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■ Capa: Danilo Oliveira


Produção Digital: Geethik

■ CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte.


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Saraiva, Alexandre José de Barros Leal


Código penal militar comentado : parte geral / Alexandre Saraiva. - Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014.

ISBN: 978-85-309-5939-5

1. Brasil. [Código penal militar. Parte geral (1969)]. 2. Direito militar - Brasil. I. Título.

09-1608. CDU: 344.1(81)(094)


 

Aquilo que se faz por amor está


sempre além do bem e do mal.
(F. Nietzsche)

Dedico este novo livro aos


meus filhos, Thaís e Alexandre Saraiva.
APRESENTAÇÃO

A você, que se dispôs a ler o Código Penal Militar Comentado – Parte Geral, preciso antecipar minha gratidão, não só pela vaidade
natural de qualquer autor (por ser lido), mas, antes de tudo, pela possibilidade que você me dá de compartilharmos um desejo comum
em conhecer, aprender, discutir, desconstruir e novamente refazer os caminhos dessa matéria, tão desconhecida quanto interessante: o
Direito Penal Militar.
Não creio em verdades absolutas ou intransigentes. Ao contrário, festejo a fantástica condição humana de ser perfeito em sua
própria imperfeição. Portanto, partindo desta premissa inicial, o texto veicula provocações que, a todo tempo, merecem ser revisitadas.
É lógico que aponto minhas próprias percepções e ofereço, sempre que necessário, minhas conclusões particulares sobre os temas de
maior apego dialético. Todavia, são impressões pessoais e não definitivas, pois me vejo e me permito em constante trânsito cognitivo.
De qualquer sorte, acredito que o livro oferece uma ótima oportunidade de aprendizado – e foi este meu objetivo ao escrevê-lo! Por
várias vezes, ainda na fase de elaboração, pesquisa e redação, lembrei-me de meus colegas alunos (meus verdadeiros professores) e da
falta que sentiam de um acervo múltiplo e consistente em Direito Penal Militar, vez que são poucas (e dignas de aplausos) as iniciativas
editoriais nesta senda. Assim, creio que o esforço conjunto – meu e desta fantástica editora, a MÉTODO – atende satisfatoriamente à
demanda, pois apresenta ao público uma nova compreensão da Parte Geral do Código Penal Militar que, cotejada com as outras –
poucas e valiosas – obras existentes, servirá à pretensão de todos nós.
Boa leitura e muito obrigado!
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(Fernando Pessoa)
PREFÁCIO

Para o gáudio dos estudiosos do Direito Penal Militar, tenho o prazer de apresentar o livro Código Penal Militar Comentado – Parte
Geral, de autoria do Dr. Alexandre José de Barros Leal Saraiva.
Entre os profissionais competentes e talentosos com os quais tive contato no âmbito do estudo do Direito Penal Castrense, está o
autor desta obra, o Promotor da Justiça Militar, Doutor Alexandre José de Barros Leal Saraiva, que de longa data vem demonstrando o
seu valor como doutrinador, no exercício do magistério e do cargo de Promotor da Justiça Militar.
Conheço e admiro o eminente Promotor desde a época de sua preparação para o concurso a que se submeteu para o Ministério
Público Militar, no qual foi aprovado com brilhantismo no quarto lugar geral. De longa data, já demonstrava sua vocação para o cargo
que ora ocupa, sendo importante ressaltar que o insigne escritor, com mais esta obra publicada, presta uma notável contribuição para o
desenvolvimento e a divulgação do Direito Penal Militar.
Neste livro, o autor analisa todos os artigos da Parte Geral do Código Penal Militar, enriquecendo-os com seus comentários e
abordando com profundidade alguns temas controvertidos nos Tribunais Militares do País.
Como exemplo das questões interessantes tratadas pelo autor, podemos citar, entre outras, as decorrentes das disposições dos
seguintes artigos do Código Penal Militar: o art. 9.º e as modificações introduzidas pela Lei 9.299/1996; o art. 10 com as peculiaridades
do tempo de guerra; o art. 21, que define a figura do assemelhado; o art. 22, referente à pessoa considerada militar; o art. 29 e a teoria da
equivalência dos antecedentes causais e o nexo de causalidade nos crimes omissivos impróprios; o art. 30, sobre a tentativa e as teorias
objetiva e subjetiva; o art. 33 e os delitos culposos e dolosos; o art. 39 e 43, respectivamente, sobre o estado de necessidade exculpante e
o estado de necessidade como excludente da antijuridicidade e a teoria diferenciadora; o art. 48, seu parágrafo e os arts. 112, 113 e o
tratamento ambulatorial para os condenados que se enquadram no parágrafo único do art. 48; o art. 53 e os cabeças; o art. 55 e as penas
principais e as peculiaridades da pena de morte; os arts. 70 e 72 e as circunstâncias agravantes e atenuantes da legislação militar; o art.
78 e a figura dos criminosos habituais e por tendência; os arts. 79 e 80 e suas peculiaridades referentes ao concurso formal, ao concurso
material e ao crime continuado; o art. 98 e as penas acessórias especialmente previstas na lei penal militar; o art. 123 e as causas
extintivas da punibilidade, a reabilitação, as prescrições intercorrente e retroativa e as prescrições específicas nos crimes de insubmissão
e deserção.
É, sem sombra de dúvidas, uma obra indispensável para os estudiosos do Direito Penal Militar, que passam a dispor de mais uma
rara e excelente fonte de consulta sobre o Direito Castrense.
Cumprimentando o autor deste precioso livro, quero externar o meu agradecimento e a minha satisfação pela honra de prefaciá-lo.

Brasília-DF.

JOSÉ CARLOS COUTO DE CARVALHO


Subprocurador-Geral
da Justiça Militar (AP)

 
 
 
 
 
 

Nota da Editora: o Acordo Ortográfico foi aplicado integralmente nesta obra.


SUMÁRIO

ÍNDICE SISTEMÁTICO

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO PENAL MILITAR

1. DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR


1.1 O princípio da legalidade e suas funções de garantia
1.2 Abolitio criminis e novatio legis
1.3 Medidas de segurança e o princípio da irretroatividade da lei penal
1.4 Leis excepcionais e temporárias
1.5 Tempo e lugar do crime
1.5.1 Tempo do crime
1.5.2 Lugar do crime
1.6 Territorialidade e extraterritorialidade da lei penal militar
1.7 Efeitos da pena cumprida no estrangeiro em relação à condenação, pelo mesmo crime, no Brasil
1.8 Crimes militares em tempo de paz
1.9 Crimes militares em tempo de guerra
1.10 Sujeição dos militares estrangeiros ao CPM
1.11 Equiparação dos militares inativos aos militares em atividade
1.12 Prerrogativas e responsabilidades dos militares inativos
1.13 Defeito de incorporação e aplicação da lei penal
1.14 Tempo de guerra, para efeitos de aplicação do CPM
1.15 Contagem dos prazos no direito penal militar
1.15.1 Aplicação das regras do Código Penal Militar aos fatos incriminados em leis especiais
1.15.2 Salário mínimo
1.16 Aplicação do CPM nos crimes praticados em prejuízo de país aliado
1.17 Crimes e transgressões militares
1.18 Causa especial de aumento das penas para os crimes cometidos em tempo de guerra
1.19 A figura extinta do assemelhado
1.20 Pessoa considerada militar para efeitos de aplicação do CPM
1.21 Equiparação a comandante para efeitos de aplicação do CPM
1.22 Conceito de superior para efeitos de aplicação do CPM
1.23 Crime praticado em presença de inimigo
1.24 Referência a “brasileiro” ou “nacional”. O conceito de estrangeiro para fins de aplicação do CPM
1.25 O conceito de funcionário da Justiça Militar para fins de aplicação do CPM
1.26 Casos de prevalência do CPM

2. DO CRIME
2.1 Relação de causalidade. Conceito de crime militar
2.2 Teoria da equivalência dos antecedentes causais
2.3 Superveniência de causa relativamente independente
2.4 Nexo de causalidade (normativo) nos crimes omissivos impróprios
2.5 Iter criminis
2.6 Crime tentado
2.7 A pena nos crimes tentados
2.8 Inadmissibilidade da tentativa
2.9 Desistência voluntária e arrependimento eficaz
2.10 Crime impossível
2.11 Crime doloso
2.12 Espécies de dolo
2.13 Crime culposo
2.14 Formas de violação do dever de cuidado
2.15 Espécies de culpa
2.16 Graus de culpa
2.17 Excepcionalidade do crime culposo
2.18 Agravação pelo resultado
2.19 Erro de direito
2.20 Erro de fato
2.21 Erro sobre a pessoa (error in personae e aberratio ictus)
2.22 Coação irresistível
2.23 Obediência hierárquica
2.24 Estado de necessidade exculpante
2.25 Impossibilidade de aplicar a coação moral nos crimes contra o dever militar
2.26 Atenuação da pena nos casos da coação resistível, obediência hierárquica e estado de necessidade
2.27 Excludentes da antijuridicidade
2.28 Excludente inominada
2.29 Estado de necessidade justificante
2.30 Legítima defesa
2.31 Estrito cumprimento do dever legal
2.32 Exercício regular de direito
2.33 Excesso culposo e doloso
2.34 Elementos não constitutivos do crime

3. DA IMPUTABILIDADE PENAL
3.1 Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto
3.2 Embriaguez
3.3 Inimputabilidade por menoridade
3.4 Equiparação à maioridade
3.5 Legislação especial para os menores inimputáveis

4. DO CONCURSO DE AGENTES
4.1 Noções gerais sobre o concurso de agentes
4.2 Teorias sobre a natureza jurídica do concurso de agentes
4.3 Teorias sobre a autoria
4.4 Participação
4.5 Requisitos do concurso de agentes
4.6 Participação de somenos importância
4.7 Participação em crime menos grave
4.8 Comunicabilidade das condições, elementares e circunstâncias
4.9 Agravantes no concurso de agentes
4.10 Cabeças
4.11 Casos de impunibilidade

5. DAS PENAS. DAS PENAS PRINCIPAIS


5.1 Das penas principais
5.2 Da forma de execução da pena de morte
5.3 Da comunicação da sentença de morte
5.4 Máximos e mínimos das penas de reclusão e detenção
5.5 Da conversão das penas de reclusão e detenção em prisão
5.6 Pena do assemelhado e pena dos não assemelhados
5.7 Local de execução da pena privativa de liberdade superior a dois anos, aplicada a militar
5.8 Local de execução da pena privativa de liberdade aplicada a civil
5.9 Pena de impedimento
5.10 Suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função
5.11 Pena de reforma
5.12 Superveniência de doença mental
5.13 Tempo computável na pena privativa de liberdade
5.14 Transferência de condenados

6. DA APLICAÇÃO DA PENA
6.1 Dosimetria penal. Considerações iniciais
6.2 Circunstâncias judiciais (fixação da pena-base) – 1.ª fase da dosimetria penal militar
6.3 Circunstâncias agravantes genéricas – 2.ª fase da dosimetria penal militar
6.4 Reincidência
6.5 Circunstâncias atenuantes genéricas – 2.ª fase da dosimetria penal militar
6.6 Quantum da agravação ou da atenuação das penas
6.7 Mais de uma agravante ou atenuante
6.8 Concurso de agravantes e atenuantes
6.9 Majorantes e minorantes – 3.ª fase da dosimetria penal militar
6.10 Pena-base
6.11 Criminoso habitual ou por tendência
6.12 Concurso de crimes
6.13 Crime continuado
6.14 Limite da pena unificada
6.15 Graduação no caso de pena de morte
6.16 Descaracterização do concurso de crimes e do crime continuado para criminoso habitual
6.17 Execução das penas não privativas de liberdade

7. DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA


7.1 Sursis
7.2 Restrições ao sursis
7.3 Condições da suspensão condicional da pena
7.4 Revogação do sursis
7.5 Extinção da pena
7.6 Não aplicação do sursis

8. DO LIVRAMENTO CONDICIONAL
8.1 Livramento condicional
8.2 Condições do livramento condicional
8.3 Providências preliminares à concessão do livramento condicional
8.4 Observação e proteção do liberado
8.5 Revogação obrigatória do livramento condicional
8.6 Efeitos da revogação
8.7 Extinção da pena
8.8 Não cabimento do livramento condicional
8.9 Casos especiais de livramento condicional

9. DAS PENAS ACESSÓRIAS


9.1 Penas acessórias
9.2 Perda de posto e patente
9.3 Indignidade para o oficialato
9.4 Incompatibilidade com o oficialato
9.5 Exclusão das Forças Armadas
9.6 Perda da função pública
9.7 Inabilitação para o exercício de função pública
9.8 Suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela
9.9 Suspensão dos direitos políticos
9.10 Imposição de pena acessória
9.11 Tempo computável

10. DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO


10.1 Dos efeitos da condenação

11. DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA


11.1 Das medidas de segurança
11.2 Das pessoas sujeitas às medidas de segurança
11.3 Da internação
11.4 Da substituição da pena privativa de liberdade por internação
11.5 Regime de internação
11.6 Cassação de licença para dirigir veículos motorizados
11.7 Exílio local
11.8 Proibição de frequentar determinados lugares
11.9 Interdição de estabelecimento, sociedade ou associação
11.10 Confisco
11.11 Imposição das medidas de segurança

12. DA AÇÃO PENAL


12.1 Da ação penal pública
12.2 Da ação penal pública condicionada à requisição

13. DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE


13.1 Das causas de extinção da punibilidade
13.2 Morte do agente
13.3 Anistia e indulto
13.4 Abolitio criminis
13.5 Prescrição
13.6 Prazos prescricionais
13.7 Prescrição intercorrente e retroativa
13.8 Termo inicial da prescrição da pretensão punitiva
13.9 Caso de concurso de crimes ou de crime continuado
13.10 Suspensão do prazo prescricional
13.11 Interrupção do prazo prescricional
13.12 Prescrição na coautoria e nos crimes conexos
13.13 Prescrição da pretensão executória
13.14 Termo inicial da prescrição da pretensão executória
13.15 Suspensão da prescrição da pretensão executória
13.16 Interrupção da prescrição da pretensão executória
13.17 Prescrição da pretensão executória
13.18 Reinício da contagem do prazo prescricional após a interrupção
13.19 Redução dos prazos prescricionais
13.20 Imprescritibilidade da execução das penas acessórias
13.21 Início da contagem prescricional na insubmissão
13.22 Prescrição na deserção
13.23 Declaração de ofício
13.24 Reabilitação
13.25 Cancelamento do registro de condenações penais

SÚMULAS VINCULANTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SÚMULAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

BIBLIOGRAFIA
ÍNDICE SISTEMÁTICO

Decreto-lei n.º 1.001, de 21 de outubro de 1969 –


Código Penal Militar

PARTE GERAL
(arts. 1.º a 135)

LIVRO ÚNICO (arts. 1.º a 135)


Título I – Da aplicação da lei penal militar (arts. 1.º a 28)
Título II – Do crime (arts. 29 a 47)
Título III – Da imputabilidade penal (arts. 48 a 52)
Título IV – Do concurso de agentes (arts. 53 e 54)
Título V – Das penas (arts. 55 a 109)
Capítulo I – Das penas principais (arts. 55 a 68)
Capítulo II – Da aplicação da pena (arts. 69 a 83)
Capítulo III – Da suspensão condicional da pena (arts. 84 a 88)
Capítulo IV – Do livramento condicional (arts. 89 a 97)
Capítulo V – Das penas acessórias (arts. 98 a 108)
Capítulo VI – Dos efeitos da condenação (art. 109)
Título VI – Das medidas de segurança (arts. 110 a 120)
Título VII – Da ação penal (arts. 121 e 122)
Título VIII – Da extinção da punibilidade (arts. 123 a 135)
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO PENAL MILITAR

DECRETO-LEI N.º 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969

Excelentíssimos Senhores Ministros de Estado da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar.


Tenho a honra de passar às mãos de Vossas Excelências o Projeto de Código Penal Militar, que resultou de cuidadoso trabalho da
Comissão Revisora designada por este Ministério, para rever o Anteprojeto elaborado pelo Professor Ivo d’Aquino.
A comissão foi integrada pelos Professores Benjamim Moraes Filho, como seu Presidente, José Telles Barbosa e pelo autor do
Anteprojeto.
Na fase inicial, realizou-se a primeira revisão, segundo os passos da Comissão Revisora do Anteprojeto de Código Penal, de autoria
do Ministro Nélson Hungria, e procurando atender as sugestões recebidas do Estado-Maior das Forças Armadas, da Escola Superior de
Guerra, de diversos Ministros do Superior Tribunal Militar e de outras fontes de cultura jurídica, civis e militares. Essas sugestões
foram acolhidas na sua quase totalidade, com exceção apenas das que já tinham sido atendidas em outros dispositivos, ou vieram a
colidir com outros princípios que informavam o sistema do Código.
O acompanhamento dos trabalhos da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código Penal Comum teve por objetivo dar o máximo
de unidade às leis substantivas penais do Brasil, evitando a adoção de duas doutrinas para o tratamento do mesmo tema, a fim de se
estabelecer perfeita aplicação das novas leis penais em todo o território nacional.
Na segunda fase, houve revisão, desde o art. 1.º, por força de mudanças na composição da Comissão paralela revisora do
Anteprojeto de autoria do Ministro Nélson Hungria, a qual fez completo reexame do trabalho, realizando fundas alterações em todo o
Anteprojeto, o que obrigou a Comissão Revisora do Código Penal Militar à nova e delicada operação revisionista.
De assinalar que nem sempre pode ser acompanhado o trabalho da Comissão Revisora do Código Penal comum, já pela
especificidade do direito militar, já pela necessidade de coerência com outros princípios adotados, com grande justeza, pelo Anteprojeto
Ivo d’Aquino.
A terceira fase consistiu na fase revisão final, para uniformização da linguagem, renumeração dos artigos e retoque na forma de
apresentação do Anteprojeto, agora convertido em Projeto.
Cumpre registrar que, entre a segunda fase e a terceira, a Comissão Revisora se viu desfalecida da Figura ilustre do Professor José
Telles Barbosa, falecido em meio a geral consternação do mundo jurídico.
No tocante às modificações feitas no Anteprojeto, deve-se ressaltar terem elas sido realizadas, que em obediência a sugestões
apresentadas pelos órgãos ou pessoas retrorreferidas, que pela própria iniciativa ou consciência do autor do Anteprojeto. Assim, as
decisões da Comissão foram sempre uniformes.
2. Cumpre, agora, apontar os motivos principais do Projeto, na sua forma atual.
Na distribuição da matéria, adotou-se critério novo, dividindo o Projeto em Parte Geral e Parte Especial, como de resto se fez com
os códigos penais que o Brasil tem tido e com vários códigos penais militares modernos. A divisão necessária, na Parte Especial, dos
crimes militares em tempo de paz e em tempo de guerra, é feita através dos Livros I e II, respectivamente, tal como se fez na redação do
Código Civil, em que os Livros são divisões de uma Parte.
3. A Parte Geral integra-se por um Livro Único, seguindo-se os títulos e capítulos, conforme a tradição jurídica de nosso País.
4. Dentro do Título I – “Da Aplicação da Lei Penal Militar”, adotou-se o princípio da territorialidade e o da extraterritorialidade na
amplitude usual do direito militar.
O conceito de crime militar continuou ex vi legis segundo o modelo do Código vigente, com os aperfeiçoamentos resultantes de
doutrinas mais modernas e da construção jurisprudencial de nossas cortes de Justiça Militar.
Entretanto, não se faz distinção entre as modalidades dolosa e culposa de um crime, para a sua conceituação de crime militar no
comum. Nunca o elemento subjetivo importará, pelo reconhecimento da culpa em lugar do dolo, na descaracterização do crime militar.
Na definição do tempo de guerra, para os efeitos penais militares, adotou-se distribuição e redação melhor que a do Código vigente
e desprezou-se a extensão do conceito de “estado de guerra”, que deverá ser definido, não no Código Penal Militar, mas em lei
administrativa militar.
5. No Título II, referente ao Crime, incluíram-se vários tópicos importantes.
Incluiu-se, como modalidade especial do estado de necessidade, disposição relativa à inexigibilidade de outra conduta como
excludente da culpabilidade, não obstante as críticas surgidas em círculos especializados. À vida militar, sempre obediente aos
princípios de hierarquia e disciplina, muita vez se defronta com situações em que não se pode exigir do agente conduta diverso da que
ele exerceu.
Quanto à exclusão de crime, adotou-se melhor sistemática, separando em itens diferentes o estrito cumprimento do dever legal e o
exercício regular do direito. Igualmente enquadrou-se, entre as causas excludentes da criminalidade, a ação do comandante que compele
subalternos a executar serviços ou manobras urgentes para evitar perda de vidas ou de materiais, nos casos que especifica, ou ainda o
esfacelamento de autoridade ou de ordem militar. O Código vigente estabelece uma norma permissiva em tais casos, quando o certo é
admitir-se mais uma norma excludente do crime.
6. A idade mínima para os efeitos da responsabilidade, que direito penal militar vigente admite inferior a 18 anos, aparece agora
mais bem tratado. Não só é deferida ao juiz a faculdade de reconhecer em alguns casos a capacidade penal, entre 16 e 18 anos, como é
estabelecida taxativamente a equiparação, em casos específicos que a Justiça Militar tem definido, de menores de 18 anos aos maiores
dessa idade.
7. Conserva-se, no concurso de agentes, o conceito militar de cabeçus, não só para os que dirigem a ação nos crimes de autoria
coletiva necessária, como também para os oficiais, numa fictio iuris baseada no princípio de hierarquia, quando estes aparecem em
concurso com inferiores na autoria de um crime.
8. No capítulo da penas principais, o Projeto introduziu nova modalidade de pena privativa de liberdade: o impedimento, para o
crime de insubmissão, sujeitando o condenado a permanecer no recinto da unidade, sem prejuízo da instrução militar.
Para abranger todos os possíveis autores no crime militar, alargou-se a pena do Código vigente, de “suspensão do exercício do posto
ou cargo”, incluindo-se agora também o exercício da graduação e da função.
Alongou-se de cinco para sete dias o prazo de comunicação ao Presidente da República de sentença definitiva de condenação à pena
de morte, para tender às hipóteses de distância do local de julgamento e possíveis dificuldades de comunicação em estado de guerra.
Manteve-se, porém, a norma do Código vigente, de execução imediata da pena, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina
militares.
A conversão das penas de reclusão e detenção em pena de prisão permaneceu limitada aos casos obrigatórios da legislação atual. A
faculdade, ora existente, de converter a pena de reclusão em detenção, com aumento que não exceda à décima parte, deixou de figurar-
se Projeto pelo seu total desuso, uma vez que não trazia real vantagem prática. Incluiu-se, entretanto, a conversão da pena de suspensão
do exercício em detenção, quando o condenado já estiver na reserva, ou reformado ou aposentado, pois em tais casos aquela pena não
teria sentido.
9. Medida de política criminal de largo alcance é a introdução da suspensão condicional da pena no novo direito penal militar.
Embora não seja aplicável em casos que atingem gravemente a ordem e a disciplina militares, a sua aceitação no novo Código se
fazia urgente. Ao caráter repressivo da pena imputa-se acrescentar o princípio utilitário da recuperação do criminoso, sem, todavia, lhe
executar a pena. Este princípio da recuperação já era, aliás, reconhecido no direito vigente, através de instituto do livramento
condicional. O sursis, agora adotado no Projeto, longe de ferir o princípio de disciplina, essencial às Forças Armadas virá estimulá-lo,
pela obrigação da conduta exemplar do beneficiado pelo referido instituto.
10. Entre as penas acessórias, incluíram-se várias que não constam do elenco do Código vigente. Além de definir, com precisão, as
interdições de direito, duas penas foram estabelecidas para aplicação pela justiça criminal, como sequência a uma pena principal:
indignidade para o oficialato e incompatibilidade com o oficialato. Aparecem, agora, tais sanções independentemente de possíveis
declarações de igual natureza como medidas disciplinares de caráter administrativo, sem serem em sequência a outra pena.
11. As medidas de segurança abrangem, agora, um quadro completo, incluindo as de caráter não detentivo, que não se acham
contemplados no Código vigente.
12. Dentro do quadro de ação penal, foi mantido o seu caráter estritamente público, incondicionado, exceção feita para os crimes
militares contra a segurança do País, nos quais há a condição prévia de requisição do Ministro da pasta interessada.
13. Dentre as causas extintivas da punibilidade, o Projeto incorporou, em suas linhas gerais, a recente lei sobre reabilitação, que
alterou os dispositivos do Código Penal comum relativo a este instituto. A nova legislação tornou-o mais humano incentivando de modo
positivo a regeneração do delinquente. Não poderia o Código Penal Militar deixar de adotá-lo, na forma da lei promulgada pelo
Governo revolucionário.
14. A Parte Especial é integrada por dois Livros, compreendendo o primeiro os “Crimes Militares em Tempo de Paz” e o segundo os
“Crimes Militares em Tempo de Guerra”.
Dentre os primeiros, o Projeto mantém o relevo que o Código vigente dá aos crimes contra a segurança externa do País. Não
interfere esta classificação com a legislação especial de segurança, pois no Projeto já se configuram os delitos que, além de ferirem a
segurança externa do País, têm a natureza jurídica de crimes militares. São os praticados ou que configuram os casos de espionagem,
tradicionalmente admitidos no direito militar.
15. No Título II, que abrange os delitos contra a autoridade ou a disciplina militar, o Projeto mantém o quadro geral da legislação
vigente, mas dá-lhe melhor classificação e acrescenta inúmeras figuras que a experiência da vida militar estava a exigir que fossem
erigidas em crime.
16. Entre os crimes contra o serviço militar e o dever militar, objeto do Título III, avultam os de insubmissão e os de deserção. O
Projeto transportou as circunstâncias atenuantes e agravantes específicas, que o Código vigente mantinha na Parte geral, para o lugar
próprio que é o Capítulo I deste Título.
17. Incorpora-se, agora, entre os crimes contra a pessoa”, o delito do genocídio, em termos quase idênticos à lei especial que rege a
matéria, segundo os tratados de que o Brasil foi signatário após a segunda guerra mundial.
Entre os crimes de lesão corporal, incluiu-se o de lesão levíssima, a qual, segundo o ensino da vivência militar, pode ser
desclassificada pelo juiz para infração disciplinar, poupando-se, em tal caso, o pesado encargo de um processo penal para fato de tão
pequena monta.
O projeto inova, no tocante aos crimes contra a honra, já pela ereção em delito autônomo da ofensa às Forças Armadas, já pela
admissão, como crime, da apreciação critica às instituições militares, quando inequívoca a intenção de ofender.
Inclui-se entre os crimes sexuais nova figura: a pederastia ou outro ato de libidinagem, quando a sua prática se der em lugar sujeito à
administração militar. É a maneira de tornar mais severa a repressão contra o mal, onde os regulamentos disciplinares se revelarem
insuficientes.
18. No Título V, tratando dos “Crimes contra o Patrimônio”, o Projeto incorpora o furto de uso, desconhecido da lei vigente, mas
que vem coibir uma série de abusos que se generalizam, atingindo a propriedade pública e particular.
Criou-se entre as modalidades do crime de dano a ação de fazer desaparecer coisa alheia, que ocorre, por vezes, na vida militar. Não
se confunde com o furto, que é a destruição, fato que nem sempre se pode provar. Com facilidade, o agente determina o
desaparecimento da coisa, o que não ficará impune, como agora acontece, pelo princípio estrito da tipicidade. Foi mantida com maior
precisão, a modalidade culposa do crime de dano.
19. Aperfeiçoou-se a linguagem jurídica de toda a matéria do Título VI, que trata dos “Crimes contra a Incolumidade Pública”.
Incluiu-se aí o moderno princípio da isenção da prisão em flagrante para o agente que, na condução de veículo motorizado, presta
socorro à sua vítima, na medida das possibilidades, sem se afastar do local do fato.
No mesmo título foi também incluído um capítulo relativo aos crimes contra a saúde, tendo-se em atenção especial os entorpecentes
e substâncias que determinam a dependência psíquica.
20. Entre os crimes contra a Administração – Título VII – o Projeto atende à melhor doutrina incluindo o cheque sem fundos entre
os crimes de falsidade, dando-lhe características próprias, para sua conceituação como crime militar.
A fim de melhor proteger as modernas técnicas processuais, equipara-se a documento não só o disco fonográfico, como a fita ou fio
de aparelho eletromagnético, a que se incorpore declaração destinada à prova do fato juridicamente relevante.
O delito de condescendência criminosa é agora mais bem conceituado, diferindo a pena se o fato foi praticado por indulgência
(modalidade dolosa) ou por negligência (modalidade culposa). A mesma distinção se faz do crime de inobservância de lei, regulamento
ou instrução que cause diretamente ato prejudicial à administração militar.
Entre os delitos que criam obstáculos à realização de hasta pública e concorrência, inseriu-se também a hipótese da tomada de
preços, que se generaliza em muitos setores da administração militar.
Para evitar a identidade de nomina iuris para dois crimes, deu-se o nome de “Tráfico de Influência” ao delito contra a administração
em geral, reservando-se o de “Exploração de Prestígio” para o mesmo crime quando praticado contra a administração da Justiça Militar.
No Livro II, que compreende os “Crimes Militares em Tempo de Guerra”, criou-se no Título I, Capítulo II, ao lado do delito de
“Traição”, sempre praticado por nacional, o crime de “Traição Imprópria”, para não deixar impune perante a lei militar brasileira o
estrangeiro que, de forma idêntica, favoreça o inimigo.
Todos os demais crimes do Livro II apresentam melhor distribuição, definições jurídicas mais exatas, apenação mais cuidada, bem
como rubricas marginais ajustadas ao conteúdo das respectivas normas.
As disposições finais são reduzidas a duas: a que revoga o Código Penal Militar vigente e demais disposições em contrário ao novo
Código, com exceção das leis especiais que definem os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, e a que
determina a data de entrada em vigor do novo Código.
É este o Projeto que tenho a satisfação e a honra de submeter à elevada apreciação de Vossas Excelências e que, pelo seu mérito,
marcará o início de uma séria de Códigos que darão ao Governo da República a oportunidade e a benemerência de prestar inestimável
serviço à eletividade da Justiça e contribuição das mais relevantes à cultura jurídica do País.
Aproveito a oportunidade para apresentar a Vossas Excelências protestos de profundo respeito.
Luís Antônio da Gama e Silva
Ministro da Justiça
1
DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR

DECRETO-LEI 1.001,
DE 21 DE OUTUBRO DE 19691

Código Penal Militar

Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das atribuições que lhes confere o art. 3.º do Ato
Institucional n. 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1.° do art. 2.°, do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968,
decretam:

PARTE GERAL
LIVRO ÚNICO
Título I
Da aplicação da lei penal militar

Princípio da legalidade.

Art. 1.º Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

1.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SUAS FUNÇÕES DE GARANTIA

O Direito Penal Militar inaugura sua codificação anunciando o princípio da legalidade, tido como uma das maiores conquistas da
humanidade contra os excessos do Poder Estatal.
De origem remota e por vezes discutida2, o que importa é que o princípio surgiu como uma reação do pensamento liberal ao Estado
Absolutista, mormente quando se considera que o nullum crimen, nulla poena sine lege (na feliz construção de Feuerbach3), antes de ser
um critério jurídico-penal, é um princípio político-liberal, uma vez que representa um anteparo da liberdade individual em face da
“estatolatria medieval”4.
Assim, esta norma angular estabelece garantias fundamentais indispensáveis à formulação jurídico-penal de um Estado Democrático.
A primeira dessas garantias, nullum crimen nulla poena sine lege scrita, obriga que a norma penal incriminadora se origine de lei em
sentido estrito, isto é, que seja elaborada na forma preconizada pela Constituição, integralmente respeitadas as regras do processo
legislativo.
Portanto, “o fundamento de garantia da reserva da lei, como princípio de legitimação democrática, deve informar e presidir a
atividade de produção, por força da particular relevância dos bens em jogo. Tem ela, por assim dizer, um papel negativo no sentido de
que o objeto imediato e essencial do princípio é o de impedir o acesso do Poder Executivo à normação penal. Destarte, a importância e o
fundamento da lei emergem de modo claro quando se acentua o significado de máxima garantia que representa para o indivíduo: tutela
necessária em face da incidência da sanção penal sobre o bem jurídico essencial da liberdade pessoal”5.
Ademais, deve ser aventado, ainda, que não é por capricho que se reserva ao Legislativo a exclusividade de elaborar normas penais
incriminadoras, mesmo porque tal destinação constitucional deve-se à própria legitimação representativa do referido Poder, o que torna a
opção legislativa (incriminando uma conduta), naquela presumivelmente aceita por toda a sociedade (de ver referida conduta erigida à
categoria de delituosa).
A segunda garantia fundamental que emerge do princípio da reserva legal é a exigência de que a norma que descreve a conduta
criminosa e lhe impõe a respectiva sanção seja anterior à conduta humana: nullum crimen nulla poena sine lege praevia.
Em verdade, a anterioridade da lei penal é a motivação histórica do princípio da reserva legal, que surgiu exatamente como força de
reação contra o poder Estatal de incriminar condutas utilizando normas editadas post factum, o que gerava profundas insegurança e
instabilidade sociais.
Assim sendo, estabeleceu-se a regra geral da irretroatividade da lei penal, quer se trate de norma penal incriminadora, quer se refira a
norma penal não incriminadora, dês que produza efeitos mais graves para o indivíduo, como, por exemplo, a revogação legal de uma
causa excludente de antijuricidade prevista à época do cometimento do fato, tendo sido este praticado sob o pálio de indigitada
circunstância. Neste caso, a nova lei não retroage, perpetuando a aplicação da norma permissiva outrora prevista. Por outro lado, o
surgimento de lei posterior mais benéfica retroage, atingindo inclusive os efeitos penais da sentença condenatória.
A terceira garantia fundamental do princípio da reserva legal, nullum crimen nulla poena sine lege scrita, acaba por vedar a
utilização do costume e da analogia como fontes formais do direito penal, haja vista tornar indispensável que a descrição das condutas
criminosas e as respectivas sanções sejam previstas em leis escritas. Destarte, inteira razão assiste a Mestieri ao afirmar que a lei é “a
fonte ou a forma de expressão única do direito criminal quando se trata de definir infrações e cominar penas”6.
Por derradeiro, o princípio da reserva legal cobra do legislador esmero e técnica na elaboração das normas penais que devem ser
certas e determinadas (princípio da taxatividade da lei penal), evitando-se a todo custo formulações vagas, genéricas ou ambíguas, pois
nullum crimen nulla poena sine lege certa.
Neste sentido a feliz observação de Nilo Batista: “A função de garantia individual exercida pelo princípio da legalidade estaria
seriamente comprometida se as normas que definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na significação de seus elementos,
inteligível por todos os cidadãos. Formular tipos penais ‘genéricos ou vazios’, valendo-se de ‘cláusulas gerais’ ou ‘conceitos
indeterminados’ ou ‘ambíguos’, equivale teoricamente a nada formular, mas é prática e politicamente muito mais nefasto e perigoso.
Não por acaso, em épocas e países diversos, legislações penais voltadas à repressão e controle de dissidentes políticos escolheram
precisamente esse caminho para a perseguição judicial de opositores do governo”7.
Em resumo, eis as quatro funções de garantia que emanam do princípio da legalidade: lex certa, lex praevia, lex scrita e lex stricta.

Lei supressiva de incriminação.

Art. 2.º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em virtude dela, a própria
vigência da sentença condenatória irrecorrível, salvo quanto aos efeitos de natureza civil.
Retroatividade de lei mais benigna.
§ 1.º A lei posterior que, de qualquer outro modo, favorece o agente, aplica-se retroativamente, ainda quando já tenha
sobrevindo sentença condenatória irrecorrível.
Apuração da maior benignidade.
§ 2.º Para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas separadamente, cada qual
no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato.

1.2 ABOLITIO CRIMINIS E NOVATIO LEGIS

Todos sabemos que, elaborada e aprovada pelo Poder Legislativo, sancionada e publicada pelo Poder Executivo, a lei começa a
produzir efeitos no dia por ela indicado, ou, na falta de indicação, no prazo de 45 dias após a publicação8 (art. 1.º da LINDB), regendo,
daí por diante, os fatos que ocorrerem durante a sua vigência (tempus regit actum).
Entretanto, excepcionando a regra geral, permite-se que em algumas ocasiões especiais uma lei alcance fatos ocorridos antes de sua
vigência (retroatividade), bem como fatos que venham a se verificar mesmo após sua revogação (ultratividade). Há, também, a
possibilidade de uma norma aplicar-se a fatos anteriores e posteriores à sua vigência, fenômeno este denominado extra-atividade.
O que vale a pena destacar é que, operando-se a sucessão de leis penais no tempo, quatro hipóteses podem se verificar:

a) a lei posterior incrimina fato que anteriormente era lícito (novatio legis incriminadora);
b) a lei posterior deixa de considerar ilícito fato incriminado pela norma antecedente (abolitio criminis);
c) a lei posterior, mantendo a ilicitude do fato, de qualquer forma prejudica o agente (novatio legis in pejus); e
d) a lei posterior, sem suprimir o caráter ilícito do fato, de qualquer forma beneficia o agente (novatio legis in mellius).

Na primeira hipótese, novatio legis incriminadora, forçosamente havemos de recordar que o legislador penal optou por adotar, como
pedra angular de nosso sistema jurídico penal, o princípio da reserva legal, que, como visto, possui quatro garantias fundamentais, entre
as quais a exigência de que a norma descritiva de uma conduta ilícita (tipo penal), para poder ser aplicada, deva ser anterior ao
comportamento humano respectivo (lex praevia ou princípio da anterioridade).
É exatamente neste sentido a lição de Heleno Cláudio Fragoso: “A lei que incrimina fato anteriormente lícito jamais pode retroagir.
Só pode ter validade para os fatos praticados a partir de sua entrada em vigor. Inexistente a ameaça penal, justificada seria a prática do
fato, pois o cidadão não poderia sentir-se obrigado à observância de preceito inexistente nem intimidação por sanção que não existia”9.
Já na segunda hipótese, abolitio criminis, a situação se inverte. Agora, a própria letra do código torna a retroatividade da nova lei
compulsória, porque, retirando a conduta outrora incriminada da órbita da ilicitude, não subsiste ofensa à consciência ético-jurídica da
coletividade, isto é, se a lei nova, manifestação da atual vontade do corpo social, não considera mais ilícito determinado comportamento
humano, não há como justificar qualquer sanção por tal conduta, mesmo que praticada antes da vigência do novel diploma.
Todavia, a abolitio criminis só atinge os efeitos penais da sentença condenatória; assim, todos os demais, por se tratarem de efeitos
extrapenais (civis, administrativos, políticos etc.), remanescem.
A terceira situação que se apresenta é a do surgimento de uma lei nova que agrava a situação do agente, novatio legis in pejus. Logo
à primeira vista percebe-se que a retroatividade desta lei mais grave não é permitida pelo direito, principalmente porque, com a prática
do crime, surge para o Estado o direito de, por meio do devido processo legal, punir o indivíduo e este, ao mesmo tempo em que se vê
obrigado a sofrer uma pena, adquire o direito de não receber tratamento mais grave ou oneroso do que o estabelecido pela lei vigente à
época do fato10.
Por derradeiro ocorre a hipótese da novatio legis in mellius (art. 2.º, § 1.º, do CPM), em que a retroatividade da lei posterior justifica-
se pelos benefícios que propicia ao indivíduo, ainda que irrecorrivelmente condenado. Porém, sua conduta permanece marcada com o
traço da ilicitude, o que torna a hipótese bastante distinta da abolitio criminis!
Para Francisco de Assis Toledo, de modo geral, ressalvadas as particularidades que o caso concreto possa ensejar, reputa-se mais
benéfica a lei na qual: “a) a pena cominada for mais branda, por sua natureza, quantidade, critérios de aplicação e dosimetria ou modo de
execução; b) forem criadas novas circunstâncias atenuantes, causas de diminuição da pena ou benefícios relacionados com a extinção,
suspensão ou dispensa da execução da pena, ou, ainda, maiores facilidades para a obtenção do livramento condicional; c) forem extintas
circunstâncias agravantes, causas de aumento de pena ou qualificadoras; d) se estabelecerem novas causas extintivas de punibilidade ou
se ampliarem as hipóteses de incidência das já existentes, notadamente quando são reduzidos prazos de decadência, de prescrição, ou se
estabelece modos mais favoráveis de contagem desses prazos; e) se extinguirem medidas de segurança, penas acessórias ou efeitos da
condenação; f) forem ampliadas as hipóteses de inimputabilidade, de atipicidade, de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpabilidade
ou de isenção de pena”11.
No entanto, nem sempre é tarefa fácil aferir qual das normas em conflito é realmente a mais benigna e, por conseguinte, deva vir a
ser aplicada. Destarte, é certo que “a lei mais benigna deve ser determinada em face do caso concreto. O juiz deve considerar qual seria
o resultado, aplicando hipoteticamente uma e outra das leis, escolhendo então a que proporciona situação mais favorável ao réu”12, tal
qual dispõe o art. 2 .º, § 2.º, do CPM, vedada, portanto, a conjugação de normas tão habitualmente defendida e aplicada no direito penal
comum.

Medidas de segurança.

Art. 3.º As medidas de segurança regem-se pela lei vigente ao tempo da sentença, prevalecendo, entretanto, se diversa, a lei
vigente ao tempo da execução.

1.3 MEDIDAS DE SEGURANÇA E O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL

Em essência, as medidas de segurança são providências (somente) formalmente penais, despidas de qualquer caráter sancionatório, o
que é impróprio a este ramo do Direito! Isto equivale a dizer que “não se pode considerar penal um tratamento médico e nem mesmo
uma custódia psiquiátrica. Sua natureza nada tem a ver com a pena, que desta diferencia por seus objetivos e meios”13; contudo, as leis
penais preveem tais medidas e, com elas, acabam criando sérias limitações à liberdade dos indivíduos.
Particularmente no Direito Penal Militar, as medidas de segurança interferem com maior agressividade na vida das pessoas, o que as
tornam muito mais próximas das penas propriamente ditas.
Com efeito, enquanto no Direito Penal comum há somente duas espécies de medidas de segurança (internação em Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico e Tratamento Ambulatorial, destinadas a inimputáveis ou semi-imputáveis), no CPM são previstas
medidas que mais se assemelham às penas restritivas de direitos do direito penal comum, tais como o exílio local, a proibição de
frequentar determinados lugares, a cassação de licença para dirigir veículos motorizados e a interdição de estabelecimento, sociedade
ou associação.
Ora, diante disto, é bastante difícil defender-se a aplicação deste art. 3.° do CPM, quando determina que as medidas de segurança
regem-se pela lei vigente à época da sentença, prevalecendo, entretanto, a lei vigente ao tempo da execução, quando diversa.
Muito embora as medidas de segurança não sejam penas, traduzem uma capitis deminutio no universo de direitos daqueles a elas
submetidos e, em razão disto, aproveitam-lhes, integralmente, as garantias da legalidade, anterioridade e irretroatividade da lei penal,
com as ressalvas óbvias da retroatividade benigna e da abolitio criminis.
Por outro lado, o art. 5.°, XL, da CF impõe que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, cânon que esgota qualquer
discussão.
Assim, segundo nosso entendimento, a medida de segurança a ser aplicada é a prevista e vigente à época do crime, a não ser que a
norma superveniente confira melhor tratamento (maior benignidade) ao sentenciado.

Lei excepcional ou temporária.

Art. 4.º A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a
determinaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência.

1.4 LEIS EXCEPCIONAIS E TEMPORÁRIAS


Eis as normas conhecidas como leis autorrevogáveis, pois, excetuando a regra geral, prescindem de revogação por outro diploma
legal, tendo em vista que suas vigências cessam automaticamente pelo decurso do tempo (leis temporárias) ou pelo desaparecimento das
circunstâncias que as determinaram (leis excepcionais).
Elas possuem o traço característico da ultratividade, uma vez que continuam sendo aplicadas aos fatos praticados durante suas
vigências, mesmo depois de revogadas, e isto não se contrapõe aos princípios constitucionais que norteiam o direito penal militar, até
porque a simples possibilidade de supressão da eficácia sancionatória da lei autorrevogável desarmá-la-ia de sua força intimidativa14.
Imagine como seria fácil burlá-las se não fossem ultra-ativas! Bastaria ao agente do fato típico procrastinar a persecutio criminis até
a autorrevogação da lei, para se ver livre da sanção penal da qual se fez merecedor.
Por isso Mirabete nos diz que “a circunstância de ter sido o fato praticado durante o prazo fixado pelo legislador (temporária) ou
durante a situação de emergência (excepcional) é elemento temporal do próprio fato típico”15.
Assim, basta que o fenômeno criminoso ocorra no período em que a tutela do bem jurídico mereceu temporária ou excepcional
atenção do legislador para que a norma incriminadora tenha aplicação garantida, durante sua vigência normal ou além dela.
De se notar, apenas, que as leis temporárias e/ou excepcionais não se confundem com os tipos penais circunstanciados, que são
aqueles em que o legislador altera o tratamento penal habitual diante de determinadas situações anormais, como, por exemplo, nos casos
dos crimes militares em tempo de guerra (Livro II da Parte Especial do CPM), em que vários delitos previstos no Livro I (Dos Crimes
Militares em Tempo de Paz) passam a receber disciplina bem mais rigorosa, inclusive com a aplicação da pena capital.

Tempo do crime.

Art. 5.º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Lugar do crime.

Art. 6.º Considera-se praticado o fato, no lugar em que se desenvolveu a atividade criminosa, no todo ou em parte, e ainda que
sob forma de participação, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Nos crimes omissivos, o fato
considera-se praticado no lugar em que deveria realizar-se a ação omitida.

1.5 TEMPO E LUGAR DO CRIME

1.5.1 Tempo do crime

O crime é um fenômeno social e, como tal, desenvolve-se no tempo e no espaço, emoldurando um conjunto complexo de
circunstâncias objetivas e subjetivas que adornam a conduta humana, tornando-a capaz de se adequar perfeitamente a um modelo legal
descritivo.
Diante de toda esta complexidade, é necessário fixar ou determinar o exato instante em que se pode considerar praticado o delito, a
fim de que se possa, por exemplo, identificar qual a norma legal vigente naquele determinado momento histórico, ou, por outro lado, se
o agente reunia, ao tempo do crime, as condições de imputabilidade etc.
Das correntes teóricas que procuram resolver a questão do tempo do crime (as mais aceitas são: teoria da atividade, teoria do
resultado e teoria da ubiquidade16), o legislador penal militar adotou a primeira – teoria da ação ou da atividade, art. 5.º do CPM –,
considerando como tempo do crime o momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o do resultado, e o fez por considerar que é
no instante da conduta (comissiva ou omissiva) que o agente incorre, por excelência, no juízo de reprovação social: fez o que não era
lícito que fizesse!

1.5.2 Lugar do crime

Também com relação ao local do crime é preciso que a lei defina critérios seguros, com o objetivo de fixar, garantir e orientar os
limites físicos de aplicação de Direito Penal Militar Brasileiro, ainda mais se levarmos em conta que, muitas vezes, o local é condição
elementar do crime militar, como se dá, por exemplo, nos casos previstos no art. 9.º, inciso II, alíneas “b” e “c”, e inciso III, alíneas “b”
e “c”, do CPM.
De igual sorte, nos chamados crimes à distância17 é imprescindível a regulamentação da matéria.
Atento a isto, o art. 6.º do CPM consagra a teoria da ubiquidade, que considera como local do crime tanto aquele em que foi
desenvolvida a ação (no todo ou em parte), bem como o outro (local) no qual foi produzido o resultado.
Nas hipóteses de crime tentado, considera-se local do crime o da conduta ou o lugar em que o resultado deveria ter ocorrido, uma
vez que na tentativa o resultado não ocorre, por circunstâncias alheias à vontade do agente (art. 30, inciso II, do CPM). Já nos delitos
omissivos, o crime tem por local aquele no qual deveria ter sido praticada a conduta desprezada pelo autor.

Territorialidade. Extraterritorialidade.

Art.7.º Aplica-se a lei penal militar, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido, no
todo ou em parte no território nacional, ou fora dele, ainda que, neste caso, o agente esteja sendo processado ou tenha sido
julgado pela justiça estrangeira.

Território nacional por extensão.

§ 1.º Para os efeitos da lei penal militar consideram-se como extensão do território nacional as aeronaves e os navios
brasileiros, onde quer que se encontrem, sob comando militar ou militarmente utilizados ou ocupados por ordem legal de
autoridade competente, ainda que de propriedade privada.

Ampliação a aeronaves e navios estrangeiros.

§ 2.º É também aplicável a lei penal militar ao crime praticado a bordo de aeronaves ou navios estrangeiros, desde que em lugar
sujeito à administração militar, e o crime atente contra as instituições militares.

Conceito de navio.

§ 3.º Para efeito da aplicação deste Código, considera-se navio toda embarcação sob comando militar.

1.6 TERRITORIALIDADE E EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI PENAL MILITAR

As leis são elaboradas como expressão da soberania de um Estado. Portanto, curial que sejam aplicadas, em regra, no território
daquele que as editou. No entanto, as complexas relações humanas (sociais, econômicas e políticas) podem chegar a ferir,
concomitantemente, os interesses de vários Estados, o que ensejaria, ao menos em tese, a aplicação dos respectivos ordenamentos
jurídicos.
Por conseguinte, é mister que a lei penal militar determine a amplitude espacial na qual possui eficácia. Não há que se falar, contudo,
em normas de direito penal internacional, tendo em vista que as disposições contidas no CPM pertencem ao direito público interno, “não
perdendo tal caráter pelo fato de algumas de suas disposições envolverem o compromisso internacional do Estado de punir determinados
crimes independente do lugar em que foram praticados, ou pelo fato da aplicação da lei penal sofrer certas limitações que derivam do
Direito Internacional”18.
Ao longo dos anos, portanto, foram formulados diversos princípios destinados a orientar o legislador nesta interessante tarefa de
fixar os limites de aplicação da lei penal em relação ao espaço.
O princípio que primeiro se mostra é o da territorialidade que, preso ao conceito de soberania, sustenta a aplicação da lei penal
militar no território do País que a editou, qualquer que seja o agente ou a vítima (nacional ou alienígena), independente de outra
repercussão penal em Estado diverso.
A adoção do princípio da territorialidade corresponde aos interesses da boa administração da justiça, uma vez que o crime será
julgado na jurisdição em que foi perpetrado, facilitando a obtenção da prova, simplificando a aplicação do direito e, acima de tudo,
restaurando, in loco, a harmonia social abalada com a prática ilícita (ubi facinus perpetravit, ibi poena reddita).
No entanto, há atenuações ao princípio da territorialidade, temperando-o com a interveniência de tratados, convenções e regras de
direito internacional.
Conclui-se, destarte, que o legislador penal militar adotou, como regra geral, o princípio da territorialidade (“Aplica-se a lei penal
militar... ao crime cometido no território nacional”), mas de forma temperada, pois ressalvou a aplicação das normas de direito
internacional com as quais o Brasil se obrigou (..., sem prejuízo das convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime
cometido, no todo ou em parte, no território nacional).
Mas o que é o território? Fragoso, em resposta, afirma: “não existe um conceito jurídico-penal de território: tal conceito é dado pelo
direito público e pelo direito internacional. Não se trata de conceito geográfico, mas de conceito jurídico: território é todo espaço onde
se exerce a soberania do Estado”19.
Portanto, o conceito de território que interessa (espaço onde o Estado exerce sua soberania) extrapola os paradigmas naturais e
geográficos. Aliás, se assim não fosse, como explicar a previsão contida, por exemplo, no § 1.º deste art. 7.º?
Isto tudo ocorre porque, ao lado do território natural ou geográfico, o legislador instituiu o território por extensão, que não passa, em
verdade, de uma ficção jurídica. Deste modo, a lei reconhece o:
1) Território em sentido estrito: composto pelo solo e subsolo, as águas interiores, o mar territorial, a zona contígua ao mar
territorial, a zona de exploração econômica exclusiva da plataforma continental e o espaço aéreo.
2) Território por extensão (ficto): as aeronaves e os navios brasileiros, onde quer que se encontrem, sob comando militar ou
militarmente ocupados por ordem legal de autoridade competente, ainda que de propriedade privada.

Todavia, não é apenas no território nacional (estrito ou ficto) que a lei penal militar encontra guarida! Ao lado do princípio da
territorialidade, o legislador prevê a incidência das normas do CPM aos crimes cometidos no exterior (princípio da extraterritorialidade);
afinal, trata-se de direito penal especial, marcado “geneticamente” pelos movimentos das tropas além-fronteiras.
Sobre a aplicação extraterritorial da lei penal, há vários princípios ou teorias que buscam justificá-la. Os mais aceitos e conhecidos
são:
• Princípio da personalidade (ou da nacionalidade): prende-se aprioristicamente à nacionalidade dos sujeitos do crime, sendo
irrelevante o local em que é praticada a conduta ilícita, isso porque tem como premissa fundamental a noção de que deve ser
preservado o liame de fidelidade que une, em qualquer lugar do mundo, o cidadão à lei de seu País. Divide-se em princípio da
personalidade ativa e passiva. No primeiro caso exige somente que o autor do crime seja um nacional, independente da
nacionalidade do ofendido. Já no segundo, a exigência é maior, uma vez que o ofendido também deverá ser nacional.
• Princípio da defesa (proteção ou real): segundo este princípio, o que impõe a aplicação de determinado ordenamento jurídico é a
titularidade do bem jurídico. Assim, o Estado deve fazer incidir sua lei penal sempre que tiver um bem jurídico violado por
condutas ilícitas, seja quem for o agente criminoso ou qual o lugar do crime.
• Princípio da justiça universal (ou justiça cosmopolita): arrimado na concepção de que o crime é um mal universal20, o que faz
com que todos os Estados tenham interesse em puni-lo, o princípio da justiça cosmopolita proclama que cada Estado pode
arrogar-se o direito de punir qualquer delito, independente de quem seja seu autor, qual o lugar em que foi praticado ou a
objetividade jurídica violada.
• Princípio da representação: estabelece a aplicação subsidiária da lei penal de um Estado quando, “por deficiência legislativa ou
desinteresse do outro que deveria reprimir o crime, este não o faz”21.

Porém, enquanto no Direito Penal comum reina discussão sobre quais teorias ou critérios legitimam cada uma das hipóteses de
aplicação extraterritorial da lei penal (art. 7.º, incisos I e II, do CP), no Direito Penal Militar não há espaço para nenhuma controvérsia,
pois, como dito, é da própria natureza do jus bellum sua aplicação extraterritorial, sob o manto solitário e suficiente do Princípio da
Soberania (p. da Defesa), isto é, a peregrinação das Forças Armadas e os interesses das Instituições Militares (aqui ou alhures)
representam a própria soberania do Estado, merecendo, portanto, a máxima e onipresente tutela legal.
Tanto é verdade que a lei penal militar ampliou sua aplicação para os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves estrangeiros,
desde que estejam em lugar sujeito à Administração Militar (ainda que no estrangeiro) e o delito atente contra as Instituições Militares.
Por fim, determina que qualquer embarcação sob comando militar é tomada por navio, para fins de aplicação do CPM. Desta forma,
havendo um crime em um barco salva-vidas que esteja sob relação de comando e subordinação militar, aplica-se este código.

Pena cumprida no estrangeiro.

Art.8.º A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é
computada, quando idênticas.

1.7 EFEITOS DA PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO EM RELAÇÃO À CONDENAÇÃO, PELO MESMO


CRIME, NO BRASIL

O art. 8.º em estudo revela uma preocupação do legislador em evitar a duplicidade de repressão pelo mesmo fato delituoso. Ora, nada
impede que a lei penal militar brasileira seja aplicada em face de uma conduta praticada no exterior, mesmo que no outro país já tenha
havido sentença condenatória. Porém, o decreto condenatório advindo de ordenamento jurídico alienígena não poderia ser desprezado na
repressão processual brasileira, até para evitar-se o insidioso bis in idem.
Portanto, “cumprida a pena pelo sujeito ativo do crime no estrangeiro, será ela descontada na execução pela lei brasileira quando
forem idênticas (penas privativas de liberdade, por exemplo), respondendo efetivamente o sentenciado pelo saldo a cumprir se a pena
imposta no Brasil for mais severa. Se a pena cumprida no estrangeiro for superior à imposta no País, é evidente que esta não será
executada”22.
Por outro lado, sendo as penas de natureza diversas (pecuniária e privativa de liberdade, p. ex.), o juiz brasileiro atenuará, com base
em sua valoração pessoal, a sanção imposta no Brasil.

Crimes militares em tempo de paz.

Art.9.º Consideram-se crimes militares em tempo de paz:

I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer
que seja o agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou
reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do
lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

• Alínea c com redação dada pela Lei 9.299/1996.


d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração ou a ordem administrativa
militar.

• Alínea e com redação dada pela Lei 9.299/1996.


f) revogada pela Lei 9.299/1996.

III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como
tais, não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de
Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento,
acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de
serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para
aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência
da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei 7.565, de 19 de
dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica.

• Parágrafo único com redação dada pela Lei 12.432/2011.

1.8 CRIMES MILITARES EM TEMPO DE PAZ

O art. 9.° é a coluna vertebral da lei penal militar. Nele estão dispostos os critérios legais para a definição do crime militar em tempo
de paz (critério ratione legis).
De difícil entendimento, o art. 9.° carrega consigo a mesclagem de várias características que adornam este especial modelo de delito.
Por vezes, é a qualidade dos sujeitos (ativo ou passivo) que transforma um crime (que seria) comum em militar. Por outras, é o local da
infração ou ter sido o fato praticado em detrimento da Administração Militar ou da ordem administrativa militar que os singulariza. De
qualquer sorte, as exigências contidas neste artigo consubstanciam o primeiro passo na adequação típica de qualquer comportamento
humano que se pretenda tratar como crime militar. Assim sendo, não é exagero algum advogar que essas circunstâncias são elementares
do tipo!
Inicialmente, os crimes militares são classificados em duas grandes categorias: crimes propriamente militares e crimes
impropriamente militares. Esta divisão tem eco constitucional; basta uma rápida leitura do art. 5.°, inciso LXI, da Carta Magna, para que
seja aferida a importância da distinção.
Há uma rumorosa impaciência doutrinária quando se tenta conceituar o crime propriamente militar. Geralmente, os estudiosos
apontam como sua principal característica o fato de serem previstos apenas na lei penal militar e/ou serem praticados somente por
militares.
Todavia, há crimes propriamente militares, previstos neste Código, que são necessariamente praticados por civis, como insubmissão
(art. 183), criação ou simulação de incapacidade física (art. 184), substituição à convocação (art. 185) etc., e não é de todo impossível
ou equivocado que uma lei genérica traga a previsão de um crime propriamente militar (uma lei que defina a ação de grupos armados
pode, em tese, veicular tipo penal destinado unicamente aos grupos ou milícias formadas por militares amotinados ou insurretos, por
exemplo). Também precisa ser dito que os delitos previstos apenas no CPM (art. 9.°, inciso I) podem ser praticados por civis, nos termos
preconizados pelo próprio art. 9.°, em seu inciso III.
Portanto, ousamos dizer que crime propriamente militar é aquele que guarda sua razão de ser exclusivamente para tutelar uma
objetividade jurídica estranha à sociedade civil, ou seja, é um tipo penal especialmente criado para proteger um interesse próprio,
particular e característico da ambiência militar, preferencialmente veiculado em norma específica e, via de regra, praticado por
militares.
Já os impropriamente militares são aqueles que assim se tornam em razão da aderência de uma das exigências do art. 9.°, sem a qual
continuariam a receber o tratamento de delito comum. Para tanto, é preciso que estejam previstos tanto na lei penal comum como na lei
penal militar. A descrição típica, inclusive, quando não é idêntica, guarda grande aparência de igualdade entre os modelos penal comum
e penal militar. São crimes acidentalmente militares. Aos olhos de um “profano”, parecem crimes comuns, mas aos aplicadores do
direito, destacam-se os adornos distintivos que lhes transfiguram a natureza.
Passemos, então, à casuística do art. 9.° e seus incisos.
No inciso I estão contemplados os crimes previstos com exclusividade no CPM e aqueles que são definidos de forma diversa na lei
penal comum.
Neste passo parece-nos razoável a seguinte observação: considerando que o tipo penal é um modelo descritivo de conduta humana,
seria mais acertado dizer (s. m. j.) que nas hipóteses em que o CPM trata de um crime de forma diferente da lei penal comum, a
resultante é um tipo exclusivo da lei penal militar; a não ser que se confunda o tipo penal propriamente dito com o nomen iuris dos
delitos.
De qualquer sorte, a lei diz que são crimes militares (em tempo de paz) os previstos no CPM, quando definidos de modo diverso na
lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente.
A amplitude desta concepção é demasiada! O crime de furto de uso, por exemplo, somente é veiculado pelo Código Penal Militar
(art. 241). Portanto, de acordo com o dispositivo, qualquer pessoa que subtrair coisa alheia móvel para o fim de uso momentâneo,
restituindo-a ou repondo-a, comete crime militar, independente de qualquer outra consideração, pois o inciso I do artigo em comento não
condiciona a adequação típica a nenhuma condição do agente, do ofendido ou do bem jurídico tutelado, como faz no inciso II; apenas
manda considerar crimes militares aqueles previstos unicamente em sua própria codificação. Com efeito, não foi feliz a técnica
legislativa escolhida!
Aliás, seria profundamente redundante consignar que são crimes militares aqueles previstos no Código Penal Militar, o que leva a
crer que a dicção legislativa destina-se somente a realçar (na parte final do dispositivo) que o crime militar aperfeiçoa-se, nestes casos,
independente da qualificação do sujeito ativo da infração.
A imperfeição legislativa persiste no inciso II do art. 9.º do CPM, senão vejamos. Em primeiro lugar é repetida a obviedade de que
os crimes previstos no CPM são crimes militares, aduzido da observação de que assim permanecem ainda quando previstos na lei penal
comum, o que reforça a destinação do inciso anterior, ou seja, se as condições exigidas no inciso II apenas se aplicam aos crimes
definidos em ambos os diplomas legais (CPM e CP comum), quando o delito é definido exclusivamente no CPM pode ser cometido por
qualquer pessoa, sem qualquer outra ressalva!
Somente a interpretação teleológica é capaz de atenuar a atecnia legislativa e tornar lúcida e coerente a aplicação daquele inciso I do
art. 9.°.
A despeito das incoerências apontadas no corpo do art. 9.º, o inciso II anuncia uma série de condicionantes para a caracterização do
crime militar nas hipóteses já mencionadas de definição paralela do tipo penal em ambas as codificações.
A primeira delas é que o delito tenha sido praticado por militar em situação de atividade contra militar na mesma situação. Observe
que a figura do “assemelhado” (referida na alínea “a” deste inciso e definida no art. 21 do CPM) não existe mais, pois todos os
servidores civis dos Comandos Militares sujeitam-se à legislação específica (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União –
Lei 8.112/1990) e não são mais “submetidos a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento”.
É interessante destacar que embora a lei refira-se, neste inciso II, alínea “a”, a “militar em situação de atividade” (status definido
pelo Estatuto dos Militares – Lei 6.880/1980), quando define quem considera militar (art. 22), para efeito de aplicação do próprio CPM,
dispõe: “qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação
ou sujeição à disciplina militar”.
Enquanto isso, o diploma legal específico sobre a matéria, Lei 6.880/1980, reconhece que os militares podem se encontrar em duas
situações: na ativa (ou em atividade) ou na inatividade.
A inatividade contempla a Reserva Remunerada e a Reforma (art. 3.°, § 1.º, alínea “b”, da lei supracitada). Os militares da Reserva
Remunerada são os que (“aposentados”) ainda reúnem condições de serem mobilizados ou convocados para retornarem ao serviço ativo.
Os reformados encontram-se em situação semelhante, com a particularidade de que não se veem condicionados a voltar ao serviço ativo.
Estão, portanto, definitivamente na situação de inatividade. Também se encontram na inatividade os militares que, na Reserva
Remunerada ou na Reforma (excepcionalmente), são contratados pela Administração Militar para prestarem tarefa por tempo certo (art.
3.°, § 1.°, alínea “b”, inciso III, com redação dada pela Lei 9.442/1997).
Por outro lado, os militares da ativa são: a) os de carreira23; b) os incorporados às Forças Armadas para prestação do serviço militar
inicial, durante os prazos previstos na legislação que trata do serviço militar, ou durante as prorrogações daqueles prazos; c) os
componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados; d) os alunos de órgãos de
formação de militares da ativa e da reserva; e) em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças
Armadas (art. 3.°, alínea “a”, da Lei 6.880/1980).
Pode-se observar que o conceito de militar da ativa veiculado pelo Estatuto dos Militares é mais amplo do que o conceito (restritivo)
de “militar” embutido no art. 22 do CPM. Aliás, a simples menção ao ato de incorporação já é, por si só, limitador, pois em algumas
situações o militar da ativa não é “incorporado”, como acontece com os alunos de órgãos de formação de oficiais da reserva (Centros ou
Núcleos de Preparação de Oficiais da Reserva), nos quais há matrícula e não incorporação (vide art. 22 da Lei 4.375/1964, Lei do
Serviço Militar).
Em consequência, na aplicação do art. 9.° do CPM deve ser considerado como “militar em atividade” qualquer pessoa que se
encontre em uma das situações previstas no Estatuto dos Militares (art. 3.°, § 1.°, alínea “a”).
A seguir, o art. 9.° trata dos crimes praticados por militares em situação de atividade contra militar da reserva ou reformado, ou
contra civil, desde que o delito ocorra em área sujeita à Administração Militar (aqui sobreleva-se o critério ratione loci). Seria de bom
gosto que o conceito de área sujeita à Administração Militar merecesse atenção legislativa e, assim, acabassem, de uma vez por todas, as
dificuldades de conceituação e aplicação do Direito.
Ora, é induvidoso que os espaços físicos nos quais estão edificadas as instalações militares (quartéis, escolas, hospitais, depósitos,
parques de manutenção, hangares, píeres etc.) são áreas sujeitas à sua gestão. Também é óbvio que até mesmo materiais e equipamentos
de guerra (aviões, navios, carros blindados etc.) se incluem neste conceito.
Todavia, com razoável frequência surgem casos práticos que colocam em dúvida a amplitude deste instituto. Outrora já se chegou a
discutir se os Próprios Nacionais Residenciais (PNR’s) estavam inseridos na definição corrente. Hoje, diante da escalada da violência, se
pretende que as Forças Armadas assumam o patrulhamento das áreas circunvizinhas às Organizações Militares, o que, em derradeira
análise, pode sugerir uma interpretação extensiva do conceito de “área militar”, como já se deu no passado quando se tinha como tal
aquela compreendida na distância do alcance de um tiro de canhão.
Também caracteriza o crime militar em tempo de paz o fato de ter sido praticado por militar em situação de atividade, ainda que fora
de local sujeito à Administração Militar, contra militares inativos ou contra civis, desde que agindo em razão do serviço, das funções que
desempenha ou de comissão recebida.
Em idêntico norte, é crime militar o praticado por militar da ativa contra os da inatividade ou civis, cometido durante o período de
manobras ou exercícios da tropa. Muito embora possa parecer que o critério utilizado leve em consideração o tempo da infração24, com
isto não concordamos. Segundo entendemos, o desejo do legislador é contemplar como crime militar aqueles praticados nos locais em
que estão sendo realizadas as manobras e/ou os exercícios militares. Assim, o vetor de aproximação do delito é o local do crime e não o
tempo. A não ser que se considere crime militar aquele praticado a centenas de quilômetros do local em que está sendo realizado o
exercício ou a manobra, apenas porque concomitante.
Por fim, é lógico que deve ser considerado crime militar aquele praticado por militar da ativa em detrimento da própria
Administração Castrense (patrimônio sujeito à Administração e conduta desfavorável à ordem administrativa militar).
Depois de regular os crimes que têm como sujeito ativo um militar em atividade (art. 9.°, II), o Código preocupa-se com os delitos
praticados por civis ou militares da inatividade (Reserva Remunerada e Reformados) contra as Instituições Militares, alertando que
nestes casos é indiferente que o delito cometido esteja previsto exclusivamente no CPM (art. 9.°, I) ou também o seja na lei penal
comum (art. 9.°, II). Porém, é preciso que:
1. o delito seja praticado contra o patrimônio sujeito à Administração Militar ou contra a ordem administrativa militar (regular,
eficiente e proba gestão militar);
2. o crime seja praticado em lugar sujeito à Administração Militar contra militar em situação de atividade, ou contra funcionário civil
dos Comandos Militares ou da Justiça Militar (vide art. 27 do CPM), estando estes no exercício funcional;
3. que o delito seja cometido contra militar em formatura ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração,
exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
4. que o crime seja praticado contra militar em função de natureza militar ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e
preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, independente do local em que seja cometido e desde que o militar
vitimado esteja legalmente requisitado para aquele fim ou se encontre sob obediência a determinação legal superior.

Por derradeiro, o art. 9.° exaure-se com a estranha modificação sofrida com a promulgação da Lei 9.299/1996. Na oportunidade foi-
lhe acrescentado o parágrafo único determinando que os crimes militares em tempo de paz, quando dolosos e praticados contra civis,
passam à competência da justiça comum.
Estranha é a previsão, porque seu conteúdo tem incontestável natureza processual e, em sendo assim, não está em seu habitat natural.
Em segundo lugar, porque a providência legislativa, como se sabe, foi direcionada às Justiças Militares estaduais, partindo-se da
premissa (que não deixa de conter amarga dose de preconceito) de que nas Auditorias dos estados grassam o corporativismo e a
impunidade, mas acabou veiculada no Código Penal Militar, lei que se aplica às justiças militares estaduais por uma “cortesia”, digamos
assim, do ordenamento jurídico brasileiro, haja vista sua destinação primeira e principal.

Crimes militares em tempo de guerra.

Art.10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:

I – os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;

II – os crimes militares previstos para o tempo de paz;

III – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando
praticados, qualquer que seja o agente:

a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;

b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de
qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;

IV – os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de
efetivas operações militares ou em território estrangeiro militarmente ocupado.

1.9 CRIMES MILITARES EM TEMPO DE GUERRA

Também não nos agrada muito a técnica utilizada pelo legislador penal militar na condução deste art. 10. De um modo geral, pode-se
dizer que praticamente todos os delitos, quer os previstos no CPM para o tempo de paz (Livro I da Parte Especial do CPM), quer os
previstos exclusivamente para o tempo de guerra (Livro II da Parte Especial do CPM), quer os previstos na lei penal comum, podem ser
considerados crimes militares em tempo de guerra.
A extensão do conceito se justifica plenamente diante da excepcionalidade do estado de guerra (delimitado pelo CPM no art. 15).
Contudo, a redação do art. 10 é confusa e, ao mesmo tempo, redundante.
De início, é lógico que os crimes previstos no Livro II dos Crimes Militares em Tempo de Guerra não poderiam fugir desta
classificação! Mas isto não quer dizer que muitos deles também não sejam previstos para o tempo de paz; apenas recebem um
tratamento diferenciado e, obviamente, mais grave. Aliás, é bastante comum o legislador remeter o aplicador da lei ao enunciado legal
do Livro I. Eis um bom exemplo: no art. 403 há o crime de lesão corporal (em tempo de guerra). O preceito descritivo do tipo, na
verdade, nada descreve, somente faz referência ao delito do art. 209 (lesão corporal em tempo de paz), senão vejamos:
“Art. 403. Praticar, em presença do inimigo, o crime definido no art. 209:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos”.
Quanto aos crimes definidos no Livro I (Dos crimes militares em tempo de paz), apesar de o inciso II do art. 10 sugerir (à primeira
vista) que todos os delitos previstos para o tempo de paz são, incondicionalmente, considerados também como crimes militares em
tempo de guerra, isto não é verdadeiro, pois a lei distingue aqueles previstos unicamente no CPM dos outros versados na lei penal
militar e na lei penal comum.
Na primeira hipótese, isto é, quando a espécie delituosa é tratada apenas no CPM, transfigura-se em crime militar em tempo de
guerra, independente de qualquer outra condição, além de ser praticada durante o estado de beligerância.
Por outro lado, quando há previsão paralela nas leis penais comum e militar, para que o delito possa ser considerado como crime
militar em tempo de guerra é preciso que seja praticado em uma dessas situações, qualquer que seja o agente:

1. em território nacional ou em estrangeiro quando militarmente ocupado (por forças brasileiras);


2. quando importem em efetivo ou potencial comprometimento da preparação, da eficiência ou das ações militares propriamente
ditas, ou de qualquer outra forma atentem ou coloquem em risco a segurança externa do País, independente do local em que
sejam praticados.

Ao final, os modelos criminais contidos apenas na lei penal comum recebem o tratamento de crimes militares em tempo de guerra
quando praticados em zona de efetivas operações militares, inclusive nos territórios estrangeiros ocupados por forças brasileiras.

Militares estrangeiros.

Art.11. Os militares estrangeiros, quando em comissão ou estágio nas forças armadas, ficam sujeitos à lei penal militar
brasileira, ressalvado o disposto em tratados ou convenções internacionais.

1.10 SUJEIÇÃO DOS MILITARES ESTRANGEIROS AO CPM

Clara é a intenção do legislador em equiparar o militar estrangeiro comissionado ou estagiário nas Forças Armadas Brasileiras ao
conceito de militar em situação de atividade, previsto às mancheias no art. 9.°, visto há pouco.
Malgrado a necessidade da providência – ainda mais quando se acentuam os esforços de cooperação em instruções, aperfeiçoamento
e utilização conjunta de forças bélicas aliadas –, acaba sendo mitigada pela ressalva que lhe é dada na parte final do dispositivo.

Equiparação a militar da ativa.

Art.12. O militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade,
para o efeito de aplicação da lei penal militar.

1.11 EQUIPARAÇÃO DOS MILITARES INATIVOS AOS MILITARES EM ATIVIDADE

Quando os militares da Reserva Remunerada são convocados ou mobilizados, retornam plenamente ao serviço ativo (militar em
atividade). No entanto, o art. 12 alcança outro instituto, a contratação de militares reformados ou da reserva remunerada para prestarem
serviços de interesse das Forças Armadas. Nestes casos, há de se ter um cuidado especial, pois, de acordo com o Estatuto dos Militares
(art. 3.°, § 1.°, alínea “b”, inciso III, com redação dada pela Lei 9.442/1997), os contratados para prestarem serviço por tempo certo
(prestadores de tarefa por tempo certo – PTTC) não retornam ao serviço ativo, permanecendo na condição de militares na inatividade.
Em outras hipóteses, também merece ser avaliada a disposição do art. 12 do CPM! Admitindo-se que um oficial da reserva
remunerada logre ser aprovado em concurso para professor (civil) de matemática para Colégio Militar ou Escola de Aprendizes
Marinheiros, por exemplo, deve ele receber tratamento próprio de militar em situação de atividade, quando suas obrigações de servidor
civil da União não guardam mais as peculiaridades e especificidades da vida d’armas? Parece-nos que não, até mesmo em razão das
novas prerrogativas e direitos que passará a gozar nos termos do Regime Jurídico dos Servidores Civis da União.
Contudo, a norma em apreço (art. 12) é clara em seu mandamento.

Militar da reserva ou reformado.

Art.13. O militar da reserva, ou reformado, conserva as responsabilidades e prerrogativas do posto ou graduação, para o efeito
de aplicação da lei penal militar, quando pratica ou contra ele é praticado crime militar.

1.12 PRERROGATIVAS E RESPONSABILIDADES DOS MILITARES INATIVOS

A vida dos militares é especialmente ornada por um conjunto variado e extenso de deveres, obrigações, direitos e prerrogativas, que
chegam a extrapolar o ambiente de trabalho, impondo regras, inclusive, para suas relações de cunho privado (vide, por exemplo, os arts.
27 a 49 e 50 a 79 do Estatuto dos Militares).
Destarte, não seria o legislador penal militar quem desprezaria essa particularidade. Além de séria repercussão na esfera processual
penal militar, as responsabilidades e as prerrogativas dos oficiais e praças chegam a integrar, inclusive, vários tipos penais, tais como
muitos daqueles previstos no Livro II, Títulos II, III e VII do CPM.
Assim, nada mais normal que os militares inativos conservem, para fins de aplicação da lei penal militar, suas prerrogativas e
responsabilidades, decorrentes do posto ou da graduação que ostentem.

Defeito de incorporação.

Art.14. O defeito do ato de incorporação não exclui a aplicação da lei penal militar, salvo se alegado ou conhecido antes da
prática do crime.

1.13 DEFEITO DE INCORPORAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI PENAL

De acordo com a Lei do Serviço Militar (Lei 4.375/1964), a incorporação é o ato de inclusão do convocado ou voluntário à
prestação do serviço militar, em uma das Organizações Militares da Ativa das Forças Armadas (art. 20).
Das formas de ingresso na Marinha, no Exército e na Aeronáutica, a incorporação, se não for a principal, é, pelo menos, a “mais
comentada”, pois abrange o contingente anual de jovens brasileiros atentos às suas obrigações constitucionais (serviço militar
obrigatório). Contudo, não é a única, pois os homens e mulheres aprovados em concursos públicos para ingresso nas Escolas Militares
profissionalizantes (AMAN, AFA, Escola Naval, IME, ITA, EsSA, EPCAR etc.) são matriculados, como dispõe o art. 22 da Lei 4.375.
Em assim sendo, a lei penal militar é imprecisa quando restringe à incorporação o ato oficial de ingresso de um civil na vida militar.
Porém, esta falta não deve acarretar maiores problemas, uma vez que o preceito merece interpretação extensiva (analogia).
Portanto, de acordo com a norma, o defeito no ato de ingresso (incorporação ou matrícula) não exclui a aplicação da lei penal militar,
exceto se este defeito tiver sido alegado ou for conhecido antes da prática do crime.
A resultante da ressalva final é seriíssima! Um defeito qualquer, já que não especificado na norma, impede por completo a aplicação
da lei penal militar. Ademais, embora possa parecer, o disposto no art. 14 não se aplica unicamente no crime de insubmissão, mas a toda
a tipologia do CPM.
Ademais, chega a permitir situações extremas e estranhas de imunidade, isto é, a pessoa, cujo ato de incorporação é viciado por
falha, passa a gozar de imunidade penal (militar) durante o período compreendido entre a alegação ou conhecimento oficial do defeito e
a data do ato de desincorporação.

Tempo de guerra.

Art.15. O tempo de guerra, para os efeitos de aplicação da lei penal militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do
estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele reconhecimento; e termina quando
ordenada a cessação das hostilidades.

1.14 TEMPO DE GUERRA, PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DO CPM

Considerando que o CPM contém previsões específicas de crimes em tempo de guerra, era realmente de bom alvitre que
determinasse ou fixasse os marcos inicial e final do excepcional período, e isto fez neste art. 15, utilizando-se de uma fórmula bastante
simples, muito embora mereça alguma atenção na sua interpretação ou aplicação diante da Ordem Constitucional inaugurada no ano de
1988.
Portanto, o tempo de guerra começa a ser considerado a partir do ato do Presidente da República de declarar guerra (após
autorização ou ad referendum do Congresso Nacional) ou de decretar a mobilização nacional, que pode ser total ou parcial. E termina
quando o Presidente celebra a paz (art. 84, incisos XIX e XX).
Observe, contudo, que, apesar do disposto no artigo, “a existência do estado de guerra não depende de uma declaração formal nesse
sentido, posto que essa declaração, embora unilateral, deva ser considerada como prova da existência do fato. Na ausência de tal
declaração, a existência do estado de guerra é caracterizada pela prática de atos de guerra, isto é, de atos de violência deliberadamente
usados por um Estado, por meio de sua força armada, contra outro Estado”25.
Accioly adverte que nos casos de guerra defensiva – única modalidade aceita pela Constituição Federal Brasileira – é princípio
corrente a dispensa da prévia declaração de guerra.

Contagem de prazo.

Art.16. No cômputo dos prazos inclui-se o dia do começo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

1.15 CONTAGEM DOS PRAZOS NO DIREITO PENAL MILITAR

Para tudo na existência humana há um tempo. Há tempo de nascer, crescer, procriar e, por fim, morrer. No direito, respeitada sua
condição de criação científica do homem, o decurso de tempo também se revela importante como marco ou termo de eficácia de vários
institutos. Desse modo, é necessário que o legislador penal determine como deve ser feita a contagem do tempo, principalmente quando
tratamos de direito penal, cuja consequência provável e mais importante é a privação temporária26 do status libertatis de um indivíduo.
Assim, decidiu o legislador que o dia do começo inclui-se no cômputo total do prazo e que os dias, meses e anos contam-se pelo
calendário comum, isto é, pelo calendário gregoriano, que considera transcorrido um mês ou um ano a partir de determinada data até a
sua véspera no mês ou ano seguintes.
Desse modo, se uma pessoa condenada a um ano de pena privativa de liberdade é recolhida à prisão no dia 31.03.2007, em
30.03.2008 já terá cumprido sua pena integralmente.

Legislação especial. Salário mínimo.

Art.17. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei penal militar especial, se esta não dispõe de
modo diverso. Para os efeitos penais, salário mínimo é o maior mensal vigente no país, ao tempo da sentença.

1.15.1 Aplicação das regras do Código Penal Militar aos fatos incriminados em leis especiais

Não obstante as principais condutas ilícitas estarem descritas no código penal militar, há a possibilidade de que o legislador preveja
outras figuras delituosas em leis penais especiais. Ocorre que algumas dessas normas, além de incriminarem condutas, podem veicular
disposições de ordem geral, isto é, normas não incriminadoras, permissivas ou complementares.
Por conseguinte, o código penal militar determina que as suas regras gerais aplicam-se aos fatos incriminados por leis especiais, a
não ser que estas disciplinem suficientemente a matéria.
Assim, fica evidente que eventual conflito envolvendo as leis penais militares é apenas aparente, porque quando uma lei especial
dispõe de modo diverso do Código Penal Militar, a disposição do texto extravagante é a que deverá prevalecer27.

1.15.2 Salário mínimo

A disposição contida na parte final do art. 17, referente ao salário mínimo, tem pouca utilidade no direito penal militar; primeiro,
porque não existe previsão legal de pena pecuniária (multa) no CPM; segundo, porque, ainda que a houvesse, é constitucionalmente
vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim (art. 7.°, inciso IV).
Não obstante, no CPM existem hipóteses em que o salário mínimo (ou parcela dele) serve de parâmetro legal, como, por exemplo,
no caso de furto atenuado (art. 240, § 1.°), de estelionato (art. 251 c/c o 253) e de dano atenuado (art. 259, parágrafo único).

Crimes praticados em prejuízo de país aliado.

Art.18. Ficam sujeitos às disposições deste Código os crimes praticados em prejuízo de país em guerra contra país inimigo do
Brasil:

I – se o crime é praticado por brasileiro;

II – se o crime é praticado em território nacional, ou em território estrangeiro, militarmente ocupado por força brasileira, qualquer
que seja o agente.
1.16 APLICAÇÃO DO CPM NOS CRIMES PRATICADOS EM PREJUÍZO DE PAÍS ALIADO

O art. 18 prevê uma forma extravagante de aplicação da lei penal militar brasileira. E a extravagância já começa no cotejo entre a
rubrica marginal e a redação do dispositivo, senão vejamos: enquanto o nomem iuris da norma remete aos crimes praticados em prejuízo
de país aliado, na descrição do artigo o legislador desprezou a condição de aliado ou a subentendeu, uma vez que se refere aos crimes
praticados em prejuízo de país em guerra contra país inimigo do Brasil.
Ora, o simples fato de um País estar em guerra contra outro Estado inimigo do Brasil não significa, necessariamente, aliança entre o
primeiro e o último! E se o país prejudicado também for inimigo do Brasil, quid juris? Nas complexas relações geopolíticas da
atualidade não há mais espaço à bipolaridade d’outrora!
Por outro lado, o art. 18 não faz nenhuma exceção às Convenções, Tratados e Normas do Direito Internacional, o que lhe confere, ao
menos em aparência, uma força incomum em se tratando de regras gerais delimitadoras da aplicação temporal e espacial do direito
substantivo; basta recordar que o art. 7.° do CPM, ao tratar da aplicação territorial e extraterritorial da lei penal brasileira, o fez com
“tempero”, isto é, ressalvou a aplicação dos compromissos internacionais assumidos.
Malgrado nossas observações, existe a previsão legal de aplicação do CPM nos crimes praticados em detrimento de país em guerra
contra país inimigo do Brasil. Contudo, tal possibilidade é condicionada a uma das seguintes hipóteses:
1.ª) ser o agente brasileiro;
2.ª) que o crime tenha sido praticado em território brasileiro ou em território nacional militarmente ocupado por forças brasileiras,
qualquer que seja o agente.

Infrações disciplinares.

Art.19. Este Código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares.

1.17 CRIMES E TRANSGRESSÕES MILITARES

Na abordagem do art. 13 ficou consignado que os militares são naturalmente sujeitos a um amplo e variado conjunto de normas e
regulamentos. Neste universo de normas, avultam de importância os Regulamentos Disciplinares, estatutos nos quais, entre outras
matérias, são previstas as infrações disciplinares e as respectivas sanções, inclusive aquelas de natureza privativa de liberdade como, por
exemplo, a detenção e a prisão disciplinares versadas no art. 24, incisos IV e V, do Regulamento Disciplinar do Exército – RDE (vide,
ainda, o art. 16 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica – Dec. 76.322/1975 e o art. 14 do Regulamento Disciplinar da Marinha –
Dec. 88.545/1983).
A bem da verdade, diversas transgressões disciplinares em muito se aproximam de tipos penais modelados no CPM, merecendo
distinção, todavia, pela dimensão axiológica dos institutos em confronto, isto é, a infração administrativa (disciplinar) é um minus em
relação ao delito, em razão do que o Estatuto dos Militares, reconhecendo esta diferença, dispõe em seu art. 42, § 2.°: “No concurso de
crime militar e contravenção ou transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, será aplicada apenas a pena relativa ao
crime”.
Por outro lado, não é raro que o CPM, em louvável, histórica e revolucionária antevisão despenalizadora (vanguarda do Direito Penal
Mínimo), permita a desclassificação do crime militar para transgressão disciplinar, v.g., o disposto no art. 209, § 6.° (lesões corporais
levíssimas).
Contudo, preservam-se as peculiaridades e destinações de cada diploma legal, ou seja, o CPM somente veicula matéria penal,
deixando aos Regulamentos Disciplinares a tarefa de tipificar as faltas administrativas (contravenções disciplinares, na Marinha, e
transgressões disciplinares, no Exército e na Aeronáutica).

Crimes praticados em tempo de guerra.

Art.20. Aos crimes praticados em tempo de guerra, salvo disposição especial, aplicam-se as penas cominadas para o tempo de
paz com o aumento de 1/3 (um terço).

1.18 CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DAS PENAS PARA OS CRIMES COMETIDOS EM TEMPO DE
GUERRA

No estudo do art. 10 vimos que os crimes militares em tempo de guerra classificam-se em quatro grandes grupos. O primeiro deles é
consubstanciado pelos delitos especialmente previstos no CPM para o tempo de guerra (Livro II da Parte Especial). Nestes, a especial
condição de maior gravidade da resposta penal, diante do estado de beligerância, já se encontra modelada no próprio preceito-sanção,
enquanto que nas outras hipóteses (incisos II, III e IV do art. 10) não.
Assim, é lícito concluir que a causa especial de aumento da pena (majorante) versada no art. 20 aplica-se aos crimes militares em
tempo de guerra, assim considerados nos termos do art. 10, incisos II, III e IV.
Mas esse não é o entendimento unânime. Há quem defenda que o art. 20 não se aplica nos casos do art. 10, inciso IV. Para Jorge
César de Assis, por exemplo, “pensar-se que crimes comuns, praticados em tempo de guerra, por cidadãos comuns, transformar-se-iam
em crimes militares é romper, inclusive, com os postulados que informam as Justiças Comum e Especial. É jogar o disco longe demais,
é heresia jurídica”28.
Com as escusas e homenagens de estilo, discordamos deste posicionamento, até mesmo porque não é o art. 20 que transfigura o
crime comum em crime militar em tempo de guerra, mas seu antecedente causal, o art. 10. Desse modo, quando o legislador, adiante,
criou a causa especial de aumento da pena, o fez considerando que a integralidade das hipóteses enumeradas no art. 10 possui idêntica
natureza de crime militar em tempo de guerra, independente de sua origem ou ancestralidade, próxima ou remota.
Assim, renovamos nossa crença de que somente o inciso I do art. 10 deixa de ser alcançado pela majorante do art. 20, só e tão
somente porque os delitos nele arrolados já se encontram “naturalmente majorados” desde a proposta legislativa.

Assemelhado.

Art.21. Considera-se assemelhado o servidor, efetivo ou não, dos Ministérios da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica,
submetido a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento.

1.19 A FIGURA EXTINTA DO ASSEMELHADO

No estudo do art. 9.° há o registro da extinção dos assemelhados, categoria de servidores considerada próxima (parecida) aos
militares, porque, apesar de funcionários civis, eram necessariamente sujeitos às leis e regulamentos próprios da caserna.
A figura surgiu em nosso ordenamento no bojo constitucional de 1934, mais precisamente em seu art. 84, verbis:
“Os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão foro especial nos delitos militares. Este foro poderá ser estendido aos
civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do país, ou contra as instituições militares”.
Com o passar do tempo, no entanto, esvaiu-se a necessidade jurídica ou conveniência política de forjar aparências solidárias entre os
servidores civis das Forças Armadas e os militares, até mesmo em respeito às diferenças e particularidades das categorias em destaque.
Na atualidade, portanto, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica possuem em seus quadros um sem-número de servidores civis da
União, todos submetidos aos ditames da Lei 8.112/1990, sem qualquer interferência dos estatutos e regulamentos militares, que regem,
disciplinam e ordenam exclusivamente os contingentes armados.

Pessoa considerada militar.

Art.22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja
incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação ou sujeição à disciplina militar.

1.20 PESSOA CONSIDERADA MILITAR PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DO CPM

Mais uma vez há de se fazer uma achega à interpretação literal do CPM. Em primeiro lugar, não pode ser olvidado que os alunos das
escolas e cursos de formação profissional militar não são incorporados, e sim matriculados, e com isto não deixam de conquistar o
status de militar. Em giro outro, na parte final do dispositivo a lei se refere novamente aos assemelhados, categoria extinta.
Tais imperfeições, no entanto, sobreviveram às mudanças legislativas ocorridas desde 1969 (ano em que foi decretado o CPM) até
os dias atuais. Portanto, atualmente devem ser consideradas militares, inclusive para efeitos de aplicação do CPM, as pessoas
compreendidas na definição do art. 3.° da Lei 6.880/1980, guardada a distinção que há entre militares da ativa e militares da inatividade.

Equiparação a comandante.

Art.23. Equipara-se ao comandante, para o efeito de aplicação da lei penal militar, toda autoridade com função de direção.

1.21 EQUIPARAÇÃO A COMANDANTE PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DO CPM

Uma das garantias decorrentes do princípio da reserva legal é a da taxatividade (lex certa), isto é, “a lei penal há de ser certa, exata,
precisa, proibida a utilização de fórmulas excessivamente genéricas ou de interpretação duvidosa”29.
Em nosso ponto de vista a expressão eleita pelo legislador penal para designar a autoridade militar responsável pela condução,
instrução, preparo, emprego, disciplina e hierarquia de uma unidade militar, tropa ou fração desta, não podia ser outra senão a escolhida:
comandante30.
Todavia, proliferam situações em que militares praticam ações típicas de comandante sob denominação diversa, como, por exemplo,
os Chefes de Circunscrições do Serviço Militar e os Diretores de Ensino de várias Escolas Militares31.
Portanto, era preciso que a lei, na impossibilidade de enumerar todas as nomenclaturas possíveis e admitidas, equiparasse
taxativamente ao comandante toda autoridade militar que exercesse a soma de autoridade, deveres e responsabilidades na condução de
homens ou na liderança de uma Organização Militar; equiparação esta delineada neste art. 23 do CPM, que deve ser interpretado em
combinação com o art. 34 (caput e parágrafo único) da Lei 6.880/1980.
E isto é realmente necessário, porque o conceito de comandante assume particular importância no Direito Penal Militar em razão de
constituir elementar de muitos delitos, v.g., Operação militar sem ordem superior (art. 169), Ordem arbitrária de invasão (art. 170),
Violência contra superior qualificada (art. 157, § 1.°, 1.ª parte), e tantos outros.

Conceito de superior.

Art.24. O militar que, em virtude da função exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior,
para efeito de aplicação da lei penal militar.

1.22 CONCEITO DE SUPERIOR PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DO CPM

Mais uma vez registramos nosso desagrado com a redação do Código. O conceito veiculado neste art. 24 é absolutamente restritivo,
incompleto e, ademais, fere a boa técnica legislativa.
É de conhecimento que os alicerces institucionais das Forças Armadas são a hierarquia e a disciplina32. Hierarquia é a ordenação da
autoridade militar em níveis escalonados e sobrepostos, proporcionando, assim, a edificação de uma estrutura organizacional
verticalizada, cujo traço característico é o surgimento de relações diretas de subordinação, obediência e respeito.
Portanto, superior é todo aquele que se encontra em um nível mais elevado do que outra pessoa dentro da mesma estrutura ou, ainda
que no mesmo nível, há mais tempo o ocupe.
Na vida militar, esses níveis podem ser divididos em duas grandes classes: postos (escalonamento dos graus hierárquicos conferidos
aos oficiais) e graduações (ordenação dos graus hierárquicos dos praças)33.
No Direito Penal Militar este escalonamento ganha especial relevância, pois a condição de superior, bem como a de subordinado (ou
inferior, como trata, por vezes, o CPM), constitui circunstância elementar de vários crimes. Eis alguns exemplos: Violência contra
superior (art. 157), Desrespeito a superior (art. 160), Recusa de obediência (art. 163), Rigor excessivo (art. 174) e Violência contra
inferior (art. 175).
Insistindo um pouco mais na crítica à redação do artigo, apenas lembramos que a expressão “função” assume uma dimensão especial
e própria na ambiência militar e disto não se apercebeu o legislador penal. Na verdade, não é a função militar que prepondera na relação
hierárquica que há entre os militares, mas o cargo que o militar ocupa, eis que vinculado ao posto ou graduação de seu titular.
Aliás, segundo o Estatuto dos Militares, a função é somente o exercício das obrigações inerentes ao cargo, enquanto que este, além
de ser vinculado ao grau hierárquico, consubstancia o conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades cometidos a um militar em
serviço ativo (vide arts. 20 usque 23 da Lei 6.880/1980).

Crime praticado em presença de inimigo.

Art.25. Diz-se crime praticado em presença de inimigo, quando o fato ocorre em zona de efetivas operações militares, ou na
iminência ou em situação de hostilidade.

1.23 CRIME PRATICADO EM PRESENÇA DE INIMIGO

Dentre os crimes militares em tempo de guerra há alguns que possuem como elementar do tipo34 ter sido o fato praticado em
presença do inimigo (arts. 363, 364 e 365, por exemplo). Por óbvio que a circunstância é importante e merece atenção legislativa. Isto
não quer dizer, contudo, que tenha sido feliz a técnica utilizada.
Para Ramagem Badaró, “esta é uma norma pouco clara, ambígua. Sem uma exata e precisa descritiva do fato que pretende
configurar, como é condição precípua exigida pela boa técnica-jurídica-legisferante, na redação das normas jurídicas”35.
Não falta razão ao ilustre professor! Por mais uma vez observa-se uma incômoda dissonância entre a rubrica marginal do tipo e sua
descrição modelar. Aliás, a rigor, nem haveria necessidade de uma norma explicar a expressão em presença de inimigo, a não ser que
pretendesse o legislador valer-se de alguma artificialidade pouco recomendada, como efetivamente o fez!
Diz a norma que o crime praticado em presença do inimigo é aquele que ocorre em zona de efetivas operações militares, ou na
iminência ou em situação de hostilidade. Enquanto a primeira condicionante (em zona de efetivas operações militares) transmite a
correta ideia de requisito espacial, as duas outras parecem ligadas ao fator temporal, o que torna a aplicação da lei duvidosa ou
inapropriada.
Se a condição for o tempo em que o crime é praticado, pouco vai importar a que distância estava o inimigo, o que foge à vontade
teleológica da norma: punir uma conduta grave praticada às vistas do inimigo. Lapsus calami.
Portanto, a única interpretação que nos parece aceitável é a de que as duas últimas condicionantes ligam-se à primeira da seguinte
forma: o crime há de ser praticado em zona de operações militares, quer efetiva (primeiro requisito), quer na iminência do início das
operações (segundo requisito), quer nos casos em que as forças brasileiras sejam atacadas – sofram hostilidades (terceiro requisito).

Referência a “brasileiro” ou “nacional”.

Art.26. Quando a lei penal militar se refere a “brasileiro” ou “nacional”, compreende as pessoas enumeradas como brasileiros na
Constituição do Brasil.

Estrangeiros.

Parágrafo único. Para os efeitos da lei penal militar, são considerados estrangeiros os apátridas e os brasileiros que perderam a
nacionalidade.

1.24 REFERÊNCIA A “BRASILEIRO” OU “NACIONAL”. O CONCEITO DE ESTRANGEIRO PARA FINS DE


APLICAÇÃO DO CPM

Os arts. 355 (Traição) e 362 (Traição imprópria) bem demonstram a importância penal militar da distinção que há entre o
“nacional” e o “estrangeiro”, até mesmo porque a nacionalidade “é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e
determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua
proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos”36.
Talvez por isso o legislador penal militar referiu-se na Parte Geral do CPM aos dois conceitos, no afã de explicá-los; providência ao
todo desnecessária, haja vista já ser a matéria devidamente delineada, a partir da Carta Reitora.
Assim, deve ser considerado brasileiro todo aquele que se encontrar em uma das situações previstas no art. 12, incisos I e II, da
Constituição Federal.
Os demais, inclusive os apátridas (ou heimatlos, indivíduos sem nacionalidade) e os brasileiros que perderam a nacionalidade (art.
12, § 4.°, da CF), são considerados “estrangeiros”.

Os que se compreendem como funcionários da Justiça Militar.

Art.27. Quando este Código se refere a funcionários, compreende, para efeito de sua aplicação, os juízes, os representantes do
Ministério Público, os funcionários e auxiliares da Justiça Militar.

1.25 O CONCEITO DE FUNCIONÁRIO DA JUSTIÇA MILITAR PARA FINS DE APLICAÇÃO DO CPM

Há um título da Parte Especial que trata apenas dos crimes praticados contra a Administração da Justiça Militar. Além disso, nas
hipóteses de configuração do crime militar (art. 9.°), a condição de funcionário da Justiça Militar serve de elementar básica à adequação
típica. Portanto, é importante submeter o art. 27 à crítica e ao estudo.
Se é certo que os Membros do Judiciário, do Ministério Público Militar e os servidores das respectivas Instituições possuem estatutos
próprios que lhes “dirijam os passos”, não nos parece absolutamente claro que o art. 27 perdeu toda a sua importância ou necessidade.
O que dizer do crime de Desacato (art. 341 do CPM) se não houver a compreensão recíproca do art. 9.°, inciso III, alínea “b”,
combinado com o art. 27? Ora, na verdade o Juiz-Auditor é um Magistrado Federal e, a rigor, uma ofensa que lhe for irrogada em razão
deste status e no exercício de suas funções mereceria, à primeira vista, tratamento de crime federal comum e não de crime militar.
Portanto, malgrado se saiba que os Promotores, v.g., não são funcionários da Justiça Militar, a coerência sistêmica do CPM (e do
ordenamento penal e processual penal militar) reclama especial proteção aos personagens que habitam a Corte Castrense, e isto em
nome, inclusive, de uma de suas principais características – tão esquecida nos tempos de paz: a intinerância (vide arts. 89 a 97 da Lei
8.457/1992, versando sobre a Organização da Justiça Militar em Tempo de Guerra).
Todavia, nas oportunidades em que o CPM descreve os crimes contra a Administração da Justiça Militar, jamais se utilizou a
expressão “funcionários da Justiça Militar” conforme pretendido pelo art. 27, senão vejamos: o único artigo que traz uma expressão
próxima à conceituada é o art. 353, mas não sem antes fazer expressa menção aos juízes e órgãos do Ministério Público, expressis
verbis: “Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, órgão do Ministério Público, funcionário
de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha, na Justiça Militar”.
Talvez daí surja a ideia de que o art. 27 sequer mereça atenção doutrinária37.

Casos de prevalência do Código Penal Militar.

Art.28. Os crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares, definidos neste Código, excluem os da
mesma natureza definidos em outras leis.

1.26 CASOS DE PREVALÊNCIA DO CPM

Eis um artigo desnecessário ou mal elaborado. Um dos princípios mais simples do Direito é o da especialidade, utilizado em
eventual conflito aparente de normas. É óbvio que o Código Penal Militar há de prevalecer sobre a legislação comum quando se tratar de
crime militar, pois é a lei especial na matéria.
Isto não impossibilita, contudo, que uma lei ordinária surja criando novos tipos penais militares ou alterando os que já existem no
CPM, inclusive aqueles contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares.
Também nada impede que outro diploma legal conviva com o CPM, ainda que veiculando tipos penais protetores da segurança
externa do país, por exemplo, desde que guardadas e respeitadas suas “esferas de aplicação”.
Aliás, o art. 2.° da Lei 7.170/1983 (lei que define os crimes contra a segurança nacional) determina que “quando o fato estiver
também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação
desta Lei: I – a motivação do agente; II – a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior”.
Em resumo, tratando-se de crime militar, o CPM impera!
__________
1 Publicado no DOU de 21.10.1969.
2 Vide MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral.
15. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 55 usque 57.
3 FEUERBACH, Anselm von. Tratado de derecho penal. Trad. E. R.
Zaffaroni e Irma Hagermeier. Buenos Aires: Hamurabi, 1989. p.
63.
4 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1955. t. 1.º, v. I, p. 12.
5 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. 2.
ed. São Paulo: RT, 2000. p. 79.
6 MESTIERI, João. Teoria elementar do direito criminal. Rio de
Janeiro: Sedegra, 1971. p. 81.
7 Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan,
1990. p. 78.
8 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 4. ed. São Paulo: RT,
1997. p. 318.
9 Lições de direito penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p.
102.
10 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 104.
11 Princípios básicos de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
p. 35 e ss.
12 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit. p. 102.
13 ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual
de direito penal brasileiro. Parte geral. 2. ed. São Paulo: RT,
1997. p. 855.
14 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. São Paulo: Max
Limonad, 1954. v. 1, p. 150.
15 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 69.
16 Além delas, há indicação doutrinária das seguintes teorias: da
intenção, do efeito intermédio, da ação à distância.
17 Quando há um “destaque especial entre conduta e evento”,
realizando-se, v.g., aquela em território nacional e este no
estrangeiro, ou vice-versa.
18 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit. p. 111.
19 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit. p. 113.
20 MESTIERI, João. Op. cit. p. 124.
21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 73.
22 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 81.
23 De acordo com o art. 3.°, § 2.°, os militares de carreira são os da
ativa que, no desempenho voluntário e permanente do serviço
militar, tenham vitaliciedade assegurada ou presumida.
24 Neste sentido vide Jorge César de Assis em seu Comentários ao
Código Penal Militar. Parte Geral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p.
36.
25 ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 11.
ed. 7. tir. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 264.
26 Considerando um sistema punitivo que não contemple privações
perpétuas da liberdade.
27 JUNIOR, Osvaldo Palotti. Direito penal. Parte geral. São Paulo:
Atlas, 2000. p. 30.
28 ASSIS, Jorge César. Op. cit. p. 54.
29 TELES, Ney Moura. Direito penal. Parte geral. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 38.
30 Segundo o Estatuto dos Militares (art. 34 da Lei 6.880/1980),
“Comando é a soma de autoridade, deveres e responsabilidades
de que o militar é investido legalmente quando conduz homens
ou dirige uma organização militar. O comando é vinculado ao
grau hierárquico e constitui uma prerrogativa impessoal, em cujo
exercício o militar de define e se caracteriza como chefe”.
31 Art. 34, parágrafo único, da Lei 6.880/1980: “Aplica-se à direção e à
chefia de organização militar, no que couber, o estabelecido para
comando”.
32 Vide art. 142 da CF e arts. 14 a 19 do Estatuto dos Militares.
33 Vide “Quadro Anexo” à Lei 6.880/1980, no qual estão escalonados
(e equiparados) os postos e graduações das Forças Armadas.
34 Aqui discordamos do ilustre Jorge César de Assis quando se refere
à situação descritiva “crime praticado em presença do inimigo”,
tratando-a como qualificadora dos crimes militares em tempo de
guerra. Op. cit. p. 60.
35 BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal Militar de
1969. Parte geral. São Paulo: Editora Juriscredi, 1972. v. 1, p.
101.
36 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 1999. p. 197.
37 Nesse sentido vide ASSIS, Jorge César. Op. cit. p. 63.
2
DO CRIME

Título II
Do crime

Relação de causalidade.

Art.29. O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a
ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Superveniência de causa independente.

§ 1.º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado. Os
fatos anteriores imputam-se, entretanto, a quem os praticou.

Relevância da omissão.

§ 2.º A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe
a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de
impedir o resultado; e a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.

2.1 RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. CONCEITO DE CRIME MILITAR

É a partir do art. 29 que se inicia o estudo dogmático do crime militar. Esta é a oportunidade para conhecê-lo, identificá-lo,
conceituá-lo e, por fim, classificá-lo em razão de variados pontos referenciais.
Contudo, esta tarefa epistemológica específica é pertinente aos Manuais ou Tratados de Direito Penal, dadas suas vocações e
finalidades. Um texto de comentários ao Código, em face da objetividade que o orienta, não deve ceder a tal atrevimento. Porém, é
preciso, ao menos, oferecer um conceito razoável de crime militar1.
Adotando o critério analógico, entendemos que o crime militar é uma conduta humana típica e antijurídica.
A tipicidade pressupõe a conformidade de um fato a um modelo legal incriminador, ao que se convencionou chamar de “adequação
típica”.
O fato (típico), por sua vez, consubstancia-se de três elementos: conduta (ação ou omissão), nexo de causalidade (objeto do art. 29)
e resultado. É na conduta que se homizia o elemento subjetivo do injusto (dolo) ou, nos crimes culposos, o elemento normativo
correspondente.
Já a antijuridicidade reflete o antagonismo do fato típico com os objetivos da lei penal militar na tutela e preservação dos bens
jurídicos.
É de se notar que a culpabilidade deixa de integrar o conceito analítico de crime, materializando uma segunda fase no raciocínio
jurídico-penal. Tal ausência é bem justificada no Direito Penal Militar. Observe, por exemplo, que, em relação ao estado de
necessidade, o legislador penal militar adotou a teoria diferenciadora, na qual há duas espécies do instituto. A primeira, prevista no art.
39, exclui a culpabilidade, enquanto que no art. 43, o estado de necessidade exclui o crime (excludente de antijuridicidade). Isto é, nos
casos do art. 39, o agente é isento de pena, apesar de a lei reconhecer que praticou um delito, o que comprova o acerto da definição
(crime = fato típico e antijurídico).

2.2 TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS

O homem vive em um mundo cinético, isto é, em um mundo em movimento, dinâmico2. Ora, toda essa energia despendida pelo
homem é capaz de transformar, em graus variados, a realidade que o cerca. Assim, estabelece-se uma relação de causa e efeito entre um
determinado comportamento humano e o resultado por ele produzido.
Ocorre que algumas dessas transformações do mundo exterior possuem relevância jurídico-penal, em razão do que impera a
necessidade política de determinar, com precisão, o desdobramento causal destes fatos sociais penalmente relevantes, a fim de que, em
um momento posterior, o Estado possa atribuir aos seus responsáveis as sanções pertinentes.
No entanto, o cuidado reside em não se atribuir à causalidade física uma dimensão diferente daquela que lhe cabe na dogmática
penal. Portanto, ainda que o estabelecimento do nexo de causalidade se prenda a um critério lógico-naturalístico, mais adiante diremos
que tal critério deve ser lapidado, com a introdução de considerações próprias da ciência penal.
Diz a lei: “O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação
ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Em vários aspectos há riqueza no enunciado, até mesmo com reflexos em outros
institutos jurídicos. Observe: mesmo tratando o artigo da relação de causalidade, a primeira parte do caput estabelece uma característica
da sanção penal, a impossibilidade de que a pena passe da pessoa do condenado, pois somente quem deu causa ao resultado pode sofrer
a imputação decorrente (a sanção penal é personalíssima). Aliás, esta garantia tem berço constitucional (art. 5.º, inciso XXXIX).
Porém, o mais importante é a explícita adoção da teoria da equivalência dos antecedentes causais (ou teoria da conditio sine qua
non), que remonta à lógica de Stuart Mill e foi introduzida no direito penal por Von Buri, segundo a qual “não há diferença entre causa
no plano natural e no plano jurídico. Causa é toda condição do resultado e todas as condições se equivalem”3, ou seja, tudo aquilo que
contribui para a produção de um resultado é causa incindível dele.
Tal raciocínio foi sistematizado por Thyren, por meio do conhecido processo (ou juízo) hipotético de eliminação, que consiste na
abstração intelectual de determinada conduta, a fim de verificar-lhe a relevância causal em relação a certo resultado.
No entanto, o juízo hipotético de eliminação pode levar a situações extremas, proporcionando um regresso ilimitado ao passado
(regressum ad infinitum), fazendo com que todos os autores de ações causalmente relevantes respondam objetivamente pelo resultado.
Para evitar-se tal inconveniente, o direito penal militar limitou a causalidade física com a aderência do elemento volitivo na conduta,
fruto da teoria finalista da ação. Assim, não basta a simples relação físico-natural entre o comportamento e o resultado, é necessário,
ainda, que a conduta do agente seja animada pelo dolo ou viciada pela culpa. Deste modo, “mesmo que estabelecida a relação de
causalidade entre o ato e o resultado, a relevância penal de causalidade acha-se limitada pelo elemento subjetivo do fato típico, por ter o
agente querido o resultado ou por ter dado causa ao resultado ao não tomar as cautelas que dele se exigiam”4.
Também limita o nexo de causalidade a existência de causas preexistentes, concomitantes ou supervenientes, absolutamente
independentes. Ora, com a conduta se inaugura uma linha de desdobramento físico na qual os fatos se sucedem até a produção do
resultado final. Entretanto, podem surgir situações em que referido resultado é produzido por uma outra causa que não guarda qualquer
pertinência com a linha de desdobramento físico da conduta-referência. Em casos deste jaez, aplicando-se o processo de eliminação
hipotética, concluir-se-á que, em sendo absolutas as causas interferentes, a conduta de referência obviamente não pode ser considerada
causa do resultado produzido.

2.3 SUPERVENIÊNCIA DE CAUSA RELATIVAMENTE INDEPENDENTE

Outra questão importante sobre a interferência causal diz respeito à superveniência de uma causa relativamente independente que,
por si só, produziu o “resultado”, matéria prevista no § 1.º deste art. 29.
Aqui, estamos diante de uma causa que só veio a ocorrer em face do comportamento anterior, por isso mesmo que é tratada como
causa relativamente independente. Ocorre que, apesar desta dependência físico-natural, a nova causa foi apta a originar o resultado
sozinha, chamando para si, portanto, a integral responsabilidade pelo resultado final.
Todavia, os atos anteriormente praticados (resultados parciais) continuam sob a responsabilidade de quem os praticou.

2.4 NEXO DE CAUSALIDADE (NORMATIVO) NOS CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS

De pronto surge a indagação sobre a possibilidade de se estabelecer um nexo causal a partir de um comportamento omissivo, pois,
como afirmava Sauer, “do nada não pode vir nada”.
Portanto, é importante lembrar que os delitos omissivos dividem-se em próprios e impróprios. Nos primeiros, a relevância do
comportamento negativo já ecoa no próprio tipo penal, que, em sua descrição, contém um verbo de abstenção (deixar, retardar,
omitir...), em face do que são conhecidos como crimes de simples desobediência, até por dispensarem a produção de qualquer resultado
material.
Já nos crimes omissivos impróprios há uma particularidade: a conduta descrita pelo verbo da incriminação é positiva (matar,
ofender...), mas o resultado lesivo também pode ser produzido por uma inação.
No entanto, sob o aspecto fenomenológico, como imputar ao abstêmio a responsabilidade causal pelo resultado? Em uma análise
estritamente objetiva, não se pode afirmar que uma conduta física negativa seja apta a produzir determinado resultado concreto.
Portanto, apresenta-se a necessidade de uma interpretação menos naturalística e mais lógica do conceito de causa. E isto o legislador faz
criando um nexo causal normativo que se ampara no dever e na possibilidade de ação.
“Verifica-se, assim, que o crime omissivo impróprio transforma-se em uma categoria especial de infração penal, pois somente pode
ser atribuído àqueles que estejam obrigados a preservar ou garantir bens jurídicos pertencentes a certas pessoas ou entidades e às quais
se encontram vinculados por uma relação de ordem jurídica. São eles elevados à posição de garantidor”5.
Destarte, nos crimes omissivos impróprios, a omissão torna-se penalmente relevante, quando o agente: a) tenha por lei obrigação de
cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma (contrato, p. ex.), assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu
comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (art. 29, § 2.º).

Art. 30. Diz-se o crime:

Crime consumado.

I – Consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;

Tentativa.

II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Pena da tentativa.

Parágrafo único. Pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime, diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços), podendo o
juiz, no caso de excepcional gravidade, aplicar a pena do crime consumado.

2.5 ITER CRIMINIS

Como o tipo penal militar é um modelo de conduta humana, é necessário verificar se há total coincidência entre o fato praticado e a
norma legal, até mesmo para possibilitar a determinação do exato instante em que se legitima para o Estado o exercício, em concreto, de
sua pretensão punitiva.
Deste modo, o CPM não se absteve em definir expressamente o que considera um crime consumado ou, por sua vez, tentado;
seguindo, neste passo, a orientação dos praxistas medievais italianos em sua rica teoria sobre a tentativa: “os crimes nascem, crescem e
morrem”6.
Em consequência, importa considerar que a atividade criminosa intencional desenvolve-se no tempo, subordinada às circunstâncias
causais determinadas7, que consubstanciam o que se convencionou chamar de iter criminis.
Este, o iter criminis, nada mais é do que o caminho percorrido na empreitada criminosa, passando por diversas fases, a saber:
cogitação, atos preparatórios, atos executórios e consumação. Note que o exaurimento não faz parte do iter.

• Cogitação → Já dizia Aníbal Bruno: “é no pensamento do homem que se inicia o movimento delituoso, e a sua primeira fase é a ideação e
resolução criminosas” 8. Realmente, é no foro mais íntimo do indivíduo que surge a expressão nascente da conduta delituosa, travestida
tantas vezes pela raiva incontida, pelo desejo mórbido, pela sede de vingança, pelo egoísmo do ciúme ou pela intolerância da inveja. Porém,
o que se passa nos recônditos da consciência de uma pessoa não é dos domínios do direito penal (cogitationis nemo poenam patitur).
• Atos preparatórios → Aqui há um significativo limite a ser ultrapassado. A prática de atos preparatórios à produção do resultado típico
marca a transição da fase interna do iter criminis para sua fase externa. Entretanto, regra geral, as ações preparatórias não são puníveis,
apesar da opinião dos subjetivistas, que reclamam a punição como medida de prevenção criminal9. Contudo, é de conhecimento que o
legislador, em algumas oportunidades, resolveu criar tipos penais em que as condutas descritas são ações preparatórias de outros delitos
(art. 191 do CPM – Concerto para a deserção, por exemplo), em razão do que se defende a excepcional punição de atos meramente
preparatórios. Penso, porém, que na hipótese não se está punindo atos preparatórios, mas sim atos de execução, ou mesmo a consumação,
de uma autônoma e específica norma penal incriminadora.
• Atos executórios → A conceituação do que sejam atos executórios é questão que desperta a paixão de vários doutrinadores. No entanto,
entre os vários critérios apresentados, dois gozam de nítida preferência. O primeiro – ataque ao bem jurídico –, de natureza material,
conforma-se com a simples ocorrência de perigo em desfavor do bem jurídico tutelado. O segundo, que é o aceito pelo legislador penal
militar, chamado de início da realização do tipo, reconhece, a partir de um ponto de vista formal, que se inicia a execução com a prática
da conduta descrita pelo núcleo (verbo) do tipo penal. Assim, pratica ato executivo do homicídio, por exemplo, aquele que realiza uma
conduta apta a matar.
• Consumação → É o instante derradeiro do iter criminis. Aqui, há perfeita subsunção do comportamento humano ao modelo instituído pela
lei penal militar, isto é, o tipo é realizado integralmente. O conceito de consumação “exprime a perfeita conformidade do fato à hipótese
abstrata delineada pelo legislador”10. Por isso, diz a lei que o crime é consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua
definição legal (art. 30, I, do CPM). Uma advertência: não confunda consumação com exaurimento. O crime é dito exaurido quando “o
agente, após atingir o resultado consumativo, continua a agredir o bem jurídico, procura dar-lhe uma nova destinação ou tenta tirar novo
proveito, fazendo com que sua conduta continue a produzir efeitos no mundo concreto, mesmo após a realização integral do tipo”11.

2.6 CRIME TENTADO

O crime tentado é aquele em que o agente quer o resultado, inicia a prática de atos executórios, mas o evento não se produz por
circunstâncias alheias à sua vontade.
Observe que, subjetivamente, o delito tentado não difere do consumado. A intenção é a mesma. A distinção reside na produção ou
não do resultado desejado, fator este que assumirá relevante papel no que diz respeito à punibilidade da tentativa, matéria que em breve
ocupará nossa atenção!
Por tais nuances a tentativa é conhecida como sendo “a realização incompleta da figura típica”12, apresentando os seguintes
elementos: 1) consciência e vontade da conduta e do resultado; 2) prática de atos executórios; 3) interferência de circunstâncias alheias
à vontade do agente impeditivas da produção do evento.
A doutrina reconhece como espécies de crime tentado:
1.ª) tentativa perfeita ou crime falho → o agente pratica todos os atos de execução, “atinge seu alvo”, mas mesmo assim não consegue
produzir o resultado típico.
2.ª) tentativa imperfeita → o agente não chega a encerrar sua atividade executória, por interferências indesejadas, em face do que o resultado
não se verifica.
3.ª) tentativa branca → ocorre quando o bem jurídico tutelado não sofre nenhum dano efetivo.

2.7 A PENA NOS CRIMES TENTADOS

Sobre a imposição da pena nos casos de crime tentado, há duas teorias predominantes, quais sejam:

Teoria subjetiva → o crime tentado merece punição igual ao crime consumado, pois o elemento subjetivo (a vontade) do agente, em
ambos, é o mesmo.
Teoria objetiva → a punição da tentativa deve ser inferior à do crime consumado, pois nela o iter criminis não se completou.
O CPM adotou, como regra geral, a teoria objetiva, pois determina que a tentativa é punida com a pena do crime consumado,
diminuída de 1 a 2/3 (art. 30, parágrafo único, 1.ª parte). Observe que essa redução deve ter em vista o caminho (parcela do iter
criminis) já percorrido pelo agente na empresa delituosa. “Assim, se o seu desenvolvimento foi impedido no início, a diminuição será
maior; ao contrário, se já percorreu maior espaço, o abatimento será menor. A quantidade da diminuição deve ser fixada pelas
circunstâncias da própria tentativa e não pelas do crime, pois estas já são consideradas no cálculo da pena-base”13.
Todavia, nos casos de excepcional gravidade, o juiz está autorizado a aplicar os efeitos da teoria subjetiva, isto é, pode punir o crime
tentado com a mesma pena do crime consumado, conforme o art. 30, parágrafo único, in fine, do CPM.

2.8 INADMISSIBILIDADE DA TENTATIVA

Finalmente, cumpre registrar apenas que os crimes culposos, os preterdolosos, os omissivos próprios, os habituais, os
unissubsistentes e aqueles de punibilidade condicionada à consumação não admitem a tentativa.

Desistência voluntária e arrependimento eficaz.

Art.31. O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde
pelos atos já praticados.

2.9 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

Há pouco consignamos que o crime tentado é aquele em que o resultado não se verifica por circunstâncias alheias (e contrárias) à
vontade do agente. Agora, ao estudarmos a desistência voluntária e o arrependimento eficaz, surge a oportunidade de conhecer o que a
doutrina costuma chamar de tentativa abandonada, instituto nascido do interesse estatal em estimular a não consumação do delito,
oferecendo ao indivíduo uma ponte de ouro para atravessar o terreno pantanoso do crime e retornar à licitude.
A desistência voluntária se dá quando o agente, após ter iniciado a execução do crime, deixa voluntariamente de prosseguir na
prática dos atos executórios, impedindo, destarte, a produção do resultado criminoso. Segundo Mezger, na desistência voluntária o
“agente não chega a esgotar sua capacidade ofensiva contra o bem jurídico visado”14.
Pode-se observar que a desistência não precisa ser espontânea, isto é, que a ideia de desistir tenha partido do próprio resipiscente;
basta, outrossim, que não tenha sido fruto de coação. Segundo R. Frank, “a desistência é voluntária quando o agente pode dizer: não
quero prosseguir, embora pudesse fazê-lo”15.
Já o arrependimento eficaz ocorre quando o sujeito ativo, depois de ter esgotado sua atividade executória (por isso que é
arrependimento), volta atrás e age, impedindo, assim, a superveniência do resultado. Aliás, aqui reside a distinção entre o
arrependimento eficaz e a desistência voluntária, pois enquanto nesta o agente interrompe a fase executória (deixa de agir), naquele, ao
revés, exige-se dele uma nova atividade, agora destinada à não produção do resultado.
Para Hungria, a desistência voluntária consiste sempre numa omissão ou abstenção de atividade; ao passo que o arrependimento
eficaz exige necessariamente uma atuação militante, e só é possível nos crimes materiais, em que o resultado se destaca da ação.
Veja também que a atividade desenvolvida haverá de ser exitosa, sem o que o arrependimento deixará de ser eficaz.
Em que pese algum desacerto doutrinário16, entendemos que os dois institutos possuem a natureza jurídica de causa de exclusão da
adequação típica da tentativa, posição também defendida por Damásio17. Assim, excluída a tipicidade da tentativa, resta ao agente a
punição pelos atos já praticados que constituam delitos autônomos.

Crime impossível.

Art.32. Quando, por ineficácia absoluta do meio empregado ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-
se o crime, nenhuma pena é aplicável.

2.10 CRIME IMPOSSÍVEL

O crime impossível (ou tentativa inidônea) é um instituto aplicável quando a consumação delitiva fica impossibilitada, diante da
absoluta ineficácia do meio empregado ou da total impropriedade do objeto sob o qual recai a ação. “São hipóteses em que a ação
representa atos que, se fossem idôneos os meios ou próprios os objetos, seriam princípio de execução de um crime”18.
Ora, se o meio empregado é absolutamente ineficaz ou o objeto é absolutamente inidôneo, é forçoso reconhecer a inexistência,
sequer, do início da execução típica, daí por que, no crime impossível, exclui-se a própria tipicidade.
Roque de Brito Alves, com a autoridade de sua privilegiada inteligência, conclui: “o que é impossível de ser realizado fica, a priori,
fora de qualquer previsão legal, de qualquer regulação jurídica, para não cairmos no absurdo”19.
No entanto, é mister que a ineficácia do meio seja absoluta e perquirida no caso em concreto, porque configura tentativa punível a
utilização de meio relativamente ineficaz (obs.: se é relativamente ineficaz, também é relativamente eficaz) capaz de pôr em risco, ainda
que mínimo, o bem juridicamente tutelado.
Aliás, sobre esta diferença entre a absoluta e a relativa ineficácia do meio empregado, sabe-se que este é totalmente ineficaz quando
for essencialmente incapaz de produzir o resultado; porém, quando em si mesmo for eficaz e se tornou impróprio pela maneira ou
circunstâncias em que foi empregado, diz-se que a ineficácia é relativa20. Entretanto, como anotado linhas atrás, a ineficácia do meio
deverá ser aferida caso a caso, isso porque, na realidade fática, um meio considerado inapto poderá mostrar-se eficaz à produção do
evento (o açúcar ministrado por erro como veneno que acaba provocando a morte do diabético que o ingeriu, p. ex.).
Quanto à impropriedade do objeto, também haverá de ser absoluta. Paulo José da Costa Jr. observa que a impropriedade será
absoluta quando o objeto for inexistente ou quando se evidencie, pelas circunstâncias de fato, a impossibilidade de consumação do
crime. Aduzindo que “costuma-se distinguir a inexistência efetiva da inexistência meramente eventual ou ocasional do objeto da ação. E
enquanto a primeira daria lugar ao crime impossível, a inexistência eventual ensejaria a tentativa. Oferta-se o exemplo do punguista,
que procura subtrair a carteira alheia. Se realizar o gesto e não conseguir bater a carteira, porque a vítima esqueceu-se dela em casa, a
impropriedade é absoluta. Se, entretanto, não conseguir o agente o êxito esperado por encontrar-se o dinheiro em outro bolso, a
impossibilidade é relativa, configurando-se a tentativa”21.
Outro ponto que merece destaque neste estudo diz respeito à punibilidade do crime impossível, matéria sobre a qual se debruçam
três teorias, a saber:

• Teoria subjetiva → os subjetivistas se prendem ao que chamam de exteriorização inequívoca da vontade criminosa, cuja impressão na
coletividade abala a consciência jurídica e a paz social22. Assim, sustentam que a punição justifica-se mesmo diante da impossibilidade de
produção do resultado típico, pois priorizam o repúdio à manifestação da criminosa intenção.
• Teoria sintomática → critério que já foi adotado pelo legislador penal comum, impõe sanção penal quando o agente demonstra
periculosidade. A teoria, também conhecida como positivística, sobrepõe a periculosidade do agente à real periclitação do bem jurídico
penalmente protegido. Na espécie, o agente não seria sancionado, mas submetido à medida de segurança.
• Teoria objetiva → esta é a teoria acolhida pelo CPM. Parte da premissa de que “a justiça penal não castiga as fantasias ou os desejos, mas os
atos externos, causadores de dano ou de perigo, verdadeiro ou efetivo”23. Assim sendo, como o crime impossível exclui a própria
tipicidade, pois não se apresentam os elementos objetivos da tentativa e o bem jurídico tutelado não corre nenhum perigo, não há que se
falar em punição de qualquer espécie, pois “o que justifica a punibilidade da tentativa é o perigo objetivo que ela representa para o bem
jurídico. E esse perigo só existirá se os meios empregados na tentativa forem adequados à produção do resultado e se o objeto visado
apresentar as condições necessárias para que esse resultado se produza”24.

Art. 33. Diz-se o crime:

Culpabilidade.

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II – culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, a atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava
obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se
realizaria ou que não poderia evitá-lo.

Excepcionalidade do crime culposo.

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o
pratica dolosamente.

2.11 CRIME DOLOSO

Uma das grandes transformações havidas na dogmática penal deve-se à adoção da teoria finalista da ação em contraposição ao dolo
normativo dos clássicos. Estes, os clássicos ou causalistas, proclamavam que o dolo não integrava a conduta, sendo somente requisito
da culpabilidade. Diziam ainda que o dolo era constituído por três elementos: consciência, vontade e consciência da ilicitude (dolus
malus). Assim, defendiam que o dolo “deixa de ser um elemento puramente psicológico (um simples querer), para ser um fenômeno
normativo que exige juízo de valoração (um querer algo errado)”25.
Em 1931, Hans Welzel publica “Causalidade e ação”, chamando a atenção para a constatação natural de que o comportamento
humano invariavelmente desencadeia-se a partir de uma vontade finalisticamente dirigida a um evento desejado. “Essa atividade
finalística é demonstrada pelo fato do homem poder prever as consequências possíveis de uma atividade com vista ao futuro e dirigi-la
segundo um plano tendente a alcançar determinados objetivos”26.
Deste modo, surge o que se convencionou chamar de dolo natural, concebido como um elemento psicológico puro, integrante da
conduta humana e absolutamente desprovido de qualquer carga valorativa, composto unicamente por dois elementos: consciência
(elemento cognitivo) e vontade (elemento volitivo). Assim, “trata-se de um simples querer, independentemente de o objeto da vontade
ser lícito ou ilícito, certo ou errado”27.
Neste instante surge a pergunta: consciência e vontade de que? Para Capez: “a consciência do autor deve referir-se a todos os
componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado e o nexo causal. A
vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de
base à sua decisão em praticá-la. Ressalte-se que o dolo abrange também os meios empregados e as consequências secundárias de sua
atuação”28.
É por isso que se define o dolo como sendo “a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito”29.
Ocorre que as divergências doutrinárias a respeito da colocação do dolo na estrutura analítica do crime redundaram no aparecimento
de várias teorias. São elas:
1.ª) Teoria da vontade: esta foi a teoria que encontrou em Francesco Carrara seu mais festejado articulista. Defende que o dolo é a
vontade direcionada ao resultado, ou seja, o dolo consiste na vontade mais ou menos perfeita de praticar um ato descrito pela lei30.
Assim, dolo é a vontade livre de realizar uma conduta e com ela produzir determinado resultado. Observe que a teoria da vontade foi
acolhida por nosso legislador penal militar, no art. 33, inciso I, 1.ª parte, oportunidade em que trata do dolo direto: “quando o agente
quis o resultado”.
2.ª) Teoria da representação: com a intensa elaboração de Von Liszt e Frank, a teoria da representação considera suficiente à
caracterização do dolo ter o agente previsto (representação subjetiva) o resultado e praticado a conduta, sem que seja necessária a
vontade de produzi-lo (o resultado).
3.ª) Teoria do assentimento: do cotejo entre as teorias da vontade e da representação surge a teoria do assentimento, concluindo que
o dolo é, ao mesmo tempo, vontade e representação. Portanto, há dolo quando o agente tem previsão do resultado e aceita os riscos de
produzi-lo, muito embora não o deseje diretamente. Aqui está o dolo eventual, previsto no art. 33, inciso I, 2.ª parte, do CP: “quando o
agente ... assumiu o risco de produzi-lo”. Segundo Muñoz Conde, “no dolo eventual, o sujeito representa o resultado como de produção
provável e, embora não queira produzi-lo, continua agindo e admitindo sua eventual produção. O sujeito não quer o resultado, mas
conta com ele, admite sua produção, assume o risco, etc.”31.

2.12 ESPÉCIES DE DOLO

Logo acima foi estabelecida a distinção entre o dolo direto e o eventual. O primeiro é o chamado dolo determinado, “a forma mais
intensa dentre as várias modalidades existentes, em que o evento corresponde à previsão e à vontade”32.
Já o dolo eventual é uma das espécies de dolo indeterminado, se fazendo acompanhar do dolo alternativo e do cumulativo. No dolo
alternativo o sujeito deseja indistintamente produzir um ou outro resultado. “Quando a alternatividade do dolo disser respeito ao
resultado, fala-se em alternatividade objetiva; quando a alternatividade se referir à pessoa contra a qual o agente dirige sua conduta, a
alternatividade será subjetiva”33. O dolo cumulativo, por sua vez, verifica-se quando o agente pretende a realização de dois ou mais
resultados, com consciência e vontade de obtê-los distinta e integralmente (estuprar e lesionar, p. ex.).
Também classifica-se o dolo em genérico ou específico. No dolo genérico o agente se dispõe a praticar a conduta descrita na lei sem
nenhuma finalidade específica, além daquela de praticar a conduta e, com ela, produzir o resultado típico (matar, p. ex.). Porém, quando
a conduta serve a uma finalidade determinada, o dolo é específico (na prevaricação, art. 319, p. ex., o funcionário deixar de praticar ato
de ofício para satisfazer interesse ou sentimento pessoal).
Distingue-se, ainda, o dolo de dano do dolo de perigo. Neste o agente deseja somente causar um perigo ao bem jurídico protegido,
enquanto que naquele há vontade e consciência de provocar-lhe uma lesão efetiva.
Por fim, há o dolo geral (dolus generalis) quando o agente, julgando ter consumado o resultado que lhe animava a ação, pratica nova
conduta, com fim diverso, e só então é que acaba produzindo o resultado anteriormente representado e querido. No exemplo de
Hungria: “um indivíduo, depois de haver, occidendi animo, golpeado outro, e supondo erroneamente que este já está sem vida, atira o
presumido cadáver a um rio, vindo a verificar-se, pela autópsia, que a morte ocorreu por afogamento, e não em consequência da lesão
anterior”34. Assim, “se o agente atuou com animus necandi (dolo de matar) ao efetuar os golpes na vítima, deverá responder por
homicídio doloso, mesmo que o resultado morte advenha de um outro modo que não aquele pretendido pelo agente (aberratio causae),
quer dizer, o dolo acompanhará todos os seus atos, até a produção do resultado, respondendo o agente, portanto, por um único
homicídio doloso, independentemente do resultado aberrante”35.

2.13 CRIME CULPOSO

Há uma primeira e grande diferença estrutural entre o crime doloso e o culposo. No primeiro, o comportamento do agente é
finalisticamente dirigido à produção de um resultado típico. Já no delito culposo, a ação desencadeada pelo agente não tem como
objetivo a ocorrência do evento previsto pela norma penal; ao revés, o comportamento se direciona a um fim permitido, porém, devido à
inobservância da cautela a que estava obrigado (dever de cuidado objetivo), o agente proporciona a ocorrência de um resultado típico,
não querido e previsível.
Na mesma linha de raciocínio, Hungria diz: “no crime doloso, o resultado antijurídico é conscientemente querido; no crime culposo,
o resultado antijurídico não é jamais querido, ou não é querido como tal, mas o agente deixa de abster-se da ação (ou omissão) que, se
tivesse procedido com a atenção ou cautela exigível do homo medius, teria reconhecido como conducente ao evento contrário ao
direito”36.
Temos, assim, como elementos do crime culposo:
Conduta finalisticamente dirigida a um resultado permitido. Esse primeiro elemento do crime culposo, nos termos outrora
observados, distingue, desde logo, a culpa (stricto sensu) do dolo, pois no delito culposo a voluntária conduta do agente destina-se à
produção de um resultado que não é ilícito. Assim, por exemplo, consideremos um soldado motorista que utiliza a viatura militar para
conduzir a tropa ao Quartel. Conduzir a tropa, finalidade do agente, é atividade harmônica com o direito. Por isso, se diz que “no crime
culposo o que importa não é o fim do agente (que é normalmente lícito), mas o modo e a forma imprópria com que atua. Os tipos
culposos proíbem, assim, condutas em decorrência da forma de atuar do agente para um fim proposto e não pelo fim em si”37.
Ademais, a convivência em sociedade exige que os indivíduos pautem suas condutas com as cautelas necessárias à preservação dos
bens jurídicos de seus semelhantes. Portanto, o segundo elemento do crime culposo é a inobservância do dever de cuidado objetivo. O
dever objetivo de cuidado consiste “em preocupar-se o agente com as possíveis consequências perigosas de sua conduta (perigo para os
bens jurídicos protegidos) – facilmente reveladas pela experiência da vida cotidiana – tê-las sempre presentes na consciência, e orientar-
se no sentido de evitar tais consequências, abstendo-se de realizar o comportamento que possa ser causa do efeito lesivo, ou somente
realizá-lo sob especiais e suficientes condições de segurança”38.
Porém, não basta que a conduta tenha violado os preceitos de cuidado exigíveis. É mister que haja a produção de um resultado
típico, não querido e previsível. Com efeito, se o motorista imprime em seu veículo velocidade acima da permitida em determinado
trecho rodoviário (violação do dever de cuidado) sem causar, todavia, nenhum acidente, não comete qualquer delito. Entrementes,
vindo a atropelar um pedestre, lesionando-o (resultado típico), o evento passa a ter repercussão na ótica penal. Observe que também é
indispensável que haja previsibilidade, pois “só se pode evitar o que seja previsível”39. Diga-se, un passant, que a natureza da
previsibilidade já foi palco de intensa querela doutrinária. Uns defendiam que, para se caracterizar o delito culposo, a previsibilidade
deveria ser subjetiva40, isto é, do agente; outros consideravam suficiente a previsibilidade objetiva41 (previsibilidade comum dos
membros da sociedade). Atualmente, sabe-se que “enquanto a chamada previsibilidade objetiva constitui a tipicidade e antijuridicidade
da ação, a chamada previsibilidade subjetiva constitui elemento da reprovabilidade da ação típica e antijurídica”42, isto é, para que o
fato seja considerado como delituoso por culpa, basta a previsibilidade objetiva; no entanto, como pressuposto da pena, no juízo da
culpabilidade, interfere a previsibilidade subjetiva, chegando, inclusive, a distinguir a culpa consciente da inconsciente, conforme
veremos mais à frente. De qualquer forma, sendo imprevisível o resultado, o fato sequer chega a ser criminoso, não passando de uma
ocorrência atribuível ao caso fortuito ou à força maior.

2.14 FORMAS DE VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDADO

De acordo com o art. 33, inciso II, do CPM, o crime é culposo quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou
diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou,
prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo. Esta falta de zelo, consistente na inobservância da
cautela, atenção ou diligência (ordinária ou especial), consubstancia a violação do dever de cuidado, que pode ser materializada de três
formas distintas: imprudência, imperícia e negligência.
A imprudência, conhecida pelos clássicos como imprevisão ativa (culpa in committendo), consiste na prática de um “ato perigoso
sem os cuidados que o caso requer”43. É imprudente quem age sem as precauções necessárias, quem atua com precipitação, insensatez,
intempestividade ou imoderação, deixando de empregar as cautelas indicadas pela experiência como capazes de prevenir resultados
lesivos44.
Negligência é a imprevisão passiva (culpa in ommittendo), é o atuar negativo, a falta displicente de observância dos deveres
exigidos pelas circunstâncias45. Na lição de Teles, “negligência é a ausência de precaução, a omissão, a não realização de um
movimento que deveria ter sido colocado em marcha, que a prudência mandava fazer e o agente não fez”46.
Por sua vez, a imperícia consiste na falta de aptidão técnica para o exercício de uma tarefa, em face do que se diz que a imperícia “é
uma imprudência qualificada47”. Observe que se o agente não possui nenhuma habilitação para o desempenho da profissão, arte ou
ofício, seu comportamento é imprudente e não imperito, pois avançou, foi além de onde realmente poderia ir. Portanto, a imperícia
pressupõe sempre a qualidade de habilitação legal para a atividade a que se propõe o agente.
A imperícia é fundamentalmente uma forma de culpa profissional. “Verifica-se na acção ou omissão praticadas com deficiente
aplicação das regras técnicas e conhecimentos exigíveis na profissão ou mester; são regras de experiência, em domínio especializado,
que o agente tem ou deve ter para agir em conformidade, evitando o mal do crime. O desrespeito de tais regras, a desatenção à sua
observância na actividade que empreende, torna deficiente, reprovável a sua vontade, ainda que não dirigida directamente à prática do
crime”48.
Em resumo: “Só há culpa onde há imprudência, negligência ou imperícia. Trata-se, como diz Vannini, de sutis distinções nominais
de uma situação culposa substancialmente idêntica, isto é, omissão, insuficiência, inaptidão grosseira no avaliar as consequências
lesivas do próprio ato. Tanto na imprudência quanto na negligência, há inobservância das cautelas aconselhadas pela experiência
comum em relação à prática de certos atos ou emprego de certas coisas; mas, enquanto a imprudência tem caráter militante ou
comissivo, a negligência é o desleixo, a inação, a torpidez. Uma é imprevisão ativa (culpa in committendo), outra é imprevisão passiva
(culpa in omittendo). A imperícia, de seu lado, não é mais do que uma forma especial de imprudência ou negligência: é a inobservância,
por despreparo prático ou insuficiência de conhecimentos técnicos, das cautelas específicas no exercício de uma arte, ofício ou
profissão”49.

2.15 ESPÉCIES DE CULPA

A doutrina costuma distinguir a culpa em inconsciente e consciente. A primeira, também denominada de culpa ex ignorantia, é a
forma clássica do crime culposo, em que o resultado, embora objetivamente previsível, não foi previsto pelo agente. Já a culpa
consciente (culpa com previsão) ocorre quando o agente tem a representação do resultado objetivamente previsível, mas acredita,
sincera e levianamente, em sua não ocorrência ou, ainda, que impedirá o evento.
Para Cernicchiaro, “a intensidade da reprovabilidade é maior ocorrendo culpa consciente do que caracterizada culpa inconsciente,
que se compõe com a simples previsibilidade do resultado”50. Em sentido diametralmente oposto, Köhler, citado por Hungria, entende
que “mais culpado é aquele que não cuidou de olhar o caminho diante de si, em cotejo com aquele que teve esse cuidado, mas
credulamente se persuadiu de que o obstáculo se afastaria a tempo”51.
A culpa consciente tende a aproximar-se do dolo eventual. Porém, como sabemos, no dolo eventual o agente assume o risco de
produzir um resultado anteriormente representado. Já na culpa consciente, o agente não deseja ou sequer assume o risco de produzir o
resultado, isto porque acredita (levianamente) que o evento não ocorrerá ou que poderá evitá-lo. É exatamente nesta crença errônea que
está a reprovabilidade da culpa consciente, ou seja, exigia-se do indivíduo maior cautela na aferição da possibilidade ou impossibilidade
do evento.
Fala-se, também, em culpa imprópria, verificável quando o agente pratica um fato típico, imaginando, por erro evitável (portanto,
inescusável), estar protegido por uma circunstância excludente da antijuridicidade. Para Capez, “a ação em si é dolosa, mas o agente
incorre em erro de tipo essencial (pensa estarem presentes elementares do tipo permissivo da legítima defesa), o que exclui o dolo de
sua conduta, subsistindo a culpa, em face da evitabilidade do erro. Como se percebe, há um elemento subjetivo híbrido, uma figura
mista, que não chega a ser dolo, nem propriamente culpa”52.
Uma última espécie de culpa, chamada de presumida, consiste na imputação culposa simplesmente pela desobediência ou não
observância de algum preceito regulamentar. Embora já proscrita da legislação penal comum desde a codificação de 1940, para alguns
estudiosos há resquícios dela no art. 324 do CPM (Inobservância de lei, regulamento ou instrução). Todavia, neste caso específico, não
é suficiente para caracterizar a incriminação a simples inobservância do preceito normativo (não se pune a desobediência em si), é
preciso também que, em decorrência da falta, se dê a prática de conduta lesiva aos interesses administrativos para, aí sim, aperfeiçoar-se
o tipo penal em apreço.

2.16 GRAUS DE CULPA

A gradação da culpa não afeta a configuração do delito culposo. Entretanto, influencia a aplicação da pena em concreto53,
principalmente na primeira fase da dosimetria penal (circunstâncias judiciais – art. 69 do CPM).
Assim, divide-se a culpa em grave (falta de atenção elementar), leve (falta da atenção mediana) e levíssima (falta da atenção
excepcional ou extraordinária).
Há o entendimento consolidado de que, por imperativos de justiça e política criminal, a culpa levíssima não pode ser imputável,
porque, na omissão de uma excepcional diligência, não se verifica o elemento da força moral objetiva do delito, não podendo os
cidadãos intimidar-se pelo fato de alguém não usar as precauções que em seu meio geralmente não se empregam54. “Como a lei humana
não pode levar suas exigências ao ponto de impor aos cidadãos coisas insólitas e extraordinárias, assim é fora de dúvida que a culpa
levíssima não é imputável por princípio de justiça”55.
2.17 EXCEPCIONALIDADE DO CRIME CULPOSO

O parágrafo único deste art. 33 consagra a regra da excepcionalidade do crime culposo. Trata-se de uma ingerência de política
criminal que autoriza a incriminação do delito culposo somente quando o comportamento for assaz perigoso à incolumidade social ou
quando o bem jurídico “violado/ameaçado” for merecedor de especial tutela pelo Estado. No crime culposo, “a repressão deve limitar-
se, como até agora, tendo por base o critério da absoluta necessidade”56.
É por isto que, “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente”.

Agravação pelo resultado.

Art.34. Pelos resultados que agravam especialmente as penas, só responde o agente quando os houver causado, pelo menos,
culposamente.

2.18 AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO

O art. 34 do CPM destaca uma regra muito importante, nullum crimen sine culpa. Aliás, ela exterioriza uma reação à opinião
daqueles que defendiam a responsabilidade objetiva do agente quando o resultado efetivamente produzido por sua conduta fosse mais
grave do que o inicialmente pretendido (versare in re ilícita: “quem se envolve em coisa ilícita é responsável também pelo resultado
fortuito”), ao que Cavaleiro batizou de divergência entre o crime projetado e o crime cometido57.
Ora, já é de conhecimento que o tipo penal descreve uma conduta e o respectivo resultado, servindo-se de elementos objetivos,
subjetivos e normativos, sendo que estes, em sua totalidade, devem estar compreendidos no dolo do agente.
Ocorre que, ao lado das descrições básicas, há uma série de previsões legais destinadas a incrementar a resposta-sanção do Estado.
Estes resultados agregados ao tipo simples podem ser produzidos por dolo, culpa ou somente pela causalidade física.
Quando o resultado mais grave é produzido por dolo, não restam dúvidas: o agente quis ou assumiu o risco de produzi-lo e,
portanto, responderá por este resultado.
Já nas ocasiões em que o evento de maior prejudicialidade for causado por culpa, estamos diante de um delito no qual o resultado foi
além do dolo, além da intenção (preterdoloso ou preterintencional). O delito preterdoloso é um crime misto, em que há uma conduta
inicialmente dolosa, por dirigir-se a um fim típico (desejado), adjetivada pela produção culposa de outro resultado que não era objeto do
crime fundamental. Há, como se tem afirmado em doutrina: dolo no antecedente e culpa no consequente58. Mas, de qualquer sorte,
mantém-se a responsabilidade penal do agente (vide, por exemplo, a lesão corporal seguida de morte, no art. 209, § 3.°, parte final).
Na última hipótese, verificação do resultado mais grave por mera obra da causalidade, sem a presença de dolo ou culpa, o evento
gravior não repercute na órbita penal, já que, “pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o autor que o houver
causado ao menos culposamente”.
Em síntese, o resultado mais grave não pode ser penalmente atribuído ao agente sem que este tenha agido com dolo ou, ao menos,
com culpa.

Erro de direito.

Art.35. A pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em se tratando de crime que
atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusáveis.

2.19 ERRO DE DIREITO

O tratamento que o CPM reserva ao erro em matéria criminal é bem diverso do previsto na lei penal comum, que, desde a reforma
da Parte Geral em 1984, passou a adotar uma nova classificação (erro de proibição e erro de tipo) bem mais alvissareira e patrocinadora
da justiça.
Assim, permanecemos aqui com as fórmulas clássicas de erro de direito e erro de fato.
Inicialmente, cumpre lembrar que o erro é uma falsa percepção da realidade, quer dos fenômenos físicos propriamente ditos (erro de
fato), quer do conhecimento ou da interpretação da lei (erro de proibição).
Todavia, “ao direito não interessam a ignorância e o erro em seu estado puro, como meras situações cognoscitivas, mas como
estados intelectivos que se refletem na vontade da ação”59.
É o que ocorre, por exemplo, quando o agente acredita que sua conduta é lícita, por desconhecer a lei ou equivocar-se em sua
interpretação. Note que o desconhecimento da lei não exime o agente da responsabilidade penal (error juris nocet). Aliás, Hungria já
dizia que “tanto faz a ausência total do conhecimento (ignorância) quanto o desconhecimento desconforme a realidade (erro). Não há
porque distinguir, para diverso tratamento jurídico, entre o nenhum e o falso conhecimento da lei, entre a ignorantia legis e o error
juris, entre o não conhecer e o conhecer mal a norma legal”60.
Porém, não é qualquer falta de conhecimento da lei ou erro em sua interpretação que aproveita ao agente. O equívoco, segundo a lei
penal militar, há de ser escusável61, e é exatamente neste ponto que reside o maior rigor desta antiga opção legislativa, senão vejamos:
erro escusável é aquele reconhecidamente inevitável (invencível). Por sua vez, se diz inevitável o erro quando o agente não poderia
superá-lo mesmo empregando a atenção ou a cautela que lhe eram exigidas. Portanto, a consequência mais justa e coerente nas
hipóteses de erro invencível (escusável) é a total isenção da pena, uma vez que seu pressuposto lógico e fundamental (a culpabilidade)
fica privado de um de seus elementos constitutivos (o potencial conhecimento da ilicitude do fato).
Contudo, o CPM, mantendo a tradição romanística, prevê apenas o abrandamento da sanção penal, seja pela atenuação propriamente
dita ou pela substituição da pena inicialmente prevista por outra menos grave.
Também merece reflexão a exceção feita pelo legislador penal militar neste art. 35. A não ser que se pretenda institucionalizar a
responsabilidade objetiva no Direito Penal Militar, a ressalva contida no artigo – de que o erro de direito não pode beneficiar o agente
nos casos de crimes contra o dever militar – fere a elementar consciência da imperfeição humana, além de criar uma artificialidade
injustificável: por que razão o benefício não alcança os militares que se equivocam diante da lei em situações atinentes aos seus deveres,
quando lhes é reconhecido nos crimes contra a vida (bem jurídico excelso), por exemplo?!
Por outro lado, a atenuação não se constitui em um simples favor rei do Estado; ao contrário, reveste-se de suma importância na
estrutura analítica da culpabilidade, em razão do que não deveria comportar exceções.

Erro de fato.

Art.36. É isento de pena quem, ao praticar o crime, supõe, por erro plenamente escusável, a inexistência de circunstância de
fato que o constitui ou a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima.

Erro culposo.

§ 1.° Se o erro deriva de culpa, a esse título responde o agente, se o fato é punível como crime culposo.

Erro provocado.

§ 2.° Se o erro é provocado por terceiro, responderá este pelo crime, a título de dolo ou culpa, conforme o caso.

2.20 ERRO DE FATO

Tendo em vista que no artigo precedente (art. 35, erro de direito) o legislador apenas condescende em atribuir ao erro de direito,
quando escusável, influência atenuadora da pena62, o art. 36, que trata do erro de fato, passa a ser a primeira causa legal de exclusão da
culpabilidade prevista no CPM. Atente ao enunciado da norma: “É isento de pena...”.
Diz-se que a conduta é viciada pelo error facti quando o agente acredita não existir uma circunstância de fato que tornaria a ação
criminosa63 ou, por outro lado, a existência de uma situação fática permissiva (situação que tornaria a ação legítima: descriminantes
putativas, por exemplo).
O erro de fato “cria representações ou motivos que determinam uma conduta diversa da que o agente teria seguido, se tivesse
conhecido a realidade”64, daí a razão de interferir na culpabilidade, diante da mácula que acarreta na representação psicológica do
agente.
Porém, para excluir a culpabilidade, o erro há de ser invencível (plenamente escusável, na dicção da norma), e aqui “andou melhor”
o legislador penal militar, quando previu no § 1.° que, em sendo o erro culposo (evitável), o fato é punível a título de culpa. Assim, no
erro de fato podemos erigir a seguinte regra: quando o erro é invencível (escusável), exclui o dolo e a culpa; quando, por sua vez, o erro
for vencível (inescusável ou “culposo”), exclui somente o dolo, remanescendo a culpa (art. 36, § 1.°).
Por derradeiro, a lei trata do erro provocado por terceiro (art. 36, § 2.°). Esta provocação pode ser dolosa (ou preordenada) ou
culposa, respondendo o agente provocador pelo resultado a título de dolo ou culpa, respectivamente; o agente imediato, salvo quando
procede com leviana credibilidade65, é isento de pena66.

Erro sobre a pessoa.

Art.37. Quando o agente, por erro de percepção ou no uso dos meios de execução, ou outro acidente, atinge uma pessoa em
vez de outra, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela que realmente pretendia atingir. Devem ter-se em
conta não as condições ou qualidades da vítima, mas as da outra pessoa, para a configuração, qualificação ou exclusão do
crime, e agravação ou atenuação da pena.

Erro quanto ao bem jurídico.


§ 1.° Se, por erro ou outro acidente na execução, é atingido bem jurídico diverso do visado pelo agente, responde este por
culpa, se o fato é previsto como crime culposo.

Duplicidade do resultado.

§ 2.° Se, no caso do artigo, é também atingida a pessoa visada, ou, no caso do parágrafo anterior, ocorre ainda o resultado
pretendido, aplica-se a regra do art. 79.

2.21 ERRO SOBRE A PESSOA (ERROR IN PERSONAE E ABERRATIO ICTUS)

Nos artigos precedentes o Código Penal Militar tratou dos erros essenciais, isto é, aqueles que recaem sobre elementos ou
circunstâncias do tipo penal militar, sem os quais o deito deixaria de existir.
Todavia, pode ocorrer de o agente errar sobre circunstâncias acessórias ou mesmo estranhas ao modelo legal, não impedindo,
portanto, a adequação típica, a exemplo do que ocorre na aberratio ictus, no error in personae e na aberratio criminis.
Na primeira modalidade, aberratio ictus (desvio de golpe), o agente erra na execução ou ocorre um imprevisto e, em razão disto,
acaba atingindo pessoa diversa daquela para a qual estava dirigida sua ação criminosa. Para o jurista e filólogo Vicente Saraiva, “o
golpe, desviado por inabilidade do agente ou por acidente (falha da arma, movimento da vítima, interferência de terceiro etc.) deve
sempre atingir uma pessoa, embora outra que não aquela contra a qual se dirigia propriamente a intenção lesiva do agente”67.
Já no error in personae, novamente outra pessoa é atingida – senão aquela destinatária inicial do fato –, mas o erro ocorre na
representação, isto é, o agente toma um indivíduo por outro.
Nas duas hipóteses, porém, a consequência é a mesma: o erro é tido por irrelevante e o agente responde como se tivesse atingido a
pessoa visada, isto é, “devem ser levadas em conta, pró ou contra o réu, não as condições ou qualidades da pessoa atingida, mas as da
pessoa contra a qual o réu supunha ou pretendia dirigir a ação”68.
Assim, v.g., se um soldado sentinela resolve praticar violência contra o tenente oficial de dia e por erro acidental, quer na execução
(erra os tiros, p. ex.), quer na representação (toma um oficial por outro de aparência semelhante, p. ex.), atinge e mata outro tenente que
sequer estava de serviço, não há qualquer embaraço, continua a responder pelo crime previsto no art. 158, § 3.º, do CPM (Violência
qualificada contra militar de serviço).
A aberratio criminis, por sua vez, se dá quando o agente erra objetivamente na execução do crime, ou ocorre um acidente qualquer
na fase executória, fazendo com que seja atingido bem jurídico diverso do pretendido69. Na hipótese, o agente responde por este
resultado (diverso do pretendido) por culpa, desde que haja, por óbvio, previsão legal.
Em qualquer das situações estudadas (aberratio ictus, error in personae e aberratio criminis), pode acontecer uma duplicidade de
resultados, isto é, ser atingida a pessoa contra a qual era dirigida a ação (nas duas primeiras hipóteses) ou o bem jurídico visado (na
aberratio criminis), além da pessoa ou do bem jurídico que foram alcançados pelo erro. Atento a isto, o CPM impõe (art. 37, § 2.°) a
aplicação do art. 79, que determina a unificação das penas no concurso de crimes70.

Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:

Coação irresistível.

a) Sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade.

Obediência hierárquica.

b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços.

§ 1.° Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem.

§ 2.° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma de
execução, é punível também o inferior.

2.22 COAÇÃO IRRESISTÍVEL

De acordo com o nosso entendimento, a culpabilidade não integra o conceito analítico de crime. Enquanto o crime traduz uma
desarmonia entre a conduta e o Direito, a culpabilidade “não se esgota nessa relação de desconformidade entre a ação e a ordem
jurídica, mas, ao contrário, a reprovação pessoal contra o agente do fato (culpabilidade) fundamenta-se na não omissão da ação
contrária ao Direito ainda e quando podia havê-lo feito”71.
Destarte, a culpabilidade é formada por três componentes: a imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude do fato e a
exigibilidade de conduta diversa.
Já foi objeto de nosso estudo a exclusão da culpabilidade e, em consequência, a isenção de pena, nas hipóteses de erro de fato (art.
36). Agora, surgem novas possibilidades de interferência no pressuposto da pena, são elas a coação irresistível e a obediência
hierárquica.
Coação, na definição de Palotti Júnior, “é o emprego de força física ou de grave ameaça contra alguma pessoa para obrigá-la a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa. A coação, portanto, pode ser física (chamada de vis absoluta ou vis corporalis) ou moral (chamada de
vis compulsiva)”72.
Todavia, o CPM não as distingue e prevê consequências idênticas (isenção de pena) a situações absolutamente diversas, tratamento
que merece ser corrigido na aplicação do Direito, senão vejamos: “na coação física irresistível (vis absoluta), o coagido deixa de ser
agente, para ser exclusivamente paciente. Não se pode falar, aqui, nem mesmo em ação (ou omissão) por parte do coagido, pois sua
faculdade de agir (ou não agir) é inteiramente tolhida, não passando de um títere à mercê do coator. A solução do caso fica na órbita da
causalidade, não atingindo a da culpabilidade. Assim, somente a coação moral (irresistível) entra, propriamente, no quadro das causas
de inculpabilidade”73.
Com razão há de se fazer tal emenda à letra da lei. Imagine a seguinte hipótese: um soldado bastante forte segura com vigor as mãos
de um colega magérrimo e com elas quebra um monitor de computador. Ao soldado que sofre a violência física sequer se pode imputar
a prática de uma conduta, em razão do que deve ser excluída a própria tipicidade (lembre-se: o fato típico é composto pela conduta,
nexo causal e resultado. Excluindo-se a conduta do coacto, portanto, exclui-se a própria tipicidade).
Já na coação moral não, nela há um constrangimento, uma violência moral, de tal sorte intimidativa, que estorva a capacidade do
agente de agir segundo a sua própria vontade. Aqui, permanece a configuração do fenômeno crime, contudo não há esteio suficiente
para aplicar-se a sanção penal (a culpabilidade é excluída).
Indispensável, contudo, é que a coação moral seja irresistível. Trata-se daquela insuperável, imponível, isto é, uma força à qual o
coacto não pode se subtrair, mas unicamente sucumbir, ante o “decreto do inexorável”74.
Observe que, desta forma, a irresistibilidade da coação deve ser aferida a partir do que se espera do médio dos homens. Não se quer
a comparação com heróis de renomada, nem tão pouco com os pusilânimes, covardes ou poltrões. Também deve ser considerada “a
gravidade do mal ameaçado. Essa gravidade deve relacionar-se com a natureza do mal e, evidentemente, com o poder do coator em
produzi-lo. Na verdade, não pode ser algo que independa da vontade do coator, alguma coisa que dependa de um fator aleatório, fora da
disponibilidade daquele. Somente o mal efetivamente grave e iminente tem o condão de caracterizar a coação irresistível”75. Nesta
hipótese, o coacto não sofre qualquer juízo de censura, considerando-se punível somente o autor da coação, ao que se chama de autoria
mediata (art. 38, § 1.°).
Todavia, se o coacto puder resistir à violência moral e não o faz, de certo que lhe resta algo de exigibilidade de conduta diversa,
sujeitando-o, assim, à aplicação de pena; porém, entendemos que a sanção deverá ser atenuada, por aplicação subsidiária do Código
Penal Comum (art. 65, III, c, 1.ª parte), diante da omissão do legislador penal militar.
Surpreendentemente há uma disposição no CPM que impede a exclusão da culpabilidade quando o agente estiver submetido à
coação moral irresistível (art. 40) e tratar-se de crime em que haja violação do dever militar. Mais uma vez o legislador penal militar
confunde técnica legislativa com idealismo. Em sendo a coação irresistível, não deve haver nenhuma exceção à regra de isenção de
pena! Os militares, apesar dos severos compromissos que assumem perante o Pavilhão auriverde, não transcendem à condição de super-
humanidade. E não confunda uma coação intransponível da vontade com medo76, em que há, ainda, capacidade de decidir, optar e agir.

2.23 OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA

A obediência hierárquica é mais uma causa excludente da culpabilidade por ab-rogação da exigibilidade de conduta diversa, isso
porque, em situações desse jaez, ao agente nada mais resta do que cumprir o que lhe fora determinado por seu superior. Novamente
ocorre o fenômeno da autoria mediata. Portanto, será o autor da ordem a pessoa a ser responsabilizada penalmente.
Contudo, para que se caracterize a obediência hierárquica, é necessário que se aperfeiçoem algumas exigências77, a saber:
1.ª) que haja relação de direito hierárquica entre o autor da ordem (superior) e o subordinado;
2.ª) que a ordem não seja manifestamente ilegal, isto é, o subordinado só está isento de pena se a ordem emanada não for
flagrantemente contrária ao direito (art. 38, § 2.°, 1.ª parte, do CPM);
3.ª) que a ordem preencha os requisitos formais e refira-se à matéria de serviço;
4.ª) que a ordem seja diretamente emanada de autoridade competente;
5.ª) que o subordinado não exceda aos limites da ordem que lhe foi dada: a lei fala em estrita obediência. Assim, pelo excesso na
execução da ordem, responde o subordinado (art. 38, § 2.°, 2.ª parte, do CPM).
Bitencourt argumenta que, em razão do crime de Recusa de obediência (art. 163 do CPM), os militares não podem discutir as ordens
recebidas de seus superiores hierárquicos, restando-lhes arguir a exclusão da culpabilidade por meio da coação irresistível e não da
obediência hierárquica. Diz o mestre que “o subalterno militar não é culpado, qualquer que seja a sua convicção sobre a ilegalidade da
ordem (...) No entanto, a culpabilidade do militar pode ser excluída pela coação irresistível78”.
Não me parece que assim seja. O crime previsto no art. 163 há de versar sobre ordem lícita, tanto é verdade que refere-se a ordem de
superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução. Nos casos de ordem
manifestamente ilegal, jamais haveria adequação típica.
Por outro lado, por claro defeito da lei, esqueceu-se que os civis também cometem crimes militares, sendo que o art. 38, “b”, trata
somente dos militares (ordem direta de superior hierárquico). Portanto, se for da forma pretendida pelo eminente professor, o
dispositivo estaria totalmente anulado, sem aplicação nenhuma.
É claro que um servidor civil das Forças Armadas que cometa um crime militar, por exemplo, pode invocar a obediência
hierárquica em seu esforço defensivo. Para isso lhe aproveita o art. 22 do Código Penal Comum, apto a suprir a lacuna da lei militar.

Estado de necessidade, como excludente de culpabilidade.

Art.39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem esteja ligado por estreitas relações
de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito
alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.

2.24 ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE

“Estado de necessidade é uma situação de perigo atual a interesses protegidos pelo direito, em que o agente, para salvar um bem
próprio ou de terceiro, não tem outro meio senão o de lesar o interesse de outrem”79.
Na opinião de Bettiol, “se há um ponto de atrito entre o direito penal e a moral, este é fornecido precisamente pelo estado de
necessidade”80. Todavia, a lei não poderia “virar as costas” ao natural instinto de conservação dos homens, em razão do que admite
excepcionalmente o sacrifício de interesse alheio, muito embora tal opção pareça atentar contra os preceitos morais e éticos.
Também é preciso considerar que ao Estado incumbe a defesa dos interesses individuais e coletivos, sendo certo que ele não poderia
estar presente em toda e qualquer situação de risco atual aos interesses protegidos, especialmente quando estes entram em “rota de
colisão”. Daí por que ao particular é lícito agir em circunstâncias extravagantes. Isto não significa, porém, ausência do direito. Ao
contrário, “o direito continua presente, apenas acomoda-se dentro dos limites das possibilidades humanas para manter-se eficaz”81.
Contudo, é indiscutível que no estado de necessidade, diante do conflito direto entre dois bens jurídicos (o ameaçado e o que será
sacrificado), é preciso que se faça uma ponderação entre os interesses antagônicos. Se o bem sacrificado for menos importante que o
bem protegido, a solução é a exclusão da ilicitude. Contudo, se o bem sacrificado for de igual ou maior importância que o bem
protegido, exclui-se a culpabilidade. Tal teoria, denominada de diferenciadora, surgiu da doutrina e dos pretórios alemães, ambos
influenciados pelas ideias jusnaturalistas. Assim, de acordo com a teoria em apreço, há duas espécies de estado de necessidade: o
justificante e o exculpante.
Este é o critério abraçado pelo CPM. Neste art. 39 está previsto o estado de necessidade excludente da culpabilidade (exculpante) e
no art. 43, o que exclui a antijuridicidade (estado de necessidade justificante), opção diferente daquela feita pelo legislador penal
comum (teoria unitária ou monista), em que há somente a previsão do estado de necessidade como excludente da ilicitude (art. 23 do
CP).
São requisitos do estado de necessidade exculpante:
1) existência de um perigo certo e atual a direito próprio ou de terceiro a quem o agente esteja ligado por estreita relação de
parentesco ou afeição → no texto da lei está consignado que o perigo característico do estado de necessidade deve ser atual, excluído,
portanto, o iminente. Vale destacar que perigo não se confunde com dano e a indispensável atualidade do perigo engloba, inclusive, a
iminência de um dano82: onde há perigo, há, ao menos, probabilidade de dano. Por isso, a probabilidade de um dano em face da
atualidade de uma situação de perigo autoriza a invocação do estado de necessidade. De qualquer sorte, o perigo deve ser certo,
determinado e há de colocar em risco um bem jurídico do próprio agente ou de uma terceira pessoa com a qual ele mantenha sólida
ligação (de parentesco ou de afeição).
2) inevitabilidade do perigo → outro requisito do estado de necessidade reside na inevitabilidade do perigo, isto é, o comportamento
necessitado só é permitido quando ao agente não restar nenhuma outra escolha ou possibilidade de ação (nem podia de outro modo
evitar). Para o mestre lusitano Manuel Cavaleiro, “o sacrifício de interesses legítimos só é consentido ou autorizado por lei quando
outra solução não for viável”83.
3) o perigo não pode ter sido voluntariamente provocado pelo agente → a lei trata de um perigo que o agente não provocou por sua
vontade. Assim, resta uma dúvida: esta provocação é somente a dolosa ou engloba também a culposa? Em resposta ao questionamento,
a doutrina divide-se. Damásio, Basileu Garcia, Aníbal Bruno, Costa e Silva, Fernando Capez, entre outros, defendem que a provocação
de uma situação de perigo por culpa não impede o estado de necessidade. No extremo oposto, Hungria, Magalhães Noronha, Francisco
de Assis Toledo, José Frederico Marques, ombreados por mais alguns, entre os quais me incluo, sustentam que a provocação culposa de
um perigo parte da violação de um dever de cuidado a que o agente estava obrigado, circunstância esta que não poderia servir-lhe para
ser ungido com a permissão legal de atacar interesses juridicamente protegidos.
4) não razoabilidade de sacrifício do interesse sob perigo → eis mais uma característica do estado de necessidade: só poderá ser
reconhecido nas situações em que não se podia esperar ou exigir do agente o sacrifício do interesse próprio ou de terceiro submetido à
situação de perigo atual. De acordo com Hungria, no caso prático, “o juiz deve colocar-se, hipoteticamente, na situação em que se
encontrou o agente e, apreciando em conjunto as circunstâncias, decidir como teria procedido, em idênticas condições, um homem de
tipo médio. O seu cálculo deve ser desprovido de qualquer formalismo e dispensar uma precisão matemática”84.
5) conhecimento da situação justificante → a ação do estado de necessidade deve ser objetivamente necessária e subjetivamente
conduzida pela vontade de salvamento85. Desse modo, é indispensável que tenha consciência do perigo incidente sobre determinado
interesse e, em consequência, que haja com vontade de conjurá-lo. “Essa vontade virtuosa representa o batismo jurídico da purificação
da conduta praticada em estado de necessidade”86.
Uma última anotação sobre o estado de necessidade: a conduta do justificante pode recair sobre interesse daquele que provocou o
perigo ou, em hipótese diversa, acabar atingindo interesse jurídico de terceira pessoa. Assim, se diz que o estado de necessidade pode
ser defensivo ou agressivo, respectivamente.

Coação física ou material.

Art.40. Nos crimes em que há violação do dever militar, o agente não pode invocar coação irresistível senão quando física ou
material.

2.25 IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR A COAÇÃO MORAL NOS CRIMES CONTRA O DEVER MILITAR

Certas artificialidades da lei chegam, até, a soar mal. Esta, em nosso sentir, é uma delas, senão vejamos: como pode a norma de
direito reconhecer como irresistível uma coação para logo em seguida negar-lhe sua consequência lógica (exclusão da pena), apenas
porque no crime houve violação do dever militar?
Existem objetividades jurídicas bem mais importantes e não ressalvadas, isso porque a coação irresistível não é uma faculdade que a
lei ao juiz configura, outrossim, uma situação real de descompasso entre a verdadeira vontade e consciência do autor e o fato praticado a
fórceps. Portanto, é justo que se lhe retire a culpabilidade, independente da classificação do crime.
Zaffaroni & Pierangeli advertem que “é completamente arbitrário pretender separar o desvalor da conduta do desvalor do resultado,
como também a pretensão de separar o desvalor da objetividade da conduta do de sua objetividade”87.
Ademais, o CPM não informa quais são os crimes em que há violação do dever militar. Dizer que são os crimes previstos no Título
II do Livro I da Parte Especial (Dos Crimes contra o Serviço Militar e o Dever Militar) nos parece solução simples demais, pois em
vários delitos anunciados, por exemplo, entre os arts. 298 a 334 do CPM, há nítida ofensa às obrigações militares.
Por outro lado, a norma questionada admite que se aplique a exclusão da culpabilidade, mesmo nos crimes contra o dever funcional,
nas hipóteses de coação física. Mas por que considerar a violência moral como algo menos grave do que a física?

Atenuação de pena.

Art.41. Nos casos do art. 38, letras a e b, se era possível resistir à coação, ou se a ordem não era manifestamente ilegal; ou, no
caso do art. 39, se era razoavelmente exigível o sacrifício do direito ameaçado, o juiz, tendo em vista as condições pessoais do
réu, pode atenuar a pena.

2.26 ATENUAÇÃO DA PENA NOS CASOS DA COAÇÃO RESISTÍVEL, OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA E


ESTADO DE NECESSIDADE

Há pouco analisamos três causas de exclusão da culpabilidade alicerçadas na inexigibilidade de conduta diversa (coação moral
irresistível, obediência hierárquica e estado de necessidade exculpante).
Porém, existem situações em que ocorre apenas um estorvo parcial nesta capacidade de agir de acordo com o exigível pelo Direito,
isto é, a coação, a obediência ou o estado de necessidade não chegam ao ponto de excluir a culpabilidade, somente de atenuá-la.
Portanto, quando é possível resistir à coação moral, quando a ordem não é manifestamente ilegal, ou quando a situação de fato torna
razoável o sacrifício do direito ameaçado, o juiz pode atenuar a sanção penal, atento, é lógico, às condições pessoais do agente.
Justifica-se a providência pela constatação óbvia de que, nessas hipóteses, há uma diminuição no grau de censura, o agente não goza
de total liberdade de escolha ou comportamento. Se não lhe falta culpabilidade, também não a tem por inteiro! Daí a atenuação da pena.

Exclusão do crime.

Art.42. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal;

IV – em exercício regular de direito.


Parágrafo único. Não há igualmente crime quando o comandante do navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de
perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para
salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque.

2.27 EXCLUDENTES DA ANTIJURIDICIDADE

O traço característico e essencial da conduta criminosa é sua relação de contrariedade com o ordenamento jurídico, ao que se
denomina antijuridicidade ou ilicitude. Portanto, parte-se da premissa de que a prática de um fato típico sugere a ilicitude. “A tipicidade
está para a ilicitude assim como a fumaça está para o fogo”88. Porém, em situações excepcionais, o legislador autoriza o comportamento
típico tornando-o “conforme o direito”, e o faz valendo-se de normas penais permissivas, mais conhecidas como causas excludentes da
antijuridicidade, previstas neste art. 42 do CPM.
Assim, são causas excludentes da ilicitude: o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular de direito e o estrito
cumprimento do dever legal.
Observe que em qualquer das espécies, muito embora a conduta do agente esteja permitida ou justificada, pune-se o excesso, doloso
ou culposo, nos termos dos arts. 45 e 46, logo adiante.
Antes de iniciarmos o estudo particularizado de cada uma das justificantes, não podemos ignorar que, ao lado das causas
descriminantes previstas pelo código, diante da constatação lógica de que o “legislador não é onisciente”89, outras existem que são
consideradas justas pela consciência comum, não obstante olvidadas pela lei. Assim, havemos de reconhecer as causas supralegais de
exclusão da ilicitude, até mesmo em homenagem ao caráter fragmentário do direito penal.
Desta forma, embora o ordenamento jurídico brasileiro não faça qualquer referência às causas supralegais de justificação, o caráter
dinâmico da realidade social permite a incorporação de novas pautas sociais que passam a integrar o quotidiano dos cidadãos,
transformando-se em normas de cultura amplamente aceitas. Por isso, condutas outrora proibidas adquirem aceitação social
legitimando-se culturalmente90.
De qualquer sorte, em face da ampla dicção legal, a verdade é que dificilmente uma situação permissiva não encontra abrigo
explícito na lei.

2.28 EXCLUDENTE INOMINADA

O parágrafo único do art. 42 prevê uma causa de exclusão que, para muitos, é uma espécie de estado de necessidade “especial” ou
“do comandante”. Discordamos!
Faltam à previsão do parágrafo único quatro requisitos clássicos do estado de necessidade, a saber: 1) que o perigo seja atual; 2) que
o perigo não tenha sido causado pela pessoa que invoca o estado de necessidade; 3) que o agente esteja diante da inexigibilidade de
conduta diversa; e 4) que o agente não seja legalmente obrigado a arrostar o perigo.
Eis porque defendemos a tese de que se trata de um modelo autônomo e inominado de excludente da ilicitude, destinado a permitir o
uso de meios violentos contra os subalternos, em situações excepcionais (iminência de perigo ou grave calamidade), a fim de que
cumpram missões ou executem manobras salvíficas ou redentoras, como executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade
ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque, daí por que preferimos chamá-la de violência
salvífica.

Estado de necessidade, como excludente do crime.

Art.43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo atual, que
não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente
inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.

2.29 ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE

Os traços essenciais do estado de necessidade já foram traçados na abordagem do art. 39. Basta, agora, que sejam delineados os
marcos que distinguem o estado de necessidade justificante daquele exculpante.
A grande diferença está na comparação entre o bem jurídico protegido e o sacrificado. Quando o bem jurídico preservado é da
mesma importância e natureza do violado (ou menos importante), exclui-se apenas a culpabilidade. Todavia, quando ocorre o oposto,
isto é, ataca-se um determinado bem jurídico para salvar outro consideravelmente mais importante, deve ser excluída a ilicitude.
Em verdade, a lei diz que o mal causado há de ser inferior ao mal evitado.
Assim, são requisitos do estado de necessidade justificante: 1.°) que um direito próprio ou de terceiro esteja diante de um perigo
certo e atual; 2.°) que a situação de perigo não tenha sido provocada pelo agente; 3.°) a inexigibilidade de conduta diversa; 4.°) que as
consequências do ataque ao bem jurídico sacrificado (mal causado) sejam menos severas do que o dano evitado ao bem jurídico
protegido (mal evitado); 5.°) que o agente não seja obrigado a enfrentar o perigo.
É interessante notar que, na defesa dos direitos alheios, a lei não exigiu uma relação especial entre o agente e a terceira pessoa, como
fez no art. 39.
No mais, valem as considerações de outrora.

Legítima defesa.

Art.44. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem.

2.30 LEGÍTIMA DEFESA

De todas as causas excludentes da antijuridicidade, a legítima defesa é, sem dúvida, a mais famosa e a mais aceita nos diversos
ordenamentos jurídicos, e isto desde os tempos mais remotos, até porque “a repulsa da violência pela violência é ditada pelo próprio
instinto de conservação”91. Chega-se inclusive a dizer, como o fez W. W. Jorge, que a legítima defesa representa uma verdade imanente
à consciência jurídica universal e uma conquista das civilizações92.
É claro que o instituto não pode legitimar uma reação primitiva ou puramente instintiva, pois “o direito, como produto da cultura, é
disciplina de instintos, e somente declara legítima a defesa privada quando, afeiçoada à vida social, represente um meio de oportuna e
adequada proteção de bens ou interesses jurídicos arbitrariamente atacados ou ameaçados”93.
Destarte, a melhor justificativa jurídica para a descriminante repousa na doutrina alemã (teoria objetiva da ausência de injuricidade
da ação defensiva), no sentido de que a ação defensiva, ao invés de contrapor-se ao direito, com ele coincide, haja vista que a tutela
privada é admitida de uma forma excepcional diante da impossibilidade de o Estado estar presente em toda e qualquer violação a bens e
interesses juridicamente protegidos.
Observe, contudo, que “o reconhecimento da faculdade de autodefesa contra agressões injustas não constitui uma delegação estatal,
como já se pensou, mas a legitimação pela ordem jurídica de uma situação de fato na qual o direito se impôs diante do ilícito (…) E
como todos têm fundado interesse nessa afirmação, aplica-se, aqui, o princípio da solidariedade”94, em face do qual qualquer pessoa que
estiver diante de uma agressão injusta está autorizada a resistir, dentro de limites impostos pela norma permissiva.
Portanto, eis os requisitos da legítima defesa:
1) agressão injusta, atual ou iminente → a legítima defesa é uma reação agressiva com fins defensivos95. Assim, o primeiro
requisito é a atualidade ou iminência de uma agressão injusta. Desde logo, portanto, é necessário estabelecer o que se considera como
agressão. Para Maurach, é a ameaça humana de lesão a um interesse juridicamente relevante96.
Apenas uma pequena observação ao conceito do festejado mestre tedesco: a agressão a que se refere a lei inclui tanto a ameaça de
lesão quanto o ataque efetivo; seria o que Hungria chama de agressão “militantemente ofensiva” (atual) e agressão em fase de “imediata
predisposição objetiva” (iminente).
Lembre-se, “a legítima defesa não se funda no temor de ser agredido nem no revide de quem já o foi”97, somente a agressão que está
ocorrendo ou a que está prestes a desencadear-se admitem a resistência legal.
Em qualquer hipótese, é preciso que a agressão consubstancie-se em uma conduta humana. Os ataques de animais não autorizam a
autodefesa, mas sim a invocação do estado de necessidade, salvo quando o animal é utilizado pelo homem como instrumento de ataque,
v.g., o amestrador de cães que comanda um pastor para que ataque seu desafeto.
Outrossim, deve a agressão ser injusta, isto é, não autorizada pelo direito. Cuidado: é suficiente a injustiça da agressão, não é
necessário que também seja criminosa. Desta forma, pode-se reagir legitimamente contra agressão oriunda de uma pessoa inimputável98
ou em resposta a uma agressão penalmente atípica.
2) lesão ou ameaça a direito próprio ou de terceiro → houve época em que a legítima defesa limitava-se à salvaguarda de bens
jurídicos considerados de maior importância ou somente aqueles susceptíveis de violação material, tais como a vida, a integridade
física, o patrimônio, etc. Porém, tal distinção não mais encontra guarida, sendo certo que a justificante pode ser arguida em favor de
qualquer bem jurídico, não se fazendo distinção entre bem pessoal e impessoal.
Desse modo, qualquer bem jurídico pode ser protegido. “A agressão pode, assim, dirigir-se contra bem jurídico de qualquer
natureza, sendo irrelevante que pertença ao agente ou a terceiro, podendo tratar-se inclusive da coletividade ou do Estado”99.
Em assim sendo, quanto à titularidade do bem jurídico protegido, a legítima defesa classifica-se em própria ou de terceiro. Sobre
esta última, há uma advertência de Toledo: “impõem-se, entretanto, algumas limitações à defesa do direito alheio (o denominado
‘auxílio necessário’ da doutrina alemã), resultantes da natureza do direito defendido. Assim, quando se trate de direitos disponíveis e de
agente capaz, a defesa por terceiro não pode fazer-se sem a concordância do titular desses direitos, obviamente”100.
3) escolha e uso dos meios necessários → a legítima defesa é um instituto que reconhece a possibilidade de uma reação violenta
diante de uma situação excepcional de perigo ou dano. Deste modo, a faculdade de agir deve ser limitada pela escolha e utilização de
um meio ofensivo necessário a evitar ou estancar a injusta agressão. É certo também que deve haver uma certa proporcionalidade entre
o instrumento do revide e a intensidade ou gravidade da agressão. Contudo, não se pode deixar de considerar que a “reação ex
improviso não se compatibiliza com uma detida e criteriosa valoração dos meios necessários à repulsa imediata e eficaz”101, haja vista o
comprometimento emocional daquele que defende um bem jurídico injustamente agredido. Assim, entende-se que meio necessário é
aquele que, causando o menor dano possível, seja apto a enfrentar com eficácia a agressão atual ou iminente.
Ocorre que nem sempre o agente tem vários instrumentos dentre os quais possa escolher aquele necessário. Preocupado com a
hipótese, Altavilla disse que “se o agredido não podia dispor senão de um meio desproporcionado, não existirá excesso, desde que o seu
uso era indispensável à defesa”102.
Realmente, outra não poderia ser a solução da quaestio, solução esta que também parece aplicável nas situações em que, muito
embora o agente possua mais de um instrumento à sua disposição, a surpresa e a intensidade do ataque tomem-lhe por absoluto as
possibilidades de mensuração ou escolha, fazendo com que sua reação se dê quase que automaticamente. Por tudo isso e por algo mais,
a doutrina é uníssona ao afirmar que a propriedade (no sentido de conveniência) do instrumento utilizado deve ser analisada de acordo
com as circunstâncias que envolveram o ataque e a consequente reação do agente, sem o que as ideias preconcebidas e as falsas
percepções teóricas sobre a caleidoscópica realidade humana tendem a propiciar uma injusta aplicação da lei penal.
4) uso moderado dos meios necessários → não basta que o agente se valha de um meio necessário; é preciso, ainda, que deste
instrumento se utilize de forma moderada. O requisito da moderação “exige que aquele que se defende não permita que sua reação
cresça em intensidade além do razoavelmente exigido pelas circunstâncias para fazer cessar a agressão”103.
Porém, não se pode querer aferir milimetricamente o uso moderado do instrumento de revide, pois quem se defende de uma
agressão injusta, dificilmente estará em condições de calcular, com a precisão de um ourives, quão proporcional ou necessária é sua
reação. O desembargador Ossian França, com a mesma lente, observa que “na aferição da moderação ou excesso do exercício da
legítima defesa, há que se considerar, no caso concreto, as circunstâncias do evento. Não se pode exigir, por exemplo, a mesma
moderação exigível numa situação comum de agressão, de alguém que, altas horas da madrugada, verifica estar sua propriedade sendo
assaltada por um ladrão. A moderação, neste caso, deve ser medida levando-se em consideração vários fatores, tais como o pânico e o
medo naturais, decorrentes do volume crescente de notícias a respeito de assaltos onde a ordem natural dos valores, em que a vida é o
bem supremo do ser humano, está sendo claramente invertida, em face do descaso dos bandidos para com ela”104.
De qualquer sorte, a moderação na utilização dos meios defensivos é elemento indissociável da legítima defesa, já que “a defesa
com meio inecessariamente desproporcionado, ou com imoderação no emprego do meio disponível, torna-se violência injusta”105.
5) presença do animus defendendi (elemento subjetivo) → toda causa de justificação implica em um elemento subjetivo, que é a
orientação anímica. Isto, nas palavras de Urzúa, equivale a dizer que “a ação típica justificada é aquela que desde o ponto de vista
material realiza todos os pressupostos de uma causa de justificação e cuja finalidade se orienta a essa realização”106.
Por conseguinte, para que se caracterize a legítima defesa é necessário que o agente saiba que está diante de uma agressão injusta,
atual ou iminente, que o autoriza a agir, animus defendendi, com os meios necessários e de forma moderada.
Observe, portanto, que ao lado dos elementos objetivos da legítima defesa convivem a consciência e a vontade de reação.

2.31 ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

Eis mais uma causa excludente da antijuridicidade, agora pautada pelo princípio da não contradição, pois o mesmo ordenamento
jurídico não poderia permitir e, ao mesmo tempo, proibir determinado comportamento humano. Isto, dito por Mirabete: “Quem cumpre
regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ilícito penal, uma vez que a lei não contém contradições. Falta no caso a
antijuridicidade da conduta e, segundo os doutrinadores, o dispositivo seria até dispensável”107.
Com efeito, jamais se conseguiria conviver com um conflito deste jaez, ainda mais quando se sabe que o direito é um complexo
harmônico de normas. Assim, “se uma norma penal incrimina tal ou qual fato, que, entretanto, em determinados casos, outra norma
jurídica, penal ou extrapenal, permite ou impõe, não há reconhecer, em tais casos, a existência de crime”108.
São requisitos desta descriminante:
1) existência de um dever legal → inicialmente, é necessário que a ação ou abstenção se dê em virtude de um dever legal. Este há de
ser entendido como o previsto em norma jurídica (leis, decretos etc.), excluídas, portanto, as obrigações meramente religiosas, sociais
ou morais. Cuidado: quando o dever for estipulado em resoluções administrativas de caráter individual, ao agente não aproveita a
justificante em apreço, mas incide a obediência hierárquica, causa excludente da culpabilidade (art. 38, “b”).
Via de regra, o estrito cumprimento do dever legal aplica-se àquelas pessoas que desempenham atividades públicas, delas não se
excluindo o particular eventualmente investido do munus (um perito, por exemplo). São famosas, a respeito, as palavras de Ferri: “os
funcionários e agentes públicos têm o dever de executar e de fazer executar a lei, usando das faculdades a eles reconhecidas pela própria
lei. Pelo que os atos por eles realizados no cumprimento deste dever – muito embora danificando ou suprimindo interesses e direitos
individuais (propriedade, liberdade pessoal, vida etc.), são secundum ius e, portanto, sem caráter criminoso, a menos que ultrapassem
em excessos, determinados por motivos antissociais, pelos quais o funcionário público abusa do seu poder”109.
2) cumprimento do dever em seus estritos limites → para que o agente possa socorrer-se da causa excludente, é indispensável que
sua atuação tenha respeitado os exatos limites do dever que lhe era imposto pela norma. E de outra forma não poderia ser, pois o estrito
cumprimento do dever legal constitui uma permissão legal para ofender, atingir, violar um determinado bem jurídico protegido pela lei.
Portanto, tal autorização – em si, já excepcional – deve revestir-se de extrema necessidade e profunda obediência à disciplina legal,
quando de sua execução.
Imagine o exemplo do carrasco que tem o dever legal de acionar o mecanismo letal. Ele o faz autorizado pelo direito e, assim, não
comete homicídio. Porém, tal autorização não lhe permite torturar o condenado às vésperas do instante derradeiro, nem tampouco dar
cabo da sentença antes da data aprazada. Tais condutas, à margem dos limites legais, configurariam ilícitos.
É nessa direção o entendimento uníssono de doutrina e jurisprudência. Confira: para que o cumprimento de dever legal (dever
oriundo diretamente da ordem da lei) descrimine o fato, é necessário que obedeça, rigorosamente, às condições objetivas a que está
subordinado. Todo dever é limitado ou regulado em sua execução. Fora dos limites traçados na lei, o que se apresenta é o excesso do
poder110.

2.32 EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Aqui já não se trata mais do estreito círculo de ação inteiramente regulado pelo ordenamento jurídico (estrito cumprimento do dever
legal), ao contrário, avançamos no campo das liberdades quando, quotidianamente, os direitos se entrechocam.
Com efeito, já que a lei confere aos indivíduos uma série de direitos, é exatamente na defesa destes que se fundamenta esta especial
prerrogativa de ação.
Lembre-se que a Constituição Federal garante que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
da lei” (art. 5.°, II). Daí resulta que o particular pode se insurgir e atacar um bem jurídico de terceiro em lícito exercício de seus direitos.
Observe, contudo, que este exercício há de ser regular, isto é, em conformidade com as normas que o garantem e o disciplinam.
Como não poderia ser diverso, é preciso que o agente tenha consciência de que age sob o abrigo da causa de justificação. “O
exercício regular do direito praticado com espírito de mera emulação faz desaparecer a excludente. É necessário o conhecimento de toda
a situação fática autorizadora da excludente”111.
Situação que sugere semelhança e, portanto, merece ser recepcionada pelo exercício regular de direito, em que pese certa
divergência doutrinária112, é a das chamadas ofendículas, artifícios predispostos na defesa de um bem jurídico, tais como: cercas
elétricas, pedaços de vidro em muros, animais ferozes, dispositivos de descarga elétrica etc.
A descriminante também alcança o que se convencionou chamar de violência desportiva, isso porque alguns esportes caracterizam-
se por intenso e viril contato físico (boxe, futebol etc.), em razão do que é absolutamente comum que ocorram lesões corporais e, de
forma anômala, têm-se visto, inclusive, óbitos. Porém, para que seja excluída a antijuridicidade, é preciso que o atleta tenha se
conduzido com disciplina desportiva, sem exageros, abusos ou desvios subjetivos.

Excesso culposo.

Art.45. O agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde
pelo fato, se este é punível, a título de culpa.

Erro escusável.

Parágrafo único. Não é punível o excesso quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação.

Excesso doloso.

Art.46. O juiz pode atenuar a pena ainda quando punível o fato por excesso doloso.

2.33 EXCESSO CULPOSO E DOLOSO

Já foi dito anteriormente que as excludentes de ilicitude não justificam os excessos cometidos por aqueles que as invocam, até
mesmo porque para que sejam reconhecidas é preciso que haja perfeita adequação entre as circunstâncias do fato e a previsão legal de
cada modelo permissivo e, a bem da verdade, em nenhum deles há espaço para exageros ou arbítrio!
Portanto, o CPM prevê a punição dos excessos praticados, sem deixar de reconhecer que a situação dos que agem – mesmo que
exageradamente – em repulsa a uma agressão injusta ou diante de um grave perigo ou ameaça é excepcional e, assim, merece
tratamento proporcional e justo, isto é, previsão de responsabilidade culposa (art. 45, caput) ou, nos casos de dolo (art. 46),
possibilidade de atenuação da pena.
No primeiro caso, elidem a responsabilidade penal: a surpresa escusável e a perturbação de ânimo (art. 45, parágrafo único).

Elementos não constitutivos do crime.

Art.47. Deixam de ser elementos constitutivos do crime:

I – a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente;

II – a qualidade de superior ou a de inferior, a de oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou a de sentinela, vigia ou plantão,
quando a ação é praticada em repulsa a agressão.

2.34 ELEMENTOS NÃO CONSTITUTIVOS DO CRIME

Não nos parece correto dizer que algumas qualidades dos sujeitos ativo ou passivo da infração deixem de constituir o crime nas
hipóteses indicadas pelo art. 47. Na verdade, o que a lei pretende é que não sejam consideradas para efeitos de adequação típica
algumas elementares do tipo, ou seja, o tipo penal incriminador permanece o mesmo; todavia, a conduta humana circunstancializada é
que perde substância diante da ressalva legal.
Isto equivale a dizer, por exemplo, que, diante do crime de Violência contra superior (art. 157), encontrando-se o agente diante de
umas das situações previstas nos incisos I ou II do art. 47, a desconhecida relação de subordinação que há, entre ele e a vítima, esvaece,
podendo a conduta ser valorada em outros termos legais (lesões corporais, p. ex.).
__________
1 Sobre os critérios de definição e classificação do crime, vide nosso Direito penal fácil – Parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
p. 34 a 43.
2 Op. cit. p. 67.
3 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. v. 2, p. 58.
4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 112.
5 LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 201.
6 FERRANDO, Mantovani. Diritto penale. Parte generale. Cedam: Milano, 1992. p. 426.
7 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. 2. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 291.
8 Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. t. 2, p. 229.
9 Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 156.
10 ANTOLISEI, Francesco. Manualle de diritto penale. Parte generale. 13. ed. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1994. p. 434.
11 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. São Paulo: Atlas, 2000. p. 192.
12 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. A nova parte geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 240.
13 DELMANTO, Celso, DELMANTO, Roberto, JÚNIOR, Roberto Delmanto e DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal
comentado. 5. ed. São Paulo: Renovar, 2000. p. 24.
14 MEZGER. Derecho penal. Parte especial. Trad. Finzi. Buenos Aires, 1959. p. 418.
15 Das Strafrechtgesetzbuch für das deutschen Reich, 1908. § 46.
16 Hungria defende que se trata de causas de extinção da punibilidade. Paulo José da Costa Jr. (Comentários ao Código Penal. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 57), ao seu turno, entende que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são escusas
absolutórias.
17 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 1, p. 294.
18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 166.
19 Ciência criminal. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 83.
20 TACrimSP – HC – Re. Rubens Gonçalves – RJD 3/200.
21 Op. cit. p. 65.
22 WESSELS, J. Direito penal. Parte geral. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1976. p. 138.
23 CARRARA, F. Programa do curso de direito criminal. Trad. J. L. Franceschini e J. R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956. v. 1,
p. 289.
24 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 248.
25 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 155.
26 LEAL , João José. Op. cit. p. 188.
27 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 154.
28 Idem, ibidem, p. 153.
29 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. P. G. Santiago: Ed. Jurídica do Chile, 1970. p. 95.
30 Programa de derecho criminal. Bogotá: Temis, 1971. § 69, v. 1, p. 73.
31 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Trad. Juarez Tavares e Luiz Régis Prado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988. p.
60.
32 JÚNIOR, Paulo José da Costa. Op. cit. p. 74.
33 GRECO, Rogério. Direito penal. Lições. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 167.
34 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 179.
35 GRECO, Rogério. Op. cit. p. 168.
36 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 182.
37 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 145.
38 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 300.
39 LOPES, Jair Leonardo. Curso de direito penal. Parte geral. Livro de aulas. São Paulo: RT, 1993. p. 124.
40 Neste sentido, ZAFFARONI & PIERANGELI, verbis: “A previsibilidade deve estabelecer-se conforme a capacidade de previsão de
cada indivíduo, sem que para isso possa socorrer-se a nenhum ‘homem médio’ ou critério de normalidade”. Manual de derecho
penal. Parte general. Buenos Aires: Ediar, 1996. p. 435.
41 Por sua vez, defende HUNGRIA: “É de rejeitar-se, porém, a opinião segundo a qual a previsibilidade deve ser referida à
individualidade subjetiva do agente, e não ao tipo psicológico médio. O que decide não é a atenção habitual do agente ou a
diligência que ele costuma empregar in rebus suis, mas a atenção e diligência próprias do comum dos homens; não a
previsibilidade individual, mas a medida objetiva média de precaução imposta ou reclamada pela vida social”. Op. cit. p. 187.
42 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 105.
43 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 88.
44 JUTACrim-SP 91/257 – Rel. Brenno Marcondes e 94/224 – Rel. Sidnei Beneti.
45
BRUNO, Aníbal. Op. cit. p. 88.
46 TELES, Ney Moura. Direito penal. Parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 154.
47 BETTIOL. Diritto penale. Padova, 1976. p. 477.
48 FERREIRA, Manuel Cavaleiro de. Direito penal português. Parte geral. 2. ed. Lisboa: Verbo, 1982. v. 1, p. 521.
49 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 200.
50 TJDF – AC – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 18.06.1979, p. 4.754.
51 Op. cit. p. 199.
52 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 165.
53 FRANCO, Alberto Silva et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 215.
54 JUTACrim 45/254 – Rel. Lauro Malheiros.
55 CARRARA, Francesco. Programma del Corso di diritto criminale . Parte general. v. 1. 1907. p. 98.
56 Diritto penale. Trad. Fontán Palestra, 1956. p. 206.
57 Op. cit. p. 493.
58 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 154.
59 MUNHOZ NETO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 3.
60 Op. cit. p. 213.
61 Sobre a matéria (erro vencível, erro invencível, erro escusável e erro inescusável) vide nosso Direito penal fácil – Parte geral. Op.
cit. p. 77 a 79.
62 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 213.
63 Hungria (Op. cit. p. 223) oferta o seguinte exemplo: “o professor de anatomia golpeia mortalmente o corpo humano vivo, trazido ao
anfiteatro, supondo tratar-se de um cadáver”.
64 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 224.
65 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 243.
66 Jorge César de Assis (Op. cit. p. 94) resume: “Quanto ao provocado, tratando-se de erro invencível, não responde pelo crime
cometido, quer a título de dolo ou culpa; tratando-se de provocação de erro vencível, não responde pelo crime a título de dolo,
subsistindo a modalidade culposa, se prevista na lei penal incriminadora”.
67 Op. cit. p. 46.
68 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 248-249.
69 É o que ocorre, por exemplo, quando o agente, pretendendo quebrar uma vidraça, arremessa-lhe uma pedra, mas acaba atingindo
e lesionando uma pessoa que passava correndo diante da janela.
70 Como será tratado mais à frente, é controvertida a aplicação do art. 79 do CPM, diante da isonomia que confere às espécies de
concurso de crimes, em razão do que muitos defendem a aplicação subsidiária do Código Penal Comum.
71 BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro jurídico penal. São Paulo: RT,. p. 37.
72 JUNIOR, Osvaldo Palotti. Direito penal. Parte geral. Série Fundamentos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 48.
73 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 252.
74 JTACrimSP 44/412.
75 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 188.
76 Para Jorge César de Assis, “quem se integra a uma corporação armada, cuja finalidade principal é a guerra, não pode invocar o
medo como dirimente para seus crimes funcionais” (Op. cit. p. 104-105).
77 Cf. JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 84.
78 Op. cit. p. 190.
79 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 92.
80 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. 2. ed. São Paulo: RT, 1977. v. 1, p. 433.
81 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 131.
82 Idem, ibidem, p. 136. No mesmo sentido CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 226. LEAL, João José. Op. cit. p. 251.
83 FERREIRA, Manuel Cavaleiro. Op. cit. p. 392.
84 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 274.
85 WESSELS, Johannes. Op. cit. p. 68.
86 LEAL, João José. Op. cit. p. 254.
87 Op. cit. p. 99.
88 JUNIOR, Paulo José. Op. cit. p. 100.
89 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1965. v. 2, p. 106.
90 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 127.
91 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 276.
92 JORGE, Wiliam Wanderley. Curso de direito penal. Parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 290.
93 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 254.
94 TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 192.
95 JÚNIOR, Paulo José. Op. cit. p. 105.
96 MAURACH, Reinhart. Derecho penal. Parte general. Trad. Jorge Bofill Genzsch e Enrique Aimone Gibson. Buenos Aires: Ástrea,
1994. v. 2, p. 440.
97 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit. p. 189.
98 A melhor doutrina recomenda o commodus discessus, a “saída discreta”; porém, trata-se apenas de uma recomendação, uma vez
que na legítima defesa não há o requisito da inevitabilidade da reação. Portanto, embora nestes casos seja politicamente
preferível que o agredido não reaja, nada o impede de fazê-lo.
99 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit. p. 187.
100 TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 200.
101 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 144.
102 ALTAVILLA, E. Nuovo digesto italiano. Verb. Difesa legittima.
103 TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 204.
104 RT 580/375.
105 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 300.
106 URZÚA, Enrique Cury. Derecho penal. Parte general. Santiago: Jurídica do Chile, 1992. t. 1, p. 358.
107 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 189.
108 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 304.
109 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. Trad. Lemos d’Oliveira, 1931. p. 449-450.
110 RT 486/277 – Rel. Márcio Bonilha. RT 561/405 – Rel. Tycho Brahe.
111 CAPEZ. Curso de direito penal. Parte geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 1, p. 275.
112 Para alguns a hipótese é de legítima defesa preordenada ou antecipada.
3
DA IMPUTABILIDADE PENAL

Título III
Da imputação penal

Inimputáveis.

Art.48. Não é imputável quem, no momento da ação ou da omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou
retardado.

Redução facultativa da pena.

Parágrafo único. Se a doença ou deficiência mental não suprime, mas diminui consideravelmente a capacidade de entendimento
da ilicitude do fato ou a de autodeterminação, não fica excluída a imputabilidade, mas a pena pode ser atenuada sem prejuízo do
disposto no art. 113.

3.1 INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL OU DESENVOLVIMENTO MENTAL RETARDADO OU


INCOMPLETO

A imputabilidade é o somatório de condições pessoais do agente que o tornam capaz de entender o caráter ilícito de um determinado
fato e de comportar-se adequadamente diante deste entendimento, em face do que é possível ao Estado aplicar-lhe a sanção penal.
Resumindo: a imputabilidade é a capacidade de entender e querer. Assim, “imputável resulta ser o homem mentalmente desenvolvido e
mentalmente são”1. Desta forma, maturidade e higidez mental integram o conceito de imputabilidade. Em giro oposto, portanto, a falta
de maturidade e a insanidade mental potencialmente excluem a imputabilidade, refletindo, em derradeira análise, na isenção de pena.
Há, entretanto, vários critérios destinados ao estabelecimento da qualidade negativa de ausência da imputabilidade, isto é, a
inimputabilidade. O primeiro deles prende-se somente a uma causa biológica, um limite etário, por exemplo. Assim, é conhecido como
critério biológico. O segundo contenta-se com uma afetação psíquica do agente, sem se preocupar com sua saúde mental. É conhecido
como critério psicológico. Por último, temos o critério biopsicológico, no qual há uma simbiose dos dois primeiros, pois aliada a uma
doença ou perturbação mental pressupõe a falta da capacidade de entendimento ou de comportamento, decorrentes deste estado mórbido.
Confira, por conseguinte, quão cristalino é identificar, neste art. 48, a adoção do critério biopsicológico, uma vez que não é bastante
que o agente seja portador de uma doença mental ou de um desenvolvimento mental retardado ou incompleto, é necessário, ademais,
que, em razão de qualquer um destes estados, no momento de sua conduta (ação ou omissão) lhe falte a capacidade de querer ou de
entender.
Muita tinta já se gastou, em doutrina, na delimitação conceitual de “doença mental”, como você pode verificar no extenso rol de
Hungria que inclui todas as psicoses orgânicas, tóxicas e funcionais2. Capez, a seu turno, diz que “compreende a infindável gama de
moléstias mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranoias, psicopatia, epilepsias em geral etc.”3.
Não pretendendo menoscabar a importância de um diagnóstico médico, entendemos que o mais importante é obter-se uma noção
verdadeira sobre o que se passava na mente do autor no exato momento em que o delito era executado. Quanto maior tiver sido o esforço
desprendido pelo agente procurando entender e querer conforme o direito, menor haverá de ser sua reprovabilidade pessoal, até o limite
da isenção total, levando-se em conta, inclusive, que certos distúrbios mentais caracterizam-se pela alternância de surtos com momentos
lúcidos (períodos livres).
Zaffaroni & Pierangeli observam que “a incapacidade psíquica para compreender a antijuridicidade de uma conduta não pode ser
determinada mediante o simples etiquetamento do sujeito dentro de uma entidade nosotáxica, mas que se requer a valoração do esforço
que o sujeito devia realizar para compreender a antijuridicidade, tarefa que incumbe ao juiz e a respeito da qual o perito só deve ilustrar,
devendo o diagnóstico ser um simples dado informativo”4.
Assim, concluindo pela inimputabilidade do acusado, o juiz deve absolvê-lo e aplicar-lhe uma medida de segurança. Esta espécie de
absolvição é conhecida doutrinariamente como absolvição imprópria.
No entanto, podem acontecer situações em que o agente, em face de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental
retardado ou incompleto, possua apenas parcial capacidade de entendimento ou comportamento, ao que se atribui a qualidade de semi-
imputabilidade (fronteiriços). Nestes casos, duas soluções se apresentam, quais sejam:
1.ª) o agente é condenado e se lhe aplica uma pena atenuada, diante de sua culpabilidade diminuída (art. 48, parágrafo único);
2.ª) o agente necessita de especial tratamento curativo e, em consequência, tem a pena privativa de liberdade substituída pela medida
de segurança, nos termos do art. 113 do CPM.
Este critério adotado pelo legislador penal militar, chamado de vicariante, veda a aplicação simultânea ou concorrente de pena e
medida de segurança, tal qual é permitido no sistema do duplo binário.

Embriaguez.

Art.49. Não é igualmente imputável o agente que, por embriaguez completa ou proveniente de caso fortuito ou força maior, era,
ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o agente por embriaguez proveniente de
caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

3.2 EMBRIAGUEZ

A embriaguez pode ser considerada como a perturbação psíquica, de variada intensidade, provocada pela ingestão de álcool ou
qualquer outra substância de efeitos similares, apta a reduzir ou anular a capacidade de entendimento ou de comportamento do indivíduo.
Costuma-se dizer que a embriaguez desenvolve-se em três fases: incompleta (1.ª fase), completa (2.ª fase) e comatosa (3.ª fase). A
respeito, Aníbal Bruno chama nossa atenção: “A princípio a intoxicação se manifesta por uma ação excitadora geral. O indivíduo mostra-
se vivo, lúcido, loquaz, mas revelando já o desvio que começa a acometê-lo na maneira de apreender e julgar os fatos e sensível déficit na
sua habitual capacidade de inibição. Já os impulsos primários tentam libertar-se da disciplina das normas da cultura, e os elementos da
imputabilidade, isto é, a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento começa
a declinar. Depois o processo pode deter-se ou acentuar-se, lenta ou rapidamente. Se progride, cresce o estado confusional. Há uma
perturbação das funções mentais superiores semelhante à que ocorre no delírio das psicoses. Desvaneceu-se a censura do super-ego e
então podem ter livre curso os impulsos primários. É a fase da embriaguez plena, em que deixam de existir os elementos próprios da
imputabilidade. Por fim, a confusão mental obscurece todo o psiquismo e o sujeito entra no sono comatoso. Fase final”5.
Por outro lado, considerando o elemento subjetivo que orienta o agente no momento em que se põe em estado de embriaguez, ela é
classificada em:
1) voluntária → a embriaguez voluntária divide-se em dolosa (voluntária em sentido estrito) ou culposa. Na primeira, o agente
voluntariamente se coloca no estado de ebriez (beber para ficar bêbado), enquanto que na segunda o agente não pretende embriagar-se,
mas a intoxicação decorre da falta de moderação na ingestão da bebida ou no uso da substância (beber pelo prazer de beber). Para a lei
penal militar a embriaguez voluntária não desconstitui a culpabilidade.
É exatamente neste ponto que fazemos um pequeno reparo. É perfeitamente compreensível que o legislador, inspirado por razões de
política criminal, optou por ignorar o real estado de culpabilidade do agente – nos casos de embriaguez voluntária (dolosa ou culposa) –,
não permitindo, como visto, a exclusão ou atenuação da culpabilidade. Às vistas desse comando legal, alguns doutrinadores defendem,
na hipótese, a tese da actio libera in causa (ação livre na causa). Ocorre que, para falar-se de ação livre na causa, seria necessário que
antes de embriagar-se existisse no espírito do agente desejo ou, ao menos, previsibilidade do resultado ilícito, tal qual ocorre, por
exemplo, na embriaguez preordenada. “A actio libera in causa não abrange aquelas situações em que o agente quer ou imprudentemente
se embriaga sem prever ou poder prever a ocorrência de um fato delituoso. Nelas, o que é livre na causa não é a ação criminosa, mas
somente a embriaguez. Poderá o agente praticar um ilícito penal em estado de embriaguez, que era absolutamente imprevisível, no
momento ou antes da embriaguez. E quando há imprevisibilidade não se pode falar em actio libera in causa, diante da impossibilidade
de se relacionar esse fato a uma formação de vontade contrária ao direito, anterior ao estado de embriaguez, isto é, quando o agente
encontrava-se em perfeito estado de discernimento. No entanto, os tribunais pátrios não têm realizado uma reflexão adequada desses
aspectos, decidindo quase que mecanicamente: se a embriaguez não é acidental, pune-se o agente”6.
Com efeito, a opção do legislador em muito se aproxima da fórmula medieval versari in re ilicita (quem se envolve em coisa ilícita
responde pelo resultado fortuito), criando uma hipótese de responsabilidade objetiva e contrariando um dos enunciados básicos do direito
penal moderno, o nullum crimen sine culpa7. Em nome de uma repressão criminal mais eficaz, o código acolheu uma “deplorável
solução”8.
2) involuntária → é a embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior. No primeiro caso, o agente embriaga-se por ignorar o
efeito inebriante da substância ou por uma especial condição fisiológica, v.g., uma pessoa, acometida de forte dor de cabeça, serve-se de
um analgésico que, devido a uma reação orgânica, acaba por inebriá-la. Já na segunda modalidade – embriaguez decorrente de força
maior – ocorre uma interferência externa relacionada a uma ação humana, como no exemplo de uma pessoa que é compelida, mediante
ameaça de outrem, a ingerir grande quantidade de cachaça. De qualquer sorte, trata-se de embriaguez não querida e não prevista. A
embriaguez involuntária pode ser completa ou incompleta. Isto é muito importante, pois reflete diretamente com a isenção ou mera
atenuação da culpabilidade. Quando a embriaguez involuntária for completa, anulando a capacidade volitiva e comportamental do
agente, a consequência é a isenção da pena (art. 49 do CPM). Por outro lado, sendo incompleta, a embriaguez involuntária apenas
diminui a capacidade de entender e de querer, em face do que persiste a imposição da sanção, mas de forma atenuada (art. 49, parágrafo
único, do CPM).
3) preordenada → ação livre na causa, esta é a hipótese em que o indivíduo, antes de praticar um crime, propositadamente se coloca
em estado de ebriez, quer para adquirir coragem, quer para sufocar os freios inibitórios, ou ainda para tentar valer-se, no futuro, de uma
dirimente ou atenuante. É o que se chama, na gíria criminosa, de “fazer a cabeça para a parada”. Nela, “a vontade contrária ao direito,
extremamente reprovável, na fase anterior ao estado de embriaguez, está perfeitamente caracterizada. O agente coloca o estado de
embriaguez como o primeiro momento da realização do fato típico”9. Deste modo, dúvidas não sobram quanto à preservação da
culpabilidade. Aliás, em situações deste jaez, a reprovabilidade do agente é ainda maior, incidindo, portanto, a circunstância agravante
genérica prevista no art. 70, II, c, do CPM.
4) patológica → por vezes, o hábito de entregar-se ao uso imoderado ou contínuo de uma substância inebriante ou entorpecente se dá
em razão de uma patologia, situação em que o tratamento jurídico adequado é o previsto no art. 48 do CPM. O alcoolismo mórbido ou
crônico é um estado que se equipara à insanidade, pois compromete, em graus variados, a capacidade volitiva e comportamental do
doente. Aliás, durante as crises de abstinência, se observam fatos horríveis e indescritíveis, em que o indivíduo em muito se assemelha a
uma criatura ensandecida.

Menores.

Art.50. O menor de 18 (dezoito) anos é inimputável, salvo se, já tendo completado 16 (dezesseis) anos, revela suficiente
desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com este entendimento. Neste
caso, a pena aplicável é diminuída de 1/3 (um terço) até a 1/2 (metade).

3.3 INIMPUTABILIDADE POR MENORIDADE

Malgrado este artigo não tenha sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, confere aos menores de 18 e maiores de 16 anos
um tratamento penal alvissareiro e, quem sabe, muito mais eficiente do que o que hoje vigora. Trata-se da adoção do sistema
biopsicológico para os menores, isto é, aos que se encontram nessa faixa etária, o reconhecimento da imputabilidade fica condicionado
ao seu desenvolvimento psíquico. Quando o adolescente (menor de 18 e maior de 16 anos) tem a capacidade de entender o caráter
criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, é sujeito à sanção penal atenuada. Caso contrário, fica isento de
pena, tal como todos os menores de 16 anos (sempre inimputáveis).
Todavia, como dito, há um obstáculo insuperável à aplicação deste art. 50: o art. 228 da Carta Federal. Portanto, os menores de 18
anos são penalmente inimputáveis, sujeitando-se apenas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).

Equiparação a maiores.

Art.51. Equiparam-se aos maiores de 18 (dezoito) anos, ainda que não tenham atingido esta idade:

a) os militares;

b) os convocados, os que se apresentam à incorporação e os que, dispensados temporariamente desta, deixam de se


apresentar, decorrido o prazo de licenciamento;

c) os alunos de colégios ou outros estabelecimentos de ensino, sob direção e disciplina militares, que já tenham completado 17
(dezessete) anos.

3.4 EQUIPARAÇÃO À MAIORIDADE

Havia neste art. 51 uma tentativa de fazer alcançar a lei penal militar aos menores de 18 anos que se encontrassem em uma das
condições descritas nas alíneas “a”, “b” ou “c”, ao que se poderia chamar de maioridade ficta.
Ora, se a providência legislativa merecia discussão e crítica à sua época, agora não passa de “letra morta”, em face da imperativa
constitucional relativa à menoridade penal.

Art. 52. Os menores de 16 (dezesseis) anos, bem como os menores de 18 (dezoito) e maiores de 16 (dezesseis) inimputáveis,
ficam sujeitos às medidas educativas, curativas ou disciplinares determinadas em legislação especial.

3.5 LEGISLAÇÃO ESPECIAL PARA OS MENORES INIMPUTÁVEIS


Dúvida não há! Aos menores infratores, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Vale argumentar apenas que, por pouco, este art. 52 do CPM perdeu o “caminho da receptividade constitucional”, e isto se deu em
decorrência da ressalva implícita de aplicação da lei penal militar aos menores de 18 e maiores de 16 anos, aptos a conhecer e
compreender a ilicitude do fato ou assumir comportamento de acordo com este entendimento, exceção não mais aceita em nosso
ordenamento jurídico.
__________
1 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro:
Forense. t. II, p. 45.
2 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1955. t. 1, v. 1, p. 328-330.
3 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 259.
4 ZAFFARONI, E. Raul. Op. cit. p. 631.
5 Op. cit. p. 149-150.
6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo:
RT, 1997. p. 196.
7 JÚNIOR, Paulo José da Costa. Comentários ao Código Penal. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 1996. p. 126.
8 Op. cit. p. 203.
9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 198.
4
DO CONCURSO DE AGENTES

Título IV
Do concurso de agentes

Co-autoria.

Art.53. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas.

Condições ou circunstâncias pessoais.


§ 1.º A punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da dos outros, determinando-se segundo sua própria
culpabilidade. Não se comunicam, outrossim, as condições ou circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.

Agravação da pena.
§ 2.º A pena é agravada em relação ao agente que:
I – promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;
II – coage outrem à execução material do crime;
III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade, ou não punível em virtude de condição ou
qualidade pessoal;
IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.

Atenuação da pena.
§ 3.° A pena é atenuada com relação ao agente, cuja participação no crime é de somenos importância.

Cabeças.
§ 4.° Na prática de crime de autoria coletiva necessária, reputam-se cabeças os que dirigem, provocam, instigam ou excitam a
ação.
§ 5.° Quando o crime é cometido por inferiores e um ou mais oficiais, são estes considerados cabeças, assim como os inferiores
que exercem função de oficial.

Caso de impunibilidade.
Art.54. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição em contrário, não são puníveis se o crime não
chega, pelo menos, a ser tentado.

4.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O CONCURSO DE AGENTES

A maioria dos delitos pode ser praticada por um só agente, admitindo, porém, o chamado concurso eventual de pessoas. Por isso são
conhecidos como delitos unissubjetivos. Mas também há alguns crimes que reclamam a afluência de duas ou mais pessoas para a sua
realização, em razão do que são classificados como crimes de concurso necessário ou plurissubjetivos.
A rigor, a disciplina do concurso de agentes destina-se aos casos de crimes unissubjetivos. Porém, o CPM reserva um parágrafo do
art. 53 para tratar, de passagem, dos delitos plurissubjetivos, o que não nos parece de todo adequado, pois nos delitos plurissubjetivos a
existência de vários sujeitos já integra a descrição típica, ou seja, é elementar do tipo. Observe a lição de Damásio: “O princípio segundo
qual quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, somente é aplicável aos casos de concurso
eventual, com exclusão do concurso necessário. Nestes, como a norma incriminadora exige a prática do fato por mais de uma pessoa,
não há necessidade de estender-se a punição por intermédio da disposição ampliativa a todos os que o realizam”1.
4.2 TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO CONCURSO DE AGENTES

Discute-se em doutrina se o crime praticado em concurso por mais de um agente configura somente uma ou várias infrações. São três
as teorias que se propõem a resolver a questão, veja:

• teoria unitária ou monista → partindo da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado2, a concepção monista
tem como fundamento a unidade do crime. Assim, professa que o “delito cometido graças ao concurso de várias pessoas não se fraciona
em uma série de crimes distintos. Ao contrário, conserva-se íntegro, indiviso, mantendo sua unidade jurídica à custa da convergência
objetiva e subjetiva das ações dos múltiplos participantes”3. Isto equivale a dizer que todos os concorrentes cometem o mesmo crime, ou
seja, “há unidade de crime e pluralidade de agentes”4.
• teoria dualista → os dualistas entendem que há dois crimes: um para os autores e outro para os partícipes, isso porque “existe no crime uma
ação principal, que é a ação do autor do crime, o que executa, e ações secundárias, acessórias, que são as realizadas pelas pessoas que
instigam ou auxiliam o autor a cometer o delito”5. Portanto, “a consciência e vontade de concorrer num delito próprio confere unidade ao
crime praticado pelos autores; e a de participar no delito de outrem atribui essa unidade ao praticado pelos cúmplices”6.
• teoria pluralista → considera que cada um dos concorrentes pratica uma conduta própria, com elemento subjetivo próprio e a produção de um
resultado próprio, em face do que cada um, de per si, deve responder por um delito próprio. Assim, ao contrário da teoria monista, professa
a pluralidade de agentes e de crimes.

À primeira vista, a leitura do art. 53 do CPM sugere a adoção da teoria monista ou unitária. Porém, isto se deu de forma temperada,
pois se de início (art. 53, caput) há unidade de crime para os concorrentes, em situações particulares a lei serve-se da teoria dualista (art.
53, §§ 1.° e 2.o). Com efeito, as atenuações à teoria monista são facilmente percebidas, senão vejamos: a) no art. 53, § 1.°, há uma
ressalva no sentido de que “a punibilidade de qualquer agente é independente da dos outros, determinando-se segundo sua própria
culpabilidade”; b) no § 3.o foi prevista a punição diminuída em relação ao agente cuja participação no crime tiver sido de menor
importância.

4.3 TEORIAS SOBRE A AUTORIA

• teoria restritiva → esta teoria advoga que autor é aquele que pratica a conduta descrita pelo núcleo do tipo penal, isto é, quem realiza a ação
descrita pelo verbo. É um critério de cunho formal-objetivo, pois se “atém à descrição típica para definir autoria” 7. Os demais personagens

concorrentes que contribuem para a concretização do resultado típico, sem praticar a conduta nuclear (verbo reitor do tipo8), são
considerados partícipes9. É esta a teoria adotada pelo Código Penal Militar.
• teoria extensiva → a teoria extensiva proclama que todas as pessoas que contribuem para a produção do resultado devem ser consideradas
autores, não importando se a cooperação é essencial ou acessória. Não obstante, “procura traçar um critério de distinção entre autores e
partícipes valorando o elemento anímico dos agentes. Existe uma vontade de ser autor (animus auctoris) quando o agente quer o fato como
próprio, e uma vontade de ser partícipe (animus socii), quando o agente deseja o fato como alheio” 10.

• teoria do domínio do fato → deve-se a Welzel a formulação da teoria do domínio do fato, ainda em 1939, época em que propôs o finalismo.
A lógica do mestre alemão parte da teoria restritiva, preocupando-se em equalizar os aspectos objetivos e subjetivos que envolvem a questão
da autoria. Desta forma, “autor é quem tem o controle final do fato, domina finalisticamente o decurso do crime e decide sobre sua prática,
interrupção e circunstâncias”11. Observe, contudo, que a referência ao domínio do fato não implica que cada coautor tenha o poder de evitar
a integralidade do comportamento, mas que detenha a sorte total do fato em suas mãos, por meio de sua função específica na divisão de
tarefas no evento criminoso12.

4.4 PARTICIPAÇÃO

Muito embora o CPM não tenha definido a participação, é claro tratar-se de um conceito correlato ou referenciado, tendo em vista
que quem participa de algo contribui perifericamente com a ação principal de outrem, diante do que merece destaque sua natureza
acessória. O partícipe não pratica a conduta descrita no tipo penal, mas coopera na empresa criminosa, emprestando auxílio, estímulo ou
apoio ao autor.
Do ponto de vista objetivo, a participação constitui contribuição causal ao delito. Já sob o prisma subjetivo, exige vontade e
consciência de contribuir na atividade do agente principal13. É por isso que a norma que determina a punição do partícipe implica em
uma ampliação da punibilidade de comportamentos que, de outro modo, seriam impunes, pois as prescrições da parte especial do Código
não abrangem o comportamento do partícipe14.
Aliás, de acordo com a teoria da acessoriedade limitada, “a participação é uma conduta secundária, devendo o partícipe responder
toda vez que o fato principal for típico e ilícito, ou seja, sempre que houver crime, sendo irrelevante se o autor é ou não imputável”15.
A participação pode ser moral ou material. Na primeira espécie, o partícipe induz ou instiga o autor à prática do delito. Na segunda,
há uma exteriorização física da vontade de colaborar, “é o fato de alguém insinuar-se no processo de causalidade física”16, v.g., o
empréstimo da arma utilizada pelo homicida. Muito embora o auxílio material usualmente se dê em face de uma conduta positiva, pode
ocorrer também a partir de uma omissão.
4.5 REQUISITOS DO CONCURSO DE AGENTES

São requisitos do concurso de agentes:

• pluralidade de agentes e de condutas;


• relevância causal de cada conduta;
• ligação subjetiva entre os sujeitos concorrentes;
• identidade de infração penal.

O primeiro requisito é de obviedade ululante, pois sem a soma dos esforços de mais de uma pessoa não se pode sequer falar em
concurso. Em segundo lugar, é necessário que cada conduta praticada pelos concorrentes integre a corrente causal determinante do
resultado17. Se, por acaso, uma determinada conduta mostrar-se irrelevante para a obtenção do resultado pretendido, deverá ser
desconsiderada e, em consequência, o agente que a praticou será excluído do concurso de pessoas. Outro requisito indispensável é a
vinculação subjetiva entre as pessoas concorrentes, ou seja, é imprescindível a unidade de desígnios, consubstanciada na congruente
vontade de colaborar com o sucesso da empreitada criminosa. Isto não se confunde com acordo prévio. É suficiente a adesão de uma
vontade à outra, ainda que tal aderência se dê na concomitância do crime. Por último, já que a vontade dos concorrentes há de ser
convergente, é natural que se exija identidade de infração para todos eles, respeitadas as hipóteses excepcionais referidas no item 4.2.

4.6 PARTICIPAÇÃO DE SOMENOS IMPORTÂNCIA

O § 3.º do art. 53 trata da participação de somenos importância, que deve ser considerada somente em relação à participação em
sentido estrito, não se aplicando, portanto, em relação aos coautores.
A disposição da lei é decorrência lógica da teoria monista, pois se a culpabilidade de cada agente deve ser considerada
“independente da dos outros”, há evidência de que uma participação de parca importância merece tratamento penal atenuado, uma vez
que revela uma culpabilidade menos expressiva18. Atenção: a atenuação é obrigatória; basta observar os termos imperativos da lei.

4.7 PARTICIPAÇÃO EM CRIME MENOS GRAVE

Não são raras as situações em que um concorrente deseja participar de uma determinada operação criminosa durante a qual, contra
sua vontade ou fora de sua previsibilidade, é produzido um resultado mais grave. É o que se chama de desvio subjetivo de condutas ou
de participação dolosamente distinta.
Ocorre que o legislador penal militar não previu a hipótese e, caso se aplique o comando do art. 53 (caput) à espécie, dar-se-á uma
odiosa forma de responsabilidade objetiva.
Portanto, havendo desvio subjetivo de condutas, que se sirva o direito penal militar do disposto no art. 29, § 2.°, do Código Penal
comum. Assim, se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste. Esta disposição
“consagra formalmente a necessidade de se ajustar a pena de acordo com o elemento subjetivo do crime e a culpabilidade do sujeito
ativo”19. Não obstante, se o resultado mais grave estiver na esfera de previsibilidade do agente, a lei prevê uma agravação de sua
reprimenda, considerando, ainda, a infração que efetivamente pretendia praticar.

4.8 COMUNICABILIDADE DAS CONDIÇÕES, ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS

De acordo com a parte final do § 1.° deste art. 53, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal não se comunicam entre os
coautores ou partícipes, a não ser quando constituam elementares do crime.
Elementar é um dado ou fato essencial à descrição típica, cuja ausência exclui ou modifica o crime, por exemplo: a condição de
comandante no crime de Operação militar sem ordem superior (art. 169 do CPM). Por outro lado, na periferia do tipo penal orbitam
dados acessórios (acidentais) que, sem interferir na qualidade do crime, influenciam na previsão da pena. São as chamadas
circunstâncias, que podem ser objetivas ou subjetivas. Damásio diz que as primeiras são aquelas que se relacionam com os meios e
modos de realização do crime, enquanto que as subjetivas são as que dizem respeito à pessoa do participante, sem qualquer participação
com a materialidade do delito20. A lei ainda se ocupa das condições pessoais do agente, ou seja, de suas relações com o ambiente
externo, suas qualidades, defeitos, funções, estado etc.

4.9 AGRAVANTES NO CONCURSO DE AGENTES

A bem da verdade o § 2.° deste art. 53 versa sobre aplicação da pena e, em razão disto, deveria estar localizado logo após o art. 70
(circunstâncias agravantes genéricas) do CPM, em homenagem à boa técnica legislativa! Ademais, residindo no Título que trata do
concurso de agentes, pode dar a errada impressão de que somente se aplica aos delitos de concurso eventual, o que não é real.
De qualquer sorte, a providência legal prestigia a realidade fenomenológica, já que a contribuição causal de cada agente (conduta
individual) merece reprimenda autônoma mercê da culpabilidade de cada um. Assim, afasta-se a fábula de punição idêntica para todos
os concorrentes na empresa criminosa, agravando-se a pena do concorrente que:
1. Promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes: é óbvio que a culpabilidade daquele que
promove, organiza ou dirige a empresa criminosa é maior do que a dos demais, mesmo porque sua contribuição causal é abundante e
mais amiúde, pois é ele quem estabelece objetivos, traça estratégias, define metas, decide pela utilização de meios e adoção dos modos
de execução do crime etc. Observe, contudo, “que não se caracteriza a agravante com o simples conselho, convite ou exortação,
dependendo ela de efetiva ascendência e atuação do agente como artífice intelectual”21.
2. Coage outrem à execução material do crime: esta agravante engloba a coação física e a coação moral. Todavia, se a coação for
irresistível, a pessoa a ela submetida (coacto) não responde por seus atos, não lhe sendo aplicada, portanto, qualquer sanção. Por outro
lado, se a coação for resistível, exacerba-se a pena do coator e atenua-se a do coacto (art. 41).
3. Instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não punível em virtude de condição ou qualidade
pessoal: a primeira circunstância de agravação da pena refere-se à instigação, ou seja, o agente reforça o propósito criminoso já em
formação na consciência do concorrente, consolidando-o. Na segunda hipótese, o indivíduo vale-se de sua autoridade, de qualquer nível
conceitual ou hierárquico, para determinar a uma pessoa que lhe seja obediente a participação na empresa criminosa. Há, ainda, uma
terceira possibilidade, qual seja: determinar a um não punível que cometa o delito. Preste bem atenção ao real significado da agravante,
pois “não punível” não se confunde com “inculpável”. Assim, o fato praticado deve ser crime. Todavia, em razão de uma condição ou
qualidade pessoal do concorrente não lhe pode ser atribuída a sanção penal, como se dá, por exemplo, nas escusas absolutórias e nas
imunidades penais de caráter pessoal22.
4. Executa o crime, ou nele participa, mediante praga ou promessa de recompensa: a vileza, a imoralidade e a repugnância que
brotam da cupidez desmedida conducente à prática mercenária de um crime são indicadores suficientes ao incremento da sanção penal,
por demonstrarem o descompasso nítido e censurável do comportamento do agente com o sentimento ético comum.

4.10 CABEÇAS

Muitos defendem a iniciativa do legislador penal militar em considerar “cabeças” os concorrentes que dirigem, provocam, instigam
ou excitam o crime de autoria coletiva necessária (art. 53, § 4.°, do CPM) ou os oficiais nos casos de crimes praticados com a
concorrência de “inferiores” (art. 53, § 5.°, do CPM). Alguns chegam até a louvar a providência legal argumentando que “o inferior
somente obedece, está habituado a fazê-lo e, regra, não tem oportunidade ou lhe falta energia moral capaz de se insurgir contra a
ordem”23 do oficial.
Não nos parece que assim seja! Aliás, não vemos razões que justifiquem os §§ 4.º e 5.º. Ora, quaisquer que sejam os concorrentes no
crime, suas penas serão individualizadas, adequadas e proporcionais às suas culpabilidades. Isto, antes de ser um favor da lei, é uma
garantia inelutável do próprio sentenciado (nullum crimen sine culpa). Portanto, aqui não há nenhum espaço para ficções jurídicas.
De mais a mais, a lei preocupou-se em criar um conceito (cabeça), mas sequer a ele se refere quando trata das circunstâncias
agravantes no concurso de agentes, o que, em derradeira análise, lhe esvazia o conteúdo. Há, todavia, menção expressa na Parte
Especial, em comandos que determinam, p. ex., o incremento da sanção aos “cabeças”, tal qual ocorre no crime de Amotinamento (art.
182 do CPM).

4.11 CASOS DE IMPUNIBILIDADE

O art. 54 determina que o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis,
se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. A previsão comunga com a noção geral de que não bastam as exteriorizações do animus
delinquendi, é necessário, ao menos, que se exponha o bem jurídico protegido a uma situação periclitante. Há, no entanto, uma ressalva
na lei permitindo a punição dos atos preparatórios ou mesmo das articulações preliminares, isto diante de uma antecipação do legislador
em resposta a um perigo iminente, tal qual ocorre com o crime de Conspiração (art. 152 do CPM) em relação ao Motim (art. 149 do
CPM). Observe, entretanto, que não consideramos razoável a tese de que, em casos tais, se está punindo um ato meramente preparatório
de outra infração mais grave, mesmo porque se trata de um ato executório próprio de determinado e específico delito.
__________
1JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 23. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999. v. 1, p. 405.
2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo,
1997. p. 255.
3 FERRAZ, Esther de Figueiredo. A codelinquência no direito penal
brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1976. p. 29.
4 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 410.
5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São
Paulo: Atlas, 1999. p. 226.
6 FERRAZ, Esther de Figueiredo. Op. cit. p. 24.
7 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2000. v. 1, p. 288.
8 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. 2.
ed. São Paulo: RT, 2000. p. 317.
9 A teoria restritiva tem merecido muitas críticas, uma vez que é
flagrantemente insuficiente para solucionar diversas situações
que se apresentam. Lembre-se da hipótese festejada em que um
político contrata conhecido pistoleiro para matar seu adversário.
Como o mandante não executou nenhum ato próprio de matar,
pela teoria restritiva não pode ser considerado autor do
homicídio.
10 GRECO, Rogério. Direito penal. Lições. 2. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2000. p. 395.
11 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 17.
12 BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. Rio de Janeiro: Líber Júris,
1979. p. 77.
13 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. A nova parte
geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 255.
14 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 267.
15 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 295-296.
16 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 23. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999. v. 1, p. 423.
17 MESTIERI, João. Teoria elementar do direito criminal. Parte geral.
Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1990. p. 254.
18 FRANCO, Alberto Silva e STOCO, Rui. Código Penal e sua
interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: RT, 2001. v. 1, p.
506.
19 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 236.
20 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 436.
21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 305.
22 GREGO, Rogério. Op. cit. p. 560.
23 ASSIS, Jorge Cesar. Op. cit. p. 138.
5
DAS PENAS. DAS PENAS PRINCIPAIS

Título V
Das penas

Capítulo I
DAS PENAS PRINCIPAIS

Penas principais.

Art.55. As penas principais são:

a) morte;

b) reclusão;

c) detenção;

d) prisão;

e) impedimento;

f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função militar;

g) reforma.

5.1 DAS PENAS PRINCIPAIS

Dentre os vários mecanismos de controle social, o que mais impressiona e ocupa a atenção dos estudiosos do Direito e das ciências
afins é a sanção penal, em face das severas repercussões que lhe são próprias e características, ora privando, ora restringindo o gozo das
liberdades individuais.
Porém, não se pode dizer que haja unanimidade quando se abre a discussão sobre a razão e a finalidade da sanção penal. Dentre as
teses mais conhecidas, despontam:
Teoria absoluta ou da retribuição → tem por premissa básica a ideia de que a sanção penal é retribuição ao mal praticado, é um
corolário imperativo, punitur quia peccatum. Para Hegel, como o delito é a negação do direito, a sanção penal, enquanto negação de uma
negação, é a própria reafirmação do direito. De certo que “a pena, em sua função retributiva, não deixa de espelhar um certo sentimento
de vingança. Isto por exercer ela, com relação à vítima, à sua família e ao público revoltado com o crime, uma sensação de ‘satisfação’.
A sanção ‘acalma o ressentimento da agressão sofrida, aplaca o sentimento de ódio e indignação que se apossa dos indivíduos e do
público em geral, eliminando os desejos de vinganças privadas’”1.
Teoria relativa ou utilitária → confere à sanção penal um fim prático de prevenção. Esta pode ser geral ou específica. A prevenção
diz-se geral porquanto a possibilidade de sua imposição intimida a todos do grupo social. Por sua vez, no caso particular de punição de
um indivíduo determinado, a prevenção é específica, pois busca, por meio da intimidação, que este não volte a delinquir. “Assim,
enquanto a prevenção geral dirige-se indistintamente à totalidade dos indivíduos integrantes da sociedade, a ideia de prevenção especial
refere-se ao delinquente, concretamente considerado”2.
Teoria mista ou conciliatória → esta teoria conjuga a essência das concepções absolutas e relativas, ou seja, a pena é, ao mesmo
tempo, retribuição e intimidação (prevenção). Tem sido a tese preferida pela doutrina penal.
Diante do que já foi exposto, podemos conceituar a pena como sendo a medida aflitiva imposta pelo Estado, por meio dos órgãos
jurisdicionais competentes, consistente na privação ou restrição de bens jurídicos de um indivíduo, em consequência da prática de um
delito, com o escopo de retribuir-lhe (cobrar-lhe) o comportamento criminoso, fomentar sua readaptação ao ambiente social e prevenir
novas práticas ilícitas.
Para tanto, é necessário observar alguns princípios que dirigem a previsão e aplicação das sanções penais:
1. Princípio da legalidade e anterioridade → a pena deve estar prevista em lei, e isto antes de ter sido praticada a conduta criminosa.
2. Princípio da personalidade → a pena não pode passar da pessoa do condenado.
3. Princípio da individualidade → a sanção penal há de ser proporcional e adequada à culpabilidade do condenado e esta aferição é
essencialmente particular (individualizada), a fim de que se lhe possa aplicar uma resposta justa e exata à reprovação de seu comportamento.
4. Princípio da inderrogabilidade → uma vez imposta a sanção penal, esta deve ser certa e invariavelmente cumprida. Não obstante, no
próprio ordenamento jurídico, encontramos situações em que a regra da inderrogabilidade é atenuada, diante de possibilidades de não
cumprimento da reprimenda regularmente decretada, como se dá com a suspensão condicional da pena (art. 84 do CPM), com o indulto ou a
anistia (art. 123, II, do CPM) etc.

No Código Penal Militar as penas são divididas em principais e acessórias (art. 98 e seguintes). Dentre as principais há: a pena
corporal (de morte), as penas privativas de liberdade (reclusão, detenção e prisão), as penas restritivas de liberdade (impedimento) e as
penas restritivas de direitos (suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função e reforma).
Infelizmente, o legislador penal militar não se preocupou em estabelecer as características de algumas dessas penas, como também
deixou de distinguir a reclusão da detenção, em razão do que havemos de nos socorrer da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984).

Pena de morte.

Art.56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

5.2 DA FORMA DE EXECUÇÃO DA PENA DE MORTE

Diante da acolhida constitucional (art. 5.°, inciso XLVII, “a”), ainda permanece vigente o art. 56 do CPM, versando sobre a pena de
morte3. Todavia, é no Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei 1.002/1969) que se encontra o rito procedimental do fuzilamento
(arts. 707-708), a saber: 1. o militar a ser fuzilado sairá da prisão com uniforme comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados (salvo
se o recusar); 2. o civil será submetido às mesmas condições, trajando, no entanto, roupa comum e decente; 3. o comando verbal de fogo
deve ser substituído por sinais; 4. é assegurada assistência religiosa ao condenado; 5. o fuzilamento, salvo em situações excepcionais, só
será realizado sete dias após a condenação ter sido informada ao Presidente da República, para que este possa permutar a pena ou anistiar
o sentenciado; 6. da execução será lavrada ata circunstanciada.
É digna de nota a posição adotada por Zaffaroni & Pierangelli quando negam à pena de morte a condição de sanção penal,
ressalvando, porém, a excepcional ponderação da medida no direito militar. Eis o que professam: “Entendemos que a chamada pena de
morte não é pena em qualquer ramo do direito penal, mas que o direito penal militar em tempo de guerra merece uma consideração
especial. A guerra é o fracasso do direito, é um fenômeno que escapou ao direito. Frente a este fenômeno, a legislação de guerra não faz
mais do que prever algumas consequências desta especial circunstância”4.

Comunicação.

Art.57. A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e
não pode ser executada senão depois de 7 (sete) dias após a comunicação.
Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o
interesse da ordem e da disciplina militares.

5.3 DA COMUNICAÇÃO DA SENTENÇA DE MORTE

Trata este art. 57 da comunicação da sentença transitada em julgado que impõe ao condenado a pena de morte. O objetivo claro do
dispositivo é abrir uma oportunidade para que o Presidente da República conceda o indulto ou permute a sanção capital, usando-se da
prerrogativa que lhe confere o art. 84, inciso XII, da Constituição Federal.
De acordo com o Código de Processo Penal Militar, das sentenças de primeira instância (em tempo de guerra) cabe recurso de
apelação, que deve ser interposto no prazo de 24 horas, a contar da intimação da sentença (art. 694). A celeridade processual acompanha
todo o restante do procedimento recursal, de sorte que, entre a condenação e o trânsito em julgado do acórdão, o intervalo de tempo é
irrisório.
Já o parágrafo único permite a imediata execução da pena de morte, sem a comunicação ao Presidente da República, quando a sanção
for imposta em zona de operações de guerra, e assim o exigir o interesse da ordem e da disciplina militar.
Essa ressalva da lei não parece tão necessária quanto outrora, pois, além de vivermos em uma era caracterizada pelo dinamismo na
transmissão de informação, inexiste razão suficientemente óbvia para o açodamento. Se se pretende hipertrofiar o caráter inibitório
genérico da pena, muito mais pungente é o espetáculo da angustiante espera pela morte que atormenta o condenado às vésperas de sua
execução.
Máximos e mínimos genéricos.

Art.58. O mínimo da pena de reclusão é de 1 (um) ano e o máximo de 30 (trinta) anos; o mínimo da pena de detenção é de 30
(trinta) dias e o máximo de 10 (dez) anos.

5.4 MÁXIMOS E MÍNIMOS DAS PENAS DE RECLUSÃO E DETENÇÃO

Eis a única distinção que o Código Penal Militar estabelece entre as penas de reclusão e detenção, deixando a disciplina da matéria ao
sabor da Lei de Execuções Penais, opção que não nos parece ser a mais adequada, pois, nos casos de execução da pena em
estabelecimentos militares, as regras da LEP, muitas das vezes, entram em choque com as singularidades das rotinas militares e, a bem
da verdade, não existem no Brasil estabelecimentos prisionais nas Forças Armadas que atendam às exigências dessa legislação especial,
destinada que é à execução de condenações emanadas da Justiça comum.
Contudo, este art. 58 tem uma particular razão de ser: em vários tipos penais incriminadores, o CPM apenas prevê o limite máximo
da pena privativa de liberdade a ser imposta. Nestes casos, vale-se o aplicador do direito deste enunciado, sabendo que o mínimo da pena
de reclusão é de 1 ano e o mínimo da pena de detenção é de 30 dias. Servem como exemplos os crimes de Sobrevoo em local interdito
(art. 148) e Difusão de epizootia ou praga vegetal culposa (art. 278, parágrafo único).
Essa técnica utilizada pelo CPM não é das mais comuns, embora nada a desaconselhe. Somente é diferente do padrão utilizado
frequentemente de, em cada tipo penal, existir a previsão do mínimo e do máximo da pena privativa de liberdade (como também ocorre
na maioria dos delitos previstos na lei penal militar).
Há, ainda, outra diversa formatação de preceito-sanção neste Código. Nela, em vez de ser concedido um ‘espaço’ entre o mínimo e o
máximo da pena, são fixadas peremptoriamente a pena máxima ou a pena mínima. É o que ocorre nos crimes de Homicídio qualificado
em tempo de guerra (art. 400, inciso III) e Genocídio (art. 401), entre outros.

Pena até dois anos aplicada a militar.

Art.59. A pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida,
quando não cabível a suspensão condicional:

• Caput com redação dada pela Lei 6.544/1978.

I – pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar;

II – pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada dos presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou
pena privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos.

Separação de praças especiais e graduadas.

Parágrafo único. Para efeito de separação, no cumprimento da pena de prisão, atender-se-á, também, à condição das praças
especiais e à das graduadas, ou não; e, dentre as graduadas, à das que tenham graduação especial.

5.5 DA CONVERSÃO DAS PENAS DE RECLUSÃO E DETENÇÃO EM PRISÃO

O CPM prevê a hipótese de conversão das penas de reclusão e detenção por prisão quando o condenado for militar e a condenação
imposta não ultrapassar dois anos. Há evidência de que se trata de medida de boa política criminal e que, dada a generalidade da norma
(refere-se apenas a militar), deve ser estendida aos militares inativos.
Nota-se, no cotejo entre os incisos I e II, a nítida distinção que há entre o cumprimento da prisão pelos oficiais em relação aos praças.
Para os primeiros, basta que a execução ocorra em recinto de estabelecimento militar: um alojamento em qualquer Organização Militar,
por exemplo.
Já aos praças é reservado o “xadrez”. Repare: o inciso II determina que a prisão há de ser cumprida em estabelecimento penal e que o
preso ficará separado dos que cumprem punição disciplinar ou condenação superior a dois anos.
A separação deve levar em conta, inclusive, os círculos hierárquicos estabelecidos pelo Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980). É o
que impõe o parágrafo único deste art. 59.

Pena do assemelhado.

Art.60. O assemelhado cumpre a pena conforme o posto ou a graduação que lhe é correspondente.

Pena dos não assemelhados.


Parágrafo único. Para os não assemelhados dos Ministérios Militares e órgãos sobre o controle destes, regula-se a
correspondência pelo padrão de remuneração.

5.6 PENA DO ASSEMELHADO E PENA DOS NÃO ASSEMELHADOS

É induvidoso que o comando contido no caput deste art. 60 perdeu sua razão de ser, pois, como dito, não há mais assemelhados.
Todavia, o parágrafo único merece uma maior atenção, até mesmo diante de sua péssima redação, senão vejamos: a rubrica marginal do
dispositivo conclama para a “pena dos não assemelhados”, isto é, a pena atualmente aplicada a todos os servidores civis das Forças
Armadas; daí resulta que, para estes, deve ser estabelecida uma correspondência, a par dos vencimentos, com os militares, a fim de que
cumpram suas condenações em condições similares aos oficiais ou praças.
No entanto, o art. 62 determina que os civis devem cumprir suas penas em estabelecimento penal comum! Ocorre que o comando do
art. 60, parágrafo único, é mais benigno aos civis servidores das FFAA, em face do que deve ser aplicado. Infelizmente o legislador não
foi feliz na redação do parágrafo, o que, em derradeira análise, dificulta seu entendimento e aplicação.

Pena superior a dois anos, aplicada a militar.

Art.61. A pena privativa de liberdade por mais de 2 (dois) anos, aplicada a militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta
dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de
cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar.

• Artigo com redação dada pela Lei 6.544/1978.

5.7 LOCAL DE EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A DOIS ANOS, APLICADA A
MILITAR

Quando aos militares é aplicada pena privativa de liberdade até o limite de 2 (dois) anos, pode haver (quando não caiba sursis) a
conversão por prisão e, em consequência, a execução da sanção dar-se-á em Organização Militar ou estabelecimento penal militar, ex vi
o disposto no art. 59.
Porém, nos casos em que a pena privativa de liberdade ultrapassa esse limite de dois anos, a execução da pena ocorrerá,
preferencialmente, em penitenciária militar (inclusive para os oficiais) ou, na falta desta, em estabelecimento prisional comum. Nesta
hipótese, a execução da pena ficará a cargo do Juízo de Execuções Penais e será regulada pela LEP (Lei 7.210/1984).

Pena privativa de liberdade aplicada a civil.

Art.62. O civil cumpre a pena aplicada pela Justiça Militar, em estabelecimento prisional civil, ficando ele sujeito ao regime
conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar.

Parágrafo único. Por crime militar praticado em tempo de guerra poderá o civil ficar sujeito a cumprir a pena, no todo ou em
parte, em penitenciária militar, se, em benefício da segurança nacional, assim o determinar a sentença.

• Artigo com redação dada pela Lei 6.544/1978.

5.8 LOCAL DE EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE APLICADA A CIVIL

Guardada a ressalva que fizemos no item 5.6 (art. 60, parágrafo único), as penas privativas de liberdade impostas aos civis devem ser
cumpridas em unidades penitenciárias comuns, sob a égide da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984).
Há, no entanto, a possibilidade de que, por crime militar praticado em tempo de guerra, o civil cumpra sua pena em Organização
Militar, dês que interesse à salvaguarda nacional, e assim determine a sentença condenatória.

Pena de impedimento.

Art.63. A pena de impedimento sujeita o condenado a permanecer no recinto de unidade, sem prejuízo da instrução criminal.
5.9 PENA DE IMPEDIMENTO

Parece-nos econômico afirmar que a pena de impedimento tem “feição disciplinar”5. Ora, trata-se de uma sanção penal, congrega a
universalidade dos atributos desta singular espécie de iniciativa estatal. Melhor seria dizer que o impedimento é uma pena com nítido
caráter ressocializador e educativo, pois privilegia a empresa laboral (in casu, por meio da presença às instruções militares) em
detrimento do simples encarceramento e segregação do condenado: em vez da cela, a sala de instruções; no lugar do pântano sombrio de
isolamento, a companhia sublimadora da tropa nos exercícios de terreno.
Por outro lado, há sanções disciplinares bem mais gravosas do que a pena de impedimento. O que dizer da prisão rigorosa6, por
exemplo?
Portanto, é digna de louvor a iniciativa do legislador penal militar de criar uma pena que restringe a liberdade individual do
condenado e investe na sua recuperação pela educação (instrução militar).
Infelizmente, é proposta sancionatória pouco utilizada na tipologia penal militar, reservada ao delito de insubmissão (art. 183 do
CPM).

Pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função.

Art.64. A pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função consiste na agregação, no afastamento, no
licenciamento ou na disponibilidade do condenado, pelo tempo fixado na sentença, sem prejuízo do seu comparecimento regular
à sede do serviço. Não será contado como tempo de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento da pena.

Caso de reserva, reforma ou aposentadoria.

Parágrafo único. Se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na reserva, ou reformado ou aposentado, a pena
prevista neste artigo será convertida em pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

5.10 SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DO POSTO, GRADUAÇÃO, CARGO OU FUNÇÃO

Em nosso sentir, eis um bom exemplo que configura a necessidade existente de se atualizar (modernizar) o Código Penal Militar.
Nos dias de hoje, a suspensão do exercício de cargo, função etc. não tem mais o clamor de pena principal: ou é prevista como efeito da
condenação ou, quando muito, recebe o status de pena substitutiva; sendo esta, talvez, a melhor das opções.
No entanto, permanece no CPM a título de pena principal, remetendo o aplicador às normas administrativas que definem o que é
posto, graduação, cargo, função, agregação, afastamento, licenciamento e disponibilidade. A par disto, merece reparo a parte final do
dispositivo, que determina o comparecimento regular do condenado ao serviço. Ora, o que o condenado vai fazer no trabalho, se está
suspenso? Nada. Então, não tem o mínimo sentido a exigência da lei. Aliás, serve apenas como péssimo exemplo de ociosidade ou, sabe-
se lá, de trabalhos forçados, até mesmo porque o período de suspensão sequer pode ser computado, para efeito algum, como tempo de
serviço.
Também é preciso cuidado com o emprego da terminologia do tipo penal em apreço, pois o Estatuto dos Militares, por exemplo,
utiliza-se dos conceitos administrativos de maneira bastante particular. Assim, cargo e função militares não são conceitos absolutamente
iguais àqueles do Direito Administrativo comum. Na Administração Pública há função sem cargo. Na Gestão Militar, não! (art. 23 da Lei
6.880/1980). E, a bem da verdade, como o cargo militar decorre do posto ou da graduação (art. 20, § 2.°, do Estatuto), parece razoável
crer que a pena de suspensão aplicada aos militares é apenas a referente ao posto ou graduação, sendo que aos servidores civis a
suspensão alcança o cargo ou a função pública que exerce.
De qualquer sorte, os militares sujeitos a esta pena ficam, de acordo com a lei, agregados, afastados ou licenciados, enquanto que os
servidores civis devem ser colocados em disponibilidade7. Observe que a agregação já é uma das modalidades reconhecidas pela lei de
afastamento do serviço ativo (art. 82, inciso XI, do Estatuto dos Militares). Já o licenciamento equivale à demissão8 do direito
administrativo comum e, portanto, mostra-se inconciliável com a natureza de restrição temporária da suspensão do posto ou da
graduação. Aliás, quando trata do licenciamento, o Estatuto dos Militares jamais se refere à pena de suspensão. Ou o militar fica
agregado ou então, quando praça, a pena cede seu caráter de transitoriedade à peremptoriedade, pois o licenciamento acarreta a perda da
graduação.
Por fim, quando o condenado, à época da sentença, já estiver retirado, isto é, transferido para a reserva (os militares) ou aposentado
(os servidores civis), a pena de suspensão do posto, graduação, cargo ou função, há de ser convertida em detenção de três meses a um
ano.

Pena de reforma.

Art.65. A pena de reforma sujeita o condenado à situação de inatividade, não podendo perceber mais de 1/25 (um vinte e cinco
avos) do soldo, por ano de serviço, nem receber importância superior à do soldo.
5.11 PENA DE REFORMA

Com este artigo o CPM quebra a harmonia conceitual com o Estatuto dos Militares. Ademais, cria uma odiosa situação de bis in
idem, já que o militar condenado sofre duas apenações pelo mesmo fato: a transferência ex officio para a inatividade e a perda substancial
de seus vencimentos. Além do mais, a sanção penal acaba por estender-se, de forma direta, ao núcleo familiar do agente, amplitude não
aceita em nosso ordenamento, que prima pelo princípio de que a sanção penal é personalíssima. Por outro lado, a Carta Federal protege o
direito adquirido, o que, de certa forma, pode sugerir a inconstitucionalidade da pena de reforma, nos termos preconizados neste art. 65.

Superveniência de doença mental.

Art.66. O condenado a que sobrevenha doença mental deve ser recolhido a manicômio judiciário ou, na falta deste, a outro
estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurada custódia e tratamento.

5.12 SUPERVENIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL

Não raro acontece de o condenado, durante a execução de uma pena privativa de liberdade, passar a sofrer de doença ou perturbação
mental. Nestes casos, a pena não deve mais ser executada em unidade prisional (civil ou militar), pois a finalidade precípua da sanção
penal é a recuperação social do condenado, o que exige, sob o risco de transfigurar-se em medida inútil, que o apenado tenha preservada
sua capacidade de querer e de entender. “Ademais, a incapacidade psíquica torna inconveniente e mesmo perigosa a permanência do
condenado em estabelecimento destinado à execução da pena”9.
É preciso destacar, contudo, que o Código Penal Militar prevê apenas a transferência do condenado da penitenciária para o hospital,
dando continuidade à execução da pena (vide art. 600 do CPPM). Todavia, esta medida é ineficaz quando a superveniente falta de
higidez mental for grave, situação que, em nosso entendimento, postula pela conversão da pena privativa de liberdade em medida de
segurança, nos termos da Lei de Execuções Penais, até mesmo em razão do acima exposto: a necessidade de que o condenado entenda a
execução de sua pena e, entendendo-a, possa sublimar-se. E isto independe do status do condenado, pois o Estado busca a recuperação e
a cura dos condenados civis e militares, sem qualquer distinção.

Tempo computável.

Art.67. Computam-se na pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de internação
em hospital ou manicômio, bem como o excesso de tempo, reconhecido em decisão judicial irrecorrível, no cumprimento da
pena, por outro crime, desde que a decisão seja posterior ao crime de que se trata.

5.13 TEMPO COMPUTÁVEL NA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

O art. 67 trata da detração nas penas privativas de liberdade dos períodos anteriores, em que o condenado esteve preso
provisoriamente ou internado em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico.
No processo penal militar são espécies de prisões provisórias: a prisão em flagrante delito, a prisão preventiva, a prisão resultante da
condenação recorrível, a menagem e a prisão decretada pelo Encarregado do IPM nos casos previstos pelo art. 18 do CPPM.
Situação que reclama por especial atenção diz respeito ao cômputo de período excessivo no cumprimento de pena, em virtude de
condenação por outro crime. A redação do dispositivo não é das melhores e tende a gerar interpretações dúbias. Ora, o que pretende o
legislador é compensar o erro na execução de uma outra condenação. Para tanto, foi necessário um cuidado: não dar ao criminoso um
“cheque em branco” para cometer delitos. E isto a lei faria se não condicionasse a detração ao fato de que a decisão irrecorrível que
reconhece o excesso de prazo no cumprimento da outra pena seja posterior ao crime cuja pena há de ser abatida.

Transferência de condenados.

Art.68. O condenado pela Justiça Militar de uma região, distrito ou zona pode cumprir pena em estabelecimento de outra região,
distrito ou zona.

5.14 TRANSFERÊNCIA DE CONDENADOS

É lamentável a falta de coerência em algumas passagens deste Código. Aqui, ao que parece, se confunde divisão
administrativo-territorial das Forças Armadas com organização da Justiça Militar da União em Circunscrições Judiciárias.
O que importa para a execução das penas é a área de jurisdição das Circunscrições Judiciárias Militares, que nem sempre coincide
com os marcos territoriais das Regiões Militares, Distritos Navais ou Comandos Aéreos Regionais (muitas vezes distintos entre eles
próprios).
Todavia, há franca possibilidade de, em situações que reclamem a excepcional medida, transferir-se a execução da pena de uma
Circunscrição Judiciária para outra.
__________
1COSTA JR., Paulo José. Comentários ao Código Penal. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 1996. p. 140.
2 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. 2.
ed. São Paulo: RT, 2000. p. 342.
3 É válido conferir as considerações de Hungria sobre a pena de
morte. Op. cit. Apêndice, p. 450-463.
4 Op. cit. p. 784.
5 Neste sentido, BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal
Militar de 1969. São Paulo: Juriscrédi, 1972. v. 1, p. 297. ASSIS,
Jorge César. Op. cit. p. 146.
6 Prevista no art. 14 do RDMar.
7 Parece-nos, salvo melhor entendimento, equivocado o entendimento
de que a expressão “disponibilidade” se refere à vinculação dos
reservistas a uma Organização Militar nos casos de mobilização
(neste sentido: ASSIS, Jorge César. Op. cit. p. 147). Em nosso
raciocínio, tratando-se, como se trata, de consequência direta de
uma sanção penal, a “disponibilidade” a que se refere a lei
somente pode ser aquela que versa sobre o afastamento do
serviço público.
8 Aqui também há de se ter cuidado, pois “demissão”, no Estatuto dos
Militares, assume características próprias. A propósito, verifique
a casuística dos arts. 115 a 117 do Estatuto dos Militares.
9 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 9. ed. São Paulo: Atlas,
2000. p. 293.
6
DA APLICAÇÃO DA PENA

Capítulo II
DA APLICAÇÃO DA PENA

Fixação da pena privativa de liberdade.

Art.69. Para fixação da pena privativa de liberdade, o juiz aprecia a gravidade do crime praticado e a personalidade do réu,
devendo ter em conta a intensidade do dolo ou o grau da culpa, a maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano, os
meios empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de tempo, lugar, os antecedentes do réu
e sua atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime.

Determinação da pena.

§ 1.° Se são cominadas penas alternativas, o juiz deve determinar qual delas é aplicável.

Limites legais da pena.

§ 2.° Salvo o disposto no art. 76, é fixada dentro dos limites legais a quantidade da pena aplicável.

6.1 DOSIMETRIA PENAL. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A aplicação de uma pena envolve um hercúleo esforço na busca da mais perfeita proporcionalidade que for possível estabelecer
entre a reconstrução histórica do fato-crime, realizada por intermédio dos meios de prova utilizados na instrução processual, e a resposta
sanção do Estado.
Portanto, ao estipular a pena em concreto, o juiz não deve se ocupar somente do crime praticado ou da pessoa do infrator, mas há de
considerar, concomitantemente, uma série de elementos subjetivos (referentes ao autor) e objetivos (pertinentes ao fato) que lhe servem
de parâmetros legais para, dentro dos limites mínimos e máximos traçados pelo legislador, fixar a qualidade (art. 69, § 1.°) e quantidade
de pena, tornando-a suficiente e adequada à reprovação e prevenção do delito.
Com efeito, norteia o magistrado a justa preocupação em “neutralizar o efeito do delito como exemplo negativo para a comunidade,
contribuindo com isso ao fortalecimento da consciência jurídica da comunidade, à medida que procura satisfazer ao sentimento de
justiça do mundo circundante, que está em torno do delinquente”1.
Porém, como esta operação envolve grande parcela de discricionariedade, faz-se necessário que a decisão seja satisfatoriamente
motivada. Aliás, para Fragoso, “a motivação da sentença é exigência de todas as legislações modernas, onde exerce, como diz Franco
Cordero, função de defesa do cidadão contra o arbítrio do juiz. De outra parte, a motivação constitui também garantia para o Estado,
pois interessa a este que sua vontade superior seja exatamente cumprida e se administre corretamente a justiça. O juiz mesmo protege-
se, mediante a obrigação de motivar a sentença, contra a suspeita de arbitrariedade, de parcialidade, ou de outra qualquer injustiça”2.
É importante frisar que, somente com a devida fundamentação do decisum, poderão as partes conhecer do processo lógico-dedutivo
que conduziu o magistrado, premissa fundamental para que possam exercer, inclusive, o direito constitucionalmente assegurado ao
segundo grau de jurisdição. “A defesa e a acusação têm o direito de saber por que caminhos e com que fundamentos de fato e de direito
o juiz chegou à fixação da pena concreta ou definitiva. Esconder esses caminhos é cercear a defesa ou desarmar a acusação; é dificultar
ou impossibilitar a fundamentação de recurso das partes o ataque lógico e jurídico às injustiças da sentença. As sentenças penais devem
ser de motivação transparente, para incutir no povo respeito e admiração pela Justiça e confiança na retidão e segurança de seus
juízes”3.
Atento a tudo isto, o Código Penal Militar determina que o cálculo da pena privativa de liberdade envolva três operações
sequenciais (sistema trifásico). Assim, além de conferir lógica à operação, permite que cada fase do cálculo de pena seja explicada,
conhecida e, quando necessário, combatida (por meio das vias recursais).
De acordo com o critério adotado, o primeiro momento é o da fixação da pena-base, com fulcro neste art. 69 (circunstâncias
judiciais). Em seguida, o juiz deve considerar as circunstâncias agravantes (art. 70 do CPM) e atenuantes (art. 72 do CPM) genéricas.
Por fim, haverão de ser aplicadas as causas especiais de aumento e de diminuição da pena (art. 76, majorantes e minorantes, do CPM).
6.2 CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (FIXAÇÃO DA PENA-BASE) – 1.ª FASE DA DOSIMETRIA PENAL
MILITAR

Balizado pelos elementos de magnitude que compõem o art. 69 em estudo, os Conselhos de Justiça devem determinar a qualidade e
a quantidade da pena, conforme seja necessário e suficiente à prevenção e reprovação do crime.
Em primeiro lugar, a lei determina que o juiz considere a gravidade do crime praticado e a personalidade do réu. O Código Penal
Militar utilizou-se de uma técnica conhecida de escalonamento e organização dos tipos penais (modelos de crimes) em virtude da
importância dos bens jurídicos protegidos. Assim, pode-se dizer (com determinada cautela) que o índice da Parte Especial do CPM
apresenta os crimes em ordem decrescente de importância dos bens jurídicos tutelados. Fator que também influencia na fixação da
pena-base é a análise da personalidade do agente, considerada como sendo a índole, o perfil psicológico, o padrão de comportamento
ético e moral, decorrentes das influências, ocasionais ou permanentes, do meio circundante. Interessante advertir que a personalidade
não se acomoda à ideia de algo fixo, estático, imutável4, pois sua formação resulta de um processo contínuo de mudanças, ao sabor das
multifacetadas experiências de vida.
Em seguida, há de ser analisada a intensidade do dolo (consciência e vontade) ou o grau de culpa (violação do dever objetivo de
cuidado), elementos que já se inserem na conduta e, portanto, constituem pressupostos naturais do fato típico. Não obstante, é óbvio que
o juiz não pode deixar de considerá-los no momento em que fixa a pena-base, sem o que não haveria a justa e inafastável
individualização da reprimenda. “Um dolo mais intenso ou uma culpa mais grave são índices precisos de que a conduta é mais
censurável”5.
Quanto às consequências do crime (extensão do dano efetivo ou potencial), certo é que o delito, por si só, já representa um
aviltamento do ambiente social. Ocorre, contudo, que determinadas ações criminosas geram uma repercussão extremamente grave, ou,
por outro lado, próxima da insignificância, fazendo com que o juiz deva considerar tais peculiaridades no instante em que aplica a
sanção-base, isto em homenagem à proporcionalidade que deve ser guardada entre a infração e o respectivo apenamento.
Também devem ser cotejadas as circunstâncias que orbitam em torno do crime, elas que são elementos acessórios da figura penal;
pois, malgrado não integrem o crime, influenciam na sua gravidade objetiva, v.g., tempo e lugar da infração, meios empregados pelo
autor, modo de execução, motivos determinantes, comportamento do agente durante a execução do crime, relacionamento existente
entre o criminoso e a vítima, etc.
Por fim, o legislador manda que o juiz leve em conta os antecedentes do réu e sua postura após a consumação do delito. Os
antecedentes do acusado consubstanciam o conjunto de fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam
auxiliar na avaliação subjetiva do crime6.
Infelizmente, a lei silenciou quanto ao comportamento da vítima, personagem de suma importância no estudo do fenômeno-crime, a
ponto de defender-se que “o estudo da personalidade da vítima tem de ser tão completo ou profundo como o da personalidade do
delinquente, abrangendo os seus planos ou aspectos biológicos, psicológicos e sociológicos, no plano de sua individualidade e de sua
relação com o seu mundo circundante (ou meio ambiente) em todos os seus setores”7. A vitimologia, ciência que estuda a relação
vítima-criminoso, costuma classificar as vítimas em sete espécies, quais sejam: 1.ª) vítimas-natas; 2.ª) vítimas potenciais; 3.ª) vítimas
inocentes; 4.ª) vítimas provocadoras; 5.ª) vítimas falsas (simuladoras ou imaginárias); 6.ª) vítimas indiscriminadas; 7.ª) vítimas
voluntárias.
Não obstante o esquecimento, entendemos que a interferência da vítima na conduta criminosa deve ser considerada nesta primeira
fase da dosimetria penal.
Deve-se observar, ainda, que, nesta primeira fase da dosimetria, a pena-base não pode ultrapassar o limite máximo cominado, em
abstrato, no preceito-sanção (secundário) de cada tipo penal, ex vi, o disposto no § 2.° deste art. 69.

Circunstâncias agravantes.

Art.70. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do crime:
I – a reincidência;
II – ter o agente cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) depois de embriagar-se, salvo se a embriaguez decorre de caso fortuito, engano ou força maior;
d) à traição, de emboscada, com surpresa, ou mediante outro recurso insidioso que dificultou ou tornou impossível a defesa da
vítima;
e) com o emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que podia
resultar perigo comum;
f) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, velho ou enfermo;
• Alínea com redação dada pela Lei 9.318/1996.
i) quando o ofendido estava sob imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, encalhe, alagamento, inundação, ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça
particular do ofendido;
l) estando de serviço;
m) com emprego de arma, material ou instrumento de serviço, para esse fim procurado;
n) em auditório da Justiça Militar ou local onde tenha sede a sua administração;
o) em país estrangeiro.
Parágrafo único. As circunstâncias das letras c, salvo no caso de embriaguez preordenada, l, m e o, só agravam o crime
quando praticado por militar.

6.3 CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES GENÉRICAS – 2.ª FASE DA DOSIMETRIA PENAL MILITAR

Em passagem anterior ficou registrada a ideia de que as circunstâncias são elementos que se agregam à descrição legal do fato-crime
sem modificar-lhe a substância, influenciando, contudo, na maior ou menor relevância de suas consequências. Para Ásua, circunstância
é tudo o que modifica um fato em seu conceito sem lhe alterar a essência! Assim, por exemplo, um homicídio praticado por motivo fútil
não deixa de ser homicídio se eliminarmos, hipoteticamente, a circunstância referida (motivo fútil). Eis, inclusive, o divisor de águas
entre as circunstâncias e as elementares, pois estas, se suprimidas, fazem com que a figura penal sob enfoque desapareça, tornado o fato
sujeito à outra titulação (desclassificação) ou até mesmo atípico, v.g., retire a condição de militar ou de servidor civil no peculato que
este crime deixa de existir, podendo remanescer, todavia, uma apropriação indébita ou furto.
As circunstâncias agravantes, portanto, são as que aumentam a reprovabilidade da conduta imputada ao agente, pois revelam sua
particular e exacerbada culpabilidade8. No código penal militar estão previstas no art. 70 (agravantes genéricas) e mal colocadas no art.
53, § 2.° (agravantes no concurso de agentes).
As agravantes genéricas são de aplicação obrigatória, desde que não constituam ou qualifiquem o delito, providência destinada a
impedir que uma mesma circunstância produza duplo efeito sancionatório, ou seja, acarrete bis in idem.
A primeira das agravantes arroladas no art. 70 é a reincidência, alvo de nossos comentários no próximo item 6.4 (art. 71), aos quais
remetemos vossa preciosa atenção.
Já no inciso II são arroladas várias circunstâncias agravantes relacionadas aos motivos e à finalidade do crime, ao modo de execução
do delito, às condições pessoais do criminoso ou da vítima, à oportunidade em que foi cometida a infração, etc. Ei-las:
Ter o agente cometido o crime por motivo fútil ou torpe: fútil é o motivo frívolo, desprezível, insignificante, descabido e
desproporcional ao crime praticado. Torpe é a motivação vil, repugnante, que viola os mais básicos conceitos e padrões de convivência
social. Enquanto a futilidade do motivo traduz o egoísmo e a indiferença do agente, a torpeza revela sua perversidade e cupidez.
Ter o agente cometido o crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
nesta segunda hipótese, a motivação do criminoso continua a dar ensejo à exacerbação da pena, só que agora em situações de conexão
delitiva, ou seja, o indivíduo comete o crime com a finalidade de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de
outro. “Há dois crimes conexos, e aquele que vai servir de meio para o segundo ou de condição para sua eficácia é onerado com o peso
da agravante”9.
Ter o agente cometido o crime depois de embriagar-se, salvo se a embriaguez decorre de caso fortuito, engano ou força maior: esta
agravante, em nosso entendimento, merece um reparo. Como visto no item 3.2 (comentários ao art. 49), a embriaguez originada de caso
fortuito, engano ou força maior é tida como involuntária e, quando completa, isenta de pena por questões óbvias. Quanto à embriaguez
voluntária, não há sentido em que seja considerada para efeitos de agravação de pena, posto que absolutamente divorciada do desejo
criminoso. É o oposto da preordenada, em que o agente se coloca em estado de embriaguez para, com isto, perder os freios inibitórios e
delinquir, isto é, na embriaguez preordenada “o agente deliberadamente embriaga-se para criar condições psíquicas favoráveis ao crime,
animando-se de coragem ou sufocando os resíduos de resistência ao impulso criminoso”10. É o exemplo clássico de actio libera in
causa (ação livre na causa). Esta, sim, merece ser considerada para efeitos de agravação da pena; a voluntária não! A não ser que se
pretenda instituir a responsabilidade objetiva em Direito Penal.
Ter o agente cometido o crime à traição, de emboscada, com surpresa, ou mediante outro recurso insidioso que dificultou ou
tornou impossível a defesa da vítima: o modo de execução que dificulta ou torna impossível a defesa da vítima é o objeto desta
agravante. Note que a lei se vale de uma fórmula genérica, exemplificando algumas modalidades de comportamento gravoso e
permitindo, por consequência, a interpretação analógica. A traição traduz uma quebra de confiança, é o ataque súbito, sorrateiro,
inesperado. Emboscada é a tocaia, reveladora de intensa covardia e perfídia. Surpresa é o encobrimento dos próprios desígnios do
agente (inclusive por meio da dissimulação), o ofendido é atacado de súbito, de inopino e, assim, perde as chances de antever-se,
defender-se ou socorrer-se. Ademais, qualquer outro recurso insidioso, isto é, desleal, traiçoeiro, que iluda e desoriente a vítima, há de
ser levado em conta para agravação da pena.
Ter o agente cometido o crime com emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo ou outro meio dissimulado ou cruel, ou de
que podia resultar perigo comum: de forma semelhante ao item anterior, trata-se agora de uma exemplificação genérica de meios
dissimulados, cruéis ou dos quais possam resultar perigo comum. Teria sido melhor que os meios insidiosos tivessem sido arrolados
nesta circunstância agravante (art. 70, II, “e”) e não na anterior, que mais se aproxima, por sua vez, da dissimulação, veiculada somente
agora. Dissimulado é o meio encoberto com astúcia, é o disfarce, a ocultação do desejo hostil, em razão do que a vítima é surpreendida
com o crime. Na verdade, como dito, a dissimulação em nada se assemelha aos meios cruéis, que são aqueles que aumentam ou
potencializam o sofrimento da vítima, bem como os que revelam uma acentuada perversidade do agente. Tortura é o suplício, o
sofrimento hipertrofiado causado a outrem. Note, porém, que a prática de tortura, quando presentes os elementos descritos no art. 1.º da
Lei 9.455/1997, constitui crime. Também agravam a pena o emprego de veneno, a asfixia, a utilização de fogo, explosivo e sempre que
o meio utilizado cause risco genérico, isto é, perigo comum.
Ter cometido o crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge: a razão desta agravante reside na prova de insensibilidade
moral do agente, revelada na oportunidade em que pratica um delito contra as pessoas que lhe deviam ser mais próximas, queridas e
respeitadas, pois integrantes do círculo social mais elementar: a família. Aqui, vale dizer, é indiferente ser o parentesco natural
(consanguinidade) ou cível (adoção), legítimo (casamento) ou ilegítimo (união estável).
Ter cometido o crime com abuso de poder ou violação do dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão: mais uma vez a
condição pessoal do agente serve como circunstância de exasperação da pena, pois revela a distorção moral e ética daquele que viola
seus deveres funcionais, laborais ou ministeriais para praticar crimes, considerando, inclusive, a diminuição da capacidade de
resistência do ofendido, enfraquecido diante da situação de desequilíbrio ou hipossuficiência que se apresenta em seu desfavor. Lembre-
se que abuso de poder reflete o extrapolamento na utilização da parcela de munus concedida a um funcionário público em razão de seus
misteres. Observe, de igual sorte, que as circunstâncias enumeradas neste dispositivo não podem agravar a pena quando constituem
elementar do tipo, por exemplo: a condição de funcionário público no peculato; pois, se assim não fosse, a mesma circunstância ou
condição serviria para a acomodação típica e para o aumento da pena, o que, realmente, é inadmissível. Por derradeiro, é de bom alvitre
dizer que, enquanto o termo ofício refere-se às atividades predominantemente manuais ou artesanais e ministério pertine às atividades
de cunho religioso ou espiritual, a expressão profissão é utilizada como indicativa das atividades laborais reguladas e de cunho
essencialmente intelectual11.
Ter o agente cometido o crime contra criança, velho ou enfermo: agora são as condições de fragilidade da vítima que conduzem a
um agravamento da pena, haja vista a intensa repulsa que o crime contra tais pessoas vem a causar no meio social. Muito embora a
jurisprudência tenha fixado a primeira infância (até os oito anos) como limite para a aplicação da agravante12, entendemos que a idade
limite há de ser a contemplada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, 12 anos incompletos, isto em homenagem ao próprio
ordenamento jurídico que, além de coeso, deve mostrar-se harmônico. Hoje, de acordo com o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), o
que o CPM denomina de “velho” há de ser considerado o indivíduo de 60 anos ou mais, não podendo se excluir deste rol, porém, a
pessoa de idade inferior cujas condições pessoais de senilidade afetem sensível e comprovadamente a sua capacidade de resistência.
Enfermo é todo aquele que, em razão de uma doença física ou mental, tem diminuída ou anulada a possibilidade de resistir à empreitada
criminosa. Infelizmente, a lei penal militar não contempla a hipótese de agravação da pena quando o crime tiver sido praticado contra
mulher grávida, tal qual previsto no CPB.
Ter o agente cometido o crime quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade: esta hipótese é reveladora de uma
inaceitável e grave ousadia do criminoso, pois não deixa de praticar o crime mesmo quando o ofendido encontra-se sob proteção
imediata do agente público, o que denota nítido e censurável desprezo ao exercício da autoridade. “O que se ofende não é só o bem
jurídico do indivíduo, mas o respeito à autoridade que o tem sob sua imediata proteção e cresce ainda da reprovação do fato pela
audácia do agente, a pertinácia com que leva adiante o seu desígnio criminoso, apesar da situação particular de garantia em que se
encontra a sua vítima”13.
Ter o agente cometido o crime em situação de incêndio, naufrágio, encalhe, alagamento, inundação ou qualquer calamidade
pública, ou de desgraça particular do ofendido: todas estas circunstâncias apontam que a personalidade do criminoso é adornada por
uma absoluta ausência de solidariedade humana, elevada cupidez, ganância desmedida, oportunismo cínico e cruel, realidade que avilta
as expectativas mais simples e verdadeiras da vida em comunidade, justificando, plenamente, a exasperação da pena. Note que a
situação de calamidade ou desgraça não é provocada pelo agente, ele somente dela se vale para cometer o ilícito.
Ter o agente cometido o crime estando de serviço: é lógico que acresce a responsabilidade pessoal do militar que comete crime
estando de serviço, isto é, escalado ou designado para segurança, policiamento, manutenção, pronto-emprego, sobreaviso etc., até
mesmo porque em uma dessas situações o militar é o responsável pelas instalações e equipamentos militares, bem como pela
salvaguarda da vida e da integridade física de seus companheiros. Portanto, no período de tempo em que está de serviço, lhe é cobrado
absoluto compromisso e devoção, atributos inconciliáveis com os desideratos e práticas delituosas.
Ter cometido o crime com emprego de arma, material ou instrumento de serviço, para esse fim procurado: agiu bem o legislador
em agravar a pena do agente (militar ou civil) que se vale de instrumentos, armas ou material de serviço para o cometimento de crimes.
Note que o criminoso age preordenadamente, ou seja, procura a res para, com ela, cometer o crime. Além da reprovabilidade natural do
delito, aumenta sua gravidade o fato de o militar ou servidor civil corromper a finalidade da utilização dos objetos que a Administração
lhe confia, na expectativa de proporcionar meios à excelência do serviço público.
Ter cometido o crime em auditório da Justiça Militar ou local onde tenha sede a sua administração: as Auditorias e as instalações
do Superior Tribunal Militar são, usualmente, os locais de administração da Justiça Militar. Isto não impede, todavia, que as audiências
e a própria gestão funcionem em outros locais, em decorrência lógica e direta da grande peculiaridade desta Justiça: a itinerância. A
propósito, vide a organização da Justiça Militar em Tempo de Guerra (arts. 89 a 97 da Lei 8.457/1992 – Lei de Organização da Justiça
Militar).
Ter o agente cometido o crime em país estrangeiro: talvez a grande preocupação do legislador penal militar tenha sido com os
crimes praticados em território militarmente ocupado (em caso de guerra), mas, pela generalidade do preceito, qualquer crime militar
praticado no estrangeiro (independente de sua repercussão política, estratégica ou militar)14 deve ser obrigatoriamente agravado na
pena. Isto pode levar a situações inconvenientes, por exemplo: de acordo com o art. 6.° do CPM, considera-se praticado o crime tanto
no local da ação como no local do resultado (teoria da ubiquidade). Imagine um crime ocorrido na fronteira amazônica em que o agente
desenvolve toda a sua ação em território nacional, vindo o resultado a produzir-se em país vizinho. Nada importa, a pena será agravada.
No parágrafo único do art. 70, o CPM determina que as circunstâncias das alíneas c (com ressalvas), l, m e o somente são
consideradas para efeitos de agravação da pena quando o crime for praticado por militares. Em relação à alínea c, o Código mais uma
vez nega aos militares a condição humana, pois lhes impõem a responsabilidade objetiva nas situações de embriaguez voluntária, opção
já criticada há pouco. Aos civis, somente a intoxicação preordenada agrava a pena.

Reincidência.

Art.71. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país
ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Temporariedade da reincidência.

§ 1.° Não se toma em conta, para efeito da reincidência, a condenação anterior, se, entre a data do cumprimento ou extinção da
pena e o crime posterior, decorreu período de tempo superior a 5 (cinco) anos.

Crimes não considerados para efeito da reincidência.

§ 2.° Para efeito da reincidência, não se consideram os crimes anistiados.

6.4 REINCIDÊNCIA

Inicialmente, é necessário dizer que alguns dos melhores estudiosos do direito penal revelam profunda indignação com a opção
legislativa em colocar a reincidência como circunstância agravante genérica, isso porque, segundo entendem, isto caracteriza verdadeira
e inaceitável violação ao princípio do non bis in idem, pois “a pena maior que se impõe na condenação pelo segundo delito decorre do
primeiro, pelo qual a pessoa já havia sido condenada e julgada”15.
Ombreado com o entendimento acima esposado, Alberto da Silva Franco aduz que “não se compreende como uma pessoa possa, por
mais vezes, ser punida pela mesma infração. O fato criminoso que deu origem à primeira condenação não pode, depois, servir de
fundamentação a uma agravação obrigatória da pena, em relação a um outro fato delitivo, a não ser que se admita, num Estado
Democrático de Direito, um Direito Penal atado ao tipo de autor (ser reincidente), o que constitui uma verdadeira e manifesta
contradição lógica”16.
De mais a mais, é estranho que o Estado imponha uma exacerbação da sanção, tendo sido corresponsável pela circunstância
qualificadora, pois se o agente tornar-se reincidente, resta demonstrada a ineficácia do detentor do ius puniendi (Estado) quanto à
finalidade ressocializadora da pena relativa à primeira condenação.
Na contramão desse entendimento, há os que defendem que a reincidência demonstra uma tendência para a prática de crimes17, tese
recheada de pigmentos positivistas e que acaba cristalizando uma presunção discutível de periculosidade.
Melhor seria que a reincidência fosse considerada de forma particularizada no rol das circunstâncias judiciais, mas não como
agravante genérica e obrigatória. Estigmatizar, indistintamente, um indivíduo que emitiu um cheque sem provisão de fundos, por
exemplo, exacerbando-lhe a censurabilidade por ter sido anteriormente condenado por lesões corporais culposas18, pode conduzir a
injustiças inconciliáveis com os propósitos do Direito Penal das garantias.
Feitas as considerações iniciais, é de bom alvitre apresentar as espécies de reincidência, quais sejam:

- genérica → ocorre quando o agente comete um delito após ter sido condenado por qualquer crime anterior;
- específica → exige a prática de um delito igual, ou da mesma categoria, do crime objeto da primeira condenação;
- ficta → requer somente a existência de um título condenatório anterior, dispensando a efetiva imposição de uma pena;
- real → impõe que o agente tenha efetivamente sofrido uma pena por delito anterior;
- perpétua → a condenação anterior gera reincidência pelo restante da vida do agente;
- temporária → após o decurso de um certo lapso temporal, a condenação deixa de gerar reincidência.

O legislador penal militar adotou o sistema da reincidência temporária, ficta e genérica. Certo é que a reincidência só ocorrerá
quando o agente cometer novo delito após ter sido irrecorrivelmente condenado por crime anterior. Observe que a condenação no
exterior gera reincidência no Brasil, independentemente de homologação da sentença estrangeira. Todavia, a sentença em questão deve
versar sobre fato que também seja típico no Brasil, “pois seria absurdo que alguém fosse considerado reincidente, em razão de uma
condenação anterior fundada em fato atípico no território nacional”19. De igual sorte, deve ser considerado se no Estado prolator da
condenação foram respeitadas as cláusulas do due process of law (contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição, inaceitabilidade
dos juízos de exceção etc.).
A temporariedade da reincidência prende-se à constatação de que o estigma da sanção penal não pode ser perene; antes, pelo
contrário, há de ser limitado no tempo, compatibilizando-se, assim, com os hodiernos conceitos e paradigmas do direito penal, até
porque, transcorrido o prazo previsto em lei sem que o agente retorne a delinquir, fica aparente tratar-se de uma criminalidade
ocasional20, afastada a presunção de periculosidade que alguns sustentam emergir da reincidência.
Destarte, para efeitos de reincidência, a condenação transitada em julgado deixa de ser considerada após o transcurso de cinco anos,
contados a partir da data de cumprimento ou de extinção da pena, devendo, apesar da omissão do legislador penal militar, ser
considerado o período de prova do sursis e o do livramento condicional, não revogados, nos termos previstos pelo art. 64, I, do Código
Penal Brasileiro.
Por fim, determina o § 2.° do art. 71 em estudo que as condenações anistiadas não geram reincidência.

Circunstâncias atenuantes.

Art.72. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:


I – ser o agente menor de 21 (vinte e um) ou maior de 70 (setenta) anos;
II – ser meritório seu comportamento anterior;
III – ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe as consequências, ou ter, antes do
julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria de crime, ignorada ou imputada a outrem;
e) sofrido tratamento com rigor não permitido em lei.

Não atendimento de atenuantes.

Parágrafo único. Nos crimes em que a pena máxima cominada é de morte, ao juiz é facultado atender, ou não, às
circunstâncias atenuantes enumeradas neste artigo.

6.5 CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES GENÉRICAS – 2.ª FASE DA DOSIMETRIA PENAL MILITAR

As circunstâncias atenuantes previstas neste artigo refletem as consequências benéficas de elementos objetivos ou subjetivos que
reduzem a reprovabilidade de um crime. Assim, devem incidir na dosimetria penal, em favor do agente, abrandando a quantidade de
pena a ser imposta.
Do mesmo modo que ocorre com as agravantes, as circunstâncias atenuantes genéricas são de aplicação obrigatória (ressalvado o
disposto no parágrafo único) e devem respeitar os limites fixados no preceito-sanção. Destarte, mesmo com a incidência de várias
atenuantes, a pena não pode ser reduzida aquém do mínimo legal. Eis, portanto, as circunstâncias atenuantes genéricas.
Ser o agente menor de vinte e um anos ou maior de setenta anos: a lei inaugura o rol das atenuantes genéricas com o beneplácito à
menoridade e à senilidade, chamando a atenção para dois momentos marcantes da vida de qualquer pessoa em sua evolução física,
biológica e intelectual. Inicialmente, protege aquele que, recém-egresso dos impulsos juvenis, pratica um delito ainda sem ter
completado sua formação moral. “Falta-lhe ainda o pleno uso da reflexão. Não se operou o amadurecimento do seu espírito”21. Em giro
diverso, volta-se o legislador para as “tintas róseas do crepúsculo”, a ancianidade, movido talvez por “razões de humanidade, na
antevisão do doloroso espetáculo que seria o de um homem muito idoso privado da sua liberdade. A velhice, mesmo a de um
delinquente, tem sempre algo de respeitável. E na idade anciã a temibilidade é sempre menor. Faltam ao delinquente as reservas de
forças que o crime exige”22. Observe, com cuidado, que o critério utilizado no CPM é diferente daquele usado no Código Penal comum.
Enquanto no CP a atenuante leva em consideração o tempo do crime para o menor de 21 anos e o tempo da condenação para os maiores
de 70 anos, o CPM não; apenas determina que se atenue a pena do menor de 21 ou do maior de 70 anos. Isto pode causar um tratamento
injusto para aquele que comete o crime antes de completar 21 anos, mas só vem a ser condenado após este aniversário. Na literal
interpretação da norma, perde o direito à atenuação. A melhor solução, portanto, é aplicar-se o art. 65, inciso I, do CP.
Ser meritório o comportamento anterior do agente: a conduta pessoal, familiar, social e profissional, quando louvável, é digna de
atenuar a sanção penal. É a consideração do criminoso como um ser integrado à sua humanidade, isto é, detentor de méritos e portador
de defeitos, mas sem que estes impeçam o reconhecimento dos primeiros. Ademais, para muitos o crime não passa de um fenômeno
acidental, inábil para apagar ou anular o passado de conduta exemplar.
Ter o agente cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral: se a motivação torpe ou fútil tem o condão de agravar
a pena, não poderia deixar de produzir efeito contrário o motivo com relevante carga social ou moral. Por valor social entende-se aquele
que corresponde aos legítimos interesses e objetivos da coletividade. O valor moral, por sua vez, possui carga personalíssima,
aconchegando-se à realidade do indivíduo que comete o delito. Em qualquer hipótese, vale relembrar, “não basta que o motivo tenha
valor social ou moral. É preciso que esse valor, profundamente auscultado e rigorosamente identificado, seja relevante, tanto vale dizer,
que avulte entre os mais caros ao sentimento público e, por isso, seja capaz de superar a repugnância, o choque, o alarma diante da
objetividade do crime”23.
Ter o agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as
consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano: há duas justificativas para a atenuação da pena nesta hipótese: primeiro, é
justo que se atenue a pena daquele que se arrepende, demonstrando, apesar do crime, alguma remanescente nobreza de sentimentos; em
segundo lugar, ocorre uma efetiva diminuição ou compensação da ofensa dirigida ao bem jurídico, quer pela reparação do dano, quer
pela diminuição das consequências do crime. Com este tipo de atitude, o criminoso revela “menor endurecimento no querer criminoso,
certa sensibilidade moral, um sentimento de humanidade e de justiça que o levam, passado o ímpeto do crime, a procurar detê-lo em seu
processo agressivo ao bem jurídico”24. Por fim, há de se ter cuidado para não confundir esta atenuante com o arrependimento eficaz e a
desistência voluntária (art. 31 do CPM). Na atenuante, ocorre a consumação do delito (evitar ou minorar as consequências do crime),
enquanto que no arrependimento eficaz e na desistência voluntária o iter criminis não se completa.
Ter o agente cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima: prevê a norma a
diminuição da pena correspondente ao crime praticado sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima. Nada
mais razoável, pois o ofendido instigou a prática delitiva, afrontando injustamente o criminoso, que, em razão disto, laborou
influenciado por um sentimento de repulsa grave e, em decorrência, apto a diminuir sua reprovabilidade. A bem da verdade, como o
criminoso age sob a influência da violenta emoção, perde parcela considerável da sua capacidade de querer e de comportar-se, daí a
obrigatória atenuação.
Ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem: a razão de
atenuação reside na utilidade da confissão em crimes cuja autoria permanece desconhecida ou é imputada erroneamente a outra pessoa.
Observe que a iniciativa há de ser espontânea e perante a autoridade (Juiz, Órgão do MP, Encarregado do Inquérito Policial Militar
(IPM) etc.) e com ela se pretende incentivar a colaboração do próprio criminoso no esclarecimento dos fatos, sem qualquer desrespeito
às suas garantias ou inversão do ônus de prova. Todavia, há uma tendência a que, quando reformado, o Código Penal Militar passe a
contemplar fórmula idêntica à da lei penal comum, isto é, no CP a confissão atenua a pena independente de haver dúvida ou erro quanto
à autoria delitiva (art. 65, inciso III, “d”, do CP). Por outro lado, havendo retratação da confissão, o acusado perde o direito à atenuação.
Ter o agente sofrido tratamento com rigor não permitido em lei: há vários crimes no Código Penal Militar que sugerem conflitos
hierárquicos ou de poder na sua gênese e formação25. Assim, muitas das vezes o sujeito ativo da infração pratica o delito em resposta,
retorsão, desforra ou vindita a um constrangimento anterior e próximo. Ora, quando isto ocorre e sendo a causa antecedente
consubstanciada em tratamento excessivamente rigoroso, é justo que a sanção penal seja atenuada, pois remanesce responsabilidade
penal do agente, diminuída, contudo!
Ao final, o parágrafo único do art. 72 traz uma norma estranha que para alguns contradiz o disposto no caput26. No entanto,
acreditamos que, em verdade, há um erro de técnica legislativa, senão vejamos: não se pode atenuar a pena de morte (ninguém é morto
pela metade); quanto muito, pode-se operar à desclassificação de uma qualidade de pena (pena de morte) para outra (pena privativa de
liberdade). Mas isto, à evidência que não é atenuação da pena capital, é sua substituição. Daí decorre que, quando aproveitar ao agente
qualquer das circunstâncias atenuantes do art. 72, a substituição da pena de morte pela pena privativa de liberdade passa a constituir
direito público subjetivo do condenado, ou seja, a providência deixa de ser faculdade do juiz (conforme diz o parágrafo único) e passa a
ter natureza imperativa. Pelo menos, é este o nosso entendimento.

Quantum da agravação ou da atenuação.

Art.73. Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fixá-lo entre 1/5 (um
quinto) e 1/3 (um terço), guardados os limites da pena cominada ao crime.

6.6 QUANTUM DA AGRAVAÇÃO OU DA ATENUAÇÃO DAS PENAS

É interessante a lei penal militar! Sabe-se que a sanção penal pode ser aumentada ou diminuída pela incidência de agravantes,
majorantes, atenuantes e minorantes. Ora, as majorantes e as minorantes são veiculadas na Parte Especial, em apêndice ao tipo principal
do crime, e podem fazer com que as penas ultrapassem os limites mínimo e máximo da cominação em abstrato. Elas não se confundem
com as agravantes e atenuantes genéricas.
Há casos como, por exemplo, a usura (art. 267, § 2.°), em que a lei determina a agravação da pena, sem determinar as frações maior
e menor de acréscimo. Porém, isto não é agravante. É causa especial de aumento da pena. Aplica-se unicamente a este crime e tem
características próprias, inconciliáveis com a parte final do art. 73, que proíbe o extrapolamento dos limites contidos no preceito-sanção.
Aliás, o próprio CPM reconhece isto; basta ver o que diz o art. 76 mais adiante.
Por outro lado, as agravantes e atenuantes estão arroladas na Parte Geral e contam exatamente com o art. 73 para definir-lhes o
quantum de aumento ou diminuição da pena. Portanto, há expressa previsão legal do quantum de aumento ou de diminuição, o que
contraria o enunciado do próprio artigo.
Assim, não se sabe ao certo qual o destinatário da norma, se as circunstâncias genéricas (agravantes e atenuantes), se as especiais
(majorantes e minorantes) ou se a todas elas!
Em nosso entendimento, o artigo destina-se a estipular as frações de aumento ou de atenuação das circunstâncias agravantes e
atenuantes genéricas (previstas na Parte Geral do CPM) e, ademais, determinar que a operação decorrente respeite os limites máximo e
mínimo do preceito-sanção.
Outrossim, quando ocorrer uma causa especial (majorante ou minorante) que não estipule seus próprios parâmetros de acréscimo ou
decréscimo da pena, o art. 73 pode socorrê-la, servindo de paradigma, mas não de norma cogente, até mesmo porque nesta operação é
permitido o extrapolamento das fronteiras de pena.

Mais de uma agravante ou atenuante.

Art.74. Quando ocorre mais de uma agravante ou mais de uma atenuante, o juiz pode limitar-se a uma só agravação ou a uma
só atenuação.

6.7 MAIS DE UMA AGRAVANTE OU ATENUANTE

O artigo determina que, nos casos em que há mais de uma agravante ou atenuante, o juiz pode aplicar somente uma. Porém, a norma
não fixa nenhum critério para a operação, o que, de certa forma, concede grande discricionariedade ao órgão julgador. Tal amplitude
somente pode ser abrandada pela necessária motivação da sentença, isto é, o magistrado deve expor com clareza os motivos pelos quais
decidiu aplicar somente uma das circunstâncias. Imagine a situação de um réu que tem a seu favor duas ou três atenuantes reconhecidas,
mas apenas uma delas é efetivamente aplicada na diminuição da pena, e isto sem qualquer justificativa pela rechaça das demais.
Lembre-se: a motivação constitui pressuposto de validade, de eficácia e de legitimidade de qualquer decisão judicial27.

Concurso de agravantes e atenuantes.

Art.75. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias
preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente, e
da reincidência. Se há equivalência entre umas e outras, é como se não tivessem ocorrido.

6.8 CONCURSO DE AGRAVANTES E ATENUANTES

Não é raro reconhecer-se na prática delituosa a existência concomitante de circunstâncias agravantes e atenuantes, em face do que o
CPM determina que a pena deve aproximar-se das circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as de cunho subjetivo, em
nítido compasso com o direito penal da culpabilidade.
Alguns dos mais conhecidos doutrinadores penais brasileiros criticam a regra da preponderância. Segundo eles, não existe
fundamento científico que justifique a opção do legislador e que o fato criminoso, concretamente examinado, é que deve indicar quais
circunstâncias devem prevalecer sobre as demais28.
No entanto, certo é que, no paralelismo entre circunstâncias tidas pela lei como preponderantes e outras que não o sejam,
prevalecerão as primeiras. Caso exista equivalência entre as agravantes e as atenuantes concomitantes, haverá compensação e a pena-
base permanece inalterada.

Majorantes e minorantes.

Art.76. Quando a lei prevê causas especiais de aumento ou diminuição da pena, não fica o juiz adstrito aos limites da pena
cominada ao crime, senão apenas aos da espécie da pena aplicável (art. 58).
Parágrafo único. No concurso dessas causas especiais, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição,
prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

6.9 MAJORANTES E MINORANTES – 3.ª FASE DA DOSIMETRIA PENAL MILITAR

Já nos referimos às causas especiais de aumento (majorantes) e de diminuição (minorantes) da pena, ao menos por duas vezes.
Como dito, são distintas das circunstâncias genéricas (accidentalia delicti) e possuem como principais características: 1.ª)
consubstanciam a 3.ª fase da dosimetria penal; 2.ª) estão previstas na Parte Especial do código; 3.ª) somente se aplicam aos tipos penais
aos quais pertencem; 4.ª) não estão adstritas aos limites mínimo e máximo estipulados nos preceitos secundários de cada tipo penal,
apenas aos previstos para cada espécie de pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) pelo art. 58.
As causas especiais de aumento e de diminuição também não se confundem com as qualificadoras ou privilegiadoras. Nestas, há
uma derivação do tipo principal com nova proposta sancionatória (mais ou menos grave, respectivamente). Temos, como bons
exemplos, os arts. 205, § 2.° (homicídio qualificado), e 308, § 2.° (corrupção passiva privilegiada).
No parágrafo único, o legislador previu providência semelhante à do art. 74 (item 6.7), em razão do que são válidas as mesmas
observações sobre a necessária motivação do decisum. A única diferença das normas está na obrigação de a escolha recair sobre a causa
paralela que mais aumente ou mais diminua a pena.

Pena-base.

Art.77. A pena que tenha de ser aumentada ou diminuída, de quantidade fixa ou dentro de determinados limites, é a que o juiz
aplicaria, se não existisse a circunstância ou causa que importa o aumento ou diminuição.

6.10 PENA-BASE

O legislador “deu a volta ao mundo” para dizer que a pena-base é a resultante da 1.ª fase da dosimetria penal e não o fez da melhor
forma, pois confundiu pena-base com mínimo legal, isto é, em muitas ocasiões a pena-base é a pena mínima veiculada no preceito
sanção exacerbada por força das circunstâncias judiciais (art. 69) desfavoráveis ao réu29. Nestes casos, é incorreto afirmar que ela é a
que o juiz aplicaria se não existisse circunstância ou causa de aumento da pena.

Criminoso habitual ou por tendência.

Art.78. Em se tratando de criminoso habitual ou por tendência, a pena a ser imposta será por tempo indeterminado. O juiz fixará
a pena correspondente à nova infração penal, que constituirá a duração mínima de pena privativa de liberdade, não podendo
ser, em caso algum, inferior a 3 (três) anos.

Limite da pena indeterminada.


§ 1.° A duração da pena indeterminada não poderá exceder a 10 (dez) anos, após o cumprimento da pena imposta.
§ 2.° Considera-se criminoso habitual aquele que:
a) reincide pela segunda vez na prática de crime doloso da mesma natureza, punível com pena privativa de liberdade em
período de tempo não superior a 5 (cinco) anos, descontado o que se refere a cumprimento de pena;

Habitualidade reconhecível pelo juiz.


b) embora sem condenação anterior, comete sucessivamente, em período de tempo não superior a 5 (cinco) anos, quatro ou
mais crimes dolosos da mesma natureza, puníveis com pena privativa de liberdade, e demonstra, pelas suas condições de vida
e pela circunstâncias dos fatos apreciados em conjunto, acentuada inclinação para tais crimes.

Criminoso por tendência.


§ 3.° Considera-se criminoso por tendência aquele que comete homicídio, tentativa de homicídio ou lesão corporal grave, e,
pelos motivos determinantes e meios ou modo de execução, revela extraordinária torpeza, perversão ou malvadez.

Ressalva do art. 113.


§ 4.° Fica ressalvado, em qualquer caso, o disposto no art. 113.

Crimes da mesma natureza.


§ 5.° Consideram-se crimes da mesma natureza os previstos no mesmo dispositivo legal, bem como os que, embora previstos
em dispositivos diversos, apresentam, pelos fatos que os constituem ou por seus motivos determinantes, caracteres
fundamentais comuns.

6.11 CRIMINOSO HABITUAL OU POR TENDÊNCIA

Este art. 78 oferece uma rara oportunidade de discussão sobre a tensão que há entre o direito penal da culpabilidade e o direito penal
da periculosidade.
A primeira teoria concebe que o ser humano é capaz de realizar escolhas (autonomia ética) e, se pode escolher, deve ser censurado
por fazê-lo mal. Daí decorre a culpabilidade como antecedente necessário da pena e sua legítima medida.
Por outro lado, há quem sustente que os homens são seres determinados, sem qualquer opção de escolha, uma vez que agem ao
sabor dos condicionamentos recebidos. Ora, em assim sendo, a culpabilidade é substituída pela periculosidade, que é diretamente ligada
(ou proporcional) à medida do condicionamento de cada ser humano. A função da pena, portanto, passa a ser a de neutralização da
periculosidade.
É exatamente isto que buscou o legislador penal militar ao conceituar o criminoso habitual ou por tendência e impor-lhe um
quasímodo, a pena indeterminada, pretensão absolutamente contrária aos princípios reitores do direito penal moderno e, em razão disto,
certamente não acolhida pelo ordenamento, dada a ofensa ao mínimo ético, de raiz constitucional, exigível na execução penal.
“O sentimento de segurança jurídica não tolera que uma pessoa (isto é, um ser capaz de autodeterminar-se), seja privada de bens
jurídicos, com finalidade puramente preventiva, numa medida imposta tão somente pela sua inclinação pessoal ao deito sem levar em
conta a extensão do injusto cometido e o grau de autodeterminação que foi necessário atuar (...) De outra parte, a inclinação ao delito,
além de não ser demonstrável, possui o sério inconveniente de, muito frequentemente, ser resultado da própria ação prévia do sistema
penal, com o que se iria cair na absurda conclusão de que o efeito aberrante da criminalização serve para agravar as suas próprias
consequências”30.
Portanto, o art. 78 não foi recepcionado pela Carta Federal31.

Concurso de crimes.

Art.79. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, as penas privativas
de liberdade devem ser unificadas. Se as penas são da mesma espécie, a pena única é a soma de todas; se, de espécies
diferentes, a pena única é a mais grave, mas com aumento correspondente à metade do tempo das menos graves, ressalvado
o disposto no art. 58.

6.12 CONCURSO DE CRIMES

O Código Penal Militar dispõe sobre o concurso de crimes em um único dispositivo, prevendo as mesmas consequências penais nas
hipóteses de concurso material e concurso formal, solução habitualmente mais grave do que aquela adotada pelo legislador penal
comum e nem sempre bem aceita pelos que operam neste ramo especializado do direito penal, em razão do que não é incomum se
pugnar pela aplicação “benéfica” do CPB nos processos em tramitação na Justiça Militar.
A rigor existem três critérios destinados a orientar a aplicação da pena nos casos de concurso de crimes. São eles:
1.°) critério do cúmulo material (ou real) → de acordo com este critério, o juiz deve aplicar todas as penas correspondentes aos
resultados criminosos produzidos, somando-as. A cada fato corresponde uma pena (quot delicta, tot poenae).
2.°) critério do cúmulo jurídico → constitui uma opção de boa política criminal e é, na verdade, uma ficção jurídica, pois apesar da
efetiva ocorrência de vários resultados lesivos, o critério evita o somatório das penas respectivas. Pode ser de duas espécies: a) por
absorção: aplica-se somente a pena correspondente ao crime mais grave, entendendo nela absorvidas as penas relativas às demais
infrações cometidas; b) por exasperação: aplica-se a pena relativa ao crime mais grave, mas aumentada de um percentual, em reposta
aos delitos de menor gravidade também praticados.
Já com relação às espécies de concurso, a doutrina assim as classifica:
1. Concurso material: ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes relacionados
entre si32. As infrações concorrentes podem ser idênticas (concurso homogêneo) ou diversas (concurso heterogêneo), dolosas ou
culposas, consumadas ou tentadas.
2. Concurso formal: o concurso formal (ou ideal) se dá quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes, idênticos (concurso homogêneo) ou não (concurso heterogêneo).
No direito penal comum, a natureza do concurso influencia diretamente na aplicação da pena33. No CPM não! Independente de ser
concurso material ou formal, as penas privativas de liberdade serão unificadas, quando idênticas (critério do cúmulo material), ou,
quando diversas, deve ser aplicada a mais grave, acrescida da metade do tempo das demais (critério do cúmulo jurídico por
exasperação), observado, sempre, o limite máximo previsto no art. 58 do CPM.

Crime continuado.

Art.80. Aplica-se a regra do artigo anterior, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser considerados como continuação do primeiro.
Parágrafo único. Não há crime continuado quando se trata de fatos ofensivos a bem jurídicos inerentes à pessoa, salvo se as
ações ou omissões sucessivas são dirigidas contra a mesma vítima.

6.13 CRIME CONTINUADO

O crime continuado é um instituto nascido da equidade dos Práticos no afã de evitar a imposição da pena de morte ao agente que
cometesse o terceiro furto34. Daí surge a controvérsia sobre a natureza jurídica que ele ostenta, dividindo-se a doutrina em três
correntes, quais sejam:

1.ª) Teoria da unidade real


→ defendida, entre outros, por Basileu Garcia e Roberto Lyra, advoga que os vários delitos componentes do crime
continuado constituem, na realidade, um delito único. “São elos de uma mesma corrente, de modo que a unidade de intenção manifesta-se
em unidade de lesão”35.
2.ª) Teoria da unidade jurídica → escoimada em uma posição eclética, entende que o crime continuado não é uma realidade natural nem
tampouco ficção jurídica, mas um produto da norma, ou melhor, uma realidade jurídica. Inexiste unidade ou pluralidade de crimes, mas
sim um terceiro crime – o crime continuado – unificado pela lei em homenagem à unidade subjetiva do agente36.
3.ª) Teoria da ficção jurídica → enraizada nas reflexões de Carrara, considera que cada resultado produzido pela múltipla conduta do agente
constitui, por si só, um delito “pronto e acabado”. A lei é que, por questões de política criminal, determina que aquele conjunto de
infrações cometidas sob as mesmas circunstâncias objetivas seja considerado como um único crime, mercê de uma ficção.
 
Esta última teoria, também conhecida por teoria da unidade fictícia limitada, angariou a preferência do legislador penal militar. “A
figura do crime continuado é ficção legal que tem por escopo evitar e impedir um excessivo rigor punitivo, sendo necessário, para tanto,
encontrar o ponto de equilíbrio para, de um lado, poupar esse exagero sancionatório e, de outro, fazer a aplicação do instituto sem
quebra do organismo de defesa social contra aqueles que violam reiteradamente as regras de convivência na sociedade”37.
Quanto ao elemento subjetivo que anima o comportamento do agente, o legislador optou por abraçar o critério puramente objetivo38.
Assim, a lei não subordina o reconhecimento da continuidade delitiva a indagações sobre aspectos subjetivos (personalidade do agente,
seus antecedentes, unidade de desígnios, etc.), satisfazendo-se simplesmente com a aferição dos elementos de ordem objetiva, tais
como: condições de tempo, lugar, maneira de execução, objetividade jurídica etc.39.
Eis os elementos constitutivos do crime continuado.
1.°) pluralidade de condutas → o primeiro requisito é que o agente efetivamente venha a praticar várias condutas, positivas (ações)
ou negativas (omissões).
2.°) pluralidade de infrações da mesma espécie → como resultante das várias condutas praticadas, haverão de surgir diversos
resultados ilícitos, sendo ainda mister que tais resultados (crimes) sejam da mesma espécie (neste ponto, o crime continuado assemelha-
se ao concurso material homogêneo). Por crimes da mesma espécie deve-se entender aqueles que ofendem o mesmo objeto jurídico e
que representam, pelos fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, características fundamentais comuns40. Desta forma, os
Tribunais têm reconhecido a continuidade delitiva entre furto e roubo41, roubo e extorsão42, homicídio e ocultação de cadáver43, bem
como entre crimes na forma simples e na forma qualificada44 etc. Por outro lado, não há continuidade entre crimes dolosos e culposos,
pois são delitos de espécies distintas45.
3.°) semelhança das condições objetivas em que os delitos são praticados (modus operandi), de forma que os subsequentes sejam
havidos como continuação do primeiro → aqui a lei exige que as diversas circunstâncias objetivas que envolvem o delito guardem
sintonia entre si. Portanto, considera-se inicialmente o lapso temporal que separa as infrações, tendo-se como paradigma, diante da
ausência de um critério rígido a fixar o referido prazo, que o intervalo entre um delito e outro não pode ser demasiado, sob pena de
desconstituir-se o liame psicológico que os une. Existe, contudo, forte corrente jurisprudencial a defender que a indigitada circunstância
de tempo que permeia as infrações deve ter o limite de um mês46. Raciocínio idêntico deve ser aplicado ao requisito espacial (local do
crime), pois deve haver uma relação contextual entre as ações praticadas em lugares diferentes e, até mesmo, distantes. Desta forma,
tem-se admitido a continuidade entre delitos praticados em bairros, cidades e Estados diversos. É necessário, ainda, que o modus
operandi seja idêntico, isto é, os meios e os modos de execução também influenciam no reconhecimento da continuidade delitiva. Por
fim, o código permite o emprego da interpretação analógica para incluir outras circunstâncias (oportunidades, relações pessoais etc.)
que demonstrem o avizinhamento dos vários delitos praticados.
Presentes os requisitos legais e configurado o crime continuado, mais uma vez a lei penal militar envolve-se em polêmica. De
acordo com o disposto neste art. 80, deve ser aplicada a mesma regra prevista no concurso de crimes (art. 79), ou seja, cumulação das
penas relativas aos vários crimes (cúmulo material), quando da mesma natureza, ou a aplicação da pena mais grave, acrescida da metade
das demais (cúmulo jurídico por exasperação), quando as sanções forem de espécies diversas.
Ora, o critério do cúmulo material, isto é, o somatório das penas, contraria frontalmente a essência do instituto, a ficção de que se
valeu o legislador, historicamente, para abrandar o tratamento penal à espécie. É providência injustificável e, diga-se, estranha!
Portanto, há uma forte tendência em se aproveitar a regra do Código Penal comum nos casos de crime continuado na Justiça Militar47.
O art. 71 do CPB determina a utilização do cúmulo jurídico por exasperação: aplicação de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversa, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
De acordo com o parágrafo único deste art. 80, não é reconhecido o beneplácito do crime continuado quando tratar-se de condutas
em desfavor de bens jurídicos inerentes à pessoa (crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade etc.), salvo nas
hipóteses de ações dirigidas contra a mesma vítima.

Limite da pena unificada.

Art.81. A pena unificada não pode ultrapassar de 30 (trinta) anos, se é de reclusão, ou de 15 (quinze) anos, se é de detenção.

Redução facultativa da pena.


§ 1.° A pena unificada pode ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 1/4 (um quarto), no caso de unidade de ação ou omissão, ou de
crime continuado.

Graduação no caso de pena de morte.


§ 2.° Quando cominada a pena de morte como grau máximo e a de reclusão como grau mínimo, aquela corresponde, para o
efeito de graduação, à de reclusão por 30 (trinta) anos.

Cálculo da pena aplicável à tentativa.


§ 3.° Nos crimes punidos com a pena de morte, esta corresponde à de reclusão por 30 (trinta) anos, para cálculo da pena
aplicável à tentativa, salvo disposição especial.

6.14 LIMITE DA PENA UNIFICADA

Diz o CPM que a pena resultante da unificação não pode ultrapassar 30 anos, para reclusão, e 15 anos, para detenção. Porém, a
redação do artigo em comento não deixa claro se esta unificação é a que resulta do concurso de crimes (art. 79) e do crime continuado
(art. 80) ou se é aquela que ocorre na execução de penas distintas prolatadas em processos separados.
Ora, no art. 79 (aplicável por extensão ao art. 80), há uma regra determinando que o juiz, ao aplicar a pena, observe os limites
impostos pelo art. 58 (o máximo da pena de reclusão é de 30 anos e o da detenção é de 10 anos). Daí poderia se concluir que o art. 81
destina-se somente à segunda hipótese.
Porém, eis que surge o § 1.° tratando da redução facultativa da pena unificada nos casos de concurso formal (unidade de ação ou
omissão) e crime continuado. Sabe-se que os parágrafos guardam relação de pertinência conceitual com o caput, complementando-o,
explicando-o ou, até, apresentando-lhe ressalvas, mas sempre versando sobre a mesma matéria, o que tornaria lícito deduzir que o artigo
também regula a unificação das penas decorrentes de crimes em concurso.
Por outro lado, se o art. 81 aplicar-se somente à unificação executiva das penas, torna-se palco para injustiças, senão vejamos: no
caso de vários crimes cometidos em concurso, cujas penas sejam de detenção, o limite máximo da pena final será de 10 anos, de acordo
com o art. 58 do CPM. Já se alguém for condenado em processos distintos por vários crimes cujas penas sejam de detenção, na
unificação executiva de penas, o limite máximo passa a ser de 15 anos, conforme impõe este artigo em foco.
Malgrado as imperfeições e atecnias, a melhor (e mais salomônica) solução é se ter o caput do art. 81 reservado à unificação
executiva e o § 1.° apenas como mal colocado na estrutura tópica do CPM.

6.15 GRADUAÇÃO NO CASO DE PENA DE MORTE

Por ficção, a lei manda considerar a pena de morte como correspondente à de reclusão por 30 anos. A providência guarda utilidade
nas situações em que o Presidente da República resolva comutar a pena do sentenciado à morte (art. 84, inciso XII, da CF), bem como
na punição da tentativa (art. 81, § 3.°, do CPM).

Ressalva do art. 78, § 2.°, letra b.

Art.82. Quando se apresenta o caso do art. 78, § 2.°, letra b, fica sem aplicação o disposto quanto ao concurso de crimes
idênticos ou ao crime continuado.

6.16 DESCARACTERIZAÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES E DO CRIME CONTINUADO PARA CRIMINOSO


HABITUAL

A pretendida pecha de “criminoso habitual”, como visto (item 6.11), constitui inaceitável aberração. Portanto, estamos diante de um
fenômeno que poderia ser chamado de “aberração por derivação”, tão longe de ser aplicável quanto o que lhe deu origem.

Penas não privativas de liberdade.

Art.83. As penas não privativas de liberdade são aplicadas distinta e integralmente, ainda que previstas para um só dos crimes
concorrentes.

6.17 EXECUÇÃO DAS PENAS NÃO PRIVATIVAS DE LIBERDADE

As penas previstas no art. 55, alíneas f e g, do CPM não são compatíveis com os critérios utilizados na aplicação de penas no
concurso de crimes (cúmulo jurídico por exasperação e cúmulo material). Portanto, devem ser impostas ao condenado de forma distinta
e integral, isto é, não se amalgamam às outras espécies e nem podem ser fracionadas.
De igual sorte, a regra de isolamento também aproveita a pena de impedimento (art. 55, e, do CPM), isto pelas peculiaridades que
esta sanção carrega.
__________
1 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado e derecho penal.
Barcelona: Bosch, 1981. v. II, p. 1.195.
2 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit. p. 320-321.
3 TACrim, ADV 6.935/615.
4 FRANCO, Alberto Silva. Op. cit. p. 1.054.
5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual. Op. cit. p. 293.
6 TACRIMSP – HC – Rel. Manoel Carlos – RJD 7/191.
7 ALVES, Roque de Brito. Ciência criminal. Rio de Janeiro: Forense,
1995. p. 230.
8 BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed., 1984, t. III/111.
9 BRUNO, Aníbal. Op. cit. p. 126.
10 FRANCO, Alberto Silva. Op. cit. p. 1.176.
11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual ... p. 299.
12 TJRS – Ac – Rel. Ladislau Fernando Röhnelt – RT 553/395.
13 Op. cit. p. 550.
14 É de BADARÓ: “… quando o agente comete crime em país
estrangeiro, enxovalhando o bom nome do Brasil, deformando a
sua imagem no exterior; ou por provocar, com seu delito, um
estremecimento das relações internacionais ou mesmo ameaçar
a paz”. Op. cit. p. 331.
15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Enrique. Op. cit.
p. 840.
16 Op. cit. p. 1.180.
17 STJ – 6.ª Turma – REsp 59.646 – DJU 25.08.1997, p. 39.406.
18 À semelhança do exemplo de Zaffaroni e Pierangeli. Op. cit. p. 838.
19 ZAFFARONI, Raúl Eugenio e PIERANGELI, José Enrique. Op. cit.
p. 842.
20 STJ – RHC – Rel. Pedro Acioli – RSTJ 50/394.
21 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. São Paulo: Max
Limonad, 1954. t. II, v. I, p. 479.
22
Idem, ibidem, p. 480.
23 LYRA, Roberto. Teoria e Prática da Promotoria Pública. Porto
Alegre: SAFE, 2001. p. 365.
24 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense,
1984. t. III, p. 140.
25 Há, inclusive, o crime de Rigor excessivo (art. 174). Porém, a
retorsão do ofendido, neste caso, mais se aproxima da legítima
defesa (art. 44).
26 Neste sentido, BADARÓ, Ramagem. Op. cit. p. 336.
27 STF – HC 70.483-2 – Rel. Celso de Mello – DJU 29.04.1994, p.
9.716.
28 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual..., p. 312.
29 “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a
possibilidade de o magistrado sentenciante fixar a pena em
limite superior ao mínimo legal, desde que indique as razões
justificadoras da exacerbação penal” (STF – HC 70.650-9 – Rel.
Celso de Mello – DJU 11.02.1994, p. 1.486).
30 ZAFFARONI, Eugenio Raul & PIERANGELI, José Henrique. Op.
cit. p. 117.
31 Para Jorge César de Assis (Op. cit. p. 169) o dispositivo é “letra
morta pela desuetudo”.
32 Vide arts. 76 e 77 do CPP, que tratam da conexão e continência.
33 No CPB aplica-se o cúmulo material ao concurso material e ao
concurso formal impróprio e o cúmulo jurídico por exasperação
ao concurso formal próprio.
34 Garcia, Basileu. Op. cit. p. 513.
35 PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 334.
36 Idem, ibidem.
37 TACrimSP – RA – Rel. Gonzaga Franceschini – RJD 17/29.
38 Além da teoria puramente objetiva, há mais duas: teoria objetivo-
subjetiva e teoria subjetiva. Esta defende que o crime
continuado caracteriza-se somente pela unidade de propósitos.
A outra mescla a exigência de elementos subjetivos e condições
objetivas. Sobre a matéria, vide PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p.
333.
39 Todavia, com relativa facilidade você encontra entendimentos
jurisprudenciais no sentido de manter a exigência, ao menos, da
unidade de desígnios para a configuração da continuidade
delitiva. Confira: “Para que ocorra o crime continuado necessário
se faz que toda a série de delitos tenha origem no mesmo
ímpeto criminoso, numa mesma ideação criminosa. Deve ter,
pelo menos, uma genérica unidade de desígnios de tal forma
que, na consciência do agente pareça tratar-se de um mesmo
crime. É o liame psicológico que, ligando os diversos atos
criminosos dentro das características objetivas de tempo, lugar,
maneira de execução e outras semelhantes vai definir a
existência do crime continuado. Ausente a unidade de desígnios,
ainda que preenchidos os requisitos objetivos, as séries de
delitos nada mais são do que reiteração de práticas delitivas,
indício seguro, não de continuidade criminosa, mas sim de
habitualidade delitiva” (TACrim-SP-RA – Rel. Rubens Gonçalves
– JUTACrim 91/219).
40 Vide art. 78, § 5.°, do CPM.
41 TJMG – Ap. – rel. Mercêdo Moreira – JM 147/309.
42 STJ – REsp. – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – RT 765/567.
43 TJSP – Ap. – Rel. Walter Guilherme – RT 765/576.
44 JUTACrim 54/154, 21/318, 23/60, 64/44, 20/208 e 18/187.
45 TACrimSP – Rev. – Rel. Onei Raphael – JUTACrim 26/57.
46 RT 140/669 e 660/331.
47 No entanto, o STF decidiu: “Tratamento diferenciado decorrente
dos referidos Códigos tem justificativa constitucionalmente
aceitável em face das circunstâncias peculiares relativas aos
agentes e objetos jurídicos protegidos. A disparidade na
disciplina do crime continuado não vulnera o princípio da
igualdade” (RE 115.770-4 – Rel. Marco Aurélio – DJU
21.02.1992, p. 1.697).
7
DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

Capítulo III
DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

Requisitos para a suspensão.

Art.84. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, pode ser suspensa, por 2 (dois) a 6 (seis)
anos, desde que:
I – o sentenciado não haja sofrido no País ou no estrangeiro, condenação irrecorrível por outro crime a pena privativa de
liberdade, salvo o disposto no § 1.° do art. 71;
II – os seus antecedentes e personalidade, os motivos e as circunstâncias do crime, bem como sua conduta posterior,
autorizem a presunção de que não tornará a delinquir.

• Caput e incisos com redação dada pela Lei 6.544/1978.

Restrições.
Parágrafo único. A suspensão não se estende às penas de reforma, suspensão do exercício do posto, graduação ou função ou
à pena acessória, nem exclui a aplicação de medida de segurança não detentiva.

7.1 SURSIS

A suspensão condicional da pena (sursis) é um instituto dos mais interessantes no direito penal, pois reflete a crise de confiança que
há na pena privativa de liberdade, principalmente quando aplicada por períodos curtos e em detrimento de criminosos primários. Com a
suspensão, “procura-se afastar da prisão o condenado primário, não perigoso, reconhecendo o efeito altamente nocivo do
encarceramento, que degrada e humilha, favorecendo a reincidência. Busca-se, através do sursis, facilitar a ressocialização do
condenado, não o afastando da família, do emprego e da comunidade em que vive”1.
Os tradicionalistas tratam o sursis como benefício ou incidente na execução das penas privativas de liberdade, sob a argumentação
de que a sua concessão não atinge a coisa julgada, pois é sempre, e simplesmente, um benefício condicionado aos requisitos previstos
em lei. Alardeiam que “dizer que a suspensão condicional da pena é uma pena, como querem alguns teóricos do novo sistema penal, é
confundir a essência com a circunstância”2.
Em campo oposto impera o novel entendimento doutrinário e jurisprudencial, pátrio e estrangeiro, de que o sursis possui nítido e
inconfundível caráter coercitivo, aproximando-o das penas ou, ao menos, fazendo dele uma “reação penal de natureza peculiar”, como
bem o disse René Ariel Dotti. Realmente, não se pode afastar da suspensão condicional da pena seu traço essencial, qual seja, a
imposição de obrigações e o estabelecimento de censuras ou limitações ao condenado.
Uma segunda questão envolvendo o sursis gira em torno da obrigação ou faculdade de sua aplicação pelo magistrado.
A posição minoritária firmou-se no sentido de que o juiz possui a faculdade de conceder a suspensão, desde que, além de satisfeitos
os requisitos legais, prepondere a presunção de não reincidência. “O sursis não é um direito do réu, mas faculdade deferida ao juiz para
a individualização da pena. Para sua concessão não se leva em conta apenas o quantum da pena e a primariedade técnica do agente,
impondo-se a pesquisa sobre se está subjetivamente em condições de merecer o benefício3”, isto é, se a análise da personalidade, dos
antecedentes, dos motivos e circunstâncias do crime, autorize o magistrado a presumir que o condenado não voltará a delinquir4.
Em sentido oposto, a tese de que o sursis consubstancia um direito público subjetivo do condenado integra seu patrimônio jurídico
e, quando preenchidas as exigências legais, o juiz é obrigado a concedê-lo; direito este que é amparado, inclusive, pela via excelsa do
habeas corpus5.
Tais requisitos são enumerados no caput e nos incisos do art. 84 e comportam exigências de cunho objetivo e subjetivo.
O primeiro requisito prende-se à qualidade e à quantidade da pena. Com efeito, o sursis somente pode ser aplicado nos casos de
condenação a sanções privativas de liberdade iguais ou inferiores a dois anos.
Há, ainda, condições de ordem subjetiva, quais sejam:
1.°) que o condenado não seja reincidente (inciso I);
2.°) que tenha em seu favor as circunstâncias enumeradas no inciso II, isto é, que seus antecedentes, os motivos e as circunstâncias
do crime, como também seu comportamento após a infração, recomendem o mercê.
Satisfeitos os requisitos legais e sendo a concessão do sursis um direito público subjetivo do condenado, o juiz deve fixar o
chamado período de prova, isto é, o prazo em que a execução da pena privativa de liberdade fica suspensa e no qual o condenado, em
liberdade, deve cumprir as obrigações estabelecidas e obedecer às restrições impostas, sob pena de revogação do “benefício”. Este prazo
deve ser estabelecido entre o mínimo de dois e o máximo de seis anos.
Observe, todavia, que a fixação do período de prova deve ser revestida de uma proporcionalidade com a intensidade da pena
aplicada, a personalidade do condenado e a natureza do delito praticado6. Não é, portanto, medida discricionária ou automática. “A
estipulação, no sursis, do período de prova em limites superiores ao mínimo legal, não pode ser arbitrariamente fixada pelos Juízes ou
Tribunais, que deverão, para esse efeito, indicar, necessariamente, os motivos de sua decisão, sob pena de caracterização de injusto
constrangimento ao estado de liberdade dos réus condenados”7.

7.2 RESTRIÇÕES AO SURSIS

Em nosso entendimento, o disposto no parágrafo único deste art. 84 é totalmente desnecessário, haja vista que o sursis é um instituto
natural e essencialmente vocacionado às penas privativas de liberdade, portanto todas as demais já estão naturalmente excluídas de sua
incidência. A verdadeira ressalva ou restrição é aquela prevista logo adiante no art. 88!

Condições.

Art.85. A sentença deve especificar as condições a que fica subordinada a suspensão.

7.3 CONDIÇÕES DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

O CPM foi econômico e abriu mão de estabelecer condições obrigatórias ou legais ao sursis, o que seria de bom alvitre. Apenas e
tão somente, determina que o juiz, ao sentenciar, as estipule.
Porém, o Código de Processo Penal Militar, regulando em paralelo a matéria, determina que as condições a serem estipuladas na
sentença haverão de ser adequadas ao delito, ao meio social e à personalidade do condenado. E faz mais: impõe a aplicação do art. 626
(condições obrigatórias do livramento condicional), ao passo em que faculta o aditamento do rol de exigências, nos termos do art. 608,
§ 2.°. A imposição, em nosso sentir, decorre da interpretação literal do art. 608, § 2.°, senão vejamos. A norma dispõe da seguinte
forma: “Poderão ser impostas, como normas de conduta e obrigações, além das previstas no art. 626 deste Código, as seguintes
condições”.
Portanto, na verdade, malgrado o silêncio da lei substantiva, na Justiça Militar o sursis contempla condições obrigatórias (art. 608, §
2.° c/c o art. 626, ambos do CPPM) e condições facultativas ou judiciais (art. 85 do CPM e art. 608, caput e § 2.°, incisos I a IV, do
CPPM).

Revogação obrigatória da suspensão.

Art.86. A suspensão é revogada se, no curso do prazo, o beneficiário:


I – é condenado, por sentença irrecorrível, na Justiça Militar ou na comum, em razão de crime ou contravenção reveladora de
má índole ou a que tenha sido imposta pena privativa de liberdade;
II – não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano;
III – sendo militar, é punido por infração disciplinar considerada grave.

Revogação facultativa.
§ 1.° A suspensão pode também ser revogada, se o condenado deixa de cumprir qualquer das obrigações constantes da
sentença.

Prorrogação de prazo.
§ 2.° Quando facultativa a revogação, o juiz pode, ao invés de decretá-la, prorrogar o período de provas até o máximo, se este
não foi o fixado.
§ 3.° Se o beneficiário está respondendo a processo que, no caso de condenação, pode acarretar a revogação, considera-se
prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo.
7.4 REVOGAÇÃO DO SURSIS

Como o próprio nome diz, a suspensão condicional da pena depende do adimplemento de algumas exigências lançadas na sentença.
Por outro lado, podem ocorrer fatos supervenientes à concessão do sursis que demonstrem a falta de méritos do beneficiário para
continuar desfrutando da benesse. Também é certo que tais episódios ou ocorrências variam de intensidade e grau de reprovabilidade,
em razão do que o CPM, com acerto, estipula como consequência a revogação da suspensão que, no entanto, pode ser obrigatória ou
facultativa.
As causas de revogação obrigatória estão previstas nos incisos I, II e III deste art. 86 e conferem tratamento mais rigoroso do que o
previsto na legislação penal comum, onde, por exemplo, a condenação por contravenção não acarreta, imperativamente, a revogação do
benefício.
Ademais, a aplicação literal do inciso I pode acarretar situações extremas, como, por exemplo, nos casos de ser o beneficiário
condenado pela Justiça comum, durante o período de prova, à pena de multa pela prática de crime. Ora, de acordo com o art. 84, inciso
I, do CPM, somente condenação anterior a pena privativa de liberdade impede o sursis; então, há razões para que a pena de multa
superveniente dê causa à obrigatória revogação do benefício? Entendemos que não8.
Ainda neste inciso I existe outra causa de revogação do sursis que merece a melhor das atenções: a condenação por contravenção
penal que revele má índole do contraventor. Em nosso entendimento, apenas quando a sentença condenatória da contravenção
reconhecer expressamente a má índole do contraventor, é que pode ser utilizada como suporte de revogação do benefício. Se assim não
for, fica a pergunta: que suporte de cognição terá o juiz da execução penal para afirmar que o beneficiário do sursis agiu de forma a
revelar má índole no fato que impulsionou sua nova condenação? É temerário!
Já no inciso II, não há dificuldade maior. Se o condenado solvente não efetuar a reparação do dano, por óbvio que não merece ser
recipiendário de um benefício deste jaez.
No inciso III, a lei penal militar determina que a punição do militar por transgressão disciplinar de natureza grave acarreta a
obrigatória revogação do sursis. Observe que os Regulamentos Disciplinares de cada Força estabelecem o que consideram como
transgressão grave9.
Por outro lado, quando o condenado deixa de cumprir as condições impostas na sentença, o juiz pode revogar o benefício
(revogação facultativa – art. 86, § 1.°) ou prorrogar o período de prova até o máximo (art. 86, § 2.°).
Também haverá prorrogação nas situações em que, durante o período de prova, o beneficiário vem a ser processado por outro delito,
desde que, sobrevindo condenação, seja ela idônea à revogação do benefício. Todavia, neste caso, a dilação é por tempo indeterminado,
isto é, até o trânsito em julgado da sentença neste novo processo.
Em qualquer hipótese, para que seja revogado do sursis é necessário o respeito às cláusulas do devido processo legal, permitindo-se
ao condenado o exercício amplo da defesa e do contraditório por conduto de uma audiência de justificação. “Na vigência de uma ordem
constitucional que conferiu maior relevo aos postulados da defesa e do contraditório, e diante dos novos contornos da execução penal,
inteiramente judicializada não se há de conceber a revogação de plano do sursis”10. “A revogação do sursis é ato jurisdicional que deve
ser procedido, com a garantia da defesa do beneficiado, assegurando-se-lhe o direito de demonstrar as causas que o levaram a
descumprir as condições que lhes foram impostas pelo Juiz”11.

Extinção da pena.

Art.87. Se o prazo expira sem que tenha sido revogada a suspensão, fica extinta a pena privativa de liberdade.

7.5 EXTINÇÃO DA PENA

Ora, cumprido integralmente o período de prova (normal ou prorrogado) sem revogação, obviamente, há de extinguir-se a pena
privativa de liberdade cuja execução fora outrora suspensa pelo sursis.
Lembre-se que a extinção da pena ocorre na data em que se exauriu o período de provas e não naquela da decisão judicial que a
declara, após o necessário pronunciamento do Ministério Público12.

Não aplicação da suspensão condicional da pena.

Art.88. A suspensão condicional da pena não se aplica:


I – ao condenado por crime cometido em crime de guerra;
II – em tempo de paz:
a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou
de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de deserção;
b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235, 291 e seu parágrafo único, ns. I a IV.
7.6 NÃO APLICAÇÃO DO SURSIS

O artigo em estudo arrola os casos de não cabimento da suspensão condicional da pena. Ressalvada a hipótese do inciso I, que se
refere aos crimes praticados em tempo de guerra, não nos parece razoável crer que um crime de deserção (em tempo de paz), p. ex., seja
mais grave ou ofensivo do que as lesões corporais graves (art. 209, § 1.°, do CPM) e gravíssimas (art. 209, § 2.°, do CPM), ambas
contempladas com a possibilidade de aplicação do sursis.
Com efeito, essas escolhas legais geralmente são motivadas e justificadas por movimentos ideológicos, nem sempre alinhados com
as melhores tendências de Direito Penal e, muitas das vezes, contaminados por preconceitos ou premissas abomináveis e
discriminatórias, senão vejamos: neste art. 88, v.g., veda-se a concessão do sursis ao militar que pratica o crime de violência contra
superior (art. 157 do CPM), porém quando é o superior que pratica violência contra inferior (art. 175 do CPM), além de ter pena mais
branda, ainda pode ser beneficiado com a suspensão da pena. Injustificável a distinção, pois o art. 35 do Estatuto dos Militares (Lei
6.880/1980) preconiza que “a subordinação não afeta, de modo algum, a dignidade pessoal do militar e decorre, exclusivamente, da
estrutura hierarquizada das Forças Armadas”13.
Aliás, as aberrações legais são tantas que o CPPM aumenta o rol de crimes insuscetíveis de suspensão condicional da pena, ex vi seu
art. 617.
Portanto, “por essas e por outras” que, em nosso entendimento, apenas a disposição do inciso I encontra perfeita acolhida na ordem
constitucional vigente, diante da excepcionalidade do tempo de guerra. Os casos remanescentes devem ser apreciados à luz das
circunstancialidades subjetivas e objetivas, nos moldes do art. 84 do CPM, ou seja: fica ao prudente convencimento do juiz apreciar se a
gravidade do crime e a personalidade do agente recomendam ou não o benefício. Contudo, esta é apenas a nossa maneira isolada de
pensar. A rigor, os crimes arrolados no inciso II deste art. 88 são incompatíveis com o sursis.
__________
1 Lições de direito penal. A nova parte geral. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1992. p. 362.
2 TACrimSP – RA 736.761-0.
3 TACrimSP – AC – Rel. Cunha Camargo – JUTACrim 19/238.
4 TACrimSP – Rev. – Rel. Nélson Fonseca – JUTACrim 22/299.
5 “Atendidos os pressupostos, o sursis constitui um direito da parte,
de natureza processual, por isto que não fica ao alvedrio do juiz
sua concessão. A violação deste direito configura
constrangimento ilegal, reparável pelo remédio heroico” (TJMT –
HC – Rel. Mauro José Pereira – RT 553/425).
6 TAPR – HC – Rel. Abrahão Miguel – RT 481/410.
7 HC 68.422-0-DF – Rel. Celso de Melo – DJU 15.03.1991, p. 2.650.
8 Neste sentido: “Como não se manda para o cárcere o reincidente
doloso apenado com multa, pela mesma razão deve permanecer
longe dele o que no gozo do sursis vem a ser condenado
somente à sanção monetária” (RJDTACrim 8/219).
9 Na Marinha, art. 8.° do Dec. 88.545/1983; no Exército, art. 21 e
remissões, do Dec. 4.346/2002; na Aeronáutica, art. 12,
parágrafo único, do Dec. 76.322/1975.
10 STJ – RHC – Rel. Costa Leite – RSTJ 10/137.
11 STJ – RHC – Rel. José Cândido – RSTJ 52/242.
12 TACrim-SP – RA – Rel. Reynaldo Ayrosa – JUTACrim 87/161.
13 Art. 35 da Lei 6.880/1980.
8
DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

Capítulo IV
DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

Requisitos.
Art.89. O condenado a pena de reclusão ou de detenção por tempo igual ou superior a 2 (dois) anos pode ser liberado
condicionalmente, desde que:

I – tenha cumprido:

a) 1/2 (metade) da pena, se primário;

b) 2/3 (dois terços) da pena, se reincidente.

II – tenha reparado, salvo impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pelo crime;

III – sua boa conduta durante a execução da pena, sua adaptação ao trabalho e as circunstâncias atinentes à sua
personalidade, ao meio social e à sua vida pregressa permite supor que não voltará a delinquir.

Pena em concurso de infrações.

§ 1.° No caso de condenação por infrações penais em concurso, deve-se ter em conta a pena unificada.

Condenação de menor de 21 ou maior de 70 anos.

§ 2.° Se o condenado é primário e menor de 21 (vinte e um) e maior de 70 (setenta) anos, o tempo de cumprimento da pena
pode ser reduzido a 1/3 (um terço).

8.1 LIVRAMENTO CONDICIONAL

Uma das maiores preocupações que orientam a execução das penas privativas de liberdade é a de preservar a vocação recuperadora
da sanção, o que faz com que sejam adotadas várias medidas que estimulem a reinserção social do condenado. Sem dúvida alguma, o
livramento condicional é uma destas medidas, pois antecipa o retorno do indivíduo ao seio da comunidade, conferindo maior relevo ao
princípio da individualização da pena, uma vez que os méritos do condenado são analisados individualmente para a concessão do
benefício.
Assim é que o livramento assume seu importante papel no sistema repressivo, sendo considerado, ao mesmo tempo, um beneplácito
e um direito público subjetivo do condenado, sem perder, contudo, nuances de uma verdadeira etapa de execução da pena, aliás, a
última etapa da execução (progressiva) de penas privativas da liberdade.
“A natureza jurídica do livramento condicional, portanto, tem dupla face. Ela é, ao mesmo tempo, uma providência de Política
Criminal, caracterizada pela antecipação da liberdade, cumprida uma parte da pena e atendidos outros requisitos e condições, e é
também uma providência de Direito Penal, especificamente identificada como medida penal alternativa da privação da liberdade”1.
Mas, tal qual ocorre com o sursis, a concessão do livramento condicional é sujeita ao adimplemento de requisitos enumerados pela
lei, envolvendo condições objetivas e subjetivas.
Os pressupostos objetivos são os que dizem respeito à qualidade e quantidade da sanção, à reparação do dano e ao cumprimento
efetivo de determinada fração da pena.
A primeira condicionante é óbvia: que se trate de pena privativa de liberdade. Ademais, referida sanção tem que ser igual ou
superior a 2 (dois) anos, sendo necessário, ainda, que o condenado tenha reparado o dano, salvo comprovada impossibilidade de fazê-lo.
Por último, é preciso que já tenha sido cumprida uma parcela da pena imposta, a saber: metade da pena, se o condenado for primário, ou
dois terços, se o condenado for reincidente. Atenção para o disposto no art. 97 do CPM, que disciplina hipóteses especiais do
livramento condicional, nas quais se exige o cumprimento de 2/3 da pena, para os casos que especifica. Também recebem tratamento
diverso o menor de 21 e o maior de 70 anos, que podem obter o benefício após o cumprimento de 1/3 da condenação, dês que primários
(art. 89, § 2.°, do CPM).
De se perguntar, então, o que fazer quando um menor de 21 anos, não reincidente, é condenado por um dos crimes que tem o
livramento condicional especial previsto no art. 97 do CPM?
No aspecto subjetivo, é requisito do benefício que o condenado tenha demonstrado boa conduta no cumprimento da pena, com
suficiente adaptação ao trabalho e que, outrossim, militem em seu favor as demais circunstâncias de caráter pessoal (art. 89, inciso III,
do CPM).
De acordo com o § 1.° do artigo em comento, no caso de condenação por crimes em concurso, deve ser levada em conta, para fins
de concessão do livramento condicional, a pena unificada (vide comentários ao art. 79, item 6.12).

Especificações das condições.

Art.90. A sentença deve especificar as condições a que fica subordinado o livramento.

8.2 CONDIÇÕES DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

Exagerou o legislador! A toda evidência que a decisão concessiva do livramento condicional não é uma sentença. Trata-se, em
verdade, de um despacho ou decisão stricto sensu, em que o juiz defere um benefício arguido incidentalmente na execução de uma
pena.
Superada a atecnia, e diante do silêncio do CPM, temos que nos valer do disposto no art. 626 do Código de Processo Penal Militar,
artigo em que são enumeradas as condições obrigatórias do benefício e que devem, por força deste art. 90, constar da decisão judicial.

Preliminares da concessão.

Art.91. O livramento somente se concede mediante parecer do Conselho Penitenciário, ouvidos o diretor do estabelecimento
em que está ou tenha estado o liberando e o representante do Ministério Público da Justiça Militar; e, se imposta medida de
segurança detentiva, após perícia conclusiva da não periculosidade do liberando.

8.3 PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES À CONCESSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

É estranho este artigo! Em primeiro lugar, as penas cuja execução permanece à cargo da Justiça Militar independem do Conselho
Penitenciário. Já as demais, relativas aos civis ou aos militares que perderam o posto ou a graduação, são reguladas pela Lei de
Execuções Penais2. Então, qual a razão deste dispositivo?
Jorge César de Assis, salomonicamente, diz que o parecer sobre os méritos do condenado deve ser elaborado pelo comandante da
Unidade Militar ou do Presídio Militar em que ele se encontra cumprindo pena3.
Quanto à medida de segurança detentiva (internação), nos parece reinar mais uma vez certa confusão. Além de possuir natureza
cautelar-curativa, e não repressiva, a internação sempre é aplicada com observância do prazo mínimo de internação (art. 112, § 1.°, do
CPM) e já conta com um instituto similar ao livramento condicional, mas que respeita suas peculiaridades, qual seja: a desinternação
condicional (art. 112, § 3.°, do CPM).

Observação cautelar e proteção do liberado.

Art.92. O liberado fica sob observação cautelar e proteção realizadas por patronato oficial ou particular, dirigido aquele e
inspecionado este pelo Conselho Penitenciário. Na falta de patronato, o liberado fica sob observação cautelar realizada por
serviço social penitenciário ou órgão similar.

8.4 OBSERVAÇÃO E PROTEÇÃO DO LIBERADO

Embora não haja patronato na execução de penas sob a jurisdição militar, o disposto neste art. 92 é suficiente para esclarecer que o
liberado deve ser mantido sob observação, até mesmo para que seja policiado o cumprimento das condições, à mercê das quais lhe foi
concedido o benefício.
Merece destaque que o patronato, nos termos estabelecidos pela Lei de Execuções Penais (art. 78), destina-se a prestar assistência
aos condenados e aos egressos.
Revogação obrigatória.

Art.93. Revoga-se o livramento, se o liberado vem a ser condenado, em sentença irrecorrível, a pena privativa de liberdade:
I – por infração penal cometida durante a vigência do benefício;
II – por infração penal anterior, salvo se, tendo de ser unificadas as penas, não fica prejudicado o requisito do art. 89, I, letra a.

Revogação facultativa.
§ 1.° O juiz pode, também, revogar o livramento se o liberado deixa de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença
ou é irrecorrivelmente condenado, por motivo de contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade; ou, se militar, sofre
penalidade por transgressão disciplinar considerada grave.

Infração sujeita à jurisdição penal comum.


§ 2.° Para os efeitos da revogação obrigatória, são tomadas, também, em consideração, nos termos dos ns. I e II deste artigo,
as infrações sujeitas à jurisdição penal comum; e igualmente, a contravenção compreendida no § 1.°, se assim, com prudente
arbítrio, o entender o juiz.

8.5 REVOGAÇÃO OBRIGATÓRIA DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

É natural que o livramento, por ser condicional, seja suscetível de revogação quando ocorra descumprimento injustificado das
condições impostas ou fato demonstrativo de demérito do beneficiário. Assim, há causas obrigatórias (art. 93, caput, incisos I e II) e
facultativas (art. 93, § 1.°) de revogação do benefício4.
A primeira causa obrigatória é a condenação irrecorrível por infração cometida durante a vigência do livramento. Com acerto andou
o legislador, pois é absolutamente grave e reprovável que uma pessoa se valha do período de liberdade condicional (um favor rei) para
cometer novos delitos.
Também causa a compulsória ab-rogação do benefício a condenação irrecorrível em virtude de infração cometida antes da
concessão da liberdade condicional, mas desde que, unificadas as penas, não seja prejudicado o requisito temporal do art. 89, inciso I, a,
do CPM.
Por outro lado, é facultativa a revogação quando o liberado deixa de cumprir qualquer das obrigações constantes da decisão
concessiva ou é irrecorrivelmente condenado a pena não privativa de liberdade aplicada em face da prática de contravenção penal,
independente de ter sido a contravenção cometida antes ou durante o benefício. Outrossim, tratando-se de militar, a punição disciplinar
em decorrência de falta grave também enseja a revogação optativa do livramento.
O § 2.° deste art. 93 chama a atenção para uma regra interessante: no art. 93, a lei impõe a revogação do livramento por condenação
irrecorrível em razão de infração cometida. Ora, as contravenções, ao lado dos crimes, são infrações penais. Portanto, as condenações a
penas privativas de liberdade decorrentes de contravenções penais também acarretam a revogação obrigatória do livramento, enquanto
que as condenações por contravenção em outras espécies de pena oportunizam a aplicação do § 1.° (revogação facultativa). É, por
óbvio, que as contravenções a que se refere o CPM são aquelas previstas no Decreto-lei 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais).

Efeitos da revogação.

Art.94. Revogado o livramento, não pode ser novamente concedido e, salvo quando a revogação resulta de condenação por
infração penal anterior ao benefício, não se desconta da pena o tempo em que esteve solto o condenado.

8.6 EFEITOS DA REVOGAÇÃO

É forçoso convir que uma condenação referente a uma infração praticada durante a vigência do livramento condicional configura
uma situação muito mais grave daquela em que o agente comete antes de ter sido contemplado com o benefício. Sem sombra de
dúvidas, era preciso que o legislador conferisse tratamento diferenciado àquele que abusa de um favor rei, traindo a confiança que lhe
foi depositada e literalmente menosprezando um achego que se fazia ao seu justo anseio pela liberdade!
Assim, quando a condenação refere-se à infração praticada antes do livramento condicional, o tempo em que o liberado esteve solto
é considerado como pena cumprida, e o restante a ser executado, após ser somado com a nova condenação, pode ser levado em conta
para a concessão de novo livramento condicional (com referência à pena unificada). Em lado oposto, se a condenação referir-se à
infração cometida durante o benefício, o período em que o liberado esteve solto não é considerado como pena cumprida. Ademais,
nenhuma parcela desta condenação anterior pode ser utilizada para a obtenção de novo livramento condicional.

Extinção da pena.
Art.95. Se, até o seu termo, o livramento não é revogado, considera-se extinta a pena privativa de liberdade.

Parágrafo único. Enquanto não passa em julgado a sentença em processo, a que responde o liberado por infração penal
cometida na vigência do livramento, deve o juiz abster-se de declarar a extinção da pena.

8.7 EXTINÇÃO DA PENA

Ao término do período de prova, isto é, quando o livramento condicional chega a seu termo sem revogação, extingue-se a pena.
Todavia, pode ocorrer de chegar-se à data final do benefício com uma pendência prejudicial à declaração de extinção da pena, qual
seja: a ausência de trânsito em julgado de sentença referente à infração praticada durante o período de prova. Como nestes casos a
sentença do porvir pode ser condenatória e, em sendo, acarreta a necessária revogação do benefício, a lei impede que o juiz declare a
pretendida extinção, até que o decreto jurisdicional torne-se imutável.

Não aplicação do livramento condicional.

Art.96. O livramento condicional não se aplica ao condenado por crime cometido em tempo de guerra.

8.8 NÃO CABIMENTO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

Talvez este art. 96 tenha ido além do real desígnio legislativo, senão vejamos: pretender que um crime cometido em tempo de guerra
não possa ser contemplado com um benefício legal é absolutamente compreensível, mas o que deve ser perquirido é se o CPM
realmente pretende esta amplitude ou confundiu o tempo do crime com o tempo de execução da pena.
A barafunda é mais comum do que se imagina. Autores de escol comentam este artigo justificando-o nos seguintes termos:
“dispositivo claro, impondo um rigor maior ao cumprimento de pena em tempo de guerra”5.
Todavia, entendemos que o comando legal é muito mais grave e lato. Ele não se prende ao momento do cumprimento da pena,
apenas ao da consumação delitiva. Assim, de acordo com a interpretação literal do art. 96, não cabe livramento condicional nas
hipóteses de condenação por crime cometido em tempo de guerra, mas cuja execução da pena e adimplemento das condições do
livramento condicional sejam supervenientes à celebração da paz.

Casos especiais do livramento condicional.

Art.97. Em tempo de paz, o livramento condicional por crime contra a segurança externa do país, ou de revolta, motim,
aliciação e incitamento, violência contra superior ou militar de serviço, só será concedido após o cumprimento de 2/3 (dois
terços) da pena, observado ainda o disposto no art. 89, preâmbulo, seus números II e III e §§ 1.° e 2.°.

8.9 CASOS ESPECIAIS DE LIVRAMENTO CONDICIONAL

Há pouco, criticamos a opção do legislador em vedar a suspensão condicional da pena para algumas espécies criminosas em tempo
de paz (item 7.6). Agora, a providência legislativa é menos drástica, porém ainda revela forte tendência discriminatória, o que, a bem do
rigor científico, não deveria macular uma codificação penal.
Porém, a norma é, do ponto de vista literal, absolutamente clara! Nos crimes que nomina, a concessão do livramento condicional
depende do cumprimento de 2/3 da pena, além da observância dos demais requisitos exigidos pelo art. 89 do CPM.
__________
1 JÚNIOR, Miguel Reale, DOTTI, René Ariel, ANDREUCCI,
Antunes e PITOMBO, Sérgio Marques de Moraes. Penas e
medidas de segurança no novo Código. São Paulo: Forense,
1987. p. 223.
2 Vide art. 2.°, parágrafo único, da LEP (Lei 7.210/1984).
3 Op. cit. p. 197.
4 Vide arts. 631 e 632 do Código de Processo Penal Militar.
5 ASSIS, Jorge César. Op. cit. p. 200.
9
DAS PENAS ACESSÓRIAS

Capítulo V
DAS PENAS ACESSÓRIAS

Penas acessórias.

Art.98. São penas acessórias:


I – a perda de posto e patente;
II – a indignidade para o oficialato;
III – a incompatibilidade com o oficialato;
IV – a exclusão das forças armadas;
V – a perda da função pública, ainda que eletiva;
VI – a inabilitação para o exercício da função pública;
VII – a suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela;
VIII – a suspensão dos direitos políticos.

Função pública equiparada.


Parágrafo único. Equipara-se à função pública a que é exercida em empresa pública, autarquia, sociedade de economia mista,
ou sociedade de que participe a União, o Estado ou o Município como acionista majoritário.

9.1 PENAS ACESSÓRIAS

O Código Penal Militar mantém a previsão de penas acessórias, há algum tempo rejeitada pelo direito penal comum. Certo é que
ditas sanções acompanham a cominação principal e, a bem da verdade, possuem natureza extrapenal (administrativa, política, civil etc.),
daí porque, na lei penal ordinária, muitas das penas acessórias hoje são tratadas como efeitos da condenação (arts. 91 e 92 do CPB).
Regra geral, as penas acessórias são imprescritíveis e, de preferência, guardam pertinência com a qualidade do bem jurídico
ofendido ou com as circunstancialidades da atividade criminosa (especificidade). Muito embora as adornem o traço peculiar da
imprescritibilidade, são alcançadas pelo instituto da reabilitação (art. 134 do CPM).

Perda de posto e patente.

Art.99. A perda do posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a 2 (dois) anos, e
importa na perda das condecorações.

9.2 PERDA DE POSTO E PATENTE

A perda de posto e patente é a primeira das penas acessórias (inciso I do art. 98) e ombreada à indignidade para o oficialato (inciso
II do art. 98) e à incompatibilidade com o oficialato (inciso III do art. 98) forma uma tríade que merece uma especial reflexão.
Historicamente, desde a Constituição do Império, a ordem jurídica brasileira destacou proteção ao posto e à patente dos oficiais das
Forças Armadas e, inclusive, determina os casos em que o oficial não é mais digno de ostentar tal status.
Com a Carta de 1988 não foi diferente! Porém, há uma novidade que, em nossa análise, acarreta a não recepção dos três incisos
inaugurais do art. 98, senão vejamos:
1) o art. 142, inciso VI, da CF, dispõe que o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele
incompatível, por decisão do tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;
2) o próximo mandamento constitucional (inciso VII) determina que o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena
privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso
anterior.
Isto quer dizer que a perda do posto e da patente somente pode resultar de um pronunciamento do Tribunal Militar e que, na
qualidade de resultante deste procedimento específico, perde a natureza de acessoriedade em relação às penas ditas principais, para
assumir a condição de sanção autônoma e constitucional.
De mais a mais, o tratamento constitucional ab-roga o anunciado neste art. 99, pois a perda do posto e da patente não mais resulta da
condenação, como referido na norma. A condenação passa a ser apenas o fato gerador do procedimento especial na Segunda Instância.
Por outro lado, a perda do posto e da patente sucede o reconhecimento, pelo Tribunal, de que o militar é indigno ou incompatível
com o oficialato, o que, em derradeira análise, acaba esvaziando o conteúdo singular das penas acessórias previstas nos incisos II e III
do art. 98.
Ademais, a determinação constitucional de submeter militares condenados ao julgamento para perda do posto e da patente não
discrimina a origem da condenação, ou seja, tanto faz que a condenação tenha sido proferida pela Justiça Militar ou pela Justiça
Comum, o que acentua a inconveniência de se manter a perda do posto e da patente como sanção acessória no CPM.
Por fim, como conceber como acessória uma pena que exige ser prolatada pelo Órgão de cúpula da Justiça, enquanto a principal é
imposta em 1.° grau de jurisdição? E a conhecida máxima, tantas vezes invocada no Direito, de que o acessório segue o principal?!
Por estas e por outras que firmamos nosso entendimento no sentido da não recepção dos incisos I, II e III deste art. 98.

Indignidade para o oficialato.

Art.100. Fica sujeito à declaração de indignidade para o oficialato o militar condenado, qualquer que seja a pena, nos crimes de
traição, espionagem ou covardia, ou em qualquer dos definidos nos arts. 161, 235, 240, 242, 243, 244, 245, 251, 252, 303, 304,
311 e 312.

9.3 INDIGNIDADE PARA O OFICIALATO

Mantendo nosso entendimento exposto no item anterior, somos pela não recepção desta pena de indignidade para o oficialato. Isto
não impede que o militar condenado pela prática dos crimes indicados neste art. 100 seja submetido ao julgamento originário de 2.ª
instância e, em decorrência dele, perca o posto e a patente, nos termos da combinação entre os incisos VI e VII do art. 142 da
Constituição Federal.
Interessante lembrar que, de acordo com a disposição constitucional, a resposta resultante desse procedimento especial não é a mera
declaração de indignidade, mas a consequente perda do posto e da patente, ou seja, a indignidade para o oficialato, enquanto pena,
deixa de existir!

Incompatibilidade com o oficialato.

Art.101. Fica sujeito à declaração de incompatibilidade com o oficialato o militar condenado nos crimes dos arts. 141 e 142.

9.4 INCOMPATIBILIDADE COM O OFICIALATO

Mantendo nosso entendimento exposto nos itens anteriores, somos pela não recepção desta pena de incompatibilidade com o
oficialato. Isto não impede que o militar condenado pela prática dos crimes indicados neste art. 101 seja submetido ao julgamento
originário de 2.ª instância e, em decorrência dele, perca o posto e a patente, nos termos da combinação entre os incisos VI e VII do art.
142 da Constituição Federal.

Exclusão das forças armadas.

Art.102. A condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a 2 (dois) anos, importa sua exclusão das
forças armadas.

9.5 EXCLUSÃO DAS FORÇAS ARMADAS


A princípio, esta pena acessória seria de aplicação simples e indiscutível. A norma contida no CPM em nada afrontava as
disposições constitucionais e guardava perfeita harmonia com o Estatuto dos Militares, especialmente em seu art. 125, inciso I.
Todavia, eis que a Constituição de 1988 (EC 45/2004) determinou que os praças das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros
Militares devem ser submetidos a julgamento específico pelos tribunais competentes para, somente assim, perderem a graduação que
ostentam.
Com isto criou-se uma terrível e injustificável antinomia no tratamento conferido aos praças das Forças Armadas comparados com
seus colegas estaduais. Enquanto para os primeiros a exclusão das forças armadas é pena acessória e prolatada pelo Juízo de 1.° grau,
os praças estaduais passaram a gozar das mesmas prerrogativas antes reservadas aos oficiais, ou seja, somente perdem suas graduações
por decisão do Tribunal, após terem sido condenados na primeira instância.
É natural, portanto, que se pretenda equalizar as distorções, o que haverá de ser feito nos mais dialéticos campos de batalhas: a sala
de audiências dos fóruns e os cadernos jurisprudenciais.

Perda da função pública.

Art.103. Incorre na perda da função pública o assemelhado ou o civil:


I – condenado a pena privativa de liberdade por crime cometido com abuso de poder ou violação do dever inerente à função
pública;
II – condenado, por outro crime, a pena privativa de liberdade por mais de 2 (dois) anos.
Parágrafo único. O disposto no artigo aplica-se ao militar da reserva, ou reformado, se estiver no exercício de função pública de
qualquer natureza.

9.6 PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA

A lei penal militar pressupõe que a condenação por crime praticado com abuso de poder ou violação do múnus público gera absoluta
incompatibilidade com o exercício da função e, assim, determina sua perda para qualquer servidor civil condenado nestes termos. De
igual sorte, preconiza idêntica providência nas hipóteses de condenações por crimes de outras espécies, desde que a sanção privativa de
liberdade seja superior a dois anos.
É, como visto, uma pena acessória preferencialmente específica, dada a maior reserva conferida pelo inciso I. Deve-se observar,
todavia, que a dicção legal não está perfeitamente harmonizada com a terminologia própria do Direito Administrativo, senão vejamos: a
pena é de perda da função pública, porém, via de regra, as funções públicas decorrem do cargo que o servidor ocupa, isto é, “do lugar
instituído na organização do serviço público, com designação própria, atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio
correspondente, para ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em lei”1. Há, ainda assim, funções sem cargo, porém,
são essencialmente transitórias, daí porque as funções permanentes hão de ser destinadas aos titulares de cargos.
Em razão disto, surge-nos a sincera dúvida na aplicação do dispositivo, pois, dada a inelutável taxatividade da lei penal (lex certa),
não nos parece crível ampliar o conceito de função pública para atingir a perda do cargo que o servidor condenado ocupa. Desta forma,
a pena de perda da função pública sofre substancial diminuição aflitiva, fenômeno facilmente superável com uma simples reformulação
legislativa, na qual se inclua no preceito, além da perda da função, a perda do cargo público. A propósito, nos inspiremos no modelo
adotado pelo art. 92, inciso I, do Código Penal Brasileiro.
Por fim, deve ser observado o que dispõe o art. 22 da Lei 8.112/1990, em conformidade com o discurso-garantia constitucional (art.
41, § 1.°).

Inabilitação para o exercício de função pública.

Art.104. Incorre na inabilitação para o exercício da função pública, pelo prazo de 2 (dois) a 20 (vinte) anos, o condenado a
reclusão por mais de 4 (quatro) anos, em virtude de crime praticado com abuso de poder ou violação do dever militar ou
inerente à função pública.

Termo inicial.

Parágrafo único. O prazo da inabilitação para o exercício da função pública começa ao termo da execução da pena privativa de
liberdade ou da medida de segurança imposta em substituição, ou da data em que se extingue a referida pena.

9.7 INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA

Esta pena acessória não deriva ou se consubstancia em mera “agravação”2 da anterior. É perfeitamente autônoma e, diga-se, bem
mais gravosa, pois veda ao condenado o exercício de qualquer função pública, não só daquela que exercia ao tempo da condenação, mas
de qualquer outra que pretenda investir-se. Assim, um servidor civil condenado à pena da perda da função pública, por exemplo, pode
assumir novo cargo conquistado pela via concursal. Já nesta sanção de inabilitação, o condenado não pode retornar ao serviço público
durante o período fixado na sentença.
Infelizmente não há nenhuma norma que regule a dosimetria desta pena, omissão tão mais séria quanto ampla é a relativa
indeterminação da sanção, pois, a toda evidência, o período de inabilitação previsto in abstrato é amplo em demasia: de dois a 20 anos.
De mais, cabe-nos ressaltar os requisitos da pena, quais sejam: condenação superior a quatro anos, por crime cometido com abuso
de poder, violação do dever militar ou profanação dos deveres inerentes à função pública.
Por fim, entendemos associada a este artigo a crítica há pouco feita (item 9.6) com relação aos conceitos de cargo e função pública.

Suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela.

Art.105. O condenado a pena privativa de liberdade por mais de 2 (dois) anos, seja qual for o crime praticado, fica suspenso do
exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, enquanto dura a execução da pena, ou da medida de segurança imposta em
substituição (art. 113).

Parágrafo único. Durante o processo pode o juiz decretar a suspensão provisória do exercício do pátrio poder, tutela ou
curatela.

9.8 SUSPENSÃO DO PÁTRIO PODER3, TUTELA OU CURATELA

Parece-nos exagerada a previsão legal, e expomos nossas razões: inicialmente sugere ser acertado crer que o condenado à pena
privativa de liberdade superior a dois anos não reúna condições de atender satisfatoriamente aos ônus decorrentes do poder familiar,
tutela ou curatela, partindo-se da premissa de que a sanção será cumprida sem qualquer progressão de regime, nos termos da
codificação penal e processual penal militar.
Ocorre que, nas condenações por tempo superior ao biênio, dificilmente a execução da pena deixará de ser regulada pela Lei de
Execuções Penais e, sendo assim, o condenado passa a usufruir do benefício da progressão de regime, o que atenuaria a pretensa e
temporária incompatibilidade.
Quanto à suspensão provisória, que pode ser decretada durante a tramitação da ação penal, há um imenso e, talvez, incômodo espaço
à discricionariedade jurisdicional, pois a lei não expõe a finalidade, tampouco os motivos que autorizem a providência extravagante.
Aliás, este dispositivo pode ocasionar uma excrescência: para que a pena acessória seja mais grave e duradoura do que a principal, basta
que o juiz decrete a medida durante o processo e que o réu venha a ser condenado. Ora, enquanto durar a execução da pena principal,
acompanha-lhe a acessória. Assim, somados os dois períodos, a pena de suspensão do poder familiar, da tutela ou da curatela é maior do
que a pena privativa de liberdade!

Suspensão dos direitos políticos.

Art.106. Durante a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança imposta em substituição, ou enquanto
perdurar a inabilitação para função pública, o condenado não pode votar, nem ser votado.

9.9 SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

A suspensão dos direitos políticos, notadamente do direito de sufrágio (direito de votar ou de ser votado), é providência decorrente,
automática e obrigatória de qualquer condenação criminal transitada em julgado, conforme determina o art. 15, inciso III, da
Constituição Federal. Portanto, nem há que se falar mais em simples pena acessória do Direito Penal Militar, mas sim de um efeito
constitucional à condenação criminal. Aliás, a amplitude do preceito é tal, que mesmo aqueles condenados beneficiados com o sursis
perdem a alistabilidade e a elegibilidade.

Imposição de pena acessória.

Art.107. Salvo os casos dos arts. 99, 103, II, e 106, a imposição da pena acessória deve constar expressamente da sentença.

9.10 IMPOSIÇÃO DE PENA ACESSÓRIA

Com o passar do tempo e em decorrência dos avanços legislativos, o comando deste art. 107 sofreu profunda modificação. Ora,
como visto, a perda do posto e da patente não mais pode ser considerada pena acessória; a perda da função pública (art. 103, inciso II)
há de ser declarada com atenção ao disposto no art. 41, § 1.°, inciso I, da CF, e quanto à suspensão dos direitos políticos, há pouco
registramos que se trata de um efeito constitucional da sentença condenatória criminal. Portanto, na verdade, as penas acessórias
remanescentes, mercês destas considerações, devem constar expressamente na sentença.

Tempo computável.

Art.108. Computa-se no prazo das inabilitações temporárias o tempo de liberdade resultante da suspensão condicional da pena
e do livramento condicional, se não sobrevém revogação.

9.11 TEMPO COMPUTÁVEL

É enigmático este dispositivo, pois não há pena acessória que com ele se concilie perfeitamente, senão vejamos: as cinco primeiras
(art. 98, incisos I ao V) possuem caráter permanente; a inabilitação para o exercício da função pública não admite o sursis e, ademais,
somente se inicia após o término da execução da pena privativa de liberdade ou da data de sua extinção (art. 104, parágrafo único); a
suspensão do poder familiar, tutela ou curatela só se aplica durante a execução da pena, à semelhança do que ocorre com a suspensão
dos direitos políticos.
Destarte, a única explicação para o artigo em apreço há de ser que as penas acessórias previstas no art. 98, incisos VI e VII, aplicam-
se mesmo durante o período de provas do sursis e do livramento condicional, considerado tal período como efetiva execução da pena
privativa de liberdade, desde que não sobrevenha revogação.
Porém, ainda assim, é preciso muito boa vontade na exegese do art. 108, pois, na verdade, não há computação de tempo como se
refere a lei. Computação de tempo haveria se o período de provas do sursis ou do livramento condicional pudesse ser detraído do tempo
de condenação da sanção acessória, o que só poderia ocorrer na hipótese do art. 104, em que a pena acessória tem um prazo para ser
decretada: de dois a 20 anos.
__________
1 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 366.
2 Neste sentido, ASSIS, Jorge César de. Op. cit. p. 216.
3 Vide artigos 1.630 a 1.638 do Código Civil sobre o poder familiar,
instituto jurídico que substituiu o antigo pátrio poder.
10
DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

Capítulo VI
DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

Art. 109. São efeitos da condenação:

Obrigação de reparar o dano.

I – tornar certa a obrigação de reparar o dano resultante do crime;

Perda em favor da Fazenda Nacional.

II – a perda, em favor da Fazenda Nacional, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato
ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a sua prática.

10.1 DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

É lógico que da condenação criminal decorrem vários e multifacetados efeitos, alguns de natureza penal, outros de natureza
extrapenal. Assim, pode-se dizer que os efeitos da condenação dividem-se em:

O efeito penal por excelência, por isto denominado de principal, é a imposição da pena ou da medida de segurança. Já os efeitos
penais secundários são diversos e encontram-se “espalhados” pelos Códigos Penal e Processual Penal Militar, como, por exemplo: a) a
reincidência; b) o impedimento de obtenção do sursis; c) a revogação do sursis e do livramento condicional; d) a revogação da
reabilitação; e) a inscrição do nome do condenado no rol dos culpados etc.
Quanto aos efeitos extrapenais, é interessante notar que a lei lhes reservou um espaço próprio e exclusivo, pois deles se ocupa o art.
109 em estudo. São efeitos genéricos, cabíveis em qualquer espécie de condenação e de aplicação automática:
1. Tornar certa a obrigação de reparar o dano – o legislador brasileiro adotou o sistema da separação de instâncias, porém, de
acordo com a própria lei processual cível, a sentença penal condenatória irrecorrível é considerada título executivo judicial (art. 475-N,
inciso II), em face do que, após o seu trânsito em julgado, pode ser executada no juízo cível com vistas a se estabelecer o quantum da
reparação devida pela prática do delito. Esta execução pode ser promovida pelo ofendido, seus herdeiros ou seu representante legal. “A
condenação criminal torna certa a obrigação de ressarcir o dano causado pelo delito. Não se poderá mais questionar no cível sobre a
existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime. Uma vez proferida a condenação
criminal, no juízo cível vai-se questionar apenas o quantum da indenização”1.
2. Confisco dos instrumentos e do produto ou proveito do crime – o segundo efeito extrapenal genérico da condenação é o confisco,
isto é, a perda dos bens de particulares em favor do Estado, medida que possui o “duplo propósito de impedir a difusão de instrumentos
idôneos à prática de infrações penais e de vedar o indevido locupletamento patrimonial por parte do agente”2. Observe que o confisco
não é sanção, diante, inclusive, da expressa proibição constitucional (art. 150, IV, da CF), é apenas um dos efeitos cíveis da
condenação. É certo, ainda, que a expressão instrumento do crime (instrumenta sceleris) deve ser entendida de modo restrito, abarcando
apenas aqueles objetos utilizados diretamente para o cometimento do delito, evitando-se generalizações absurdas. Da mesma forma, o
confisco só pode atingir os instrumentos cujo fabrico, porte, uso, alienação ou detenção constituam ilícitos. Este efeito da sentença
condenatória também atinge o produto ou o proveito auferido com o delito. Produto (producta sceleris) é a vantagem direta, é a
resultante imediata do crime, enquanto que o proveito é o benefício, o lucro, o ganho que decorre do desdobramento posterior do
produto da infração.
De se ver, ainda, o disposto no art. 243 da Constituição Federal, especialmente em seu parágrafo único, que prevê o confisco de todo
e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência de tráfico ilícito de entorpecentes.
__________
1 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit. p. 380.
2 PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 508.
11
DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

TÍTULO VI
DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Espécies de medida de segurança.

Art.110. As medidas de segurança são pessoais ou patrimoniais. As da primeira espécie subdividem-se em detentivas e não
detentivas. As detentivas são a internação em manicômio judiciário e a internação em estabelecimento psiquiátrico anexo ao
manicômio judiciário ou ao estabelecimento penal, ou em seção especial de um ou de outro. As não detentivas são a cassação
de licença para a direção de veículos motorizados, o exílio local e a proibição de frequentar determinados lugares. As
patrimoniais são a interdição de estabelecimento ou sede de associação, e o confisco.

11.1 DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Como sabemos, a sanção penal tem por escopo reprimir, prevenir e ressocializar o criminoso, sendo aplicada em resposta à prática
de um fato típico e antijurídico, obedecido o pressuposto da culpabilidade do agente.
Pois bem! Ocorre que em algumas hipóteses, não obstante a ocorrência de um delito, o Estado não pode impor uma pena, em face da
ausência de seu pressuposto fundamental, a culpabilidade do criminoso.
Em um panorama mais específico, a culpabilidade pode faltar às vistas da inimputabilidade do agente, quando for, por exemplo,
portador de uma enfermidade ou deficiência mental que lhe retire a capacidade de entendimento ou de comportamento (art. 48 do
CPM). Diante da morbidez do indivíduo, afasta-se o interesse social em simplesmente reprová-lo e puni-lo, surgindo, por sua vez, a
necessidade ululante de que sejam adotadas medidas aptas a prevenir sua reincidência no crime e a proporcionar a cura de sua
enfermidade.
Basileu Garcia ensina que: “Tem-se dito que a pena continua a ser um castigo, ainda que, cada vez mais se pretenda expungi-la do
caráter retributivo e expiatório..., na verdade a pena jamais perderá, no consenso geral, a eiva de paga do mal pelo mal, malum passionis
quod infligitur ob malum actionis. Ora, em contraposição, as medidas de segurança não traduzem castigo. Foram instituídas no influxo
do pensamento da defesa coletiva, atendendo à preocupação de prestar ao delinquente uma assistência reabilitadora (...) As penas
encaram o passado. As medidas de segurança voltam-se para o futuro. As penas alicerçam-se no fato da autoria e responsabilidade do
delinquente, fato já consumado. As medidas de segurança têm em mira os males que ele poderá ainda perpetrar, os delitos a decorrerem
de seu estado perigoso, que necessita ser obviado”1.
Assim, você pode dizer que a periculosidade é o pressuposto da medida de segurança tal e qual a culpabilidade o é em relação à
pena.
Note que as medidas de segurança não possuem a natureza própria das sanções2, pois, como dito, despem-se de um conteúdo
punitivo. Contudo, nelas persiste um traço nítido de coerção, pois são aplicadas e controladas pelos juízos penais, obedecidas as
condicionantes da lei penal, gerando, inclusive, sérias repercussões no status libertatis da pessoa, o que autoriza a conclusão de que, se
não são propriamente penas, possuem nuances que delas as aproxima, ao menos sob o aspecto formal3.
A medida de segurança é um meio empregado à defesa social e ao tratamento do indivíduo que comete crime4. Talvez em razão
desta característica tenha o legislador penal militar avançado e previsto medidas de segurança para situações em que não haja
propriamente ausência de capacidade de entendimento ou de comportamento do agente (culpabilidade), mas nas quais se perceba um
certo estado subjetivo de antissociabilidade do criminoso que precisa ser controlado com vistas ao bem-estar futuro da sociedade,
como, por exemplo, nas medidas de segurança patrimoniais e na cassação de licença para dirigir veículos motorizados (art. 115 do
CPM), no exílio local (art. 116 do CPM) e na proibição de frequentar determinados lugares (art. 117 do CPM), situações em que,
excepcionalmente, impera o critério do duplo binário, pois além da pena, o condenado é submetido à medida de segurança sui generis.
Aliás, neste extenso art. 110, o Código Penal Militar classifica e subdivide as medidas de segurança. Assim, são duas as categorias
principais: medidas de segurança pessoais e patrimoniais. As pessoais podem ser detentivas (internação em manicômio judiciário, art.
112) ou não detentivas (cassação da licença para dirigir veículos automotores, art. 115, exílio local, art. 116, e proibição de frequentar
determinados lugares, art. 117). As patrimoniais são a interdição de estabelecimento comercial ou sede de sociedade ou associação
(art. 118) e o confisco (art. 119).
Em nosso entendimento, as medidas previstas nos arts. 115, 116, 117, 118 e 119 deveriam ser tratadas como penas alternativas e/ou
efeitos da condenação, isto em honra ao rigor técnico que deve permear a atenção do legislador.

MEDIDAS DE SEGURANÇA

Pessoas sujeitas às medidas de segurança.

Art.111. As medidas de segurança somente podem ser impostas:

I – aos civis;

II – aos militares ou assemelhados, condenados à pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, ou aos que de
outro modo hajam perdido função, posto e patente, ou hajam sido excluídos das forças armadas;

III – aos militares ou assemelhados, no caso do art. 48;

IV – aos militares ou assemelhados, no caso do art. 115, com aplicação dos seus §§ 1.°, 2.° e 3.°.

11.2 DAS PESSOAS SUJEITAS ÀS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Este é mais um dos não poucos artigos confusos do Código Penal Militar! Tentou o legislador regular em minudências a aplicação
das medidas de segurança e, em nosso sentir, acabou por criar espaços vazios injustificáveis, como, por exemplo, a vedação de se
aplicar a medida de segurança prevista no art. 119, inciso II, a um militar que tenha praticado crime com instrumento pertencente às
FFAA. Por outro lado, a universalidade de medidas de segurança é cominada aos civis, enquanto que aos militares apenas as previstas
nos arts. 48 e 115.
Realmente, é esta a principal conclusão que se tira deste art. 111. O inciso I é claro o bastante: aos civis tudo! O segundo destina-se
aos ex-militares, isto é, aos que perderam o posto, a patente ou a graduação, com as ressalvas já feitas em relação à perda do posto e da
patente no item 9.2. O inciso III trata do óbvio, permitindo a internação do militar inimputável, e o inciso IV prevê a cassação da
habilitação, que, na verdade, nem cassação é, dada a temporariedade da providência!
De qualquer sorte, antes de aplicar a medida de segurança, deve o Órgão Julgador verificar se a pessoa a ser submetida encontra-se
em uma das situações previstas neste quasímodo.

Manicômio Judiciário.

Art.112. Quando o agente é inimputável (art. 48), mas suas condições pessoais e o fato praticado revelam que ele revela perigo
à incolumidade alheia, o juiz determina sua internação em manicômio judiciário.

Prazo de internação.
§ 1.° A internação, cujo mínimo deve ser fixado entre 1 (um) a 3 (três) anos, é por tempo indeterminado, perdurando enquanto
não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade do internado.
Perícia médica.
§ 2.° Salvo determinação da instância superior, a perícia médica é realizada ao término do prazo mínimo fixado à internação e,
não sendo esta revogada, deve aquela ser repetida de ano em ano.

Desinternação condicional.
§ 3.° A desinternação é sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior, se o indivíduo, antes do decurso de
um ano, vem a praticar fato indicativo de persistência de sua periculosidade.
§ 4.° Durante o período de prova, aplica-se o disposto no art. 92.

11.3 DA INTERNAÇÃO

A internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (instituições sucessoras dos manicômios judiciários) é, por assim
dizer, a medida de segurança por excelência. Destina-se, essencialmente, ao agente inimputável, isto é, ao indivíduo que em razão de
doença mental ou de desenvolvimento mental retardado ou incompleto era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com este entendimento (art. 48).
É medida que pode ser aplicada tanto aos militares quanto aos civis, desde que as condições pessoais do sujeito e as circunstâncias
do fato praticado revelem sua periculosidade (art. 112, caput).
Infelizmente, o CPM não previu a hipótese de tratamento ambulatorial, omissão que pode ser perfeitamente suprida pela aplicação
subsidiária da codificação comum, pois o juiz, atento às finalidades do ordenamento, deve impor a medida mais eficiente e adequada ao
esforço terapêutico e curativo, orientado sempre pelas prescrições periciais e sugestões médicas.
Certo é que “tanto a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico quanto o acompanhamento médico-ambulatorial,
pressupõem, ao lado do fato típico, a periculosidade, ou seja, que o agente possa vir a praticar outro crime”5.
Ademais, “as medidas de segurança, ao contrário das penas, não devem ser necessariamente proporcionais à gravidade dos delitos
praticados, mas à periculosidade do delinquente. A referência à gravidade do delito praticado, na formulação do princípio da
proporcionalidade, somente pode significar um sintoma a mais a ser analisado para aferir a periculosidade do delinquente; um sintoma
que pode ser confirmado ou desvirtuado por outros”6.
A adesão a este ponto de vista, de vanguarda (diga-se), também ecoa nos repertórios jurisprudenciais.
Ao impor a medida de segurança, deve o juiz determinar o período mínimo de internação, obedecidos os limites preconizados pela
lei, quais sejam, entre um e três anos, a depender da periculosidade do indivíduo. Cuidado: o inimputável é submetido à medida de
segurança não para ser punido, mas para ser curado! Assim, na fixação do período mínimo, o juiz deve levar em conta, também, a
gravidade da anomalia mental do acusado e suas reais necessidades terapêuticas7.
Apesar de ser fixado este período mínimo inicial, a medida é por tempo indeterminado, pois sua eficácia condiciona-se ao
desaparecimento da periculosidade do agente, circunstância que haverá de ser atestada por prévia perícia médica.
Por outro lado, antes mesmo de exaurido o período mínimo da internação ou do tratamento, pode vir a ocorrer a desinternação ou
liberação condicionais, observado o ritual previsto nos arts. 175 e 176 da LEP (Lei 7.210/1984).
Em breve resumo, pode ser dito que “a medida de segurança apresenta singular peculiaridade: o prazo mínimo de sua duração, ao
contrário das penas, é meramente enunciativo, pois a liberação ou desinternação do agente é sempre condicional. Viável se tornará
somente quando for verificada a cessação da periculosidade, mediante prévia perícia médica. Outrossim, o prazo sempre é relativo. Não
se reveste, jamais, com os caracteres de definitividade, de intangibilidade ou de inalterabilidade. As medidas de segurança são sempre
indeterminadas. Podem ter curtíssima duração, mesmo aquém do estabelecido na sentença, ou se prolongarem indefinidamente, se
persistir a periculosidade (...) Na verdade, o prazo mínimo estabelecido pela sentença serve apenas como um ponto de referência para a
realização do primeiro exame e, nele, se computa o tempo em que o paciente esteve preso ou internado provisoriamente”8.
Ora, é exatamente essa indeterminação peculiar das medidas de segurança que tem despertado a impaciência de muitos
doutrinadores e estudiosos do direito penal, pois, sem dúvida alguma, tal fato compromete a tão buscada segurança jurídica, chegando
ao ponto, inclusive, de se permitir a perpetuidade de uma medida que priva ou, ao menos, restringe sobremodo a liberdade do indivíduo.
Basta que o agente não recupere sua integridade psíquica para que a medida de segurança, nos termos estritamente legais, o acompanhe
pelo resto de sua existência física, tornando-se, desta forma, muito mais gravosa do que a própria sanção penal, adstrita que está ao
limite da condenação.
Irresignado com isto, Luiz Flávio Gomes, dentre outros expoentes, advoga que “para o inimputável, a medida de segurança não
pode ultrapassar a pena máxima cominada ao delito. Justifica-se essa exigência em razão da segurança jurídica que é um direito de
todos num Estado de Direito em razão do princípio da legalidade (o autor do fato punível tem o direito de saber, antecipadamente, qual
o limite máximo da privação de sua liberdade) e em razão do princípio da igualdade (não se pode fazer do inimputável uma pessoa de
pior condição do que os demais)... Toda execução penal tem que ter um limite; todo poder-dever de punir do Estado tem que ter um
fim”9.
De se perguntar, portanto, o que fazer com a pessoa submetida à medida de segurança se, ultrapassado período de tempo equivalente
à pena em abstrato cominada ao crime cometido, ainda não tivesse cessado a sua periculosidade?
Incumbe ao Estado providenciar a continuidade do tratamento, porém sem qualquer contorno de medida penal. Assim, preserva-se a
coletividade do perigo resultante da alteração psíquica do indivíduo, bem como se mantém a coerência com o regramento constitucional
que impede penas de caráter perpétuo.
Não obstante, o entendimento majoritário defende a indeterminação das medidas de segurança, admitindo-se, desta forma, que possa
ela ser superior ao máximo da pena cominada em abstrato para a espécie delitiva praticada pelo paciente.
Ainda de acordo com o Código Penal Militar, tão logo termine o prazo mínimo fixado na sentença, o paciente deve ser submetido à
perícia médica destinada a averiguar a cessação da sua periculosidade (art. 112, § 2.°). É interessante destacar que esta providência
dispensa a intervenção judicial, ou seja, trata-se de procedimento que a autoridade administrativa encarregada da execução da medida
de segurança deve adotar ex officio.
Por outro lado, a perícia pode vir a ser realizada, por determinação judicial, antes mesmo de findo o prazo mínimo de internação ou
tratamento, ainda mais quando haja requerimento fundamentado do Ministério Público ou da defesa, nos termos do art. 176 da LEP.
Em qualquer hipótese, concluindo os peritos pela cessação da periculosidade do agente, abre-se espaço para a revogação da medida
(desinternação ou liberação do tratamento ambulatorial), que será sempre condicional, ficando o liberado em observação pelo prazo de
um ano, sendo que: 1) se, durante este prazo, o agente demonstra ter recuperado sua higidez mental, ou seja, não pratica qualquer ato
indicativo da persistência de periculosidade, a medida de segurança será extinta; 2) se, ao contrário, antes do decurso de um ano o
agente pratica atos que façam concluir pela continuidade de seu estado mórbido (persistência da periculosidade), deve ser restabelecida
sua situação anterior (internação ou submissão a tratamento ambulatorial).
A outra possibilidade que se apresenta nesta fase da internação mínima é de concluírem os experts pela permanência da
periculosidade do agente, situação que desautoriza a revogação da medida imposta, fazendo com que se prorrogue a internação ou o
tratamento ambulatorial sine die, submetendo-se o paciente, anualmente (ou a qualquer tempo), a novo exame.
Assim, podemos resumir cronologicamente e como regra geral: 1) imposição da medida de segurança; 2) fixação do período mínimo
de internação (ou tratamento ambulatorial); 3) imediatamente ao término deste período, submissão do paciente à perícia médica; 4) se o
parecer dos peritos for favorável ao paciente, revogação da medida de segurança (desinternação ou liberação condicionais), após o que
pode ocorrer a extinção ou o retorno daquela anteriormente aplicada; 5) se o parecer for desfavorável ao paciente, prorrogação da
medida imposta, com a repetição anual dos exames periciais.
De acordo com o § 4.°, durante a desinternação condicional deve haver observação cautelar do liberado.

Substituição da pena por internação.

Art.113. Quando o condenado se enquadra no parágrafo único do art. 48 e necessita de especial tratamento curativo, a pena
privativa de liberdade pode ser substituída pela internação em estabelecimento psiquiátrico anexo ao manicômio judiciário ou ao
estabelecimento penal, ou em seção especial de um ou de outro.

Superveniência de cura.

§ 1.° Sobrevindo a cura, pode o internado ser transferido para o estabelecimento penal, não ficando excluído o seu direito ao
livramento condicional.

Persistência do estado mórbido.

§ 2.° Se, ao término do prazo, persistir o mórbido estado psíquico do internado, condicionante de periculosidade atual, a
internação passa a ser por tempo indeterminado, aplicando-se o disposto nos §§ 1.° a 4.° do artigo anterior.

Ébrios habituais ou toxicômanos.

§ 3.° À idêntica internação para fim curativo, sob as mesmas normas, ficam sujeitos os condenados reconhecidos como ébrios
habituais ou toxicômanos.

11.4 DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR INTERNAÇÃO

Como sabemos, ao inimputável não se aplica sanção, somente medida de segurança, em face da total ausência da capacidade de
entendimento ou comportamento, que lhe é provocado por uma doença mental ou por desenvolvimento mental retardado ou incompleto
(art. 48, caput, do CPM), mas com relação aos fronteiriços (semi-imputáveis), o Código Penal Militar possibilita ao juiz aplicar a pena
reduzida (art. 48, parágrafo único, do CPM) ou substituí-la por medida de segurança (art. 113 do CPM), desde que o acusado, em face
de sua reconhecida periculosidade, seja merecedor de especial tratamento curativo.
Esta hipótese é especialmente diversa da anterior (art. 112 do CPM), pois enquanto na imputabilidade o juiz absolve e submete o réu
à medida de segurança (sentença absolutória imprópria), na semi-imputabilidade existe condenação à pena privativa de liberdade, pena
que pode vir a ser substituída pela internação em Hospital de Custódia ou Tratamento Psiquiátrico ou atenuada na forma da lei.
Desse modo, aqui não haveria motivo algum para que a medida de segurança perdurasse por tempo superior à condenação
substituída, até porque “querer auxiliar o agente portador de uma enfermidade mental retirando-o do convívio pernicioso do cárcere é
uma conduta extremamente louvável, desde que o condenado não tenha de se submeter a uma medida de segurança que ultrapasse o
tempo de sua condenação, pois que se assim acontecesse estaríamos agravando a sua situação, mesmo que utilizássemos o argumento
do tratamento curativo, dizendo que a medida de segurança seria o remédio adequado ao seu mal”10.
Todavia, não é isto que preconiza o CPM! Basta uma rápida leitura do art. 113, § 2.°, para se concluir que, persistindo o estado
mórbido ao fim do prazo de condenação, a medida de segurança imposta passa a ser por tempo indeterminado (art. 113, § 2.°).
Por outro lado, sobrevindo a cura durante o prazo da substituição, o condenado retorna à execução da pena privativa de liberdade,
sem prejuízo do cômputo do tempo que permaneceu em tratamento para efeitos de livramento condicional (art. 113, § 1.°).
Por fim, a lei determina que o mesmo tratamento seja conferido aos alcoólatras e toxicômanos.

Regime de internação.

Art.114. A internação, em qualquer dos casos previstos nos artigos precedentes, deve visar não apenas ao tratamento curativo
do internado, senão também ao seu aperfeiçoamento a um regime educativo ou de trabalho, lucrativo ou não, segundo o
permitirem suas condições pessoais.

11.5 REGIME DE INTERNAÇÃO

Malgrado a rubrica marginal, este artigo nada dispõe sobre o regime de internação. Apenas preconiza que, além do tratamento
curativo, a internação deve permitir o trabalho e o estudo do internado. É lógico que a frequência escolar ou profissionalizante, bem
como o estímulo ao trabalho, é providência alvissareira, mas a finalidade precípua da internação é curativa, o que, a bem da verdade, já
não é tarefa das mais fáceis. Talvez por isto, este art. 114 do CPM tenha recebido severas críticas da melhor doutrina.

Cassação de licença para dirigir veículos motorizados.

Art.115. Ao condenado por crime cometido na direção ou relacionadamente à direção de veículos motorizados, deve ser
cassada a licença para tal fim, pelo prazo mínimo de um ano, se as circunstâncias do caso e os antecedentes do condenado
revelam sua inaptidão para essa atividade e consequente perigo para a incolumidade alheia.

§ 1.° O prazo da interdição se conta do dia em que termina a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de
segurança detentiva, ou da data da suspensão condicional da pena ou da concessão do livramento ou desinternação
condicionais.

§ 2.° Se, antes de expirado o prazo estabelecido, é averiguada a cessação do perigo condicionante da interdição, esta é
revogada; mas, se o perigo persiste ao termo do prazo, prorroga-se este enquanto não cessa aquele.

§ 3.° A cassação de licença deve ser determinada ainda no caso de absolvição do réu em razão de inimputabilidade.

11.6 CASSAÇÃO DE LICENÇA PARA DIRIGIR VEÍCULOS MOTORIZADOS

Já registramos nosso entendimento de que esta providência mais se assemelha a uma pena alternativa ou a um efeito da condenação
penal. Por outro lado, embora a lei refira-se a cassação, na verdade o dispositivo preconiza a suspensão da carteira de habilitação por
um período de, no mínimo, um ano. Ademais, há lei que versa especialmente sobre a matéria, o Código de Trânsito Brasileiro, Lei
9.503/1997, em razão do que remanesce dúvida sobre a sobrevivência deste art. 115.
De qualquer sorte, trata-se de uma medida de segurança específica, aplicável somente nas hipóteses de crimes relacionados ao
trânsito de veículos motorizados, quando ficar demonstrado que a inaptidão do condenado para a direção gera perigo à incolumidade
pública. Assim, a partir do instante em que cessar a execução da pena privativa de liberdade ou quando o acusado começar a usufruir o
período de graça (do sursis, do livramento condicional ou da desinternação condicional), há de ser tolhido seu direito à direção. Este
momento configura o termo inicial da medida (art. 115, § 1.°).
Pode ocorrer de, antes do término do prazo mínimo fixado pelo juiz, cessar a inaptidão do condenado, evento que autoriza a
antecipada revogação da medida. Ao revés, quando a periculosidade persiste, mesmo que ao fim do prazo, a cassação passa a ser por
período indeterminado, isto é, somente será revogada quando o condenado se mostrar hábil à direção de veículo motorizado (art. 115, §
2.°).
De acordo com o § 3.°, a cassação da licença há de ser imposta nos casos de absolvição do réu por inimputabilidade.

Exílio local.

Art.116. O exílio local, aplicável quando o juiz o considera necessário com medida preventiva, a bem da ordem pública ou do
próprio condenado, consiste na proibição de que este resida ou permaneça, durante um ano, pelo menos, na localidade,
município ou comarca em que o crime foi praticado.
Parágrafo único. O exílio deve ser cumprido logo que cessa ou é suspensa condicionalmente a execução da pena privativa de
liberdade.

11.7 EXÍLIO LOCAL

É de constitucionalidade duvidosa a pena de exílio local. Em primeiro lugar porque a Constituição veda as penas de banimento (art.
5.°, inciso XLVII, d) e garante o direito de locomoção no território nacional (art. 5.°, inciso XV). Em segundo, porque não parece
razoável privar um indivíduo de conviver em seu ambiente familiar, social e profissional, quando já cessada a execução de pena
privativa de liberdade, em nome de uma prevenção absolutamente fugaz, em detrimento, inclusive, do disposto no art. 226 da Carta
Federal.
Aliás, defender o exílio local é alardear a falência da pena privativa de liberdade, pois sugere que a execução da pena frustrou a
expectativa de ressocialização do condenado. Ademais, é falacioso impor uma gravíssima privação de direitos a uma pessoa, alegando
que isto se faz, preventivamente, em nome do próprio condenado.
Por outro lado, não é nada razoável se banir uma pessoa de uma localidade para outra em razão de sua presumida periculosidade.
Será realmente lícito e juridicamente coerente transferir-se o perigo que um indivíduo oferece para outro município, localidade ou
comarca? À evidência que não!
A par disto, a norma deste art. 116 contém algumas anomalias, senão vejamos: de acordo com o parágrafo único, o exílio deve ser
cumprido logo que cessa a execução da pena privativa de liberdade ou a partir da suspensão condicional da pena. Ora, a medida é
cabível no sursis, mas não no livramento condicional. Desta forma, o condenado passará o período de prova do livramento na
localidade em que se encontra para somente depois ser banido, o que é absolutamente incoerente: um período preso, outro livre
condicionalmente, e o derradeiro, já após a execução de pena, banido.
Também é curioso que uma pessoa que deva ser banida, reúna os méritos necessários à concessão do sursis, até mesmo porque este
benefício esteia-se na presunção de que a pessoa não voltará a delinquir (art. 84, inciso II, do CPM), circunstancialidade oposta à que
autoriza o exílio local.

Proibição de frequentar determinados lugares.

Art.117. A proibição de frequentar determinados lugares consiste em privar o condenado, durante um ano, pelo menos, da
faculdade de acesso a lugares que favoreçam, por qualquer motivo, seu retorno à atividade criminosa.

Parágrafo único. Para o cumprimento da proibição, aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo anterior.

11.8 PROIBIÇÃO DE FREQUENTAR DETERMINADOS LUGARES

A proibição de frequentar determinados lugares é uma medida que muito mais se assemelha a uma pena11; e, ainda que deste modo
fosse tratada no CPM, continuaria sendo merecedora de crítica diante da generalidade com que a lei a trata, prevendo uma esdrúxula
privação da liberdade deambular do indivíduo, em afronta explícita ao princípio da proporcionalidade que preside as providências
penais.
Em primeiro lugar, a norma refere-se à privação de uma faculdade do condenado. Ora, a liberdade de locomoção é muito mais do
que mera faculdade individual, é, outrossim, garantia constitucional fundamental (art. 5.°, inciso XV), em razão do que apenas pode ser
tolhida diante de situações excepcionais e quando extremamente útil.
O certo é que a medida não pode ser aleatória. Em verdade, é necessário que os lugares cuja frequência seja proibida guardem
alguma relação com o crime, quer por terem sido o palco da infração, quer por fomentarem novas incursões ilícitas ou algo semelhante.
Isto equivale a dizer que os locais não permitidos devem gerar influência criminógena ao condenado12.
Por outro lado, a aplicação desta medida há de ser suficientemente motivada, em homenagem, inclusive, ao direito de recurso à
superior instância.
Outro detalhe que sugere falha legislativa é a indeterminação do prazo de proibição. O art. 117 apenas prevê o mínimo de 1 ano para
a imposição da medida, economia que oportuniza exageros às margens do absurdo. A finalidade preventiva das medidas de segurança
tem que ser preservada de algum modo. Eis porque sua aplicação subordina-se ao princípio da intervenção mínima, isto é, a adoção da
medida deve ser pelo prazo mínimo necessário à eliminação da periculosidade do agente.
O mais interessante de tudo é que o ambiente mais conhecido por estimular o crime é o carcerário, e nele o condenado permanece
por anos a fio, sob a tutela do Estado.
Por fim, deve ser consignado que a proibição de frequentar determinados lugares tem por termo inicial a data em que se extingue a
execução da pena privativa de liberdade ou a partir da audiência admonitória do sursis.
Interdição de estabelecimento, sociedade ou associação.

Art.118. A interdição de estabelecimento comercial ou industrial, ou de sociedade ou associação, pode ser decretada por tempo
não inferior a 15 (quinze) dias, nem superior a 6 (seis) meses, se o estabelecimento, sociedade ou associação serve de meio ou
pretexto para a prática de infração penal.
§ 1.° A interdição consiste na proibição de exercer no local o mesmo comércio ou indústria, ou atividade social.
§ 2.° A sociedade ou associação, cuja sede é interditada, não pode exercer em outro local as suas atividades.

11.9 INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO, SOCIEDADE OU ASSOCIAÇÃO

Em nosso entendimento, a previsão deste art. 118 é absolutamente incompatível com o atual estágio do Direito Penal, além de
corromper o fundamento de previsão e de aplicação das medidas de segurança, qual seja: a periculosidade do indivíduo.
Medida de segurança não é pena, é medida terapêutica, curativa! Então, como aplica-las em desfavor de pessoa jurídica?
Ademais, quando o ordenamento pretendeu responsabilizar criminalmente as pessoas jurídicas, o fez expressamente, dada a
flagrante excepcionalidade da disposição (art. 225, § 3.°, da CF, por exemplo).
Portanto, cremos que a previsão do art. 118 do CPM sequer foi recepcionada pela Carta Federal.
Por outro lado, existem mecanismos eficazes para impedir a atividade ilegal de estabelecimentos comerciais ou industriais, quer no
âmbito administrativo (Juntas Comerciais), quer na esfera jurisdicional cível.
De mais a mais, a norma do CPM é pueril. Se o estabelecimento serve de meio ou pretexto para a prática de crimes, deveria ser
fechado e não interditado pelo exíguo período de 15 dias a 6 meses.

Confisco.

Art.119. O juiz, embora não apurada a autoria, ou ainda, quando o agente é inimputável, ou não punível, deve ordenar o
confisco dos instrumentos e produtos do crime, desde que consistam em coisas:

I – cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitui fato ilícito;

II – que, pertencendo às forças armadas ou sendo de uso exclusivo de militares, estejam em poder ou em uso do agente, ou de
pessoa não devidamente autorizada;

III – abandonadas, ocultas ou desaparecidas.

Parágrafo único. É ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, nos casos dos ns. I e II.

11.10 CONFISCO

Sem qualquer má vontade de nossa parte, entendemos que este art. 119 é totalmente desnecessário e inapropriado. Em primeiro
lugar, o confisco não recebe os adornos peculiares às medidas de segurança. É, a bem da verdade, uma medida cautelar ou um efeito da
condenação, e ambas as hipóteses já se encontram previstas e reguladas no sistema penal militar.
Como efeito da condenação, o confisco é previsto no art. 109, inciso II, do CPM. Cautelarmente, ainda durante a tramitação de IPM,
auto de prisão em flagrante ou da ação penal, existe a útil ferramenta da Busca e Apreensão, nos termos dos arts. 170 usque 198 do
Código de Processo Penal Militar.
Porém, ainda assim, o legislador penal militar resolveu tratá-lo como medida de segurança.

Imposição da medida de segurança.

Art.120. A medida de segurança é imposta em sentença, que lhe estabelecerá as condições, nos termos da lei penal militar.
Parágrafo único. A imposição da medida de segurança não impede a expulsão do estrangeiro.

11.11 IMPOSIÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

O caput do art. 120 homenageia um dos princípios de aplicação das medidas de segurança, a judicialidade, isto é, apenas os órgãos
jurisdicionais podem aplicá-las, e o fazem por meio de sentença, decisão que deve conter, além da motivação, as condições da medida.
De acordo com o parágrafo único, a imposição de medida de segurança não impede a expulsão de estrangeiro do território nacional.
__________
1Instituições de direito penal. 2. ed. São Paulo: Max Limonad,
1954. v. I, t. II, p. 589-594.
2 Alguns autores de escol consideram as medidas de segurança
como verdadeiras penas. Neste sentido vide CAPEZ, Fernando.
Curso de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
390.
3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Enrique. Manual
de direito penal brasileiro. Parte geral. 2. ed. São Paulo: RT,
1999. p. 855.
4 Curso de direito penal. Parte geral. Livro de Aulas. São Paulo: RT,
1993. p. 239.
5 STF – HC 69.375 – Rel. Marco Aurélio – RT 693/427.
6 CEREZO, Mir. Curso de derecho penal español. Parte general. 5.
ed. Madrid: Tecnos, 1996. v. 1, p. 23.
7 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1992. p. 391.
8 TACRIM-SP – AC – Rel. Silva Pinto – JUTACrim 94/201.
9 Op. cit.
10 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. Rio de
Janeiro: Impetus, 2002. p. 664.
11 No Código Penal Comum é pena restritiva de direitos (art. 47,
inciso IV).
12 Assim, por exemplo, proibir-se a frequência de um condenado a
estádios de futebol por ter sido o delito perpetrado em um
embate de torcidas organizadas atende ampla e eficientemente
ao espírito da providência.
12
DA AÇÃO PENAL

TÍTULO VII
DA AÇÃO PENAL

Propositura da ação penal.

Art.121. A ação penal somente pode ser promovida por denúncia do Ministério Público da Justiça Militar.

12.1 DA AÇÃO PENAL PÚBLICA

A ação penal militar é o instrumento processual colocado à disposição da sociedade para que o Estado, devidamente provocado,
solucione os conflitos que versem sobre a aplicação do direito penal militar. É “direito público subjetivo, porque exercido contra o
Estado; determinado, porquanto instrumentalmente ligado a um fato concreto; autônomo, visto que não se confunde com o direito
material que pretende ver efetivado em juízo; específico, posto que apresenta um conteúdo próprio; e abstrato, pois ainda que conexo a
um fato concreto, o direito de ação existirá mesmo naqueles casos em que o juízo decide pela improcedência do pedido”1.
Regra geral, a ação penal militar é pública incondicionada, admitindo as excepcionalidades da ação pública condicionada à
requisição e da ação privada subsidiária da pública.
A ação penal pública é aquela promovida privativamente pelo Ministério Público, que a exerce na qualidade de dominus litis. Para
que o Ministério Público ofereça a peça exordial (denúncia), basta que se apresentem provas da materialidade e indícios da autoria (art.
30 do CPPM), sem que haja qualquer outra condição de procedibilidade, em face do que se diz, com acerto, que a ação penal pública é
incondicionada. Porém, em situações singulares, a lei exige que haja requisição, transformando-se, assim, a ação pública em ação
condicionada (art. 122).
Eis alguns dos princípios que orientam a disciplina da ação penal pública:
1) Princípio da oficialidade → a iniciativa da ação penal pública é atribuída privativamente ao Ministério Público, que é um Órgão
oficial do Estado, em cuja origem constitucional reside a titularidade da persecutio in iudicio.
2) Princípio da obrigatoriedade ou da legalidade → de acordo com este princípio, nas oportunidades em que forem apresentados,
ao Ministério Público Militar, todos os elementos necessários à propositura de uma ação penal, deve ele obrigatoriamente oferecer a
peça inaugural (denúncia), provocando o Judiciário a instaurar a persecução judicial.
3) Princípio da indisponibilidade → como na ação penal pública o interesse coletivo na solução da quaestio sobrepõe-se ao
individual, não pode o Ministério Público Militar dispor da ação, sendo-lhe vedado renunciar ao direito de exercê-la (p. da
obrigatoriedade), oferecer perdão ao acusado ou simplesmente desistir de prosseguir na ação já instaurada.
4) Princípio da indivisibilidade → é uma consequência lógica do princípio da obrigatoriedade, gerando seus efeitos nas situações de
coautoria e participação, no sentido de que o processo contra uns obriga a inclusão dos demais, a não ser que a exclusão individual se dê
em razão de uma particular causa excludente de crime, de isenção da culpabilidade ou de extinção da punibilidade.
Malgrado o silêncio do legislador penal militar, existe a possibilidade de a ação penal militar originar-se da iniciativa particular
(vide art. 5.°, inciso LIX, da CF). Isto ocorre quando escoa in albis o prazo de manifestação do Ministério Público Militar. Com efeito,
ao receber o IPM ou APF, o Promotor dispõe de prazo legal para oferecer denúncia, requerer arquivamento, requisitar diligências,
arguir a incompetência do juízo ou conflito de atribuições entre Órgãos do Ministério Público. Superado o período estabelecido pela lei
processual (art. 79 do CPPM) sem que tenha sido adotada nenhuma destas providências, abre-se ao particular (ofendido e seus
sucessores legais: acedentes, descendentes, cônjuge e irmãos) a oportunidade de oferecer queixa subsidiária e, assim, provocar
diretamente o Poder Judiciário.
“É de se notar que a norma (constitucional) não faculta à parte promover a ação penal pública, mas apenas promover ação privada,
quando aquela não foi intentada no prazo legal”2.

Dependência de requisição.

Art.122. Nos crimes previstos nos arts. 136 a 141, a ação penal, quando o agente for militar ou assemelhado, depende da
requisição do Ministério Militar a que aquele estiver subordinado; no caso do art. 141, quando o agente for civil e não houver
coautor militar, a requisição será do Ministério da Justiça.

12.2 DA AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REQUISIÇÃO

A ação penal militar é condicionada nos crimes contra a segurança externa do país, previstos entre os arts. 136 e 141 do CPM. Em
qualquer uma destas espécies criminosas, a ação penal somente poderá ser deflagrada pelo Ministério Público Militar após a requisição
do Comando Militar a que pertencer o agente ou do Ministro da Justiça, no caso específico do art. 141, quando o delito tiver sido
cometido apenas por civis.
É importante destacar que a requisição, muito embora seja condição de procedibilidade da ação penal pública condicionada, não
obriga o Ministério Público Militar a oferecer denúncia, pois não passa de um requisito a mais para a instauração da ação, enquanto que
a opinio delicti é preservada e continua sendo privativa do Órgão Ministerial.
__________
1Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. 2. ed. São Paulo:
RT, 2000. p. 586.
2 FRANCO, Alberto Silva e STOCO, Rui. Op. cit. p. 1.776.
13
DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

TÍTULO VIII
DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Causas extintivas.

Art.123. Extingue-se a punibilidade:


I – pela morte do agente;
II – pela anistia ou indulto;
III – pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV – pela prescrição;
V – pelo ressarcimento do dano, no peculato culposo (art. 303, § 4.°).
Parágrafo único. A extinção da punibilidade de crime, que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de
outro, não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a
agravação da pena decorrente da conexão.

13.1 DAS CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Praticado um crime, nasce para o Estado a pretensão punitiva, isto é, o legítimo interesse (e dever) de aplicar a sanção penal de
forma concreta e individualizada. Para tanto, vale-se da ação penal, em que são amealhadas as provas necessárias ao reconhecimento da
prática delituosa, de sua autoria e da medida de culpabilidade do agente. Feitas estas comprovações, cumpre ao Estado impor a pena e
executá-la. Eis porque se diz que “a punibilidade, entendida como aplicabilidade da pena, é uma consequência do crime, não podendo,
pois, ser considerada como um seu elemento”1.
Todavia, o direito subjetivo do Estado de aplicar a sanção penal não é intocável e, por razões variadas, o legislador previu causas de
extinção da punibilidade, previstas neste art. 123 do CPM.
“A pena aparece como consequência jurídica da realização do crime. Há situações, entretanto, que extinguem a punibilidade,
fazendo desaparecer a pretensão punitiva ou o direito subjetivo do Estado à punição. Subsiste, nesses casos, a conduta delituosa. O que
desaparece é a possibilidade jurídica de imposição da pena”2. É o próprio Estado que, às vezes, renuncia ao seu direito de punir, isto
diante de alguma situação especial hábil a extinguir a punibilidade da conduta criminosa.
Estas causas extintivas podem ser genéricas ou particulares. As primeiras são aquelas que aproveitam a qualquer delito (prescrição,
por exemplo). Já as particulares são especialmente previstas em relação a crimes determinados (ressarcimento do dano, no peculato
culposo).
De igual sorte, a extinção da punibilidade pode surgir em decorrência de causas naturais (a morte do agente etc.) ou políticas
(questão de interesse público reconhecido pelo legislador como, p. ex., a anistia).
Pode-se ainda dizer que as causas extintivas da punibilidade dividem-se em comunicáveis ou incomunicáveis. Tal classificação diz
respeito à comunicabilidade da causa extintiva da punibilidade no concurso de agentes, ou seja, se a causa aproveita a todos os
envolvidos na empresa criminosa (co-autores e partícipes), é comunicável; caso contrário, classifica-se como incomunicável.
Merece ser destacado que além das causas extintivas da punibilidade previstas genericamente neste art. 123, outras podem ser
veiculadas em caráter específico, tal qual ocorre no caso do perdão judicial previsto no art. 255, parágrafo único, do CPM.

13.2 MORTE DO AGENTE

É famoso o brocado-princípio mors omnia solvit (a morte tudo resolve). Porém, nem sempre se pensou desta forma, pois na
evolução do direito são conhecidas penas de aviltamento de cadáveres, de negação de sepultura cristã e de transferência da sanção para
os herdeiros do condenado morto, hipóteses absolutamente inaceitáveis no atual estágio da ciência penal.
Verifique, unicamente a título de exemplo, uma narrativa histórica sobre o famoso Concílio Cadavérico, em que o Papa Estêvão VI
(exerceu o pontificado nos anos de 896 e 897) fez desenterrar o seu antecessor, o Papa Formoso, salgou seu corpo e o submeteu a
julgamento:
“O Papa Formoso já estava morto havia oito meses! Não obstante, o corpo foi tirado do túmulo e colocado em um trono. Ali, diante
de um grupo de bispos e cardeais, Formoso foi vestido com os ricos paramentos do papado, recebeu uma coroa no crânio pelado, e o
cetro do Santo Ofício lhe foi posto nos dedos descarnados da mão apodrecida. Enquanto o julgamento se desenrolava, o fedor do corpo
enchia o local da assembleia. O Papa Estevão VI adiantou-se e começou o interrogatório (...) ele foi considerado culpado! Com isto, os
brilhantes vestidos foram tirados do seu corpo, a coroa foi arrancada de sua cabeça, os dedos que eram usados para dar a benção
pontifícia foram retalhados e seu cadáver foi jogado na rua. Arrastado por uma carreta pelas artérias de Roma, foi finalmente lançado ao
rio Tibre”3.
Pois bem! Certo é que, morrendo o agente, extingue-se a punibilidade, o que acarreta o desaparecimento de todos os efeitos penais
da sentença condenatória. Já os efeitos extrapenais permanecem. Assim, a obrigação de reparar o dano, por exemplo, transfere-se aos
herdeiros do condenado falecido, obedecido o quinhão de cada um. “Morto o autor do crime, são inteiramente esquecidos pelo Estado,
dentro do campo do Direito Penal, o crime e as suas consequências. Mas, só dentro do Direito Penal, pois, a reparação civil, ressalte-se,
ainda é possível. Os herdeiros do delinquente respondem, até às forças da herança, pela indenização do dano ocasionado pelo delito”4.
O falecimento do indiciado, réu ou condenado deve ser provado por intermédio de certidão de óbito ou documento semelhante.
Agora imagine o que fazer quando a extinção da punibilidade for decretada em razão da apresentação de uma certidão de óbito falsa.
Na hipótese você deve levar em consideração que no processo penal não existe revisão pro societa. Assim, se já tiver transitado em
julgado a sentença que declarou extinta a punibilidade pela morte do agente, não se pode reinstaurar a ação, restando, somente, a
iniciativa de processar a pessoa que falsificou e/ou utilizou o documento falso em juízo. Por outro lado, se, quando descoberta a
falsidade da certidão, ainda não tiver ocorrido o trânsito em julgado da decisão, o processo pode ser retomado, inclusive pela via
recursal.
A respeito, confira o que dizem os Tribunais e a doutrina:
“A morte do agente equivocadamente reconhecida e que acarretou a extinção de sua punibilidade não pode reavivar a ação penal
após conhecida a falsidade do óbito pela simples razão de que o que está extinto não reaviva, não renasce. A lei reconhece a
irreversibilidade da sentença declaratória de extinção da punibilidade a partir do momento em que transite em julgado a respectiva
decisão, que se torna irrecorrível”5. “Se a sentença que decretou a extinção da punibilidade ainda não transitou em julgado, deve o órgão
acusador interpor recurso em sentido estrito, em face do que a ação penal terá prosseguimento, sem prejuízo da responsabilidade penal
do autor ou autores da falsidade. Se a sentença que decretou a extinção da punibilidade já transitou em julgado, o processo não pode ter
andamento e contra o suposto morto não pode ser intentada ação penal pelo mesmo objeto, restando a ação penal contra o autor ou
autores da falsidade. Não se admite revisão contra o réu”6.

13.3 ANISTIA E INDULTO

No inciso II do art. 123 estão previstas as causas extintivas da punibilidade conhecidas como indulgências soberanas, isto em
homenagem ao reconhecido esforço do legislador penal em “suavizar a aspereza da justiça”7, quando circunstâncias políticas, sociais,
econômicas, ou mesmo particulares, demonstrarem que o olvido do crime é mais útil à sociedade do que a punição do infrator. Assim,
pode-se dizer que a anistia e o indulto são mecanismos de pacificação e restauração do equilíbrio social.
A anistia é a forma de indulgência que tem maior repercussão, pois, em geral, é aplicada em relação a crimes políticos, fazendo
cessar todos os efeitos penais da sentença condenatória (cuidado: os efeitos civis permanecem). É de atribuição do Congresso Nacional
e deve ser veiculada por lei (art. 48, inciso VIII, da CF). Observe, com atenção, que a lei que concede a anistia produz efeitos ex tunc
(retroativos) e deve manter o caráter de generalidade, pois abrange fatos (delitos) e não pessoas. A doutrina, usualmente, classifica a
anistia em: a) especial: quando aplicada a crimes políticos; b) comum: quando aplicada a infrações comuns; c) própria: anterior ao
trânsito em julgado da condenação; d) imprópria: posterior ao trânsito em julgado da condenação; e) geral (plena): alcança todos os
indivíduos que tenham praticado referido delito; f) parcial: favorece somente determinadas pessoas; g) condicionada: impõe condições
para a sua concessão; h) incondicionada: não impõe qualquer condição para extinguir a punibilidade. Uma vez concedida, a anistia não
pode ser revogada8, pois, se assim não fosse, estaria violado o princípio da irretroatividade da lex gravior.
Uma derradeira e importante observação: os crimes hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são
delitos insuscetíveis de anistia, conforme anuncia o art. 2.º, inciso I, da Lei 8.072/1990. De igual sorte, o crime de tortura não pode ser
anistiado (art. 1.º, § 6.º, da Lei 9.455/1997).
O indulto, por sua vez, é um benefício coletivo que deveria ser concedido somente em relação a condenações transitadas em
julgado. Porém, forte corrente jurisprudencial tem entendido que a extinção da punibilidade pelo indulto também é possível a partir do
momento em que a condenação torna-se irrecorrível para a acusação. Uma vez concedido o indulto, desaparecem somente os efeitos
principais da condenação, subsistindo os demais: secundários (reincidência, p. ex.) e extrapenais (reparação do dano, v.g.). Via de regra,
o Decreto que concede o indulto estabelece uma série de requisitos (objetivos e subjetivos) que devem ser atendidos para a concessão
do favor rei. Assim, por exemplo, é comum que a norma exija que o condenado já tenha cumprido uma fração da pena, que não seja
reincidente, que seu comportamento carcerário justifique a concessão, que seja portador de enfermidade grave ou incurável etc. Há
também a possibilidade de que o indulto seja condicionado, ou seja, que exija do indultado o cumprimento de algumas condições
futuras, sob pena de retomar-se a execução da pena. São exemplos de condições a serem satisfeitas pelo beneficiário: obter ocupação
lícita dentro de prazo razoável, manter satisfatório comportamento social etc. Nestes casos, o condenado pode não aceitar o benefício!
Cuidado para não confundir o indulto com a comutação da pena, medida que também é rotineiramente adotada pelo Presidente da
República no Decreto Natalino. Basta lembrar que no indulto há o perdão da pena, enquanto que na comutação existe simplesmente
uma dispensa do cumprimento de uma parcela da sanção. A comutação é instituto “reservado tão somente a condenados de baixíssima
periculosidade, praticamente recuperados e prontos para retornar, sem riscos, ao seio da sociedade”9.
Observe que “a concessão de indulto pelo decreto presidencial constitui mera expectativa de direito, não sendo, pois,
autoexecutável, devendo ser feita a análise, pelo juiz encarregado da execução”10, da situação de cada condenado de per si, ouvido,
sempre, o Ministério Público.
No CPM não há referência à graça, espécie de indulto individual, que pode ser requerida pelo próprio condenado, como também
pelo Ministério Público, pelo Conselho Penitenciário, ou, ainda, pela autoridade administrativa, ao Presidente da República. Este pedido
não obedece a nenhum rigor formal, sendo desnecessária qualquer sustentação essencialmente jurídica, podendo, inclusive, restringir-se
a apelos de ordem sentimental ou humanitária11.
“Deve a graça ser aplicada com prudência e cautela, não se transformando em recurso habitual das decisões do Judiciário. Será isto
intromissão do Executivo na órbita desse Poder; será transformá-lo em supervisor de suas decisões, o que aberra a separação de
Poderes. Contra sentenças iníquas, ou nulas, tem o réu sempre os recursos legais. Dispõe da revisão, a qualquer tempo, e, por meio dela,
pode ser plenamente restaurado seu direito”12.

13.4 ABOLITIO CRIMINIS

Tal qual anunciado no primeiro capítulo deste livro (item 1.2), a abolitio criminis ocorre quando uma lei posterior suprime o caráter
ilícito de um fato, decorrendo daí a extinção da punibilidade e a cassação de todos os efeitos penais da sentença condenatória.
Lembre-se que a retroatividade da nova lei abolicionista é compulsória, pois professa “a descriminalização de condutas que, em
certo momento histórico, perdem o caráter de nocividade ou de antis-socialidade e que, por isso, passam a ser toleradas pelo
temperamento punitivo da coletividade”13.

Espécies de prescrição.

Art.124. A prescrição refere-se à ação penal ou à execução da pena.

13.5 PRESCRIÇÃO

A prescrição penal “é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício”14.
Ocorrendo um delito, surgem para o Estado duas pretensões simultâneas. A primeira é a pretensão de aplicar uma pena (vontade de
punir). A segunda, imediatamente posterior, é a pretensão de executar a pena imposta (vontade executória). Entretanto, o próprio
Estado reconhece que, em nome da segurança jurídica, deve satisfazer suas pretensões dentro de um intervalo de tempo razoável,
limitando o seu poder-dever de perseguir em juízo (ius persequendi in iudicio) e de punir (ius punitionis).
Assim, eis que surgem as duas espécies básicas de prescrição: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.
A primeira se dá antes de transitar em julgado a sentença condenatória, e a segunda, obviamente, a sucede. E isto é muito fácil de ser
percebido, basta você considerar que a vontade de punir cessa quando o Estado impõe uma pena de forma definitiva. Isto é lógico: se já
puniu, saciou esta sua pretensão! A partir daí, nasce outra aspiração: ver sua ordem (pena imposta) devidamente executada.
Infelizmente, o legislador penal militar não foi cauteloso ao tratar da prescrição. Note que não existe prescrição da ação ou
prescrição da pena, o que há é prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. A ação e a pena extinguem-se,
mas não prescrevem. A prescrição é perda. O Estado perde o poder de perseguir judicialmente o autor de determinado crime ou o direito
de impor o cumprimento da sanção penal imposta por sentença condenatória transitada em julgado.

Prescrição da ação penal.

Art.125. A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1.° deste artigo, regula-se pelo máximo da pena privativa de
liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I – em 30 (trinta) anos, se a pena é de morte;


II – em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze) anos;
III – em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) e não excede a 12 (doze);
IV – em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) e não excede a 8 (oito) anos;
V – em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) e não excede a 4 (quatro) anos;
VI – em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois);
VII – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
Superveniência de sentença condenatória de que somente o réu recorre.
§ 1.° Sobrevindo sentença condenatória, de que somente o réu tenha recorrido, a prescrição passa a regular-se pela pena
imposta, e deve ser logo declarada, sem prejuízo do andamento do recurso se, entre a última causa interruptiva do curso da
prescrição (§ 5.°) e a sentença, já decorreu tempo suficiente.

Termo inicial da prescrição da ação penal.


§ 2.° A prescrição da ação penal começa a correr:
a) do dia em que o crime se consumou;
b) no caso da tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;
c) nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;
d) nos crimes de falsidade, da data em que o fato se tornou conhecido.

Caso de concurso de crimes ou de crime continuado.


§ 3.° No caso de concurso de crimes ou de crime continuado, a prescrição é referida, não à pena unificada, mas à de cada
crime considerado isoladamente.

Suspensão da prescrição.
§ 4.º A prescrição da ação penal não corre:
I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;
II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.

Interrupção da prescrição.
§ 5.° O curso da prescrição da ação penal interrompe-se:
I – pela instauração do processo;
II – pela sentença condenatória recorrível.
§ 6.° A interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime; e nos crimes conexos, que sejam
objeto do mesmo processo, a interrupção relativa a qualquer deles estende-se aos demais.

13.6 PRAZOS PRESCRICIONAIS

Como a prescrição da pretensão punitiva refere-se a período anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, é necessário
que sejam determinados os marcos de início, suspensão, interrupção e término da contagem.
O primeiro detalhe a ser considerado diz respeito aos parâmetros do prazo prescricional, isto é, de que forma a lei estabeleceu os
limites temporais da prescrição. Ora, considerando que ainda não há uma pena em concreto, o legislador criou os prazos prescricionais
tendo como referência principal o máximo de pena prevista em abstrato, isto é, o CPM estabeleceu a prescrição para cada crime de
forma genérica, com lastro na expectativa de apenamento máximo para toda e qualquer hipótese infracional contida no código.
Assim, o art. 125 funciona como uma tabela indexadora dos prazos prescricionais e, diga-se de passagem, isto serve não apenas para
a prescrição da pretensão punitiva, mas também à prescrição após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a diferença de
que nesta última já existe pena em concreto e, assim, a comparação com o rol do art. 125 é certa e específica, em vez de genérica e
abstrata.

13.7 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E RETROATIVA

O § 1.° do art. 125 trata de duas interessantes modalidades de prescrição, a intercorrente e a retroativa. Em ambas, o requisito
essencial é que tenha havido sentença condenatória em 1.° Grau, com recurso exclusivo da defesa. Com isto, a pena imposta não pode
ser agravada pelo Tribunal, o que justifica que a quantidade estipulada na sentença recorrida possa ser considerada como o máximo
possível de increpação.
Enquanto a intercorrente leva em conta o período que sucede à condenação de primeiro grau durante a tramitação do recurso, a
retroativa aplica o prazo prescricional adequado a esta condenação até o instante pretérito da instauração da ação penal (última causa
interruptiva antes da sentença condenatória).
Veja que, semelhanças à parte, a prescrição intercorrente diferencia-se da retroativa exatamente por causa da “direção” em que são
realizados os cálculos. Com efeito, enquanto na retroativa retrocede-se a marcos passados, na intercorrente verifica-se a contagem dos
prazos sempre tendo em vista termos posteriores à publicação da sentença condenatória recorrível (acórdão do Tribunal).
13.8 TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

Uma vez fixados os prazos prescricionais, resta determinar os termos iniciais da contagem. Como regra geral, a contagem do prazo
da prescrição da pretensão punitiva inicia-se no dia em que o crime se consumou (art. 125, § 2.°, a).
Todavia, nos casos de tentativa, como não ocorre consumação delitiva, a contagem do prazo tem início no dia em que cessou a
atividade criminosa (último ato de execução)15. Outra situação especial refere-se aos crimes permanentes. Nestes, a prescrição só
começa a ser computada a partir da data em que cessa a permanência. Esta noção é importante. “No crime permanente a ação é
contínua, indivisível. O estado violador da lei se prolonga sem intervalos, numa duração, digamos, assim, sem colapsos e sem limites, e
a qualquer momento o crime está sendo cometido, porque esse ininterrupto estado antijurídico é que é, exatamente, o crime. A
prescrição, portanto, há de correr de quando cessa a permanência da ação”16.
Por derradeiro, nos delitos de falsidade (arts. 311 a 318 do CPM) a prescrição somente começa a ser contada da data em que o
falsum se tornou conhecido, providência coerente, pois não é justo contar-se prazo prescricional enquanto perdura a clandestinidade da
conduta.

13.9 CASO DE CONCURSO DE CRIMES OU DE CRIME CONTINUADO

Nos casos de crimes em concurso (art. 79 do CPM) ou crime continuado (art. 80 do CPM), a prescrição da pretensão punitiva de
cada delito opera-se independentemente, ou seja, deve ser considerado, para efeitos de enquadramento no art. 125, o máximo das penas
cominadas em abstrato para cada infração e não o somatório unificado de todas elas.

13.10 SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL

Uma vez iniciada a contagem do prazo prescricional referente à pretensão punitiva do Estado, diversas situações podem ocorrer
dando oportunidade para que o referido prazo seja suspenso ou interrompido. Na “suspensão da prescrição, o tempo decorrido antes da
causa é computado no prazo; na interrupção, o tempo decorrido antes da causa não é computado no prazo, que recomeça a correr por
inteiro”17, ou seja: suspensa a contagem do prazo prescricional, a contagem recomeça de onde parou; ao revés, tendo sido interrompido,
a contagem “zera”.
São causas suspensivas da prescrição da pretensão punitiva:

1) enquanto não se resolve, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime (art. 125, § 4.°,
inciso I) – esta hipótese refere-se às questões prejudiciais (arts. 122 a 127 do CPPM), isto é, questões que prejudicam a decisão no
processo-crime, em razão do que a ação penal deve (questão prejudicial obrigatória – art. 123 do CPPM) ou pode (questão prejudicial
facultativa – art. 124 do CPPM) ser suspensa, até que no Juízo adequado a quaestio seja solucionada. Nestes casos, o termo inicial da
suspensão da prescrição é a data da publicação do despacho judicial que determina o sobrestamento da ação penal e o marco final é a
data do trânsito em julgado da decisão civil ou daquela que ordenar o prosseguimento do feito na questão prejudicial facultativa.

2) enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro (art. 125, § 4.°, inciso II) – quando o agente cumpre pena no estrangeiro não pode
ser extraditado, assim, não faria o menor sentido que o prazo prescricional se desenvolvesse normalmente. “A razão desse impedimento
está na impossibilidade de obter-se a extradição do criminoso; e como poderia o tempo de cumprimento da pena no estrangeiro ser tal
que o da prescrição corresse por inteiro, consignou o legislador a regra em foco, para evitar que se extinguisse o direito estatal de
punir”18.

13.11 INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL

Logo em seguida às hipóteses de suspensão, a lei penal militar arrola quais os instantes processuais que interrompem a contagem
prescribente. Ei-los:

1) a instauração do processo (art. 125, § 5.°, inciso I) – o processo instaura-se com o chamamento do réu ao feito, isto é, com sua
citação válida. É preciso distinguir três momentos de formação da ação penal. O primeiro, tido como início da ação penal,
consubstancia-se no oferecimento da denúncia pelo Ministério Público Militar. A seguir, com o despacho de recebimento da exordial,
dá-se o ajuizamento da ação. Por fim, a citação válida forma definitivamente a relação processual (actum trium personarum). A partir
daí o processo está instaurado, interrompendo-se o prazo prescricional iniciado nos termos do § 2.°.
Discute-se em doutrina e jurisprudência se o despacho que recebe o aditamento da denúncia também produz a interrupção da
prescrição. De acordo com o melhor entendimento, ainda que o recebimento do aditamento equivalha ao da denúncia, somente nos
casos de aditamento por fato novo (novo crime) é que ocorre nova interrupção do prazo prescricional. Desta forma, “o aditamento à
denúncia para inclusão de coautor ou de partícipe de crime não interrompe o prazo da prescrição, estendendo-se ao novo integrante da
relação processual penal o efeito interruptivo do recebimento da denúncia contra o primeiro coautor”19.
Se a denúncia não for recebida no Juízo de 1.º Grau, o Ministério Público pode interpor recurso em sentido estrito. Nesta hipótese,
caso o Tribunal entenda que a postulação Ministerial mereça provimento e, em consequência, receba a denúncia, este acórdão
interrompe o prazo prescricional20.
2) a sentença condenatória recorrível (art. 125, § 5.°, inciso II) – o último marco interruptivo da prescrição da pretensão punitiva é
a data de publicação da sentença condenatória recorrível. Porém, se a sentença de 1.º Grau for absolutória, não se interrompe o prazo
prescricional, até porque a lei fala em sentença condenatória recorrível. Todavia, se a acusação apelar desta sentença absolutória e o
Tribunal vier a reformá-la, condenando o réu, esta condenação gera o efeito interruptivo. Em resumo: “reformada pelo Tribunal a
sentença absolutória para condenar o réu, tal decisão interrompe a prescrição, a partir da data do julgamento do recurso. Confirmada
pelo Tribunal a sentença condenatória, não ocorre nova interrupção. Contudo, reformada a sentença condenatória, absolvendo o
acusado, mantém-se a interrupção provocada pela publicação da sentença de primeira instância”21.

13.12 PRESCRIÇÃO NA COAUTORIA E NOS CRIMES CONEXOS

Com o intuito de se evitar tratamento diferenciado para coautores de um mesmo crime ou nos casos de crimes conexos que sejam
objeto do mesmo processo, a lei determina que a interrupção da prescrição em relação a um dos autores ou pertinente a um dos delitos
estende-se aos demais, a não ser que, no primeiro caso, a causa interruptiva seja de caráter personalíssimo (redução do prazo
prescricional em face da idade do agente, art. 129, por exemplo).

Prescrição da execução da pena ou da medida de segurança que a substitui.

Art.126. A prescrição da execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança que a substitui (art. 113) regula-
se pelo tempo fixado na sentença e verifica-se nos mesmos prazos estabelecidos no art. 125, os quais se aumentam de 1/3 (um
terço), se o condenado é criminoso habitual ou por tendência.
§ 1.° Começa a correr a prescrição:
a) do dia em que passa em julgado a sentença condenatória ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou do
livramento condicional;
b) do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.
§ 2.° No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento ou desinternação condicionais, a prescrição se regula
pelo restante do tempo da execução.
§ 3.° O curso da prescrição da execução da pena suspende-se enquanto o condenado está preso por outro motivo, e
interrompe-se pelo início ou continuação do cumprimento da pena, ou pela reincidência.

13.13 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

Há pouco foi consignado que com o trânsito em julgado da sentença condenatória o Estado sacia sua pretensão de punir, passando a
desejar, a partir deste instante, o efetivo cumprimento da sanção imposta. Todavia, é imperioso que esta nova pretensão Estatal seja
exercida dentro de um intervalo de tempo considerado razoável pelo legislador. Este “prazo razoável” leva em consideração a
quantidade da pena concretamente aplicada, em cotejo com os limites traçados pelo art. 125.
Observe, contudo, que a prescrição de pretensão executória não atinge os efeitos penais secundários e os efeitos extrapenais da
sentença condenatória, pois “o reconhecimento da prescrição não desfigura a ilicitude penal do fato, apenas o direito do Estado de puni-
lo”22.
Alcança, porém, as medidas de segurança impostas em substituição à pena privativa de liberdade, nos termos do art. 113 do CPM.
Quanto à parte final deste art.126, que prevê acréscimo de 1/3 nos prazos prescricionais quando o agente for considerado criminoso
habitual ou por tendência, reafirmamos nossa crítica lançada no item 6.11.

13.14 TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

A prescrição da pretensão executória começa a correr:

1) do dia em que transita em julgado a sentença condenatória → o trânsito em julgado da sentença condenatória é o marco
divisório das espécies prescricionais e, daí, fixa o início da contagem da pretensão prescribente executória.

2) do dia em que transita em julgado a decisão que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional → quando
o condenado é beneficiado com o sursis, não inicia o cumprimento da pena, uma vez que sua execução encontra-se suspensa. No
livramento condicional, por sua vez, já houve a efetiva execução de uma parcela da sanção, restando somente o saldo que será cumprido
em liberdade condicionada. Assim, a revogação da suspensão ou do livramento equivale ao início de cumprimento da pena (total ou
parcial), em face do que a data do trânsito em julgado da decisão revocatória é considerada como termo inicial da prescrição da
pretensão executória.
Observe o que diz Damásio: “revogada a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional, a consequência é a de o
condenado cumprir a pena que está suspensa (sursis) ou o restante da pena (livramento condicional). Enquanto a pena não é executada,
a prescrição está correndo, tendo o seu termo a quo a partir da data do trânsito em julgado da sentença revocatória”23.

3) do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena → a execução da pena
pode interromper-se pela fuga do condenado ou pela superveniência de doença mental ou internação. Na primeira hipótese, na data da
evasão inicia-se a contagem do prazo prescricional relativo ao restante da condenação que falta cumprir (art. 126, § 2.°). Já nos casos
em que o condenado vem a ser internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou outro estabelecimento similar (por
superveniência de doença mental), a lei manda que o período de internação seja computado na pena, em face do que não há,
propriamente, uma interrupção na execução. Portanto, esta ‘pseudointerrupção’ não influencia na contagem do prazo prescribente.

13.15 SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

Diz o CPM (art. 126, § 3.°, 1.ª parte) que o prazo da prescrição executória não corre enquanto o condenado estiver preso por outro
motivo. O que se discute é a extensão do termo “outro motivo”. Para José Frederico Marques, “qualquer que seja o motivo da prisão,
suspenso fica o prazo prescricional, que começa a correr após a sentença condenatória passar em julgado”24. Em giro oposto, há quem
defenda que a expressão merece interpretação restritiva, excluindo-se dela as prisões extrapenais (civil e administrativa) e as que não
sejam resultantes de uma ordem judicial (prisão em flagrante delito, p. ex.)25. Filiamos-nos ao primeiro entendimento.

13.16 INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

A interrupção do prazo prescricional sempre é motivada por razões em que “se manifesta vivo o interesse do Estado em perseguir o
autor do crime”26, isto é, são fatos ou atos que demonstram a efetiva atividade persecutória Estatal, incompatível com qualquer
possibilidade de renúncia ao poder-dever punitivo.
Na prescrição executória, ensejam a interrupção:
1) o início ou a continuação do cumprimento da pena → transitando em julgado a sentença condenatória, inicia-se a contagem do prazo
prescribente executório. Este prazo é interrompido quando o condenado inicia ou dá continuidade ao cumprimento da pena. Cuidado, pois
nestas hipóteses o prazo não começa a correr de novo e integralmente a contar da data de interrupção, isso porque não haveria lógica que se
contasse, para efeito de prescrição, o período de tempo em que o condenado está cumprindo a pena.

2) pela reincidência → a reincidência é, como visto outrora, uma circunstância agravante genérica, responsável por várias consequências
onerosas ao criminoso. Uma delas é a interrupção do prazo prescricional executório. Todavia, é necessário dizer que existe uma divergência
acerca do momento em que o criminoso passa a ser reincidente e, em consequência, interrompe-se o prazo prescribente. Uma primeira
orientação entende que a prescrição se interrompe na data em que o segundo crime é praticado, caracterizando-se a reincidência.
Contudo, “essa interrupção ficará condicionada à efetiva condenação do réu; se este vier a ser absolvido, evidentemente, não houve
reincidência e, consequentemente, não foi interrompido o prazo prescricional”27. Em outro azimute, há quem advogue a necessidade de
trânsito em julgado da sentença condenatória referente ao novo delito28. O derradeiro entendimento é no sentido de que a reincidência
aperfeiçoa-se, e o prazo prescricional interrompe-se, no instante em que é instaurada a ação penal pelo novo delito29. Somos pelo acerto da
primeira teoria.

Prescrição no caso de reforma ou suspensão do exercício.

Art.127. Verifica-se em quatro anos a prescrição nos crimes cuja pena cominada, no máximo, é de reforma ou de suspensão do
exercício do posto, graduação, cargo ou função.

13.17 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

Até então o CPM somente tratava da prescrição de crimes sancionados com penas privativas de liberdade. Agora, fixa em quatro
anos o prazo prescribente dos delitos cuja pena máxima seja de reforma ou suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função.
Note que a disposição abrange tanto a prescrição da pretensão punitiva quanto da executória e, no caso da pena de suspensão,
independe da quantidade de tempo imposta.

Disposições comuns a ambas as espécies de prescrição.

Art.128. Interrompida a prescrição, salvo o caso do § 3.°, segunda parte, do art. 126, todo o prazo começa a correr, novamente,
do dia da interrupção.
13.18 REINÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL APÓS A INTERRUPÇÃO

É norma geral que, após a interrupção, o prazo prescricional recomece a ser contado integralmente, tendo como novo marco inicial a
data da interrupção, salvo, é lógico, nas hipóteses de ter sido interrompido pelo início ou continuação do cumprimento da pena privativa
de liberdade (art. 126, § 3.°, do CPM), pois não seria lógico ou compreensível que o condenado pudesse contabilizar, em favor da
prescrição, os dias em que efetivamente cumpre pena.

Redução.

Art.129. São reduzidos de metade os prazos da prescrição, quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e
um) anos ou maior de 70 (setenta).

13.19 REDUÇÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS

Como de costume, o CPM prevê a redução pela metade dos prazos prescricionais, em razão da imaturidade ou ancianidade do
criminoso. Difere, no entanto, da legislação comum, pois determina a redução para o septuagenário, levando em conta a data do crime e
não a da condenação, tal qual se dá no CPB.
De qualquer sorte, a idade haverá de ser comprovada por documento hábil (certidão de nascimento, carteira de identidade etc.) Em
tema prescricional a prova da idade deve fazer-se em juízo, de modo inequívoco, e, segundo as prescrições legais, tendo preferência a
certidão do Registro Civil, não bastando a tal desiderato a simples alegação do acusado30.
Outro aspecto relevante, quando se trata da redução do prazo para os menores, cerca a questão do menor emancipado (civilmente
capaz), se a ele deve ou não ser aplicada a regra deste art. 129. Ora, a lei penal militar não estabelece nenhuma distinção entre o menor
de 21 anos emancipado ou não. Portanto, ainda que o menor tenha obtido a emancipação civil, permanece com direito à redução, pela
metade, dos prazos prescricionais31.

Imprescritibilidade das penas acessórias.

Art.130. É imprescritível a execução das penas acessórias.

13.20 IMPRESCRITIBILIDADE DA EXECUÇÃO DAS PENAS ACESSÓRIAS

Malgrado a maioria das penas acessórias previstas no CPM mais se assemelhem a efeitos da condenação, não perdem a natureza
jurídica de sanções e, portanto, devem se submeter aos princípios constitucionais peculiares ao direito de punir do Estado. Um destes
princípios é o da prescritibilidade. Apenas em caráter excepcional, a Carta Federal reconhece a imprescritibilidade da pretensão punitiva
ou executória de algum crime, tal qual ocorre no art. 5.°, incisos XLII (racismo) e XLIV (crimes praticados por grupos armados, civis
ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito).
Ademais, “não existe na listagem penal crime que, por mais hediondo que se apresente ao sentimento jurídico e ao consenso da
comunidade, possa merecer a imprescritibilidade, máxime se atentarmos que as expectativas comunitárias de reafirmação da validade
da ordem jurídica não perduram indefinidamente. ‘A indignação pública e o sentimento de insegurança que o crime gerou amortecem
com o decorrer dos anos, do mesmo modo que se atenua a revolta e exigência de justiça dos ofendidos’ (Aníbal Bruno) e, nem mesmo
as exigências de prevenção especial podem perdurar para sempre. Isto não exclui a possibilidade de um juízo de reprovação e, até
mesmo, de repugnância perdurarem, como ocorre, ainda hoje, com os odiosos crimes perpetrados pela Inquisição, pelos nazi-fascistas e
aqueles ocorridos durante o stalinismo. Mas isso não se faz perfeitamente suficiente, sob qualquer angulação que se faça do fenômeno,
que obrigue a uma punição. Esta, a punição, só poderia encontrar fundamentação na retribuição e no sentimento de vingança, que nos
parecem incompatíveis com o direito penal moderno e com um Estado de direito”32.
Ora, se as penas principais sujeitam-se ao raciocínio encimado, o que dizer das sanções que as secundam? Assim, firmamos nosso
entendimento no sentido de que a regra da imprescritibilidade executória das penas acessórias não foi recepcionada pela Constituição de
1988.
Resta, destarte, um vazio injustificável na lei, pois não há previsão de lapso prescribente às penas acessórias! Quid iuris?

Prescrição no caso de insubmissão.

Art.131. A prescrição começa a correr, no crime de insubmissão, do dia em que o insubmisso atinge a idade de 30 (trinta) anos.
13.21 INÍCIO DA CONTAGEM PRESCRICIONAL NA INSUBMISSÃO

Sem sombra de dúvidas, o legislador não conseguiu estabelecer a fórmula ideal para o que pretendia disciplinar. A providência teria
como finalidade “evitar-se a imprescritibilidade”, pois sendo a insubmissão delito permanente, a prescrição apenas começaria a ser
contada da data em que cessa a permanência (art. 125, § 2.°, c, do CPM). Destarte, optou a lei em estabelecer um limite máximo de
“espera”: o 30.° aniversário do insubmisso33.
No entanto, o CPM referiu-se genericamente à prescrição, dando como certo que em todos os casos o start é a data indicada dos 30
anos do acusado. Ocorre que nem sempre é assim, senão vejamos: nos casos em que o processo penal é instaurado antes do 30.°
aniversário do réu, o prazo da prescrição da pretensão punitiva começa a correr desde logo, nos termos do art. 125, § 5.°, inciso I c/c o
art. 125, inciso VI. Por outro lado, a prescrição da pretensão executória inicia sua contagem no trânsito em julgado da sentença
condenatória (art. 126).
Ademais, em nosso sentir, o crime de insubmissão não é delito permanente, mas instantâneo, o que desautoriza a justificativa
apresentada.

Prescrição no caso de deserção.

Art.132. No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor
atinge a idade de 45 (quarenta e cinco) anos, e, se oficial, a de 60 (sessenta) anos.

13.22 PRESCRIÇÃO NA DESERÇÃO

A prescrição possui natureza jurídica de causa extintiva da punibilidade, isto é certo! Porém, vem o art. 132 criar uma aberração: a
suspensão da eficácia do instituto, determinando que a extinção da punibilidade só ocorra, efetivamente, quando o desertor atingir a
idade de 45 ou 60 anos, conforme seja praça ou oficial.
Na verdade, os prazos prescricionais são contados de acordo com a regra geral do art. 125, apenas o principal efeito decorrente de
sua superação, a extinção da punibilidade, é que sofre adiamento.
Ora, a postergação não guarda menor sentido que a justifique, além de ensejar a inédita possibilidade de uma “quase
imprescritibilidade”. Basta imaginar a deserção cometida por um jovem tenente de 20 anos. Por quatro décadas permanecerá sujeito à
persecução criminal. Melhor seria que tivesse praticado um crime sancionado com a pena de morte, pois ficaria sujeito a um prazo
prescricional 25% menor: 30 anos (art. 125, inciso I).
É preciso também analisar a extensão deste art. 132, pois a norma refere-se apenas ao crime de deserção (art. 187 do CPM).
Contudo, há outros delitos muito próximos, inclusive consubstanciando modalidades especiais do delito, tais como as previstas nos arts.
188 (casos assemelhados à deserção), 190 (deserção especial) e 192 (deserção por evasão ou fuga). É justo tratamento tão diverso para
infrações absolutamente avizinhadas?
No mais, não concordamos com o raciocínio de que a deserção é crime permanente. Em nossa crença, trata-se de crime instantâneo,
conclusão que contraria o esforço daqueles que defendem as anomalias contidas nos arts. 131 e 132.

Declaração de ofício.

Art.133. A prescrição, embora não alegada, deve ser declarada de ofício.

13.23 DECLARAÇÃO DE OFÍCIO

A prescrição e a consequente extinção da punibilidade são matérias de direito público subjetivo e, em razão disto, haverão de ser
reconhecidas e declaradas independente de provocação de quem quer que seja, isto é, ex officio.

Reabilitação.

Art.134. A reabilitação alcança quaisquer penas impostas por sentença definitiva.

§ 1.° A reabilitação poderá ser requerida decorridos 5 (cinco) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal
ou terminar a execução desta ou da medida de segurança aplicada em substituição (art. 113), ou do dia em que terminar o
prazo da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional, desde que o condenado:
a) tenha tido domicílio no País, no prazo acima referido;
b) tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;
c) tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta impossibilidade de o fazer até o dia do pedido, ou exiba
documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.
§ 2.° A reabilitação não pode ser concedida:
a) em favor dos que forem reconhecidos perigosos, salvo prova cabal em contrário;
b) em relação aos atingidos pelas penas acessórias do art. 98, inciso VII, se o crime for de natureza sexual em detrimento de
filho, tutelado ou curatelado.

Prazo para a renovação do pedido.

§ 3.° Negada a reabilitação, não pode ser novamente requerida senão após o decurso de 2 (dois) anos.
§ 4.° Os prazos para o pedido de reabilitação serão contados em dobro no caso de criminoso habitual ou por tendência.

Revogação.

§ 5.° A reabilitação será revogada de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, se a pessoa reabilitada for condenada, por
decisão definitiva, ao cumprimento de pena privativa de liberdade.

13.24 REABILITAÇÃO

No Direito Penal Militar a reabilitação continua a ser tratada como causa de extinção da punibilidade, mas no direito penal comum
tem natureza jurídica diversa e tratamento autônomo, servindo como causa suspensiva de alguns efeitos secundários da condenação,
inclusive no que concerne aos registros criminais, submetidos a sigilo, salvo em relação ao próprio Poder Judiciário.
É medida de inconfundível caráter benemérito e humanitário, pois objetiva resgatar a dignidade pessoal do indivíduo egresso do
cárcere, facilitando-lhe o retorno ao seio comunitário e poupando-lhe das dificuldades e dos preconceitos decorrentes do conhecimento
popular sobre sua condenação.
Assim, é certo que a reabilitação destina-se a reconhecer a expurgação do débito do sentenciado para com a comunidade, assim
como a declará-lo plenamente apto a nela ser reinserido34.
Todavia, você deve saber que o instituto da reabilitação teve seu alcance deveras mitigado. Com relação ao que seria seu principal
efeito, o de assegurar ao condenado o sigilo sobre sua condenação, muito mais célere e profícua é a aplicação do art. 202 da Lei
7.210/1984 – Lei de Execução Penal, que determina o mesmo sigilo logo após o cumprimento ou extinção da pena; destarte, não será
necessário ao condenado esperar dois anos para obter o segredo sobre sua condenação!
Uma última observação: “O texto legal diz que a reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva. É preciso
esclarecer, porém, que ela atinge apenas os efeitos da condenação e o acesso público aos registros referentes à mesma. De fato, quando
se requer a reabilitação, a pena já deve estar cumprida ou extinta, há mais de dois anos (...) Quer dizer que na prática a reabilitação é
bem mais modesta do que a lei parece expressar”.
Para a concessão da medida é preciso que tenha decorrido o prazo de dois anos, contados do dia em que terminar a execução da
pena ou extinguir-se de qualquer modo a pena principal ou da medida de segurança imposta em substituição, bem como da data em que
terminar o período de prova do sursis e do livramento condicional, desde que:
1) o requerente tenha mantido domicílio no Brasil, no prazo exigido pela lei (2 anos);
2) que o agente, durante o período que antecede a reabilitação35, tenha demonstrado, de forma efetiva e constante, bom
comportamento público e privado; esta demonstração deve ser feita por intermédio de certidões negativas, declarações de autoridades e
de empregadores etc.
3) que o agente tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou tenha demonstrado absoluta impossibilidade de fazê-lo, até o dia do
pedido, a não ser que exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou a novação da dívida. Observe-se, contudo, que se ocorrer
a prescrição da dívida no cível, por óbvio que o pressuposto torna-se dispensável36.
Muito embora, como já consignado, a reabilitação dependa da verificação de todos os requisitos legais, há uma orientação de
vanguarda quanto à prescindibilidade do ressarcimento do dano; senão vejamos: “No que tange à reabilitação, o requisito da reparação
do dano deve ser apreciado com certa elasticidade, principalmente quando se considera que o demasiado rigor na apreciação da
exigência legal, em certos casos, poderia importar em odiosa discriminação entre ricos e pobres. De fato, os mais abastados, sem
maiores dificuldades, poderiam ressarcir o dano e conseguir a reabilitação, enquanto que os hipossuficientes não teriam condições de
‘limpar o nome’, por terem a desdita de conviverem com a miséria”37.
Para que seja acolhido o pedido de reabilitação é mister que tenham sido atendidos todos os pressupostos legais, sendo assim, a
postulação deve se fazer instruir com elementos suficientes a provar o direito do requerente; caso isto não ocorra, o pedido merece
indeferimento.
A reabilitação é vedada aos perigosos (alínea a do § 2.º) e em relação à suspensão do poder familiar, tutela ou curatela, nos casos da
prática de crimes sexuais contra descendente, tutelado ou curatelado (alínea b do § 2.º). A primeira destas vedações, em nosso entender,
não merece prosperar. Aos criminosos perigosos há o rigor da lei, no instante de fixação da pena. Após a extinção da pena e, decorrido
o período de dois anos, cabe o olvido da condenação.
Nos casos de indeferimento do pedido de reabilitação, pode ser feito novo requerimento após o decurso de dois anos do despacho de
não aceitação (art. 134, § 3.°). Neste particular, defendemos que não há limite de tempo para que se renove o pleito, desde que motivado
por novos elementos de convicção, à semelhança do que ocorre no direito penal comum (art. 94, parágrafo único, do CPB).
A reabilitação pode ser revogada de ofício ou a requerimento do Ministério Público Militar quando o reabilitado for condenado
irrecorrivelmente a pena privativa de liberdade (art. 134, § 5.°).
Por fim, resta-nos registrar nosso entendimento no sentido da inaplicabilidade do disposto no § 4.°, deste artigo, pelas razões já
expostas em diversas passagens destes Comentários, sobre o criminoso habitual ou por tendência.

Cancelamento do registro de condenações penais.

Art.135. Declarada a reabilitação, serão cancelados, mediante averbação, os antecedentes criminais.

Sigilo sobre antecedentes criminais.

Parágrafo único. Concedida a reabilitação, o registro oficial de condenações penais não pode ser comunicado senão à
autoridade policial ou judiciária, ou ao representante do Ministério Público, para a instrução de processo penal que venha a ser
instaurado contra o reabilitado.

13.25 CANCELAMENTO DO REGISTRO DE CONDENAÇÕES PENAIS

Tal qual consignado no item anterior, o principal efeito da reabilitação é o cancelamento dos registros penais do reabilitado,
informações que ficam restritas às consultas das autoridades policial, judiciárias ou do Ministério Público, com o único objetivo e
finalidade de instrução procedimental e/ou processual.
__________
1COSTA JR., Paulo José. Comentários ao Código Penal. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 1996. p. 316.
2 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. A nova parte
geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 399.
3 WOODROW, Ralph. Babilônia: a religião dos mistérios – Antiga e
moderna. Ralph Woodrow Envagilistic Association, 1966. p. 106-
107. Vide, também, COSTA JR., Paulo José. Op. cit. p. 319.
4 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 2. ed. São Paulo:
Max Limonad, t. II, v. 1, p. 663.
5 TACrimSP – Ac – Rel. Canguçu de Almeida – RT 580/349.
6 JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 1998. p. 284.
7 MAGGIORE, Giuseppe. Derecho penal, v. II, p. 357.
8 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2000. v. 1, p. 535.
9 STJ – 6.ª T. – RHC 2.344-6-SP – Rel. José Cândido – DJU
15.02.1993, p. 1.702.
10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 9. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. p. 658.
11 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. São
Paulo: Saraiva, 1964. p. 625.
12 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 26. ed. São Paulo:
Saraiva, 1989. v. 1, p. 337-338.
13 Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 465.
14 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 721.
15 Art. 111, inciso II, do CP.
16 FILHO, Aloysio de Carvalho. Comentários ao Código Penal. Rio de
Janeiro: Forense, 1944. v. 4, p. 315.
17 JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 1998. p. 317.
18 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. 1. ed. atual.
São Paulo: Saraiva, 1999. v. 3, p. 504.
19 TACrimSP – HC – Rel. Haroldo Luz – RT 693/351.
20 STF – HC – Rel. Soares Muñoz – JUTACrim 70/466.
21 PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 571.
22 STF – RHC – Rel. Carlos Madeira – RTJ 124/998.
23 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 311.
24 Op. cit. p. 505.
25 FILHO, Aloysio de Carvalho. Op. cit. p. 363.
26 TACrimSP – EI 171083 – Rel. Silva Franco.
27 TJSP – HC – Rel. Gonçalves Sobrinho – RJTJSP 29/356.
28 Neste sentido: RT 437/347, JUTACrim 36/107.
29 Neste sentido: JUTACrim 56/87.
30 TACrimSP – AC – Rel. Cunha Camargo – JUTACrim 41/179.
31 “Mesmo que o menor tivesse alcançado a maioridade civil, pela
emancipação ou casamento, era aplicável a redução do prazo
prescricional, pois a menoridade, no caso, é a considerada
estritamente para efeitos penais” (STF – HC – Rel. Carlos
Madeira – RTJ 121/559).
32 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique.
Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. 2. ed. São Paulo:
RT, 1999. p. 754.
33 ASSIS, Jorge César. Op. cit. p. 252.
34 TACrimSP – RO 1.012.457 – Rel. Renato Nalini.
35 TACrimSP – Rec. – Rel. Emeric Levai – JUTACrim 87/432.
36 RT 516/317, 525/375, 531/314 e 534/358.
37 TACrimSP – Re. – Rel. Silva Pinto – JUTACrim 84/170.
SÚMULAS VINCULANTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

6. Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar
inicial.
• Publicada no DOU de 16.05.2008.

9. O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe
aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.
• Publicada no DOU de 20.06.2008.

11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia,
por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade
civil do Estado.
• Publicada no DOU de 22.08.2008.
SÚMULAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

9. Para o acesso de auditores ao Superior Tribunal Militar, só concorrem os de segunda entrância.

10. O tempo de serviço militar conta-se para efeito de disponibilidade e aposentadoria do servidor público estadual.

27. Os servidores públicos não têm vencimentos irredutíveis, prerrogativa dos membros do Poder Judiciário e dos que lhes são
equiparados.

45. A estabilidade dos substitutos do Ministério Público Militar não confere direito aos vencimentos da atividade fora dos períodos de
exercício.

51. Militar não tem direito a mais de duas promoções na passagem para a inatividade, ainda que por motivos diversos.

52. A promoção de militar, vinculada à inatividade, pode ser feita, quando couber, a posto inexistente no quadro.

53. A promoção de professor militar, vinculada à sua reforma, pode ser feita, quando couber, a posto inexistente no quadro.

54. A reserva ativa do magistério militar não confere vantagens vinculadas à efetiva passagem para a inatividade.

55. Militar da reserva está sujeito à pena disciplinar.

56. Militar reformado não está sujeito à pena disciplinar.

57. Militar inativo não tem direito ao uso do uniforme fora dos casos previstos em lei ou regulamento.

298. O Legislador ordinário só pode sujeitar civis à Justiça Militar, em tempo de paz, nos crimes contra a segurança externa do país ou
as instituições militares.
359. Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o
servidor civil, reuniu os requisitos necessários.

385. Oficial das forças armadas só pode ser reformado, em tempo de paz, por decisão de Tribunal Militar permanente, ressalvada a
situação especial dos atingidos pelo art. 177 da constituição de 1937.

407. Não tem direito ao terço de campanha o militar que não participou de operações de guerra, embora servisse na “zona de guerra”.

441. O militar, que passa à inatividade com proventos integrais, não tem direito às cotas trigésimas a que se refere o código de
vencimentos e vantagens dos militares.

647. Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias civil e militar do Distrito Federal.

672. O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas Leis 8622/1993 e 8627/1993, estende-se aos servidores civis do
poder executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mesmos
diplomas legais.

673. O art. 125, § 4º, da constituição não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo.

674. A anistia prevista no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não alcança os militares expulsos com base em
legislação disciplinar ordinária, ainda que em razão de atos praticados por motivação política.

694. Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública.
SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

1. Cancelada (DJU nº 77, de 24.04.1995).

2. Cancelada (DJU nº 77, de 24.04.1995).

3. Não constituem excludentes de culpabilidade, nos crimes de deserção e insubmissão, alegações de ordem particular ou familiar
desacompanhadas de provas. (DJU nº 77, de 24.04.1995)

4. Cancelada (DJU nº 77, de 24.04.1995)

5. A desclassificação de crime capitulado na denúncia pode ser operada pelo Tribunal ou pelos Conselhos de Justiça, mesmo sem
manifestação neste sentido do Ministério Público Militar nas alegações finais, desde quando importe em benefício para o réu e
conste da matéria fática. (DJU nº 77, de 24.04.1995)

6. Cancelada (DJU nº 77, de 24.04.1995)

7. O crime de insubmissão, capitulado no art. 183 do CPM, caracteriza-se quando provado de maneira inconteste o conhecimento pelo
conscrito da data e local de sua apresentação para incorporação, através de documento hábil constante dos autos. A confissão do
indigitado insubmisso deverá ser considerada no quadro do conjunto probatório. (DJU nº 77, de 24.04.95)

8. O desertor sem estabilidade e o insubmisso que, por apresentação voluntária ou em razão de captura, forem julgado em inspeção de
saúde, para fins de reinclusão ou incorporação, incapazes para o Serviço Militar, podem ser isentos do processo, após o
pronunciamento do representante do Ministério Público. (DJU nº 77, de 24.04.1995)

9. A Lei nº 9.099, de 26.09.95, que dispõe sobre os Juízos Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça
Militar da União. (DJU nº 249, de 24.12.1996)
10. Não se concede liberdade provisória a preso por deserção antes de decorrido o prazo previsto no art. 453 do CPPM. (DJU nº 249, de
24.12.1996)
11. O recolhimento à prisão, como condição para apelar (art. 527, do CPPM), aplica-se ao Réu foragido e, tratando-se de revel, só é
aplicável se a sentença houver negado o direito de apelar em liberdade. (DJU nº 18, de 27.01.1997)
12. A praça sem estabilidade não pode ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade
para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo.
(DJU nº 18, de 27.01.1997)
13. A declaração de extinção de punibilidade em IPI, IPD e IPM deve ser objeto de Decisão, que, também, determinará o arquivamento
dos autos. (DJU nº 18, de 27.01.1997).
SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

6. Compete à justiça comum estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de polícia militar,
salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade.

47. Compete à justiça militar processar e julgar crime cometido por militar contra civil, com emprego de arma pertencente a corporação,
mesmo não estando em serviço.

53. Compete à justiça comum estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais.

75. Compete à justiça comum estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de
estabelecimento penal.

78. Compete à justiça militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delito tenha sido praticado em outra unidade
federativa.

90. Compete à justiça estadual militar processar e julgar o policial militar pela pratica do crime militar, e a comum pela prática do crime
comum simultâneo aquele.

172. Compete à justiça comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.

192. Compete ao juízo das execuções penais do estado a execução das penas impostas a sentenciados pela justiça federal, militar ou
eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a administração estadual.

346. É vedada aos militares temporários, para aquisição de estabilidade, a contagem em dobro de férias e licenças não gozadas.
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