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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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27/10/2015 SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 114.223 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI


PACTE.(S) : ADRIANO CARLOS CANTÃO
IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO
PAULO
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CONSUMADO E


TENTADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE
INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. IMPUTAÇÃO ALTERNATIVA.
FALTA DE DESCRIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 14, II, DO
CÓDIGO PENAL. INCOMPATIBILIDADE ENTRE DOLO EVENTUAL E
TENTATIVA. INOCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de
que a extinção da ação penal, de forma prematura, pela via do habeas
corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, nas quais seja patente
(a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de
autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de alguma causa
extintiva da punibilidade.
2. A inicial acusatória indica os elementos indiciários mínimos aptos
a tornar plausível a acusação e, por consequência, suficientes para dar
início à persecução penal, além de permitir ao paciente o pleno exercício
do seu direito de defesa, nos termos do art. 41 do Código de Processo
Penal.
3. Não se reputa alternativa a denúncia que descreve conduta certa e
determinada, em imputação de tipo penal doloso, tanto o dolo direto
quanto o eventual, porque cingidos naquela norma incriminadora.
4. Constatada a higidez da denúncia, não há como avançar nas
questões que compõem típicas teses defensivas, sob pena de afronta ao
modelo constitucional de competência. Caberá ao juízo natural da
instrução criminal, com observância do princípio do contraditório,

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HC 114223 / SP

proceder ao exame do ora alegado e, porventura, conferir definição


jurídica diversa para os fatos.
5. Ordem denegada.
AC Ó RDÃ O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do
Senhor Ministro DIAS TOFFOLI, na conformidade da ata de julgamentos
e das notas taquigráficas, por unanimidade, em denegar a ordem, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Celso de Mello.

Brasília, 27 de outubro de 2015.

Ministro TEORI ZAVASCKI


Relator

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HABEAS CORPUS 114.223 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI


PACTE.(S) : ADRIANO CARLOS CANTÃO
IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO
PAULO
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR):


Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Adriano Carlos
Cantão contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal
de Justiça que denegou a ordem no HC 147.729/SP. Consta dos autos, em
síntese, que: (a) o paciente foi denunciado, em 13/9/2005, pela suposta
prática de dois homicídios qualificados, sendo um deles na forma
tentada, tipificados no art. 121, § 2º, inc. II, III e IV, do Código Penal; (b)
em 20/4/2007, o juízo singular, ao rejeitar a preliminar de inépcia da
denúncia, pronunciou o paciente como incurso nas sanções do art. 121, §
2º, inc. IV, do Código Penal, por duas vezes, sendo uma delas na forma
tentada (art. 14, II, do CP); (c) essa decisão foi confirmada pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo no julgamento do recurso em sentido estrito; (d)
inconformada, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de
Justiça, que denegou a ordem, em acórdão assim ementado:

“(...) 1. A peculiaridade verificada na denúncia alternativa


reside na pluralidade de imputações, embora no plano dos fatos
se tenha verificado a prática de uma única conduta típica,
apresentando o acusador verdadeiras opções acerca da
prestação jurisdicional invocada.
2. Não há na doutrina consenso acerca da admissibilidade
desta técnica de imputação no processo penal brasileiro.

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Entretanto, tal debate se mostra irrelevante para o deslinde da


questão posta na impetração.
3. Não se revela inepta a denúncia que atribui ao acusado
a prática do delito com dolo direto ou eventual, tendo em vista
que o legislador ordinário equiparou as duas figuras para a
caracterização do tipo de ação doloso. Doutrina.
4. A exordial acusatória atribui ao paciente a prática de
uma única ação - desferir o tiro de revólver contra as vítimas
em sua perseguição -, descrita com riqueza de detalhes, o que
não se amolda ao conceito de denúncia alternativa.
(…)
1. A norma de extensão descrita no artigo 14, inciso II, do
Código Penal permite a decomposição do iter criminis para que,
desincumbindo-se o executor de todos os meios eleitos para a
prática delituosa, caso o resultado pretendido ou assumido não
se verifique por causas alheias à sua vontade, seja
responsabilizado pelo perigo que acarretou, com a sua conduta,
ao bem jurídico tutelado pela norma penal.
2. Mostra-se irrelevante para o exercício do direito de
defesa a descrição da causa que impediu o resultado lesivo,
sendo certo que o fato do paciente ter chamado outra viatura da
Polícia Militar, que prestou socorro à vítima, pode servir de tese
defensiva a ser declinada e comprovada no bojo do
contraditório estabelecido no curso da ação penal.
(…)
1. Embora a questão não encontre solução pacífica na
doutrina, adotando-se como premissa a equiparação do dolo
direito com o dolo eventual realizada pelo legislador ordinário,
afigura-se compatível o delito tentado praticado com dolo
eventual. Precedente.
2. Ordem denegada”.

No presente habeas corpus, a impetrante alega, em suma: (a) a inépcia


da denúncia para o crime de homicídio consumado em razão da
indefinição do elemento subjetivo do tipo, dada a imputação alternativa
entre o dolo direto e o eventual; (b) a inépcia da acusação para a tentativa

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de homicídio, pela falta de descrição das circunstâncias alheias à vontade


do paciente que teriam impedido a morte da vítima, bem como por não
ter apontado a solicitação de socorro à vítima por parte do paciente, causa
preponderante da não consumação de sua morte; (c) a incompatibilidade
entre dolo eventual e tentativa. Requer, ao final, a concessão da ordem
para que seja reconhecida a inépcia da denúncia e, por conseguinte, a
anulação de todo o processo. Subsidiariamente, requer seja reconhecida a
inépcia parcial da denúncia “para determinar seja excluída da acusação a
imputação de tentativa de homicídio contra a vítima Fabiano Miranda”.
O pedido de liminar foi indeferido.
Prestadas informações pelo Superior Tribunal de Justiça.
Em parecer, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela
denegação da ordem.
É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR):


1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a
extinção da ação penal de forma prematura, via habeas corpus, somente se
dá em hipóteses excepcionais, quando patentemente demonstrada (a) a
atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e
materialidade delitivas; ou (c) a presença de causa extintiva da
punibilidade. Ilustrativo, a esse respeito, entre outros, os seguintes
precedentes: HC 110315, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda
Turma, DJe de 04-09-2013; HC 110697, Relator(a): Min. JOAQUIM
BARBOSA, Segunda Turma, DJe de 08-10-2012; HC 107412, Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 23-05-2012; HC 110321,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 13-
08-2012; HC 114867, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de
14-08-2013; HC 115432-AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira
Turma, DJe de 27-06-2013; RHC 114739, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI,
Primeira Turma, DJe de 10-12-2012.

2. No caso, entretanto, não se constata nenhuma daquelas hipóteses


que justificariam a extinção da ação penal de forma anômala,
notadamente a delimitação do elemento subjetivo do tipo e a falta de
justa causa para a instauração da ação penal. A peça acusatória descreve,
de forma suficiente, o fato criminoso e o vincula às condutas do paciente.
É o que dela se extrai, verbis:

“Consta dos inclusos autos de inquérito policial militar


(052.04.3490-0) e o iniciado por portaria da autoridade policial
do 70º Distrito Policial da Capital, que no dia 29 de abril de
2003, por volta das 11:45 horas, na Av. Professor Luiz Inácio de
Anhaia Mello, altura do n. 7887, o Sd. PM ADRIANO CARLOS
CANTÃO imbuído de inequívoco animus necandi ou pelo

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menos assumindo o risco de produzir o resultado morte,


efetuou um disparo de arma de fogo contra Wesley Trindade da
Silva, produzindo-lhe os ferimentos descritos no laudo de
exame de corpo de delito de fls. 48/49 (IP 052.03.2195-4), que
por sua natureza e sede foram a causa eficiente de sua morte,
vindo ainda atingir também a pessoa de Fabiano Miranda com
a mesma intenção, produzindo nesta as lesões corporais
descritas no laudo de exame de corpo de delito de fls. 114/115
(IP 052.04.3490-0), iniciando assim em relação a essa execução
de crime de homicídio que apenas não se consumou por
circunstâncias alheias à sua vontade ou não verificada
objetivamente apesar do risco assumido.
Segundo se apurou no curso das investigações policiais
civil e militar, no dia dos fatos, Fabiano Miranda e Wesley
Trindade da Silva trafegavam em atitude suspeita com uma
motocicleta pelo local dos fatos quando ao serem abordados
pelos policiais militares componentes da guarnição ROTA
91248, empreenderam maior velocidade afim de impedir a
abordagem dos policiais militares, mesmo porque, verdade,
traziam uma chave do tipo 'micha', usualmente empregada
para a prática de furtos.
Ao notar que a motocicleta se afastava da viatura da
ROTA e talvez não conseguissem mais aborda-los, o Sd. PM
ADRIANO CARLOS CANTÃO sacou sua arma, um revólver
calibre 38 de marca Taurus da Polícia Militar e efetuou um
disparo na direção dos indivíduos suspeitos que se evadiam
na motocicleta, fazendo-o, todavia, contra as costas e em
posição cujo disparo poderia ser letal – como de fato foi -
demonstrando assim que pretendia matar ou que ao menos
assumia o risco de alcançar esse resultado em relação a cada
um dos motociclistas, pouco lhe importando quantas vítimas
adviessem de sua conduta absolutamente inaceitável,
exemplo do 'atire primeiro e pergunte depois' que merece
todo repúdio social e legal.
Ao efetuar o disparo simplesmente porque poderiam
perder de vista os suspeitos, agiu por motivo fútil.

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Desferindo disparo de arma de fogo em meio a


perseguição no trânsito em horário e via de intenso movimento
valeu-se de meio do qual resultou ou poderia resultar perigo
comum.
Efetuando o disparo pelas costas das vítimas, colheram-na
de surpresa e além disso, como estavam indefesas em cima de
uma motocicleta, não tinham a menor condição de esboçar
qualquer possibilidade de defesa, valendo-se dessa condição
para atingi-las.
Face ao exposto, denuncio ADRIANO CARLOS ANTÃO,
devidamente qualificado nos autos às fls. 06 do IP 052.04.3490-
0, como incursos nas penas previstas pelo art. 121, § 2º, inc. II,
III e IV, por duas vezes, uma delas c.c. O art. 14, II, ambos do
Código Penal (...)" .

3. Como visto, a denúncia narra de forma objetiva as condutas


atribuídas ao paciente, adequando-as, em tese, ao tipo penal de
homicídio, na forma consumada e tentada. Ao contrário da tese arguida
pela defesa, não se identifica na descrição do fato imputação alternativa,
ou seja, a peça acusatória não atribui ao réu mais de uma conduta
penalmente relevante (Afrânio Silva Jardim, in Direito Processual Penal.
11ª edição). Foi atribuído ao paciente conduta certa e determinada
(“sacou sua arma e efetuou um disparo na direção dos indivíduos”),
perpetrada de forma dolosa.
Sobre o elemento subjetivo, dispõe o art. 18, I, do Código Penal que o
crime será doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco
de produzi-lo”, de modo que a distinção doutrinária entre dolo direto e
eventual não tem efeitos para a demonstração da causalidade do tipo
doloso. O dolo, embora eventual, é sempre dolo, ou seja, há o fator
volitivo. Importa à exordial acusatória, portanto, descrever a conduta e
todos os seus elementos, culminando com a subsunção dos fatos à norma
penal incriminadora. E, em relação ao crime de homicídio doloso, o
elemento subjetivo do tipo consiste na vontade do agente em causar lesão
ao bem jurídico vida. Nessa perspectiva, a acusação foi capaz de apontar,
precisamente, o modus operandi da conduta, especificando a atuação do

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paciente que, em meio a perseguição policial a motociclistas, atingiu as


vítimas pelas costas com disparo de arma de fogo, “imbuído de
inequívoco animus necandi ou pelo menos assumindo o risco de
produzir o resultado morte”, fato que teria provocado a morte de uma
das vítimas. Quanto ao ponto, não se verifica qualquer impropriedade do
acórdão atacado, que assim enfrentou a questão:

“(...) Nota-se, portanto, que o simples fato do Ministério


Público ter declinado na exordial que o paciente agiu com a
intenção de produzir o resultado, ou assumiu o risco de
produzi-lo, não impede ou dificulta o exercício do direito de
defesa que lhe é garantido constitucionalmente, tendo em vista
que as duas formas são aptas a caracterizar o tipo de ação
doloso. Ambas tutelam condutas voltadas para a consecução de
um fim penalmente tipificado, independentemente se o
resultado era querido, ou se se assumiu o risco de produzi-lo.
Aliás, de acordo com as circunstâncias fáticas narradas na
denúncia, a precisa adequação do elemento subjetivo da
conduta atribuída ao paciente no momento no qual foi
praticada, deveras irrelevante para fins de viabilidade da ação
penal, só por ele é conhecida, e deverá ser objeto de
argumentação e comprovação no âmbito do devido processo
legal regularmente instaurado perante o Juízo competente.
Ademais, o que se depreende da leitura da exordial
acusatória é que se atribuiu ao paciente a prática de uma única
ação - desferir o tiro de revólver contra as vítimas em sua
perseguição -, descrita com riqueza de detalhes, o que não se
amolda ao conceito de denúncia alternativa, conforme
consignado alhures”.

4. Referente à inépcia da denúncia pela imputação do homicídio na


forma tentada, importa, na avaliação da validade da peça acusatória, a
delimitação da atuação do agente contra o bem jurídico tutelado,
certificando-se que efetivamente teve início a execução do crime. Ainda
que dispensada pela acusação a menção das circunstâncias que teriam

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impedido a morte da vítima, a denúncia, como visto, não se descuidou de


ilustrar, com pormenores, a atuação do paciente no cenário dos fatos. A
alegação de que a morte não se consumou em decorrência de ter o
paciente providenciado o socorro prestado à vítima não tem pertinência
na via estreita do habeas corpus, dada a necessidade de revolvimento dos
fatos e provas do caso. Ademais, referidas circunstâncias compõem
típicas teses defensivas que, acaso suscitadas, poderiam ensejar, na fase
de apreciação do juízo de admissibilidade da acusação, a impronúncia, a
absolvição sumária ou a desclassificação do delito, nos moldes dos arts.
414, 415 e 418 do Código de Processo Penal.
Não convém, nesta ação constitucional, apontar as provas e fatos que
eventualmente poderiam zelar pela solidez da denúncia, mas, sim,
verificar a presença de substrato indiciário mínimo da autoria e
materialidade do delito, além do exame de eventual atipicidade da
conduta ou de extinção de punibilidade, hipóteses não evidenciadas.

5. Acerca da alegada incompatibilidade entre o dolo eventual e a


tentativa, tem-se que a doutrina oscila quanto ao tema. A favor da
aplicação simultânea dos dois institutos, Guilherme de Souza Nucci
reputou “perfeitamente admissível a coexistência da tentativa com o dolo
eventual, embora seja de difícil comprovação no caso concreto”.
Reportou-se, na oportunidade, à lição de Nélson Hungria: “se o agente
aquiesce no advento do resultado específico do crime, previsto como
possível, é claro que este entra na órbita de sua volição: logo, se por
circunstâncias fortuitas, tal resultado não ocorre, é inegável que o agente
deve responder por tentativa” (in Código Penal comentado, 14ª edição).
Em contraposição, Rogério Greco compreende que, “independentemente
do paralelo que se tente traçar entre o dolo eventual e a culpa consciente,
o fato é que, nos casos concretos, o raciocínio da tentativa torna-se
inviável. A própria definição legal do conceito de tentativa nos impede de
reconhecê-la nos casos em que o agente atua com dolo eventual. Quando
o Código Penal, em seu art. 14, II, diz ser o crime tentado quando,
iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade

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do agente, nos está a induzir, mediante a palavra vontade, que a tentativa


somente será admissível quando a conduta do agente for finalística e
diretamente dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em
que somente assuma o risco de produzi-lo, nos termos propostos pela
teoria do assentimento. O art. 14, II, do Código Penal adotou, portanto,
para fins de reconhecimento do dolo, tão somente, a teoria da vontade”
(in Código Penal comentado, 5ª edição).
A celeuma, no Superior Tribunal de Justiça, pende para o
reconhecimento da compatibilidade entre os institutos, conforme
destacado no apontado como ato coator: “a questão já aportou a esta
Corte, oportunidade na qual se adotou a corrente que considera possível
a incidência da referida norma de extensão quando o agente, com sua
conduta, assume o risco de produzir o resultado lesivo, mormente pelo
fato de que o próprio legislador ordinário o equiparou ao dolo direto”.
Portanto, em se tratando de posição balizada por parte da doutrina e
pela Corte Superior, a quem compete constitucionalmente a
uniformização da jurisprudência infraconstitucional, não se vislumbra
inepta a inicial ao conjugar ambos institutos, sobretudo porque
remanesce, ainda, a possibilidade, segundo a acusação, de ter sido a
conduta praticada com dolo direto.
Reitere-se, no mais, que, constatada a higidez da denúncia, não há
como avançar nas questões que compõem típicas teses defensivas, sob
pena de afronta ao modelo constitucional de competência. Caberá ao
juízo natural da instrução criminal, com observância do princípio do
contraditório, proceder ao exame do ora alegado e, porventura, conferir
definição jurídica diversa para os fatos. Inviável, assim, antecipar-se ao
pronunciamento das instâncias ordinárias.

6. Diante do exposto, denego a ordem. É o voto.

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Extrato de Ata - 27/10/2015

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SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 114.223


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI
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PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por votação unânime, denegou a ordem, nos


termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Dias
Toffoli. 2ª Turma, 27.10.2015.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Teori
Zavascki. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de
Mello.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de


Almeida.

Ravena Siqueira
Secretária

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