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Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado

em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.


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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA CRIMINAL


DE FORTALEZA – CE.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
ÍTALO COELHO DE ALENCAR, brasileiro, advogado, OAB-CE 39.809 com
endereço pro issional à Rua Marechal Deodoro, nº 1395, 320B, Ben ica, endereço
eletrô nico italocalencar@gmail.com, Fortaleza – CE, vem mui respeitosamente
perante Vossa Excelê ncia com fulcro no inciso LXVIII do artigo 5º da Constituiçã o
Federal/88, bem como com o artigo 647 e 648 do CPP, IMPETRAR

HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO LIMINAR


em favor de FRANCISCO ISLEUDO SOARES FAUSTO, brasileiro, solteiro, inscrito
no RG nº 2003007032396 SSP-CE, CPF nº 029.343.173-66, residente e domiciliado
à Rua Major Verı́ssimo, nº 253, Bairro Ellery, Fortaleza – CE , vê m respeitosamente
à presença de Vossa Excelê ncia, apontando como autoridades coatoras o
DELEGADO-CHEFE DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO CEARÁ E COMANDANTE-
GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO CEARÁ, pelos fatos e fundamentos
que abaixo se aduzem:

1 - PRELIMINARMENTE

1.1- DA COMPETÊNCIA DESTE JUÍZO PARA O PRESENTE SALVO CONDUTO:

O cultivo de cannabis para uso pró prio está tipi icado como crime de
menor potencial ofensivo, conforme preceitua o art. 28, §1º, da Lei 11.343/20061
c/c com o art. 60 da Lei 9.099/95.
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Contudo, como se sabe, os crité rios apresentados pela Lei para a


determinaçã o da imputaçã o de Trá ico (artigo 33 de Lei 11.343/06) ou porte para
uso pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/06), são abertos e subjetivos, abrindo
margem para possı́veis enganos na interpretaçã o da situaçã o fá tica resultar em

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grave constrangimento à liberdade do paciente e interrupçã o de seu tratamento de
saú de, conforme o §2º do artigo 28, in verbis:

“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o


juiz atenderá à natureza e à quantidade da substâ ncia apreendida,
ao local e à s condiçõ es em que se desenvolveu a açã o, à s
circunstâ ncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos
antecedentes do agente”.

A competê ncia para processamento e julgamento de Habeas Corpus


ixar-se-á em razã o da autoridade coatora. Portanto, segundo artigo 109, VII da
Constituiçã o Federal, é da Justiça Federal, subsidiariamente, para apreciaçã o do
feito. In verbis: “os habeas corpus, em maté ria criminal de sua competê ncia ou
quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos nã o estejam
diretamente sujeitos a outra jurisdiçã o”.

Por não haver conduta transnacional e, consequentemente, apenas


igurarem autoridades estaduais no polo passivo, é desta Justiça Estadual a
competência. Foi o que entendeu, em decisã o deste mê s de junho do corrente ano,
da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (CC 171.206-SP) que
teve como relator o ministro Joel Ilan Paciornik, publicada no Informativo nº
673 do STJ, cuja ementa segue:

CONFLITO DE COMPETENCIA. HABEAS CORPUS PREVENTIVO.


PEDIDO DE SALVO CONDUTO PARA CULTIVO, USO, PORTE E
PRODUÇÃO ARTESANAL DA CANNABIS (MACONHA) PARA FINS
MEDICINAIS. ALEGAÇAO DE JUSTO RECEIO DE SOFRER RESTRIÇAO NO
DIREITO DE IR E VIR. NARRATIVA QUE APONTA A POSSIBILIDADE DE
AUTORIDADES POLICIAIS DO ESTADO DE SAO PAULO PRATICAREM
COAÇAO CONTRA A LIBERDADE DEAMBULATORIAL DOS PACIENTES.
AUSÊNCIA DE PEDIDO DE SALVO CONDUTO PARA IMPORTAÇÃO DA
PLANTA OU DE QUALQUER OUTRA CONDUTA TRANSNACIONAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. O presente con lito de
competê ncia deve ser conhecido, por se tratar de incidente instaurado
entre juı́zos vinculados a Tribunais distintos, nos termos do art. 105,
inciso I, alı́nea d, da Constituiçã o Federal – CF. 2. O núcleo da
controvérsia consiste em de inir a competência para prestar
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jurisdição na hipótese habeas corpus preventivo para viabilizar o


plantio de maconha para ins medicinais. Os impetrantes objetivam
ordem de salvo conduto para que os pacientes possam cultivar
artesanalmente a planta Canabis Sativa L, bem como usá -la e portá -la
dentro do territó rio nacional para ins terapê uticos 3. Da leitura da
inicial do habeas corpus impetrado em favor dos pacientes extrai-se que

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autoridades estaduais foram apontadas como coatoras, quais sejam: o
Delegado Geral da Polı́cia Civil de Sã o Paulo e o Comandante Geral da
Polı́cia Militar de Sã o Paulo. Destarte, as autoridades estaduais
apontadas como coatoras, por si só , já de inem a competê ncia do
primeiro grau da Justiça Estadual. 4. Ademais, o salvo conduto pleiteado
pelos impetrante diz respeito ao cultivo, uso, porte e produçã o artesanal
da Cannabis, bem como porte ainda que em outra unidade da federaçã o.
Nesse contexto, o argumento do Juı́zo de Direito Suscitado de que os
pacientes teriam inexoravelmente que importar a Cannabis permanece
no campo das ilaçõ es e conjecturas. Em outras palavras, nã o cabe ao
magistrado corrigir ou fazer acré scimos ao pedido dos impetrantes, mas
tã o somente prestar jurisdiçã o quando os pedidos formulados estã o
abarcados na sua competê ncia. Em resumo, não há pedido de
importação a justi icar a competência da Justiça Federal,
consequentemente, nã o há motivo para supor que o Juı́zo Estadual teria
que se pronunciar acerca de autorizaçã o para a importaçã o da planta
invadindo competê ncia da Justiça Federal. Ademais, a existê ncia de uso
medicinal da Cannabis no territó rio pá trio de forma legal, em razã o de
salvos condutos concedidos pelo Poder Judiciá rio, demonstra a
possibilidade de aquisiçã o da planta dentro do territó rio nacional, sem
necessidade de recorrer à importaçã o. 5. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça – STJ é irme quanto à necessidade de
demonstração de internacionalidade da conduta do agente para
reconhecimento da competência da Justiça Federal, o que nã o se
identi ica no caso concreto. Frise-se ainda que o trá ico interestadual nã o
tem o condã o de deslocar a competê ncia para a Justiça Federal
Precedentes. 6. Con lito conhecido para declarar a competê ncia da
Justiça Estadual. (CC 171.206/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK,
TERCEIRA SEÇAO, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020) (grifos
nossos)

1.2- DO SEGREDO DE JUSTIÇA

Inicialmente, requer-se que o presente feito tramite sob segredo de justiça,


uma vez que a intimidade e a segurança do paciente, direitos que se encontram em
sede constitucional, devem ser preservadas em detrimento à regra
infraconstitucional da publicidade processual, de sorte a promover o bem-estar do
paciente a im de garantir a melhor saú de da paciente principal deste writ.

2 - DOS FATOS
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O Paciente, Francisco Isleudo Soares Fausto, com 31 anos, tem


Hemo ilia Tipo I Grave (CID 10: D66), descoberta quando tinha 06 meses de
idade. Esta doença acometeu 4 membros de sua famı́lia. A Hemo ilia é uma doença
gené tica que ocasiona sangramentos. O sangue da pessoa portadora nã o conté m os

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fatores VIII e IX da coagulaçã o em quantidade su iciente para conter sangramentos.

Segundo relato anexo, desde a infâ ncia era levado por sua mã e e
parentes constantemente ao HEMOCE com crises graves de sangramentos nas
articulaçõ es (joelho e tornozelo) de sua perna direita. Estas crises nunca cessaram,
o que acarretou, ao longo do tempo, em uma lesã o (hemartrose) que o levou à
perda da mobilidade daquele membro.

Durante toda a vida passou por diversos tratamentos, dentre eles


isioterapia, reposiçã o do Fator VIII pela via endovenosa, ou mesmo pulsã o do
sangue na regiã o, seguido de aplicaçã o de corticoides etc. Infelizmente nã o
surtiram em substancial melhora em seu quadro de dores constantes no
tornozelo, quadril, joelho e coluna, conforme laudo de seu mé dico, o Dr. Joel
Porfı́rio (CRM 8974).
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Conforme relato pessoal do paciente (anexo), por conta do problema


nos joelhos, sua postura foi afetada, o que levou a uma escoliose, acentuando suas
dores de coluna e de quadril. Durante o ano de 2018, precisou usar mor ina
habitualmente, em crises de dor.

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As dores constantes, durante toda a vida, trouxeram vá rios prejuı́zos
sociais ao paciente, assim como abalos psicoló gicos importantes, apesar de sua
enorme força de vontade de estudar, trabalhar e fazer amigos.

O paciente já havia feito uso social de cannabis anos antes, e observou
melhora no quadro de dores. Mas foi depois da crise de dor de 2019, que precisou
ser levado ao Hospital em estado delicado, buscou informaçõ es sobre o tratamento
com a planta. Em suas buscas, passou a entender como a Cannabis atua no alı́vio
das dores, atravé s da interaçã o dos canabinoides THC e CBD.

Com o intuito de ter acesso regular e legal ao tratamento, procurou uma


Associaçã o de pacientes, chamada ABRACAM, da qual recebeu orientaçõ es e uma
amostra do ó leo integral de cannabis, que lhe possibilitou iniciar o tratamento e
trouxe alívio imediato. Iniciou o tratamento sob a orientaçã o de seu mé dico, o Dr.
Joel Porfı́rio, que em setembro de 2020 lhe prescreveu o tratamento com o
medicamento Nabix 10.000 (100mg CBD + 3 mg THC).

Para sua infeliz surpresa, o preço do medicamento prescrito é , em


mé dia, R$2.200,00 a unidade. Mesmo assim, conseguiu Autorização da ANVISA
(nº 36687.0667814/2020) para importar, embora o preço esteja fora de sua
realidade econô mica como trabalhador autô nomo, com renda de cerca de
R$1.000,00 (hum mil reais) oriunda da confecçã o e venda de camisas de sua marca
pró pria.

Sua mé dica, a Dra. Erotilde Honó rio Silva, em consulta realizada no dia
04/08/2020, conforme prescriçã o anexa, lhe receitou Canabidiol 3,5%, tomar 4
gotas 3x ao dia.
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Em ato de desespero, por nã o suportar mais as dores, devido ao preço
inacessı́vel do produto legal prescrito e por nã o suportar ter que comprar
maconha no trá ico de drogas, resolveu cultivar cannabis em sua residência,
onde reside com sua mãe e avó, para garantir o seu tratamento.

Ocorre que o paciente se encontra em situaçã o de preocupaçã o, uma


vez que corre risco de, a qualquer momento, por denú ncia anô nima, sofrer
constrangimento pelas autoridades policiais, no cumprimento de seu dever legal
de averiguar situaçõ es de ilegalidade, ainda que no caso concreto tal conduta
(cultivar cannabis), seja revestida por situaçã o de atipicidade, conforme se
demonstrará a seguir.

2.3 – DOS CUSTOS DO TRATAMENTO PRESCRITO

O mé dico do paciente receitou (em anexo), para iniciar o tratamento, o


medicamento Nabix 10.000 (100mg CBD + 3 mg THC) 100 ml, devendo tomar
12 gotas pela manhã e 12 à noite, diariamente. Conforme orçamento emitido
pela empresa fornecedora do produto no paı́s, seu preço é R$2.200,00 a unidade.
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Supondo que seja necessá rio apenas um por mê s, em um ano, o
paciente teria gastar, em mé dia, R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Valor que
supera em muito a renda mé dia anual do paciente, que é de R$12.000,00 (doze mil
reais).

Portanto, Excelê ncia, o custo da medicaçã o importada prescrita pelo


mé dico não se encaixa em sua realidade, tornando impossı́vel cuidar dos
problemas que tanto lhe a ligem. Nã o obstante o fato de o paciente ainda precisar
arcar com alto custo de todos os demais medicamentos e tratamentos, restando
à quele paciente e sua famı́lia a cruel situaçã o de sofrimento pela impotê ncia vivida!

Ademais, mesmo o uso da cannabis adquirida ilegalmente tem sido


e iciente no tratamento, levando alívio à vida, e tendo efeito restaurador em
suas atividades diárias assim como as de sua família, e por que não dizer,
restaurador de sua própria dignidade humana.

Poré m, Excelê ncia, o custo da medicaçã o importada prescrita pelo


mé dico não se encaixa em sua realidade, o paciente é comerciante, logo tem
uma renda variável, tendo um futuro incerto e limitado, tornando ainda mais
di ícil cuidar dos problemas que tanto lhe a ligem. Nã o obstante o fato de o
paciente ainda precisar arcar com alto custo de todos os demais tratamentos e
consultas, restando à quele paciente e sua famı́lia a cruel situaçã o de sofrimento
pela impotê ncia vivida!

Nã o é plausı́vel a alternativa de ingressar com açã o judicial contra os


entes pú blicos a im de que custeiem o tratamento, uma vez que a morosidade
dessa alternativa - visto o alto índice de judicialização dos procedimentos de
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saúde- além de onerar os cofres públicos, tornaria inviá vel o começo do


tratamento por conta do tempo que se leva do ingresso desta açã o até uma decisã o
que venha a ser favorá vel a paciente. A saúde não pode esperar!

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Estava na pauta do STF (8ª sessã o extraordiná ria), para o dia
19/03/2020, com repercussã o geral, do processo que discute a obrigatoriedade do
Estado de Sã o Paulo fornecer Canabidiol para uma criança de 6 anos1, por conta da
pandemia de coronavı́rus, de acordo com a Resoluçã o 669/2020 (anexa).
Nesse sentido, a brilhante exposiçã o da Ilma. Juı́za Flavia Serizawa e
Silva da 3ª Vara Criminal Federal de Sã o Paulo (Habeas Corpus nº 5003263-
16.2020.4.03.6181):
“E cediço que a saú de é um direito de todos, sem distinçã o, e deve ser
assegurado aos brasileiros e residentes no paı́s. Tal preceito está
resguardado pela Constituição Federal que possui como
prerrogativa levar o bem estar social a todos por meio das
políticas públicas e da edição de normas que sejam capazes de
concretizar o direito.
Ressalte-se, ainda, que a Carta Polı́tica de 1988 consagra como
fundamento da Repú blica, em seu artigo 1º, III, a Dignidade da Pessoa
Humana. Mais ainda, o artigo 5º, caput, garante a todos o direito à
vida, bem que deve ser resgatado por uma única atitude
responsável do Estado, qual seja, o dever de fornecimento da
medicação e/ou da intervenção médica necessária a todo cidadão
que dela necessite.
(...) A distribuiçã o de medicamentos oferecidos pelo SUS tornou-se um
mé todo e icaz para os hipossu icientes. Ocorre que o amparo
farmacológico é um processo burocrático que exige uma série de
testes e experimentos para que possam ser distribuídos,
analisando a magnitude e os riscos que determinado
medicamento pode trazer, bem como o custo de sua incorporação
e os impactos no orçamento.
Apesar de toda a polı́tica do SUS e da distribuiçã o de medicamentos,
bem como todos os mecanismos criados para sua concretizaçã o, o
acesso a remédios ainda enfrenta sérias di iculdades.
1
h ps://sechat.com.br/s -adia-julgamento-de-natan-e-be-hemp-tem-mais-chance-de-par cipar-do-
caso/
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E o que acontece com a distribuiçã o de medicamentos a base de


algumas substâ ncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já
tiveram sua e icá cia medicinal comprovada, mostrando-se capaz de
auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos

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materializando o acesso a saú de na sua mais pura forma. Um exemplo
claro sã o os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das
substâ ncias derivadas da maconha (cannabis sativa) que ainda
enfrenta preconceitos e contrové rsias devido à ilicitude da erva no
Brasil, uma vez que a jurisprudê ncia pá tria ainda nã o se posicionou de
forma pacı́ ica sobre a tipicidade da importaçã o das sementes,
havendo decisõ es importantes considerando crime de trá ico de
drogas ou ainda delito de contrabando.
Nesse ponto, registro que não merece prosperar a irmação do
MPF no sentido de que caberia à parte impetrante solicitar o
fornecimento do medicamento pretendido, de forma gratuita,
pela rede pública. Com efeito, além da di iculdade acima relatada,
é notória a situação de calamidade suportada pelo sistema de
saúde único do país. Exigir que a parte ingresse com demanda
judicial para conseguir o acesso à medicação pretendida via SUS
não me parece razoável quando possui caminho mais rápido e
efetivo e, frise-se, sem qualquer custo aos cofres públicos.” (grifos
nossos)

E de conhecimento notó rio a situaçã o preocupante que se encontra o


SUS, agravada mais ainda pela pandemia do vı́rus da COVID-19 (sendo que esta
ú ltima poderia até ser considerada transitó ria, mas que já se arrasta por longos
quatro meses, sem previsã o de superaçã o até o momento)2. Ressalta-se que em
2019, o SUS perdeu cerca de R$ 9,5 bilhõ es no orçamento federal3, devido à s
restriçõ es impostas pela EC 95. Nã o su iciente, em 2020 houve mais uma reduçã o
de cerca de R$11 bilhõ es no orçamento federal.
Isto sem falar nas novı́ssimas di iculdades logı́sticas decorrentes da
restriçã o de circulaçã o de produtos e pessoas em todo o mundo, em consequê ncia

2
https://istoe.com.br/sus-corre-risco-de-colapso/
https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2019/04/em-2019-maior-
3

desafio-da-saude-publica-no-brasil-e-a-sobrevivencia-do-sus/
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da pandemia, afetando especialmente o Brasil, diante da di iculdade de controle


mı́nimo sobre a disseminaçã o do vı́rus.

Pela primeira vez no Brasil, o nú mero de pessoas desempregadas,

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atualmente, superou o nú mero de pessoas ocupadas4, o que, obviamente, faz com
que as pessoas abandonem seus convê nios mé dicos e hospitais privados e se
tornem dependentes do serviço pú blico, o que onera, ainda mais o Estado.

Ademais, mesmo o uso da cannabis adquirida ilegalmente tem sido


e iciente no tratamento, levando alívio à vida, e tendo efeito restaurador em
suas atividades diárias assim como as de sua família, e por que não dizer,
restaurador de sua própria dignidade humana.

2.4 – DAS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DO TRATAMENTO DA DOR


COM CANNABIS

O alı́vio alcançado pelo paciente em suas dores ao utilizar a cannabis,


seja pela via inalada ou oral (ó leo caseiro), encontra explicaçõ es já consolidadas na
ciê ncia. Graças a pesquisas iniciadas na dé cada de 1960, na Universidade de
Jerusalé m, tendo à frente o Dr. Raphael Mechoulam, - e concomitantemente no
Brasil com o Prof. Elisaldo Carlini (UNIFESP) - foi possı́vel identi icar, inicialmente,
componentes da planta, como psicoativo delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e
posteriormente diversos outros.

Com o avanço nas pesquisas, em um contexto polı́tico de inı́cio da


repressã o a esta droga em nı́vel mundial, foi possı́vel entender que o organismo
humano possui um sistema endó geno, que fora nomeado de sistema
endocanabinoide, que interage com as molé culas da planta, modulando o
funcionamento de diversos outros sistemas, uma vez que estas molé culas atuam
em receptores especı́ icos de nosso cé rebro, explica Ethan Russo:

Aqui nos referimos à proporçã o em que se encontram os mais de 100


canabinó ides (substâ ncias que ativam os receptores CB1 e CB2, pré -

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/30/desemprego-sobe-para-
4

129percent-em-maio.ghtml
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existentes no corpo de todos os seres humanos) existentes em dada


variedade de cannabis. A diferente combinaçã o dessas dezenas de
substâ ncias, dentre as quais o THC, o CBD, o CBN, O CBG e muitos outros,
é o que chamamos de per il canabinó ide, e que de ine a aplicabilidade

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terapê utica sobre condiçõ es especı́ icas, na medida em que os estudos
acerca do sistema endocanabinó ide sugerem que a causa de muitas
doenças - dentre elas a Sı́ndrome do Intestino Irritá vel, assim como a
Fibromialgia e a Enxaqueca Crô nica - deve-se a carê ncia, em diferentes
proporçõ es, de tais compostos que, em condiçõ es ideais, deveriam ser
produzidos pelo nosso pró prio organismo. Alé m de uma proporçã o
especı́ ica entre todos esses canabinó ides - que vem a suprir a carê ncia
especı́ ica de determinadas condiçõ es -, a aplicaçã o terapê utica da
cannabis també m se modi ica de acordo com os terpenos, que sã o
compostos aromá ticos que, alé m de fornecer um aroma especı́ ico para
cada variedade, modi icam e regulam os efeitos dos canabinó ides. Por
exemplo: uma planta com 15% de THC combinado ao terpeno linalol,
presente també m na lavanda, tem o efeito completamente diferente de
alguma outra com os mesmos nı́veis de THC combinados a terpenos
como o mirceno ou o cario ileno, culminando em uma açã o de maior
potencial anticonvulsivante e, portanto, mais indicada à quadros
epilé ticos que outras variedades [RUSSO, Ethan B. Taming THC: potential
cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects.
British journal of pharmacology, v. 163, n. 7, p. 1344-1364, 2011.]
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O canabinoide responsá vel pelo efeito analgé sico é o


tetrahidrocanabinol (THC). Todavia, devido ao que os cientistas chamam de “efeito
comitiva”, se torna mais e iciente o tratamento quando os demais canabinoides sã o
administrados juntos, ou seja, quando sã o administrados de extratos ou da pró pria
planta, em detrimento do isolamento sinté tico.

A senadora Mara Gabrili (PSDB/SP) elaborou cartilha (anexo) sobre os


potenciais terapê uticos da cannabis, mostrando as evidê ncias cientı́ icas do
sucesso do tratamento de diversas doenças com a planta.

5
h ps://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2018/10/sucesso-no-uso-terapeu co-da-maconha-
contra-dor-inibe-preconceito.shtml
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.
fls. 13

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
Devido à possibilidade de escolher quais plantas melhor se
adequam ao seu tratamento, que o paciente optou pelo autocultivo, por nã o
coadunar prá ticas à s margens da lei, razã o que vem diante deste juı́zo pleitear, a
exemplo de outros casos semelhantes em jurisprudê ncia do Ceará e do Brasil,
salvo-conduto para que possa continuar com seu cultivo sem risco de sofrer
criminalizaçã o por cuidar de sua saú de.

2.3 - DA VIABILIDADE DA EXTRAÇÃO E PRODUÇÃO CASEIRA DO


FITOTERÁPICO DE CANNABIS SATIVA

A produçã o de itoterá picos a base de Cannabis é uma realidade no


Brasil e prova-se extremamente viá vel. Há que se frisar, que em â mbito domé stico,
nã o há de haver o mesmo rigor de produçã o de medicamentos para terceiros, estes
sim, sujeitos a controle da ANVISA. E o que esclarece a pró pria Agê ncia em sua
cartilha (anexo):
Federal, em caso aná logo ao do paciente, se pode vê :
Tomando por referê ncia Laudo Pericial (anexo) do Químico Fabiano

no 0808120-69.2020.4.05.8100, que tramita na 3a Turma do Tribunal Regional


Soares de Araújo (CRQ-IX 09904885), enquanto prova emprestada do processo
fls. 14

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
mostra barato e e iciente, conforme demonstrado no desenho abaixo:
Quanto à extraçã o do ó leo rico em Cannabis, o processo artesanal se
fls. 15

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.
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fls. 16

É desta forma, Excelência, que o paciente tem garantido a


continuidade do tratamento, com alto índice de êxito, que se re lete em
qualidade de vida.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
3 - DO DIREITO

3.1 – DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DE CULTIVAR CANNABIS COM FINS


TERAPÊUTICOS

A Lei nº 11.343/06, ao proibir o a produçã o, comé rcio e consumo de


determinadas substâ ncias, declara como seu objetivo a proteçã o do bem jurídico
Saúde Pública. Os tipos nela previstos englobam diversas condutas, desde as de
menor potencial ofensivo (Art. 28) como posse para consumo pessoal até as
condutas consideradas gravı́ssimas classi icadas genericamente de “trá ico” (art.
33 – que prevê 18 condutas). Em ambos os verbos estã o as condutas cultivar e
semear (§1º de ambos artigos), cabendo à autoridade policial a diferenciaçã o no
caso concreto.

Segundo doutrina e jurisprudê ncia, para existir um crime, é necessá rio,


alé m da tipicidade formal, qual seja a previsã o legal da conduta humana, vínculo
subjetivo (dolo) com a efetiva lesão do bem jurídico tutelado, ou seja,
tipicidade subjetiva e material! No caso em tela, o cultivo e preparaçã o do
itoterá picos de Cannabis, em vez de ofender a saúde púbica, a promove!

Nã o há dú vidas que a tipicidade subjetiva e material da conduta


encontram-se afastadas do fato, sendo subjetivamente atípica, por ausê ncia de
dolo em lesar a saú de pú blica, bem como materialmente atípica por ausê ncia de
lesividade e aplicaçã o do princı́pio da insigni icâ ncia.

Ademais, quanto à culpabilidade6, para que a responsabilidade recaia


sobre o agente, é preciso que este seja imputá vel e tenha a liberdade de agir de
maneira diversa. No caso em tela sendo o cultivo de Cannabis a única opção que
lhes restou viável, já que o paciente nã o coaduna com a compra de cannabis no
6
h ps://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/o-uso-medicinal-da-maconha-como-causa-de-
exclusao-da-culpabilidade/
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mercado ilegal e o tratamento legal prescrito inicialmente por seu mé dico é
impraticá vel frente à sua realidade econô mica. Segundo o bom direito, essa
conduta está revestida de uma causa supralegal de inexigibilidade de conduta
diversa.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
Nã o há dú vida que nã o é exigı́vel a ningué m, no Estado Democrá tico de
Direito, o sacrifı́cio da pró pria saú de para atender o comando formal de lei penal
(que conforme já explicado, sequer restará subjetivamente ou materialmente
violada).

3.1 DO USO DE CANNABIS COMO FORMA DE REDUÇÃO DE DANOS

A escolha pelo melhor tratamento, ou seja, aquele que proporcione


qualidade de vida e dignidade, é uma opçã o primeiramente do paciente e de sua
famı́lia, amparados pela autonomia da vontade. O artigo 196 da Constituiçã o
Federal de 1988, dispõ e:

A saú de é direito de todos e dever do Estado,


garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (grifos nossos).

Sobre a prescriçã o mé dica para tratamento com Cannabis, tal conduta está
plenamente amparada pelo disposto no Código de Ética Médica, no capítulo II,
“É direito do Médico: II – Indicar o procedimento adequado ao paciente,
observadas práticas cienti icamente reconhecidas e respeitada a legislação
vigente. ” No capı́tulo IV, que trata dos Direitos Humanos, dispõ e: “E vedado ao
Mé dico: Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de
decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua
autoridade para limitá-lo. ”
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.
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A Lei 11.343/06, em seu artigo 2º, pará grafo ú nico, prevê a possibilidade
de o Estado autorizar o cultivo e uso de drogas proscritas, desde que com ins
medicinais ou cientı́ icos, in verbis:

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Art. 2º Ficam proibidas, em todo o territó rio nacional, as drogas,
bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploraçã o de
vegetais e substratos dos quais possam ser extraı́das ou
produzidas drogas, ressalvada a hipó tese de autorizaçã o legal ou
regulamentar, bem como o que estabelece a Convençã o de Viena,
das Naçõ es Unidas, sobre Substâ ncias Psicotró picas, de 1971, a
respeito de plantas de uso estritamente ritualı́stico-religioso.

Pará grafo ú nico. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a


colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo,
exclusivamente para ins medicinais ou cientí icos, em local e
prazo predeterminados, mediante iscalização, respeitadas as
ressalvas supramencionadas. (grifo nosso)

Ainda a Lei de Drogas prevê , como princı́pios do Sistema Nacional de


Polı́ticas Pú blicas sobre Drogas (SISNAD), em seu art. 4º, I, o respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e
liberdade. O artigo 19, que dispõ e das atividades de prevençã o ao uso indevido de
drogas, em seu inciso III prevê : III - o fortalecimento da autonomia e da
responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas. ”

Convé m salientar que antes de iniciar o tratamento com cannabis, conforme


já relatado, a paciente, com acompanhamento e prescriçã o mé dica, lançou mã o do
uso da alternativa terapê utica indicada para seu quadro clı́nico, fazendo uso da
seguinte medicaçã o, que lhe apresentou diversos efeitos adversos graves:
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.
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 IBUPROFENO7:

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
Desta feita, Excelê ncia, conforme acima descrito, a substituição do
tratamento com a medicação alopática pelo tratamento com Cannabis, com
acompanhamento médico, cultivada pelo próprio paciente, se mostrou e icaz
medida de promoção de redução de riscos e danos, realizando assim os
objetivos da Lei 11.343/06.

3.2 - DAS DECISÕES FAVORÁVEIS AO CULTIVO CASEIRO DE CANNABIS COM


FINS TERAPÊUTICOS

Talvez, ainda este Juı́zo se pergunte se seria o Habeas Corpus açã o


competente para autorizar, ainda que por via transversa um cultivo terapê utico de
Cannabis, a prá xis processual de tribunais de 14 (catorze) estados da Federaçã o,

h ps://www.mdsaude.com/bulas/ibuprofeno/#Efeitos_colaterais
7
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.
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incluído o TJ-CE e a JF-CE, tê m efetivado a possibilidade do cultivo domé stico


de cannabis sativa com ins terapê uticos. Até julho de 2020, já haviam sido
concedidos 120 (cento e vinte) salvo-condutos para cultivo caseiro de
cannabis com ins terapêuticos 8.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
Ao todo, em nosso Estado, já sã o 16 (dezesseis) salvo-condutos
deferidos com este mesmo objeto 9. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE),
no ano de 2017, concedeu o primeiro habeas corpus para cultivo caseiro
de cannabis a um adulto que sofre com dores neuropáticas e espasmo
severos decorrentes do quadro de tetraplegia, pela Vara de Penas
Alternativas e Habeas Corpus, no processo nº 0134514-49.2017.8.06.0001
(anexo).

Em 2018, a 3ª Vara de Execução Penal de Fortaleza (SEJUD IV)


deferiu liminar autorizando o cultivo caseiro de cannabis em favor de uma idosa
que sofre com dores decorrentes de artrose, no processo nº 0152364-
82.2018.8.06.0001 (anexo). Em março de 2020, a 1ª Vara de Execução Penal de
Fortaleza – CE (proc. nº 0195927-92.2019.8.06.000), deferiu liminar em favor de
paciente criança portadora do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Em Julho, a
3ª Vara Criminal de Juazeiro do Norte – CE, concedeu salvo-conduto (proc. Nº
0052679-89.2020.8.06.0112) para mã e de paciente adulto com paralisia cerebral.
Neste mesmo mê s, a 3ª Vara de Execução penal de Fortaleza – CE deferiu
liminar (Proc. Nº 8001496-82.2020.8.06.0001) em habeas corpus para mulher
acometida de depressã o e ansiedade.

Já neste mê s de março de 2020, a 12ª Vara da Justiça Federal de


Fortaleza (proc. nº 0801147-98.2020.4.05.8100 – anexo) concedeu autorizaçã o

8
h ps://www.conjur.com.br/2019-out-18/tj-mg-concede-hc-preven vo-permite-plan o-maconha

9
h ps://www.opovo.com.br/no cias/fortaleza/2020/07/21/10---habeas-corpus-para-cul vo-da-
maconha-medicinal-e-liberado-no-ceara.html

h ps://www.bbc.com/portuguese/brasil-53589585
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO COELHO DE ALENCAR e TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO CEARA, protocolado em 15/12/2020 às 22:02 , sob o número 02730624920208060001.
fls. 21

para um paciente com dores decorrentes de Sı́ndrome do Intestino Irritá vel o


direito a importar sementes e continuar o seu cultivo de cannabis.

Outras decisõ es abundam em varas cearenses e pelo Brasil (em anexo),

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
para casos distintos, como Alzheimer e Transtorno Explosivo Intermitente (proc.
nº 0804182-66.2020.4.05.8100), na cidade de Baturité - CE e para paciente com
dor crô nica (proc. nº 0806399-82.2020.4.05.8100), em Fortaleza – CE. Em decisã o
recente, a 18ª Vara Federal do Sobral – CE, neste dia 30/06/2020, deferiu liminar
para paciente com paciente de 10 anos com paralisia cerebral.

Conforme acima demonstrado é imperioso, para o exercı́cio dos


Direitos Fundamentais do PACIENTE o deferimento da tutela ora invocada. Pois da
mesma forma, o tratamento com cannabis como ferramenta terapêutica, é
possível em países mais desenvolvidos democraticamente, para concretude a
um direito humano, qual seja tratar sua saúde, ao mesmo tempo harmô nico
com o preambulo, os artigos 5º, §1º, 6º e 196º da Constituiçã o, que prescrevem as
diretrizes constitucionais em relaçã o à Saú de pú blica.

Em recente decisã o10, a Organizaçã o das Naçõ es Unidas (ONU) acolheu


recomendaçã o da Organizaçã o Mundial de Saú de (OMS) e retirou a cannabis da
lista de substâ ncias perigosas (Lista IV), reconhecendo, consequentemente, seu
potencial terapê utico. Paı́ses vizinhos ao Brasil, como Argentina11, Uruguai12 e
Colô mbia13, com realidades econô micas e culturais, tê m regulamentado o uso
medicinal e social da Cannabis. Da mesma forma os EUA14, Israel15, Canadá 16 etc.

Em maté ria de tratamentos de saú de nã o registrados ou regulamentados,


podemos trazer como fundamento de direito a recente decisã o do Ministro Marco
Auré lio, relator dos Recursos Extraordiná rios (REs) 566.471 e 657.718 modi icou
10
h ps://saude.estadao.com.br/no cias/geral,onu-decide-re rar-a-cannabis-da-lista-de-medicamentos-
mais-nocivos,70003537470
11
h ps://g1.globo.com/mundo/no cia/2020/11/12/argen na-legaliza-cul vo-de-maconha-para-
consumo-proprio-de-natureza-medica.ghtml
12
h ps://brasil.elpais.com/internacional/2019-12-20/uruguai-registra-queda-no-trafico-de-maconha-
apos-a-legalizacao.html
13
h ps://medium.com/tudosobrecannabis/cannabis-medicinal-colombia-d5b475353225
14
h ps://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/no cia/2020/11/04/mais-estados-dos-eua-
aprovam-a-legalizacao-da-maconha.ghtml
15
h ps://brasil.elpais.com/internacional/2020-09-05/chuva-de-maconha-em-tel-aviv.html
16
h ps://g1.globo.com/mundo/no cia/2018/10/17/conheca-as-regras-para-o-consumo-recrea vo-da-
maconha-no-canada.ghtml
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seu voto na açã o sobre fornecimento de remé dios ou tratamentos sem registro,
conforme é o caso trazido à jurisdiçã o de V.Exa., nos seguintes termos:

“Nessas situaçõ es, o produto somente é encontrado em paı́s de desenvolvimento


té cnico-cientı́ ico superior, sendo que à mı́ngua nã o deve e nã o pode icar o

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0273062-49.2020.8.06.0001 e código 7E643D3.
paciente, com ou sem autorizaçã o da Anvisa, tendo em vista no seu caso de
industrializaçã o ou comercializaçã o no territó rio, e sim de importaçã o excepcional,
para uso pró prio individualizado, ao Estado cumpre viabilizar aquisiçã o”, disse o
ministro-relator.

“Estamos aqui reunidos para proteger, para emprestar e icá cia, dar concretude a
um direito humano, que está ligado diretamente à vida, que é o direito à saú de. O
olhar do homem mostra-se em geral egoı́sta, argumenta-se na maioria das vezes
que o problema do pró ximo nã o é meu.”

Conforme acima demonstrado é imperioso, para o exercı́cio dos Direitos


Fundamentais do PACIENTE o deferimento da tutela ora invocada. Pois da mesma
forma, o tratamento com cannabis medicinal é possı́vel em paı́ses mais
desenvolvidos democraticamente, para concretude a um direito humano, qual seja
tratar sua saú de, em sintonia com as palavras do Ministro Relator, e ao mesmo
tempo harmô nico com o preambulo, os artigos 5º, §1º ,6º e 196 da Constituiçã o, -
que assim prescrevem:

Art. 5º Todos sã o iguais perante a lei, sem distinçã o de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
Paı́s a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º As normas de inidoras dos direitos e garantias fundamentais tê m


aplicaçã o imediata.

Art. 6º Sã o direitos sociais a educaçã o, a saú de, a alimentaçã o, o


trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdê ncia
social, a proteçã o à maternidade e à infâ ncia, a assistê ncia aos
desamparados, na forma desta Constituiçã o. (Redaçã o dada pela Emenda
Constitucional nº 90, de 2015)

Art. 196. A saú de é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante polı́ticas sociais e econô micas que visem à reduçã o do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitá rio à s açõ es e
serviços para sua promoçã o, proteçã o e recuperaçã o.

Desta forma requer igualdade de tratamento e o direito de FRANCISCO ISLEUDO


SOARES FAUSTO, poder cuidar da saú de, pois estes sã o Direitos Supremos do paciente,
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cabendo ainda ressaltar que nã o ofende a reserva do possı́vel, pois o auto cultivo
medicinal nã o gera qualquer ô nus ao Estado.

3.4 - DO EXERCÍCIO REGULAR DE SEU DIREITO FUNDAMENTAL E DO SEU ESTADO

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DE NECESSIDADE.

Toda a sociedade precisa viver dignamente e o Estado tem papel primordial


no cumprimento deste princı́pio constitucional tã o importante. Sendo certo que, o
direito à saú de integra o direito à vida, com o desı́gnio de proporcionar a cada
cidadã o o garantismo estatal da dignidade da pessoa humana.

A Constituiçã o da Repú blica Federativa do Brasil, no caput do seu Art. 5º,


garante a todos os brasileiros e estrangeiros, sem distinçã o de qualquer natureza,
à inviolabilidade do direito à vida, sendo este direito primário, garantindo-se
a essência dos demais direitos e princípios constitucionais. De outra banda, a
Constituiçã o consagra, no seu art.1º, inc. III, à dignidade da pessoa humana
como princípio basilar e, como fundamento do Estado Democrá tico de Direito.

A Carta Magna de 1988 trata especi icamente do direito à saú de como


direito social, no artigo 196, proclamando que “[...] o direito à saú de é um direito
de todos e um dever do Estado”. Rea irmamos que cultivo domé stico e terapê utico
pró prio do paciente nã o ofende a saú de pú blica, ao contrá rio, lhe traz dignidade e
bem-estar, bem como nã o onera os ó rgã os pú blicos.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tem


regulamentado, ainda que timidamente, o uso de medicamentos e produtos à base
de Cannabis em diversas decisõ es, desde o ano de 2015. No ano de 2019, a
Diretoria Colegiada aprovou a RDC nº 327, que autorizou fabricaçã o nacional de
produtos à base da cannabis e sua venda em farmá cias. Neste dia 22 de janeiro de
2020, a Agê ncia anunciou a simpli icaçã o das regras para importaçã o de
medicamentos, atravé s da ediçã o da RDC nº 335/2020. Resta frisar que o
paciente tem autorização para importação exarada pela ANVISA (anexo).
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A garantia aos brasileiros ao uso de cannabis como ferramenta


terapê utica e a omissã o dos poderes constituı́dos, inclusive é objeto de Ação Civil
Pública Promovida pelo MPF do Distrito Federal, no TRF1 - Processo N°
0090670-16.2014.4.01.3400 - 16ª Vara Federal, que busca a permissã o e

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regulamentaçã o do uso e Pesquisas e especi icamente requer a regulamentaçã o do
auto cultivo, conforme se pode observar nas có pias da referida açã o em anexo. Este
juı́zo assim decidiu, tendo como efeito prá tico a ediçã o da supracitada RDC
nº66/2016. O feito seguiu para apreciaçã o nos tribunais superiores, sem previsã o
de trâ nsito em julgado.

Existe també m pendente de julgamento a Açã o Direta de


Inconstitucionalidade (ADI 5708) para permitir: plantar, cultivar, colher, guardar,
transportar, prescrever, ministrar e adquirir Cannabis para ins medicinais e de
bem-estar terapê utico e conforme despacho, deverá ser analisada diretamente no
mé rito pelo Plená rio do Supremo Tribunal Federal. A decisã o foi tomada pela
ministra Rosa Weber, que dispensou a aná lise do pedido de liminar e aplicou ao
caso o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999, ante a ausê ncia de
regulamentaçã o especı́ ica da maté ria que tem voltado à ilegalidade as pessoas que
buscam na Cannabis tratamento para condiçõ es de saú de.

Na mesma esteira, tramita na Câ mara dos Deputados o Projeto de Lei


nº 399/2015, que pretende alterar o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de
2006, para permitir a comercializaçã o de medicamentos que contenham extratos,
substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulaçã o. O Projeto está
em tramitando na Comissã o Especial, sob relatoria do deputado Fá bio Mitidieri,
aguardando seu parecer para ser levado à apreciaçã o do colegiado.

Excelê ncia, nã o obstante o seu estado de necessidade, bem como a


impossibilidade do exercício regular de seu direito, considerando que até a
presente data os Poderes Constituı́dos, ainda nã o criaram normas ou decisã o “erga
omnes” para garantir o acesso e continuidade - sem risco de sua liberdade de
locomoçã o - do seu bené ico tratamento. Hoje apenas os mais abastados podem
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importar, por valores absurdos, o referido extrato de cannabis e ter qualidade


de vida.

Considerando o objeto da ACP do MPF, da ADI 5.708 supracitadas,

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e o moroso trâ mite do P.L nº 399/2015, o presente salvo conduto, deve ser
emitido, s.m.j., por V. Exa. A inal uma açã o ou omissã o juridicamente permitida nã o
pode ser, ao mesmo tempo, proibida pelo direito. Ou seja, o exercício regular de
direito nunca poderá ser antijurídico. Essa insegurança jurídica causa abalos
psicológicos no paciente e poderá lhe causar constrangimentos sociais
desnecessários.

O exercı́cio regular de direito, alcança, como vimos, o paciente e este


deve exercitar seu direito subjetivo de continuar a produzir seu óleo de
forma artesanal, uma faculdade prevista em nossa Magna Carta. Dessa forma, o
signi icado da expressã o Direito possui sentido amplo, pois trata-se de direito
Fundamental à Saú de, reconhecido pelo poder pú blico, conforme receita mé dica e
a autorizaçã o emitida pela ANVISA, ó rgã o do Ministé rio da Saú de permitindo o uso
do extrato da planta Cannabis Sativa. Mormente pelo descumprimento de suas
obrigaçõ es, por parte do Estado, nã o pode e jamais deve punir uma famı́lia por este
ato de coragem!

Antes mesmo das referidas resoluçõ es citadas, que permitem a


importaçã o de cannabis, o Decreto 5.912/2006, que regulamenta a Lei sobre
Drogas a irma no seu art. 14º, inciso I, alı́nea c, que é competê ncia do Ministé rio da
Saú de “autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais possam ser
extraı́das ou produzidas drogas, exclusivamente para ins medicinais ou cientı́ icos,
em local e prazo predeterminados, mediante iscalizaçã o, ressalvadas as hipó teses
de autorizaçã o legal ou regulamentar”. A omissã o do Estado é patente!

O Poder Pú blico descumpre e impede ao cidadã o exercer direito, que a Lei
8080/1990, instituidora do SUS, marco legal e diretriz da Saúde Pública do
Brasil, que assim leciona:

Art. 2º - A saú de é um direito fundamental do ser humano devendo o


Estado prover as condiçõ es indispensá veis ao seu pleno exercı́cio.
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Art. 5º - Sã o objetivos do Sistema ú nico de Saú de SUS:


III - a assistê ncia à s pessoas por intermé dio de açõ es de promoçã o e
recuperaçã o da saú de com a realizaçã o integrada das açõ es assistenciais
e das atividades preventivas.

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Conforme a lei da Saú de preceitua, a saú de deve ser provida: I - de
forma universal acesso aos serviços de saú de em todos os nı́veis de assistê ncia. II -
Integralidade de assistê ncia, entendida como conjunto articulado e contı́nuo das
açõ es e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os nı́veis de complexidade do sistema. III - preservaçã o da
autonomia das pessoas na defesa de sua integridade fı́sica e moral; IV - igualdade
da assistê ncia à saú de, sem preconceitos ou privilé gios de qualquer espé cie.

Se a justi icativa da Lei de drogas é exatamente proteger a saúde


pública, a hermenêutica jurídica Constitucional não deve jamais impedir o
uso de plantas medicinais, mormente por tratar-se de autonomia, acessibilidade
e autodeterminaçã o do melhor tratamento, corroborado por pesquisas e
prescriçã o mé dica.

Até mesmo, Convençã o Unica sobre Entorpecente de 1961 da ONU, em seu


preâ mbulo a irma, com veemê ncia, que “o uso médico dos entorpecentes
continua indispensável para o alívio da dor e do sofrimento e que medidas
adequadas devem ser tomadas para garantir a disponibilidade de
entorpecentes para tais ins”. A Convençã o ainda menciona expressamente no
seu art.49, inciso II, alı́nea f, que “o uso da cannabis para ins que não sejam
médicos ou cientí icos deverá cessar o mais cedo possível”. Desta forma o
cultivo especi icamente medicinal nã o deve jamais ser proibido.

3.5 - DA LEGÍTIMA DEFESA

Ainda que Vossa Excelê ncia nã o considere o cultivo do PACIENTE um


exercı́cio regular de um direito, deverá reconhecer que o paciente FRANCISCO
ISLEUDO SOARES FAUSTO enlutado pela doença sem tratamento mais e icaz,
age em legítima defesa da saúde e dignidade humana.
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Diz o art. 25 do Có digo Penal: “Encontra-se em legı́tima defesa quem,


usando moderadamente dos meios necessá rios, repele injusta agressã o, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem”. Segundo a doutrina sã o, requisitos da defesa
legı́tima: agressã o injusta, que esteja em curso ou na iminê ncia de ocorrer; a

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repulsa, utilizando-se os meios necessá rios. A moderaçã o no uso dos meios de
defesa. O conhecimento da agressã o e a consciê ncia de sua atualidade ou iminê ncia
e de seu cará ter injusto (elemento subjetivo).

O Estado está sendo injusto perante o direito de todos os usuá rios


medicinais poderem cultivar seu tratamento sem qualquer ô nus ao erá rio pú blico,
como é o presente caso trazido à jurisdiçã o de Vossa Excelê ncia, a dignidade e
bem-estar do paciente FRANCISCO ISLEUDO SOARES FAUSTO, estão sendo
injustamente agredidos.

Aliás, duplamente, no caso trazido a jurisdição de V.Exa., pois ao não


cumprir a ordem constitucional de prover a saúde e, o que é pior, criminaliza
o exercício de Direito Humano Fundamental do paciente, vivemos tempos
muito di íceis!

3.6 - DO JUSTO RECEIO

Até o julgamento inal do R.E 635.659 ou da aprovaçã o do PL 399/2015,


conforme se depreende do pará grafo ú nico do art. 28 da Lei 11.343/2006, cultivar
maconha para uso próprio, continua sendo fato típico.

Para tratar das agruras de sua doença, incorre em CRIME de lagrante


permanente, em evidente estado de necessidade! Uma mera denúncia anônima
de vizinho tem o poder de causar constrangimento tremendo na vida do
paciente e de sua mãe e avó, idosas e de seus familiares, con igurando justo
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receio, uma vez que a criminalizaçã o de quem cultiva cannabis é histó rica e
crescente17.

Nã o se busca, de forma alguma utilizar-se do presente remé dio heroico,

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regulamentar o cultivo, mas apenas garantir a simbiose do Direito Penal e a
garantia dos Direitos Constitucionais Fundamentais do paciente, até que os
poderes constituı́dos e a referida ACP, promovam o im desta insegurança jurı́dica
regulamentando uma forma acessı́vel e segura o autocultivo de cannabis.

O art. 196 da Constituiçã o de 1988 ser respeitado: “a saúde é direito


de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação. ”

Já é um absurdo o Estado nã o cumprir seu dever fundamental, nã o


acreditamos jamais que a Justiça irá criminalizar autotutela digna e proporcional
de um direito Constitucional. Con iamos que os Direitos Humanos e o Estado
democrá tico de direito sejam protegidos por esta Jurisdiçã o.

3.7 - DA INCONSTITUCIONALIDADE EM SENTIDO AMPLO DO ART.28 DA LEI


11.343/2006

Tramita em nossa Suprema Corte o Recurso Extraordiná rio nº


635.659 que visa declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da lei 11.343/2006,
em sentido amplo, sendo, até o presente momento, unâ nime para reconhecer a
inconstitucionalidade de proibiçã o da cannabis, contando com votos favorá veis dos
Ministros Gilmar Mendes, Roberto Barroso e Edson Fachin. Mantida a tendê ncia
deste julgamento, que segue a mudança mundial de paradigma relativo à da

17
h ps://www.sspds.ce.gov.br/2020/02/12/homem-que-man nha-estufa-para-cul vo-de-maconha-e-
preso-em-flagrante-em-caucaia/

h ps://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/plantacao-de-maconha-e-encontrada-em-
residencia-no-bairro-itaperi-em-fortaleza-1.2952336

h ps://www.opovo.com.br/no cias/ceara/caucaia/2020/02/12/estufa-de-maconha-e-desa vada-pela-


policia-na-praia-da-tabuba.html
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garantia dos Direitos Humanos, qualquer usuá rio que desejar cultivar para uso
pró prio cannabis nã o cometerá crime, conforme votos em anexo. (Docs. Em anexo)

O presente habeas Corpus pode, inclusive, ser deferido sob o

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controle difuso de constitucionalidade, sem ofensa ao Pretó rio Excelso, eis que
prerrogativa jurı́dica de V. Exa., o Juiz natural, especialmente quando se versa
sobre situaçã o individual, objeto concretamente distinto daquele Recurso
Extraordiná rio, que almeja resolver a questã o abstrata e coletivamente.

A recente decisão da 3ª Turma Recursal do Tribunal de


Justiça de Santa Catarina , no voto do juiz relator Alexandre Morais da Rosa, é
14

interessante paradigma para a pretensão aqui requerida, pois rea irma a


argumentação dos votos dos ministros do STF no julgamento supracitado,
entendendo que a conduta de porte de drogas para consumo pessoal não
transcende direito do agente, assim como lhe garante o respeito à autonomia
e dignidade humana.

4 - DO PEDIDO LIMINAR

A medida ora pleiteada comporta prestaçã o preliminar, o que desde já


se requer, eis que presente todos os pressupostos necessá rios para o deferimento
mesma. A plausibilidade jurı́dica da concessã o da liminar encontra-se devidamente
caracterizada no presente WRIT. O fumus boni iuris foi devidamente demonstrado
pelos elementos fá ticos e jurı́dicos trazidos à colaçã o nesta peça processual.

O periculum in mora repousa no prejuı́zo que a violê ncia de uma açã o


policial, com pessoas sem conhecimento e ou preparo té cnico, denú ncia anô nima
mal-intencionada, etc., podem constranger ilegalmente o Paciente, e o que é mais
grave destruı́rem, apreender e interromper tratamento mé dico de um paciente
mé dico enlutado e abandonado à pró pria sorte pelo Estado, que nã o cumpriu seu
dever constitucional.

Pois se cabe ao Direito Penal e à Justiça, de forma verdadeira, sem


hipocrisia e obscuridade, tutelar a Saú de pessoal e da coletividade, o momento é
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agora Excelê ncia, garantindo a liberdade e exercı́cio dos direitos fundamentais do


paciente.

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5 - DOS REQUERIMENTOS

Neste senda, contando com o douto suprimento de Vossa Excelê ncia,


REQUER o deferimento da medida liminar pleiteada e aguarda-se o deferimento
da ordem para concessã o de salvo-conduto para cultivo, colheita, preparação,
porte e transporte de cannabis com ins exclusivamente terapêuticos e
individual, a im de que as autoridades coatoras, Polı́cia Civil e Polı́cia Militar,
competentes para receberem eventuais denú ncias, se abstenham de atentar contra
a liberdade de locomoçã o do paciente FRANCISCO ISLEUDO SOARES FAUSTO,
que iquem impedidos de apreender as sementes essenciais à continuidade do
cultivo, assim como a apreensã o e consequente destruiçã o das plantas que
constituem seu tratamento de saú de, e de proceder a prisã o em lagrante do
Paciente pelo cultivo, uso, posse, porte, transporte e produçã o artesanal da
Cannabis Sativa para ins exclusivamente terapê uticos, bem como iquem
impedidas de apreenderem os vegetais de Cannabis Sativa até decisã o de initiva de
mé rito no presente writ.

No mesmo sentido, requer que sejam autorizados o envio de seu


óleo para análise cromatográ ica em Laboratórios de Farmácia públicos ou
privados ou de instituições de Ensino e Pesquisa.

Ao inal, requer o reconhecimento da inconstitucionalidade do


referido artigo 28 §1º da Lei 11.343/2006, incidenter tantum, cuja atipicidade
da conduta se requer como pedido principal. Na mesma esteira, caso nã o
interprete como inconstitucional a referida proibiçã o, que se reconheça que este
caso sintetiza, TODAS as de excludentes de ilicitude do Código Penal
Brasileiro - estado de necessidade, exercício regular de um direito não
regulamentado e legítima defesa do direito de cuidar de sua própria saúde –
podendo-se invocar ainda GRAÇA e MISÉRICÓRDIA, institutos existentes em
todos os có digos penais e constituiçõ es de paı́ses democrá ticos ou nã o, que
justi icam um julgamento compassivo pela procedê ncia total do presente salvo
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conduto, provando que Justiça deve ser promovida até mesmo pelo Direito Penal, a
ultima ratio.

Que deixe de encaminhar os autos para reexame necessá rio, ao Egré gio

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Tribunal de Justiça, por inconstitucional o art. 574, I, do CPP, uma vez que, com a
Constituiçã o Federal de 1988, a regra é a liberdade e a exceçã o a prisã o, de modo
que sendo esta decisã o em favor da liberdade, com expediçã o de salvo contudo, o
reexame desta decisã o deve ser feita em razã o de expressa discordâ ncia do titular
da açã o penal competente, no caso, o Ministé rio Pú blico ou das representaçõ es
judiciais das autoridades impetradas

Nestes termos, pede a concessã o da ordem.

Fortaleza – CE, 15 de dezembro de 2020.

ÍTALO COELHO DE ALENCAR

OAB/CE 39.809

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