade questionar a
validade jurídico-constitucional das expressões normativas constantes dos
incisos VII e VIII do art. 44 e do art. 81 da Constituição do Estado do Acre.

As normas ora impugnadas possuem o seguinte conteúdo material:

“Art. 44. Compete privativamente à Assembléia


Legislativa:
…...................................................................................................
VII – processar e julgar o Governador e o Vice-Governador
do Estado nos crimes de responsabilidade e os Secretários de Estado,
nos crimes da mesma natureza, conexos com aqueles;
VIII – declarar a procedência da acusação, o impedimento e
a perda dos cargos de Governador e de Vice-Governador do Estado e
demais autoridades, nas hipóteses previstas nesta Constituição;
…...................................................................................................
Art. 81. Admitida a acusação contra o Governador do
Estado, por dois terços da Assembléia Legislativa, é ele
submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nos

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crimes comuns, ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes


de responsabilidade.” (grifei)

O autor da presente ação direta sustenta a inconstitucionalidade das


expressões referidas, enfatizando que “tais dispositivos são
inconstitucionais, em primeiro lugar, por evidente usurpação de
competência legislativa privativa da União Federal e afronta à legislação
federal aplicável à espécie” (grifei), acentuando, ainda, que as normas
referidas “(…) contrariam princípios constitucionais inerentes à República
e ao regime de responsabilidade que estão submetidos os agentes políticos”
(grifei).

Eis, em síntese, os fundamentos que, invocados pelo autor, dão


suporte à pretensão de inconstitucionalidade deduzida nesta sede processual:

“(...) o trecho ‘processar e julgar o Governador ... nos


crimes de responsabilidade’, previsto no inciso VII do artigo 44, e
‘... declarar a procedência da acusação …’, inserta no VIII do
mesmo dispositivo, ambos da Constituição do Estado do Acre,
estabelecem normas processuais a serem observadas no julgamento
pela prática de crimes de responsabilidade do Governador do
Estado.
Isto é, exige e condiciona o julgamento perante a Assembléia
Legislativa, nos crimes de responsabilidade, o que é reforçado na
segunda parte do art. 81 ao prescrever ‘.... ou perante a Assembléia
Legislativa, nos crimes de responsabilidade’.
Porém, a competência para estabelecimento de regras para o
processo e julgamento dos crimes de responsabilidade é reservada
à União Federal, consoante entendimento consolidado do Supremo
Tribunal Federal na Edição da sua Súmula 722 (DJ de 09.12.2003 –
Precedentes: ADI’s 1.628 MC, 2.050 MC, 2.220 MC, 1.879 MC,
2.592 e 1.901).
…...................................................................................................
(…) os dispositivos da Constituição do Estado do Acre que
estabelecem o processamento e julgamento dos crimes de

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responsabilidade do Governador pela Assembléia Legislativa não se


revestem de validade jurídica por dispor de matéria de competência
normativa exclusiva da União Federal, ferindo, assim, a
repartição de competência contida na Constituição Federal.
A violação ao art. 22, I, da CF, é manifesta
(inconstitucionalidade formal), visto que tais dispositivos regulam
matéria de natureza processual, cuja competência legislativa é
atribuída, privativamente, à União Federal, e não aos Estados.
Nessa linha de raciocínio, conclui-se que os dispositivos da
Constituição do Estado do Acre – arts. 44, VII e VIII, especialmente os
trechos ‘... VII – processar e julgar o Governador … nos crimes
de responsabilidade,’ e ‘VIII – declarar a procedência da
acusação …’ – ora impugnados, por desatender a iniciativa
legislativa reservada, fere princípio fundamental de harmonia entre os
poderes, violando, pois, o art. 2º, da Carta da República.
…...................................................................................................
Ademais, a matéria de competência legiferante da União
Federal – NORMA DE PROCESSO E JULGAMENTO DE
CRIMES DE RESPONSABILIDADE – é tratada pela
Lei nº. 1079/50, a qual designa a um ‘tribunal especial’ (tribunal
político) a competência para julgamento de Governador e prevê a
possibilidade de suspensão das funções deste quando a Assembléia
decretar a procedência da acusação.
…...................................................................................................
Portanto, o art. 44, VII e VIII, e a segunda parte do art. 81
(‘...ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de
responsabilidade’) são inconstitucionais por veicular
disposição referentes ao processo e julgamento dos crimes de
responsabilidade, cuja matéria é de competência exclusiva da
União Federal, e, ainda, por contrariar a Lei nº 1.079/1950
que determina o julgamento do Governador pelo Tribunal Especial
de composição mista (Desembargadores e membros do Poder
Legislativo).
…...................................................................................................
Ante o exposto, constata-se que tais dispositivos são
inconstitucionais por usurpação de competência legislativa da

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União Federal e pelo desrespeito ao contido na Lei nº 1.079/50, sendo


patente a violência ao art. 22, I, da Carta Federal.
…...................................................................................................
Da transcrição dos dispositivos ora impugnados
constata-se, ainda, que a exigência de prévia autorização da
Assembléia Legislativa para fins de autorizar a instauração de ação
penal em desfavor do Governador (art. 81 – ‘Admitida a acusação
contra o Governador, por dois terços da Assembléia
Legislativa ...’) ofende os princípios republicano e da Separação dos
Poderes (arts. 1º e 2º, CF), bem como do acesso à jurisdição (art. 5º,
XXXV, CF).
De fato, o regime de responsabilização apregoado pela Carta da
República não define a exigência de anuência prévia do
Legislativo Estadual para instauração de persecução criminal em
desfavor de Governadores de Estado ou do Distrito Federal, ou
mesmo contra outras autoridades estaduais ou distritais.
…...................................................................................................
Com efeito, essa condição de procedibilidade, tal como
instituída pelo art. 81 da Constituição do Estado do Acre, ofende o
princípio da Separação dos Poderes (art. 2º) em razão da indevida
interpretação extensiva da norma dirigida ao Chefe do Poder
Executivo Federal, porquanto condiciona o exercício da função
jurisdicional a uma autorização do Poder Legislativo.” (grifei)

A Augusta Assembleia Legislativa do Estado do Acre, por sua


vez, ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, assim se
manifestou:

“Primeiramente, cumpre reconhecer que, de fato, a


competência para legislar sobre os crimes de responsabilidade e das
normas processuais para seu julgamento é da União. Esse é o
entendimento desse Pretório Excelso, sumulado no verbete n.º 722, da
jurisprudência dessa Suprema Corte. (…).
…..............................................................................................................
Assim, a Súmula 722 lançou luzes à questão, esmiuçando a regra
constitucional segundo a qual a competência para legislar sobre

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processo, inclusive o que cuida de crimes de responsabilidade, é da


União.
…..............................................................................................................
Importante, neste momento, esclarecer que a Lei Ordinária
Federal n.º 1.079/1950 foi devidamente recepcionada pela Ordem
Constitucional vigente, conforme restou decidido nos autos da
ADIN 1.628, citada pelo próprio Impetrante, estando, portanto, em pleno
vigor.
Pois bem. Voltando à redação da referida Lei Federal, observa-se que
o Legislador outorgou ao Legislador Constituinte Estadual a forma
de julgamento nos crimes de responsabilidade, e ao mesmo tempo,
estabeleceu uma forma supletiva para o caso dos Estados Federados que
não fizessem uso dessa prerrogativa, a fim de evitar possível vazio
legislativo (vide §3º acima).
Indaga-se: estaria o legislador federal autorizado a deixar a
cargo do legislador estadual tal mister? A resposta deve ser positiva,
senão vejamos.
O artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, estabeleceu,
como visto, que a competência para legislar sobre processo é da União.
(…).
…..............................................................................................................
Ora, embora não se tenha dito no julgamento da ADIN 1.628
que a Lei Ordinária Federal n.º 1.079/1950 tenha sido recepcionada
com status de lei complementar, observa-se que se trata de lei federal
outorgando ao Poder Legislativo Estadual a prerrogativa de
estabelecer a forma de processamento dos crimes de
responsabilidade eventualmente perpetrados pelo Governador. Sendo
assim, e considerando que há deliberação desse Supremo Tribunal
Federal no sentido de que a aludida Lei Ordinária foi recepcionada,
conforme asseverado pelo Impetrante, parece ser o caso de recepção com
status de lei complementar, o que não seria nenhuma novidade
jurídica, haja vista o precedente do Código Tributário Nacional
(LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966), que, embora tenha
sido veiculado na forma de Lei Ordinária, atende como lei complementar
às exigências constitucionais, conforme decisões reiteradas desse
Pretório Excelso.

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Assim, tendo a União exercido sua competência legiferante


acerca da matéria, promulgando lei na qual outorga aos Estados Federados
a prerrogativa de estabelecer normas procedimentais para
responsabilização de seus Governadores nos crimes comuns e de
responsabilidade, está preservada a competência legislativa da União,
ficando prejudicada qualquer alegação de vício formal, e por que não
dizer, material, pois se trata de questão reservada a lei, não cabendo
ponderação acerca de sua conveniência. Acaso se entenda que a lei não
atende aos reclamos do povo, de onde emana todo o poder, não há
qualquer óbice para que se providencie, por meio do Congresso Nacional,
mudança legislativa no sentido de estabelecer uma nova sistemática
para a questão, parecendo ser essa a instância apropriada para o debate.
Assim, ainda que se diga - conforme consta da petição inicial – que
o paralelismo das formas ou a simetria não justificam a outorga de tal
prerrogativa ao Governador, a quem não seria dado se comparar ao
Chefe do Estado Brasileiro o Presidente da República, parece que a questão
não passa por esse prisma. Se trata do direito posto, da norma federal
que, embora seja de 1950, foi devidamente recepcionada pela Ordem
Constitucional vigente, conforme Jurisprudência desse Pretório Excelso, e
que deixou a cargo do Poder Legislativo Estadual – Constituinte derivado
ou reformador, diga-se de passagem – estabelecer procedimento para
apuração de crime comum ou de responsabilidade.
Finalmente, não há nos autos qualquer notícia de urgência que
justifique a concessão de medida cautelar. A situação política do Estado
do Acre é de respeito à Constituição, aos Poderes instituídos, de paz
social, de salutar disputa democrática pelo poder político, que está ao
alcance de todos, na forma da Constituição Cidadã. Não há notícia de
qualquer tentativa de responsabilização do Governador, quer no STJ,
quer no Plenário da Assembleia Legislativa, que esteja encontrando
óbice nas normas da Constituição Estadual impugnadas nesta Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Sendo assim, parece ser o caso de
questão tão relevante seguir o rito normal de processamento, juntamente
com as demais ADIs que tratam de matéria semelhante, no que toca a
outros Estados Federados, sem qualquer açodamento.” (grifei)

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O eminente Advogado-Geral da União pronunciou-se pela parcial


procedência do pedido, por entender que deve ser “(...) declarada a
inconstitucionalidade apenas das expressões ‘o Governador (…) nos
crimes de responsabilidade” (grifei); bem como da expressão “’ou
perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade’,
constantes dos artigos 44, inciso VII, e 81, ‘caput’, ambos da Constituição do
Estado do Acre” (grifei), fazendo-o com apoio nas seguintes razões:

“(...) determina a Constituição Federal, em seu artigo 22,


inciso I, que compete privativamente à União legislar sobre
direito penal e processual penal, prevendo, ainda, ao dispor sobre os
crimes de responsabilidade praticáveis pelo Presidente da República,
que tais infrações devem ser definidas ‘em lei especial, que
estabelecerá as normas de processo e julgamento’ (artigo 85, parágrafo
único, da Lei Maior).
A matéria, a propósito, encontra-se regulada pela Lei
federal nº 1.079, de 1950, que ‘define os crimes de responsabilidade e
regula o respectivo processo de julgamento’. Esse diploma legal,
conforme orientação dessa Corte Suprema, foi recepcionado pela
ordem constitucional instaurada em 1988 no que diz respeito à
disciplina que estabelece acerca dos crimes de responsabilidade
praticados pelos Governadores e Secretários dos Estados.
Há, também, no âmbito da legislação federal, o Decreto-
-lei nº 201, de 1967, que cuida dos crimes de responsabilidade
cometidos por Prefeitos e Vereadores, e a Lei nº 7.106, de 1983, que
trata dos crimes de responsabilidade praticados pelos Governadores do
Distrito Federal e dos Territórios Federais, bem como dos respectivos
Secretários, tudo a demonstrar a competência da União para
legislar sobre a matéria.
…...................................................................................................
Dessa maneira, conclui-se que as expressões ‘o Governador
(…) nos crimes de responsabilidade’; e ‘ou perante a
Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade’,
constantes dos artigos 44, inciso VII, e 81, ‘caput’, ambos da
Constituição do Estado do Acre, são formalmente

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inconstitucionais, uma vez que ofendem o disposto no artigo 22,


inciso I, da Constituição Federal.
No tocante à expressão ‘declarar a procedência da
acusação’, igualmente impugnada pelo autor, não se verifica a
inconstitucionalidade alegada. A análise do artigo 44, inciso VIII,
da Constituição do Estado do Acre, em que se encontra inserida a
expressão, demonstra que o trecho normativo impugnado não está
atrelado, unicamente, às hipóteses de crimes de responsabilidade do
Governador do Estado, de modo que se aplica a todas as ‘hipóteses
previstas nesta Constituição’, nos termos utilizados pela norma
em questão. Destarte, não se vislumbra vício de
inconstitucionalidade no trecho normativo hostilizado, devendo
ser reconhecida a improcedência do pedido do autor, no ponto
específico.
…...................................................................................................
Conforme relatado, o requerente sustenta, ainda, a
inconstitucionalidade da expressão ‘Admitida a acusação contra o
Governador do Estado, por dois terços da Assembléia
Legislativa’, constante do artigo 81, ‘caput’, da Constituição do
Estado do Acre.
A esse respeito, o autor aduz que a referida previsão violaria
os princípios republicano, da separação de Poderes, da
inafastabilidade da tutela jurisdicional e da proporcionalidade.
Entretanto, são insubsistentes as alegações apresentadas, sendo a
expressão impugnada plenamente válida.
Nesse sentido, cumpre ressaltar, inicialmente, a
compatibilidade do trecho questionado com o princípio
republicano, previsto pelo artigo 1º, ‘caput’, da Lei Maior.
Desenvolvida em contraponto ao exercício absoluto do Poder
estatal, a forma republicana de governo tem, como uma das pedras
angulares essenciais à sua configuração, o princípio da
responsabilidade dos governantes, que constitui consequência
necessária da adoção daquela.
A expressão questionada, no entanto, não impede a
responsabilização da autoridade que menciona, cingindo-se
a prever requisito de procedibilidade para a válida

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instauração de processo contra o Governador do Estado do


Acre.
…...................................................................................................
Constata-se, portanto, que a expressão atacada não viola o
princípio republicano. De modo diverso, ela evita que a instauração
de processo contra Governador seja exclusivamente decidida pelo
Poder Judiciário, o que representaria um desequilíbrio entre os
Poderes.
Desse modo, o trecho normativo impugnado pelo autor
contribui para resguardar o exercício das funções do Poder
Executivo de eventuais arbitrariedades e interferências indevidas, em
atendimento ao princípio da separação dos Poderes, previsto no
artigo 2º da Carta da República.
…...................................................................................................
Assim, nos termos das razões expostas e da jurisprudência
atual dessa Suprema Corte, constata-se a compatibilidade entre o
Texto Constitucional, especialmente em relação aos princípios
republicano, da separação de Poderes, da inafastabilidade da tutela
jurisdicional e da proporcionalidade, e a expressão e ‘Admitida a
acusação contra o Governador do Estado, por dois terços da
Assembléia Legislativa’, constante do artigo 81, ‘caput’, da
Constituição do Estado do Acre.” (grifei)

O Ministério Público Federal, atuando em sua condição de “custos


constitutionis”, opinou pela parcial procedência da presente ação direta, em
parecer assim ementado:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 44, incisos VII e


VIII, e art. 81 da Constituição do Estado do Acre. Processamento e
julgamento dos crimes de responsabilidade. Competência
legislativa privativa da União (súmula 722 do STF). Exigência
de aprovação da Assembleia Legislativa para recebimento de
denúncia, por crimes comuns, formulada contra o Governador do
Estado. Condição de procedibilidade inscrita em Constituições
estaduais que não significa irresponsabilidade penal dos governantes,
não desqualifica o princípio republicano nem a inafastabilidade da

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jurisdição e que se afirma em face do princípio da Federação e da


autonomia político-institucional dos Estados-membros. Parecer pela
parcial procedência do pedido.” (grifei)

Este é o relatório, de cujo texto a Secretaria remeterá cópia a todos


os Senhores Ministros deste Egrégio Tribunal (Lei nº 9.868/99, art. 9º,
“caput”; RISTF, art. 172).

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05/08/2015 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Destaco,


inicialmente, a plena legitimidade do comportamento processual do Senhor
Advogado-Geral da União, cujo pronunciamento favorável à parcial
procedência da presente ação direta tem suporte na orientação
jurisprudencial que o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou no
julgamento da controvérsia ora em exame, como resulta claro de diversos
precedentes (RTJ 213/436-438 – ADI 341/PR – ADI 1.440/SC, v.g.).

A jurisprudência desta Suprema Corte já se consolidou no sentido


de que o Advogado-Geral da União – que, em princípio, atua como curador
da presunção de constitucionalidade do ato impugnado (RTJ 131/470 –
RTJ 131/958 – RTJ 170/801-802, v.g.) – não está obrigado a defender,
incondicionalmente, o diploma estatal, se este veicular conteúdo normativo
já declarado incompatível com a Constituição da República pelo Supremo
Tribunal Federal em julgamentos proferidos no exercício de sua
jurisdição constitucional:

“ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NO


PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO.
– O Advogado-Geral da União – que, em princípio, atua
como curador da presunção de constitucionalidade do ato impugnado
(RTJ 131/470 – RTJ 131/958 – RTJ 170/801-802, v.g.) – não está
obrigado a defender o diploma estatal, se este veicular conteúdo
normativo já declarado incompatível com a Constituição da República
pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos proferidos no
exercício de sua jurisdição constitucional. Precedentes.”
(ADI 2.681-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

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ADI 4764 / AC

Vale rememorar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal, por mais


de uma vez, já teve a oportunidade de advertir que “o Advogado-Geral da
União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte
já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade” (ADI 1.616/PE,
Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – grifei). Esse entendimento
jurisprudencial veio a ser reafirmado nos julgamentos da ADI 2.101/MS,
Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, e da ADI 3.916/DF, Rel. Min. EROS
GRAU.

Incensurável, desse modo, sob a perspectiva de suas funções no


processo de fiscalização normativa abstrata, o pronunciamento que,
nestes autos, manifestou o Senhor Advogado-Geral da União.

Prosseguindo, Senhor Presidente, desejo acentuar que o julgamento


da presente controvérsia constitucional põe em perspectiva dois temas
impregnados do mais alto relevo político-jurídico, ambos pertinentes ao
princípio da federação e ao postulado republicano.

O exame da questão concernente ao princípio federativo resulta, na


espécie, do debate em torno da repartição material de competência
normativa no âmbito do Estado Federal brasileiro.

Sob tal perspectiva, cabe reconhecer que esta Suprema Corte, em


reiterados pronunciamentos, consagrou diretriz jurisprudencial no
sentido de competir, privativamente, à União Federal – e a esta, apenas – a
atribuição de legislar em tema de crimes de responsabilidade, seja para
tipificá-los, seja para definir-lhes a ordem ritual ou o “modus procedendi”.

Em virtude dessa orientação jurisprudencial, firmaram-se diversos


precedentes, todos no sentido de não se revelar possível ao Estado-membro
dispor sobre o tema em questão, sob pena de usurpação da competência

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legislativa da União Federal (tal como vem esta enumerada no art. 22, I,
da Lei Fundamental), resultante de transgressão ao modelo de
discriminação material de atribuições normativas partilhadas entre as
pessoas políticas que compõem o Estado Federal brasileiro.

Não desconheço, Senhor Presidente, na linha dos votos que proferi


em diversos julgamentos (Pet 1.656/DF – Pet 1.954/DF – RE 367.297/SP –
RE 411.414/MG), que se registra, na matéria em exame, amplo dissídio
doutrinário em torno da qualificação jurídica do “crime de
responsabilidade” e do processo a que dá origem, pois, para uns, o
“impeachment” constitui processo eminentemente político, enquanto que,
para outros, ele representa processo de índole criminal (como sucedeu sob a
legislação imperial brasileira: Lei de 15/10/1827), havendo, ainda, os que
nessa matéria identificam a existência de um processo de natureza mista,
consoante revela o magistério de eminentes autores (PAULO BROSSARD
DE SOUZA PINTO, “O Impeachment”, p. 75/87, 2ª ed., 1992, Saraiva;
PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”,
vol. 3/596-600, 1992, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO,
“Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/168-172, 1992,
Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional
Positivo”, p. 518-520, 10ª ed., 1995, Malheiros; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR,
“Comentários à Constituição de 1988”, vol. V/2931-2945, 1991, Forense
Universitária; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de
1967 com a Emenda nº 1 de 1969”, tomo III/351-361, 3ª ed., 1987, RT;
MICHEL TEMER, “Elementos de Direito Constitucional”, p. 165/170,
7ª ed., 1990, RT; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito
Processual Penal”, vol. 3/375, Forense; JOÃO BARBALHO, “Constituição
Federal Brasileira – Comentários”, p. 133, 2ª ed., 1924; CARLOS
MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. II/105-106,
item n. 332, 5ª ed., 1954, Freitas Bastos; AURELINO LEAL, “Teoria e
Prática da Constituição Federal Brasileira”, Primeira Parte, p. 480, 1925).

Por entender, Senhor Presidente, que a natureza jurídica do “crime

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de responsabilidade” permite situá-lo no plano estritamente político-


-constitucional, revestido de caráter extrapenal, não posso deixar de
atribuir a essa figura a qualificação de ilícito político-administrativo,
desvestido, em consequência, de conotação criminal, o que me autoriza
concluir – embora diversamente da orientação jurisprudencial
prevalecente nesta Suprema Corte (RTJ 166/147 – RTJ 168/729, v.g.) – que
o impropriamente denominado “crime de responsabilidade” não traduz
instituto de direito penal, viabilizando-se, por isso mesmo, a possibilidade
de o Estado-membro sobre ele legislar.

Essa percepção do tema tem o beneplácito de autorizadíssimo


magistério doutrinário (PAULO BROSSARD, “O Impeachment”, p. 82,
item n. 56, 2ª ed., 1992, Saraiva; THEMISTOCLES BRANDÃO
CAVALCANTI, “A Constituição Federal Comentada”, vol. II/274-275,
1948, Konfino; CASTRO NUNES, “Teoria e Prática do Poder Judiciário”,
vol. 1/40-41, item n. 2, 1943, Forense; ALEXANDRE DE MORAES,
“Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1.239, 2002, Atlas; LUIZ
ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR,
“Curso de Direito Constitucional”, p. 268/269, itens ns. 1 e 3, 6ª ed., 2002,
Saraiva), cujas lições propiciam o substrato teórico legitimador das
conclusões que venho de expor.

Reconheço, no entanto, que diverso é, nesse tema, o pensamento


jurisprudencial predominante nesta Suprema Corte, como
precedentemente por mim assinalado, tanto que os reiterados
pronunciamentos deste Tribunal culminaram na formulação da
Súmula Vinculante 46/STF, cujo enunciado assim dispõe:

“A definição dos crimes de responsabilidade e o


estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento
são da competência legislativa privativa da União.” (grifei)

Os precedentes a que me referi deixam claro que é inconstitucional a


regulação normativa, por parte do Estado-membro, dos temas relativos à

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definição típica do crime de responsabilidade, de um lado, e à determinação


de seu processo e julgamento, de outro (ADI 341/PR, Rel. Min. EROS
GRAU – ADI 687/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.879/RO,
Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – ADI 1.901/MG, Rel. Min. ILMAR
GALVÃO – ADI 2.592/RO, Rel. Min. SYDNEY SANCHES –
ADI 3.279/SC , Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.):

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Constituição do


Estado de Rondônia. Emenda Constitucional nº 11/99: artigo 137,
§§ 3º e 4º. Multa por atraso de pagamento a servidores públicos.
Iniciativa reservada ao Chefe Do Poder Executivo. Despesa com
servidores estaduais. Vinculação a índice federal:
inconstitucionalidade. Crime de responsabilidade. Definição
jurídica do delito, regulamentação do processo e do
julgamento: competência da União.
…...................................................................................................
4. São de competência da União a definição jurídica de
crime de responsabilidade e a regulamentação dos respectivos
processo e julgamento. Precedente.”
(ADI 2.050-MC/RO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA –
grifei)

“Inscreve-se na competência legislativa da União a


definição dos crimes de responsabilidade e a disciplina do
respectivo processo e julgamento.
Precedentes do Supremo Tribunal: ADIMC 1.620,
ADIMC 2.060 e ADIMC 2.235.”
(ADI 2.220-MC/SP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI –
grifei)

Constata-se, portanto, a inconstitucionalidade das expressões


normativas “processar e julgar o Governador (…) nos crimes de
responsabilidade”, “declarar a procedência da acusação (...)” e “(…) ou perante a
Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade” inscritas,
respectivamente, nos incisos VII e VIII do art. 44 e no art. 81 da

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Constituição do Estado do Acre.

Há a examinar, ainda, a alegação de inconstitucionalidade da regra


fundada no art. 81 da Constituição acreana na parte que atribui à
Assembleia Legislativa estadual competência para exercer o controle prévio,
mediante outorga de licença, das persecuções penais instauradas contra
o Governador do Estado perante o E. Superior Tribunal de Justiça.

Vê-se que essa segunda questão envolve o tema da responsabilidade


criminal do Governador do Estado e a possibilidade de controle parlamentar
prévio da instauração, em juízo, da “persecutio criminis” contra o Chefe do
Poder Executivo local.

Todos sabemos que a responsabilidade dos governantes, num sistema


constitucional de poderes limitados, tipifica-se como uma das cláusulas
essenciais à configuração mesma do primado da ideia republicana, que
se opõe – em função de seu próprio conteúdo – às formulações teóricas ou
jurídico-positivas que proclamam, nos regimes monárquicos, a absoluta
irresponsabilidade pessoal do Rei ou do Imperador, tal como ressaltado por
JOSÉ ANTONIO PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e
Análise da Constituição do Império”, p. 203, item n. 267, 1958, Ministério
da Justiça – DIN).

Embora irrecusável a posição de grande eminência dos Governadores


de Estado e do Distrito Federal no contexto político-institucional
emergente de nossa Carta Política, impõe-se reconhecer, até mesmo como
decorrência necessária do princípio republicano, a possibilidade de
responsabilizá-los, penalmente, pelos atos ilícitos que eventualmente
venham a praticar no desempenho de suas funções.

Mesmo naqueles Países, cujo ordenamento político revela uma


primazia do Poder Executivo, derivada do crescimento das atividades do
Estado, ainda assim – e tal como salienta JOSAPHAT MARINHO

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(RDA 156/11) – essa posição hegemônica, no plano jurídico-institucional,


“não equivale a domínio ilimitado e absorvente”, basicamente porque a
expansão do arbítrio deve ser contida por um sistema que permita a
aferição do grau de responsabilidade daqueles que exercem o poder.

A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder


Executivo configura “uma conquista fundamental da democracia e, como tal, é
elemento essencial da forma republicana democrática que a Constituição
brasileira adotou...” (PAULO DE LACERDA, “Princípios de Direito
Constitucional Brasileiro”, p. 459, item n. 621, vol. I).

A sujeição dos Governadores de Estado e do Distrito Federal às


consequências jurídicas de seu próprio comportamento é inerente e
consubstancial, desse modo, ao regime republicano, que constitui, no
plano de nosso ordenamento positivo, uma das mais relevantes decisões
políticas fundamentais adotadas pelo legislador constituinte brasileiro.

Não obstante a posição hegemônica que detém na estrutura político-


-institucional do Poder Executivo local, o Governador – que também é
súdito das leis, como qualquer outro cidadão deste País – não se
exonera da responsabilidade penal emergente dos atos que tenha
praticado.

A forma republicana de Governo, analisada em seus aspectos


conceituais, faz instaurar, portanto, um regime de responsabilidade a que
se deve submeter, de modo pleno, dentre outras autoridades estatais, o
Chefe do Poder Executivo dos Estados-membros e do Distrito Federal
(RTJ 162/462-464, Red. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO).

O princípio republicano, que outrora constituiu um dos núcleos


imutáveis das Cartas Políticas promulgadas a partir de 1891, não
obstante sua plurissignificação conceitual, consagra, a partir da ideia central
que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos – os

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Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular – são


responsáveis perante a lei (WILSON ACCIOLI, “Instituições de Direito
Constitucional”, p. 408/428, itens nºs 166/170, 2ª ed., 1981, Forense;
JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”,
p. 518/519, 10ª ed., 1995, Malheiros; MARCELO CAETANO, “Direito
Constitucional”, vol. II/239, item n. 90, 1978, Forense, v.g.).

Cumpre destacar, nesse contexto, o magistério irrepreensível do


saudoso GERALDO ATALIBA (“República e Constituição”, p. 38,
item n. 9, 1985, RT – grifei), para quem a noção de responsabilidade
traduz um consectário natural do dogma republicano:

“A simples menção ao termo república já evoca um universo de


conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do
princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais
conceitos, o de responsabilidade é essencial.” (grifei)

Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal,


atento às implicações jurídicas e políticas que resultam do princípio
republicano, pronunciou-se sobre o tema concernente à
responsabilidade penal do Chefe do Poder Executivo dos Estados-
-membros, proferindo decisão consubstanciada em acórdão assim
ementado:

“PRINCÍPIO REPUBLICANO E RESPONSABILIDADE


DOS GOVERNANTES.
– A responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma
das pedras angulares essenciais à configuração mesma da idéia
republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do
Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista básica do
regime democrático, constitui conseqüência necessária da forma
republicana de governo adotada pela Constituição Federal.
O princípio republicano exprime, a partir da idéia central que
lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos – os
Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular – são

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igualmente responsáveis perante a lei.

RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR DO


ESTADO.
– Os Governadores de Estado – que dispõem de prerrogativa
de foro ratione muneris, perante o Superior Tribunal de Justiça
(CF, art. 105, I, ’a’) – estão permanentemente sujeitos, uma vez
obtida a necessária licença da respectiva Assembléia
Legislativa (RE 153.968-BA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO –
RE 159.230-PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), a processo
penal condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas
sejam estranhas ao exercício das funções governamentais.”
(ADI 1.008/PI, Red. p/ o acórdão Min. CELSO DE
MELLO)

Desse modo, se é certo que os Governadores de Estado são


plenamente responsáveis por atos delituosos que eventualmente
pratiquem no exercício de seu mandato, não é menos exato que a
organização federativa do Estado brasileiro e a autonomia institucional
dos Estados-membros desempenham um papel relevante na definição
dos requisitos condicionadores da persecução penal que venha a ser
instaurada contra os Chefes do Poder Executivo local.

Nesse contexto, torna-se de essencial importância a questão


pertinente à prévia autorização legislativa, a ser dada pelo Poder Legislativo
do Estado-membro, que constitui pressuposto viabilizador da
instauração da “persecutio criminis” contra o Chefe do Poder Executivo
estadual.

A jurisprudência constitucional desta Suprema Corte, bem por isso,


atenta ao princípio da Federação, qualificou a necessidade de prévio
consentimento da Assembleia Legislativa local como requisito de
procedibilidade para a válida instauração, em juízo, da “persecutio criminis”
contra Governador de Estado.

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Sob tal perspectiva institucional, o Supremo Tribunal Federal teve


presente, para o efeito referido, um postulado essencial à configuração
mesma da organização federativa, tal como esta se acha delineada no
sistema constitucional vigente em nosso País.

A ideia fundamental – que motivou essa orientação jurisprudencial


firmada pelo Supremo Tribunal Federal – traduz, na realidade, a
consagração de um valor constitucional básico que informa e dá
consistência à própria teoria da Federação: a autonomia institucional dos
Estados-membros.

A importância político-jurídica dessa insuprimível prerrogativa


institucional dos Estados-membros é tão intensa que, sem ela,
descaracterizar-se-ia, por completo, a própria noção de Estado Federal,
pois – não custa enfatizar – a autonomia das unidades federadas
qualifica-se como valor essencial à compreensão do sistema federativo.

Mais do que isso, a ideia de Federação – que tem, na autonomia dos


Estados-membros, um de seus “cornerstones” – revela-se elemento cujo
sentido de fundamentalidade torna-a imune, em sede de revisão
constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por
representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do
poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I).

Por tal razão, tendo-se presente a natureza eminentemente constitucional


da autonomia inerente aos Estados-membros, torna-se essencial –
notadamente quando se tratar de persecução penal “in judicio”, promovida
contra os Governadores dessas unidades federadas, de cuja instauração
poderá resultar o seu afastamento provisório do exercício do mandato –
que o postulado da Federação seja considerado como dado juridicamente
relevante na definição dos requisitos que devem condicionar o
processamento de qualquer acusação criminal, perante o Superior

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Tribunal de Justiça, contra o Chefe do Poder Executivo estadual.

Esse entendimento – que submete à Assembleia Legislativa local a


avaliação política sobre a conveniência de autorizar-se, ou não, o
processamento de acusação penal contra o Governador do Estado –
funda-se na circunstância de que, recebida a denúncia ou a queixa-crime
pelo Superior Tribunal de Justiça, dar-se-á a suspensão funcional do
Chefe do Poder Executivo estadual, que ficará afastado, temporariamente,
do exercício do mandato que lhe foi conferido por voto popular, daí
resultando verdadeira “destituição indireta de suas funções”, com grave
comprometimento da própria autonomia político-institucional da
unidade federada que dirige.

Na realidade, a diretriz jurisprudencial que prevalece no


Supremo Tribunal Federal (RTJ 151/978-979, Rel. Min. ILMAR GALVÃO –
RTJ 158/280, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) nada mais reflete senão
a observância de paradigma revestido de inquestionável coeficiente de
federalidade e que, fundado na Carta Política (art. 86, § 1º, I), impõe-se,
enquanto padrão referencial inderrogável, ao respeito dos Estados-membros e
dos Tribunais da República.

Em suma: a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal


impõe que a instauração de persecução penal em juízo contra
Governador de Estado, por supostas práticas delituosas perseguíveis
mediante ação penal de iniciativa pública ou de iniciativa privada, seja
necessariamente precedida de autorização dada pelo Poder Legislativo
local, a quem incumbe, com fundamento em juízo de caráter
eminentemente discricionário, exercer verdadeiro controle político prévio de
qualquer acusação penal deduzida contra o Chefe do Poder Executivo do
Estado-membro, compreendidas, na locução constitucional “crimes
comuns”, todas as infrações penais (RTJ 33/590 – RTJ 166/785-786),
inclusive as de caráter eleitoral (RTJ 63/1 – RTJ 148/689 – RTJ 150/688-
-689) ou as de natureza meramente contravencional (RTJ 91/423).

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A “ratio” subjacente a essa orientação jurisprudencial, que prestigia


o princípio da Federação e que busca preservar a intangibilidade da autonomia
estadual – impedindo que ocorra a suspensão provisória do exercício do
mandato pelo Governador do Estado, motivada pelo recebimento judicial
da denúncia ou da queixa-crime, exceto se houver consentimento prévio
emanado da Assembleia Legislativa local – reflete-se no próprio
magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Direito
Constitucional”, p. 429/430, 7ª ed., 2000, Atlas; JULIO FABBRINI
MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 296,
item n. 84.8, 7ª ed., 2000, Atlas; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de
Processo Penal Anotado”, p. 99, 17ª ed., 2000, Saraiva, v.g.), cuja
percepção do tema em exame põe em destaque a imprescindibilidade
dessa autorização legislativa, qualificada, sob tal aspecto, como requisito
de procedibilidade que condiciona a instauração, em juízo, de
persecução penal contra o Chefe do Poder Executivo estadual, a quem se
tem reconhecido, enquanto “in officio”, relativa imunidade formal em
face dos processos penais condenatórios.

Mostra-se lapidar, sob todos os aspectos, a autorizada lição de


JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional Positivo”,
p. 636/640, item n. 17, 38ª ed., 2015, Malheiros), que, a propósito da questão
ora em análise, expende as seguintes considerações:

“Até a 6ª edição, observáramos que, nos ‘crimes comuns’, não


nos parecia mais possível definir, na Constituição estadual, que a
admissibilidade do processo perante o Superior Tribunal de Justiça
dependesse da autorização da Assembleia Legislativa. As
Constituições estaduais, no entanto, tomaram rumo diverso,
exigindo tal autorização. Em face disso, ‘re melius perpensa’,
entendemos válida essa posição das Cartas dos Estados. É que
o juízo prévio de admissibilidade da acusação, que requer o
voto de dois terços da representação popular, é um prejulgamento
que embasa a suspensão do acusado de suas altas funções, com

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ADI 4764 / AC

aquela mesma ideia dos sistemas argentino e norte-americano de


que uma alta autoridade governamental não pode ser submetida
a um processo político ou criminal, enquanto estiver no
exercício de sua magistratura. Hamilton já advertia, faz dois
séculos, que um tribunal bem constituído para julgar denúncias é
não menos desejável do que difícil de se conseguir em um governo
totalmente eletivo, pois as ofensas resultantes da conduta de
irregularidades de homens públicos são de natureza ‘política’, de onde
várias fórmulas sugeridas perante a Convenção de Filadélfia,
entendendo que a solução encontrada de controle político
prévio ao processo criminal fora um prudente meio-termo. O
Brasil encontrou ainda um sistema mais adequado,
submetendo o processo de imposição de sanção política ou
criminal a uma condição prévia de oportunidade política a ser
decidida pela representação popular, o que corresponde a uma
exigência democrática de que o Governador, como o Presidente da
República, só deva ser submetido a um processo que o afaste do
cargo, para o qual foi eleito pelo povo, com o consentimento
ponderado pelo voto de dois terços dos membros da respectiva
assembleia representante desse mesmo povo.” (grifei)

Cabe registrar, que o Plenário desta Suprema Corte, em recentíssimos


julgamentos, reafirmou esse entendimento e considerou
constitucionalmente válidas disposições normativas de outras Constituições
estaduais que atribuíram competência à Assembleia Legislativa local
para autorizar, ou não, mediante controle parlamentar prévio, a instauração
de persecução penal, perante o E. Superior Tribunal de Justiça, contra o
Governador do Estado (ADI 4.800/RO, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“1. A competência para dispor legislativamente sobre processo


e julgamento por crimes de responsabilidade é privativa da União,
que o fez por meio da Lei 1.079/50, aplicável aos Governadores e
Secretários de Estado, razão pela qual são inconstitucionais as
expressões dos arts. 54 e 89 da Constituição do Estado do Paraná que
trouxeram disciplina discrepante na matéria, atribuindo o
julgamento de mérito de imputações do tipo à Assembleia Legislativa

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local. Precedentes.

2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no


sentido de considerar legítimas as normas de Constituições
Estaduais que subordinam a deflagração formal de um
processo acusatório contra o Governador do Paraná a um
juízo político da Assembleia Legislativa local. Eventuais
episódios de negligência deliberada das Assembleias Legislativas
não constituem fundamento idôneo para justificar a mudança
dessa jurisprudência, cabendo considerar que a superveniência da
EC 35/01, que suprimiu a necessidade de autorização legislativa para
processamento de parlamentares, não alterou a situação jurídica dos
Governadores. Precedente.
3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente em
parte.”
(ADI 4.791/PR, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – grifei)

“1. Inconstitucionalidade formal decorrente da


incompetência dos Estados-membros para legislar sobre
processamento e julgamento de crimes de responsabilidade (art. 22,
inc. I, da Constituição da República).
2. Constitucionalidade das normas estaduais que, por
simetria, exigem a autorização prévia da assembleia legislativa
como condição de procedibilidade para instauração de
ação contra governador (art. 51, inc. I, da Constituição da
República).
3. Ação julgada parcialmente procedente para declarar
inconstitucional o inc. XXI do art. 56 (‘processar e julgar o
governador e o vice-governador do estado nos crimes de
responsabilidade e os secretários de estado nos crimes da mesma
natureza conexos com aqueles’); e da segunda parte do art. 93 da
Constituição do Estado do Espírito Santo (‘ou perante a assembleia
legislativa, nos crimes de responsabilidade’).”
(ADI 4.792/ES, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)

Também perfilho esse mesmo pensamento (RTJ 180/235-236, Rel. Min.

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ADI 4764 / AC

CELSO DE MELLO), razão pela qual tenho por plenamente constitucional a


cláusula inscrita na primeira parte do art. 81 da Constituição do Estado
do Acre:

“‘HABEAS CORPUS’ – GOVERNADOR DE ESTADO –


INSTAURAÇÃO DE PERSECUÇÃO PENAL –
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA – NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
A SER DADA PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO
ESTADO – EXIGÊNCIA QUE DECORRE DO PRINCÍPIO DA
FEDERAÇÃO – ‘HABEAS CORPUS’ DEFERIDO.

PRINCÍPIO REPUBLICANO E RESPONSABILIDADE


PLENA DOS GOVERNANTES.
– A responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma
das pedras angulares essenciais à configuração mesma da idéia
republicana (RTJ 162/462-464). A consagração do princípio da
responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, além de refletir
uma conquista básica do regime democrático, constitui conseqüência
necessária da forma republicana de governo adotada pela
Constituição Federal.
O princípio republicano exprime, a partir da idéia central que
lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos – os
Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular – são
igualmente responsáveis perante a lei.

RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR DO


ESTADO.
– Os Governadores de Estado – que dispõem de prerrogativa
de foro ‘ratione muneris’, perante o Superior Tribunal de Justiça
(CF, art. 105, I, ‘a’) – estão sujeitos, uma vez obtida a
necessária licença da respectiva Assembléia Legislativa
(RTJ 151/978-979 – RTJ 158/280 – RTJ 170/40-41 –
Lex/Jurisprudência do STF 210/24-26), a processo penal
condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas sejam
estranhas ao exercício das funções governamentais.

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ADI 4764 / AC

CONTROLE LEGISLATIVO DA PERSECUÇÃO PENAL


INSTAURADA CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO.
– A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal,
atenta ao princípio da Federação, impõe que a instauração de
persecução penal, perante o Superior Tribunal de Justiça, contra
Governador de Estado, por supostas práticas delituosas
perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública ou de
iniciativa privada, seja necessariamente precedida de
autorização legislativa, dada pelo Poder Legislativo local, a quem
incumbe, com fundamento em juízo de caráter eminentemente
discricionário, exercer verdadeiro controle político prévio de qualquer
acusação penal deduzida contra o Chefe do Poder Executivo do
Estado-membro, compreendidas, na locução constitucional ‘crimes
comuns’, todas as infrações penais (RTJ 33/590 – RTJ 166/785-
-786), inclusive as de caráter eleitoral (RTJ 63/1 – RTJ 148/689 –
RTJ 150/688-689), e, até mesmo, as de natureza meramente
contravencional (RTJ 91/423).
Essa orientação – que submete à Assembléia Legislativa local
a avaliação política sobre a conveniência de autorizar-se, ou
não, o processamento de acusação penal contra o Governador do
Estado – funda-se na circunstância de que, recebida a denúncia ou a
queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça, dar-se-á a
suspensão funcional do Chefe do Poder Executivo estadual, que
ficará afastado, temporariamente, do exercício do mandato que lhe foi
conferido por voto popular, daí resultando verdadeira ‘destituição
indireta de suas funções’, com grave comprometimento da própria
autonomia político-institucional da unidade federada que dirige.”
(HC 80.511/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim, pelos fundamentos expostos e, sobretudo, em face dos


precedentes mencionados, julgo parcialmente procedente a presente ação
direta, para declarar a inconstitucionalidade das expressões normativas
constantes, respectivamente, dos incisos VII e VIII do art. 44 (“processar e
julgar o Governador (…) nos crimes de responsabilidade” e “declarar a
procedência da acusação (...)”) e do art. 81 da Constituição do Estado do

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ADI 4764 / AC

Acre (“ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade”),


reconhecendo, de outro lado, a plena validade constitucional da expressão
normativa (“Admitida a acusação contra o Governador, por dois terços da
Assembléia Legislativa”) inscrita na primeira parte do art. 81 dessa mesma
Constituição estadual.

É o meu voto.

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Extrato de Ata - 05/08/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 140

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764


PROCED. : ACRE
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL -
CFOAB
ADV.(A/S) : OSWALDO PINHEIRO RIBEIRO JÚNIOR E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ACRE
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS FEDERAIS
- ANADEF
ADV.(A/S) : DEBORA CAMILA DE ALBUQUERQUE CURSINE E OUTRO(A/S)

Decisão: Após o voto do Ministro Celso de Mello (Relator),


julgando parcialmente procedente a ação, pediu vista dos autos o
Ministro Roberto Barroso. Falou, pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil – CFOAB, o Dr. Oswaldo Pinheiro Ribeiro
Júnior. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário,
05.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes


à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,
Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de


Barros.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira Duarte


Assessora-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal
Voto Vista

Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO:

I. A HIPÓTESE

1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta


pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo por
objeto expressões constantes no art. 44, caput, VII, VIII, e no art. 81, caput,
todos da Constituição do Estado do Acre. Confira-se o inteiro teor dos
dispositivos examinados, com os termos impugnados em destaque:

Art . 44 . Compete privativamente à Assembléia


Legislativa :

VII processar e julgar o Governador e o Vice-Governador do
Estado nos crimes de responsabilidade e os Secretários de Estado, nos
crimes da mesma natureza, conexos com aqueles;
VIII declarar a procedência da acusação , o impedimento e a
perda dos cargos de Governador e de Vice-Governador do Estado e
demais autoridades, nas hipóteses previstas nesta Constituição;
...
Art . 81 . Admitida a acusação contra o Governador do
Estado , por dois terços da Assembléia Legislativa , é ele
submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nos
crimes comuns, ou perante a Assembléia Legislativa , nos crimes
de responsabilidade . (grifei)

2. Em síntese, o requerente alega, em primeiro lugar, que a


competência para estabelecer regras para o processo e julgamento por
crimes de responsabilidade é reservada à União, consoante entendimento
desta Corte. Em segundo lugar, sustenta que a exigência de prévia

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Voto Vista

Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 140

ADI 4764 / AC

autorização da Assembleia Legislativa para fins de instauração de ação


penal em desfavor do Governador ofende os princípios republicano, da
separação dos poderes e do acesso à jurisdição (art. 1º, 2º e 5º, XXXV,
todos da CRFB/1988).

3. Em informações prestadas, a Assembleia Legislativa


estadual defendeu a constitucionalidade dos dispositivos impugnados.

4. Já o Advogado-Geral da União manifestou-se pela


procedência parcial do pedido. Eis a síntese da manifestação:

“Constitucional. Expressões contidas nos artigos 44,


incisos VII e VIII, e 81, caput, da Constituição do Estado do
Acre. Concessão de competência à Assembleia Legislativa
estadual para processar e julgar o Governador nos crimes de
responsabilidade. Competência privativa da União para legislar
sobre crimes dessa espécie e sobre direito processual penal.
Precedentes desse Supremo Tribunal Federal.
Inconstitucionalidade formal das expressões impugnadas que
dispõem sobre a matéria. Normas que condicionam o
julgamento do Chefe do Poder Executivo à prévia autorização
da Casa Legislativa, por dois terços dos seus integrantes.
Inexistência de ofensa aos princípios republicano, da separação
de Poderes e da inafastabilidade da tutela jurisdicional.
Observância do princípio da proporcionalidade.
Constitucionalidade das disposições impugnadas, que guardam
simetria com o disposto no artigo 51, inciso I, da Constituição
da República. Manifestação pela procedência parcial do
pedido.”

5. O Procurador-Geral da República opinou pela procedência


integral do pedido, em parecer que recebeu a seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 44, incisos VII e


VIII, e art. 81, caput, da Constituição do Estado do Acre.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 140

ADI 4764 / AC

Processamento e julgamento dos crimes de responsabilidade.


Competência legislativa privativa da União (súmula 722 do
Supremo Tribunal Federal). Exigência de aprovação da
Assembleia Legislativa para recebimento de denúncia, por
crimes comuns, formulada contra o Governador do Estado.
Condição de procedibilidade não prevista na Constituição
Federal. Ofensa aos princípios republicano, da separação de
poderes, da inafastabilidade da jurisdição e da
proporcionalidade. Parecer pela procedência do pedido.”

6. O eminente relator, Min. Celso de Mello, proferiu voto


pela procedência parcial do pedido, para “declarar a inconstitucionalidade
das expressões normativas constantes , respectivamente , dos incisos VII e
VIII do art. 44 ( processar e julgar o Governador (…) nos crimes de
responsabilidade e declarar a procedência da acusação (...) ) e do art. 81 da
Constituição do Estado do Acre ( ou perante a Assembléia Legislativa, nos
crimes de responsabilidade ), reconhecendo , de outro lado , a plena validade
constitucional da expressão normativa ( Admitida a acusação contra o
Governador, por dois terços da Assembléia Legislativa ) inscrita na primeira
parte d o art. 81 dessa mesma Constituição estadual.” (grifos no original).

II. QUESTÕES JURÍDICAS DEBATIDAS

7. A solução do caso reclama o equacionamento de duas


questões: (i) a possibilidade de os Estados-membros estabelecerem em
suas próprias Constituições normas sobre processamento e julgamento de
Governadores por crimes de responsabilidade; e (ii) a constitucionalidade
da exigência de autorização prévia da Assembleia Legislativa local para
instauração de ação penal por crimes comuns praticados pelo
Governador, semelhante àquela presente no art. 51, I, da Constituição
Federal1. É o que se passa a analisar.

1 CRFB/1988, art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar,


por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-
Presidente da República e os Ministros de Estado; (...)

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ADI 4764 / AC

Parte I
INCOMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAREM SOBRE PROCESSO E
JULGAMENTO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE

8. A primeira questão já se encontra pacificada na


jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Tendo em vista as previsões
dos arts. 22, I, e 85, parágrafo único, da Constituição 2, esta Corte já
concluiu que “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa
privativa da União” (Súmula Vinculante 46, resultado da conversão da
Súmula 722/STF). Entre as decisões tomadas em sede de controle
concentrado nessa linha, destacam-se as proferidas nas ADIs 1.890 MC
(Rel. Min. Celso de Mello, j. 10.12.1998) e 1.628 (Rel. Min. Eros Grau, j.
10.08.2006), e, mais recentemente, na ADI 4.791 (Rel. Min. Teori Zavascki,
j. 12.02.2015) e nas ADIs 4.792 e 4.800 (Rel. Min. Cármen Lúcia, j.
12.02.2015), nas quais, por maioria de votos, esta Corte declarou
inconstitucionais dispositivos semelhantes, presentes nas Constituições
Estaduais do Paraná, Espírito Santo e Rondônia, respectivamente,
vencido, nesse ponto, o Min. Marco Aurélio.

9. Assim, acompanho o relator ao reconhecer a


inconstitucionalidade das expressões constantes dos incisos VII e VIII do
art. 44 (‘processar e julgar o Governador (…) nos crimes de responsabilidade e
declarar a procedência da acusação (...)’) e do art. 81 da Constituição do

2 CRFB/1988, art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil,
comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...) Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem
contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre
exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei
orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses
crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

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ADI 4764 / AC

Estado do Acre (‘ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de


responsabilidade’).

Parte II
ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA EXIGÊNCIA DE PRÉVIA LICENÇA DA
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL CONTRA
GOVERNADOR DE ESTADO

10. O tema que considero realmente controvertido diz respeito


à inclusão, nas Constituições Estaduais, de normas que instituem a
chamada “licença-prévia”, ou seja, uma autorização a ser deferida por
deliberação da Assembleia Legislativa estadual como “condição de
procedibilidade” para que sejam iniciadas ações penais por crimes
comuns contra o Governador do Estado.

11. Foi precisamente por entender se tratar de tema polêmico


que consignei, na sessão plenária do dia 12.02.2015, na qual as ADI 4.791
(Rel. Min. Teori Zavascki), 4.792 e 4.800 (Rel. Min. Cármen Lúcia) foram
julgadas, que então votava me alinhando à jurisprudência, mas
reservando-me para repensar a matéria em outra oportunidade, razão
pela qual pedi vista dos presentes autos.

I. A AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS E SEUS LIMITES

12. Como se sabe, a autonomia dos entes federativos (art. 18


da CRFB/19883) corresponde ao poder de autodeterminação exercido
dentro de um círculo pré-traçado pela Constituição, que assegura a cada
um deles o poder de auto-organização, autogoverno e auto-
administração. Nesse sentido, o art. 25 da Constituição da República
prevê que “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis
que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
3 CRFB/1988, art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos,
nos termos desta Constituição.

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ADI 4764 / AC

13. A vinculação das Cartas estaduais à Constituição da


República determina que os Estados: (i) adotem as normas de
observância obrigatória; (ii) optem pela previsão ou não de normas de
reprodução facultativa; e (iii) não editem normas de reprodução proibida.
Essas três implicações do dever de obediência à Constituição Federal –
obrigação, permissão e proibição – levaram a doutrina constitucional a
procurar sistematizar as possibilidades e limites do poder constituinte
estadual.

II. RELAÇÕES ENTRE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A CONSTITUIÇÃO


ESTADUAL

1. Normas de observância obrigatória

14. A Constituição de 1988 traz no seu corpo um conjunto


expressivo de normas que são de observância obrigatória pelos Estados-
membros. Tais disposições, referidas pela doutrina como “normas
centrais”4, podem ser expressas ou implícitas. Delas se extraem
mandamentos ou proibições, vale dizer: elas limitam a capacidade de
auto-organização dos Estados impondo ou interditando determinados
arranjos institucionais. A seguir, uma breve sistematização do tem 5.

15. A primeira categoria de normas de observância obrigatória


é a dos denominados princípios constitucionais sensíveis. Centro nervoso do
sistema federativo, encontram-se eles enunciados taxativamente no art.
34, VII da Constituição. A violação de qualquer desses princípios acarreta
a consequência gravíssima que é a intervenção federal. Confira-se a
textualidade do dispositivo:
4 HORTA, Raul Machado. Normas centrais da Constituição Federal. Revista de Informação
Legislativa, vol. 34, n. 135, jul/set. 1997, p. 175-178.

5 V. HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey,
1995, p. 71-88; e SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 38ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 620-626.

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ADI 4764 / AC

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no


Distrito Federal, exceto para:
...........................................
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios
constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime
democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e
indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de
impostos estaduais, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e
nas ações e serviços públicos de saúde”.

16. O segundo grupo de normas de observância obrigatória


pelos Estados-membros é constituído pelas chamadas normas
constitucionais de preordenação. Essas normas geralmente possuem
natureza institucional e definem, na Constituição Federal,
antecipadamente, a organização dos Poderes e instituições dos Estados-
membros. São exemplos dessas normas as que definem a quantidade de
Deputados na Assembleia Legislativa (art. 27) e a eleição do Governador
e do Vice-Governador (art. 28). São também representativas as normas
que dispõem sobre a estruturação do Ministério Público estadual (art.
128, §§ 3º e 4º) e das Polícias estaduais (art. 144). Essas normas geralmente
são expressas, haja vista traçarem, com algum detalhe, a organização de
instituições estaduais.
17. O terceiro grupo de normas limitadores da autonomia
estadual é formado pelos princípios extensíveis. Trata-se de regras de
organização da União, cuja aplicação se estende aos Estados-membros.
Podem ser indicados como representativos dessa categoria, por exemplo,
a determinação constitucional explícita de que os Tribunais de Contas
estaduais devem se organizar de acordo com o modelo federal (art. 75), e

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a norma de extensão implícita que confere ao Presidente da República a


iniciativa privativa de apresentação de projetos de lei que fixem ou
modifiquem o efetivo das forças armadas (art. 61, § 1º, I), que se estende
aos Estados-membros no que diz respeito à Polícia Militar. Embora não
seja possível afirmar que inexistam normas desse tipo implícitas na
Constituição Federal, sua identificação não é tarefa simples.

18. Por fim, fazem parte do último grupo de normas de


observância obrigatória os princípios estabelecidos. Sua identificação exige
maior esforço interpretativo, comparada à dos demais grupos
mencionados, já que os princípios estabelecidos – além de não
expressamente indicados – são normas limitadoras que não se restringem
à disciplina de natureza organizacional ou institucional. São exemplos de
normas desse último grupo os princípios da Administração Pública (art.
37, caput), os princípios da ordem econômica (art. 170) e os direitos
fundamentais. Portanto, a ideia de princípios estabelecidos é
remanescente e mais ampla, podendo as normas que recaem nesse grupo
ser tanto expressas como implícitas.

19. O Supremo Tribunal Federal invoca com relativa


frequência essas classificações. Confira-se, por exemplo, o seguinte
extrato da ADI 216 (Rel. Min. Célio Borja), na qual se discutia a questão
da necessária observância ou não, pelos Estados-membros, das normas
inerentes ao processo legislativo federal:

“Se é certo que a nova carta política contempla um elenco


menos abrangente de princípios constitucionais sensíveis, a
denotar, com isso, a expansão de poderes jurídicos na esfera das
coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode afirmar
quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios
constitucionais estabelecidos, os quais, embora disseminados
pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua
localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa
autonomia local, cuja identificação – até mesmo pelos efeitos

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restritivos que deles decorrem – impõe-se realizar.”

2. Normas de reprodução facultativa

20. Em respeito à autonomia federativa, também é conferida


ao poder constituinte decorrente a liberdade de reproduzir ou não
algumas normas da Constituição Federal. Em certa medida, a
Constituição Federal confere liberdade aos Estados-membros para exercer
sua capacidade de auto-organização de forma plena, inclusive destoando
das normas constitucionais federais. É o que se passa, por exemplo, com o
disposto no art. 57, § 4º, da Constituição Federal, que dispõe que cada
uma das Casas do Congresso Nacional “reunir-se-á em sessões preparatórias,
a partir de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus
membros e eleição das respectivas Mesas, para o mandato de dois anos, vedada a
recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

21. O Supremo Tribunal Federal já foi chamado a se


manifestar a propósito da obrigação ou não da adoção da parte final
desse artigo pelos Estados-membros. Confira-se a ementa da ADI 793, na
qual se discutiu a questão:

“CONSTITUCIONAL. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA


ESTADUAL: MESA DIRETORA: RECONDUÇÃO PARA O
MESMO CARGO. Constituição do Estado de Rondônia, art. 29,
inc. I, alínea b, com a redação da Emenda Const. Estadual nº
3/92. C.F., art. 57, § 4º. TRIBUNAL DE CONTAS:
CONSELHEIRO: NOMEAÇÃO: REQUISITO DE CONTAR
MENOS DE SESSENTA E CINCO ANOS DE IDADE.
Constituição do Estado de Rondônia, art. 48, § 1º, I, com a
redação da Emenda Const. Estadual nº 3/92. C.F., art. 73, § 1º, I.
I. - A norma do § 4º do art. 57 da C.F. que, cuidando da eleição
das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução
para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente,
não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos
Estados-membros, porque não se constitui num princípio

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constitucional estabelecido. II. - Precedente do STF: Rep 1.245-


RN, Oscar Corrêa, RTJ 119/964. III. - Os requisitos para
nomeação dos membros do Tribunal de Contas da União,
inscritos no art. 73, § 1º, da C.F., devem ser reproduzidos,
obrigatoriamente, na Constituição dos Estados-membros,
porque são requisitos que deverão ser observados na nomeação
dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e
Conselhos de Contas dos Municípios. C.F., art. 75. IV. - Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente, em parte”.
(Rel. Min. Carlos Velloso, j. 03.04.1997 – grifou-se).

22. Destaco, ainda, a esclarecedora passagem do voto do Min.


Carlos Velloso, relator da ADI 793:

“A norma do § 4º do art. 57 não constitui um princípio


constitucional. Ela é, na verdade, simples regra aplicável à
composição das Mesas do Congresso Nacional, norma própria,
aliás, do regimento interno das Câmaras. [...] É que as regras
que dizem respeito à composição das Mesas das Assembléias
Legislativas não são essenciais à federação. A Constituição
Federal, ao dispor, expressamente, sobre as Assembléias
Legislativas dos Estados-membros, estabelecendo regras sobre a
sua composição, no art. 27 e §§, silenciou-se quanto à eleição de
suas Mesas. A regra, portanto, do § 4º do art. 57 da
Constituição Federal não se constitui, por isso mesmo, numa
norma constitucional de reprodução obrigatória nas
Constituições estaduais.
Dir-se-á que a regra inscrita no § 4º do art. 57 da
Constituição Federal é conveniente e oportuna. Penso que sim.
As Assembléias Legislativas dos Estados-membros e as
Câmaras Municipais deviam inscrevê-las nos seus regimentos,
ou as Constituições estaduais deviam copiá-la. A conveniência,
no caso, entretanto, não gera inconstitucionalidade, mesmo
porque não se pode afirmar que a não proibição da recondução
fosse desarrazoada.” (grifou-se)

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23. As normas de reprodução facultativa, portanto, situam-se


no espaço entre as normas de observância obrigatória e as normas de
reprodução proibida, em que o ente federativo exerce sua autonomia
decidindo adotar ou não uma previsão para ele opcional.

3. Normas de reprodução proibida

24. Como já exposto, o poder constituinte decorrente é


limitado não apenas por preceitos da Constituição Federal que ele está
obrigado a observar, mas também por preceitos que ele não está
autorizado a transplantar para as Constituições Estaduais, como já
reconhecido em julgados do Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, na
ADI 314 (Rel. Min. Carlos Velloso, j. 04.09.1991), decidiu-se que as normas
constitucionais que conferem ao Presidente da República a competência
para nomear Ministros de Tribunais Superiores representam disciplina
que não pode ser reproduzida pelos Estados-membros em suas
Constituições. Por essa razão, o STF não reconheceu aos Governadores a
competência para o provimento do cargo de Desembargador, mediante
promoção de juiz de carreira. Foi o que também se passou quando esta
Corte, à unanimidade, deferiu a medida cautelar na ADI 2.599, Rel. Min.
Moreira Alves, j. 07.11.2002, sob o fundamento de que a prerrogativa
prevista no artigo 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal não se estende aos
Governadores, de maneira a lhes conferir iniciativa exclusiva de leis que
disponham sobre matéria tributária e orçamentária, por se tratar apenas
de uma exceção justificada pela natureza peculiar dos Territórios. A
decisão recebeu a seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.616, de 3 de


janeiro de 2002, do Estado de Mato Grosso. Prorrogação de
prazo. - Improcede a alegação de que a lei estadual ora atacada,
por dizer respeito a matéria tributária, seria da iniciativa
exclusiva do Chefe do Poder Executivo Estadual pela aplicação
aos Estados do disposto, no tocante ao Presidente da República,
no artigo 61, § 1º, II, ‘b’, da Constituição, o qual seria aplicável

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aos Estados-membros. E improcede porque esse dispositivo


diz respeito apenas à iniciativa exclusiva do Presidente da
República no tocante às leis que versem matéria tributária e
orçamentária dos TERRITÓRIOS. - Das duas alegações em que
ainda se funda a inicial para sustentar a inconstitucionalidade,
basta a segunda delas - a relativa à ofensa ao disposto no artigo
155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição Federal - para essa
sustentação por sua relevância jurídica que decorre da
jurisprudência desta Corte em vários precedentes referentes a
ações diretas de inconstitucionalidade e relativos à instituição,
por norma estadual, de isenções, não-incidência ou incidência
parcial do ICMS, nos quais se deu pela procedência da alegação
de infringência ao citado dispositivo constitucional. Precedentes
do S.T.F. Liminar deferida, para suspender, ‘ex nunc’, a eficácia
da Lei nº 7.616, de 3 de janeiro de 2002, do Estado de Mato
Grosso.” (grifou-se)

25. Vistas sumariamente as limitações gerais impostas ao


legislador constituinte estadual, passo a analisar mais de perto o
problema ora debatido.

III. PRINCÍPIO REPUBLICANO: SENTIDO, ALCANCE E EXCEÇÕES


ADMISSÍVEIS

26. O princípio republicano tem longa trajetória histórica,


tendo assumido sentidos diversos da antiguidade aos dias de hoje. O
constitucionalismo brasileiro, desde a Constituição de 1891, considerou a
república como forma de governo e princípio fundamental e estruturante
do Estado. É conhecimento convencional que o princípio republicano, ao
lado do princípio democrático e do princípio federativo, integra o núcleo
essencial da Constituição6.

6 Enrique Ricardo Lewandowski, Reflexões em torno do Princípio Republicano. In:


Carlos Mário da Silva Velloso e outros (Coord.), Princípios Constitucionais Fundamentais. Estudos
em Homenagem ao Professor Ives Gandra da Silva Martins, 2001 p. 375.

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27. Na sua acepção contemporânea, o princípio republicano se


concretiza pela presença de três elementos: a eletividade dos governantes,
a temporariedade dos mandatos e a responsabilidade dos agentes
públicos. Para os fins aqui relevantes, merece aprofundamento este
terceiro elemento, que prevê que os governantes respondem politica e
juridicamente por seus atos.

28. A propósito, foi com base nesse aspecto do princípio


republicano que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos,
decidiu que o Estado-membro não dispõe de competência para outorgar
ao Governador prerrogativas extraordinárias inerentes ao Presidente da
República, dispostas no art. 86, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal.
Confira-se a ementa da ADI 978:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -


CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA - OUTORGA DE
PRERROGATIVAS DE CARÁTER PROCESSUAL PENAL AO
GOVERNADOR DO ESTADO - IMUNIDADE A PRISÃO
CAUTELAR E A QUALQUER PROCESSO PENAL POR
DELITOS ESTRANHOS A FUNÇÃO GOVERNAMENTAL -
INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO
REPUBLICANO - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA DA UNIÃO - PRERROGATIVAS INERENTES
AO PRESIDENTE DA REPUBLICA ENQUANTO CHEFE DE
ESTADO (CF/88/88, ART. 86, PAR. 3. E 4.) - AÇÃO DIRETA
PROCEDENTE. PRINCÍPIO REPUBLICANO E
RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES. - A
responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma das
pedras angulares essenciais a configuração mesma da ideia
republicana. A consagração do princípio da responsabilidade
do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista
básica do regime democrático, constitui consequência
necessária da forma republicana de governo adotada pela
Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a
partir da ideia central que lhe é subjacente, o dogma de que

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todos os agentes públicos - os Governadores de Estado e do


Distrito Federal, em particular - são igualmente responsáveis
perante a lei. RESPONSABILIDADE PENAL DO
GOVERNADOR DO ESTADO. - Os Governadores de Estado -
que dispõem de prerrogativa de foro ratione muneris perante o
Superior Tribunal de Justiça (CF/88, art. 105, I, a) - estão
permanentemente sujeitos, uma vez obtida a necessária licença
da respectiva Assembléia Legislativa (RE 153.968-BA, Rel. Min.
ILMAR GALVAO; RE 159.230-PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE), a processo penal condenatório, ainda que as
infrações penais a eles imputadas sejam estranhas ao exercício
das funções governamentais. - A imunidade do Chefe de
Estado a persecução penal deriva de cláusula constitucional
exorbitante do direito comum e, por traduzir consequência
derrogatória do postulado republicano, só pode ser outorgada
pela própria Constituição Federal. Precedentes: RTJ 144/136,
Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; RTJ 146/467, Rel. Min.
CELSO DE MELLO. Analise do direito comparado e da Carta
Política brasileira de 1937. IMUNIDADE A PRISÃO
CAUTELAR - PRERROGATIVA DO PRESIDENTE DA
REPUBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA EXTENSAO,
MEDIANTE NORMA DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, AO
GOVERNADOR DO ESTADO. - O Estado-membro, ainda que
em norma constante de sua própria Constituição, não dispõe de
competência para outorgar ao Governador a prerrogativa
extraordinária da imunidade a prisão em flagrante, a prisão
preventiva e a prisão temporária, pois a disciplinação dessas
modalidades de prisão cautelar submete-se, com exclusividade,
ao poder normativo da União Federal, por efeito de expressa
reserva constitucional de competência definida pela Carta da
Republica. - A norma constante da Constituição estadual - que
impede a prisão do Governador de Estado antes de sua
condenação penal definitiva - não se reveste de validade
jurídica e, consequentemente, não pode subsistir em face de
sua evidente incompatibilidade com o texto da Constituição
Federal. PRERROGATIVAS INERENTES AO PRESIDENTE DA

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REPUBLICA ENQUANTO CHEFE DE ESTADO. - Os Estados-


membros não podem reproduzir em suas próprias
Constituições o conteúdo normativo dos preceitos inscritos no
art. 86, PAR.3. e 4., da Carta Federal, pois as prerrogativas
contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental - por
serem unicamente compatíveis com a condição institucional
de Chefe de Estado - são apenas extensíveis ao Presidente da
Republica.”(ADI 978. Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 19.10.1995)

29. O STF assentou, assim, que os §§ 3º e 4º do art. 86, por


serem exceções ao princípio republicano, constituem normas
constitucionais federais de extensão proibida aos Estados-membros 7.
Exceções ao princípio somente podem ser instituídas na própria
Constituição Federal. O tópico seguinte trata exatamente da questão
acerca de quem está autorizado a estabelecer exceções ao princípio
republicano.

30. Em síntese, o princípio republicano pode ser considerado


uma norma de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, ou, mais
especificamente, um princípio constitucional sensível (CRFB/1988, art. 34,
VII, a8), e as exceções a ele previstas na própria Constituição Federal,
salvo disposição expressa em contrário, são normas de reprodução
proibida nas Cartas estaduais. À luz dessas considerações, cabe analisar a
constitucionalidade da previsão, em Constituição estadual, de licença
prévia da Assembleia Legislativa para processar Governadores por
crimes comuns. E, considerando que a questão não é nova neste Tribunal,
deve-se começar pela jurisprudência da Corte.

IV. A JURISPRUDÊNCIA DO STF SOBRE LICENÇA PRÉVIA E SEUS

7 Léo Ferreira Leoncy, Controle de Constitucionalidade Estadual: As Normas de Observância


Obrigatória e a Defesa Abstrata da Constituição do Estado-Membro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27.

8 CRFB/1988, art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto
para: (...) VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma
republicana, sistema representativo e regime democrático; (...)

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FUNDAMENTOS

31. No início da década de 1990, a questão foi discutida nesta


Corte no RE 159.230, que validou a exigência de licença prévia, em
acórdão com a seguinte ementa:

“Governador de Estado: processo por crime comum:


competência originária do Superior Tribunal de Justiça que não
implica a inconstitucionalidade da exigência pela Constituição
Estadual da autorização previa da Assembléia Legislativa. I - A
transferência para o STJ da competência originária para o
processo por crime comum contra os Governadores, ao invés de
elidi-la, reforça a constitucionalidade da exigência da
autorização da Assembléia Legislativa para a sua instauração:
se, no modelo federal, a exigência da autorização da Câmara
dos Deputados para o processo contra o Presidente da
República finca raízes no princípio da independência dos
poderes centrais, a mesma inspiração se soma o dogma da
autonomia do Estado-membro perante a União, quando se
cuida de confiar a própria subsistência do mandato do
Governador do primeiro a um órgão judiciário federal. II - A
necessidade da autorização prévia da Assembléia Legislativa
não traz o risco, quando negadas, de propiciar a impunidade
dos delitos dos Governadores: a denegação traduz simples
obstáculo temporário ao curso de ação penal, que implica,
enquanto durar, a suspensão do fluxo do prazo prescricional”.
(RE 159.230, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 28.03.1994 – grifou-
se)

32. Na década seguinte, esse entendimento foi reiterado no


HC 80.511, assim ementado:

“HABEAS CORPUS - GOVERNADOR DE ESTADO -


INSTAURAÇÃO DE PERSECUÇÃO PENAL -
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA - NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO A

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ADI 4764 / AC

SER DADA PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO -


EXIGÊNCIA QUE DECORRE DO PRINCÍPIO DA
FEDERAÇÃO - HABEAS CORPUS DEFERIDO.
PRINCÍPIO REPUBLICANO E RESPONSABILIDADE
PLENA DOS GOVERNANTES.
- A responsabilidade dos governantes tipifica-se como
uma das pedras angulares essenciais à configuração mesma da
idéia republicana ( RTJ 162/462-464). A consagração do
princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo,
além de refletir uma conquista básica do regime democrático,
constitui conseqüência necessária da forma republicana de
governo adotada pela Constituição Federal.
O princípio republicano exprime, a partir da idéia central
que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos
- os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em
particular - são igualmente responsáveis perante a lei.

RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR


DO ESTADO. - Os Governadores de Estado - que dispõem de
prerrogativa de foro ratione muneris, perante o Superior
Tribunal de Justiça (CF/88, art. 105, I, a) - estão sujeitos, uma vez
obtida a necessária licença da respectiva Assembléia Legislativa
(RTJ 151/978-979 - RTJ 158/280 - RTJ 170/40-41 -
Lex/Jurisprudência do STF 210/24-26), a processo penal
condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas
sejam estranhas ao exercício das funções governamentais.

CONTROLE LEGISLATIVO DA PERSECUÇÃO PENAL


INSTAURADA CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO.
- A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal
Federal, atenta ao princípio da Federação, impõe que a
instauração de persecução penal, perante o Superior Tribunal
de Justiça, contra Governador de Estado, por supostas práticas
delituosas perseguíveis mediante ação penal de iniciativa
pública ou de iniciativa privada, seja necessariamente
precedida de autorização legislativa, dada pelo Poder

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ADI 4764 / AC

Legislativo local, a quem incumbe, com fundamento em juízo


de caráter eminentemente discricionário, exercer verdadeiro
controle político prévio de qualquer acusação penal deduzida
contra o Chefe do Poder Executivo do Estado-membro,
compreendidas, na locução constitucional crimes comuns, todas
as infrações penais (RTJ 33/590 - RTJ 166/785-786), inclusive as
de caráter eleitoral (RTJ 63/1 - RTJ 148/689 - RTJ 150/688-689), e,
até mesmo, as de natureza meramente contravencional ( RTJ
91/423).
Essa orientação - que submete, à Assembléia Legislativa
local, a avaliação política sobre a conveniência de autorizar-se,
ou não, o processamento de acusação penal contra o
Governador do Estado - funda-se na circunstância de que,
recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo Superior Tribunal
de Justiça, dar-se-á a suspensão funcional do Chefe do Poder
Executivo estadual, que ficará afastado, temporariamente, do
exercício do mandato que lhe foi conferido por voto popular,
daí resultando verdadeira destituição indireta de suas
funções, com grave comprometimento da própria autonomia
político-institucional da unidade federada que dirige.” (HC
80.511, Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, j. 21.08.2001 –
grifou-se)

33. Em julgamentos recentes, o Plenário do Supremo Tribunal


Federal considerou constitucionalmente válidas disposições de outras
Constituições estaduais que conferiram competência às Assembleias
Legislativas locais para autorizar, em juízo prévio, a instauração de
persecução penal, perante o Superior Tribunal de Justiça, contra o
Governador do Estado. Na ADI 4.791 (Rel. Min. Teori Zavascki, j.
12.02.2015), restou decidido, por maioria, que:

“2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é


no sentido de considerar legítimas as normas de
Constituições Estaduais que subordinam a deflagração
formal de um processo acusatório contra o Governado do
Paraná a um juízo político da Assembleia Legislativa local.

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ADI 4764 / AC

Eventuais episódios de negligência deliberada das


Assembleias Legislativas não constituem fundamento
idôneo para justificar a mudança dessa jurisprudência,
cabendo considerar que a superveniência da EC 35/01,
que suprimiu a necessidade de autorização legislativa
para processamento de parlamentares, não alterou a
situação jurídica dos Governadores. Precedente.” (grifou-
se)

34. Nas ADI 4.792 e 4.800 (Rel. Min. Cármen Lúcia, j.


12.02.2015), também se decidiu:

“2. Constitucionalidade das normas estaduais que, por


simetria, exigem a autorização prévia da assembleia
legislativa como condição de procedibilidade para instauração
de ação contra governador (art. 51, inc. I, da Constituição da
República).” (grifou-se)

35. Das decisões mencionadas, é possível extrair cinco


fundamentos determinantes que conduziram esta Corte, por maioria de
votos, a considerar constitucional a chamada licença prévia. São eles: (i)
respeito à autonomia federativa; (ii) a circunstância de que, recebida a
denúncia ou a queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça, dar-se-á a
suspensão funcional do Chefe do Poder Executivo estadual, que ficará
afastado, temporariamente, do exercício do mandato que lhe foi conferido
por voto popular; (iii) a Constituição Federal exigiria, por simetria, a
reprodução nas Cartas estaduais de norma semelhante à prevista no art.
51, I, da Constituição Federal; (iv) a superveniência da Emenda
Constitucional nº 35/2001, que suprimiu a necessidade de autorização
legislativa para processamento de parlamentares, não incluindo
Governadores, evidenciaria que a Constituição Federal autoriza ou
continua autorizando o poder constituinte decorrente a instituir a
chamada “condição de procedibilidade”; e, por fim, (v) a instituição da
autorização prévia da Assembleia Legislativa não traz o risco de
propiciar, quando negada, a impunidade dos Governadores, já que a

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denegação implica a suspensão do fluxo do prazo prescricional. Um


argumento adicional não raramente mencionado é o da (vi)
governabilidade, invocado para sustentar a necessidade da licença prévia
para proteger a estabilidade do governo local.

36. Todos os argumentos deduzidos pela jurisprudência até


aqui vigorante são relevantes. Penso, porém, que mudanças na realidade
institucional e novas demandas por parte da sociedade recomendam uma
revisita à questão. Com efeito, a revitalização do princípio republicano, o
inconformismo social com a impunidade dos agentes públicos e as
renovadas aspirações por moralidade na política, a meu ver, provocaram
uma mutação constitucional no tratamento da matéria.

V. BREVE NOTA TEÓRICAS SOBRE O FENÔMENO DA MUTAÇÃO


9
CONSTITUCIONAL

37. As Constituições têm vocação de permanência10. Nada


obstante isso, não são eternas nem podem ter a pretensão de ser
imutáveis. A modificação da Constituição pode se dar por via formal e
por via informal. A via formal se manifesta por meio da reforma
constitucional, procedimento previsto na própria Carta disciplinando o
modo pelo qual se deve dar sua alteração. Tal procedimento, como regra
geral, será mais complexo que o da edição da legislação ordinária. De tal
circunstância resulta a rigidez constitucional. Já a alteração por via informal
se dá pela denominada mutação constitucional, mecanismo que permite a
transformação do sentido e do alcance de normas da Constituição, sem
que se opere, no entanto, qualquer modificação do seu texto. A mutação
está associada à plasticidade de que são dotadas inúmeras normas
constitucionais.
9 Trato desse tema, em sede doutrinária, em Luís Roberto Barroso, Curso de direito
constitucional contemporâneo, 2015, p. 157 e s.

10 Raul Machado Horta, Permanência e mudança na Constituição. In: Curso de direito


constitucional, 2002, p. 97: “A permanência da Constituição é a idéia inspiradora do
constitucionalismo moderno”.

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38. É possível dizer-se, então, que a mutação constitucional


consiste em uma alteração do significado de determinada norma da
Constituição, sem observância do mecanismo constitucionalmente
previsto para as emendas e, além disso, sem que tenha havido qualquer
modificação de seu texto. Este novo sentido ou alcance do mandamento
constitucional pode decorrer de uma mudança na realidade fática ou de
uma nova percepção do Direito, uma releitura do que deve ser
considerado ético ou justo. Para que seja legítima, a mutação precisa ter
lastro democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social
efetiva por parte da coletividade, estando respaldada, portanto, pela
soberania popular.

39. A mutação constitucional se realiza por via da


interpretação feita por órgãos estatais ou por meio dos costumes e
práticas políticas socialmente aceitas. Como intuitivo, a mutação
constitucional tem limites, e se ultrapassá-los estará violando o poder
constituinte e, em última análise, a soberania popular. É certo que as
normas constitucionais, como as normas jurídicas em geral, libertam-se
da vontade subjetiva que as criou. Passam a ter, assim, uma existência
objetiva, que permite sua comunicação com os novos tempos e as novas
realidades. Mas esta capacidade de adaptação não pode desvirtuar o
espírito da Constituição. Por assim ser, a mutação constitucional há de
estancar diante de dois limites: a) as possibilidades semânticas do relato
da norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo
interpretado ou afetado; e b) a preservação dos princípios fundamentais
que dão identidade àquela específica Constituição. Se o sentido novo que
se quer dar não couber no texto, será necessária a convocação do poder
constituinte reformador. E se não couber nos princípios fundamentais,
será preciso tirar do estado de latência o poder constituinte originário.

40. A mutação constitucional por via interpretativa não se


confunde com outras figuras, como a interpretação construtiva e a

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interpretação evolutiva11. Consiste ela na mudança de sentido da norma,


em contraste com entendimento pré-existente. Como só existe norma
interpretada, a mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante
da alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da
interpretação judicial, haverá mutação constitucional quando, por
exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a determinada
norma constitucional sentido diverso do que fixara anteriormente, seja
pela mudança da realidade social ou por uma nova percepção do
Direito12.

41. Exemplo emblemático de mutação constitucional por


interpretação judicial ocorreu em relação ao denominado foro por
prerrogativa de função, critério de fixação de competência jurisdicional
previsto constitucionalmente13. Por muitas décadas, inclusive sob a
vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal entendeu
que o foro privilegiado subsistia mesmo após o agente público haver

11 Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, Curso de direito constitucional contemporâneo, 2015,
p. 164-5: “A interpretação construtiva consiste na ampliação do sentido ou extensão do alcance da
Constituição – seus valores, seus princípios – para o fim de criar uma nova figura ou uma nova
hipótese de incidência não prevista originariamente, ao menos não de maneira expressa. Já a
interpretação evolutiva se traduz na aplicação da Constituição a situações que não foram
contempladas quando de sua elaboração e promulgação, por não existirem nem terem sido
antecipadas à época, mas que se enquadram claramente no espírito e nas possibilidades
semânticas do texto constitucional”.

12 É bem de ver que a mutação constitucional é um fenômeno mais profundo do que a


simples mudança de jurisprudência, que pode se dar por mera alteração do ponto de vista do
julgador ou por mudança na composição do tribunal.

13 A Constituição de 1988, assim como faziam as Cartas anteriores, atribuiu a


determinados Tribunais a competência originária para o conhecimento de ações penais
ajuizadas contra certos agentes públicos. Ao tratar do Supremo Tribunal Federal, a Constituição
prevê (art. 102, I, b e c) que a ele competirá conhecer de ações penais propostas em face, dentre
outros, do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Deputados Federais e dos
Senadores. Essa figura, tradicional no direito constitucional brasileiro, é frequentemente
denominada de prerrogativa de foro ou de função.

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deixado o cargo ou função, tendo inclusive consolidado esse


entendimento no enunciado n. 394 da Súmula da Jurisprudência
Dominante14. Em 1999, todavia, a Corte alterou sua linha de
entendimento e cancelou o verbete da Súmula, passando a afirmar que a
competência especial somente vigoraria enquanto o agente estivesse na
titularidade do cargo ou no exercício da função15. Neste exemplo, como se
constata singelamente, atribuiu-se ao mesmo dispositivo – o art. 102, I, b
da Constituição – sentidos diametralmente opostos ao longo do tempo,
sem qualquer alteração de seu texto16.
42. Em suma da digressão doutrinária aqui levada a efeito:
mudanças na realidade fática e na percepção do direito, como as
ocorridas no contexto aqui relatado, devem conduzir a uma mudança na
interpretação constitucional da matéria.

VI. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

14 Súmula n. 394: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a


competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele exercício”.

15 STF, DJU 9.nov. 2001, QO no Inq 687/DF, Rel. Min. Sydney Sanches. Em comprovação
da natureza controvertida da matéria, assinale-se que ficaram vencidos os Ministros Sepúlveda
Pertence, Nelson Jobim, Néri da Silveira e Ilmar Galvão, que votaram no sentido de modificar a
redação da súmula apenas para que ela refletisse mais fielmente o teor dos precedentes que lhe
deram origem. A redação proposta era a seguinte: “Cometido o crime no exercício do cargo ou a
pretexto de exercê-lo, prevalece a competência por prerrogativa de função, ainda que o
inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício funcional”.

16 De fato, durante longo período, a norma constitucional foi interpretada no sentido de


que a competência do Supremo Tribunal Federal estava associada ao ato praticado pelo agente
público, sendo indiferente que o réu houvesse deixado o cargo ou função após a sua prática. A
partir da decisão no Inq. 687, a Corte passou a entender, justamente ao revés, que a competência
está vinculada à circunstância de o agente público encontrar-se no exercício do cargo ou função.
Note-se que a Constituição de 1988 nada diz de forma expressa sobre esse aspecto da questão,
limitando-se a descrever a competência do STF sem maiores considerações, assim como também
não o diziam as Cartas anteriores.

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43. Enfrentam-se, a seguir, de modo sucinto, os argumentos já


utilizados na jurisprudência do STF, e que aqui se pretende superar. O
primeiro deles é o argumento da autonomia dos Estados-membros. Como
visto, um dos elementos essenciais da forma federativa de Estado é a
capacidade de auto-organização dos entes federados, a ser exercida,
contudo, dentro dos limites impostos pela Constituição. Como se
procurou aqui demonstrar, um desses limites é o princípio republicano,
em cujo núcleo essencial se encontra a ideia de responsabilidade dos
governantes. Vale dizer: ao se auto-organizarem, não podem os Estados-
membros vulnerar o princípio republicano. Pois bem: o art. 51, I da
Constituição Federal contém norma de exceção ao princípio republicano,
competência que somente o poder constituinte federal pode exercer
legitimamente. Trata-se de norma de extensão proibida aos Estados-
membros, à falta de autorização constitucional para tanto.

44. O segundo argumento baseia-se na previsão da suspensão


funcional automática do Governador, na hipótese de ser recebida a
denúncia ou a queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça 17. Esse
argumento suscita duas objeções fundamentais. Em primeiro lugar, a
suspensão funcional só existe por previsão das próprias Constituições
estaduais, que reproduzem em seus textos o art. 86, § 1º, I, da
Constituição Federal18. Diante disso, argumentar em favor da
constitucionalidade da licença prévia com base na possibilidade de
suspensão funcional automática equivale a um juízo sobre a
constitucionalidade de uma norma constitucional estadual com base em
outra norma constitucional estadual. Em segundo lugar, se a norma do art.
51, I, não é de reprodução permitida aos Estados-membros, a do art. 86, §
1º, I, que só existe em função dela, tampouco o é, já que esta só se justifica
17 Assim dispõe a Constituição do Estado do Acre: “Art. 82. O Governador ficará suspenso de
suas funções: I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Superior
Tribunal de Justiça”

18 CRFB/1988, art. 86, § 1º. O Presidente ficará suspenso de suas funções: I - nas infrações
penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; (...)

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em razão daquela.

45. O terceiro argumento baseia-se no princípio da simetria.


Cada vez mais questionado na jurisprudência do próprio Tribunal, tal
princípio imporia aos Estados-membros a reprodução obrigatória do
modelo federal em relação a alguns temas. Ora bem: aqui, não apenas não
se trata de norma de reprodução obrigatória como, mais que isso, trata-se
de previsão de reprodução proibida, por constituir exceção ao princípio
republicano, que só o constituinte federal poderia instituir, como
demonstrado acima. Em suma: o art. 51, I é norma de reprodução vedada
aos Estados, e não de reprodução obrigatória ou facultativa, não se
aplicando, portanto, o denominado princípio da simetria.

46. O quarto argumento baseia-se no objeto da Emenda


Constitucional nº 35/2001. Tal emenda suprimiu a necessidade de
autorização legislativa para a instauração de ação penal contra Deputado
e Senador. O argumento aqui é de que a não referência a Governador, na
EC 35/2001, significaria a admissão da sistemática de licença prévia
adotada em relação a eles por algumas Constituições estaduais. Note-se
bem: tal possibilidade não consta da Constituição Federal, mas de
algumas Constituições estaduais. Tal ponto de vista não tem
embasamento na interpretação histórica da referida emenda. Ao longo de
sua tramitação, em momento algum se cogitou da situação dos
Governadores de Estado, da legitimidade ou conveniência de se exigir
prévio pronunciamento legislativo para processá-los criminalmente.
Tampouco a interpretação sistemática favorece esse ponto de vista. Com
efeito, a situação do Presidente da República – que só pode ser
processado criminalmente após autorização da Câmara dos Deputados –
é singular, por sua condição de chefe de Estado e de Governo, bem como
de representante da soberania nacional. Não há razão que legitime
transplantar tal modelo para os Governadores.

47. O quinto argumento baseia-se na ideia de a instituição da

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autorização prévia da Assembleia Legislativa não trazer o risco de


propiciar, quando negada, a impunidade dos Governadores, já que a
denegação implica apenas a suspensão do prazo prescricional. Ocorre,
todavia, que a denegação enseja também o impedimento da instrução
processual, inviabilizando investigações criminais e favorecendo o
perecimento de provas. Além disso, a instauração de processos criminais
contra governadores sem a licença prévia não significa, obviamente, sua
condenação. Esta é eventual. O que se garante é o não comprometimento
da instrução criminal necessária para a responsabilização dos
governantes.

VII. IMPUNIDADE E NÃO-REPUBLICANISMO

48. Há quem utilize, ainda, um último argumento,


sustentando que a exigência de licença prévia da Assembleia Legislativa
favorece a governabilidade. Em uma República, a governabilidade não
pode se dar à custa da não responsabilização dos governantes locais. E,
no plano estadual, é exatamente isso o que ocorre: a exigência de licença-
prévia significa não responsabilização e impunidade. Em informações
prestadas em 19.02.2015 pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça,
contendo dados levantados a partir de 20.12.2003, constata-se que o STJ
formulou aos Poderes Legislativos dos Estados e do Distrito Federal 52
pedidos de autorização para processar governadores. Todavia, a somente
1 desses pedidos houve autorização da respectiva Casa Legislativa.
Quanto aos demais, 36 não foram respondidos, com a consequente baixa
do processo em virtude da perda superveniente do foro por prerrogativa
de função, e 15 foram negados.

49. Esses números são extraordinariamente loquazes da


violação ao princípio republicano nos Estados-membros e fornecem uma
confirmação particularmente irrefutável da intuição de que a instituição
de licenças prévias nas unidades federativas serve a propósitos não
republicanos, estando à disposição de governos de coalizão. A distorção

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do instituto, portanto, mostra-se flagrante. Por essa razão, e com a devida


vênia, penso que uma governabilidade não republicana jamais poderá ser
invocada para justificar uma exceção ao princípio republicano não
autorizada pela Constituição Federal.

50. Uma última observação: se a jurisprudência desta Corte


(ADI 978) considera violado o princípio republicano quando as
Constituições Estaduais adotam regras semelhantes às dos §§ 3º e 4º do
art. 8619, não há razão suficientemente convincente para não estender o
mesmo raciocínio no que diz respeito ao art. 51, I, da Constituição
Federal. Em ambos os casos é flagrante a violação ao princípio
republicano, tendo em vista que todas essas normas são de extensão
proibida aos Estados-membros. Entendo, portanto, que a condição de
procedibilidade prevista no art. 51, I, da Constituição Federal é norma de
caráter igualmente excepcionalíssimo, não podendo ser estendia aos
Governadores.

VIII.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO AFASTAMENTO
AUTOMÁTICO DO GOVERNADOR DE ESTADO

51. No modelo federal, o Presidente da República somente


ficará suspenso de suas funções se recebida a denúncia ou queixa-crime
pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, antes disso, a Constituição exige
que a acusação contra o Presidente da República seja admitida por dois
terços da Câmara dos Deputados (art. 86, § 1º, I, CF). Tendo em vista que
as Constituições estaduais não podem estabelecer a chamada “licença
prévia”, que equivale àquela admissão, também não podem elas autorizar
o afastamento automático do governador quando recebida a denúncia ou
aceita a queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça. É que, como não
pode haver controle político prévio, não deve haver afastamento
19 CRFB/1988, art. 86, § 3º. Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações
comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão. § 4º. O Presidente da República,
na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de
suas funções.

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automático, sob pena de violação ao princípio democrático.

52. Portanto, se, por um lado, permitir o processamento de


governadores por crimes comuns sem prévia autorização da
correspondente Assembleia Legislativa preserva o princípio republicano,
por outro, admitir seu afastamento automático de suas funções pelo
simples recebimento de denúncia ou aceitação de queixa-crime
representa grave ameaça ao princípio democrático, já que um
representante do povo democraticamente eleito será afastado por meio de
ato jurisdicional que sequer reclama fundamentação. A propósito, é
pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o recebimento da
denúncia, por não se equiparar a ato de caráter decisório, não reclama
fundamentação. Esta compreensão está exemplarmente traduzida na
ementa do seguinte julgamento:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL


PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DECORRENTE DA
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA: IMPROCEDÊNCIA.
PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no
sentido de que o ato judicial que formaliza o recebimento da
denúncia oferecida pelo Ministério Público não se qualifica nem
se equipara, para os fins a que se refere o art. 93, inciso IX, da
Constituição, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de
admissibilidade da acusação penal, ainda que desejável e
conveniente a sua motivação, não reclama, contudo,
fundamentação. Precedentes.
2. Ordem denegada.
(HC 101.971, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j.
em 21.06.2011, DJe 02.09.2011)

53. Esse entendimento consta de vários outros precedentes,


dentre os quais os seguintes: HC 93.056 (Rel. Min. Celso de Mello,
Segunda Turma, j. em 16.12.2008, DJe 14.05.2009) e RHC 118.379 (Rel.

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Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. em 11.03.2014, DJe 31.03.2014).

54. Portanto, por meio de uma decisão sem caráter decisório,


um juiz que não é eleito pelo povo poderia afastar um governador de
Estado democraticamente eleito através de um sistema majoritário de
maioria absoluta. Não há dúvidas de que essa possibilidade enseja o
amesquinhamento do princípio democrático.

55. Penso ser sempre dever do intérprete buscar a


concordância prática entre normas constitucionais, a fim de preservar, ao
máximo possível, os valores e interesses em jogo em casos como o
presente que envolve a necessidade de proteção tanto do princípio
republicano quanto do princípio democrático. É preciso, portanto, buscar
uma harmonização entre princípios em tensão, de modo a evitar o
sacrifício de um em relação ao outro.

56. Assim, para preservar os princípios republicano e


democrático simultaneamente e na maior medida possível, é necessário
que também se impeça a possibilidade de as Constituições Estaduais
autorizarem a automática suspensão dos Governadores de suas funções
pelo mero recebimento da denúncia ou aceitação da queixa-crime feitas
contras eles.

57. Sem a previsão de afastamento imediato, também aos


Governadores são aplicáveis as medidas cautelares diversas da prisão
prevista no art. 319 do Código de Processo Penal, entre elas “a suspensão
do exercício de função pública”. Ressalte-se que outras medidas além das
previstas no art. 319 do CPC podem ser tomadas pelo juízo com base no
poder geral de cautela conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro aos
juízes.

58. Ainda quanto a este ponto, importa ressaltar que a decisão


que determinar a suspensão do exercício da função, além dever ser

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devidamente fundamentada, é recorrível. Acrescente-se a isso o fato de


ela poder ser revogada, quando se verificar a falta de motivo para que
subsista (art. 282, § 5º, CPP).

59. Nesse cenário, o afastamento do Governador do exercício


de suas funções já não mais será automático, como é hoje, já que essa
suspensão dependerá de decisão judicial fundamentada e recorrível, e
não apenas do mero recebimento da denúncia ou queixa-crime, ato
jurisdicional sem cunho decisório do qual sequer se exige
fundamentação. Dessa forma, a proibição da licença prévia, conjugada
com o não afastamento automático dos Governadores, se revela benéfica
tanto ao princípio republicano como ao princípio democrático.

IX. RAZÕES ADICIONAIS: SEPARAÇÃO DE PODERES E COMPETÊNCIA


LEGISLATIVA DA UNIÃO FEDERAL

60. Ao instituir a exigência de licença prévia como condição de


procedibilidade para a instauração de ação penal contra Governadores, a
Constituição do Estado viola o princípio fundamental da separação de
Poderes (CF, art. 2º) e a competência legislativa da União Federal. De fato,
subordinar a atuação de juízes e tribunais a uma prévia manifestação de
outro Poder, fora dos casos de previsão expressa na Constituição Federal,
tolhe competência material típica do Poder Judiciário. Em segundo lugar,
a exigência de prévia autorização legislativa constitui norma de natureza
processual, sendo certo que somente a União detém competência para
legislar sobre processo (CF, art. 22, I).

CONCLUSÃO

61. Diante do exposto, julgo integralmente procedente o


pedido, para declarar a inconstitucionalidade das expressões constantes
do art. 44, VII, (“processar e julgar o Governador (...) nos crimes de

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responsabilidade”) e do art. 81, parte final, (“ou perante a Assembleia


Legislativa, nos crimes de responsabilidade”), assim como as expressões do
art. 44, VIII (“declarar a procedência da acusação”) e do art. 81, caput,
primeira parte (“Admitida a acusação contra o Governador do Estado, por dois
terços da Assembléia Legislativa”), todos da Constituição do Estado do Acre.

62. Tendo em vista que o art. 82, I, da Constituição do Estado


do Acre (“Art. 82. O Governador ficará suspenso de suas funções: I - nas
infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Superior
Tribunal de Justiça”), apresenta relação de dependência com as expressões
do art. 44, VIII (“declarar a procedência da acusação”) e do art. 81, caput,
primeira parte (“Admitida a acusação contra o Governador do Estado, por dois
terços da Assembléia Legislativa”), da mesma Constituição, declaro-o
também inconstitucional, por arrastamento.

63. Fixação da seguinte tese: “É vedado às unidades federativas


instituírem normas que condicionem a instauração de ação penal contra o
Governador, por crime comum, à prévia autorização da casa legislativa, cabendo
ao Superior Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de
medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo".

64. É como voto.

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Confirmação de Voto

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04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): O voto


que proferi na presente ação direta traduz orientação jurisprudencial que
se firmou nesta Corte e que tem por fundamento o princípio federativo,
como resulta claro das razões expostas em meu pronunciamento.

Cabe ressaltar, de outro lado, por oportuno, que o “leading case” na


matéria data de algumas décadas, pois o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, em 23/11/1964, ao julgar o HC 41.296/DF, Rel. Min.
GONÇALVES DE OLIVEIRA (caso Mauro Borges), enfatizou que se
impunha observar, para efeito de válida e legítima instauração de persecução
penal contra Governador de Estado, requisito de procedibilidade
consistente em prévia autorização da respectiva Assembleia Legislativa:

“(…) Caso do Governador Mauro Borges, de Goiás.


Deferimento de liminar em ‘habeas corpus’ preventivo por despacho
do Ministro Relator, dada a urgência da medida. (…). Os
Governadores respondem criminalmente perante o Tribunal de
Justiça, depois de julgada procedente a acusação pela
Assembléia Legislativa. Nos crimes comuns, a que se refere a
Constituição, incluem-se todos e quaisquer delitos da jurisdição
penal ordinária ou da jurisdição militar. (…). Concessão da ordem,
para que o Governador somente seja processado após julgada
procedente a acusação pela Assembléia Legislativa.” (grifei)

De qualquer maneira, no entanto, reconheço que esta Corte, na


sessão plenária de ontem, dia 03/05/2017, no julgamento da
ADI 5.540/MG, procedeu à revisão da diretriz jurisprudencial que até
agora prevaleceu na matéria em exame.

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Supremo Tribunal Federal
Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 64 de 140

ADI 4764 / AC

Desse modo, e não obstante as brilhantes razões expostas no voto do


eminente Ministro ROBERTO BARROSO, peço vênia para manter o voto
que proferi em 05/08/2015, acentuando, no entanto, que, em respeito ao
princípio da colegialidade, passarei a observar a nova orientação desta Corte
no tema em questão.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Trata-se de ação


direta proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, tendo por objeto o art. 44, VII e VIII, e o art. 81, ambos da
Constituição do Estado do Acre, que dispõem sobre processamento e
julgamento de crimes de responsabilidade e de crimes comuns praticados
pelo Governador do Estado.
O requerente alega que esses dispositivos da Constituição Estadual
seriam inconstitucionais, uma vez que: (a) invadiriam a competência
privativa da União para legislar sobre crimes de responsabilidade; e (b)
violariam, ao estabelecerem condição de procedibilidade para o exercício
da função jurisdicional, o princípio da separação dos poderes, o princípio
republicano e o princípio do acesso ao Poder Judiciário.
O eminente Relator, Ministro CELSO DE MELLO, determinou o
processamento da ação pelo rito do art. 12 da Lei 9.868/1999.
Intimada a prestar informações, a Assembleia Legislativa defendeu a
validade das normas impugnadas. Sustentou que o art. 78 da Lei
1.079/1950, recepcionada pela CF/1988 com status de lei complementar,
conferiria à Constituição Estadual a possibilidade de regular o rito para o
julgamento dos crimes de responsabilidade, pelo que não haveria
usurpação de competência legislativa da União.
O Advogado-Geral da União opinou pela procedência parcial da
ação, reconhecida a violação à competência legislativa da União para
legislar sobre crimes de responsabilidade, mas entendeu ausente
qualquer ofensa aos princípios republicano, da separação de poderes e da
inafastabilidade da Jurisdição em decorrência da exigência de prévia
autorização da Assembleia Legislativa para o processamento de ações
penais comuns.
O Procurador-Geral da República, por seu turno, opinou no mesmo
sentido, reconhecendo a inconstitucionalidade formal das disposições

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 4764 / AC

estaduais atinentes ao julgamento por crimes de responsabilidade. Por


outro lado, no tocante à exigência de prévia autorização da Assembleia
para o processamento de ações penais por crimes comuns em face do
Governador, entendeu o Procurador-Geral se tratar de condição de
procedibilidade que “não significa irresponsabilidade penal dos
governantes, não desqualifica o princípio republicano nem a
inafastabilidade da jurisdição e que se afirma em face do princípio da
Federação e da autonomia político-institucional dos Estados-membros”.
Iniciado o julgamento na sessão do Tribunal Pleno de 5/8/2015, foi
proferido voto pelo eminente Ministro CELSO DE MELLO, relator, no
sentido da parcial procedência da ação. Sua Excelência reconheceu a
inconstitucionalidade das expressões constantes dos incisos VII e VIII do
art. 44 (“processar e julgar o Governador”, “nos crimes de responsabilidade”,
“declarar a procedência da ação”) e do art. 81 (“ou perante a Assembleia
Legislativa, nos crimes de responsabilidade”), mas reputou válida a exigência
de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o processamento de
ação penal perante o STJ em face do Governador.
Naquela assentada, após o voto do Ministro Relator, pediu vista o
Ministro ROBERTO BARROSO.
O mérito da presente ADI e de várias semelhantes se resume à
análise da extensão automática de previsões excepcionais, mesmo que
temporárias, nas constituições estaduais, de subtração na aplicação do
princípio republicano de responsabilização e igualdade na aplicação da
lei aos Governadores, em face da existência dessas mesmas normas-
obstáculos estabelecidas para o Presidente da República no texto da
Constituição Federal.
Na Constituição do Estado do Acre consta:

Art. 44. Compete privativamente à Assembleia Legislativa:


(...)
VII – processar e julgar o Governador e Vice-Governador
do Estado nos crimes de responsabilidade e os Secretários de
Estado, nos crimes da mesma natureza, conexos com aqueles;
VIII – declarar a procedência da acusação, o impedimento

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 67 de 140

ADI 4764 / AC

e a perda dos cargos de Governador e Vice-Governador do


Estado e demais autoridades, nas hipóteses previstas nesta
Constituição;
(...)
Art. 81. Admitida a acusação contra o Governador do
Estado, por dois terços da Assembleia Legislativa, é ele
submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça,
nos crimes comuns, ou perante a Assembleia Legislativa, nos
crimes de responsabilidade.

Conforme salientei na análise da ADI 5.540/MG, independentemente


de aquela Carta Estadual consagrar o “silêncio consciente”, era necessário
analisar se a extensão dessa norma-obstáculo é automática, com base na
simetria, especialmente em virtude dos precedentes citados
anteriormente: ADI 4.791/PR, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de
24/4/2015; HC 80.511/MG, Segunda Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
DJ de 14/9/2001.
A questão que se coloca pode ser apontada da seguinte maneira: as
previsões excepcionais de afastamento ou normas-obstáculos de
responsabilidade do Presidente da República previstas pela CF/1988 são
de extensão obrigatória a todos os Estados, em face da simetria, são de
extensão facultativa permitindo a discricionariedade do legislador
constituinte estadual ou são exclusivamente previstas ao Chefe de Estado
brasileiro?
A solução da indagação exige, ainda que rapidamente, a análise das
razões que levaram o legislador constituinte originário a excepcionar, em
algumas hipóteses, a plena aplicação do princípio republicano de
responsabilização e igualdade na aplicação da lei ao Presidente da
República. E se essas mesmas razões seriam extensíveis aos Governadores
de Estado e Distrito Federal.
A Constituição Federal de 1988 ampliou o rol de proteção ao
Presidente da República, prevendo novos e importantes obstáculos à
aplicação da lei penal e consequente responsabilização do Chefe de
Estado.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 4764 / AC

O artigo 86 da CF/1988 repetiu a tradicional necessidade de prévia


autorização da Câmara dos Deputados para o processo e julgamento do
Presidente da República, tanto por crimes de responsabilidade, quanto
por crimes comuns, que surgiu em nossa primeira Constituição
republicana (art. 53, que, porém, não estabelecia quórum qualificado), não
sendo editada no texto constitucional de 1934. O modelo atual, com
quórum qualificado de 2/3, foi editado na Constituição de 1937 (art. 86),
sendo repetida a previsão no art. 88 da Constituição de 1946, porém com
quórum de maioria absoluta; posteriormente, o artigo 85 da Constituição
de 1967 retornou ao quórum de 2/3, que se repetiu no artigo 83 da EC
01/1969.
O § 3º do art. 86 estabeleceu, porém, pela primeira vez na história
constitucional brasileira, a impossibilidade de o Presidente da República
estar sujeito à prisão enquanto não sobrevier sentença condenatória nas
infrações comuns, e o § 4º do referido artigo trouxe de volta a previsão do
artigo 87 da Constituição de 1937, que não permitia a responsabilização
do Presidente da República, durante o exercício de suas funções, por atos
estranhos às mesmas.
Dessa maneira, entre todas as Constituições brasileiras, a de 1988 foi
a mais generosa na previsão de mecanismos, ainda que excepcionais e
temporários, de afastamento do princípio republicano de
responsabilidade penal do Presidente da República por crimes comuns.
Essa opção do legislador constituinte originário, concordemos ou
não, reflete o processo dinâmico da História, em que o presidencialismo,
inicialmente idealizado como um modelo fraco (Rei sem Coroa), que nunca
chegou a existir ou ser aplicado na prática, logo se tornou, por um
processo político e centralizador, um regime de governo, em torno da
figura do presidente.
No presidencialismo, o zelo e o gerenciamento da coisa pública
passam a ter como ator principal o Presidente da República, coadjuvado e
fiscalizado pelo Poder Legislativo e controlado pelo Poder Judiciário, que
deverá realizar a necessária adequação entre as receitas e despesas do
Estado, a negociação da dívida pública, a efetivação de planos políticos

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ADI 4764 / AC

para o estabelecimento de padrões de estabilidade monetária,


administrativa e política, a partir dos quais se possa trabalhar, na gestão
do Estado, com a tranquilidade necessária à implementação de
programas, com nítida coloração pessoal do exercente do cargo máximo
do país, que, sobre uma base parlamentar, em geral estruturada com base
em negociações políticas, possam ser implantados.
O Poder Executivo federal tem como função impulsionar e dirigir a
ação administrativa. Para tanto, é necessária a plasticidade indispensável
ao mecanismo governamental que acabou por gerar, em todas as
organizações políticas modernas, regras que tornaram forte o Presidente
da República, ao mesmo tempo em que se tentou prever controles que
não o fizessem absorvente, mas uma força motriz do Estado que não
degenerasse para uma verdadeira tirania, resguardando-se, dessa forma,
o ideal democrático e a separação de poderes (ROBISON, Donald L. To
the best of my ability: the Presidency and the Constitution. New York: W. W.
Norton & Company, 1987. p. 87 ss; FONSECA, Annibal Freire da. Poder
Executivo na República. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1916. p. 15)
Como salientado por CLINTON ROSSITER, ao analisar o
presidencialismo americano, “os fundadores da Constituição deram um
passo muito importante quando eles fundiram a dignidade de um rei e o
poder de um primeiro ministro em um oficial elegível”, concluindo que
“o Chefe do Executivo reina, mas ele também manda; ele simboliza o
povo, mas ele também administra o seu governo” (ROSSITER, Clinton.
American Presidency. New York: New American Libr. 1940, p. 12).
O Presidente da República – enquanto força motriz detentora do
comando político da Nação – nomeia ministros, magistrados, diplomatas,
altos funcionários dos bancos públicos, é chefe das Forças Armadas, tem
grande ingerência no processo legislativo; imprime sua personalidade
nos programas de governo a serem implementados, pois, como afirmou
HAMILTON, “a força do executivo é uma característica central na
definição de um bom governo” (The Federalist Papers, LXI).
No presidencialismo, o Presidente não é somente uma pessoa, mas
também uma verdadeira instituição; e, ao contrário das outras

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ADI 4764 / AC

instituições, a Presidência é liderada por apenas uma pessoa eleita por


um país inteiro para administrá-lo e representá-lo no mundo, e para ser a
voz de suas aspirações para todas as pessoas.
A caracterização e o desenvolvimento do presidencialismo têm como
principal tópico a centralização e a personificação do Poder Executivo
Central na figura do Presidente da República, que exerce a mais alta
magistratura do país – no dizer de JAY, HAMILTON e MADISON, sendo
a maior liderança política nacional, como destacado por MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO (Curso de direito constitucional. 27. ed.
São Paulo: Saraiva, 2001, p. 140), com poderes “considerados
assoberbantes e esmagadores” e, que, “continuam em expansão nos
distintos sistemas presidenciais”, como lembrado por PAULO
BONAVIDES (Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 298),
sendo, no dizer de JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, “figura
central da atividade política externa e interna do país”, com “funções e
poderes que o consagram como fundamental e proeminente na divisão
institucional dos Poderes” (Organização do poder: a institucionalização
do Estado. Revista de Informação Legislativa, ano 23, n.90, abr./jun. 1986.
Brasília: Senado Federal, p. 28), pois o Presidente da República é “Chefe
do Estado, Chefe Executivo, Chefe Diplomático, Chefe Comandante e
Chefe Legislador”(ROSSITER, Clinton. American Presidency. New York:
New American Libr., 1940, p. 20), e seus poderes presidenciais continuam,
conforme ressaltado por EUGENE ROSTOW, “latentes na circulação
sangüínea do governo” (President, Prime Minister or Constitutional
Monarch? The American Journal of International Law. Washington, Vol. 83,
N. 4, out. 1989, p. 743).
Dessa forma, como salientado por COOLEY, todos os poderes
presidenciais foram histórica, jurídica e politicamente fortificados, tendo
obtido novas dimensões de autoridade, pois o Presidente da República
passou a simbolizar a própria soberania, continuidade e grandeza do país
(COOLEY, Thomas McIntyre. A Treatise on the Constitutional Limitations
which rest upon the Legislative Power of the States of the American Union. 6.
ed. Boston: Little, Brown and Company, 1890. p. 747), justificando, em

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 71 de 140

ADI 4764 / AC

maior ou menor escala nos países presidencialistas, determinados


tratamentos diferenciados em relação a todas as demais autoridades
públicas.
Em face dessas características da Presidência, o legislador
constituinte optou por estabelecer garantias excepcionais ao Presidente
da República.
Imediatamente, porém, a ampla maioria das Constituições estaduais
de 1989 replicaram todas as regras consagradas ao Chefe de Estado e de
Governo do País para os Governadores estaduais e do Distrito Federal,
também estabelecendo normas-obstáculos, que os excepcionaram
temporariamente da aplicação integral do princípio republicano.
Resta saber se, no exercício do poder Constituinte derivado decorrente,
consistente na possibilidade que os Estados-Membros têm, em virtude de
sua autonomia político-administrativa, de se auto-organizarem por meio
de suas respectivas constituições estaduais, seria possível estender essas
previsões excepcionalíssimas direcionadas somente ao exercente da “mais
alta magistratura do país”, relembrando, novamente, os Federalistas.
Com o devido respeito às fundamentadas posições em contrário,
entendo que todas as previsões excepcionais do legislador constituinte
originário, que afastaram a aplicação imediata do princípio republicano
ao Presidente da República, com a previsão de obstáculos à possibilidade
de responsabilização penal integral, prisões processuais e início da
persecução penal em juízo, são exclusivas da mais alta autoridade do
País, por sua condição de Chefe de Estado e Chefe de Governo, e pelas
peculiares funções exercidas, conforme anteriormente detalhado. Não se
trata, portanto, de princípios constitucionais extensíveis, tampouco
podendo ser estabelecidas pelos Estados-Membros com base na simetria,
por afrontarem o princípio sensível da “forma republicana” (CF, art. 34,
VII), conforme denominação de PONTES DE MIRANDA, que constitui a
mais importante limitação à autonomia de auto-organização dos Estados.
Assim atuou o legislador constituinte originário, ao estender,
expressamente, aos deputados estaduais determinadas normas-
obstáculos previstas para os deputados federais e senadores. Nesse

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ADI 4764 / AC

sentido, são as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do artigo 27 da


Constituição Federal, que determinam a aplicação do denominado
“estatuto dos congressistas” aos deputados estaduais, inclusive no
tocante à inviolabilidade, imunidades e perda de mandato. Nesses casos,
o poder constituinte derivado dos Estados-Membros e Distrito Federal, ao
se auto-organizarem, deve fiel observância aos denominados princípios
constitucionais estabelecidos, que, além de organizarem a própria federação,
estabelecem preceitos centrais de observância obrigatória aos Estados-
Membros em sua auto-organização, como salientou o grande
constitucionalista mineiro RAUL MACHADO HORTA, apontando o
artigo 27 da Constituição Federal como uma dessas normas de
preordenação (Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey,
1995, p. 392-393).
Não o fez em relação aos Poderes Executivos Estaduais, apesar da
previsão do Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos, que, em seu artigo
93, estabeleceu uma norma de preordenação ao Poder Executivo (Art. 93.
Caberá à Constituição do Estado adotar, no que forem aplicáveis, as regras desta
Constituição sobre a eleição, a investidura, a organização, a competência e o
funcionamento do Poder Executivo Federal), semelhante àquela que foi
adotada pela CF/1988 para o Poder Legislativo (art. 27). Essa previsão da
Comissão Afonso Arino, entretanto, não foi adotada, tendo sido reduzida
pelo legislador constituinte somente em relação às regras definidoras da
eleição e investidura (CF, art. 28). E assim o fez a Constituição de 1988,
para evitar a mesma divergência existente entre os Estados, com base no
princípio da autonomia federativa, durante a vigência da Constituição de
1891, quando “os Estados resolveram diversificadamente o problema da
substituição interina do chefe do Poder Executivo e da sucessão eventual,
para o efeito de terminação de mandato”, como recorda OSWALDO
TRIGUEIRO (Direito Constitucional estadual. Forense: Rio de Janeiro, 1980,
p. 174-175).
As previsões de normas definidoras de obstáculos à imediata
aplicação da lei processual penal e penal devem sempre estar expressas
na Constituição Federal, pois afastam a incidência imediata do princípio

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ADI 4764 / AC

republicano de plena responsabilização dos agentes públicos e da


igualdade de todos perante a lei, não sendo possível a aplicação por
simetria aos Governadores de Estado ou Distrito Federal mediante
previsão nas respectivas Cartas locais.
Esta Corte, em inúmeros pronunciamentos, declarou a
inconstitucionalidade de previsões estaduais que afastavam a
possibilidade de prisão dos chefes do Poder Executivo dos entes
federativos, antes de decisão final, e repetiam a irresponsabilidade penal
relativa por delitos estranhos à função governamental por atentarem
contra o princípio republicano e, conforme salientado pelo Ministro
CELSO DE MELLO, redator dos diversos Acórdãos, “os Estados-
membros não podem reproduzir em suas próprias Constituições o
conteúdo normativo dos preceitos inscritos no art. 86, par. 3. e 4., da Carta
Federal, pois as prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei
Fundamental - por serem unicamente compatíveis com a condição
institucional de Chefe de Estado - são apenas extensíveis ao Presidente da
República”: Acre (ADI 1.017), Amazonas (ADI 1.015), Bahia (ADI 1.014),
Distrito Federal (ADI 1.020), Espírito Santo (ADI 1.013), Goiás (ADI
1.012), Maranhão (ADI 1.011), Minas Gerais (ADI 1.018), Paraíba (ADI
978), Piauí (ADI 1.008), Rio de Janeiro (ADI 1.022), Rio Grande do Sul
(ADI 1.027), Rondônia (ADI 1.023), Roraima (ADI 1.019), Santa Catarina
(ADI 1.024), São Paulo (ADI 1.021), Tocantins (ADI 1.025).
Por outro lado, porém, proclamou a constitucionalidade das normas
estaduais que consagraram a prévia exigência de autorização por 2/3 do
Poder Legislativo Estadual para a instauração de persecução penal em
juízo contra Governador do Estado ou Distrito Federal, tendo afirmado o
Ministro CELSO DE MELLO que “a ideia fundamental – que motivou essa
orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal – traduz, na
realidade, a consagração de um valor constitucional básico que informa e dá
consistência à própria teoria da Federação: a autonomia institucional dos
Estados-membros. A importância político-jurídica dessa insuprimível
prerrogativa institucional dos Estados membros é tão intensa que, sem ela,
descaracterizar-se-ia, por completo, a própria noção de Estado Federal, pois – não

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ADI 4764 / AC

custa enfatizar – a autonomia das unidades federadas qualifica-se como valor


essencial à compreensão do sistema federativo” (ADI 4.798/PI).
Em que pese, conforme já exposto, não concordar com esse
posicionamento, pedindo novamente vênia aos bem-lançados
argumentos do Ministro CELSO DE MELLO, que foram adotados pela
posição majoritária desta Corte, entendo necessário a Corte dialogar com
seus precedentes, apontando as alterações fáticas ou jurídicas que
permitam a alteração de interpretação conferida aos julgados anteriores.
A evolução da interpretação constitucional não deve desconhecer a
real e efetiva aplicação da norma e seus reflexos em relação aos princípios
constitucionais estruturais.
As normas, uma vez editadas, ganham vida própria, e, a partir de
sua publicação, seu “corpo normativo” desenvolve sua própria
“personalidade”. Mais do que isso, somente com sua efetiva aplicação,
torna-se possível a análise efetiva da compatibilidade do verdadeiro
“espírito” que norteia a utilização da norma e condiciona a produção real
de efeitos e o respeito ou não de sua finalidade constitucional pretendida
com a sua edição.
O “corpo” da norma é seu texto final editado pelo legislador; sua
“personalidade” é construída e moldada pela constante interpretação
dada pela doutrina e jurisprudência, mas o essencial em sua aplicação
concreta deverá sempre ser a verificação de seu “espírito”, que acaba por
definir o acerto ou o erro de sua edição, pois acarreta reflexos diretos na
produção de seus efeitos concretos e no alcance da finalidade pretendida.
Não posso conceber a análise da constitucionalidade de uma
determinada norma sem que a interpretação alcance seu corpo, sua
personalidade e seu espírito, pois, por melhor que seja o corpo na norma,
por mais saudável que tenha sido o desenvolvimento de sua
personalidade, por meio de análises doutrinárias e dos Tribunais, seu
espírito pode ter sido degenerado com sua concreta aplicação, com a
produção de efeitos nefastos e total afastamento de suas finalidades
constitucionais, negando a razão de sua própria existência,
comprometendo seu texto, deturpando e arruinando sua personalidade e

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ADI 4764 / AC

ferindo os princípios que lhe concediam legitimidade constitucional,


tornando-se, portanto, inconstitucional durante a evolução prática de sua
utilização ou mesmo diante das novas exigências sociais, culturais e
políticas, e, consequentemente, permitindo alterações dos precedentes da
Corte.
É o que temos na presente hipótese e na análise das diversas normas
idênticas repetidas nas constituições estaduais.
A expressa previsão de prévia autorização das assembleias
legislativas para que o governador possa ser processado criminalmente é
o corpo dessa norma-obstáculo.
A doutrina e, principalmente, os precedentes desta Corte moldaram
sua personalidade, fixando que a norma-obstáculo veio ao mundo
jurídico e político para proteger a autonomia dos Estados-Membros, para
fortalecer a Federação e para impedir ações penais temerárias contra o
chefe do Poder Executivo Estadual ou Distrital.
Na aplicação específica da norma aos casos concretos, na produção
de seus efeitos jurídicos e políticos, contudo, seu espírito acabou sendo
corrompido, atacando os princípios constitucionais que a geraram e, com
o devido respeito àqueles que entendem de maneira contrária, fazendo
desaparecer totalmente a consistente motivação que moldou sua
personalidade pela doutrina e jurisprudência desta Corte.
Durante mais de 28 anos contados da promulgação da Constituição,
a aplicação concreta da norma não ampliou a proteção à Federação, não
serviu de alicerce para fortalecer a autonomia dos estados e Distrito
Federal, tampouco foi um obstáculo contra ações penais temerárias.
Muito pelo contrário, a degeneração do espírito da norma, por sua
contínua aplicação errônea, acentuou o desrespeito ao princípio maior de
uma República, a responsabilidade de todos perante a lei, sem qualquer
distinção, e a quebra de preceito básico de sobrevivência das Democracias
representativas, a confiança entre eleitor e eleitos, com a obrigatoriedade
de integral prestação de contas dos agentes políticos, representantes do
povo, perante a sociedade, inclusive pela prática de infrações penais.
Não bastasse o desrespeito aos pilares básicos da República e da

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 140

ADI 4764 / AC

Democracia representativa, a degeneração do espírito da norma estadual,


em sua aplicação aos casos concretos, atentou contra uma das cláusulas
pétreas da Constituição Federal, a separação dos Poderes.
Houve total anulação de uma importante competência constitucional
do Poder Judiciário, pois a norma-obstáculo prevista nas constituições
estaduais acabou por subtrair o exercício da jurisdição penal do Superior
Tribunal de Justiça nas hipóteses referentes aos Governadores de Estado e
Distrito Federal.
A degeneração do espírito da norma em sua aplicação concreta
desvirtuou sua configuração inicial, resultando sua utilização em um
verdadeiro escárnio aos princípios regentes da República, com a clara,
flagrante e ofensiva finalidade de criação de verdadeiro escudo protetivo
para a prática de atividades ilícitas pelos chefes dos Poderes Executivos
Estaduais e Distrital.
E, ainda pior, em vários casos, a existência dessa norma-obstáculo
possibilitou o fortalecimento de práticas espúrias na administração, de
conluio entre os Poderes Executivo e Legislativo, do loteamento de
secretarias, de empresas estatais, de cargos públicos e do desvio de
finalidade na destinação de verbas públicas, para se concretizar a
“recusa” ou a “não deliberação” por parte das Assembleias Legislativas,
em desrespeito aos princípios constitucionais da Administração Pública,
consagrados no artigo 37 da Carta Maior, em especial, os da legalidade,
moralidade e impessoalidade.
A degeneração do espírito da norma-obstáculo estadual vem
permitindo a impunidade nesses quase 30 anos da promulgação da
Constituição Federal e institucionalizou a prática de métodos não
republicanos entre vários executivos e legislativos estaduais, culminando
na negativa de autorização prévia, ou, na maioria das vezes, no simples
desprezo ao pedido de análise, com a costumeira ausência de deliberação.
Dessa forma, além de entender ser inconstitucional ab initio a
extensão das previsões excepcionais que afastaram a aplicação imediata
do princípio republicano ao Presidente da República, com a previsão de
obstáculos à possibilidade de responsabilização penal integral, prisões

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 77 de 140

ADI 4764 / AC

processuais e início da persecução penal em juízo, por ofensa ao princípio


sensível da “forma republicana” (CF, art. 34, VII), também me parece que
os sólidos fundamentos da posição majoritária do Supremo Tribunal
Federal pela constitucionalidade dessa extensão não mais estão presentes
em face da degeneração do espírito dessas normas-obstáculos previstas
nas constituições estaduais, corrompidas por sua utilização, desvirtuadas
em sua personalidade, pois sua aplicação prática e seus reflexos estão em
flagrante antagonismo com diversos princípios da Constituição Federal,
devendo, portanto, ser afastada do ordenamento jurídico.
Diante do exposto, pedindo todas as vênias ao Ministro CELSO DE
MELLO, acompanho a divergência, no sentido de ser declarada
inconstitucional a previsão estadual, e para afirmar que não há
possibilidade de exigência de autorização prévia da Assembleia
Legislativa para o processamento e julgamento do Governador por crime
comum perante o Superior Tribunal de Justiça.
No tocante à competência para legislar sobre crimes de
responsabilidade, em que pese minha posição doutrinária, acompanho o
voto do ilustre Ministro Relator, CELSO DE MELLO, pela
inconstitucionalidade formal decorrente da incompetência dos Estados-
Membros para legislar sobre o processamento e julgamento desses
crimes, nos termos do artigo 22, I, da Constituição Federal, conforme já
pacificado por esta Corte.
Em relação à previsão de afastamento automático do Governador,
caso seja recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Superior Tribunal de
Justiça, necessário relembrar o “conceito orgânico do direito”, que
necessita, em sua hermenêutica, como ensinado por VICENTE RAO, da
“apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas” (O
direito e a vida dos direitos. São Paulo: Max Limonad, 1952, v. 2, p. 542).
Entendo como consequência lógica da ausência de necessidade de
autorização legislativa prévia para o início da persecução penal em juízo
contra Governadores de Estado ou do Distrito Federal a
inconstitucionalidade da previsão de suspensão automática do exercício
do cargo pelo recebimento da denúncia ou queixa pelo Superior Tribunal

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 140

ADI 4764 / AC

de Justiça.
Trata-se da impossibilidade integral de extensão de um mecanismo
binário, porém, de regras interdependentes – necessidade de prévia
autorização política com consequente afastamento político automático na
hipótese de recebimento de denúncia ou queixa – previsto
exclusivamente ao Presidente da República.
Afastada a possibilidade de extensão da norma-obstáculo principal
(necessidade de prévia autorização pelo Poder Legislativo), não cabe a
permanência no ordenamento jurídico estadual da norma decorrente, que
permite o afastamento do Governador do Estado, após o recebimento da
acusação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de acarretar
distorções absurdas.
O Superior Tribunal de Justiça, caso receba a denúncia ou queixa
oferecidas contra o Governador, deverá analisar a necessidade de seu
afastamento cautelar.
Alinho-me, também nesse ponto, ao voto do eminente Ministro
ROBERTO BARROSO, para declarar a inconstitucionalidade da previsão
de suspensão do Governador de suas funções, de maneira automática, em
decorrência do recebimento da denúncia ou queixa.

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Antecipação ao Voto

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04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhora Presidente,


eminentes Pares, cumprimento, inicialmente, o eminente Ministro Celso
de Melo, o Relator das três ações diretas de inconstitucionalidade, bem
como o Ministro Luís Roberto Barroso, que abre parcial divergência, e
também saúdo o Ministro Alexandre de Moraes que acaba de proferir seu
voto.
Eu vou juntar declaração de voto, Senhora Presidente, permito-me
fazer duas observações iniciais e serei bastante breve. A primeira, não
obstante, possa haver compreensão em sentido diverso, mas entendo que
a situação deliberada ontem se projeta para o que está sendo deliberado
hoje. E a deliberação de ontem vai ao encontro da proposta que a
divergência suscita. Claro que há uma distinção, que aqui já foi trazida à
colação na data de ontem, eis que a Constituição Mineira, por assim dizer,
não tem norma expressa. Aliás, ao que consta, a Constituição do Estado
de Minas Gerais é de Goiás, apenas de todos os Estados brasileiros que
estaria nesta situação.
O que estamos examinando aqui hoje são Constituições estaduais
que contém norma expressa, mas tanto num caso quanto no outro, tenho
para mim que a conclusão é a mesma: ou a norma é inconstitucional, ou a
interpretação que se dá diante de norma expressa leva a uma conclusão
também constitucional. Portanto, esta é a primeira observação que faço.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Ministro
Fachin, é exatamente nesse sentido, até porque toda a fundamentação da
maioria ontem foi no sentido da impossibilidade de previsão ou de
interpretação, independentemente de estar ou não, no sentido que Vossa
Excelência assim diz.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Precisamente, estamos
na mesma página, na mesma linha.
A segunda observação, não obstante eu entenda relevante os dados

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 80 de 140

ADI 4764 / AC

empíricos da vigência e não da efetividade da orientação jurisprudencial


até então predominante nesta Corte, depreendo que, quiçá, sem
obviamente nenhuma oposição ao conceito de mutação constitucional, eu
acredito que os precedentes que se formaram nesta Corte permitem, caso
prevaleça hoje a divergência - e eu estou obviamente caminhado nesse
sentido - e uma certa - para usar a expressão do Professor Jack Balkin, de
Yale - redenção constitucional, no sentido de que se está realizando algo
que se contém na Constituição Federal, eis que a Constituição Federal não
agasalha um argumento de simetria para comparar, nesta hipótese, o
Governador do Estado ao Presidente da República ou vice-versa.
Portanto, não há previsão na Constituição para esse pressuposto de
procedibilidade; não incide aqui a simetria.
E, em terceiro lugar, também a competência da letra "a" do inciso I
do artigo 105 da Constituição Federal, ao atribuir tal seara de instauração,
processamento e julgamento ao Superior Tribunal de Justiça não prevê
essa condição de procedibilidade.
E, por derradeiro, tal como já foi salientado, a competência
legislativa em matéria de processo penal, ou de processo, de um modo
geral, nos termos do inciso I do artigo 22, diz respeito à União, que vem
em encontro à já mencionada Súmula Vinculante nº 46.
Portanto, Senhora Presidente, à luz do que tive oportunidade de
relatar ontem e da deliberação majoritária deste Plenário na ADI de
ontem, a 5.540, eu estou acompanhando integralmente a divergência
suscitada, que dissente parcialmente do eminente Ministro-Relator,
Ministro Celso de Melo. Acompanho o Ministro Barroso e acredito que,
mais adiante, em sendo essa orientação prevalente, voltaremos à questão
da tese.
É como voto.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 81 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Ministra


Presidente, esclareço preliminarmente que, em razão da identidade da
questão jurídica discutida nas ADI´s 4.797 e 4.798, há pouco apregoadas,
ao final de meu voto explicitarei como o entendimento que passo a expor
também se aplica a cada uma das constituições estaduais impugnadas nas
referidas ADI´s.

Informo, ainda em caráter preambular, que em virtude da parcial


coincidência entre o tema ora tratado e a controvérsia discutida na ADI
5.540, de minha relatoria, e em nome da economia processual e da
coerência argumentativa, permito-me ratificar e reiterar as razões ali
dantes postas, avançando, naturalmente, quanto aos temas não abarcados
na citada ADI.

Dito isso, entendo estarem presentes os requisitos de


cognoscibilidade da presente Ação – notadamente a legitimidade do
Requerente e a adequação da ação ajuizada – e passo ao exame do mérito
da ação.

1 – PREMISSAS

1.1 – O CONVITE AO DEBATE E AO DIÁLOGO

Está em pauta a cognição e o debate sobre a constitucionalidade da


exigência de autorização da Assembleia Legislativa para o
processamento de Governador de Estado por crime comum perante o
Superior Tribunal de Justiça, bem como os limites do poder constituinte
estadual sobre a matéria e a competência exclusiva da União para

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 140

ADI 4764 / AC

legislar sobre norma de processo e julgamento de crimes de


responsabilidade.

O desate desse nó passa, ao fim e ao cabo, pela compreensão da


nossa República e do Estado Democrático de Direito em que ela se
constitui (art. 1º, CRFB).

Mais do que isso, a complexidade ganha corpo à luz de dois


elementos indissociáveis por expressa escolha constitucional: República e
Federação (art. 1º, caput, e 60, §4º, I, CRFB). Ambos, frise-se, a serem
constantemente reconciliados e concretizados, em franco diálogo com a
concreta, mas nunca estanque, separação de Poderes (art. 2º, CRFB)
esquadrinhada pela Constituição.

Como é sabido, não se trata de temática desconhecida desta Corte,


tendo inclusive sido objeto de recentes decisões nas ADI 4.791, Rel. Min.
Teori Zavascki, e 4.792 e 4.800, Rel. Min. Cármen Lúcia (DJe 23.04.2015),
todas elas julgadas na sessão de 12.02.2015.

Em deferência à colegialidade e aos precedentes que emanam do


Plenário, inteirei-me pormenorizadamente dos fundamentos lançados,
bem como dos debates naquela ocasião travados.
Da leitura dos acórdãos, porém, verifica-se nítida sinalização desta
Corte quanto à possibilidade de revisão da tese então prevalecente.

Como aduz o professor Conrado Hübner Mendes, “há algo moral e


politicamente relevante em uma decisão que expressa, sob qualquer
forma sutil que possa encontrar, o reconhecimento de sua potencial
reversibilidade no futuro (mesmo que não seja o caso de sua efetiva
revogação).” (Tradução livre de: “There is something morally and politically
relevant in a decision that expresses, in whatevver subtle form it may find, the
awareness of its potential reversibility in the future (even if actual reversal turns
out no to be the case)”. MENDES, Conrado Hübner. Constitutional Courts

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 140

ADI 4764 / AC

and Deliberative Democracy. Oxford: Oxford University Press, 2013. p. 139).

Em meu sentir, tal relevância se consubstancia sobremaneira no


convite ao diálogo. E a este chamamento específico, com a devida vênia
aos que entendem em sentido diverso, passo a responder neste voto.

É preciso, ainda, ter no horizonte a compreensão de que, na esteira


de Jack M. Balkin, mesmo que na materialidade se possa constatar haver
compromissos constitucionais ainda não completamente implementados
– aqui, Ministra Presidente e eminentes pares, a noção republicana, tão
necessária e tantas vezes apequenada - ou mesmo garantias que não
tenham se frutificado em práticas concretas, ainda assim é possível
proceder a uma leitura redentora da Constituição.

Como explica o professor de Yale, a redenção a que aduz dá-se no


sentido de uma mudança que realiza uma promessa do passado, ou seja,
mediante a qual a Constituição “torna-se aquilo que prometeu que seria, mas
nunca foi”, respondendo, assim, às constantes alterações circunstanciais e
temporais (BALKIN, Jack. M. Constitutional Redemption: Political Faith in
an Unjust World. Cambridge: Harvard University Press, 2011, p. 5-6).

É com base nessas considerações iniciais que enfrento as questões


postas nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade, quais sejam, (i) a
alegada inconstitucionalidade das expressões “VII – processar e julgar o
Governador ... nos crimes de responsabilidade”, “VII – declarar a
procedência da acusação, ...”, constante dos incisos VII e VIII do art. 44,
bem como os trechos “Admitida a acusação contra o Governador, por
dois terços da Assembléia Legislativa, ...’ e ‘..., ou perante a Assembléia
Legislativa, nos crimes de responsabilidade”, constantes do art. 81 da
Constituição do Estado do Acre e (ii) o pedido de interpretação conforme
à Constituição das expressões constantes nos incisos VII e VIII, do art. 44,
da referida Constituição estadual.

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ADI 4764 / AC

Antes, verticalizo pontualmente a concretude a ser dada na hipótese


ao princípio republicano (art. 1º, caput, CRFB).

1.2 – A REPÚBLICA E O REPUBLICANISMO

É preciso, na esteira de Fábio Konder Comparato, redescobrir o


espírito republicano, já enunciado e positivado no art. 1º da Constituição
da República (COMPARATO, Fábio Konder. Redescobrindo o Espírito
Republicano, Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul,
v. 32, n. 100, dez. 2005, p. 99-117).

Para além da oportuna discussão sobre as virtudes republicanas


esperadas daqueles que ocupam cargos públicos, tem-se que em sua
significação contemporânea (o republicanismo, em suas variadas
correntes), apresenta no mínimo um denominador comum. Na esteira da
boa síntese feita por Roberto Gargarella, este se desvela a partir de uma
concepção antitirânica e de reivindicação de liberdade para que os
cidadãos possam buscar seus próprios objetivos (GARGARELLA,
Roberto. As Teorias da Justiça depois de Rawls: um Breve Manual de
Filosofia Política. Tradução: Alonso Reis Freire. São Paulo: Martins
Fontes, 2008, p. 186 e ss.).

Pode-se compreender, assim, tanto na Filosofia quanto na Teoria


Política, a ideia de que a liberdade republicana não se confunde tão
somente com uma abstenção ou com a noção de não intervenção
ocasional.

Como bem posto por Frank Lovett:

“A concepção republicana de liberdade política visa a


capturar essa percepção [de que a liberdade política pode ser
melhor compreendida como uma espécie de relacionamento
estrutural que existe entre pessoas ou grupos, ao invés de um

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ADI 4764 / AC

evento contingente] tão diretamente quanto possível. Ela define


liberdade como uma espécie de independência estrutural –
como a condição de não estar sujeito ao arbitrário ou
incontrolável poder de um senhor. Pettit, que mais do que
ninguém buscou desenvolver essa concepção republicana de
liberdade filosoficamente, coloca-a assim: uma pessoa ou grupo
goza de liberdade na medida que nenhuma outra pessoa ou
grupo tem ‘a capacidade de interferir arbitrariamente nos seus
assuntos’”.
(Tradução livre de “The republican conception of political
liberty aims to capture this insight [that political liberty might best
be understood as a sort of structural relationship that exists
between persons or groups, rather than as a contingent event]
as directly as possible. It defines freedom as a sort of structural
independence—as the condition of not being subject to the arbitrary
or uncontrolled power of a master. Pettit, who has done more than
anyone else to develop this republican conception of freedom
philosophically, puts it thus: a person or group enjoys freedom to the
extent that no other person or group has ‘the capacity to interfere in
their affairs on an arbitrary basis’” (LOVETT, Frank.
Republicanism In: Edward N. Zalta (Org.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy (Spring 2016 Edition). Stanford: The
Metaphysics Research Lab, 2016. Disponível online em: <
http://plato.stanford.edu/archives/spr2016/entries/republicanis
m/>. grifei)

Dessa forma, a noção de um cidadão livre, frise-se, em um Estado


com feição republicana e ancorado constitucionalmente no fundamento
maior da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB) e na igualdade
que esta pressupõe (art. 5º, caput, CRFB), está atrelada também a uma
relevante dimensão intersubjetiva de reconhecimento de tal condição
pelos concidadãos e pelo Estado, em uma cultura de proteção dos direitos
fundamentais (GODOY, Miguel Gualano de. Constitucionalismo e
Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto
Gargarella. São Paulo: Saraiva, 2012, pg. 63-64).

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ADI 4764 / AC

Trazida para a dimensão do exercício do poder pelo Estado, tem-se


que talvez a principal contribuição do republicanismo resida na busca
de um desenho institucional adequado à divisão de Poderes
(consagrada em nossa Constituição republicana em seu art. 2º),
impedindo-se, com isso, o seu uso arbitrário ou irrefreável.

Quando se enlaçam ambas as perspectivas, é possível dizer, na


esteira de Philip Pettit, e especialmente naquilo que é relevante para a
presente ação e se refere à criminalização de condutas, que:

“O que importa para uma teoria republicana é que


ninguém tenha que depender da boa vontade dos demais para
poder exercer suas liberdade básicas e, particularmente, que
não se tenha que depender da boa vontade dos demais para
evitar as intrusivas incursões alheias que são consideradas
como crimes na maioria dos países”.
(Tradução livre de: “What matters in republican theory is that
no one has to depend on the goodwill of others for being able to
exercise their basic liberties and, in particular, that they do not have to
depend on the goodwill of others for avoiding the intrusive incursions
that get to count in most countries as crimes”. PETTIT, Philip.
Criminalization in Republican Theory. In: DUFF, R.A, FARMER,
L., MARSHALL, S.E., RENZO, M. e TADROS, V. (Org.).
Criminalization: The Political Morality of the Criminal Law.
Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 132-150, p. 140; grifei)

Novamente merecem transcrição as precisas reflexões do professor


da Universidade de Princeton:

“A lição é de que [se nós desejamos evitar assumir uma


forma de dominação arbitrária] os instrumentos utilizados pelo
estado republicano devem ser, na medida do possível, não
manipuláveis. Desenhados para promover determinados fins
públicos, devem eles ser resistentes ao máximo a ser

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ADI 4764 / AC

empregados de uma forma arbitrária ou, talvez, seccional.


Ninguém, indivíduo ou grupo, deve possuir
discricionariedade sobre como os instrumentos serão
utilizados. Ninguém deve poder tomá-los para si: nem alguém
que seja completamente bondoso e zeloso pelo bem público,
nem, certamente, alguém que seja responsável por intervir na
vida de seus concidadãos em favor de seus próprios interesses
seccionais. As instituições e as iniciativas não devem permitir
a manipulação ao capricho individual de quem quer que seja.
(Tradução livre de: “The lesson is that [if we want to avoid
assuming an arbitrary dominating form] the instruments used by the
republican state should be, as far as possible, non-manipulable.
Designed to further certain public ends, they should be maximally
resistant to being deployed on an arbitrary, perhaps sectional, basis.
No one individual or group should have discretion in how the
instruments are used. No one should be able to take them into their
own hands: not someone who is entirely beneficent and public-
spirited, and certainly not someone who is liable to interfere for their
own sectional ends in the lives of their fellow citizens. The
institutions and initiatives should not allow of manipulation at
anyone’s individual whim”. PETTIT, Philip. Republicanism: a
Theory of Freedom and Government. Oxford: Oxford
University Press, 1997. p. 173; grifei)

Ou seja, é relevante para se aferir a constitucionalidade da exigência


de autorização da Assembleia Legislativa para o processamento de
Governador de Estado por crime comum perante o Superior Tribunal de
Justiça, não apenas a redescoberta do princípio republicano, mas
averiguar a possibilidade de sua concreta redenção.

Isso tendo como norte a busca, na tessitura constitucional, de


elemento que seja apto a justificar, ou não, o afastamento, ainda que
temporário e com motivação exclusivamente política da Assembleia
Legislativa local, da jurisdição criminal em face de um cidadão alçado,
pelo sufrágio popular, à condição de Governador.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 88 de 140

ADI 4764 / AC

Refutável, pois, se mostra a autorização assemblear. Quatro são os


argumentos que passo a expor nessa direção.

2 – DA INEXISTÊNCIA E IMPOSSIBILIDADE DE OBRIGATORIEDADE DE


AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA O PROCESSAMENTO E
JULGAMENTO DO GOVERNADOR POR CRIME COMUM PERANTE O
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2.1 – Ausência de previsão expressa e inexistência de simetria

A Constituição da República de 1988 em nenhum de seus


dispositivos previu a exigência de autorização prévia da Assembleia
Legislativa para o processamento e julgamento do Governador de Estado
por crimes comuns perante o Superior Tribunal de Justiça. Não há, assim,
fundamento normativo-constitucional expresso que faculte aos Estados
possuírem em suas Constituições estaduais a exigência de autorização
prévia da Assembleia Legislativa para o processamento e julgamento
de Governador por crime comum perante o STJ. Tanto é assim que a
Constituição, quando dispõe sobre a competência do STJ para o
processamento e julgamento de Governadores por crime comum (art. 105,
I, a, CRFB), não exige a autorização prévia das Assembleias Legislativas
dos Estados.

Todavia, ainda assim, é recorrente a existência de previsão nas


Constituições estaduais de que o processamento e julgamento do
Governador por crime comum exige, previamente, autorização da
Assembleia Legislativa. Em geral tais previsões têm sido sustentadas sob
o argumento de seguimento ao assim denominado Princípio da Simetria.
Vale dizer, diversas Constituições estaduais estabeleceram ao Chefe do
Poder Executivo Estadual, de forma supostamente simétrica, as mesmas
regras de afastamento para processamento e julgamento por crime
comum do Presidente da República previstas no art. 51, I e no art. 86,

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 89 de 140

ADI 4764 / AC

caput, §1º, I, ambos da Constituição da República.

Se o princípio democrático que constitui nossa República (art. 1º,


caput, CRFB) se fundamenta e se concretiza no respeito ao voto popular, à
eleição direta dos representantes do povo, qualquer previsão de
afastamento do Presidente da República, tal como o disposto no art. 51, I
e no art. 86, caput, §1º, I, da Constituição, se afigura medida excepcional. E
como medida excepcional, é ela sempre prevista de forma expressa e
taxativa. Exceções, via de regra, não se inferem. Ao contrário, se preveem
expressamente. O afastamento do Presidente da República é medida
excepcional e, no caso de crime comum, seu processamento e julgamento
deverá ser precedido de autorização pela Câmara dos Deputados (art. 51,
I; art. 86, caput, §1º, I, CRFB). Tal exigência foi expressamente prevista
apenas para o Presidente da República, Vice-presidente e Ministros de
Estado, e para mais nenhum outro cargo público. E assim o foi em razão
das características e competências que moldam e constituem o cargo de
Presidente da República (e que não se verificam no cargo de Governador
de Estado).

O Presidente da República é Chefe de Governo e Chefe de Estado.


Sua ausência importa não apenas lacuna na direção e gestão do Estado
(Chefe de Governo), mas também ausência na representação do Estado
brasileiro perante a comunidade internacional, bem como falta de defesa
da soberania nacional (Chefe de Estado). Por essa razão, o afastamento do
Presidente da República para processamento e julgamento de crimes
comuns exige autorização prévia da Câmara dos Deputados (art. 51, I; art.
86, caput, §1º, I, CRFB). Afastar um Presidente significa, assim, afastar não
apenas o Chefe de Governo, responsável pela direção e gestão do Estado,
mas também afastar o Chefe de Estado, o responsável pela soberania
nacional, representante por excelência do Estado brasileiro perante os
demais países e organizações internacionais. Dada a gravidade do cargo e
das funções, o constituinte definiu que o afastamento de Presidente da
República por crime comum deve ser precedido de autorização da

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 90 de 140

ADI 4764 / AC

Câmara dos Deputados. O mesmo, no entanto, não pode valer para o


Governador, que exerce o cargo de direção e gestão do Estado federado.
Diante disso, o que se verifica é, portanto, a extensão indevida de uma
previsão excepcional válida para o Presidente da República e inexistente
e inaplicável ao Governador do Estado.

Sendo a exceção prevista de forma expressa, não pode ela ser


transladada como se regra fosse ou como se estivesse cumprindo a
suposta exigência de simetria para o Governador do Estado. Não há
qualquer simetria aqui a ser observada. Em outras palavras, sendo a
exceção prevista de forma expressa apenas para o Presidente da
República, deve seguir-se a regra, qual seja, a de impossibilidade de
extensão de tal previsão para outros ocupantes de cargo público, como os
Governadores dos Estados. As eventuais previsões nas Constituições
estaduais são, a despeito de se fundamentarem em suposto respeito ao
texto constitucional, evidente ofensa e usurpação das regras
constitucionais.

Ademais, como é sabido, este Tribunal em diversas oportunidades já


assentou a exclusividade do disposto no Art. 86, §§ 3º e 4º, CRFB, vale
dizer, a imunidade de prisão cautelar e a temporária irresponsabilidade por
atos estranhos ao exercício de suas funções tão somente ao ocupante do cargo
de Presidente da República, dada a relevância institucional do cargo.

Nesse sentido, igualmente afastou-se a aplicação analógica do


disposto no art. 51, I, CRFB, ao Governador de Estado quando diante de
pedido de prisão preventiva (como se colhe do precedente HC 102.210,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 06.05.2010).

Tratando-se o art. 51, I, CRFB, de cláusula que excepciona uma regra


geral prevista no sistema, qual seja, a ausência de condição de
procedibilidade política para o processamento de ação penal pública, é
preciso que se proceda a uma leitura do mencionado dispositivo à luz do

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 91 de 140

ADI 4764 / AC

princípio republicano (art. 1º, caput, CRFB).

E nessa dimensão, verifica-se que essa regra excepcional tão somente


se justifica sob o ponto de vista republicano a partir da noção de que as
razões de sua instituição no texto constitucional são umbilicalmente
ligadas ao relacionamento que tais autoridades possuem com o
Presidente da República.

Conectam-se, assim, com a preservação de um relevante papel


institucional, e não criam, nessa dimensão específica, qualquer déficit que
afaste a esfera republicana e isonômica (art. 1º e 5º, caput, CRFB) de proteção
de que desfrutam todos os cidadãos. Ou seja, não correspondem a um
afastamento da intensidade da proteção penal de determinados bens
jurídicos.

Vale dizer, a ressalva constante no art. 51, I, CRFB, está conectada


com uma proteção do Presidente da República, não se revelando, de
qualquer modo, como um afastamento ilegítimo do regime geral de
responsabilização criminal e, nessa dimensão, dependente de uma prévia
manifestação de órgão político (Câmara dos Deputados).

O dispositivo previsto no art. 51, I, CRFB, portanto, serve para


resguardar o Presidente da República diante da lacuna existente em face
de eventuais crimes conexos praticados com as autoridades ali declinadas,
de modo a permitir o julgamento conjunto, tal como ocorre em caso de
julgamento de crime de responsabilidade pelo Senado Federal (art. 52, I,
CRFB).

Assim, a conclusão é de que tal dispositivo não comporta


interpretação extensiva aos Governadores de Estado, dada a ínsita
diferença entre entre tal previsão e aquela atribuída pela Constituição da
República ao Presidente.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 92 de 140

ADI 4764 / AC

Ademais, perceba-se, ainda, que o argumento da regularidade e


continuidade das atividades no Estado diante do recebimento de ação
penal e afastamento do Governador há que ser igualmente rechaçado por
esta Corte. Isso se dá tendo em mira que, ao secundar a possibilidade de
prisão cautelar de Governador de Estado, assim o fez esta Corte porque,
para além de o disposto no Art. 86, §§ 3º e 4º, CRFB, ter sido previsto
expressamente para o Presidente da República, a própria Constituição
prevê agente que possa substituir o Governador regularmente em suas
atividades, qual seja, o Vice-Governador (art. 28, caput, CRFB), eleito com
ele conjuntamente.

Frise-se, por oportuno, que a compreensão acima exposta permite,


com a devida vênia de eventual entendimento em sentido contrário, que
se afaste a compreensão de que a modificação na ordem constitucional
realizada pela Emenda à Constituição 35/2001 limitar-se-ia aos
congressistas dado o menor impacto que o recebimento de denúncia
criminal em seu desfavor poderia gerar para regularidade da ordem
institucional. Isso porque efetivamente a Constituição previu, na figura
do Vice-governador, uma autoridade dotada das competências e da
legitimidade popular necessária para dar continuidade às atividade
ínsitas do Governador do Estado. Não há, portanto, diferença
significativa a legitimar tratamento diferenciado do ponto de vista
constitucional.

2.2 – Ofensa ao princípio republicano (art. 1º, caput, CRFB)

Afastado o argumento de suposta obediência à simetria, é de se


ressaltar que a exigência de autorização prévia da Assembleia Legislativa
para processamento e julgamento de Governador do Estado por crime
comum perante o STJ traz como consequência o congelamento de
qualquer tentativa de apuração judicial das eventuais responsabilizações
criminais dos Governadores por cometimento de crime comum. Tal

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 93 de 140

ADI 4764 / AC

previsão afronta a accountability, a responsividade exigida dos gestores


públicos, ferindo, assim, o princípio republicano que erige nosso Estado
(art. 1º, caput, CRFB).

O processamento e julgamento de Governador do Estado por crime


comum já foi alçado à jurisdição especial do Superior Tribunal de Justiça
(art. 105, I, a, CRFB) para o fim de se evitar que a persecução criminal
contra o Governador esteja permeada por vícios ou influências políticas
regionais. Querer estabelecer, além dessa prerrogativa, uma condição de
procedibilidade não prevista pela Constituição é estabelecer privilégio
antirrepublicano.

2.3 – Ofensa à separação de Poderes (art. 2º, caput, CRFB) e à


competência privativa da União (art. 22, I, CRFB)

A exigência de autorização prévia de Assembleia Estadual para o


processamento e julgamento de Governador do Estado por crime comum
perante o STJ ofende ainda a separação de Poderes (art. 2º, caput, CRFB),
pois estabelece uma condição não prevista pela Constituição para o
exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário. Vale dizer, o Superior
Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário, fica impedido de exercer
suas competências e funções até que se proceda à autorização prévia do
Poder Legislativo estadual. Esse tipo de restrição ao exercício da
jurisdição é sempre excepcional, devendo ser, assim, expresso pela
Constituição da República. A Constituição, no entanto, nada previu sobre
isso. Nesses casos, onde a Constituição foi silente, deixa-se claro que vale
a regra. Ou seja, se não há previsão constitucional de tal condição de
procedibilidade para o exercício da competência do STJ, não podem as
Constituições estaduais imporem tal requisito, sob pena de restrição não
prevista ou autorizada às competências do STJ. Admitir essa autorização
prévia seria aceitar que o Estado, um ente da federação, estabeleça
condição de procedibilidade para o exercício da jurisdição pelo STJ, órgão

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ADI 4764 / AC

do Poder Judiciário consistente em tribunal nacional, e não federal. Há,


assim, evidente ofensa à separação de Poderes (art. 2º, caput, CRFB).

Ademais disso, a previsão do estabelecimento de condição de


procedibilidade para o exercício da jurisdição penal pelo STJ consistiria
em norma processual, matéria de competência privativa da União (art. 22,
I, CRFB) e impossível de ser prevista pelas Constituições estaduais. Neste
ponto, com a devida vênia, é preciso reconhecer assistir razão jurídica à
divergência, no que assenta não apenas a incompetência legislativa dos
Estados membros para disciplinar as regras relativas ao processamento
dos crimes de responsabilidade, mas também aquelas sobre o
“afastamento automático” do governador, uma vez recebida a denúncia
ou queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça.

2.4 Ofensa à igualdade (art. 5º, caput, CRFB)

Na “sala de máquinas” da Constituição, na feliz expressão cunhada


por Roberto Gargarella, redime-se o ideal republicano:

A via da democracia política, assim como a via da justiça


social, tem a Constituição como um de seus principais pontos
de referência, mas claramente não como o único.
Primeiramente, o constitucionalismo não pode ser levado a
cabo como se sua existência fosse independente da base
material sobre a qual se sustenta. Um constitucionalismo
igualitário [e, adicionaria, republicano], portanto, deve auxiliar
a desafiar, ao invés de fortalecer, o tipo de injustiças
(econômicas, sociais ou políticas) que ajudou a forjar. Nesse
sentido, é claro que reconectar a Constituição com o
igualitarismo requer, também, que este seja encorajado a entrar
na sala de máquinas da Constituição para romper radicalmente
um sistema representativo atualmente organizado para apartar
indivíduos e governantes, dando autonomia a estes ao invés
dos primeiros. Contra isso, deve-se promover um modelo de

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ADI 4764 / AC

organização institucional diferente, destinado a atar os cidadãos


aos seus governantes e permitir a comunicação entre eles de
maneira mais fluida (Tradução livre de: “El camino de la
democracia política, como el camino de la justicia social, tienen em la
Constitución a uno de sus mojones principales, pero claramente no al
único. Ante todo, el constitucionalismo no puede desempe~narse como
si su existencia fuera ajena a la base material sobre la que está
sostenido. Un constitucionalismo igualitario, por tanto, deve ayudar a
desafiar, em lugar de seguir reforzando, el tipo de injusticias
(económicas, sociales, políticas) que ayudó a forjar. En este sentido,
resulta claro que el reconectar a la Constitución com el igualitarismo
requiere, también, que el mismo se anime a ingresar a la ‘sala de
máquinas’ de la misma, para trastocar de modo radical un sistema
representativo hoy preparado para separar entre súbditos y
mandatarios, autonomizando a los últimos, em lugar de a los
primeros. Frente a ello, debería promoverse un modelo de organización
institucional diferente, orientada a vincular a los ciudadanos com sus
mandatarios y permitir la comunicación entre ellos de manera más
fluida” GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la
Constitución: dos siglos de constitucionalismo em América
Latina (1810-2010). Buenos Aires: Katz Editores, 2014. p. 364).

Querer estabelecer tal condição de procedibilidade é alçar um sujeito


à condição de desigual, supostamente superior por ocupar relevante
cargo de representação, posição, no entanto, que deve(ria) ser antes de
tudo o de servidor público que é. A autorização prévia de Assembleias
estaduais para o processamento e julgamento de Governador do Estado
por crime comum perante o STJ é, assim, afronta cristalina à cláusula
geral de igualdade estabelecida no art. 5º, caput, da Constituição da
República.

Imperioso destacar que a Emenda à Constituição 35/2001 alterou a


redação do art. 53, §1º, CRFB, e aboliu a exigência de autorização prévia
das casas legislativas para o processamento e julgamento de deputados
federais e estaduais. O mesmo entendimento de valorização da igualdade

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 96 de 140

ADI 4764 / AC

e accountability dos representantes do povo deve ser seguido em relação


aos Governadores, abandonando-se as exigências prévias que se
constituem em privilégios e restrições não autorizados pela Constituição.

À luz da conformação constitucional do devido processo legal (art.


5º, XXXV, LIV, LXXVIII, CRFB) bem se percebe, quando cotejada
conjuntamente com a igualdade (art. 5º, caput, CRFB) e, especialmente,
com o princípio republicano (art. 2º, CRFB) nos moldes delineados neste
voto, que a solução que tem sido adotada por esta Corte, qual seja, de não
fluir a prescrição criminal enquanto não houver a autorização assemblear
para o processamento da ação penal (a qual, recorde-se, deita raízes no
início da década de 1990, notadamente na Queixa-Crime 427, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 12.08.1992, no RE 153968, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 10.12.1993 e no RE 159230, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), nada obstante, mostra-se
absolutamente insuficiente. Frise-se: insuficiente, não obstante seja a
única solução viável diante da compreensão até hoje prevalecente sobre a
higidez constitucional da autorização assemblear para processamento de
Governador de Estado por crime comum perante o STJ.

É preciso, portanto, superar os precedentes desta Corte na dimensão


de uma redenção republicana, vale dizer, cumprindo a promessa
republicana estampada no Art. 1º, caput, CRFB) diante dos reiterados e
vergonhosos casos de negligência deliberada pelas Assembleias
Legislativas estaduais, que têm sistematicamente se negado a deferir o
processamento dos Governadores de Estado.

Conclui-se, assim, com todas as vênias ao entendimento exarado


pelo relator, pela inconstitucionalidade da expressão “Admitida a
acusação contra o Governador, por dois terços da Assembléia
Legislativa”, constante do art. 81 da Constituição do Estado do Acre,
assentando a desnecessidade de autorização da Assembleia Legislativa
para o processamento e julgamento do Governador por crime comum

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 97 de 140

ADI 4764 / AC

pelo STJ.

Cumpre registrar, finalmente, que a consequência lógica do


reconhecimento da inconstitucionalidade é a de que, em caso de crime
comum, não respondem os governadores aos fatos em condições distintas
daquelas a que se sujeitam os demais cidadãos. Acertada, portanto, a
conclusão a que chega o e. Ministro Roberto Barroso ao reconhecer
aplicáveis aos governadores as normas previstas no art. 319 do Código de
Processo Penal. Assim, eventual afastamento não decorre de forma
automática do recebimento da denúncia ou queixa-crime, visto que os
Estados dele não podem legislativamente dispor, mas do poder geral de
cautela conferido pelo ordenamento jurídico aos membros do Poder
Judiciário.

3 – A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ACRE E A COMPETÊNCIA


LEGISLATIVA PARA O ESTABELECIMENTO DAS NORMAS DE PROCESSO E
JULGAMENTO DO GOVERNADOR POR CRIME DE RESPONSABILIDADE
PERANTE A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA ESTADUAL.

Assentada a inconstitucionalidade da exigência de autorização da


Assembleia Legislativa para processamento do Governador por crime
comum perante o Superior Tribunal de Justiça, cumpre perquirir acerca
da existência ou não de usurpação de competência legislativa da União
quanto às expressões normativas impugnadas constantes nos incisos VII e
VIII do art. 44 e no art. 81 da Constituição do Estado do Acre, que
estabelecem normas processuais a serem observadas pela Assembleia
Legislativa respectiva no julgamento do Governador por crimes de
responsabilidade.

Nesse ponto, verifico tratar-se de tema já pacificado pela Corte,


inclusive em sede de súmula vinculante. O STF, por unanimidade,
aprovou a proposta de conversão da Súmula nº 722, editando a Súmula

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ADI 4764 / AC

Vinculante nº 46, que recebeu a seguinte redação:

“A definição dos crimes de responsabilidade e o


estabelecimento das respectivas normas de processo e
julgamento são da competência legislativa privativa da
União.”

Ou seja, a previsão do estabelecimento de normas de processo e


julgamento referentes aos crimes de responsabilidade consiste em norma
processual, matéria de competência privativa da União (art. 22, I, CRFB),
não se admitindo sua previsão pelas Constituições estaduais.

Dessa forma, em conformidade com o acertado entendimento do


Tribunal acerca da incompetência do Estado-membro para legislar acerca
de processo e procedimento em se tratando de crime de responsabilidade,
e na esteira do voto do Ministro relator, impõe-se declarar a
inconstitucionalidade das expressões “processar e julgar o Governador
(…) nos crimes de responsabilidade”, “declarar a procedência da
acusação (...)” e “(…) ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de
responsabilidade” contidas, respectivamente, nos incisos VII e VIII do
art. 44 e no art. 81 da Constituição do Estado do Acre.

4 – CONCLUSÃO

Portanto, pedindo vênia ao eminente Relator para dissentir em parte,


Senhora Presidente, acompanho a divergência para julgar procedente a
presente Ação Direta de Inconstitucionalidade para:

(i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “Admitida a


acusação contra o Governador, por dois terços da Assembléia Legislativa”,
constantes do art. 81 da Constituição do Estado do Acre;

(ii) declarar a inconstitucionalidade das expressões “processar e julgar

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 99 de 140

ADI 4764 / AC

o Governador (…) nos crimes de responsabilidade”, “declarar a procedência da


acusação (...)” e “(…) ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de
responsabilidade” contidas, respectivamente, nos incisos VII e VIII do art. 44
e no art. 81 da Constituição do Estado do Acre.

(iii) declarar a inconstitucionalidade por arrastamento do inciso I do


art. 82 da Constituição do Estado do Acre.

Quanto às demais ações apregoadas no presente julgamento:

a) Na ADI 4.797, Rel. Min. Celso de Mello, tendo em vista que os


artigos impugnados constantes da Constituição do Estado de Mato
Grosso possuem teor praticamente idêntico aos da Constituição do
Estado do Acre, pelas mesmas razões antes declinadas, preliminarmente
entendo estarem presentes os requisitos de cognoscibilidade da presente
ação e, no mérito, voto pela procedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.797 para:

(i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “autorizar, por dois


terços de seus membros, a instauração de processo contra o Governador” e “O
Governador, admitida a acusação pelo voto de dois terços dos Deputados”,
constante, respectivamente, no inciso XI do art. 26 e na primeira parte do
art. 68 da Constituição do Estado de Mato Grosso;

(ii) declarar a inconstitucionalidade das expressões “processar e julgar


o Governador do Estado (…) nos crimes de responsabilidade” e “ou perante a
Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade” contidas,
respectivamente, no inciso XVI do art. 26 e no art. 68 da Constituição do
Estado de Mato Grosso.

(iii) declarar a inconstitucionalidade por arrastamento do inciso I do


parágrafo primeiro do art. 68 da Constituição do Estado de Mato Grosso.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 100 de 140

ADI 4764 / AC

b) Na ADI 4.798, Rel. Min. Celso de Mello, tendo em vista que os


artigos impugnados constantes da Constituição do Estado do Piauí
possuem teor praticamente idêntico aos da Constituição do Estado do
Acre, pelas mesmas razões antes declinadas, preliminarmente entendo
estarem presentes os requisitos de cognoscibilidade da presente ação e,
no mérito, voto pela procedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.798 para:

(i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “O Governador,


admitida a acusação pelo voto de dois terços dos deputados estaduais”, constante
na primeira parte do art. 104 da Constituição do Estado do Piauí;

(ii) declarar a inconstitucionalidade das expressões “processar e julgar


o Governador nos crimes de responsabilidade” e “ou perante a Assembleia
Legislativa, nos crimes de responsabilidade” contidas, respectivamente, no
inciso XIII do art. 63 e na parte final do art. 104 da Constituição do Estado
do Piauí.

(iii) declarar a inconstitucionalidade por arrastamento do inciso I do


parágrafo primeiro do art. 104 da Constituição do Estado do Piauí.

É como voto.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 101 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhora Presidente,


egrégio Plenário, o Ministro Edson Fachin acaba de registrar, - o que
também já fora feito em momento anterior-, a distinção entre os processos
que vêm de ser examinados por este Plenário.
A ADI que apreciamos ontem – ADI 5540 - dizia respeito à
Constituição de Minas Gerais, em que inexistente qualquer norma quanto
à necessidade de prévia autorização do Poder Legislativo para a
instauração de ação penal contra o Governador. A questão que se
colocava é se haveria a necessidade de a Assembleia Legislativa mineira
autorizar o processamento do Governador do Estado, ou se compreensão
contrária poderia ser reputada como não hígida à luz da Constituição
Federal.
O raciocínio que percorri para acompanhar o eminente Relator na
ADI 5540 observou a linha construída quando da apreciação de ADIs da
relatoria do querido Ministro Teori Zavascki e de Vossa Excelência,
aplicando a jurisprudência da Corte e entendendo que, no caso de Minas,
não havia qualquer inconstitucionalidade no regramento posto, na
medida em que não estávamos tratando de normas constitucionais de
reprodução obrigatória pelos Estados, e, sim, de normas de reprodução
facultativa.
Ocorre que a compreensão que externei ao julgamento das ADIs nº
4.791/PR, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, e nº 4.792/ES, de
relatoria de Vossa Excelência, Senhora Presidente, acompanhando o voto
dos eminentes Relatores, se fez pela aplicação da jurisprudência da Corte.
Havia uma cadeia de precedentes extremamente expressiva com essa
orientação. E eu tenho pautado os meus votos neste Plenário pela
observância da jurisprudência da Corte.
Naquele julgamento, o eminente Ministro Luís Roberto Barroso, que
também neles acompanhou os Relatores, já ressalvara que iria fazer

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 102 de 140

ADI 4764 / AC

estudo mais acurado sobre a matéria. E hoje eu me sinto muito feliz por
poder acompanhá-lo na divergência aberta, pedindo todas as vênias ao
eminente Ministro Celso de Mello por ousar divergir de Sua Excelência,
pois a tese ora defendida atende à dificuldade que eu externara na
oportunidade no tocante ao tema, mantendo, contudo, a jurisprudência
desta Suprema Corte.
A hipótese, como foi brilhantemente explanado pelo Ministro Luís
Roberto, é de mutação constitucional, diante da evolução dos fatos e do
que estamos a assistir, com todas as circunstâncias envolvidas e seus
reflexos. Impositiva, pois, a viragem jurisprudencial.
Por isso, com relação à inconstitucionalidade formal, pela aplicação
da Súmula Vinculante nº 46, eu estou acompanhando o eminente Relator;
mas, quanto à inconstitucionalidade material, eu acompanho, em todos os
termos, a divergência aberta pelo eminente Ministro Luís Roberto, pelos
fundamentos expendidos, que endosso, renovando o meu pedido de
vênia.

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 103 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhora Presidente, egrégia


Corte, ilustre Representante do Ministério Público, Senhores Advogados,
Estudantes presentes.
Senhora Presidente, ontem, o debate já foi bastante exaustivo, a
ponto de tocar em todas as questões que hoje estão sendo reiteradas, com
única peculiaridade: nesses casos, as Constituições previam essa condição
de procedibilidade, de promover a ação contra o governador mediante
prévia autorização da Assembleia.
O que eu pude verificar é que a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal sempre foi no sentido de prestigiar as Constituições que previam
essa condição de procedibilidade exatamente porque, em regra, não havia
simetria - e nem poderia haver.
O artigo 11 do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias
dispõe:

"Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes


constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de
um ano, contado da promulgação da Constituição Federal,
obedecidos os princípios desta".

Então, na verdade, por força desse artigo 11, e à luz desses julgados
do egrégio Supremo Tribunal Federal de mais de um decênio, eles
afirmavam que aqueles princípios, digamos assim, incapazes de serem
superados, deveriam ser de reprodução obrigatória. Os denominados
"princípios sensíveis" deveriam ser de reprodução obrigatória.
E, no caso específico, o que se verifica é que a própria jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal dizia: essa regra não é obrigatória, mas, já
que a Constituição estadual tem, vamos respeitar essa disposição em

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 140

ADI 4764 / AC

nome da autonomia dos Estados diante da Federação, para que não


vivamos numa federação unitária, centralizadora, em que os Estados não
tenham aptidão para deliberar sobre os seus destinos.
Sucede que, na realidade - e ontem isso foi muito bem destacado -, a
força normativa da Constituição só se impõe quando é correspondente ao
sentimento constitucional. E o sentimento constitucional não é senão
também o sentimento da comunidade como um todo. Por essa razão, em
primeiro lugar, o Professor Konrad Hesse afirmava que a força normativa
dependia desse consentimento e desse sentimento; e o próprio Professor
Peter Häberle, da leitura e da companhia do Ministro Gilmar Mendes,
entendia que há realmente uma sociedade aberta de intérpretes da
Constituição. Então, é preciso que realmente a aplicação e a interpretação
da Constituição obedeçam a esse sentimento constitucional.
E o que estava ocorrendo na prática? Estava havendo uma
dissonância entre a aplicação dessa regra e o sentimento constitucional,
baseados até em dados empíricos. Por quê? Porque as Assembleias
Legislativas, em regra, representam a base governamental do governador,
e, a fortiori, elas não concedem autorização para processar os
governadores. Os governadores, então, não eram processados.
O que houve agora? Houve, digamos assim, uma exacerbação desse
sentimento constitucional que encerra também um dos aspectos da
mutação constitucional. Quer dizer, a mutação constitucional não é só ler
a letra da Constituição de outra forma, também há mutação
constitucional decorrente da inadequação da regra constitucional a uma
nova realidade judicial. E essa nova realidade é revelada através de dados
empíricos: as Assembleias não concedem autorização, os governos não
são processados, e gera-se um clima de impunidade, de insegurança
jurídica e de grave desprestígio para o Poder Judiciário.
Senhora Presidente, também vou fazer a juntada de voto escrito e,
como entendo que não era norma de reprodução obrigatória, é uma
interpretação que conduz a algo que contraria completamente o
sentimento constitucional do povo, é uma interpretação que retira a força
normativa da Constituição, eleva o desprestígio do Poder Judiciário, nada

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 105 de 140

ADI 4764 / AC

desses valores podem, digamos assim, conspirar em prol de um Estado


de Direito.
De sorte que, elogiando, como sempre nos abeberamos nessa fonte,
que é o nosso magnífico Decano, e pedindo todas as vênias também, eu
vou acompanhar a divergência em todos os seus termos.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 106 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Trata-se de ação direta de


inconstitucionalidade com pedido de liminar ajuizada pelo Conselho
Federal da OAB, com a finalidade de que seja declarada a
inconstitucionalidade dos incisos VII (“processar e julgar o Governador e o
Vice-Governador nos crimes de responsabilidade e os Secretários de Estado, nos
crimes da mesma natureza, conexos com aqueles”) e VIII (“declarar a
procedência da acusação, o impedimento e a perda dos cargos de Governador e
Vice-Governador do Estado e demais autoridades, nas hipóteses previstas nesta
Constituição”) do art. 44 e dos trechos ““Admitida a acusação contra o
Governador do Estado, por dois terços da Assembleia Legislativa” (…) “ou
perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade” constantes no
art. 81, todos da Constituição do Acre, bem como para que,
alternativamente, se atribua interpretação conforme a ambos os
supramencionados dispositivos “para o fim de estabelecer que referido
julgamento deve ser feito por intermédio do Tribunal Especial previsto no art. 78
da Lei nº 1.079/50”.
Alegou o autor, inicialmente, a partir da concepção de que os crimes
de responsabilidade possuem natureza penal, que os aludidos
dispositivos da Constituição Estadual do Acre, sob o prisma formal, são
inconstitucionais em virtude de usurpação da competência privativa da
União para legislar sobre direito penal e processual.
Aduziu que os mencionados dispositivos, ao prever a competência
da Assembleia Legislativa para julgamento dos crimes de
responsabilidade atribuídos ao Governador, contrariam o disposto na Lei
Federal nº 1.079/50, que, conforme apontaria jurisprudência desta Corte
Constitucional, tendo sido recepcionada pela Constituição Federal de
1988, estabelece que o julgamento dos crimes de responsabilidade será de
competência do Tribunal Especial mencionado no aludido diploma legal.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 107 de 140

ADI 4764 / AC

Argumentou, por fim, que, agora sob o prisma material, tanto no


que condiz aos crimes de responsabilidade quanto aos crimes comuns, as
normas questionadas, ao condicionar a procedibilidade da acusação em
face do Governador ao voto de dois terços dos deputados estaduais,
contrariam princípios constitucionais inerentes à República e ao regime de
responsabilidade que estão submetidos os agentes políticos .
Contextualizado o objeto da discussão, passa-se ao exame,
separadamente, das hipóteses de inconstitucionalidade cogitadas.

a) Inconstitucionalidade formal relacionada aos crimes de


responsabilidade:

Assim estabelece o Enunciado nº 46 da Súmula Vinculante do STF:

A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento


das respectivas normas de processo e julgamento são da competência
legislativa privativa da União.

De fato, encontra-se consolidado, a partir de reiterados


pronunciamentos do Tribunal, o entendimento de que é privativa a
competência da União para legislar não apenas acerca da tipificação dos
crimes de responsabilidade, como também acerca da regulação de seu
respectivo rito de processamento.
Segundo o art. 22, I, da Constituição Federal, é privativa a
competência da União para legislar, dentre outras matérias, sobre direito
penal e processual, sendo que, apesar de notório dissídio, prevalece, em
sede doutrinária, o entendimento de que os crimes de responsabilidade e
seu respectivo processo possuem natureza predominantemente criminal.
Por outro lado, não se desconhece que o art. 78, caput e §3º, da Lei nº
1.079/50 estabelece que o governador será julgado, nos crimes de
responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e que,
como é de conhecimento comum, o parágrafo único do art. 22 da
Constituição Federal prevê que lei complementar poderá autorizar os Estados
a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 108 de 140

ADI 4764 / AC

Ocorre, inicialmente, que a Constituição Federal, nos termos do seu


art. 85, não prevê reserva de lei complementar para regulação dos crimes
de responsabilidade, o que implica concluir que a Lei Federal nº 1.079/50
não foi recepcionada pela Carta Magna de 1988 com status de lei
complementar. Ademais, não se pode afirmar que o mencionado art. 78
da Lei nº 1.079/50 seja dotado da especificidade exigida pelo art. 22,
parágrafo único, da CF para fins de delegação de competência privativa.
Consectariamente, é de se concluir, em suma, que a Lei Federal 1.079/50
não foi recepcionada pela Constituição Federal no tocante ao ponto,
mormente por caracterizar usurpação da competência privativa da União
para legislar sobre crimes de responsabilidade.
Neste contexto, adotando tais fundamentos, é que se consolidaram
os reiterados precedentes deste Tribunal declarando como
inconstitucional a regulação realizada, por parte de Estado-membro, da
delimitação típica ou da definição do rito de processamento dos crimes
de responsabilidade, consoante exemplifica a ADI 341/PR, de relatoria do
Min. EROS GRAU:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.


9.293, DE 20 DE JUNHO DE 1.990, DO ESTADO DO PARANÁ.
ANISTIA. INTEGRANTES DO MAGISTÉRIO E DEMAIS
SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DO PARANÁ.
PUNIÇÃO DECORRENTE DE INTERRUPÇÃO DAS
ATIVIDADES PROFISSIONAIS. PARALISAÇÃO. PUNIÇÕES
SEM EFEITOS DE 1º DE JANEIRO A 20 DE JUNHO DE 1.990.
NÃO-CUMPRIMENTO DO PRECEITO. CRIME DE
RESPONSABILIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS
ARTIGOS 22, INCISO I; 25, CAPUT; 61, § 1º, INCISO II, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO DIRETA JULGADA
PROCEDENTE. 1. O ato normativo impugnado respeita a "anistia"
administrativa. A lei paranaense extingue punições administrativas
às quais foram submetidos servidores estaduais. 2. Lei estadual que
concede "anistia" administrativa a servidores públicos estaduais que
interromperam suas atividades --- paralisação da prestação de serviços

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 109 de 140

ADI 4764 / AC

públicos. 3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que


cabe ao Chefe do Poder Executivo deflagrar o processo legislativo
referente a lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração,
bem assim disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos
servidores públicos. 4. Aplica-se aos Estados-membros o disposto no
artigo 61, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil. Precedentes. 5.
Inviável o projeto de lei de iniciativa do Poder Legislativo que
disponha a propósito servidores públicos --- "anistia" administrativa,
nesta hipótese --- implicando aumento de despesas para o Poder
Executivo. 6. Ao Estado-membro não compete inovar na
matéria de crimes de responsabilidade --- artigo 22, inciso I, da
Constituição do Brasil. Matéria de competência da União.
"São da competência legislativa da União a definição dos
crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas
normas de processo e julgamento" [Súmula 722] . 7. Ação direta
julgada procedente, por maioria, para declarar a inconstitucionalidade
da Lei n. 9.293/90 do Estado do Paraná.
(ADI 341, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno,
julgado em 14/04/2010, DJe-105 DIVULG 10-06-2010 PUBLIC
11-06-2010 EMENT VOL-02405-01 PP-00001 RT v. 100, n. 904,
2011, p. 155-168 - grifou-se).

Desse modo, na presente ADI, cumpre que se declare, por


incompatibilidade formal em virtude de usurpação da competência
privativa da União para legislar, a inconstitucionalidade dos incisos VII e
VIII do art. 44 e da expressão normativa “(…) ou perante a Assembleia
Legislativa, nos crimes de responsabilidade” constante no art. 81, todos da
Constituição do Estado do Acre.

b) Inconstitucionalidade material relacionada aos crimes comuns:

A jurisprudência do STF é bifronte no que condiz à prerrogativa de,


em relação aos crimes comuns, prever o constituinte estadual a
possibilidade da responsabilização criminal do Governador do Estado vir

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 110 de 140

ADI 4764 / AC

a ser condicionada pela exigência de autorização prévia da Assembleia


Legislativa.
Por um lado, há reiterados precedentes declarando a
constitucionalidade da sobredita prerrogativa quando, tal qual no caso
ora analisado, fora expressa e inequívoca a opção do constituinte de fazer
encartar tal exigência na Carta Magna Estadual. Neste sentido, a ADI
1.008, cujo voto condutor do acórdão é do Min. CELSO DE MELLO, cuja
ementa resta abaixo transcrita, bem como o RE 153.968, de relatoria do
Min. ILMAR GALVÃO, e o RE 159.230, de relatoria do Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -


CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUI - OUTORGA DE
PRERROGATIVAS DE CARÁTER PROCESSUAL PENAL AO
GOVERNADOR DO ESTADO - IMUNIDADE A PRISÃO
CAUTELAR E A QUALQUER PROCESSO PENAL POR
DELITOS ESTRANHOS A FUNÇÃO GOVERNAMENTAL -
INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO
REPUBLICANO - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA DA UNIÃO - PRERROGATIVAS INERENTES
AO PRESIDENTE DA REPUBLICA ENQUANTO CHEFE DE
ESTADO (CF/88, ART. 86, PARS. 3. E 4.) - AÇÃO DIRETA
PROCEDENTE. PRINCÍPIO REPUBLICANO E
RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES. - A
responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma das
pedras angulares essenciais a configuração mesma da ideia
republicana. A consagração do princípio da responsabilidade
do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista
básica do regime democrático, constitui consequência
necessária da forma republicana de governo adotada pela
Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir
da ideia central que lhe e subjacente, o dogma de que todos os
agentes públicos - os Governadores de Estado e do Distrito
Federal, em particular - são igualmente responsáveis perante a
lei. RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR DO

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 111 de 140

ADI 4764 / AC

ESTADO. - Os Governadores de Estado - que dispõem de


prerrogativa de foro ratione muneris perante o Superior
Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a) - estão permanentemente
sujeitos, uma vez obtida a necessária licença da respectiva
Assembleia Legislativa (RE 153.968-BA, Rel. Min. ILMAR
GALVAO; RE 159.230-PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE), a processo penal condenatório, ainda que as
infrações penais a eles imputadas sejam estranhas ao exercício
das funções governamentais .
(...)
(ADI 1008, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a)
p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado
em 19/10/1995, DJ 17-11-1995 PP-40378 EMENT VOL-01809-01
PP-00049 - grifou-se).

Por outro lado, consoante entendimento adotado por esta Corte


Constitucional quando do julgamento da ADI 5540, mostra-se
perfeitamente razoável compreender, a partir de um exercício de
interpretação histórica, que, quando a sobredita condição de
procedibilidade da ação penal não tiver sido expressamente prevista na
Constituição Estadual, o silêncio do constituinte não é fortuito, mas sim
deliberado, mormente se adotada a premissa de que, em consideração às
diferenças quanto à natureza das funções exercidas pelo Presidente da
República e do Governador de Estado, não há falar em exigência de
simetria passível de obrigar a reprodução, em âmbito estadual, do
modelo de responsabilização criminal do Presidente da República e sua
respectiva condição de procedibilidade.
Este ponto, com efeito, merece ser enfatizado: o Presidente da
República é, concomitantemente, Chefe de Governo e Chefe de Estado,
enquanto que o Governador é, no âmbito do respectivo Estado, apenas
Chefe de Governo. Isto implica dizer, consoante bem salientado pelo Min.
EDSON FACHIN no voto por ele proferido na ADI 5540, que o
afastamento do Presidente da República do exercício de suas funções não
importa apenas lacuna na gestão do Poder Executivo Federal (Chefia de
Governo), mas, também, ausência na representação do Estado brasileiro

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 112 de 140

ADI 4764 / AC

perante a comunidade internacional, bem como falta de defesa da


soberania nacional (funções próprias da Chefia de Estado), o que explica
a especial cautela adotada pelo constituinte federal de condicionar o
sobredito afastamento à autorização prévia concedida pela Câmara dos
Deputados (artigos 51, I, e 86, §1º, da CF).
Desse modo, não exercendo o Governador estas funções que são
próprias da Chefia de Estado, não se visualiza qualquer justificativa de
índole político-institucional para que o modelo federal seja, por uma
questão de simetria, obrigatoriamente reproduzido em âmbito estadual,
mormente quando ausente previsão expressa na Constituição Estadual a
respeito.
Importa consignar, diante de tal quadro, que a jurisprudência do
STF - embora versando não sobre condição penal de procedibilidade, mas
sim sobre as imunidades materiais do Chefe do Poder Executivo - possui
importante precedente indicativo de que a observância do princípio da
simetria não é obrigatória na contraposição entre os regimes de regulação
do Presidente da República e do Governador de Estado, justamente
porque o último não desempenha as funções de chefia de Estado que são
próprias do primeiro. Trata-se da mesma ADI 1008 antes mencionada, de
relatoria do Min. ILMAR GALVÃO, mas voto condutor lavrado pelo Min.
CELSO DE MELLO, cuja ementa, no ponto que interesse, segue transcrita
abaixo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -


CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUI - OUTORGA DE
PRERROGATIVAS DE CARÁTER PROCESSUAL PENAL AO
GOVERNADOR DO ESTADO - IMUNIDADE A PRISÃO
CAUTELAR E A QUALQUER PROCESSO PENAL POR
DELITOS ESTRANHOS A FUNÇÃO GOVERNAMENTAL -
INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO
REPUBLICANO - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA DA UNIÃO - PRERROGATIVAS INERENTES
AO PRESIDENTE DA REPUBLICA ENQUANTO CHEFE DE
ESTADO (CF/88, ART. 86, PARS. 3. E 4.) - AÇÃO DIRETA

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 113 de 140

ADI 4764 / AC

PROCEDENTE. PRINCÍPIO REPUBLICANO E


RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES.
(…)
A imunidade do Chefe de Estado a persecução penal
deriva de cláusula constitucional exorbitante do direito comum
e, por traduzir consequência derrogatória do postulado
republicano, só pode ser outorgada pela própria Constituição
Federal. Precedentes: RTJ 144/136, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE; RTJ 146/467, Rel. Min. CELSO DE MELLO. Analise
do direito comparado e da Carta Politica brasileira de 1937.
IMUNIDADE A PRISÃO CAUTELAR - PRERROGATIVA DO
PRESIDENTE DA REPUBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA
EXTENSAO, MEDIANTE NORMA DA CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL, AO GOVERNADOR DO ESTADO. - O Estado-
membro, ainda que em norma constante de sua própria
Constituição, não dispõe de competência para outorgar ao
Governador a prerrogativa extraordinária da imunidade a
prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária,
pois a disciplinação dessas modalidades de prisão cautelar
submete-se, com exclusividade, ao poder normativo da União
Federal, por efeito de expressa reserva constitucional de
competência definida pela Carta da Republica. - A norma
constante da Constituição estadual - que impede a prisão do
Governador de Estado antes de sua condenação penal definitiva
- não se reveste de validade jurídica e, consequentemente, não
pode subsistir em face de sua evidente incompatibilidade com o
texto da Constituição Federal. PRERROGATIVAS INERENTES
AO PRESIDENTE DA REPUBLICA ENQUANTO CHEFE DE
ESTADO. - Os Estados-membros não podem reproduzir em
suas próprias Constituições o conteúdo normativo dos
preceitos inscritos no art. 86, pars. 3. e 4., da Carta Federal,
pois as prerrogativas contemplada nesses preceitos da Lei
Fundamental - por serem unicamente compatíveis com a
condição institucional de Chefe de Estado - são apenas
extensíveis ao Presidente da Republica . Precedente: ADIn
978-PB, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 114 de 140

ADI 4764 / AC

(ADI 1008, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a)


p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado
em 19/10/1995, DJ 17-11-1995 PP-40378 EMENT VOL-01809-01
PP-00049).

No plano doutrinário, também são convergentes as vozes mais


significativas no sentido de apontar que a observância do princípio da
simetria pelo constituinte estadual não é obrigatória, podendo vir a ser
relativizada quando a norma inscrita na Carta Magna Estadual não versar
sobre questão pertinente ao inter-relacionamento entre os poderes ou,
ainda, caso o verse, se houver, pela natureza das instituições políticas
reguladas, incompatibilidade inconciliável entre os modelos federal e
estadual. Neste sentido, é a lição doutrinária de GILMAR MENDES,
INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET
BRANCO (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p. 812-914):

“A exuberância de casos em que o princípio da separação de


Poderes cerceia toda a criatividade do constituinte estadual levou a
que se falasse num princípio da simetria, para designar a obrigação do
constituinte estadual de seguir fielmente as opções de organização e de
relacionamento entre os poderes acolhidos pelo constituinte federal.
Esse princípio da simetria, contudo, não deve ser compreendido
como absoluto. Nem todas as normas que regem o Poder Legislativo
da União são de absorção necessária pelos Estados. As normas de
observância obrigatória pelos Estados são as que refletem o inter-
relacionamento entre os Poderes. Assim, uma vez que a regra dizia
apenas com a economia interna do Legislativo estadual, o STF julgou
válida a norma da Constituição de Rondônia que permitia a reeleição
da mesa diretora da Assembleia Legislativa.
Há, ainda, casos em que o preceito federal não constitui modelo
para o Estado, não podendo ser para ele transposto.
O STF já afirmou que a norma da CF que torna o Presidente da
República imune à prisão cautelar por crime que não guarde conexão
com suas atividades funcionais, ou que impede o curso da ação penal
nesses casos, não pode ser adotada nos Estados, para estender aos

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 115 de 140

ADI 4764 / AC

Governadores semelhantes privilégios. Assim se decidiu porque a


imunidade do Chefe de Estado à persecução penal deriva de cláusula
constitucional exorbitante do direito comum e, por traduzir
consequência derrogatória do princípio republicano, só pode ser
outorgada pela própria Constituição Federal.”

Em suma, é bifronte a jurisprudência do STF acerca do tema: em


havendo, na Constituição Estadual, previsão da condição de
procedibilidade da autorização prévia do Poder Legislativo para
processar e julgar Governador pela prática de crime comum, tal previsão
era reputada como constitucional; por outro lado, em não havendo a
sobredita previsão, entendia-se que a observância da simetria não se
afigurava como obrigatória, de modo que a opção deliberada do
constituinte estadual de não exigir a referida condição de procedibilidade
também era qualificada como constitucional.
Ocorre que a presente ação direta de inconstitucionalidade confere a
este Tribunal a oportunidade de avançar em tal posicionamento
jurisprudencial, ampliando-se, à luz da mutação constitucional e da
evolução social havidas ao longo das últimas décadas, o espectro de
proteção do princípio republicano.
Sobre o ponto, impende enfatizar o seguinte fundamento.
Consoante já fora destacado por este signatário no voto proferido
por ocasião do julgamento da ADI 5540, o que atribui, de acordo com
KONRAD HESSE, força normativa à Constituição é o sentimento do povo
em relação à realidade constitucional. Estabelecida tal premissa, não se
pode deixar de apontar que, atualmente, o justificado clamor social de
combate à impunidade não se mostra compatível, quando ausentes
justificativas outras de cunho político-institucional, com a prerrogativa
conferida ao Poder Legislativo Estadual de, eventualmente, obstar a
instauração de ação penal em face do Governador do Estado, sobretudo
porque é de conhecimento geral a influência que o Chefe do Poder
Executivo Estadual pode exercer sobre o Parlamento Estadual no caso,
bastante recorrente, do grupo político governista possuir maioria política
em âmbito legislativo.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 116 de 140

ADI 4764 / AC

Não se pode, com efeito, olvidar que, sem prejuízo da sua


compreensão em relação ao seu caráter geral de forma de governo na
qual se garante igualdade de condições para investidura no poder, o
princípio republicano pode ser decomposto em diversos aspectos
específicos, dentre os quais a existência de uma estrutura político-
organizatória que seja, efetivamente, garantidora das liberdades civis e
políticas; bem como a partir da legitimação do poder político,
consubstanciada no princípio democrático de que a soberania reside no
povo e se exerce por meio de representantes democraticamente eleitos e
que possuam legitimidade para seguir no exercício da sobredita função
eletiva (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p. 147/148).
Diante de tal quadro, o que se propõe é avançar quanto ao
entendimento jurisprudencial até então preponderante no âmbito deste
Tribunal, compreendendo-se que a exigência de autorização prévia da
Assembleia Legislativa para fins de instauração de ação penal contra
Governador do Estado não se afigura como compatível com o atual
modelo constitucional, mesmo se tal condição penal de procedibilidade
tiver sido expressamente prevista pelo constituinte estadual em relação
aos crimes comuns.
Cumpre, assim, que os pedidos da presente ADI sejam julgados
integralmente procedentes, inclusive para declarar a
inconstitucionalidade da expressão “Admitida a acusação contra o
Governador do Estado, por dois terços da Assembleia Legislativa (...)” constante
no art. 81 da Constituição Estadual do Acre.

Ex positis, voto pela procedência integral dos pedidos de


declaração de inconstitucionalidade.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 117 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhora


Presidente, ontem nós nos debruçamos sobre um caso singular que
correspondia exatamente à Constituição de Minas Gerais. E lá havia o que
os juristas chamam de "um silêncio eloquente": a Constituição local não
previa a prévia autorização da Assembleia Legislativa para processar o
Governador.
Não obstante esse fato – e a conclusão seria simples no sentido de
dizer que, se a Assembleia Constituinte estadual não previu essa
hipótese, não seríamos nós aqueles autorizados a impor, ao Estado de
Minas Gerais, esta obrigação. Nós avançamos bem mais na discussão, e os
argumentos ontem esgrimidos se refletem na Sessão de hoje. Nós
avançamos bem e, salvo dois substanciosos votos vencidos - como sempre
substanciosos, especialmente o do nosso eminente Decano aqui presente
-, chegamos à conclusão, em primeiro lugar –, que havia uma
jurisprudência antiga na Corte que datava da época em que os
Governadores eram julgados pelos Tribunais de Justiça. Então, era
necessário, naquele momento, para guardar a harmonia e a
independência entre os Poderes locais, dentro de uma unidade da
Federação, a prévia autorização da Assembleia Legislativa, sob pena de,
eventualmente, permitir que o Poder Judiciário estadual impusesse sua
vontade, ou, de qualquer forma, pressionasse o Governador de uma
determinada unidade federativa.
Mas eu penso que, com o advento da Constituição de 1988, essa
situação se alterou drasticamente. E por quê? Meramente porque se
deferiu, ao Superior Tribunal de Justiça, a competência expressa para
julgar os Governadores de Estado sem qualquer tipo de
condicionamento.
Para manter essa posição de outrora, seria necessário interpretar o

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 118 de 140

ADI 4764 / AC

artigo 25 da nossa Carta Magna, que estabelece:


"Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição".
Ela não decorre do poder de auto-organização consignado no artigo
25 da Carta Magna, muito menos dos chamados poderes residuais, que
são aqueles previstos, em tese, no parágrafo único desse mesmo
dispositivo.
Penso, portanto, Senhora Presidente, que se trata de uma
jurisprudência hoje - como já foi demonstrado - superada, com o devido
respeito por aqueles que pensam em contrário. E, ainda que assim não
fosse, o artigo 22, § 1º, da Carta da República - como também foi dito
ontem e hoje - estabelece, como competência privativa da União, a
iniciativa para legislar em matéria de processo penal, portanto, não
poderia o Estado criar regras processuais ou procedimentais para o
julgamento dos Governadores.
Então, Senhora Presidente, com essas singelíssimas palavras, eu peço
vênia para acompanhar a divergência e acompanho, inclusive, a tese
enunciada pelo Ministro Luís Roberto Barroso.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu até,
Ministro Gilmar, ontem havia proposto, e eu refiz, depois que acabar a
votação, de modo que seja a tese de julgamento e a proposta de súmula.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 119 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, ontem já


tivemos um substancioso debate, tendo como pano de fundo a
Constituição de Minas Gerais. E, de fato, esse tema é um que continua e
deve continuar a merecer reflexão, porque estamos aqui e é muito
interessante esse nosso discurso federativo.

Na Alemanha, falava-se que o discurso pela reunificação do país,


Sonntagsrede, era discurso de domingo - na segunda, faz-se qualquer
outra coisa, mas nada consonante àquilo. Acho que o discurso federativo
do Brasil também tem um pouco dessa perspectiva. Todos somos
federalistas, mas todos somos, na prática, centralizadores.

Então, a opção do texto constitucional de 88, ao dar ao Superior


Tribunal de Justiça essa competência, obviamente, revelou uma
concepção antifederalista, notoriamente antifederalista. Tanto que é uma
sugestão, acho que de jure constituendo se, em algum momento, o
legislador constituinte debruçar-se sobre isso, tem de fazer, talvez, uma
mudança, porque se confere a primazia do julgamento de governadores
ao âmbito federal, o que significa uma intervenção de todos os órgãos
federais em um processo de agente político estadual. Só para fazer esse
registro, porque a toda hora estamos jurando convicções federalistas e
sempre produzimos, depois, essas heresias. Neste caso, o próprio texto
constitucional originário fez a opção.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Vossa Excelência me permite


só uma observação?
É que houve uma mudança do modelo. Anteriormente a esse novo

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 120 de 140

ADI 4764 / AC

modelo, o Governador do Estado nomeava todos os membros do


tribunal, quer por antiguidade, quer por merecimento, quer pelo quinto.
Então, talvez, tenha-se criado um instrumento, digamos assim, objetivo
de isenção e de imparcialidade, remetendo-se o julgamento para um
tribunal alheio à unidade federada. Pareceu-me que tenha sido isso.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Mas assim como


estamos fazendo leitura de fatos no tempo, também isso envolve uma
brutal intervenção federal no âmbito dos estados, com Polícia Federal,
com Ministério Público Federal, com o próprio STJ, enquanto órgão
federal. Mas essa é uma consideração a latere, só para colocar essa
heteronomia do processo. Mas é evidente que, já há algum tempo, havia
sinais de certa dissintonia, de certa disfuncionalidade.

Ontem, falou-se aqui do número de não licenças, fenômeno que


também se viveu com a imunidade parlamentar. Até o advento da
Emenda Constitucional nº 35, que tratava do tema, o Congresso nem se
pronunciava sobre os pedidos de licença. Também, ocorreu isso em
relação a todos esses casos de oferta de denúncia ou possibilidade de
oferta de queixa. Então, a mim, me parece que, nesse sentido, era um grau
de impunidade com contaminação, que se falou, do próprio sistema.

Esses dias, alguém observava que, em dados estados, a debilidade


de um dado governador, diante das acusações, levava-o a criar um
modelo de semipresidencialismo, em que o presidente da assembleia,
tendo em vista o controle que tinha de determinado grupo de
parlamentares, acabava por exercer uma influência, às vezes, maior do
que a do próprio governador. São distorções que se acabam
desenvolvendo a partir desse modelo.

A mim, me parece que estamos encaminhando para uma releitura,


tendo em vista fatos, valores e normas - para usar a expressão do querido

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 121 de 140

ADI 4764 / AC

professor Miguel Reale -, portanto, atualizando essa leitura que,


certamente, pode não ser a última nesse tema.

Também, incomoda-me - mas a jurisprudência já era nesse nesse


sentido - essa qualificação - e, de novo, volto à consideração sobre o
Sonntagsrede -, a questão do crime de responsabilidade. É muito curioso
isso. Estava até conversando com o ministro Celso e ele perfilhava a
posição - que é a doutrinária de Alexandre e de tantos outros, a partir de
Paulo Brossard - no sentido de que o crime de responsabilidade,
enquanto responsabilidade político-administrativa, deveria ser
considerado não um tipo penal e, portanto, deixar a possibilidade de
regulação para o próprio estado-membro. Mas o Tribunal caminhou em
outro sentido; é matéria que, talvez, em algum momento, tenha de ser
revista, mas esse é o dado que se tem.

Então, aqui nosso discurso é no sentido do amor à estrutura


federativa, mas, na prática, caminhamos para um modelo centralizador.

Eu faço apenas esse registro, porque, certamente, esse é um exemplo,


dentre tantos outros, em que, de fato, o amor federativo é apenas ficto.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Não


tenho dúvida de que é preciso reconstruir, em nosso País, um modelo que
se revele fiel aos elementos que informam o princípio federativo.

O Supremo Tribunal Federal, nesse sentido, dispõe de poder,


inteiramente fundado na Constituição, para, mediante construção
hermenêutica, viabilizar a consecução desse alto objetivo institucional.

Para que tal ocorra, no entanto, torna-se necessário que não se


privilegie, no processo decisório desta Suprema Corte, a constante
invocação, como “standard”, do modelo federal, cuja observância –

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 122 de 140

ADI 4764 / AC

ninguém o ignora – tende a reduzir a autonomia institucional das demais


unidades federadas, afetando, diretamente, um dos atributos de maior
relevo que caracteriza a própria noção de Federação.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Portanto,


Presidente, só fazendo esse registro. A questão já está definida, e até
entendo que a mantença dessa jurisprudência em relação a essa certa
assimetria tinha a ver com esse controle dessa desfuncionalidade, porque
se tratava de processo contra o Governador, mas precisava-se da licença
da Assembleia.

O resultado, depois de quase trinta anos de aplicação da


Constituição, levou a esse quadro de inaplicação. No fundo, talvez, na
Assembleia, haja o espírito de corpo e um domínio, a presença
governamental ainda mais forte do que obviamente acontece no âmbito
do Congresso. Parece ser esse o dado que resulta dessa prática, mas, com
certeza, com o papel do STJ nessas circunstâncias, temos - para usar uma
expressão portuguesa - uma geringonça. De fato, trata-se de uma
geringonça um órgão federal julgando governadores em nome dessa
independência federativa. Certamente, já estou até fazendo sugestão a
que o Congresso, também, mude esse modelo se tiver tanto amor à
federação.

Mas acompanho o voto do ministro Barroso, como já o tinha feito


ontem, pedindo todas as vênias ao ministro Celso de Mello.

Óbvio que, certamente, vamos ter um reencontro com esse tema da


responsabilidade e não terei dificuldade em me filiar à posição sustentada
por Sua Excelência, da qual ele já tinha declinado em razão do princípio
da colegialidade.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 123 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, sou um


bom ouvinte, principalmente na condição de juiz. Tenho paciência para
ouvir e ponderar as múltiplas observações dos Colegas. Começo fazendo
justiça aos dois votos vencidos na assentada de ontem. A Constituição
Federal não sofreu mudança alguma. A norma de parâmetro para
julgamento destas ações diretas de inconstitucionalidade continua sendo
a mesma. O que tivemos foi mutação em termos de ato de vontade, que é
o de interpretar. Então, a voz isolada de ontem, insistente, acabou se
tornando a prevalecente.
Aproveito a oportunidade para dizer que a mesclagem do federal e o
estadual não ocorre apenas no campo jurisdicional. Nós a tivemos com a
criação dos Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público, e o
Tribunal, contra meu voto, afastou a possibilidade de se emprestar, ao
que ocorreu, a pecha de inconstitucional, muito embora inexista órgão
central para controlar os Executivos e Legislativos estaduais; mas há
órgão central para controlar outro poder da unidade da Federação, que é
o Judiciário.
Aproveito a ocasião para fazer duas ponderações. A primeira diz
respeito – e estamos aqui a tratar do afastamento – ao órgão competente
para implementá-lo. Entendo que, levando em conta estar a inspiração na
Constituição Federal quanto ao Presidente da República que, em se
tratando do Chefe do Poder Executivo estadual, eleito pelo povo, há de
colar-se ao afastamento segurança maior, não cabendo a atuação
individual do Relator. Isso no tocante ao Executivo municipal e também
ao estadual. Sabemos que, relativamente ao Presidente da República, o
afastamento decorre do recebimento da denúncia, e a competência para
tanto não é do Relator, mas, sim, do Colegiado. Esse é um ponto, e
devemos evitar incidentes futuros.
O segundo está ligado ao período de afastamento. Tem-se em jogo
mandato balizado no tempo, e é preciso que o afastamento não se
perpetue conforme a demora na tramitação do processo-crime. Há de

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 124 de 140

ADI 4764 / AC

adotar-se também, como parâmetro para fixar balizas, o que nos vem da
Constituição Federal e prever que o fenômeno não pode perdurar por
mais de 180 dias, como ocorre em relação ao Presidente da República.
São as duas colocações que faço, porque estamos tratando do
instituto afastamento, as quais visam, acima de tudo, evitar incidentes
futuros e colar ao pronunciamento do Supremo a almejada segurança
jurídica.
Reporto-me, no que diz respeito à matéria de fundo, ao voto isolado,
anteriormente, e ao proferido na assentada de ontem, no sentido da
desnecessidade da autorização do órgão político, que é a Assembleia
Legislativa, para ter-se a persecução criminal, a instauração do processo-
crime. Quanto ao crime de responsabilidade, acompanho o Ministro
Relator Celso de Mello.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 125 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Também faço observações brevíssimas, até porque, como já foi dito mais
de uma vez, ainda no julgamento de ontem - fui até Relatora de um dos
casos -, que manteve a jurisprudência do Supremo, que prevalecia então,
rigorosamente, no sentido de que havia possibilidade de, no exercício do
espaço federativo, adotar-se providências como a de incluir, na
Constituição Estadual, regra que determinasse a necessidade de
autorização prévia.
E, portanto, na votação de hoje, como fiz na de ontem - na de ontem,
havia uma peculiar condição, que era uma previsão normativa em
sentido contrário, afastando essa necessidade -, estou, neste caso,
alterando, não a decisão que tomei ontem, mas o entendimento que
firmei naquela decisão para, com as vênias do Ministro Celso de Mello,
Relator dos três casos, acompanhar a divergência iniciada pelo Ministro
Roberto Barroso, fundamentalmente porque o entendimento de que o
princípio federativo comportaria, de uma forma diversificada, com base
no princípio da autonomia federativa, conduziu a uma quase ineficácia
da normas das Constituições Estaduais. E, como a Constituição é feita
para o mundo e não para apenas ideias -ainda que boas ideias -, acho que
a interpretação que agora é iniciada pelo Ministro Luís Roberto Barroso
oferece exatamente a possibilidade de uma maior eficácia jurídica e social
do objetivo da norma constitucional. E, por esse motivo, é que avanço no
sentido de adotar o que foi aqui preconizado.
Também acho, e não poderia deixar de fazer em parte coro,
trazendo a preocupação exposta pelo Ministro Gilmar Mendes, no
sentido de que somos federativos na ideia e pouco federativos na prática.
Tenho uma enorme preocupação com a questão federativa, acho que,
neste caso, Ministro, talvez haja, por parte do juiz - e muito mais do juiz
constitucional, que é nosso papel -, também um outro elemento de que

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 126 de 140

ADI 4764 / AC

não se pode ele afastar. Somos federativos, nos termos que a Constituição
estabelece, para cumprir o princípio federativo. E quando esse princípio é
desnaturado por ausência de talvez uma conformação sócio-política, que
nos dê os contornos sociais e políticos necessários para que a federação
complemente e se complete, acaba se levando a esse tipo de situação.
Nós vemos isso em muitos casos, por exemplo, em matéria eleitoral.
Muitas das Leis eleitorais que ainda prevalecem poderiam ser
consideradas, de alguma forma, contrárias ao que se tem em termos de
federação.
Entretanto, a Constituição optou por esse modelo nacional
exatamente porque o conhecimento das práticas e a não superação das
práticas deletérias em termos éticos que desagregam e que desfazem a
construção federativa prevista constitucionalmente, acabam levando à
centralização de determinadas decisões.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -
Presidente, Vossa Excelência me permite um rapidíssimo aparte?
O que a doutrina indica, com muita clareza, que nós superamos
aquela fase do Século XVIII, que se projetou um pouco no Século XIX, que
é o federalismo dual, onde havia duas esferas de competências e rendas
absolutamente estanques.
Hoje, por uma série de razões, que não convém aprofundar aqui, nós
passamos para o federalismo de integração ou de cooperação, onde as
esferas estão interligadas em vários aspectos, seja do ponto de vista das
competências, seja das rendas. E ocorrem essas aparentes distorções,
como um órgão judiciário da União julgar um chefe de poder de uma
unidade da federação. Mas isso é próprio desse nosso modelo, do modelo
federal que tem evoluído por razões várias, dentre elas, essa necessidade
que tem do Estado intervir rapidamente na sociedade e na economia
nesse mundo moderno. E o Estado interviu exatamente a partir do poder
central, que é mais ágil, mais dinâmico, mais apto a reagir aos diferentes
estímulos.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 127 de 140

ADI 4764 / AC

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): É


interessante observar que a ideia de Federação, no Brasil, surge, com
bastante intensidade, durante o regime monárquico, notadamente no
âmbito do Partido Liberal, cujos membros advogavam a tese da
monarquia federativa.

Sob a República, a concepção de Estado Federal desenvolveu-se de


modo progressivo, iniciando-se, com a Constituição de 1891, pelo modelo de
federalismo dual, que evoluiu, por sua vez, para o de federalismo de
cooperação, atingindo, na vigência das Cartas Políticas de 1967 e de 1969, a
configuração de federalismo de integração, sendo digna de nota a proposta
formulada pelo eminente Professor Paulo Bonavides, que preconiza a
institucionalização, entre nós, do federalismo regional (Revista de
Informação Legislativa, vol. 37/21-42).

Não obstante todas essas classificações tipológicas, o fato


irrecusável é que, embora prevalecendo entre nós a noção de federalismo
de equilíbrio (em contraposição, p. ex., ao modelo de federalismo
hegemônico vigente na Índia), o sistema federal brasileiro vem sofrendo
graves restrições em virtude de tendência que conduz a uma indisfarçável
centralização especial em torno da União Federal.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - No


momento, aliás, em que nós não tínhamos federalismo nenhum, a não ser
no texto de uma emenda que nem Constituição se chamava -
denominava-se emenda.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): É


lamentável reconhecer que a ideia de Federação tem-se convertido em
pura ficção político-institucional...

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É fácil de ver isso,


Presidente, até naquelas questões em que há faculdades no texto

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 128 de 140

ADI 4764 / AC

constitucional para fortalecer a competência dos estados. Por exemplo, no


que diz respeito aos procedimentos - o ministro Celso lembrava disso -, a
possibilidade - artigo 24 - para legislar sobre procedimentos em matéria
processual, em que raramente temos algo validado nesse sentido.

Quanto à chamada competência concorrente, há ideia dessa


possibilidade que se tentou mimetizar do Direito alemão, em que se
envolve a necessidade de que a União se limite a estabelecer apenas
regras gerais. Entre nós, em geral, essas normas gerais, quando se fala,
por exemplo, em lei orgânica de uma dada carreira, chega a ser tão
específica que dá até a cor da carteirinha.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - A


Lei de Licitações. Uma coisa é a licitação em São Paulo, outra coisa é a
licitação em um pequeno município do interior... Então, nós temos um
leque enorme de casos.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Juizado de
pequenas causas.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Em suma, eu me


lembro de um caso só, nessa linha favorável à federação, em que
discutimos a possibilidade, acho que um dado estado estabeleceu a
possibilidade de reclamação em sede de controle de constitucionalidade.
E consideramos, a despeito de haver a disciplina sobre lei processual
prevista no texto constitucional, que isso aqui era um processo
constitucional específico e entendemos, então, que o estado poderia, sim,
regular esse tipo de matéria.

Mas, em geral, fazemos o discurso em um sentido e atuamos em


outro, inclusive, no que diz respeito a esse modelo da competência
concorrente do Legislativo, que é um grande desafio.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 129 de 140

ADI 4764 / AC

De modo que, até mesmo no que diz respeito ao texto constitucional,


digo que há esse Sonntagsrede, esse "discurso de domingo" porque, na
prática, estamos aplicando, por exemplo, o texto novo - que é de trinta
anos - sobre a distribuição de competência legislativa com os olhos do
modelo supletivo anterior.

Então, só estou agitando essa questão para reflexão.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Entendo perfeitamente, Ministro. O que estou dizendo é que há dois
lados que nós, juízes constitucionais, não podemos perder de vista.
Houve uma opção federativa; essa tem sido uma questão permanente na
história brasileira. Basta ver que, no período imperial, a única discussão
entre liberais e conservadores era sobre centralização e descentralização,
como se expõe na obra de Tavares Bastos. Isso nunca deixou de acontecer
no Brasil: descentraliza-se mais ou centraliza-se mais, mesmo num
período em que o Estado era unitário. Depois, Rui Barbosa foi taxativo ao
dizer que, ele que era um federalista – não era republicano; era
republicano do dia seguinte, mas federalista -, aquela primeira
Constituição de 1891 deu tantas competências ao Estado que: "Ontem, de
federação, não tínhamos nada. Hoje, não há federação que nos baste."
A partir de 1934, com o federalismo cooperativo, como apelidou
inicialmente o Professor Raul Machado Horta, nós passamos a ter mais
competências para os Estados, até porque cresceram as competências que
eram da União, serviços públicos, direitos sociais, que são entregues ao
Poder Executivo e muito mais à União. E também a questão da segurança
nacional. Então, cresceu realmente o poder do ente nacional. Tanto que,
na Constituinte de 46, o Ministro Victor Nunes Leal dizia que a questão
não era de discutir a autonomia, mas a falta de autonomia.
E, como se dão competências - como aconteceu em 88, em que se
discutiu a questão federativa, o município passou a integrar o artigo 1º da
Constituição -, mas não se dá recurso, é claro que sempre ficam à míngua
essas entidades locais. Além do que, nós temos uma cultura, na

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 130 de 140

ADI 4764 / AC

sociedade, pouco federativa, Ministro Gilmar. Basta ver que as


Constituições estaduais copiam muitas vezes, e não apenas as regras de
repetição obrigatória, mas copiam muito mais. Não pode ser igual uma
Constituição de um Estado do Norte e outra do Sul do país, com
realidades diferentes, a não ser naquilo que seja o núcleo essencial da
Federação. Isso aconteceu e continua acontecendo.
Então, acho que temos a questão federativa como centro. Nós somos,
continuo achando, como dizia o Rui, um Estado naturalmente federativo,
quer dizer, as condições da natureza impõem a federação, impõem a
descentralização. E o modelo que nós temos é esse.
A questão é que nós não temos, parece, a Federação como um dado
da cultura da sociedade brasileira, inclusive na jurisdição. Tudo acaba
vindo à entidade ou ao órgão nacional, como era no período em que
éramos colônia, quer dizer, o Tribunal Ultramarino é que tinha que
resolver; hoje tudo vem parar em Brasília. Ação direta de
inconstitucionalidade estadual, que foi introduzida e as representações
pelo artigo 25 das Constituições estaduais, inicialmente, e que não podia
ser objeto de recurso extraordinário, o próprio Supremo passou a admitir.
Ora, se a ação era contra a Constituição estadual, mesmo quando não
fosse de regra obrigatória, nós nem deveríamos ter esse instrumento
recursal. E foi aceito.
Acho que Vossa Excelência tem razão. Esse é um dado, um assunto
sobre o qual nós temos de refletir do ponto de vista jurídico e do ponto de
vista da Ciência Política. Agora, para a decisão, nós temos que ver a
Constituição. Esses dados que trago são para reflexão sobre as
dificuldades com que temos que nos deparar nas soluções.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhora
Presidente, mais uma pequeníssima intervenção?
Esse assunto do federalismo e a prática que nós estamos, enfim,
empreendendo sobre esse tema da maior magnitude merecem uma
reflexão um pouco mais aprofundada. Este julgamento mesmo de hoje
demonstra que nós temos, não só no Supremo, com a devida vênia, mas
também na sociedade de modo geral e no âmbito político, um certo

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 131 de 140

ADI 4764 / AC

preconceito, uma certa desconfiança da capacidade de gestão dos Estados


e dos Municípios. Isto foi manifestado hoje aqui, quando dissemos que as
Assembleias não têm o discernimento correto e amplo para poder decidir
sobre o processo de um governador.
Nós empreendemos recentemente a reforma da Previdência, a
reforma Administrativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal. O eminente
Ministro Marco Aurélio aludiu ao CNJ, às Súmulas Vinculantes, tudo isso
revela que nós brasileiros, lamentavelmente, entendemos que os Estados
não têm maiores aptidões administrativas.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Por
isso que disse que essa é uma questão de Ciência Política, além de ser de
Direito.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A razão de ser está no
inverso do que ocorreu nos Estados Unidos da América: partimos da
centralização para a descentralização, e não da descentralização para a
centralização.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Enfim, mas foram observações que fiz apenas para afirmar que a questão
federativa, para mim, continua muito aquém do desenvolvimento que
nós tivemos em termos do Princípio Republicano. Acho que nós andamos
bem no Princípio Republicano, apesar dos pesares, das catimbas que são
muitas ainda, mas andamos e temos muita preocupação com isso, nós
cidadãos, nós servidores públicos, nós sociedade brasileira. Já a
Federação continua sendo um tema que não chegou, talvez, a uma
cidadania participativa, e é preciso que realmente chegue.
E por isso é que, com todas essas observações, e tendo votado, digo
que estou acompanhando, a despeito de ter votado em sentido diverso,
mas até para que haja um quadro de competências estabelecidas de
maneira igual para um órgão judicante, como é o Superior Tribunal, que
haverá de julgar todos os Governadores segundo as idênticas regras, no
sentido que foi proposto a partir da divergência iniciada, em parte, pelo
Ministro Luís Roberto Barroso. E, portanto, com as vênias do Ministro
Celso de Melo, voto com a divergência.

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Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 132 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


eu estou conjugando a tese de hoje com a de ontem, para ficarem tão
sintonizadas quanto possível, e já figurar como uma proposta de súmula
vinculante para tramitar.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - E
depois Vossa Excelência encaminhará.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Portanto,
ficou assim:
É vedado às unidades federativas - botei unidades federativas para
abranger o Distrito Federal também, em vez de Estados - instituírem
normas que condicionem a instauração de ação penal contra governador,
por crime comum, à prévia autorização da Casa Legislativa, cabendo ao
Superior Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente, sobre a
aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Mas, neste caso, nós temos também a questão do crime de
responsabilidade.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - É, mas isso
não estamos sumulando, porque já há súmula.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Já
temos súmula, então?

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Há


súmula vinculante, inclusive. Trata-se da Súmula Vinculante 46/STF.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Então, eu acho que, neste caso, essa tese, quanto ao crime de
responsabilidade, comparecerá na ementa do julgado, não isso? Porque
ele é objeto também. E a tese é que não precisará comportar, porque

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Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 133 de 140

ADI 4764 / AC

temos súmula anterior. Correto?


O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO -
Perfeitamente. Uma das proposições da ementa, a primeira proposição da
ementa é:
A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento da
respectivas normas de processo e julgamento são da competência
legislativa privativa da União - e remeto à Súmula Vinculante nº 46.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Ótimo!
Aliás, eu indagaria: há alguma objeção à tese apresentada pelo
Ministro Roberto Barroso?
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Presidente,
eu já havia conversado com o Ministro Barroso, porque foi salientado
pelo Ministro Marco Aurélio, talvez fosse importante colocar esse limite
de 180 dias do prazo de afastamento, porque é o limite máximo também,
seja para crime de responsabilidade, seja para infração penal para o
Presidente da República. Obviamente, não para o processo, mas para o
afastamento.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -Mas
isso foi discutido? Isso não foi discutido.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Foi o
Ministro Marco Aurélio que suscitou só a questão.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Foi uma colocação,
porque estamos a tratar do afastamento.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Exato!
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Então, penso que a
matéria está inserida no tema.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Agora,
quando o Ministro Marco Aurélio levantou esse tema, eu me lembrei que,
durante o recesso, aliás, não só durante o recesso, mas durante todo o
mandato do Presidente - Vossa Excelência sabe muito bem disto -, uma
das competências legais e regimentais do Presidente é suspender
medidas cautelares. Quer dizer, nós temos mais um freio e contrapeso a

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Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 134 de 140

ADI 4764 / AC

um eventual excesso do STJ no que diz respeito a uma aplicação de uma


cautelar que diga respeito ao afastamento do Governador.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas se podemos
evitar incidentes ...
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Em
incontáveis decisões, eu suspendi liminares, afastando os Prefeitos dos
respectivos cargos, sem uma fundamentação devida. Então, nós temos já
alguns mecanismos que podem coibir abuso e excessos.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - O texto


constitucional, de qualquer forma, em relação ao Presidente, é
excessivamente otimista. Não conheço nenhum caso de ação penal
julgada, em 180 dias, no mérito. De fato, acho que isso teria de ir para o
Guinness.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Eu


vou, Ministro, então, colher os votos separadamente.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Não. Eu deixaria, de


fato, fora do...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu também


achei uma consideração relevante, mas eu gostaria de amadurecê-la, não
colocaria na tese.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu não colocaria


isso na tese, porque realmente é muito difícil.

Já tive casos também, em habeas corpus e coisas do tipo, em que um

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Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 135 de 140

ADI 4764 / AC

dado conselheiro de um dado estado, tribunal de contas, ficou afastado


por três, quatro anos, por ordem do STJ. Então, também isso leva a
desproporções, evidentemente. Mas, é muito difícil. Acho que o próprio
texto constitucional, se tivéssemos um processo contra o Presidente da
República, muito provavelmente voltaria ao cargo depois de seis meses,
porque obviamente...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, a


colocação fica em meu voto. E deixemos que venham os casos concretos
sobre a matéria.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Sim,
então, está certo.

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 136 de 140

04/05/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764 ACRE

DEBATE

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, uma


pergunta que nos fazemos - a ministra Rosa chamava a atenção -, em
relação ao julgamento anterior, todos temos ações diretas sobre essa …

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Eu já comentei com a


Presidente.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - É muito
oportuno essa questão proposta.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu também e a


ministra Rosa tem um relatório aqui de tantas ações.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - São


23.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - A pergunta é se não


poderíamos, embora não tenham...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Aplicar, delegar aos relatores...
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Vamos aplicar
monocraticamente.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - E,
como houve súmula, delegar aos relatores para aplicação monocrática.

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 137 de 140

ADI 4764 / AC

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): O


Plenário deliberou atribuir, mediante delegação, ao Relator da causa,
competência para julgar, monocraticamente, controvérsias constitucionais
idênticas à que vem de ser apreciada na presente ação direta?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - É a


proposta feita aqui.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhora
Presidente, Vossa Excelência faria constar isto em ata: que nós estamos
autorizados a decidir monocraticamente na esteira da tese aprovada?
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Isso,
se estão de acordo os Ministros. Ouço Vossas Excelências.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, nós temos
aí uma forma prática de simplificarmos a apreciação da matéria, que é a
feitura de lista e submissão ao Colegiado. Peço vênia para não abrir
exceção no tocante ao processo que revele o controle concentrado de
constitucionalidade.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Pois
não!
Ouço, separadamente, apenas para constar.
Ministro Alexandre de Moraes?
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Concordo
com a proposta.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Ministro Fachin?
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Por igual, Senhora
Presidente.

Ministra Rosa? Luiz Fux? Ministro Ricardo Lewandowski?


O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Peço vênia
ao Ministro Marco Aurélio, é que nós temos procedido assim em outras
ocasiões também, não obstante a importância da ação objetiva. Portanto,

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Supremo Tribunal Federal
Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 138 de 140

ADI 4764 / AC

concordo com a proposta.


A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Ministro Gilmar Mendes?
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu também,
Presidente. E até adiciono um argumento de que temos o efeito
vinculante da própria decisão e, portanto, que já tem um efeito expansivo
- hoje reforçado no "Código Fux".

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Também


acompanho a proposta, Senhora Presidente.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Também estou de acordo.
Portanto, fica delegada aos ministros a possibilidade - e é uma
possibilidade - de monocraticamente decidirem, aplicando o que foi
apresentado como a tese aprovada pelo Plenário nesta matéria. Claro que
não é obrigatório, quem quiser trazer...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – De qualquer forma,
não se fica compelido, não é?
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Claro, "compelido a ", exatamente o que acabo de dizer.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A proceder dessa
forma.
O SENHOR MINISTRO ROBERTO BARROSO - Presidente, estou de
acordo também.
Eu tenho uma situação particular, é que tenho vistas.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Sim,
aí, no caso de vista, já há o início do julgamento, e terá que trazer por
causa do cômputo dos votos anteriores. Normalmente, temos assim nos
comportado.
O SENHOR MINISTRO ROBERTO BARROSO - Tudo bem.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 04/05/2017

Inteiro Teor do Acórdão - Página 139 de 140

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.764


PROCED. : ACRE
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. ROBERTO BARROSO
REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL -
CFOAB
ADV.(A/S) : OSWALDO PINHEIRO RIBEIRO JÚNIOR (16275/DF) E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ACRE
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS FEDERAIS
- ANADEF
ADV.(A/S) : DEBORA CAMILA DE ALBUQUERQUE CURSINE (010345O/MT) E
OUTRO(A/S)

Decisão: Após o voto do Ministro Celso de Mello (Relator),


julgando parcialmente procedente a ação, pediu vista dos autos o
Ministro Roberto Barroso. Falou, pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil – CFOAB, o Dr. Oswaldo Pinheiro Ribeiro
Júnior. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário,
05.08.2015.

Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido em parte o Ministro


Celso de Mello (Relator), julgou procedente a ação, para declarar
a inconstitucionalidade das expressões constantes do art. 44, VII
(“processar e julgar o Governador (...) nos crimes de
responsabilidade”) e do art. 81, parte final (“ou perante a
Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade”), assim
como das expressões do art. 44, VIII (“declarar a procedência da
acusação”) e do art. 81, caput, primeira parte (“Admitida a
acusação contra o Governador do Estado, por dois terços da
Assembléia Legislativa”), bem como, por arrastamento, do art. 82,
I (“Art. 82. O Governador ficará suspenso de suas funções: I - nas
infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime
pelo Superior Tribunal de Justiça”), todos da Constituição do
Estado do Acre. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, nos
termos do que proposto pelo Ministro Roberto Barroso, que redigirá
o acórdão, fixou a seguinte tese, a figurar como uma proposta de
súmula vinculante: “É vedado às unidades federativas instituírem
normas que condicionem a instauração de ação penal contra o
Governador, por crime comum, à prévia autorização da casa
legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça dispor,
fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais,
inclusive afastamento do cargo”. Ao final, o Tribunal deliberou
autorizar os Ministros a decidirem monocraticamente matéria em
consonância com o entendimento firmado nesta ação direta de

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 04/05/2017

Inteiro Teor do Acórdão - Página 140 de 140

inconstitucionalidade, contra o voto do Ministro Marco Aurélio.


Ausente, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli. Presidiu o
julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 4.5.2017.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto
Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de


Barros.

p/ Doralúcia das Neves Santos


Assessora-Chefe do Plenário

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