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Supremo Tribunal Federal

HABEAS CORPUS 124.519 BAHIA

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO


PACTE.(S) : MARCO PRISCO CALDAS MACHADO
IMPTE.(S) : JACKSON DA SILVA BRITO
COATOR(A/S)(ES) : JUIZ FEDERAL DA 17ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO ESTADO DA BAHIA

DECISÃO:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS


CORPUS. CRIME POLÍTICO. TRANCAMENTO DE
AÇÃO PENAL. MEDIDAS CAUTELARES
DIVERSAS DA PRISÃO.

1. O Supremo Tribunal Federal é


competente para julgar habeas corpus
impetrado contra ato de Juiz Federal
praticado nos autos de ação penal em que se
apura crime político. Precedentes.

2. Impossibilidade de trancamento da ação


penal por ausência de justa causa e inépcia
da denúncia. Precedentes.

3. Em princípio, o paciente não foi


alcançado pela anistia de que trata a Lei nº
12.505/2011, na redação dada pela Lei nº
12.848/2013.

4. A superveniente diplomação do paciente


no cargo de Deputado Estadual, com a
cessação dos motivos justificadores das
medidas cautelares do art. 319 do CPP,
impõe a concessão parcial da ordem.

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HC 124519 / BA

I. A HIPÓTESE

1. Trata-se de habeas corpus, originalmente impetrado perante


o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em favor de Marcos Prisco
Caldas Machado contra decisão proferida pelo Juízo da 17ª Vara da Seção
Judiciária do Estado da Bahia (AP nº 15015-26.2013.4.01.3300).

2. O paciente foi acusado de liderar movimento grevista dos


policiais militares no Estado da Bahia, no ano de 2012. Em razão disso, foi
denunciado, em abril de 2013, por crimes previstos na Lei de Segurança
Nacional (arts. 15, § 1º, “b”; 23, inciso IV; 17 e 18, todos da Lei nº 7.170/83);
pelo delito de formação de quadrilha armada (redação originária do art.
288, parágrafo único, do CP); e pelo crime do art. 232 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) [1].

3. Em 15.04.2014, tendo em vista a probabilidade de


reiteração delitiva, o magistrado de origem acolheu pedido do Ministério
Público Federal e deferiu a prisão preventiva do paciente, fundada na
garantia da ordem pública e pelo prazo de 90 (noventa) dias, com a
determinação do seu cumprimento em estabelecimento federal de
segurança máxima.

4. Diante da posterior alteração do quadro fático da causa, o


Juízo processante revogou a custódia processual e impôs as seguintes
medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do Código de Processo
Penal)[2]:

(i) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias


de folga, porquanto o réu possui trabalho e residências fixas;
(ii) proibição de ausentar-se da Comarca sem prévia
autorização do Juízo de origem;
(iii) proibição de frequência ou acesso a quartéis ou
quaisquer outros estabelecimentos militares, bem como às
Associações de Policiais Militares;

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(iv) comparecimento mensal a Juízo para informar e


justificar suas atividades;
(v) afastamento da Diretoria da ASPRA, ANASPRA e de
quaisquer outras Associações de Policiais Militares de que por
ventura faça parte;
(vi) proibição de manter contato com os diretores das
Associações de Policias Militares;
(vii) fiança em 30 salários mínimos;
(viii) monitoração eletrônica.

5. Neste habeas corpus, a parte impetrante postula o


trancamento da ação penal e a revogação das medidas cautelares
impostas ao paciente. Estes, em síntese, os principais argumentos
apresentados:

(i) as medidas cautelares impostas pelo Juízo de origem


não mais se justificam, especialmente porque o paciente está em
plena disputa eleitoral para o cargo de Deputado Estadual, nas
eleições de 2014;
(ii) extinção da punibilidade, tendo em vista que o
paciente foi beneficiado pela Lei nº 12.848/13, que concedeu
anistia aos policiais e bombeiros militares que participaram de
movimentos grevistas entre 1997 e 2013;
(iii) não é possível acusar o acionante de crime contra a
Segurança Nacional, uma vez que a Lei nº 7.170/83 não foi
recepcionada pela Constituição Federal de 1988;
(iv) a denúncia é inepta porque não permite ao acusado o
pleno exercício do direito de defesa.

6. Considerando a competência do Supremo Tribunal


Federal para julgar, em recurso ordinário, o crime político (art. 102, II,
“b”, CF/88), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região encaminhou os
autos para esta Corte.

7. Na sequência, abri vista dos autos ao Ministério Público

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Federal. O Parquet opinou pelo prejuízo da impetração no tocante ao


pedido de revogação das medidas cautelares do art. 319 do CPP, diante
do término da disputa eleitoral de 2014, e pela denegação da ordem
quanto ao pedido de trancamento da ação penal.

8. Por meio da petição nº 61905/2014, a defesa afirma que o


paciente, ao contrário do que afirmou o parecer da Procuradoria Geral da
República, foi reintegrado ao quadro de soldados da Polícia Militar da
Bahia. Assim, o acusado faz jus à anistia concedida pela Lei nº 12.505/11,
inclusive com relação aos crimes conexos.

9. Em nova manifestação, a Procuradoria-Geral da República


requereu a expedição de ofício ao Comandante-Geral da Polícia Militar
da Bahia “para que informe se Marco Prisco Caldas Machado foi reintegrado às
fileiras daquela força estadual castrense”.

10. Antes de concluir este relatório, anoto que tramitam nesta


Corte, em favor do paciente, os seguintes processos: HCs 124.648, 126.787
e 126.906; e a Pet nº 5.539. Nesses feitos, todos sob a minha relatoria, a
defesa acrescenta os seguintes argumentos para reiterar o pedido de
revogação das medidas cautelares diversas da prisão preventiva:

(i) a manutenção das medidas cautelares do art. 319 do


CPP impede o paciente de exercer plenamente o cargo de
Deputado Estadual, a que foi recentemente diplomado;
(ii) o corréu Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos
encontra-se no exercício de mandato parlamentar federal
(Deputado Federal), motivo pelo qual o Juízo de origem
declinou da competência para o julgamento da ação penal para
esta Corte (embora os autos aqui ainda não tenham aportado);
(iii) os Deputados estaduais, assim como os Deputados
federais, gozam da imunidade prevista no art. 53, § 2º, da
CF/88. O que impede a manutenção das medidas cautelares
impostas ao paciente, especialmente porque superados no

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tempo os fatos que autorizaram as medidas constritivas;

Decido.

II. DA COMPETÊNCIA

11. O paciente está sendo acusado, entre outros delitos, de


crimes previstos na Lei de Segurança Nacional. Embora já devesse ter
sido substituída, de longa data, por uma Lei de Defesa do Estado
Democrático, o fato é que o referido diploma ainda continua em vigor.
Como consequência, a hipótese atrai a competência do Supremo Tribunal
Federal, nos termos do art. 102, II, “b”, combinado com o art. 102, I, “i”,
da CF/88. Vejam-se, nessa linha, os seguintes julgados:

“[...] Se o paciente foi julgado por crime político em


primeira instância, esta Corte é competente para o exame da
apelação, ainda que reconheça inaplicável a Lei de Segurança
Nacional.” (RC 1.468 segundo, Rel. Min. Ilmar Galvão, Rel. p/
Acórdão Min. Maurício Corrêa)

“[...] é de reconhecer-se que, de acordo com a regra do art. 102,


II, b, da Constituição, o Supremo Tribunal Federal é competente para
julgar, em recurso ordinário, o crime político, o qual, de outra parte,
em primeiro grau, é julgado por Juiz Federal. Trata-se de exceção à
regra do art. 108, II, da Carta, incidindo no caso, consequentemente, o
art. 102, I, i, que prevê a competência desta Corte para o
julgamento do habeas corpus, quando o coator ou o paciente
for tribunal, autoridade ou funcionário cujos atos estejam
sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal
Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em
uma única instância.” (HC 74.782, Rel. Min. Ilmar Galvão)

12. Não bastasse isso, considerando que o paciente foi


diplomado Deputado Estadual pelo Estado da Bahia, o órgão competente
para julgar a ação penal será o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

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Tribunal Regional Federal que se mostra “competente para processar e julgar


ação penal em que se imputa a deputado estadual a prática de crimes conexos a
delitos de competência da Justiça Federal.” (HC 91.266, Rel. Min. Cezar
Peluso). De modo que compete a esta Corte apreciar o presente habeas
corpus, na forma do art. 102, II, “b”, combinado com o art. 102, I, “i”, da
CF/88.

13. Deixo consignado que a diplomação de corréu no cargo de


Deputado Federal não acarreta a automática fixação da competência
originária do Supremo Tribunal Federal para julgar a ação penal
instaurada contra o paciente. Em regra, a jurisprudência do STF tem
determinado o desmembramento de investigação ou processo instaurado
contra acusado que não possui foro por prerrogativa de função nesta
Corte. Precedente: Inq 3515-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio.

III. DO PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

14. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende


que o trancamento da ação penal só é possível quando estiverem
comprovadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da
punibilidade ou a evidente ausência de justa causa (v.g HC 103.891,
Redator para o acórdão o Min. Ricardo Lewandowski; HC 86.656, Rel.
Min. Ayres Britto; HC 81.648, Rel. Min. Ilmar Galvão; HC 118.066-AgR,
Rel.ª Min.ª Rosa Weber, e HC 104.267, Rel. Min. Luiz Fux).

15. As peças que instruem este processo não evidenciam


ilegalidade flagrante ou abuso de poder que justifique o encerramento
prematuro do processo-crime. Nessas condições, não vejo razão para
acolher a supressão de instância requerida pela defesa.

16. Por outro lado, o paciente foi denunciado pela suposta


prática de crimes previstos tanto na Lei de Segurança Nacional como
também no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Em

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princípio, portanto, o acusado não foi alcançado pela anistia concedida


pela Lei nº 12.505/11, com a redação conferida pela Lei nº 12.848/2013:

“Art. 2º A anistia de que trata esta Lei abrange os crimes


definidos no Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 -
Código Penal Militar, e as infrações disciplinares conexas, não
incluindo os crimes definidos no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 - Código Penal, e nas leis penais especiais.”
(grifei)

17. Ademais, o exame dos efeitos da eventual reintegração do


paciente nas fileiras da Polícia Militar extrapola os limites do habeas
corpus por dois motivos: (i) exige exame e dilação probatórios
incompatíveis com esta via, nos termos em que apresentada a impetração
e (ii) configura supressão de instância, pois compete ao Juízo natural da
causa (em princípio o Tribunal Regional Federal da 1ª Região) a análise
prévia deste fato superveniente.

18. Devo registrar, ainda, que a denúncia está embasada em


dados objetivos apurados na fase de investigação criminal, atendendo,
portanto, às exigências formais do art. 41 do Código de Processo Penal.
Assim, a simples leitura da inicial acusatória não autoriza a conclusão de
ausência de dados fáticos consistentes capazes de embasar a pretensão
acusatória. Nesse sentido, é a jurisprudência desta Corte:

“[...]
1. Não é inepta a denúncia que bem individualiza as
condutas, expondo de forma pormenorizada o fato criminoso,
preenchendo, assim, os requisitos do art. 41 do CPP.
2. Não se admite, na via acanhada do habeas corpus, a
análise aprofundada de fatos e provas, a fim de se verificar a
inocência dos Pacientes.
3. O trancamento da ação penal, em habeas corpus,
apresenta-se como medida excepcional, que só deve ser
aplicada quando evidente a ausência de justa causa, o que não

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ocorre quando a denúncia descreve conduta que configura


crime em tese.” (HC 108.654, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia – trecho
da ementa)

III. DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO

19. O pedido de revogação das medidas cautelares (art. 319 do


CPP), fundado na necessidade de viabilizar a participação do acusado nas
eleições de 2014, está prejudicado. Tal como apontou o parecer da
Procuradoria-Geral da República, “os fundamentos que ensejaram o pedido de
liminar – participação do paciente na campanha eleitoral do presente ano – não
subsistem mais, razão pela qual a presente impetração, nessa parte, perdeu seu
objeto”.

20. Sem prejuízo disso, a superveniente alteração do quadro


factual da causa impõe a concessão da ordem.

21. É certo que, ao examinar habeas corpus anterior impetrado


em favor do ora paciente (o HC 123.528/BA), deneguei o pedido de
revogação das medidas do art. 319 do CPP, especialmente pela gravidade
dos fatos postos a julgamento. À época em que impetrado o referido HC,
o paciente ainda se encontrava na condição de candidato ao cargo de
Deputado Estadual.

22. Contudo, a recente diplomação do paciente no cargo de


Deputado Estadual e o lapso temporal decorrido desde a primeira
medida cautelar imposta na origem impõem uma nova reflexão sobre a
matéria.

23. A Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 27, § 1º,


que são aplicáveis aos Deputados Estaduais “as regras desta Constituição
sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.” O art. 53, §
2º, de outro lado, prescreve a imunidade prisional, que é reafirmada pela

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Constituição do Estado da Bahia:

Art. 53 da CF/88:
“§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante
de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos
dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”

Art. 84 da Constituição do Estado da Bahia:

“Art. 84 - O Deputado é inviolável por suas opiniões,


palavras e votos, não podendo, desde a expedição do diploma,
ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem
processado criminalmente, sem prévia licença da Assembleia
Legislativa.”

24. As regras que compõem o sistema de imunidades


materiais e processuais dos parlamentares são excepcionais e devem ser
interpretadas restritivamente, na medida em que excluem um universo
delimitado de pessoas do alcance do poder punitivo do Estado ou
estabelecem procedimentos diferenciados para o exercício da persecução
penal. Por outro lado, a garantia do livre exercício do mandato
parlamentar também deve nortear o intérprete. Neste ponto, é pertinente
o que foi assentado no Inq 2902-AgR, de relatoria do Ministro Ayres
Britto:

“A Constituição Republicana é especialmente cuidadosa


no fazer da intocabilidade político-administrativa, tanto quanto
da civil e penal dos deputados e senadores, uma condição e ao
mesmo tempo uma garantia de exercício altivo dos
correspondentes cargos. Uma poderosa blindagem para que
eles, representantes políticos do povo, tenham as mais
desembaraçadas condições de encarnar essa representação.
Com independência funcional e desassombro pessoal, portanto.

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Mas é preciso ponderar que essa reforçada proteção não chega a


alcançar os píncaros do absoluto, sabido que esse anteparo
funcional sem limite guindaria o agente público aos páramos da
total irresponsabilidade jurídica. O que já significaria laborar
num plano de sacralidade que é de todo incompatível com o
princípio republicano; quer dizer, princípio que postula
(República é “res” publica, nunca é demais recordar) um
regime jurídico de responsabilização pessoal para toda e
qualquer autoridade, ainda que mitigada para os titulares de
certos cargos. (…) É ainda dizer: a intangibilidade prospera,
sim, para além do emparedado recinto da habitual atuação
parlamentar, contanto que o representante congressual do povo
brasileiro de alguma forma prossiga no exercício dessa altaneira
e insubstituível representação política. O que significa lidar com
matérias que sejam do interesse coletivo ou geral (porque
inerentes à pólis), traduzidas em três níveis de competências
formais e seus desdobramentos político-partidários: a)
competências do Poder Legislativo como um todo; b)
competências da Casa Legislativa em que atue o parlamentar
federal; c) competências singulares do agente como membro do
Poder.”

25. Nessas condições, a incoercibilidade pessoal de que trata o


artigo 53, § 2º da Constituição Federal, repetida pelo art. 84 da
Constituição do Estado da Bahia, não alcança as medidas cautelares
diversas da prisão impostas em processo ou procedimento penal anterior
à diplomação, especialmente se compatíveis com o exercício do mandato.

26. O art. 282 do Código de Processo Penal, com a redação


dada pela Lei nº 12.403/2011, fixou os critérios para a imposição de
medidas cautelares e elencou a prisão processual como uma dentre outras
espécies de cautela pessoais previstas.

27. Desse modo, as cautelares diversas da prisão, por sua


autonomia, não estão incluídas, necessariamente, no universo das

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medidas abrangidas pela incoercibilidade pessoal constitucionalmente


prevista.

28. A análise acerca de sua manutenção ou revogação deve ser


pautada por 3 (três) vetores: (i) necessidade para aplicação da lei penal,
para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente
previstos, para evitar a prática de infrações penais (art. 282, I do CPP); (ii)
adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e
condições pessoais do indiciado ou acusado (282, II, do CPP); (iii)
compatibilidade da medida com o exercício do mandato.

29. No caso, a autoridade apontada como coatora indeferiu o


pleito de revogação das medidas cautelares pelos seguintes fundamentos:

“Não se olvida que o requerente, na qualidade de


candidato ao cargo de Deputado Estadual, pretenda realizar
sua campanha, como alegado, em igualdade com os demais
candidatos que postulam referido cargo político.

Ocorre que, no caso em exame, é de se observar que em


decorrência da greve deflagrada no mês de abril do corrente
ano, sobejamente noticiada na mídia, o MM. Juiz Titular desta
Vara decretou a prisão preventiva do requerente, para a
garantia da ordem pública, pelo prazo de 90 (noventa) dias, a
ser cumprida em estabelecimento penal federal de segurança
máxima (decisão às fls. 666/669).

Posteriormente, sob o fundamento de que as situações


fáticas outrora narradas não mais subsistiam, este Juízo
substituiu a segregação cautelar pelas medidas cautelares
estabelecidas à fl. 1.137. Todavia, os fatos em questão não foram
os únicos evidenciados nos presentes autos.

Com efeito, a presente ação penal já apura fatos delituosos


atribuídos ao requerente, referentes ao movimento paredista

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deflagrado pela Polícia Militar da Bahia em fevereiro de 2012,


pelos quais também responde perante o MM. Juízo de Direito
da 2ª Vara Criminal desta Capital. E, apesar deste último ter
substituído a prisão cautelar então decretada em desfavor do
acusado MARCO PRISCO pelas medidas cautelares previstas
no art. 319, incisos I, II, III, e IV, do CPP (fl. 1.013), e,
posteriormente, revogado algumas das medidas cautelares que
tinham sido impostas em substituição à prisão, o réu voltou a
liderar movimento grevista, conforme relatado, em manifesto
descumprimento a decisão judicial.

Naquela oportunidade, a revogação de parte das medidas


cautelares deu-se em atendimento a pleito da defesa que
alegava violação a direitos fundamentais do acusado, enquanto
candidato a cargo eletivo de Vereador do Município de
Salvador. Todavia, mesmo após ter sido eleito para o cargo
público de Vereador desta municipalidade para a legislatura
2013-2016, voltou a liderar movimento grevista alguns meses
depois, desrespeitando a decisão judicial que ainda está em
vigor.

Frise-se, ainda, que o papel de liderança em motins da


Polícia Militar não pode ser tomado de forma estanque, tanto
que esse fato motivou decretos de prisão cautelar com intervalo
de aproximadamente dois anos.

De mais a mais, as medidas foram impostas por este juízo


antes do registro da candidatura do requerente, sendo certo que
sua participação no pleito não tem o condão de revogar
automaticamente aquelas medidas alternativas à prisão, as
quais deverão ser observadas na sua totalidade”

30. A manutenção das medidas cautelares assim justificadas


limita, ao meu ver desnecessariamente, o exercício da atividade
parlamentar do paciente, pois impede seu livre trânsito pelo território
baiano. Destaco, ainda, que as restrições de contato com associações e

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pessoas são diretamente limitadoras da inerente atividade parlamentar.


Cabe ressaltar que o requerente foi nomeado Vice-Presidente da
Comissão de Segurança Pública e Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa do Estado da Bahia.

31. Diante disso, a passagem do tempo e a considerável


alteração dos fatos demonstram que não estão preenchidos os requisitos
do artigo 282, I e II do CPP, mostrando-se desnecessárias, a esta altura, as
restrições impostas ao acusado, detentor de mandato parlamentar
estadual.

IV. CONCLUSÃO

32. Diante do exposto, com fundamento no art. 192 do RI/STF,


concedo parcialmente o habeas corpus para revogar as medidas cautelares
impostas pelo Juízo de origem, permitindo que o paciente exerça
plenamente seu mandato de Deputado Estadual, ressalvada a
possibilidade de imposição de novas medidas por fundamento
superveniente.

Publique-se.

Comunique-se.

Brasília, 30 de março de 2015.

Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO


Relator
Documento assinado digitalmente

Notas

Lei nº 7.170/83 (Segurança Nacional):

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“Art. 15 - Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de


comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos,
fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. § 1º - Se do fato resulta: a) lesão corporal
grave, a pena aumenta-se até a metade; b) dano, destruição ou
neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou
parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a
defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o
dobro;”

“Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça,


a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito. Pena: reclusão, de 3 a
15 anos. Parágrafo único.- Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena
aumenta-se até a metade; se resulta morte, aumenta-se até o dobro.”

“Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave


ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos
Estados. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.”

Estatuto da criança e do adolescente (Lei 8.069/90):

“Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade,


guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de
seis meses a dois anos.”

Código Penal:

“Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim


específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é
armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.”

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Supremo Tribunal Federal

HC 124519 / BA

Código de Processo Penal:

“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I -


comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas
pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou
frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante
desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de
manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer
distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a
permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou
instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de
folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua
utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória
do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave
ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-
imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII -
fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a
atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de
resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica.[...] §
4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI
deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.”

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