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Diagramação: Ana Paula Lopes Corrêa (aninha_lopescorrea@hotmail.com)

Capa: Ana Caquetti

L732m Lima, Renato Brasileiro de.


Manual de Execução Penal / Renato Brasileiro de Lima - São Paulo: Editora JusPodivm,
2022.
576 p.

Bibliografia.
ISBN 978-85-442-3563-8.

1. Direito Penal. 2. Direito de Execuções Penais. I. Lima, Renato Brasileiro de. II. Título.

CDD 341.58

Todos os direitos desta edição reservados a Edições JusPODIVM.


É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem
a expressa autorização do autor e das Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime
descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.
“Presente de Deus”: este é você, meu querido Matheus.
Sua chegada, em plena pandemia, trouxe ainda mais luz
e alegria para a nossa família. Entre risos e choros, entre
noites bem e mal dormidas, tudo vale a pena por você.
A vida é, definitivamente, um lugar melhor e mais feliz
pra se viver com as suas gargalhadas por perto. Te amo,
Bubucho!
APRESENTAÇAO

Infelizmente, não se dispensa ao estudo do Direito de Execução Penal o mesmo


valor daquele que é conferido ao aprendizado do Direito Penal e do Direito Proces­
sual Penal. Prova disso, aliás, é a própria grade curricular de inúmeras Faculdades de
Direito brasileiras, salvo raríssimas exceções. Enquanto o aluno costuma ter diversos
semestres dedicados ao aprendizado das disciplinas tradicionais - Direito Penal I, II,
III e IV, Processo Penal I, II e III, Prática de Processo Penal etc. -, raramente tem aulas
de Execução Penal, quando muito como matéria eletiva (optativa).
Esse descaso vivenciado pela Execução Penal no meio acadêmico reflete-se, ine­
xoravelmente, no campo profissional e na própria sociedade como um todo. Lamenta­
velmente, no senso comum, quando um crime é praticado, o que realmente interessa,
para muitos, é que sua autoria seja revelada, para que o indivíduo seja, então, processado
e condenado. O que vai acontecer, depois, em sede de execução penal, já não interessa
mais, seja aos órgãos persecutórios, seja à própria sociedade. É dizer: se há problemas
de superlotação carcerária, ausência de estrutura e recursos humanos nos hospitais
psiquiátricos, falta de vagas nos estabelecimentos penais, e condições sub-humanas das
casas prisionais, entre tantos outros problemas, isso já não é “problema nosso”. Afinal, se
o indivíduo praticou um crime, já tendo consciência da realidade carcerária brasileira,
“assumiu o risco” de ter que cumprir pena em tais condições, razão pela qual não lhe é
conferido o direito de se insurgir contra o sistema vigente.
Esse equivocado, mas tão recorrente anseio de reduzir o preso à categoria de não
pessoa (ou cidadão de segunda categoria) ignora, todavia, o fato de que vivemos em
um Estado Democrático de Direito e que, mais cedo ou mais tarde, tal cidadão voltará
ao convívio em sociedade. Não se pode, pois, sucumbir diante do sensacionalismo
e envergonhar-se de defender posições favoráveis a uma execução penal com fulcro
no respeito à dignidade da pessoa humana, entendida esta como o mínimo espiritual
que faz do homem ser humano. Se é verdade que o objetivo preconizado pela LEP de
proporcionar condições para a ressocialização do condenado tornou-se uma grande
falácia, uma verdadeira utopia - e isso não negamos -, que não se perca então ao me­
nos a oportunidade de tentar não agravar ainda mais as características deteriorantes
e dessocializantes inerentes ao encarceramento de todo e qualquer ser humano, quiçá
contribuindo para a diminuição do seu nível de vulnerabilidade ao poder punitivo.
É dentro desse contexto de verdadeira redução de danos que resolvemos enfrentar
o desafio de escrever um livro capaz de facilitar o estudo e a compreensão dos diversos
8 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

temas relacionados à execução penal, sem embargo de enfrentar, com auxílio da juris­
prudência dos Tribunais Superiores, as principais discussões e controvérsias existentes
em torno do tema, principalmente à luz do Pacote Anticrime. Como se poderá notar,
o enorme descompasso entre os marcos legais e a caótica realidade prisional faz com
que decisões do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de Cortes
Internacionais de Direitos Humanos definam parâmetros imprescindíveis para uma
postura de redução de danos e limites à política penal do Estado, sempre tratada como
política pública sujeita à reserva do possível.
Esperamos, portanto, que o livro permita que estudantes de graduação, bacharéis,
candidatos que se preparam para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil ou
a concursos de ingresso nas diversas carreiras jurídicas, e os inúmeros profissionais
que militam na área, sejam eles Juizes, Defensores, Promotores de Justiça, Delegados
de Polícia ou Advogados, conheçam o universo das inúmeras regras atinentes à exe­
cução penal. Se assim conseguirmos, certamente teremos alcançado nosso objetivo
maior, qual seja, o de trazer um pouco de luz para o estudo e aplicação prática do
Direito de Execução Penal, deixando de tratá-lo como o “primo pobre” do Direito
Penal e do Direito Processual Penal.
Ao leitor, esperamos propiciar uma agradável leitura, aguardando as eventuais
críticas, sugestões e observações que certamente surgirão ao longo da leitura do livro.
Para revisões, vídeos, perguntas, respostas, sugestões e críticas, pedimos que utilizem
nossas redes sociais, notadamente o instagram: @profrenatobrasileiro
Valinhos/SP, 3 de janeiro de 2022.

RENATO BRASILEIRO DE LIMA


SUMARIO

» Capítulo I
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
1. Ressocialização do preso, falência do sistema carcerário e redução de danos
na execução penal .......................................................................................................................... 25
2. Direito Penitenciário e Direito de Execução Penal ........................................................... 26
3. Objeto da Lei de Execução Penal ............................................................................................ TI
4. Âmbito de aplicação da Lei de Execução Penal ............................................................... TI
4.1. Preso provisório (ou cautelar) ........................................................................................ 28
4.2. Condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a esta­
belecimento sujeito à jurisdição ordinária .............................................................. 29
5. Natureza jurídica da execução penal ..................................................................................... 30
6. Início do processo de execução .............................................................................................. 31
7. Sujeitos da execução penal ........................................................................................................ 32
8. Suspensão dos direitos políticos .............................................................................................. 32
9. Princípios da execução penal ................................................................................................... 33
9.1. Princípio da legalidade ...................................................................................................... 34
9.2. Princípio da humanidade .................................................................................................. 35
9.3. Princípio da personalidade ou intranscendência dapena .................................. 37
9.4. Princípio da individualização da pena ........................................................................ 38
9.5. Princípio da responsabilidade penal subjetiva (ou daculpabilidade) ........... 39
9.6. Princípio da jurisdicionalidade ....................................................................................... 40
9.7. Princípio da isonomia e vedação à discriminação ................................................ 41
10. Execução provisória da pena ..................................................................................................... 41
10.1. (Des) necessidade do trânsito em julgado para fins de execução de
pena privativa de liberdade ........................................................................................... 42
10.2. Execução provisória da pena no caso de condenação pelo Tribunal do
Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão ........... 44
10.2.1. (In) constitucionalidade da execução provisória da pena no
âmbito do Júri ...................................................................................................... 45
10.3. Concessão antecipada de benefícios da execução penal ao preso cau­
telar ............................................................................................................................................ 48
10 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

» Capítulo II
CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO
1. Noções introdutórias ..................................................................................................................... 51
2. Exame dos antecedentes ............................................................................................................ 52
3. Exame da personalidade ............................................................................................................. 52
4. Comissão Técnica de Classificação .......................................................................................... 53
5. Exame criminológico ..................................................................................................................... 55
5.1. (In) admissibilidade do exame criminológico para fins de progressão
de regimes, livramento condicional ou outros benefícios prisionais ......... 56
6. Identificação do perfil genético ................................................................................................ 57
6.1. (Im) possibilidade de utilização da amostra biológica do condenado
para fins de fenotipagem genética ou de busca familiar ................................ 63
6.2. Obrigatoriedade de descarte imediato da amostra biológica tão logo
identificado o perfil genético ........................................................................................ 64
6.3. Obrigatoriedade de coleta da amostra biológica e elaboração do res­
pectivo laudo por perito oficial ................................................................................... 65
6.4. (In) constitucionalidade da identificação do perfil genético .......................... 67

» Capítulo III
ASSISTÊNCIA AO PRESO
1. Noções introdutórias ..................................................................................................................... 69
2. Assistência material ........................................................................................................................ 70
3. Assistência à saúde ......................................................................................................................... 72
4. Assistência jurídica .......................................................................................................................... 73
5. Assistência educacional ................................................................................................................ 76
6. Assistência social ............................................................................................................................. 78
7. Assistência religiosa ........................................................................................................................ 80
8. Assistência ao egresso ................................................................................................................... 81

» Capítulo IV
TRABALHO DO PRESO
1. Noções introdutórias ..................................................................................................................... 83
2. Sujeição do trabalho do preso ao regime da Consolidação das Leis do Tra­
balho ...................................................................................................................................................... 85
3. Remuneração ..................................................................................................................................... 86
3.1. Destinação do produto daremuneração .................................................................. 88
3.2. Não remuneração da prestação de serviços à comunidade ......................... 89
4. Trabalho interno .............................................................................................................................. 90
4.1. Obrigatoriedade do trabalho ......................................................................................... 91
4.2. Jornada de trabalho ........................................................................................................... 92
SUMÁRIO 11

4.3. Gerenciamento do trabalho ........................................................................................... 92


4.4. Destinação dos bens ou produtos do trabalho prisional ................................. 93
4.5. Política Nacional de Trabalho no sistema prisional ............................................ 93
5. Trabalho externo .............................................................................................................................. 94
5.1. Noções gerais ....................................................................................................................... 94
5.2. Autoridade dotada de atribuição (ou competência) para autorizar o
trabalho externo .................................................................................................................. 97
5.3. Pressupostos objetivos e subjetivos ........................................................................... 97
5.3.1. Crimes hediondos e equiparados ............................................................. 100
5.4. Revogação do trabalho externo ................................................................................ 100

» Capítulo V
DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA
1. Deveres do preso ......................................................................................................................... 103
1.1. Rol de deveres do preso especificados pela LEP .............................................. 103
1.2. Deveres do preso cautelar ........................................................................................... 106
2. Direitos do preso .......................................................................................................................... 106
2.1. Respeito à integridade física e moral do preso ................................................. 107
2.1.1. Uso de algemas ................................................................................................. 109
2.1.1.1. Vedação ao uso de algemas em mulheres grávidas
durante o parto e em mulheres durante a fase de
puerpério imediato ...................................................................... 111
2.1.2. Caso Damião Ximenes Lopes ...................................................................... 112
2.1.3. Revista íntima em presídios .......................................................................... 113
2.2. Rol exemplificativo de direitos do preso previstos na Lei de Execução
Penal ....................................................................................................................................... 116
2.2.1. Alimentação suficiente e vestuário ............................................................ 117
2.2.2. Atribuição de trabalho e suaremuneração ............................................. 117
2.2.3. Previdência social .............................................................................................. 117
2.2.3.1. Auxílio-reclusão ............................................................................. 118
2.2.4. Constituição de pecúlio .................................................................................. 118
2.2.5. Proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o
descanso e a recreação .................................................................................. 119
2.2.6. Exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e
desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução
da pena .................................................................................................................. 119
2.2.7. Assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e reli­
giosa ........................................................................................................................ 119
2.2.8. Proteção contra qualquer forma de sensacionalismo (Perp
walk) ........................................................................................................................ 119
12 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

2.2.9. Entrevista pessoal e reservada com o advogado ............................. 122


2.2.10. Visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em
dias determinados ............................................................................................ 124
2.2.10.1. Visitas íntimas ................................................................................ 126
2.2.11. Chamamento nominal ................................................................................... 127
2.2.12. Igualdade de tratamento, salvo quanto às exigências da indivi­
dualização da pena ......................................................................................... 128
2.2.13. Audiência especial com o diretor do estabelecimento .................. 128
2.2.14. Representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de
direito ..................................................................................................................... 128
2.2.15. Contato com o mundo exterior por meio de correspondência
escrita, da leitura e de outros meios de informação que não
comprometam a moral e os bons costumes ...................................... 129
2.2.15.1. (In) constitucionalidade da interceptação da corres­
pondência do preso pela administração carcerária .... 130
2.2.16. Atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena de
responsabilidade da autoridade judiciária competente ................. 131
2.2.17. Contratação de médico particular de confiança pessoal do pre­
so .............................................................................................................................. 132
2.2.18. (Im) possibilidade de suspensão ou restrição de direitos do preso
mediante ato motivado do diretor do estabelecimento ............... 133
3. Disciplina ............................................................................................................................................. 134
3.1. Regras gerais ...................................................................................................................... 135
3.1.1. Princípio da legalidade .................................................................................. 135
3.1.2. Vedação ao emprego de cela escura ...................................................... 136
3.1.3. Vedação de sanções coletivas .................................................................... 137
3.1.4. Ciência das normas disciplinares ............................................................... 138
3.1.5. Punição da tentativa ........................................................................................ 138
3.2. Poder disciplinar ................................................................................................................ 139
3.3. Faltas disciplinares graves ............................................................................................. 141
3.3.1. Prática de fato previsto como crime doloso ....................................... 142
3.3.1.1. (Des) necessidade do trânsito em julgado de sentença
penal condenatória para fins de reconhecimento, no
âmbito administrativo carcerário, de falta grave decor­
rente do cometimento de fato definido como crime
doloso ............................................................................................... 143
3.3.2. Incitação ou participação em movimento para subersão da
ordem ou da disciplina ................................................................................. 144
3.3.3. Fuga ........................................................................................................................ 145
3.3.4. Posse indevida de instrumento capaz de ofender a integridade
física de outrem ................................................................................................. 146
3.3.5. Provocação de acidente de trabalho ....................................................... 146
SUMÁRIO 13

3.3.6. Descumprimento das condições impostas no regime aberto .... 147


3.3.7. Inobservância dos deveres de obediência ao servidor e respeito
a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se e de execução
do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas ................................ 147
3.3.8. Posse, utilização ou fornecimento de aparelho telefônico, rádio
ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou
com o ambiente externo .............................................................................. 148
3.3.9. Recusa do condenado em se submeter ao procedimento de
identificação do perfil genético .................................................................. 151
3.3.10. Faltas disciplinares graves do condenado à pena restritiva de
direitos ................................................................................................................... 151
3.4. Faltas disciplinares médias eleves ............................................................................ 152
3.5. Prescrição das faltas disciplinares ............................................................................. 154
3.6. Sanções disciplinares ...................................................................................................... 156
3.7. Demais consequências legais decorrentes do cometimento de falta
grave além da imposição da sanção administrativa ........................................ 158
3.8. Recompensas ...................................................................................................................... 161
3.9. Procedimento administrativo disciplinar ............................................................... 162
3.9.1. Ampla defesa e obrigatoriedade de defesa técnica ......................... 165
3.9.2. (In) dispensabilidade da instauração de procedimento adminis­
trativo disciplinar para apuração da falta grave, assegurando-se o
direito de defesa por advogado constituído ou defensor público
nomeado .............................................................................................................. 166
3.9.3. (In) suficiência da audiência de justificação perante o juízo da
execução para fins de homologação judicial da falta grave ....... 169
3.9.4. Instrução do procedimento administrativo disciplinar .................... 170
3.9.5. Recorribilidade da decisão proferida no âmbito do procedimento
administrativo disciplinar ............................................................................... 171
3.9.6. Isolamento preventivo e inclusão preventiva no Regime Disci­
plinar Diferenciado ............................................................................................ 172
3.9.7. Detração disciplinar .......................................................................................... 173
4. Regime disciplinar diferenciado .............................................................................................. 173
4.1. Noções introdutórias ...................................................................................................... 173
4.2. Hipóteses de cabimento ............................................................................................... 174
4.3. Características do Regime Disciplinar Diferenciado ......................................... 176
4.3.1. Duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição
da sanção por nova falta grave da mesma espécie ........................ 177
4.3.2. Recolhimento em cela individual .............................................................. 177
4.3.3. Visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem reali­
zadas em instalações equipadas para impedir o contato físico
e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso
14 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas)


horas ....................................................................................................................... 178
4.3.3.1. Visitas quinzenais de duas pessoas por vez com duração
de duas horas ................................................................................ 178
4.3.3.2. Realização das visitas em instalações equipadas para
impedir o contato físico e a passagem de objetos ..... 179
4.3.3.3. Visita de pessoa da família ou de terceiro gravada em
sistema de áudio ou de áudio e vídeo ............................. 179
4.3.3.4. Fiscalização da visita por agente penitenciário mediante
prévia autorização judicial ........................................................ 182
4.3.3.5. Substituição das visitas presenciais por contato tele­
fônico ................................................................................................. 182
4.3.4. Direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para
banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que
não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso ........ 184
4.3.5. Entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defen­
sor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e
a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em
contrário ................................................................................................................ 185
4.3.6. Fiscalização do conteúdo da correspondência ................................... 187
4.3.7. Participação em audiências judiciais preferencialmente por
videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no
mesmo ambiente do preso .......................................................................... 188
4.4. Prazo máximo de duração do Regime Disciplinar diferenciado e (im)
possibilidade de prorrogação ..................................................................................... 190
4.5. Juízo competente para a inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado
e procedimento adequado .......................................................................................... 192
4.6. Regime disciplinar diferenciado em estabelecimento penais federais de
segurança máxima ........................................................................................................... 195

» Capítulo VI
ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL
1. Noções introdutórias ................................................................................................................... 197
2. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária ............................................. 197
3. Juízo da Execução ........................................................................................................................ 198
3.1. Fixação da competência do juízo da execução com base na natureza
do estabelecimento prisional em que se encontrar o condenado (ou
preso provisório) ............................................................................................................... 200
3.2. Competência do Juízo Federal da Execução Penal ......................................... 201
3.3. Competência territorial .................................................................................................. 204
SUMÁRIO 15

3.4. Juízo competente para a concessão antecipada de benefícios prisionais


ao preso cautelar ............................................................................................................. 205
3.5. Juízo competente para a execução da pena de multa ................................ 207
3.6. Juízo da Execução no âmbito dos Juizados Especiais Criminais ............... 207
3.7. Rol exemplificativo de competências criminais do Juiz da Execução 207
4. Ministério Público ......................................................................................................................... 215
4.1. Atribuições ministeriais .................................................................................................. 216
5. Conselho Penitenciário .............................................................................................................. 218
6. Departamentos Penitenciários ................................................................................................ 219
6.1. Direção e pessoal dos estabelecimentos penais ............................................... 220
7. Patronato .......................................................................................................................................... 221
8. Conselho da Comunidade ........................................................................................................ 221
9. Defensoria Pública ........................................................................................................................ 222
9.1. Atribuições da Defensoria Pública ........................................................................... 223

» Capítulo VII
ESTABELECIMENTOS PENAIS
1. Regras gerais .................................................................................................................................... 225
1.1. Classificação dos estabelecimentos penais .......................................................... 225
1.2. Instalações adequadas .................................................................................................... 226
1.3. Recolhimento de presos a estabelecimento próprio e adequado ao seu
respectivo sexo e idade ................................................................................................ 1T1
1.4. (Im) possibilidade de terceirização nos estabelecimentos prisionais ...... 229
1.5. Separação de presos ...................................................................................................... 230
1.6. Prisão Especial .................................................................................................................... 233
1.7. Sala de Estado-Maior ...................................................................................................... 236
1.8. Prisão de índios ................................................................................................................. 238
1.9. Local de cumprimento da pena ................................................................................. 239
1.10. Capacidade das prisões ................................................................................................. 241
1.10.1. (Im) possibilidade de manutenção de condenado em regime
prisional mais gravoso na hipótese de falta de estabelecimento
penal adequado ................................................................................................. 242
1.10.2. (Im) possibilidade de concessão imediata da prisão domiciliar
sem prévia observância dos parâmetros traçados no RE 641.320/
RS .............................................................................................................................. 243
1.10.3. Precariedade das condições de encarceramento e obrigação do
Estado de ressarcir os danos, inclusive morais ................................... 244
1.10.4. (Im) possibilidade de o Judiciário impor à Administração Pública
a obrigação de promover melhorias em estabelecimentos pri­
sionais ..................................................................................................................... 245
16 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

1.10.5. O caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho e a Resolução


da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 22.11.2018 .... 246
2. Penitenciárias .................................................................................................................................. 248
2.1. Regras gerais ...................................................................................................................... 248
2.2. Penitenciárias destinadas ao regime disciplinar diferenciado ..................... 249
2.3. Arquitetura das penitenciárias ......................................................................... 249
2.4. Localização das penitenciárias masculinas ............................................................ 250
3. Colônia Agrícola, Industrial ou Similar ................................................................................ 250
4. Casa do Albergado ...................................................................................................................... 252
4.1. Noções gerais .................................................................................................................... 252
4.2. Limitação de fim de semana ......................................................................... 253
4.3. Regime aberto .................................................................................................................. 253
4.4. Localização e instalações .............................................................................................. 254
5. Centros de Observação ............................................................................................................. 256
6. Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ......................................................... 257
7. Cadeia Pública ................................................................................................................................ 258
8. Estabelecimentos penais federais de segurançamáxima ............................................ 261
8.1. Noções introdutórias ...................................................................................................... 261
8.2. Procedimento adequado .............................................................................................. 262
8.2.1. (Des) necessidade de oitiva prévia da defesa ..................................... 263
8.3. Competência do Juízo Federal da Execução Penal ......................................... 263
8.4. Hipóteses que autorizam a inclusão de presos nos estabelecimentos
penais federais de segurança máxima ................................................................... 264
8.5. Características do regime fechado de segurança máxima nos estabele­
cimentos penais federais de segurança máxima .............................................. 265
8.6. Período máximo de permanência do preso em estabelecimentos penais
federais de segurança máxima ................................................................................. 267
8.7. (Im) possibilidade de exercício das competências do juiz federal da
execução penal por órgãos colegiados de magistrados ............................... 268
8.8. (Im) possibilidade de os Estados e o Distrito Federal construírem es­
tabelecimentos penais de segurança máxima ou de adaptarem os já
existentes ............................................................................................................................. 270

» Capítulo VIII
EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
1. Noções introdutórias ................................................................................................................... 273
1.1. Execução da sentença ................................................................................................... 274
1.2. Guia de recolhimento .................................................................................................... 274
1.2.1. Requisitos da guia de recolhimento ........................................................ 276
1.2.2. Guia de recolhimento provisória ............................................................... 278
1.2.3. Cálculo de liquidação de penas ................................................................ 280
SUMÁRIO 17

1.2.4. Precedência das penas ................................................................................... 283


1.3. Cumprimento ou extinção da pena ........................................................................ 284
2. Regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade ...................................... 285
3. Progressão de regimes .............................................................................................................. 290
3.1. Da necessária individualização da pena privativa de liberdade no curso
da execução penal ........................................................................................................... 290
3.2. Vedações à progressão .................................................................................................. 290
3.2.1. Regime integral fechado para crimes hediondos e equiparados .... 290
3.2.2. Regime inicial fechado para crimes hediondos e equiparados e
novos critérios para progressão de regimes introduzidos pela
Lei n° 11.464/07 ................................................................................................. 292
3.2.3. Regime inicial fechado para crimes hediondos e equiparados ........ 295
3.2.4. Natureza do crime de tráfico de drogas privilegiado previsto no
§4° do art. 33 da Lei n. 11.343/06 para fins de progressão de
regimes .................................................................................................................. 297
3.2.5. Da vedação à progressão de regime, ao livramento condicional
e a outros benefícios prisionais em relação a condenados por
integrar organização criminosa ou por crime praticado por
meio de organização criminosa se acaso mantido o vínculo
associativo ........................................................................................................... 300
3.3. Requisitos para a progressão de regimes ............................................................ 302
3.3.1. Requisitos objetivos ......................................................................................... 302
3.3.1.1. Progressão especial para gestante, mãe ou responsável
por crianças ou pessoas com deficiência .......................... 311
3.3.1.2. Reparação do dano ou devolução do produto do ilícito
praticado como requisito objetivo para a progressão de
regime nos crimes contra a administração pública .......... 312
3.3.2. Requisitos subjetivos ....................................................................................... 313
3.3.2.1. (Im) possibilidade de reaquisição do bom comporta­
mento para fins de progressão de regimes .................... 314
3.4. Progressão para o regime aberto ............................................................................. 316
3.5. Questões controvertidas ............................................................................................... 319
3.5.1. (Des) necessidade de fundamentação e oitiva das partes ............ 319
3.5.2. Quantum de pena a ser levado em consideração para fins de
progressão de regimes quando aplicada pena superior a 40
(quarenta) anos .................................................................................................. 320
3.5.3. Segunda progressão ........................................................................................ 321
3.5.4. Superveniência de nova condenação ....................................................... 322
3.5.5. (Im) possibilidade de progressão de regimes para presos caute­
lares ......................................................................................................................... 323
3.5.6. (In) admissibilidade daprogressão per saltum ...................................... 324
18 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.5.7. Inadimplemento deliberado da pena de multa e possibilidade


de progressão de regime prisional .......................................................... 325
3.5.8. Remição pelo trabalho (ou pelo estudo) para fins de progressão
de regimes ........................................................................................................... 325
3.5.9. Cabimento da progressão de regimes no regime disciplinar
diferenciado ......................................................................................................... 326
3.5.10. Cabimento da progressão de regimes no caso de cumprimento
da pena em penitenciária federal de segurança máxima ............. 326
3.5.11. Progressão de regime prisional para condenado estrangeiro e
processo de expulsão em andamento ................................................... 327
3.5.12. Progressão de regimes e crimes militares ............................................. 327
3.5.13. Progressão e longo tempo de pena a cumprir ................................. 327
3.5.14. Prática de falta grave como causa interruptiva da contagem do
prazo para a progressão de regime ......................................................... 328
4. Regressão de regime .................................................................................................................. 328
4.1. Hipóteses autorizadoras da regressão .................................................................... 329
4.2. Questões controvertidas ............................................................................................... 333
4.2.1. Regressão per saltum .......................................................................................... 333
4.2.2. Regressão do condenado para regime prisional mais gravoso do
que aquele fixado na sentença do processo de conhecimento ...... 333
4.2.3. Oitiva do condenado ...................................................................................... 334
4.2.4. Regressão cautelar ........................................................................................... 335
5. Prisão domiciliar ............................................................................................................................ 336
5.1. Distinção entre a prisão domiciliar cautelar (CPP, arts. 317 e 318) e a
prisão domiciliar penal (LEP, art. 117) .................................................................... 336
5.2. Beneficiários ........................................................................................................................ 336
5.3. Hipóteses de admissibilidade e ônus da prova ................................................. 338
5.3.1. Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19) ....................................... 342
5.4. Fiscalização da prisão domiciliar ............................................................................... 345
5.5. Saídas controladas ........................................................................................................... 346
6. Autorizações de saída ................................................................................................................. 346
6.1. Permissões de saída ........................................................................................................ 347
6.2. Saída temporária .............................................................................................................. 348
6.2.1. Hipóteses de saídatemporária ..................................................................... 349
6.2.2. Vigilância docondenado ................................................................................. 349
6.2.3. Beneficiários ................................................................................................... 350
6.2.4. Prazo ....................................................................................................................... 351
6.2.5. Requisitos ............................................................................................................. 352
6.2.5.1. Vedação da concessão de saída temporária para con­
denado que cumpre pena por praticar crime hediondo
com resultado morte ................................................................ 353
SUMÁRIO 19

6.2.6. Condições ............................................................................................................. 354


6.2.7. Competência ....................................................................................................... 356
6.2.8. Saídas temporáriasautomatizadas .............................................................. 356
6.2.9. Revogação ............................................................................................................ 358
6.2.10. Recuperação ........................................................................................................ 359
7. Remição ............................................................................................................................................. 360
7.1. Remição pelo trabalho ................................................................................................... 360
7.2. Remição pelo estudo, leitura e resenha de livros, e outras atividades
correlatas ............................................................................................................................... 363
7.2.1. Cálculo da remição da pena paraaprovados nos exames nacio­
nais que realizamestudo por conta própria .......................................... 366
7.3. Remição ficta ou virtual ................................................................................................ 367
7.4. Normas gerais atinentes à remição ......................................................................... 368
7.5. Falta grave e perda dos dias remidos .................................................................... 371
8. Suspensão condicional da pena ............................................................................................ 374
8.1. Natureza jurídica ............................................................................................................... 374
8.2. Suspensão condicional da pena e suspensão condicional do processo ...... 375
8.3. Espécies ................................................................................................................................ 377
8.4. Requisitos ............................................................................................................................. 377
8.4.1. Requisitos objetivos ......................................................................................... 377
8.4.1.1. Sursis e crimes hediondos ou equiparados ...................... 378
8.4.2. Requisitos subjetivos ....................................................................................... 380
8.5. Sursis e estrangeiros ........................................................................................................ 381
8.6. Sursis sucessivos e simultâneos .................................................................................. 381
8.7. Sursis e indulto ................................................................................................................... 382
8.8. Sursis e detração penal .................................................................................................. 383
8.9. Momento adequado para a concessão da suspensão condicional da
pena ....................................................................................................................................... 383
8.10. Recurso adequado e (im) possibilidade de utilização do habeas corpus ...... 383
8.11. Condições ............................................................................................................................. 384
8.11.1. Alteração das condições ................................................................................ 385
8.11.2. Fiscalização das condições ........................................................................... 386
8.11.3. Comparecimento do beneficiário ............................................................. 386
8.11.4. Mudança de residência .................................................................................. 386
8.11.5. Fixação das condições pelo Tribunal ....................................................... 387
8.11.6. Fixação das condições pelo juízo da execução ................................. 387
8.12. Cassação da suspensão condicional da pena .................................................... 388
8.13. Período de prova .............................................................................................................. 389
8.14. Revogação da suspensão condicional da pena ................................................. 389
8.14.1. Revogação obrigatória .................................................................................... 390
20 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

8.14.2. Revogação facultativa ..................................................................................... 391


8.15. Prorrogação do período deprova ............................................................................. 391
8.15.1. (Im) possibilidade de prorrogação do período de prova após o
seu decurso ........................................................................................................ 392
9. Detração ........................................................................................................................................... 393
9.1. Juízo competente ............................................................................................................ 394
9.2. Detração e medidas cautelares diversasda prisão ............................................. 396
9.3. Detração e prisão domiciliar ....................................................................................... 399
9.4. Detração e penas restritivas de direitos .............................................................. 399
9.5. Detração e pena de multa ........................................................................................... 399
9.6. Detração e suspensão condicional da pena ........................................................ 399
9.7. Detração e prescrição .................................................................................................... 400
9.8. Detração e prisão cautelar em processo diverso .............................................. 400
10. Livramento condicional ........................................................................................................... 401
10.1. Natureza jurídica ........................................................................................................... 401
10.2. Juízo competente para a concessão do livramento condicional .............. 402
10.3. Distinção em relação à suspensão condicional da pena .............................. 402
10.4. Requisitos ............................................................................................................................ 403
10.4.1. Requisitosobjetivos ........................................................................................... 403
10.4.1.1. Prática de falta grave e (im) possibilidade de interrupção
do prazo para obtenção do livramento condicional ....... 407
10.4.1.2. Livramento condicional específico no caso de crimes
hediondos ou equiparados (tráfico de drogas, tortura
e terrorismo), e tráfico de pessoas ....................................... 409
10.4.2. Requisitos subjetivos ....................................................................................... 413
10.5. Procedimento de concessão do livramento condicional .............................. 415
10.6. Condições ............................................................................................................................ 418
10.7. Execução do livramento condicional (período de prova) ............................. 419
10.7.1. (Im) possibilidade de o período de prova do livramento condi­
cional ser computado como tempo de cumprimento de pena
privativa de liberdade caso atingido o limite temporal do art.
75 do CP ............................................................................................................... 420
10.8. Suspensão do livramento condicional ................................................................... 420
10.9. Prorrogação do período de prova do livramento condicional ................... 422
10.10. Revogação do livramento condicional .................................................................. 423
10.10.1. Revogação obrigatória ................................................................................. 424
10.10.2. Revogação facultativa .................................................................................. 426
10.11. Extinção da pena em virtude do término do período de prova .............. 427
10.12. Questões diversas .......................................................................................................... 428
10.12.1. Livramento condicional cautelar ............................................................. 428
SUMÁRIO 21

10.12.2. Livramento condicional e estrangeiros .................................................. 429


10.12.3. Livramento condicional insubsistente .................................................... 429
10.12.4. Livramento condicional e regime disciplinar diferenciado .......... 429
11. Monitoração eletrônica ............................................................................................................... 430
11.1. (In) constitucionalidade da monitoração eletrônica à luz do princípio
da dignidade da pessoa humana ............................................................................ 432
11.2. Finalidades .......................................................................................................................... 433
11.3. Tecnologias passíveis de utilização .......................................................................... 433
11.4. Cabimento ........................................................................................................................... 434
11.5. Consentimento do condenado .................................................................................. 435
11.6. Deveres do condenado submetido àmonitoração eletrônica ..................... 435
11.7. Consequências decorrentes da violação dos deveres inerentes à moni­
toração eletrônica ............................................................................................................ 437
11.8. Revogação do monitoramento eletrônico ........................................................... 439

» Capítulo IX
EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
1. Noções introdutórias ................................................................................................................... 441
2. (Des) necessidade do trânsito em julgado para fins de execução da pena
restritiva de direitos ...................................................................................................................... 441
3. Natureza jurídica e características essenciais ................................................................... 443
4. Duração .............................................................................................................................................. 444
5. Requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade .............................. 445
6. Questões controversas ............................................................................................................... 450
6.1. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos nos casos de crimes hediondos e equiparados ...... 450
6.2. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos nos casos de infrações penais praticadas no con­
texto da violência doméstica e familiar contra a mulher ............................. 452
6.3. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos em relação aos crimes de homicídio culposo e
lesão corporal culposa na direção de veículo automotor qualificados
pela embriaguez ao volante ....................................................................................... 454
6.4. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos no caso de crimes militares ............................................. 455
6.5. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos em relação a estrangeiros ................................................. 456
7. Momento adequado para a substituição .......................................................................... 456
8. Critérios de substituição ............................................................................................................. 456
8.1. (Im) possibilidade de substituição da prisão por multa quando comi­
nadas cumulativamente, em lei especial, penas privativa de liberdade
e pecuniária ........................................................................................................................ 458
22 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

9. Reconversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade ............... 458


9.1. Reconversão obrigatória ............................................................................................... 459
9.2. Reconversão facultativa ................................................................................................. 460
9.3. Regras específicas de reconversão das penas restritivas de direitos ....... 461
9.3.1. Reconversão da pena de prestação de serviços à comunidade ...... 462
9.3.2. Reconversão da pena de limitação de fim de semana .................. 463
9.3.3. Reconversão da pena de interdição temporária de direitos ........ 464
10. Penas restritivas de direitos em espécie e respectivos procedimentos execu­
tórios ................................................................................................................................................... 465
10.1. Prestação pecuniária ......................................................................................................... 466
10.2. Perda de bens e valores ............................................................................................... 469
10.3. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ................. 470
10.4. Interdição temporária de direitos ............................................................................. 473
10.5. Limitação de fim de semana ...................................................................................... 476

» Capítulo X
EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA
1. Noções introdutórias .................................................................................................................. 479
2. Critério adotado para fins de aplicação da pena de multa ...................................... 480
3. Pagamento voluntário da multa ........................................................................................... 482
4. Execução da pena de multa ................................................................................................... 483
5. (Im) possibilidade de extinção da punibilidade em caso de cumprimento integral
da pena privativa de liberdade e inadimplemento da pena de multa ..................... 486
6. Inadimplemento deliberado da pena de multa e possibilidade de progressão
de regime prisional ...................................................................................................................... 488
7. (Im) possibilidade de substituição da prisão por multa quando cominadas cumu­
lativamente, em lei especial, penas privativa de liberdade e pecuniária ................... 488
8. Cabimento de habeas corpus em se tratando de persecução penal referente
à infração penal à qual seja cominada tão somente a pena de multa .............. 488
9. Multa coercitiva prevista na Lei n. 11.343/06 para assegurar o cumprimento das
penas previstas para o crime de porte de drogas para consumo pessoal .............. 489
10. Pena de multa nos crimes em licitações e contratos administrativos ................ 492
11. Pena de multa no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher ...... 493

» Capítulo XI
EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
1. Noções introdutórias ..................................................................................................................... 495
2. Distinção entre pena e medida de segurança ................................................................ 496
3. Pressupostos .................................................................................................................................... 496
4. Aplicação da medida de segurança ...................................................................................... 498
4.1. Absolvição sumária imprópria .................................................................................... 499
SUMÁRIO 23

4.2. (Im) possibilidade de conversão de sentença condenatória em absolvição


imprópria em recurso exclusivo da defesa ........................................................... 501
5. Espécies de medidas de segurança ..................................................................................... 502
5.1. Conversão do tratamento ambulatorial em internação ................................. 503
6. Duração da medida de segurança ....................................................................................... 505
6.1. Prazo mínimo ..................................................................................................................... 505
6.2. Prazo máximo ..................................................................................................................... 505
7. Internação provisória (ou cautelar) ....................................................................................... 507
8. Execução das medidas de segurança ................................................................................. 511
8.1. Noções gerais ..................................................................................................................... 511
8.2. Detração e medida de segurança ............................................................................ 512
8.3. Conversão do tratamento ambulatorial em internação ................................ 513
8.4. Desinternação progressiva ............................................................................................ 513
8.5. Conversão da pena em medida de segurança .................................................. 513
8.6. Superveniência de doença mental durante o curso da persecução
penal ....................................................................................................................................... 515

» Capítulo XII
INCIDENTES DA EXECUÇÃO
1. Noções introdutórias .......................................................................................................... 519
2. Conversões ....................................................................................................................................... 520
2.1. Conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos ....... 520
2.2. Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberda­
de 522
2.3. Conversão da multa em pena privativa de liberdade .................................... 522
2.4. Conversão da multa em pena restritiva de direitos ......................................... 523
2.5. Conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança e
conversão do tratamento ambulatorial em internação ................................. 523
3. Excesso ou desvio daexecução .............................................................................................. 523
4. Anistia e indulto ............................................................................................................................ 525
4.1. Regras gerais ...................................................................................................................... 525
4.2. Anistia .................................................................................................................................... 525
4.3. Graça (ou indulto individual) ...................................................................................... 527
4.4. Indulto coletivo ................................................................................................................. 528
4.4.1. Prática de falta grave e (im) possibilidade de interrupção do
prazo para fins de comutação de pena ou indulto ......................... 532
4.4.2. Indulto e medidas de segurança ............................................................... 533
4.4.3. Crimes hediondos e equiparados ............................................................. 534
4.4.4. Questões controvertidas ................................................................................ 537
5. Incidentes da execução nos casos de colaboração premiada ................................ 540
24 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

» Capítulo XIII
PROCEDIMENTO JUDICIAL
1. Procedimento judicial ................................................................................................................ 543
2. Iniciativa do procedimento judicial ......................................................................... 544
3. /ter procedimental ......................................................................................................................... 545
4. Agravo em execução ................................................................................................................. 547
4.1. Hipóteses de cabimento ............................................................................................... 547
4.2. Revogação tácita dediversas hipóteses de cabimento do recurso em
sentido estrito ................................................................................................................... 548
4.3. Procedimento .................................................................................................................... 550
4.4. Prazo ...................................................................................................................................... 551
4.5. Efeitos .................................................................................................................................... 551
Cabimento de mandado de segurança para atribuir efeito
4.5.1.
suspensivo a agravo em execução interposto pelo Ministério
Público ................................................................................................................... 551
5. Revisão criminal ............................................................................................................................ 553
6. Habeas Corpus no âmbito da Execução Penal ................................................................. 554
6.1. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário ............................................... 555
6.2. (Im) possibilidade de dilação probatória ............................................................... 556
6.3. Habeas corpus coletivo .................................................................................................. 556

» Capítulo XIV
REABILITAÇÃO
1. Conceito ............................................................................................................................................ 561
2. Natureza jurídica ........................................................................................................................... 561
3. Modalidades de reabilitação previstas no Código Penal ........................................... 562
3.1. Sigilo das condenações ................................................................................................. 562
3.2. Efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condena­
ção ........................................................................................................................................... 563
4. Legitimidade para o reguerimento de reabilitação ...................................................... 564
5. Juízo competente para a apreciação do pedidode reabilitação ............................ 564
6. Pressuposto da reabilitação ..................................................................................................... 564
7. Requisitos da reabilitação ........................................................................................................ 565
7.1. Requisitos objetivos ........................................................................................................ 565
7.2. Requisitos subjetivos ...................................................................................................... 566
8. Medida segurança detentiva .................................................................................................. 566
9. Decisão judicial .............................................................................................................................. 566
10. Recurso de ofício .......................................................................................................................... 567
11. Cabimento de habeas corpus ................................................................................................. 567
12. Comunicação aos órgãos de identificação ....................................................................... 568
13. Revogação da reabilitação ....................................................................................................... 568

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................ 569


I
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1. RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO, FALÊNCIA DO SISTEMA CARCERÁRIO


E REDUÇÃO DE DANOS NA EXECUÇÃO PENAL

Na teoria, a finalidade precípua da pena, pelo menos na fase executória, e sobre­


tudo em um Estado Democrático de Direito, deveria ser a de reeducar o criminoso,
que dera mostras de sua inadaptabilidade social com a prática da infração penal. É
dentro desse contexto, aliás, que surgem os diversos sistemas penitenciários, sempre
fundados na ideia de que a execução penal deveria promover a transformação do
criminoso em um “não criminoso”, possibilitando-se métodos coativos para operar-
-se a mudança de suas atitudes e de seu comportamento social. O objetivo desse
tratamento seria fazer do preso (ou do internado), então, uma pessoa readaptada
ao convívio em sociedade.
De fato, como destaca Claux Roxin,1 a sanção deve ter como finalidade última
não apenas a reintegração do delinquente na coletividade, mas também a de conferir
à retribuição pelo crime cometido um sentido de racionalidade e proporcionalidade,
quer dizer, seu escopo é fazer com que a pena não passe de limites prévia e expres­
samente previstos em lei, de modo a que as penitenciárias não sejam instituições
que exacerbem o natural sentido de revolta ou mesmo de injustiça daqueles que
delas saem, para logo depois - como é tão comum - retornarem na condição de
reincidentes na prática do mesmo delito, ou de outros até mais graves.
A experiência, porém, tem revelado que nenhuma espécie de tratamento pe­
nitenciário tem produzido os efeitos desejados quanto à ressocialização do conde­
nado. Na prática, a prisão tem contribuído mesmo para reforçar valores negativos,
falhando completamente em seu propósito de modificar as pessoas. As péssimas
condições carcerárias, a começar pela carência crônica de vagas,2 que faz com que

1 ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais do Direito Penal. Lisboa: Veja, 1986. P. 40.
2 De acordo com relatório elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) em junho de 2014,
o déficit de espaço nas prisões brasileiras ultrapassou a soma de 230 mil vagas. Disponível em: http://
www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf/view. Acesso em 13.12.21.
26 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

os estabelecimentos carcerários funcionem como verdadeiros “depósitos de pessoas”,


somadas à existência de uma “subcultura” entre os presos, traço característico de
unidades prisionais de grande porte, torna-os impermeáveis a qualquer tipo de
tratamento, que só tem se revelado efetivo em pouquíssimos casos, e conquanto o
interno voluntariamente manifeste interesse em recebê-lo.
O senso comum não nega - pelo contrário, reafirma - que o histórico das
condições prisionais no Brasil é de inquestionável falência. São recorrentes, nessa
linha, os relatos de sevícias, torturas físicas e psíquicas, abusos sexuais, ofensas mo­
rais, execuções sumárias por decapitação, revoltas, conflitos entre facções criminosas,
superlotação de presídios, ausência de serviços básicos de saúde, falta de assistência
social e psicológica, condições de higiene e alimentação sub-humanas nos presídios
etc. Esse evidente caos institucional compromete, à evidência, a efetividade do sistema
prisional como instrumento de reabilitação social dos detentos.
Todo esse cenário dantesco demonstra que a norma que atribui à execução
penal a finalidade de proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado (LEP, art. Io, infine) confere à prisão uma função que comprovadamente
tem se revelado impossível de ser concretizada, uma verdadeira utopia. Por isso, de
maneira mais realista e pragmática, há de se trabalhar com a ideia de que o verdadeiro
objetivo da execução penal deve gravitar em torno de um escopo geral de redução
de danos, é dizer, tentar não agravar ainda mais as características deteriorantes e
dessocializantes do encarceramento, oferecendo - jamais impondo - meios para que
as pessoas presas busquem diminuir seu nível de vulnerabilidade ao poder punitivo,
se assim o desejarem.3
É esse, pois, o grande dilema existencial da execução penal: de um lado, efeti­
var as disposições constantes da sentença condenatória (ou absolutória imprópria)
transitada em julgado; do outro, e à luz dessa teoria redutora de danos da execução
penal, tentar reduzir o sofrimento e a vulnerabilidade das pessoas encarceradas, se­
jam elas condenadas definitivas ou presos cautelares. É dentro dele que se buscará,
ao longo da presente obra, um ponto de equilíbrio no estudo da execução penal,
pois somente assim se logrará êxito na consecução de um sistema que assegure o
regular exercício da pretensão executória, sem a necessidade, todavia, de se apelar
para o indevido - mas infelizmente tão recorrente - anseio de se reduzir o preso à
categoria de não pessoa (ou cidadão de segunda categoria).

2. DIREITO PENITENCIÁRIO E DIREITO DE EXECUÇÃO PENAL

Cuida-se, o Direito Penitenciário, de ramo do ordenamento jurídico voltado


à esfera administrativa da execução penal. Trata-se, portanto, de atividade estatal
de responsabilidade do Poder Executivo, a quem compete promover a execução
da pena, sob constante fiscalização do Poder Judiciário. Por não estar vinculado
diretamente ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, a própria Constituição

3 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 5a ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
p. 18.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 27

Federal autoriza aos Estados e ao Distrito Federal, concorrentemente com a União,


legislar sobre direito penitenciário (art. 24, I).
Não é esta, todavia, a terminologia adotada pela Lei n. 7.210/84, que se refere à
Execução Penal. A justificativa para a opção feita pelo legislador consta da própria
Exposição de Motivos da LEP: “8. O tema relativo à instituição de lei específica para
regular a execução penal vincula-se à autonomia científica da disciplina, que em razão
de sua modernidade não possui designação definitiva. Tem-se usado a denomina­
ção Direito Penitenciário, à semelhança dos penalistas franceses, embora se restrinja
essa expressão à problemática do cárcere. Outras, de sentido mais abrangente, foram
propostas, como Direito Penal Executivo por Roberto Lyra ("As execuções penais do
Brasil", Rio de Janeiro, 1963, pág. 13) e Direito Executivo Penal por ítalo Luder ("E7
principio de legalidad en la ejecución de la pena", in Revista dei Centro de Estúdios
Criminológicos, Mendoza, 1968, págs. 29 e seguintes). 9. Em nosso entendimento
pode-se denominar esse ramo do Direito de Execução Penal, para abrangência do
conjunto das normas jurídicas relativas à execução das penas e das medidas de
segurança (cf. Cuello Calón, "Derecho Penal", Barcelona, 1971, vol. II, tomo I, pág.
773; Jorge de Figueiredo Dias, "Direito Processual Penal", Coimbra, 1974, pág. 37)”.

3. OBJETO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Da leitura do art. Io da Lei n. 7.210/84 pode ser extraído o conceito de execução


penal como o conjunto de normas jurídicas e princípios que visam não apenas a
concretizar o conteúdo decisório da sentença penal transitada em julgado que impôs
ao condenado o cumprimento de uma pena - privativa de liberdade, restritiva de
direitos ou de multa -, ou que determinou a aplicação de medida de segurança a um
inimputável, mas também atender aos fins de prevenção especial da pena, buscando,
assim, a ressocialização do condenado de modo a se evitar uma possível reincidência.
São estas, portanto, as finalidades precípuas da execução penal: a. efetivação
do mandamento incorporado à sentença penal: por meio desta primeira finalidade,
objetiva-se concretizar o ius puniendi do Estado, levando a termo o conteúdo da
sentença irrecorrível; b. reinserção social do condenado (ou internado): dentro de
uma política de redução de danos, há de se buscar, no curso da execução da pena,
a utilização da assistência ao preso de modo a permitir seu retorno ao meio social
em condições mais favoráveis para sua integração.

4. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Pelo menos em regra, o pressuposto da execução penal é uma sentença conde­


natória ou absolutória imprópria transitada em julgado, eis que não mais se admite
a execução provisória de acórdão condenatório recorrível proferido por Tribunais
de 2a instância (STF, ADCs 43, 44 e 54). Daí, todavia, não se pode concluir que a
LEP teria aplicação restrita aos presos penais.
Com efeito, à luz de seu art. 2o, parágrafo único, o referido diploma normativo
aplica-se igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral
28 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária. Isso


sem contar a controversa possibilidade de execução provisória da pena no caso de
condenação pelo Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos
de reclusão (CPP, art. 492, I, “e”, com redação alterada pela Lei n. 13.964/19).4 Não
se pode perder de vista que outras decisões estão igualmente sujeitas à execução, a
exemplo do que ocorre com a decisão homologatória da transação penal no âmbito
dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95, art. 76) e com o acordo de não
persecução penal.5

4.1. Preso provisório (ou cautelar)


A prisão provisória - ou cautelar, como preferimos -, é aquela decretada antes
do trânsito em julgado de sentença penal condenatória com o objetivo de assegurar a
eficácia das investigações ou do processo criminal. À luz do princípio da presunção
de inocência, trata-se de medida de natureza excepcional, que não pode ser utili­
zada como cumprimento antecipado de pena (CPP, art. 313, §2°, incluído pela Lei
n. 13.964/19), na medida em que o juízo que se faz, para sua decretação, não é de
culpabilidade, mas sim de periculosidade. Enfim, tendo em conta a função cautelar
que lhe é inerente - atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no pro­
cesso penal -, a prisão cautelar só poderá ser decretada pela autoridade judiciária
competente quando efetivamente demonstrada a necessidade da medida extrema
para assegurar a aplicação da lei penal, a investigação ou instrução criminal, e, nos
casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (CPP, art.
282, I), e conquanto não seja cabível a utilização das cautelares diversas da prisão
(CPP, art. 282, §6°).
Há quem faça referência a 3 (três) espécies de prisão cautelar, quais sejam,
a prisão em flagrante (CPP, arts. 301 a 310), a prisão preventiva (CPP, arts. 311 a
316) e a prisão temporária (Lei n. 7.960/89). A nosso juízo, a prisão em flagrante
não é mais uma espécie de prisão cautelar, eis que incapaz de justificar, de per si, a
manutenção do indivíduo no cárcere. Para tanto, deverá o magistrado, por ocasião
da realização da audiência de custódia, convertê-la em preventiva ou temporária,
como previsto, aliás, no art. 310, inciso II, do CPP. Cuida-se, portanto, de uma me­
dida dotada de natureza precautelar,6 porquanto não se dirige a garantir o resultado
final do processo, mas apenas a colocar o flagranteado à disposição do juiz para que
adote uma verdadeira medida cautelar se acaso reconhecida a legalidade da prisão
em flagrante: conversão em preventiva ou temporária, ou concessão de liberdade
provisória, com ou sem fiança, cumulada ou não com as cautelares diversas da prisão.
São apenas duas, portanto, as espécies de prisão cautelar: temporária e preventiva.

4 A denominada execução provisória da pena será objeto de análise na sequência.


5 De acordo com o art. 28-A, §6°, do CPP, incluído pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), "homologado
judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que
inicie sua execução perante o juízo de execução penal”.
6 No sentido de que a prisão em flagrante não é uma medida cautelar, mas sim pré-cautelar: GOMES, Luiz
Flávio; MARQUES, Ivan Luís. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de
2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 89.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 29

Justifica-se a aplicação da LEP ao preso cautelar com base no argumento de que


se aquele que foi condenado irrecorrivelmente deve estar submetido a um conjunto
de regras que, sendo oponível à própria administração do estabelecimento, sirvam
também de garantia contra abusos e improvisações, com muito mais razão o mesmo
deve ocorrer com o preso provisório, o qual ainda é presumido inocente.

4.2. Condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a


estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária
De acordo com o art. 2o, parágrafo único, in fine, da Lei n. 7.210/84, a Lei de
Execução Penal também é aplicável ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar,
quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.7 Diante desse
dispositivo, desaparece a injustificável diversidade de tratamento disciplinar a presos
recolhidos ao mesmo estabelecimento prisional. Tem-se, portanto, a competência
de um único juízo (singular ou colegiado) sobre determinado presídio, pouco im­
portando a jurisdição responsável por sua condenação (ou absolvição imprópria).
Especificamente em relação à aplicação da LEP, o Supremo Tribunal Federal
tem precedentes mais antigos no sentido de que tal diploma normativo seria apli­
cável aos apenados pela Justiça Militar tão somente quando estivessem recolhidos a
estabelecimento prisional sujeito à jurisdição ordinária (LEP, art. 2o, parágrafo único).
Logo, se o militar estivesse recolhido a estabelecimento penal militar, a LEP não seria
aplicável.8 Atualmente, porém, prevalece a orientação de que, ainda que recolhido a
estabelecimento prisional de natureza militar, os apenados pela Justiça Castrense fazem
jus à aplicação da Lei de Execução Penal naquilo em que for omisso o Código Penal
Militar e o Código de Processo Penal Militar. Não por outro motivo, por ocasião do
julgamento do HC 104.174/RJ,9 considerou a 2a Turma do STF ser contrária ao texto
constitucional (princípio da individualização da pena) a exigência do cumprimento
da pena privativa de liberdade sob regime integralmente fechado em estabelecimento
militar, daí por que determinou ao Juízo da Execução Penal que promovesse a avaliação
das condições objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, aplicando,
o Código Penal e a Lei de Execução Penal, naquilo que a Lei castrense fosse omissa.
Em conclusão, questiona-se: o que ocorre na hipótese de preso provisório das
Justiças Eleitoral ou Militar recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordiná­
ria? Nesse caso, como destaca Avena,10 embora o art. 2o, parágrafo único, da LEP
refira-se aos condenados nessas jurisdições especiais, não há por que não se aplicar,
por analogia, as disposições da LEP, vez que não há qualquer justificativa para sua
exclusão da disciplina fixada por tal diploma normativo.

7 Para mais detalhes acerca da Justiça competente para deliberar sobre os incidentes da execução atinente
ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar recolhido a estabelecimentos sujeitos à jurisdição ordiná­
ria, remetemos o leitor ao capítulo atinente aos órgãos da execução penal, mais precisamente ao tópico
atinente à competência do Juízo da Execução Penal.
8 STF, 2a Turma, HC 73.920-RJ, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 20.08.1996, DJ 08.11.1996.
9 STF, 2a Turma, HC 104.174-RJ, Rei. Min. Ayres Britto, j. 29.03.2011, DJe 18.05.2011.
10 AVENA, Norberto. Execução penal esquematizado. 2a ed. São Paulo: Método, 2015, p. 13.
30 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

5. NATUREZA JURÍDICA DA EXECUÇÃO PENAL

Ante a complexidade inerente à execução penal, há sérios questionamentos


acerca da sua natureza jurídica. Vejamos as três correntes acerca do assunto, e seus
respectivos argumentos:
a) caráter puramente administrativo: em um passado não muito distante,
relegava-se a execução penal aos órgãos administrativos. É dizer, ao juiz era outor­
gada tão somente a função de calcular a pena. Daí em diante delegava-se ao Estado
a tarefa de executá-la, cabendo ao Diretor do estabelecimento prisional, por exemplo,
a atribuição para determinar progressões e regressões. Compreendia-se, assim, que
a execução da pena era uma atividade de caráter puramente administrativo, como
a mera aplicação da parte dispositiva de sentença condenatória (ou absolutória im­
própria) pelos órgãos encarregados de tutelar o condenado (ou internado). Como
consequência desse distanciamento do Poder Judiciário, conferia-se ao administrador
prisional total discricionariedade na execução da pena, o que, na dicção da doutrina,
levava ao “subterrâneo o reconhecimento da dignidade da pessoa presa, tratada por
vezes como um non eives”-,
b) caráter puramente jurisdicional: de modo a compensar a situação anterior,
a doutrina passou a reconhecer a jurisdicionalidade da execução, negando, porém,
a existência de um processo propriamente dito. Nesse sentido, Vicente Greco Filho
sustenta não existir ação de execução penal, porquanto não há pedido de tutela
jurisdicional específica, funcionando a execução da pena como um mero proce­
dimento complementar à sentença, com incidentes próprios. Executa-se, portanto,
por ordem do juiz, per officium iudicies, independentemente da instauração de nova
relação processual;11
12
c) atividade complexa ou mista (nossa posição): é dominante na doutrina
o entendimento de que se trata, a execução penal, de atividade complexa, que se
desenvolve tanto no âmbito administrativo como na esfera jurisdicional, sendo
regulada por normas pertencentes a outros ramos do direito, em especial o Direito
Penal e o Direito Processual Penal. É nesse sentido, aliás, o teor da Exposição de
Motivos do Projeto de Lei que deu origem à Lei n. 7.210/84: “Vencida a crença
histórica de que o direito regulador da execução é de índole predominantemente
administrativa, deve-se reconhecer, em nome de sua própria autonomia, a impos­
sibilidade de sua inteira submissão aos domínios do Direito Penal e do Direito
Processual Penal”. De se ver, portanto, que a LEP outorgou aos órgãos judiciários
a competência integral para conduzir o processo de execução, não mais relega­
do ao Executivo, o que há de ser feito à luz do devido processo legal e com fiel
observância de todos os demais princípios constitucionais referentes a um pro­
cesso penal justo, tais como a ampla defesa, o contraditório, o juiz natural etc.
Não se pode negar, todavia, a existência de uma parte da atividade de execução

11 BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 6a ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 39.
12 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 7a ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 110.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 31

que se refere especificamente a providências administrativas, a cargo das autori­


dades penitenciárias, tais como, por exemplo, a autorização para a prestação de
trabalho externo (LEP, art. 37, caput), a aplicação das sanções disciplinares de
advertência verbal, repreensão, suspensão ou restrição de direitos, isolamento na
própria cela ou em local adequado (LEP, art. 54, caput), etc. Como bem acentua
Ada Pellegrini Grinover, “na verdade, não se desconhece que a execução penal é
atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicionais
e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois poderes
estaduais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos
jurisdicionais e dos estabelecimentos penais”.13

6. INÍCIO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (ou absolutória


imprópria), caberá ao Juízo competente dar início ao processo de execução de ofí­
cio, não havendo necessidade de provocação pelo Ministério Público ou por quem
quer que seja.
Se esta é a regra geral, especial atenção deve ser dispensada à pena de multa.
Nesse caso, caso o valor não seja pago voluntariamente pelo condenado dentro do
prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença (CP, art. 50, caput),
o magistrado competente deverá, ex officio, determinar sua intimação para que o
faça. Persistindo sua recalcitrância, caberá ao legitimado (Ministério Público) prover
sua execução perante o Juízo da Execução Penal (CP, art. 51, caput, com redação
dada pela Lei n. 13.964/19), visando à penhora e subsequente venda pública dos
bens do condenado.
Pelo menos em regra, não há necessidade de nova citação do condenado
para o processo de execução penal. Com efeito, pelo menos em sede processual
penal, a citação é feita uma única vez, sendo que, uma vez citado o acusado, fica
este vinculado à instância com todos os ônus daí decorrentes. Portanto, não há
necessidade de nova citação para a execução, já que “a pretensão deduzida na ação
penal somente se realiza com o cumprimento da sentença condenatória, e, assim,
uma vez proferida sentença condenatória, ou mesmo absolutória com imposição
de medida de segurança, segue-se a fase da execução, que, no processo penal,
constitui um prolongamento da relação processual”.14 Ressalva especial quanto à
desnecessidade de se proceder à nova citação na execução diz respeito, mais uma
vez, à pena de multa. De fato, de acordo com o art. 164 da Lei de Execução Penal
(Lei n° 7.210/84), “extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em
julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá,
em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar
o valor da multa ou nomear bens à penhora”.

13 GRINOVER, Ada Pellegrini. Execução Penal. São Paulo: Max Limonad, 1987. p. 7.
14 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3. 33a ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 191.
32 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

7. SUJEITOS DA EXECUÇÃO PENAL

Se, no âmbito do processo de conhecimento, é possível afirmar que o legi­


timado ativo para deflagrar a persecução penal in iudicio ora será o Ministério
Público, nos crimes de ação penal pública, ora será o próprio ofendido ou seus
sucessores, nos casos de ação penal privada, em sede de execução penal, o su­
jeito ativo sempre será o Estado. Por consequência, operando-se o trânsito em
julgado da respectiva sentença condenatória (ou absolutória imprópria), cessa
para o ofendido (ou seus sucessores) a possibilidade de atuação no feito, pouco
importando se o vinha fazendo na condição de querelante (ação penal priva­
da) ou na condição de assistente da acusação. Se se trata, a execução penal, de
monopólio do Estado, independentemente da natureza da ação penal que deu
ensejo à sentença, ao particular não será dada a possibilidade de se insurgir, por
exemplo, contra eventuais benefícios prisionais concedidos ao apenado durante
o cumprimento da sua pena ou intervir em incidentes da execução. Na verdade,
considerando-se a natureza pública da execução penal, caberá ao Ministério
Público intervir em todos os seus termos, fiscalizando o regular cumprimento
da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos inci­
dentes da execução (LEP, art. 67).
Se o sujeito ativo da execução penal é o Estado, pode-se afirmar que o sujeito
passivo é a pessoa física (ou jurídica) a quem foi imposta a pena (privativa de li­
berdade, restritiva de direitos ou multa), ou aplicada medida de segurança.

8. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

De acordo com o art. 15, inciso III, da Constituição Federal, é vedada a cas­
sação de direitos políticos, cuja perda (privação definitiva) ou suspensão (privação
temporária) só se dará, entre outros casos, na hipótese de “condenação criminal
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”. De se notar que se trata de
consequência automática e obrigatória do trânsito em julgado da sentença conde­
natória, pouco importando a existência (ou não) de fundamentação expressa na
sentença nesse sentido. Noutro giro, como o art. 15, III, da CF não faz qualquer
ressalva em sentido diverso, o ideal é concluir que pouco importa o tipo de infra­
ção penal cometida pelo agente, é dizer, dolosa ou culposa, crime ou contravenção
penal, e independentemente da aplicação (ou não) de pena privativa de liberdade,
já que a ratio legis do dispositivo é permitir que os cargos públicos eletivos sejam
reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignidade da
representação democrática.
Cuida-se, portanto, de causa de suspensão dos direitos políticos, já que a própria
Constituição Federal ressalta que esta privação temporária deverá se estender pelo
menos enquanto durarem seus efeitos, ou seja, pelo menos até que seja cumprida
ou extinta a pena, não importando o fato de encontrar-se em gozo de livramento
condicional, suspensão condicional da pena ou prisão domiciliar. A propósito, eis
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 33

o teor da Súmula n. 9 do TSE: “A suspensão de direitos políticos decorrente de


condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção
da pena, independentemente de reabilitação ou de prova de reparação dos danos”.
Para tanto, porém, e diante da própria literalidade do texto constitucional, é
de rigor que a sentença condenatória tenha transitado em julgado, o que significa
dizer que presos cautelares não têm seus direitos políticos suspensos, daí por que
podem, em tese, votar e ser votados. Logo, pelo menos em tese, sessões eleitorais
deveríam ser instaladas no interior dos presídios de modo a se assegurar o exercício
dos direitos políticos por parte dos presos cautelares. Na prática, todavia, sabemos
que o direito ao sufrágio desses indivíduos nem sempre é respeitado pela adminis­
tração carcerária.
O fato de ter havido a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direitos não tem o condão de obstar a suspensão dos direitos políticos. A uma
porque, como exposto anteriormente, o motivo subjacente a tal privação não é o
recolhimento do condenado ao cárcere, mas o juízo de reprovabilidade expresso na
condenação. A duas porque a Carta Magna em momento algum faz referência à
necessidade de condenação à pena privativa de liberdade. Refere-se tão somente à
condenação criminal transitada em julgado. Destarte, pouco importa que a conde­
nação irrecorrível seja à pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa.
A propósito, eis o teor da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 370: “A
suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, III, da Constituição Federal
aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de
direitos”.15 Na visão da Suprema Corte, a regra de suspensão dos direitos políticos
prevista no art. 15, III, da Carta Magna, é autoaplicável, pois trata-se de consequên­
cia imediata da sentença penal condenatória transitada em julgado. A autoaplicação
independe da natureza da pena imposta, pois a opção do legislador constituinte foi
no sentido de que os condenados criminalmente, com trânsito em julgado, enquanto
durar os efeitos da sentença condenatória, não exerçam os seus direitos políticos.

9. PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL

A aplicação e interpretação das diversas normas atinentes à execução penal


deve ser norteada pelos princípios contidos na Constituição Federal, nas Convenções
Internacionais de Direitos Humanos (v.g., CADH), no Código de Processo Penal,
no Código Penal e na Lei de Execução Penal. Tais princípios não podem atuar
como meros elementos programáticos. Pelo contrário. Devem ter o poder de con­
cretamente tutelar os direitos fundamentais das pessoas encarceradas. Funcionam,
portanto, como importante instrumento de limitação racional do poder executório
estatal sobre as pessoas.

15 Paradigma: STF, RE 601.182/MG, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 08.05.2019, DJ 02.10.2019. Ainda
no sentido de que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não impede
a suspensão dos direitos políticos: STF, 1a Turma, RE 577.012 AgR/MG, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j.
09.11.2010, DJ 25.03.2011.
34 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Sem prejuízo de outros preceitos igualmente importantes para a execução


penal, que serão objeto de análise ao longo da presente obra (v.g., ampla defesa,
contraditório, non bis in idem, razoável duração do processo etc.), é importante
tecermos breves considerações em relação aos princípios da legalidade, da huma­
nidade, da pessoalidade ou intranscendência da pena, da individualização da pena,
da responsabilidade penal subjetiva (ou da culpabilidade) e da jurisdicionalidade.

9.1. Princípio da legalidade


Com previsão normativa no art. 5o, XXXIX, da Constituição Federal, e no art.
Io do Código Penal, entende-se que, por força do princípio da legalidade, não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (nullum
crimen nulla poena sine lege).
Aplica-se não somente ao crime, mas também às contravenções penais. De fato,
a palavra “crime” foi utilizada em sentido genérico tanto pelo Código Penal quanto
pela Constituição Federal. Prova disso, aliás, é o fato de o art. Io da Lei das Contra­
venções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41) dispor que se aplicam às contravenções as
regras gerais do Código Penal, quando não houver disposição em sentido contrário,
a qual inexiste. Na mesma linha, conquanto a Constituição Federal e o Código Penal,
ao consagrarem o princípio da legalidade, se utilizem da expressão “pena”, esta deve
ser entendida em sentido amplo, é dizer, como “sanção”, de modo a abranger toda
e qualquer medida constritiva da liberdade, inclusive as “medidas de segurança”.
Em sede de execução penal, o princípio encontra-se materializado no art. 45
da LEP: “Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão
legal ou regulamentar”. Funciona, pois, como importante instrumento de contenção
da discricionariedade da Administração Penitenciária e do arbítrio judicial, sempre
que acionados de maneira lesiva aos direitos fundamentais das pessoas submetidas
ao cumprimento de determinada sanção penal.
Uma das principais funções do princípio da legalidade é vedar a retroatividade
da lei penal, salvo para beneficiar o acusado (ou condenado), quer quando lhe for
imputada determinada infração penal em um processo penal condenatório, quer
quando lhe for imputada a prática de determinada transgressão disciplinar em um
procedimento administrativo disciplinar. É a expressão do comando constitucional
segundo o qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (CF, art. 5o,
XL).
Logo, quando se tratar de novatio legis in pejus, o novel diploma normativo não
poderá retroagir em detrimento do condenado. A título de exemplo, cite-se o novo
quantum de pena necessário para a progressão introduzido pela Lei n. 13.964/19
no art. 112, II, da LEP, em relação ao apenado reincidente em crime cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça: 20% (vinte por cento). Na sistemática anterior
ao Pacote Anticrime, o quantum necessário para a progressão nesses casos era de
1/6 (um sexto), ou seja 16,66% da pena no regime anterior. Doravante, o patamar
será de 20%, o que equivale a 1/5 (um quinto). Trata-se, pois, o inciso II do art.
112 da LEP, com redação determinada pela Lei n. 13.964/19, de evidente exemplo
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 35

de novatio legis in pejus, de aplicação restrita, portanto, aos crimes cometidos após
a vigência do Pacote Anticrime (23/01/2020).
Com raciocínio semelhante, porém em relação às transgressões disciplinares,
cite-se o exemplo da Lei n. 11.466/07, que passou a tipificar como falta grave a
conduta do condenado de ter em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefô­
nico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com
o ambiente externo (LEP, art. 50, VII). Ora, por se tratar de evidente exemplo de
novatio legis in pejus, referido diploma normativo há de ser considerado irretroativo,
já que passou a definir como falta grave fatos que antes não eram tipificados ou
que eram previstos como faltas leves ou médias.16
Por outro lado, na eventualidade de estarmos diante de uma novatio legis in
mellius, a retroatividade será obrigatória. Tome-se, como exemplo, a Lei n. 12.433/11,
que conferiu nova redação ao art. 127 da LEP: “Em caso de falta grave, o juiz po­
derá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57,
recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar”. Desde então, a
perda de dias remidos não mais poderá incidir sobre a totalidade do tempo remido,
como autorizava até então a súmula vinculante n. 9,17 mas tão somente até o limite
de 1/3 (um terço) desse montante. Nesse ponto, cuida-se, a Lei n. 12.433/11, de
evidente exemplo de novatio legis in mellius. Deverá, portanto, à luz do art. 5o, XL,
da Constituição Federal, retroagir em favor dos condenados que tiveram declarada
a perda da integralidade dos dias remidos, desde que, logicamente, ainda não tenha
ocorrido a extinção da pena. Enfim, observado o limite máximo de 1/3 da perda
dos dias remidos, deverá o juízo da execução restituir aos executados atingidos pela
redação original do art. 127 da LEP, no mínimo, o equivalente aos 2/3 (dois terços)
que haviam perdido.18

9.2. Princípio da humanidade


A Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana da ONU, de 1948,
dispõe que as punições não podem ser constituídas por tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante. As Regras de Mandela, por sua vez, preveem que “todos
os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade do ser
humano. Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou a

16 STJ, 5a Turma, HC 155.372/SP, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 02/08/2012, DJe 15/08/2012; STJ, 6a Turma,
HC 236.090/SP, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado do TJ/SP -, j. 24/03/2015, DJe
31/03/2015.
17 Súmula vinculante n. 9: "O disposto no art. 127 da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi recebido
pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do art. 58". Para
mais detalhes acerca da remição, consultar capítulo referente à execução da pena privativa de liberdade.
18 STF, 2a Turma, HC 110.566/SP, Rei. Min. Ayres Britto, j. 28/02/2012, DJe 111 06/06/2012. No mesmo contexto:
STF, 2a Turma, HC 110.317/MS, Rei. Min. Ayres Britto, j. 07/02/2012, DJe 73 13/04/2012; STF, 2a Turma, HC
110.040/RS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 08/11/2011, DJe 226 28/11/2011; STJ, 5a Turma, HC 230.659-SP, Rei.
Min. Laurita Vaz, j. 05.11.2013, Dje 19.11.2013; STJ, 5a Turma, Edcl nos EDcl no REsp 1.238.276-SP, Rei. Min.
Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ-SE -, j. 13.08.20113, DJe 30.08.2013; STJ, 5a Turma,
HC 426.740-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 15.05.2018, Dje 24.05.2018; STJ, 5a Turma, HC 210.062-SC, Rei. Min.
Gurgel de Faria, j. 19.03.2015, Dje 06.04.2015.
36 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos,


não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos reclusos,
do pessoal do sistema prisional, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser
sempre assegurada” (Regra n. 1).
No âmbito da execução penal, o princípio da humanidade da pena funciona
como verdadeiro obstáculo para o recorrente anseio de se reduzir o preso à catego­
ria de não pessoa (ou cidadão de segunda categoria'), materializando-se na proibição
de tortura e tratamento cruel e degradante (CF, art. 5o, III), na individualização da
pena (CF, art. 5o, XLVI) e na proibição de penas de morte (salvo em caso de guerra
declarada), cruéis ou perpétuas (CF, art. 5o, XLVII), o que é referendado pelo art. 38
do CP, segundo o qual o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda
da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física
e moral. Decorre, portanto, do fundamento constitucional da dignidade da pessoa
humana (CF, art. Io, III) e do princípio da prevalência dos direitos humanos (CF,
art. 4o, II), amparando o Estado Republicano e o Estado Democrático de Direito.
A Lei de Execução Penal dá concretude ao princípio da humanidade ao prever,
por exemplo, que as sanções disciplinares não poderão colocar em perigo a integri­
dade física e moral do condenado (LEP, art. 45, §1°), além de vedar o emprego de
cela escura (LEP, art. 45, §2°). Por tal motivo, está proibida toda e qualquer espécie
de sanção disciplinar que implique castigos físicos, redução de água, alimentação ou
vestuário, isolamento em celas insalubres, sem iluminação ou aeração etc. Referido
postulado também alcança os indivíduos submetidos ao cumprimento de medidas de
segurança, conforme se depreende do art. 2o, parágrafo único, II, da Lei n. 10.216/01,
que prevê como direito da pessoa com transtornos mentais em conflito com a lei o
de ser tratada com humanidade.
Para além de tutelar diretamente a incolumidade física ou psíquica dos presos,
o princípio da humanidade tem igualmente funcionado como uma barreira jurídica à
utilização da teoria da reserva do possível como pretexto para a desassistência estatal
na execução penal, notadamente em relação à péssima situação carcerária vivenciada
Brasil afora. Prova disso, aliás, é a Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 220:
“É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente
na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimen­
tos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e
assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do
que preceitua o art. 5o, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão
o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”.19
Na visão do Supremo Tribunal Federal, direitos constitucionais dos presos, como,
por exemplo, a dignidade da pessoa humana e o respeito a sua integridade física e
moral, não podem ser tratados como normas meramente programáticas, mas sim
como preceitos que são dotados de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Logo,
reconhecida a a precariedade das condições a que estiverem submetidos os detentos,

19 Paradigma: STF, Pleno, RE 592.581/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.08.2015, DJ 01.02.2016. Para
mais detalhes acerca da tese em questão, remetemos o leitor ao capítulo referente aos estabelecimentos
penais.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 37

revela-se lícito ao Judiciário impor à Administração Pública a obrigação de fazer (v.g.,


ação civil pública), consistente na promoção de medidas ou na execução de obras
emergenciais em estabelecimentos prisionais, sem que possa objetar violação ao prin­
cípio da reserva do possível, nem tampouco ao princípio da separação dos poderes.

9.3. Princípio da personalidade ou intranscendência da pena


Por força do art. 5o, XLV, da Constituição Federal, a pena e a medida de segurança
não podem passar da pessoa do autor da infração. Como declarado pelo STF, “(...)
o postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica
superem a dimensão estritamente pessoal do infrator”.20 Uma visão mais realista do
sistema penal entende, no entanto, que a intranscendência dos efeitos penais é uma
grande falácia, já que a pena criminal, de algum modo, sempre afetará outras pessoas
(v.g., familiares do preso). Por isso, trabalha-se com o nome de princípio da trans­
cendência mínima.21
Diante do princípio da pessoalidade (intranscendência ou transcendência mínima)
da pena, o qual também é aplicável às penas restritivas de direitos, a perda de bens
e valores (ou a prestação pecuniária) não pode ir além da pessoa do condenado,
atingindo, por exemplo, o patrimônio lícito de terceiros. Destarte, na eventualidade de
morte do agente mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória,
porém antes da perda dos bens, esta ficará prejudicada, já que nenhuma pena pode
passar da pessoa do condenado, nem mesmo uma restritiva de direitos. Raciocínio
diverso será aplicável à perda de bens como efeito da condenação transitada em
julgado (CP, art. 91, II, “b”). Nesse caso, o confisco do patrimônio decorre de efeito
automático da condenação, de natureza extrapenal. Logo, na hipótese de morte do
acusado após o trânsito em julgado de sentença condenatória e antes de se operar
a perda dos bens adquiridos com o produto do ilícito, é perfeitamente possível que
tais bens sejam confiscados, sem que se possa objetar qualquer violação ao princípio
da intranscendência da pena. Afinal de contas, é a própria Constituição Federal que
destaca que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação
de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, es­
tendida aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido (art. 5o, XLV).
No âmbito da execução penal, um exemplo de violação ao princípio da in­
transcendência da pena consiste no emprego da proibição ou da restrição de visita
como forma de sanção disciplinar (LEP, arts. 41, parágrafo único, e 53, III). Isso
porque não apenas o preso tem o direito de receber seus visitantes (LEP, art. 41, X)
e de receber a assistência da família (CF, art. 5o, LXIII), mas os próprios familiares
também têm o direito de estar com seus parentes, preservando-se, assim, seus laços
afetivos, o que, ao fim e ao cabo, será de fundamental importância no processo
de ressocialização do apenado. Em tal hipótese, a punição ultrapassaria a pessoa

20 STF, Pleno, Agr-QO 1.033-DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 25.05.2006.


21 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 5a ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
p. 56.
38 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

do faltoso, atingindo terceiros carentes de culpabilidade. A propósito, as Regras de


Mandela22 preveem que “as sanções disciplinares ou medidas restritivas não devem
incluir a proibição de contato com a família. O contato familiar só pode ser restrin­
gido durante um período limitado de tempo e enquanto for estritamente necessário
para a manutenção da segurança e da ordem” (Regra n. 43.3).
Outro exemplo de transcendência dos efeitos da pena consiste na restrição ao
direito de visita íntima de presos e presas, medida esta que atinge seus companheiros
e companheiras. Afinal, o exercício da sexualidade é um direito essencial para que
a pessoa presa e seu visitante preservem laços afetivos. Destarte, conquanto preen­
chidos os requisitos regulamentares, não se pode obstar o direito à visita íntima de
maneira injustificada, sob pena de a restrição em questão transcender a pessoa do
apenado, atingindo terceiros inocentes.
Ainda por força do princípio da intranscendência da pena, há de ser admitida a
possibilidade de suspensão da prisão de mães (e até mesmo de pais), sempre que tal
medida se revelar imprescindível para a satisfação do melhor interesse das crianças,
como previsto, aliás, no Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/16). Nesse
contexto, as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e
medidas não privativas de liberdades para mulheres infratoras (Regras de Bangkok)
recomendam a possibilidade de suspensão da detenção daquelas, por um período
razoável, levando-se em consideração o melhor interesse das crianças (Regra n. 2).

9.4. Princípio da individualização da pena


O princípio da individualização da pena tem assento constitucional entre nós.
Com efeito, consoante disposto no art. 5o, inciso XLVI, da CF, a lei regulará a in­
dividualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição
da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão
ou interdição de direitos.
Segundo Alberto Silva Franco, tal princípio garante, em resumo, a todo cida­
dão, condenado num processo-crime, uma pena particularizada, pessoal, distinta
e, portanto, inextensível a outro cidadão, em situação fática igual ou assemelhada.
Trata-se, pois, de verdadeiro direito fundamental do cidadão posicionado frente ao
poder repressivo do Estado. Por isso, segundo o autor, “não é possível, em face da
ordem constitucional vigente, a cominação legal de pena, exata na sua quantida­
de, nem a aplicação ou execução de pena, sem intervenção judicial, para efeito de
adaptá-la ao fato concreto, ao delinquente ou às vicissitudes de seu cumprimento”.23

22 As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, também conhecidas como Regras
de Nelson Mandela - a nomenclatura foi cunhada em homenagem ao ex-Presidente da África do sul
e ex-presidiário - não pretendem descrever em pormenor um modelo de sistema prisional. Procuram,
unicamente, com base no consenso geral do pensamento atual e nos elementos essenciais dos sistemas
contemporâneos mais adequados, estabelecer o que geralmente se aceita como sendo bons princípios e
práticas no tratamento dos reclusos e na gestão dos estabelecimentos prisionais.
23 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 163.
Em sentido semelhante: NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2a ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2007. p. 338.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 39

São três os momentos distintos em que se dá essa individualização: a) indivi­


dualização legislativa: processo por meio do qual são selecionados os fatos puníveis
e cominadas as sanções respectivas, estabelecendo seus limites e critérios de fixação
da pena; b) individualização judicial: elaborada pelo juiz na sentença, é a atividade
que concretiza a individualização legislativa que cominou abstratamente as sanções
penais. Por meio do procedimento de aplicação da pena (CP, art. 68), é vedado que
o julgador imponha uma sanção padronizada ou mecanizada, olvidando os aspectos
únicos do delito cometido; c) individualização executória: ocorre durante o cum­
primento da sanção penal, objetivando a ressocialização do sentenciado.

9.5. Princípio da responsabilidade penal subjetiva (ou da culpabilidade)


Como observa Ferrajoli, por força do axioma nulla poena, nullum crimen, nulla
lex poenalis, nula iniuria sine culpa, “nenhum fato ou comportamento humano é
valorado como ação se não é fruto de uma decisão; consequentemente, não pode ser
castigado nem sequer proibido, se não é intencional, isto é, realizado com consciência
e vontade por uma pessoa capaz de compreender e de querer”.24
O Direito Penal atribui à culpabilidade um triplo sentido: a) culpabilidade
como fundamento da pena: diz respeito ao fato de ser possível ou não a aplicação
de uma pena ao autor de um fato típico e ilícito. Para tanto, devem estar presentes
os seguintes requisitos: capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exi­
gibilidade de conduta diversa; b) culpabilidade como elemento de determinação
da pena: nessa acepção, a culpabilidade impede que a pena seja imposta além da
medida prevista pelo juízo de reprovabilidade que recai sobre o agente por ter agido
contrariamente ao Direito quando lhe era possível exigir comportamento diverso; c)
culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade objetiva: como corolá­
rio do Direito Penal do fato, ninguém pode ser responsabilizado por um resultado
absolutamente imprevisível se não houver obrado com dolo ou com culpa. Como
dispõe o art. 19 do Código Penal, pelo resultado que agrava especialmente a pena,
só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.
A Lei de Execução Penal incorporou taxativamente o princípio da responsabi­
lidade penal subjetiva (ou da culpabilidade) ao prever que são vedadas as sanções
coletivas (art. 45, §3°). Procura-se, assim, impedir a punição disciplinar daqueles que
sequer tiveram dolo ou culpa na ocorrência de determinado resultado lesivo. Por
consequência, quando não se conseguir identificar o responsável, não se revela pos­
sível a punição disciplinar de todos os ocupantes de determinada cela ou galeria na
eventualidade de serem encontrados objetos ilícitos (v.g., drogas, aparelhos celulares
etc.). Idêntico raciocínio é válido para se afastar a responsabilidade do preso (ou do
internado) em virtude de ato ilícito praticado por seus visitantes, sem que consiga
comprovar o conluio entre eles (v.g., visitante que tenta ingressar com droga no
presídio). Nessa linha, como já se pronunciou a 6a Turma do STJ, “(...) o reconhe­
cimento da prática de falta grave em razão, tão somente, de conduta praticada por

24 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tri­
bunais, 2006. p. 447.
40 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

visitante de estabelecimento prisional, sem a demonstração de elementos concretos


que evidenciem o conluio do apenado recluso, viola o princípio constitucional da
intranscendência (art. 5o, inciso XLV, da Constituição da República), o qual preconiza
que ninguém pode ser responsabilizado por ato praticado por terceira pessoa. No
caso, a autoridade administrativa e os órgãos do Poder Judiciário concluíram que
houve a prática de falta grave por parte do Paciente com base, unicamente, no fato
de que a tentativa de introdução do aparelho de telefonia celular no estabelecimento
prisional foi realizada por sua companheira/visitante. Em nenhum momento foram
apresentados fatos ou provas capazes de demonstrar, concretamente, que o Apenado
estava em conluio com a visitante ou que, ao menos, tinha conhecimento da tentativa
de introdução do objeto no presídio”.25

9.6. Princípio da jurisdicionalidade


De acordo com o art. 2o da LEP, “a jurisdição penal dos Juizes ou Tribunais
da Justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de
execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal”.
Extrai-se do referido dispositivo que a execução penal também é regida pelo
princípio da jurisdicionalidade, o que significa dizer que a intervenção do Poder
Judiciário não se esgota com o trânsito em julgado da sentença condenatória (ou
absolutória imprópria) proferida no processo de conhecimento, estendendo-se por
todo o curso da execução da pena. Por consequência, são aplicáveis em sede de
execução penal todas as garantias inerentes ao devido processo legal, tais como a
ampla defesa, o contraditório, o duplo grau de jurisdição, a vedação à utilização de
provas ilícitas, a publicidade etc.
Com o objetivo de concretizar o processo, instrumento por meio do qual se
exerce essa função jurisdicional, com todos os princípios, garantias e direitos que lhe
são inerentes, a Lei de Execução Penal prevê um procedimento judicial para dirimir
os inúmeros conflitos que porventura venham a surgir no curso da execução da
pena. A propósito, eis o teor do art. 194 da LEP: “O procedimento correspondente
às situações previstas nesta Lei será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da
Execução”. Destarte, excetuando-se aquelas medidas de caráter estritamente admi­
nistrativo e que a própria Lei entrega à autoridade administrativa, esse rito padrão
deverá ser aplicado a todos os incidentes ocorridos no curso da execução penal,
sempre que não houver previsão expressa de procedimento diverso, implicando sua
inobservância em causa de nulidade. São inúmeras, assim, as situações que deman­
dam a observância desse procedimento, como, por exemplo, a suspensão ou perda

25 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 567.191-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19.05.2020, DJe 03.06.2020. Na mesma linha:
STJ, 5a Turma, HC 399.047-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 08.08.2017, DJe 15.08.2017. No sentido de que, ainda
que sejam fortes as suspeitas de que algum condenado tenha solicitado a terceiros que se lhe enviasse,
via correios, aparelho celular ou algum de seus acessórios, tal ilação, por si, desamparada de qualquer
outro elemento concreto que indique essa solicitação, não se mostra suficiente para que seja imputada
falta disciplinar ao preso, em razão, sobretudo, da intranscendência penal, cuja aplicação é perfeitamente
aceitável em sede de execução penal: STJ, 6a Turma, HC 291.774-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j.
10.06.2014, DJe 18.11.2014.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 41

de benefícios prisionais (v.g. trabalho externo, remição), revogação do livramento


condicional, progressão e regressão de regimes etc.

9.7. Princípio da isonomia e vedação à discriminação


Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.
É nesse sentido o teor do art. 3o, parágrafo único, da LEP. Consectário lógico do
princípio da isonomia, o dispositivo em questão vem ao encontro das diversas li­
berdades fundamentais previstas na Constituição Federal, como, por exemplo, o art.
5o, caput, que estabelece a igualdade de todas as pessoas, vedando qualquer tipo de
discriminação por motivos de sexo, raça, religião, trabalho e convicções políticas, e
do inciso XLI, que prevê que a lei deverá punir qualquer espécie de discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. O art. 3o, parágrafo único, da
LEP, também se harmoniza com a Lei n. 7.716/89, que prevê a punição dos crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou proce­
dência nacional.
Conquanto o art. 3o, parágrafo único, da LEP, faça menção apenas à práticas
discriminatórias de natureza racial, social, religiosa ou política, é de rigor a conclu­
são no sentido de que o dispositivo deve ser objeto de interpretação extensiva, para
abranger outras hipóteses de discriminação, como, por exemplo, aquelas orientadas
em virtude da condição de portador de deficiência ou necessidades especiais, o que,
aliás, é corroborado sistematicamente pela própria Lei n. 7.853/89, que tipifica diversas
condutas que importam em discriminação contra pessoas portadoras de deficiência.
Raciocínio semelhante deve ser aplicado em relação a eventuais práticas
discriminatórias adotadas em virtude da orientação sexual do preso (cautelar ou
definitivo), sobretudo diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal no
sentido de que tais condutas teriam o condão de tipificar o crime de racismo. Com
efeito, por ocasião do julgamento da ADI n. 26/DF26 e do Mandado de Injunção
n. 4.733,27 o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedentes os pedidos
ali formulados não apenas para reconhecer a mora do Congresso Nacional em
editar lei que criminalizasse os atos de homofobia e transfobia, mas também para
determinar, pelo menos até que seja colmatada essa lacuna legislativa, a aplicação
da Lei 7.716/1989 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de
cor) às condutas de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero,
com efeitos prospectivos e mediante subsunção.

10. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Se partirmos da premissa de que a pena privativa de liberdade funciona como


uma espécie de sanção penal da qual resulta a supressão da liberdade de locomoção
do condenado por determinado período de tempo fixado em sentença condenató-

26 Rei. Min. Celso de Mello, j. 13/06/2019.


27 Rei. Min. Edson Fachin, j. 13/06/2019.
42 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

ria irrecorrível, poder-se-ia conceituar a execução provisória da pena, a contrario


sensu, como a possibilidade de se executar tal sanção antes mesmo do trânsito em
julgado da decisão condenatória. Mas seria possível a execução provisória de uma
pena à luz do princípio da presunção de inocência? Não haveria necessidade de se
aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para se dar início
à respectiva execução?
Para responder à referida indagação, é importante analisarmos, inicialmente,
a regra geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal desde o julgamento das ADC’s
43, 44 e 54. Porém, não se pode olvidar de outras duas hipóteses igualmente con­
troversas: a. execução provisória da pena no caso de condenação pelo Tribunal do
Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão; b. Concessão
antecipada de benefícios prisionais ao preso cautelar. Vejamos, então, separadamente,
cada uma dessas hipóteses.

10.1. (Des) necessidade do trânsito em julgado para fins de execução de


pena privativa de liberdade28
Pelo menos em regra, os recursos extraordinário e especial não são dotados
de efeito suspensivo (CPP, art. 637, c/c arts. 995 e 1.029, § 5o, ambos do novo
CPC). Por isso, prevaleceu, durante anos, o entendimento jurisprudencial segundo
o qual era cabível a execução provisória de sentença penal condenatória recorrível,
independentemente da demonstração de qualquer hipótese que autorizasse a prisão
preventiva do acusado. Nessa linha, o STJ editou a Súmula n° 267: “A interposição
de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição
de mandado de prisão”. Portanto, mesmo que o acusado tivesse permanecido solto
durante todo o processo, impunha-se o recolhimento à prisão como efeito automá­
tico de um acórdão condenatório proferido por órgão jurisdicional de segundo grau,
ainda que a decisão condenatória não tivesse transitado em julgado em virtude da
interposição dos recursos extraordinário e especial, pouco, importando, ademais, a
ausência dos pressupostos que autorizavam sua prisão preventiva.29
Ocorre que, no julgamento do Habeas Corpus n° 84.078 no ano de 2009, o
Plenário do Supremo, por maioria de votos (7 a 4), alterou sua orientação juris­
prudencial até então dominante para concluir que a execução da pena só poderia
ocorrer com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Logo, a despeito
de os recursos extraordinários não serem dotados de efeito suspensivo, enquanto não
houvesse o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não seria possível
a execução da pena privativa de liberdade, ressalvada a hipótese de prisão cautelar
do réu, cuja decretação, todavia, estaria condicionada à presença dos pressupostos
do art. 312 do CPP.30

28 Para mais detalhes acerca da (des) necessidade do trânsito em julgado para fins de execução das chamadas
penas alternativas, consultar capítulo atinente à execução das penas restritivas de direitos.
29 Nesse contexto: STF, Ia Turma, HC 91.675/PR, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 04/09/2007, Dje 157 06/12/2007.
30 HC 84.078, Rei. Min. Eros Grau. Informativo n° 534 do STF - Brasília, 2 a 6 de fevereiro de 2009. No mesmo
sentido: STF, 2a Turma, HC 88.174/SP, Rei. Min. Eros Grau, j. 12/12/1996, DJe 092 30/08/2007; STF, 2a Turma,
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 43

Todavia, no julgamento do HC 126.292 no dia 17 de fevereiro de 2016,31 e


novamente por maioria de votos (7 a 4), o Plenário do Supremo Tribunal Federal
concluiu que seria possível a execução provisória de acórdão penal condenatório
proferido por Tribunal de segunda instância quando ali esgotada a jurisdição, ainda
que sujeito a recurso especial ou extraordinário, e mesmo que ausentes os requi­
sitos da prisão cautelar, sem que se pudesse objetar suposta violação ao princípio
da presunção de inocência, já que seria possível fixar determinados limites para a
referida garantia constitucional. Não se trata, portanto, de prisão cautelar. Cuida-se,
na verdade, de verdadeira execução provisória da pena. Posteriormente, o teor da
decisão proferida no julgamento do HC 126.292 foi confirmado pelo Plenário do
STF, ao indeferir medida cautelar em duas ações declaratórias de constitucionalidade
(ADCs 43 e 44).32 Esse entendimento também foi confirmado pelo Plenário Virtual
do STF na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964.246,33 que
teve repercussão geral reconhecida. Assim, a tese firmada pelo Tribunal passou a ser
aplicada nos processos em curso nas demais instâncias, pelo menos até o julgamento
definitivo das ADCs 43, 44 e 54.
Era de se esperar, então, que tal entendimento fosse mantido pelo Supremo
Tribunal Federal nos anos seguintes. Não foi o que aconteceu. Deveras, já em no­
vembro de 2019, e novamente por maioria (6 a 5), o Plenário daquela Corte julgou
procedentes pedidos formulados nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43/DF,
44/DF e 5434 para assentar a constitucionalidade do art. 283 do CPP, que condiciona
o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado do título condenatório.
Preponderou o entendimento no sentido de que, ao editar o art. 283 do CPP por
meio da Lei 12.403/2011 - a decisão em questão foi proferida antes da vigência da
Lei n. 13.964/19 -, o Poder Legislativo teria se limitado a concretizar, no campo do
processo, garantia explícita constitucional, adequando-se à óptica então assentada
pelo próprio STF no julgamento do HC 84.078. Logo, não seria possível a declaração
de inconstitucionalidade de um dispositivo que simplesmente reproduz o texto da
Constituição Federal. O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pelo
art. 5o, LVII, da CF, à preclusão, de modo que a constitucionalidade do art. 283 do
CPP não comporta questionamentos. O preceito consiste em reprodução de cláu­
sula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder constituinte derivado estaria
autorizado a restringir. Coloca-se, enfim, o trânsito em julgado como marco seguro
para a severa limitação da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação
da condenação nas instâncias superiores.

HC 89.754/BA, Rei. Min. Celso de Mello, j. 13/02/2007, DJe 04 26/04/2007; STF, 2a Turma, HC 91.232/PE,
Rei. Min. Eros Grau, j. 06/11/2007, DJe 157 06/12/2007; STJ - HC 122.191/RJ - 5a Turma - Rei. Min. Arnaldo
Esteves Lima - Dje 18/05/2009.
31 STF, Pleno, HC 126.292/SP, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 17/02/2016, DJe 100 16/05/2016.
32 STF, Pleno, ADC 43 MC/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 05/10/2016; STF, Pleno, ADC 44 MC/DF, Rei. Min.
Marco Aurélio, j. 05/10/2016.
33 STF, Pleno, ARE 964.246 RG/SP, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 10/11/2016, DJe 251 24/11/2016).
34 Rei. Min. Marco Aurélio, j. 07/11/2019.
44 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

10.2. Execução provisória da pena no caso de condenação pelo Tribunal


do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de
reclusão
A Ia Turma do Supremo Tribunal Federal tem alguns precedentes admitindo a
execução provisória da pena decorrente de condenação pelo Tribunal do Júri, sem que
haja necessidade de se aguardar o julgamento em segundo grau de jurisdição, pouco
importando, ademais, o quantum de pena aplicado na sentença condenatória.35 Na
dicção do Ministro Barroso, “(...) a presunção de inocência é princípio (e não regra)
e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada
com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes. No caso específico
da condenação pelo Tribunal do Júri, na medida em que a responsabilidade penal
do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri, e o Tribunal não pode substituir-se
aos jurados na apreciação de fatos e provas (CF/88, art. 5o, XXXVIII, c), o princípio
da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse
constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos bens jurídicos que ela visa
resguardar (CF/88, arts. 5o, caput e LXXVIII e 144). Assim, uma interpretação que
interdite a prisão como consequência da condenação pelo Tribunal do Júri representa
proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana
e a integridade física e moral das pessoas”.36
Na mesma linha, eis o teor do Enunciado n. 37 do Conselho Nacional de
Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e
do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM):
“A execução provisória da pena decorrente de condenação pelo Tribunal do Júri
é constitucional, fundamentando-se no princípio da soberania dos veredictos (CF,
art. 5o, XXXVIII, c’)”.
Eis que surge, dentro desse mesmo contexto, e por força do Pacote Anti­
crime, a nova redação do art. 492, I, alínea “e”, do CPP, passando a prever que,
no caso de decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, deverá o juiz
presidente determinar a execução provisória da pena no caso de condenação a
uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, com a expedição do

35 STF, 1a Turma, HC 140.449/RJ, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 06/11/2018.


36 STF, Ia Turma, HC 118.770/SP, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 07/03/2017, DJe 82 20/04/2017. Também há
decisões monocráticas dos Ministros do STF admitindo o cumprimento imediato da pena, no âmbito do
procedimento afeto aos crimes dolosos contra a vida, após o encerramento das instâncias ordinárias. A
propósito, confira-se: decisão monocrática na Petição Avulsa no HC 118.039/MA, do Min. Dias Toffoli, j.
05/12/2017; decisão monocrática no HC 147.957/RS, do Min. Gilmar Mendes, j. 23/11/2017; decisão mo­
nocrática no HC 148.720/AL, do Min. Edson Fachin, j. 31/10/2017; decisão monocrática no HC 145.496/RS,
da Min. Rosa Weber, j. 05/10/2017. Note o leitor que todas as decisões citadas foram proferidas quando
ainda predominante, naquela Corte, o entendimento fixado no HC 126.292/SP, que restabeleceu a exegese
original do STF permissiva da execução provisória da pena após o encerramento das instâncias ordinárias.
Hoje, todavia, é sabido que a Corte Suprema deixou de adotar tal entendimento, concluindo, por ocasião
do julgamento das ADC's 43, 44 e 54, que o início do cumprimento da prisão penal só pode ocorrer após
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sob pena de violação ao princípio da presunção
de inocência.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 45

respectivo mandado de prisão, sem prejuízo do conhecimento de recursos que


vierem a ser interpostos.

10.2.1. (In) constitucionalidade da execução provisória da pena no âmbito do


Júri
A (in) constitucionalidade dessa execução provisória de decisão condenatória
proferida pelo Tribunal do Júri, independentemente sequer do julgamento de eventual
recurso de apelação pelo juízo ad quem, como se entendia cabível pelo menos até o
julgamento das ADC s 43, 44 e 54, deverá certamente provocar grande controvérsia.
Vejamos, então, as duas correntes que deverão se formar acerca do assunto:
a) Constitucionalidade do art. 492, I, alínea “e”, do CPP, com redação dada
pela Lei n. 13.964/19: à semelhança do entendimento trilhado pela Ia Turma do
Supremo nos dois precedentes acima citados, parte da doutrina entende que a so­
berania dos veredictos, que protege a capacidade decisória dos jurados, igualmente
demanda o cumprimento imediato da sua decisão, razão pela qual há de se admitir
a execução provisória de decisão condenatória proferida pelo Júri, nomeadamente
quando se tratar de condenação à pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de
reclusão. Se o Conselho de Sentença deliberou pela condenação do acusado, sua
vontade deve ser executada de imediato, até mesmo porque sua decisão é soberana,
não estando sujeita, portanto, quanto ao mérito, à modificação ou à substituição
pelo juízo ad quem, o qual poderá, quando muito, em sede de juízo rescindente
(CPP, art. 593, III, “a” e “d”), determinar a realização de novo julgamento por outro
corpo de jurados, seja na hipótese de nulidade posterior à pronúncia, seja, por
uma única vez, no caso de a decisão dos jurados ser manifestamente contrária à
prova dos autos. Também não se pode perder de vista que os sucessivos ‘filtros’ que
compõem o procedimento bifásico do júri - recebimento da denúncia, que pressu­
põe justa causa para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, III), e a pronúncia,
que está condicionada ao convencimento da materialidade do fato e da existência
de indícios suficientes de autoria ou de participação - acabam por assegurar que
eventual decisão condenatória seja firme quanto ao reconhecimento suficiente da
culpabilidade do acusado, a admitir, portanto, a execução imediata da pena.37 De
mais a mais, com a condenação do acusado pelo Conselho de Sentença, ainda que
sujeita à condição resolutiva do possível provimento da apelação do art. 593, III,
alínea “d”, do CPP, formar-se-ia coisa julgada do capítulo da sentença atinente à
sua culpabilidade, já que os recursos cabíveis não mais poderíam discutir o mérito
da condenação, o que também justificaria o cumprimento imediato da decisão
soberana do Júri. Aliás, se admitirmos que o cabimento de apelação contra deci­
são condenatória do júri pelo fato de a decisão dos jurados ser manifestamente
contrária à prova dos autos teria o condão de obstar o trânsito em julgado, vez
que, na eventualidade de seu provimento, haveria a cassação da decisão impug­

37 É nesse sentido a lição de Rafael Schwez Kurkowski: Projeto de Lei Anticrime. Coordenadores: Antônio
Henrique Graciano Suxberger, Renee do Ó Souza, Rogério Sanches. Salvador: Editora Juspodivm, 2019. p.
421.
46 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

nada (juízo rescindente), então também teríamos que aguardar ad aeternum pelo
julgamento de possível revisão criminal, já que esta, à semelhança da apelação
do art. 593, III, “d”, do CPP, também pode ser ajuizada objetivando a cassação
da decisão impugnada quando a decisão condenatória for contrária à evidência
dos autos (CPP, art. 621, I, in fine),™ diferenciando-se, porém, pelo fato de que a
ação autônoma de impugnação pode ser ajuizada a qualquer tempo, mesmo após
a morte do acusado (CPP, art. 623);
b) Inconstitucionalidade do art. 492, I, alínea “e”, do CPP, com redação dada
pela Lei n. 13.964/19 (nossa posição): com a devida vênia aos adeptos da Ia cor­
rente, a busca por um sistema penal mais eficiente não autoriza a conclusão no
sentido de que a soberania dos veredictos admite a execução provisória de decisão
condenatória proferida pelo Júri. Se a permanência do acusado em liberdade após
a condenação em primeira instância pelo Júri representa um risco à execução da
pena ou à garantia da ordem pública, impõe-se a decretação da prisão cautelar.
Agora, ausente o periculum libertatis a que se refere o art. 312 do CPP, não se
pode admitir a execução provisória de uma prisão penal, sob pena de se negar
ao acusado perante o Júri não apenas o respeito à presunção de inocência, que a
Constituição Federal estende até o trânsito em julgado de sentença penal condena­
tória (STF - ADCs 43, 44 e 54), ou, mesmo na vigência do antigo entendimento
do Supremo (HC 126.292), era tido como inviolável pelo menos até o esgota­
mento da instância nos Tribunais de Apelação, respeitando-se, assim, ao menos o
direito ao duplo grau de jurisdição, explicitamente previsto na CADH (art. 8o, n.
2, alínea “h”). Por mais que se queira argumentar que a soberania dos veredictos
funciona como óbice para que um Tribunal formado por juizes togados possa
modificar, no mérito, a decisão proferida pelos jurados, daí não se pode concluir,
em hipótese alguma, que as decisões do Júri sejam definitivas e irrecorríveis, logo,
exequíveis de imediato, sob pena de se admitir que se trata de um poder absoluto,
incontrastável, o que, à evidência, é impensável em um Estado Democrático de
Direito. A soberania dos veredictos prevista na Constituição Federal ostenta valor
meramente relativo, do que se conclui que as decisões do Conselho de Sentença
não se revestem de intangibilidade, sendo plenamente possível que o Juízo ad
quem determine a cassação da decisão de Ia instância do Júri para que o acusa­
do seja submetido a novo julgamento, se acaso restar evidenciado que a decisão
seria manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, art. 593, III, “d” e §3°). É
dizer, o fato de o Tribunal de Justiça (ou TRF) não estar legitimado a proceder
ao juízo rescisório por ocasião do julgamento de apelação contra decisão do Júri
não guarda nenhuma relação direta com a execução imediata da sentença conde­
natória, visto que subsiste a competência do juízo ad quem para efetuar o juízo
rescindente e determinar, em se tratando de decisão manifestamente contrária à
prova dos autos, um novo julgamento. Ora, como se pode justificar a execução*

38 Nessa linha: FERNANDES, Cleander César da Cunha; PINHO, Manoel Veridiano Fukuara Rebello; ALMEDIDA,
Saulo Jerônimo Leite Barbosa. A execução imediata da pena após o julgamento pelo Tribunal do Júri. In:
Tribunal do júri: o MP em defesa da Justiça. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 19.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 47

provisória de uma prisão penal, decorrente de decisão condenatória proferida


por órgão especial do Poder Judiciário pertencente à primeira instância, se esse
decisum ainda está sujeito ao controle recursal pelo próprio Poder Judiciário, a
quem compete se pronunciar sobre a regularidade dos veredictos? Enfim, como
observa a doutrina, há um gravíssimo equívoco do silogismo empreendido pela
Ia Turma do STF nos julgados acima mencionados, porquanto “a premissa de que
o Tribunal não pode substituir o convencimento dos jurados na apreciação dos
fatos e das provas, embora verdadeira, apenas delimita - e não elimina, repita-se
- a competência recursal da segunda instância, em nada legitimando a suposta
lógica do resultado interpretativo, pois o exercício do duplo grau pode invalidar o
julgamento e implicar que outro seja realizado”.39 Não bastassem esses argumentos,
é interessante notar que, sob a ótica de uma interpretação sistemática de todo o
conjunto normativo alterado pela Lei n. 13.964/19, o art. 492, inciso I, alínea “e”,
também vem na contramão da nova redação conferida pelo Pacote Anticrime ao
art. 283, também do CPP. Isso porque tal dispositivo é expresso ao determinar
que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão
cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”. Ora, se
o art. 492, I, alínea “e”, do CPP, passa a admitir verdadeira execução provisória de
pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, seu comando normativo
revela-se absolutamente incompatível com o art. 283, que demanda o trânsito em
julgado para o recolhimento à prisão, salvo quando se tratar de prisão cautelar, o
que não é a hipótese ora sob comento.
Toda essa controvérsia deverá ser dirimida em breve pelo Pleno do Supremo
Tribunal Federal, já que está pendente de apreciação o Tema 1.068 da repercussão
geral (RE 1.235.340), para saber sobre a extensão da dimensão da soberania dos
vereditos do Tribunal do Júri e eventual execução imediata de sentença. Até o
presente momento, o Min. Barroso se pronunciou no sentido da fixação da se­
guinte tese: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata
execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do
total da pena aplicada”. Em sentido diverso, eis a tese assentada pelo Min. Gilmar
Mendes: “A Constituição Federal, em razão da presunção de inocência (art. 5o,
LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito ao
recurso ao condenado (art. 8.2.h), vedam a execução imediata das condenações
proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser
decretada motivadamente, nos termos do art. 312 do CPP, pelo Juiz-Presidente
a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos Jurados”.

39 Nesse sentido, em momento anterior à entrada em vigor da Lei n. 13.964/19: PAIVA, Caio. Soberania dos
veredictos não autoriza execução imediata da condenação. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-
-mar-28/tribuna-defensoria-soberania-veredictos-nao-autoriza-execucao-imediata-condenacao Acesso em:
13/12/2018.
48 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

10.3. Concessão antecipada de benefícios da execução penal ao preso


cautelar
Sendo necessária a manutenção ou a decretação da prisão do acusado antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória, em virtude da presença de uma das
hipóteses que autorizam a prisão preventiva, nada impede a concessão antecipada
dos benefícios da execução penal definitiva ao preso cautelar.
De fato, supondo que já tenha se operado o trânsito em julgado da sentença
condenatória para o Ministério Público, mas ainda pendente recurso da defesa, é
certo que, por força do princípio da non reformatio in pejus, a pena imposta ao
acusado não poderá ser agravada (CPP, art. 617, in fine). Logo, estando o cida­
dão submetido à prisão cautelar, justificada pela presença dos requisitos dos arts.
312 e 313 do CPP, afigura-se possível a progressão de regime e outros incidentes
da execução. Em outras palavras, a vedação à execução provisória de sentença
condenatória antes do trânsito em julgado não impede a antecipação cautelar
dos benefícios da execução penal definitiva ao preso processual. Aliás, na visão
dos Tribunais Superiores, o processo de execução criminal provisória pode ser
formado ainda que haja recurso de apelação interposto pelo Ministério Público
pendente de julgamento, não sendo este óbice à obtenção de benefícios provisórios
na execução da pena.40
Essa concessão antecipada de benefícios prisionais ao preso cautelar não se
confunde, em hipótese alguma, com a inconstitucional execução provisória da pena.
Nesta, não estão presentes os pressupostos para a prisão cautelar, surgindo a privação
da liberdade como consequência automática da prolação de sentença condenatória
recorrível, inadmissível diante do novo entendimento firmado pelo Supremo no
julgamento das ADC’s 43, 44 e 54. Na antecipação dos benefícios, o cidadão está
submetido à prisão cautelar, justificada pela existência dos requisitos dos arts. 312
e 313 do CPP, e, como há privação de liberdade, seria possível a incidência de ins­
titutos como a progressão de regime e outros incidentes da execução.
De se ver que a própria Lei de Execução Penal estende seus benefícios aos
presos provisórios (Lei n. 7.210/84, art. 2o, parágrafo único, primeira parte), sendo
que a detração prevista no art. 42 do Código Penal permite que o tempo de prisão
provisória seja descontado do tempo de cumprimento de pena. É exatamente nessa
linha o teor da súmula 716 do STF (“Admite-se a progressão de regime de cumpri­
mento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada,
antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”).
Na mesma linha, eis o teor da súmula 717 do STF: “Não impede a progressão
de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato
de o réu se encontrar em prisão especial”. Como se sabe, a prisão especial funciona
como forma distinta de cumprimento da prisão cautelar, consubstanciada no reco­

40 STJ, 5a Turma, RHC 31.222-RJ, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 24.04.2012, DJe 30.04.2012; STJ, 5a Turma, HC 212.521-
SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 04.10.2011, DJe 14.10.2011.
Cap. I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 49

lhimento em local distinto da prisão comum. Com efeito, segundo o disposto no art.
295 do CPP, só há falar em direito à prisão especial quando o agente estiver sujeito
à prisão antes de condenação definitiva. Logo, se se trata, o preso especial, de espécie
de preso cautelar, nada mais lógico do que lhe assegurar os mesmos benefícios. Por
isso, como o preso cautelar tem direito à progressão de regimes (súmula n. 716 do
STF), é evidente que o preso especial, por se tratar de preso cautelar, também faz
jus aos mesmos benefícios (súmula n. 717 do STF).
II
CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO
E DO INTERNADO

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Por força do princípio da individualização da pena, previsto no art. 5o, XLVI,


da Constituição Federal, assegura-se a todo cidadão, num processo criminal, uma
pena particularizada, pessoa, distinta, e, portanto, inextensível a outro cidadão, em
situação fática igual ou assemelhada. Se a pena também precisa ser individualizada
no curso da execução penal, já que os presos não são iguais entre si, não se pode
admitir que todos eles sejam submetidos ao mesmo programa de execução. Pelo
contrário. Para que se possa falar em verdadeira individualização no momento exe­
cutivo, é necessário dar a cada preso as oportunidades e os benefícios compatíveis
com seu comportamento no cárcere, sempre buscando a tão almejada ressocialização.
Esse processo de individualização deverá ser feito de maneira técnica e científica,
iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados (e internados), a
fim de que sejam destinados aos programas de execução mais adequados aos seus
antecedentes e personalidade.
É dentro desse contexto que a LEP dispõe que os condenados devem ser classifi­
cados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização
da execução penal (art. 5o). O dispositivo em questão vem ao encontro das Regras
de Mandela, in verbis: “As finalidades da classificação devem ser: a) de separar os
reclusos que, pelo seu passado criminal ou pela sua personalidade, possam vir a
exercer uma influência negativa sobre os outros reclusos; b) de repartir os reclusos
por grupos tendo em vista facilitar o seu tratamento para a sua reinserção social.
Há que dispor, na medida do possível, de estabelecimentos separados ou de seções
distintas dentro de um estabelecimento para o tratamento das diferentes categorias
de reclusos. Assim que possível após a admissão e depois de um estudo da perso­
nalidade de cada recluso condenado a uma pena ou a uma medida de uma certa
duração deve ser preparado um programa de tratamento que lhe seja destinado,
52 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

à luz dos dados de que se dispõe sobre as suas necessidades individuais, as suas
capacidades e o seu estado de espírito” (Regras 93 e 94).
Cuida-se, portanto, a classificação, de verdadeiro direito do condenado, visando
à diferenciação dos demais sentenciados, a fim de que cada um receba um trata­
mento adequado e individualizado objetivando a sua reinserção social. De se notar
que, enquanto o processo de conhecimento visa olhar para o passado do acusado,
remontando ao tempo do crime (juízo de diagnose), a execução deve se voltar para
o futuro, com o objetivo de punir o sentenciado, mas, ao mesmo tempo, propor­
cionar sua harmônica reintegração à sociedade (juízo de prognose), o que justifica
a importância da elaboração desse programa individualizador logo no início do
cumprimento da pena privativa de liberdade.1
Na prática, todavia, é sabido que todo esse ideal de classificação do condenado
preconizado pela LEP não passa de letra morta. Na verdade, diante da preocupação
da autoridade penitenciária com a manutenção da ordem, e, por consequência,
da preservação da segurança dos detentos e funcionários, a única classificação
efetivamente existente é aquela que leva em consideração os riscos eventualmente
produzidos pela colocação do preso neste ou naquela galeria, ala etc. Presos com
acusações por crimes sexuais, por exemplo, costumam ser isolados dos demais por
conta do risco real de serem agredidos ou feitos reféns no primeiro motim. Por
outro lado, presos que integram uma mesma organização criminosa costumam ser
colocados em um mesmo local.2

2. EXAME DOS ANTECEDENTES

Um dos critérios de classificação dos condenados (e internados) para fins de


orientação da individualização da execução penal é o exame de seus antecedentes,
entre os quais se destacam a reincidência, o envolvimento em inquéritos ou pro­
cessos judiciais, alcançando-se, assim, toda a vida pregressa do condenado. Por
antecedentes se compreendem todos os dados favoráveis ou desabonadores da vida
pregressa do agente. São maus antecedentes aqueles que merecem a reprovação da
autoridade pública e que representam expressão de sua incompatibilidade para com
os imperativos ético-jurídicos.

3. EXAME DA PERSONALIDADE

Nos termos da LEP, a classificação dos condenados e internados também deve


levar em consideração sua personalidade, que deve ser compreendida como a síntese
das suas qualidades morais e sociais. Nesse caso, incumbe à Comissão Técnica de
Classificação aferir a boa (ou má) índole do indivíduo, sua maior ou menor sensi­

1 MIRANDA, Rafael de Souza. Manual de Execução Penal: teoria e prática. 2a ed. Salvador: Editora Juspodivm,
2020. p. 35.
2 GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Comentários à Lei de Execução Penal. 3a ed. Belo Horizonte: CEI, 2021. p.
49.
Cap. II • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 53

bilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter, de modo a


se verificar se o crime constitui (ou não) um episódio acidental em sua vida.
Na dicção da doutrina,3 esse verdadeiro exame médico-psicológico-social de­
verá compreender um exame biológico (físico em geral), psicológico (descrição das
características da personalidade), psiquiátrico (visa aclarar os matizes da personali­
dade e do comportamento), e social (conhecimento da vida social do condenado).
Investigam-se, assim, por meio do exame de personalidade, o caráter, as ten­
dências e a inteligência do condenado (ou internado). Para tanto, os experts deve­
rão levar em consideração não apenas os caracteres permanentes e constantes da
personalidade do condenado, mas também as diversas variações que poderá sofrer
ao longo do curso da execução da pena. Com efeito, é inegável que estímulos e
traumas de toda ordem agem sobre a personalidade ao longo do tempo, sobretudo
em relação a alguém que se encontra custodiado. De fato, não é demais supor que
alguém, após ter cumprido vários anos de pena privativa de liberdade em regime
fechado, deva ter alterado sobremaneira sua personalidade. Para tanto, é impor­
tante a realização de novas avaliações ao longo do cumprimento da sanção penal,
notadamente quando das oportunidades de progressão de regimes ou por ocasião
do cometimento de faltas disciplinares.

4. COMISSÃO TÉCNICA DE CLASSIFICAÇÃO

Originalmente, o art. 6o da LEP tinha a seguinte redação: “A classificação será


feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individuali-
zador e acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e restritiva de
direitos, devendo propor, à autoridade competente, as progressões e regressões dos
regimes, bem como as conversões”. Com a entrada em vigor da Lei n. 10.792/03, o
dispositivo em questão passou a ter a seguinte redação: “A classificação será feita
por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador
da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório”.
Como se pode notar, o objetivo da alteração legislativa foi suprimir do dispo­
sitivo qualquer referência à atuação da Comissão Técnica de Classificação no curso
da execução penal, eliminando a sua participação, por exemplo, no valioso momento
de análise do merecimento para a progressão de regime. É dizer, sua atuação passou
a ficar circunscrita à elaboração de um parecer inicial, orientando a forma como o
indivíduo deverá cumprir sua pena na unidade prisional. A mudança em questão
foi o resultado da constatação das dificuldades estruturais em se organizar tais co­
missões, o que acabava retardando a emissão dos laudos, e, por consequência, da
própria progressão de regimes, o que, por sua vez, terminava por gerar a superlotação
das unidades prisionais.
Sem embargo, e à semelhança do que será trabalhado mais adiante em relação ao
exame criminológico, doutrina e jurisprudência entendem que subsiste a possibilidade
de o Juízo da Execução determinar, a qualquer momento, e não apenas no início da

3 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 14a ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 36.
54 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

execução, a realização do exame de classificação (antecedentes e personalidade), de


modo a subsidiar a concessão (ou não) de determinados benefícios prisionais (v.g.,
progressão de regime, livramento condicional etc.). Com tais exames em mãos, e
por mais que o magistrado não esteja a eles vinculado (CPP, art. 182), certamente
terá elementos mais concretos para individualizar a pena do condenado, evitando-
-se, assim, que importantes decisões por ele proferidas no curso da execução, como,
por exemplo, a progressão de regimes e o livramento condicional, fiquem restritas à
mera verificação do implemento do tempo mínimo para a concessão do benefício
pretendido e à aferição de sua conduta carcerária através de um simples atestado
emitido pela Direção do estabelecimento penal, os quais, como bem sabemos, nem
sempre conseguem retratar a situação real do condenado.4 Não fosse assim, ver-se-
-ia o Juízo da Execução na contingência de conceder ou negar benefícios penais
tão somente em virtude da apresentação de simples atestado de conduta carcerária
emitido pelo diretor do presídio, o que, em última análise, acabaria suprimindo o
aspecto jurisdicional da execução penal, que passaria a ter caráter exclusivamente
administrativo.5
De acordo com a LEP, essa classificação (análise dos antecedentes e da perso­
nalidade) deverá ser feita por Comissão Técnica de Classificação, que elaborará o
programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado
ou preso provisório (art. 6o). Como se pode notar, a atuação da referida Comissão
não deve ficar restrita à indicação do estabelecimento penal ao qual o condenado
deverá ser recolhido. Na verdade, de modo a permitir a adequação da pena à reali­
dade do condenado, deverá, ademais, indicar o tipo de trabalho mais recomendado
para o preso, se este poderá exercer atividades educacionais, se há necessidade de
acompanhamento com assistência social em relação ao preso e seus familiares etc.
Não se admite, portanto, a realização do exame de personalidade, nem tam­
pouco o criminológico, por peritos particulares. Com efeito, a realização dessa prova
pericial compete, legalmente, ao Centro de Observação (LEP, art. 96), ou, na sua
falta, à própria Comissão Técnica de Classificação, instalada no estabelecimento
penal em que se encontrar o condenado. A norma constante do art. 43 da LEP não
legitima a pretensão de realização do exame de personalidade (ou criminológico)
por médicos particulares. Afinal, referido dispositivo apenas confere ao sentenciado
o direito de contratar médico de sua confiança para fins de tratamento de saúde.6
Pelo menos na teoria, cada estabelecimento penal deve contar com uma Comissão
Técnica de Classificação, a ser presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por
2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente
social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. Nos demais
casos, a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e será integrada por fiscais
do serviço social (LEP, art. 7o). No exame para a obtenção de dados reveladores
da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças
ou informações do processo, a referida Comissão poderá: I - entrevistar pessoas;

4 MIRABETE. Op. cit. p. 41; AVENA. Op. cit. p. 23.


5 NUCCI. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. 4a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 26.
6 STF, 1a Turma, HC 69.040/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, j. 18.02.1992, DJ 01.07.1992.
Cap. II • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 55

II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações


a respeito do condenado; III - realizar outras diligências e exames necessários. Os
peritos também deverão examinar os autos do processo penal ou da execução, no­
tadamente ao realizar o exame criminológico, pois assim o fazendo poderão obter
melhores esclarecimentos acerca dos mecanismos biopsicossociais que levaram o
condenado à prática delituosa.

5. EXAME CRIMINOLÓGICO

Por meio da análise de questões de ordem psicológica e psiquiátrica do con­


denado, este exame pericial visa revelar elementos como maturidade, frustrações,
vínculos afetivos, grau de agressividade e periculosidade, eventual dissimulação, nível
de reflexão sobre os atos cometidos, (in) segurança da personalidade, dificuldade
de observar leis e normas, interesse em trabalhar ou frequentar cursos profissiona­
lizantes e, a partir daí, prognosticar a potencialidade de novas práticas criminosas
por parte do apenado. Trata-se de avaliação não invasiva, já que se efetiva por meio
de entrevista com técnico ou especialista, não produzindo qualquer ofensa física
ou moral. Apesar de a LEP não o dizer, cuida-se de espécie de perícia, que busca
descobrir a capacidade de adaptação do condenado ao regime de cumprimento da
pena; a probabilidade de não delinquir; o grau de probabilidade de reinserção na
sociedade, através de um exame genético, antropológico, social e psicológico. Em
conjunto com o exame de personalidade, as duas perícias poderão fornecer elementos
cruciais para a percepção das causas do delito, indicando, assim, possíveis fatores
para evitar a reiteração delituosa.
O exame de classificação (antecedentes e personalidade) a que se referem os
arts. 5o a 7o, e 9o da LEP, não se confunde com o exame criminológico previsto no
art. 8o do referido diploma normativo. Como destaca Nucci, “o primeiro é mais
amplo e genérico, envolvendo aspectos relacionados à personalidade do condena­
do, seus antecedentes, sua vida familiar e social, sua capacidade laborativa, entre
outros fatores, aptos a evidenciar o modo pelo qual deve cumprir sua pena no
estabelecimento penitenciário (regime fechado ou semiaberto); o segundo é mais
específico, abrangendo a parte psiquiátrica do exame de classificação, pois concede
maior atenção à maturidade do condenado, sua disciplina, capacidade de suportar
frustrações e estabelecer laços afetivos com a família ou terceiros, além de captar o
grau de agressividade, visando à composição de um conjunto de fatores, destinados
a construir um prognóstico de periculosidade, isto é, da tendência a voltar à vida
criminosa”.7
Consoante disposto na LEP, o condenado ao cumprimento de pena privativa de
liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção
dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização
da execução (art. 8o, caput). Prevê, ademais, que o condenado ao cumprimento da
pena privativa de liberdade em regime semiaberto poderá ser submetido ao referido

7 NUCCI. Op. cit. p. 24.


56 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

exame (art. 8o, parágrafo único). Como se pode notar, em relação ao condenado ao
cumprimento da pena em regime fechado, o exame criminológico é obrigatório. Para
aqueles, todavia, que dão início ao cumprimento da pena no regime semiaberto, sua
realização é apenas facultativa. Operou-se, pois, a revogação tácita do art. 35, caput,
do CP, que indica ser obrigatória a realização do exame criminológico para quem
dá início à execução da pena no regime semiaberto. Como o art. 8o da LEP não
faz qualquer menção àqueles condenados em regime aberto, ou no cumprimento
de pena restritiva de direitos, o ideal é concluir que, in casu, não há necessidade de
realização do exame criminológico.
Noutro giro, como o legislador é expresso ao se referir aos condenados, sem
qualquer referência aos presos cautelares, é de se concluir que a realização do exame
criminológico, obrigatória (regime fechado) ou facultativamente (semiaberto), deverá
abranger apenas aqueles que já tem contra si sentença condenatória transitada em
julgado. Justifica-se a distinção em apreço à luz do princípio da presunção de ino­
cência, admitindo-se a realização do exame criminológico apenas em relação àqueles
que já tiveram sua culpa ou periculosidade declaradas em decisão irrecorrível.8

5.1. (In) admissibilidade do exame criminológico para fins de progressão


de regimes, livramento condicional ou outros benefícios prisionais
Originaríamente, o art. 112 da LEP dispunha que a progressão do regime
carcerário estava condicionada à emissão de parecer prévio da Comissão Técnica
de Classificação e à realização de exame criminológico. Com a vigência da Lei
n. 10.792/03, tais exigências foram suprimidas, limitando-se o legislador a exigir,
à época, o cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena imposta e bom
comportamento carcerário atestado pela direção do estabelecimento penitenciário.9
Sem embargo da modificação legislativa, e a despeito da crítica de parte da
doutrina em relação ao exame criminológico,10 os Tribunais Superiores firmaram o
entendimento no sentido de que o silêncio da LEP não impede que o juiz determine
a realização de tais exames para aferir o mérito do agente (CP, art. 33, § 2o), desde
que o faça de maneira fundamentada. Em outras palavras, se antes o exame crimi­
nológico era obrigatório, passou a ser facultativo com o advento da Lei n. 10.792/03.
Trabalha-se com a premissa de que nem sempre o mérito do condenado poderá ser
aferido pelo juízo da execução com base em um simples atestado de bom compor­
tamento carcerário emitido pelo diretor do presídio. Se talvez seja possível aferir o
bom comportamento carcerário do autor de crimes de furto por meio de um simples
atestado de bom comportamento carcerário, revela-se mais prudente a realização do

8 BRITO. Op. cit. p. 103.


9 Para mais detalhes acerca dos novos critérios adotados para a progressão de regimes desde a entrada em
vigor do Pacote Anticrime, remetemos o leitor ao título atinente à execução da pena privativa de liberdade.
10 Para Saio de Carvalho (Crítica à execução penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 162), é extre­
mamente perverso utilizar o discurso da psiquiatria junto ao jurídico para criar um modelo de controle
social, sempre na esperança de que a medição da periculosidade aponte a propensão ao delito, causas da
delinquência, personalidade criminosa, tudo na mais evidente aproximação de Lombroso, para que possa
servir de parâmetro seguro para o sistema de execução penal.
Cap. II • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 57

exame criminológico para se conceder a progressão de regimes a condenado por vá­


rios homicídios, com histórico de fugas e participação em rebeliões, permitindo-se, a
partir de uma visão mais global do condenado, que o juízo da execução tenha mais
segurança para avaliar o requisito subjetivo exigido para a progressão.
Logo, nas hipóteses de condenados com históricos de fugas, faltas disciplinares
de natureza grave,11 cometimento de delitos quando anteriormente beneficiado com
regimes mais brandos, o exame criminológico poderá ser determinado de maneira
fundamentada pelo magistrado de modo a aferir de maneira mais precisa e cons­
ciente se o apenado efetivamente absorveu a terapêutica penal - se é que isso é
possível nos dias de hoje. É exatamente nesse sentido, aliás, o teor da Súmula n.
439 do STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde
que em decisão motivada”.12 Com raciocínio semelhante, confira-se o enunciado da
Súmula vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento
de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a in-
constitucionalidade do art. 2o da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo
de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do
benefício, podendo determinar, para tal fim de modo fundamentado, a realização
do exame criminológico” 13
De todo modo, ainda que determinada a realização do exame criminológico,
convém destacar que o magistrado não fica vinculado à conclusão dos experts. Desde
que o faça de maneira fundamentada, o magistrado é livre para decidir em sentido
contrário, nos termos do art. 182 do CPP.

6. IDENTIFICAÇÃO DO PERFIL GENÉTICO

Por conta da forma de execução, crimes violentos têm grande probabilidade


de deixar vestígios biológicos no local do crime. Por isso, a depender do grau de

11 No sentido de que o cometimento de falta disciplinar de natureza grave no curso da execução penal justi­
fica a exigência de exame criminológico para fins de progressão de regime: STJ, 5a Turma, HC 556.422-SP,
Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 05.03.2020, Dje 23.03.2020; STJ, 5a Turma, HC 519.383-SP, Rei. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, j. 17.09.2019, Dje 25.09.2019; STJ, 6a Turma, HC 457.713-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j.
09.10.2018, DJe 26.10.2018.
12 No sentido de que a nova redação do art. 112 da Lei de Execuções Penais, conferida pela Lei 10.792/03,
deixou de exigir a submissão do condenado a exame criminológico, anteriormente imprescindível para fins
de progressão do regime prisional, sem, no entanto, retirar do Juiz a faculdade de requerer sua realização
quando, de forma fundamentada e excepcional, entender absolutamente necessária sua confecção para
a formação de seu convencimento: STJ, 5a Turma, RHC 20.698/RJ, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 24/04/2007, DJ
04/06/2007 p. 380; STJ, 5a Turma, HC 103.352/RS, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 11/11/2008, DJe
15/12/2008; STJ, 5a Turma, HC 114.882/SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 27/04/2009, DJe 25/05/2009.
Admitindo a realização de exame criminológico na hipótese de fuga do condenado: STJ, 6a Turma, HC
105.337/RS, Rei. Min. Jane Silva - Desembargadora convocada doTJ/MG -, j. 26/08/2008, DJe 08/09/2008.
13 No sentido de que se defere ao juízo da execução a faculdade de requisitar o exame criminológico e
utilizá-lo como fundamento da decisão que julga o pedido de progressão, concluindo, ademais, que a
adoção de textos semelhantes em despachos relacionados a procedimentos idênticos não viola o prin­
cípio da individualização da pena nem gera nulidade por falta de fundamentação quando o conteúdo
tratar de especificidades do caso concreto sob análise: STF, 2a Turma, Rcl 27.616 AgR/SP, Rei. Min. Ricardo
Lewandowski, j. 09/10/2018.
58 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

observância das etapas da cadeia de custódia, principalmente aquela atinente ao


isolamento,14 os instrumentos do delito, o corpo da vítima, as peças de roupas por
ela usadas à época, e outros objetos que tiveram contato físico com o autor do delito
podem fornecer informações decisivas para inocentar um possível suspeito ou até
mesmo identificar o verdadeiro autor do delito.
Daí a importância da denominada identificação do perfil genético, introduzida
no ordenamento jurídico pela Lei n° 12.654/12. Afinal, o exame de DNA possibilita
que pequenas quantidades de vestígios biológicos, possivelmente invisíveis a olho nu,
sejam suficientes para a obtenção de resultados satisfatórios. Como todo ser vivo
possui informação genética, havendo variabilidade dessas informações entre seres
de uma mesma espécie, a análise do material biológico pode apontar a fonte de
onde ele partiu, identificando sua origem. Aliás, mesmo quando um perfil genético
não puder ser comparado com uma amostra cujo doador seja conhecido, podem
ser extraídas do DNA informações úteis para as investigações criminais, como, por
exemplo, o sexo da pessoa. De mais a mais, como a molécula do ácido desoxirri-
bonucleico é robusta e tem alta estabilidade química e térmica, este alto grau de
resistência do DNA a fatores ambientais contribui sensivelmente para a obtenção de
perfis genéticos, mesmo após longos períodos de tempo.15
A implantação de bancos de dados de perfis genéticos16 tem se tornado
uma tendência mundial. Isso porque a implantação desses bancos implica em
evidente aprimoramento da capacidade investigatória do Estado, proporcionando,
como destaca a doutrina, uma “maior capacidade resolutiva das investigações
que dispõem desse arcabouço técnico”.17 Nessa esteira, a Lei n. 12.654/12 passou
a prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal em
duas hipóteses diversas:
1. Lei da Identificação criminal: de acordo com o art. 3o, inciso IV, e o
art. 5o, parágrafo único, ambos da Lei n. 12.037/09, incluído este último pela
Lei n. 12.654/12, se a identificação genética for essencial às investigações poli­
ciais, a autoridade judiciária competente poderá determinar a coleta de material

14 CPP: "Art. 158. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas: (...)
II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente
imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local do crime; (...)".
15 Nesse contexto: SILVA, Emílio de Oliveira. Identificação genética para fins criminais. Belo Horizonte: Editora
Dei Rey, 2014. p. 2-40. Como observa o autor (op. cit. p. 45), à semelhança da datiloscopia, "o exame ge­
nético é um método biométrico que singulariza características físicas, porém, em dimensões moleculares.
Sua finalidade é a obtenção do perfil genético do sujeito, o qual será representado por codificações
alfanuméricas que possibilitam individualizar a pessoa. Em uma simples metáfora: é o 'CPF genético' do
ser humano".
16 O Decreto n° 7.950/13 instituiu o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de
Perfis Genéticos: aquele tem como objetivo armazenar dados de perfis genéticos coletados para subsidiar
ações destinadas à apuração de crimes; esta visa permitir o compartilhamento e a comparação de perfis
genéticos constantes dos bancos de perfis genéticos da União, dos Estados e do Distrito Federal.
17 SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano. Projeto de Lei "Anticrime" e as modificações no regime legal da
identificação criminal e do banco de perfis genéticos. In Projeto de Lei Anticrime. Salvador: Editora Juspodivm,
2019. p. 26.
Cap. II • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 59

biológico para fins de obtenção do perfil genético. Quando o dispositivo sob


comento exige autorização judicial para a coleta de material biológico, refere-
-se à hipótese em que há uma pessoa certa e determinada (fonte conhecida)
sobre a qual recaem suspeitas da prática de determinada infração penal. Por
consequência, quando a fonte do material biológico for desconhecida, não há
necessidade de prévia autorização judicial. É o que ocorre quando vestígios
como sangue, saliva, esperma, tecidos orgânicos e outras amostras contendo
material genético são encontrados no local do crime. Nessa hipótese, como o
material a ser analisado está destacado do corpo humano, o que possibilita a
realização do exame de DNA sem qualquer tipo de intervenção corporal, obser­
vadas todas as etapas da cadeia de custódia (CPP, art. 158-B, incluído pela Lei
n. 13.964/19), a própria autoridade policial deverá determinar a realização da
perícia, nos termos do art. 6o, inciso VII, do CPP, independentemente de prévia
autorização judicial. Nesse contexto, ao dispor sobre o atendimento obrigatório
e integral de pessoas em situação de violência sexual, compreendida como qual­
quer forma de atividade sexual não consentida, os §§ 2o e 3o do art. 3o da Lei
n° 12.845/13 dispõem expressamente que, no tratamento das lesões, caberá ao
médico preservar materiais que possam ser coletados no exame médico legal,
cabendo ao órgão de medicina legal o exame de DNA para identificação do
agressor. Como se trata de exame pericial em material biológico coletado no
corpo da vítima, desde que esta concorde com a realização do exame, não há
necessidade de prévia autorização judicial;
2. Lei de Execução Penal: por força da redação conferida pela Lei n. 12.654/12,
originariamente, ao art. 9°-A, caput, da LEP, os condenados por crime praticado,
dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos
crimes previstos no art. Io da Lei n. 8.072/90, seriam submetidos, obrigatoriamente,
à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribo-
nucleico, por técnica adequada e indolor. Diversamente da hipótese prevista no art.
3o, IV, da Lei n° 12.037/09, em que a identificação do perfil genético é feita para ser
utilizada como prova em relação a um crime já ocorrido - pode ser qualquer delito
(v.g., crime doloso, culposo, infração de menor potencial ofensivo, etc.), já que o
dispositivo não faz qualquer restrição quanto à espécie de infração penal -, no caso
do art. 9°-A, caput, da LEP, a coleta compulsória do material genético seria feita
apenas em relação aos condenados pela prática de um rol taxativo de delitos,18 sendo
que a identificação irá para um banco de dados de modo a ser usada eventualmente
em persecuções criminais indeterminadas, de crimes que já foram ou que vierem a
ser cometidos.19 Ademais, diversamente da identificação genética prevista na Lei n.

18 Referindo-se o dispositivo, em sua redação original, apenas aos crimes hediondos, não se poderia admitir
a obrigatoriedade de identificação genética para os condenados por crimes equiparados a hediondos (v.g.,
tráfico de drogas), sob pena de evidente violação ao princípio da legalidade, salvo se tal delito também
fosse cometido dolosamente com violência de natureza grave contra pessoa (v.g., tortura).
19 Mesmo ainda subaproveitados, até o dia 28 de novembro de 2020 os bancos de DNA no Brasil já auxi­
liaram 1977 investigações, apresentando ao poder público 2662 coincidências confirmadas, sendo 2088
60 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

12.037/09, não há, no caso da LEP, necessidade de prévia autorização judicial para
fins de coleta do material biológico. Na verdade, a autorização judicial só se faz
necessária para que a autoridade policial, federal ou estadual, no caso de inquérito
instaurado, tenha acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético (LEP,
art. 9°-A, §2°).
Eis que surge, então, o Pacote Anticrime, pretendendo, dentre outras mu­
danças na LEP, ampliar sobremaneira os condenados que estariam sujeitos à
identificação compulsória do perfil genético. Ocorre que o Presidente da Repú­
blica acabou vetando a nova redação conferida ao caput do art. 9°-A da LEP, com
base nos seguintes argumentos: “A proposta legislativa, ao alterar o caput do art.
9°-A, suprimindo a menção expressa aos crimes hediondos, previstos na Lei n.
8.072/90, em substituição somente a tipos penais específicos, contraria o interesse
público, tendo em vista que a redação acaba por excluir alguns crimes hediondos
considerados de alto potencial ofensivo, a exemplo do crime de genocídio e o de
posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, além daqueles que serão
incluídos no rol de crimes hediondos com a sanção da presente proposta, tais
como os crimes de comércio ilegal de armas, de tráfico internacional de arma e
de organização criminosa”.
O veto presidencial, todavia, não durou muito tempo, eis que o Congresso
Nacional optou por rejeitá-lo. Com isso, o art. 9°-A, caput, da LEP, passou a ter
a seguinte redação: “Art. 9°-A. O condenado por crime doloso praticado com
violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a
liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obriga­
toriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido
desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional”. Da comparação entre as duas redações, podemos extrair
algumas importantes conclusões:
a. foi mantida na Lei de Execução Penal a identificação obrigatória do per­
fil genético nos crimes dolosos praticados com violência grave contra pessoa. Sem
embargo do caráter dúbio e controverso dessa expressão, queremos crer que o
legislador se refere a crimes dos quais resultem lesões graves, gravíssimas, ou a
morte da vítima, tais como lesão corporal seguida de morte, homicídio simples
ou qualificado etc.;
b. enquanto o crime praticado com violência grave contra a pessoa deve neces­
sariamente ser doloso, porque o art. 9°-A, caput, da LEP, é explícito nesse sentido,
ao se referir aos crimes contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual
contra vulnerável, o legislador não faz semelhante ressalva. Logo, com base na regra
da hermenêutica segundo a qual não é dado ao intérprete restringir onde a lei não
o fez, o ideal é concluir que, neste último caso, pouco importa se o delito é doloso
ou culposo (v.g., homicídio culposo);

entre vestígios e 574 entre vestígio e indivíduo cadastrado criminalmente. Nesse sentido: BRASIL. RIBPG.
XIII Relatório da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, p. 31.
Cap. II • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 61

c. a identificação do perfil genético deixa de ser obrigatória para indivíduos


condenados por qualquer dos crimes hediondos previstos no art. Io da Lei n. 8.072/90.
Doravante, a medida será obrigatória apenas quando se tratar de condenado pela
prática dos seguintes crimes:
c.l. crimes contra a vida: são aqueles previstos no Capítulo I (“Dos Crimes
contra a vida”) do Título I (“Dos crimes contra a pessoa”) da Parte Especial do
Código Penal. Referida locução abrange, portanto, qualquer espécie de homicídio
(CP, art. 121), o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio - e não a participa­
ção em automutilação (CP, art. 122, com redação dada pela Lei n. 13.968/19) -,20 o
infanticídio (CP, art. 123) e os abortos (CP, arts. 124, 125 e 126);
c.2. crimes contra a liberdade sexual: são aqueles previstos no Capítulo I
(“Dos crimes contra a Liberdade Sexual”) do Título VI (“Dos crimes contra a
dignidade sexual”) da Parte Especial do Código Penal, onde estão inseridos os
crimes de estupro (CP, art. 213), violação sexual mediante fraude (CP, art. 215),
importunação sexual (CP, art. 215-A, incluído pela Lei n. 13.718-18), e assédio
sexual (CP, art. 216-A);
c. 3. crimes sexuais contra vulneráveis: a locução abrange os delitos previstos
no Capítulo II (“Dos crimes sexuais contra vulnerável”) do Título VI (“Dos crimes
contra a dignidade sexual”) da Parte Especial do Código Penal, quais sejam, estupro
de vulnerável (CP, art. 217-A), corrupção de menores (CP, art. 218), satisfação de
lascívia mediante presença de criança ou adolescente (CP, art. 218-A), favorecimento
da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou
de vulnerável (CP, art. 218-B), divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro
de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (CP, art. 218-C);
d. O art. 9°-A, caput, da LEP, com redação alterada pelo Pacote Anticrime, não
é muito claro acerca do momento exato em que deve ocorrer a coleta do material
genético do sentenciado. Refere-se tão somente a “condenado”. Pela topografia do
referido preceito legal, é sabido que essa coleta ocorre por ocasião da classificação
do sentenciado no início da execução da pena. Logo, partindo-se da premissa de
que o Supremo Tribunal Federal condiciona o cumprimento da prisão penal ao
trânsito em julgado da sentença penal condenatória (ADCs 43, 44 e 54), parece ser
este o momento adequado para a identificação do perfil genético do condenado.

20 Originalmente, o art. 122 do CP incriminava tão somente o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, nos
seguintes termos: "Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça".
À época, dúvida nenhuma havia quanto ao fato de se tratar de crime contra a vida. Eis que surge, então,
a Lei n. 13.968, com vigência em data de 27/12/2019, conferindo ao referido delito não apenas uma nova
rubrica marginal - induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação mas também
uma nova redação típica, nos seguintes termos: "Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a
praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio para que o faça". Em que pese o legislador ter introduzido
esta novel figura delituosa de participação em automutilação no art. 122 do CP, logo, dentro do Capítulo
da Parte Especial que versa sobre os "crimes contra a vida", é de todo evidente que estamos diante de
um verdadeiro crime contra a integridade corporal, o qual, por consequência, deveria ter sido alocado no
art. 129 do CP. Destarte, por não se tratar de crime contra a vida, queremos crer que o condenado pela
prática do referido delito não está sujeito à identificação do perfil genético.
62 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Não se revela possível, portanto, a coleta de material biológico de presos cautelares


para fins de identificação do perfil genético, pelo menos com base no art. 9°-A,
caput, da LEP. A tal conclusão também podemos chegar por meio de uma análise
da própria tramitação do denominado “Projeto Moro”. Explica-se: por ocasião da
sua apresentação no Congresso Nacional, sugeria-se a seguinte redação ao caput do
art. 9°-A da LEP: “Os condenados por crimes praticados com dolo, mesmo antes
do trânsito em julgado da decisão condenatória, serão submetidos, obrigatoriamente,
à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribo-
nucleico, por técnica adequada e indolor, quando do ingresso no estabelecimento
prisional” (nosso grifo). Esta redação sugerida, porém, sequer foi aprovada nesses
termos pelo Congresso Nacional.
Destarte, como consequência decorrente do trânsito em julgado de sentença
condenatória, o condenado deverá fornecer amostra biológica de maneira compul­
sória, a qual vai dar origem a um perfil genético que vai alimentar um banco de
dados sigiloso. Uma vez confrontado com outros perfis já armazenados nesse mesmo
banco de dados, oriundos de cenas de crimes não elucidados, ou até mesmo extraído
do corpo de vítimas de crimes violentos ou sexuais, eventual coincidência (“match”)
poderá torná-lo suspeito de tal crime, cuja elucidação talvez jamais fosse possível
sem a existência de um banco de dados de perfis genéticos. A título de exemplo,
o resultado do cruzamento de DNA colhido em cenas de crime com o material
genético de um suspeito, preso no final de 2018, conseguiu provar a participação
dele em três crimes diversos: no homicídio de um agente federal de execução penal
em Cascavel, ocorrido em 2016; no roubo à base da Prosegur, em Ciudad Dei Este,
Paraguai, em 2017; e na explosão de um caixa eletrônico do Banco do Brasil, em
Campo Grande, no mesmo ano. As investigações da PF apontavam a participação
do criminoso no homicídio e havia suspeita de que ele tinha participado do crime
no Paraguai. O terceiro crime nem estava no radar das investigações. O cruzamento
das informações só foi possível porque os vestígios biológicos, coletados por peritos
nos respectivos locais do crime, estavam inseridos no Banco Nacional de Perfis
Genéticos (BNPG).21 j
Noutro giro, visando corrigir um lapso da Lei n. 12.654/12 no tocante aos
indivíduos que já estavam, à época de sua vigência, cumprindo prisão penal, a Lei
n. 13.964/19 acrescentou ao art. 9o-A da LEP um §4° para dispor expressamente
que “o condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido
submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no estabeleci­
mento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da
pena”. Fica evidente, portanto, que a coleta compulsória do material genético deverá
abranger toda e qualquer pessoa condenada irrecorrivelmente pelos crimes acima
mencionados, pouco importando que seu ingresso no estabelecimento prisional tenha
ocorrido antes ou depois da vigência da Lei n. 13.964/19, sem que se possa objetar

21 Banco Nacional de Perfis Genéticos: uma ferramenta eficiente para elucidação de crimes. Disponível
em: <https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1556212211.45> Acesso em 26/02/2020
às 06:35.
Cap. II • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 63

qualquer violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, por não
estarmos diante de norma que versa sobre o ius puniendi do Estado.
A Lei n. 13.964/19 promoveu outras 2 (duas) mudanças relevantes no art. 9o-A
da LEP: a) do regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo com o objetivo de
dispor sobre o banco de dados sigiloso em que será armazenada a identificação do
perfil genético deverão constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos,
observando as melhores práticas da genética forense (LEP, art. 9°-A, §1°-A); b) obje­
tivando resguardar o exercício da ampla defesa em relação à colheita desse material
biológico, deve ser viabilizado ao titular dos dados genéticos o acesso aos seus dados
constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os documentos da
cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela
defesa (LEP, art. 9°-A, §3°).
O Pacote Anticrime também aprimorou a Lei de Execução Penal ao prever,
expressamente, que a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de
identificação do perfil genético constitui falta grave (LEP, art. 9°-A, §8°, e art. 50,
VIII). Pelo menos até a entrada em vigor da Lei n. 13.964/19, não havia regramen­
to explícito nesse sentido. Na verdade, havia quem dissesse que, como a coleta do
material biológico era compulsória, não podendo dela se esquivar o condenado,
eventual resistência de sua parte implicaria, de per si, em falta no curso da execu­
ção penal, eis que o apenado estaria se negando a cumprir uma ordem recebida,
violando, pois, um dos deveres a que está sujeito (LEP, art. 39, V).22 De modo a se
afastar a necessidade de todo esse esforço interpretativo, andou bem o legislador ao
prever, explicitamente, que a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento
de identificação do perfil genético terá, doravante, de maneira direta e imediata, o
condão de caracterizar falta grave.
Por ocasião da tramitação do Projeto Legislativo que deu origem à Lei n.
13.964/19, 3 (três) outros parágrafos do art. 9°-A da Lei de Execução Penal também
foram inicialmente vetados pelo Presidente da República. Todavia, à semelhança
dos anteriores, esses vetos foram igualmente rejeitados pelo Congresso Nacional.
Vejamos, então, os novos dispositivos legais introduzidos à identificação do perfil
genético de condenados prevista na Lei de Execução Penal.

6.1. (Im) possibilidade de utilização da amostra biológica do condenado


para fins de fenotipagem genética ou de busca familiar
Quando aprovado pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei n. 6.341, de 2019
(10.372/18 na Câmara dos Deputados) acrescentava ao art. 9°-A da LEP o seguinte
dispositivo: “§5° A amostra biológica coletada só poderá ser utilizada para o único
e exclusivo fim de permitir a identificação pelo perfil genético, não estando autori­
zadas as práticas de fenotipagem genética ou de busca familiar”.

22 LEP: "Art. 39. Constituem deveres do condenado: (...) V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens
recebidas-, (...)".
64 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Todavia, o novel dispositivo legal foi vetado pelo Presidente da República com
base nas seguintes razões: “A propositura legislativa, ao vedar a utilização da amostra
biológica coletada para fins de fenotipagem e busca familiar infralegal, contraria o
interesse público por ser uma técnica que poderá auxiliar no desvendamento de crimes
reputados graves, a exemplo de identificação de irmãos gêmeos, que compartilham
o mesmo perfil genético, e da busca familiar simples para identificar um estuprador,
quando o estupro resulta em gravidez, valendo-se, no caso, do feto abortado ou, até
mesmo, do bebê, caso a gestação seja levada a termo.”
Andou bem o legislador ao derrubar o veto presidencial, eis que o §5° do art.
9o-A da LEP, incluído pela Lei n. 13.964/19, simplesmente busca se alinhar ao art. 5o-A,
§1°, da Lei n. 12.037/09, incluído pela Lei n. 12.654/12, segundo o qual as informações
genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços
somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero,
consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma
humano e dados genéticos. Dado o caráter invasivo inerente à identificação do perfil
genético, não se pode admitir sua utilização para outros fins. Louvável, portanto, a
vedação expressa às práticas de fenotipagem genética23 ou de busca familiar, pois assim
se poderá evitar um possível excesso de invasão no patrimônio genético das pessoas.

6.2. Obrigatoriedade de descarte imediato da amostra biológica tão logo


identificado o perfil genético
Por ocasião de sua aprovação pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei que
deu origem ao Pacote Anticrime acrescentava ao art. 9°-A mais um parágrafo, in
verbis: “§6° Uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida
nos termos do caput deste artigo deverá ser correta e imediatamente descartada, de
maneira a impedir a sua utilização para qualquer outro fim.”
O dispositivo, todavia, também foi vetado pelo Presidente da República, nos
seguintes termos: “A proposta legislativa, ao prever o descarte imediato da amos­
tra biológica, uma vez identificado o perfil genético, contraria o interesse público
tendo em vista que a medida pode impactar diretamente no exercício do direito
da defesa, que pode solicitar a refeitura do teste, para fins probatórios. Ademais,
as melhores práticas e recomendações internacionais dizem que após a obtenção
de uma coincidência (match) a amostra do indivíduo deve ser novamente testada
para confirmação do resultado. Trata-se de procedimento de controle de qualidade
com o objetivo de evitar erros.”

23 Marina Virmond, Anny Robert, Priscila Brito e Thiago Massuda esclarecem que "(...) o fenótipo pode ser
definido como as características morfológicas, fisiológicas e comportamentais detectáveis em um orga­
nismo, como produto da composição genética do mesmo e da influência de fatores ambientais. Assim,
as proteínas que o genótipo codifica determinam, em conjunto com o ambiente, as CEV's (características
externamente visíveis) de um indivíduo (...)", acrescentando que, atualmente, "(...) as CEV's associadas à
pigmentação (cor dos olhos, da pele e do cabelo) são as melhores representantes da aplicação prática da
fenotipagem forense pelo DNA (...)". (Fenotipagem forense pelo DNA através de SNP's. Revista Brasileira de
Criminalística, v. 5, n. 2, p. 37, 2016. Disponível em: file:///C:/Users/Marcos/Downloads/Fenotipagem_foren-
se_pelo_DNA_atraves_de_SNPs.pdf. Acesso em: 28.04.2021 às 22:35.
Cap. II • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 65

O Congresso Nacional houve por bem, todavia, rejeitar o veto presidencial. E


o fez, a nosso juízo, acertadamente. Com efeito, atento à vedação constante do art.
9°-A, §5°, da LEP, acrescentado pelo Pacote Anticrime, e de modo a não permitir que
a amostra biológica coletada seja utilizada para finalidades estranhas à identificação
do perfil genético, como, por exemplo, a fenotipagem genética e a busca familiar,
evitando-se, assim, indevida exposição do patrimônio genético e, por conseguinte,
da própria intimidade do sentenciado, o dispositivo sob comento prevê expressa­
mente que, tão logo concluída a identificação do perfil genético, a respectiva amostra
biológica deverá ser descartada.
Trata-se, pois, o §6° do art. 9°-A do CPP, de norma especial em relação ao art.
158-F do CPP, também incluído pelo Pacote Anticrime. Explica-se: enquanto este
dispositivo dispõe que, “após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido
à central de custódia, devendo nela permanecer”, aquele prevê o descarte - proce­
dimento referente à liberação do vestígio - como regra, leia-se, como um efeito
automático decorrente da conclusão do exame pericial em si, independentemente
de prévia autorização judicial.

6.3. Obrigatoriedade de coleta da amostra biológica e elaboração do


respectivo laudo por perito oficial
Da aprovação da Lei n. 13.964/19 pelo Congresso Nacional também resultou
o acréscimo de um §7° ao art. 9°-A da Lei de Execução Penal, com a seguinte re­
dação: “§7° A coleta da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo serão
realizadas por perito oficial.”
Novamente, o Presidente da República optou por vetar o dispositivo, apontando,
para tanto, a seguinte fundamentação: “A proposta legislativa, ao determinar que
a coleta da amostra biológica ficará a cargo de perito oficial, contraria o interesse
público, notadamente por se tratar de mero procedimento de retirada do material.
Ademais, embora a análise da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo
pericial sejam atribuições exclusivas de perito oficial, já existe um consenso que a
coleta deve ser supervisionada pela perícia oficial, não necessariamente realizada
por perito oficial. Além disso, tal restrição traria prejuízos à execução da medida e
até mesmo a inviabilizaria em alguns estados em que o número de peritos oficiais
é insuficiente.” O veto, todavia, foi derrubado pelo Congresso Nacional.
Esta breve análise do processo legislativo do dispositivo sob comento demonstra
que não houve qualquer controvérsia entre o Poder Legislativo e o Executivo quanto
à necessidade de o laudo ser realizado por perito oficial. Dado o elevado grau de
conhecimento científico necessário para a realização de tais exames periciais, dúvida
não há quanto à imprescindibilidade de perito oficial para a sua realização. Aplica-se,
por analogia, o art. 5o-A, §3°, da Lei n. 12.037/09, segundo o qual as informações
obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignados em laudo
pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado. Se assim o é no âmbito
da Lei de Identificação Criminal, não haveria de ser diferente no bojo do art. 9°-A
da LEP, haja vista a identidade de razões (ubi eadem ratio ibi eadem ius - aplica-se
a mesma disposição de direito onde houver identidade de razão).
66 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

Na verdade, a discordância do Presidente da República ficou restrita à exigência


de perito oficial também no momento da extração do material biológico. De fato,
havia certa controvérsia quanto à necessidade de a coleta do material biológico ser
necessariamente realizada por tal expert. Com a derrubada do veto presidencial, o
§7° do art. 9°-A da LEP deixa expresso que, doravante, não apenas a elaboração do
laudo, como também a coleta da amostra biológica deverão ser realizadas, obriga­
toriamente, por perito oficial.
Trata-se, pois, de norma especial em relação ao art. 158-C, caput, do CPP, com
redação dada pela Lei n. 13.964/19, segundo o qual a coleta dos vestígios deverá ser
realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessá­
rio para a central de custódia. Ora, ao fazer uso do advérbio “preferencialmente”,
o art. 158-C, caput, do CPP, denota que se acaso não for possível o recolhimento
dos vestígios que serão submetidos à análise por perito oficial, dois peritos não
oficiais poderão fazê-lo, nos termos do art. 159, §§1° e 2o, do CPP. Em sentido
completamente diverso, o art. 9°-A, §7°, da LEP, é expresso ao afirmar que a coleta
da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo “serão realizadas por perito
oficial”. Ora, os termos imperativos aí utilizados não deixam dúvidas quanto ao
caráter cogente da norma, cuja inobservância pode gerar questionamentos quanto
à possível contaminação da cadeia de custódia.
Em conclusão, conquanto o Pacote Anticrime tenha tornado obrigatória a coleta
da amostra biológica por perito oficial para condenados pelos crimes listados no
art. 9o-A, caput, da LEP, não teve o mesmo cuidado em relação à coleta de material
biológico para a obtenção do perfil genético nos casos em que esta for essencial às
investigações policiais (Lei n. 12.037/09, art. 3o, IV, c/c art. 5o, parágrafo único). Logo,
enquanto a coleta de material biológico de condenados - e o subsequente exame
pericial - só podem ser realizados por perito oficial (LEP, art. 9°-A, §7°, incluído
pela Lei n. 13.964/19), nas hipóteses em que a coleta de material biológico for de­
terminada pela autoridade judiciária de modo a auxiliar nas investigações policiais,
o recolhimento dos vestígios necessários à identificação do perfil genético poderá,
eventualmente, ser realizado por 2 (dois) peritos não oficiais, se acaso não houver
perito oficial disponível. Conquanto tal distinção possa parecer, à primeira vista,
completamente absurda, já que em ambas as hipóteses estamos diante da coleta de
material biológico para fins de ulterior identificação do perfil genético, há de se ter
em mente que, no caso da Lei de Execução Penal (art. 9o-A), o ato em questão recai
sobre “condenados”. É dizer, a coleta será realizada em estabelecimentos prisionais,
geralmente localizados em comarcas de médio a grande porte, onde provavelmente
já haverá um perito oficial lotado, com atribuições específicas para proceder ao re­
colhimento desse material e, na sequência, realizar o respectivo exame pericial, sem
contar a possibilidade de que as extrações sejam agendadas para datas específicas,
facilitando a presença do perito oficial. Tamanha cautela revela-se proporcional,
portanto, à magnitude e à indisponibilidade do bem em jogo, qual seja, o patrimônio
genético humano. A situação difere, diametralmente, daquela em que a coleta é de­
terminada pela autoridade judiciária para auxiliar nas investigações de determinado
delito. Ora, como essa diligência investigatória poderá ser executada em qualquer
local onde seja possível a localização desses vestígios materiais (v.g., residência do
Cap. il • CLASSIFICAÇÃO DO CONDENADO E DO INTERNADO 67

investigado), a restrição à coleta exclusivamente por perito oficial certamente traria


prejuízos irreparáveis à eficácia da medida, até mesmo inviabilizando-a em inúmeras
cidades Brasil afora, desprovidas que são de tais profissionais. Logo, em tal hipótese,
o ideal realmente é aplicar o regramento do art. 158-C, caput, do CPP, no sentido
de que a coleta seja realizada preferencialmente por perito oficial. Destarte, na falta
de perito oficial para participar da referida diligência, a coleta em si poderá ser im­
plementada por 2 (dois) peritos não oficiais, sem qualquer questionamento quanto
à integridade da cadeia de custódia, até mesmo por se tratar de ato mecânico, que
não demanda expertise maior.

6.4. (In) constitucionalidade da identificação do perfil genético


A nosso juízo, a coleta de material biológico para fins de identificação do perfil
genético não viola o princípio constitucional (e convencional) que veda a autoincri-
minação (nemo tenetur se detegere), nem mesmo nas hipóteses em que pessoa certa
e determinada se negar a fornecer material biológico para a obtenção de seu perfil
genético, ou seja, quando o exame recair sobre fonte conhecida sem que esta esteja
disposta a consentir com a identificação genética.24
Primeiro porque o art. 9°-A, caput, da LEP, estabelece a obrigação legal de que
pessoas já condenadas pela prática de crimes graves forneçam material biológico a
fim de compor bancos de dados, que poderão vir a subsidiar eventualmente futuras
investigações em relação a crimes diversos dos que motivaram a extração. Como
se percebe, não se demanda um comportamento ativo do condenado no sentido de
fornecer provas para uma investigação ou processo em andamento, mas simples­
mente a “alimentação” do banco de dados que permanecerá inerte (passivo), cujo
acesso pela Polícia (ou pelo Ministério Público) estará condicionado à autorização
judicial prévia (LEP, art. 9o-A, §2°). A questão guarda pertinência com importante
precedente da Suprema Corte norte americana - caso “Schmerber v. Califórnia” de
1966 -, no qual foi realizada uma distinção entre procedimentos que impõem uma
participação ativa do acusado e aqueles outros em que o indivíduo é apenas uma
fonte passiva de elementos de prova, hipótese esta em que não haveria ofensa ao
princípio que veda a autoincriminação.25
De mais a mais, ainda que se queira argumentar que a coleta do material bio­
lógico é feita de maneira invasiva - o procedimento utilizado geralmente envolve
a introdução de um swab (cotonete estéril) no interior da boca para extração do
material genético da mucosa bucal -, hipótese em que se poderia objetar que a

24 Em sentido diverso, Alencar e Távora (Curso de Direito Processual Penal. 8a ed. Salvador: Editora Juspodivm,
2013. p. 124) sustentam que, diante do princípio da vedação à autoincriminação, havendo recursa do
capturado ou indiciado em fornecer material biológico para obtenção de seu perfil genético, não se pode
obrigá-lo ao fornecimento. Em sentido semelhante: ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 8a
ed. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2013, p. 34; MIRANDA, Rafael de Souza. Manual de Execução Penal: teoria e
prática. 2a ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 37.
25 Nesse contexto: AVENA, Norberto. Execução penal esquematizado. 2a ed. São Paulo: Método, 2015. p. 29.
Para Nucci (Op. cit. p. 28), essa modalidade de identificação é apenas uma espécie de identificação criminal,
não constituindo, por si só, constrangimento ilegal ou afronta a qualquer direito individual.
68 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

realização do procedimento estaria condicionada à aquiescência do apenado, não se


pode olvidar que, diante de amostras de sangue, urina, cabelo, ou de outros tecidos
orgânicos, descartadas voluntária ou involuntariamente pelo investigado na cena do
crime ou em outros locais, não há qualquer óbice a sua coleta, sem que se possa
arguir eventual violação ao princípio do nemo tenetur se detegere.26
A propósito, convém lembrar que, aos olhos dos Tribunais, referido princípio
impede que o acusado seja compelido a produzir qualquer prova incriminadora in-
vasiva. Por isso, em diversos julgados, o Supremo já se manifestou no sentido de que
o acusado não é obrigado a fornecer material para realização de exame de DNA.27
Todavia, o mesmo Supremo também tem precedentes no sentido de que a produção
dessa prova será válida se a coleta do material for feita de forma não invasiva (v.g.,
exame de DNA realizado a partir de fio de cabelo encontrado no chão).28 Idêntico
raciocínio deve ser empregado quanto à identificação do perfil genético: desde que
o acusado não seja compelido a praticar qualquer comportamento ativo que possa
incriminá-lo, nem tampouco a se sujeitar à produção de prova invasiva, há de ser
considerada válida a coleta de material biológico para a obtenção de seu perfil genético.
Enfim, como destaca Suxberger, “se a investigação criminal no Brasil demanda
melhorias urgentes, seja pelos dados de sua inefetividade para solução de crimes,
seja pela opção garantidora de direitos em favor da investigação técnico-científica
(em lugar da primazia da prova oral, com todas as suas falhas e problemas de sen­
tido e produção), é bem-vinda a mudança que prioriza o aspecto técnico-científico.
Tal assertiva ganha ainda mais importância quando se tem em consideração que o
cotejo de material com banco de perfis genéticos, em geral, presta-se como medida
excludente de autoria, e não necessariamente de confirmação do crime, cuja elu­
cidação reclama compreensão de sua dinâmica (e isso vai muito além do simples
confronto afirmativo do material genético”.29
A controvérsia deverá ser dirimida em breve pelo Supremo Tribunal Federal,
onde o tema é objeto de tese de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n.
973.837, cujo Relator é o Min. Gilmar Mendes, no curso do qual, aliás, tivemos a
oportunidade de proferir sustentação oral, atendendo a honroso convite que nos foi
formulado pela Academia Brasileira de Ciências Forenses, ali habilitada na condição
de amicus curiae.

26 Para Nucci (op. cit. p. 416), a colheita de material biológico para a obtenção do perfil genético não produz
nenhuma invasão à intimidade ou à vida privada, nem tampouco a qualquer direito ou garantia na área
processual penal, pois se volta à correta identificação individual, algo que não se encontra abrangido por
qualquer direito vinculado à defesa do acusado. Segundo Emílio de Oliveira e Silva (op. cit. p. 62), apesar
de não haver definição legal sobre o método de extração do material biológico, a análise do DNA contido
na saliva ou nos cabelos pode ser utilizada no Brasil, uma vez que são consideradas técnicas indolores
que atendem ao disposto no art. 9°-A da LEP, inserido pela Lei n° 12.654/12.
27 STF, Pleno, HC 71.373/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 10/11/1994, DJ 22/11/1996.
28 De se lembrar que, no caso envolvendo a cantora mexicana G.T., mesmo contra a vontade da parturiente,
o Supremo considerou válida a coleta da placenta para que fosse possível a realização de exame de DNA,
já que se tratava de objeto expelido do corpo humano como consequência natural do parto: STF, Pleno,
Rcl-QO 2.040/DF, Rei. Min. Néri da Silveira, DJ 27/06/2003, p. 31.
29 Op. cit. p. 36.
III
ASSISTÊNCIA AO PRESO

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A partir do momento em que se determina a custódia de alguém, surge para


o Estado a obrigação de fornecer a ela os elementos mínimos para a manutenção
de suas necessidades diárias quanto à alimentação, vestuário, acomodação, ensi­
no, profissionalização, religiosidade e quaisquer outras que não confrontem com
a natureza da execução da pena. Afinal, a situação de encarceramento não retira
dessas pessoas seus direitos fundamentais. Pelo contrário. Torna-as carecedoras de
mais tutela, discriminação positiva e segurança por parte do Estado, dada a situa­
ção de absoluta “vulnerabilidade em que se encontram e a responsabilidade estatal
pela guarda de seres humanos em suas instituições asilares”.1 De fato, se o Estado
assumiu para si o direito de privar alguém de sua liberdade, por qualquer razão
que seja, deve igualmente assumir a responsabilidade de assegurar que essa pessoa
seja tratada ao menos de modo digno e humano (princípio da humanidade). Logo,
considerando a situação de vulnerabilidade desse grupo de pessoas, o Estado assume
a posição de verdadeiro garante em relação a elas, daí a necessidade de prestar a
devida assistência ao preso.
A assistência ao preso (penal ou provisório), ao internado e ao egresso, é,
portanto, dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar seu retorno
à convivência em sociedade (LEP, art. 10). A Lei de Execução Penal prevê seis
modalidades de assistência, havendo clara interseção entre elas e os direitos dos
presos, listados em seu art. 41. Subdivide-se a assistência, à luz do art. 11 da LEP,
da seguinte forma: I. material; II. à saúde; III. jurídica; IV. educacional; V. social;
VI. religiosa. Outras relevantes fontes de obrigações materiais de assistência do
Estado são as Regras de Mandela (atual denominação para as Regras Mínimas das
Nações Unidas para o Tratamento de Presos) e as Regras de Bangkok (Regras das

1 ROIG. Op. cit. p. 47.


70 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não privativas de


liberdade para mulheres infratoras).

2. ASSISTÊNCIA MATERIAL

De acordo com o art. 12 da LEP, a assistência material ao preso e ao interna­


do consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. O
dispositivo vem ao encontro do art. 41, inciso I, da LEP, que prevê a alimentação
suficiente e o vestuário como um dos direitos do preso. Incumbe, pois, à adminis­
tração penitenciária fornecer alimentação em quantidade e qualidade condizente
com normas nutritivas e higiênicas, bem como disponibilizar ao preso vestuário
adequado ao clima.
A partir de parâmetros da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN)
e da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), a Resolução
n. 3/2017 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estabeleceu o
número de 5 (cinco) refeições diárias. Na prática, todavia, o número de refeições
diárias costuma ser bem inferior, atingindo, quando muito, o número de 3 (três).
Todos os reclusos também devem ter a possibilidade de se prover com água
potável sempre que necessário. A propósito, segundo decisão da Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos (Caso Vélez Loor vs. Panamá, Sentença de 23.11.2010), a
ausência de disponibilidade de água potável é uma falta grave do Estado em relação
a seus deveres para com a população carcerária.
As Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela) pre-
ceituam com detalhes como deve ser prestada essa assistência material:
a. Higiene pessoal (Regra n. 18): deve ser exigido a todos os reclusos que
se mantenham limpos e, para este fim, ser-lhes-ão fornecidos água e os artigos de
higiene necessários à saúde e limpeza. A fim de permitir aos reclusos manter um
aspeto correto e preservar o respeito por si próprios, ser-lhes-ão garantidos os meios
indispensáveis para cuidar do cabelo e da barba; os homens devem poder barbear-
-se regularmente;
b. Vestuário e roupas de cama (Regras n.s 19, 20 e 21): deve ser garantido
vestuário adaptado às condições climatéricas e de saúde a todos os reclusos que
não estejam autorizados a usar o seu próprio vestuário. Este vestuário não deve de
forma alguma ser degradante ou humilhante. Todo o vestuário deve estar limpo e
ser mantido em bom estado. As roupas interiores devem ser mudadas e lavadas
tão frequentemente quanto seja necessário para a manutenção da higiene. Em
circunstâncias excepcionais, sempre que um recluso obtenha licença para sair do
estabelecimento, deve ser autorizado a vestir as suas próprias roupas ou roupas que
não chamem a atenção. Sempre que os reclusos sejam autorizados a utilizar o seu
próprio vestuário, devem ser tomadas disposições no momento de admissão no es­
tabelecimento para assegurar que este seja limpo e adequado. A todos os reclusos,
de acordo com padrões locais ou nacionais, deve ser fornecido um leito próprio
e roupa de cama suficiente e própria, que estará limpa quando lhes for entregue,
Cap. III • ASSISTÊNCIA AO PRESO 71

mantida em bom estado de conservação e mudada com a frequência suficiente para


garantir a sua limpeza;
c. Alimentação (Regra n. 22): a administração deve fornecer a cada recluso, a
horas determinadas, alimentação de valor nutritivo adequado à saúde e à robustez
física, de qualidade e bem preparada e servida. Todos os reclusos devem ter a pos­
sibilidade de se prover com água potável sempre que necessário.
Como destaca a doutrina, o direito à agua aquecida para o banho, sobretudo
em dias frios, é componente da assistência material e à saúde, estando compreen­
dido no conceito de “instalações higiênicas”.2 A propósito, eis o teor das Regras de
Mandela: “As instalações de banho e duche devem ser suficientes para que todos
os reclusos possam, quando desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou duche
a uma temperatura adequada ao clima, tão frequentemente quanto necessário à
higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas pelo me­
nos uma vez por semana num clima temperado” (Regra n. 16). Nesse sentido, em
caso concreto versando sobre ação civil pública proposta pela Defensoria Pública
estadual visando obrigar o Estado de São Paulo a disponibilizar, em suas unidades
prisionais, equipamentos para banho dos presos em temperatura adequada (“banho
quente”), assim se pronunciou a 2a Turma do STJ: “(...) a legislação impõe ao Es­
tado o dever de garantir assistência material ao preso e ao internado, nela incluída
‘instalações higiênicas’ (Lei 7.210/1984, art. 12), expressão que significa disponi­
bilidade física casada com efetiva possibilidade de uso. Assim, não basta oferecer
banho com água em temperatura polar, o que transformaria higiene pessoal em
sofrimento ou, contra legem, por ir além da pena de privação de liberdade, carac­
terizaria castigo extralegal e extrajudicial, consubstanciando tratamento carcerário
cruel, desumano e degradante”.3
Especificamente em relação à população carcerária feminina, especial atenção
deve ser dispensada às Regras de Bangkok: “A acomodação de mulheres presas de­
verá conter instalações e materiais exigidos para satisfazer as necessidades de higiene
específicas das mulheres, incluindo absorventes higiênicos gratuitos e um suprimen­
to regular de água disponível para cuidados pessoais das mulheres e crianças, em
particular mulheres que realizam tarefas na cozinha e mulheres gestantes, lactantes
ou durante o período da menstruação” (Regra n. 5).
Ainda em relação à assistência material, o art. 13 da LEP dispõe que o esta­
belecimento deverá dispor de instalações e serviços que atendam aos presos nas
suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos
permitidos e não fornecidos pela Administração. Em alguns estabelecimentos pri­
sionais, há cantinas administradas pelos próprios reclusos, conforme dispõe o art.
13 da LEP. Esses itens são vendidos ou trocados pelos presos, sendo de interesse

2 GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Comentários à Lei de Execução Penal. 3a ed. Belo Horizonte: CEI, 2021. p.
60.
3 STJ, 2a Turma, REsp 1.537.530-SP, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 27.04.2017, DJe 27.02.2020.
72 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

sobretudo das pessoas que estão custodiadas longe de seus familiares, tendo acesso,
portanto, apenas à alimentação, roupas e itens de higiene fornecidos pelo Estado.

3. ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Como toda e qualquer pessoa, o recluso também tem direito a atendimento


médico, seja ele de natureza profilática, seja ele de natureza curativa, mormente
se considerarmos sua maior suscetibilidade a doenças infectocontagiosas em razão
das péssimas condições carcerárias encontradas Brasil afora. O próprio INFOPEN,
relatório de dados oficiais do Governo Federal, indica número muito mais elevado
de mortes por doenças que mortes violentas no interior das unidades prisionais.
Isso ocorre porque, ora o preso já está acometido de alguma patologia ao ingressar
no presídio, ora vem a contraí-la durante o curso da execução da pena.
Daí a importância da assistência à saúde do preso e do internado, de caráter
preventivo e curativo, que deverá compreender atendimento médico, farmacêutico
e odontológico (LEP, art. 14, caput). De maneira semelhante, as Regras de Mandela
preveem que a prestação de serviços médicos aos reclusos é da responsabilidade do
Estado. Os reclusos devem poder usufruir dos mesmos padrões de serviços de saúde
disponíveis à comunidade e ter acesso gratuito aos serviços de saúde necessários,
sem discriminação em razão da sua situação jurídica (Regra n. 24).
Na teoria, todo estabelecimento prisional deveria dispor de locais apropriados
para esses atendimentos médicos, evitando-se, assim, que a demora na prestação
de socorro agravasse ainda mais o quadro de saúde do enfermo, quiçá causando
inclusive sua morte. Na prática, todavia, isso nem sempre é possível. Por isso, a
própria Lei de Execução Penal prevê que na eventualidade de o estabelecimento
penal não estar aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será
prestada em outro local, mediante autorização do diretor do estabelecimento (art.
14, §2°), adotando-se, logicamente, as devidas precauções para se evitar uma possível
fuga. Em qualquer das hipóteses, ao preso será permitido pagar por um atendimento
particular, podendo ser acompanhado por um médico de sua confiança (LEP, art.
43), ou internar-se em estabelecimento particular. Outrossim, quando acometido
de doença grave, o recluso terá direito à prisão domiciliar com base no art. 117 da
LEP, independentemente do regime em que encontrar.4
Noutro giro, o art. 14, §3°, da LEP, assegura acompanhamento médico à
mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
De acordo com as Regras de Mandela, se a criança nascer na unidade prisional, tal
fato não deverá constar da sua certidão de nascimento (Regra n. 28). Sem embargo,
se a gestação for de alto risco, demandando tratamento médico que não possa ser
ministrado na unidade prisional em que se encontra recolhida, a jurisprudência
admite a possibilidade de se estender a prisão domiciliar prevista no art. 117, IV, da

4 Para mais detalhes acerca da prisão domiciliar, remetemos o leitor ao capítulo atinente à execução da
pena privativa de liberdade.
Cap. III • ASSISTÊNCIA AO PRESO 73

LEP, destinada a gestante em regime aberto, a presas em regimes diversos (fechado


e semiaberto).5
No plano internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já teve a
oportunidade de se pronunciar diversas vezes acerca da obrigatoriedade de o Estado
prestar adequada assistência médica aos reclusos, sob pena de responsabilização por
violação aos direitos humanos. Tome-se, como exemplo, o caso Chinchilla Sando-
val vs. Guatemala, julgado em 2016: a pessoa condenada contraiu várias doenças
enquanto presa, tendo inclusive uma das pernas sido amputada. Todos os pedidos
de liberdade antecipada foram negados pelo Judiciário. Aos olhos da CIDH, pes­
soas com enfermidades graves, crônicas ou terminais, não devem permanecer na
prisão, salvo quando os Estados possam assegurar que têm unidades adequadas de
atenção médica. No caso Hernandez vs. Argentina, julgado em novembro de 2019,
referente a indivíduo que adquirira tuberculose enquanto preso, não tratada devi­
damente, e da qual resultaram sequelas neurológicas, como a perda da visão de um
olho, incapacidade parcial e permanente de um braço e perda da memória, a CIDH
reconheceu a responsabilidade do Estado da Argentina pela violação do direito à
integridade física da vítima (art. 5o da CADH), determinando, como consequência,
a reparação material e moral dos danos.

4. ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Considerando que a “clientela” do sistema de execução no Brasil é formada,


majoritariamente, por hipossuficientes, nada mais razoável do que provê-los de
assistência jurídica. Afinal, é sabido que nenhum preso costuma se conformar com
a sua condenação, e, ainda que isso ocorresse, certamente não deixaria de almejar
pela reaquisição da sua liberdade de ir e vir. Daí a importância dessa assistência
jurídica, que, no dia a dia dos presídios, funciona como importante instrumento
para amenizar a angústia e o sofrimento daqueles que estão custodiados, pois o
preso sente ao seu alcance a possibilidade de se valer de medidas judiciais para
corrigir eventual excesso de pena, bem como abreviar os dias de cárcere com al­
gum benefício prisional. É dentro desse cenário que o art. 15 da LEP dispõe que a
assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros
para constituir advogado.
Mas a qual órgão incumbe a prestação dessa assistência jurídica? Ora, à luz
da Constituição Federal (art. 134, caput), a Defensoria Pública é instituição es­
sencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e
a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV, sejam
eles pessoas físicas ou jurídicas.6 De seu turno, de acordo com o art. 5o, LXXIV,
da Carta Magna, o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que

5 STJ, 5a Turma, HC 31.011-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 23.03.2004, DJ 31.05.2004. Nesse sentido, tratando,
porém, de presas cautelares: STF, 2a Turma, HC 143.641-SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20.02.2018.
6 Na visão do STF, a Defensoria Pública pode prestar assistência jurídica às pessoas jurídicas que preencham
os requisitos constitucionais. De fato, existe a possibilidade de que pessoas jurídicas sejam hipossuficientes.
As expressões "insuficiência de recursos" e "necessitados", previstas, respectiva mente, nos arts. 5o, LXXIV, e
74 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

comprovarem insuficiência de recursos. Cuida-se, portanto, de instituição pública


dedicada exclusivamente à defesa da população hipossuficiente, a qual, diante do
caráter eminentemente seletivo do Direito Penal brasileiro, acaba por figurar como
“cliente preferencial” da Justiça Criminal.
A assistência jurídica aos presos e aos internados sem recursos financeiros
para constituir advogado é tarefa precípua, portanto, da Defensoria Pública, sendo
a eventual necessidade de cooperação de advogados dativos nomeados uma situa­
ção passageira e de inconstitucionalidade progressiva, como se pode extrair, aliás,
do art. 134 da Constituição Federal e do art. 98, §1°, dos ADCT da CF, inserido
pela Emenda Constitucional n. 80/14. Como destaca a doutrina, a participação de
advogados voluntários ou dativos e núcleos universitários de prática jurídica devem
sempre se dar “nos limites estabelecidos em parcerias com a Defensoria Pública do
respectivo local, nunca à sua revelia, posto que são modelos frágeis e sujeitos às
vicissitudes passageiras da política e ao calendário regular das atividades de ensino.
Não se trata de disputa institucional, e sim de fazer cumprir a vontade constitucio­
nal em se estabelecer um modelo de assistência jurídica capaz de garantir direitos
com competência e efetividade”.7 Destarte, como já decidiu a 5a Turma do STJ,8 se
há ofício judicial que conta com a atuação da Defensoria Pública, revela-se nula
a nomeação de advogado dativo em virtude da patente violação ao princípio do
defensor natural (art. 4o-A, IV, LC n. 80/94).9
A propósito, especial atenção deve ser dispensada ao julgamento da ADI
4.163/SP. Na referida ação, questionava-se a constitucionalidade do art. 234 da Lei
Orgânica da Defensoria Pública de São Paulo, que obrigava a Instituição a manter
convênio com a OAB/SP para prestação de assistência judiciária suplementar à po­
pulação hipossuficiente do Estado. Proclamando o direito fundamental de acesso à
Justiça por meio da Defensoria Pública, o Supremo Tribunal Federal declarou a não
recepção do dispositivo pela Constituição.10 Além de rejeitar suposta obrigatoriedade
e exclusividade do convênio com a OAB, porquanto deturpa a noção de autonomia
constitucionalmente conferida à Defensoria Pública para bem desempenhar suas
funções institucionais (CF, art. 134, § 2o), o STF reafirmou o modelo público de
prestação de assistência jurídica, desenhado pela Constituição Federal, hoje desvir­
tuado em razão da insuficiência de cargos de defensores públicos. Reiterou, ademais,
que a regra primordial para a prestação de serviços jurídicos pela Administração
Pública, enquanto atividade estatal permanente, seria o concurso público, a constituir
situação excepcional e temporária a prestação de assistência jurídica à população
carente por não defensores públicos, o que somente poderá se dar a critério da
própria Defensoria Pública, enquanto gestora da política de assistência jurídica.

134, ambos da Constituição Federal, podem aplicar-se tanto às pessoas físicas quanto às pessoas jurídicas.
Nesse contexto: STF, Pleno, ADI 4.636/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 3.11.2021.
7 GIAMBERARDINO. Op. cit. p. 69.
8 STJ, 5a Turma, HC 332.895/SC, Rei. Min. Felix Fischer, j. 20.10.2016, DJe 03.11.2016.
9 LC n. 80/94: "Art. 4°-A. São direitos dos assistidos da Defensoria Pública, além daqueles previstos na le­
gislação estadual ou em atos normativos internos: (...) IV - o patrocínio de seus direitos e interesses pelo
natural".
10 STF, Pleno, ADI 4.163/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 29/02/2012.
Cap. III • ASSISTÊNCIA AO PRESO 75

Diante da constatação de que, à época do julgamento, cerca de 70% (setenta por


cento) do orçamento da Defensoria Pública de São Paulo seria gasto com o referido
convênio, a Suprema Corte enfatizou que o Estado de São Paulo não poderia, sob
o pálio de convênios firmados para responder a situações temporárias, furtar-se ao
dever jurídico-constitucional de institucionalização plena e de respeito absoluto à
autonomia da defensoria pública.
Na mesma linha, ao apreciar as ADIs 4.270 e 3.892, o Plenário do Supremo
declarou, com eficácia diferida a partir de doze meses a contar da data do julgamento,
a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina e
da LC 155/97 dessa mesma unidade federada. Tais dispositivos autorizavam e regu­
lavam a prestação de serviços de assistência judiciária pela seccional local da Ordem
dos Advogados do Brasil - OAB, em substituição à defensoria pública. Na visão
do Supremo, o modelo catarinense não se utilizaria da parceria com a OAB como
simples forma de suplementar a defensoria pública ou de suprir eventuais carências
desta, mas sim como meio de outorgar à seccional da OAB por meio da indicação
de advogados dativos o papel designado constitucionalmente à Defensoria Pública
- lá inexistente -, violando o quanto disposto nos arts. 5o, LXXIV, e 134, caput, da
Constituição Federal. Sob a ótica do Supremo, o constituinte originário não teria
se limitado a fazer mera exortação genérica quanto ao dever de prestar assistência
judiciária, porém descrevera, inclusive, a forma a ser adotada na execução deste
serviço, sem dar margem a qualquer liberdade por parte do legislador estadual.11
Corroborando esse entendimento, a Lei n. 12.313/10 conferiu nova redação
ao art. 16, caput, da LEP, in verbis: “As Unidades da Federação deverão ter serviços
de assistência jurídica, integral e gratuita, pela Defensoria Pública, dentro e fora
dos estabelecimentos penais”. Em sua redação anterior, o dispositivo limitava-se a
dizer que as unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica nos
estabelecimentos penais. Para se desincumbir dessa obrigação, as Unidades da Fe­
deração deverão prestar auxílio estrutural, pessoal e material à Defensoria Pública,
no exercício de suas funções, dentro e fora dos estabelecimentos penais. Em todos
os estabelecimentos penais, haverá local apropriado destinado ao atendimento pelo
Defensor Público,12 o qual, aliás, não precisa estar inscrito nos quadros da OAB.13
Fora dos estabelecimentos penais, serão implementados Núcleos Especializados da
Defensoria Pública para a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos
réus, sentenciados em liberdade, egressos e seus familiares, sem recursos financeiros
para constituir advogado (LEP, art. 16, §§1°, 2o e 3o). Tais preceitos harmonizam-se
com inúmeros dispositivos da Lei Complementar n. 80/94, que organiza a Defen-

11 STF, Pleno, ADI 3.892/SC, ADI 4.270/SC, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 14/03/2012.
12 Há dispositivos similares na Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar n. 80/94), como, por
exemplo, o art. 4o, §11, que prevê que os estabelecimentos penais "reservarão instalações adequadas ao
atendimento jurídico dos presos e internos por parte dos Defensores Públicos, bem como a esses forne­
cerão apoio administrativo, prestarão as informações solicitadas e assegurarão acesso à documentação
dos presos e internos, aos quais é assegurado o direito de entrevista com os Defensores Públicos".
13 É nesse sentido, aliás, o teor da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 1.074: "É inconstitucional
a exigência de inscrição do Defensor Público nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil". Paradigma:
STF, Pleno, RE 1,240.999/SP, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 03.11.2021.
76 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

soria Pública da União, do Distrito Federal, e prescreve normas gerais para sua
organização nos Estados. Tome-se, como exemplo, o art. 4o, inciso XVII, do referido
diploma normativo, incluído pela LC n. 132/09, que elenca, dentre outras funções
institucionais da Defensoria Pública, a de “atuar nos estabelecimentos policiais,
penitenciários e de internação de adolescentes, visando assegurar às pessoas, sob
quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais”.
Sem embargo de opiniões em sentido contrário, parece-nos que a Constituição
Federal e a Lei de Execução Penal outorgam à Defensoria Pública a prestação de
assistência jurídica apenas em favor de presos e internados sem recursos financeiros
para constituir advogado. Isso porque, ao cuidar de suas atribuições, o art. 134 da
Constituição Federal dispõe expressamente que à Defensoria Pública incumbe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art.
5o, LXXIV, o qual faz menção à assistência jurídica integral e gratuita tão somente
aos que comprovarem insuficiência de recursos. Na mesma linha, seja no art. 15,
seja no art. 16, a Lei de Execução Penal é categórica ao afirmar que a assistência
jurídica, prestada pela Defensoria Pública, deve ser destinada aos presos e aos in­
ternados sem recursos financeiros para constituir advogado. Logo, considerando-se
que a ampla defesa é um direito de todos os presos, sem exceção (LEP, art. 41, VII),
se determinado preso possuir condições financeiras, sua defesa técnica no curso
da execução penal deverá ser patrocinada por advogado por ele constituído. Em
tal hipótese, não se afigura possível a nomeação de Defensor Público para prestar
assistência jurídica, sob pena de desvirtuamento de suas atribuições constitucionais,
e consequente desvio dos parcos recursos humanos do órgão em prol de pessoas
abastadas, negando àqueles realmente necessitados o direito constitucional à assis­
tência jurídica integral e gratuita. Em sentido diverso, todavia, há quem entenda que
a Defensoria Pública pode peticionar e atuar não apenas em favor de presos sem
recursos financeiros para constituir advogado, mas inclusive em prol de reclusos
com advogado constituído, sendo no interesse e de vontade do preso, na qualidade
de órgão da execução penal (LEP, arts. 81-A e 81-B), e na condição não de repre­
sentante da parte, mas sim como custos vulnerabilis ou custos libertatis, em nome
próprio, como já vem reconhecendo o Judiciário, com base no art. 81-A da LEP,
similarmente à hipótese prevista no art. 554, §1°, do CPC.14

5. ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL

Ao lado do trabalho, a educação exerce papel fundamental no processo - ou, ao


menos, tentativa - de recuperação social do preso, já que proporciona ao condenado
maiores facilidades para ganhar licitamente seu sustento, quando, mais dia, menos
dia, recuperar sua liberdade de locomoção. Isso fica ainda mais evidente quando se
tem acesso às estatísticas carcerárias revelando o nível de escolaridade dos presos,
onde se constata que a maioria esmagadora não recebeu ou não completou seus

14 GIAMBERARDINO. Op. cit. p. 69-70.


Cap. III • ASSISTÊNCIA AO PRESO 77

estudos, sejam eles fundamentais, médios ou superiores.15 De fato, a proporção de


analfabetos e/ou analfabetos funcionais na população carcerária nacional é altíssima.
Logo, nada mais razoável do que usar o tempo de cumprimento da pena privativa de
liberdade para contribuir para o seu crescimento e integração social, ou, ao menos,
para fins de remição pelo estudo (LEP, art. 126, §1°, I).
Nessa perspectiva de redução de danos, o art. 17 da LEP preconiza que a
assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional
do preso (e do internado). O preceito harmoniza-se com regras constitucionais que
asseguram a educação para todos, expressão que abrange, evidentemente, não apenas
os homens livres, mas também aqueles que se encontram recolhidos à prisão. Com
efeito, o art. 205 da Constituição Federal dispõe que “a educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho. De seu turno, o art. 208, §1°, da
Carta Magna, é expresso ao afirmar que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito
é direito público subjetivo”.
O ensino fundamental (antigo Io grau) será obrigatório, integrando-se no sis­
tema escolar da Unidade Federativa. A previsão de integração no sistema escolar
da unidade federativa visa evitar que o Departamento Penitenciário ou a respectiva
secretaria necessitem contar com docentes próprios para ministrar aulas e atividades.
Originariamente, a Lei de Execução Penal estabelecia a obrigatoriedade apenas
do ensino de Io grau (ensino fundamental), a possibilidade de realização de cursos
especializados à distância e a instalação de bibliotecas nas unidades prisionais. Com
o advento da Lei n. 13.163/15, e em obediência ao preceito constitucional de sua
universalização, o ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou edu­
cação profissional de nível médio, também passou a ser obrigatório nos presídios. O
ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal
de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União,
não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça
ou administração penitenciária. Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às
presas cursos supletivos de educação de jovens e adultos. A União, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas de educação à distância
e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos e às presas
(LEP, art. 18-A, §§1°, 2° e 3o, incluídos pela Lei n. 13.163/15).
Atento às notórias dificuldades do Poder Público no sentido de instalar, por
sua conta própria, escolas ou cursos especializados no interior dos estabelecimen­
tos penais, o art. 20 da LEP preceitua que as atividades educacionais poderão ser

15 Incluído pela Lei n. 13.163, de 2015, o art. 21-A da LEP passou a prever a realização de um censo pe­
nitenciário, que deverá apurar: I - o nível de escolaridade dos presos e das presas; II - a existência de
cursos nos níveis fundamental e médio e o número de presos e presas atendidos; III - a implementação
de cursos profissionais em nível de iniciação ou aperfeiçoamento técnico e o número de presos e presas
atendidos; IV - a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo; V - outros dados relevantes para
o aprimoramento educacional de presos e presas.
78 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou


ofereçam cursos especializados.
Por fim, dispõe o art. 21 da LEP que, em atendimento às condições locais,
dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias
de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos. O dispositivo
vem ao encontro das Regras de Martdela, que preceituam que cada estabelecimen­
to prisional deve ter uma biblioteca para o uso de todas as categorias de reclusos,
devidamente provida com livros recreativos e de instrução e os reclusos devem ser
incentivados a utilizá-la plenamente. Cuida-se, a leitura, de importante instrumento
de enriquecimento cultural e fonte de estudo, o que, aliás, vem sendo levado em
consideração pelos Tribunais Superiores para beneficiar o preso com a remição.16

6. ASSISTÊNCIA SOCIAL

Diante das dificuldades inerentes ao cumprimento de toda e qualquer pena


privativa de liberdade, nada mais razoável do que assegurar aos reclusos a assistência
social, que tem como objetivo precípuo amparar o preso e o internado e prepará-lo
para o retorno à liberdade (LEP, art. 22). O dispositivo vem ao encontro das Regras
Mínimas da ONU, que recomendam, entre outras, a assistência social individual, de
conformidade com as necessidades de cada preso, tendo-se em conta seu passado
social e criminal, sua capacidade e aptidão física e mental, suas disposições pessoais,
a duração de sua condenação e as possibilidades de readaptação.
Exsurge daí a grande importância que a Lei de Execução Penal confere à figura
do assistente social no processo de reinserção social, já que incumbe a ele estabe­
lecer essa comunicação entre o preso e o mundo extramuros do qual se encontra
temporariamente afastado. Para que essa comunicação seja estabelecida, o art. 23
da LEP dispõe que incumbe ao serviço de assistência social (rol exemplificativo):17
I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames: incumbe ao assistente
social acompanhar o preso (e o internado) durante todo o período de segregação,
tomar conhecimento da sua vida pregressa, promovendo, ademais, a orientação do
assistido na fase final do cumprimento da pena, sempre objetivando a consolidação
dos seus vínculos familiares, ajudando-o, assim, a desenvolver um senso próprio
de responsabilidade para que possa, então, ter condições pessoais para buscar sua
reinserção social. Para se desincumbir desse mister, é fundamental que o assistente
tenha acesso a todas as particularidades da vida pregressa do apenado, possivelmen­

16 A possibilidade de remição em virtude da leitura e resenha de livros será objeto de análise detalhada no
capítulo atinente à execução da pena privativa de liberdade.
17 Publicado em 2018 pela Secretaria Nacional de Assistência Social, especial atenção deve ser dispensada
ao documento denominado "Atenção às famílias das mulheres grávidas, lactantes e com filhos até 12 anos
incompletos ou com deficiência privadas de liberdade". Cuida-se de um conjunto de orientações para exe­
cução da Resolução n. 2/2017, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, recomendando
que no momento da prisão em flagrante de mulheres com filhos seja feito o encaminhamento de uma
cópia do auto de prisão ou boletim de ocorrência ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)
mais próximo da residência da pessoa custodiada, com a indicação do responsável pelo cuidado de seus
filhos, para análise de vulnerabilidade e oferta de serviços pela Proteção Social Básica.
Cap. III • ASSISTÊNCIA AO PRESO 79

te reveladas pelo exame de classificação previsto no art. 5o da LEP, que abrange o


exame de personalidade e o exame dos antecedentes, pelo exame criminológico, por
pareceres da Comissão Técnica de Classificação, e por outros exames que podem
ser requisitados pelo Juízo da Execução para fins de deferimento (ou não) de bene­
fícios prisionais. Pelo menos em tese, a análise detalhada desses exames permitirá
que o assistente social tome conhecimento do temperamento do apenado, caráter,
aspectos familiares e sociais e outros fatores que convergem para a definição de sua
personalidade;
II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as di­
ficuldades enfrentadas pelo assistido: periodicamente, deverá o serviço de assistência
social encaminhar ao diretor da unidade prisional relatórios com subsídios capazes
de auxiliar a individualização executória da pena. Isso porque o conhecimento da
situação do segregado é de fundamental importância para a direção do estabeleci­
mento prisional, haja vista as atribuições que lhe são conferidas pela própria Lei de
Execução Penal, como, por exemplo, suspender ou restringir determinados direitos
(art. 41, parágrafo único), aplicar sanções disciplinares (art. 54, caput), fornecer ates­
tado de boa conduta para fins de progressão de regimes, livramento condicional etc.;
III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas tem­
porárias: um dos momentos mais críticos da execução de uma pena privativa de
liberdade guarda relação com a reaquisição progressiva do direito de ir e vir do
preso, quer, por exemplo, quando os condenados em regime fechado ou semiaberto
e os presos provisórios obtêm permissão para sair do estabelecimento, mediante es­
colta, quando ocorrer uma das hipóteses previstas no art. 120 da LEP, quer quando
os condenados que cumprem pena em regime semiaberto obtêm autorização para
saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta (LEP, art. 122), embora
possa ser determinado o uso de equipamento de monitoração eletrônica. É funda­
mental, pois, que o serviço de assistência social acompanhe de perto o resultado
dessas autorizações de saída, evitando-se, assim, qualquer desvio de conduta capaz
de prejudicar sua gradual adaptação ao convívio em sociedade;
IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação:
momentos de recreação, essenciais para a preservação da saúde física e psíquica de
qualquer ser humano, são ainda mais relevantes para aqueles que se encontram cus­
todiados, contribuindo, assim, para amenizar, ainda que brevemente, toda a tensão
produzida pela atmosfera psicológica opressiva inerente a toda e qualquer unidade
prisional. Com o objetivo de diminuir o tempo de ócio no interior dos presídios,
algo que invariavelmente potencializa o risco de brigas entre os reclusos ou outros
incidentes prejudiciais à disciplina prisional, recai sobre o assistente social a incum­
bência de promover, dentro do possível, sob a supervisão de profissionais especiali­
zados, atividades de recreação, o que, aliás, é um direito do preso (LEP, art. 41, V);
V - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da
pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade: por mais
contraditório que possa parecer, a colocação iminente do preso em liberdade cos­
tuma ser fonte de grande ansiedade para o indivíduo, quer devido ao longo tempo
que permaneceu custodiado, acostumando-se, assim, à vida na prisão, quer pelo
fato de não ter endereço certo para ir, família para lhe prestar auxílio, ou trabalho
80 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

para obter uma renda lícita. De modo a consolidar o processo de reinserção social,
impedindo, ademais, que toda essa ansiedade e medo acabem por conduzir o as­
sistido novamente à vida criminosa, incumbe à assistência social promover a sua
orientação na fase final do cumprimento da pena, sobretudo buscando manter ou
melhorar as relações entre ele e sua família;
VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência
Social e do seguro por acidente no trabalho: não é de todo incomum que presos
não possuam qualquer documentação ao serem colocados em liberdade, capazes de
habilitá-los à prática de atos da vida civil ou mesmo à obtenção de emprego (v.g.,
cédula de identidade, carteira de trabalho, título de eleitor etc.). O serviço social
poderá, então, auxiliá-lo na obtenção desses documentos, devendo, ademais, promover
ou dar andamento a pedidos de benefícios da previdência social e do seguro por
acidente de trabalho de que, eventualmente, o condenado ou sua família possa dispor;
VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do inter­
nado e da vítima: por mais que a Constituição Federal estabeleça que a pena não
deverá passar da pessoa do condenado (art. 5o, XLV), é inegável que a família do
preso (ou do internado) também sofre as consequências secundárias da execução
da pena em virtude da ausência do principal responsável pelo encargo de mantê-la
(v.g., pai, mãe, marido, esposa). Logo, de modo a auxiliar os familiares do preso
(ou do internado), por exemplo, a conseguir emprego, quando se mudam de cidade
para acompanhar, de perto, a execução da pena de um de seus integrantes, recai
sobre o serviço de assistência social a tarefa de lhes prestar orientação e acompa­
nhamento, que, aliás, também deve ser estendido a família da vítima, notadamente
nas hipóteses de morte do ente querido.

7. ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

Não se pode olvidar da importância da religião como um dos fatores de edu­


cação das pessoas que se encontram internadas em estabelecimentos prisionais, dada
a possibilidade de influenciá-los positivamente para frear impulsos ou tendências
criminais, animando-os, no futuro, a conduzir-se de acordo com a lei. Daí dispor
o art. 24, caput, da LEP, que “a assistência religiosa, com liberdade de culto, será
prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços
organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução
religiosa”.
A Resolução n. 8/11, do Conselho nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP), estabeleceu diretrizes para a assistência religiosa nos estabelecimentos pri­
sionais, assegurando o “direito de profecia de todas as religiões, e o de consciência
aos agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas”.
De modo a permitir o exercício da liberdade de culto, as unidades prisionais
deverão dispor de local apropriado para os cultos religiosos, sendo possível, ademais,
a celebração de missas por Padres, a realização de cultos por pastores, o desenvol­
vimento de atividades de leitura da bíblia ou de outros livros sagrados etc.
Cap. III • ASSISTÊNCIA AO PRESO 81

A assistência religiosa, todavia, não pode ser usada de modo a obrigar o recluso
a praticar determinada religião. Como preveem as Regras de Mandela, “o direito
de entrar em contato com um representante qualificado da sua religião nunca deve
ser negado a qualquer recluso. Por outro lado, se um recluso se opõe à visita de um
representante de uma religião, a sua vontade deve ser plenamente respeitada” (Regra
n. 65.1). De fato, a Constituição Federal garante a plena liberdade de consciência
(art. 5o, VI), não sendo possível privar-se qualquer pessoa de seus direitos por
motivos de crença religiosa (art. 5o, VIII). Por conseguinte, diante da liberdade de
culto, nenhum preso (ou internado) poderá ser obrigado a participar de atividade
religiosa (LEP, art. 24, §2°).

8. ASSISTÊNCIA AO EGRESSO

Para os efeitos da LEP, considera-se egresso: a. o liberado definitivo, pelo prazo


de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento. A expressão liberado definitivo
abrange aquele indivíduo que cumpriu a pena privativa de liberdade integralmente,
ou que foi beneficiado por qualquer causa extintiva da punibilidade (v.g., prescrição),
após ter cumprido parte da sanção imposta. Também abrange aquele que cumpria
medida de segurança e foi desinternado; b. o liberado condicional, durante o pe­
ríodo de prova.
Por mais que tal indivíduo envide todos os esforços possíveis no seu processo
de reinserção social, certamente irá enfrentar enormes dificuldades, dada a notória
marginalização de ex-presos pela sociedade. É o que se denomina de vulnerabilidade
sociocultural do egresso. Como destaca a doutrina, “não obstante os esforços que
podem ser feitos para o processo de reajustamento social, é inevitável que o egresso
normalmente encontre uma sociedade fechada, refratária, indiferente, egoísta e que,
ela mesma, o impulsione a delinquir de novo”.18
Com o objetivo de dar continuidade ao processo de reajustamento que se
espera, pelo menos em tese, da imposição de uma pena ou de uma medida de se­
gurança, evitando-se que o distanciamento da sociedade provocado pelo tempo de
segregação e as dificuldades encontradas no seu retorno ao convívio em sociedade
potencializem o risco de reincidência na prática delituosa, a Lei de Execução Penal
prevê expressamente que a assistência dispensada pelo Estado deve se prolongar em
relação àqueles presos que recuperaram a liberdade há pouco tempo.
De acordo com o art. 25 da LEP, essa assistência ao egresso deverá ser feita
ora por meio da orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade (inciso I),
ora na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento
adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses (inciso II), prazo este que poderá ser pror­
rogado uma única vez, conquanto comprovado, por declaração do assistente social,
o empenho na obtenção de emprego. Superado esse prazo, o indivíduo deverá ser
encaminhado aos serviços de alojamento e alimentação destinados à população

18 MIRABETE. Op. cit. p. 79.


82 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

carente em geral, sem prejuízo do prosseguimento da assistência prevista no inciso


I do art. 25 (orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade).
Os dispositivos em questão vêm ao encontro das Regras de Mandela, que pre-
ceituam que “o dever da sociedade não cessa com a libertação de um recluso. Seria
por isso necessário dispor de organismos governamentais ou privados capazes de
trazer ao recluso colocado em liberdade um auxílio pós-penitenciário eficaz, ten­
dente a diminuir os preconceitos a seu respeito e a permitir-lhe a sua reinserção
na sociedade” (Regra n. 90).
De se notar que, dentre os órgãos da execução penal arrolados no art. 61, a Lei
de Execução Penal outorga a dois deles funções de proteção ao egresso. Deveras,
consoante disposto no art. 70, IV, da LEP, incumbe ao Conselho Peniteniciário,
dentre outras atribuições, inspecionar os patronatos, bem como a assistência aos
egressos. Noutro giro, consoante disposto no art. 78 da LEP, o Patronato público
ou particular destina-se a prestar assistência aos albergados e aos egressos. Por força
da Resolução n. 15, de 10 de dezembro de 2003, o Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária aprovou proposta de criação de uma Central Nacional de
Apoio ao Egresso (CENAE). O objetivo do referido diploma normativo é estimular a
criação dos patronatos e apoiar outras experiências de assistência ao egresso, haja vista
o baixo índice de reincidência que se constata em localidades onde essa assistência
atua de maneira eficaz. O Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, desenvolveu
o projeto “Começar de Novo”, com a produção de cartilhas e de um “portal de
oportunidades” nos quais são divulgadas vagas de trabalho e cursos de capacitação
oferecidos por instituições públicas e privadas para presos em liberdade e egressos.
Também recai sobre o serviço de assistência social a atribuição de colaborar
com o egresso para a obtenção de trabalho (LEP, art. 27), o que, logicamente, não
implica estabelecer em seu favor qualquer tipo de prioridade de contratação em
relação a outros candidatos no mesmo emprego, nem tampouco acesso prioritário
a cargos públicos na hipótese de concurso.19 Nesse sentido, como já se pronunciou
o STJ, “(...) o art. 27, da Lei n° 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), assegura apenas
que o serviço de assistência social colaborará com o egresso na obtenção de traba­
lho, não sendo, portanto, uma forma de priorizar o ex-detento em detrimento de
outros habilitados em concurso público para o mesmo cargo pleiteado. Inexiste,
desta forma, por parte da Administração, ato ilegal a ensejar o controle do Poder
Judiciário. Ausência de liquidez e certeza a amparar a pretensão”.20

19 AVENA. Op. cit. p. 43.


20 STJ, 5a Turma, RMS 14.150-MG, Rei. Min. Jorge Scartezzini, j. 06.08.2002, DJ 28.10.2002.
IV
TRABALHO DO PRESO

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O exercício de toda e qualquer atividade laborativa, de caráter intelectual ou


manual, confere dignidade ao ser humano. O preso não seria uma exceção. De fato,
para aquele indivíduo que se encontra privado da sua liberdade de locomoção, o
trabalho é capaz não apenas de evitar os efeitos corruptores do ócio, conservando
seu equilíbrio orgânico e psíquico, mas sobretudo de complementar o processo de
reinserção social para prover a readaptação do preso, preparando-o para uma pro­
fissão quando, mais dia, menos dia, readquirir sua liberdade de ir e vir. No caso
do preso, o trabalho também será capaz de lhe proporcionar uma fonte de renda,
permitindo, ademais, a redução de sua pena por meio da remição, à razão de um
dia de pena para cada 3 (três) dias de trabalho (LEP, art. 126, §1°, II, incluído pela
Lei n. 12.433/11).
Em conjunto com a assistência, o trabalho é o segundo eixo do tratamento
penitenciário. Teleologicamente orientado ao cumprimento de uma dupla finalidade
de educação e produção (LEP, art. 28, caput), subdivide-se em interno e externo.
Em ambas as hipóteses, deve ser aplicado o princípio da individualização do trata­
mento, o que significa que o trabalho deve sempre vir ao encontro das condições,
habilidades e futuras necessidades do preso.1 Pode ser conceituado, assim, como a
atividade dos presos (e internados), no estabelecimento prisional ou fora dele, com
a devida remuneração.
Paradoxalmente, o trabalho funciona não apenas como um dever do condena­
do, mas também como um direito que lhe é outorgado pelo ordenamento jurídico.
Deveras, se, de um lado, a Lei de Execução Penal dispõe que constitui direito do
preso atribuição de trabalho e sua remuneração (art. 41, II), do outro, determina a
obrigatoriedade do trabalho ao apenado condenado à pena privativa de liberdade,

1 GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Comentários à Lei de Execução Penal. 3a ed. Belo Horizonte: CEI, 2021. p.
82.
84 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

na medida de suas aptidões e capacidades (art. 31), sendo sua execução um dever
do apenado (art. 39, V). Mais adiante, classifica como falta grave do condenado à
pena privativa de liberdade a inobservância do dever de execução do trabalho (art.
50, VI), havendo previsão semelhante em relação àquele condenado à pena restritiva
de direitos (art. 51, III). De todo modo, na perspectiva que define o trabalho como
elemento do tratamento penitenciário, decisivo, portanto, para sua ressocialização,
será atividade não aflitiva, remunerada e obrigatória.
O fato de ser obrigatório, porém, não equivale a dizer que o trabalho é forçado.
Isso porque o condenado não poderá ser constrangido a trabalhar caso se recuse
a fazê-lo, porém tal conduta implicará cometimento de falta grave, sujeitando-o
às respectivas sanções disciplinares. À luz do art. 5o, XLVII, “c”, da Constituição
Federal, o trabalho forçado constitucionalmente proibido é aquele não remunerado
e obtido do preso com o uso de castigos físicos.2
À luz do princípio da não aflitividade, constante do art. 56, I, da Resolução
n. 14 do CNPCP, que acolhe as orientações da ONU e define as regras mínimas
para o tratamento do preso no Brasil (Regras de Mandela), há de se diferenciar,
portanto, o trabalho como elemento do tratamento dispensado ao preso, e o trabalho
como forma de pena, este sim aflitivo por definição e expressamente vedado pela
Constituição Federal (art. 5o, XLVII, “c”). Nesse sentido, como já se manifestou o
STJ, “(...) a pena de trabalho forçado, vedada no art. 5o, XLVIIII, “c”, da CF, não
se confunde com o dever de trabalho imposto ao apenado, ante o disposto no art.
6o, 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica), segundo o qual os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa
reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade
judiciária competente não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios vedados
pela Convenção”.3
De acordo com o art. 28, caput, da LEP, o trabalho do condenado, como dever
social e condição da dignidade humana, terá 2 (duas) finalidades: a) educativa: a
ideia nesse caso é manter em atividade o preso que já trabalhava, ou criar o hábito
de trabalhar naquele que não exercia qualquer atividade lícita antes de ser preso,
o que, pelo menos em tese, permitirá que aprenda um ofício ao qual poderá dar
continuidade quando for posto em liberdade; b) produtiva: sem embargo das limi­
tadas possibilidades do trabalho penitenciário, a aquisição de um ofício ou de uma
profissão, fator decisivo à reincorporação social do preso, certamente contribuirá
para facilitar-lhe a estabilidade econômica assim que retomar sua liberdade.4
Dada a necessidade de se equiparar, dentro dos limites possíveis, o trabalho
penitenciário àquele mantido por uma pessoa em liberdade, devem ser asseguradas
ao preso as mesmas exigências do ponto de vista de higiene (v.g., limpeza, aeração)
e das prescrições preventivas de segurança (v.g., equipamentos de proteção individu­
al). Daí dispor o art. 28, §1°, da LEP, que se aplicam à organização e aos métodos

2 MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral (arts. 1o a 120). 14a ed. São Paulo: Método, 2020. p. 554.
3 STJ, 6a Turma, HC 264.989/SP, Rei. Min. Ericson Maranho, j. 04.08.2015.
4 AVENA. Op. cit. p. 48
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 85

de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene. Por consequência, se


o apenado sofrer um acidente de trabalho ou enfermidade profissional, fará jus à
respectiva indenização em condições similares às que teria direito o trabalhador
livre, a qual, todavia, deverá ser pleiteada perante a Justiça Estadual (ou Federal),
com base no direito comum, já que não se trata de matéria acidentária em si, da
competência da Justiça do Trabalho.5

2. SUJEIÇÃO DO TRABALHO DO PRESO AO REGIME DA


CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

O trabalho interno do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das


Leis do Trabalho (LEP, art. 28, §2°). Por mais que a Lei de Execução Penal pro­
cure reduzir as diferenças entre o trabalho penitenciário e o livre, suas naturezas
são diversas: no caso do trabalho livre, o empregado tem liberdade para deliberar
sobre a celebração ou não de um contrato de trabalho; no caso do trabalho do
preso, diante da falta do pressuposto da liberdade, desdobramento inerente à pena
privativa de liberdade que lhe foi imposta, recai sobre ele o dever de executar as
atividades que lhe forem atribuídas, cujo descumprimento acarreta a imposição
de sanções disciplinares. Por isso se entende que o regime é de direito público, e
não um vínculo empregatício, o que significa dizer que o preso não terá direito a
férias, aviso prévio indenizado, repouso semanal remunerado, 13° salário e outros
benefícios geralmente concedidos ao trabalhador livre.
Se o trabalho interno do preso não está sujeito ao regime da CLT, a competência
para pronunciar-se acerca de eventual conflito entre o Estado e o apenado, como,
por exemplo, no caso de cobrança de remuneração relativa ao trabalho prestado pelo
condenado no interior do presídio, será do Juízo da Vara de Execução Penal, e não
da Justiça do Trabalho. Com efeito, a Emenda Constitucional 45/2004, ao alterar a
competência da Justiça Obreira, não incluiu as relações decorrentes do trabalho do
preso à apreciação do Juízo Trabalhista, por se tratar de relação institucional entre
o condenado e o Estado, a qual é regida por direito público, qual seja, pela LEP.6
Mas e no caso do trabalho externo, prestado fora do presídio? Quando se trata
de preso inserido no regime fechado, o raciocínio é semelhante ao trabalho interno,
é dizer, o vínculo que se institui é de direito público e não um vínculo empregatício.
No caso do cumprimento da pena em regime semiaberto, há controvérsias. Parte

5 No sentido de que a ação em que o apenado pretende o pagamento de indenização por danos morais
e materiais decorrentes de acidente do trabalho ocorrido no interior das instalações do estabelecimento
prisional onde cumpre pena não pode ser processada e julgada perante a Justiça obreira, tendo em vista
que não se trata, na espécie, de relação de emprego, porquanto o trabalho do apenado não está sujeito
às regras contidas a CLT, mas na Lei de Execução Penal: STJ, Ia Seção, CC 99.490-SP, Rei. Min. Benedito
Gonçalves, j. 25.03.2009, DJe 06.04.2009; STJ, 1a Seção, CC 66.974-PR, Rei. Min. Luiz Fux, j. 13.06.2007, DJ
13.08.2007.
6 STJ, 3a Seção, CC 92.851-MS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 13.08.2008, DJe 19.09.2008. No sentido de que o
trabalho desempenhado pelo apenado não possui natureza de relação de trabalho capaz de suscitar a
competência da justiça trabalhista (art. 114 da CF): STJ, 1a Turma, REsp 1.124.152-DF, Rei. Min. Arnaldo
Esteves Lima, j. 09.11.2010, DJe 22.11.2010.
86 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

da doutrina sustenta ser aplicável o disposto no art. 28, §2°, da LEP. Outros, no
entanto, entendem que referido dispositivo não pode servir de óbice ao reconheci­
mento da relação de emprego entre as partes quando se trata de trabalho externo
prestado por condenado em regime semiaberto em condições semelhantes àquele
prestado por um trabalhador livre, sob pena de odiosa e indevida violação ao prin­
cípio da isonomia. Por fim, é firme o entendimento doutrinário e jurisprudencial
que o trabalho externo prestado por condenado em regime aberto não configura o
trabalho prisional previsto na Lei de Execução Penal, daí por que eventual relação
empregatícia obrigatoriamente deverá se sujeitar ao regime da CLT.

3. REMUNERAÇÃO

Por razões éticas, o art. 29, caput, da LEP, dispõe que o trabalho do preso será
remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a % (três quartos)
do salário mínimo. Impossível, portanto, a utilização de mão de obra carcerária
gratuita. Cuida-se, porém, de patamar mínimo, e não máximo. Ou seja, a vedação à
remuneração inferior a % (três quartos) do salário mínimo deve ser compreendida
como um piso mínimo do qual se deve partir, e não de um limite máximo.7
À legislação local incumbe determinar os parâmetros para a fixação da re­
muneração do preso (ou do internado) e poderá ser efetuada por hora trabalhada
ou por tarefa executada, a depender da natureza do serviço e da conveniência da
terapêutica exigida, sempre respeitando-se os limites estabelecidos na Lei de Exe­
cução Penal, inclusive quanto à duração da jornada de trabalho. Como destaca a
própria Exposição de Motivos da LEP (item n. 53), o dispositivo em questão visa
evitar que o Estado se utilize das aptidões profissionais dos presos em trabalhos
gratuitos.
Tendo em vista a possibilidade de desempenho de atividade remunerada na
prisão ou fora dela, a depender do regime prisional do cumprimento da pena,
com o recebimento da respectiva remuneração, é correto afirmar, então, que o
fato de o devedor de alimentos estar recolhido à prisão pela prática de crime
não tem o condão de afastar sua obrigação alimentar. O dever dos genitores em
assistir materialmente seus filhos é previsto constitucionalmente (arts. 227 e 229),
bem como na legislação infraconstitucional (CC, art. 1.634; ECA, art. 22). Logo, a
mera condição de presidiário não pode funcionar como um alvará para exonerar
o devedor da obrigação alimentar, especialmente em virtude da independência
das instâncias cível e criminal. Indispensável identificar, portanto, se o preso
possui bens, valores em conta bancária ou se é beneficiário do auxílio-reclusão,
benefício previdenciário previsto no art. 201 da Constituição Federal, destinado
aos dependentes dos segurados de baixa renda presos, o que, em tese, pode ser
aferido com o encaminhamento de ofícios a cartórios, à unidade prisional e ao
próprio INSS.8

7 GIAMBERARDINO. Op. cit. p. 84.


8 STJ, 3a Turma, REsp 1.882.798/DF, Rei. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, j. 10.08.2021.
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 87

O art. 29, caput, da LEP provoca, todavia, acirrada controvérsia ao dispor


que o preso poderá receber valor inferior ao do salário mínimo. Grosso modo,
são duas as correntes doutrinárias acerca da (in) constitucionalidade do referido
dispositivo:
1. Inconstitucionalidade da remuneração com valor inferior ao do salário
mínimo: partindo da premissa de que a Constituição Federal assegura indistinta-
mente a todos os trabalhadores urbanos e rurais, o direito ao salário mínimo (art.
7o, IV), sem fazer qualquer ressalva quanto ao preso, parte da doutrina sustenta
a inconstitucionalidade do art. 29, caput, da LEP. Como não se pode deixar de
considerar o preso uma espécie de trabalhador, porquanto exerce uma atividade
produtiva, não há amparo constitucional para essa diferenciação, pouco importando
se trata de política pública ou não;9
2. Constitucionalidade da remuneração com valor inferior ao do salário
mínimo (nossa posição): como exposto anteriormente, o preso não se sujeita ao
regime da Consolidação das Leis do Trabalho (LEP, art. 28, §2°) e seu trabalho
possui finalidades educativa e produtiva, não podendo ser comparado, portanto,
ao trabalho das pessoas que não cumprem pena. Estas têm garantido o salário
mínimo para satisfação de necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família
com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social. Por outro lado, o preso já tem atendidas pelo Estado boa parte
das necessidades vitais básicas que o salário mínimo almeja satisfazer, tais como
educação, alojamento, saúde, alimentação, vestuário e higiene. Além disso, o preso
recebe o benefício da remição da pena, na proporção de 1 dia de redução da sanção
criminal para cada 3 dias de trabalho e o produto da remuneração deve ser dire­
cionado para a indenização dos danos causados pelo crime, a assistência à família,
para pequenas despesas pessoais e para promover o ressarcimento ao Estado das
despesas realizadas com a sua manutenção. Portanto, a legitimidade da diferenciação
entre o trabalho do preso e o trabalho dos empregados em geral é evidenciada pela
distinta lógica econômica do labor no sistema executório penal. Assim, o trabalho
do detento pode até mesmo ser subsidiado pelo Erário, de modo que o discrímen
promova — em vez de violar — o mandamento de isonomia contido no art. 5o,
caput, da CF, no seu aspecto material, além de não representar violação ao princípio
da dignidade humana. Esta orientação foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da ADPF n. 336/DF,10 senão vejamos: “O patamar mínimo diferenciado
de remuneração aos presos previsto no art. 29, caput, da Lei n. 7.210/1984 (Lei de
Execução Penal) não representa violação aos princípios da dignidade humana e da
isonomia, sendo inaplicável à hipótese a garantia de salário mínimo prevista no art.
7o, IV, da Constituição Federal”.

9 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 5a ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
p. 134. Com entendimento semelhante: GIAMBERARDINO. Op. cit. p. 85.
10 STF, Pleno, ADPF 336/DF, Rei. Min. Luiz Fux, j. 27.2.2021.
88 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.1. Destinação do produto da remuneração


Consoante disposto no art. 29, §1°, da LEP, o produto da remuneração pelo
trabalho do preso deverá atender, em percentuais a serem fixados pela legislação
federal ou estadual:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados
judicialmente e não reparados por outros meios: para que ocorra o desconto
em favor da vítima, é indispensável que a indenização tenha sido fixada judicial­
mente, o que abrange, a nosso juízo, não apenas eventual ação civil ex delicto
proposta pelo ofendido em face do autor do delito, como também nas hipóteses
em que o juiz do processo de conhecimento já tiver fixado valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração com base no art. 387, inciso IV, do
CPP, incluído pela Lei n. 11.719/08. À evidência, o desconto não deverá ser efe­
tuado se acaso o condenado já tiver procedido à reparação integral do prejuízo,
quer de maneira voluntária, quer de maneira coativa. Cabe à legislação estadual
dispor acerca do percentual da remuneração do preso que deve ser destinado à
finalidade de reparação;
b) à assistência à família: por mais que a Constituição Federal estabeleça
que a pena não deverá passar da pessoa do condenado (art. 5o, XLV), é inegável
que a família do preso (ou do internado) também sofre as consequências se­
cundárias da execução da pena em virtude da ausência do principal responsável
pelo encargo de mantê-la (v.g., pai, mãe, marido, esposa). Daí dispor a Lei de
Execução Penal que parte do produto da remuneração do preso também deverá
atender à assistência à família. O percentual em questão deverá ser fixado pela
legislação local;
c) a pequenas despesas pessoais: enquanto custodiado, o preso poderá
ter interesse na aquisição de certos objetos, como, por exemplo, livros, revistas,
aparelhos, etc., desde que de posse permitida no interior do estabelecimento
prisional. Prova disso, aliás, é que, ao tratar da assistência material, o art. 13
da LEP determina que o estabelecimento disporá de instalações e serviços que
atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados
à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Parte da remuneração do trabalho do preso deverá ajudá-lo no custeio dessas
pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do
condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas
letras anteriores: o dispositivo deixa transparecer que essa destinação somente terá
lugar quando preenchidas as necessidades referidas anteriormente, em proporção a
ser igualmente fixada pela legislação estadual.
Na remota hipótese de haver algum saldo após a dedução de todas as despesas
acima detalhadas, a Lei de Execução Penal prevê que o valor restante deverá ser
despositado para constituição do pecúlio, em caderneta de poupança, que será
entregue ao condenado quando posto em liberdade (art. 29, §2°). O objetivo do
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 89

legislador é proporcionar ao preso, por ocasião da sua colocação em liberdade,


determinada quantia para que possa sobreviver, pelo menos até adquirir uma
ocupação lícita. Na visão da doutrina, a liberação antecipada do pecúlio deverá
ser admitida apenas em situações excepcionalíssimas, como, por exemplo, doen­
ças graves no curso da execução penal, ou outra situação extrema devidamente
comprovada.11

3.2. Nâo remuneração da prestação de serviços à comunidade


A prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, aplicável em
substituição à pena privativa de liberdade, é uma das modalidades de pena restritiva
de direitos elencada no art. 43 do Código Penal, mais precisamente em seu inciso
IV. Por força do art. 46, §§1° e 2o, do referido diploma normativo, a prestação
de serviço à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas
gratuitas ao condenado, que serão executadas em entidades assistenciais, hospitais,
escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários
ou estatais.
Por se tratar de espécie de pena, que se caracteriza exatamente pela pres­
tação de serviços, não haveria lógica nenhuma em se determinar que o Estado
teria a obrigação de remunerar o condenado por tais tarefas. É dizer, uma coisa
é a situação daquele que foi condenado ao cumprimento de uma pena privativa
de liberdade, que vem a trabalhar durante esse período, fazendo jus, assim, a
uma remuneração equitativa. Outra coisa é a situação daquele indivíduo que foi
condenado justamente a prestar serviços à comunidade. Fizesse ele jus à remu­
neração por tal atividade, chegar-se-ia ao paradoxo de se admitir que o preso
recebesse uma remuneração pela própria pena que estaria cumprindo. De todo
modo, a fim de evitar quaisquer controvérsias acerca do assunto, e à semelhança
do Código Penal, que já faz menção explícita à gratuidade das tarefas atribuí­
das ao condenado (art. 46, §1°), a Lei de Execução Penal prevê expressamente
que as tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão
remuneradas (art. 30).
A propósito, convém destacar que a Convenção n. 29 da Organização In­
ternacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25 de junho de
1957, preceitua que a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” não compreende
“qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de con­
denação pronunciada por decisão judiciária, contato que esse trabalho ou serviço
seja executado sob a fiscalização e o controle das autoridades públicas e que o dito
indivíduo não seja posto à disposição de particulares, companhias ou pessoas morais
privadas” (art. 2, 2, “c”).

11 AVENA. Op. cit. 50.


90 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

4. TRABALHO INTERNO

O trabalho interno pode ser conceituado como aquele realizado no interior


do estabelecimento prisional, e subordinado à própria administração penitenciária
ou a terceiros, sob gerência de fundação ou empresa pública ou mediante convênio
com empresa privada. Geralmente consiste no aproveitamento da mão de obra dos
condenados na construção, reforma, conservação e melhoramento dos próprios
estabelecimentos prisionais, assim como em serviços auxiliares, a exemplo de en­
fermarias, cozinhas e lavanderias.
Em fiel observância ao princípio da individualização da pena (CF, art. 5o, XLVI),
a Lei de Execução Penal dispõe que o condenado à pena privativa de liberdade está
obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. O objetivo do legis­
lador é orientar o exercício da atividade laborativa de acordo com as aptidões do
preso, evidenciadas no estudo da personalidade e outros exames. Para tanto, devem
ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do
preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado. Tome-se como exemplo
a hipótese de condenado que trabalhava como pedreiro antes de ser recolhido à
prisão. Dentro das possibilidades do estabelecimento ao qual for recolhido, deve-se
permitir que o preso continue exercendo tais funções, o que certamente contribuirá
para o seu processo de reinserção social.
Dada a necessidade de o trabalho ser compatível com as aptidões e capacidades
do condenado à pena privativa de liberdade, a LEP também prevê que os maiores
de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade, devendo
os doentes ou deficientes físicos igualmente exercerem atividades apropriadas ao
seu estado (art. 32, §§2° e 3o). Especificamente em relação ao idoso, o art. 32, §2°,
da LEP, vem ao encontro do Estatuto do Idoso, que considera crime a conduta de
expor a perigo a integridade e a saúde física ou psíquica do idoso, sujeitando-o a
trabalho excessivo ou inadequado (Lei n. 10.741/03, art. 99). Sem embargo do si­
lêncio da Lei n. 7.210/84, a atribuição de trabalho à mulher grávida também deve
atender a sua especial condição, notadamente nas semanas anteriores e posteriores
ao parto. Por mais que não se possa falar, em tal situação, em doença ou deficiência
física, sua condição pessoal (LEP, art. 32) deve ser sopesada para fins de atribuição
de alguma atividade laborativa.
A Lei de Execução Penal não faz referência expressa acerca da autoridade
que teria competência para autorizar o trabalho interno. Ante o silêncio, aplica-se,
por analogia, o quanto disposto na Ia parte do art. 37 da LEP, segundo o qual a
prestação de trabalho externo deve ser autorizada pela direção do estabelecimento,
sempre sob o crivo jurisdicional.
Pelo menos em regra, é possível o exercício de toda e qualquer espécie de
atividade laborativa pelo preso, seja ela de natureza industrial, agrícola, manual
ou industrial. Especial atenção, todavia, deve ser dispensada ao art. 32, §1°, da
LEP, segundo o qual deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem
expressão econômica, salvo nas regiões de turismo. Dada a notória dificuldade de o
Estado disponibilizar estrutura adequada para o exercício de atividades laborativas
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 91

no interior dos presídios, tornou-se comum Brasil afora que presos passassem a
trabalhar na montagem de objetos decorativos de ínfimo valor. Por se tratar de
tarefa que pouco irá contribuir para o seu aprimoramento profissional, dificultando,
assim, futura reinserção do preso no mercado de trabalho quando for colocado em
liberdade, e diante da necessidade de se agregar qualificação profissional enquanto
o indivíduo está custodiado, há uma proibição relativa para esse trabalho artesa-
nal, que, todavia, poderá ser permitido se acaso dotado de expressão econômica
em regiões de turismo, assim como quando não for possível a execução de outra
espécie de trabalho naquele estabelecimento prisional, hipótese em que fará jus
à devida remição.12

4.1. Obrigatoriedade do trabalho


Se a regra geral fixada pelo art. 31, caput, da LEP, é a obrigatoriedade de tra­
balhar por parte do condenado à pena privativa de liberdade, há de se dispensar
especial atenção às seguintes exceções:
a. Presos cautelares: para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e
só poderá ser executado no interior do estabelecimento (LEP, art. 31, parágrafo
único). O trabalho como dever é uma obrigação que recai apenas sobre aqueles
que já foram condenados irrecorrivelmente ao cumprimento de uma pena privativa
de liberdade. Se se trata de prisão cautelar (v.g., preventiva), o custodiado ainda
tem a seu favor a presunção de inocência. Logo, não pode ser obrigado a traba­
lhar. De todo modo, se assim o desejar, poderá fazê-lo, mas apenas no interior do
estabelecimento. Essa restrição ao trabalho externo do preso cautelar justifica-se
pelo fato de que sua custódia fora determinada exatamente para fins de se res­
guardar a investigação criminal (ou instrução processual penal), a aplicação da
lei penal, e para evitar a prática de infrações penais (CPP, art. 282, I), objetivos
estes que seriam possivelmente frustrados se acaso lhe fosse franqueado o direito
de trabalhar fora do estabelecimento prisional;
b. Condenados por crimes políticos: a Lei n. 14.197/21 revogou a antiga
Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83), onde estavam previstos os chamados
crimes políticos, deslocando-os, a nosso juízo,13 para o Código Penal (arts. 359-1 a
359-R). O condenado pela prática de tais delitos não está obrigado ao trabalho. É
nesse sentido, aliás, o teor do art. 200 da LEP. Para a doutrina, justifica-se a dis­
pensa do trabalho prisional pelo fato de o criminoso político ter praticado o delito
por idealismo, manifestando seu desacordo com o regime ou com certas práticas
do poder dominante e negando o estabelecido social ou politicamente, daí por que

12 STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.720.785-RO, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 03.05.2018, DJe 11.05.2018; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 515.431-RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19.09.2019, DJe 01.10.2019.
13 Em sentido diverso, há quem entenda que as novas figuras delituosas introduzidas no Código Penal pela
Lei n. 14.197/21 não podem ser rotuladas como crimes políticos. Nesse sentido: SILVARES, Ricardo; CUNHA,
Rogério. Crimes contra o Estado Democrático de Direito: Lei n. 14.197, de 2 de setembro de 2021. São Paulo:
Editora Juspodivm, 2021. p. 182-183.
92 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

não haveria muita lógica em sujeitá-lo ao trabalho como parte de um processo de


reintegração social buscando sua readaptação ao convívio em sociedade.14 De todo
modo, o fato de a lei não obrigar o condenado por crime político a trabalhar não
lhe retira o direito à atribuição de trabalho, que é de todo preso e internado (LEP,
art. 41, II, e 42). É dizer, o criminoso político não tem o dever, mas apenas o direito
de trabalhar. Destarte, se assim o desejar, poderá solicitar a atribuição de trabalho na
medida de suas aptidões e capacidade, hipótese em que poderá exercê-lo no interior
ou fora do estabelecimento prisional, fazendo jus, assim, à devida remuneração, além
de outros benefícios inerentes à atividade laborativa, como, por exemplo, a remição
(LEP, art. 126, §1°, II);
c. Condenado pela prática de contravenção penal: consoante disposto no art.
6o, §2°, da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41), o trabalho do
condenado pela prática de contravenção penal à pena de prisão simples é facultati­
vo, se a pena aplicada não exceder a 15 (quinze) dias. À semelhança das hipóteses
anteriores, conquanto não seja obrigado a trabalhar, se assim o desejar, poderá
fazê-lo, fazendo jus, por consequência, aos respectivos benefícios prisionais.

4.2. Jornada de trabalho


Levando-se em consideração o objetivo de se conferir ao trabalho penitenciário
o mesmo tratamento dispensado ao trabalho livre, o art. 33, caput, da LEP, estabe­
lece que a jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8
(oito) horas, com descanso nos domingos e feriados. O trabalho deve ser suficiente,
portanto, para ocupar o preso durante a duração de uma jornada normal de tra­
balho, algo que certamente irá prepará-lo para as exigências do mercado, quando,
enfim, deixar a prisão.
Poderá, todavia, ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados
para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal (LEP, art.
33, parágrafo único). São os serviços de cozinha, de enfermagem, de limpeza, de
instrução e todos aqueles que exigem horário diverso daquele estabelecido para as
demais atividades laborativas. Nesse caso, o condenado não perde o direito ao des-
cano semanal, que, porém, deverá recair em outro dia da semana que não domingos.

4.3. Gerenciamento do trabalho


De acordo com a Lei de Execução Penal, o trabalho poderá ser gerenciado por
fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo
a formação profissional do condenado (art. 34, caput). Nessa hipótese, incumbirá à
entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos
empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas,
inclusive pagamento de remuneração adequada (art. 34, §1°).

14 MIRABETE. Op. cit. p. 972.


Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 93

Como se pode notar, além da Administração Direta, o trabalho penitenciá­


rio também poderá ser gerenciado por empresas públicas e fundações instituídas
pelo Poder Público, que terão, então, autonomia administrativa para gerenciar a
organização da atividade laborativa prisional. Justifica-se a restrição ao gerencia­
mento do trabalho prisional por empresas privadas de modo a impedir que essas
entidades, que têm como finalidade precípua a obtenção do lucro, imprimam ao
trabalho do preso caráter não compatível com aquele indispensável ao processo
destinado à sua reinserção social. O que pode ser feito é tão somente a celebração
de convênios com a iniciativa privada para fins de implantação de oficinais de
trabalho referentes a setores de apoio dos presídios (LEP, art. 34, §2°, incluído
pela Lei n. 10.792/03).

4.4. Destinação dos bens ou produtos do trabalho prisional


O trabalho penitenciário tem como objetivo precípuo contribuir para a for­
mação profissional do condenado, o que certamente deverá ser importante mais
adiante para a manutenção da sua capacidade de levar uma vida honesta quando
readquirir sua liberdade. Isso, todavia, não afasta a possibilidade de o Estado
aproveitar a mão de obra do condenado e o produto de seu trabalho, conquanto
não haja o desvirtuamento do conteúdo, das funções e das finalidades éticas do
trabalho prisional.
É dentro desse contexto que o art. 35, caput, da LEP dispõe que os órgãos
da Administração Direta ou Indireta da União, Estados, Territórios, Distrito
Federal e dos Municípios adquirirão, com dispensa de concorrência pública, os
bens ou produtos do trabalho prisional, sempre que não for possível ou reco­
mendável realizar-se a venda a particulares. Da leitura do dispositivo é possível
extrair a conclusão de que os bens ou produtos do trabalho prisional devem ser
inicialmente vendidos a particulares. Caso isso não seja possível ou recomendá­
vel, deverão então ser adquiridos pela própria Administração Direta ou Indireta,
com dispensa de concorrência pública, o que se justifica diante da necessidade de
desburocratização necessária à agilização do processo de venda desses bens ou
produtos. De todo modo, o valor arrecadado com as vendas deverá ser revertido
em favor da fundação ou empresa pública responsável pelo gerenciamento do
trabalho prisional a que alude o art. 34 da LEP, ou, na sua falta, em benefício do
estabelecimento penal.

4.5. Política Nacional de Trabalho no sistema prisional


O Decreto n. 9.450/2018 instituiu a Política Nacional de Trabalho no âmbito do
sistema prisional, voltada à ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao
empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema
prisional.
94 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

O principal ponto desse diploma normativo é a regulamentação do §5° do art.


40 da Lei n. 8.666/93,15 o qual prevê que a Administração Pública poderá, nos editais
de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual
mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a
finalidade de ressocialização do reeducando, na forma estabelecida em regulamento.
O regulamento a que se refere o art. 40, §5°, da Lei n. 8.666/93 é precisamente o
Decreto n. 9.450/18, cujo art. 5o prevê: “Na contratação de serviços, inclusive os de
engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais),
os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e funda-
cional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas
presas ou egressos do sistema prisional, nos termos do disposto no §5° do art. 4o
da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993”. A não observância das regras durante o
período de execução contratual poderá acarretar quebra de cláusula contratual e a
rescisão por iniciativa da administração pública federal, sem prejuízo das demais
sanções previstas na Lei n. 8.666/93.

5. TRABALHO EXTERNO

5.1. Noções gerais


Como o próprio nome já sugere, trabalho externo é aquele prestado fora da
prisão, fundamentando-se na premissa de que se trata de uma oportunidade para
o reingresso progressivo do condenado na sociedade. A depender do regime de
cumprimento da pena privativa de liberdade, o regramento do trabalho externo
será diverso:
a. Presos do regime fechado: nesse caso, dispõe o art. 36, caput, Ia parte,
da LEP, que o trabalho externo deverá ser realizado somente em serviço ou
obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou
entidades privadas. De acordo com a doutrina, “entende-se como serviço públi­
co todo aquele que é instituído, mantido e executado pelo Estado, por meio de
suas instituições e de seus órgãos, com o objetivo de atender a seus próprios
interesses e de satisfazer às necessidades coletivas. Obras públicas são as que se
realizam por iniciativa dos Poderes Públicos, em benefício da coletividade, ou
seja, todas as construções ou todas as coisas feitas por iniciativa das autoridades
públicas para uso público ou como um serviço público”.16 Como se pode notar,
bem ou mal, não foram incluídos no dispositivo ora em análise os serviços de
interesse público, que se diferenciam dos serviços públicos porque, a despeito do
caráter de utilidade coletiva, são objeto de concessão outorgada a empresas ou
instituições particulares, que os exploram sob vigilância do próprio Estado, com
fins meramente lucrativos (v.g., transporte coletivo). Em tais serviços, admite-se

15 Em virtude do art. 193, II, da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei n. 8.666/93 será
revogada após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial da Lei n. 14.133, o que se deu em data de
1o de abril de 2021.
16 MIRABETE. Op. cit. p. 98.
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 95

apenas o trabalho dos presos que se encontrem no regime semiaberto. O art. 36,
caput, da LEP, agora em sua parte final, dispõe expressamente que a execução
de trabalho externo por presos do regime fechado em serviço ou obras públicas
só poderá ser autorizada pela direção do estabelecimento se tomadas as cautelas
contra a fuga e em favor da disciplina, entendendo-se, este último trecho, como
a necessidade de escolta policial, o que invariavelmente acaba inviabilizando o
benefício, ainda que eventualmente autorizado pelo Diretor da Unidade prisio­
nal. Nessa linha, como já se pronunciou o STJ, “(...) sobressai a impossibilidade
prática de concessão da medida, se evidenciado que não há como se designar
um policial, diariamente, para acompanhar e vigiar o preso durante a realização
dos serviços extramuros”.17 Dadas as dificuldades para a obtenção de escola, há
quem entenda possível que a autorização para o trabalho externo seja deferida
mediante colocação de tornozeleira eletrônica, eis que também se trata de dis­
positivo destinado a evitar possível fuga, como exige o art. 36, caput, in fine,
da LEP.18 Evidentemente, na hipótese de trabalho externo, caberá ao órgão da
administração, à entidade ou à empresa privada (v.g., empreiteira) a remune­
ração do preso (LEP, art. 36, §2°). Outrossim, diversamente do que ocorre em
relação ao trabalho interno, o trabalho externo do preso prestado à entidade
privada depende de seu consentimento expresso (LEP, art. 36, §3°). Ainda que
se trate de serviço ou obra pública, não haverá vínculo empregatício entre o
condenado e a Administração ou empresa privada que executa tais obras, já que
as normas que disciplinam o trabalho prisional são regidas pelo Direito Público
e não estão sujeitas à Consolidação das Leis do Trabalho (LEP, art. 28, §2°). Na
verdade, a possibilidade de celebração de um contrato de trabalho sob a égide
da CLT é viável apenas para o condenado que se encontra em regime aberto
(e semiaberto, para parte da doutrina). De acordo com o art. 36, §1°, da LEP,
o limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de
empregados da obra. Justifica-se a ressalva em questão não apenas para se ter
condições mais adequadas de controle e vigilância sobre os presos do regime
fechado, mas também de modo a permitir melhor integração com trabalhadores
livres, algo que certamente não ocorrería se 100% (cem por cento) dos empre­
gados da obra fossem presos;
b. Presos do regime semiaberto: o trabalho externo também é admissível em
relação àquele que cumpre pena no regime semiaberto, como previsto, aliás, no art.
35, §2°, do Código Penal. Diversamente do que ocorre em relação aos presos do re­
gime fechado, no caso do semiaberto o trabalho externo não necessariamente precisa
ser prestado em serviço ou obras públicas, ou seja, pode ser executado em serviços,
em obras públicas ou em entidades privadas. Ademais, não há qualquer referência

17 STJ, 5a Turma, HC 44.369-DF, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 13.09.2005, DJ 03.10.2005. Com entendimento se­
melhante: STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1,695.783-RO, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 08.02.2018, DJe
19.02.2018; STJ, 5a Turma, HC 324.829-PA, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 01.10.2015, DJe 19.10.2015. No sentido
de que é inviável a concessão do trabalho externo quando o Estado não dispuser de escolta policial a fim
de assegurar as cautelas necessárias contra a fuga e em favor da disciplina: STJ, 5a Turma, HC 41.940/DF,
Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 24/05/2005, DJ 01/08/2005 p. 496.
18 GIAMBERARDINO. Op. cit. p. 91.
96 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

expressa à necessidade de vigilância direta por meio de escolta, como se exige em


relação aos presos do regime fechado (LEP, art. 36, caput). Há controvérsias acerca
da possibilidade de o trabalho externo do preso do semiaberto ser executado em
empresa própria (ou da família) ou na condição de autônomo. De um lado, parte
da doutrina posiciona-se contrariamente à hipótese, basicamente porque haveria
prejuízo à fiscalização das atividades desenvolvidas pelo apenado, dada a ausência de
chefia responsável por seu controle.19 A jurisprudência, todavia, caminha em sentido
contrário, in verbis: “(...) é admitido ao apenado a realização do trabalho externo em
empresa privada de seu familiar: o col. STF já entendeu que inexiste vedação legal
ao trabalho externo em empresa privada, inclusive tratando-se de empresa perten­
cente a familiares ou eventuais amigos, considerando que não é incomum que os
sentenciados busquem oportunidades de trabalho junto a pessoas conhecidas. (...)
De fato, não há proibição de que os reeducandos recorram a familiares e a pessoas
conhecidas para obtenção de trabalho, sendo mais uma oportunidade de emprego
e, consequentemente, de ressocialização, diante do atual quadro de desemprego em
que vivemos”.20 A jurisprudência também vem admitindo a ampliação do perímetro
e das condições de horário estabelecidos para a monitoração eletrônica se for para
viabilizar a obtenção de ocupação lícita (v.g., motorista de caminhão) pela pessoa
que cumpre pena em regime semiaberto harmonizado,21 ou seja, sob regime de
monitoramento eletrônico. Por fim, e como exposto anteriormente, sem embargo
de certa controvérsia quanto ao tema, há precedentes de Tribunais Regionais do
Trabalho no sentido de que na exclusão do regime celetista a que se refere o art.
28, §2°, da LEP encontram-se aqueles que cumprem pena de restrição da liberdade
na hipótese de trabalho interno, tão somente, e os presos em regime fechado que
trabalham externamente;22
c. Presos do regime aberto: logicamente, o trabalho externo é admitido desde
o ingresso do apenado nesse regime. Nesse sentido, o art. 36, §1°, do CP, é categó­
rico ao afirmar que o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância,
trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo
recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. O trabalho externo desse
preso do regime aberto não configura o trabalho penitenciário a que se refere a Lei
de Execução Penal, daí por que seu vínculo está sujeito ao regime empregatício da
Consolidação das Leis do Trabalho.

19 AVENA. Op. cit. p. 55.


20 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 612.255-RS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22.09.2020, DJe 28.09.2020.
Na mesma linha: STJ, 5a Turma, HC 480.348-MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 12.02.2019, DJe 19.02.2019. No
sentido de que o fato de o irmão do apenado ser um dos sócios da empresa empregadora não constitui
óbice à concessão do trabalho externo, sob o argumento de fragilidade na fiscalização: STJ, 5a Turma, HC
310.515-RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 17.09.2015, DJe 25.09.2015.
21 Grosso modo, o sistema semiaberto harmonizado consiste na antecipação da progressão de regime,
mediante o monitoramento eletrônico, de modo que, ao invés de regressar para a unidade prisional du­
rante o pernoite, possibilita-se ao apenado o deslocamento entre sua residência e o local em que exerce
sua atividade laborativa, sem prejuízo das regras do monitoramento.
22 Nessa linha: TRT da 4a Região, RO 01211-2007-831-04-00-6, publicado em 22.02.2008.
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 97

5.2. Autoridade dotada de atribuição (ou competência) para autorizar o


trabalho externo
Consoante disposto no art. 37, caput, Ia parte, da LEP, incumbe à direção
do estabelecimento autorizar a prestação de trabalho externo. Para uma primeira
corrente, não se trata de matéria sujeita à competência do Juízo da Execução
Penal, o que, aliás, pode ser extraído devido ao fato de tal competência não es­
tar inserida dentre aquelas listadas pelo art. 66 da LEP. Cuida-se, portanto, de
ato administrativo vinculado de atribuição da direção da unidade prisional, cuja
concessão está subordinada à verificação de um requisito subjetivo e outro obje­
tivo.23 Há, todavia, uma segunda corrente que sustenta que recai sobre o Poder
Judiciário a competência para autorizar o trabalho externo, visto que o art. 66,
VI, da LEP, atribui ao Juízo da Execução “zelar pelo correto cumprimento da
pena e da medida de segurança”.24 Por fim, uma terceira corrente trabalha com
a tese de que a intervenção do Judiciário só se revela necessária para deliberar
sobre pedido de trabalho externo formulado por condenado que cumpre pena
privativa de liberdade em regime semiaberto, hipótese em que não há necessidade
de vigilância direta, recaindo sobre a direção do estabelecimento a atribuição para
autorizar a prestação e trabalho externo nos casos em que o condenado cumpre
pena em regime fechado.

5.3. Pressupostos objetivos e subjetivos


Para que o benefício do trabalho externo seja deferido, há necessidade da ob­
servância dos seguintes pressupostos:
a. Pressuposto subjetivo: diz respeito à aptidão, disciplina e responsabilidade do
preso. Por se tratar de uma espécie de atenuação gradativa do regime de execução da
pena privativa de liberdade, sobretudo em relação àquele que a cumpre em regime
fechado, a atribuição de trabalho externo depende não apenas da análise da aptidão
do preso - regra geral para atribuição de toda e qualquer atividade laborativa (LEP,
art. 31, caput) mas também da aferição do seu mérito. De fato, por se tratar de
trabalho realizado extramuros, é indispensável proceder a uma seleção cuidadosa
dos presos que efetivamente demonstrem disciplina e responsabilidade, o que, pelo
menos em tese, poderá ser decisivo para se evitar problemas de fuga e indisciplina.
Na prática, esse requisito subjetivo é comprovado por meio da ausência de punição
por faltas disciplinares ou através de um atestado de boa conduta carcerária. Con­
quanto não conste da LEP qualquer referência à possibilidade de ser determinada a
realização de um exame criminológico para fins de autorização de trabalho externo,
nada impede a sua realização, até mesmo para permitir que a autoridade competente

23 GIAMBERARDINO. Op. cit. p. 92; MARCÃO. Op. cit. p. 64.


24 AVENA. Op. cit. p. 56.
98 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

tenha mais subsídios para formar seu convencimento. Aplica-se, in casu, o mesmo
raciocínio constante do teor súmula vinculante n. 2625 e da súmula n. 439 do STJ;26
b. Pressuposto objetivo: o deferimento do trabalho externo também depende
do preenchimento de requisito de natureza objetiva. A propósito, dispõe o art. 37,
caput, in fine, da LEP, que a prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela
direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade,
além do cumprimento mínimo de 1/6 da pena. A observância desse pressuposto,
todavia, deve ser analisada separadamente, conforme o regime de cumprimento
da pena:
b.l. Regime fechado: nesse caso, é necessário o implemento do lapso mínimo
de 1/6 (um sexto) da pena, consoante disposto no art. 37 da LEP;
b.2. Regime semiaberto: sempre houve controvérsias acerca da necessidade
de observância desse tempo mínimo de pena cumprida para o deferimento do
benefício em relação ao condenado do regime semiaberto. De modo a resolver a
polêmica, foi aprovado o enunciado da súmula n. 40 do STJ, nos seguintes termos:
“Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-
-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado”. Ao fazer referência
ao condenado que ingressou no sistema carcerário no regime fechado, tendo,
posteriormente, progredido ao semiaberto, tal verbete estabelece que, para fins de
obtenção do benefício do trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento
da pena no regime fechado. Sugere, pois, a necessidade de observância do lapso
temporal de 1/6 (um sexto) da pena e a possibilidade de se considerar, para im­
plementação desse tempo, o período de pena cumprido no regime fechado. Ocorre
que essa orientação jurisprudencial consolidada na súmula n. 40 não corresponde
ao entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça. Deveras, atualmente, o
referido Tribunal Superior defende a tese de que, seja para o preso que ingressou
no regime semiaberto em virtude de progressão, seja para aquele que já iniciou o
cumprimento da pena nesse regime, não há necessidade de cumprimento míni­
mo de 1/6 (um sexto) da pena para a concessão do trabalho externo, conquanto
estejam preenchidos os requisitos de natureza subjetiva relacionados ao mérito
do condenado.27 Na verdade, esse montante de 1/6 (um sexto) refere-se apenas ao
trabalho externo quando em regime fechado.

25 Súmula vinculante n. 26: "Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime he­
diondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2o da Lei n. 8.072,
de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos
e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame
criminológico".
26 Súmula n. 439 do STJ: "Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em
decisão motivada".
27 No sentido de que o trabalho externo é admissível aos condenados ao regime semiaberto, independen­
temente do cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena: STJ, 5a Turma, HC 184.291/RS, Rei. Min. Gilson Dipp,
j. 26/04/2011, DJe 16/05/2011; STJ, 5a Turma, HC 98.849/SC, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 05/05/2009,
DJe 15/06/2009.
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 99

Em ambas as hipóteses (fechado e semiaberto), discute-se acerca da (im)


possibilidade de deferimento de trabalho externo em relação ao condenado que
já tiver superado esse requisito temporal, mas que ainda tenha pela frente uma
longa pena a cumprir. A questão provoca acirradas controvérsias. De um lado,
há quem entenda que o trabalho extramuros deverá ser indeferido, notadamente
nas hipóteses em que implicar na saída do preso do estabelecimento prisional
sem qualquer vigilância. Isso porque a longa pena a cumprir certamente pode­
ria servir como estímulo para que o preso não retornasse ao estabelecimento
prisional.28 Do outro, parte da doutrina sustenta que tal vedação resultaria em
evidente violação ao princípio da legalidade, já que a Lei de Execução Penal
não contempla tal requisito, demandando tão somente a aptidão, disciplina e
responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.
De mais a mais, ainda que se queira argumentar que o preso teria longa pena
a cumprir, fato é que esse quantum a mais certamente já pesou em desfavor do
apenado, já que o cálculo do período mínimo de 1/6 (um sexto) da pena fora
efetuado exatamente sobre esse montante.
Em conclusão, convém destacar que, aos olhos da 5a Turma do STJ, a suspen­
são temporária do trabalho externo no regime semiaberto em razão da pandemia
do Covid-19 não implica automática substituição da prisão decorrente da sentença
condenatória pela domiciliar. Para tanto, é necessário que o beneficiário demonstre:
a) sua inequívoca adequação ao chamado grupo de vulneráveis da covid-19; b) a
impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se en­
contra; e c) risco real de que o estabelecimento em que se encontra, e que o segrega
do convívio social, cause mais risco do que o ambiente em que a sociedade está
inserida.29 Em sentido diverso, porém, a 6a Turma daquela Corte tem precedentes
admitindo a concessão de prisão domiciliar aos reeducandos que cumprem pena em
regime semiaberto e aberto que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo,
como medida preventiva de combate à pandemia, desde que não ostentem proce­
dimento de apuração de falta grave. Na visão do referido colegiado, a suspensão
do exercício do trabalho externo daqueles em regime semiaberto traz degradação à
situação vivida pelos custodiados que diariamente saem do estabelecimento prisional
para laborar, readaptando-se à sociedade; portanto, a obrigação de voltar a permane­
cer em tempo integral na prisão representa alteração na situação carcerária de cada
um dos atingidos pela medida de extrema restrição. É preciso ter em mente que o
recrudescimento da situação prisional somente é admitido em nosso ordenamento
jurídico como forma de penalidade em razão de cometimento de falta disciplinar,
cuja imposição definitiva exige prévio procedimento disciplinar, com observância dos
princípios constitucionais, sobretudo da ampla defesa e do contraditório. Assim, é
preciso dar imediato cumprimento à Resolução n. 62/CNJ, como medida de conten­
ção da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), notadamente ao disposto no
inc. III do art. 5o, que dispõe sobre a concessão de prisão domiciliar para todas as

28 STJ, 5a Turma, HC 180.780-RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 28.06.2011, DJe 01.08.2011.
29 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 580.495/SC, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 09/06/2020, DJe 17/06/2020.
100 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante


condições a serem definidas pelo juízo da execução.30

5.3.1. Crimes hediondos e equiparados


Ante a ausência de vedação expressa acerca do assunto pela Lei dos Crimes
Hediondos, não se pode estabelecer vedação em abstrato à concessão de trabalho
externo aos acusados condenados pela prática de crimes hediondos e equiparados.31
Assim, preenchidos os pressupostos dos arts. 36 e 37 da LEP, poderá o diretor do
estabelecimento autorizar a prestação de trabalho externo, devendo, evidentemente,
adotar cautelas de modo a evitar possíveis fugas.
Na dicção da 6a Turma do STJ, na medida em que a Constituição Federal (art.
6o), o Código Penal (art. 34, § 3o) e a Lei de Execução Penal (art. 36) garantem
ao preso o direito de trabalhar, deve ser admitido o exercício de atividade laborai
externa por parte do condenado por crime hediondo, não havendo qualquer incom­
patibilidade desses dispositivos com o art. 2o, § Io, da Lei 8.072/90.32

5.4. Revogação do trabalho externo


Como todo e qualquer benefício da execução penal, a continuidade do trabalho
externo depende da manutenção dos pressupostos que justificaram sua concessão. É
dentro desse contexto que o art. 37, parágrafo único, da LEP dispõe que a autorização
de trabalho externo deverá ser revogada nas seguintes hipóteses:
a. Prática de fato definido como crime: de se notar que o dispositivo não faz
referência à espécie de crime, o que, a nosso juízo, revela a intenção do legislador
de abranger tanto aquele de natureza dolosa, quanto aquele culposo. A expressão
“crime” não abrange contravenções penais, sob pena de indevida analogia in malam
partem. Outrossim, como o dispositivo menciona a “prática de fato definido como
crime”, não há necessidade de existência de sentença condenatória transitada em
julgado, conforme previsto, aliás, na Súmula n. 526 do STJ;33
b. Punição por falta grave: a prática de fato previsto como crime doloso cons­
titui falta grave, nos termos do art. 52, caput, Ia parte, da LEP. As demais hipóteses
de faltas graves estão listadas nos incisos do art. 50. Como o legislador faz menção
expressa à falta grave, intui-se que as faltas disciplinares de natureza leve e média
não autorizam a revogação do trabalho externo. Por fim, para que o trabalho externo
seja revogado, não basta que o apenado pratique falta grave, já que a lei faz menção
à punição por falta grave. A revogação pressupõe, portanto, a efetiva punição por tal

30 STJ, 6a Turma, HC 575.495/MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02/06/2020, DJe 08/06/2020.
31 Com entendimento semelhante: MIRABETE. Op. cit. p. 103; AVENA. Op. cit. p. 58.
32 STJ, 6a Turma, HC 35.004/DF, Rei. Min. Paulo Medina, j. 24/02/2005, DJ 18/04/2005. Na mesma linha: STJ,
6a Turma, HC 45.392/DF, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 09/03/2006, DJ 03/04/2006.
33 Súmula n. 526 do STJ: “O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido
como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal con­
denatória no processo penal instaurado para apuração do fato"
Cap. IV • TRABALHO DO PRESO 101

ato de indisciplina, salvo, obviamente, se se tratar de crime doloso, eis que, nesse
caso, o trabalho externo será revogado com base na hipótese anterior;
c. Comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo: como
exposto anteriormente, para que o apenado faça jus ao trabalho externo deverá de­
monstrar aptidão, disciplina e responsabilidade. Por consequência, eventuais atos de
indisciplina ou de irresponsabilidade, quer no exercício da sua atividade laborativa,
quer no âmbito do cárcere, também deverão dar ensejo à revogação do benefício.
Tome-se como exemplo a hipótese em que o apenado se aproveita da autorização do
trabalho externo para comparecer a locais diversos, ou quando apresenta sucessivos
atrasos no retorno ao presídio após o fim do expediente de trabalho.
A competência para determinar a revogação do trabalho externo recai sobre a
mesma autoridade que concedeu o benefício. Logo, tendo em vista a competência
revogatória implícita da Administração Pública, recai sobre o diretor do presídio a
atribuição de revogar o trabalho externo, se acaso presente uma das hipóteses aci­
ma detalhadas. Logicamente, para aqueles que sustentam que a competência para
deferir o benefício seria exclusiva do Juízo da Execução, caberia igualmente a ele
revogar o trabalho externo.
V
DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA

1. DEVERES DO PRESO

O trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória faz surgir uma


complexa relação jurídica entre o Estado e o condenado, em que há direitos e
deveres de ambas as partes a serem exercidos e cumpridos. Ainda que exista uma
condenação sobre o apenado, isso não retira dele o status de sujeito de direitos, daí
por que lhe devem ser impostas tão somente aquelas limitações correspondentes à
pena e à medida de segurança.
Sem embargo, como contraprestação às obrigações e limitações do Estado,
também devem ser estabelecidos na lei os deveres mínimos elementares que devem
ser observados pelos presos (e internados). Na verdade, como dispõe a Exposição de
Motivos da LEP, a instituição dos deveres gerais do preso (art. 38) e do conjunto
de regras inerentes à boa convivência (art. 39) “representa uma tomada de posição
da lei em face do fenômeno da prisionalização, visando a depurá-lo, tanto quanto
possível, das distorções e dos estigmas que encerra”, e, por isso, “sem característica
infamante ou aflitiva, os deveres do condenado se inserem no repertório normal das
obrigações do apenado como ônus naturais da existência comunitária”.
A inobservância desses deveres pode acarretar a aplicação de sanções disci­
plinares, interferindo, assim, na aferição do mérito do preso pela Administração
carcerária e pelo próprio Juízo da Execução por ocasião da deliberação sobre a
concessão (ou não) de diversos benefícios prisionais. É o que ocorre, por exemplo,
com a progressão de regimes, cuja concessão depende, além de lapso mínimo de
pena, de boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento (LEP,
art. 112, §1°, com redação determinada pela Lei n. 13.964/19).

1.1. Rol de deveres do preso especificados pela LEP


De acordo com o art. 39 da Lei de Execução Penal, constituem deveres do
condenado:
104 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença: o cumpri­


mento fiel da sentença a que alude o art. 39, I, da LEP, abrange não apenas o dever
do preso de se submeter à privação da liberdade, e de não evadir-se, mas também
aqueles que decorrem diretamente da sentença condenatória, como, por exemplo, o
pagamento da multa, efeitos da condenação (v.g, perda de cargo, incapacidade para
o exercício do poder familiar, inabilitação para dirigir veículo) etc. Parte da doutrina
trabalha com a tese de que o condenado teria o “direito” de fugir, dado seu natural
interesse em buscar recuperar sua liberdade de locomoção. Com a devida vênia, não
podemos concordar com tal assertiva, já que um dos deveres do preso consiste em
se submeter à privação de liberdade imposta na condenação. Pelo simples fato de
a fuga (ou tentativa de fuga) praticada sem o emprego de violência contra a pes­
soa não ser considerada crime à luz do art. 352 do Código Penal, daí não se pode
concluir que o preso teria um “direito” à fuga. Deveras, tivesse ele direito à fuga,
estar-se-ia afirmando que fugir é um ato lícito, o que não é correto, na medida em
que a própria Lei de Execução Penal estabelece como falta grave a fuga, ainda que
na modalidade tentada (LEP, art. 50, II, e art. 49, parágrafo único);
II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva
relacionar-se: para o regular funcionamento de qualquer estabelecimento prisional
exige-se do condenado (ou do preso cautelar) acatamento às ordens legais recebi­
das dos policiais penais, seja no interior da unidade, seja fora dele, por ocasião de
transferências, condução para audiências etc. O tratamento respeitoso a qualquer
pessoa (v.g., visitantes) com quem deva relacionar-se o preso também é um de seus
deveres. À luz do art. 50, inciso VI, da LEP, comete falta grave o condenado à pena
privativa de liberdade que não observar o dever de obediência ao servidor e respeito
a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;
III - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados: por mais
que não se possa exigir do preso o desenvolvimento de uma verdadeira relação de
amizade com os demais condenados, dada a natural desconfiança que geralmente
existe entre eles, salvo se eventualmente pertencentes a uma mesma ‘fraternidade’
ou organização criminosa, exige-se pelo menos uma certa urbanidade e respeito nas
inevitáveis relações que terão, ora ao coabitarem uma mesma cela, ora no trabalho,
nos estudos etc.;
IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou
de subversão à ordem ou à disciplina: conquanto não se considere como dever do
preso o de delatar a existência de movimentos individuais (ou coletivos) de fuga ou
de subversão à ordem ou à disciplina, exige-se ao menos que o preso se oponha a
eles. Logo, ao preso é vedado não apenas aderir à fuga (LEP, arts. 38 e 39, I), como
também se opor aos movimentos individuais ou coletivos de evasão, quer no interior
do estabelecimento prisional, quer fora deles (v.g., trabalho externo, transferência
para outros presídios). Prova disso, aliás, é o fato de a Lei de Execução Penal prever
como falta grave a conduta de “fugir” (art. 50, II), dispondo, ademais, que a prática
de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar a sub­
versão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado,
nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar (LEP,
art. 52, caput, com redação dada pela Lei n. 13.964/19);
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 105

V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas: como exposto


anteriormente, o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho
na medida de suas aptidões e capacidade (LEP, art. 31). Nada mais natural, portanto,
do que a previsão legal do dever do condenado de execução do trabalho, cuja inob­
servância, aliás, terá o condão de configurar a falta grave prevista no art. 50, VI, da
LEP. O inciso V do art. 39 da Lei n. 7.210/84 também faz referência genericamente
à execução das tarefas e das ordens recebidas, conceito este que abrange obrigações
não decorrentes do trabalho, e que necessariamente não podem ser ilegais;
VI - submissão à sanção disciplinar imposta: se recai sobre o condenado o
dever de cumprir a pena privativa de liberdade que lhe foi imposta em sentença
condenatória irrecorrível (LEP, art. 39, I), é natural que também recaia sobre ele
a obrigação de se sujeitar à sanção disciplinar imposta em regular procedimento
administrativo disciplinar. Tais sanções, que serão objeto de análise mais adiante,
estão especificadas nos incisos do art. 53 da LEP;
VII - indenização à vitima ou aos seus sucessores: por conta de uma mesma
infração penal, cuja prática é atribuída a determinada pessoa, podem ser exercidas duas
pretensões distintas. De um lado, a chamada pretensão punitiva, ou seja, a pretensão
do Estado em impor a pena cominada em lei. Do outro, a pretensão à reparação do
dano que a suposta infração penal possa ter causado à determinada pessoa. Recai,
pois, sobre o condenado o dever de indenizar a vítima (ou seus sucessores). Daí por
que o produto da remuneração pelo trabalho do preso deverá atender, dentre outras
finalidades, à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados
judicialmente e não reparados por outros meios (LEP, art. 29, §1°, “a”). A violação
a esse dever do art. 39, VII, da LEP, não foi incluída como espécie de falta grave.
Sem embargo, pode acarretar prejuízos ao sentenciado ao longo do cumprimento
da pena, a exemplo do que ocorre com futuro pedido de livramento condicional,
cuja concessão está subordinada à reparação do dano causado pela infração, salvo
efetiva impossibilidade de fazê-lo (CP, art. 83, IV);
VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com
a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do traba­
lho: como exposto anteriormente, esse dever tem natureza subsidiária em relação
à indenização ex delicto, assistência à família e pequenas despesas pessoais (LEP,
art. 29, §1°, “d”);
IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento: a convivência forçada
do condenado com outros presos no interior dos estabelecimentos prisionais impõe
a obrigação de higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento, até mesmo para se
evitar ou diminuir o risco de transmissão de doenças infectocontagiosas. Trata-se,
porém, de dever de complicada observância por parte dos presos, dada a notória
superlotação dos presídios e aglomeração de inúmeros presos na mesma cela;
X - conservação dos objetos de uso pessoal: este dever está relacionado àquele
material destinado ao preso pelo estabelecimento prisional onde se encontra (v.g.,
colchão onde dorme), já que não se pode exigir do preso que mantenha em bom
estado de conservação aquele que lhe é entregue pela própria família.
106 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

I. 2. Deveres do preso cautelar


Esses deveres acima especificados não são de aplicação exclusiva aos condenados
por sentença condenatória irrecorrível. Com efeito, aplica-se ao preso provisório,
no que couber, o disposto no art. 39, caput, da LEP, o qual elenca diversos deveres
do condenado (LEP, art. 39, parágrafo único). Logo, por mais que o preso caute­
lar não esteja submetido às obrigações decorrentes de uma sentença condenatória
irrecorrível, como, por exemplo, o cumprimento fiel da sentença (LEP, art. 39, I,
2a parte), execução do trabalho (LEP, art. 39, V), que, no caso dele, é facultativo,
indenização à vítima ou aos seus sucessores (LEP, art. 39, VII), e indenização ao
Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante
desconto proporcional da remuneração do trabalho (LEP, art. 39, VIII), é de rigor a
conclusão que deverá cumprir todos os demais deveres - art. 39, incisos I, Ia parte,
II, III, IV, VI, IX e X -, já que igualmente se encontra sujeito às mesmas sanções
disciplinares do condenado (LEP, art. 44, parágrafo único).

2. DIREITOS DO PRESO

Lamentavelmente, presos sempre foram - e continuam sendo - vítimas de


incontáveis excessos e abusos quando recolhidos a estabelecimentos penais, ora por
parte de outros apenados, ora por parte dos próprios agentes estatais, em clara e
evidente afronta àqueles direitos englobados na rubrica de direitos humanos.
Por mais que se trate de indivíduo que foi regularmente processado e condenado
pela prática de determinada infração penal, ou que teve contra si decretada uma
prisão cautelar, é fato que se trata de alguém que continua sendo titular de todos os
direitos que não foram atingidos em virtude da sua segregação (LEP, art. 3o). Pelo
fato de se encontrar privado da liberdade, o preso (penal ou cautelar) encontra-se
em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na
Constituição Federal e no ordenamento jurídico, mas isso não significa que perde,
além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não
atingidos pela condenação. E é exatamente a boa aplicação (ou não) desses direi­
tos e garantias que permite avaliar a real observância dos elementos materiais de
um Estado de Direito e distinguir a civilização da barbárie. Afinal, a proteção do
cidadão no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime
democrático daqueles de índole totalitária.1
Nesse contexto, são exemplos de direitos preservados pela Constituição Federal:
vida, igualdade, segurança e propriedade (CF, art. 5o, caput); liberdade de consciên­
cia e de religião (CF, art. 5o, VI, VII e VIII); representação e petição aos Poderes
Públicos, em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder (CF, art. 5o,
XXXIV, “a”); expedição de certidões requeridas às repartições públicas, para defesa
de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal (CF, art. 5o, XXXIV,

1 Nessa linha: STF, 2a Turma, HC 91.386/BA, Rei. Min. Gilmar Mendes, DJe 088 15/05/2008.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 107

“b”, e LXXII, “a” e “b”); integridade física e moral (CF, art. 5o, XLIX); assistência
judiciária (CF, art. 5o, LXXIV); e indenização pelo erro judiciário (CF, art. 5o, LXXV).
Noutro giro, a título de exemplos de direitos assegurados pela legislação in-
fraconstitucional, especial atenção deve ser dispensada aos seguintes: alimentação,
vestuário e instalações higiênicas (LEP, art. 12); trabalho remunerado (LEP, art. 41,
II); assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa (LEP, art. 41,
VII); proteção contra qualquer forma de sensacionalismo (LEP, art. 41, VIII); uso do
nome (LEP, art. 41, XI); audiência especial com o diretor do estabelecimento (LEP,
art. 41, XIII); atestado de pena a cumprir, emitido anualmente (LEP, art. 41, XVI).
Em conclusão, figuram como exemplos de direitos que podem ser atingidos ou
sofrer restrições em virtude da condenação: liberdade de locomoção, sobretudo no
caso de condenação à pena privativa de liberdade; naturalização (CF, art. 12, II, “b”);
direitos políticos (CF, art. 15, III); propriedade dos bens adquiridos com o proveito
do crime (CP, art. 91, II, “b”); exercício de cargo, função ou emprego público (CF,
art. 92, I; Lei n. 7.716-89, art. 16; Lei n. 9.455-97, art. Io, §5°; Lei n. 9.613-98, art.
7o, II); exercício de mandato eletivo (CP, art. 92, I); exercício do poder familiar,
tutela ou curatela (CP, art. 92, II); direção de veículo automotor (CP, art. 92, III).

2.1. Respeito à integridade física e moral do preso


De acordo com o art. 5o, inciso XLIX, da Constituição Federal, “é assegurado
aos presos o respeito à integridade física e moral”. Ao proclamar o respeito à inte­
gridade física e moral dos presos, a Carta Magna garante ao preso a conservação
de todos os direitos fundamentais reconhecidos à pessoa livre, à exceção, é claro,
daqueles que sejam incompatíveis com a condição peculiar de uma pessoa presa,
tais como a liberdade de locomoção (CF, art. 5o, XV), o livre exercício de qualquer
profissão (CF, art. 5o, XIII), a inviolabilidade domiciliar em relação à cela (CF, art.
5o, XI) e o exercício dos direitos políticos (CF, art. 15, III). Não obstante, mantém o
preso os demais diretos e garantias fundamentais, tais como o respeito à integridade
física e moral (CF, art. 5o, III, V, X e LXIV), à liberdade religiosa (CF, art. 5o, VI),
ao direito de propriedade (CF, art. 5o, XXII), e, em especial, aos direitos à vida e à
dignidade humana.2
Não por outro motivo, o Superior Tribunal de Justiça acabou por reconhecer
que presos não podem ficar custodiados em contêiner, in verbis: “Se se usa contê-
iner como cela, trata-se de uso inadequado, ilegítimo e ilegal. (...) Caso, pois, de
prisão inadequada e desonrante; desumana também. Não se combate a violência do
crime com a violência da prisão. Habeas corpus deferido, substituindo-se a prisão
em contêiner por prisão domiciliar, com extensão a tantos quantos - homens e
mulheres - estejam presos nas mesmas condições”.3

2 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. 5a ed. São Paulo: Atlas,
2005. 338.
3 STJ, 6a Turma, HC 142.513/ES, Rei. Min. Nilson Naves, j. 23/03/2010, DJe 10/05/2010.
108 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Dispondo a Constituição Federal que é assegurado aos presos o respeito à


integridade física e moral (art. 5o, XLIX), e que ninguém será submetido a tortura
nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5o, III), não se pode afastar a res­
ponsabilização criminal das autoridades em caso de atentado à integridade corporal
do preso, seja pelo delito de lesão corporal (CP, art. 129), seja pelo próprio delito
de tortura, tipificado no art. Io, § Io, da Lei n° 9.455/97. Deveras, se os presos
conservam, mesmo em tal condição, o direito à intangibilidade de sua integridade
física e moral, é inaceitável a imposição de toda e qualquer espécie de castigo cor­
poral aos detentos, em qualquer circunstância, sob pena de censurável violação aos
direitos fundamentais da pessoa humana. Não por outro motivo, em caso concreto
relativo a cidadão preso que se debatia contra as grades, agredia outros detentos e
proferia impropérios contra os policiais, que foi algemado e agredido por policial
civil com vários golpes de cassetete, sofrendo lesões corporais graves, concluiu o STJ
estar tipificado o delito de tortura previsto no art. Io, § Io, da Lei n° 9.455/97. Essa
modalidade de tortura, ao contrário das demais, não exige especial fim de agir por
parte do agente para configurar-se, bastando o dolo de praticar a conduta descrita
no tipo objetivo.4
A fim de se resguardar a integridade física e moral do preso, é indispensável
que toda e qualquer pessoa presa seja submetida a exame de corpo de delito, seja
no momento da captura, seja no momento da soltura. A sujeição do preso a exame
de corpo de delito visa documentar seu estado de saúde durante o período em que
ficou sob a custódia do Estado. De mais a mais, como é extremamente comum que
presos se insurjam quanto ao comportamento das autoridades, alegando que sofre­
ram agressões, tortura ou sevícias físicas durante o período de encarceramento, a
realização do exame pericial resguarda o próprio agente contra tais questionamentos.
O dever de zelar pela integridade física e moral do preso foi reiterado pelo Ple­
nário do STF no julgamento do RE 580.252, quando reconheceu a responsabilidade
objetiva do Estado do Mato Grosso do Sul, obrigando-o a indenizar um detento
no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em virtude dos danos, inclusive morais,
que comprovadamente lhe foram causados em decorrência da falta ou insuficiência
das condições legais de encarceramento. Para a Corte, o Estado é responsável pela
guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto ali perma­
necerem detidas, sendo seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos
padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir
os danos que daí decorrerem. Concluiu-se que a criação de subterfúgios teóricos
— como a separação dos Poderes, a reserva do possível e a natureza coletiva dos
danos sofridos — para afastar a responsabilidade estatal pelas calamitosas condições
da carceragem afronta não apenas o sentido do art. 37, § 6o, da CF, mas também
determina o esvaziamento de inúmeras cláusulas constitucionais e convencionais.
Também se revela indevida a invocação seletiva de razões de Estado para negar,
especificamente a determinada categoria de sujeitos, o direito à integridade física e
moral. Acolher essas razões é o mesmo que recusar aos detentos os mecanismos de
reparação judicial dos danos sofridos, deixando-os descobertos de qualquer proteção

4 STJ, 5a Turma, REsp 856.706/AC, Rei. Min. Felix Fischer, j. 06/05/2010, DJe 28/06/2010.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 109

estatal, em condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa. É dupla negativa:


do direito e da jurisdição.5

2.1.1. Uso de algemas


Durante anos, silenciou o Código de Processo Penal acerca do uso de algemas
no momento da prisão, limitando-se a Lei de Execução Penal a dispor que o empre­
go de algemas seria disciplinado por decreto federal (LEP, art. 199), que entrou em
vigor tão somente em data de 27 de setembro de 2016 (Decreto n. 8.858/2016).6 Só
mais recentemente (2008) é que o CPP passou a prever, no âmbito do procedimento
do júri, que não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em
que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem
dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos
presentes (CPP, art. 474, § 3o, com redação dada pela Lei n° 11.689/08). Ademais,
segundo o art. 478, inciso I, do CPP, durante os debates, as partes não poderão,
sob pena de nulidade, fazer referências à determinação do uso de algemas como
argumento de autoridade que beneficie ou prejudique o acusado.
Não obstante o silêncio do Código de Processo Penal ao longo dos anos, é for­
çoso convir que a Constituição Federal assegura aos presos o respeito à integridade
física e moral (CF, art. 5o, inciso XLIX). Ademais, admitindo a lei processual penal a
aplicação analógica, por força do art. 3o, caput, do CPP, mesmo antes das alterações
produzidas pela Lei n° 11.689/08, já deveria incidir no processo penal comum o art.
234, § Io, do Código de Processo Penal Militar, segundo o qual o emprego de algemas
deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso.
Em face da lacuna legal referente ao uso de algemas quando do momento
da prisão, pelo menos até o ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal já havia se
posicionado no sentido de que o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo
de natureza excepcional, a ser adotado nas seguintes hipóteses: a) com a finalidade
de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que
haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) com a
finalidade de evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros
ou contra si mesmo.7

5 STF, Pleno, RE 580.252/MS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 16/02/2017.


6 De acordo com o art. 1o do referido Decreto, o emprego de algemas terá como diretrizes: I - o inciso III
do caput do art. 1o e o inciso III do caput do art. 5o da Constituição, que dispõem sobre a proteção e a
promoção da dignidade da pessoa humana e sobre a proibição de submissão ao tratamento desumano
e degradante; II - a Resolução n. 2010/16, de 22 de julho de 2010, das Nações Unidas sobre o tratamento
de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok);
III - o Pacto de San José da Costa Fica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial,
das mulheres em condição de vulnerabilidade. Dispõe, ademais, que é vedado emprego de algemas em
mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no
trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período
em que se encontrar hospitalizada (art. 3o).
7 STF, 1a Turma, HC 89.429/RO, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJ 02/02/2007 p. 114.
110 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Seguindo a mesma linha de raciocínio, ao julgar o HC 91.952, referente a cida­


dão que permanecera algemado durante toda a sessão do Júri, entendeu a Suprema
Corte que o uso das algemas, no caso, estaria em confronto com a ordem jurídico-
- constitucional, tendo em conta que não havia, no caso, uma justificativa socialmente
aceitável para submeter o acusado à humilhação de permanecer algemado durante
horas, quando do julgamento no Tribunal do Júri, não tendo sido, ademais, apontado
um único dado concreto, relativo ao perfil do acusado, que estivesse a exigir, em prol
da segurança, a permanência com algemas. Aduziu-se que manter o acusado algema­
do em audiência, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade,
implicaria colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior. Acrescentou-se
que, em razão de o julgamento no Júri ser procedido por pessoas leigas que tiram
ilações diversas do contexto observado, a permanência do réu algemado indicaria,
à primeira vista, que se estaria a tratar de criminoso de alta periculosidade, o que
acarretaria desequilíbrio no julgamento, por estarem os jurados influenciados.8
Apesar de não nos parecer que estivessem presentes os pressupostos consti­
tucionais para a edição de súmula vinculante (CF, art. 103-A, caput), como con­
sequência do referido julgamento foi aprovado pelo Supremo Tribunal Federal o
Enunciado da Súmula Vinculante n° 11, que dispõe: “Só é lícito o uso de algemas
em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade
física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excep-
cionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do
agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se
refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.9 Nesse contexto, em caso
concreto em que, por ocasião de sua transferência para presídio em outra unidade
da Federação, o ex-Governador do Rio de Janeiro S. C. F. foi exibido às câmeras
de televisão algemado por pés e mãos, a despeito de sua aparente passividade, a
2a Turma do STF reputou haver evidente afronta à súmula vinculante n. 11, con­
cluindo, assim, que o uso infundado de algemas seria, por si só, causa suficiente
para invalidar a referida transferência.10
Da leitura da súmula vinculante n° 11 do STF, depreende-se que, sendo ne­
cessária a utilização de algemas, seja para prevenir, impedir ou dificultar a fuga do
capturando, seja para evitar agressão do preso contra policiais, contra terceiros ou
contra si mesmo, será indispensável a lavratura de auto de utilização de algemas
pela autoridade competente. O ideal é que esse auto de utilização de algemas seja
lavrado tão logo efetuada a captura do agente, nos mesmos moldes em que se lavra
o chamado auto de resistência. De mais a mais, a nosso juízo, nada impede que
a menção à situação fática que legitimou o uso de algemas seja feita no bojo do
próprio auto de prisão em flagrante delito. No entanto, caso isso não seja possível
(v.g., hipótese em que o capturando tenha que ser transportado para outra cidade),

8 STF, HC 91.952/SP, Tribunal Pleno, Rei. Min. Marco Aurélio, DJe 241 18/12/2008.
9 Na visão da 1a Turma do STF (Rcl. 7.116/PE, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 24/05/2016), a apresentação de
custodiado algemado à imprensa pelas autoridades policiais não afronta a súmula vinculante n° 11.
10 STF, 2a Turma, HC 152.720/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 10/04/2018.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 111

nada impede que essa justificativa seja lavrada quando da chegada do indivíduo à
delegacia de polícia.11
Quando aprovado pelo Congresso Nacional, o art. 17 do Projeto de Lei n. 7.596/17
(n. 85/17 no Senado Federal), que deu origem à nova Lei de Abuso de Autoridade
(Lei n. 13.869/19), tinha a seguinte redação: “Art. 17. Submeter o preso, internado
ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o
movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão,
internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio
preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiro: Pena - detenção, de 6
(seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aplicada em dobro
se: I - o internado tem menos de 18 (dezoito) anos de idade; II - a presa, interna­
da ou apreendida estiver grávida no momento da prisão, internação ou apreensão,
com gravidez demonstrada por evidência ou informação; III - o fato ocorrer em
penitenciária.” Ocorre que o dispositivo foi vetado pelo Presidente da República
nos seguintes termos: “A propositura legislativa, ao tratar de forma genérica sobre
a matéria, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta
interpretação. Ademais, há ofensa ao princípio da intervenção mínima, para o qual
o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, além do fato
de que o uso de algemas já se encontra devidamente tratado pelo Supremo Tribunal
Federal, nos termos da Súmula Vinculante n° 11, que estabelece parâmetros e a
eventual responsabilização do agente público que o descumprir.” À semelhança do
que ocorreu com os arts. 11, 14, 20, inciso II, 26, 29, parágrafo único, 34 e 35, este
veto ao art. 17 não foi rejeitado pelo Congresso Nacional. Sem embargo, a depender
do caso concreto, é perfeitamente possível a tipificação dos crimes dos incisos I e II
do art. 13,12 desde que presentes as respectivas elementares, e conquanto presente
o elemento subjetivo especial do art. Io, §1°, da nova Lei de Abuso de Autoridade.

2.1.1.1. Vedação ao uso de algemas em mulheres grávidas durante o


parto e em mulheres durante a fase de puerpério imediato
O Brasil é signatário do Pacto sobre as Regras Mínimas da ONU para Trata­
mento da Mulher Presa, conhecido como Regras de Bangkok. Consoante disposto
na regra n. 24 do referido Tratado, “instrumentos de contenção jamais deverão
ser usados em mulheres em trabalho de parto, durante o parto e nem no período
imediatamente posterior”. Atendendo às Regras de Bangkok, o Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária decidiu “considerar defeso utilizar algemas ou
outros meios de contenção em presas parturientes, definitivas ou provisórias, no
momento em que se encontrem em intervenção cirúrgica para realizar o parto ou
se estejam em trabalho de parto natural, e no período de repouso subsequente ao

11 Nesse sentido: STJ - HC 138.349/MG - 6a Turma - Rei. Min. Celso Limongi - Desembargador convocado
do TJ/SP - Dje 07/12/2009.
12 Lei n. 13.869/19: "Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução
de sua capacidade de resistência, a: I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade
pública; II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; (...)".
112 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

parto” (Resolução n. 3, de Io de julho de 2012, art. 3o). Não obstante os diplomas


normativos em questão, o uso de algemas em mulheres grávidas ainda era uma rotina
no país. De acordo com um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz com base
em dados obtidos num censo nacional realizado entre agosto de 2012 e janeiro de
2014, mais de um terço das mulheres presas grávidas relataram o uso de algemas na
internação para o parto. Daí a origem da Lei n. 13.434/17 e a inclusão do parágrafo
único do art. 292 do CPP. De acordo com o novel dispositivo, a mulher não deve
permanecer algemada em três hipóteses: a) durante os atos médico-hospitalares
preparatórios para a realização do parto; b) durante o trabalho de parto; c) durante
o período de puerpério imediato.13

2.1.2. Caso Damião Ximenes Lopes


Cuida-se da primeira condenação internacional do Estado brasileiro pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em data de Io de outubro de
1999, Damião Ximenes Lopes foi internado numa clínica psiquiátrica na cidade de
Sobral/CE. Ao chegar à referida clínica no dia 04/10/99 para uma visita, a mãe de
Damião deparou-se com seu filho sangrando, com a roupa rasgada, sujo, cheirando
a excremento, mãos amarradas para trás, com dificuldade para respirar, agonizante,
com hematomas, gritando e pedindo socorro. Dirigiu-se, de imediato, ao médico.
Pouco tempo depois, Damião veio a óbito, sem ser assistido por qualquer médico,
já que a clínica não dispunha de nenhum profissional de saúde. Seu corpo apresen­
tava diversas marcas de tortura, os punhos estavam dilacerados e roxos, suas mãos
perfuradas, com sinais de unhas, e uma parte de seu nariz estava machucada. Não
obstante, os médicos atestaram causa mortis indeterminada.
No dia 4 de julho de 2006, a CIDH reconheceu, por unanimidade, a responsa­
bilidade parcial do Estado brasileiro pela violação: a) do direito à vida (CADH, art.
4o); b) da integridade física (CADH, art. 5o); c) das garantias judiciais (CADH, art.
8°); d) da proteção judicial (CADH, art. 25). A Corte apontou que o Brasil falhou
em seus deveres de respeito, prevenção e proteção aos direitos humanos. Fez menção,
ademais, à demora do Poder Judiciário, porquanto, seis anos após o oferecimento
da peça acusatória, sequer havia uma sentença de primeira instância. Por conse­
quência, a Corte dispôs: a) ser dever do Estado garantir, em um prazo razoável, que
o processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos
surta seus devidos efeitos; b) que o teor da decisão deveria ser publicado no prazo
de seis meses no Diário Oficial; c) ser dever do Estado continuar a desenvolver
programas de formação e capacitação profissional para todas as pessoas vinculadas
ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que devem reger
o trato das pessoas portadoras de deficiência mental; d) que o Estado pague, em
dinheiro, para a família da vítima, no prazo de um ano, a título de indenização por

13 Segundo a doutrina - FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 10a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2015. P. 687 - compreende-se por puerpério o período de tempo compreendido entre o desprendimento
da placenta até o retorno do organismo materno às condições anteriores à gestação. Puerpério imediato,
por sua vez, compreende esse estado do Io ao 10° dia após o parto.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 113

danos materiais e imateriais, nos termos do art. 63.1 da CADH, a quantia de US$
146.000,00, além do pagamento de todas as despesas que estes tenham realizado
nos processos na Justiça Brasileira e no exterior. Determinou, ainda, no prazo de
um ano, que o Brasil apresentasse à Corte um relatório sobre as medidas adotadas
para o seu cumprimento.

2.1.3. Revista íntima em presídios


Um dos mais graves e complexos problemas que desafia a Administração Pe­
nitenciária nos dias de hoje diz respeito ao ingresso de objetos ilícitos nos estabe­
lecimentos prisionais por intermédio das pessoas que visitam os presos. De modo
a corroborar essa afirmação, podemos citar, a título de exemplo, dados oficiais
fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo
(SAP), que apontaram que, entre os anos de 2012 e 2013, foram realizadas 3.407.926
visitas nas 159 unidades prisionais do Estado administradas pela SAP, oportunidade
em que ocorreram 493 apreensões de telefones celulares e 354 de entorpecentes com
visitantes.14 Ante a gravidade do problema, discute-se acerca da possibilidade de
realização de revista íntima em presídios, discussão esta que interessa não apenas ao
processo penal, para fins de verificação da licitude (ou não) da apreensão de eventuais
objetos ilícitos encontrados com o visitante, mas também ao processo de execução
penal, já que, para uns, ter-se-ia evidente violação ao princípio da intranscendência
da pena. Sobre o tema, há, fundamentalmente, duas correntes:
a) Vedação à realização de revista íntima em presídios: em razão de, em cer­
tas ocasiões, violar brutalmente o direito à intimidade, à inviolabilidade corporal
e à convivência familiar entre visitante e preso, parte da doutrina sustenta que
não é possível a realização de revista íntima em presídios, por ser ela vexatória
e atentatória à dignidade da pessoa humana, a qual seria um valor básico ense-
jador dos direitos fundamentais. Invoca-se, ademais, a proibição constitucional
de se submeter qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante (CF, art.
5o, III, in fine). Essa verdadeira prática medieval também vem de encontro a
diversos tratados internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil. A
título de exemplo, por ocasião do julgamento do caso Castro Castro vs. Peru,
ocorrido em 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou que a
revista da genitália feminina é considerada forma de violência contra a mulher
e, por tal motivo, constitui forma de tortura. Com base nesses argumentos, o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) publicou a
Resolução n. 5, de 28 de agosto de 2014, que recomenda, dentre outras provi­
dências, a “não utilização de práticas vexatórias para o controle de ingresso aos
locais de privação de liberdade”. Consoante disposto em seu art. 2o, são vedadas
quaisquer formas de revista vexatória, desumana ou degradante, assim consi­
deradas: a) desnudamento parcial ou total; b) qualquer conduta que implique
a introdução de objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada; c) uso de

14 Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/23/Documentos/2014_07_15_Dados_Re-


vistaVexatoria_EstadodeSP.pdf Acesso em: 11/12/2019.
114 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

cães ou animais farejadores, ainda que treinados para esse fim; d) agachamentos
ou saltos. De acordo com o CNPCP, a revista pessoal deve ser feita por meio
de equipamentos eletrônicos e estão vedadas quaisquer formas de revista que
atentem contra a integridade física e psicológica dos visitantes. Também merece
ser lembrada a Lei n. 13.271/16, cujo art. Io dispõe que as empresas privadas, os
órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos
de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes
do sexo feminino.15 Portanto, havendo suspeita de transporte de drogas, e, de
modo a se evitar a extrema invasividade no corpo da suspeita, podem ser rea­
lizadas medidas alternativas, tais como impedir sua entrada, acompanhar seus
movimentos no interior do cárcere, limitar o direito de visitação, mas jamais
submetê-la ao constrangimento de uma revista íntima, sob pena de ilicitude das
provas assim obtidas. Como sugere a doutrina,16 em fiel observância ao princípio
da intranscendência mínima, a revista (sobretudo íntima) não deve ser realizada
no visitante, mas na própria pessoa presa, em seu retorno da visitação para a
galeria ou cela;
b) Possibilidade de realização de revista íntima em estabelecimentos pri­
sionais como medida de ultima ratio (nossa posição): pelo menos em regra, a
revista pessoal deve ser realizada por inspeção visual e por detector de metal
ou outro equipamento próprio para detecção de materiais ilícitos. Todavia, em
caso de visitante suspeito de portar material ilícito ou de mulheres em período
menstruai, admite-se a realização de revista íntima, a qual pode ser recusada
pelo visitante, situação em que será ele proibido de ingressar no estabelecimento
prisional. Admite-se a realização de revista íntima com base em uma ponderação
de interesses, já que existe uma necessidade de que seja controlada a entrada de
produtos proibidos nos presídios - armas, bebidas, drogas, celulares, etc. -, de
forma que, por questão de segurança pública e em nome da segurança prisional,
estaria autorizada a medida, desde que, obviamente, fossem tomadas as cautelas
devidas, tais como, por exemplo, a impossibilidade de se adotar qualquer proce­
dimento invasivo, a realização de revista em mulheres por agentes públicos do
sexo feminino em sala reservada, a vedação a qualquer forma de contato físico
com a profissional responsável pela revista, etc. Cuida-se, tal procedimento,
quando realizado com estrita observância a procedimento legal e com respeito
aos princípios e às garantias constitucionais, de legítimo exercício do poder de
polícia do Estado, de cunho preventivo, o qual objetiva garantir a segurança
social e os interesses públicos, daí por que não há falar em ilicitude de eventuais
objetos apreendidos com o visitante. Vejamos um caso concreto: uma mulher,

15 Quando aprovado pelo Congresso Nacional, o art. 3o da Lei n. 13.271/16 tinha a seguinte redação: "Nos
casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será
unicamente realizada por funcionários servidores femininos". Ocorre que este dispositivo foi vetado pelo
Presidente da República, nos seguintes termos: "A redação do dispositivo possibilitaria interpretação no
sentido de ser permitida a revista íntima nos estabelecimentos prisionais. Além disso, permitiría interpre­
tação de que quaisquer revistas seriam realizadas unicamente por servidores femininos, tanto em pessoas
do sexo masculino, quanto feminino".
16 ROIG. Op. cit. p. 58.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 115

já na sala de revista do presídio, aparentava grande nervosismo, relatando às


agentes penitenciárias que estava com um absorvente interno por estar mens­
truada; desconfiadas, as agentes solicitaram à visitante que retirasse o absorvente
para que pudesse ingressar no presídio, oportunidade em que visualizaram a
ponta de um preservativo no interior da cavidade vaginal, dentro do qual a
droga - cerca de 143,7g de maconha - estava acondicionada. In casu, concluiu
a 6a Turma do STJ que, embora a acusada tivesse o direito de se recusar a ser
revistada intimamente, submeteu-se, de maneira voluntária e em sala reservada,
ao procedimento adotado no presídio, daí por que não há falar em ilicitude da
droga com ela apreendida, visto que não houve a prática de ato ofensivo a sua
honra, tampouco dano à sua integridade física ou moral.17 De todo modo, essa
revista íntima, verdadeira espécie de busca pessoal, sujeita, pois, ao disposto
no art. 244 do CPP, só poderá ser levada a efeito pelo agente público quando
houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos ilícitos.
Por isso, em caso concreto no qual uma mulher foi submetida à realização de
revista íntima realizada com base, tão somente, em uma denúncia anônima feita
ao presídio no dia dos fatos informando que ela tentaria entrar no presídio com
drogas, sem a realização de outras diligências prévias para apurar a veracidade
e a plausibilidade dessa informação, a 6a Turma do STJ reconheceu a ilicitude
da prova assim obtida. Na visão do referido colegiado, se não havia fundadas
suspeitas para a realização de revista na acusada, não haveria como se admitir
que a mera constatação de situação de flagrância, posterior à revista, justificasse
a medida, sob pena de esvaziamento do direito constitucional à intimidade, à
honra e à imagem do indivíduo.18
A controvérsia deverá ser dirimida em breve pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal no julgamento de Recurso Extraordinário com Agravo (ARE
959.620), com repercussão geral reconhecida (Tema 998). Conquanto o julgamento
ainda não tenha sido concluído, o Relator, Min. Edson Fachin, manifestou-se no
sentido de que as provas obtidas a partir de práticas vexatórias, como o desnu­
damento de pessoas, agachamento e busca em cavidades íntimas, por exemplo,
devem ser qualificadas como ilícitas, por violação à dignidade da pessoa humana
e aos direitos fundamentais à integridade, à intimidade e à honra. O Ministro
observou que, de acordo com a Lei 10.792/2003, que alterou a LEP e o CPP, o
controle de entrada nas prisões deve ser feito com o uso de equipamentos ele­

17 STJ, 6a Turma, REsp 1.523.735/RS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 20/02/2018, DJe 26/02/2018. É firme a
jurisprudência do STJ no sentido de que não viola o princípio da dignidade da pessoa humana a revista
íntima realizada conforme as normas administrativas que disciplinam a atividade fiscalizatória, quando
houver fundada suspeita de que o visitante esteja transportando drogas ou outros itens proibidos para
o interior do estabelecimento prisional. Nessa linha: STJ, 5a Turma, HC 460.234/SC, Rei. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, j. 11/09/2018, DJe 20/09/2018; STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.687.496/RS, Rei. Min.
Jorge Mussi, j. 20/03/2018, DJe 27/03/2018; STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1,696.487/RS, Rei. Min. Nefi
Cordeiro, j. 13/03/2018, DJe 26/03/2018; STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.652.864/RS, Rei. Min. Jorge Mussi,
DJe 21/06/2017, STJ, 5a Turma, HC 328.843/SP, Rei. Min. Felix Fischer, DJe 09/11/2015; STJ, 5a Turma, HC
238.973/SP, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16/08/2012, DJe 05/09/2012.
18 STJ, 6a Turma, REsp 1.695.349/RS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 08/10/2019, DJe 14/10/2019.
116 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

trônicos como detectores de metais, scanners corporais, raquetes e aparelhos de


raios-X. A ausência desses equipamentos não justificaria a revista íntima. Para
o Ministro, as revistas pessoais são legítimas para viabilizar a segurança e evitar
a entrada de equipamentos e substâncias proibidas nas unidades prisionais. No
entanto, é inaceitável que agentes estatais ordenem a retirada de roupas para
revistar cavidades corporais, ainda que haja suspeita fundada. Portanto, a busca
pessoal, sem práticas vexatórias ou invasivas, só deve ser realizada se, após o uso
de equipamentos eletrônicos, ainda houver elementos concretos ou documentos
que justifiquem a suspeita do porte de substâncias ou objetos ilícitos ou proibi­
dos. Propôs, assim, com a manifestação farovável dos Ministros Roberto Barroso
e Rosa Weber, a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “É inadmissível
a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de
segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento
de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a
partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos
eletrônicos e radioscópicos”. Divergindo do Relator, todavia, o Min. Alexandre de
Moraes sugeriu a seguinte tese: “A revista íntima para ingresso em estabelecimen­
tos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e
dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo
com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente
médicos na hipótese de exames invasivos. O excesso ou abuso da realização da
revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude
de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade
administrativa poderá impedir a realização da visita”. Na sequência, o Min. Dias
Toffoli pediu vista dos autos.

2.2. Rol exemplificativo de direitos do preso previstos na Lei de Execução


Penal
Além de assegurar ao condenado todos os direitos não atingidos pela sentença
ou pela Lei (LEP, art. 3o, caput) e impor o respeito à integridade física e moral (LEP,
art. 40), a Lei de Execução Penal lista expressamente nos incisos I a XVI do art. 41
diversos direitos do preso. Como adverte a Exposição de Motivos (itens 65 e 68),
não estamos diante de regras meramente programáticas, mas de direitos do preso,
positivados por preceitos e sanções, indicados com clareza e precisão, exatamente
de modo a se evitar qualquer incerteza no tocante a sua fiel observância. Por se
tratar de direitos humanos, esses direitos do preso são invioláveis, imprescritíveis
e irrenunciáveis.
Impõe-se, portanto, a análise em separado de cada um dos diversos direitos do
preso listados na Lei de Execução Penal. Antes, porém, convém destacar que sua
aplicação não está restrita àqueles condenados por sentença irrecorrível. Na verdade,
consoante disposto no art. 42 da LEP, aplica-se ao preso provisório e ao submetido
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 117

à medida de segurança, no que couber, o disposto naquela Seção, que versa sobre
os direitos do preso.

2.2.1. Alimentação suficiente e vestuário


Pelo fato de se encontrar privado da liberdade, é evidente que o condenado
não tem condições de prover, por si mesmo, sua própria alimentação e vestuário.
Daí os dizeres do art. 41, I, da LEP. Incumbe, pois, à administração penitenciária
fornecer alimentação em quantidade e qualidade condizente com normas nutritivas
e higiênicas, bem como disponibilizar ao preso vestuário adequado ao clima. Todos
os reclusos também devem ter a possibilidade de se prover com água potável sempre
que necessário.
A norma em questão vem ao encontro das Regras de Mandela, que preveem
que deve ser garantido vestuário adaptado às condições climatéricas e de saúde a
todos os reclusos que não estejam autorizados a usar o seu próprio vestuário. Este
vestuário não deve de forma alguma ser degradante ou humilhante (Regra n. 19).
Dispõem, ademais, que a administração deve fornecer a cada recluso, a horas de­
terminadas, alimentação de valor nutritivo adequado à saúde e à robustez física, de
qualidade e bem preparada e servida (Regra n. 22).

2.2.2. Atribuição de trabalho e sua remuneração


Levando-se em consideração o fato de o preso não poder exercer sua atividade
laborativa em virtude das limitações decorrentes do cumprimento de uma pena priva­
tiva de liberdade, recai sobre a Administração Penitenciária o dever de atribuir-lhe o
trabalho que deve realizar no estabelecimento prisional, o que, aliás, vem ao encontro
da própria Constituição Federal, que elenca o trabalho como um dos direitos sociais
(art. 6o). Como se pode notar, o trabalho remunerado funciona não apenas como um
dever do preso (LEP, art. 39, V), como também um direito seu, até mesmo pelo fato de
permitir a redução de sua pena através da remição (LEP, arts. 126 a 130).

2.2.3. Previdência social


O preso tem direito à previdência social, seja por força do teor do art. 41,
inciso III, da LEP, ora sob comento, seja em virtude do art. 39 do mesmo diploma
normativo, que dispõe que o trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-
-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social. Por consequência, apesar de não
estar sujeito às regras da Consolidação das Leis do Trabalho, faz jus aos diversos
benefícios previdenciários, inclusive a aposentadoria. Para tanto, porém, é necessário
que contribua voluntariamente para a Previdência Social, nos termos da legislação
específica relativa ao trabalho prisional, já que a Lei de Execução Penal não prevê
a possibilidade de se descontar a contribuição previdenciária da remuneração do
preso pelo trabalho.
118 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

2.2.3.1. Auxílio-reclusão
Cuida-se de benefício previdenciário devido aos dependentes de segurado
recolhido à prisão em regime fechado, desde que o segregado não esteja recebendo
remuneração da empresa, aposentadoria de qualquer espécie, pensão por morte,
salário maternidade, abono de permanência em serviço (benefício extinto) ou auxílio-
-doença, nos termos do art. 80 da Lei n. 8.213/91, modificado pela Lei n. 13.846/19.19
O auxílio-reclusão será pago apenas nas condenações impostas sob regime
fechado, não sendo devido o benefício na hipótese de regime aberto, na forma do
art. 116, §5°, do RPS, haja vista a determinação do detento trabalhar fora do esta­
belecimento prisional, conforme o art. 36 do Código Penal, apenas sendo recolhido
no período noturno e nos dias de folga. Outrossim, por força da MP n. 871/19,
convertida na Lei n. 13.846/19, regramento que deve ser aplicado às prisões a contar
de 18 de janeiro de 2019, o regime prisional semiaberto não mais enseja a concessão
do auxílio-reclusão. Por sua vez, o cumprimento de pena em prisão domiciliar não
impede o recebimento do benefício de auxílio-reclusão pelo dependente, se o regi­
me previsto for o fechado, assim como a monitoração eletrônica do instituidor do
benefício de auxílio-reclusão não interfere no direito do dependente ao recebimento
do benefício, uma vez que tem a função de fiscalizar o preso, desde que mantida
a prisão domiciliar. Apesar da omissão regulamentar, será cabível o benefício nos
casos de prisão cautelar (temporária e preventiva), pois o segurado de baixa renda
não poderá exercer atividade laborativa para sustentar os seus dependentes, tendo
essas prisões equivalência ao regime fechado.
Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 20/98, houve uma
restrição da proteção social do auxílio-reclusão, passando a ser exigido que o segu­
rado preso seja enquadrado como baixa renda, conforme nova redação conferida
ao inciso IV do art. 201 da CF. Na visão do STF, a renda do segurado preso é a
que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício, e não a de
seus dependentes.20

2.2.4. Constituição de pecúlio


Como exposto anteriormente, o trabalho do preso será remunerado, mediante
prévia tabela, não podendo ser inferior a % (três quartos) do salário mínimo, sen­
do que o produto da remuneração pelo trabalho deverá atender à indenização dos
danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados
por outros meios, à assistência à família, a pequenas despesas pessoais e ao ressar­
cimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado. Se
tais obrigações estiverem satisfeitas, a Lei de Execução Penal prevê a possibilidade
de constituição de pecúlio, mediante desconto da remuneração devida pelo trabalho
prisional, valor este que será entregue ao preso futuramente, por ocasião da sua
colocação em liberdade.

19 AMADO, Frederico. Manual de Direito Previdenciário. Salvador: Editora Juspodivm, 2021. p. 740.
20 STF, Pleno, RE 587.365-SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25.03.2009, DJ 08.05.2009.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 119

2.2.5. Proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o


descanso e a recreação
Toda e qualquer atividade de natureza laborativa (ou educacional) demanda cer­
to esforço físico e mental, sendo que, a depender da sua intensidade e duração, pode­
rá produzir certo cansaço e fadiga. Daí a importância de se assegurar ao preso certa
proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho (ou estudo), descanso e
recreação.
Esses momentos de descanso e recreação contribuem para a própria produtivi­
dade do trabalho ou estudo do preso, que certamente teriam algum tipo de prejuízo
qualitativo ou quantitativo se acaso se prolongassem por horas e horas, sem qualquer
interrupção. Não por outro motivo, a própria Lei de Execução Penal já prevê que a
jornada normal de trabalho não poderá ser inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito)
horas, com descanso nos domingos e feriados (art. 33, caput).
Como destaca a doutrina,21 esses momentos de repouso não se confundem com
a simples ociosidade, já que consistem numa necessária interrupção da atividade la­
borativa para fins de descanso. A ociosidade, por sua vez, considerada a “mãe de todos
os vícios”, produz inegáveis efeitos deletérios (v.g., desocupação, jogo, contágio moral,
desequilíbrio etc.).

2.2.6. Exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e


desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da
pena
O objetivo da Lei de Execução Penal nesse ponto é contribuir para a continuida­
de das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas que o condenado
exercia enquanto estava em liberdade, desde que compatíveis com a execução da pena.
Para tanto, a administração carcerária deverá lhe conceder espaço, meios e condições
que as tornem possíveis.

2.2.7. Assistência materiai, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa


No capítulo atinente à assistência ao preso, discorremos sobre a assistência ma­
terial (LEP, arts. 12 e 13), assistência à saúde (LEP, art. 14), assistência jurídica (LEP,
arts. 15 e 16), assistência social (arts. 22 e 23) e assistência religiosa (LEP, art. 24). De
modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor ao referido capítulo.

2.2.8. Proteção contra qualquer forma de sensacionalismo (Perp walk)


A questão relativa ao respeito à integridade moral do preso ganha importância
quando se verifica a crescente importância dada pela mídia às mazelas do processo e
da execução penal. Com efeito, hoje em dia, não são raras as prisões acompanhadas
ao vivo pela imprensa que, coincidentemente, está sempre presente no lugar e hora

21 MIRABETE. Op. cit. p. 117.


120 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

marcados para registrar tudo. Tais imagens, depois, são exploradas à exaustão nos
telej ornais, o que é feito supostamente a título de informar a população. Daí, aliás,
o surgimento da expressão Perp walk - em inglês, desfile do acusado -, termo que
se refere à prática policial de expor, intencionalmente, o acusado preso de forma
sensacionalista em local público, de modo que a mídia possa observar, gravar e
divulgar o evento. O suspeito geralmente é algemado ou imobilizado de alguma
forma, e, muitas vezes, traja uniforme de presidiário.
Não olvidamos a importância da liberdade de expressão, compreendida como
a possibilidade de difundir livremente os pensamentos, idéias e opiniões, mediante
a palavra escrita ou qualquer outro meio de reprodução. No entanto, se aos órgãos
de informação é assegurada a maior liberdade possível em sua atuação, também se
lhes impõe o dever de não violar princípios basilares do processo penal, substituindo
o devido processo legal previsto na Constituição por um julgamento sem processo,
paralelo e informal, mediante os meios de comunicação. Oportuna, nesse sentido, a
lição do Min. Marco Aurélio: “(•••) Ninguém desconhece a necessidade de adoção
de rigor no campo da definição de responsabilidade, mormente quando em jogo
interesses públicos da maior envergadura. No levantamento de dados, no acompa­
nhamento dos fatos, no esclarecimento da população, importante é o papel exercido
pela imprensa. Todavia, há de se fazer presente advertência de Joaquim Falcão,
veiculada sob o título A imprensa e a justiça, no Jornal O Globo, de 06.06.93: 'Ser
o que não se é, é errado. Imprensa não é justiça. Esta relação é um remendo. Um
desvio institucional. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz. Nem editor é desembar­
gador. E quando, por acaso, acreditam ser, transformam a dignidade da informação
na arrogância da autoridade que não têm. Não raramente, hoje, alguns jornais, ao
divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar. Processam sem ouvir. Colocam
o réu, sem defesa, na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar'.”22
Especificamente em relação à divulgação da imagem de pessoas presas, o que
se vê no dia a dia é uma crescente degradação da imagem e da honra produzida
pelos meios de comunicação de massa com a conivência das autoridades estatais,
por meio da reprodução da imagem do preso sem que haja prévia autorização do
preso, nem tampouco um fim social na sua exibição. Utilizam sua imagem, pois,
como produto da notícia, a fim de saciar a curiosidade do povo. Os programas
sensacionalistas do rádio e da televisão saciam curiosidades perversas extraindo sua
matéria-prima da miséria de cidadãos humildes que aparecem algemados e exibidos
como verdadeiros troféus.23
Queremos crer, com base na lição de Ana Lúcia Menezes Vieira,24 que a repro­
dução pública da imagem de pessoas envolvidas em crimes deve ser vedada se ela
resulta de modo antissocial, aflitivo ou degradante, a não ser que haja autorização
do titular da imagem, ou se necessária à administração da justiça - exemplo seria
o retrato falado ou a própria fotografia, para fins investigativos.

22 STF - HC - Liminar - Rei. Marco Aurélio - j. 14.06.2000 - Revista Síntese 3/141.


23 Nesse sentido: BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 156. Apud
VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 156.
24 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 153.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 121

Ora, como dito acima, a condição de cidadão preso não lhe retira o direito ao
respeito à integridade moral e à dignidade.25 Seus direitos personalíssimos devem
ser tutelados de forma mais eficaz, não só por jornalistas, como também por auto­
ridades policiais e membros do Ministério Público, que devem se abster de exibir
presos à mídia. E isso não só para preservar os direitos personalíssimos do preso,
como também para evitar que inocentes sejam identificados indevidamente como
autores de delitos.
Infelizmente, não são poucos os exemplos de pessoas que são exibidas à mídia
como suspeitas da prática de delitos, mas cuja inocência é posteriormente reconhe­
cida. O célebre episódio da “Escola Base” é um dos mais emblemáticos casos de
assassinato moral de inocentes, na dicção de Vieira. Os responsáveis pela referida
escola foram dados pela mídia como autores de abusos sexuais contra crianças de
classe média. A escola foi alvo de depredação, seus proprietários tiveram que aban­
donar os empregos, e também não podiam sair às ruas, porque corriam o risco de
sofrer agressões em público, na medida em que a imprensa divulgava suas fotos. O
inquérito policial, no entanto, acabou sendo arquivado por falta de elementos de
informação que evidenciassem a prática dos crimes sexuais.
Outro caso recente é o denominado crime do Bar Bodega: em uma choperia em
Moema, bairro nobre na cidade de São Paulo, dois jovens da classe média paulistana
foram assassinados no dia 10 de agosto de 1996. Pressionada pela comoção social
que o delito gerou, a polícia apresentou cinco jovens negros e pobres, moradores da
periferia, como os responsáveis pelos homicídios. Como anota Eduardo Araújo Silva,
“expostos à imprensa como animais bravios, algemados e com placas dependuradas
em seus corpos, indicando números, foram fotografados, filmados e entrevistados
por dezenas de repórteres de rádio, tevês, jornais e revistas”.26 Pouco tempo depois,
porém, foram postos em liberdade, pois o Ministério Público não encontrou elementos
de informações suficientes para oferecer denúncia. Na verdade, foram identificados
indicativos de que teriam confessado a prática do delito mediante tortura.
Pelo menos até a entrada em vigor do Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), a
legislação brasileira ainda se mostrava muito tímida em regulamentar explicitamente
a publicidade das investigações, dos atos judiciais e da própria execução penal, de
modo a preservar os direitos personalíssimos do preso (CF, art. 5o, incisos X e XLIX).
A título de exemplo, já era possível encontrar alguma normatização do assunto
através de Portarias e Regulamentos dos próprios órgãos policiais. Nesse sentido, o
art. 11 da Portaria n° 18 da Delegacia Geral de Polícia do Estado de São Paulo dispõe
que as autoridades policiais devem zelar pela preservação dos direitos à imagem, ao
nome, à privacidade e à intimidade das pessoas submetidas à investigação policial,
detidas em razão da prática de infração penal ou a sua disposição na condição de
vítimas, a fim de que a elas e a seus familiares não sejam causados prejuízos irrepará­
veis, decorrentes da exposição de imagem ou de divulgação liminar de circunstância

25 SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004. p. 181.
26 SILVA, Eduardo Araújo. O papel da imprensa no caso do Bar Bodega. Isto é, 4 dez. 1996, p. 151. Apud VIEIRA,
Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 169.
122 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

objeto de apuração. Após orientadas sobre seus direitos constitucionais, tais pessoas
somente serão fotografadas, entrevistadas ou terão suas imagens por qualquer meio
registradas, se expressamente o consentirem mediante manifestação explícita de
vontade, por escrito ou por termo devidamente assinado.27
Por sua vez, o art. 198 da LEP prevê que é defesa ao integrante dos órgãos da
execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a segurança
e a disciplina dos estabelecimentos, bem como exponha o preso à inconveniente
notoriedade, durante o cumprimento da pena. Considerando-se, pois, que a imagem
do indivíduo submetido ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade já é
naturalmente atingida em virtude da condenação e do seu recolhimento à prisão,
não há necessidade de sensacionalismos infundados acerca da sua pessoa, algo que
certamente contribuirá para marginalizar o apenado ainda mais.28
Com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/19, passou a constar do CPP dispo­
sitivo expresso acerca do assunto, senão vejamos: “Art. 3°-F. O juiz das garantias
deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo
o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a
imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, adminis­
trativa e penal. Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades deverão
disciplinar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo qual as informações sobre a
realização da prisão e a identidade do preso, serão, de modo padronizado e respeitada
a programação normativa aludida no caput deste artigo, transmitidas à imprensa,
assegurados a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignida­
de da pessoa submetida à prisão”. É dentro desse mesmo contexto que devemos
compreender os tipos penais dos incisos I e II do art. 13 da nova Lei de Abuso de
Autoridade (Lei n. 13.869/19): “Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante
violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I - exibir-se
ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II - submeter-se a
situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; (...)”. Ambos têm
como objetivo precípuo evitar que presos (ou detentos) continuem a ser exibidos à
curiosidade pública, sem qualquer finalidade social na sua exibição, ou que sejam
submetidos a situações vexatórias ou a constrangimentos não autorizados em lei.

2.2.9. Entrevista pessoal e reservada com o advogado


Se a Constituição Federal assegura ao preso, desde o momento da sua prisão
em flagrante, a assistência de advogado (art. 5o, LXIII, in fine), seria no mínimo
contraditório que não estendesse esse mesmo direito à execução penal. Por isso, de
modo a resguardar a mais ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF,
art. 5o, LV), o art. 41, IX, da LEP, assegura ao preso o direito à entrevista pessoal
e reservada com o advogado. O dispositivo em questão assemelha-se ao Estatuto

27 Publicada no DOE de 27 de novembro de 1998.


28 Nesse sentido: AVENA. Op. cit. p. 68. Para o autor, "não ficam proibidas reportagens ou notícias envolvendo
estabelecimentos prisionais, tampouco entrevistas espontâneas concedidas pelos presos, desde que o
respectivo conteúdo não seja atentatório à dignidade humana dos detentos".
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 123

da OAB, que prevê como direito do advogado “comunicar-se com seus clientes,
pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se achem presos,
detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados
incomunicáveis”29 (Lei n. 8.906/94, art. 7o, III).
Por ocasião da realização da entrevista com seu cliente preso, o advogado poderá
lhe mostrar peças impressas do processo, como, por exemplo, laudos periciais, de­
poimentos de testemunhas, denúncias etc. Justifica-se, porém, a restrição ao ingresso
de notebooks e outros dispositivos eletrônicos em unidades prisionais pelo risco de
ofensa à segregação prisional. Logo, se a defesa técnica teve pleno acesso aos autos
do processo penal, anexos e mídias eletrônicas, a negativa de ingresso de notebook
na unidade prisional para que o custodiado visualizasse as peças eletrônicas não
configura violação do princípio da ampla defesa.30
Diante do teor do art. 7o, III, da Lei n. 8.906/94, o qual destaca que esse direito
de comunicação pessoal e reservada do advogado com seu cliente poderá ser exercido
mesmo sem procuração, é de rigor a conclusão no sentido de que é dispensável que
o defensor, para manter entrevista com o preso, já seja seu procurador constituído
ou designado, até mesmo porque o preso poderá decidir-se durante a comunicação
pessoal por constituí-lo.
A comunicação em questão deve ser pessoal e reservada. Pessoal denota que é
o próprio preso, em pessoa, que deve estar ali, diante do advogado. Reservadamen­
te, por sua vez, diz respeito ao fato de que essa comunicação não pode ocorrer na
presença de mais ninguém além do preso e de seu defensor, ou seja, ninguém mais
pode ter acesso à referida comunicação, preservando-se, assim, o sigilo inerente ao
exercício da advocacia, daí por que deve se destinar um lugar apropriado e digno
no estabelecimento penitenciário para essa comunicação pessoal. Pelo menos em
regra,31 a comunicação deve ser feita sem qualquer tipo de monitoramento, seja
por outras pessoas, seja por quaisquer equipamentos capazes de registrar em áudio
ou vídeo a conversa. Logicamente, o direito em questão não autoriza o advogado
a falar com seu cliente preso a qualquer momento do dia. Devemos observar a
reserva do possível, daí por que devem ocorrer nos horários e dias determinados
pelo estabelecimento prisional.
Na visão dos Tribunais Superiores, regulamentos e portarias locais que preveem o
prévio agendamento das visitas, mediante requerimento à Direção do estabelecimento
prisional, violam o direito do advogado de comunicar-se com cliente recolhido a

29 Esta incomunicabilidade a que se refere a parte final do inciso III do art. 7° da Lei n. 8.906/94 consta do art.
21 do CPP, tido como não recepcionado pela Constituição Federal. A uma porque a Constituição Federal
assegura que toda prisão será comunicada imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada (art. 5o, LXII) e que o preso terá direito à assistência da família e de advogado (art.
5o, LXIII). A duas porque, ao tratar do Estado de Defesa, onde há supressão de várias garantias constitucio­
nais, a própria Constituição Federal estabelece que é vedada a incomunicabilidade do preso (art. 136, §
3o, IV). Ora, se numa situação de exceção como o Estado de Defesa não se admite a incomunicabilidade,
o que dizer, então, em um estado de normalidade?
30 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 631.960-SP, Rei. Min. João Otávio de Noronha, j. 23.11.2021, DJe 26.11.2021.
31 Quanto à possibilidade excepcional de monitoramento da conversa do preso com seu advogado, reme­
temos o leitor aos comentários acerca do regime disciplinar diferenciado.
124 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

estabelecimento prisional, ainda que incomunicável, conforme preceituam o art. 7o


da Lei n. 8.906/94 e o art. 41, IX, da LEP. Isso, todavia, não afasta a possibilidade
de a Administração Penitenciária, de maneira motivada, individualizada e circuns­
tancial, disciplinar a vista do advogado por razões excepcionais, como, por exemplo,
a garantia da segurança do próprio causídico ou dos outros presos.32
De modo a reforçar a tutela desse importante direito do preso, a nova Lei de
Abuso de Autoridade passou a tipificar em seu art. 20, caput, a conduta de “impe­
dir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado”,
cominando-lhe uma pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. A
nova Lei de Abuso de Autoridade também passou a prever que a inobservância desse
direito do advogado de se comunicar com seus clientes, pessoal e reservadamente,
teria o condão de tipificar o crime do art. 7°-B da Lei n. 8.906/94: “Constitui crime
violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do
caput do art. 7o desta Lei”.
Em conclusão, convém destacar que, à semelhança de toda e qualquer prer­
rogativa do advogado, a observância do direito à comunicação pessoal e reservada
do preso com seu advogado e, consequentemente, a própria configuração do delito
acima citado, têm como condição sine qua non o fato de o profissional da advocacia
encontrar-se no exercício regular de suas funções. Portanto, na eventualidade de o
advogado associar-se, por exemplo, a determinada organização criminosa, aprovei­
tando-se da prerrogativa do art. 7o, inciso III, da Lei n. 8.906/94, para ter acesso
aos demais integrantes do grupo que estão presos, levando e trazendo informações
para o prosseguimento das atividades delituosas, eventual restrição à prerrogativa em
análise jamais terá o condão de caracterizar o crime do art. 7°-B da Lei n. 8.906/94,
nem tampouco o do art. 20 da Lei n. 13.869/19.

2.2.70. Visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias


determinados
Todo e qualquer processo de ressocialização do preso, ou, ao menos, de sua
não degeneração diante do contato com o ambiente carcerário, passa, obrigatoria­
mente, pela manutenção das relações que o une a familiares e amigos. A preservação
desses laços, a despeito de todas as dificuldades inerentes ao seu encarceramento,
certamente terá o condão de fazer com o que o preso não se sinta abandonado,
tendo, de certa forma, a esperança de que, um dia, quando retomar sua liberdade
de locomoção, não terá dificuldades de adaptação em sua comunidade, porquanto
certamente estará amparado por sua família e por seus amigos.
Por tais motivos, a Lei de Execução Penal outorga ao preso o direito de receber
visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados (art.
41, X). O dispositivo vem ao encontro das Regras de Mandela, que asseguram aos

32 STJ, 2a Turma, RESp 673.851-MT, Rei. Min. Eliana Calmon, j. 08.11.2005, DJ 21.11.2005; STJ, 2a Turma, REsp
1,028.847-SP, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 12.05.2009, DJe 21.08.2009.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 125

reclusos, sob a necessária supervisão, o direito de se comunicar periodicamente com


suas respectivas famílias e amigos através de visitas (Regra n. 58).
Ao outorgar ao preso o direito de receber a visita do cônjuge, da companheira,
de parentes e amigos em dias determinados, a Lei de Execução Penal não faz qualquer
ressalva acerca da necessidade de o visitante ser primário, ter bons antecedentes etc.
Por isso, não se revela possível obstar o acesso do visitante à unidade prisional pelo
simples fato, por exemplo, de estar cumprindo pena em regime aberto ou no gozo
de livramento condicional.33
Há muitos anos discutia-se acerca da possibilidade de o preso receber a visita de
filhos menores. Sem embargo de opiniões em sentido contrário, sempre prevaleceu
a orientação de que não havia qualquer óbice, conquanto resguardada a integridade
física e psíquica do menor. Nesse contexto, em caso concreto atinente a preso que
fora impedido de receber a visita de seus dois filhos e três enteados por quase 10
anos, o Supremo Tribunal Federal afirmou: “(...) É fato que a pena assume o cará­
ter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar
seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto,
em recuperar o apenado. (...) Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos
filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica
dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário
brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se
em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício
familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar
meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em
ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco
a integridade física e psíquica dos visitantes”.34 Positivando esse entendimento juris­
prudencial, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi alterado, de modo a prever
expressamente que “será garantida a convivência da criança e do adolescente com a
mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo
responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável,
independentemente de autorização judicial” (Lei n. 8.069/90, art. 19, §4°, incluído
pela Lei n. 12.962, de 2014).
Considerando-se o dever de a administração prisional evitar a entrada de armas,
drogas ou objetos que possam comprometer a boa ordem, a disciplina e a própria se­
gurança do estabelecimento, é perfeitamente possível submeter as visitas e o material
que transportam à rigorosa busca pessoal.35 Noutro giro, se o art. 41, X, da LEP, nada
dispõe acerca de possível restrição ao número de visitantes, especial atenção deve ser

33 STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 1.650.427-DF, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 30.06.2020, DJe 06.08.2020. No
mesmo contexto: STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 1.227.471-DF, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.
15.03.2018, DJe 27.03.2018. No sentido de que o fato de o visitante estar em livramento condicional, por
si só, também não pode impedir o acesso ao sistema prisional para visitação: STJ, 5a Turma, AgRg no REsp
1.475.961-DF, Rei. Min. Leopoldo de Arruda Raposo - Desembargador convocado doTJ-PE -, j. 1°.10.2015,
DJe 13.10.2015.
34 STF, 2a Turma, HC 107.701-RS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 13.09.2011, DJe 61 23.03.2012.
35 A discussão em torno da possibilidade de revista íntima em presídios foi objeto de análise no tópico
atinente ao respeito à integridade física e moral do preso, para onde remetemos o leitor.
126 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

dispensada ao preso incluído no regime disciplinar diferenciado, hipótese em que as


visitas de 2 (duas) pessoas por vez serão quinzenais, devendo ser realizadas em ins­
talações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa
da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas)
horas (LEP, art. 52, III).

2.2.10.1 .Visitas íntimas


A Lei de Execução Penal prevê, dentre os direitos do preso, a visita do cônjuge,
da companheira e amigos em dias determinados (art. 41, X). Não previu, todavia, o
direito à visita íntima, assim compreendido o encontro reservado com o cônjuge,
companheira ou namorada no interior do estabelecimento penal para a realização
de atos sexuais. Sem embargo, ao longo dos anos esta prática acabou se tornando
habitual em diversos presídios Brasil afora, mediante autorização da própria direção
dos estabelecimentos, porquanto contribui para a preservação da manutenção dos
vínculos conjugais e familiares, favorece a disciplina do preso, além de reduzir a
violência entre os detentos, notadamente aquela de natureza sexual. Afinal, é fato
que a abstinência sexual por período prolongado contribui para desequilibrar a
pessoa, favorecer condutas inadequadas, além de contribuir para o acirramento dos
ânimos no interior do estabelecimento penitenciário, dando causa a graves distúrbios
na vida prisional.
José Roberto Antonini relata expressivamente os resultados da prática das visi­
tas íntimas permitidas em estabelecimentos penais do Estado de São Paulo: “(...) o
resultado foi muito melhor que o esperado. Caiu intensamente o índice de violên­
cia sexual nos presídios e arrefeceu-se a tensão emocional dos presos deixando de
ocorrer o fato, este sim degradante, de os detentos terem relação com suas mulheres
em pleno pátio, por ocasião das visitas comuns, dentro de círculo humano formado
por outros presos para ocultar a cena às vistas grossas dos vigilantes, acontecimento
então corriqueiro na Casa de Detenção de São Paulo. Demais, protegeu-se assim a
difícil subsistência da relação afetiva do sentenciado com o seu cônjuge, ao mesmo
tempo em que se atendeu quanto a este o princípio da pessoalidade da sanção cri­
minal (art. 5o, XLV, da CF)”.36
Sem embargo de todas essas vantagens, certas cautelas devem ser adotadas,
notadamente uma espécie de cadastramento prévio, vinculando-se o visitante a
determinado preso, o que, em tese, visa evitar a prática de atos de prostituição no
interior dos estabelecimentos prisionais. Nessa linha, o Regulamento Penitenciário
Federal passou a prever expressamente o direito à visita íntima, proibindo-a,
todavia, nas celas de convivência dos presos (Decreto n. 6.049/07, art. 95, caput
e parágrafo único). Esse dispositivo, por sua vez, é regulamentado pela Portaria
n. 718, de 28 de agosto de 2017, do Ministério da Justiça, que determina que a
visita íntima, com duração de 1 (uma) hora deverá ser concedida com periodici­
dade mínima de uma vez por mês, em dias e horários estabelecidos pelo diretor

36 Uma experiência democrática na administração penitenciária, RT 657/386-390. Apud: MIRABETE. Op. cit. p.
121.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 127

da penitenciária, respeitadas as características de cada estabelecimento penal


federal. O benefício em questão será vedado a presos que possuam ao menos,
uma das seguintes características: I - ter desempenhado função de liderança
ou participado deforma relevante em organização criminosa; II - ter praticado
crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de
origem; III - estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD); IV
- ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes
com violência ou grave ameaça; V - estar envolvido em incidentes de fuga,
de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem. Somente
será autorizado o registro de 1 (um) cônjuge ou companheiro, ficando vedadas
substituições, salvo se ocorrer separação ou divórcio, podendo o preso nominar
novo cônjuge ou novo companheiro somente depois do decurso de 12 (doze)
meses. A visita íntima poderá ser suspensa ou restringida por tempo determi­
nado quando: a. do cometimento de falta disciplinar de natureza grave, apurada
mediante processo administrativo disciplinar, que ensejar isolamento celular; b.
de ato do cônjuge ou companheiro que causar problemas à administração do
estabelecimento de ordem moral ou risco para a segurança ou disciplina; c. da
solicitação do preso; d. houver fundados motivos que comprometam a segurança
interna e externa dos estabelecimentos prisionais federais, dos seus servidores,
ou dos presos custodiados. A visita íntima também poderá ser suspensa a título
de sanção disciplinar, independentemente da natureza da falta, nos casos em
que a infração estiver relacionada com o seu exercício.
No mesmo contexto que o Regulamento Penitenciário Federal (Decreto n.
6.049/07) e a Portaria n. 718/17 do Ministério da Justiça, a Resolução n. 4, de 29
de junho de 2011, editada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenci­
ária, órgão do Ministério da Justiça, recomendou aos departamentos penitenciários
estaduais ou órgãos congêneres seja assegurado o direito à visita íntima à pessoa
pressa, recolhida nos estabelecimentos prisionais, no tocante às relações heteroafe-
tivas ou homoafetivas.
Em conclusão, convém destacar que, por não envolver qualquer discussão em
torno do direito de ir e vir do preso, não se revela cabível a impetração de habeas
corpus para fins de obtenção do direito à visita íntima.37 O mais correto, em tal
hipótese, é a impetração de mandado de segurança.

2.2.17. Chamamento nominal

O preso tem direito a ser chamado por seu próprio nome, sendo proibidas outras
formas de tratamento ou designação, como, por exemplo, números, alcunhas etc. O
direito previsto no art. 41, inciso XI, da LEP, visa preservar a dignidade do preso, por­
quanto não há nada mais vexatório e humilhante do que ser tratado como um objeto
dotado de um rótulo, e não como um ser humano.

37 STF, Ia Turma, HC 138.286/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 05.12.2017.


128 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

2.2.12. Igualdade de tratamento, salvo quanto às exigências da


individualização da pena
Consoante disposto no art. 5o da LEP, os condenados serão classificados,
segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da
execução penal. Essa individualização tem como objetivo precípuo assegurar a regular
execução da pena, contribuindo, em última análise, para a própria ressocialização
do condenado. Jamais poderá permitir, todavia, a existência de qualquer espécie
de tratamento discriminatório, seja em virtude da raça, política, seja em virtude de
opção sexual, religiosa etc.
Deve haver, portanto, igualdade de tratamento entre os presos, salvo, logica­
mente, naquilo que diz respeito às exigências da individualização da pena (LEP,
art. 41, XII). É dizer, a isonomia de tratamento se impõe quando houver igualdade
de situações entre os presos. Por consequência, toda e qualquer limitação que não
se refira às medidas e situações referentes à individualização da pena previstas na
própria legislação está peremptoriamente vedada.38

2.2.13. Audiência especial com o diretor do estabelecimento


Há de se permitir que o preso tenha a possibilidade de entrar em contato
direto com o diretor. O dispositivo visa evitar possíveis abusos e/ou maus-tratos
cometidos pelos policiais penais responsáveis pela custódia dos presos. O disposto
no art. 41, inciso XIII, da LEP, vem ao encontro das “Regras de Mandela”, que
preveem expressamente que todo recluso deve ter a oportunidade de, em qualquer
dia, formular pedidos ou reclamações ao diretor do estabelecimento prisional ou ao
membro do pessoal prisional autorizado a representá-lo (Regra n. 56). Esse direito
não é dotado de natureza absoluta, podendo, pois, ser objeto de regramento. Como
destaca a doutrina, o diretor geral não pode se negar sistematicamente a receber os
presos em audiência, mas pode impor limites e condições em nome da disciplina
e da segurança.39

2.2.14. Representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito


De acordo com a Constituição Federal, é assegurado a todos, independentemen­
te do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de
direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5o, XXXIV, “a”). O direito de
petição afigura-se, na verdade, mais propriamente como uma garantia constitucional
de defesa de direitos, é dizer, “uma garantia destinada a reivindicar dos poderes
públicos a proteção de direitos ou a correção de ilegalidades ou abuso de poder”.40
Se considerarmos que a Lei de Execução Penal outorgou ao preso o direito
de representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito, sem fazer

38 MIRABETE. Op. cit. p. 123.


39 NUCCI. Op. cit. p. 218.
40 CUNHA Jr., Dirley. Curso de Direito Constitucional. 4a ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. p. 697.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 129

qualquer referência à necessidade de ser assistido por um profissional da advocacia,


o ideal é concluir que o exercício desse direito previsto no art. 41, XIV, da LEP,
independe de capacidade postulatória. Logo, ao preso é conferido o direito de se
dirigir, pessoal e diretamente, a qualquer autoridade, administrativa ou judiciária,
sem censura, para solicitação ou encaminhamento de alguma pretensão ou recla­
mação. Tome-se, como exemplo, a impetração de habeas corpus ou o ajuizamento
de revisões criminais pelos presos de próprio punho, complementando, assim, a
assistência jurídica ainda precária em muitos presídios brasileiros, a despeito da
introdução da Defensoria Pública como órgão da execução penal (LEP, art. 61, VIII,
incluído pela Lei n. 12.313/10).41
Noutro giro, considerando-se que a Lei de Execução Penal assegura ao preso o
direito de representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito, é de
rigor a conclusão no sentido de que recai sobre os agentes penitenciários a obrigação
de recolher tais pleitos e os direcionar à autoridade competente, dada a impossibili­
dade de o preso fazê-lo em virtude da restrição a sua liberdade de locomoção. Caso
não o façam, sujeitar-se-ão, pelo menos em relação àquelas petições direcionadas
ao Juízo da Execução, ao crime de abuso de autoridade previsto no art. 19, caput,
da Lei n. 13.869/19: “Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de
preso à autoridade judiciária competente para a apreciação de sua legalidade de sua
prisão ou das circunstâncias de sua custódia”.

2.2.75. Contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita,


da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a
moral e os bons costumes
Todo e qualquer escopo de ressocialização do preso, ou, ao menos, de sua não
deterioração enquanto encarcerado, passa, obrigatoriamente, pela preservação da sua
liberdade de informação e expressão, ou seja, de receber informações dos aconteci­
mentos familiares, sociais, políticos e de outra índole, já que o cumprimento de uma
pena privativa de liberdade não necessariamente deve significar marginalização da
sociedade. Partindo da premissa, então, de que o preso não deve ficar excluído das
relações com o mundo exterior, para onde, cedo ou tarde, deverá voltar, a Lei de
Execução Penal prevê, expressamente, o direito do preso de manter “contato com o
mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios
de informação que não comprometam a moral e os bons costumes” (art. 41, XV).
Aliás, inclusive o acesso à internet tem sido permitido em vários estabelecimentos
prisionais, já que é relativamente comum que os presos tenham aulas de informática.
O dispositivo em questão vem ao encontro das Regras de Mandela, que preveem,
por exemplo, que os reclusos devem ser autorizados, sob a necessária supervisão, a
comunicar periodicamente com as suas famílias e com amigos: a) por correspondência
e utilizando, se possível, meios de telecomunicação, digitais, eletrônicos e outros;

41 Para Avena (Op. cit. p. 71), não é lícito ao preso ingressar em causa própria (salvo se for advogado, logi­
camente) com mandado de segurança e revisão criminal, pois tais providências exigem a subscrição por
quem detenha o jus postulandi.
130 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

e b) através de visitas (Regra n. 58). Também dispõem que os reclusos devem ser
mantidos regularmente informados das notícias mais importantes através da leitura
de jornais, publicações periódicas ou institucionais especiais, através de transmis­
sões de rádio, conferências ou quaisquer outros meios semelhantes, autorizados ou
controlados pela administração prisional (Regra n. 63).
Nos estabelecimentos prisionais, a comunicação telefônica não pode ser livre­
mente exercida pelo preso, configurando falta grave a posse de aparelho telefônico, de
rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente
externo (LEP, art. 50, VII, incluído pela Lei n. 11.466/07). Considerando, ademais,
a crescente utilização de aparelhos telefônicos pelos presos, principalmente para a
manutenção de suas atividades criminosas no meio externo, a lei também passou a
prever que os estabelecimentos penitenciários devem ser equipados, obrigatoriamente,
com bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares, radiotransmissores
e outros meios de comunicação (Lei n. 10.792/03, art. 4o), sendo criminalizadas
as condutas do funcionário que se omite em seu dever de fiscalização de evitar o
acesso do preso a tais aparelhos (CP, art. 319-A, incluído pela Lei n. 11.466/07) e
de quem ingressa, promove ou facilita a sua entrada nos estabelecimentos prisionais
(CP, art. 349-A, incluído pela Lei n. 12.012/09).

2.2.15.1. (In) constitucionalidade da interceptação da correspondência do


preso pela administração carcerária
De acordo com o art. 5o, inciso XII, da Constituição Federal, “é inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunica­
ções telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual”.
Interpretação literal e apressada do dispositivo constitucional, notadamente em
face da expressão “salvo, no último caso”, poderia levar à conclusão (equivocada)
de que estaria autorizada pela Constituição Federal apenas a violação ao sigilo das
comunicações telefônicas. Logo, o sigilo de correspondência encontrar-se-ia prote­
gido de forma absoluta, de modo que, em nenhuma hipótese, nem mesmo em se
tratando presos, poderia ser objeto de revelação do conteúdo, salvo com autorização
das pessoas envolvidas diretamente na relação.
Essa linha de interpretação, todavia, vai de encontro ao posicionamento dou­
trinário e jurisprudencial sedimentado no direito pátrio e no direito alienígena de
que os direitos fundamentais, por mais importantes que sejam, não são dotados de
caráter absoluto. Na verdade, não há falar em direito fundamental absoluto. Todos
os direitos fundamentais devem ser submetidos a um juízo de ponderação quando
entram em rota de colisão com outros direitos fundamentais, preponderando aquele
de maior relevância.42
Fosse o sigilo de correspondência de natureza absoluta, não teria o Supremo
Tribunal Federal considerado válida a interceptação de correspondência de presos:

42 STF, Tribunal Pleno, MS 23.452/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, j. 16/09/1999, DJ 12/05/2000.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 131

“A administração penitenciaria, com fundamento em razões de segurança pública,


de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excep­
cionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único,
da Lei n° 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos
sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não
pode constituir instrumento de salvaguarda de praticas ilícitas”.43
Na mesma linha, porém no tocante ao sigilo da correspondência: “Corres­
pondência, para os fins tutelados pela Constituição da República (art. 5o, VII) é
toda comunicação de pessoa a pessoa, por meio de carta, através da via postal
ou telegráfica. (Lei n° 6.538/78). A apreensão pelo Juiz competente, na agência
dos Correios, de encomenda, na verdade tigre de pelúcia com cocaína, não atenta
contra a Constituição da República, art. 5o, VIL Para os fins dos valores tutelados,
encomenda não é correspondência”.44
Especificamente em relação à prova obtida por meio de abertura de encomenda
postada nos correios, por ocasião do julgamento de Recurso Extraordinário com
repercussão geral reconhecida (RE 1.116.949/PR),45o Plenário do STF concluiu que,
além da reserva de jurisdição, é possível ao legislador definir as hipóteses fáticas em
que a atuação das autoridades públicas não podem ser equiparáveis à violação do
sigilo a fim de assegurar o funcionamento regular dos correios. Fixou-se, assim, a
seguinte tese: “Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova
obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo”. A leitura da
tese fixada pela Suprema Corte permite extrair a conclusão de que, sem embargo
da “inviolabilidade do sigilo da correspondência” prevista no art. 5o, inciso XII, da
Constituição Federal, não estamos diante de matéria sujeita à cláusula de reserva
de jurisdição. É possível, pois, que a própria lei defina as hipóteses fáticas em que
autoridades públicas poderão ter acesso ao conteúdo de determinada encomenda,
independentemente de prévia autorização judicial. A propósito, o atual regulamento
dos Correios (Lei n. 6.538/78) prevê o seguinte: “Art. 10. Não constitui violação de
sigilo de correspondência postal a abertura de carta: I - endereçada a homônimo, no
mesmo endereço; II - que apresente indícios de conter objeto sujeito a pagamento
de tributos; III - que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou
substância de expedição, uso ou entrega proibidos; IV - que deva ser inutilizada,
na forma prevista em regulamento, em virtude de impossibilidade de sua entrega
e restituição. Parágrafo único. Nos casos dos incisos II e III a abertura será feita
obrigatoriamente na presença do remetente ou do destinatário”.

2.2.16. Atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena de


responsabilidade da autoridade judiciária competente
O recebimento desse atestado foi introduzido na Lei de Execução Penal pela Lei
n. 10.713/03, que também outorgou ao Juiz da Execução a atribuição de emiti-lo (LEP,

43 STF, 1a Turma, HC 70.814/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 01°/03/1994, DJ 24/06/1994.


44 STJ, 5a Turma, RHC 10.537/RJ, Rei. Min. Edson Vidigal, j. 13/03/2001, DJ 02/04/2001 p. 311.
45 STF, Pleno, RE 1.116.949/PR, Rei. Min. Edson Fachin, j. 18.08.2020.
132 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

art. 66, X). Justifica-se a existência desse direito em virtude da necessidade de se for­
necer ao preso, pelo menos uma vez por ano, um atestado com a indicação exata do
saldo de pena a cumprir. Ora, nem sempre o cálculo da pena se resume a uma simples
operação aritmética capaz de revelar ao preso o total já cumprido e o quanto ainda há
pela frente, já que alguns benefícios podem acarretar a diminuição do quantum final
de pena a cumprir (v.g., remição), enquanto outras situações podem alterar o saldo
final (v.g, unificação de penas).
De acordo com o art. 12 da Resolução n. 113, de 20 de abril de 2010, do Conselho
Nacional de Justiça, a emissão de atestado de pena a cumprir a a respectiva entrega ao
apenado, mediante recibo, deverão ocorrer: I - no prazo de sessenta dias, a contar da
data do início da execução da pena privativa de liberdade; II - no prazo de sessenta
dias, a contar da data do reinicio do cumprimento da pena privativa de liberdade; e III
- para o apenado que já esteja cumprindo pena privativa de liberdade, até o último dia
do mês de janeiro de cada ano. Deverão constar do atestado anual de cumprimento de
pena, dentre outras informações consideradas relevantes, as seguintes: a) o montante
da pena privativa de liberdade; b) o regime prisional de cumprimento da pena; c) a
data do início do cumprimento da pena e a data, em tese, do término do cumprimen­
to integral da pena; e d) a data a partir da qual o apenado, em tese, poderá postular a
progressão do regime prisional e o livramento condicional (Resolução n. 113/10 do
CNJ, art. 13).

2.2.17. Contratação de médico particular de confiança pessoal do preso


De acordo com o art. 43 da LEP, “é garantida a liberdade de contratar médico
de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por
seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento”. Por
mais que o dispositivo em apreço possibilite a criação de desigualdades, ao permitir,
por exemplo, que o internado com boas condições financeiras receba tratamento dife­
renciado em relação àqueles incapazes de custear a contratação de médico particular,
não se pode negar que as possibilidades de cura - objetivo precípuo da medida de
segurança - serão maiores se houver a assistência de profissional da confiança do
indivíduo, sobretudo diante da notória deficiência dos estabelecimentos psiquiátricos
em proporcionar profissionais capacitados para o exercício desse mister.46
Como o dispositivo assegura ao internado o direito de contratar médico de
sua confiança pessoal, a fim de orientar e acompanhar seu tratamento, sem fazer
qualquer ressalva em sentido contrário, o ideal é concluir que tal prerrogativa poderá
ser por ele exercida independentemente do cumprimento pela Administração Pública
dos deveres que lhe são atribuídos por lei quanto à assistência à saúde do preso.
Diante da possibilidade de surgirem divergências entre o médico oficial e o
particular, a LEP atribui ao Juízo da Execução a competência para sua solução (art.
43, parágrafo único), o que poderá fazê-lo não apenas analisando os resultados

46 AVENA. Op. cit. p. 75.


Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 133

dos exames e dos prontuários médicos do internado, mas também determinando a


realização de novas perícias, desta vez por outros profissionais médicos.

2.2.18. (Im) possibilidade de suspensão ou restrição de direitos do preso


mediante ato motivado do diretor do estabelecimento
Consoante disposto no art. 41, parágrafo único, da LEP, “os direitos previstos
nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado
do diretor do estabelecimento”. É possível, pois, a suspensão (ou restrição) da jornada
de trabalho, da recreação, das visitas e dos contatos do preso com o mundo exterior.
Por outro lado, interpretando-se a contrario sensu o referido dispositivo, infere-se
que os demais direitos do preso previstos no art. 41 da LEP não são suscetíveis de
suspensão ou restrição.
De acordo com a doutrina, a medida de suspensão (ou restrição) de direitos do
preso prevista no art. 41, parágrafo único, da LEP não se confunde com a respectiva
sanção disciplinar, aplicada após o devido procedimento administrativo disciplinar,
decorrendo, na verdade, de fatores excepcionais, tais como problemas de segurança,
de moléstia (v.g., COVID-19) e até de disciplina, pelo menos enquanto se procede
à apuração da falta disciplinar.47 A título de exemplo, no âmbito do Estado de São
Paulo, a Resolução SAP n. 11, de 13 de março de 2001, prevê a suspensão automática
das visitas aos presos em caso de ocorrência de rebelião, assim conceituado o ato de
indisciplina iniciado pelos presos, com danos materiais ao prédio e/ou manutenção
de reféns. A suspensão em questão terá o prazo de 15 (quinze) dias, podendo ser
prorrogada uma única vez, por igual período (art. Io, caput).
De todo modo, na eventualidade de haver ilegalidade ou abuso de poder por
parte do diretor do estabelecimento no uso da prerrogativa constante do art. 41,
parágrafo único, da LEP, incumbe ao preso suscitar o incidente de excesso ou des­
vio perante o Juízo da Execução (LEP, arts. 185 e 186, I), sem prejuízo de outras
medidas judiciais eventualmente cabíveis, como, por exemplo, a impetração de
mandado de segurança, habeas corpus, etc., conquanto preenchidos seus respectivos
pressupostos legais.
A suspensão (ou restrição) desses direitos previstos nos incisos V, X e XV do
art. 41 da LEP, que pode ser determinada individual ou coletivamente, mas sempre
de maneira fundamentada, não poderá perdurar por prazo indeterminado, dada a
proibição constitucional de penalidades de caráter perpétuo. Nessa linha, como já se
pronunciou a 6a Turma do STJ, “(...) o cancelamento do registro de visitante ante a
tentativa de ingresso no presídio com celulares perdura desde 2012 e, conquanto haja
sido lastreado em circunstâncias ligadas à segurança da unidade prisional, a negativa
de sua revisão está em descompasso com a proibição constitucional de penalidades
de caráter perpétuo. É ilegal, por suprimir o direito previsto no art. 41, X, da LEP,
a sanção administrativa queimpede definitivamente o preso de estabelecer contato

47 MIRABETE. Op. cit. p. 127; AVENA. Op. cit. p. 74. Em sentido diverso, Nucci (Op. cit. p. 219) sustenta que
"tais ações da direção devem ter por base a aplicação de sanção disciplinar".
134 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

com seu genitor, situação que perdura há mais de sete anos. Está caracterizado o
excesso de prazo da medida, que deveria subsistir por prazo razoável à implemen­
tação de sua finalidade, porquanto até mesmo nos casos de homologação de faltas
graves (fuga, subversão da disciplina etc.) ou de condenações definitivas existe, nos
regimentos penitenciários ou no art. 94 do CP, a possibilidade de reabilitação. Toda
pena deve atender ao caráter de temporariedade. Recurso em mandado de segurança
provido a fim de restabelecer o direito de o recorrente receber visitas de seu genitor,
sem prejuízo de novo cancelamento do registro do visitante, por prazo razoável,
se houver reiteração de condutas ofensivas à segurança das unidades prisionais”.48

3. DISCIPLINA

A disciplina é de fundamental importância em qualquer área do convívio


humano. Como agrupamentos humanos que são, as prisões não seriam exceção à
regra, notadamente devido à particularidade de serem ocupadas por pessoas que
já demonstraram pouca sensibilidade social. A estrita observância dessas regras
disciplinares visa não apenas assegurar uma convivência harmônica entre as pes­
soas na prisão, mas também contribuir para uma melhor individualização da pena,
proporcionando, ademais, condições que estimulem as funções éticas e utilitárias da
pena para a futura reinserção social do condenado. A depender do caso concreto, a
observância dessas regras poderá propiciar ao preso condições psicológicas favoráveis
não apenas para reconhecer sua culpabilidade, mas também para se dispor a não
reincidir, já que a vivência da disciplina desenvolve hábitos de boa conduta com os
demais integrantes da sociedade (presos ou não), o que certamente será útil para
o seu reajustamento familiar, comunitário e social, sem contar na possibilidade de
ressocialização, ou, ao menos, para a sua não degeneração.
É dentro desse contexto que o art. 44, caput, da Lei de Execução Penal con­
ceitua a disciplina nos seguintes termos: “A disciplina consiste na colaboração
com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no
desempenho do trabalho”. Cuida-se, pois, de um conjunto de regras que impõe ao
sentenciado estrita observância às normas disciplinares do estabelecimento, bem como
o cumprimento dos deveres previstos no art. 39 da LEP. Esse regime disciplinar
penitenciário deve fundamentar-se em um equilíbrio entre um sistema de recom­
pensas capaz de estimular a boa conduta dos internos e uma série de sanções para
aqueles que praticam ações que ponham em perigo a convivência ordenada que se
requer em um estabelecimento prisional. Para tanto, porém, é de rigor a salvaguarda
dos direitos humanos do preso. Aliás, não por outro motivo, dispõem as Regras
Mínimas da ONU que “a ordem e a disciplina serão mantidas com firmeza, mas
sem impor maiores restrições que as necessárias para manter a segurança e a boa
organização a vida comum” (n. 27).
Nos termos do art. 44, parágrafo único, da LEP, estão sujeitos à disciplina o
condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e o preso provisório,

48 STJ, 6a Turma, RMS 48.818-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.11.2019, DJe 29.11.2019.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 135

no que couber. Interpretando-se a contrario sensu o referido dispositivo, denota-se


que não estão sujeitos às normas de disciplina os internados submetidos a medidas
de segurança. Explica-se: aos olhos da Lei de Execução Penal, o inimputável e o
semi-imputável que necessitam de tratamento, por não terem a capacidade de discer­
nimento ou determinação ideal para serem submetidos à pena privativa de liberdade,
também não devem se sujeitar às sanções disciplinares. O egresso também não pode
ser punido disciplinarmente. Egresso é a pessoa que foi recentemente liberada, ou
seja, alguém que não está mais submetido ao poder disciplinar da autoridade ad­
ministrativa, o que, em tese, significa que, por mais que existam regras e condições
a serem respeitadas, eventual violação ou a prática de novo delito não poderão ser
interpretadas como espécie de falta disciplinar à luz da Lei de Execução Penal.49

3.1. Regras gerais


Se, de um lado, é incontroversa a importância de regras disciplinares para se
buscar uma convivência harmônica em estabelecimentos prisionais, evitando-se,
assim, a indisciplina e a desordem, do outro, também não nos parece menos correta
a assertiva de que tais normas não podem ser arbitrárias, injustas, nem tampouco
desumanas, sob pena de causarem outros males, como revoltas, motins e desordens.
Daí a importância de diversas regras a serem observadas em relação à aplicação das
respectivas sanções disciplinares.

3.7.7. Princípio da legalidade


Dentre outros princípios da execução penal que foram objeto de análise no
capítulo introdutório, merece especial destaque o da legalidade e anterioridade,
equivalente ao nullum crimen nulla poena sine praevia lege, previsto na Constituição
Federal (art. 5o, XXXIX), no Código Penal (art. Io) e no art. 45, caput, da Lei de
Execução Penal: “Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior
previsão legal ou regulamentar”. O dispositivo em questão vem ao encontro das
Regras Mínimas da ONU, segundo as quais o preso só poderá ser punido conforme
as prescrições da lei ou regulamento (n. 30.1), devendo ser previstas nessas normas
jurídicas a conduta que constitui infração disciplinar, o caráter e a duração das
sanções disciplinares que podem ser aplicadas (n. 29).
Com o objetivo de se resguardar a segurança jurídica no meio carcerário,
evitando-se, por exemplo, a superposição da vontade do diretor (ou do policial pe­
nal) ao texto legal e da concepção geralmente repressiva dos regulamentos de cada
estabelecimento prisional, a Lei de Execução Penal é categórica ao afirmar que as
faltas disciplinares se classificam em leves, médias e graves. Impõe-se, ademais, a
observância de princípios constitucionais como os da reserva legal e da anteriori­
dade - nullum crimen nulla poena sine praevia lege (LEP, art. 45, caput) -, e o da
responsabilidade penal subjetiva (LEP, art. 45, §3°).

49 GIAMBERARDINO. Op. cit. p. 81.


136 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Apesar de o art. 45, caput, da LEP, dispor que não haverá falta nem sanção
disciplinar sem previsão legal ou regulamentar, a própria lei federal define as faltas
disciplinares graves e as sanções aplicáveis (arts. 50 a 52), deixando à lei local a
previsão das faltas médias e leves, bem como as respectivas sanções (art. 49). De
se notar, portanto, que não se pode instituir pelos regulamentos dos presídios
qualquer outra falta disciplinar, senão de natureza leve ou média, nem tampouco
criar outras sanções disciplinares além daquelas previstas na Lei de Execução Pe­
nal e nas leis locais. Não por outro motivo, em caso concreto de condenado no
regime semiaberto que teria se ausentado momentaneamente da comarca onde
deveria permanecer, sendo, por tal motivo, punido por uma suposta falta grave,
concluiu o STJ: “(...) se a conduta praticada pelo agente não está prevista na Lei
de Execução Penal, não pode ele ser punido por prática de falta disciplinar grave,
sob pena de afronta ao princípio da legalidade. O executado é advogado e exerce
essa função, pelo que sua ida a outra comarca, para atender a um detento, não
configura falta grave. (...)”.50

3.1.2. Vedação ao emprego de cela escura


De acordo com as Regras de Mandela (n. 14), em todos os locais destinados
aos reclusos, para viverem ou trabalharem: a) as janelas devem ser suficientemente
amplas de modo a que os reclusos possam ler ou trabalhar com luz natural e devem
ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação
artificial; b) a luz artificial deve ser suficiente para permitir aos reclusos ler ou tra­
balhar sem prejudicar a vista.
Na mesma linha, a Lei de Execução Penal dispõe expressamente que é vedado
o emprego de cela escura (art. 45, §2°). Ao impedir o uso de celas escuras, inabi-
táveis ou insalubres, o legislador tem como objetivo precípuo coibir abusos que
lamentavelmente ainda são tão comuns no Brasil. De fato, a pretexto de se manter
a disciplina do estabelecimento prisional, não raramente tomamos conhecimento de
presos encarcerados em celas escuras, invariavelmente alagadas, sem qualquer tipo
de instalação sanitária, água, aeração ou cama, o que pode causar, com o passar
dos dias, não apenas males físicos, como também mentais.
A proibição constante do art. 45, §2°, da LEP não impede, todavia, o reco­
lhimento do preso em cela individual. Nesse sentido, a própria Lei de Execução
Penal prevê, dentre as espécies de sanções disciplinares, a sanção de isolamento
a ser cumprida na própria cela, ou em local adequado nos estabelecimentos que
possuam alojamento coletivo, observados os requisitos básicos da unidade celular
(art. 53, IV). Não há qualquer incompatibilidade entre as duas normas, porque, no
caso da sanção disciplinar sob comento, o preso não é colocado em condições de
sobrevivência indignas, desumanas ou degradantes.

50 STJ, 6a Turma, HC 141.127/SP, Rei. Min. Celso Limongi - Desembargador convocado doTJ/SP -, j. 04.02.2010,
DJe 26.04.2010.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 137

3.1.3. Vedação de sanções coletivas


Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por terceira pessoa.
Consequentemente, à luz do princípio da personalidade da pena (ou da intrans-
cendência), a pena não pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5o, XLV).
Nessa linha, como já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, “(...) o postulado
da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a
dimensão estritamente pessoal do infrator”.51
Se nenhuma pena pode ir além da pessoa do condenado, nada mais ra­
zoável do que a vedação de sanções coletivas (LEP, art. 45, §3°). Ora, por mais
fundamental que seja a observância da disciplina no interior do estabelecimento
prisional, o fato de a Administração Penitenciária não ter identificado o autor de
determinada infração disciplinar não autoriza a punição de todos os presos de uma
cela, galeria ou pavilhão, sob pena de manifesta injustiça e violação ao princípio
da intrascendência da pena.52 Caso contrário, ter-se-ia inaceitável consagração de
responsabilidade penal objetiva, a qual deve ser proibida não apenas no âmbito do
Direito Penal, mas também em sede de punição disciplinar. É de rigor, portanto,
que a sanção disciplinar seja aplicada de maneira individualizada, após a devida
apuração dos fatos e da autoria pelo devido procedimento administrativo discipli­
nar, levando-se em conta, por ocasião da fixação da respectiva sanção, inclusive
a pessoa do faltoso como um dos critérios para a aplicação da penalidade (LEP,
art. 57, caput).53
Nessa linha, como já se pronunciou a 6a Turma do STJ, “(...) o reconhecimento
da prática de falta grave em razão da conduta praticada por terceiro que enviou a
encomenda via SEDEX viola o princípio constitucional da intranscendência (art. 5o,
inciso XLVI, da Constituição da República), o qual preconiza que ninguém pode ser
responsabilizado por ato praticado por terceira pessoa. Na hipótese, não há elementos
concretos que indicam prévia solicitação da encomenda (placas de aparelho celular,
bateria e chip) pelo ora agravado. Outrossim, o apenado não teve posse tranquila
dos bens - o que poderia revelar eventual consentimento com a prática ilícita -,
pois a abertura da caixa ocorreu após a detecção em aparelho de raio x de objetos
metálicos e na frente dos agentes públicos”.54

51 STF, Pleno, Agr-QO n. 1.033/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 25.05.2006.


52 No sentido de que a imposição da falta grave ao executado em razão de conduta praticada por terceiro,
quando não comprovada a autoria do reeducando, viola o princípio constitucional da intranscendência (art.
5o, XLV, da Constituição Federal): STJ, 6a Turma, AgRg no HC 510.838-MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 20.08.2019,
Dje 03.09.2019; STJ, 5a Turma, HC 399.047-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 08.08.2017, DJe 15.08.2017; STJ, 5a
Turma, HC 372.850-SP, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 18.04.2017, Dje 25.04.2017.
53 Com o entendimento de que é necessária a individualização da conduta para reconhecimento de falta grave
praticada pelo apenado em autoria coletiva, não se admitindo a sanção coletiva a todos os participantes
indistintamente: STJ, 5a Turma, AgRg no HC 557.417-SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 10.03.2020, DJe 23.03.2020;
STJ, 5a Turma, AgRg no HC 550.514-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 20.02.2020, DJe 05.03.2020; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 534.689-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 06.02.2020, DJe 21.02.2020.
54 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 642.504-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 09.03.2021, DJe 19.03.2021.
138 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.1.4. Ciência das normas disciplinares


De acordo com o art. 46 da Lei n. 7.210/84, o condenado ou denunciado, no
início da execução da pena ou da prisão, será cientificado das normas disciplinares.
Portanto, é necessário que o indivíduo, ao ingressar no presídio, seja munido de um
exemplar do manual de instrução ou de um texto do qual constem seus deveres e
direitos e previstas as faltas e sanções aplicáveis em caso de infração a essas regras.
Dessa forma, afasta-se a alegação de ignorância ou erro, deliberado ou provocado,
das normas disciplinares pelo condenado ou preso processual. Portanto, para o
indivíduo que dá entrada no sistema prisional, não é possível trabalhar com aquela
presunção do art. 21 do Código Penal no sentido de que o desconhecimento da lei
é inescusável.
Equivocadamente, o art. 46 da Lei de Execução Penal faz referência ao de­
nunciado, ou seja, aquela pessoa contra quem foi oferecida uma denúncia pelo
Ministério Público em crime de ação penal pública. Ora, partindo da premissa de
que as sanções disciplinares podem ser aplicadas não apenas ao condenado, mas
também ao preso cautelar (LEP, art. 44, parágrafo único), cuja segregação pode
ser decretada fundamentadamente ainda no curso da investigação preliminar, é de
todo evidente que o recolhimento à prisão deste último pode ocorrer ainda que
não tenha sido oferecida a denúncia. Logo, partindo da premissa de que deve se
dar ciência das normas disciplinares a todas as pessoas recolhidas à prisão, quer se
trate de prisão definitiva, quer se trate de prisão provisória, há de se concluir que,
quando o dispositivo em análise usa o termo denunciado, deve se ler preso cautelar.

3.1.5. Punição da tentativa


De acordo com o art. 49, parágrafo único, da LEP, pune-se a tentativa com a
sanção correspondente à falta consumada. É o que ocorre, por exemplo com a fuga:
restará caracterizada a falta grave quer quando houver a efetiva evasão do sistema
prisional (LEP, art. 50, II), quer quando o agente simplesmente der início à execução
da fuga, sem, no entanto, lograr êxito em sua empreitada. Como se pode notar, o
dispositivo diferencia-se do regramento constante do Código Penal, em que o crime
tentado é punido com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de
um a dois terços (art. 14, parágrafo único).
A nosso juízo, não há falar em violação ao princípio da proporcionalidade.
Cuida-se, na verdade, de legítima opção do legislador, que, aliás, vem ao encontro
de outros tantos dispositivos legais, previstos inclusive na própria legislação ordi­
nária, em que se pune com as mesmas penas tanto o crime consumado quanto o
tentado. Tome-se, como exemplo, o delito de evasão mediante violência contra a
pessoa, previsto no art. 352 do Código Penal,55 e o próprio Código Penal Militar,
que tem dispositivo expresso no sentido de que a tentativa deve ser punida com a

55 CP: "Art. 352. Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança de­
tentiva, usando de violência contra a pessoa: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, além da
pena correspondente à violência".
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 139

pena correspondente ao crime, diminuída de um a dois terços, podendo o juiz, no


caso de excepcional gravidade, aplicar a pena do crime consumado (art. 30, parágrafo
único). Logicamente, como na tentativa as consequências do fato não existem ou
não são tão graves quanto na consumação, o fato de se tratar de falta disciplinar
tentada deverá ser levado em consideração por ocasião da dosimetria da respecti­
va sanção disciplinar, já que a Lei de Execução Penal prevê as “consequências do
fato” como uma das circunstâncias a serem sopesadas na aplicação da penalidade
adequada (art. 57, caput).56

3.2. Poder disciplinar


Por força da jurisdicionalização da execução penal prevista no art. 2o da Lei
n. 7.210/84, entende-se que a intervenção do juiz, em sede de execução da pena,
é eminentemente jurisdicional, sem exclusão daqueles atos acessórios, de ordem
administrativa, que acompanham as atividades do magistrado. Uma das exceções a
esse verdadeiro princípio da execução penal é o poder disciplinar, a ser exercido,
no caso das penas privativas de liberdade, pela autoridade administrativa, confor­
me as disposições legais e regulamentares (LEP, art. 47). Essa previsão segue uma
lógica natural, já que é a autoridade administrativa que mantém contato direto
com o preso. A tais autoridades compete, portanto, impor as respectivas sanções
e conceder recompensas, interferindo o juiz da execução tão somente em casos de
infringência às normas estabelecidas pelo ordenamento jurídico, hipótese em que
deverá ser instaurado o respectivo incidente de desvio de execução contemplado
no art. 185 da LEP.
É dentro desse contexto que o art. 54, caput, da Lei de Execução Penal confere
ao diretor do estabelecimento prisional a competência para aplicar, motivadamente,
as sanções dos incisos I a IV do art. 53, quais sejam, advertência verbal, repreen­
são, suspensão ou restrição de direitos, e isolamento na própria cela, restringindo
exclusivamente a inclusão no regime disciplinar diferenciado à autorização judicial
prévia. Na mesma linha, a concessão de recompensas também fica a cargo das au­
toridades administrativas, na forma que estabelecer a legislação estadual (LEP, art.
56, parágrafo único).
Na execução das penas restritivas de direitos, o poder disciplinar deverá ser
exercido, em regra, pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado
(LEP, art. 48, caput). Todavia, ocorrendo a prática de falta grave, capaz de acarretar a
conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, a autoridade
administrativa não mais terá competência para determinar sua aplicação. Por isso,
em tais hipóteses, caberá à autoridade administrativa representar ao Juiz da Execução
para fins de reconversão em pena privativa de liberdade. Trata-se da denominada
representação por falta grave.

56 Em sentido diverso, Renato Marcão (Curso de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 72) sustenta que,
tentada ou consumada, a conduta ensejadora de falta disciplinar grave, caberá a mesma sanção, sem
qualquer abrandamento.
140 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

De acordo com o art. 48, parágrafo único, da LEP, “nas faltas graves, a autori­
dade representará ao Juiz da Execução para os fins dos arts. 118, inciso I, 125, 127,
181, §§1°, letra d, e 2o desta Lei”. Conquanto inserido como parágrafo no dispositivo
que cuida do poder disciplinar no curso das penas restritivas de direitos, o preceito
em questão faz referência a dispositivos atinentes à prática de falta grave por quem
cumpre pena privativa de liberdade. Com efeito, à exceção do art. 181, §§1° e 2o,
que dizem respeito à reconversão da pena restritiva de direitos em pena privativa
de liberdade, os demais dispositivos citados guardam relação com o cumprimento
de pena privativa de liberdade: o art. 118, I, trata da regressão de regime quando o
condenado praticar fato definido como crime doloso ou falta grave; o art. 125 trata
da revogação da saída temporária; e o art. 127 determina que o juiz poderá revo­
gar até 1/3 (um terço) do tempo remido em caso de falta grave. Topograficamente,
portanto, o legislador deveria ter inserido a parágrafo único do art. 48 como uma
regra autônoma. Sem embargo, essa representação por falta grave ali prevista pode
ser interpretada nos seguintes termos:57
a. Condenado no cumprimento de pena privativa de liberdade: no exercício
de seu poder disciplinar, a autoridade administrativa poderá impor as sanções de
suspensão ou restrição de direitos, e isolamento na própria cela, como consequência
decorrente da prática de falta disciplinar de natureza grave, já que a advertência e a
repreensão são punições reservadas a faltas leves e médias, ao passo que a inclusão
no regime disciplinar diferenciado depende de autorização judicial prévia. A despeito
de a administração da casa possuir poder disciplinar para aplicar sanções ao preso
(LEP, art. 47), caberá a ela, diante da prática de falta grave, representar ao Juízo da
Execução Penal com vista à revogação de benefícios (LEP, art. 48, parágrafo único).
É o que ocorre, por exemplo, no caso da regressão de regime (art. 118, I), perda
do direito à saída temporária (art. 125) e perda de até 1/3 (um terço) do tempo
remido (art. 127);
b. Condenado no cumprimento de pena restritiva de direitos: tratando-se
de faltas médias e leves, o poder disciplinar será exercido pela autoridade admi­
nistrativa a que estiver sujeito o condenado, nos termos do art. 48, caput, da LEP.
Tome-se como exemplo a limitação de final de semana, que impõe ao condenado
a obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em
casa de albergado ou lugar adequado. Em tal hipótese, cometida falta disciplinar leve
ou média, caberá à autoridade administrativa do respectivo local aplicar a devida
punição. Na hipótese de falta grave - descumprimento injustificado da restrição
imposta, retardamento injustificado do cumprimento da obrigação imposta ou
inobservância dos deveres previstos nos incisos II e V do art. 39 (LEP, art. 51, I, II
e III) -, porém, caberá à administração carcerária representar ao Juízo da Execução
para fins de reconversão da restritiva em pena privativa de liberdade, nos termos
do art. 181, §§1°, “d”, e 2o, ao qual também deve ser acrescentado o §3°, que diz
respeito à interdição temporária de direitos, estranhamento omitido da remissão
do art. 48, parágrafo único.

57 AVENA. Op. cit. p. 81.


Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 141

3.3. Faltas disciplinares graves


As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias58 e graves. As faltas leves
e médias devem ser definidas pela legislação local, ou seja, em se tratando de peni­
tenciárias estaduais, pela legislação do respectivo Estado da Federação; cuidando-se
de presídios federais, por legislação federal. De seu turno, as faltas graves estão
definidas expressa e taxativamente nos arts. 50 a 52 da LEP, rol este que não pode
ser ampliado por outros atos normativos de hierarquia inferior, como, por exemplo,
resoluções, portarias, decretos etc., o que, no entanto, não impede que legislação
federal de igual ou superior hierarquia estabeleça condutas caracterizadoras como
falta disciplinar de tal natureza.
Em seus diversos incisos, o art. 50 da Lei de Execução Penal elenca as faltas
graves que podem ser cometidas pelo condenado à pena privativa de liberdade,
referindo-se o artigo seguinte aos que cumprem penas restritivas de direitos. À
primeira vista, fica a impressão, então, de que o rol de faltas graves estaria restrito
aos dois dispositivos legais. Porém, não se pode perder de vista que, à luz da Ia
parte do art. 52, caput, Ia parte, da LEP, a prática de fato previsto como crime doloso
também constitui falta grave, sujeitando o preso ao regime disciplinar diferenciado
(RDD) se acaso ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas.
Na visão dos Tribunais Superiores, o rol do art. 50 da Lei de Execução Penal,
que prevê as condutas que configuram falta grave, é taxativo, não possibilitando
interpretação extensiva ou complementar, a fim de acrescer ou ampliar o alcance
das condutas previstas.59 Não por outro motivo, em caso concreto em que deter­
minado preso se recusou a comparecer perante o Oficial de Justiça para fins de
citação, concluiu a 6a Turma do STJ não haver falta grave, porquanto tal conduta não
consta expressamente do art. 50 da LEP, dispositivo que não permite interpretação
extensiva para encaixar outros atos de indisciplina, sob pena de lesão ao princípio
da legalidade.60
De acordo com o art. 50, parágrafo único, da LEP, a anotação das faltas discipli­
nares pode ocorrer tanto no prontuário do preso definitivo como em relação ao preso
provisório, a quem se aplicam, no que couber, as normas relativas à execução penal
(LEP, art. 2o, parágrafo único), inclusive por conta da possibilidade de concessão an­
tecipada de benefícios prisionais ao preso cautelar (v.g., súmula n. 716 do STF). Na
verdade, dentre as faltas graves listadas nos arts. 50 e 52 da LEP, a única que não tem
aplicação ao preso cautelar é aquela atinente ao descumprimento do dever de traba­
lho (art. 50, VI, c/c art. 39, V), já que, para ele, o trabalho é facultativo (LEP, art. 31,
parágrafo único), daí por que não pode ser obrigado ao desempenho de tal atividade,
muito menos sofrer sanção disciplinar pela sua não realização.

58 As faltas disciplinares de natureza leve e média serão objeto de análise mais adiante.
59 STJ, 6a Turma, HC 481.699-RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnoir, j. 12.03.2019, DJe 19.03.2019; STJ, 6a Turma,
REsp 1.519.802-SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 10.11.2016, DJe 24.11.2016; STJ, 6a Turma, HC
284.829-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 30.06.2015, DJe 03.08.2015.
60 STJ, 6a Turma, HC 108.616-SP, Rei. Min. Jane Silva - Desembargadora convocada do TJ-MG j. 06.02.2009,
DJe 02.03.2009.
142 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.3.1. Prática de fato previsto como crime doloso

Como exposto anteriormente, o rol de faltas graves não está restrito aos
incisos do art. 50 da LEP. Isso porque, consoante disposto no art. 52 da LEP, a
prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando oca­
sione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório,
ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regi­
me disciplinar diferenciado. Como se pode notar, configura falta grave, tanto
para os condenados que cumprem pena privativa de liberdade, como, em regra,
àqueles submetidos às penas restritivas de direitos, a prática de fato previsto
como crime doloso.
O legislador não faz qualquer distinção quanto à espécie de crime doloso, se
punido com pena de reclusão ou detenção, conceito dentro do qual estão inseridos os
crimes preterdolosos, que, em última análise, são também dolosos quanto à conduta
antecedente. A prática de crime culposo não caracteriza falta grave, o que não afasta
a possibilidade de a legislação local tipificá-lo como falta média ou leve. O mesmo
ocorre em relação às contravenções penais, salvo se o fato não constituir, de per si,
falta disciplinar grave, como ocorre, a título de ilustração, com aquele que possui,
indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem (Lei
das Contravenções Penais, art. 19).
Firmada a premissa de que a prática de fato previsto como crime doloso cons­
titui falta grave, é correto afirmar que a posse de drogas no curso da execução penal,
ainda que para uso próprio, constitui falta grave.61 Isso porque o Supremo Tribunal
Federal reconheceu que a Lei n. 11.343/06 não promoveu a descriminalização de tal
conduta, que continua ostentando a natureza jurídica de “crime”.62 É dizer, o fato
de o art. Io da Lei de Introdução ao Código Penal estabelecer um critério que per­
mite distinguir quando se está diante de um crime ou de contravenção não impede
que o legislador ordinário adote outros critérios gerais de distinção, ou até mesmo
estabeleça para determinado crime, como o fez para o art. 28 da Lei de Drogas,
pena diversa da privativa de liberdade, a qual é apenas uma das opões constitucio­
nais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF, art. 5o, XLVI). Nesse caso, é
imprescindível a confecção de laudo toxicológico para comprovar a materialidade
da infração disciplinar e a natureza da substância encontrada com o apenado no
interior de estabelecimento prisional.63

61 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 547.354/DF, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 06.02.2020, Dje 13.02.2020;
STJ, 6a Turma, AgRg no HC 547.553/DF, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019; STJ,
6a Turma, AgRg no HC 528.947/DF, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.11.2019, DJe 29.11.2019; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 525.107/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 01.10.2019, DJe 08.10.2019.
62 STF, Ia Turma, RE 430.105 QO/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13.02.2007, DJ 27.04.2007.
63 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 547.354-Df, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 06.02.2020, Dje 13.02.2020;
STJ, 5a Turma, AgRg no HC 448.115-SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 23.04.2019, DJe 07.05.2019; STJ, 6a Turma,
HC 406.154-MG, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 28.11.2017, DJe 04.12.2017; STJ, 6a Turma, AgRg
no HC 394.873-MG, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 21.09.2017, DJe 04.10.2017.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 143

3.3.1.1. (Des) necessidade do trânsito em julgado de sentença


penal condenatória para fins de reconhecimento, no âmbito
administrativo carcerário, de falta grave decorrente do
cometimento de fato definido como crime doloso
Há controvérsias acerca da necessidade do trânsito em julgado de sentença penal
condenatória no processo penal instaurado para apuração desse crime doloso como
condição sine qua non para o reconhecimento da falta grave (LEP, art. 52, caput, Ia
parte), ou para fins de se determinar a regressão (LEP, art. 118, I).
De um lado, há quem entenda que, por força do princípio da presunção de
inocência e da regra de tratamento que dele deriva, não se admite o reconhecimen­
to dessa falta grave, ou a regressão, sem o anterior trânsito em julgado da sentença
condenatória. Há de se trabalhar, portanto, com a mesma lógica em relação à pena
privativa de liberdade, que, à luz da atual orientação do Supremo Tribunal Federal
(ADCs 43, 44 e 54), pressupõe a formação da coisa julgada.
Prevalece, todavia, o entendimento contrário. Ora, fosse exigido o trânsito em
julgado, reduzir-se-ia a um nada a efetividade do processo de execução criminal, haja
vista o lapso temporal demandado para a solução definitiva do processo criminal ins­
taurado para apuração do novo crime. Diante da dinamicidade da fase executiva e da
necessidade de se assegurar a ordem no estabelecimento prisional, a decisão do juízo
da execução, proferida após apuração de falta grave efetuada de modo válido, há de ser
considerada apta a ensejar a imposição da respectiva sanção disciplinar, sem prejuízo,
obviamente, do direito recursal do apenado. Exigir o trânsito em julgado do processo
de conhecimento para a imposição de falta grave no juízo da execução penal seria
como vincular a competência desempenhada por este àquela a ser exercida pelo juízo
do conhecimento. Essa independência, contudo, é expressa de modo nítido na cisão
de competências: o juízo natural destinado à definição das sanções de natureza penal
decorrentes da prática do fato criminoso em si, submetido à esfera de atribuições do
órgão jurisdicional com competência sobre o processo criminal de conhecimento, é
diverso daquele a quem compete a fixação das sanções disciplinares resultantes da prática
de falta grave no curso da execução penal, providência a cargo do juízo da execução,
nos termos dos arts. 48, parágrafo único, e 60, caput, da Lei de Execução Penal. Por
outro lado, inexiste óbice ao aproveitamento de sentença proferida no processo penal
de conhecimento, após regular instrução criminal, com observância do contraditório
e da ampla defesa, pelo juízo da execução penal para o reconhecimento de falta grave.
Esse título, diversamente dos autos de prisão em flagrante, de inquérito policial ou
das petições iniciais dos processos criminais, supre a exigência de instrução perante
autoridade administrativa ou judicial no âmbito executivo, autorizando a consequente
aplicação das sanções disciplinares pela autoridade judiciária competente para decidir
questões relativas à execução penal.
É exatamente nesse sentido a Súmula n. 526 do STJ: “O reconhecimento de
falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cum­
primento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória
no processo penal instaurado para apuração do fato” (Tese de Recurso Especial
144 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

fixada no tema n. 655).64 Com conclusão semelhante, eis o teor da Tese de Reper­
cussão Geral fixada no tema n. 758: “O reconhecimento de falta grave consistente
na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa
o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde
que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo
legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva
ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a
autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave”.65
Mas o que fazer se o condenado vier a ser absolvido em ulterior processo cri­
minal contra ele instaurado em virtude da prática desse fato previsto como crime
doloso que deu ensejo ao reconhecimento da falta grave? Referida decisão também
faria coisa julgada no âmbito administrativo? O raciocínio, nesse caso, é bem seme­
lhante àquele trabalhado em relação à ação civil ex delicto, em que se entende que
eventual absolvição criminal deverá fazer coisa julgada no cível, conquanto tenha
sido reconhecida categoricamente a inexistência material do fato ou a negativa de
autoria. É possível afirmar, então, que a decisão que reconhece a prática de falta
grave disciplinar deverá ser desconstituída diante das hipóteses de arquivamento de
inquérito policial ou de posterior absolvição na esfera penal, por inexistência do fato
ou negativa de autoria, tendo em vista a atipicidade da conduta.66

3.3.2. Incitação ou participação em movimento para subersáo da ordem ou


da disciplina
De acordo com o art. 50, inciso I, da LEP, comete falta grave o condenado à
pena privativa de liberdade que incitar ou participar de movimento para subverter
a ordem ou a disciplina.
Incitar significa induzir, provocar, excitar, estimular os companheiros à prática
de atos de subversão da ordem ou da disciplina. Participar, por sua vez, consiste
em tomar parte, colaborar com o movimento, seja por meios materiais, como, por
exemplo, praticando atos de violência contra os policiais penais, seja por meios
morais, como ocorre na hipótese do agente que planeja ou organiza as atividades.
O motim de presos é um movimento coletivo de rebeldia dos presos, seja para o
fim de justas ou injustas reivindicações, seja para coagir os funcionários do estabele­
cimento prisional a determinada medida, ou para tentativa de fuga, ou por objetivos
de simples baderna ou vingança. Por mais que a conduta geralmente se exteriorize
mediante ação, não se pode descartar o comportamento omissivo como hábil a

64 Paradigma: STJ, 3a Seção, REsp 1,336.561-RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 25.09.2013. Com raciocínio semelhante:
STJ, 6a Turma, HC 262.572-RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12.11.2013, DJe 28.11.2013; STJ,
3a Seção, REsp 1.336.561-RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25.09.2013, DJe 01.04.2014; STJ, 5a
Turma, HC 267.886-RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 15.08.2013, DJe 26.08.2013.
65 Paradigma: STF, Pleno, RE 776.823/RS, Rei. Min. Edson Fachin, j. 04.12.2020.
66 STJ, 5a Turma, HC 524.396-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15.10.2019, DJe 22.10.2019; STJ, 5a
Turma, HC 462.463-RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 13.12.2018, DJe 01.02.2019; STJ, 6a Turma, RHC 33.827-RJ,
Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.11.2014, Dje 12.12.2014.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 145

viabilizar a falta grave. A título de exemplo, basta imaginar que, tão logo encerrado
o horário do banho de sol, os presos se recusem a retornar às suas celas, causando
tumulto generalizado em prejuízo à ordem e à disciplina do ambiente carcerário.
Firmada a premissa de que a tentativa é punida com a sanção correspondente
à falta consumada (LEP, art. 49, parágrafo único), é certo afirmar que eventual ins­
tigação será punível ainda que o movimento coletivo não seja levado adiante pelos
demais presidiários. Como o art. 50, inciso I, da LEP, faz menção, genericamente,
apenas a movimento para subverter a ordem ou a disciplina, revela-se desnecessário
o emprego de violência ou grave ameaça, a exemplo do que ocorre em movimentos
pacíficos de recusa ao trabalho, “greve de fome” etc.
Segundo a doutrina,67 pouco importa o fim visado pelo movimento, que pode
até ser considerado ‘justo’, como, por exemplo, o de pretender melhores condições de
trabalho, oportunidades de recreação etc., já que tais reivindicações devem ser feitas
pelos canais regulares de comunicação. Em conclusão, convém destacar que, desde
que preenchidas as respectivas elementares, é possível que a falta grave ora em análise
também configure o crime de motim de presos (CP, art. 354).68 Para a configuração do
delito, todavia, exige-se a presença de certo número de presos - pelo menos 3 (três)
pessoas -, aspecto que o diferencia da falta grave prevista no art. 50, I, da LEP, que
restará configurada até mesmo com o envolvimento de um único preso.

3.3.3. Fuga
Consoante disposto no art. 50, II, da LEP, comete falta grave o condenado à
pena privativa de liberdade que fugir. Para fins de caracterização do crime de eva­
são mediante violência contra a pessoa, previsto no art. 352 do Código Penal, há
necessidade do uso de violência contra a pessoa. Em sentido diverso, a falta grave
prevista no art. 50, inciso II, da LEP, igualmente punível na modalidade tentada,
configura-se mesmo quando o preso não se utilizar da violência para deixar a prisão.
É indiferente, ademais, diante do silêncio da lei, qualquer espécie de dano ao
patrimônio ou favorecimento por parte de terceiros (v.g., outros presos ou policiais
penais). Como o dispositivo faz menção, genericamente, à fuga, sem especificar se
em tal momento o agente estaria (ou não) no interior do estabelecimento prisional,
prevalece o entendimento de que a falta grave restará caracterizada ainda quando
a fuga for realizada durante a permanência do condenado fora do estabelecimento,
a exemplo do que ocorre, por exemplo, nos casos de trabalho externo, saídas auto­
rizadas, internação em estabelecimento médico69 etc.

67 MIRABETE. Op. cit. p. 141.


68 CP: "Art. 354. Amotinarem-se presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão: Pena - detenção, de
seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência".
69 No sentido de que caracteriza falta grave a justificar regressão ao regime fechado a fuga reiterada de agente
que se encontrava internado em estabelecimento médico para tratamento de dependência química: STF,
1a Turma, HC 97.980-RS, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 23.02.2010, DJ 09.04.2010.
146 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.3.4. Posse indevida de instrumento capaz de ofender a integridade física


de outrem
O art. 50, inciso III, da LEP, dispõe que comete falta grave o condenado à pena
privativa de liberdade que possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a
integridade física de outrem.
Possuir consiste em ter ou reter algo em seu poder, fruir ou gozar de algo. A
falta grave em questão restará caracterizada quando o agente possuir, indevidamente,
instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem, o que abrange tanto
uma arma criada especificamente para fins de ataque ou defesa (v.g., punhal), como
também outro objeto criado para finalidade diversa, embora possa ser utilizado para
matar ou ferir (v.g., faca de cozinha).
Para fins de caracterização da falta grave sob comento, não é necessário que
o preso seja surpreendido portando o artefato, já que o legislador faz menção ao
simples fato de se possuir tal objeto. Responde pela falta grave, portanto, aquele que
o guarda na cela, em seu local de trabalho ou qualquer outro lugar.
O uso da elementar indevidamente revela a possibilidade de o preso ter autori­
zação para possuir ou usar o instrumento para suas atividades regulares no interior
do estabelecimento prisional (v.g., trabalho na cozinha), hipótese em que não haverá
falta grave, porquanto a posse seria devida.
Em conclusão, é firme a jurisprudência no sentido de que o reconhecimento
de falta grave prevista no art. 50, III, da Lei de Execução Penal dispensa a realização
de perícia no objeto apreendido para verificação da potencialidade lesiva, por falta
de previsão legal.70

3.3.5. Provocação de acidente de trabalho


Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que provocar
acidente de trabalho. É nesse sentido a redação do art. 50, inciso IV, da Lei de
Execução Penal.
Provocar consiste em produzir, promover, que implica necessariamente a ideia
de desejar que ocorra alguma coisa. Logo, quando o dispositivo faz referência à
provocação de um acidente de trabalho, visando, por exemplo, ao afastamento da
atividade laborativa, o ideal é concluir que a lei se refere àquele comportamento
doloso do preso, e não à culpa, como, aliás, em todos os demais incisos do art. 50
da LEP. A provocação culposa de acidente de trabalho, assim como qualquer outro
crime culposo, pode até ser prevista na legislação local como falta média ou leve,
mas jamais poderá ser equiparada à conduta deliberada.
Como o inciso IV do art. 50 da LEP não faz qualquer ressalva em sentido di­
verso, infere-se que a falta grave em análise abrange tanto o trabalho interno quanto

70 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 475.585-DF, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 07.11.2019, DJe 22.11.2019; STJ,
5a Turma, HC 476.948-DF, Rei. Min. Felix Fischer, j. 07.02.2019, DJe 19.02.2019; STJ, 6a Turma, AgRg no HC
460.890-SC, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 08.11.2018, DJe 22.11.2018.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 147

o externo, até mesmo porque a lei não faz nenhuma distinção entre eles para fins
de disciplina, porém não abrange o trabalho do preso albergado. Isso porque este
não é submetido à disciplina prisional, prevista na LEP, mas regido apenas pela
Consolidação das Leis do Trabalho. Logo, a provocação de acidente de trabalho
pelo albergado poderá, a depender do caso concreto, tipificar determinado delito
(v.g., dano), constituindo falta grave nos termos do art. 52, caput, Ia parte, da LEP.
Noutro giro, e mais uma vez diante do silêncio da lei, pouco importa se o
acidente de trabalho provocado pelo apenado produziu ou não dano ao patrimônio
do presídio ou a materiais empregados na confecção do trabalho, bem como da
provocação de ferimentos no próprio preso ou em terceiros.

3.3.6. Descumprimento das condições impostas no regime aberto


À luz do art. 50, inciso V, da LEP, comete falta grave o condenado à pena
privativa de liberdade que descumprir, no regime aberto, as condições impostas. A
presente falta disciplinar não é aplicável ao preso cautelar, já que a ele não se aplica
o regime aberto.
As condições gerais e obrigatórias do regime aberto estão previstas no art. 115
da LEP, quais sejam, permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos
dias de folga, sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados, não se ausentar
da cidade onde reside, sem autorização judicial, comparecer a Juízo, para informar
e justificar as suas atividades, quando for determinado. Para além dessas condições,
outras podem ser impostas pelo juiz, nos termos do art. 113 da LEP.
Mais uma vez, deve se concluir que a falta grave está se referindo apenas àque­
la conduta intencional do agente, daí por que não caracteriza falta grave eventual
negligência do condenado, a exemplo de pequenos atrasos em relação ao horário
fixado etc.

3.3.7. Inobservância dos deveres de obediência ao servidor e respeito a


qualquer pessoa com quem deva relacionar-se e de execução do
trabalho, das tarefas e das ordens recebidas
De acordo com o art. 39, inciso II, da LEP, constitui dever do condenado obe­
diência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se. Já
o inciso V do art. 39 da LEP afirma que constitui dever do condenado a execução
do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas. A inobservância desses dois deveres
pode dar ensejo à falta grave constante do art. 50, inciso VI, da Lei de Execução
Penal.71 Na parte referente à inexecução do trabalho, o inciso VI do art. 51 da LEP

71 No sentido de que a desobediência aos agentes penitenciários configura falta de natureza grave, a teor
da combinação entre os art. 50, VI, e art. 39, II e V, da Lei de Execução Penal: STJ, 5a Turma, AgRg no HC
550.207-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.02.2020, DJe 28.02.2020; STJ, 5a Turma, AgRg no HC
516.423-SP, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 10.12.2019, DJe 17.12.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 510.452-SP,
Rei. Min. Jorge Mussi, j. 22.10.2019, DJe 08.11.2019.
148 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

não é aplicável ao preso cautelar, porquanto, em relação a este, o desempenho de


atividade laborativa tem natureza facultativa.
Se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei (CF, art. 5o, II), conclui-se que não comete falta grave o preso que descumpre
uma ordem ilegal. Também não haverá falta grave na hipótese de o condenado se
recusar, justificadamente, a levar adiante suas atividades laborativas, a exemplo do
que ocorre quando assim agir pelo fato de temer represálias de membros de orga­
nização criminosa rival.
Consoante previsão dos arts. 50, VI, e art. 39, V, da LEP, configura falta grave
a recusa pelo condenado à execução de trabalho interno regularmente determinado
pelo agente público competente, não havendo que se confundir o dever de trabalho,
referendado pela Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 6o), com a pena
de trabalho forçado, vedada pela Constituição Federal (art. 5o, XLVIII, “c”).72
Talvez o exemplo mais comum de reconhecimento da falta grave do art. 50,
inciso VI, da LEP, seja aquele atinente ao descumprimento dos deveres inerentes à
monitoração eletrônica (LEP, art. 146-C): I - receber visitas do servidor responsável
pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orienta­
ções; II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer
forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça.
Por isso, há diversos precedentes dos Tribunais Superiores nos seguintes termos:
i. A inobservância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira
eletrônica configura falta disciplinar de natureza grave, nos termos dos arts. 50, VI, e
art. 39, V, da LEP;73 ii. A utilização de tornozeleira eletrônica sem bateria suficiente
configura falta disciplinar de natureza grave, nos termos dos arts. 50, VI, e art. 39,
V, da LEP;74 iii. O rompimento de tornozeleira eletrônica configura falta disciplinar
de natureza grave, a teor dos arts. 50, VI, e art. 146-C da LEP.75

3.3.8. Posse, utilização ou fornecimento de aparelho telefônico, rádio ou


similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o
ambiente externo
Como é sabido, o ingresso clandestino de aparelhos celulares nos presídios, ora
por intermédio dos visitantes, ora por facilitação dos próprios funcionários públicos,
tem proporcionado aos presos, notadamente àqueles que integram organizações

72 Nesse sentido: STJ, 5aTurma, AgRg no HC 429.608-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 17.04.2018, DJe 27.04.2018; STJ,
6a Turma, HC 264.989-SP, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado doTJ-SP -, j. 04.08.2015,
DJe 19.08.2015.
73 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 474.327-TO, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 12.03.2019, DJe 19.03.2019; STJ, 5a Turma,
HC 462.719-RS, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 09.10.2018, DJe 24.10.2018; STJ, 5a Turma, HC 438.756-RS,
Rei. Min. Felix Fischer, j. 05.06.2018, Dje 11.06.2018.
74 STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.766.006-TO, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 06.12.2018, Dje 19.12.2018;
STJ, 6a Turma, HC 342.466-SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 02.06.2016, DJe 14.06.2016.
75 STJ, 5a Turma, HC 465.565-RS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 25.09.2018, DJe 02.10.2018; STJ, 5a
Turma, HC 460.440-RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 18.09.2018, DJe 25.09.2018; STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp
708.127-RO, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 28.03.2017, DJe 06.04.2017.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 149

criminosas, a possibilidade de continuarem exercendo funções de coordenação de


ações delituosas no ambiente externo, isso sem contar no planejamento de rebeliões
no sistema carcerário como um todo. Os estabelecimentos prisionais se transfor­
mam, assim, em verdadeiros “escritórios do crime”, mantidos, porém, pelo Estado.
É dentro desse contexto que surge a Lei n. 11.466/07, responsável não apenas
por acrescentar ao rol taxativo do art. 50 a falta grave do inciso VII (“tiver em sua
posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a
comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”), mas também por
criminalizar a conduta de deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público de
cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou
similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo
(CP, art. 319-A, incluído pela Lei n. 11.466/07). Na mesma linha, pouco tempo
depois, a Lei n. 12.012/09 tipificou, no art. 349-A do Código Penal, a conduta de
ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico
de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabeleci­
mento prisional.
A falta grave do art. 50, VII, da LEP, restará caracterizada quando o agente
tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico (fixo ou móvel), de
rádio - aparelho que emite e recebe ondas radiofônicas em determinadas faixas
de frequência, como, por exemplo, walkie-talkies, pagers, Nextel etc. -, ou similar
(qualquer outro meio de comunicação entre pessoas, a exemplo de aparelhos de
informática e conversação via webcam). Excluem-se os aparelhos que são meros
receptores de sinais radiofônicos emitidos por estações radiodifusoras que veiculam
programas de entretenimento ou informação, já que não permitem a comunicação
do detento com outros presos ou com interlocutores no meio externo.
Estando o aparelho de comunicação quebrado ou de qualquer modo absolu­
tamente impossibilitado de funcionar, não haverá falta grave. Subsistirá, todavia,
a falta grave em relação a aparelhos de telefonia celular pré-pagos e sem créditos,
já que é sabido que os presos costumam ter meios para a obtenção dos recursos
destinados ao seus funcionamentos.
Na visão dos Tribunais Superiores, configura falta grave não apenas a posse
de aparelho celular, mas também a de seus componentes (v.g., chip de telefonia
móvel), porque entendimento contrário permitiría a burla do dispositivo legal e
porque na hipótese é admissível a interpretação extensiva por não desvirtuar a
mens legis.76 Com raciocínio semelhante, também há precedentes do STJ no sentido
de que a posse de fones de ouvido no interior do presídio é conduta formal e
materialmente típica, configurando falta de natureza grave, uma vez que viabiliza a
comunicação intra e extramuros.77 Com a devida vênia, se é firme a jurisprudência
dos próprios Tribunais Superiores no sentido de que a conduta de ingressar em

76 STJ, 5a Turma, HC 260.122/RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 21.03.2013, DJe 02.04.2013; STJ, 5a Turma,
HC 226.745-RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 06.03.2012, DJe 19.03.2012; STJ, 5a Turma, HC 297.150-SP, Rei. Min.
Marco Aurélio Bellizze, j. 19.08.2014, DJe 27.08.2014.
77 Nesse contexto: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 522.425-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 10.09.2019, Dje 30.09.2019;
STJ, 6a Turma, AgRg no HC 438.835-SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 27.11.2018, DJe 07.12.2018.
150 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

estabelecimento prisional com chip de celular não caracteriza o crime previsto


no art. 349-A do CP,78 que faz referência ao mesmo objeto material do art. 50,
VII, da LEP - aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar
-, como não se conferir idêntico raciocínio à falta disciplinar de natureza grave,
afastando-se, assim, patente analogia in malam partem e consequente violação ao
princípio da legalidade?
Se a comprovação da materialidade de um crime que deixa vestígios está
condicionada, pelo menos em regra, à realização do exame de corpo de delito, di­
reto ou indireto, nos termos do art. 158 do CPP, não há falar em aplicação desse
mesmo raciocínio no tocante ao reconhecimento de uma falta grave no curso da
execução penal. Por isso, é prescindível a perícia de aparelho celular apreendido
para a configuração da falta disciplinar de natureza grave do art. 50, VII, da Lei de
Execução Penal.79
Enfim, por se tratar, a Lei n. 11.466/07, de novatio legis in pejus, deve ser
considerada irretroativa.80 Nesse sentido, como se pronunciou o STJ, “(...) antes do
advento da Lei n° 11.466 de 29 de março de 2007, a posse de aparelho telefônico
não constava do rol taxativo previsto no art. 50 da Lei de Execuções Penais, onde
estão previstas as condutas caracterizadoras de falta disciplinar de natureza grave,
razão pela qual não está autorizado o reconhecimento da falta por este motivo, sob
pena de violação do princípio da legalidade e da irretroatividade da lei penal mais
rigorosa. Resolução da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São
Paulo tipificando a conduta como falta grave não é suficiente para legitimar a de­
cisão, pois, nos termos do art. 49 da Lei n° 7.210/1984, a legislação local somente
está autorizada a especificar as condutas que caracterizem faltas leves ou médias e
suas respectivas sanções”.81

78 Para a 5a Turma do STJ (HC 619.776-DF, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 20.04.2021), a conduta de ingressar em
estabelecimento prisional com chip de celular não se subsome ao tipo penal previsto no art. 349-A do
Código Penal. Na visão do referido colegiado, o legislador se limitou em punir - basicamente - o ingresso
ou o auxílio na introdução de aparelho telefônico móvel ou similar em estabelecimento prisional, não
fazendo referência a qualquer outro componente ou acessório utilizado para viabilizar o funcionamento
desses equipamentos. Portanto, em decorrência da principiologia básica do direito penal (legalidade), na
falta de lei prévia que defina o ingresso de chip em estabelecimento prisional como comportamento típico
(nullum crimen sine lege), impõe-se o reconhecimento da atipicidade da referida conduta.
79 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 506.102-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 05.12.2019, DJe 17.12.2019; STJ, 5a Turma,
AgRg no HC 501.489-SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 01.10.2019, DJe 10.10.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no HC
447.961-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 16.05.2019, DJe 23.05.2019.
80 No sentido de que, após a vigência da Lei n. 11.466, de 28 de março de 2007, constitui falta grave a posse
de aparelho celular ou de seus componentes, tendo em vista que a ratío essendi da norma é proibir a
comunicação entre os presos ou destes com o meio externo: STJ, 6a Turma, HC 278.584-SP, Rei. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, j. 07.11.2013, DJe 20.11.2013; STJ, 5a Turma, HC 230.659-SP, Rei. Min. Laurita Vaz,
j. 05.11.2013, DJe 19.11.2013; STJ, 5a Turma, HC 260.122-RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 21.03.2013,
DJe 02.04.2013.
81 STJ, 5a Turma, HC 155.372/SP, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 02/08/2012, DJe 15/08/2012. Com entendi­
mento semelhante: STJ, 6a Turma, HC 236.090/SP, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado
do TJ/SP -, j. 24/03/2015, DJe 31/03/2015.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 151

3.3.9. Recusa do condenado em se submeter ao procedimento de


identificação do perfil genético
Pelo menos até a entrada em vigor da Lei n. 13.964/19, não havia regramento
explícito na Lei de Execução Penal acerca das consequências decorrentes da recusa
do condenado em se sujeitar ao procedimento de identificação do perfil genético
previsto em seu art. 9°-A.
Na verdade, havia quem dissesse que, como a coleta do material biológico era
compulsória, não podendo dela se esquivar o condenado, eventual resistência de sua
parte implicaria, de per si, em falta no curso da execução penal, eis que o apenado
estaria se negando a cumprir uma ordem recebida, violando, pois, um dos deveres
a que está sujeito (LEP, art. 39, V).
De modo a se afastar a necessidade de todo esse esforço interpretativo, andou
bem o legislador do Pacote Anticrime ao prever, expressamente, que a recusa do
condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético
terá, doravante, de maneira direta e imediata, o condão de caracterizar falta grave.

3.3.10. Faltas disciplinares graves do condenado à pena restritiva de direitos


De acordo com o art. 51 da LEP, comete falta grave o condenado à pena res­
tritiva de direitos que:
I - descumprir a obrigação imposta: cuida-se do descumprimento injustifi­
cado das obrigações que decorrem da pena imposta. É o que ocorre, por exemplo,
com o sentenciado que não presta serviços á comunidade ou à entidade pública nos
termos que lhe foram atribuídos;
II - retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta: à
semelhança da hipótese anterior, o atraso imotivado na prestação das obrigações
determinadas em sentença condenatória irrecorrível também constitui falta grave;
III - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do art. 39 da LEP: a
desobediência ao servidor, o desrespeito a qualquer pessoa com quem o condenado
deva relacionar-se e a não execução do trabalho, das tarefas ou das ordens recebidas,
também caracteriza falta grave por parte do condenado à pena restritiva de direitos.
Para além dessas hipóteses, também comete falta grave o condenado à pena
restritiva de direitos que pratica fato previsto como crime doloso. De fato, conside­
rando-se que o art. 52, caput, Ia parte, da LEP, não faz qualquer ressalva em sentido
contrário, é de rigor a conclusão de que tal espécie de falta grave é aplicável tanto
aos condenados à pena privativa de liberdade quanto àqueles condenados à pena
restritiva de direitos.
A prática de falta grave do condenado que cumpre pena restritiva de direitos
deverá acarretar, a critério do Juízo da Execução, a reconversão em pena privativa
de liberdade. Por mais que o art. 48, caput, da LEP determine que o poder disci­
plinar, na execução das penas restritivas de direitos, será exercido pela autoridade
administrativa a que estiver sujeito o condenado, se considerarmos que as faltas
graves podem ser punidas tão somente com a suspensão ou restrição de direitos e
152 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

isolamento na própria cela, e que tais sanções disciplinares são incompatíveis com
o condenado que cumpre pena restritiva de direitos, outra opção não haverá para
a autoridade administrativa senão representar ao Juízo da Execução com vista à re­
conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, nos termos
do art. 48, parágrafo único, da LEP.

3.4. Faltas disciplinares médias e leves


Como exposto anteriormente, a Lei de Execução Penal delega à legislação esta­
dual a configuração das faltas médias e leves (art. 49, caput). Essa remissão da Lei n.
7.210/84 à legislação estadual não tem o condão de provocar qualquer controvérsia
acerca da sua constitucionalidade, já que o art. 24, inciso I, da Constituição Federal,
estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal
para legislar sobre direito penitenciário. Logicamente, na hipótese de presídios fede­
rais, essa definição deverá ser feita por legislação federal.
O art. 45, caput, in fine, da LEP permite, em tese, a tipificação dessas faltas
médias e leves por meio de lei ou regulamento. A doutrina, porém, sustenta que o
mais correto é que tais espécies de faltas disciplinares sejam definidas exclusivamente
por lei em sentido estrito, preservando-se, assim, o princípio da reserva legal (ou da
estrita legalidade). À Administração carcerária não é conferido, portanto, o poder de
legislar, por meio de regulamentos, sobre faltas disciplinares, ainda que de natureza
leve ou média, sobretudo devido à possibilidade de tais infrações afetarem a análi­
se da boa conduta carcerária do preso, pressuposto de ordem subjetiva necessário
para a concessão de inúmeros benefícios prisionais (v.g., progressão de regime). Na
verdade, quando muito, tais regulamentos prisionais poderão prever, exclusivamente
para determinadas condutas não classificadas como faltas leves, médias ou graves,
penalidades que se esgotem em si mesmas (v.g., proibição de assistir televisão), sem
interferir, assim, na classificação da conduta carcerária do apenado.82
Pelo menos em tese, inexiste qualquer formato ou normativa para a definição
dessas infrações médias e leves. Sem embargo, parece correto afirmar que o legislador
estadual deverá estabelecer como faltas disciplinares aquelas infrações aos deveres do
preso previstos no art. 39 da LEP, salvo se já constituírem falta grave, sob pena de
se tornarem inócuas as disposições do referido artigo. A título de exemplo, alguns
Estados tipificam condutas como, por exemplo, o emprego de linguagem desrespei­
tosa, descuido na higiene pessoal, produção de ruídos que perturbem o descano e as
atividades no estabelecimento, prática de jogo previamente não permitido, abandono
não permitido do trabalho, embriaguez etc.
No âmbito federal, o art. 43 do Regulamento Penitenciário Federal (Decreto
n. 6.049/07) define as seguintes faltas leves: I - comunicar-se com visitantes sem a
devida autorização; II - manusear equipamento de trabalho sem autorização ou sem
conhecimento do encarregado, mesmo a pretexto de reparos ou limpeza; III - utilizar-se
de bens de propriedade do Estado, de forma diversa para a qual recebeu; IV - estar

82 AVENA. Op. cit. p. 77.


Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 153

indevidamente trajado; V - usar material de serviço para finalidade diversa da qual


foi prevista, se o fato não estiver previsto como falta grave; VI - remeter correspon­
dência, sem registro regular pelo setor competente; VII - provocar perturbações com
ruídos e vozerios ou vaias; e VIII - desrespeito às demais normas de funcionamento
do estabelecimento penal federal, quando não configurar outra classe de falta. As
faltas disciplinares de natureza média, por sua vez, constam do art. 44 do referido
diploma normativo: I - atuar de maneira inconveniente, faltando com os deveres
de urbanidade frente às autoridades, aos funcionários, a outros sentenciados ou aos
particulares no âmbito do estabelecimento penal federal; II - fabricar, fornecer ou
ter consigo objeto ou material cuja posse seja proibida em ato normativo do Depar­
tamento Penitenciário Nacional; III - desviar ou ocultar objetos cuja guarda lhe tenha
sido confiada; IV - simular doença para eximir-se de dever legal ou regulamentar;
V - divulgar notícia que possa perturbar a ordem ou a disciplina; VI - dificultar a
vigilância em qualquer dependência do estabelecimento penal federal; VII - perturbar
a jornada de trabalho, a realização de tarefas, o repouso noturno ou a recreação;
VIII - inobservar os princípios de higiene pessoal, da cela e das demais dependências
do estabelecimento penal federal; IX - portar ou ter, em qualquer lugar do estabele­
cimento penal federal, dinheiro ou título de crédito; X - praticar fato previsto como
crime culposo ou contravenção, sem prejuízo da sanção penal; XI - comunicar-se
com presos em cela disciplinar ou regime disciplinar diferenciado ou entregar-lhes
qualquer objeto, sem autorização; XII - opor-se à ordem de contagem da popula­
ção carcerária, não respondendo ao sinal convencional da autoridade competente;
XIII - recusar-se a deixar a cela, quando determinado, mantendo-se em atitude de
rebeldia; XIV - praticar atos de comércio de qualquer natureza; XV - faltar com a
verdade para obter qualquer vantagem; XVI - transitar ou permanecer em locais
não autorizados; XVII - não se submeter às requisições administrativas, judiciais e
policiais; XVIII - descumprir as datas e horários das rotinas estipuladas pela admi­
nistração para quaisquer atividades no estabelecimento penal federal; e XIX - ofender
os incisos I, III, IV e VI a X do art. 39 da Lei n. 7.210, de 1994.
É firme o entendimento doutrinário83 no sentido de que o rol das sanções disci­
plinares previsto no art. 53 da Lei de Execução Penal (advertência verbal, repreensão,
suspensão ou restrição de direitos, isolamento e inclusão no regime disciplinar dife­
renciado) é taxativo. Logo, sem embargo de o art. 49, caput, da LEP, dispor em sua
parte final, que a legislação local especificará as faltas leves e médias, bem assim as res­
pectivas sanções, não é dado ao legislador estadual ampliar o rol de sanções previstas
no art. 53 da LEP.
Na verdade, o que se admite é que a legislação estadual defina as faltas discipli­
nares de natureza leve e média, e, na sequência, determine qual delas estará sujeita
às penalidades de advertência verbal e repreensão, sanções disciplinares previstas
nos incisos I e II do art. 53. De mais a mais, interpretando-se a contrario sensu o
art. 57, parágrafo único, da LEP, segundo o qual, nas faltas graves, aplicam-se as
sanções previstas nos incisos III a V do art. 53, infere-se que também não é dado
ao legislador estadual prever, para faltas definidas como leves ou médias, as sanções

83 Nesse contexto: AVENA. Op. cit. p. 103.


154 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

de suspensão (ou restrição) de direitos, isolamento e inclusão no regime disciplinar


diferenciado, já que estas penalidades estão reservadas exclusivamente para as faltas
graves.

3.5. Prescrição das faltas disciplinares


A Lei de Execução Penal não prevê, pelo menos expressamente, um prazo para
a prescrição das faltas disciplinares. Sem embargo, se considerarmos que a própria
Constituição Federal estabelece a prescritibilidade das sanções penais como regra,
excepcionando-a tão somente em relação à prática do racismo (art. 5o, XLII), e à
ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático (art. 5o, XLIV), seria no mínimo desarrazoado admitir que as faltas
disciplinares não estariam sujeitas à prescrição, sobretudo por serem elas um minus
em relação às infrações penais.
E nem se diga que penalidades administrativas não estariam sujeitas à prescri­
ção. Ora, se ao tratar do processo disciplinar destinado a apurar a responsabilidade
de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, a própria Lei
n. 8.112/9084 prevê expressamente que a ação disciplinar prescreverá em prazos di­
versos, a depender da gravidade da sanção, por que não se admitir a mesma lógica
em relação às sanções disciplinares no âmbito da Execução Penal?
Firmada a premissa de que a punição pelas faltas disciplinares também está
sujeita à prescrição, discute-se o critério a ser utilizado. Prevalece o entendimento
de que, diante da omissão da Lei de Execução Penal acerca do assunto, devem ser
aplicadas, por analogia, as regras da prescrição previstas no Código Penal. Por con­
sequência, há de ser utilizado o menor lapso temporal ali previsto. Originalmente,
o art. 109, VI, do CP, previa o prazo de 2 (dois) anos para os crimes cuja pena
máxima fosse inferior a 1 (um) ano. Com a vigência da Lei n. 12.234/10 em data
de 6 de maio de 2010, todavia, esse lapso temporal foi ampliado para 3 (três) anos.
Enfim, diante da inexistência de legislação específica quanto ao prazo prescricional
para apuração de falta grave, deve ser adotado o menor lapso prescricional previsto
no art. 109 do CP, ou seja, o de 3 anos para fatos ocorridos após a entrada em vigor
da Lei n. 12.234/10 (06 de maio de 2010), ou o de 2 (dois) anos, se a falta tiver
ocorrido até essa data.85

84 Lei n. 8.112/90: "Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis
com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II - em
2 (dois) anos, quanto à suspensão; III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência. §1° O prazo
de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. §2° Os prazos de prescrição
previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crimes. §3° A aber­
tura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final
proferida pela autoridade competente. §4° Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr
a partir do dia em que cessar a interrupção.
85 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 687.570-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 14.09.2021, DJe 20.09.2021.
No mesmo contexto: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 654.281-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 15.06.2021,
DJe 23.06.2021; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 650.316-SC, Rei. Min. Felix Fischer, j. 18.05.2021, DJe 31.05.2021;
STJ, 5a Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.248.357-MS, Rei. Min. Regina Helena Costa, j. 19.11.2013, DJe
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 155

Esse prazo prescricional deverá ser aplicado inclusive em se tratando de


falta grave consubstanciada na prática de fato previsto como crime doloso (LEP,
art. 52, caput, Ia parte). Nesse caso, não se revela possível adotarmos o mesmo
prazo prescricional previsto para o crime praticado. A uma porque, como expos­
to anteriormente, o reconhecimento dessa falta grave não está condicionado ao
trânsito em julgado da sentença condenatória no processo penal instaurado para
apuração do fato (Súmula n. 526 do STJ e Tese de Repercussão Geral fixada no
tema n. 758). A duas porque, fosse isso possível, criar-se-ia um prazo prescricio­
nal diverso para a referida falta grave, na contramão da Lei de Execução Penal,
que não estabelece distinção entre essa infração disciplinar e outras igualmente
consideradas de natureza grave, para as quais prevê, genericamente, as mesmas
sanções e consequências jurídicas.
Cuida-se, a prescrição das faltas disciplinares, de matéria que não pode ser
regulada pelo legislador estadual. Explica-se: por mais que a Constituição Federal
estabeleça a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre
direito penitenciário (art. 24, I), se acaso a legislação local estabelecesse prazos
diversos para regular a perda do direito disciplinar, estaria, por vias transversas,
legislando sobre Direito Penal, já que a prescrição das sanções disciplinares tem o
condão de afastar diversos efeitos decorrentes da falta disciplinar (v.g., regressão de
regime, perda da remição etc.). Ou seja, a legislação estadual não estaria se limitando
a suplementar a lei federal, mas sim implicando indevida limitação à aplicação da
Lei de Execução Penal.86
A prescrição das faltas disciplinares deverá acarretar não apenas a perda do
direito do Estado de impor ao preso as sanções correspondentes previstas em lei,
mas também, no caso das faltas graves, de outras consequências igualmente sancio-
natórias, como, por exemplo, a regressão de regime (LEP, art. 118, I), a revogação
do direito de saída temporária, a perda da remição (LEP, art. 127) etc.
Pelo menos em regra, a prescrição deverá começar a fluir do dia em que se
consumar a falta disciplinar, à semelhança do que o Código Penal prevê em relação
às infrações penais (art. 111,1). Especial atenção, todavia, deve ser dispensada à fuga
(LEP, art. 50, II), que configura falta grave de natureza permanente, porquanto o
ato de indisciplina se prolonga no tempo, até a recaptura do apenado.87 Por conse­
quência, o marco inicial da prescrição para apuração da falta grave nesse caso é o
dia da recaptura do foragido.88

25.11.2013; STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.414.267-MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 05.11.2013, DJe
25.11.2013.
86 No sentido de que normas penitenciárias não têm o condão de regular a perda do direito disciplinar, pois
compete privativamente à União legislar sobre o assunto: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 654.281-SP, Rei. Min.
Rogério Schietti Cruz, j. 15.06.2021, DJe 23.06.2021.
87 STJ, 5a Turma, HC 527.625-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 12.11.2019, DJe 26.11.2019; STJ, 6a
Turma, AgRg no REsp 1.781.494-CE, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 05.11.2019, DJe 11.11.2019.
88 STJ, 5a Turma, HC 527.625-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 12.11.2019, DJe 26.11.2019; STJ, 6a
Turma, AgRg no REsp 1.781.494-CE, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 05.11.2019, DJe 11.11.2019; STJ, 5a Turma,
HC 490.653-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 26.03.2019, DJe 08.04.2019.
156 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.6. Sanções disciplinares


Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal
ou regulamentar. É nesse sentido o teor do art. 45, caput, da Lei de Execução Penal.
De modo a concretizar esse regramento, evitando-se, assim, o arbítrio e a aplicação
de penas que possam atingir a integridade física ou moral do condenado (ou preso
cautelar), o art. 53 do mesmo diploma normativo elenca, na sequência, as sanções
passíveis de aplicação em relação àquele que cometeu falta disciplinar. Cuida-se de
rol taxativo, que não pode ser interpretado extensivamente, sob pena de manifesta
violação ao princípio da legalidade.
Dada a necessidade de a sanção ser aplicada em consonância com os princípios
da individualização da pena e da proporcionalidade, o art. 57 da Lei de Execução
Penal prevê que, na sua imposição, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos,
as circunstâncias e as consequências do fato bem como a pessoa do faltoso e seu
tempo de prisão. Como se pode notar, o dispositivo assemelha-se, em certo ponto,
ao art. 59 do Código Penal, que cuida das circunstâncias judiciais a serem sopesadas
pelo juiz do processo de conhecimento por ocasião da Ia fase do cálculo da pena,
elencando, assim, verdadeiras circunstâncias que devem ser sopesadas pela autori­
dade (administrativa ou judiciária) de modo a aplicar uma sanção proporcional e
individualizada.
Interessante notar que, ao elencar as sanções disciplinares, o art. 53 da LEP não
restringe sua aplicação exclusivamente ao condenado à pena privativa de liberdade.
Logo, à exceção daquelas sanções de aplicação inviável para alguém que está em
liberdade - suspensão ou restrição de direitos, isolamento na própria cela e regime
disciplinar diferenciado -, não se pode descartar a possibilidade de aplicação das
outras duas sanções (advertência verbal e repreensão) ao condenado que venha a
descumprir pena restritiva de direito que lhe foi imposta. Diante do disposto no
art. 48, caput, da LEP, segundo o qual, na execução das penas restritivas de direi­
tos, o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver
sujeito o condenado, recairá sobre esta autoridade a competência para se impor tais
penalidades, conquanto se trate de faltas leves ou médias. No caso de falta grave,
aplica-se o art. 48, parágrafo único, da LEP, que determina que, nesse caso, a auto­
ridade administrativa a que estiver sujeito o condenado deverá representar ao Juiz
da Execução para fins de possível reconversão em pena privativa de liberdade (LEP,
art. 181, §1°, “d”, §§2° e 3o).89
Nada diz a Lei de Execução Penal acerca do concurso de faltas disciplinares.
Logo, na eventualidade de o condenado, mediante duas ou mais ações, praticar
duas ou mais transgressões disciplinares, devem ser aplicadas as sanções previstas
isoladamente para cada uma delas, e, pelo princípio geral, serem elas executadas na
forma progressiva se não for possível a execução simultânea. Noutro giro, na hipótese
de um único fato constituir, em tese, duas faltas disciplinares, deverá ser aplicada
uma única sanção, in casu, a mais grave, sob pena de indevida dupla punição por
um só fato (ne bis in idem).

89 Com esse entendimento: MIRABETE. Op. cit. p. 159.


Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 157

Vejamos, então, as sanções disciplinares previstas no art. 53 da Lei de Execução


Penal, passíveis de aplicação sempre de maneira alternativa, e não cumulativa:
I - advertência verbal: deve ser compreendida como uma espécie de censura
de caráter educativo feita oralmente ao condenado (ou preso cautelar), na qual
este deve ser advertido da gravidade da falta por ele cometida, e das consequências
gravosas que a reiteração de comportamentos dessa natureza pode produzir em re­
lação à execução da sua pena. Diferencia-se da repreensão por ser feita oralmente, e
não por escrito, porém ambas devem ficar constando do prontuário do condenado
para ter seu peso na avaliação do comportamento e mérito do sentenciado para
a concessão de futuros benefícios prisionais (v.g., progressão de regimes). Por se
tratar da sanção menos severa do rol do art. 53 da LEP, a advertência verbal deve
ser cominada e aplicada às faltas disciplinares de menor importância. A título de
exemplo, o Regulamento Penitenciário Federal (Decreto n. 6.049/07) dispõe, em
seu art. 46, §1°, que a advertência verbal é punição de caráter educativo, aplicável
às infrações de natureza leve. Cuida-se de espécie de sanção disciplinar passível de
aplicação pelo próprio diretor do estabelecimento prisional, que deverá fazê-lo de
maneira fundamentada (LEP, art. 54, caput).
II - repreensão: intrinsicamente, a repreensão não se diferencia da advertência
verbal, consistindo numa espécie de admoestação ao condenado pela falta disciplinar.
Deverá ser feita, todavia, por escrito, aspecto que a distingue da advertência verbal,
sendo reservada, ademais, para as faltas disciplinares de maior gravidade (faltas
medidas), ou para aquele que reincidir em infrações de natureza leve. A título de
exemplo, consoante disposto no art. 46, §2°, do Regulamento Penitenciário Federal
(Decreto n. 6.049/07), a repreensão é sanção disciplinar revestida de maior rigor no
aspecto educativo, aplicável em casos de infração de natureza média, bem como aos
reincidentes de infração de natureza leve. À semelhança da advertência, a repreensão
também pode ser aplicada por ato motivado do diretor do estabelecimento prisional
(LEP, art. 54, caput), é dizer, não há necessidade de intervenção do Poder Judiciário;
III - suspensão ou restrição de direitos: levando-se em consideração que o
art. 53, III, da LEP, faz referência expressa ao art. 41, parágrafo único, do mesmo
diploma normativo, e que este, por sua vez, dispõe que os direitos previstos nos
incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do
diretor do estabelecimento, conclui-se que poderão, então, ser objeto de suspensão
(ou restrição), a título de sanção disciplinar, o direito de proporcionalidade na dis­
tribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação, o direito de visita do
cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, e o direito
de contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e
de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
Cuida-se de espécie de sanção reservada para as faltas disciplinares graves (LEP,
art. 57, parágrafo único), e passível de aplicação por ato motivado do diretor do
estabelecimento (LEP, art. 54, caput). Dada a maior gravidade dessa sanção, visto
que o condenado fica, grosso modo, privado do contato com o mundo exterior, a
própria Lei de Execução Penal prevê que a suspensão (ou restrição) de direitos não
poderá exceder a 30 (trinta) dias, salvo quando for utilizada como consequência da
inclusão do condenado no Regime Disciplinar Diferenciado (art. 58, caput);
158 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabeleci­


mentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no art. 88 da
LEP: essa sanção traz implícita, à evidência, a proibição de recebimento de visitas,
de comunicações com o exterior, de recreação etc. Esse isolamento, que restringe
a liberdade de locomoção e alguns dos direitos do preso, poderá traduzir-se em
relativa incomunicabilidade do condenado (ou preso cautelar), exceto no que diz
respeito às exceções legais, a exemplo do que ocorre com o advogado. Diante da
vedação do encarceramento em cela escura (LEP, art. 44, §2°), a presente sanção
deve ser compreendida como o isolamento na própria cela quando o condenado
está ali recolhido, ou em outro local adequado, que também pode ser uma cela
individual, quando estiver recolhido a alojamento coletivo. Levando-se em consi­
deração a referência expressa no art. 53, IV, da LEP, ao art. 88 do mesmo diploma
normativo, infere-se que a cela em questão deverá dispor de dormitório, aparelho
sanitário e lavatório, além de condições salubres e área mínima de seis metros
quadrados. À semelhança da sanção anterior - suspensão ou restrição de direitos
-, o isolamento deve ser reservado para as faltas disciplinares graves (LEP, art.
57, parágrafo único), e também tem o prazo máximo de 30 dias, salvo quando
imposto como consequência da inclusão do condenado no RDD (LEP, art. 58,
caput). Diferencia-se, todavia, daquela, pelo fato de que a Lei de Execução Penal
determina expressamente que o isolamento será sempre comunicado ao Juiz da
Execução (art. 58, parágrafo único);
V - inclusão no regime disciplinar diferenciado:90 como espécie de sanção
disciplinar, o regime disciplinar diferenciado, introduzido na Lei de Execução Penal
pela Lei n. 10.792/03, não poderá ser aplicado a qualquer das faltas graves previstas
no art. 50 (v.g., provocação de acidente de trabalho), mas exclusivamente em relação
àquele condenado (ou preso cautelar) que praticar fato previsto como crime doloso
capaz de ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas (LEP, art. 52, caput).
Isso sem contar na possibilidade de utilização do RDD como verdadeira medida
cautelar (RDD cautelar), e não mais como espécie de sanção disciplinar, aplicável
aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros que apresentem
alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade,
ou sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a
qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada,
independentemente da prática de falta grave (LEP, art. 52, §1°, incisos I e II, com
redação dada pela Lei n. 13.964/19). Em ambas as hipóteses - RDD punitivo e
RDD cautelar -, sua aplicação só poderá ser determinada pela autoridade judiciária
competente, de maneira devidamente fundamentada (LEP, art. 54, caput, in fine).

3.7. Demais consequências legais decorrentes do cometimento de falta


grave além da imposição da sanção administrativa
Como exposto anteriormente, à luz do art. 57, parágrafo único, da LEP, a
falta disciplinar de natureza grave pode dar ensejo à aplicação das seguintes san­

90 O regime disciplinar diferenciado será objeto de análise na sequência.


Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 159

ções disciplinares: suspensão ou restrição de direitos, isolamento na própria cela


e inclusão no regime disciplinar diferenciado. Daí, todavia, não se pode concluir
que não há outras consequências legais decorrentes do cometimento de uma fal­
ta disciplinar dessa natureza. Com efeito, para além da possibilidade de a falta
grave vir a ser utilizada a fim de verificar o cumprimento do requisito subjetivo
necessário para a concessão de diversos benefícios da execução penal,91 há outras
consequências legais decorrentes do cometimento dessa espécie de transgressão
disciplinar, senão vejamos:
1. Interrupção do prazo para a obtenção da progressão: consoante dis­
posto no art. 112, §6°, da Lei de Execução Penal, incluído pela Lei n. 13.964/19,
o cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade
interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da
pena, caso em que o reinicio da contagem do requisito objetivo terá como base
a pena remanescente;92
2. Regressão de regime: consoante disposto no art. 118, inciso I, da LEP,
a execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com
a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado
praticar fato definido como crime doloso ou falta grave.93 A propósito, é firme o
entendimento jurisprudencial no sentido de que o cometimento de falta grave du­
rante a execução penal autoriza a regressão do regime de cumprimento da pena,
mesmo que seja estabelecido de forma mais gravosa do que o fixado na sentença
condenatória, sem que se possa objetar suposta violação à coisa julgada.94 A prática
de falta grave durante a execução penal também permite a regressão de regime de
pena per saltum, sendo desnecessária a observância da forma progressiva estabelecida
no art. 112 da mesma lei;95
3. Revogação da saída temporária: de acordo com o art. 125 da LEP, o be­
nefício de saída temporária será automaticamente revogado quando o condenado
praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as
condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

91 Com esse entendimento: STJ, 5aTurma, HC 554.833/SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 03.03.2020, Dje 16.03.2020;
STJ, 6a Turma, AgRg no HC 552.895/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 18.02.2020, Dje 26.02.2020; STJ,
5a Turma, HC 487.885/MG, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 07.02.2019, DJe 15.02.2019.
92 Nessa linha: STJ, 5a Turma, HC 222.791/SP, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 12.11.2013, DJe 20.11.2013; STJ, 6a
Turma, HC 271.517/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 07.11.2013, DJe 21.11.2013; STJ, 6a Turma, HC
274.397/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.10.2013, DJe 05.11.2013.
93 No sentido de que o cometimento de falta grave enseja a regressão para regime de cumprimento de pena
mais gravoso: STJ, 6a Turma, HC 259.417/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 12.11.2013, DJe 29.11.2013;
STJ, 5a Turma, HC 230.659/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 05.11.2013, DJe 19.11.2013.
94 STJ, 5a Turma, AgRg no Resp 1.778.649/PA, Rei. Min. Ribeiro DAntas, j. 18.02.2020, DJe 28.02.2020; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 525.652/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19.11.2019, DJe 05.12.2019; STJ, 6a Turma, AgRg
no REsp 1.789.438/RO, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 06.08.2019, DJe 13.08.2019; STJ, 6a Turma, AgRg
no REsp 1.743.956/RO, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 27.11.2018, DJe 06.12.2018.
95 STJ, 5aTurma, AgRg no REsp 1.773.347/RO, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 27.11.2018, DJe 10.12.2018;
STJ, 6a Turma, AgRg no HC 471.732/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 18.10.2018, DJe 08.11.2018; STJ,
6a Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1,703.504/RO, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.05.2018, DJe
04.06.2018; STJ, 6a Turma, Aglnt no REsp 1,632.060/MS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 08.05.2018, DJe 21.05.2018.
160 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Outrossim, considerando-se que a autorização de saída temporária depende, dentre


outros requisitos, da verificação do comportamento adequado do condenado (LEP,
art. 123,1), é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que o cometimento de
falta grave é motivo idôneo para o indeferimento do benefício da saída temporária,
por ausência de preenchimento do requisito subjetivo;96
4. Revogação da remição: o art. 127 da Lei de Execução Penal, com redação
dada pela Lei n. 12.433/11, dispõe que, em caso de falta grave, o juiz poderá revogar
1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a
contagem a partir da data da infração disciplinar. A propósito, convém lembrar que,
desde o advento da Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011, o cometimento de falta
grave não mais enseja a perda da totalidade do tempo remido, devendo se limitar
ao patamar de 1/3, cabendo ao juízo das execuções penais dimensionar o quantum,
segundo os critérios do art. 57 da LEP.97 Aos olhos da jurisprudência, o cometi­
mento de falta de natureza especialmente grave constitui fundamento idôneo para
decretação de perda dos dias remidos na fração legal máxima de 1/3 (um terço);98
5. Indulto e comutação de penas: na visão dos Tribunais Superiores, a prática de
falta grave não interrompe o prazo para aquisição do indulto e da comutação, salvo
se houver expressa previsão a respeito no decreto concessivo dos benefícios.99 Aliás,
havendo previsão expressa no respectivo decreto, entende-se que a falta disciplinar
de natureza grave praticada no período estabelecido pelo decreto presidencial que
trata de benefícios executórios impede a concessão de indulto ou comutação de pena,
ainda que a penalidade tenha sido homologada após a publicação das normas.100
6. Trabalho externo: de acordo com o art. 37, caput, da LEP, a prestação de
trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de
aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um
sexto) da pena. Como a observância da disciplina é um dos critérios legais indis­
pensáveis para tal autorização, é firme a jurisprudência no sentido de que a falta
grave disciplinar deve ser sopesada pelo órgão jurisdicional na análise do requisito
subjetivo para fins de concessão de trabalho externo, nos termos do art. 37 da LEP.101
Tanto é verdade que a falta grave interfere na concessão do benefício que o próprio

96 STJ, 5a Turma, HC 514.230-RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 17.09.2019, Dje 24.09.2019; STJ, 5a Turma, HC
487.885-MG, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 07.02.2019, Dje 15.02.2019.
97 STJ, 6a Turma, HC 259.417/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 12.11.2013, Dje 29.11.2013; STJ, 6a Turma,
HC 262.572/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12.11.2013, DJe 28.11.2013; STJ, 5a Turma, HC
230.659/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 05.11.2013, DJe 19.11.2013.
98 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 550.207/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.02.2020, DJe 28.02.2020;
STJ, 5a Turma, HC 487.886/MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 07.02.2019, DJe 19.02.2019; STJ, 5a Turma, HC
328.236/RS, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 07.06.2016, DJe 13.06.2016.
99 STJ, 5a Turma, HC 238.733/SP, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 17.12.2013, DJe 03.02.2014; STJ, 3a Seção, AgRg
nos EREsp 1.238.180/SP, Rei. Min. Regina Helena Costa, j. 27.11.2013, DJe 09.12.2013; STJ, 6a Turma, HC
194.573/SP, Rei. Min. Assusete Magalhães, j. 21.11.2013, DJe 19.12.2013.
100 STJ, 5a Turma, HC 496.728/RS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 09.04.2019, DJe 06.05.2019; STJ, 5a
Turma, AgRg no AREsp 1.374.816/ES, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 07.02.2019, DJe 15.02.2019; STJ, 3a Seção,
EREsp 1.477.886/RS, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 08.08.2018, DJe 17.08.2018.
101. STJ, 6a Turma, AgRg no Resp 1.659.676-RS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 12.12.2017, DJe 19.12.2017;
STJ, 6a Turma, Aglnt no AREsp 881.688-RS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 27.06.2017, DJe 01.08.2017.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 161

parágrafo único do art. 37 dispõe que a autorização de trabalho externo deverá ser
revogada se o preso for punido por falta grave.

3.8. Recompensas
Se as sanções exercem papel fundamental para dissuadir o condenado de pra­
ticar faltas leves, médias ou graves, preservando-se, assim, a disciplina no âmbito
carcerário, igual relevância há de ser conferida às recompensas, que funcionam, em
sentido diverso, como verdadeiro prêmio ao condenado que apresenta um bom
comportamento prisional, nitidamente direcionado à ressocialização.
É dentro desse contexto que o art. 55 da Lei de Execução Penal prevê que as
recompensas têm em vista o bom comportamento reconhecido em favor do condenado,
de sua colaboração com a disciplina e de sua dedicação ao trabalho. Com raciocínio
semelhante, a Lei n. 10.792/03 dispõe em seu art. 5o, inciso V, que os Estados e o
Distrito Federal poderão regulamentar o regime disciplinar diferenciado, em espe­
cial para elaborar programa de atendimento diferenciado aos presos provisórios e
condenados, visando a sua reintegração ao regime comum e recompensando-lhes o
bom comportamento durante o período de sanção disciplinar.
A Lei de Execução Penal não prevê, expressamente, os fatos meritórios que
poderão dar ensejo à concessão das recompensas, diferenciando-se, nesse ponto,
da previsão legal do rol taxativo de faltas graves do condenado à pena privativa
de liberdade (art. 50, incisos I a VIII). A doutrina102 sugere, então, que, diante
das especificidades de cada estabelecimento prisional, sejam os fatos meritórios
aferidos a partir da reiterada e correta posição do condenado diante da discipli­
na e do trabalho, assim como de ótimo aprendizado na escola (ou na oficina), e
da colaboração com os funcionários, do excelente asseio na cela etc., sempre se
lembrando que a recompensa deve ser compreendida como um ato de justiça, e
não um mero favor pessoal.
De acordo com o art. 56 da Lei de Execução Penal, são recompensas:
I - elogio: cuida-se de espécie de distinção, reconhecendo-se a boa conduta
do apenado nos diversos setores de atividades por ele desenvolvidas (v.g., estudo,
trabalho, disciplina etc.). Deve ser concedido verbalmente e constar do prontuário do
condenado, o que certamente lhe será extremamente útil mais adiante na obtenção
de benefícios prisionais;
II - concessão de regalias: por se tratar de recompensa decorrente do bom
comportamento carcerário do condenado, tais regalias devem ir além dos direitos já
assegurados ao preso no art. 41 da LEP. Há de se tratar, portanto, de um plus com
referência aos demais presos que não fizeram por merecer semelhantes prêmios.
De modo a se evitar qualquer tipo de discricionariedade na sua concessão, o art.
56, parágrafo único, da LEP, prevê que a legislação local e os regulamentos deverão

102 MIRABETE. Op. cit. p. 161.


162 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

estabelecer a natureza e a forma de concessão de regalias. A título de exemplo, de


acordo com o art. 31 do Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do
Estado de São Paulo (Resolução SAP n. 144/10), constituem regalias, concedidas ao
preso que apresente bom comportamento carcerário, desde que atendam aos critérios
socioeducativos da execução da pena: I - receber bens de consumo e patrimoniais,
de qualidade, quantidade e embalagem permitidas pela administração, trazidos por
visitantes constantes no rol de visitas; II - assistir a sessões de cinema, teatro, jogos
esportivos, shows e outras atividades socioculturais, em épocas especiais, a critério do
diretor da unidade prisional; III - participar de atividades coletivas, além da escola
e do trabalho, em horário mais flexível; IV - participar de exposições de trabalho,
de pintura e outros, que digam respeito às suas atividades; V - concorrer em fes­
tivais e outros eventos; VI - praticar esportes em áreas específicas; VII - receber
visitas além das previstas neste Regimento, devidamente autorizadas pelo diretor
da unidade prisional.

3.9. Procedimento administrativo disciplinar


As diversas sanções disciplinares previstas na Lei de Execução Penal devem ser
aplicadas com toda a celeridade possível, sem o que certamente ficaria comprometida
a própria eficácia da punição e anulados seus efeitos preventivos e ressocializadores.
Não por outro motivo, o art. 59, caput, da LEP, é categórico ao afirmar: “Praticada a
falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme
regulamento, assegurado o direito de defesa”.
Daí, todavia, não se pode concluir que o procedimento em questão, instaurado
no âmbito da casa prisional, possa ser levado adiante ao arrepio de direitos e garan­
tias fundamentais. Prova disso é que o próprio art. 59 da LEP é expresso ao fazer
referência ao direito de defesa (caput), dispondo, ademais, que a decisão deverá ser
motivada (parágrafo único). Caberá, portanto, à legislação estadual prever o devido
processamento, podendo estabelecer ritos diversos quanto à natureza da falta ou
das sanções aplicáveis ao fato, conquanto respeitada a ampla defesa e a exigência
de decisão motivada, entre outros princípios constitucionais.
Como exposto anteriormente, a aplicação das sanções disciplinares previstas
nos inciso I a IV do art. 53 - advertência verbal, repreensão, suspensão (ou restri­
ção) de direitos e isolamento - são da competência do diretor do estabelecimento
prisional, ao passo que a inclusão no regime disciplinar diferenciado como espécie
de sanção disciplinar - RDD punitivo (LEP, art. 52, caput) - está condicionada à
decisão fundamentada do juiz competente. Observado o devido procedimento legal,
é correto afirmar que, nas hipóteses em que a Lei de Execução Penal outorga ao
diretor do estabelecimento a competência para aplicação das respectivas sanções
(LEP, art. 54, caput, Ia parte), não se justifica a instauração de novo procedimento,
agora judicial, destinado à apuração da mesma falta. Conquanto a falta disciplinar
de natureza grave, além da imposição da sanção administrativa, tenha o condão
de acarretar outras consequências legais, como, por exemplo, a regressão de re­
gime (LEP, art. 118, I) e perda do direito à remição (LEP, art. 127), que devem
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 163

ser declaradas judicialmente, fato é que a Lei de Execução Penal não prevê, pelo
menos para fins de aplicação da respectiva sanção disciplinar (v.g., suspensão
ou restrição de direitos), a necessidade de uma decisão judicial homologatória
de todo e qualquer procedimento administrativo do qual resulte a imposição de
uma penalidade administrativa dessa natureza. É dizer, uma coisa é a aplicação
da respectiva sanção disciplinar pela autoridade administrativa no exercício do
seu poder disciplinar (LEP, art. 47), outra coisa é a necessidade de tal autoridade
representar ao Juízo da Execução com vista à revogação de benefícios (LEP, art.
48, parágrafo único).
Isso, porém, não significa dizer que o condenado (ou preso cautelar) não possa
se insurgir contra a sanção disciplinar que lhe foi imposta pela autoridade admi­
nistrativa. Ora, se a própria Lei de Execução Penal assegura ao preso o direito de
representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito (art. 41, XIV),
e se o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5o, XXXV)
prevê que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito, não se pode admitir que o condenado seja privado do direito de ingressar
em juízo para discutir aspectos relativos à legalidade do procedimento administrativo
disciplinar. Destarte, se compete ao Juiz da Execução zelar pelo correto cumpri­
mento da pena e da medida de segurança (LEP, art. 66, VI), é certo afirmar que o
Poder Judiciário está autorizado a desconstituir toda e qualquer decisão proferida
no procedimento administrativo disciplinar, sempre que restar evidenciado algum
tipo de ilegalidade ou abuso de poder, a exemplo do que ocorre no caso de falta de
motivação da decisão, inobservância do direito de defesa, etc. Esse controle poderá
ser exercido pelo Juiz da Execução de ofício, por provocação do Ministério Público,
do condenado ou de seu defensor, ou, ainda, de qualquer dos legitimados a suscitar
incidente de excesso ou desvio de execução (LEP, art. 186).103
À possibilidade de controle da legalidade do procedimento administrativo disci­
plinar pelo Poder Judiciário se contrapõe a impossibilidade de controle jurisdicional
de aspectos que tangenciam a conveniência e oportunidade dos atos administrati­
vos, leia-se, o mérito dos atos discricionários. É dizer, ao Juízo da Execução não
é dada a possibilidade de proceder à revisão do mérito da decisão administrativa
para fazer prevalecer a sua apreciação subjetiva e a sua convicção pessoal sobre os
juízos valorativos que foram formulados pelo diretor do estabelecimento prisional
dentro dos limites de discricionariedade fixados pela lei. Isso, todavia, não impede o
magistrado de averiguar os fatos e as provas produzidas no curso do procedimento
administrativo disciplinar de modo a verificar a ocorrência de possível desvio ou
abuso de autoridade no julgamento da falta disciplinar, hipótese em que poderá des­
constituir a decisão administrativa que reconheceu a falta grave. A título de exemplo,
se ao Juízo da Execução se defere a possibilidade de declarar a nulidade de sanção

103 No sentido de que a decisão proferida pela autoridade administrativa prisional em processo administrativo
disciplinar (PAD) que apura o cometimento de falta grave disciplinar no âmbito da execução penal é ato
administrativo, portanto, passível de controle de legalidade pelo Poder Judiciário: STJ, 5a Turma, AgRg no
AREsp 1.439.580-SP, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 15.10.2019, DJe 28.10.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no REsp
1.813.064-MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 25.06.2019, DJe 01.08.2019; STJ, 6a Turma, AgRg no HC 471.732-SP,
Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 18.10.2018, DJe 08.11.2018.
164 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

disciplinar de isolamento que perdura por prazo maior que 30 (trinta) dias, dada
a sua manifesta ilegalidade à luz do art. 58, caput, da LEP, o mesmo não se pode
dizer em relação à hipótese em que o magistrado considerar por demais rigorosa
a sanção imposta pelo diretor do estabelecimento prisional, sob pena de indevida
análise do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário.
Superada tal questão, é possível afirmar que, uma vez concluído o procedi­
mento administrativo disciplinar instaurado no âmbito da casa prisional de modo
a aplicar uma das sanções previstas no art. 53, I, II, III e IV, as seguintes situações
poderão ocorrer:104
i. Não reconhecimento da falta disciplinar ou negativa de autoria: se o pro­
cedimento administrativo disciplinar chegar à conclusão de que não houve a falta
disciplinar ou que o condenado a quem fora imputada a infração não a cometeu,
nenhuma sanção disciplinar poderá ser imposta, aplicando-se, por analogia, o dis­
posto no art. 386, inciso I, II, IV, V e VII do Código de Processo Penal;
ii. Reconhecimento da prática de falta disciplinar de natureza leve ou média:
em tal hipótese, caberá ao diretor do estabelecimento prisional, à luz dos arts. 47 e
54, caput, da LEP, no exercício de seu poder disciplinar, determinar a aplicação da
sanção cabível, qual seja, a advertência verbal ou a repreensão, eis que as demais
sanções previstas no art. 53 tem aplicação restrita às infrações de natureza grave
(LEP, art. 57, parágrafo único);
iii. Reconhecimento da prática de falta disciplinar de natureza grave: a depender
do caso concreto, as consequências serão diversas. Vejamos: a. Na eventualidade de
o diretor da casa prisional concluir que a sanção adequada é a suspensão ou restri­
ção de direitos ou o isolamento em cela individual, poderá, desde já, determinar a
sua aplicação, ex vi do art. 54, caput, Ia parte, da LEP. Deverá, ademais, representar
perante o Juízo da Execução Penal para fins de aplicação das demais consequências
decorrentes da prática de falta grave, como, por exemplo, a regressão de regime (LEP,
art. 118, I), a revogação de saídas temporárias (LEP, art. 125) e a perda de dias re­
midos (LEP, art. 127); b. Se, todavia, o Diretor do Estabelecimento prisional concluir
que houve a prática de fato previsto como crime doloso que ocasionou subversão da
ordem ou disciplina internas, diante da sua incompetência para determinar a inclu­
são do condenado no regime disciplinar diferenciado (LEP, art. 54, caput, in fine),
deverá encaminhar ao Juízo da Execução requerimento circunstanciado solicitando
a inclusão do preso no RDD, nos termos do art. 54, §1°, da LEP, hipótese em que,
pelo menos em regra, a decisão judicial deverá ser precedida de manifestação do
Ministério Público e da Defesa no prazo máximo de 15 dias. Em conclusão, convém
destacar que, aos olhos dos Tribunais Superiores, quando não houver regressão de
regime prisional, é dispensável a realização de audiência de justificação no proce­
dimento administrativo disciplinar para apuração de falta grave.105

104 Avena. Op. cit. p. 103.


105 STJ, 6a Turma, Aglnt no HC 532.846-SC, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 03.12.2019, DJe 09.12.2019; STJ, 5a Turma,
AgRg no REsp 1,827.686-MS, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 17.09.2019, DJe 23.09.2019; STJ, 6a Turma, AgRg
no REsp 1.809.333-MS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10.09.2019, DJe 19.09.2019.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 165

3.9.1. Ampla defesa e obrigatoriedade de defesa técnica


Dispondo a Constituição Federal que, aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5o, inciso LV), dúvidas não
restam quanto à plena aplicação do direito de defesa e do contraditório no âmbito
do processo administrativo disciplinar.
Questiona-se, todavia, se seria necessária a atuação de advogado no procedi­
mento administrativo disciplinar, tal qual se faz necessário, por exemplo, em um
processo judicial (CPP, art. 261, caput). Acerca do assunto, o Superior Tribunal
de Justiça chegou a editar a súmula n. 343: “É obrigatória a presença de advoga­
do em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. Ocorre que, após a
edição do referido verbete sumular, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se no
sentido de que, em relação às punições disciplinares, o exercício da ampla defesa
abrange: a. direito de informação sobre o objeto do processo, por força do qual
o órgão julgador é obrigado a informar à parte contrária os atos praticados no
processo e os elementos dele constantes; b. direito de manifestação: assegura ao
defendente a possibilidade de se manifestar oralmente ou por escrito sobre os ele­
mentos fáticos e jurídicos contidos no processo; c. direito de ver seus argumentos
contemplados pelo órgão incumbido de julgar: exige do julgador capacidade de
apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas. Todavia,
concluiu a Suprema Corte que não se faz necessária a presença de advogado no
processo administrativo disciplinar. Exatamente em virtude dessa conclusão, foi
firmado pelo Supremo Tribunal Federal o enunciado da Súmula Vinculante n.
5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar
não ofende a Constituição”.106 Diante da edição da súmula vinculante n. 5, a Ia
Seção do Superior Tribunal de Justiça deliberou por cancelar o enunciado da
súmula n. 343.
Esse entendimento consubstanciado na súmula vinculante n. 5, todavia, não é
aplicável à execução penal,107 haja vista a repercussão que eventual decisão proferida
no âmbito do procedimento administrativo disciplinar terá em relação à liberdade de
locomoção do condenado. Ora, da leitura do disposto no art. 59 da Lei de Execução
Penal resta clara a opção do legislador em determinar que a apuração de falta grave
se dê mediante a instauração de procedimento específico, qual seja, procedimento
administrativo disciplinar (PAD), indispensável para se verificar a configuração da
falta grave, sob pena de se ter a produção unilateral de provas, o que, num Estado
democrático de direito, soa de todo desarrazoado. Na audiência realizada no curso
desse PAD, o apenado deverá ser obrigatoriamente assistido por defesa técnica legal­

106 STF, Pleno, RE 434.059/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 07/05/2008, DJe 172 11/09/2008.
107 Em sentido diverso, Nucci (Op. cit. p. 488) sustenta que não há necessidade de defesa técnica no curso do
procedimento administrativo disciplinar, sobretudo para não burocratizar e emperrar o PAD, que necessita
ser célere para a garantia da ordem e disciplina internas do estabelecimento penal.
166 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

mente constituída - advogado devidamente inscrito nos quadros da OAB ou Defensor


Público sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

3.9.2. (In) dispensabilidade da instauração de procedimento administrativo


disciplinar para apuração da falta grave, assegurando-se o direito de
defesa por advogado constituído ou defensor público nomeado
A instauração de procedimento administrativo disciplinar, indispensável para
se verificar a configuração de eventual falta grave, deve necessariamente preceder a
aplicação da respectiva sanção disciplinar, e esta deve ser feita pelo Administrador
do Presídio, pelo menos em regra.108 Ao juiz da Vara das Execuções Criminais não
é dado exercer o poder disciplinar de modo supletivo nem aplicar sanções judiciais
ou legais com base em falta grave não reconhecida pela forma prevista em lei, com
violação de garantias constitucionais. A sanção disciplinar constitui ato administrativo
vinculado, indispensavelmente precedido de procedimento administrativo em que
deve ser garantido o direito de defesa.
Os arts. 47 e 48 da LEP estabelecem que o poder disciplinar, na execução
da pena privativa de liberdade, bem como na restritiva de direitos, será exerci­
do pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado. Assim, no
âmbito da execução penal, a atribuição de apurar a conduta faltosa do detento,
assim como realizar a subsunção do fato à norma legal, ou seja, verificar se a
conduta corresponde à uma falta leve, média ou grave, é do diretor do presídio,
em razão de ser ele o detentor do poder disciplinar, conforme disposto nos
aludidos dispositivos legais. Logo, a aplicação de eventual sanção disciplinar
também será da atribuição do diretor do estabelecimento prisional, o qual deverá
observar a regra do art. 57, caput, da LEP, corolário do princípio constitucional
da individualização da pena.
Corroborando esse entendimento, o art. 54 da LEP é claro ao estabelecer
que as sanções dos incisos I a IV do art 53, quais sejam, advertência verbal, re­
preensão, suspensão ou restrição de direitos e isolamento na própria cela, ou em
local adequado, serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento.
Saliente-se que, embora a decisão acerca da inclusão em regime disciplinar dife­
renciado seja jurisdicional (LEP, art. 53, inciso V), inserindo-se na competência
do juiz da execução, o parágrafo único do art. 54 estabelece que a autorização
de inclusão do preso nesse regime dependerá de requerimento circunstanciado
elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. O
parágrafo único do art. 57, por sua vez, dispõe que ‘nas faltas graves, aplicam-se
as sanções previstas nos incisos III a V do art. 53 desta Lei’, sendo que os incisos
III (suspensão ou restrição de direitos) e IV (isolamento na própria cela) são de
atribuição exclusiva do diretor do presídio.

108 A discussão em torno da necessidade de instauração do procedimento administrativo disciplinar no âm­


bito da casa prisional, ou se, ao contrário, seria suficiente o procedimento judicial com oitiva do apenado
perante o Juízo da Execução, será objeto de análise no próximo tópico.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 167

Não se olvida que, em razão do cometimento de falta de natureza grave, determi­


nadas consequências e sanções disciplinares são de competência do juiz da execução
penal, quais sejam, a regressão de regime (art. 118, I), a revogação de saída tempo­
rária (art. 125), a perda dos dias remidos (art. 127), e a conversão de pena restritiva
de direitos em privativa de liberdade (art. 181, § Io, d, e § 2o). Todavia, a regra geral
estabelecida na Lei de Execução Penal é que a sanção disciplinar seja aplicada pelo
diretor do estabelecimento prisional, ficando a cargo do juiz da execução apenas
algumas medidas, conforme se depreende do parágrafo único do art. 48 (“Nas faltas
graves, a autoridade representará ao juiz da execução para os fins dos artigos 118,
inciso I, 125, 127, 181, §§ Io, letra d, e 2o desta Lei”).
Veja que o dispositivo estabelece que a autoridade administrativa representará
ao juiz da execução penal para adoção das sanções disciplinares previstas nos alu­
didos artigos. Assim, antes dessa representação, o diretor do presídio deve apurar a
conduta do detento, identificá-la como falta leve, média ou grave, aplicar as medidas
sancionatórias que lhe compete, no exercício de seu poder disciplinar, e, somente após
esse procedimento, quando ficar constatada a prática de falta disciplinar de natureza
grave, comunicar ao juiz da Vara de Execuções Penais para que decida a respeito
das referidas sanções de sua competência, sem prejuízo daquelas já aplicadas pela
autoridade administrativa.
Dessa forma, constata-se que a Lei de Execução Penal não deixa dúvida ao estabe­
lecer que todo o processo’ de apuração da falta disciplinar, assim como a aplicação da
respectiva punição, é realizado dentro da unidade penitenciária, cuja responsabilidade
é do seu diretor, porquanto é quem detém o exercício do poder disciplinar. Somente
se for reconhecida a prática de falta disciplinar de natureza grave pelo diretor do
estabelecimento prisional é que será comunicado ao juiz da execução penal para que
aplique determinadas sanções, que o legislador, excepcionando a regra, entendeu por
bem conferir caráter jurisdicional.
Portanto, a competência do magistrado na execução da pena, em matéria dis­
ciplinar, revela-se limitada à aplicação de algumas sanções, podendo, ainda, quando
provocado, efetuar apenas controle de legalidade dos atos e decisões proferidas pelo
diretor do presídio, em conformidade com o princípio constitucional da inafastabili-
dade da jurisdição (CF/1988, art. 5o, inciso XXXV). No tocante à formalização dessa
sequência de atos concernentes à apuração da conduta faltosa do detento e aplicação
da respectiva sanção, o art. 59 da Lei de Execução Penal é expresso ao determinar
que: “Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para a sua
apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa”. Em seguida, o art.
60 possibilita à autoridade administrativa, na hipótese da prática de falta disciplinar,
“decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias”, ressalvando-
-se a competência do juiz da execução penal apenas para determinar a inclusão do
detento no regime disciplinar diferenciado.
Da leitura desses artigos, não resta dúvida que a Lei de Execução Penal impõe a
instauração de procedimento administrativo para apurar a prática de falta disciplinar
pelo preso, cuja responsabilidade é da autoridade administrativa, podendo, inclusive,
decretar o isolamento preventivo do sentenciado faltoso pelo prazo de 10 (dez) dias.
E mais, mesmo sendo a referida lei de execução penal do ano de 1984, portanto,
168 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

anterior à Constituição Federal de 1988, ficou devidamente assegurado o direito de


defesa do preso, que abrange não só a autodefesa, mas também a defesa técnica, a
ser realizada por profissional devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advo­
gados do Brasil ou Defensor Público. Não por outro motivo, o legislador disciplinou
expressamente nos arts. 15, 16 e 83, § 5o, da LEP, a obrigatoriedade de instalação da
Defensoria Pública nos estabelecimentos penais, a fim de assegurar a defesa técnica
daqueles que não possuírem recursos financeiros para constituir advogado.
Ademais, vale ressaltar que, não obstante a literalidade dos dispositivos da Lei
de Execução Penal que asseguram a necessidade de assistência jurídica do preso por
defensor técnico, dentro e fora do estabelecimento prisional, o direito de defesa garan­
tido ao sentenciado tem assento constitucional, mormente porque o reconhecimento
da prática de falta disciplinar de natureza grave acarreta consequências danosas que
repercutem, em última análise, em sua liberdade. É de rigor, portanto, concluirmos
que a súmula vinculante n. 5 não é aplicável à execução penal. Primeiro porque todos
os precedentes utilizados para elaboração do aludido verbete sumular são originários
de questões não penais, onde estavam em discussão procedimentos administrativos
de natureza previdenciária, fiscal, disciplinar-estatutário-militar, e tomada de contas
especial. Segundo porque, conforme mencionado, na execução da pena está em jogo a
liberdade do sentenciado, o qual se encontra em situação de extrema vulnerabilidade,
revelando-se incompreensível que ele possa exercer uma ampla defesa sem o conhe­
cimento técnico do ordenamento jurídico, não se podendo, portanto, equipará-lo ao
indivíduo que responde a processo disciplinar na esfera cível-administrativa. Logo, e
a título de exemplo, na hipótese de o Juízo das Execuções decretar a regressão de
regime de cumprimento de pena sem que o condenado seja assistido por defensor
durante procedimento administrativo disciplinar instaurado para apurar falta gra­
ve, há de se reconhecer a nulidade do feito, haja vista a violação aos princípios do
contraditório e da ampla defesa.109
Apenas a título de registro, observa-se que o Regulamento Penitenciário Fede­
ral, aprovado pelo Decreto n° 6.049, de 27 de fevereiro de 2007, que disciplina as
regras da execução da pena em estabelecimento prisional federal, seguindo a diretriz
traçada pela Lei n° 7.210/1984 (LEP), determina expressamente a obrigatoriedade de
instauração de procedimento administrativo para apuração de falta disciplinar, bem
como a imprescindibilidade da presença de advogado. Seria, portanto, um verda­
deiro contrassenso admitir que o preso que cumpre pena em estabelecimento penal
federal, regido pelo aludido Decreto, possua mais direitos e garantias - no tocante
à obrigatoriedade de instauração do PAD com a presença de defensor técnico - em
relação àquele que esteja cumprindo pena em presídio estadual. Essa situação, por
certo, não se coaduna com o ordenamento jurídico, notadamente com os dispositivos
da Constituição Federal 1988, no que concerne ao princípio da isonomia.
É nesse sentido, aliás, o enunciado da Súmula n. 533 do STJ: “Para o reconheci­
mento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a

109. Com esse entendimento: STF, 2a Turma, RE 398.269/RS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 15/12/2009, DJe 35
25/02/2010; STJ, 3a Seção, REsp 1.378.557/RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 23/10/2013, DJe 21/03/2014;
STJ, 5a Turma, HC 281.014/RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 20/02/2014, DJe 27/02/2014.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 169

instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional,


assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor
público nomeado” (Tese de Recurso Especial Repetitivo fixada no tema n. 652).110
Assim, a título de exemplo, se no processo administrativo disciplinar instaurado
para apuração de falta grave supostamente praticada no curso da execução penal
for realizada a oitiva de testemunhas sem a presença de defesa técnica exercida por
advogado, há de se reconhecer a nulidade do PAD, dada a evidente violação aos
princípios do contraditório e da ampla defesa.111

3.9.3. (In) suficiência da audiência de justificação perante o juízo da


execução para fins de homologação judicial da falta grave
Parte da doutrina (e da jurisprudência) sempre sustentou que a omissão na
instauração do procedimento administrativo disciplinar poderia ser suprida pela
posterior realização de audiência judicial de oitiva do apenado para justificativa
da falta praticada, com a devida assistência de advogado, garantindo-se, assim, o
exercício do contraditório e da ampla defesa.
Para Avena,112 por exemplo, apesar de a administração da casa prisional possuir
poder disciplinar para aplicar sanções ao preso (LEP, art. 47) diante da prática de
falta grave, também lhe cabe representar ao juízo da execução penal com vista à
revogação de benefícios (LEP, art. 48, parágrafo único). Nesse contexto, realizando
o Poder Judiciário a oitiva do preso, estando ele assistido por advogado, têm-
-se como respeitadas as garantias da ampla defesa e do contraditório, razão pela
qual não há por que se exigir a prévia instauração do PAD como condição para
o reconhecimento da falta grave e imposição das consequências daí inerentes. Em
um sistema de jurisdição una, o procedimento judicial conta com mais e maiores
garantias que o procedimento administrativo, razão pela qual o segundo pode ser
revisto judicialmente, prevalecendo a decisão judicial sobre a administrativa. Por
outro lado, em um sistema congestionado como o da Execução Penal, qualquer
atividade redundante ou puramente formal significa desvio de recursos humanos da
atividade principal do Juízo, inclusive e notadamente a de assegurar os benefícios
legais para que ninguém permaneça no cárcere por período superior à condenação.
Desse modo, a apuração de falta grave em procedimento judicial, com as ga­
rantias a ele inerentes, perante o juízo da Execução Penal, não só é compatível com

110 Paradigma: STJ, 3a Seção, REsp 1.378.557/RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 23.10.2013. No mesmo
contexto: STJ, 6a Turma, HC 175.251/RS, Rei. Min. Assusete Magalhães, j. 12.11.2013, DJe 13.12.2013.
111 Nesse contexto: STJ, 5a Turma, HC 484.815/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 11.04.2019, Dje 22.04.2019; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 444.488/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 17.05.2018, DJe 01.06.2018; STJ, 5a Turma,
AgRg no HC 444.226/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15.05.2018, DJe 24.05.2018. No sentido
de que a ausência de defesa técnica em procedimento administrativo disciplinar instaurado para apuração
de falta grave em execução penal viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e enseja nulidade
absoluta do PAD: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 483.907/RJ, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 06.08.2019, DJe
15.08.2019; STJ, 6a Turma, HC 458.384/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18.10.2018, DJe 07.11.2018; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 438.399/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 21.08.2018, DJe 03.09.2018.
112 AVENA, Norberto. Execução penal esquematizado. 2a ed. São Paulo, Método, 2015, p. 83.
170 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5o, LIV e LV, da CF), como
torna desnecessário o prévio procedimento administrativo, o que atende, por igual,
ao princípio da eficiência de que cuida o art. 37 da Constituição Federal. Com base
nesses argumentos, o Plenário do Supremo deu provimento ao RE 972.598/RS,
com a fixação da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 941: “A oitiva do
condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na
presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Pro­
cedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência
ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta
grave durante o cumprimento da pena”.113 Fundado nesta recente orientação do
Supremo, o STJ também passou a proferir decisões no sentido de que a Súmula n.
533 do STJ deve ser relativizada, sobretudo em casos em que o reeducando praticar
a falta grave fora do estabelecimento prisional e não for realizado o PAD, porém
tiver sido efetuada audiência de justificação, garantindo ao sentenciado o direito ao
contraditório e à ampla defesa, pois, dessa forma, a ausência de realização do PAD
não causaria prejuízo à defesa do apenado.114

3.9.4. Instrução do procedimento administrativo disciplinar


A Lei de Execução Penal não trata da instrução do procedimento administrativo
disciplinar, delegando à legislação estadual a sua regulamentação. A título de exem­
plo, consoante disposto no art. 66 do Regulamento Penitenciário Federal (Decreto
n. 6.049/07), caberá à autoridade que presidir o procedimento elaborar o termo de
instalação dos trabalhos e, quando houver designação de secretário, o termo de
compromisso deste em separado, providenciando o que segue: I - designação de
data, hora e local da audiência; II - citação do preso e intimação de seu defensor,
cientificando-os sobre o comparecimento em audiência na data e hora designadas;
e III - intimação de testemunhas. Na impossibilidade de citação do preso definitivo
ou provisório, decorrente de fuga, ocorrerá o sobrestamento do procedimento até
recaptura, devendo ser informado o juízo competente. No caso de o preso não possuir
defensor constituído, será providenciada a imediata comunicação à área de assistên­
cia jurídica do estabelecimento penal federal para designação de defensor público.
Especificamente em relação à instrução do PAD, é firme o entendimento ju-
risprudencial no seguinte sentido:
a. valor probatório do depoimento dos policiais penais: na visão do Superior
Tribunal de Justiça, a palavra dos agentes penitenciários na apuração de
falta grave é prova idônea para o convencimento do magistrado, haja vista
tratar-se de agentes públicos, cujos atos e declarações gozam de presunção
de legitimidade e de veracidade;115

113 Paradigma: STF, Pleno, RE 972.598-RS, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 04.05.2020, DJe 06.08.2020. Na mesma
linha: STF, Ia Turma, HC 110.278/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. 25/06/2013, DJe 159 14/08/2013.
114 STJ, 5a Turma, HC 577.233/PR, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.08.2020.
115 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 550.207/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.02.2020, DJe 28.02.2020;
STJ, 5a Turma, AgRg no HC 527.087/SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 17.10.2019, DJe 24.10.2019; STJ, 5a
Turma, HC 468.742/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 23.10.2018, Dje 31.10.2018.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 171

b. (Des) necessidade de o interrogatório ser o último ato da instrução:


no procedimento administrativo disciplinar que apura a prática de falta
grave, não há obrigatoriedade de que o interrogatório do sentenciado seja
o último ato da instrução, bastando que sejam respeitados o contraditório
e a ampla defesa, e que um defensor esteja presente;116
c. (Des) necessidade de nova oitiva do preso em ulterior procedimento de
homolocação judicial de falta grave: para o Superior Tribunal de Justiça,
é dispensável nova oitiva do apenado antes da homologação judicial da
falta grave, se previamente ouvido em procedimento administrativo dis­
ciplinar, em que foram assegurados o contraditório e a ampla defesa.117

3.9.5. Recorribilidade da decisão proferida no âmbito do procedimento


administrativo disciplinar
Apesar de o item 84 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal fa­
zer referência expressa à instituição de “sistema de recursos”, não consta qualquer
menção expressa acerca da possibilidade de o prejudicado interpor um recurso
contra a decisão proferida no âmbito do procedimento administrativo disciplinar.
Sem embargo, se é firme o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido
de que o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução
penal demanda a observância do direito de defesa, a ser realizado por advogado
constituído (ou defensor público), seria no mínimo contraditório não se admitir
a possibilidade de o condenado dispor de instrumento recursal para se insurgir,
mesmo no âmbito administrativo, contra eventual sanção disciplinar que lhe fora
aplicada pelo Diretor do Estabelecimento prisional, sobretudo por estar em jogo a
sua própria liberdade de locomoção.
É dentro desse contexto que diversas leis estaduais preveem a possibilidade de
o apenado recorrer contra eventual decisão administrativa que lhe seja desfavorável.
A título de exemplo, consoante disposto no art. 73 do Regulamento Penitenciário
Federal (Decreto n. 6.049/07), no prazo de cinco dias, caberá recurso da decisão
de aplicação de sanção disciplinar consistente em isolamento celular, suspensão ou
restrição de direitos, ou de repreensão. A este recurso não se atribuirá efeito sus­
pensivo, devendo ser julgado pela Diretoria do Sistema Penitenciário Federal em
cinco dias. Da decisão que aplicar a penalidade de advertência verbal, caberá pedido
de reconsideração no prazo de quarenta e oito horas.
De todo modo, ainda que a legislação estadual não contemple a possibilidade
de o apenado recorrer administrativamente contra a decisão proferida no procedi­
mento administrativo disciplinar, é correto afirmar que, diante da inafastabilidade
do controle jurisdicional (CF, art. 5o, XXXV), ao Judiciário não pode ser subtraída

116 STJ, 5a Turma, HC 483.451/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 26.02.2019, DJe 15.03.2019; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 369.712/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 17.05.2018, DJe 01.06.2018.
117 STJ, 6a Turma, Aglnt no HC 532.846/SC, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 03.12.2019, DJe 09.12.2019; STJ, 5a Turma,
AgRg no HC 533.904/SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 22.10.2019, DJe 28.10.2019; STJ, 6a Turma, AgRg no
Resp 1,809.333/MS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10.09.2019, Dje 19.09.2019.
172 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

a possiblidade de analisar aspectos atinentes à legalidade da punição disciplinar.


Daí por que, desde que a irresignação do condenado não tangencie o mérito do ato
administrativo, é perfeitamente possível a instauração, perante o Juízo da Execução
Penal, de procedimento judicial para se apurar excesso ou desvio de execução quan­
do da aplicação da sanção disciplinar com evidente ilegalidade ou abuso de poder.
Aliás, a depender do caso concreto, também é possível o ajuizamento de mandado
de segurança ou até mesmo de habeas corpus.
Outrossim, na hipótese de inclusão do condenado (ou do preso cautelar) no
regime disciplinar diferenciado, por se tratar de espécie de sanção disciplinar da
competência exclusiva do Juízo da Execução Penal, o correto é concluir pelo cabi­
mento do agravo em execução, nos termos do art. 197 da Lei de Execução Penal,
sem prejuízo da possibilidade de impetração de habeas corpus, sobretudo em casos
de manifesta violência ou coação ilegal em detrimento da liberdade de locomoção
do preso.

3.9.6. Isolamento preventivo e inclusão preventiva no Regime Disciplinar


Diferenciado
Pelo menos em regra, a aplicação da sanção disciplinar pela autoridade com­
petente está condicionada à conclusão do procedimento administrativo disciplinar,
assegurada a mais ampla defesa, inclusive com a obrigatória assistência da defesa
técnica. Há situações, todavia, que demandam uma pronta e imediata resposta da
administração carcerária para que se mantenha ou restabeleça a boa ordem no
estabelecimento. Basta pensar, por exemplo, em um movimento para subverter a
ordem ou a disciplina ou uma hipótese de fuga de presos em massa. Em outras hi­
póteses, a apuração da autoria de determinada falta disciplinar também demanda a
separação dos faltosos antes do início da instrução do procedimento administrativo,
evitando-se, assim, que eventuais ajustes ou ameaças entre os presos cause prejuízos
à regular apuração dos fatos pela autoridade competente.
É exatamente por tais motivos que a própria Lei de Execução Penal admite,
excepcionalmente, que a autoridade administrativa decrete o isolamento preventivo
do faltoso pelo prazo de até 10 (dez) dias (LEP, art. 60, caput), o que, em tese, visa
evitar que seja comprometida a eficácia do procedimento administrativo disciplinar.
Na mesma linha, com redação alterada pela Lei n. 10.792/03, o mesmo dispositivo
legal também passou a autorizar a inclusão cautelar do preso no regime disciplinar
diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, mediante prévia
e fundamentação decisão judicial.118
Em ambas as hipóteses, a medida deverá ser decretada pela respectiva autori­
dade competente sem prévia manifestação do condenado e nem da defesa técnica
{inaudita altera pars), sem que se possa objetar violação à ampla defesa, tampouco
ao contraditório, que, in casu, deverão ser exercidos de maneira diferida. Con­
quanto diga respeito à transferência de presos para o sistema penitenciário federal,

118 O Regime Disciplinar Diferenciado, como um todo, será objeto de análise na sequência.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 173

pode-se trabalhar com a mesma lógica constante da Súmula n. 639 do STJ: “Não
fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa,
determine transferência ou permanência de custodiado em estabelecimento peni­
tenciário federal”.
De modo a coibir eventuais abusos e excessos na utilização dessa prerrogativa,
assegurando-se, ademais, a pronta apuração do ato de indisciplina através do devido
procedimento administrativo legal, é terminantemente proibido que esse isolamento
preventivo seja decretado por prazo superior a 10 (dez) dias, o que, aliás, a depen­
der do caso concreto, poderá inclusive caracterizar o crime de abuso de autoridade
previsto no art. 9o da Lei n. 13.869/19.119

3.9.7. Detração disciplinar


À semelhança da detração constante do art. 42 do Código Penal, em que se
desconta da pena privativa de liberdade e da medida de segurança o tempo de pri­
são cautelar ou de internação, o art. 60, parágrafo único, da Lei de Execução Penal
dispõe que o tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar
diferenciado deverá ser computado no período de cumprimento da sanção disci­
plinar. De fato, não é razoável que o lapso temporal de isolamento preventivo seja
desconsiderado por ocasião do cumprimento da punição disciplinar definitiva. Logo,
na eventualidade de o condenado ter permanecido isolado cautelarmente durante
10 (dez) dias, este período deverá ser descontado do prazo total de 30 (trinta) dias
da sanção definitiva de isolamento na própria cela, aplicando-se idêntico raciocínio
às hipóteses de inclusão no regime disciplinar diferenciado.

4. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

4.1. Noções introdutórias


A par de modificar o procedimento atinente ao interrogatório judicial, a Lei
n. 10.792/03 introduziu substanciais alterações na Lei de Execução Penal, dentre
elas o denominado regime disciplinar diferenciado, verdadeira forma especial
de cumprimento de pena no regime fechado, que ora funciona como espécie de
sanção disciplinar (RDD punitivo), à qual estará sujeito o preso provisório, ou
condenado, nacional ou estrangeiro, que praticar fato previsto como crime doloso
que ocasione subversão da ordem e da disciplina internas (LEP, art. 52, caput, com
redação dada pela Lei n. 13.964/19), sem prejuízo da sanção penal correspondente
ao delito cometido, ora como verdadeira medida cautelar (RDD cautelar), aplicável
aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros que apresentem
alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade,
ou sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a
qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada,

119 Lei n. 13.869/19: "Art. 9o. Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com
as hipóteses legais: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa".
174 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

independentemente da prática de falta grave (LEP, art. 52, §1°, incisos I e II, com
redação dada pela Lei n. 13.964/19).120
O regime disciplinar diferenciado tem sido alvo de inúmeras críticas por parte
de alguns doutrinadores. Em apertada síntese, alega-se que a medida é inconstitu­
cional por violar a dignidade da pessoa humana (CF, art. Io, III) e por se tratar de
verdadeira pena cruel (CF, art. 5o, XLVII, “e”). Com a devida vênia, por mais que
não se possa negar que se trata de uma forma especial de cumprimento da pena
muito mais severa e rígida, cuida-se de medida absolutamente necessária não apenas
à tutela da segurança interna e externa dos estabelecimentos prisionais, mas também
da própria segurança da coletividade como um todo, porquanto, não raras vezes,
integrantes de organizações criminosas continuam ordenando a prática de crimes
do interior dos presídios. A aplicação desse regime também vem ao encontro do
princípio da individualização da pena privativa de liberdade (CF, art. 5o, XLVI) no
curso da execução penal, porque permite tratamento penitenciário diferenciado a
presos que se encontram em situações absolutamente diversas, seja pela falta grave
consubstanciada no cometimento de crime doloso capaz de ocasionar subversão da
ordem ou disciplina internas (LEP, art. 52, caput), seja pelo alto risco para a ordem
e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade ou pelo envolvimento com a
criminalidade organizada (LEP, art. 52, §1°, I e II, incluídos pela Lei n. 13.964/19).
Nos Tribunais Superiores, tem prevalecido o entendimento de que, tendo em
conta que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados
(princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que
o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio
da proporcionalidade. Afigura-se legítima, portanto, a atuação estatal, porquanto
o RDD busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabeleci­
mentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada
por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando
facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional - liderando rebeliões
que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou
outros detentos - e, também, no meio social.121

4.2. Hipóteses de cabimento

As hipóteses de cabimento do regime disciplinar diferenciado são taxativas, se­


não vejamos:

120 MIRABETE, Julio Fabrini. Lei de Execuções Penais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 149.
121 Nesse sentido: STJ, 5a Turma, HC 40.300/RJ, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 07/06/2005, DJ 22/08/05
p. 312. Como destaca Cleber Masson, "nos casos 'Labita c. Itália', de 2000, e 'Paolello c. Itália', de 2015, a
Corte Européia de Direitos Humanos decidiu que a imposição de medidas especiais e mais severas durante
a execução da pena, no caso de integrantes de organizações criminosas, é perfeitamente compatível com
os postulados de defesa dos direitos humanos" (op. cit. Vol. 1. p. 529). A (in) constitucionalidade do regime
disciplinar diferenciado deverá ser dirimida em breve pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
n. 4.162, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil em face dos arts. 52, 53, V, 54, 57 (parte referente
ao art. 53), 58 (parte sobre o RDD) e 60, caput e parágrafo único, todos da LEP.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 175

1. Prática de fato previsto como crime doloso capaz de ocasionar subversão


da ordem ou disciplina internas (LEP, art. 52, caput): como exposto anteriormente,
a prática de fato previsto como crime doloso, isoladamente considerado, e indepen­
dentemente do trânsito em julgado de eventual sentença condenatória,122 constitui
falta grave, nos termos do art. 52, caput, Ia parte, da LEP, com redação dada pela
Lei n. 13.964/19. Em tal hipótese, serão aplicáveis as sanções disciplinares previstas
no art. 53, III e IV, da LEP, nos termos do art. 57, parágrafo único, do mesmo di­
ploma normativo, mas não a inclusão no RDD. Para tanto, é necessário que o fato
previsto como crime doloso ocasione subversão da ordem ou disciplina internas. É
necessário, portanto, que o fato previsto como crime doloso praticado pelo preso
seja capaz de prejudicar a normalidade do presídio (ordem) ou que implique de­
sobediência com as regras existentes e determinações da administração carcerária
(disciplina).123 Nesse ponto, não houve grandes alterações promovidas pelo Pacote
Anticrime. No caput do art. 52 da LEP, o legislador acrescentou referência expressa
à possibilidade de aplicação do RDD tanto ao preso provisório (ou condenado)
nacional quanto ao estrangeiro, distinção esta que não constava expressamente da
redação originária do referido dispositivo legal, o que, no entanto, não afastava a
aplicação da medida tanto aos nacionais quanto aos estrangeiros, aplicando-se, à
época, por analogia, o quanto disposto na redação anterior do art. 52, §1°, da LEP,
que já fazia uma ressalva nesse sentido. Como a LEP exige a prática de fato previsto
como crime doloso, associada à subversão da ordem ou disciplina internas, para fins
de inclusão no RDD, parece correto afirmar que a decisão que reconhece a prática
de falta disciplinar dessa natureza deverá ser desconstituída diante das hipóteses de
arquivamento de inquérito policial ou de posterior absolvição na esfera penal, por
inexistência do fato ou negativa de autoria, tendo em vista a atipicidade da conduta;124
2. Presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros que apre­
sentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade (LEP, art. 52, §1°, I): para fins de inclusão do preso no regime disci­
plinar diferenciado com base nessa hipótese, não há necessidade da prática de fato
definido como crime doloso. Na verdade, é suficiente que o apenado apresente
alto risco para a ordem e a segurança do presídio ou da sociedade. In casu, o RDD
é usado como espécie de medida cautelar dotada de finalidade preventiva (RDD
cautelar), e não como espécie de sanção disciplinar (RDD punitivo), como ocorre
na hipótese prevista no art. 52, caput, da LEP. Discorrendo sobre o art. 52, §1°, da
LEP, Mirabete assevera que ocorre a situação em exame quando a permanência do

122 STJ, 6a Turma, HC 262.572/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12/11/2013, DJe 28/11/2013; STJ,
3a Seção, REsp 1.336.561/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/09/2013, DJe 01/04/2014; STJ,
5a Turma, HC 267.886/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 15/08/2013, DJe 26/08/2013; STJ, 5a Turma, HC 189.899/
RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 27/11/2012, DJe 04/12/2012; STJ, 6a Turma, HC 247.453/RS, Rei. Min.
Assusete Magalhães, j. 20/09/2012, DJe 01/10/2012; STJ, 5a Turma, REsp 1.113.600/RS, Rei. Min. Jorge Mussi,
j. 29/09/2009, DJe 30/11/2009.
123 AVENA. Op. cit. p. 93.
124 STJ, 5a Turma, HC 524.396/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15/10/2019, DJe 22/10/2019; STJ, 5a
Turma, HC 462.463/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 13/12/2018, DJe 01/02/2019; STJ, 6a Turma, RHC 33.827/
RJ, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20/11/2014, DJe 12/12/2014.
176 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

apenado no regime comum puder “ensejar a ocorrência de motins, rebeliões, lutas


entre facções, subversão coletiva da ordem ou a prática de crimes no interior do
estabelecimento em que se encontre ou no sistema prisional”;
3. Presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, sob os quais
recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título,
em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independen­
temente da prática de falta grave (LEP, art. 52, §1°, II): na redação dada pela Lei
n. 10.792/03, a Lei de Execução Penal autorizava a aplicação do RDD ao preso que
apresentasse alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade (art. 52, §1°, na redação anterior à Lei n. 13.964/19), e ao preso provisório
ou condenado sob o qual recaíssem fundadas suspeitas de envolvimento ou partici­
pação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52,
revogado §2°). Com a vigência do Pacote Anticrime, o referido §2° foi revogado,
constando, porém, da nova redação do §1° do art. 52 da LEP a possibilidade de
aplicação do RDD cautelar não apenas àqueles presos que apresentem alto risco para
a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade (inciso I), como
também em relação àqueles sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento
ou participação, a qualquer título, em organização criminosa,125 associação crimino­
sa126 ou milícia privada,127 independentemente da prática de falta grave (inciso II).

4.3. Características do Regime Disciplinar Diferenciado


O Pacote Anticrime conferiu um tratamento ainda mais rigoroso aos presos sub­
metidos ao regime disciplinar diferenciado. Por se tratar de sanção disciplinar, essas
novas regras só poderão incidir sobre os presos que praticarem fatos autorizadores de
sua aplicação após a vigência da lei nova, em fiel observância ao princípio da anterio-
ridade das sanções disciplinares (LEP, art. 45).128 Vejamos, então, separadamente, as
características do regime disciplinar diferenciado elencadas nos 7 (sete) incisos do art.
52 da LEP, todos com redação determinada pela Lei n. 13.964/19.

125 Consoante disposto no art. Io, §1°, da Lei n. 12.850/13, "considera-se organização criminosa a associação
de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante
a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional".
126 Com a redação dada pela Lei n. 12.850/13, o crime de associação criminosa previsto no art. 288 do Código
Penal pode ser conceituado como a associação estável e permanente de 3 (três) ou mais pessoas para o
fim específico de cometer crimes.
127 Ao citar a rubrica marginal ou nomen iuris do crime de "milícia privada", queremos crer que o legislador
pretendeu se referir ao delito previsto no art. 288-A do CP ("Constituir, organizar, integrar, manter ou custear
organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos
crimes previstos neste Código"), incluído pela Lei n. 12.720/12, como um todo, que abrange não apenas
a milícia particular propriamente dita, mas também as organizações paramilitares e grupos ou esquadrões
(grupos de extermínio).
128 Com entendimento semelhante: MIRANDA, Rafael de Souza. Manual de Execução Penal: teoria e prática. 2a
ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 79.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 177

4.3.1. Duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da


sanção por nova falta grave da mesma espécie
Essa característica será objeto de análise mais adiante, ao tratarmos do prazo má­
ximo de duração do regime disciplinar diferenciado e (im) possibilidade de prorrogação.

4.3.2. Recolhimento em cela individual


Não houve qualquer novidade introduzida pelo Pacote Anticrime no art. 52,
II, da LEP, que já previa o recolhimento em cela individual como uma das conse­
quências decorrentes da inclusão do preso no RDD.
O regime disciplinar diferenciado caracteriza-se, precipuamente, pelo maior
isolamento do preso, evitando-se, assim, seu contato permanente com outros en­
carcerados, seja para fins de preservação da sua própria integridade física e vida
diante da atuação de detentos pertencentes a grupos criminosos diversos, seja de
modo a tentar evitar seu contato com integrantes do seu grupo, pondo um freio à
engenharia de novos delitos. Daí a importância do recolhimento em cela individual,
medida esta que vem ao encontro das Regras de Mandela (n. 12.1).129
O curioso, em relação ao art. 52, inciso II, da LEP, é que a permanência em
uma cela individual já é um direito previsto para todos os presos, e não apenas para
aqueles submetidos ao RDD. Com efeito, consoante disposto no art. 88 da LEP, “o
condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sani­
tário e lavatório”. Todavia, levando-se em consideração a realidade vivenciada na
maioria dos presídios brasileiros, caracterizada pela superlotação e aglomeração de
inúmeros detentos em uma mesma cela, o legislador prevê que, especificamente em
relação ao RDD, é de rigor o isolamento do preso em cela individual, preservando-
-se, assim, não apenas a segurança da respectiva unidade prisional, mas também da
própria sociedade como um todo.
Como destaca a doutrina, o recolhimento à cela individual “não implica em
recolhimento em cela escura ou constantemente iluminada, tampouco em cela
insalubre e fétida, o que é vedado por lei e pelas diretivas internacionais sobre o
tema”.130 De nossa parte, reputamos não haver, por conta do recolhimento em cela
individual, qualquer espécie de utilização de meio cruel ou desumano na execução
da pena, capaz de autorizar o reconhecimento de que se trata de medida inconsti­
tucional por violação ao art. 5o, inciso XLVII, alínea “e”, da Constituição Federal.131

129 Regra 12: "1. As celas ou locais destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por mais de
um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário
que a administração prisional central adote exceções a esta regra deve evitar-se que dois reclusos sejam
alojados numa mesma cela ou local".
130 IANHEZ, Caroline. Primeiras impressões do regime disciplinar diferenciado e lei dos crimes hediondos sob
a ótica do pacote anticrime. In Lei Anticrime: comentários à Lei 13.964/2019. Organizador: Renee do Ó Souza.
São Paulo: D'Plácido, 2020. p. 198.
131 Constituição Federal: "Art. 5o. (...) XLVII - não haverá penas: (...) e) cruéis".
178 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Pelo contrário. É a superlotação em celas que deveriam ser ocupadas por um único
indivíduo que pode gerar questionamentos de tal natureza.132

4.3.3. Visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas


em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem
de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado
judicialmente, com duração de 2 (duas) horas
Na redação pretérita do inciso III do art. 52 da LEP, fazia-se referência a visitas
semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas. Com
a vigência da Lei n. 13.964/19, foram introduzidas no inciso em apreço diversas
inovações, a serem analisadas separadamente.

4.3.3.1. Visitas quinzenais de duas pessoas por vez com duração de duas horas
A periodicidade de visitas na redação conferida pela Lei n. 10.792/03 era se­
manal. Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime em data de 23 de janeiro de
2020, passou a ser quinzenal. A duração da visita, porém, permanece idêntica, qual
seja, duas horas.
Na eventualidade de o interessado em fazer a visita ser alguém de fora da
relação familiar, a visita depende de autorização judicial prévia. Ao sujeitar a visita
de terceiros estranhos ao quadro familiar à chancela do Poder Judiciário, o legisla­
dor visa evitar o ingresso no estabelecimento prisional não apenas de pessoas com
comportamento danoso ao ambiente carcerário (v.g, traficantes de drogas, pros­
titutas), mas também de eventuais integrantes da organização criminosa à qual o
preso estava (ou está) associado, preservando-se, assim, a própria paz pública. Logo,
não obstante o direito do preso à visita do cônjuge, da companheira, de parentes e
amigos em dias determinados (LEP, art. 41, X), recairá sobre o juízo da execução
penal, e não sobre o Diretor do Estabelecimento prisional, a competência para
deliberar sobre o terceiro que pode (ou não) visitar o preso, devendo, para tanto,
averiguar a presença de elementos concretos demonstrando o vínculo de amizade
entre o pretenso visitante e o preso.
Há controvérsias acerca da possibilidade de crianças visitarem presos sujeitos ao
RDD. De um lado, há quem entenda que, por força de princípios basilares traçados
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, tais como prevenção geral e especial do
atendimento integral à criança, proteção estatal, prevalência dos interesses do menor,
o ideal é evitar as visitas de crianças em unidades prisionais em que presos estejam

132 Como destaca Nucci,"(...) o regime disciplinar diferenciado tornou-se um mal necessário, mas está longe
de representar uma pena cruel. Severa, sim; Desumana, não. Aliás, proclamar a inconstitucionalidade desse
regime, mas fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil
é, com a devida vênia, uma imensa contradição. É sem dúvida, pior ser inserido em uma cela coletiva,
repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados com presos provisórios,
sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual, longe
da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio". (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e
processuais penais comentadas. 7a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 232).
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 179

submetidos ao RDD. De nossa parte, consideramos não haver nenhuma vedação


legal nesse sentido. De fato, comparando-se a própria redação do inciso III do art.
52 da LEP - dada pela Lei n. 10.792/03 e pela Lei n. 13.964/19 -, denota-se que, na
redação anterior, havia até menção à possibilidade de visita de crianças, hipótese em
que seu ingresso não seria computado no número de 2 (duas) pessoas autorizadas a
visitar o encarcerado. Na nova redação conferida ao inciso III do art. 52, semelhante
ressalva deixou de ser feita pelo legislador, do que se conclui que seu ingresso con­
tinua sendo possível, devendo, porém, o ingresso da criança ser computado dentro
do número máximo de visitantes quinzenais. De mais a mais, não se pode perder
de vista a importância que o contato do preso com seus filhos exerce para fins de
ressocialização. Aliás, não por outro motivo, as Regras de Mandela dispõem, em
seu art. 106, que se deve velar para que se mantenham e melhorem as boas relações
entre o preso e sua família, conforme apropriado ao melhor interesse de ambos.
Na mesma linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura a convivência
da criança e do adolescente com a mãe (ou pai) privado de liberdade, por meio de
visitas periódicas promovidas pelo responsável, independentemente de autorização
judicial (Lei n. 8.069/90, art. 19, §4°).

4.33.2. Realização das visitas em instalações equipadas para impedir o contato


físico e a passagem de objetos

Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime, passou a constar expressamente


da LEP a necessidade de que o local destinado às visitas quinzenais seja dotado de ins­
talações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos entre o reclu­
so no RDD e seu visitante. A medida em questão visa preservar a ordem e a segurança
interna e externa da unidade prisional, porquanto, pelo menos em tese, dificulta, ou
até mesmo impede, a troca de objetos proibidos, mensagens, que venham a colaborar
para a manutenção da situação que deu ensejo à sujeição do preso ao RDD.
De se notar que o art. 52, III, da LEP, veda expressamente a passagem de objetos,
sem especificar a natureza destes, do que se conclui que até mesmo artefatos de origem
lícita e aparentemente inofensivos não podem ser entregues ao preso. Noutro giro, le­
vando-se em consideração a vedação expressa ao contato físico, é de rigor a conclusão
no sentido de que o indivíduo não terá direito a visitas íntimas, pelo menos enquanto
submetido ao RDD. Por conseguinte, o disposto no art. 52, III, da LEP, funciona como
norma especial em relação ao art. 4o da Resolução n. 1, de 30 de março de 1999, do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.133

4.3.33. Visita de pessoa da família ou de terceiro gravada em sistema de áudio


ou de áudio e vídeo

Pelo menos até a vigência do Pacote Anticrime, não havia qualquer dispositi­
vo legal que determinasse a obrigatoriedade de gravação da visita e das conversas

133 "Art. 4o. A visita íntima não deve ser proibida ou suspensa a título de sanção disciplinar, excetuados os
casos em que a infração disciplinar estiver relacionada com o seu exercício".
180 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

entre o preso incluído no RDD e o visitante. Por isso, era possível encontrarmos
alguns precedentes dos Tribunais Superiores no sentido de que havia necessidade de
autorização judicial para o monitoramento, escuta, captação e gravação ambiental
de diálogos, imagens e/ou documentos dos contatos de presos com visitantes, aí
incluídos seus advogados.134
Doravante, o art. 52, §6°, da LEP, passa a dispor expressamente que a visita
deverá ser gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização
judicial, fiscalizada por agente penitenciário. Justifica-se a inovação para o fim de
isolar as lideranças criminosas e impedir que, mesmo cumprindo pena (ou prisão
cautelar), continuem no comando das organizações criminosas através de mensagens
orais que são levadas para dentro (e para fora) dos presídios por meio de visitantes.
A medida em questão encontra respaldo nas Regras de Mandela (n. 58.1), que faz
menção ao direito do recluso se comunicar periodicamente com famílias e amigos,
sob a necessária supervisão.135
Interessante perceber que o legislador faz uso do termo gravação do áudio e
das imagens, sem usar, porém, os termos interceptação ambiental, escuta ambiental
e gravação ambiental, nem tampouco “captação ambiental de sinais eletromagnéti­
cos, ópticos ou acústicos”,136 como o fazem a Lei das Organizações Criminosas (Lei
n. 12.850/13, art. 3o, II) e a Lei das Interceptações Telefônicas (Lei n. 9.296/96, art.
8o-A, incluído pela Lei n. 13.964/19). A opção em questão revela-se absolutamente
correta. A uma porque enquanto a captação ambiental prevista na Lei n. 12.850/13
e na Lei n. 9.296/96 tem natureza jurídica de meio de obtenção de prova, objetivan­
do, pois, identificar fontes de prova e coletar elementos de informação no curso de
investigação preliminar instaurada contra determinada pessoa, a gravação do áudio
(e/ou das imagens) prevista no art. 52, §6°, da LEP, incluído pela Lei n. 13.964/19, é
uma medida de caráter eminentemente administrativo, que tem como objetivo pre-
cípuo prevenir riscos e promover a segurança interna e externa do estabelecimento
prisional. A duas porque a medida prevista na LEP é do conhecimento de ambos
os interlocutores. Se o preso e o visitante têm conhecimento prévio da intromissão
de terceiro, in casu, a Administração Carcerária, por meio do monitoramento de
imagens e sons, não há falar em ofensa ao direito à intimidade e à vida privada (CF,
art. 5o, X), daí por que a própria lei dispensa a necessidade de autorização judicial
prévia para a execução da medida.
Por mais que se queira objetar que haveria uma ingerência da Administração
Penitenciária na conversa de duas ou mais pessoas por meio da captação de imagens
e sons, como se trata de conversa entabulada em ambiente não privado do prédio
onde funciona o estabelecimento prisional, tendo os interlocutores sido expressamente
cientificados da gravação em curso, não há, por parte destes, nenhuma expectativa

134 Decisão Monocrática do Min. Felix Fischer no REsp 1.655.878, DJ 25/10/2017.


135 Regra 58: "1. Os reclusos devem ser autorizados, sob a necessária supervisão, a comunicar periodicamente
com as suas famílias e amigos: (a) Por correspondência e utilizando, se possível, meios de telecomunicação,
digitais, eletrônicos e outros; e (b) através de visitas", (nosso grifo)
136 Todos esses conceitos serão objeto de análise nos comentários ao art. 8°-A da Lei n. 9.296/96, incluído
pela Lei n. 13.964/19, para onde remetemos o leitor.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 181

de proteção da intimidade ou da vida privada. Ora, se se trata de área comum da


unidade prisional (v.g., refeitórios, espaços de visitação coletiva, corredores entre as
celas, local destinado ao banho de sol), enfim, de um espaço considerado público, por
seu uso comum e coletivo, em que nenhum dos presos exerce atos de caráter íntimo
e privado, a captação de sons e imagens é uma medida que se impõe, independen­
temente de prévia autorização judicial, porquanto a fiscalização do conteúdo das
conversas e do comportamento do preso e de seus visitantes revela-se absolutamente
necessária para inibir e prevenir eventuais ações criminosas que comprometam a
ordem interna e a disciplina do presídio, bem como a segurança pública.
Raciocínio diverso, todavia, deverá ser emprestado às hipóteses em que o Estado
tiver interesse na captação de sons e imagens no interior de uma “área privada” ou
“espaço de uso particular”, enfim, em locais onde haja uma expectativa de proteção
da vida privada e da intimidade do preso, tais como, por exemplo, o interior da
cela, banheiros, locais destinados a visita íntima, etc. Nesses casos, eventual captação
ambiental haverá de ser feita única e exclusivamente mediante prévia autorização
judicial, nos estritos termos definidos pelo art. 8o-A da Lei n. 9.296/96, incluído
pela Lei n. 13.964/19.
De modo a diferenciarmos as áreas “abertas ao público” daquelas “de uso
privado” no interior do estabelecimento prisional, para fins de se estabelecer se há
(ou não) necessidade de prévia autorização judicial, revela-se válido tomarmos por
empréstimo o quanto previsto na Lei n. 11.671/08, que dispõe sobre a transferência
e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima, cujo
art. 3o, §2°, incluído pela Lei n. 13.964/19, prevê que tais presídios deverão dispor
de monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns, para fins de
preservação da ordem interna e da segurança pública, vedado seu uso nas celas e no
atendimento advocatício, salvo expressa autorização judicial em contrário.
Corroborando todo esse raciocínio, é interessante notar que, ao tratar do direito
do preso à entrevista com seu advogado, o art. 41, inciso IX, da LEP, é explícito ao
dizer que esta deverá ser feita de maneira pessoal e reservada. Em sentido diverso,
quando trata das visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias
determinados, o inciso X do mesmo dispositivo legal não faz qualquer referência
ao seu caráter reservado.
Como destaca a doutrina,137 essas gravações poderão ser utilizadas para a
comprovação de falta grave, qualquer das hipóteses previstas nos incisos do §4° do
art. 52 da LEP, subsidiar a prorrogação do RDD, e até mesmo de eventual infração
penal contemporânea - jamais pretéritas - à inclusão do preso no RDD, aplicando-
-se, por analogia, o quanto disposto no art. 3o, §3°, da Lei n. 11.671/08, incluído
pela Lei n. 13.964/19.138
Justifica-se a vedação da utilização das gravações das visitas como meio de in­
frações penais pretéritas com base no argumento de que o aprimoramento do sistema

137 É exatamente nesse sentido a lição de Caroline lanhez (Op. cit. p. 201).
138 Lei n. 11.671/08: "Art. 3o. (...) §3° As gravações das visitas não poderão ser utilizadas como meio de prova
de infrações penais pretéritas ao ingresso do preso no estabelecimento", (nosso grifo)
182 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

prisional pretendido pelo Pacote Anticrime não visa concorrer para a elucidação
e condenação do preso pelo fato gerador da sua prisão ou outros ilícitos eventual­
mente praticados antes do momento da sua custódia. Pelo contrário. As mudanças
levadas a efeito pela Lei n. 13.964/19 na LEP e na Lei n. 11.671, que dispõe sobre a
transferência de presos para estabelecimentos penais federais de segurança máxima,
têm “como mote extirpar os mecanismos utilizados pelo preso para planejar crimes
do interior do presídio, valendo-se de informações repassadas por visitantes e, nesta
esteira, a comunicação feita com estes, caso tenha a propensão à prática atual ou
futura de crimes poderá ser objeto de gravação”.139
Por fim, convém destacar que aos funcionários públicos responsáveis pelo
monitoramento de áudio e vídeo não é dado conferir publicidade às gravações,
sob pena de responder pelo crime de violação de sigilo funcional previsto no art.
325 do Código Penal,140 ex vi do art. 3o, §5°, da Lei n. 11.671/08, incluído pela Lei
n. 13.964/19.

4.3.3.4. Fiscalização da visita por agente penitenciário mediante prévia


autorização judicial
Como exposto anteriormente, a regra é a gravação das imagens e sons das visitas,
independentemente de intervenção prévia do Poder Judiciário. Porém, o art. 52, §6°,
in fine, da LEP, prevê que, com autorização judicial, a visita em questão poderá ser
inclusive fiscalizada por agente penitenciário. A despeito de o dispositivo em análise
fazer referência à fiscalização da visita por agente penitenciário mediante autorização
judicial prévia, silencia acerca das hipóteses capazes de autorizar tal medida. Sem
embargo, a doutrina sugere que essa fiscalização presencial da visita do preso poderá
ocorrer quando: “1) não houver sistema de captação de imagens e conversas por sistema
de áudio e vídeo, no estabelecimento prisional; 2) quando houver sistema de captação
em funcionamento, mas a necessidade do caso concreto assim indicar, baseado em
razões concretas, devidamente fundamentadas pela autoridade administrativa e diri­
gidas ao juiz da execução. Neste caso, interessante verificar que a legislação demanda
autorização judicial para a permanência do agente carcerário no mesmo ambiente do
preso, durante visitação de familiares e terceiros, provavelmente por implicar maior
grau de intromissão do Estado na vida do encarcerado”.141

4.3.3.5. Substituição das visitas presenciais por contato telefônico


Nos exatos termos do art. 52, §7°, da LEP, incluído pelo Pacote Anticrime,
“após os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que

139 SILVA, Ludmila de Paula Castro. Projeto de Lei "Anticrime" e as medidas para alterar o regime jurídico dos
estabelecimentos penais federais. In Projeto de Lei Anticrime. Coordenadores: Antônio Henrique Graciano
Suxberger; Renee do Ó Souza; Rogério Sanches Cunha. Salvador: Editora Juspdovim, 2019. p. 311.
140 CP: "Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo,
ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não
constitui crime mais grave".
141 IANHEZ, Caroline. Op. cit. p. 203-204.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 183

não receber a visita de que trata o inciso III do caput deste artigo poderá, após
prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da
família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos”.
É fato que, a depender da localização da unidade prisional à qual estiver re­
colhido o preso submetido ao RDD, nem sempre será possível o comparecimento
quinzenal de seus familiares, geralmente por conta da dificuldade de arcar com os
custos da viagem de uma localidade para outra mais distante. Daí o porquê do novel
dispositivo legal. Esse contato telefônico, porém, apresenta algumas diferenças em
relação à visita prevista no art. 52, III, da LEP, a saber:
1) Enquanto o preso submetido ao RDD tem direito à visita de 2 (duas) pessoas
por vez, a cada 15 (quinze) dias, a ligação telefônica pode ser feita com uma única
pessoa por vez, 2 (duas) vezes por mês;
2) Enquanto a visita presencial tem duração de 2 (duas) horas, cada ligação
telefônica pode se estender por, no máximo, 10 (dez) minutos;
3) O direito às visitas quinzenais é automático, ou seja, tão logo submetido
ao RDD, o preso já poderá exercê-lo. Em sentido diverso, para que faça jus ao
contato telefônico, há necessidade do decurso dos primeiros 6 (seis) meses de
RDD sem o recebimento de visitas presenciais. Nesse ponto, parece-nos que houve
um certo excesso por parte do legislador. De fato, se o indivíduo está preso, por
exemplo, em Porto Velho/RO, e declara, assim que submetido ao RDD, que seus
familiares não terão condição de visitá-lo, porquanto residem no Rio Grande do
Sul, por que não se admitir o imediato direito ao contato telefônico, evitando-
-se, assim, seu isolamento absoluto e a preservação mínima de seus vínculos
familiares, o que, em última análise, é de fundamental importância para fins de
ressocialização?142
4) As visitas presenciais ao preso submetido ao RDD podem ser feitas não
apenas por pessoas da família, como também por terceiros, desde que, neste últi­
mo caso, haja autorização judicial. O contato telefônico, após prévio agendamento,
poderá ser feito exclusivamente com uma pessoa da família do preso. Justifica-se a
restrição em questão por conta da dificuldade natural da administração penitenciária
em exercer qualquer tipo de controle quanto à verdadeira identidade desse “terceiro”
em contato telefônico com o preso, que poderia muito bem ser um integrante da
organização criminosa à qual o preso está associado. Some-se a isso o fato de que
esse “terceiro” não estaria dentro do presídio, como ocorre numa visita presencial, e
sim em local incerto e não sabido, dificultando, pois, a adoção imediata de qualquer
medida contra a sua pessoa (v.g., prisão em flagrante por associação criminosa).
Daí a previsão legal no sentido de que o contato telefônico poderá ser feito apenas
com pessoas da família. Aliás, interpretando-se progressivamente o §7° do art. 52

142 A propósito, eis o teor da Regra n. 58 das Regras de Mandela: "1. Os reclusos devem ser autorizados, sob
a necessária supervisão, a comunicar periodicamente com as suas famílias e com amigos: (a) por corres­
pondência e utilizando, se possível, meios de telecomunicação, digitais, eletrônicos e outros; e (b) através
de visitas".
184 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

da LEP, queremos crer que, se possível, o ideal é proceder ao contato telefônico por
aplicativos de celular que permitam a transmissão em tempo real de sons e ima­
gens (v.g., facetime, whatsapp, etc.), não apenas para se ter maior grau de certeza
acerca da pessoa que está conversando com o preso, é dizer, se se trata realmente
de pessoa da família, mas também de modo a permitir uma maior interação entre
os interlocutores, algo que inevitavelmente poderá ser útil para a preservação dos
vínculos familiares do preso.
Superadas as diferenças entre a visita presencial e a ligação telefônica, convém
destacar que há um ponto de semelhança entre esses dois direitos do preso subme­
tido ao RDD, qual seja, o fato de que ambas deverão ser objeto de gravação pela
administração penitenciária (LEP, art. 52, §§6° e 7o).

4.3.4. Direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para
banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja
contato com presos do mesmo grupo criminoso
Sem embargo do maior grau de isolamento que é inerente ao regime disci­
plinar diferenciado, há de se assegurar ao encarcerado o direito a sair da cela em
determinados períodos. Não por outro motivo, desde a redação dada pela Lei n.
10.792/03, já se assegurava ao preso o direito ao banho de sol por duas horas di­
árias, do que se conclui, a contrario sensu, que deveria permanecer recolhido por
vinte e duas horas diárias.
O que fazer, porém, quando não houver sol7. Ao referido questionamento,
Nucci assevera que “essas duas horas precisam ser sempre garantidas, haja sol ou
não. Na realidade, fator maior a ser considerado é a possibilidade de deixar a cela
por alguns momentos, sendo levado para outro ambiente, seja qual for. Havendo
sol, pode ir para o pátio. Se não houver, parece-nos razoável que saia da cela para
ser levado a outro lugar qualquer no interior do presídio (ex: uma sala de leitura
ou em local de lazer controlado)”.143
Outrossim, levando-se em consideração que o art. 52, IV, da LEP, faz
referência ao direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para
banho de sol, queremos crer que ao apenado sujeito ao RDD não se assegura o
direito a sair da cela para o trabalho em outras áreas do presídio. Este, o tra­
balho, deve ser levado a efeito no interior da cela. É nesse sentido, aliás, o teor
do art. 98, §2°, do Decreto n. 6.049/07, segundo o qual o trabalho aos presos
em regime disciplinar diferenciado terá caráter remuneratório e laborterápico,
sendo desenvolvido na própria cela ou em local adequado, desde que não haja
contato com outro presos.
Na vigência da redação conferida pela Lei n. 10.792/03, o art. 52, inciso IV,
da LEP, fazia referência ao banho de sol, mas nada dispunha acerca da (im) pos­
sibilidade de o preso ter contato com outros encarcerados nesse momento. Com
a vigência do Pacote Anticrime, o inciso IV passou a fazer referência expressa ao

143 Op. cit. p. 236.


Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 185

banho de sol em grupos de até 4 (quatro) presos. Ou seja, a Lei n. 13.964/19 passou
a admitir que o isolamento social do preso sujeito ao RDD, decorrente do recolhi­
mento em cela individual (LEP, art. 52, II), seja quebrado ao menos nessas 2 (duas)
horas. A mudança em questão tem o objetivo precípuo de adaptar a execução do
regime disciplinar diferenciado às “Regras de Mandela” (n. 44), que define como
confinamento solitário, tida como prática proibida pelas regras mínimas das Nações
Unidas para o Tratamento de Reclusos, o confinamento do recluso por 22 horas ou
mais, por dia, sem contato humano significativo.
De modo a resguardar a segurança interna da unidade prisional, evitando-se,
assim, o planejamento de possíveis fugas, rebeliões, e crimes em geral, o art. 52, IV,
da LEP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19, dispõe expressamente que o banho
de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, deve ser levado a efeito sem contato com
presos do mesmo grupo criminoso. Sem embargo das evidentes dificuldades que a
execução dessa medida possa acarretar para a Administração Penitenciária, também
não se pode permitir o contato, durante o banho de sol, com presos de grupos ri­
vais, sob pena de se colocar em risco a integridade física dos detentos, e a própria
segurança interna da unidade prisional. Há de se aplicar, por analogia, o quanto
disposto no art. 52, §5°, in fine, da LEP, também incluído pelo Pacote Anticrime.144

4.3.5. Entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor,


em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem
de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário
A “entrevista” a que se refere o inciso V não se confunde com a “visita”, objeto
de análise nos comentários ao inciso III, ambos do art. 52 da LEP. Enquanto esta
pressupõe uma relação de parentesco ou de amizade, a entrevista envolve a existência
de algum tipo de relação formal entre os envolvidos, quer por força do exercício
de profissão, ministério, quer por conta do exercício de qualquer outra função de
ordem técnica. Logo, na eventualidade de contato do preso com um Promotor de
Justiça, um Delegado de Polícia, um Padre, ou um psicólogo, o termo correto a ser
utilizado é “entrevista”, e não “visita”.
À semelhança das visitas de familiares e amigos do preso sujeito ao RDD, as
entrevistas também deverão ser monitoradas, pelo menos em regra. Devem, ademais,
ser realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem
de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário.
Se a regra geral é o monitoramento das entrevistas - por analogia, há de ser
aplicada a mesma sistemática constante do art. 52, §6°, da LEP, incluído pela Lei n.
13.964/19 -,145 especial atenção deve ser dispensada àquela levada a efeito pelo preso

144 LEP: "Art. 52. (...) §5° Na hipótese prevista no §3° deste artigo, o regime disciplinar diferenciado deverá
contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar
contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada,
ou de grupos rivais", (nosso grifo)
145 LEP: "Art. 52. (...) §6° A visita de que trata o inciso III do caput deste artigo será gravada em sistema de
áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário".
186 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

com seu defensor. Ora, o exercício da advocacia pressupõe a preservação do sigilo


profissional, porquanto absolutamente essencial à existência e à dignidade de certas
categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança neles depositada, sem o que
seria inviável o desempenho de suas funções. Deveras, de que adiantaria assegurar
ao acusado o direito ao silêncio se as entrevistas com seu defensor pudessem ser
objeto de livre gravação pela administração penitenciária?
Daí dispor o art. 41, inciso IX, da LEP, que o preso tem direito à entrevista
pessoal e reservada com o advogado. Na mesma linha, de acordo com o art. 7o, inciso
III, da Lei n. 8.906/94, o advogado tem direito de se comunicar com seus clientes,
pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos,
detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados
incomunicáveis.
Em conclusão, resta analisarmos o verdadeiro significado da parte final do inciso
V (“salvo expressa autorização judicial em contrário”). De um lado, há quem entenda
que a ressalva em questão diz respeito ao monitoramento das entrevistas do preso
submetido ao RDD, ou seja, a situações que podem ser excluídas do monitoramento
pela administração carcerária, como, por exemplo, uma entrevista do preso com
uma autoridade religiosa ou com um psiquiatra, quando, diante da íntima conexão
com a vida privada e a intimidade do preso, poder-se-ia pedir ao juiz autorização
judicial para que as conversas não fossem objeto de gravação audiovisual.146
De nossa parte, e sem embargo da péssima redação do dispositivo legal sob
comento, queremos crer que a ressalva em questão - “salvo expressa autorização
judicial em contrário” - diz respeito à possibilidade de monitoramento das próprias
entrevistas do preso com seu defensor. Para tanto, basta interpretarmos sistemati­
camente o Pacote Anticrime. Explica-se: o mesmo diploma normativo que inseriu
no art. 52 da LEP este inciso V ora sob análise, de confusa redação, também acres­
centou à Lei n. 11.671/08, que versa sobre a transferência e inclusão de presos em
estabelecimentos penais federais de segurança máxima, dispositivo legal expresso no
sentido da possibilidade de autorização judicial para fins de captação ambiental da
conversa do preso com seu defensor, senão vejamos: “Os estabelecimentos penais
federais de segurança máxima deverão dispor de monitoramento de áudio e vídeo
no parlatório e nas áreas comuns, para fins de preservação da ordem interna e da
segurança pública, vedado seu uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo
expressa autorização judicial em contrário” (art. 3o, §2°).
Como se pode notar, com redação muito mais clara que o dispositivo introduzido
na LEP, o preceito em questão é explícito ao admitir que o juiz poderá autorizar o
monitoramento de áudio e vídeo inclusive nas celas e no atendimento advocatício.
É bem verdade que o Estatuto da OAB assegura ao advogado a inviolabilidade de
suas comunicações (Lei n. 8.906/94, art. 7o, II).147 Porém, também não é menos
verdade que o próprio dispositivo em questão é categórico ao afirmar que tal di­

146 É nesse sentido a lição de Caroline lanhez (Op. cit. p. 206).


147 Lei n. 8.906/94: "Art. 7°. São direitos do advogado: (...) II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de
trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, telefônica e tele-
mática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (...)".
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 187

reito há de ser respeitado desde que relativo ao exercício da advocacia. Destarte, e é


exatamente nesse sentido que deve ser compreendida a ressalva constante da parte
final do inciso V do art. 52 da LEP, e a do art. 3o, §2°, da Lei n. 11.671/08, ambos
incluídos pela Lei n. 13.964/19, caso haja indícios de envolvimento criminoso do
preso com o profissional da advocacia, que estaria, por exemplo, levando e trazendo
informações atinentes à organização criminosa, incorrendo, pois, na prática do crime
do art. 2o da Lei n. 12.850/13, revela-se absolutamente lícita a captação ambiental
de tais conversas, nos exatos termos do art. 8°-A da Lei n. 9.296/96, desde que a
medida em questão seja precedida de autorização judicial.
O sigilo profissional do advogado não pode funcionar, portanto, como espécie
de imunidade absoluta, mas sim como legítima prerrogativa, a ser preservada tão
somente quando relacionada ao exercício da função.148 Logo, não merece acolhida
eventual alegação relativa à violação da liberdade de exercício profissional, se so­
bressai que a medida foi tomada devido à possível participação do advogado em
ilícitos criminais. Ainda que atuasse como advogado, as prerrogativas conferidas
aos defensores não podem acobertar delitos, sendo certo que o sigilo profissional
não tem natureza absoluta.149

4.3.6. Fiscalização do conteúdo da correspondência150


Não há qualquer incompatibilidade entre a inviolabilidade do sigilo da corres­
pondência e das comunicações telegráficas, prevista no art. 5o, XII, da Constituição
Federal, e a fiscalização do conteúdo da correspondência estabelecida pelo art.
52, VI, da LEP, como regra geral para os presos submetidos ao regime disciplinar
diferenciado, a ser adotada pela administração penitenciária independentemente

148 Com entendimento semelhante: SILVA, Ludmila de Paula Castro. Op. cit. p. 312. De modo a corroborar a
tese de que o advogado não goza de imunidades absolutas, a autora faz referência à Lei n. 11.767/08,
que alterou os §§6° e 7° do art. 7° do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94) para enfatizar que atividades
desvinculadas do exercício da advocacia não só podem como devem ser coibidas com rigor, justificando,
em caso de prática de conduta criminosa pelo advogado com seu cliente, a quebra da inviolabilidade. A
propósito, observe-se a redação dos dispositivos citados: "Lei n. 8.906/94. Art. 7o. (...) §6° Presentes indícios
de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente
poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão
motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na
presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das
mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos
de trabalho que contenham informações sobre clientes. §7° A ressalva constante do §6° deste artigo não
se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus
partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade".
149 Nesse sentido, referindo-se, porém, à interceptação telefônica da conversa do investigado com seu advo­
gado, e não à ambiental: STJ, 5a Turma, HC 20.087/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 19/08/2003, DJ 29/09/2003
p. 285; STJ, 6a Turma, RMS 58.898/SE, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 08/11/2018, DJe 23/11/2018; STJ, 6a Turma,
RHC 73.498/DF, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 14/08/2018, DJe 23/08/2018; STJ, 6a Turma, Resp 1,465.966/PE,
Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10/10/2017, DJe 19/10/2017; STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 457.522/SC,
Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 10/11/2015, DJe 25/11/2015.
150 O estudo do presente tópico deverá ser feito tão somente após a leitura do item "(In) constitucionalidade
da interceptação da correspondência do preso pela administração carcerária", constante do capítulo sobre
direitos, deveres e disciplina.
188 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

da ocorrência de quaisquer fatos que indiquem a participação do preso em fatos


criminosos e/ou faltas graves.
Justifica-se tamanha devassa à inviolabilidade de correspondência pela neces­
sidade premente de proteção da ordem interna da unidade prisional, resguardando,
ademais, a segurança da coletividade como um todo, sempre colocadas em risco
com a entrada e saída de cartas dos presídios com ordens para execução de crimes
pelos demais integrantes das organizações criminosas.
A medida em questão também não se revela incompatível com o direito do preso
de manter contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da
leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons
costumes (LEP, art. 41, XV). Isso porque o art. 52, VI, da LEP, faz referência apenas
à fiscalização do conteúdo da correspondência, sem que implique, necessariamente,
em vedação ao exercício de tal direito. Como destaca a doutrina, “não se trata de
suspender ou restringir o direito de correspondência do preso, conforme inclusive
é autorizado pelo art. 41, parágrafo único, da LEP, por ato administrativo motivado
do diretor do estabelecimento prisional, mas monitorar e conhecer o conteúdo das
correspondências do preso, para impedir o planejamento e cometimento de cri­
mes e subversões a ordem e disciplina internas da unidade prisional”.151 Enfim, se
uma medida muito mais gravosa para o preso, ainda que não submetido ao RDD,
como a suspensão ou restrição do seu contato com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, pode ser determinada mediante ato motivado do diretor
do estabelecimento (LEP, art. 41, parágrafo único), parece não haver nenhuma
incongruência em se estabelecer o mero monitoramento contínuo do conteúdo da
correspondência de presos de periculosidade muito maior.

4.3.7. Participação em audiências judiciais preferencialmente por


videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no
mesmo ambiente do preso
Pelo menos em regra, a realização de atos processuais por videoconferência é
uma medida de natureza excepcional. De fato, consoante disposto no art. 185, §2°, do
CPP, com redação dada pela Lei n. 11.900/09, excepcionalmente, o juiz, por decisão
fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogató­
rio152 do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de
transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária
para atender a uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança públi­

151 IANHEZ. Op. cit. p. 207. No mesmo sentido, aliás, há mais de 20 anos, quando sequer se falava em orga­
nizações criminosas, Alexandre de Moraes já asseverava:"(...) nenhuma liberdade individual é absoluta e,
por isso, é possível que, respeitando-se certos limites, interceptem-se as correspondências e comunicações
sempre que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas
ilícitas". (Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997, p. 145).
152 Por força do art. 185, §8°, do CPP, incluído pela Lei n. 11.900/09, também se admite a utilização da vide­
oconferência para a realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que
esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada
de declarações do ofendido.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 189

ca, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa
ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a
participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade
para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que
não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do
art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.
Se, no âmbito do CPP, a videoconferência é medida de natureza excepcional,
pelo menos em regra, raciocínio diverso deve ser aplicado ao preso submetido ao
RDD. Deveras, por força do art. 52, VII, da LEP, incluído pelo Pacote Anticrime,
uma das características do regime disciplinar diferenciado passa a ser, doravante,
a participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência,
garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso.
Diante do uso do advérbio “preferencialmente”, denota-se que a regra para o
preso submetido ao RDD é a participação em audiências judiciais por videoconfe­
rência. Não é necessário, portanto, que o juiz fundamente a escolha desse sistema,
que, em tese, já estaria justificada pela simples sujeição do detento à medida extrema,
conforme art. 52, caput, e §1°, incisos I e II, da LEP. Há, portanto, uma presunção
legal de que a saída do preso submetido ao RDD acarreta, de per si, risco à segurança
pública, daí por que o seu direito de presença e audiência nos atos instrutórios e
no seu interrogatório deverão ser exercidos de maneira remota.
Nesse caso, de modo a se preservar a mais ampla defesa, impõe-se a partici­
pação do defensor no mesmo ambiente do preso (LEP, art. 52, VII, in fine), sem
prejuízo de se assegurar o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação
entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência
do Fórum, e entre este e o preso (CPP, art. 185, §5°, incluído pela Lei n. 11.900/09).
Em conclusão, reputamos não haver nenhuma inconstitucionalidade no fato de
a LEP estabelecer a participação do preso submetido ao RDD em audiências judiciais,
preferencialmente, por videoconferência. A medida em questão atende não somente
aos objetivos de agilização, economia e desburocratização da justiça, mas também
à segurança da sociedade, do magistrado, do membro do Ministério Público, dos
defensores, dos presos, das testemunhas e das vítimas, razão pela qual não pode
ser tachada de inconstitucional. Se é verdade que direitos e garantias individuais
do cidadão funcionam como limites intransponíveis aos poderes persecutórios do
Estado, não menos correto é que tais direitos e garantias não são absolutos, poden­
do sofrer limitações, desde que tais restrições estejam fundamentadas em lei e se
mostrem compatíveis com o princípio da proporcionalidade.
Ao acusado se assegura a mais ampla defesa, não só pela presença de dois
defensores - um no presídio e outro no fórum - como também pela possibilidade
de se comunicar com cada um deles por meio de canais telefônicos reservados,
preservando-se, ademais, seu direito de presença remota de acompanhar os demais
atos da instrução processual. Quanto ao argumento de que a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não
se referem à videoconferência, há de se ter em mente que ambos foram elaborados
190 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

em uma época (década de 60) em que sequer se cogitava da utilização da tecno­


logia para a prática de atos processuais. Impõe-se, portanto, uma interpretação
progressiva, no sentido de que, doravante, o direito de presença física do acusado
perante o juiz possa ser exercido direta ou remotamente. De fato, se considerarmos
que há anos doutrina e jurisprudência já admitem a realização do interrogatório
por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que já reflete a ideia de ausência de
obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado para a
realização do interrogatório, não se pode negar que a utilização da videoconferência
incrementa sensivelmente a possibilidade de o juiz da causa verificar, por si só, as
características relativas à personalidade, condição socioeconômica, estado psíquico
do acusado, etc. A propósito, vale ressaltar que tratados internacionais mais mo­
dernos já vêm fazendo referência à videoconferência. É o que ocorre, por exemplo,
com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (arts. 32, § 2o, alínea “a”
e 46, § 18) e com a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional (art. 18, § 18, art. 24).

4.4. Prazo máximo de duração do Regime Disciplinar diferenciado e (im)


possibilidade de prorrogação
Na redação dada pela Lei n. 10.792/03, o RDD tinha a duração máxima de 360
(trezentos e sessenta) dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave
da mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada. Tinha-se aí o limite
máximo de tempo em que o preso poderia estar sujeito ao RDD, findo o qual deveria
retornar ao regime fechado comum. Na redação anterior, todavia, praticado novo
crime doloso com potencial de subverter a ordem e a disciplina internas do presí­
dio, facultava a lei a repetição da sanção por outros 360 (trezentos e sessenta) dias,
desde que, no total, não fosse ultrapassado o limite de um sexto da pena aplicada.
Especificamente quanto às demais hipóteses de inclusão no RDD (antiga re­
dação dos §§1° e 2o do art. 52 da LEP) - presos que apresentassem alto risco para
a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, ou sob o qual
recaíssem fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em
organizações criminosas, quadrilha ou bando -, havia controvérsias. De um lado,
parte da doutrina sustentava que tais apenados somente poderíam ser inseridos no
RDD uma única vez, limitada ao tempo de trezentos e sessenta dias, porquanto a
redação então vigente do art. 52, I, da LEP, ressalvava a repetição da sanção apenas
nos casos de falta grave capaz de subverter a ordem ou disciplina internas. De outro
lado, em posição que sempre nos pareceu mais correta, havia quem sustentasse que a
limitação de 360 (trezentos e sessenta) dias então prevista na antiga redação do art.
52, I, da LEP, era específica da falta grave, não se aplicando às hipóteses de RDD
cautelar. Logo, nesses casos, a medida deveria perdurar pelo tempo da situação que
a autorizava, até o limite de um sexto da pena aplicada.153

153 Era nesse sentido a lição de Norberto Avena (Op. cit. p. 94). A propósito, em precedente anterior à vigência
do Pacote Anticrime, assim já havia se posicionado o STJ:"(...) O regime diferenciado, afora a hipótese da
falta grave que ocasiona subversão da ordem ou da disciplina internas, também se aplica aos presos pro­
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 191

Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime no dia 23 de janeiro de 2020, o


RDD passa a ter a duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição
da sanção por nova falta grave da mesma espécie. Da comparação entre a redação
antiga e a atual do art. 52, I, da LEP, podemos extrair duas importantes conclusões:
a) houve um significativo recrudescimento do poder estatal em desfavor do
preso sujeito ao RDD, praticamente dobrando o prazo de duração da medida, que,
doravante, passa a ser de 2 (dois) anos, e não mais de 360 (trezentos e sessenta)
dias, como era antigamente;
b) na vigência da redação pretérita do art. 52, I, da LEP, na eventualidade de
nova falta grave da mesma espécie, admitia-se a repetição da sanção até o limite de
1/6 (um sexto) da pena aplicada, e não da pena cumprida ou do quantum de pena
pendente de cumprimento. Isso dava ensejo a graves prejuízos ao preso, eis que, a
depender do total da pena imposta ao condenado, este quantum de 1/6 (um sexto)
da pena aplicada poderia superar 1 (um) ano. É dizer, o cometimento de nova falta
grave da mesma espécie poderia ultrapassar o próprio limite legal de 360 (trezen­
tos e sessenta) dias. Com a vigência da Lei n. 13.964/19, o legislador deliberou por
excluir essa limitação de até 1/6 (um sexto) da sanção no caso de nova falta grave
da mesma espécie. Destarte, em tal hipótese, aplicar-se à outra sanção disciplinar
de RDD punitivo com duração máxima de até 2 (dois) anos, tanto em relação a
presos provisórios quanto aos definitivos, nacionais ou estrangeiros. Nada impede,
portanto, o cumprimento integral da pena no regime disciplinar diferenciado, com
respeito ao novo limite estabelecido no art. 75 do Código Penal - 40 (quarenta)
anos -, desde que o detento insista na prática de faltas graves.
Visando solucionar a controvérsia que havia quanto à possibilidade de prorro­
gação do RDD cautelar na antiga redação do art. 52 da LEP, objeto de análise nos
comentários iniciais do presente tópico, o Pacote Anticrime passou a dispor acerca
da matéria de maneira expressa. Com efeito, consoante disposto no art. 52, §4°, da
LEP, incluído pela Lei n. 13.964/19, exclusivamente nas hipóteses de RDD cautelar,
ao qual estão sujeitos os presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangei­
ros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal
ou da sociedade, ou sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou
participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou
milícia privada, independentemente da prática de falta grave, e inclusive nas hipó­
teses que ensejam o cumprimento da medida em estabelecimento prisional federal
(LEP, art. 52, §3°), admitir-se-á a prorrogação sucessiva da medida, por períodos de
1 (um) ano, existindo indícios de que:

visórios e condenados, nacionais ou estrangeiros, "que apresentem alto risco para a ordem e a segurança
do estabelecimento penal ou da sociedade". A limitação de 360 dias, cuidada no inciso I do artigo 52 da
Lei n° 7.210/84, é, enquanto prazo do regime diferenciado, específica da falta grave, não se aplicando à
resposta executória prevista no parágrafo primeiro do mesmo diploma legal, pois que há de perdurar pelo
tempo da situação que a autoriza, não podendo, contudo, ultrapassar o limite de 1/6 da pena aplicada. Em
obséquio das exigências garantistas do direito penal, o reexame da necessidade do regime diferenciado
deve ser periódico, a ser realizado em prazo não superior a 360 dias. Ordem denegada". (STJ, 6a Turma,
HC 44.049/SP, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 12/06/2006, DJ 19/12/2007 p. 1.232).
192 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

I - o preso continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do


estabelecimento penal de origem ou da sociedade: este inciso I prevê duas hipó­
teses distintas que autorizam a prorrogação do RDD cautelar. A primeira restará
evidenciada quando o preso continuar apresentando alto risco para a ordem e a
segurança do estabelecimento penal de origem. Referindo-se o dispositivo legal à
unidade prisional de origem, é de rigor a conclusão, então, que o preso submetido
ao RDD cautelar tenha sido anteriormente transferido para outro estabelecimento
prisional, seja de caráter federal de segurança máxima (LEP, art. 52, §3°), seja de
natureza estadual. Porém, sem embargo da transferência de unidade prisional, o
preso em questão continua representando uma influência danosa para a ordem do
presídio de origem. A segunda hipótese estará evidenciada quando o preso repre­
sentar alto risco para a segurança da sociedade. Para tanto, o art. 52, §4°, in fine,
da LEP, demanda a presença de indícios, expressão aí utilizada no sentido de uma
prova semiplena, de menor valor persuasivo, que não autoriza um juízo de certeza,
mas sim de mera probabilidade. Tais indícios deverão ser coletados pelas Polícias
Penais durante a interação do preso com visitantes, agentes prisionais e outros pre­
sos durante o banho de sol, sem prejuízo de eventual auxílio por parte dos órgãos
responsáveis por investigações criminais em geral (v.g., Polícia, Ministério Público,
etc.), apontando a existência de fatos novos, supervenientes ao ingresso do preso no
regime disciplinar diferenciado, capazes de indicar a necessidade de continuidade
do RDD cautelar;
II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou
milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada
por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de
novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário: a segunda
hipótese de prorrogação do RDD cautelar estará caracterizada quando indícios con­
cretos demonstrarem que o preso permanece associado ao seu grupo criminoso de
origem. Para tanto, o legislador fornece alguns parâmetros, que devem ser levados
em consideração pelo juízo da execução ao proferir sua decisão: perfil criminal;
função por ele desempenhada no grupo criminoso; operação duradora do grupo, o
que, em tese, demonstra que a prisão do indivíduo não teve o condão de enfraque­
cer suas atividades delituosas; superveniência de novos processos criminais, pouco
importando se relacionados a fatos delituosos anteriores a sua inclusão no RDD
cautelar, eis que a mera existência desses feitos, por si só, já é capaz de demonstrar
a periculosidade do preso e a subsistência de vínculos com o bando criminoso; e
os resultados do tratamento penitenciário, o que pode ser evidenciado por meio da
realização de exame criminológico.

4.5. Juízo competente para a inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado


e procedimento adequado
Consoante disposto no art. 54, caput, da LEP, com redação dada pela Lei n.
10.792/03, as sanções disciplinares dos incisos I a IV do art. 53 - advertência verbal,
repreensão, suspensão ou restrição de direitos (art. 41, parágrafo único), e isolamento
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 193

na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento


coletivo - serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento, e a do
inciso V (inclusão no regime disciplinar diferenciado) por prévio e fundamentado
despacho do juiz competente. Mas quem seria esse juiz competente? Sobre o assunto,
há duas correntes:
a) Ia corrente (nossa posição): de um lado, parte majoritária da doutrina
sustenta que tal competência é do juízo da execução penal, pouco importando se
se trata de RDD punitivo ou de RDD cautelar. Ora, se a inclusão do preso no RDD
funciona como verdadeiro incidente da execução, recai sobre o juízo da execução
a competência para deliberar acerca da matéria, nos exatos termos do art. 66, III,
alínea “f”, da LEP,154 sendo de todo irrelevante se o preso em questão se encon­
tra no cumprimento de prisão penal decorrente de sentença penal condenatória
transitada em julgado ou de mera prisão cautelar. Afinal, consoante disposto no
art. 2o, parágrafo único, da LEP, este diploma normativo também é aplicável ao
preso provisório;155
b) 2a corrente: em sentido diverso, há quem entenda que, na hipótese de pre­
sos cautelares, a competência será do juiz do processo de conhecimento, e não do
juízo da execução penal. É nesse sentido a lição de Julio Fabbrini Mirabete: “(...)
ao mencionar no art. 54 o juiz competente para aplicação da sanção de inclusão no
regime disciplinar diferenciado, prevê a lei a possibilidade de ser competente outro
juiz que não o juiz da execução, como o juiz do processo. Tratando-se de aplicação
de sanção no curso do cumprimento da pena privativa de liberdade, competente
será o juiz da execução. Se a falta for cometida no curso de prisão cautelar, a com­
petência, em princípio, será do juiz do processo”.156
No tocante à legitimidade para requerer a inclusão do preso no RDD, o art. 54,
§1°, da LEP, dispõe: “A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar
dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimen­
to ou outra autoridade administrativa”. A redação do dispositivo deixa transparecer
que a medida não pode ser decretada de ofício pelo magistrado. Outrossim, por fazer
referência apenas ao diretor do estabelecimento prisional em que se encontra o preso
provisório ou condenado, ou a outra autoridade administrativa, como, por exemplo,
o Secretário de Administração Penitenciária (ou de Segurança Pública), silenciando
quanto ao Ministério Público, há quem entenda que ao Parquet não seria conferida
legitimidade para requerer a inclusão do preso no RDD. Com a devida vênia a tal
entendimento, se a própria LEP dispõe que incumbe ao Ministério Público fiscalizar
a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e
nos incidentes da execução (art. 67), poder do qual deriva a possibilidade de re­
querer ao magistrado toda e qualquer medida necessária à aplicação da lei penal,
processual e de execução penal, outorgando-lhe, ademais, legitimidade para dar início

154 LEP: "Art. 66. Compete ao Juiz da execução: (...) III - decidir sobre: (...) f) incidentes da execução".
155 Entre outros, é nesse sentido a lição de Renato Marcão (Op. cit. p. 80) e Avena (Op. cit. p. 97).
156 Op. cit. p. 156.
194 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

ao procedimento judicial perante o Juízo da Execução Penal (art. 195), parece não
haver muita lógica em se negar ao órgão ministerial a possibilidade de postular a
inclusão do preso no RDD.
Superada tal controvérsia, convém destacar que a decisão judicial sobre a inclusão
do preso no RDD punitivo (ou cautelar) deverá ser precedida de manifestação do
Ministério Público, se acaso não tiver sido ele o autor do requerimento, e da defesa
(LEP, art. 54, §2°, incluído pela Lei n. 10.792/03).157 Ante a omissão do legislador
em estabelecer um prazo para tal manifestação, o ideal é aplicar por analogia o art.
196 da LEP, que outorga às partes um prazo de 3 (três) dias. Na sequência, o juízo
da execução penal deverá prolatar sua decisão no prazo máximo de 15 (quinze)
dias, valendo destacar que o recurso adequado contra esse pronunciamento judicial,
seja quando deferir a medida, seja quando indeferi-la, será o agravo em execução,
ex vi do art. 197 da LEP.
Em conclusão, convém destacar que, ao tratar do procedimento destinado à
apuração de faltas disciplinares, onde, pelo menos em regra, é de rigor a observância
do direito de defesa, o art. 60, caput, in fine, da LEP, com redação determinada
pela Lei n. 10.792/03, prevê que “a autoridade administrativa poderá decretar o
isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso
no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do
fato, dependerá de despacho do juiz competente”. Como se pode notar, o dispositivo
admite a inclusão preventiva do preso no RDD (punitivo ou cautelar), justificada
pelo magistrado no interesse da disciplina e da averiguação do fato, sem a oitiva
prévia do Ministério Público e da Defesa, tal qual exigido pelo art. 54, §2°, da LEP,
pelo prazo máximo de 10 (dez) dias, findo o qual deverá o juiz deliberar sobre a
inclusão do preso no RDD de maneira definitiva, ou, em sentido diverso, restabelecer
sua condição de detento comum.
De um lado, parte da doutrina sustenta que o preceito em questão revela-se
incompatível com os princípios do contraditório e da ampla defesa. Prevalece, po­
rém, a orientação de que determinadas situações urgentes demandam uma pronta e
imediata intervenção judicial, postergando-se a oitiva das partes para um momento
subsequente. Basta imaginar, a título de exemplo, uma rebelião em um presídio,
ou uma escalada da violência em determinada cidade (ou Estado) em virtude de
ordens emanadas de indivíduos custodiados em determinado estabelecimento pri­
sional. Nesse sentido, aliás, porém em relação a transferência de custodiados para
presídios federais, eis o teor da Súmula n. 639 do STJ: “Não fere o contraditório e
o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determine transferência
ou permanência de custodiado em estabelecimento penitenciário federal”.
De todo modo, levando-se em consideração que o prazo máximo de inclusão
preventiva de custodiado no RDD é de 10 (dez) dias, o ideal é concluir que, dentro
desse prazo, deverá o juiz da execução não apenas ouvir o Ministério Público e o
Defensor, como também proferir sua decisão. Não se aplica, in casu, o prazo de 15

157 Para o Supremo, o regime disciplinar diferenciado é sanção disciplinar. Logo, sua aplicação depende de
prévia instauração de procedimento administrativo para apuração dos fatos imputados ao custodiado: STF,
2a Turma, HC 96.328/SP, Rei. Min. Cezar Peluso. J. 02/03/2010, DJe 062 08/04/2010.
Cap. V • DEVERES, DIREITOS E DISCIPLINA 195

(quinze) dias a que se refere o art. 54, §2° da LEP. Outrossim, consoante disposto
no art. 60, parágrafo único, da LEP, o tempo de isolamento ou inclusão preventiva
no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da
sanção disciplinar (detração).

4.6. Regime disciplinar diferenciado em estabelecimento penais federais


de segurança máxima
De acordo com o art. 3o, caput, da Lei n. 11.671/08, com redação dada pela
Lei n. 13.964/19, serão incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança
máxima aqueles para quem a medida se justifique no interesse da segurança pública
ou do próprio preso, condenado ou provisório. A leitura do referido dispositivo
legal deixa entrever que o recolhimento de presos a tais presídios pode abranger
não apenas aqueles submetidos ao RDD (punitivo ou cautelar) na unidade prisional
de origem, como também aqueles não inseridos em tal regime (v.g., quando houver
risco à integridade física do preso).
Com o advento do Pacote Anticrime, porém, a LEP também passou a prever
que, existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2
(dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obriga­
toriamente cumprido em estabelecimento prisional federal (art. 52, §3°). São duas,
portanto, as hipóteses que acarretam o cumprimento obrigatório - e não facultativo
- do regime disciplinar diferenciado cautelar nos presídios federais de segurança
máxima: a) exercer liderança de organização criminosa (Lei n. 12.850/13, art. Io,
§1°), associação criminosa (CP, art. 288) ou milícia privada (CP, art. 288-A); b) ter
atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação.
Nessa hipótese prevista no art. 52, §3°, da LEP, o regime disciplinar diferenciado
deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz res­
peito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização
criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais (LEP, art.
52, §5°, incluído pela Lei n. 13.964/19).
VI
ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Em seus oito incisos, o art. 61 da Lei de Execução Penal alinha, sem nenhum
rigor hierárquico, os diversos órgãos encarregados da execução penal, atribuindo
a cada um deles, nos artigos subsequentes (arts. 62 a 81-B), suas respectivas com­
petências e atribuições. São órgãos da execução penal: I - o Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária; II - o Juízo da Execução; III - o Ministério Pú­
blico; IV - o Conselho Penitenciário; V - os Departamentos Penitenciários; VI - o
Patronato; VII - o Conselho da Comunidade; VIII - a Defensoria Pública.
A Exposição de Motivos da LEP (item n. 88) deixa transparecer que as atribuições
pertinentes a cada um desses órgãos foram estabelecidas de modo a evitar confli­
tos, destacando-se, pelo contrário, a possibilidade de atuação conjunta, objetivando
suprir os graves inconvenientes do conceito antigo de que a execução das penas e
das medidas de segurança seria assunto de natureza eminentemente administrativa.

2. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), com sede


em Brasília, é subordinado ao Ministério da Justiça. De acordo com a Exposição de
Motivos da LEP (item n. 187), preconiza-se para esse órgão a implementação, em todo
o território nacional, de uma nova política criminal e principalmente penitenciária
a partir de periódicas avaliações do sistema criminal, criminológico e penitenciário,
bem como a execução de planos nacionais de desenvolvimento quanto às metas e
prioridades da política a ser executada. De fato, ao longo da sua história, o CNP­
CP tem oferecido relevantes subsídios à implementação de políticas de Estado no
âmbito criminal e penitenciário, mediante informações, análises e deliberações para
aperfeiçoamento de políticas públicas.
O Conselho é integrado por 13 (treze) membros designados através de ato do
Ministério da Justiça, dentre professores e profissionais da área do Direito Penal,
198 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Processual Penal, Penitenciário e ciências correlatas, bem como por representantes


da comunidade e dos Ministérios da área social. Consoante disposto no art. 63,
parágrafo único, da LEP, o mandato dos membros do Conselho terá duração de 2
(dois) anos, renovado 1/3 (um terço) em cada ano. Como o dispositivo faz menção
à renovação do Conselho, entende-se, majoritariamente, estar proibida a imediata
recondução daquele que terminou de exercer o mandato de 2 (dois) anos. De se
notar que houve um equívoco da lei, eis que a renovação por um terço a cada ano
somente permitiría, em 2 (dois) anos, a designação de apenas 2/3 (dois terços)
dos membros do Conselho. Logo, como o mandato é de 2 (dois) anos, a solução
preconizada pela doutrina é a que conduz à renovação de metade dos membros a
cada ano. Como o número total de conselheiros - 13 (treze) não é divisível por 2
(dois), devem ser renovados os mandatos de seis ou sete membros, alternadamente,
a cada ano.1
De acordo com o art. 64 da LEP, ao Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária, no exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual,
incumbe: I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito,
administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança;
II - contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as
metas e prioridades da política criminal e penitenciária; III - promover a avaliação
periódica do sistema criminal para a sua adequação às necessidades do País; IV -
estimular e promover a pesquisa criminológica; V - elaborar programa nacional
penitenciário de formação e aperfeiçoamento do servidor; VI - estabelecer regras
sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais e casas de albergados;
VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal; VIII - ins­
pecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante
relatórios do Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca
do desenvolvimento da execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal,
propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu aprimora­
mento; IX - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para
instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em caso de violação
das normas referentes à execução penal; X - representar à autoridade competente
para a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal.

3. JUÍZO DA EXECUÇÃO

Se é certo afirmar que a sentença condenatória transitada em julgado per­


manece inalterada ao longo do tempo em relação ao fato delituoso, o mesmo não
pode ser dito em relação às sanções por ela fixadas. Com efeito, a mutabilidade
da pena em decorrência de institutos como, por exemplo, a progressão (ou re­
gressão) de regime prisional, o livramento condicional, a prática de faltas graves,
a reconversão em privativa de liberdade etc., bem como a indeterminação inerente
à medida de segurança, demonstram, à evidência, que as funções e atividades

1 MIRABETE. Op. cit. p. 182.


Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 199

que se desenvolvem ao longo do processo de execução não podem ficar a cargo


exclusivamente da Administração Penitenciária. Pelo contrário, a solução desses
conflitos demanda a intervenção do Judiciário (jurisdicionalização da execução
penal), dando a cada um o que é seu, haja vista os interesses individuais em
disputa: de um lado, a pretensão executória do Estado; do outro, geralmente, a
liberdade de locomoção do indivíduo.
Entre as diversas competências outorgadas ao juiz da execução, ora nos depa­
ramos com funções tipicamente jurisdicionais (v.g., unificação de penas, extinção
da punibilidade, progressão de regimes etc.), ora nos deparamos com atribuições
de caráter administrativo, que têm por objetivo precípuo normalizar a execução
penal, que está sujeita a normas legais e a prescrições regulamentares. É o que
ocorre, por exemplo, quando a Lei de Execução Penal dispõe que compete ao juiz
zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança, inspecionar
estabelecimentos penais, interditá-los, compor e instalar o Conselho da Comunidade
etc. (art. 66, incisos VI a X). Essa outorga de funções administrativas ao juiz da
execução não retira dos demais órgãos administrativos da execução o exercício dos
poderes de disciplina e deliberação durante o cumprimento da pena, bem como
os de vigilância e fiscalização dos estabelecimentos penais e da regular execução
das penas e das medidas de segurança. Não por outro motivo, é a própria LEP
que dispõe que compete ao Diretor do Estabelecimento penal a concessão de
permissão de saída (art. 120, parágrafo único), que cabe ao Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária a representação para a instauração de sin­
dicância ou procedimento administrativo e para a interdição de estabelecimento
penal (art. 64, IX e X), etc.
Nos exatos termos do art. 2o da Lei de Execução Penal, a jurisdição penal dos
juizes ou tribunais da justiça ordinária, em todo o território nacional, será exerci­
da, no processo de execução, na conformidade da Lei n° 7.210/84 e do Código de
Processo Penal, igualmente se aplicando a LEP ao preso provisório e ao condena­
do pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à
jurisdição ordinária.
Se a regra é a outorga dessa competência a um Juiz de Ia instância, seja ele
um juiz singular ou um juízo colegiado,2 daí, todavia, não se pode afastar a possi­
bilidade de os Tribunais atuarem como Juízo da Execução, o que é perfeitamente
possível nos casos de competência originária. Prova disso, aliás, é o art. 102,1, “m”,
da Constituição Federal, segundo o qual compete ao Supremo Tribunal Federal a
execução das penas impostas no exercício de sua competência originária, sem pre­
juízo da delegação de atribuições para a prática de atos processuais.

2 Para mais detalhes acerca da possibilidade de exercício das competências da execução penal por órgãos
colegiados de magistrados introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 12.694/12, e, depois,
ampliada, pelo Pacote Anticrime, consultar comentários ao capítulo atinente aos estabelecimentos penais,
mais precisamente ao tratarmos dos estabelecimentos penais federais de segurança máxima.
200 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.1. Fixação da competência do juízo da execução com base na natureza


do estabelecimento prisional em que se encontrar o condenado (ou
preso provisório)
A competência do Juízo da Execução é determinada em virtude da natureza do
estabelecimento prisional em que o preso se encontra recolhido ou do local em que está
cumprindo medida de segurança, pouco importando se o processo de conhecimento
tramitou perante outra “Justiça”. Logo, se se trata de presídio estadual, o juízo das
execuções será estadual; se federal, o juízo das execuções será federal; se militar, o
juízo das execuções será militar.
É nesse sentido o teor da Súmula n. 192 do STJ: “Compete ao Juízo das
Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela
Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos
à Administração Estadual”. Exemplificando, se determinado militar for condenado
pela Justiça Militar da União, sendo, porém, licenciado do serviço ativo, e, por
consequência, recolhido a um presídio estadual, a competência para o processo de
execução será da Justiça Estadual. A propósito, confira-se: “(...) Hipótese que cuida
de execução de medida de segurança imposta a marinheiro que veio a ser licencia­
do do serviço ativo. Ante a inexistência de vínculo com a justiça Militar, como no
caso dos autos, a pena imposta pela Justiça Militar deve ser executada pela Justiça
Estadual, nos termos do Enunciado da súmula 192/STJ. (...)”?
A justificativa para adoção desse entendimento nos é trazida por Alberto Silva
Franco: “a natureza e a sede do estabelecimento penitenciário em que o sentencia­
do cumpre a reprimenda determinam a competência do juiz para, no exercício da
atividade jurisdicional, dirimir os incidentes da execução da pena, pois outro enten­
dimento levaria a uma inadmissível dualidade jurisdicional em um mesmo presídio,
criando, às vezes, inconciliáveis situações em relação a presos numa mesma situação,
num mesmo estabelecimento penal, apenas e tão-somente porque suas condenações
foram decretadas por justiças diferentes”.3 4
Esse raciocínio é válido não apenas para o cumprimento de pena privativa de
liberdade, mas também quando se tratar de medida de segurança. Por consequência,
compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar
licenciado. Isso porque a execução dessa medida se dará em estabelecimento estadual,
ante a inexistência de estabelecimentos penais federais próprios para essa finalidade.
Inafastável, portanto, o enunciado da Súmula 192 do STJ.5
Mas e se o condenado pela Justiça Militar se encontrar recolhido a estabeleci­
mento penal militar? Qual seria o juízo competente? Seria possível a aplicação da
LEP? Na hipótese em que determinado militar tiver sido condenado pela Justiça
Militar da União (ou dos Estados) e estiver cumprindo pena em estabelecimento a
ela subordinado (v.g., Presídio Militar Romão Gomes), a competência recairá sobre
a Justiça Castrense. Nesse caso, os incidentes da execução penal não são decididos

3 STJ, 3a Seção, CC 149.442/RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornki, j. 09/05/2018, DJe 17/05/2018.
4 Crimes hediondos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 115.
5 . STJ, 3a Seção, CC 149.442/RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornki, j. 09/05/2018, DJe 17/05/2018.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 201

por um Conselho de Justiça, mas monocraticamente pelo Juiz Federal da Justiça


Militar da União (no âmbito da Justiça Militar da União), ou pelo Juiz de Direito
do juízo militar (no âmbito da Justiça Militar dos Estados), ex vi dos arts. 588 e
590 do CPPM.6

3.2. Competência do Juízo Federal da Execução Penal


Com a construção de presídios federais em Porto Velho/RO, Mossoró/RN,
Campo Grande/MS, Catanduvas/PR e Brasília/DF, tornou-se cada vez mais comum a
transferência de presos condenados pela Justiça Estadual para tais estabelecimentos,
o que provocou, inicialmente, certa controvérsia quanto à competência do juízo da
execução. Como exposto no tópico anterior, levando-se em conta a possibilidade de
um preso condenado pela Justiça Estadual estar recolhido em um presídio federal,
ou vice-versa, interessa, para fins de fixação da competência, a natureza do estabe­
lecimento penitenciário em que se encontra o condenado: se estadual, o juízo das
execuções será estadual; se federal, o juízo das execuções será federal. Daí, aliás, os
dizeres da súmula n. 192 do STJ. Aliás, na visão dos Tribunais Superiores, tratando-
-se de apenado pela Justiça Federal que vinha cumprindo a pena perante o Juízo
da Execução Estadual, não há falar em deslocamento da competência para a Justiça
Federal nem mesmo em razão da superveniência da progressão ao regime aberto.7
Mesmo antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime, já era exatamente nesse
sentido o teor da Lei n° 11.671/08, que dispõe sobre a transferência e inclusão de
presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima. De acordo com
seu art. 2o, caput, a atividade jurisdicional de execução penal nos estabelecimentos
penais federais será desenvolvida pelo juízo federal da seção ou subseção judiciária
em que estiver localizado o estabelecimento penal federal de segurança máxima ao
qual for recolhido o preso. Por sua vez, consoante disposto no art. 4o, §1°, da Lei
n° 11.671/08, a execução da pena privativa de liberdade, no período em que durar
a transferência, ficará a cargo do juízo federal competente. Ressalve-se dessa regra,
todavia, a hipótese de se tratar o transferido de preso cautelar, eis que, nesse caso,
“apenas a fiscalização da prisão provisória será deprecada, mediante carta precatória,
pelo juízo de origem ao juízo federal competente, mantendo aquele juízo a competên­
cia para o processo e para os respectivos incidentes” (Lei n° 11.671/08, art. 4o, §2°).
Eis que surge, então, o Pacote Anticrime, e acrescenta um parágrafo único ao
art. 2o da Lei n. 11.671/08: “O juízo federal de execução penal será competente para
as ações de natureza penal que tenham por objeto fatos ou incidentes relacionados

6 STJ, 3a Seção, CC 19.119/RS, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 12/08/97. Relembre-se que o militar só pode
ser recolhido a estabelecimento prisional comum após sua exclusão da Força Pública (Lei n. 6.880, art.
73, parágrafo único, "c"). Nessa linha: STF, 2a Turma, HC 72.785, Rei. Min. Néri da Silveira, DJ 08/03/1996.
Portanto, compete à Justiça Comum a execução da pena (ou medida de segurança) imposta pela Justiça
Castrense quanto à prática de crime militar, quando o condenado for excluído da Corporação Militar. A
propósito, confira-se: STJ, 3a Seção, CC 109.355/RJ, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 27/04/2011,
DJe 30/05/2011; STJ, 3a Seção, CC 149.442/RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornki, j. 09/05/2018, DJe 17/05/2018.
7 STJ, 3a Seção, AgRg no CC 136.407-PR, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado do TJ-SP
-, j. 09.09.2015, DJe 16.09.2015.
202 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

à execução da pena ou infrações penais ocorridas no estabelecimento penal federal”.


A leitura do referido dispositivo faz referência a duas competências diversas, senão
vejamos:
a) fatos ou incidentes relacionados à execução da pena: de nada adianta
outorgar ao juízo federal da seção (ou subseção judiciária) em que estiver loca­
lizado o estabelecimento penal federal de segurança máxima competência para
deliberar sobre a inclusão de indivíduos nesses presídios se a eles não for igual­
mente outorgada competência para o julgamento dos subsequentes incidentes da
execução penal, como, por exemplo, soma ou unificação de penas, progressão
ou regressão de regimes, etc. Aliás, mesmo antes da entrada em vigor do Pacote
Anticrime, a jurisprudência do STJ já tinha precedentes nesse sentido. De fato,
ao apreciar o Conflito de Competência n° 90.702/PR, relativo à execução penal
de apenados que foram transferidos para a penitenciária federal de Catanduvas/
PR por razões de segurança pública devido à periculosidade de suas condutas,
manifestou-se a 3a Seção do STJ pela competência do juízo federal para apre­
ciar as questões referentes à execução da pena no período de permanência dos
presos custodiados no estabelecimento federal.8 De modo a evitar quaisquer
controvérsias em relação à matéria, a Lei n. 13.964/19 simplesmente positivou
esse entendimento jurisprudencial;
b) infrações penais ocorridas no estabelecimento penal federal: com as
mudanças promovidas pelo Pacote Anticrime, o juízo federal da execução penal
também passa a ter competência para o processo e julgamento de infrações pe­
nais ocorridas no estabelecimento penal federal. Conquanto o dispositivo legal
faça uso do termo infração penal, que abrange crimes e contravenções, é correto
afirmar que o crime-anão não pode ser julgado pela Justiça Federal de primeira
instância, nos exatos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.9 Logo, na
eventualidade de contravenção penal ocorrida no interior de presídio federal (v.g.
jogo do bicho), a competência para o processo de conhecimento será da Justiça
Estadual. Noutro giro, interessante notar que o dispositivo em questão não faz
qualquer distinção em relação ao autor do delito. Logo, desde que praticado no
interior do presídio federal, é de todo irrelevante que o crime em questão tenha
sido cometido por - ou contra - um preso, pois em ambas as hipóteses não se

8 STJ, 3a Seção, CC 90.702/PR, Rei. Min. Og Fernandes, DJe 13/05/2009. E ainda: STJ, 3a Seção, CC 110.576/
AM, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 9/6/2010. A interpretação atribuída pela Terceira Seção
do STJ ao verbete da Súmula n. 192 é a de que se transfere ao Juízo do local onde se cumpre a pena
não apenas a fiscalização da execução da reprimenda, mas, também, os incidentes relacionados, dentre
os quais se destacam os pedidos de progressão de regime e de livramento condicional. Nesse sentido:
STJ, 3a Seção, AgRg no CC n. 164.523/PR, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 13/5/2019; STJ, 3a
Seção, CC n. 163.091/SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, DJe de 25/3/2019. No sentido de que a Resolução n°
502/2006 do Conselho da Justiça Federal é constitucional, ao permitir o cumprimento de pena imposta por
decisão da Justiça estadual em estabelecimento federal sob competência do juízo de Execução Criminal
da Justiça Federal: STJ, HC 116.301/RJ, Rei. Min. Jorge Mussi, julgado em 10/11/2009.
9 Constituição Federal: "Art. 109. Aos juizes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e
as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entida­
des autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça
Militar e da Justiça Eleitoral; (...)".
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 203

pode negar a existência de interesse direto e imediato da União, capaz, pois, de


justificar a fixação da competência da Justiça Federal com fundamento no art.
109, IV, da Carta Magna. Exemplificando, se um crime de homicídio for prati­
cado por um preso contra outro, o interesse da União estará evidenciado não
apenas no dever que recai sobre ela de tutelar a integridade física (e a vida) de
todas as pessoas que ali encontram-se custodiadas, mas também na obrigação
de zelar pela segurança interna (e externa) dos presídios federais.10 Por outro
lado, ainda que o crime em questão tenha sido cometido contra um preso por
alguém que não esteja ali custodiado, como, por exemplo, por um integrante da
Polícia Penal Federal (v.g., abuso de autoridade), também não se pode afastar a
competência da Justiça Federal. Afinal, como dispõe a súmula n. 254 do extinto
Tribunal Federal de Recursos, “compete à Justiça Federal processar e julgar os
delitos praticados por funcionário público federal, no exercício de suas funções
e com estas relacionados”.
Nesse ponto específico do art. 2o, parágrafo único, in fine, da Lei n. 11.671/08,
por se tratar de diploma normativo que altera regras de competência, a Lei n.
13.964/19 deverá ter aplicação imediata aos processos em andamento. Como se
trata de verdadeira norma processual que altera a competência em razão da matéria,
não se pode admitir a perpetuação da competência. Afinal, como preceitua o art.
43 do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo penal comum, “determina-se a
competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo
irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormen­
te, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”.
Por consequência, se eventual processo penal atinente à infração penal ocorrida no
interior de um estabelecimento penal federal encontrar-se em tramitação perante
uma vara estadual - ou mesmo federal, porém não da execução penal -, a entrada
em vigor do Pacote Anticrime deverá provocar a imediata remessa do feito ao Juízo
Federal da Execução Penal.
É de todo relevante destacar que o novel parágrafo único do art. 2o da Lei n.
11.671/08, incluído pelo Pacote Anticrime, restringe a competência do juízo federal
da execução penal às ações de natureza penal. Nada dispõe acerca dos processos
de natureza cível, em sentido diverso da redação original constante do Projeto de
Lei n. 882/2019 apresentado ao Congresso Nacional: “Art. 2o. (...) Parágrafo único.
O juízo federal de execução penal será competente para as ações de natureza cível
ou penal que tenham por objeto fatos ou incidentes relacionados à execução da
pena ou infrações penais ocorridas no estabelecimento penal federal”, (nosso grifo)
Logicamente, se acaso presente uma das hipóteses constantes do art. 109 da Cons­
tituição Federal, a exemplo de uma ação indenizatória proposta pelos familiares de

10 Como destaca Ludmila de Paula Castro Silva (Op. cit. p. 62), o dispositivo em questão - art. 2o, parágrafo
único, da Lei n. 11.671/08, incluído pelo Pacote Anticrime - "apresenta uma presunção de que os fatos
ou incidentes relacionados à execução da pena ou infrações penais ocorridas no estabelecimento penal
federal afetam bens e interesses da União, até mesmo por macular a segurança máxima que justifica a
própria existência desta espécie de presídio".
204 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

preso executado no interior de um presídio federal, a competência será da Justiça


Federal, eis que se trata de causa em que a União figurará na condição de ré (CF,
art. 109, I). Isso, todavia, não terá o condão de atrair a competência do feito para o
juízo federal da execução penal, devendo a demanda tramitar perante o Juízo Federal
cível da seção (ou subseção) judiciária em que estiver localizado o estabelecimento
penal federal de segurança máxima em questão.
Em conclusão, quanto ao juízo competente para a execução da pena de
multa advinda de sentença condenatória proferida por Juízo Federal, imposta
cumulativamente com pena privativa de liberdade cumprida em estabelecimento
prisional estadual, há de se aplicar a mesma lógica constante da súmula n. 192 do
STJ. Não se revela possível, portanto, cindir a execução penal para coexistir uma
execução penal exclusivamente da pena privativa de liberdade, perante o juízo
estadual, e uma execução da pena de multa, promovida pelo Ministério Público
Federal perante o Juízo Federal da Execução. Logo, a execução da pena de deve
seguir perante o Juízo Estadual no caso de haver cumprimento de pena privativa
de liberdade em presídio estadual aplicada cumulativamente com a multa. Além
de a multa ter natureza de sanção penal, sendo racional a existência de execução
penal una, os valores recolhidos, quer por sentença condenatória proferida por
Juízo Estadual ou por sentença condenatória proferida por Juízo Federal, têm o
mesmo destino: o Fundo Penitenciário Nacional, nos termos do art. 2o, inciso V,
da Lei Complementar n° 79/1994. Os montantes depositados no referido Fundo
são repassados a outros entes federativos, conforme regras estabelecidas na Lei
Complementar que o criou. Destarte, os valores referentes à multa penal imputada
por Juízo Federal não têm destinação específica para estabelecimento prisional
federal ou programas de inserção social exclusivamente administrados pela União,
razão penal qual não se identifica especial interesse da União na execução da
multa penal por ela imposta.11

3.3. Competência territorial


Quanto à competência territorial do juízo das execuções, preceitua o art. 65 da
LEP que “a execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização
judiciária e, na sua ausência, ao da sentença”. Em regra, por conseguinte, tem-se que
o processo de execução do condenado deve ser conduzido pelo magistrado responsá­
vel pela Vara de Execuções Criminais do local onde está ocorrendo o cumprimento
da pena. Excepcionalmente, se o sentenciado estiver cumprindo pena na mesma
comarca do juiz prolator da decisão que o condenou, e desde que nesse lugar não
haja vara privativa de execução penal, a competência deverá recair sobre o juiz da
sentença (LEP, art. 65, parte final).
Nas hipóteses de mudança de local de cumprimento de pena, ainda que para
outro Estado da Federação, os autos da execução penal devem seguir o condenado,

11 Nesse contexto: STJ, 3a Seção, CC 168.815-PR, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 10.06.2020, DJe 16.06.2020.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 205

cabendo ao respectivo magistrado promover a execução,12 ressalvada a hipótese em


que houver uma transferência provisória do condenado para outra comarca (v.g.,
para acompanhar a instrução de um processo), hipótese em que não há necessidade
de deslocamento da competência territorial.13
Por consequência, na eventualidade de a execução penal ser transferida para
outra unidade da Federação com base no art. 86 da LEP, o juiz competente para
esse fim será aquele da unidade da Federação onde a pena será executada, de acor­
do com a respectiva Lei de Organização Judiciária. Como já se pronunciou o STJ,
“(...) se a execução penal é transferida para outra Unidade da Federação, consectário
lógico da remoção operada, a teor do art. 86 da Lei n° 7.210/84, o Juiz competente
para esse fim é o indicado pela Lei de Organização Judiciária, ou seja, aquele da
Unidade da Federação onde se executará a pena. Está-se diante não de uma simples
delegação de competência de um Estado para outro, mas de verdadeira modifica­
ção de competência. (...) Para o fiel cumprimento da execução penal deve-se levar
em conta, diante das circunstâncias do caso concreto, não apenas as conveniências
pessoais e familiares dos presos, bem como os da Administração Pública, sobretudo
quando relacionadas com o efetivo cumprimento da pena, uma vez que se reconheça
a impossibilidade do Juízo que solicitou o deslocamento dos apenados de se fazer
presente no local do cumprimento da pena para acompanhá-la e tratar de incidentes
que surjam no decorrer da execução”.14
Corroborando esse raciocínio segundo o qual o juízo da execução é determinado
com base no local do cumprimento da pena, vale destacar que a Lei n° 11.671/08, que
dispõe sobre a transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais
de segurança máxima, preceitua em seu art. 6o que, admitida a transferência do preso
condenado, o juízo de origem deverá encaminhar ao juízo federal os autos da execu­
ção penal.

3.4. Juízo competente para a concessão antecipada de benefícios


prisionais ao preso cautelar
Como exposto anteriormente, tem sido admitida pelos Tribunais a concessão de
progressão de regimes ao preso cautelar, enquanto aguarda o julgamento de recurso
interposto pela defesa, desde que tenha se operado o trânsito em julgado da sentença
condenatória para o Ministério Público, pelo menos em relação à pena (princípio
da non reformatio in pejus - CPP, art. 617). Prova disso é o teor da súmula n° 716
do STF: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação
imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado

12 No sentido de que compete ao Juízo da Vara das Execuções Penais da comarca onde se situa o estabele­
cimento penitenciário onde o condenado cumpre pena decidir sobre os incidentes de execução, mesmo
sendo esta imposta por Juízo de outro Estado: STJ, 3a Seção, CC 33.186/AM, Rei. Min. Vicente Leal, DJ
04/02/2002 p. 285; STJ, 3a Seção, CC 25.986/AC, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 18/10/1999.
13 NUCCI. Op. cit. p. 277-278.
14 STJ, 3a Seção, CC 90.702/PR, Rei. Min. Og Fernandes, DJe 13/05/2009.
206 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

da sentença condenatória”. Nesse caso, a quem compete a concessão do benefício?


Ao juízo da condenação ou ao juízo da execução?
Uma primeira corrente entende que a competência para decidir sobre
a concessão de benefícios prisionais (v.g., progressão de regime) em relação
aos presos provisórios, ou seja, no período que medeia entre a publicação da
sentença condenatória e o seu trânsito em julgado, é do Juiz do processo de
conhecimento.15 Prevalece, todavia, o entendimento de que a competência é do
Juízo da Execução Penal.16 É que, aberta a execução provisória, incumbe ao Juiz
do processo de conhecimento determinar a expedição da guia de recolhimento
provisória, enviando-a, na sequência, à Vara de Execução competente. Por con­
sequência, é neste último juízo que deverá correr a execução e serem feitos os
pedidos a ela relacionados. A propósito, eis o teor do art. 8o da Resolução n°
113 do CNJ: “Tratando-se de réu preso por sentença condenatória recorrível,
será expedida guia de recolhimento provisória da pena privativa de liberdade,
ainda que pendente recurso sem efeito suspensivo, devendo, nesse caso, o juízo
da execução definir o agendamento dos benefícios cabíveis”. Nesse contexto, como
já se pronunciou o STJ, “(...) o magistrado, na sentença, determinou a expedição
de guia de execução provisória, possibilitando à defesa o acesso aos benefícios
da execução, a serem requeridos diretamente ao juízo das execuções. Inexiste,
portanto, óbice à progressão de regime do agravante, não se sustentando, assim,
a tese de desproporcionalidade da custódia cautelar”.17
Importante atentar para o fato de que a competência do Juízo da Execução
em relação aos presos cautelares ficará restrita aos incidentes da execução (v.g.,
progressão de regimes, livramento condicional etc.), subsistindo a competência
do juiz do processo de conhecimento em relação às matérias que não guardem
relação com benefícios prisionais. Exemplificando, se a defesa técnica requerer a
revogação da prisão preventiva, a competência será do Juiz do processo de co­
nhecimento, e não do Juízo da Execução. Também recai sobre aquele magistrado
a competência para revisar a necessidade de manutenção da prisão preventiva a
cada 90 (noventa) dias, ex vi do art. 316, parágrafo único, do CPP, incluído pela
Lei n. 13.964, de 2019.

15 STJ, 6a Turma, HC 7.955/MT, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 17/02/1999 p. 167.


16 STF, IaTurma, RHC 92.872/MG, Rei. Min. Cármen Lúcia, Dje 26 14/02/2008. Ainda no sentido da competência
do juízo da execução para processar e julgar pedido de progressão de regime feito por preso cautelar: STJ,
5a Turma, HC 89.711/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe 09/06/2008. Uma vez tendo o réu que cumprir pena,
mesmo provisória, imposta pela Justiça Federal, em estabelecimento prisional sujeito à administração
estadual, é da competência da Vara das Execuções Penais do Estado o processamento e julgamento dos
incidentes da execução. A competência da Justiça Comum Estadual, nesse caso, é ordinária - originária
e recursal -, não sendo caso de delegação de competência federal: STJ, 5a Turma, HC 89.711/SP, Rei. Min.
Laurita Vaz, j. 20/05/2008, DJe 09/06/2008.
17 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 605.141-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 02.02.2021, DJe 04.02.2021.
No mesmo contexto: STJ, 5a Turma, AgRg no HC 684.833-RS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
24.08.2021, DJe 30.08.2021; STJ, 5a Turma, AgRg no RHC 130.9559-PR, Rei. Min. Felix Fischer, j. 09.12.2020,
DJe 15.12.2020.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 207

3.5. Juízo competente para a execução da pena de multa


Para mais detalhes acerca do assunto, consultar comentários ao capítulo refe­
rente à execução da pena de multa.

3.6. Juízo da Execução no âmbito dos Juizados Especiais Criminais


Quando aplicada isoladamente, seja em virtude de transação penal, seja em virtu­
de de condenação definitiva, a pena de multa deve ser cumprida mediante pagamento
na Secretaria do próprio Juizado Especial Criminal. Efetuado o pagamento, o juiz de­
clarará extinta a punibilidade, determinando que a condenação não fique constando
dos registros criminais, exceto para fins de requisição judicial. É nesse sentido o teor
do art. 84 da Lei n. 9.099/95.
Quanto à competência para a execução na Lei n° 9.099/95, deve-se ficar atento
à aparente contradição entre seu art. 60, segundo o qual compete ao Juizado Es­
pecial Criminal a conciliação, o julgamento e a execução das infrações de menor
potencial ofensivo, e o preceito constante do art. 86 do mesmo diploma normativo,
o qual estabelece que a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de
direitos, ou de multa cumulada com estas, será processada perante o órgão com­
petente, nos termos da Lei. Apesar de o art. 60 da Lei 9.099/95 estabelecer que o
Juizado Especial Criminal tem competência para a execução das infrações penais de
menor potencial ofensivo, entende-se que, no caso de penas privativas de liberdade,
restritivas de direitos e de multa com elas cumulada, incide o disposto no art. 86
do mesmo diploma legal, por se tratar de regra especial em relação àquela. A com­
petência para execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos,
e mesmo da multa com elas cumulada, deve ser da vara de execuções criminais,
afastada a competência dos Juizados e das Turmas Recursais. Resumidamente: se
há multa isolada, será executada perante os Juizados Especiais Criminais. Se houver
pena restritiva de direitos ou privativa de liberdade, ou mesmo multa cumulada com
essas sanções, a competência para execução será do Juízo comum.18

3.7. Rol exemplificativo de competências criminais do Juiz da Execução


De acordo com o art. 66 da Lei de Execução Penal, compete ao Juiz da execução:
I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favore­
cer o condenado: mesmo antes da entrada em vigor da Lei n. 7.210/84, o Supre­
mo Tribunal Federal já possuía entendimento consolidado no sentido de que a

18 Para o STJ, "é do Juízo Comum a competência para a execução das penas restritivas de direito, privativas
de liberdade e multa, quando aplicada cumulativamente com aquelas, conforme a exegese do art. 86 da
Lei 9.099/95. Reservada a competência do Juizado especial à pena de multa quando aplicada isoladamente.
(STJ, 3a Seção, CC 97.080/MG, Rei. Min. Og Fernandes, DJe 07/11/2008). E ainda: STJ, 3a Seção, CC 47.894/
RS, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 08/06/2005 p. 147. No sentido de que a competência para a
execução das penas privativas de liberdade impostas no âmbito dos juizados especiais criminais pertence
aos Juízos das Execuções Criminais, integrantes da Justiça Comum: STJ, 3a Seção, CC 62.662/SP, Rei. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, j. 28/03/2008, DJe 22/04/2008.
208 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

competência para aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo
favorecesse o condenado recairia sobre o juiz da execução, pouco importando se a
condenação anterior fora firmada por juízo de Io grau ou por qualquer Tribunal.
Prova disso, aliás, é o teor da Súmula n. 611 do STF: “Transitada em julgado a
sentença condenatória, compete ao Juízo das Execuções a aplicação da lei mais
benigna”. Conquanto, à primeira vista, pareça não haver maiores discussões acerca
da competência para aplicação da lex mitior após o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, deve se entender que compete ao juízo das execuções a apli­
cação da lei mais benéfica apenas quando tal aplicação importar em mero cálculo
matemático. A contrario sensu, toda vez que o juiz da Vara de Execuções, de modo
a aplicar a lex mitior, tiver de, necessariamente, adentrar no mérito da ação penal
de conhecimento, já não possuirá competência para tanto, sendo necessário o ajui-
zamento de revisão criminal. Rogério Greco cita um exemplo: “suponhamos que a
nova lei penal tenha criado uma causa geral de diminuição de pena por considerar
a idade do agente ao tempo da ação ou da omissão. O juiz, para aplicar a referida
redução, bastará conferir o documento de identidade existente nos autos. Se o
agente se adequar às novas disposições, fará jus à redução. O cálculo, neste caso,
é meramente matemático, objetivo. Agora, tomando de empréstimo o exemplo de
Alberto Silva Franco, se o juiz tiver de avaliar a participação do agente para poder
chegar à conclusão de que fora de menor importância, deverá, obrigatoriamente,
reavaliar o mérito da ação penal. Em casos como tais, a competência não mais será
do juiz das execuções, ficando a cargo do tribunal competente para a apreciação
do recurso, via revisão criminal, pois que entendimento contrário conduziría a
transformar o juiz da execução penal num ‘superjuiz’ com competência até para
invadir a área privativa da segunda instância, alterando qualificações jurídicas
definitivamente estatuídas”.19 Perceba-se que a competência para aplicação da nor­
ma penal mais benéfica somente recai sobre o juízo das execuções nas hipóteses
em que já houve o trânsito em julgado da sentença condenatória. Por isso, se o
processo ainda estiver em andamento no primeiro grau de jurisdição, caberá ao
próprio juiz do processo de conhecimento a aplicação da lex mitior. Lado outro,
se o processo estiver em grau recursal, caberá ao respectivo Tribunal a aplicação
da norma penal mais favorável, pouco importando se se trata de julgamento de
recurso exclusivo da acusação, sob pena de flagrante desrespeito à norma cons­
titucional do art. 5o, XL, sendo desnecessária a devolução dos autos à primeira
instância. Sobre o assunto, a Súmula 88 das Mesas de Processo Penal da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo dispõe: “Antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória, compete ao Tribunal de 2o grau, na pendência de recurso,
aplicar a lei mais benéfica, não ocorrendo na hipótese supressão de um grau de
jurisdição, por existirem outros meios de impugnação aberto às partes”;
II - declarar extinta a punibilidade: o art. 107 do Código Penal traz um rol não
taxativo das causas extintivas da punibilidade. Há outras previstas no Código Penal e
na legislação especial. Certas causas extintivas da punibilidade podem ocorrer antes
ou depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. É o que ocorre,

19 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 5a ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 125.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 209

por exemplo, com a morte do agente, a prescrição etc. Outras, todavia, somente
após a formação da coisa julgada (decurso do prazo da suspensão condicional da
pena e do livramento condicional, prescrição da pretensão executória etc.). Portanto,
quando o art. 66, inciso II, da LEP, dispõe que compete ao Juiz da Execução declarar
a extinção da punibilidade, deve se entender que o dispositivo se refere apenas às
hipóteses de causas ocorridas após o trânsito em julgado da sentença condenatória,
e não àquelas que o antecedem, eis que, nesse caso, a competência seria do Juiz
(ou Desembargador) do processo de conhecimento (v.g., decadência, renúncia ao
direito de queixa, perdão do ofendido etc). A título de exemplo, basta supor que,
após a condenação irrecorrível de agente que esteja cumprindo pena, sobrevenha
a abolitio criminis (CP, art. 2o, caput). Se acaso o juiz da execução (LEP, art. 66,
I) não reconhecer que tal conduta deixou de ser considerada como fato criminoso,
seria cabível, em tese, o agravo em execução, nos termos do art. 197 da LEP. Todavia,
ante a urgência em se obter o reconhecimento do constrangimento ilegal, a via do
habeas corpus será mais adequada para a imediata restauração do direito de ir, vir
e ficar. Para tanto, o writ poderá ser impetrado com fundamento no art. 648, VII,
do CPP, c/c art. 107, III, do CP;
III - decidir sobre:
a) soma ou unificação de penas: a soma de penas é mencionada pelo Código
Penal (arts. 75, §1°, e 84), pelo Código de Processo Penal (art. 82, 2a parte), e pela
Lei de Execução Penal (arts. 66, III, “a”, 111 e 141). Também é possível que as penas
tenham que ser unificadas pelo Juízo da Execução, quer por se tratar de concurso
formal próprio ou crime continuado (CP, arts. 70 e 71; CPP, art. 82, 2a parte), quer
nos casos em que houver necessidade de se respeitar o limite máximo de 40 (qua­
renta) anos de cumprimento de pena previsto no art. 75, caput, do CP, com redação
dada pela Lei n. 13.964/19;20
b) progressão ou regressão nos regimes: a progressão de regime é a transferência
do acusado do regime mais gravoso para o mais brando (fechado para o semiaber­
to ou do semiaberto para o aberto). A regressão, por sua vez, é a transferência do
acusado do regime mais brando para o mais gravoso (aberto para o semiaberto ou
de qualquer destes para o fechado);21
c) detração e remição da pena: a detração é uma operação matemática em
que se subtrai da pena privativa de liberdade (ou da medida de segurança) aplicada
ao acusado no final do processo, o tempo de prisão provisória (ou internação em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico) que o condenado já cumpriu ante­
riormente. Trata-se de instituto que pretende amenizar as consequências de uma
custódia cautelar, abatendo-se da pena efetivamente aplicada o período em que o
acusado esteve preso por meio da referida medida, seja em razão de prisão provisó­
ria, seja em virtude de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

20 Para mais detalhes acerca da soma e da unificação de penas, consultar capítulo referente à execução da
pena privativa de liberdade, mais precisamente item atinente ao cálculo de liquidação de penas.
21 Ambos os institutos serão objeto de estudo no capítulo atinente à execução da pena privativa de liberdade,
para onde remetemos o leitor.
210 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Por outro lado, a remição consiste no abatimento da pena privativa de liberdade em


virtude do trabalho, do estudo ou de outras atividades semelhantes;22
d) suspensão condicional da pena: consiste no sobrestamento da execução da
pena privativa de liberdade, mediante determinadas condições a serem obedecidas
pelo condenado durante um período de prova. A competência para conceder o
referido benefício, que será objeto de análise mais adiante, precisamente no ca­
pítulo atinente à execução da pena privativa de liberdade, é do juiz do processo
de conhecimento, por ocasião da sentença condenatória. Logicamente, havendo
recurso, ou tratando-se de feito da competência originária, a concessão do sursis
será de competência do Tribunal, a quem também caberá estabelecer as respectivas
condições (LEP, art. 157). O Tribunal poderá, todavia, ao conceder a suspensão
condicional da pena, conferir ao Juízo da Execução a incumbência de estabelecer
as condições do benefício, e, em qualquer caso, a de realizar a audiência admo­
nitória (LEP, art. 159, §2°);
e) livramento condicional: cuida-se da antecipação da liberdade do conde­
nado, quando preenchidos os requisitos legais, mediante o cumprimento de certas
condições durante o período de prova;23
f) incidentes da execução: a terminologia “incidentes da execução”, constante
do Título VII da Lei de Execução Penal, abrange as conversões (arts. 180 a 184),
o excesso ou desvio (arts. 185 e 186), a anistia e o indulto (arts. 187 a 193). Para
além desses institutos, a doutrina também considera como incidentes da execução
lato sensu todas as demais ocorrências constantes da Lei de Execução Penal que te­
nham o condão de interferir no cumprimento da pena ou da medida de segurança,
ora acarretando sua redução, substituição, ora acarretando sua própria extinção, a
exemplo da progressão e regressão de regime prisional, o livramento condicional, a
unificação das penas, a remição e a detração etc.;
IV - autorizar saídas temporárias: as saídas temporárias, que serão objeto
de estudo no capítulo atinente à execução da pena privativa de liberdade, estão
previstas nos arts. 122 a 125 da LEP. Diversamente das permissões de saída, a Lei
de Execução Penal restringe a concessão da saída temporária exclusivamente aos
condenados que cumprem pena no regime semiaberto. A jurisprudência, todavia,
entende que o benefício também é válido para os condenados que cumprem pena
no regime aberto, sem vigilância direta (admite-se o monitoramento eletrônico).
A autorização para saída temporária poderá ser concedida nos seguintes casos: a.
visita à família; b. frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de
instrução do segundo grau ou superior; c. participação em atividades que con­
corram para o retorno ao convívio social. Ao contrário das permissões de saída,
que podem ser deferidas pelo diretor do estabelecimento carcerário (LEP, art. 120,

22 De modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor mais uma vez ao capítulo atinente à
execução da pena privativa de liberdade, onde a detração e a remição serão objeto de análise detalhada.
23 Para mais detalhes acerca do livramento condicional, remetemos o leitor ao capítulo atinente à execução
da pena privativa de liberdade.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 211

parágrafo único), a saída temporária deve ser concedida por ato motivado do
juízo da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária
(LEP, art. 123);
V - determinar:
a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar
sua execução: conquanto recaia sobre o juiz do processo de conhecimento a
competência para verificar a presença dos requisitos legais do art. 44 do Código
Penal, determinado, em caso afirmativo, a substituição da sanção privativa de
liberdade por uma das penas alternativas, incumbe ao Juiz da Execução esta­
belecer a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua
execução, observando, para tanto, os limites constantes da sentença condenatória
transitada em julgado;
b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de
liberdade: de nada adianta a imposição de uma pena restritiva de direitos se a ela
não se emprestar força coercitiva. É nesse sentido que se destaca a importância
dos §§4° e 5o do art. 44 do Código Penal, que preveem, respectivamente, causas de
conversão obrigatórias e facultativas das penas alternativas em privativas de liberda­
de.24 Noutro giro, conquanto o art. 66, V, alínea “b”, da Lei de Execução Penal, faça
referência à conversão da pena de multa em privativa de liberdade, é dominante
o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que tal preceito foi
tacitamente revogado pela Lei n. 9.268/96, que, à época, atribuiu nova redação ao
art. 51 do Código Penal, para prever que a multa será considerada dívida de valor,
implicando o seu não pagamento, portanto, em ser executada como tal, e não mais
convertida em prisão, como ocorria até então;
c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos:
como exposto anteriormente, cabe ao magistrado do processo de conhecimento,
por ocasião da prolação da sentença condenatória - ou do acórdão que reformar
a sentença absolutória -, após fixar a pena privativa de liberdade de acordo com o
sistema trifásico e estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de
liberdade, deliberar sobre o cabimento das penas restritivas de direitos, analisando a
presença (ou não) dos requisitos do art. 44 do Código Penal. Caso isso não ocorra,
o art. 180 da LEP admite a substituição da pena privativa de liberdade não supe­
rior a dois anos durante o curso da execução penal, desde que: I - o condenado a
esteja cumprindo em regime aberto; II - tenha sido cumprido pelo menos ¥* (um
quarto) da pena; III - os antecedentes e a personalidade do condenado indiquem
ser a conversão recomendável;
d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena
por medida de segurança: determinada a aplicação de medida de segurança pelo
juiz do processo de conhecimento, sua execução ficará a cargo do Juízo da Execução,
porquanto estamos diante de verdadeira espécie de sanção penal. Por outro lado,

24 Para mais detalhes acerca das chamadas penas alternativas, remetemos o leitor ao capítulo atinente às
penas restritivas de direitos.
212 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

também compete ao Juízo da Execução determinar a substituição da pena privativa


de liberdade por internação ou tratamento ambulatorial, desde que preenchidos os
respectivos pressupostos;25
e) a revogação da medida de segurança: a medida de segurança tem como
finalidade precípua curar o paciente. Logrando-se êxito nesse desiderato, o internado
deverá ser liberado. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 97, §3°, do Código Penal,
segundo o qual a desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo
ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano,
pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. Aos olhos dos Tribunais
Superiores, a medida de segurança também deverá ser revogada quando transcorrido
o máximo de prazo aceito pela jurisprudência;
f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior: se restar eviden­
ciada a cessação da periculosidade do agente, o juiz deverá determinar a suspensão da
execução da medida de segurança, quer por meio da desinternação, reservada para
a espécie detentiva, quer por meio de liberação, quando o agente estivesse subme­
tido a tratamento ambulatorial. Caso não cumpridas satisfatoriamente as condições
impostas para manter-se em liberdade, caberá ao Juízo da Execução determinar a
sua recondução ao hospital de custódia e tratamento;
g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca:
em seu art. 66, V, alínea “g”, a Lei de Execução Penal deixa claro que recai sobre
o Juízo da Execução Penal do lugar onde se encontra o condenado a competência
para autorizar a sua transferência para outra Comarca ou outro presídio, a fim de
cumprir sua pena ou medida de segurança. No dia a dia, é muito comum que o
Poder Executivo atropele esse dispositivo, transferindo o preso para outra cidade (ou
Estado da Federação) por razões de segurança, comunicando o Juízo da Execução
na sequência, supostamente para fins de homologação de situação já consolidada.
Nesse ponto, é importante lembrar que a execução da pena é um procedimento misto,
porém precipuamente jurisdicional, daí por que tal prática não pode ser tolerada.26
Por se tratar, a determinação de remoção definitiva do condenado para cumprimento
da pena privativa de liberdade em outra comarca ou outro de Estado, de verdadeira
decisão jurisdicional, e não meramente administrativa, já que o magistrado estará
declinando de sua competência para a execução penal, é de rigor a observância do
contraditório e da ampla defesa, daí por que se impõe, pelo menos em regra, a oitiva
prévia do Ministério Público e do condenado (ou do acusado), cabendo, contra a
referida decisão, o recurso de agravo em execução (LEP, art. 197). Considerando-se,
ademais, que a transferência em caráter definitivo acarreta a alteração da competência
para a execução, que passa a ser do Juiz de outro Estado da Federação, ou de outra
comarca, é imprescindível, se acolhida, a prévia anuência do Juízo para o qual deve

25 Para mais detalhes acerca da internação e do tratamento ambulatorial, inclusive em relação às diversas
decisões que podem ser proferidas pelo Juízo da Execução no curso do seu cumprimento (LEP, art. 66, V,
alíneas d, e, f e g, remetemos o leitor ao capítulo atinente às medidas de segurança.
26 NUCCI. Op. cit. p. 255.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 213

ser realizada a remoção. O Juízo da Execução não perde sua competência, todavia,
em relação ao sentenciado que é transferido apenas provisoriamente para comarca
sujeita à outra jurisdição;27
h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § Io, do artigo 86,
desta Lei: de acordo com o art. 86, §1° da LEP, com redação dada pela Lei n.
10.792/03, a União Federal poderá construir estabelecimento penal em local dis­
tante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se justifique
no interesse da segurança pública ou do próprio condenado. A competência para
deliberar sobre a remoção do condenado em tais hipóteses recai sobre o Juízo da
Execução;
VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de seguran­
ça: como espécie de atribuição de caráter administrativo, o inciso VI do art.
66 da LEP prevê, de maneira ampla e genérica, que cabe ao juiz da execução
tomar as medidas necessárias para que sejam obedecidos todos os dispositivos
concernentes à execução penal, já que é dever dele zelar pela correta aplicação
da Lei n. 7.210/84;
VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando pro­
vidências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a
apuração de responsabilidade: para verificar o correto cumprimento da pena e da
medida de segurança (LEP, art. 66, VI), nada mais importante que a realização de
inspeções mensais dos estabelecimentos penais pelo juiz da execução, oportunidade
em que poderá verificar in loco a situação desses estabelecimentos, tornando efetivas
as determinações legais e judiciais, e promovendo, quando necessário, a apuração
da responsabilidade, seja determinando a instauração do respectivo procedimento
administrativo disciplinar, seja remetendo cópia dos autos ao Ministério Público
para apuração de crime de ação penal pública. Como destaca a doutrina, já “não
há mais espaço para a permanência da doutrina do hands off, por muito tempo uti­
lizada para legitimar o afastamento do Poder Judiciário das questões cotidianas da
execução penal, eximindo-o de responsabilidade sobre a proteção direta dos direitos
das pessoas presas. Muito menos há lugar para a permanência da teoria das relações
especiais de sujeição, que parte do pressuposto de que a Administração Peniten­
ciária é legitimada e apta, por si só, para reger as relações com as pessoas presas,
criando zonas impermeáveis à intervenção jurisdicional”.28 A denominada inspeção
carcerária, a ser realizada pessoal e mensalmente pelos juizes de execução criminal
nos estabelecimentos penais sob sua responsabilidade, encontra-se disciplinada,
atualmente, pela Resolução n. 47, de 18.12.2007, do Conselho Nacional de Justiça,
que impõe a elaboração de um relatório a ser enviado à Corregedoria do respectivo
Tribunal até o dia 05 do mês subsequente, sem prejuízo das providências imediatas
para o regular funcionamento do estabelecimento penal. Por fim, convém destacar
que a competência de inspeção dos estabelecimentos prisionais atribuída ao Juiz da

27 MIRABETE. Op. cit. 279.


28 ROIG. Op. cit. p. 221.
214 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Execução não exclui a possibilidade de semelhante atuação dos demais órgãos da


execução (v.g., Ministério Público, Conselho Penitenciário, Defensoria Pública etc.);
VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver
funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos
desta Lei: à semelhança das duas hipóteses anteriores, o inciso VIII do art. 66
da LEP outorga ao juiz da execução penal uma atribuição de natureza eminente­
mente administrativa. Na eventualidade de o magistrado verificar que o estabe­
lecimento penal não atende aos requisitos mínimos para a execução penal, quer
por deficiências materiais, falta de segurança, superpopulação carcerária, quer por
conta da inexistência de condições mínimas de salubridade, deverá determinar a
interdição total ou parcial do local. Em muitos casos, atento ao limite máximo de
presos adequado para cada estabelecimento penal, tem sido relativamente comum
que o juiz da execução determine a vedação de acesso de novos presos, quer pro­
visórios, quer definitivos, inclusive no âmbito da própria comarca (v.g., conversão
de flagrante em preventiva). Tome-se, como exemplo, a situação precária viven-
ciada em Poços de Caldas/MG há alguns anos: o presídio local tinha capacidade
para acautelar 126 presos, sendo que, à época da decisão judicial de limitação de
acautelamento de novos detentos, a unidade prisional contava com 293 detentos,
implicando evidente situação de risco, dada a propensão a atos de indisciplina,
rebeliões e motins. A cela destinada à triagem, dotada de capacidade para 15
detentos, tinha, à época da inspeção mensal do juiz da execução, 58 presos, com
leitos insuficientes, má ventilação e iluminação, mau cheiro e umidade. E tudo
isso sem contar que o local não dispunha de ambulatório e médico, não contava
com o processo de segurança contra incêndio e pânico, nem tampouco o auto de
vistoria do corpo de bombeiros.29 Por se tratar de determinação que provoca sérios
problemas de acomodação da população carcerária local, deve ser adotada como
medida de ultima ratio, tão somente quando restar evidenciada a impossibilidade
de correção das irregularidades ou deficiências. Em conclusão, convém destacar
que é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que é possível ao Juízo
das Execuções Penais decretar a interdição de estabelecimentos prisionais, sem que
se possa objetar que haveria violação ao princípio da separação dos poderes, nem
tampouco às competências administrativas do Poder Executivo;30
IX - compor e instalar o Conselho da Comunidade: o Conselho da Comu­
nidade será formado não apenas por representantes das associações comerciais
(ou industriais), da Ordem dos Advogados do Brasil, da Defensoria Pública e da
assistência social, mas também pelo Juiz da Execução, a quem, aliás, incumbe a
sua Presidência, eis que não haveria lógica em sujeita-lo à hierarquia dos demais
integrantes desse órgão;

29 STJ, 2a Turma, RMS 46.701/MG, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 05.05.2016, DJe 25.05.2016.
30 STJ, 2a Turma, Aglnt no RMS 50.218/MG, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, j. 21.11.2019, DJe 27.11.2019;
STJ, 5a Turma, RMS 31.392-ES, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 05.04.2016, DJe 15.04.2016.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 215

X - emitir anualmente atestado de pena a cumprir: a Lei n. 10.713/03 outorgou


ao preso o direito a um atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena
da responsabilidade da autoridade judiciária competente (art. 41, XVI). Era natural,
então, que acrescentasse ao rol das competências do juiz da execução a obrigação de
emitir anualmente tal atestado (art. 66, X). O documento em questão permitirá que o
preso, periodicamente, tome conhecimento do tempo de pena que ainda tem a cumprir
e a data prevista para o seu término. Dada a redação do art. 41, XVI, da LEP, é de
rigor a conclusão de que estamos diante de um verdadeiro dever de ofício do juiz da
execução, cujo descumprimento poderá acarretar possível responsabilização funcional.

4. MINISTÉRIO PÚBLICO

Consoante disposto no art. 67 da Lei de Execução Penal, o Ministério Público


fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo
executivo e nos incidentes da execução. Inequívoco, portanto, que a atuação do
respectivo Parquet (Estadual, Federal, Militar ou Eleitoral) deverá ocorrer ao longo
de todo o processo executivo, é dizer, desde o início da pena (LEP, art. 195) até
o seu cumprimento final e subsequente declaração da extinção da punibilidade
do apenado.
Na dicção da doutrina,31 essa atuação do Ministério Público ao longo da
execução da pena comporta pelo menos duas ordens de intervenção distintas: a
primeira está consubstanciada no requerimento de deliberações judiciais relacio­
nadas à concessão ou revogação de benefícios, instauração de incidentes, conver­
sões e demais providências relacionadas ao regular desenvolvimento do processo
executivo; a segunda guarda relação com a sua necessária atuação como fiscal da
lei, hipótese em que deverá obrigatoriamente intervir, agora por meio de pare­
ceres, sempre que houver alguma postulação apresentada pelo apenado (ou por
seu defensor), manifestações do Conselho da Comunidade, pronunciamentos do
Conselho Penitenciário, e mesmo nas situações em que ao Juízo da Execução for
conferida a possibilidade de atuação ex officio, dada a necessidade de observância
do princípio da não surpresa e do contraditório substancial, inclusive em sede de
execução penal (CPC, art. 10).32
Dada a obrigatória fiscalização da execução da pena e da medida de segurança
pelo Ministério Público, é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que a
ausência de manifestação do órgão ministerial é causa de nulidade absoluta. É nulo,
portanto, o ato judicial que concede benefícios da execução da pena sem prévia
manifestação do Parquet, que não pode ser considerada mera faculdade legal.33 Há,

31 AVENA. Op. cit. p. 136.


32 CPC: "Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito
do qual não se tenha dados às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre
a qual deva decidir de ofício".
33 STJ, 6a Turma, HC 601.877-MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 01.06.2021, DJe 16.06.2021; STJ, 6a Turma, HC 470.406-
MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 27.11.2018, DJe 12.12.2018; STJ, 6a Turma, HC 453.802-SP, Rei. Min. Laurita Vaz,
j. 25.09.2018, DJe 11.10.2018.
216 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

todavia, posição minoritária no sentido de que, embora a concessão dos direitos da


execução penal dependa do prévio pronunciamento do Ministério Público, sob pena
de nulidade, não se mostra razoável cassar o direito da pessoa presa, pois ela não
pode ser prejudicada com nulidade à qual não deu causa.34

4.1. Atribuições ministeriais


Constam do rol exemplificativo do art. 68 da LEP as seguintes atribuições
ministeriais:
I - fiscalizar a regularidade formal das guias de recolhimento e de interna­
mento: incumbe ao órgão ministerial verificar se a guia de execução contém todos
os requisitos previstos no art. 106 da LEP, e se traduz exatamente a situação jurídica
fixada pelo juiz do processo de conhecimento. Considerando-se, ademais, que a guia
de recolhimento, internação ou tratamento ambulatorial deverá ser retificada pelo
Juízo da Execução sempre que houver modificação quanto ao prazo de execução
(LEP, art. 106, §2°, e 173, §2°), também incumbe ao Ministério Público tomar ciência
dessas guias retificadas, verificando, mais uma vez, se o seu conteúdo corresponde
à situação jurídica do apenado. Recai igualmente sobre o Parquet a atribuição de
verificar, ao longo da execução da pena, se esta vem sendo feita em fiel observância
à situação penitenciária do condenado (regime inicial de cumprimento de pena,
assistência material, à saúde, jurídica etc.);
II - requerer:
a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo exe­
cutivo: a presente atribuição é mera repetição do que já consta do art. 67 da LEP.
De fato, se o Ministério Público deverá fiscalizar a execução da pena e da medida
de segurança, é de todo evidente que poderá requerer toda e qualquer providência
necessária ao desenvolvimento do processo executivo;
b) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução: de
acordo com o art. 185 da LEP, haverá excesso ou desvio de execução sempre que
algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais
ou regulamentares. Referido incidente pode ser suscitado pelo Ministério Público
(LEP, art. 186, I);
c) a aplicação de medida de segurança, bem como a substituição da pena
por medida de segurança: como exposto anteriormente, a aplicação da medida de
segurança é determinada pelo Juiz do processo de conhecimento, cabendo ao Juízo
da Execução tão somente determinar a sua execução, nos termos do art. 66, V, alí­
nea “d”, da LEP. Ao mesmo Juízo também compete substituir a pena por medida de
segurança na hipótese de doença mental superveniente do condenado. Em ambas as
hipóteses deverá intervir o órgão ministerial, inclusive requerendo a medida (v.g.,
substituição da pena por medida de segurança);

34 STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 280.063-MT, Rei. Min. Og Fernandes, j. 19.03.2013, DJe 05.04.2013; STJ, 5a
Turma, HC 289.112-RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 23.09.2014, DJe 03.10.2014.
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 217

d) a revogação da medida de segurança: de modo a evitarmos repetições


desnecessárias, remetemos o leitor ao tópico atinente às competências do Juízo da
Execução;
e) a conversão de penas, a progressão ou regressão nos regimes e a revo­
gação da suspensão condicional da pena e do livramento condicional: o art. 180
da LEP versa sobre a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos. De seu turno, os arts. 44, §§4° e 5o, do Código Penal, e 181 da
LEP cuidam da conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. A
conversão da pena de multa em prisão, por sua vez, outrora prevista no art. 51 do
Código Penal, já não encontra mais acolhida, desde as mudanças produzidas pela Lei
n. 9.268/96. Por fim, a progressão ou regressão de regimes, a revogação obrigatória
ou facultativa da suspensão condicional da pena e do livramento condicional, objeto
de estudo no capítulo atinente à execução da pena privativa de liberdade, também
podem ser pleiteados pelo órgão ministerial;
f) a internação, a desinternação e o restabelecimento da situação anterior:
prevista no art. 41 do Código Penal, a internação do apenado em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico deverá ocorrer na hipótese de superveniência
de doença mental no curso da execução da pena privativa de liberdade. Nesse
caso, recobrando sua sanidade mental, o apenado retornará ao estabelecimento
prisional para dar cumprimento ao restante da pena, descontando-se, obvia­
mente, o tempo em que permaneceu internado. A medida em questão não se
confunde, portanto, com a conversão da pena em medida de segurança, prevista
no art. 183 da LEP, hipótese em que, cessada a periculosidade, deverá o Juízo
da Execução determinar a extinção da medida de segurança. A desinternação,
por sua vez, ocorre quando o inimputável está cumprindo medida de segurança
e é constatada a cessação da sua periculosidade, hipótese em que o juiz deverá
revogar a medida de segurança. Por fim, o restabelecimento da situação anterior
previsto no art. 68, I, “f ”, in fine, da LEP, ocorre, por exemplo, quando o agente
pratica fato indicativo de persistência de periculosidade no período de um ano
após a desinternação ou liberação do tratamento ambulatorial (CP, arts. 97, §3°,
e 98), hipótese em que deverá retomar o cumprimento da respectiva medida de
segurança;
III - interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária,
durante a execução: para que o Ministério Público possa se desincumbir de suas
funções a contento, fiscalizando os atos jurisdicionais ou administrativos pratica­
dos ao longo de toda a execução penal, é indispensável que lhe seja concedido um
instrumento de impugnação contra eventuais decisões proferidas pelo Juízo da Exe­
cução. Este instrumento é, em regra, o agravo em execução, sem efeito suspensivo
(LEP, art. 197). Dada a possibilidade de o órgão ministerial postular a defesa de
interesses individuais de natureza indisponível, como, por exemplo, a liberdade de
locomoção, não se pode descartar a possibilidade de o Parquet interpor eventual
agravo em execução em favor do condenado. Por fim, conquanto o art. 68, III, da
LEP, faça menção exclusivamente a interposição de recursos, o ideal é concluir que
218 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

nada obsta a utilização de outros instrumentos de impugnação de decisões judiciais


(v.g., mandado de segurança, habeas corpus), conquanto preenchidos seus respectivos
pressupostos constitucionais e legais.
Por fim, dispõe o art. 68, parágrafo único, da LEP, que o órgão do Ministério
Público visitará mensalmente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença
em livro próprio. O dispositivo em questão vem ao encontro do art. 25, VI, da
Lei n. 8.625/93, que estabelece como incumbência do Ministério Público exercer
a fiscalização dos estabelecimentos penais. A presença frequente de Promotores
de Justiça no interior das unidades prisionais constitui controle externo decisivo
e imprescindível para escuta dos presos e detecção de situações de excepcional
ilegalidade, para fiscalização das condições de custódia e da atuação dos servido­
res do sistema penitenciário, bem como para fiscalização da aplicação de sanções
disciplinares que, pelo menos em regra, não vão a controle judicial, como nos
casos de faltas leves e médias. A atribuição em questão visa permitir, assim, uma
melhor fiscalização das atividades administrativas ligadas à execução penal (v.g,
assistência, educação, trabalho, disciplina etc.). Incumbe, pois, ao órgão ministerial,
verificar se os diversos preceitos da Lei de Execução Penal estão sendo observados,
adotando, caso assim não ocorra, as medidas judiciais e administrativas necessárias
para sanar eventuais irregularidades constatadas durante as visitas. Atualmente,
as inspeções carcerárias realizadas pelo Parquet encontram-se disciplinadas pela
Resolução n. 56, de 22 de junho de 2010, do Conselho Nacional do Ministério
Público, que dispõe sobre a uniformização das inspeções em estabelecimentos
penais pelos membros do Ministério Público. Por ocasião dessas visitas, deverão
ser elaborados relatórios com as seguintes informações: a. classificação, instala­
ções físicas, recursos humanos, capacidade e ocupação do estabelecimento penal;
b. perfil da população carcerária, assistência, trabalho, disciplina e observância
dos direitos dos presos ou internados; c. medidas adotadas para a promoção do
funcionamento adequado do estabelecimento; d. considerações gerais e outros
dados reputados relevantes.

5. CONSELHO PENITENCIÁRIO

O Conselho Penitenciário é órgão consultivo e fiscalizador da execução da


pena (LEP, art. 69, caput). Deverá funcionar, portanto, como verdadeiro elo entre
os Poderes Executivo e Judiciário no que diz respeito a esse tema. Quando a LEP
diz que se trata de órgão consultivo, refere-se à atribuição do Conselho de opinar,
mediante pareceres, nas situações que lhe são enviadas à análise, como ocorre, por
exemplo, por ocasião da concessão de benefícios prisionais. Noutro giro, quando
dispõe que funciona como órgão fiscalizador, refere-se à atribuição do Conselho de
zelar pela observância dos direitos e interesses dos executados.
O Conselho Penitenciário será integrado por membros nomeados pelo Governador
do Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, dentre professores e profissionais
da área do Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário e ciências correlatas, bem
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 219

como por representantes da comunidade, sendo que o mandado de seus membros


terá a duração de 4 (quatro) anos.
Nos termos do art. 70 da LEP, constituem atribuições do Conselho Peniten­
ciário (rol exemplificativo): I - emitir parecer sobre indulto e comutação de pena,
excetuada a hipótese de pedido de indulto com base no estado de saúde do preso:
esta atribuição do Conselho harmoniza-se com o disposto no art. 84, XII, da CF,
quando refere que compete ao Presidente da República conceder indulto e comutar
penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei. Pelo menos até
a vigência da Lei n. 10.792/03, o inciso I do art. 70 da LEP também mencionava
a manifestação do Conselho Penitenciário em relação ao livramento condicional.
É de se concluir, portanto, que se operou a revogação tácita da parte final do art.
131 da LEP, que ainda faz referência à manifestação do Conselho Penitenciário por
ocasião da concessão do livramento condicional pelo Juízo da Execução;35 II - ins­
pecionar os estabelecimentos e serviços penais; III - apresentar, no Io trimestre de
cada ano, ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, relatório dos
trabalhos efetuados no exercício anterior; IV - supervisionar os patronatos, bem
como a assistência aos egressos.
Há outras atribuições do Conselho Penitenciário previstas em dispositivos
esparsos da LEP, senão vejamos: a. representar pela revogação do livramento
condicional (art. 143); b. manifestar-se quanto à suspensão do curso do livra­
mento condicional (art. 145); c. representar pela declaração da extinção da pena
privativa de liberdade quando expirar-se o prazo do livramento condicional, sem
causa de revogação (art. 146); d. propor a modificação das condições do sursis
(art. 158, §2°); e. inspecionar o cumprimento das condições do sursis (art. 158,
§3°); f. suscitar o incidente de excesso ou desvio da execução (art. 186, II); g.
propor a anistia (art. 187); h. provocar o indulto individual (art. 188); i. propor
o procedimento judicial relativo às situações tratadas na Lei de Execução Penal
(art. 195).

6. DEPARTAMENTOS PENITENCIÁRIOS

Os Departamentos Penitenciários subdividem-se em Nacional e Estaduais (ou


locais). O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), subordinado ao Ministério
da Justiça, é órgão executivo da Política Penitenciária Nacional e de apoio admi­
nistrativo e financeiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Cuida-se, portanto, do órgão responsável por executar a política penitenciária esta­
belecida pelo Ministério da Justiça, cabendo-lhe garantir que as normas de execução

35 Como já decidiu o STJ,"(...) a nova redação do art. 112 da LEP, dada pela Lei n. 10.792/03, que estabeleceu
novo procedimento para a concessão da progressão do regime, determinando que o mesmo proceder
fosse aplicado na concessão do livramento condicional, deixa para trás a exigência de prévia oitiva do
Conselho Penitenciário, exigida no art. 131 da LEP, para a concessão do livramento condicional. A mes­
ma Lei n. 10.792/03 acabou por modificar, também, o inciso I do art. 70 da LEP, retirando desse órgão a
atribuição para emitir parecer sobre livramento condicional, constante na redação original do dispositivo"
(STJ, 5a Turma, REsp 773.635-DF, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 14.03.2006, DJ 03.04.2006.
220 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

penal sejam aplicadas de forma adequada em todo o território nacional. Por outro
lado, os Departamentos Penitenciários Estaduais (ou órgãos similares) poderão ser
criados pela legislação estadual.
Consoante disposto no art. 72 da LEP, são atribuições do Departamento Peni­
tenciário Nacional: I - acompanhar a fiel aplicação das normas de execução penal
em todo o Território Nacional; II - inspecionar e fiscalizar periodicamente os esta­
belecimentos e serviços penais; III - assistir tecnicamente as Unidades Federativas na
implementação dos princípios e regras estabelecidos nesta Lei; IV - colaborar com
as Unidades Federativas mediante convênios, na implantação de estabelecimentos e
serviços penais; V - colaborar com as Unidades Federativas para a realização de cursos
de formação de pessoal penitenciário e de ensino profissionalizante do condenado
e do internado; VI - estabelecer, mediante convênios com as unidades federativas,
o cadastro nacional das vagas existentes em estabelecimentos locais destinadas ao
cumprimento de penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de outra unidade
federativa, em especial para presos sujeitos a regime disciplinar; VII - acompanhar
a execução da pena das mulheres beneficiadas pela progressão especial de que trata
o § 3o do art. 112 desta Lei, monitorando sua integração social e a ocorrência de
reincidência, específica ou não, mediante a realização de avaliações periódicas e
de estatísticas criminais: os resultados obtidos por meio do monitoramento e das
avaliações periódicas previstas no presente inciso serão utilizados para, em função
da efetividade da progressão especial para a ressocialização das mulheres de que
trata o §3° do art. 112 da LEP, avaliar eventual desnecessidade do regime fechado
de cumprimento da pena para essas mulheres nos casos de crimes cometidos sem
violência ou grave ameaça (LEP, art. 72, §2°, incluído pela Lei n. 13.769/18). Incum­
be também ao Depen a coordenação e supervisão dos estabelecimentos penais e de
internamento federais (LEP, art. 72, §1°, com redação dada pela Lei n. 13.769/18).
No que tange aos Departamentos Penitenciários Estaduais, estes têm por fina­
lidade supervisionar e coordenar os estabelecimentos penais da Unidade da Federação
a que pertencerem (LEP, art. 74, caput), com as atribuições que a lei local estabelecer.
A depender do Estado da Federação, tais atribuições ora são outorgadas à Superinten­
dências dos Serviços Penitenciários (v.g, Rio Grande do Sul), órgãos estaduais vincu­
lados à Secretaria de Segurança Pública, ora às Secretarias de Administração Peniten­
ciária (v.g., São Paulo e Rio de Janeiro).

6.1. Direção e pessoal dos estabelecimentos penais


Para que determinada pessoa ocupe o cargo de Diretor de Estabelecimento
Penal, deverá satisfazer os seguintes requisitos (LEP, art. 75): I - ser portador de
diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Peda­
gogia, ou Serviços Sociais; II - possuir experiência administrativa na área; III - ter
idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função. Para além
disso, o diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará
tempo integral à sua função.
A Lei de Execução Penal também dispensou especial atenção aos servidores
dos estabelecimentos penais. O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em
Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 221

diferentes categorias funcionais, segundo as necessidades do serviço, com especificação


de atribuições relativas às funções de direção, chefia e assessoramento do estabe­
lecimento e às demais funções (LEP, art. 76). A escolha do pessoal administrativo
(v.g., diretor e outros servidores que exercem função de chefia), especializado (v.g,
médicos, dentistas, assistentes sociais, psicólogos etc.), de instrução técnica (v.g.,
professores, educadores etc.) e de vigilância (v.g. policiais penais) atenderá à vocação,
preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato. O ingresso do pessoal
penitenciário, bem como a progressão ou a ascensão funcional dependerão de cursos
específicos de formação, procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em
exercício. No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho de
pessoal do sexo feminino, salvo quando se tratar de pessoal técnico especializado.

7. PATRONATO

O Patronato destina-se a prestar assistência aos albergados e aos egressos


(liberado definitivo, pelo prazo de 1 ano a contar da saída do estabelecimento, e o
liberado condicional, durante o período de prova). Os patronatos podem ser públi­
cos, assim compreendidos os patronatos oficiais, vinculados ao Poder Público, ou
particulares, consistentes em instituições privadas que auxiliam o Poder Judiciário
na execução e fiscalização das penas alternativas e contribuem para a valorização
do apenado na comunidade e no âmbito familiar.
De acordo com o art. 79 da LEP, também incumbe ao Patronato: I - orientar
os condenados à pena restritiva de direitos; II - fiscalizar o cumprimento das penas
de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana; III - cola­
borar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento
condicional.

8. CONSELHO DA COMUNIDADE

Segundo o art. 4o da LEP, o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade


nas atividades de execução da pena e da medida de segurança. Afinal, como exposto
no capítulo introdutório, é de fundamental importância a participação da sociedade
no processo de reintegração do condenado. Na busca do estreitamento dos laços e
da repartição de responsabilidades com a comunidade nas atividades de execução
é que foi idealizada a criação de um Conselho específico para o enfrentamento do
tema, chamado de Conselho da Comunidade, que figura como um dos órgãos da
execução penal (LEP, art. 61, VII).
Em cada comarca deve existir um Conselho da Comunidade composto, no
mínimo, por 1 representante de associação comercial ou industrial, 1 (um) advo­
gado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, 1 (um) Defensor
Público indicado pelo Defensor Público Geral e 1 (um) assistente social escolhido
pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais (LEP, art. 80,
caput). Na falta dessa representação, ficará a critério do Juiz da Execução a escolha
dos integrantes do Conselho.
222 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Considerando-se que as atribuições desse órgão se referem, grosso modo, a sua


atuação diante de sentenciados presos (ou internados), a doutrina conclui que, na
verdade, deve ser instalado um Conselho da Comunidade em cada comarca onde
houver presídio ou hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Fazendo-se, assim,
um paralelo das suas atribuições com aquelas outorgadas aos Patronatos (LEP, arts.
78 e 79), pode-se afirmar, então, que, enquanto estes lidam com os acusados soltos
(v.g., egressos), aqueles trabalham com executados presos.36
Consoante disposto no art. 81 da LEP, o Conselho da Comunidade possui as
seguintes atribuições: I - visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais
existentes na comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais
ao Juiz da Execução e ao Conselho Penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de
recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em
harmonia com a direção do estabelecimento. Não se trata, todavia, de rol taxativo.
De fato, a própria LEP outorga ao referido Conselho outras atribuições, como, por
exemplo, a observação cautelar e a proteção dos liberados condicionais, com o
objetivo de fazer observar o cumprimento das condições especificadas na sentença
concessiva do benefício e proteger o beneficiário, orientando-o na execução de suas
obrigações e auxiliando-o na obtenção de atividade laborativa (art. 139). Também lhe
incumbe, em conjunto com outros órgãos, fiscalizar o cumprimento das condições
da suspensão condicional da pena (LEP, art. 158, §3°).

9. DEFENSORIA PÚBLICA

Por mais incrível que possa parecer, à época da sua vigência, a Lei de Execução
Penal não elencava a Defensoria Pública como um dos órgãos da Execução Penal.
E isso, apesar de admitir, expressamente, a situação de vulnerabilidade enfrentada
pelo coletivo carcerário: “A impotência da pessoa presa ou internada constitui po­
deroso obstáculo à autoproteção de direitos ou ao cumprimento dos princípios de
legalidade e justiça que devem nortear o procedimento executivo. Na ausência de
tal controle, necessariamente judicial, o arbítrio torna inseguras as suas próprias
vítimas, e o descompasso entre o crime e sua punição transforma a desproporcio-
nalidade em fenômeno de hipertrofia e de abuso de poder” (Item 171 da Exposição
de Motivos da LEP).
Eis que surge, então, a Lei n. 12.313/10, acrescentando ao rol dos órgãos da
execução penal constante do art. 61 da LEP a Defensoria Pública, ao mesmo tempo
em que lhe outorgou diversas atribuições (LEP, arts. 81-A e 81-B). Afinal, à luz do
art. 134 da Carta Magna, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 80/14,
a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coleti­
vos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do

36 AVENA. Op. cit. p. 149.


Cap. VI • ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL 223

art. 5o da Constituição Federal. Logo, no exercício de sua função institucional de


exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos de grupos sociais vulneráveis
que mereçam proteção especial do Estado (LC n. 80/94, art. 4o, XI), incumbe, pois,
à Defensoria Pública atuar em defesa de todos os apenados que se encontrem em
situação de vulnerabilidade, inclusive jurídica.
Considerando-se, pois, a imprescindibilidade da defesa técnica no curso da
execução penal, inclusive em eventuais procedimentos administrativos disciplinares
instaurados contra o condenado, e somando-se a isso o fato de que a grande maioria
dos presos no Brasil é composta por pessoas pobres e miseráveis, nada mais lógico
do que se outorgar à Defensoria Pública a natureza de órgão da execução penal,
conferindo-lhe a função de velar pela regular execução da pena e da medida de
segurança, daí por que deverá oficiar, no processo executivo e nos incidentes da
execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma
individual e coletiva37 (LEP, art. 81-A, incluído pela Lei n. 12.313/10).
Como se pode notar a partir das diversas atribuições que lhe foram outorgadas
pela Lei n. 12.313/10 (LEP, arts. 81-A e 81-B), o exercício da defesa técnica pela
Defensoria Pública no curso da execução penal não deverá ficar restrito à eventual
oposição às pretensões dos órgãos estatais incumbidos de promover o cumprimento
das penas impostas. Caracteriza-se, ademais, pela possibilidade de influir positiva­
mente, ora no convencimento do Juízo da Execução, sempre que se apresentar uma
oportunidade de alteração da quantidade ou da forma da sanção punitiva, quer
requerendo benefícios, como conversões, mudanças no regime prisional, remição de
penas, livramento condicional, sursis etc., ora no convencimento da própria auto­
ridade administrativa, solicitando, por exemplo, autorização para trabalho externo,
permissão de saída etc.

9.1. Atribuições da Defensoria Pública


De acordo com o art. 81-B da LEP, incluído pela Lei n. 12.313-10, incumbe à
Defensoria Pública:381 - requerer: a) todas as providências necessárias ao desenvol­
vimento do processo executivo; b) a aplicação aos casos julgados de lei posterior que
de qualquer modo favorecer o condenado; c) a declaração de extinção da punibilida­
de; d) a unificação de penas; e) a detração e remição da pena; f) a instauração dos
incidentes de excesso ou desvio de execução; g) a aplicação de medida de segurança

37 Para mais detalhes acerca da promoção de demandas coletivas pela Defensoria Pública, notadamente no
que diz respeito à possibilidade de impetração de habeas corpus coletivo, remetemos o leitor ao Capítulo
atinente ao Procedimento Judicial.
38 Grosso modo, as diversas atribuições outorgadas à Defensoria Pública (LEP, art. 81-B) constam como
matérias da competência do Juízo da Execução (LEP, art. 66). Tome-se, como exemplo, a possibilidade de
requerer a aplicação aos casos julgados de lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado
(LEP, art. 81-B, I, "b"), cuja competência recai sobre o Juízo da Execução (LEP, art. 66, I). Logo, de modo a
evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor ao tópico acima atinente às competências do Juízo
da Execução Penal. Aliás, o fato de a LEP outorgar à Defensoria Pública a possibilidade de requerer tais
providências não afasta a possibilidade de o juízo da execução agir de ofício, podendo fazê-lo, ademais,
mediante provocação do Ministério Público.
224 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

e sua revogação, bem como a substituição da pena por medida de segurança; h) a


conversão de penas, a progressão nos regimes, a suspensão condicional da pena, o
livramento condicional, a comutação de pena e o indulto; i) a autorização de saí­
das temporárias; j) a internação, a desinternação e o restabelecimento da situação
anterior; k) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca;
1) a remoção do condenado na hipótese prevista no §1° do art. 86 desta Lei; II -
requerer a emissão anual do atestado de pena a cumprir; III - interpor recursos
de decisões proferidas pela autoridade judiciária ou administrativa durante a exe­
cução; IV - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para
instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das
normas referentes à execução penal; V - visitar os estabelecimentos penais, toman­
do providências para o adequado funcionamento, e requerer, quando for o caso, a
apuração de responsabilidade; VI - requerer à autoridade competente a interdição,
no todo ou em parte, de estabelecimento penal; Parágrafo único. O órgão da De-
fensoria Pública visitará periodicamente os estabelecimentos penais, registrando a
sua presença em livro próprio.
VII
ESTABELECIMENTOS PENAIS

1. REGRAS GERAIS

Logo no primeiro dispositivo do Capítulo IV da Lei de Execução Penal, o legisla­


dor estabelece que os estabelecimentos penais se destinam ao condenado, ao submeti­
do à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso (art. 82, caput). À primeira
vista, pode parecer estranho que haja referência ao egresso1 no Capítulo atinente aos
estabelecimentos penais, já que se trata de pessoa que reconquistou sua liberdade de lo­
comoção há pouco tempo. No entanto, não se pode perder de vista que, se necessário,
tal indivíduo terá direito à assistência consubstanciada na concessão de alojamento
e alimentação pelo prazo de 2 (dois) meses, em estabelecimento adequado (LEP, art.
25, II). Seria este, portanto, o lugar mencionado no art. 82 compatível com o egresso.2

1.1. Classificação dos estabelecimentos penais


Os estabelecimentos penais previstos na LEP são os seguintes: a. Penitenciária
(arts. 87 a 90): destina-se ao condenado à pena de reclusão em regime fechado; b.
Colônia Agrícola, Industrial ou similar (arts. 91 e 92): destina-se ao cumprimen­
to da pena de reclusão ou detenção, em regime semiaberto; c. Casa do Albergado
(arts. 93 a 95): destina-se ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime
aberto, e da pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana; d. Centro de
Observação (arts. 96 a 98): trata-se de estabelecimento penal destinado à realização
de exames gerais e criminológicos; e. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
(arts. 99 a 101): destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26 e
seu parágrafo único do Código Penal; f. Cadeia Pública (arts. 102 a 104): destina-
-se ao recolhimento de presos provisórios, é dizer, presos preventivos e temporários.
Era de se esperar, então, que prédios separados fossem construídos pelo Poder
Público de modo a abrigar cada um desses estabelecimentos prisionais, o que certa-

1 LEP: "Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um)
ano a contar da saída do estabelecimento; II - o liberado condicional, durante o período de prova.
2 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. 4a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 141.
226 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

mente seria importante para fins de individualização da pena no curso da execução


penal. Na prática, todavia, e sem embargo da classificação dos estabelecimentos penais
e das finalidades diversas entre eles, o art. 82, §2°, da LEP, prevê expressamente que
um mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação
diversa, desde que devidamente isolados. E é exatamente isso o que ocorre Brasil
afora, assegurando-se esse isolamento no interior da unidade prisional por meio de
pavilhões ou alas específicas para cada categoria de preso.
Como se pode notar, não consta da Lei de Execução Penal nenhuma referência
às carceragens em Delegacias de Polícia, que, portanto, não deveríam ser utiliza­
das em hipótese alguma como espécie de “cadeias públicas”. Na prática, todavia, é
exatamente isso que ocorre, dado o notório problema de falta de vagas no sistema
prisional brasileiro.

1.2. Instalações adequadas


Na teoria, todos esses estabelecimentos prisionais deverão ser dotados das
seguintes instalações:
i. Dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação,
trabalho, recreação e prática esportiva: partindo da premissa de que as horas do
preso deverão ser repartidas entre o descanso, o trabalho, a educação, as atividades
recreativas, religiosas ou esportivas, tal como estabelece a Lei de Execução Penal
ao tratar da assistência (arts. 10 a 27), do trabalho (arts. 28 a 37) e dos direitos e
deveres do preso (arts. 38 a 60), os estabelecimentos penais deverão conter locais
adequados para dormitórios individuais (ou coletivos), enfermarias, bibliotecas,
oficinas, instalações recreativas e esportivas, pátios, cozinhas, salas de refeição etc;3
ii. Instalação destinada a estágio de estudantes universitários: o objetivo da
norma do art. 81, §1°, da LEP, é permitir que estudantes de Direito, Psiquiatria,
Ciências Sociais, Pedagogia, Medicina etc., tenham um local adequado para cumprir
estágios profissionalizantes;
iii. Berçários e creches: como será exposto na sequência, as mulheres devem cumprir
pena em estabelecimento distinto (CF, art. 5o, XLVIII), que seja adequado à sua condição
pessoal (CP, art. 37). A Constituição Federal também dispõe que “às presidiárias serão
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período
de amamentação” (art. 5o, L). Regulamentando esse dispositivo, a LEP determina que
todos os estabelecimentos penais destinados à mulher sejam dotados de berçário onde
as condenadas possam cuidar e amamentar seus filhos até seis meses de idade (art. 83,
§2°, com redação dada pela Lei n. 11.942/09). Aliás, mesmo antes da entrada em vigor da
Lei n. 11.942/09, a LEP já garantia o acompanhamento médico à mulher, notadamente
no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido, sendo que diversas decisões
judiciais outorgavam à presa lactante o direito de permanecer com o filho no período de
aleitamento materno. Em se tratando de penitenciária, a LEP também prevê a existência

3 MIRABETE. Op. cit. p. 264.


Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 227

de uma seção para gestante e parturiente e de creche para crianças entre seis meses e
sete anos de idade, que deverão atender aos seguintes requisitos básicos: atendimento
por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional
e em unidades autônomas; horário de funcionamento que garanta a melhor assistência
à criança e à sua responsável (art. 89);
iv. Salas de aula: de acordo com o art. 83, §4°, da LEP, incluído pela Lei n.
12.245/10, serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e
profissionalizante. A existência dessas salas de aula no interior dos estabelecimentos
prisionais visa atender ao dever de assistência educacional previsto nos arts. 17 a
21-A da LEP;
v. Instalação destinada à Defensoria Pública: como exposto anteriormente, mais
precisamente no capítulo referente à assistência ao preso, as Unidades da Federação
deverão ter serviços de assistência jurídica, integral e gratuita, pela Defensoria Pública,
dentro e fora dos estabelecimentos penais. Para prestar assistência jurídica aos presos
e internados sem recursos financeiros para constituir advogado, todo estabelecimento
penal deverá dispor de local apropriado para atendimento pelo Defensor Público
(LEP, art. 16, §2°);

1.3. Recolhimento de presos a estabelecimento próprio e adequado ao


seu respectivo sexo e idade
Dispõe o art. 5o, XLVIII, da Constituição Federal que ‘a pena será cumprida
em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o
sexo do apenado’. Harmonizando-se com essa disposição, o art. 82, §1°, Ia parte,
da Lei de Execução Penal prevê que a mulher deverá ser recolhida a estabeleci­
mento próprio e adequado à sua condição pessoal. Objetiva-se, na separação entre
homens e mulheres, afastar violências de ordem sexual e a própria promiscuidade
entre eles.
Os estabelecimentos penais destinados a mulheres deverão possuir, exclusi­
vamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas
(LEP, art. 83, §3°). Também deverão contar com berçário, onde as condenadas
possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis)
meses de idade (LEP, art. 83, §2°). O dispositivo guarda relação com o dispos­
to no art. 5o, L, da Constituição Federal, segundo o qual “às presidiárias serão
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o
período de amamentação”.
Com o objetivo de reformular as práticas do sistema prisional brasileiro e con­
tribuir para a garantia dos direitos das mulheres, nacionais e estrangeiras, inclusive
as previstas nos referidos arts. 82, §1°, e 83, §§2° e 3o, da LEP, o Ministério da Justiça
instituiu, por meio da Portaria Interministerial n. 210, de 16 de janeiro de 2014, a
Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e
Egressas do Sistema Prisional, estabelecendo, no enfoque dos estabelecimentos penais,
entre outras metas, o incentivo aos órgãos estaduais de administração prisional para
que promovam a efetivação dos direitos fundamentais no âmbito dos estabelecimentos
prisionais, levando em conta as peculiaridades relacionadas a gênero, cor ou etnia,
228 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

orientação sexual, idade, maternidade, nacionalidade, religiosidade e deficiências física


e mental, bem como aos filhos inseridos no contexto prisional (art. 4o, II, da Portaria).
Especificamente quanto ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transe­
xual, travesti e intersexto (LGBTI) que esteja custodiada, acusada, ré, condenada, privada
de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente, é
importante ficar atento aos dizeres da Resolução n. 348/20 do Conselho Nacional de
Justiça, com redação alterada pela Resolução n. 366, de 20 de janeiro de 2021.4 Para fins
da referida Resolução, considera-se: I - transgênero: termo empregado para descrever
uma variedade ampla de identidades de gênero cujas aparências e características são
percebidas como atípicas - incluindo pessoas transexuais, travestis, cross-dressers e pessoas
que se identificam como terceiro gênero; sendo: a) mulheres trans: identificam-se como
mulheres, mas foram designadas homens quando nasceram; b) homens trans: identificam-
-se como homens, mas foram designados mulheres quando nasceram; c) outras pessoas
trans: não se identificam de modo algum com o espectro binário de gênero; e d) que
algumas pessoas transgêneras querem passar por cirurgias ou por terapia hormonal para
alinhar o seu corpo com a sua identidade de gênero; outras, não; II - intersexo: pessoas
que nascem com características sexuais físicas ou biológicas, como a anatomia sexual, os
órgãos reprodutivos, os padrões hormonais e/ou cromossômicos que não se encaixam
nas definições típicas de masculino e feminino; considerando que: a) essas características
podem ser aparentes no nascimento ou surgir no decorrer da vida, muitas vezes durante
a puberdade; e b) pessoas intersexo podem ter qualquer orientação sexual e identidade
de gênero; III - orientação sexual: atração física, romântica e/ou emocional de uma
pessoa em relação a outra, sendo que: a) homens gays e mulheres lésbicas: atraem-
-se por indivíduos que são do mesmo sexo que eles e elas; b) pessoas heterossexuais:
atraem-se por indivíduos de um sexo diferente do seu; c) pessoas bissexuais: podem se
atrair por indivíduos do mesmo sexo ou de sexo diferente; e d) a orientação sexual não
está relacionada à identidade de gênero ou às características sexuais; IV - identidade
de gênero: o senso profundamente sentido e vivido do próprio gênero de uma pessoa,
considerando-se que: a) todas as pessoas têm uma identidade de gênero, que faz parte
de sua identidade como um todo; e b) tipicamente, a identidade de gênero de uma
pessoa é alinhada com o sexo que lhe foi designado no momento do seu nascimento.
Consoante disposto no art. 4o da referida Resolução, o reconhecimento da pessoa
como parte da população LGBTI será feito exclusivamente por meio de autodeclaração,
que deverá ser colhida pelo magistrado em audiência, em qualquer fase do procedi­
mento penal, incluindo a audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo
cumprimento da pena, garantidos os direitos à privacidade e à integridade da pessoa
declarante. Outrossim, de acordo com o art. 7° da Resolução n. 348/20 do CNJ, com
redação alterada pela Resolução n. 366/21, em caso de prisão da pessoa autodeclarada
parte da população LGBTI, o local de privação de liberdade será definido pelo magistrado
em decisão fundamentada. A decisão que determinar o local de privação de liberdade
será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa, o qual poderá se

4 Em 2006, o painel internacional de especialistas em legislação internacional de direitos humanos, orien­


tação sexual e identidade de gênero aprovou os Princípios sobre a aplicação da legislação internacional
de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero (Princípios de Yogyakarta),
estabelecendo como premissa que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a
dignidade e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 229

dar em qualquer momento do processo penal ou execução da pena, assegurada, ainda,


a possibilidade de alteração do local. A possibilidade de manifestação da preferência
quanto ao local de privação de liberdade e de sua alteração deverá ser informada ex­
pressamente à pessoa pertencente à população LGBTI no momento da autodeclaração.
Essa alocação da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI em estabelecimento
prisional, determinada pela autoridade judicial após escuta à pessoa interessada, não
poderá resultar na perda de quaisquer direitos relacionados à execução penal em relação
às demais pessoas custodiadas no mesmo estabelecimento, especialmente quanto ao acesso
a trabalho, estudo, atenção à saúde, alimentação, assistência material, assistência social,
assistência religiosa, condições da cela, banho de sol, visitação e outras rotinas existentes
na unidade. A propósito, convém lembrar que, em sede de medida cautelar concedida nos
autos da ADPF n. 527 (j. 19.03.2021), o Min. Roberto Barroso outorgou às transexuais
e travestis com identidade de gênero feminina o direito de opção por cumprir pena: i)
em estabelecimento prisional feminino; ou ii) em estabelecimento prisional masculino,
porém em área reservada, que garanta a sua segurança.
Objetivando reforçar a tutela desse recolhimento de presos a estabelecimentos
próprios e adequados ao seu respectivo sexo, evitando-se novos episódios como o que
aconteceu na cidade de Abaetetuba/PA,5 a nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei n.
13.869/19) passou a tipificar a seguinte conduta delituosa: “Art. 21. Manter presos de
ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento: Pena - detenção, de 1 (um)
a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na
mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente
inadequado, observado o disposto na Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente)”. Sob a égide do antigo diploma normativo - revogada
Lei n. 4.898/65 -, não havia figura delituosa semelhante à do art. 21. Cuida-se, pois,
de novatio legis in pejus, de aplicação restrita aos crimes cometidos após a vigência da
Nova Lei de Abuso de Autoridade, in casu, no dia 3 de janeiro de 2020.
Em conclusão, convém destacar que essa necessidade de recolhimento de presos
a estabelecimento próprio e adequado a sua condição pessoal também se aplica aos
maiores de sessenta anos, como, aliás, passou a constar do art. 82, §1°, da LEP, desde a
entrada em vigor da Lei n. 9.460/97, independentemente do regime de cumprimento
de sua pena. Justifica-se a determinação em questão não apenas em virtude da menor
periculosidade do idoso, mas principalmente pelas maiores dificuldades que costuma ter
para suportar o rigor da execução de uma pena privativa de liberdade. Com efeito, diante
da decadência provocada pela senilidade ou por doenças mais comuns nos idosos, este
deverá ser recolhido a estabelecimento próprio e adequado a sua condição pessoal. De se
lembrar, ademais, que, tratando-se de maior de 70 (setenta) anos que cumpre pena em
regime aberto, o art. 117, I, da LEP, autoriza o seu recolhimento em prisão domiciliar.

1.4. (Im) possibilidade de terceirização nos estabelecimentos prisionais


Com a entrada em vigor da Lei n. 13.190/15, resultante da conversão da Me­
dida Provisória n. 678/15, a Lei de Execução Penal passou a admitir, expressamente,

5 Ganhou notoriedade no Brasil, sob o ponto de vista negativo, um caso concreto ocorrido na cidade de Abaete­
tuba/PA nos idos de 2007, no qual uma adolescente de 15 (quinze) anos foi presa e colocada em uma cela com
aproximadamente 20 (vinte) homens, ali permanecendo por aproximadamente 26 (vinte e seis) dias, período no
qual foi estuprada inúmeras vezes, muitas delas para que tivesse acesso à comida e materiais de higiene pessoal.
230 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

a terceirização das atividades-meio das unidades prisionais, autorizando, assim, a


Administração Pública a recorrer a terceiros para a execução de tarefas que ela
própria poderia desempenhar. A execução indireta somente é admissível para as
atividades-meio, geralmente relacionadas a serviços materiais auxiliares ou comple­
mentares necessários à manutenção e ao funcionamento do estabelecimento penal.
Pelo menos em tese, poderá assumir as diferentes formas de contratação previstas
na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 14.133/21), dado o
permissivo constante do art. 37, XXI, da Constituição Federal.
Consoante disposto no art. 83-A da LEP, incluído pela Lei n. 13.190/15, poderão
ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou com­
plementares desempenhadas no interior dos estabelecimentos penais, e notadamente:
I - serviços de conservação, limpeza, informática, copeiragem, portaria, recepção, repro-
grafia, telecomunicações, lavanderia e manutenção de prédios, instalações e equipamentos
internos e externos; II - serviços relacionados à execução de trabalho pelo preso.
É expressamente vedada, todavia, à luz do art. 83-B, da LEP, também incluído
pela Lei n. 13.19015, a delegação de qualquer função de direção, chefia e coordenação
no âmbito do sistema penal, bem como de todas as atividades que exijam o poder de
polícia, e notadamente: I - classificação dos condenados; II - aplicação de sanções dis­
ciplinares; III - controle de rebeliões; IV - transporte de presos para órgãos do Poder
Judiciário, hospitais e outros locais externos aos estabelecimentos penais. E nem poderia
ser diferente. Afinal, todas as funções aí destacadas devem ser obrigatoriamente desem­
penhadas pela Administração Pública, estando vedada a sua delegação ou terceirização.

1.5. Separação de presos


Resultado do reconhecimento explícito da péssima situação carcerária viven-
ciada no Brasil,6 e da própria seletividade do sistema penal, o legislador brasileiro
estabelece diversos critérios de separação de presos. Teoricamente, então, as unidades
prisionais deveríam proporcionar a separação dos presos de maneira homogênea, não
apenas em virtude da diversidade do título da prisão - definitiva ou cautelar -, mas
também de modo a facilitar o tratamento penitenciário e até mesmo as medidas de
vigilância levadas a efeito pela administração prisional, ora levando em consideração
a gravidade dos delitos praticados (v.g., crimes hediondos ou equiparados, crimes
cometidos com violência ou grave ameaça), ora levando em consideração a condição
de primário ou reincidente do condenado.
Na prática, todavia, o que se vê no dia a dia do sistema carcerário brasileiro são
presos condenados e provisórios, acusados (ou condenados) pela prática de crimes
hediondos ou não, cometidos com violência ou grave ameaça, primários ou não,
enfim, todos misturados em um mesmo estabelecimento prisional. Na verdade, o
único critério de separação de presos que costuma ser efetivamente aplicado é o do

6 "A prisão não intimida nem regenera. Embrutece e perverte. Insensibiliza ou revolta. Descaracteriza e
desambienta. Priva de funções. Inverte a natureza. Gera cínicos e hipócritas. A prisão, fábrica e escola
de reincidência, habitualidade e profissionalidade, produz e reproduz criminosos". (LYRA, Roberto. Novo
Direito Penal. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1971, v. 3, p. 109).
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 231

§4° do art. 84 da LEP, segundo o qual o preso que tiver sua integridade física, moral
ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado
em local próprio.
Sem embargo da remotíssima possibilidade de aplicação concreta dos critérios esta­
belecidos pela Lei de Execução Penal e por outros diplomas normativos (v.g., Lei da Prisão
Temporária), incumbe apontar os diversos critérios legais para a separação de presos:
a. Separação do preso provisório do condenado por sentença transitada em
julgado: consoante disposto no art. 84, caput, da LEP, o preso provisório ficará
separado do condenado por sentença transitada em julgado. O dispositivo guarda
semelhança com o art. 300 do CPP, com redação dada pela Lei n. 12.403/11: “As
pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitiva­
mente condenadas, nos termos da Lei de Execução Penal”. Ambos os dispositivos
visam evitar a promiscuidade resultante da convivência entre presos que já tenham
contra si sentença condenatória com trânsito em julgado e presos provisórios. Ora,
“enquanto a prisão do primeiro decorre do reconhecimento de sua responsabili­
dade criminal, a do segundo justifica-se unicamente na necessidade de acautelar
a sociedade ou o processo criminal, podendo até mesmo sobrevir juízo posterior
de absolvição, já que não se sabe se é inocente ou culpado das acusações que lhe
são atribuídas”;7
b. Separação de acusados ou condenados pela prática de crimes hediondos
ou equiparados: quer se trate de acusado, ou seja, preso cautelar (LEP, art. 84, §1°,
I), quer se trate de condenado (LEP, art. 84, §3°, I), pela prática de um dos crimes
hediondos listados no art. Io da Lei n. 8.072/90 ou equiparados - tráfico de drogas,
terrorismo e tortura -, este deverá ficar separado dos demais reclusos. À semelhança
do critério anterior, o legislador visa evitar o contato entre acusados (e condenados)
dotados de graus de periculosidade diversos, de modo a proteger a integridade
física e moral dos próprios presos, além de reduzir “indesejáveis influências entre
criminosos de diferentes perfis criminógenos”;8
c. Separação de acusados, presos provisórios ou reincidentes condenados
pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa: outro
critério de separação de presos previsto expressamente na Lei de Execução Penal
diz respeito àqueles acusados (LEP, art. 84, §1°, II) ou reincidentes condenados
(LEP, art. 84, §3°, II) pela prática de crimes cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa. Pelo menos em tese, tais indivíduos deverão permanecer sepa­
rados não apenas dos acusados (e condenados) pela prática de crimes hediondos
ou equiparados, mas também de outros presos (LEP, art. 84, §1°, III, e §3°, IV),
notadamente daqueles primários condenados pela prática de crimes cometidos
com violência ou grave ameaça à pessoa (LEP, art. 84, §3°, III). De fato, quando
possível, o ideal é evitar o contato entre presos primários e reincidentes, pois
estes já demonstraram se tratar de verdadeiros criminosos habituais, muito mais

7 AVENA. Op. cit. p. 165.


8 MIRABETE. Op. cit. p. 270.
232 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

refratários à ressocialização almejada pela execução penal, ao passo que aquele que
delinquiu pela primeira vez talvez ainda tenha melhores condições de responder
ao processo de reabilitação social;
e. Separação de funcionário da Administração da Justiça Criminal à época
do fato: de acordo com o art. 84, §2°, da LEP, o preso que, ao tempo do fato,
era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência
separada. Como se pode notar, estamos diante de indivíduos que, em virtude
da função por eles exercidas antes de serem presos (v.g., Juizes, Promotores de
Justiça, Defensores Públicos, Oficiais de Justiça etc.), poderão ter sua integridade
física e moral ameaçadas quando colocados em convivência com outros reclusos.
Há, in casu, uma razão razoável para o discrimine.9 Mantê-las presas em celas
comuns equivalería a instituir, do ponto de vista prático, verdadeira pena de
morte. A despeito de o dispositivo fazer menção aos funcionários da Adminis­
tração da Justiça Criminal, a jurisprudência consolidou o entendimento de que
o art. 84, §2°, da LEP, deve ser aplicado, por analogia, a agentes penitenciários
e a policiais civis ou militares.10 Diversamente dos §§1° e 3o do art. 84 da LEP,
que fazem uso, respectivamente, das expressões “presos provisórios” e “presos
condenados”, o §2° usa o termo preso, sem fazer qualquer distinção quanto à
sua natureza. Por consequência, o ideal é concluir que o dispositivo abrange não
apenas aquele que está preso cautelarmente, como também o que já foi conde­
nado por sentença irrecorrível. Nesse contexto, como já se pronunciou o STJ,
“(...) este Tribunal Superior consagrou o entendimento de que o art. 82, §2°, da
LEP - destinado aos presos que eram funcionários da administração da justiça
criminal - deve ser aplicado, por analogia, aos ex-policiais, civis ou militares,
sendo irrelevante a condição de presos provisórios ou ostentarem condenação
definitiva. Assim, o recolhimento deles deve se dar em dependência própria,
isolada dos presos comuns, de modo a resguardar a integridade física e moral,
que ficaria comprometida com a hostilidade dos demais detentos. Tendo sido
o paciente transferido para um local do Presídio Estadual destinado a presos
ex-policiais - dependência separada e reservada dos demais presos comuns -,
estando atendidos, portanto, os requisitos legais exigidos para a hipótese, não
há falar em constrangimento ilegal”.11 Noutro giro, como o legislador é explícito
ao mencionar a condição de funcionário da Administração da Justiça Criminal
ao tempo do fato, revela-se indevida a aplicação do art. 84, §2°, da LEP, àquele
que, à época da infração penal, já não mais era funcionário público;12
f. Separação de preso que tiver sua integridade física, moral ou psicoló­
gica ameaçada: se a própria Constituição Federal assegura aos presos o respeito

9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3a ed. 8a tir. São Paulo:
Malheiros, 2000.
10 STJ, 6a Turma, HC 430.341-PR, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 17.04.2018, DJe 27.04.2018; STJ, 6a Turma, HC
158.994-RJ, Rei. Min. Vasco Delia Giustina - Desembargador convocado doTJ-RS -,j. 19.05.2011, DJe 15.06.2011.
11 STJ, 6a Turma, HC 158.994-RJ, Rei. Min. Vasco Delia Giustina - Desembargador convocado do TJ-RS -, j.
19.05.2011, DJe 15.06.2011.
12 MIRABETE. Op. cit. p. 270. Em sentido diverso: AVENA. Op. cit. p. 167.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 233

à integridade física e moral (art. 5o, XLIX), nada mais razoável do que se evitar
a convivência do preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica
ameaçada, justamente com aqueles reclusos responsáveis por tal constrangimen­
to. Ora, diante da possibilidade concreta de que esses outros presos queiram
concretizar sentimentos de vingança ou praticar atos de represália, é salutar que
fiquem segregados em locais diversos, como previsto, aliás, no art. 84, §4°, da
LEP;
g. Separação do preso temporário: dispõe o art. 3o, caput, da Lei n° 7.960/89,
que os presos temporários deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos
demais detentos. Pelo menos em tese, o preso temporário não poderá ser recolhido
com condenados ou mesmo com aqueles submetidos à prisão preventiva.

1.6. Prisão Especial


Não se deve confundir o direito à prisão especial com a separação de presos,
objeto de análise no tópico anterior. A prisão especial não pode ser considera­
da modalidade de prisão cautelar. Cuida-se, na verdade, de especial forma de
cumprimento da prisão cautelar. Com efeito, segundo o disposto no art. 295 do
CPP, só há falar em direito à prisão especial quando o agente estiver sujeito à
prisão antes de condenação definitiva. Logo, com o trânsito em julgado, cessa
o direito à prisão especial, sendo o condenado submetido ao regime ordinário
de cumprimento da pena, ressalvada, como exposto anteriormente, a hipótese do
art. 84, § 2o, da LEP, referente ao preso que, ao tempo do fato, era funcionário da
administração criminal, o qual deverá ficar em dependência separada dos demais
presos inclusive no curso da execução da pena. Também há outros dispositivos
legais que determinam que o preso terá direito à cela separada mesmo após a
condenação definitiva. Tome-se, como exemplo, entre outros, o art. 18, II, “e”,
da LC n. 75/93, relativo aos membros do Ministério Publico da União, o art. 44,
III, da LC n. 80/94, atinente aos membros da Defensoria Pública da União, o art.
40, §3°, da Lei n. 4.878/65, pertinente aos integrantes da Polícia Civil do Distrito
Federal e da União etc.
Pelo menos em tese, pode ocorrer de o indivíduo estar preso cautelarmente em
prisão especial por conta da prática de determinado crime, quando, então, sobrevêm
condenação definitiva à pena privativa de liberdade em razão da prática de outra
infração penal. Nesse caso, prevalece o entendimento de que o preso que ostenta
condenações criminais com trânsito em julgado deixa de ser tratado como preso
provisório, mesmo que tenha contra si outros processos criminais em andamento,
perdendo, assim, o direito à prisão especial.13
Tamanhos eram os benefícios aos presos especiais que a Lei n° 5.256, que
entrou em vigor no dia 7 de abril de 1967, determinava em seu art. Io que, nas
localidades em que não houvesse estabelecimento adequado ao recolhimento dos

13 Nesse sentido: STJ, 6a Turma, HC 56.208/PE, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 14/04/2009, DJe
04/05/2009.
234 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

que tenham direito a prisão especial, o juiz, considerando a gravidade das circuns­
tâncias do crime, ouvido o representante do Ministério Público, poderia autorizar
a prisão do réu ou indiciado na própria residência, de onde o mesmo não poderia
afastar-se sem prévio consentimento judicial. Somente a violação da obrigação de
comparecer aos atos policiais ou judiciais para os quais fosse convocado é que
poderia implicar na perda do benefício da prisão domiciliar, devendo o indivíduo
ser recolhido a estabelecimento penal, onde permanecesse separado dos demais
presos. No entanto, com a entrada em vigor da Lei n° 10.258/01, esse panorama foi
alterado. Isso porque, de acordo com os §§ Io e 2o do art. 295 do CPP, acrescenta­
dos pelo referido diploma normativo, a prisão especial consiste exclusivamente no
recolhimento em local distinto da prisão comum e, não havendo estabelecimento
específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo
estabelecimento. Na verdade, o que ocorre na prática é o recolhimento do preso
especial a um determinado distrito policial, especificamente destinado a abrigar
presos dessa espécie. A inexistência desse local distinto, todavia, não implica em
imediata prisão domiciliar, como dispunha o art. Io da Lei n° 5.256/67. Nesse caso,
o preso deverá ser colocado no mesmo estabelecimento prisional que os demais
presos, porém em cela distinta.14
Com a entrada em vigor da Lei n° 10.258/01, e diante do disposto no art. 295,
§ 2o, do CPP, somente na hipótese de inexistência de cela distinta para preso especial
é que poderá ocorrer a prisão domiciliar. Nessa última hipótese, por ato de ofício
do juiz, a requerimento do MP ou da autoridade policial, o beneficiário da prisão
domiciliar poderá ser submetido à vigilância policial, exercida sempre com discrição
e sem constrangimento para o réu ou indiciado e sua família (Lei n° 5.256/67, art.
3o). Ademais, a violação de qualquer das condições impostas na conformidade da
Lei n° 5.256/67 implicará na perda do benefício da prisão domiciliar, devendo o
réu ou indiciado ser recolhido a estabelecimento penal, onde permanecerá separado
dos demais presos.
A prisão especial pode consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos
de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequados à existência humana (CPP, art. 295, § 3o).15
Caso seja necessário o traslado do preso especial ao fórum ou à delegacia, dispõe
o art. 295, § 4o, do CPP, que seu transporte não pode ser efetuado juntamente com
presos que não detenham o mesmo privilégio.
Mesmo estando recolhido à prisão especial, tal preso tem direito à progressão de
regimes. É esse o teor da súmula 717 do Supremo Tribunal Federal: “Não impede
a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em
julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”.
O art. 295 traz um rol exemplificativo dos cidadãos com direito à prisão especial.
De acordo com o STF, o dispositivo comporta interpretação restritiva, não sendo

14 STJ, 5a Turma, HC 87.933/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 15/05/2008, DJe 23/06/2008.
15 STJ, 5a Turma, HC 56.160/RN, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 07/05/2007 p. 339.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 235

possível estender o benefício excepcional da prisão especial por analogia. Por isso,
em caso concreto envolvendo parlamentar estrangeiro, foi indeferida a concessão
de prisão especial, já que o art. 295, III, do CPP, faz menção apenas aos membros
do Parlamento Nacional.16
O art. 295, V, do CPP também assegura prisão especial aos oficiais das
Forças Armadas17 e aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Ter­
ritórios.18 A contrario sensu, aos militares que não forem oficiais das Forças
Armadas aplica-se a regra do art. 296, devendo ser custodiados em estabele­
cimentos militares.19
Por sua vez, de acordo com o parágrafo único do art. 242 do Código de
Processo Penal Militar, a prisão de praças especiais e a de graduados atenderá aos
respectivos graus de hierarquia. Ademais, com as mudanças produzidas pela Lei
n° 12.403/11, o parágrafo único do art. 300 do CPP passou a dispor que o militar
preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será re­
colhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição
das autoridades competentes. Como adverte Og Fernandes, essa regra volta-se não
apenas para a prisão em flagrante delito, mas para toda e qualquer medida cautelar
privativa de liberdade, aplicando-se aos militares das Forças Armadas, dos Estados
e do Distrito Federal.20
O art. 295, X, do CPP, também conferia aos jurados o direito à prisão especial.
Apesar de a Lei n° 12.403/11 não ter revogado expressamente o art. 295, X, do CPP,
quando se compara o texto antigo do art. 439 do CPP e sua nova redação, fica evi­
dente que o legislador deixou de prever o direito à prisão especial para aquele que
tenha exercido a função de jurado. Portanto, diante da nova redação emprestada ao
caput do art. 439, queremos crer que o art. 295, X, do CPP foi tacitamente revoga­
do pela Lei n° 12.403/11. Logicamente, para aqueles que já exerceram efetivamente
a função de jurado antes do advento da Lei n° 12.403/11, deverá ser respeitado o

16 STF, Pleno, PPE 315 AgR/AU, Rei. Min. Octavio Gallotti, DJ 06/04/01.
17 Quando o inciso V do art. 295 do CPP se refere aos oficiais das forças armadas, está se referindo aos mi­
litares da carreira, não aos que, atendendo à convocação obrigatória, se preparam, em curto espaço, nos
NPOR, ou CPOR, que compõem a reserva não remunerada (R-2). Nesse contexto: STJ - RHC 6.759/RS - 6a
Turma - Rei. Min. Anselmo Santiago - DJ 10/11/1997 p. 57.844).
18 Enquanto não excluído da força pública, tem o policial militar condenado, ainda que por crime comum, o
direito a ser mantido em prisão especial: STJ, 5aTurma, HC 12.173/MG, Rei. Min. Edson Vidigal, DJ 12/06/2000
p. 122. Porém, a superveniência do trânsito em julgado da condenação faz cessar o direito de policial
militar ser recolhido em prisão especial: STF, 1a Turma, HC 102.020/PB, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j.
23/11/2010, DJe 240 09/12/2010.
19 Como decidiu o STJ, "em hipóteses extremas e atento ao princípio constitucional que assegura a 'integri­
dade física e moral dos presos' (Constituição Federal, artigo 5o, inciso XLIX), razão não há para negar, ao
praça reformado, a extensão do benefício da prisão especial disposto no artigo 296 da Lei Adjetiva Penal.
Ordem concedida para, convolando em definitiva a medida liminar deferida, determinar que o paciente
fique custodiado em estabelecimento militar até o trânsito em julgado de sua condenação". (STJ, 6a Turma,
HC 17.718/GO, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 06/05/2002 p. 320).
20 Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas - comentários à Lei 12.403, de
04/05/2011. Coordenação: Og Fernandes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 76.
236 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

direito à prisão especial, em fiel observância ao art. 5o, XXXVI, da Constituição


Federal, que assegura que a lei não prejudicará o direito adquirido.21
Além das hipóteses listadas no art. 295 do CPP, leis especiais também con­
templam outros cidadãos com o benefício da prisão especial: 1) Lei n° 2.860/56:
dirigentes de entidades sindicais de todos os graus e representativas de empregados,
empregadores, profissionais liberais, agentes e trabalhadores autônomos; 2) Lei n°
3.313/57: servidores do departamento federal de segurança pública com exercício de
atividade estritamente policial; 3) Lei n° 3.988/61: pilotos de aeronaves mercantes
nacionais;22 4) Lei n° 4.878/65: policiais civis da União e do Distrito Federal; 5) Lei
n° 5.350/67: funcionário da polícia civil dos Estados e Territórios; 6) Lei n° 5.606/70:
oficiais da marinha mercante; 7) Lei n° 7.102/83: vigilantes e transportadores de
valores; 8) Lei n° 7.172/83: professores de Io e 2o graus.
Por fim, convém ressaltar que a Lei n° 9.807/99, que estabeleceu normas para
a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a
testemunhas ameaçadas, prevê que serão aplicadas em benefício do colaborador, na
prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física,
considerando ameaça ou coação eventual e efetiva. Dentre tais medidas, estando sob
prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será
custodiado em dependência separada dos demais presos (Lei n° 9.807/99, art. 15, § Io).

1.7. Sala de Estado-Maior


Os conceitos de sala de Estado-Maior e de prisão especial não se confundem e
a prerrogativa de recolhimento naquela não se reduz à prisão especial de que trata
o art. 295 do CPP.
Se por Estado-Maior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Co­
mandante de uma organização militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de
Bombeiros e Polícia Militar), sala de Estado-Maior é o compartimento de qualquer
unidade militar que, ainda que potencialmente, possa ser por eles utilizado para
exercer suas funções. Destarte, enquanto uma “cela” tem como finalidade típica o
aprisionamento de alguém e, em razão disso, possui grades, em regra, uma “sala”
apenas ocasionalmente é destinada para esse fim, além de oferecer instalações e
comodidades condignas, isto é, condições adequadas de higiene e segurança.
Compreende-se a sala de Estado-Maior, portanto, como uma sala e não cela,
instalada no Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares,
configurando tipo heterodoxo de prisão, eis que destituída de grades ou de portas
fechadas pelo lado de fora.23

21 Na mesma linha: BADARÓ, Gustavo Henrique. Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas
alternativas - comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordenação: Og Fernandes. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2011. p. 300.
22 STJ, 5a Turma, RHC 1.916/SP, Rei. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJ 08/06/92 p. 8.624.
23 . STF, Pleno, Rcl 4.535/ES, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15/06/2007 p. 21. Nos mesmos moldes: STF, 1a
Turma, HC 91.089/SP, Rei. Min. Carlos Britto, DJ 19/10/2007 p. 46; STF, Pleno, Rcl 4.713/SC, Rei. Min. Ricardo
Lewandowski, DJe 041 07/03/08.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 237

O direito à sala de Estado-Maior somente se refere às hipóteses de prisão cau­


telar, assemelhando-se, assim, à prisão especial, cujo direito também cessa com o
trânsito em julgado da sentença condenatória.24
No entanto, membros do Ministério Público da União (LC n° 75/93, art. 18, inciso
II, “e”), integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal e da União (Lei n° 4.878/65,
art. 40, § 3o) e presos que, ao tempo do fato, eram funcionários da administração da
Justiça Criminal (LEP, art. 84, § 2o, c/c o art. 106, § 3o) terão direito à cela separada
dos demais presos, mesmo durante a execução da prisão definitiva. Apesar de não
existir dispositivo específico para o juiz, compreende-se que o magistrado estaria
inserido no permissivo do art. 84, § 2o, da LEP, por tratar-se de funcionário da
Justiça Criminal. Tais dispositivos visam preservar a integridade física e moral do
preso (CF, art. 5o, inciso XLIX), evitando que esse condenado permaneça no meio
de presos que possam nutrir sentimentos de vingança contra o funcionário ou ex-
-funcionário da Justiça Criminal25.
Fazem jus à sala de Estado-Maior: 1) Membros do Ministério Público (Lei
n° 8.625/93, art. 40, V; Lei Complementar n° 75/93, art. 18, II, “e”); 2) Membros
do Poder Judiciário (LC 35/79, art. 33); 3) Membros da Defensoria Pública (LC
80/94, arts. 44, inciso III, e 128, inciso III); 4) Advogados: de acordo com o Esta­
tuto da OAB (Lei n° 8.906/94, art. 7o, V), ao advogado assiste o direito de não ser
recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-
-Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB,
e, na sua falta, em prisão domiciliar. No julgamento da ADI 1.127-8, o Supremo
declarou a inconstitucionalidade da expressão ‘assim reconhecidas pela OAB’. Por
conta do disposto no art. 7o, V, in fine, da Lei n° 8.906/94, a ausência de sala de
Estado-Maior implica no recolhimento domiciliar do advogado, benefício este que não
foi estendido aos membros da magistratura, do Ministério Público e da Defensoria
Pública. A jurisprudência firmada pelo Plenário e pelas duas Turmas do Supremo
é no sentido de se garantir a prisão cautelar aos profissionais da advocacia, devida­
mente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, em sala de Estado-Maior e, não
sendo possível ou não existindo dependências definidas como tal, conceder a eles o
direito de prisão domiciliar.26 No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal tem
considerado válida, a depender das circunstâncias do caso concreto, a manutenção
de profissionais da advocacia em penitenciária que possua celas individuais, com
condições regulares de higiene e instalações que impeçam o contato do paciente
com presos comuns. Não seria razoável interpretar a prerrogativa conferida aos
advogados como passível de inviabilizar a própria custódia.27 Para o STJ, a norma

24 . STF - HC-AgR 82.850/SP - 2a Turma - Rei. Min. Gilmar Mendes - DJ 28/09/2007 p. 65).
25 Embora os funcionários da Administração Criminal possuam direito à prisão especial mesmo após o trân­
sito em julgado da condenação, a execução de suas penas dar-se-á em estabelecimento penal sujeito ao
mesmo sistema disciplinar e carcerário de outros presos com o mesmo regime prisional, em dependência
isolada dos demais reclusos, a teor do disposto no § 2o do art. 2o do art. 84 da Lei n° 7.210/84". (STJ - REsp
744.857/RN - 5a Turma - Relatora Ministra Laurita Vaz - DJ 06/02/2006 p. 304).
26 STF, Ia Turma, HC 91.150/SP, Rei. Min. Menezes Direito, DJ 31/10/2007 p. 91.
27 STF, 2a Turma, HC 93.391/RJ, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 15/04/2008, DJe 83 08/05/2008. Na mesma linha:
STF, 2a Turma, Rcl 23.567/SP, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 07/06/2016, DJe 124 15/06/2016. Logicamente, se
238 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

sob comento não se aplica à prisão civil, pois, enquanto meio executivo por coerção
pessoal, sua natureza já é de prisão especial, pois o devedor de alimentos detido não
será segregado com presos comuns. É dizer, o regime de cumprimento da prisão
civil deve imprimir máxima coerção sobre o devedor exatamente para estimulá-lo
ao célere cumprimento da obrigação alimentar, diretamente ligada à própria sub­
sistência do credor de alimentos.28 Outrossim, consoante disposto no art. 7°-B da
Lei n. 8.906/94, incluído pela Lei n. 13.869/19, a violação à prerrogativa em questão
pode caracterizar crime de abuso de autoridade.
Quanto aos jornalistas, dispunha o art. 66 da Lei n° 5.250/67 (Lei de Imprensa)
que o jornalista profissional não poderia ser detido nem recolhido preso antes de
sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente, arejada
e onde encontre todas as comodidades. A pena de prisão de jornalistas, por sua vez,
devia ser cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados a réus de
crime comum e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou carcerário. Ocorre
que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da arguição de descumprimento
de preceito fundamental n° 130, julgou procedente o pedido ali formulado para o
efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto
de dispositivos da Lei 5.250/67. Destarte, jornalistas deixaram de ter direito à sala
de Estado-Maior, subsistindo, todavia, o direito à prisão especial, mas desde que
o jornalista seja diplomado por qualquer das faculdades superiores da República
(CPP, art. 295, VII).29

1.8. Prisão de índios


O art. 231 da Constituição Federal assegura aos índios o reconhecimento de
sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Por sua vez, o Estatuto
do índio (Lei n° 6.001/73) assevera que as penas de reclusão e de detenção serão
cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcio­
namento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da habitação do
condenado (art. 56, parágrafo único).
Considerando que a prisão penal do índio deve ser cumprida em regime espe­
cial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos
índios mais próximo da habitação do condenado, entende-se que a prisão cautelar
também deve se adequar a esse regramento, sob pena de a medida cautelar aplicada
durante o curso do processo se revelar mais gravosa que aquela que, possivelmen­

o advogado estiver suspenso dos quadros da OAB, não fará jus ao recolhimento provisório em sala de
Estado-Maior. Nesse contexto: STJ, 6a Turma, HC 368.393/MG, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.
20/09/2016, DJe 30/09/2016.
28 STJ, 3a Turma, HC 305.805-GO, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23.10.2014, DJe 31.10.2014.
29 . Vale lembrar que, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, a exigência de diploma de curso superior
para a prática do jornalismo - o qual, em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de
expressão e de informação - não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição,
um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo exercício da liberdade
jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § Io, da Constituição. (STF, Pleno, RE 511.961/SP, Rei.
Min. Gilmar Mendes, DJe 213 12/11/2009).
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 239

te, será aplicada com o trânsito em julgado de sentença condenatória, violando o


princípio da homogeneidade.
Em caso concreto apreciado pelo STJ, admitiu-se o cumprimento da custódia
cautelar em regime especial de semiliberdade no local de funcionamento do órgão
federal de assistência aos índios (FUNAI) mais próximo da habitação do condena­
do, nos termos do art. 56, parágrafo único, da Lei n° 6.001/73. Na dicção do Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, “para preservar os usos, costumes e tradições das
comunidades indígenas, bem como conferir segurança àquele que vive à margem
da sociedade, admite-se a possibilidade de a custódia do índio se dar em unidade
da FUNAI, órgão estatal de proteção ao índio, desde que tal órgão administrativo
possua condições de receber o réu”.30
Outrossim, na hipótese de índios não integrados, entende-se que, por força
do art. 231 da Constituição Federal e do Estatuto do índio (Lei n° 6.001/73), que
assegura aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados verdadeiro
regime tutelar (art. 7o), deve haver a comunicação à FUNAI, órgão que exerce a
tutela do índio em nome da União. De todo modo, é bom destacar que, na visão
do Supremo, a tutela que a Constituição Federal cometeu à União Federal no art.
231 é de natureza civil, e não criminal, consoante arts. 7o e 8o da Lei n° 6.001/73 e
art. 4o, parágrafo único, do Código Civil. Logo, não haveria necessidade de comu­
nicação à FUNAI.31

1.9. Local de cumprimento da pena


Sob a ótica da função ressocializadora da Execução Penal, por mais que o delito
tenha sido cometido em localidade diversa, o ideal seria permitir que o acusado (ou
condenado) fosse custodiado em presídio no mesmo local em que reside, já que essa
proximidade com sua família e amigos facilitaria sobremaneira o exercício de seu
direito à assistência, o que, ao fim e ao cabo, seria decisivo para sua ressocialização.
Não é este, todavia, o critério adotado pela Lei de Execucão Penal, que prevê
que a pena deverá ser objeto de execução, pelo menos em regra, no exato local em
que o delito se consumou. A uma porque foi exatamente aquela comunidade que
sofreu os efeitos do delito. A duas porque a competência territorial é fixada pelo
Código de Processo Penal, pelo menos em regra, com base no local da consuma­
ção do delito (art. 70, caput). É possível, todavia, que a pena privativa de liberdade
aplicada pela Justiça de uma Unidade Federativa seja executada em outro Estado
(LEP, art. 86, caput). Logo, nas hipóteses em que o indivíduo, condenado e preso
em um Estado, seja natural de outro, nele possuindo vínculos familiares, afetivos e
até profissionais, é possível que o Juízo da Execução autorize sua transferência para
tal localidade. Para tanto, há de se ter em mente que o apenado não tem direito à
transferência, sendo o interesse público o critério fundamental para autorizar (ou

30 STJ, 5a Turma, HC 124.622/PE, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08/09/2009, DJe 13/10/2009. No
mesmo contexto: STJ, 5a Turma, HC 55.792/BA, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 29/06/2006, DJ 21/08/2006 p. 267.
31 STF, 1a Turma, HC 79.530/PA, Rei. Min. limar Galvão, j. 16/12/1999, DJ 25/02/2000, p. 53.
240 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

não) a sua remoção. Sobrepõe-se, portanto, o interesse da segurança pública ao


interesse particular do condenado (ou preso cautelar).
Considerando-se, assim, que o condenado (ou acusado) não tem o direito
líquido e certo de escolher o lugar onde pretende cumprir sua pena (ou prisão
cautelar), admite-se, com fundamento no interesse público, a sua transferência
para localidade diversa. Não por outro motivo, dispõe o art. 86, caput, da LEP,
que as penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Fe­
derativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou
da União. Na mesma linha, consoante disposto no art. 86, §3°, da LEP, caberá
ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa, definir o esta­
belecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado,
em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos. Para tanto, não há mais
necessidade, como havia anteriormente, que a pena aplicada seja superior a 15
(quinze) anos.
É firme, pois, o entendimento jurisprudencial no sentido de que o direito que
o preso tem de cumprir pena em local próximo à residência, onde possa ser assis­
tido pela família, é relativo, pois a transferência pode ser negada desde que a recusa
esteja fundamentada.32 A transferência do apenado para comarca próxima de seus
familiares não constitui direito absoluto, devendo obedecer ao juízo de conveniência
e oportunidade do magistrado.33
Logo, se a permanência do preso em uma determinada unidade prisional se
revelar impraticável ou inconveniente por motivos diversos (v.g., desavenças com
integrantes de organizações criminosas rivais), o interesse social de resguardo da
segurança e a obrigatoriedade de tutela da própria integridade física e moral da­
quele preso serão capazes de justificar a sua transferência para localidade diversa.
Aliás, na visão dos Tribunais Superiores, também se revela legítima a transferência
de presos em face da superlotação carcerária e de problemas estruturais no estabe­
lecimento prisional, em atenção à dignidade da pessoa humana e ao princípio da
humanidade da pena.34
Como estamos diante de matéria da competência do Juízo da Execução Penal
- LEP, art. 66, V, “g” e “h” -, a determinação de transferência do local de cumpri­
mento da pena deve ser impugnada por meio de agravo em execução (LEP, art. 197),
o qual, pelo menos em regra, não é dotado de efeito suspensivo. Considerando-se
que a competência para a transferência de lugar de cumprimento da pena recai,
originariamente, sobre o Juízo da Execução, e que essa transferência não é direito
absoluto do condenado, dependendo, pois, de razões de conveniência e oportunidade,
a remoção do condenado (ou acusado) não pode ser pleiteada por meio de habeas
corpus, até mesmo porque, pelo menos em tese, não está em jogo a liberdade de
locomoção do indivíduo capaz de justificar a utilização do writ.

32 STJ, 3a Seção, AgRg no CC 137.281 -MT, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 23.09.2015, DJe 02.10.2015; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 620.826-SC, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 23.03.2021, DJe 30.03.2021.
33 STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 1.762.331-AM, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 09.03.2021, DJe 12.03.2021.
34 STJ, 5a Turma, RMS 19.385-RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 26.04.2005, DJ 06.06.2005.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 241

Por se tratar de decisão jurisdicional, é de rigor a manifestação prévia do con­


denado e do Ministério Público, pelo menos em regra. Também deve se pronunciar
o Juízo do local para onde o apenado será transferido, até mesmo para que informe
acerca da existência de vagas no presídio da comarca. Uma vez determinada a re­
moção, o juízo competente para a Execução Penal passará a ser o da Comarca ou da
Unidade da Federação onde a pena passará a ser executada, conforme a respectiva
Lei de Organização Judiciária.

1.10. Capacidade das prisões


A superlotação dos presídios é um problema gravíssimo que assola todos os
Estados da Federação, o Distrito Federal e a própria União, dando ensejo não ape­
nas à falência da pena privativa de liberdade, pelo menos sob a ótica da pretendida
readaptação social almejada pela LEP, mas também ao incremento da criminalidade
violenta, que vem utilizando as unidades prisionais como verdadeiros escritórios do
crime’, quer para a organização de novas infrações penais, quer para fins de recru­
tamento de novos integrantes das organizações criminosas. Para que se tenha uma
ideia aproximada da situação, segundo consta do Relatório do INFOPEN, elaborado
pelo Departamento Penitenciário Nacional em dezembro de 2014, o Brasil conta com
607.731 presos distribuídos em 1.424 estabelecimentos prisionais com capacidade
para 376.669, com superlotação, portanto, de 231.062 presos.
Com o objetivo de disciplinar a lotação dos estabelecimentos penais, o art.
85, caput, da LEP determina que a unidade prisional deverá ter lotação compatível
com a sua estrutura e finalidade. Dada a dificuldade de o legislador preestabelecer
o número adequado de presos para cada estabelecimento, tal atribuição foi outor­
gada ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, nos termos do
art. 85, parágrafo único, da LEP. A propósito, o limite máximo de capacidade dos
estabelecimentos penais, atendendo a sua natureza e peculiaridade, construídos a
partir da vigência da Resolução n. 09/2011 do Conselho nacional de Política Cri­
minal e Penitenciária, com recursos exclusivamente federais, é de: I - 300 presos
para Penitenciárias de segurança máxima; II - 800 apenados para Penitenciária de
segurança média; III - 1.000 apenados na Colônia agrícola, industrial ou similar;
IV - 300 apenados em Centro de observação criminológica; V - 800 presos em
cadeia pública. O referido diploma normativo também determina que o módulo
de celas não deve ultrapassar 200 pessoas, que a cela coletiva não deve exceder a 8
pessoas, e que o número de celas individuais, para fins de isolamento, será de pelo
menos 2% da capacidade total.
Na teoria, a violação da regra sobre a capacidade de lotação pode ser punida com
a interdição do estabelecimento, medida extrema que está inserida dentre as com­
petências outorgadas ao Juízo da Execução Penal (art. 66, VIII). Implica, ademais, a
concessão de benefícios prisionais diversos (v.g., saída antecipada, monitoramento
eletrônico etc.),35 e tudo isso sem contar na suspensão de qualquer tipo de ajuda finan­

35 A controvérsia atinente à concessão de benefícios aos presos em caso de superlotação da unidade prisional
será objeto de análise na sequência.
242 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

ceira destinada à unidade federativa pela União para atender às despesas de execução
das penas e medidas de segurança (LEP, art. 203, §4°).

1.10.1. (Im) possibilidade de manutenção de condenado em regime prisional


mais gravoso na hipótese de falta de estabelecimento penal adequado
Infelizmente, é relativamente comum que o Estado não disponha de estabeleci­
mentos penais adequados (ou de vagas suficientes) para o cumprimento de pena no
regime semiaberto ou aberto, o que acaba comprometendo a eficiência do sistema
progressivo de cumprimento de penas. Com efeito, apesar de a legislação prever 3
(três) degraus da progressão, os dois últimos, ao longo dos anos, foram solenemente
abandonados em diversos estados da federação e pela própria União. Por conta disso,
os presos dos referidos regimes estariam sendo mantidos nos mesmos estabelecimentos
que os presos em regime fechado.
Todavia, essa manutenção do condenado em regime mais gravoso não se revela
condizente com o princípio da individualização da pena (CF, art. 5o, XLVI) - na
fase da execução penal -, nem tampouco com o princípio da legalidade (CF, art. 5o,
XXXIX). De fato, se o indivíduo faz jus à progressão de regimes, haveria evidente
afronta à individualização da pena se acaso fosse mantido no regime mais gravoso. A
violação ao princípio da legalidade seria ainda mais evidente. Conforme dispõe o art.
5o, XXXIX, da CF, as penas devem ser previamente cominadas em lei. A legislação
brasileira prevê o sistema progressivo de cumprimento de penas. Logo, assistiría ao
condenado o direito a ser inserido em um regime inicial compatível com o título
condenatório e a progredir de regime de acordo com seus méritos. A manutenção
do condenado em regime mais gravoso seria, portanto, flagrante hipótese de excesso
de execução.
Seria necessário, portanto, verificar o que fazer com os sentenciados se a situação
de falta de vagas estivesse configurada. A prisão domiciliar seria uma alternativa de
difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia. Todavia, não deveria ser descartada
sua utilização, pelo menos até que fossem estruturadas outras medidas. Desse modo,
seria preciso avançar em propostas de medidas que, muito embora não fossem tão
gravosas como o encarceramento, não estivessem tão aquém do “necessário e sufi­
ciente para reprovação e prevenção do crime” (CP, art. 59).
As medidas em questão não pretenderíam esgotar as alternativas a serem ado­
tadas pelos juízos de execuções penais no intuito de equacionar os problemas de
falta de vagas nos regimes adequados ao cumprimento de pena. As peculiaridades
de cada região e de cada estabelecimento prisional poderíam recomendar o desen­
volvimento dessas medidas em novas direções. Assim, seria conveniente confiar
às instâncias ordinárias margem para complementação e execução das medidas.
O fundamental seria afastar o excesso da execução - manutenção do sentenciado
em regime mais gravoso - e dar aos juizes das execuções penais a oportunidade
de desenvolver soluções que minimizassem a insuficiência da execução, como se
daria com o cumprimento da sentença em prisão domiciliar ou outra modalidade
sem o rigor necessário. Com base nesse entendimento, o Plenário do Supremo
deliberou pela aprovação do enunciado da súmula vinculante n. 56: “A falta de
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 243

estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em


regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros
fixados no RE 641.320/RS”.
O Recurso Extraordinário mencionado na súmula - RE 641.32036 - fixou os
seguintes parâmetros:
a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso;37
b) os juizes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados
aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes.
São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, in­
dustrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado”
(regime aberto) (art. 33, parágrafo Io, alíneas “b” e “c”);
c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sen­
tenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada
ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de
vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado
que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas
propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.
Em conclusão, convém destacar que a Súmula Vinculante n. 56/STF destina-se
com exclusividade aos casos de efetivo cumprimento de pena. Em outras palavras,
aplica-se tão somente ao preso penal. O seu objetivo não é outro senão vedar o
resgate da reprimenda em regime mais gravoso do que teria direito o apenado
pela falha do Estado em oferecer vaga em local apropriado. Não se pode estender
a citada súmula vinculante ao preso provisório, eis que se trata de situação dis­
tinta. Por deter caráter cautelar, a prisão preventiva não se submete a distinção
de diferentes regimes. Assim, sequer é possível falar em regime mais ou menos
gravoso ou estabelecer um sistema de progressão ou regressão da prisão.38

1.10.2. (Im) possibilidade de concessão imediata da prisão domiciliar sem


prévia observância dos parâmetros traçados no RE 641.320/RS
No âmbito da Lei de Execução Penal, a prisão domiciliar está prevista em seu
art. 117. Este dispositivo cuida da possibilidade do recolhimento do beneficiário do
regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior
de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada
com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante. Mas e
nas hipóteses de ausência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional

36 STF, Pleno, RE 641.320, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 11.05.2016, DJ 01.08.2016.


37 Para a 2a Turma do STF (Rcl 25.123/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 18/04/2017, DJe 168 31/07/2017),
se o indivíduo cumpre pena em ala de penitenciária destinada exclusivamente a internos do regime
semiaberto, sendo lhe assegurados todos os benefícios inerentes ao respectivo regime, não há falar em
concessão de prisão domiciliar, nem tampouco antecipação do regime aberto.
38 STJ, 5a Turma, RHC 99.006/PA, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 07/02/2019, DJe 14/02/2019.
244 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

determinado para o cumprimento da pena? Seria possível que o juízo da execução


determinasse a concessão de prisão domiciliar como primeira opção?
A controvérsia foi levada à apreciação do STJ no julgamento de Recurso Especial
processado sob o rito dos repetitivos, quando a 3a Seção concluiu que, para tanto,
impõe-se antes a observância das providências estabelecidas pela Suprema Corte no
julgamento do RE 641.320. A propósito, eis o teor da Tese de Recurso Especial
Repetitivo fixada no tema n. 993: “A inexistência de estabelecimento penal ade­
quado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena não autoriza
a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar, porquanto, nos termos da
súmula vinculante n. 56, é imprescindível que a adoção de tal medida seja prece­
dida das providências estabelecidas no julgamento do RE 641.320/RS, quais sejam:
(i) saída antecipada de outro sentenciado no regime com falta de vagas, abrindo-
-se, assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir; (ii) a liberdade
eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto
em prisão domiciliar por falta de vagas; e (iii) cumprimento de penas restritivas
de direitos e/ou estudo aos sentenciados em regime aberto e que a adoção de uma
solução alternativa não é um direito do condenado”.39
Na visão da 3a Seção do STJ, somente se considera a utilização da prisão
domiciliar como alternativa à ausência de vagas no regime adequado quando
ela restringe totalmente o direito do executado de deixar a residência, não
permitindo, assim, o exercício de trabalho externo, ou quando, estando o
reeducando no regime aberto, a prisão domiciliar puder ser substituída pelo
cumprimento de penas alternativas e/ou estudo. Não há óbices à concessão
de prisão domiciliar com monitoração eletrônica ao sentenciado em regime
semiaberto, quando não há vagas no regime específico ou quando não há
estabelecimento prisional adequado ou similar na localidade em que cumpre
pena. Não há ilegalidade na imposição da prisão domiciliar, mesmo a pura e
simples em que o executado não tem direito de deixar a residência em mo­
mento algum, em hipóteses não elencadas no art. 117 da Lei de Execuções
Penais, máxime quando não houver vagas suficientes para acomodar o preso
no regime de cumprimento de pena adequado, tampouco estabelecimento
prisional similar, e não for possível, no caso concreto, a aplicação de uma das
hipóteses propostas no RE n. 641.320/RS.

1.10.3. Precariedade das condições de encarceramento e obrigação do Estado


de ressarcir os danos, inclusive morais
No julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida,
relativo a detento condenado a 20 anos de reclusão por crime de latrocínio, visando
ao pagamento de indenização por dano moral causado pelas ilegítimas e sub-humanas
condições a que estaria submetido no cumprimento de pena em estabelecimento pri­
sional situado no Município de Corumbá, Mato Grosso do Sul, o Pleno do Supremo

39 Paradigma: STJ, REsp 1.710.674/MG, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22.08.2018, DJ 03.09.2018.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 245

Tribunal Federal deu provimento ao recurso para fins de restabelecer a condenação


do Estado ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para reparação de danos
extrapatrimoniais, oportunidade em que restou fixada a seguinte orientação (Tese de
Repercussão Geral fixada no tema n. 365): “Considerando que é dever do Estado,
imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos
de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos
termos do art. 37, §6°, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive
morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insu­
ficiência das condições legais de encarceramento”.40
Na visão da Corte, o Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas
submetidas a encarceramento, enquanto permanecerem detidas. É seu dever mantê-
-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos
em lei, bem como, se for o caso, ressarcir danos que daí decorrerem. A violação a
direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos
carcerários não pode ser simplesmente relevada ao argumento de que a indenização
não tem alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado,
que depende da definição e da implantação de políticas públicas específicas, provi­
dências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Esse
argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação
que se constata em presídios.
Concluiu, ademais, ser inviável a aplicação analógica do art. 126 da Lei de Exe­
cuções Penais, de modo a admitir a remição da pena como espécie de indenização,
pois a reparação dos danos deve ocorrer em pecúnia. Considerando, pois, que a
responsabilidade civil do Estado decorre da ocorrência do dano e da presença de
nexo causai com a atuação da Administração ou de seus agentes, afastou a aplicação
do ‘princípio da reserva do possível’, reconhecendo, assim, o dever do Estado de
ressarcir danos, inclusive morais, eis que é sua obrigação atender minimamente às
condições carcerárias previstas em lei relativamente aos que estão sob sua custódia,
inclusive no sentido de reeducá-los para o retorno à sociedade.

1.10.4. (Im) possibilidade de o Judiciário impor à Administração Pública a


obrigação de promover melhorias em estabelecimentos prisionais
O que fazer na hipótese de inadimplemento das prestações positivas definidas
pelas políticas de assistência previstas nos arts. 12 a 27 da LEP? Seria cabível, por
exemplo, a celebração de termo de ajuste de conduta, o ajuizamento de ações civis
públicas, ou a impetração de habeas corpus coletivo de modo impor à Administração
Pública a obrigatoriedade de dar cumprimento ao quanto previsto na Lei de Exe­
cução Penal? O tema é objeto de grande controvérsia. Vejamos ambas as correntes:
a. Impossibilidade de judicialização: de um lado, há quem entenda que o
Poder Judiciário não pode impor à administração pública obrigações como, por
exemplo, fazer obras emergenciais em presídios para assegurar aos detentos um

40 Paradigma: STF, Pleno, RE 580.252/MS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 16.02.2017, DJ 11.09.2017.
246 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

mínimo de respeito a sua integridade física e moral, sobretudo nas hipóteses em


que não houver dotação orçamentária para tanto (reserva do possível). Argumenta-
-se que determinação judicial nesse sentido violaria o princípio da separação dos
poderes, já que a implantação de políticas públicas deve ser ato de iniciativa do
Executivo;
b. Possibilidade de Judicialização (nossa posição): no julgamento de Recurso
Extraordinário com repercussão geral reconhecida, interposto contra acórdão que,
ao reformar a sentença de primeiro grau, concluiu não competir ao Judiciário
determinar ao Executivo a realização de obras em estabelecimento prisional, sob
pena de indevida invasão de campo decisório reservado à Administração Pública,
o Plenário do Supremo deu provimento ao recurso para restabelecer a decisão
proferida pelo juízo de primeiro grau, oportunidade em que também fixou a se­
guinte orientação (Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 220): “É lícito
ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na
promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimen­
tos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana
e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos
do que preceitua o art. 5o, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à
decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos
poderes”.41 Na visão da Corte, direitos constitucionais dos presos, como, por
exemplo, a dignidade da pessoa humana e o respeito a sua integridade física e
moral, não podem ser tratados como normas meramente programáticas, mas sim
como preceitos que são dotados de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Logo,
reconhecida a precariedade das condições a que estiverem submetidos os detentos,
revela-se lícito ao Judiciário impor à Administração Pública a obrigação de fazer
(v.g., ação civil pública), consistente na promoção de medidas ou na execução de
obras emergenciais em estabelecimentos prisionais.

1.10.5.0 caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho e a Resolução da


Corte Interamericana de Direitos Humanos de 22.11.2018
O Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC), parte do Complexo Peniten­
ciário de Gericinó, localizado no bairro de Bangu, na zona norte da cidade do Rio
de Janeiro, ganhou notoriedade nacional e internacional pela existência de diversos
problemas estruturais, tais como a superlotação do presídio, considerável número
de mortes42 e péssimas condições de detenção. A título de exemplo, foi identificada
a existência de um efetivo funcional aquém do necessário para atendimento das
demandas das mais de 3.000 pessoas ali custodiadas - nove inspetores por turno
-, bem como a necessidade de adequação das instalações elétricas, hidráulicas e
sanitárias e o risco de incêndio em virtude do cabeamento elétrico exposto, entre
outros problemas.

41 Paradigma: STF, Pleno, RE 592.581/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.08.2015, DJ 01.02.2016.
42 56 óbitos entre 2016 e o 1o trimestre de 2018.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 247

Dada a gravidade da situação envolvendo o IPPSC, e a inércia das autorida­


des locais em se dispor a resolver seus problemas estruturais, o caso foi levado
à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que concluiu, na Resolução de 22
de novembro de 2018, que os presos lá custodiados estariam suportando “um
sofrimento jurídico muito maior que o inerente à mera privação da liberdade”,
de modo que seria justo reduzir o seu tempo de encarceramento como meio de
compensação (compensação por pena abusiva).43 Para aferição desta justa redução,
e trabalhando-se com a diferenciação entre pena ficta e pena real,44 considerou-se
o aspecto da superlotação - de aproximadamente 200% (duzentos por cento) -
para se chegar à conclusão de que a “inflicção antijurídica” da pena seria, in casu,
dobrada, de forma que o tempo de pena deveria ser contado à “razão de 2 dias
de pena lícita por dia de efetiva privação da liberdade em condições degradan­
tes”, fazendo-se, todavia, uma ressalva em relação aos acusados de crimes contra
a vida, contra a integridade física ou crimes sexuais, que seriam analisados após
uma perícia criminológica.
Para o STJ, essa Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
que determina o computo da pena em dobro, deve ser aplicada a todo o período
cumprido pelo condenado no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho.45 Levando-se
em consideração que as sentenças da CIDH possuem eficácia imediata para os
Estados Partes e efeitos meramente declaratórios, revelar-se-ia indevido, portanto,
diferir os efeitos da decisão para o momento em que o Estado Brasileiro tomou
ciência da referida decisão, deixando, assim, de computar parte do período em
que teria sido cumprida pena em situação considerada degradante. É dizer, não
se mostra possível que a determinação de computo em dobro tenha seus efeitos
modulados como se o condenado tivesse cumprido parte da pena em condições
aceitáveis até a notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse se mo­
dificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao reconhecimento da
situação degradante já perdurara anteriormente, até para que pudesse ser objeto
de reconhecimento, devendo, por tal razão, incidir sobre todo o período de cum­
primento da pena.

43 Semelhante Resolução foi publicada em relação ao Complexo Penitenciário de Curado (Pernambuco).


44 Em parecer acostado à ADPF 347, Juarez Tavares aborda com propriedade a distinção entre pena ficta
e pena real. A primeira constituiría um valor numérico, representado por uma valoração abstrata e dis­
cricionária do Poder Legislativo. Esta pena ficta seria idealizada sob a premissa de que seu cumprimento
observará as disposições legais e constitucionais pertinentes, o que, tendo em vista a situação degradante
do sistema penitenciário nacional, sabidamente não ocorre em diversos presídios. Em sentido diverso, o
conceito de pena real abrange todas as mazelas do sistema carcerário eventualmente suportadas pela
pessoa privada de liberdade (v.g., superlotação, estrutura precária etc.). Conclui, assim, Juarez Tavares, que
o reconhecimento da pena real implica "um necessário redimensionamento do valor nominal da pena, ou
seja, uma redução proporcional desse valor, de forma a equiparar a aflição ficta à aflição real". Disponível
em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4783560> Acesso em Io de dezembro de
2021 às 23:51.
45 STJ, 5a Turma, RHC 136.961/RJ, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15.06.2021, DJe 21.06.2021.
248 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

2. PENITENCIÁRIAS

2.1. Regras gerais


Diante da necessidade de individualização da pena no curso da execução da
pena, é absolutamente inviável trabalharmos com a hipótese de um cárcere único,
onde seriam abrigadas todas as espécies de criminosos. Não por outro motivo,
dispõem as Regras de Mandela que “as diferentes categorias de reclusos devem
ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes zonas de
um mesmo estabelecimento prisional, tendo em consideração o respectivo sexo e
idade, antecedentes criminais, razões da detenção e medidas necessárias a aplicar”
(Regra n. 11).
É exatamente dentro desse contexto que a Lei de Execução Penal fixa o
estabelecimento penal adequado com base no regime de cumprimento da pena: a
Penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado (art.
87, caput); a Colônia Agrícola, Industrial ou similar, ao cumprimento da pena de
reclusão ou detenção em regime semiaberto (art. 91); e a casa do Albergado ao cum­
primento da pena privativa de liberdade em regime aberto, e da pena de limitação
de fim de semana (art. 93).
À luz do Código Penal, considera-se regime fechado a execução da pena em
estabelecimento de segurança máxima ou média (art. 33, §1°, “a”), estabelecimento
esse que é denominado de Penitenciária pela Lei de Execução Penal (art. 87, caput).
Cuida-se de estabelecimento que deve contar com o máximo de segurança, muros
e grades, assim como vigilância ostensiva exercida por meio de policiais penais.
Justifica-se maior controle e vigilância sobre tais condenados pelo fato de cumprirem
pena no regime fechado justamente os presos dotados de maior periculosidade, quer
pela quantidade de crimes praticados, penas elevadas no período inicial de cumpri­
mento, quer pelo fato de serem reincidentes etc. De fato, consoante disposto no art.
33, §2°, do CP, são destinados ao regime fechado, obrigatoriamente, os condenados
a pena de reclusão superior a 8 anos e o condenado reincidente, qualquer que seja
a pena de reclusão aplicada.
Considerando-se que o art. 87, caput, da LEP, reserva as penitenciárias ao
cumprimento da pena de reclusão em regime fechado, depreende-se que houve um
lapso do legislador em relação aos condenados à pena de detenção eventualmente
inseridos em tal regime. Por mais que tais indivíduos devam dar início ao cum­
primento da pena em regime semiaberto ou aberto (CP, art. 33, caput), fato é que
poderão ser eventualmente conduzidos ao regime fechado no curso da execução
penal em virtude da regressão. Nesse caso, é firme o entendimento doutrinário no
sentido de que, à semelhança dos reclusos, os detentos também deverão cumprir tal
pena em penitenciárias, permanecendo essas duas categorias de condenados, todavia,
em pavilhões ou alas prisionais diversas.46

46 AVENA. Op. cit. p. 175.


Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 249

2.2. Penitenciárias destinadas ao regime disciplinar diferenciado


De acordo com o art. 87, parágrafo único, da LEP, incluído pela Lei n. 10.792/03,
a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir
Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que
estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos
do art. 52 do referido diploma normativo.
Os presídios construídos para atender ao RDD devem possuir condições
máximas de segurança, além de viabilizar o recolhimento em cela individual, re­
quisito exigível, aliás, para qualquer penitenciária (LEP, arts. 52, II, e 88). Incumbe
à União definir os padrões mínimos do presídio destinado ao cumprimento do
regime disciplinar diferenciado, devendo, ademais, priorizar, quando da constru­
ção de presídios federais, os estabelecimentos que se destinem a abrigar presos
provisórios ou condenados a ele sujeitos (Lei n. 10.792/03, arts. 7o e 8o). A Lei
n. 10.792/03 também prevê que “os estabelecimentos penitenciários disporão de
aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos os que queiram
ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou
pública” (art. 3o) e que, especialmente, os estabelecimentos destinados ao regime
disciplinar diferenciado serão dotados, entre outros equipamentos de segurança,
de bloqueadores para telefones celulares, radiotransmissores e outros meios de
telecomunicação (art. 4o).

2.3. Arquitetura das penitenciárias


A Lei de Execução Penal adota, na teoria, a regra da cela individual com re­
quisitos básicos quanto à salubridade e área mínima. Por isso, determina, em seu
art. 88, que o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,
aparelho sanitário e lavatório, devendo essa unidade celular atender aos seguintes
requisitos básicos: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de ae-
ração, isolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área
mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
O dispositivo harmoniza-se com as Regras de Mandela, que preveem que “todos
os locais destinados aos reclusos, especialmente os dormitórios, devem satisfazer
todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração
as condições climatéricas e, especialmente, a cubicagem de ar disponível, o espaço
mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação” (Regra n. 13). Também dis­
põem que em todos os locais destinados aos reclusos, para viverem ou trabalharem:
a) as janelas devem ser suficientemente amplas de modo a que os reclusos possam
ler ou trabalhar com luz natural e devem ser construídas de forma a permitir a
entrada de ar fresco, haja ou não ventilação artificial; b) a luz artificial deve ser
suficiente para permitir aos reclusos ler ou trabalhar sem prejudicar a vista (Regra
n. 14). Ademais, as instalações sanitárias devem ser adequadas, de maneira a que
os reclusos possam efetuar as suas necessidades quando precisarem, de modo limpo
e decente (Regra n. 15).
250 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

2.4. Localização das penitenciárias masculinas


Por motivos de segurança, as Penitenciárias de homens devem ser construídas
em local afastado do centro urbano (LEP, art. 90, Ia parte). Na mesma linha, o art.
86, §1°, da LEP, com redação dada pela Lei n. 10.792/03, preceitua que a União
Federal poderá construir estabelecimento penal em local distante da condenação para
recolher os condenados, quando a medida se justifique no interesse da segurança
pública ou do próprio condenado. Ora, diante das constantes rebeliões, motins e
fugas de presos, a segurança da comunidade local estaria em evidente risco se aca­
so fosse admitida a construção de penitenciárias masculinas nas proximidades dos
grandes centros urbanos.
Essa localização da penitenciária não pode, todavia, inviabilizar a visitação
aos presos, já que, dentro do processo de sua reinserção social, é fundamental que
lhe seja assegurada a assistência da família e dos amigos. Isso, porém, não significa
dizer que o condenado tenha direito absoluto a cumprir sua pena no local da sua
residência, ou em localidades próximas, eis que, como já se expôs, recai sobre o
Juízo da Execução Penal, sempre com base no interesse público, decidir a respeito
do assunto com base em critérios de oportunidade e conveniência. Nesse sentido,
como já se pronunciou o STJ, “(...) não obstante o preceituado no art. 103 da Lei
de Execução Penal, que assegura ao condenado o direito, em tese, de permanecer
preso próximo do local onde reside sua família, é possível transferir-se para outro
estabelecimento penal o detento que lidera rebeliões e continua a realizar a sua
empreitada criminosa dentro do presídio, controlando o tráfico de entorpecentes
inclusive via telefone celular. Interesse público evidenciado. Transferência devida­
mente justificada”.47

3. COLÔNIA AGRÍCOLA, INDUSTRIAL OU SIMILAR

É possível afirmar, sem dúvida alguma, que certos condenados não fogem da
unidade prisional em que estão custodiados exclusivamente em virtude de todo
o aparato físico do estabelecimento e da constante vigilância exercida sobre eles.
Daí a importância de serem recolhidos a estabelecimentos de segurança máxima
ou média, ou seja, às penitenciárias. Outros condenados, todavia, seja pelo fato de
não serem reincidentes, seja pela menor gravidade dos delitos por eles praticados,
geralmente se submetem à disciplina da unidade prisional, sem maiores conflitos
e sem o objetivo constante de empreender fuga. Estão aptos, assim, diante da sua
autodisciplina e senso de responsabilidade, a cumprir sua pena em regime aberto
em casas de albergado ou estabelecimento adequado. No meio termo entre eles se
encontra o condenado ao regime semiaberto. Embora convencido de que deve ob­
servar a disciplina e não fugir, algo evidenciado pelo fato de a própria lei autorizar
o trabalho externo, bem como a frequência a cursos supletivos e profissionalizantes,
de instrução de segundo grau ou superior (CP, art. 35, §2°), cuida-se de condenado
que ainda não tem o suficiente autodomínio para se submeter ao regime aberto. Por

47 STJ, 5a Turma, RHC 8.142-MG, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 17.12.1998, DJ 01.03.1999 p. 351.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 251

isso, entre um extremo e outro, é dizer, entre a prisão fechada e a prisão aberta, há
de existir um meio-termo. Este é a prisão semiaberta, a ser cumprida em colônia
agrícola, industrial ou similar, nos termos do art. 91 da LEP, pouco importando se
esse regime foi aquele inicialmente aplicado ao sentenciado na decisão condenatória
ou se acaso se trata de condenado que a ele teve acesso em virtude da progressão
do regime fechado ou regressão do regime aberto.
Em comparação com as penitenciárias, as colônias agrícolas, industriais
ou similares são dotadas de configuração arquitetônica bem mais simples, já que,
pelo menos em tese, as precauções de segurança devem ser bem menores do que
as previstas para aqueles estabelecimentos penais. Afinal, fundamenta-se o regime
semiaberto no senso de responsabilidade do condenado, algo que traz consigo a
observância de certos deveres como o de trabalhar, estudar, submeter-se à disciplina
e não empreender fuga. Por isso, ao contrário do que ocorre nas penitenciárias, os
presos do regime semiaberto podem se movimentar com certa liberdade, a guarda
do presídio não necessariamente precisa estar armada, e a vigilância deve ser exer­
cida de maneira mais discreta, estimulando e valorizando, assim, gradativamente,
o senso de responsabilidade e autodisciplina do condenado.
O ideal é que a execução da pena no regime semiaberto ocorra em colônia
agrícola ou industrial. A Lei de Execução Penal autoriza expressamente, todavia,
o cumprimento dessa pena em estabelecimento similar, a ser compreendido como
aquele que, embora não seja destinado exclusivamente à execução do trabalho agrí­
cola ou industrial, atenda às características acima mencionadas e aos requisitos do
art. 82 da LEP.48 Aliás, por ocasião do julgamento do RE 641.320/RS, o Supremo
Tribunal Federal recomendou aos Juizes da Execução que procedam à avaliação dos
estabelecimentos penais para verificação de sua adequação ao regime semiaberto,
ainda na hipótese de não se qualificarem como colônia agrícola ou industrial. De
fato, por ocasião da consolidação do enunciado da súmula vinculante n. 56, restou
assentado que estabelecimentos que não se qualifiquem como colônia agrícola ou
industrial (regime semiaberto), ou casa de albergado (regime aberto) são aceitáveis,
desde que não haja alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto
com presos do regime fechado. Por isso, é firme a jurisprudência no sentido de
que, se o apenado se encontra alojado em pavilhão independente e autônomo do
estabelecimento destinado ao regime fechado, sem ligação física com o restante do
presídio, resguardando-se os direitos inerentes ao cumprimento da pena no modo
intermediário, não há falar em constrangimento ilegal.49
Diversamente do que ocorre em relação às penitenciárias, em que a LEP prevê
que o condenado será alojado em cela individual (art. 88, caput), o preso do regime
semiaberto recolhido à colônia agrícola, industrial ou similar, poderá ser colocado
em compartimento coletivo, conquanto observada a salubridade do ambiente pela
concorrência de fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado

48 MIRABETE. Op. cit. p. 289.


49 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 565.204-SC, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 28.04.2020, DJe 04.05.2020;
STJ, 5a Turma, AgRg no HC 529.615-SC, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 03.12.2019, DJe 16.12.2019; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 500.132-SC, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 04.06.2019, DJe 13.06.2019.
252 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

à existência humana. São também requisitos básicos dessas dependências coletivas:


a) seleção adequada dos presos; b) o limite de capacidade máxima que atenda aos
objetivos de individualização da pena. Justifica-se essa preocupação do legislador
com o número de presos colocados nesse compartimento coletivo em virtude da
possibilidade de a superlotação contribuir, inequivocamente, para o surgimento de
problemas de segurança, disciplina e violência.

4. CASA DO ALBERGADO

4.1. Noções gerais


Consoante disposto no art. 93 da LEP, a casa do Albergado destina-se ao
cumprimento da pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da limitação de
fim de semana. Utiliza-se, nesse caso, o termo “prisão albergue”, para se referir a
uma simples prisão noturna, sem quaisquer obstáculos materiais ou físicas contra
a fuga. Na verdade, a segurança desse estabelecimento decorre da autodisciplina e
do senso de responsabilidade do condenado, elementos nos quais estão baseadas as
regras do regime aberto (CP, art. 36, caput).
À luz do art. 36, §1°, do Código Penal, o condenado submetido ao regime
aberto deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso
ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido exclusivamente
durante o período noturno e nos dias de folga. Caracteriza-se, portanto, o regime
aberto, como o próprio nome sugere, pelo cumprimento da pena em liberdade, pelo
menos durante o dia, oportunidade em que deverá trabalhar, estudar ou se dedicar
a outras atividades lícitas fora do estabelecimento, sem qualquer tipo de escolta ou
vigilância, recolhendo-se à Casa do Albergado no período noturno e nos dias de folga.
De se notar que a legislação penal não estendeu o benefício da prisão albergue
aos condenados pela Justiça Militar. Sem embargo, na eventualidade de o condenado
pela Justiça Castrense encontrar-se em estabelecimento prisional comum, sujeito,
pois, à jurisdição ordinária, conforme previsto, aliás, na Súmula n. 192 do STJ
(“Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas
a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabe­
lecimentos sujeitos à administração estadual”), aplicar-se-á a Lei de Execução Penal,
com a consequente possibilidade de progressão para o regime aberto, haja vista o
quanto disposto no art. 2o, parágrafo único, da LEP. Isso, logicamente, quando se
tratar de condenado pela Justiça Militar recolhido a estabelecimento prisional comum
(v.g., civis condenados pela Justiça Militar da União). Logo, na hipótese de pena
de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos aplicada a militar, a ser cumprida em
estabelecimento penal militar quando não for cabível a suspensão condicional da
pena, é de rigor a sua conversão em pena de prisão, nos termos do art. 59 do Có­
digo Penal Militar, sendo inviável, portanto, o seu cumprimento no regime aberto.50

50 Nesse sentido, em caso concreto envolvendo a condenação de militar pela prática do crime de deserção:
STF, 1a Turma, HC 173.319 AgR-MS, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 06.09.2019, DJe 20.09.2019.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 253

4.2. Limitação de fim de semana


Como será exposto com mais detalhes no capítulo atinente à execução das
penas restritivas de direitos, a limitação de fim de semana consiste na obrigação
de o condenado permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias,
em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, período durante o qual
poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades
educativas (CP, art. 48). Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas
de recuperação e reeducação (LEP, art. 152, parágrafo único, incluído pela Lei n.
11.340/06).
Na prática, a sanção em apreço é pouco utilizada, sobretudo por força da ine­
xistência de causas de albergado na grande maioria das cidades brasileiras. Logo,
considerando-se que a jurisprudência dos Tribunais Superiores não admite que
a pena de limitação de fim de semana, na falta de casa de albergado, seja cum­
prida em presídios, situação mais gravosa do que aquela estabelecida na sentença
condenatória,51 e, levando-se em consideração, ademais, que não há muita lógica em
se determinar o seu cumprimento em regime domiciliar, o que somente é possível
nas hipóteses ditadas pelo art. 117 da Lei de Execução Penal, muitos juizes optam
simplesmente por deixar de aplicá-la.

4.3. Regime aberto


O regime aberto tem como destinatário o condenado apto a viver em um re­
gime de semiliberdade. Na teoria, trata-se de pessoa que não é dotada de tamanha
periculosidade, desprovida da vontade de empreender fuga, dotada de autodisciplina
e senso de responsabilidade, e que, por tais motivos, está em condições de desfru­
tar desse regime penitenciário porque não demonstrou que sua permanência em
liberdade durante o dia para trabalhar, estudar, etc., representa algum tipo de risco
à segurança da coletividade como um todo.
A doutrina costuma apontar as seguintes vantagens do regime aberto: a. melhora
do estado de saúde físico e mental do condenado, dada a possibilidade de circu­
lar livremente durante o dia para trabalhar, estudar etc.; b. melhora da disciplina
decorrente do aprimoramento da responsabilidade pessoal e da autodisciplina do
condenado; c. maior facilidade de contatos com sua família e amigos, o que, em
tese, será importante no seu processo de ressocialização; d. economia de recursos
para o Estado, haja vista o custo menor na construção e manutenção de Casas de
Albergado. Há, todavia, certas desvantagens: i. possibilidade concreta de evasão; ii.
enfraquecimento da função intimidante da pena, sobretudo quando o benefício é
concedido indiscriminadamente; iii. possibilidade de relações no mundo exterior
prejudicarem o processo gradativo de ressocialização do condenado.52

51 STJ, 5a Turma, HC 60.919/DF, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 10.10.2006.


52 MIRABETE. Op. cit. p. 292-293.
254 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

De acordo com o Código Penal, a fixação do regime aberto e o consequente


cumprimento da pena na Casa do Albergado exigem, para fins de fixação imediata
na própria sentença condenatória, que o condenado não seja reincidente e que tenha
sido condenado pela prática de crime punido com reclusão a pena igual ou inferior
a 4 (quatro) anos (art. 33, §2°, “c”),53 conquanto favoráveis as circunstâncias judiciais
(CP, art. 33, §3°). Lado outro, na hipótese de crime punido com detenção, tratando-
-se de acusado reincidente, o cumprimento da pena deve se dar em regime inicial
semiaberto, independentemente da quantidade da pena. Se, embora não reincidente,
tiver sido condenado a pena superior a quatro anos, o regime inicial também será o
semiaberto. Se o acusado não for reincidente e receber pena não superior a 4 anos,
fará jus ao regime inicial aberto, desde que favoráveis as circunstâncias judiciais.
Por se tratar de uma modalidade de cumprimento da pena privativa de liberdade,
incumbe ao juiz ordenar a expedição do respectivo mandado de prisão, logicamente
com a determinação expressa de que, tão logo realizada a respectiva audiência de
custódia, seja o preso encaminhado ao estabelecimento penal adequado, qual seja,
a Casa do Albergado.
Em conclusão, convém destacar que não se admite a concessão do regime aberto
nos casos de prisão civil. Por não se tratar de espécie de pena, mas sim de verdadeiro
instrumento para constranger o inadimplente a cumprir seu dever, a medida não
está sujeita aos diversos regimes penitenciários previstos na Lei de Execução Penal,
quer em sua fase inicial, quer no sistema de progressão. Frustrar-se-ia, à evidên­
cia, a própria finalidade da prisão civil, se acaso fosse admitida a possibilidade de
cumpri-la em “regime aberto”. É de rigor, portanto, o seu recolhimento à Cadeia
Pública, ressalvada, logicamente, alguma hipótese extraordinária capaz de justificar
a sua colocação em liberdade (v.g., Covid-19).

4.4. Localização e instalações


O art. 94 da LEP preceitua que o prédio da casa do albergado deverá situar-se
em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se-á pela
ausência de obstáculos físicos contra a fuga. Diferenciam-se, portanto, as Casas do
Albergado, das penitenciárias, que, como já foi visto, devem ser construídas em local
afastado do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação (LEP, art. 90).
Outra diferença é que a Casa de Albergado se caracteriza pela ausência de obstáculo
físico contra a fuga. Ora, se o albergado permanece em liberdade durante o dia,
quando não está sujeito a qualquer tipo de vigilância, seria no mínimo contraditório
que houvesse tamanha preocupação em relação à fuga quando se recolhesse à Casa
de Albergado no período noturno e nos dias de folga. Não obstante a ausência de
guarda armada e de obstáculos físicos contra a fuga, as Casas de Albergado devem
dispor de algum tipo de controle de entrada e saída dos condenados, até mesmo

53 Sem embargo da redação expressa do CP, a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal tem precedentes
admitindo a fixação do regime inicial aberto em favor de agente condenado pela prática de crime de
furto, ainda que portador de maus antecedentes e reincidente. A propósito, confira-se: STF, 1a Turma, HC
135.164/MT, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 23/04/2019.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 255

para permitir que o Juízo da Execução Penal seja informado sobre o correto cum­
primento da pena.
Justifica-se a localização da prisão albergue em centros urbanos por dois moti­
vos. Primeiro, para facilitar o deslocamento do condenado para exercer as atividades
laborativas e educativas a que está sujeito. Segundo, para se evitar que essa proxi­
midade entre condenados sujeitos a regimes diversos venha a colocar em risco o
processo de ressocialização dos albergados. Terceiro para se evitar que estes viessem
a ser utilizados para facilitar a intermediação dos condenados que cumprem pena
em regime fechado com o mundo exterior e o exterior, quer para fins de introdução
de substâncias ilícitas (v.g., drogas), quer para fins de “leva-e-traz” de informações
necessárias à continuidade das atividades delituosas.
Na prática, todavia, são raríssimas as comarcas dotadas de Casa de Albergado.
Por isso, a Administração Penitenciária acaba se valendo do permissivo constante
do art. 82, §2°, da LEP, de modo a usar um mesmo conjunto arquitetônico para
fins de abrir estabelecimentos de destinação diversa, desde que devidamente isola­
dos. Por isso, nas comarcas que não dispõem de Casa de Albergado, algo que hoje
é praticamente a regra, alojamentos são improvisados em dependências de cadeias
públicas, distritos policiais e até mesmo complexos penitenciários, sendo ali aloca­
dos os albergados, logicamente com a necessária separação em relação aos presos
cautelares, ou que estejam cumprindo pena em regimes diversos. Caso isso não seja
possível, os Tribunais têm admitido que o apenado cumpra sua pena em prisão
domiciliar. Cuida-se da denominada prisão albergue domiciliar. Nessa linha, como
já se pronunciou o STJ, “(...) é cabível, excepcionalmente, a concessão de regime
domiciliar aos apenados do regime aberto, quando constatada a ausência das con­
dições necessárias ao cumprimento da pena, vale dizer, superlotação, precariedade
do estabelecimento, falta de vagas ou de estabelecimento compatível, até que sejam
sanadas as omissões do Poder Público”.54
De acordo com o art. 95, caput, Ia parte, da LEP, em cada região deverá haver,
pelo menos, uma Casa do Albergado. A LEP não esclarece o significado desse termo
região, que deverá contar com pelo menos uma prisão albergue. Por isso, há quem
entenda que este deve ser compreendido como sinônimo de Comarca, enquanto
outros sustentam que se trata do espaço físico abrangido por uma Circunscrição
Judiciária, que nada mais é do que o conjunto de diversas comarcas contíguas, uma
das quais será a sua sede.55
À semelhança das colônias agrícolas e industriais, os aposentos da Prisão
Albergue poderão ser coletivos. Não há necessidade, portanto, de acomodações
individuais para a acomodação de cada preso do regime aberto. Deverão dispor,
ademais, de local adequado para cursos e palestras, o que se justifica pelo fato de

54 STJ, 6a Turma, HC 288.026-RS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 23.09.2014, DJe 09.10.2014. No mesmo
sentido: STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.541,295-RJ, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.10.2017, DJe 23.10.2017;
STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.533.942-RS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.2016, DJe 25.05.2016; STJ, 6a
Turma, AgRg no REsp 1.503.605-RS, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado do TJ-SP -, j.
05.05.2015, DJe 14.05.2015.
55 MIRABETE. Op. cit. p. 295.
256 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

que, pelo menos no plano teórico, tais lugares também são utilizados para o reco­
lhimento de presos condenados a cumprimento da pena restritiva de limitação de
final de semana, aos quais podem ser ministrados cursos e palestras ou atribuídas
atividades educativas (CP, art. 48, parágrafo único).
Por mais que as Casas de Albergado tenham como característica fundamental a
ausência de obstáculos físicos contra a fuga, daí não se pode afirmar que a disciplina
não seja de observância obrigatória. Prova disso, aliás, é que, ao tratar das faltas
disciplinares graves do condenado à pena privativa de liberdade, o art. 50 da LEP
em momento algum descarta a possibilidade de seu reconhecimento em relação aos
condenados do regime aberto. Por isso, é dizer, de modo a resguardar a preservação
da disciplina, as Casas de Albergado também deverão dispor de instalações para os
serviços de fiscalização e orientação dos condenados (LEP, art. 95, parágrafo único).

5. CENTROS DE OBSERVAÇÃO

No capítulo atinente à Classificação do Condenado, foi visto que, à luz do


princípio da individualização da pena no curso da execução, e de modo a facilitar o
objetivo de ressocialização do apenado, todos os condenados devem ser classificados,
segundo os seus antecedentes e personalidade (LEP, art. 5o). Para tanto, deverão ser
realizados exames gerais de personalidade. Por sua vez, o art. 8o da LEP determina
que o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fe­
chado deverá ser submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos
necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da exe­
cução, dispondo, ademais, que o condenado ao cumprimento da pena privativa de
liberdade em regime semiaberto também poderá ser submetido ao referido exame.
De modo a facilitar a realização de todos esses exames, nada mais natural do
que a destinação de um estabelecimento específico. É dentro desse contexto que a
Lei de Execução Penal prevê que os exames gerais e o criminológico deverão ser
realizados no denominado Centro de Observação, local onde também poderão ser
realizadas pesquisas criminológicas. Uma vez concluídos tais exames, seus respectivos
resultados deverão ser encaminhados à Comissão Técnica de Classificação, a fim
de que seja elaborado o programa individualizador da pena privativa de liberdade
adequada ao condenado.
Consoante disposto no art. 97 da LEP, o Centro de Observação será instalado
em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento penal. Na prática, diante das
notórias dificuldades orçamentárias do Estado, esta segunda hipótese é muito mais
comum. De fato, nos poucos Estados da Federação que dispõem desses Centros,
estes geralmente funcionam como um anexo de grandes complexos penitenciários,
o que, logicamente, não impede a sua utilização para fins de realização de exames
gerais e criminológicos de condenados de outras unidades prisionais. Geralmente,
tão logo executado o mandado de prisão, o condenado é conduzido a esses Centros
de Observação, onde será feita, então, uma classificação inicial, pelo menos para
determinar à qual penitenciária ou colônia agrícola ou industrial ele deverá ser
conduzido.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 257

De todo modo, como nem todos Estados da Federação dispõem desses Cen­
tros de Observação, a própria Lei de Execução Penal (art. 98) já prevê que, em sua
falta, os exames poderão ser realizados pela Comissão Técnica de Classificação na
própria unidade prisional em que se encontrar o condenado. E é exatamente isso
o que ocorre, ou seja, diante das péssimas condições carcerárias encontradas Brasil
afora, o que deveria ser a exceção acaba funcionando como a regra.

6. HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO

Nos exatos termos do art. 99 da LEP, o Hospital de Custódia e Tratamento


Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26 e seu
parágrafo único do Código Penal.
De se lembrar que, à luz do Código Penal, inimputável é o agente que, por
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo
da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, caput). Nesse caso,
quando a periculosidade do agente efetivamente reclamar a privação da liberdade,
deverá ser determinada a sua internação. Por outro lado, se o agente, em virtude
de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento (semi-imputável), e necessitar de
especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade poderá ser substituída
pela internação, conforme disposto no art. 26, parágrafo único, do Código Penal.
Também deverá ser internado nos Hospitais de Custódia o condenado que, no curso
da execução de uma pena privativa de liberdade, vier a padecer de alguma doença
mental, seja pela conversão da pena em medida de segurança (CP, art. 183), seja
pela determinação do internamento pelo juiz (CP, art. 108).56
Trata-se, portanto, o Hospital de Custódia, de um verdadeiro hospital-presí-
dio, enfim, um estabelecimento penal que visa assegurar a custódia do indivíduo
submetido à internação. Por mais que a medida de segurança em questão vise ao
tratamento, hão de ser adotadas medidas de segurança para a restrição da liberdade
de locomoção do internado, até mesmo diante da sua presumida periculosidade. Na
hipótese de ausência de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou de falta
de vagas nesse estabelecimento, o Código Penal autoriza a execução da internação em
outro estabelecimento adequado (art. 96, I), desde que, obviamente, o Estado possa
assegurar a custódia do indivíduo naquele local. De mais a mais, considerando-se
o quanto disposto no art. 14, §2°, da LEP, também não pode se olvidar acerca da
possibilidade de o internado ser transferido para hospitais psiquiátricos particulares.
Para tanto, é indispensável que se garanta a custódia para evitar a fuga do internado,
presumidamente perigoso, e que não haja condições de submetê-lo a tratamento no

56 Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor ao capítulo atinente à execução das medidas de
segurança.
258 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

hospital prisional oficial, ressalvando-se que as perícias e laudos devem ser feitos
por médicos oficiais ou devidamente nomeados e compromissados pelo Juiz.
De acordo com a Exposição de Motivos da LEP (item n. 99), o Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico não exige cela individual, já que a estrutura e as
divisões de tal unidade estão na dependência de planificação especializada, dirigida
segundo os padrões da medicina psiquiátrica. Sem embargo, aplica-se, ao hospital,
no que couber, o disposto no parágrafo único do art. 88 da LEP, ou seja, devem
ser asseguradas as garantias mínimas de salubridade do ambiente pela concorrência
dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência
humana e área mínima de 6,00 m2 (seis metros quadrados).
Os internados, em sua integralidade, deverão ser submetidos a exames psi­
quiátricos e aos demais exames necessários de modo a aferir sua efetiva condição
mental (LEP, art. 100). Nesse ponto, a LEP não estabelece nenhuma periodicidade
para a realização desses exames, até mesmo porque incumbe aos próprios médicos
determiná-la. No tocante aos indivíduos sujeitos à medida de segurança, deve ser
realizado, ademais, o exame de cessação de periculosidade. Em tal hipótese, o art.
175 da LEP preceitua que a perícia seja realizada no final do prazo mínimo da
internação, sem prejuízo de que seja feita antes se acaso restar evidenciado que o
internado já teria se recuperado (LEP, art. 176). Constatada a cessação da periculosi­
dade, o Juízo da Execução poderá determinar sua desinternação, sempre de maneira
condicional, já que a medida de segurança deverá ser restabelecida se o agente, antes
do decurso de um ano, vier a praticar algum fato indicativo da persistência da sua
periculosidade (CP, art. 97, §3°).
O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico deverá ser utilizado não
apenas para fins de internação. De fato, o tratamento ambulatorial, espécie de me­
dida de segurança reservada, pelo menos em tese, ao inimputável que praticou fato
punível com detenção, e até mesmo para aqueles dotados de menor periculosidade
que praticaram fatos puníveis com reclusão, também deverá ser realizado no Hos­
pital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência
médica adequada. À semelhança do que ocorre com a internação, também se revela
possível a execução do tratamento ambulatorial em estabelecimentos particulares
devidamente credenciados junto ao Poder Público, conquanto resguardado o devido
controle da execução da medida de segurança pelo Estado.

7. CADEIA PÚBLICA

Pelo menos em regra, os presos provisórios (preventivos e temporários) devem


ser encaminhados às cadeias públicas (LEP, art. 102), já que se adota, em relação a
eles, sistema simétrico ao do regime fechado. A exceção fica por conta dos presos
cautelares sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, os quais podem ser encami­
nhados às Penitenciárias destinadas ao cumprimento do RDD punitivo ou do RDD
cautelar (LEP, art. 87, parágrafo único). De acordo com o art. 201 da LEP, na falta
de estabelecimento adequado, o cumprimento da prisão civil também deverá ser
efetivado em seção especial da Cadeia Pública. Nesse sentido, como já se manifestou
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 259

o STJ, “(...) a privação da liberdade dos alimentantes inadimplentes deverá ser efe­
tivada em local próprio, diverso do destinado aos presos criminais, o que preserva
o devedor dos efeitos deletérios da convivência carcerária”.57
Ao direcionar o preso cautelar à cadeia pública, e não às penitenciárias, locais
destinados aos condenados à pena de reclusão, em regime fechado, o dispositivo em
apreço vem ao encontro das Regras de Mandela, que, como já visto, dispõem que
presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados (Regra n. 11). A
Convenção Americana sobre Direitos Humanos também dispõe que “os processados
devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser
submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas” (art. 5o,
n. 4). Concilia-se, ademais, com o art. 300 do CPP, que dispõe que as pessoas presas
provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas,
nos termos da LEP. Procura-se evitar, com essa separação, toda a influência negativa
que o condenado irrecorrivelmente possa vir a exercer em relação ao preso cautelar.
De se lembrar que a Lei de Execução Penal também é aplicável ao preso cau­
telar (art. 2o, parágrafo único). Conquanto não esteja obrigado ao trabalho, que,
todavia, poderá ser por ele executado no interior do estabelecimento (LEP, art. 31,
parágrafo único), o preso cautelar igualmente se sujeita aos deveres do condenado
(LEP, art. 39, parágrafo único), sendo titular, ademais, dos mesmos direitos (LEP,
art. 42), no que couber, é dizer, no que não for incompatível com sua situação de
custodiado provisório, e não definitivo. Também está sujeito à disciplina carce­
rária (LEP, art. 44, parágrafo único), daí por que deve tomar ciência das normas
disciplinares (LEP, art. 46), podendo, ademais, ser responsabilizado por falta leve,
média ou grave, sujeitando-se, por consequência, às respectivas sanções (LEP, art.
50, parágrafo único).
De acordo com a LEP, cada comarca deverá contar com pelo menos 1 (uma)
cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal
e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar (LEP,
art. 103).58 Ora, se se trata de espécie de prisão decretada pelo juiz do processo de
conhecimento com o objetivo de resguardar a eficácia da persecução penal, nada
mais razoável do que se fixar, como regra, a sua permanência em estabelecimento
prisional relativamente próximo do local onde se desenvolve o inquérito policial
(ou o processo penal), eis que sua presença poderá ser necessária não apenas para
fins de realização de certos meios de prova (v.g., reconhecimento de pessoas), mas
também para ulterior exercício do direito de audiência (interrogatório) e presença
no curso da instrução criminal. Esta regra, todavia, não é absoluta. De fato, como
exposto anteriormente, nada impede a remoção do preso cautelar submetido ao re­
gime disciplinar diferenciado para penitenciárias em localidades diversas (LEP, art.

57 STJ, 3a Turma, HC 181.231/RO, Rei. Min. Vasco Delia Giustina - Desembargador convocado do TJ/RS -, j.
05.04.2011, DJe 14.04.2011.
58 No sentido de que deve ser assegurado ao preso provisório, a princípio, a permanência em Cadeia Pública
próxima ao seu meio social e familiar: STJ, 5a Turma, RHC 11.227/MG, Rei. Min. Edson Vidigal, j. 21.08.2001,
DJ 01.10.2001 p. 229;
260 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

87, parágrafo único), bem como a sua transferência para estabelecimentos penais
federais de segurança máxima (Lei n. 11.671/08, art. 3o, caput).59
À semelhança da Casa de Albergado, e diversamente das penitenciárias, as cadeias
públicas deverão ser instaladas em local próximo do cento urbano, observando-se,
obviamente, os requisitos básicos da unidade celular de salubridade do ambiente pela
concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado
à existência humana, e área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados), conforme
disposto, aliás, no art. 104 da LEP. Na prática, todavia, e diante do permissivo cons­
tante do art. 82, §2°, da LEP, é relativamente comum que as cadeias públicas sejam
instaladas no mesmo conjunto arquitetônico de outro de destinação diversa (v.g.,
penitenciárias), desde que dele devidamente isolado.
Partindo da premissa de que a cadeia pública destina-se exclusivamente ao
recolhimento de presos cautelares, é de rigor a conclusão no sentido de que,
uma vez transitando em julgado a respectiva sentença condenatória, o agora
condenado deverá ser transferido para o estabelecimento prisional adequado
(v.g., penitenciária, colônia agrícola ou industrial etc.). Na prática, todavia, isso
nem sempre ocorre rapidamente, dados os notórios problemas de insuficiência
de vagas nas unidades prisionais, permanecendo, então, o condenado definitivo
em uma cadeia pública. Desde que se trate de situação momentânea, devidamen­
te motivada por força maior, os Tribunais Superiores têm tido certa tolerância
em relação à medida, conquanto se trate de condenação ao regime fechado, já
que não haveria qualquer homogeneidade na manutenção de preso do regime
semiaberto em uma cadeia pública.
Noutro giro, não é de todo incomum que um condenado, recolhido à determi­
nada penitenciária, cumpra integralmente a pena privativa de liberdade imposta em
sentença condenatória irrecorrível, sendo, porém, obrigado a permanecer preso em
virtude de prisão preventiva decretada, por exemplo, em outro processo criminal em
curso. Em tal caso, justifica-se a sua imediata transferência para o estabelecimento
penal adequado para a custódia de presos cautelares, quais sejam, as cadeias públicas,
ou, em sua falta, que seja mantido no estabelecimento, porém obrigatoriamente em
pavilhão ou ala destinada a tal modalidade de presos, conforme disposto no art.
82, §2°, da LEP.60
Uma outra hipótese relativamente comum envolvendo presos cautelares ocorre
quando o Poder Judiciário se depara com a falta de vagas ou de estrutura carcerária
para assegurar a separação daquele em relação aos presos definitivos. Sobre o assunto,
há pelo menos 3 (três) correntes diversas:
a. Ia corrente: os arts. 84 da LEP e 300 do CPP são de observância
obrigatória. Logo, na eventualidade de não ser possível a separação do preso

59 No sentido de que ao preso provisório é assegurado o direito de permanecer custodiado em estabelecimen­


to penal próximo da localidade em que reside a sua família, sendo possível, entretanto, sua transferência
para outro presídio desde que constatados os motivos concretos de interesse público: STJ, 6a Turma, RMS
9.969/BA, Rei. Min. Vicente Leal, j. 10.10.2000, DJ 30.10.2000 p. 196.
60 STJ, 6a Turma, HC 138.769/PE, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 15.10.2009, DJe 09.11.2009.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 261

provisório daquele condenado por sentença transitada em julgado, ainda que


na mesma unidade prisional, outra solução não há senão determinar a substi­
tuição da prisão cautelar por domiciliar, sem prejuízo da aplicação cumulativa
da cautelar diversa da prisão do monitoramento eletrônico, nos termos do art.
319, IX, do CPP;
b. 2a corrente (nossa posição): a despeito da ilegalidade decorrente da colocação
de presos provisórios e definitivos sem qualquer tipo de separação, não há como se
imaginar que o preso cautelar possa permanecer em liberdade se acaso presentes os
pressupostos que autorizam a decretação da prisão preventiva (v.g., garantia da ordem
pública, econômica, conveniência da instrução criminal), sob pena de se frustrar o
próprio objetivo da medida cautelar. E nem se diga que a prisão preventiva poderia
ser substituída pela domiciliar. A uma por não haver previsão legal expressa nesse
sentido no art. 318 do CPP, que estabelece em um rol taxativo as hipóteses em
que se admite a substituição da preventiva pela prisão domiciliar. A duas porque,
a depender do caso concreto, a prisão domiciliar certamente não teria o condão
de resguardar a eficácia da persecução penal almejada pela decretação da prisão
preventiva, já que o acusado poderia facilmente descumprir a medida, colocando
em risco a eficácia do processo penal;
c. 3a corrente: para Avena, há de se adotar uma posição eclética, é dizer,
“nem para aceitar a interpretação extensiva do art. 318 do CPP e permitir sua
aplicação irrestrita aos presos provisórios sempre que não houver vagas separadas
dos demais detentos, nem para sustentar que a ausência de estrutura física nos
estabelecimentos prisionais para abrigar essa ordem de presos referende a viola­
ção incondicional à disciplina dos arts. 300 do CPP e 84 da LEP”.61 Na visão do
autor, a aferição da existência ou não de constrangimento ilegal em virtude da
manutenção de presos cautelares junto com segregados definitivos não pode ser
realizada em abstrato, mas sim à luz do caso concreto. Sugere, assim, que, em
situações específicas, nas quais restar evidenciado que a não execução da prisão
cautelar importe em prejuízo potencial à ordem pública e à própria finalidade do
processo penal, há de se tolerar a permanência do preso provisório em conjunto
com o definitivo a fim de se evitar mal maior, conquanto respeitada a necessária
triagem de modo a se evitar que presos de elevada periculosidade convivam com
outros que não possuam esse status.

8. ESTABELECIMENTOS PENAIS FEDERAIS DE SEGURANÇA MÁXIMA

8.1. Noções introdutórias


O art. 3o da Lei n° 8.072/90 impõe à União o dever de manter estabelecimen­
tos penais de segurança máxima destinados ao cumprimento de penas impostas a
condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha

61 Op. cit. p. 165.


262 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

em risco a ordem ou incolumidade pública. A despeito do caráter cogente desse


dispositivo legal, a verdade é que, durante anos e anos, a União quedou-se inerte
em relação à criação desses presídios federais. Essa desídia foi agravada com o ad­
vento da Lei n° 10.792/03, que deu nova redação ao art. 86, § Io, da LEP, o qual
passou a dispor que a União Federal poderá construir estabelecimento penal em
local distante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se
justificar no interesse da segurança pública ou do próprio condenado. Enfim, no
ano de 2006, a partir da reestruturação do Departamento Penitenciário Nacional
- DEPEN -, foi criado o Sistema Penitenciário Federal, com a finalidade de ser
o gestor e fiscalizador das Penitenciárias Federais. Surgiram, então, os primeiros
presídios federais de segurança máxima, todos atualmente em funcionamento nas
seguintes cidades: a) Porto Velho/RO; b) Mossoró/RN; c) Campo Grande/MS; d)
Catanduvas/PR; e) Brasília/DF.

8.2. Procedimento adequado


De acordo com o art. 5o da Lei n. 11.671/08, são legitimados para requerer
o processo de transferência, cujo início se dá com a admissibilidade pelo juiz da
origem da necessidade da transferência do preso para estabelecimento penal fede­
ral de segurança máxima, a autoridade administrativa (v.g., Secretário Estadual de
Administração Penitenciária), o Ministério Público e o próprio preso. O processo
de inclusão ou de transferência será autuado em apartado, devendo ser instruído
com os documentos citados no art. 4o do Decreto n. 6.877/2009.
Na sequência, deverão ser ouvidos, pelo menos em regra, e no prazo de 5 dias,
a autoridade administrativa, o Ministério Público e a defesa, logicamente quando
não forem os requerentes, além do Departamento Penitenciário Nacional, que deverá
opinar sobre a pertinência da inclusão ou da transferência (Lei n. 11.671/08, art.
5o, §2°), e indicar o estabelecimento penal federal adequado à custódia, podendo
ainda solicitar diligências complementares, incluindo o histórico criminal do preso.
Ao final da instrução desse procedimento, e após a colheita de todas essas
manifestações, o Juiz da Vara de Execução Criminal de origem, admitindo a neces­
sidade da transferência do preso, deverá remeter os autos ao juízo federal dotado
de competência sobre o estabelecimento penal para onde se pretende determinar
a transferência do preso. Com os autos em mãos, esse Juízo Federal da Execução
Penal deverá deliberar sobre a inclusão ou transferência, podendo igualmente de­
terminar diligências necessárias à formação do seu convencimento. É firme o en­
tendimento jurisprudencial no sentido de que o Juízo Federal é obrigado a aceitar
as razões do Juízo solicitante, já que é ele o único habilitado a se pronunciar acerca
da necessidade da transferência,62 salvo, logicamente, se existirem razões objetivas
para a não admissão do preso, como, por exemplo, a superlotação carcerária e a

62 No sentido de que não cabe ao Juízo Federal discutir as razões do Juízo Estadual, quando solicita a trans­
ferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima, assim quando pede a renovação
do prazo de permanência, porquanto este é o único habilitado a declarar a excepcionalidade da medida:
STJ, 3a Seção, AgRg no CC n. 153.692/RJ, Rei. Min. Ribeiro Dantas, DJe 1°.03.2018.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 263

incapacidade do presídio de receber novos apenados. Neste último caso, uma vez
rejeitada a transferência, caberá ao juízo de origem suscitar o respectivo conflito
de competência perante o Tribunal competente,63 que deverá apreciá-lo em caráter
prioritário (Lei n. 11.671/08, art. 9o).

8.2.1. (Des) necessidade de oitiva prévia da defesa


A inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima
e a transferência de presos de outros estabelecimentos para aqueles deve obedecer
ao disposto na Lei n. 11.671/08. Pelo menos em regra, essa transferência deve ser
precedida de oitiva da defesa. É nesse sentido, aliás, o disposto no art. 5o, §2°, do
referido diploma normativo, segundo o qual, instruídos os autos do processo de
transferência, serão ouvidos, no prazo de 5 (cinco) dias cada, quando não reque­
rentes, a autoridade administrativa, o Ministério Público e a defesa, bem como
o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a quem é facultado indicar o
estabelecimento penal federal mais adequado.
Ocorre que há certas situações que exigem a remoção ou a manutenção ime­
diata do custodiado no referido sistema. Basta imaginar, a título de exemplo, uma
rebelião em um presídio, ou uma escalada da violência em determinada cidade (ou
Estado) em virtude de ordens emanadas de indivíduos custodiados naquela locali­
dade. Nessas hipóteses, a própria Lei n. 11.671/08 (art. 5o, §6°) dispõe que, havendo
extrema necessidade, o juiz federal poderá autorizar a imediata transferência do
preso, e, após a instrução dos autos, na forma do §2° acima mencionado, decidir
pela manutenção ou revogação da medida adotada. Daí os dizeres da súmula n.
639 do STJ: “Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ou­
vida prévia da defesa, determine transferência ou permanência de custodiado em
estabelecimento penitenciário federal”.64

8.3. Competência do Juízo Federal da Execução Penal


Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor ao capítulo atinente aos
órgãos da execução penal, mais precisamente ao tópico destinado à análise da compe­
tência do Juízo da Execução.

63 De se lembrar que ao Superior Tribunal de Justiça caberá dirimir eventual conflito de competência exis­
tente entre Juiz Federal e Juiz Estadual, nos termos do art. 105, I, alínea "d", da Constituição Federal. Se,
por outro lado, o conflito envolver dois Juizes Federais vinculados ao mesmo Tribunal Regional Federal, a
ele caberá o julgamento do respectivo conflito de competência (CF, art. 108, I, "e").
64 Admitindo a transferência emergencial de custodiado para presídios federais em hipóteses específicas, em
que evidenciada a periculosidade concreta decorrente de participação em organização criminosa, poder
de mando, graduada hierarquia, o que possibilita a atuação em atos criminosos externos, assim como para
fins de prevenção de eventos que venham a colocar em risco a segurança pública, a integridade física e a
vida de autoridades, de internos e da população em geral, exigindo-se que, ato contínuo, seja garantida a
intimação da defesa do custodiado para manifestação, suprindo-se a exigência legal para a manutenção da
medida: STJ, 6a Turma, HC 389.493/PR, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 18/04/2017, DJe 26/04/2017. No mesmo
contexto: STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.732.152/RN, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 17/05/2018,
DJe 30/05/2018.
264 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

8.4. Hipóteses que autorizam a inclusão de presos nos estabelecimentos


penais federais de segurança máxima
Consoante disposto no art. 3o, caput, da Lei n. 11.671/08, com redação deter­
minada pela Lei n. 13.964/19, a inclusão de alguém em um estabelecimento penal
federal de segurança máxima pode ocorrer quando a medida se justificar em duas
hipóteses diversas:
a) interesse da segurança pública: é sabido que determinados indivíduos,
conquanto presos, continuam exercendo funções de liderança nas orga­
nizações criminosas, colocando em risco não apenas a segurança interna
do presídio de origem, mas também da própria cidade (ou Estado) onde
localizado o estabelecimento prisional;
b) interesse do próprio preso, condenado ou provisório: se a permanência
do indivíduo no presídio de origem representar algum tipo de risco a
sua integridade física ou vida, será de rigor a sua transferência para um
presídio federal de segurança máxima. São vários os exemplos que podem
ser citados: preso recolhido a um presídio estadual dominado por organi­
zação criminosa rival; preso pela prática de crime que coloque em risco a
sua integridade física no ambiente prisional de origem (v.g. crime sexual
contra criança qualificado pelo resultado morte); colaborador (ou delator)
premiado, quando essa condição representar risco à sua integridade física
no presídio de origem.
Para além dessas duas hipóteses previstas no art. 3o, caput, da Lei n. 11.671/08,
há de se ficar atento ao quanto disposto no art. 2o, §8°, da Lei n. 12.850/13, incluído
pela Lei n. 13.964/19, segundo o qual “as lideranças de organizações criminosas ar­
madas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena
em estabelecimentos penais de segurança máxima”. De se notar que o dispositivo em
questão faz referência a estabelecimentos penais de segurança máxima, mas não faz
qualquer ressalva se se trata de presídio federal ou estadual. Logo, o ideal é concluir
que o dispositivo em questão não introduziu uma hipótese obrigatória de inclusão
de preso nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima. Isso porque,
pelo menos em tese, é possível que os Estados e o Distrito Federal disponham de
estabelecimentos dessa natureza (Lei n. 11.671/08, art. 11-B), a significar que, nesse
caso, a prioridade para o início do cumprimento da pena será de tais presídios. Ou
seja, o encaminhamento do custodiado para os presídios federais deverá ocorrer
apenas na eventualidade de inexistência de estabelecimentos penais estaduais (ou
distritais) de segurança máxima.
O art. 4o da Lei n. 11.671/08 estabelece 3 (três) premissas fundamentais para
a admissão do preso nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima:
a) a admissão do preso, condenado ou provisório, dependerá de decisão prévia e
fundamentada do juízo federal competente, após receber os autos de transferência
enviados pelo juízo responsável pela execução penal ou pela prisão provisória; b) a
execução penal da pena privativa de liberdade, no período em que durar a transfe­
rência, ficará a cargo do juízo federal competente; c) na dicção do art. 4o, §2°, da
Lei n. 11.671/08, apenas a fiscalização da prisão provisória seria deprecada, mediante
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 265

carta precatória, pelo juízo de origem ao juízo federal competente, mantendo aquele
juízo a competência para o processo e para os respectivos incidentes.
Sem embargo de o Pacote Anticrime não ter revogado expressamente este §2°
do art. 4o, somos levados a acreditar que o dispositivo em questão foi tacitamente
revogado diante do novel parágrafo único do art. 2o da Lei n. 11.671/08, que ou­
torgou ao juízo federal da execução penal competência para as ações de natureza
penal que tenham por objetos fatos ou incidentes relativos à execução da pena, sem
fazer qualquer distinção entre condenados definitivos e presos cautelares. Logo,
desde a vigência da Lei n. 13.964 no dia 23 de janeiro de 2020, também passou a
recair sobre o juízo federal da execução penal a competência para deliberar sobre
os incidentes da execução dos presos cautelares transferidos para presídios federais
(v.g., soma ou unificação de penas), subsistindo a competência do juízo de origem
(estadual, federal, militar ou eleitoral) tão somente para apreciar questões atinentes
exclusivamente ao processo de conhecimento, como, por exemplo, eventual pedido
de revogação da prisão cautelar (CPP, art. 316, caput), revisão da necessidade de
manutenção da medida extrema a cada 90 (noventa) dias (CPP, art. 316, parágrafo
único, incluído pela Lei n. 13.964/19) etc.

8.5. Características do regime fechado de segurança máxima nos


estabelecimentos penais federais de segurança máxima
Consoante disposto no art. 3o, §1°, da Lei n. 11.671/08, a inclusão em estabeleci­
mento penal federal de segurança máxima, no atendimento do interesse da segurança
pública - de se notar que o dispositivo não estende sua aplicação às hipóteses em que
a transferência justificar-se no interesse do próprio preso, condenado ou provisório
-, será em regime fechado de segurança máxima, com as seguintes características:65
I - recolhimento em cela individual: o regime disciplinar diferenciado possui
característica semelhante. Logo, de modo a evitarmos repetições desnecessárias,
remetemos o leitor ao capítulo atinente aos deveres, direitos e disciplina;
II - visita do cônjuge, companheiro, de parentes e de amigos somente em
dias determinados, por meio virtual ou no parlatório, com o máximo de 2 (duas)
pessoas por vez, além de eventuais crianças, separadas por vidro e comunica­
ção por meio de interfone, com filmagem e gravações: com o objetivo de dar
cumprimento à característica em análise, o art. 3o, §2°, da Lei n. 11.671/08, dispõe
que os estabelecimentos penais federais de segurança máxima deverão dispor de
monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns, para fins de
preservação da ordem interna e da segurança pública, vedado seu uso nas celas e
no atendimento advocatício, salvo expressa autorização judicial em contrário. A
medida em questão é relativamente semelhante àquela prevista para presos sub­

65 As características enumeradas nos incisos do §1° do art. 3o da Lei n. 11.671/08, com redação dada pelo
Pacote Anticrime, são muito semelhantes - senão idênticas - àquelas listadas pela Lei de Execução Penal
para o regime disciplinar diferenciado. Logo, de modo a evitarmos repetições desnecessárias, sugerimos
ao leitor que proceda à análise do art. 52 da LEP, também com redação dada pela Lei n. 13.964/19, antes
de estudar o presente tópico.
266 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

metidos ao RDD (LEP, art. 52, III). Diferenciam-se pelo fato de a LEP limitar o
número de 2 (duas) visitas a cada quinze dias, impondo, ademais, a necessidade de
autorização judicial para a visita de terceiros (v.g., amigos), restrições inexistentes
na Lei n. 11.671/08. Atualmente, o procedimento de visita social aos presos nos
estabelecimentos penais federais de segurança máxima encontra-se disciplinado pela
Portaria n. 157, de 12 de fevereiro de 2019, do Ministério da Justiça e Segurança
Pública. Entre outros dispositivos relevantes, seu art. 4o, caput, prevê que as visitas
sociais em parlatório deverão ter agendamento prévio e duração máxima de até
três horas, nos termos do §2° do art. 92 do Anexo do Decreto n. 6.049, de 2007,
e serão realizadas semanalmente, em dias úteis, no período vespertino, das 13h às
19h30, permitindo-se para cada preso o acesso de até 2 (dois) visitantes, sem contar
as crianças. Prevê, ademais, agora em seu art. 6o, que os visitantes deverão adotar
comportamento adequado ao estabelecimento penal, podendo ser interrompida
ou suspensa a visita, por tempo determinado, nas seguintes hipóteses: I - fun­
dada suspeita de utilização de linguagem cifrada ou ocultação de itens vedados
durante a visitação; II - não observância das regras de segurança, dentre as quais,
a proibição de insinuações e conversas privadas com servidores e prestadores de
serviço; III - utilização de papéis e documentos falsificados para identificação do
visitante; IV - manifestação espontânea do próprio preso solicitando a interrupção
ou a suspensão da visita; V - assistência e apoio inadequados do responsável pela
criança ou interdito visitante; VI - posse de item vedado por Portaria do Diretor
do Departamento Penitenciário Nacional; VII - utilização de vestuário vedado
por Portaria do DEPEN; VIII - prática de ato obsceno; e IX - comunicação com
o preso ou com o visitante das demais cabines do parlatório. Em conclusão, é
de todo relevante destacar que o art. 3o, §4°, da Lei n. 11.671/08, incluído pela
Lei n. 13.964/19, dispõe que os diretores dos estabelecimentos penais federais de
segurança máxima ou o Diretor do Sistema Penitenciário Federal poderão sus­
pender e restringir esse direito de visitas por meio de ato fundamentado. Andou
bem o legislador ao não fixar os motivos que podem dar ensejo à suspensão (ou
restrição) em apreço, haja vista a infinidade de situações que podem demandar a
aplicação da medida (v.g., rebeliões, risco de contaminação pelo “Coronavírus”,
etc.). De todo modo, com o objetivo de conferir sindicabilidade ao referido ato,
seja pelos órgãos da execução penal, seja pelos próprios presos, referido ato deve
ser obrigatoriamente fundamentado;
III - banho de sol de até 2 (duas) horas diárias: o regime disciplinar dife­
renciado também possui característica semelhante. Porém, ao cuidar da matéria,
o art. 52, IV, da LEP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19, assegura ao preso
o direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de sol, em grupos
de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo
grupo criminoso. Sem embargo de o art. 3o, §1°, III, da Lei n. 11.671/08, não
fazer previsão semelhante, parece razoável trabalharmos com a mesma lógica
da LEP, impedindo, assim, o contato do preso com integrantes do seu grupo
criminoso de origem;
IV - monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive de corres­
pondência escrita: como exposto nos comentários ao art. 52, VI, da LEP, incluído
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 267

pela Lei n. 13.964/19, o monitoramento de toda e qualquer espécie de comunicação


do preso não se revela incompatível o direito à vida privada e à intimidade. Cuida-
-se, na verdade, de medida absolutamente necessária para fins de preservação da
segurança interna e externa da unidade prisional.

8.6. Período máximo de permanência do preso em estabelecimentos


penais federais de segurança máxima
Na redação original da Lei n. 11.671/08, o período de permanência do preso
nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima, que é excepcional e por
prazo determinado, não poderia ser superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, re­
novável, excepcionalmente, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem,
observados os requisitos da transferência.
Para muitos, esse prazo máximo já não era mais compatível com o incremento
da violência perpetradas pelas organizações criminosas, de dentro e fora dos esta­
belecimentos penitenciários, ainda que federais de segurança máxima. A propósito,
a exposição dos motivos do Projeto de Lei n. 882/2019, que deu origem ao Pacote
Anticrime, fazia as seguintes considerações: “(...) A proposta ora feita visa acrescer
e aditar os artigos 2o, 3o, 10, 11-B, e 11-C, à Lei n. 11.671, de 2008. Justificam-se
as inovações para o fim de isolar as lideranças criminosas e impedir que, mesmo
cumprindo pena, continuem no comando das organizações criminosas através de
mensagens orais. (...) O prazo de permanência nos presídios federais atualmente é
de apenas um ano, o que tem se mostrado pouco realista. É um período insuficiente
para que o criminoso rompa seus laços com as organizações criminosas de origem.
Amplia-se, por isso, o prazo para três anos, porém ressalvando-se a possibilidade de
o juiz fixar prazo inferior e também prorrogar por iguais períodos, se necessário.
Registre-se, ainda, que, para evitar o risco de vida dos magistrados, permite-se que
as decisões sejam tomadas por um colegiado, assim se retirando o caráter pessoal
da medida”.
É dentro desse contexto que o Pacote Anticrime confere nova redação ao art.
10, §1°, da Lei n. 11.671/08, que passa a prever que o período de permanência será
de até 3 (três) anos, renovável por iguais períodos, quando solicitado motivadamente
pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência, e se persistirem os
motivos que a determinaram.
Em conclusão, convém destacar que, no âmbito do STJ, prevalece o enten­
dimento no sentido de que, se acaso devidamente motivado pelo Juízo estadual o
pedido de manutenção do preso em presídio federal, não cabe ao Magistrado Fe­
deral exercer juízo de valor sobre a fundamentação apresentada, mas apenas aferir
a legalidade da medida.66

66. Com esse entendimento: TRF4 5022904-28.2020.4.04.7000, SÉTIMA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI,
juntado aos autos em 01/09/2020.
268 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

8.7. (Im) possibilidade de exercício das competências do juiz federal da


execução penal por órgãos colegiados de magistrados
De acordo com o art. 11-A da Lei n. 11.671/08, incluído pela Lei n.
13.964/19, as decisões relativas à transferência ou à prorrogação da permanência
do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, à concessão
de benefícios prisionais ou à imposição de sanções ao preso federal poderão ser
tomadas por órgão colegiado de juizes, nas formas das normas de organização
interna dos tribunais.
A novidade em questão vem ao encontro da Lei n. 12.694/12, cujo art. Io admite
a formação de órgãos colegiados em processos ou procedimentos que tenham por
objeto crimes praticados por organizações criminosas para a prática de qualquer ato
processual, especialmente: I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;
II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão; III - sentença; IV -
progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena; V - concessão de liberdade
condicional; VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança
máxima; e VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado. Isso sem con­
tar o teor do art. 1°-A, também da Lei n. 12.694/12, incluído pela Lei n. 13.964/19,
que admite que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais instalem,
nas comarcas sedes de Circunscrição ou Seção Judiciária, mediante resolução, Varas
Criminais Colegiadas com competência para o processo e julgamento: I - de crimes
de pertinência a organizações criminosas ou que tenham armas à disposição; II -
do crime do art. 288-A do Código Penal; e III - das infrações penais conexas aos
crimes a que se referem os incisos I e II.
Esses dispositivos legais citados - art. 11-A da Lei n. 11.671/08, arts. Io e Io-A
da Lei n. 12.694/12 - têm como objetivo precípuo dissipar a responsabilidade por
uma decisão hostil proferida por um juiz singular, evitando-se, assim, possíveis
represálias contra a sua pessoa, tais como aquelas que foram adotadas por orga­
nizações criminosas contra pelos menos 4 (quatro) juizes nos últimos tempos, das
quais resultou a morte de Leopoldino Marques do Amaral, Antônio José Machado
Dias, Alexandre Martins de Castro Filho e Patrícia Acioli.
Diferenciam-se, porém, pelo fato de o art. 11-A da Lei n. 11.671/08 autorizar a
tomada de decisões por órgão colegiado de juizes independentemente da existência
de crimes de qualquer natureza, como exige a Lei n. 12.694/12, seja no art. Io -
crimes praticados por organizações criminosas -, seja no art. Io-A (v.g., crimes de
pertinência a organizações criminosas armadas). Ou seja, no caso do art. 11-A da Lei
n. 11.671/08, pouco importa a natureza do delito praticado pelo preso. Cuidando-se
de uma das decisões ali citadas - transferência ou prorrogação da permanência do
preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, concessão ou dene-
gação de benefícios prisionais ou imposição de sanções ao preso federal -, pouco
importa a natureza do delito praticado pelo agente.
De se notar que o art. 11-A da Lei n. 11.671/08 não previu a possibilidade de
exercício da integralidade da competência do juízo federal da execução penal por
órgão colegiado de juizes. Com efeito, a mera leitura do dispositivo sob comento
deixa evidente que o permissivo em questão faz referência expressa apenas às
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 269

decisões relativas à transferência ou à prorrogação da permanência do preso em


estabelecimento penal federal de segurança máxima, à concessão ou à denegação
de benefícios prisionais ou à imposição de sanções ao preso federal. Como se
pode notar, não há qualquer menção à competência para o processo e julgamento
das infrações penais ocorridas no estabelecimento penal federal, recém outorgada
ao juízo federal da execução penal pelo Pacote Anticrime (Lei n. 11.671/08, art.
2o, parágrafo único, in fine). Logo, nesse caso específico, não se revela possível a
tomada de decisão por órgão colegiado de juizes, pelo menos com fundamento
no art. 11-A da Lei n. 11.671/08, o que, todavia, não impede a formação de um
órgão colegiado, porém necessariamente com fundamento nos arts. Io e Io-A da
Lei n. 12.694/12.
Noutro giro, sem embargo do aparente silêncio do art. 11-A da Lei n. 11.671/08,
que faz referência apenas à possiblidade de as decisões acima citadas serem tomadas
por órgão colegiado de juizes, será de rigor a observância, por analogia, de toda a
sistemática prevista na Lei n. 12.694/12, notadamente do seu art. Io, §6°, segundo
o qual “as decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem
exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a
voto divergente de qualquer membro”, (nosso grifo)
Assentada a constitucionalidade da formação de um órgão colegiado para o
processo e julgamento de determinadas demandas,67 conclui-se que, até mesmo
como forma de se preservar a independência de cada um dos julgadores, não
deve haver menção a voto divergente de qualquer um de seus integrantes. Afinal,
fosse obrigatória a menção individualizada a cada um dos votos, esvaziar-se-

67 Mesmo antes do advento da Lei n° 12.694/12, alguns estados da federação, atendendo à Recomen­
dação n° 3, de 30 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, já haviam legislado sobre a
formação desses órgãos colegiados (v.g., Pará e Mato Grosso). A título de exemplo, por meio da Lei
n° 6.806/2007, o Estado de Alagoas criou a 17a Vara Criminal da Capital, atribuindo-lhe competência
exclusiva para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas dentro do território
alagoano. A constitucionalidade dessa Lei Estadual foi objeto de discussão na ADI 4.414 (Rei. Min. Luiz
Fux, j. 31/05/2012). Por se tratar de matéria relacionada à organização judiciária, concluiu o Supremo
ser válida a criação, pelos estados-membros, de varas especializadas em razão da matéria, haja vista
o quanto disposto no art. 74 do CPP, c/c art. 125 da Constituição Federal, desde que respeitadas as
competências previstas na própria Carta Magna (v.g., Tribunal do Júri), sem que se possa arguir eventual
afronta aos princípios do juiz natural, da vedação à criação de tribunais de exceção e da legalidade.
Especificamente em relação ao art. 2o da Lei n° 6.806/2007, segundo o qual esta Vara Especializada
teria titularidade coletiva, sendo composta por 5 (cinco) Juizes de Direito, o Supremo concluiu ser
possível que lei estadual instituísse órgão jurisdicional colegiado em 1o grau, nos mesmos moldes do
que já ocorre, por exemplo, com o Tribunal do Júri, Junta Eleitoral e Turma Recursal. A composição de
órgão jurisdicional inserir-se-ia na competência legislativa concorrente para versar sobre procedimentos
em matéria processual (CF, art. 24, XI). Assim, quando a norma criasse órgão jurisdicional colegiado,
isso significaria que determinados atos processuais seriam praticados mediante a chancela de mais
de um magistrado, questão meramente procedimental. Avaliou-se que a lei estadual teria atuado
em face de omissão de lei federal, relativamente ao dever de preservar a independência do juiz na
persecução penal de crimes a envolver organizações criminosas. Observou-se que o capítulo do CPP
referente à figura do magistrado não seria suficiente para cumprir, em sua inteireza, o mandamento
constitucional do juiz natural (CF, art. 5o, XXXVII e Llll), porque as organizações criminosas represen­
tariam empecilho à independência judicial, na forma de ameaças e outros tipos de molestamentos
voltados a obstaculizar e desmoralizar a justiça.
270 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

-ia o próprio escopo da criação de um órgão colegiado. Como não deve haver
referência a votos divergentes, o conteúdo da decisão tomada no colegiado não
pode ser imputado a um único juiz. Isso torna difusa a responsabilidade de seus
membros, o que acaba por mitigar alguns riscos inerentes à transferência de
presos para estabelecimentos penais federais de segurança máxima. Esta reunião
sigilosa e a impossibilidade de se fazer referência a voto divergente assemelha-se,
um pouco, à própria garantia constitucional do sigilo das votações do Júri (CF,
art. 5o, XXXVIII, “b”): como os jurados são cidadãos leigos, pessoas comuns
do povo, que não gozam das mesmas garantias constitucionais da magistra­
tura, susceptíveis a intimidações caso fossem obrigados a proferir seu voto na
presença do acusado e de populares, o que acabaria por afetar a necessária e
imprescindível imparcialidade do julgamento, a eles se confere a possibilidade
de proferir seu voto em segredo. De maneira semelhante, as decisões do órgão
colegiado também poderão ser adotadas em reuniões sigilosas, sempre que hou­
ver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial,
assegurada, porém, a presença do órgão do Ministério Público e do defensor. A
diferença, porém, é que, no caso do órgão colegiado previsto no art. 11-A da Lei
n. 11.671/08 e nos arts. Io e 1°-A da Lei n. 12.694/12, as decisões tomadas pelo
respectivo órgão colegiado serão devidamente fundamentadas e subscritas por
todos os Magistrados, observando-se, assim, o quanto disposto no art. 93, IX,
da Constituição Federal. Por isso, cuidam-se, os §§ 4o e 6o do art. Io da Lei n°
12.694/12, de restrição legal à publicidade justificada pelo interesse público de
assegurar a tranquilidade, logo, a imparcialidade dos magistrados, no momento
da votação. Evidente, pois, a compatibilidade da reunião sigilosa do colegiado
com o princípio da publicidade (CF, art. 93, IX, c/c art. 5o, LX).68

8.8. (Im) possibilidade de os Estados e o Distrito Federal construírem


estabelecimentos penais de segurança máxima ou de adaptarem os
já existentes
Em norma de conteúdo programático, o art. 11-B da Lei n. 11.671/08, incluído
pelo Pacote Anticrime, passa a autorizar que os Estados e o Distrito Federal cons­
truam estabelecimentos penais de segurança máxima, ou adaptem os já existentes,
hipótese em que será aplicável, no que couber, todo o conjunto normativo constante

68 Esse órgão colegiado criado pela Lei n° 12.694/12 e atualmente introduzido na Lei n. 11.671/08 não se
confunde com a polêmica figura do juiz sem rosto (ou juiz secreto): enquanto este se caracteriza pelo
fato de não ter seu nome divulgado, por não ter seu rosto conhecido, por ter sua formação técnica ig­
norada, naquele, o nome e a assinatura de cada um dos 3 (três) magistrados que fazem parte do órgão
deverá constar de todas as decisões por ele proferidas, com a única ressalva de que só não devem ser
divulgadas eventuais divergências entre eles. A propósito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
eliminou o juiz sem rosto peruano em 1999 e em 2000 (respectivamente, nos casos Cantoral Benavides e
Castillo Petruzzi), porque ofensivo ao direito de defesa, que tem direito a juiz imparcial. A Corte Suprema
Colombiana aboliu essa excrescência no ano de 2000. Nessa linha: PIZA, Lia Verônica de Toledo; VILARES,
Fernanda Regina. Crime organizado no Peru. Crime organizado: aspectos processuais. Coordenação: FERNAN­
DES, Antônio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; ZANOIDE DE MORAES, Maurício. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009. p. 258.
Cap. VII • ESTABELECIMENTOS PENAIS 271

do referido diploma normativo. Cuida-se de medida extremamente importante,


porquanto rompe com o paradigma de que a criação de estabelecimentos penais de
segurança máxima é uma responsabilidade exclusiva da União. Pelo contrário. Aos
Estados e ao Distrito Federal também incumbe zelar pela segurança pública, nos
exatos termos do art. 144 da Constituição Federal. Resta saber, porém, se, diante
das inegáveis dificuldades financeiras de tais entes federativos, haverá dotação or­
çamentária suficiente para que possam se desincumbir desse mister.
VIII
EXECUÇÃO DAS PENAS
PRIVATIVAS DE LIBERDADE

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Ao contrário do que ocorre com o Código Penal, a Lei de Execução Penal


não é dividida em Parte Geral e Parte Especial. Se o fosse, certamente poderiamos
afirmar que sua Parte Especial teria início a partir do seu Título V, que versa sobre
a execução das penas em espécie. De fato, enquanto os títulos anteriores versam so­
bre normas gerais explicativas e complementares atinentes à execução penal como
um todo (v.g., assistência ao preso, trabalho, deveres, direitos e disciplina, órgãos
da execução penal, estabelecimentos penais etc.), o Título V da LEP trata da exe­
cução das penas em espécie: o Capítulo I cuida da execução das penas privativas
de liberdade; o Capítulo II refere-se às penas restritivas de direitos; o Capítulo IV
dispõe sobre a pena de multa. Em seguida, constam do Título VI as regras para a
execução das medidas de segurança.
A pena privativa de liberdade pode ser conceituada como espécie de san­
ção penal da qual resulta a supressão da liberdade de locomoção do condenado
por determinado período de tempo fixado em sentença condenatória transitada
em julgado. O direito penal brasileiro admite três espécies de penas privativas
de liberdade: reclusão de detenção para os crimes (CP, art. 33, caput), e prisão
simples para as contravenções penais (LCP, art. 5o, I). Regime ou sistema pe­
nitenciário, por sua vez, é o meio pelo qual se efetiva o cumprimento da pena
privativa de liberdade. Como será exposto na sequência, a depender da natureza
de da quantidade da pena privativa de liberdade, do fato de o condenado ser ou
não reincidente e da análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, o juiz
sentenciante poderá fixar o regime inicial aberto, semiaberto ou fechado (CP, art.
33, caput, e §§2° e 3o).
274 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

1.1. Execução da sentença


Em sentido amplo, pode-se afirmar que a execução penal nada mais é do que
a concretização do mandamento contido na sentença criminal, ou seja, o conjunto
dos atos judiciais e administrativos por meio dos quais se torna efetiva a senten­
ça. A Lei de Execução Penal cuida apenas da execução da sentença condenatória
(arts. 105 a 170), da sentença absolutória imprópria (arts. 171 a 179) e das deci­
sões declaratórias extintivas da punibilidade referentes à anistia, graça e indulto
coletivo (arts. 187 a 193). Isso porque a execução da sentença absolutória própria
é da competência do próprio juiz do processo de conhecimento, a quem compete,
por exemplo, determinar a imediata soltura do acusado e a cessação de eventuais
medidas cautelares provisoriamente aplicadas, nos termos do art. 386, parágrafo
único, incisos I e II, do CPP.

1.2. Guia de recolhimento


A sentença penal condenatória transitada em julgado funciona como o título
executivo necessário e imprescindível para o início do processo de execução penal,
pelo menos em regra. Daí a importância da chamada guia de recolhimento, que
nada mais é do que o instrumento desse título executório, assim denominada pelo
fato de ser ela o guia para os executores da sentença condenatória. Nesse sentido,
dispõe o art. 105 da LEP: “Transitando em julgado a sentença que aplicar pena pri­
vativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição
de guia de recolhimento para a execução”. Anteriormente à vigência da LEP, esse
instrumento era denominado de carta de guia, consoante redação dos arts. 674 e
seguintes do CPP.
A leitura do art. 105 da LEP deixa entrever que são dois os requisitos para
a expedição da guia: primeiro, que já tenha se operado o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória; segundo, que o condenado esteja preso, quer porque
assim já se encontrava quando prolatada a sentença (v.g., prisão preventiva), quer
porque, posteriormente ao seu trânsito, foi cumprido o respectivo mandado de pri­
são. Logo, pelo menos enquanto a prisão não for executada, não se pode expedir
a guia de recolhimento. Justifica-se a exigência em questão pelo fato de a própria
LEP exigir que conste da guia de recolhimento a data do fim da pena (art. 106,
V), que só será conhecida, em princípio, quando se souber a data exata em que o
condenado foi preso.
Aos olhos da doutrina,1 são 3 (três) as principais funções da guia de recolhi­
mento: a. Medida de garantia individual: somente a guia de recolhimento permitirá
a execução de uma pena privativa de liberdade. Prova disso, aliás, é que o art. 107
da LEP é categórico ao afirmar que ninguém será recolhido, para cumprimento da
pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária; b. Instru­
mento do título executório: como exposto anteriormente, a guia de recolhimento é
o instrumento do título executório constituído pela sentença condenatória transitada

1 MIRABETE. Op. cit. p. 389.


Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 275

em julgado, o que, em tese, visa evitar que a punição do condenado ultrapasse os


limites traçados pela decisão; c. Individualização da pena: como devem constar da
guia elementos sobre os antecedentes e o grau de instrução do condenado, o relato
do fato criminoso e outros dados reputados indispensáveis ao adequado tratamento
penitenciário, é possível afirmar que se trata de importante ferramenta para auxiliar
a individualização da pena no curso da execução penal, auxiliando, por exemplo, a
realização dos exames de classificação, criminológico etc.
A competência para determinar a expedição da guia de recolhimento é do juiz
do processo de conhecimento, conquanto tenha transitado em julgado a decisão, já
que, antes disso, o título executivo ainda não se aperfeiçoou. Recusando-se o ma­
gistrado a fazê-lo, caberá ao Ministério Público, ou ao próprio condenado, interpor
correição parcial, eis que se trata de manifesto error in procedendo. Expedida a guia
de recolhimento, esta deverá ser remetida à autoridade administrativa incumbida
da execução (LEP, art. 106, caput, in fine). A medida visa materializar o motivo
pelo qual o indivíduo será encarcerado, é dizer, o de que há uma sanção penal a
ser cumprida. Na eventualidade de a execução não estar afeita ao próprio juiz da
sentença, uma cópia do instrumento também deverá ser encaminhada ao juízo da
execução, conforme indicado pela lei de organização judiciária local (LEP, art. 65).
Nesse caso, o objetivo é possibilitar o imediato controle jurisdicional sobre quem
está preso, o tratamento penitenciário a ser dispensado e a data do término da pena.
A propósito, eis o teor do art. 2o da Resolução n. 113/10 do CNJ: “A guia de reco­
lhimento para cumprimento da pena privativa de liberdade e a guia de internação
para cumprimento de medida de segurança obedecerão aos modelos dos anexos e
serão expedidas em duas vias, remetendo-se uma à autoridade administrativa que
custodia o executado e a outra ao juízo da execução penal competente”.
Importante, pois, não confundir o início do processo de execução, que ocorre
com o trânsito em julgado da decisão, com o início da execução da pena, que se
dá com o recolhimento do condenado à prisão. A depender do caso concreto, é
perfeitamente possível que o processo de execução tenha início antes mesmo da
execução da pena propriamente dita. Basta imaginar, por exemplo, a hipótese em que
o condenado não se encontre preso por ocasião do trânsito em julgado da sentença.
A distinção se apresenta relevante para fins de determinação do juiz competente.
Com efeito, se já houve o trânsito em julgado da sentença penal condenatória,
eventuais decisões relacionadas ao processo de execução deverão ser proferidas pelo
juiz encarregado desta (v.g., progressão, regressão, extinção da pena, prescrição da
pretensão executória etc.).
Como dispõe o art. 107, caput, da LEP, “ninguém será recolhido, para cum­
primento de pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade
judiciária”. Tal dispositivo vem ao encontro das Regras de Mandela, que preveem
que “nenhuma pessoa deve ser admitida num estabelecimento prisional sem uma
ordem de detenção válida” (Regra n. 7). É dever do diretor da unidade prisional,
portanto, recusar o recolhimento do preso quando desacompanhado da respectiva
guia, evitando-se, assim, não apenas patente constrangimento ilegal à liberdade
de locomoção do indivíduo, como também possível tipificação do crime de abuso
276 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

de autoridade previsto no art. 9o, caput, da Lei n. 13.869/19.2 Isso, logicamente,


não exclui a possibilidade de recolhimento ao estabelecimento penal adequado
de pessoas que ainda não têm contra si uma sentença condenatória irrecorrível, a
exemplo de presos cautelares, hipótese, porém, em que o seu recolhimento à cadeia
pública pressupõe a existência de mandado de prisão expedido pela autoridade
judiciária competente.
Após o recebimento da guia de recolhimento pelo diretor do estabelecimento
prisional, que deverá passar recibo do documento para ulterior juntada aos autos do
processo - geralmente, é encaminhado um ofício ao Juízo da Execução comunicando
a entrega da guia e do preso -, o condenado deverá tomar ciência de seus termos.
É nesse sentido, aliás, o teor do art. 107, §1°, da LEP. Por se tratar do instrumento
que irá possibilitar a execução, a guia deverá ser registrada, como garantia, em livro
especial. Atualmente, a Resolução n. 280/19 do Conselho Nacional de Justiça estabe­
lece diretrizes e parâmetros para o processamento da execução penal nos tribunais
brasileiros por intermédio do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), e
dispõe sobre sua governança.3

1.2.1. Requisitos da guia de recolhimento


Por funcionar como verdadeiro instrumento do título executório, porquanto
indica à administração prisional a pena a ser executada, sua duração e o regime
inicial de cumprimento, fornecendo, ademais, elementos indispensáveis para a in­
dividualização do tratamento penitenciário, é de rigor a sua remessa à “autoridade
administrativa incumbida da execução” (LEP, art. 106, caput), assim compreendido
o diretor da unidade prisional a que o condenado for direcionado.
Os requisitos da guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará
em todas as folhas e a assinará com o Juiz, constam dos incisos do art. 106 da LEP:
I - o nome do condenado; II - a sua qualificação civil e o número do registro geral
no órgão oficial de identificação; III - o inteiro teor da denúncia e da sentença con­
denatória, bem como certidão do trânsito em julgado; IV - a informação sobre os
antecedentes e o grau de instrução; V - a data da terminação da pena; VI - outras
peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário.
Na esteira do art. 106 da LEP, o art. Io da Resolução n. 113/10 do Conselho
Nacional de Justiça dispõe que também deverá constar da guia: interrogatório do
executado na polícia e em juízo; informação sobre os endereços em que possa o
executado ser localizado; instrumentos de mandato, substabelecimentos, despachos
de nomeação de defensores dativos ou de intimação da Defensoria Pública; cópia do

2 Lei n. 13.869/19: "Art. 9o Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com
as hipóteses legais: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa".
3 Em data de 16 de dezembro de 2019, o Ministro do STF Alexandre de Moraes, Relator da ADI 6259/2019,
deferiu liminar, determinando a suspensão da eficácia dos arts. 2o, 3o, 9o, 12 e 13 da Resolução CNJ n°
280/2019, que determinavam, a partir de 31/12/2019, que todos os processos de execução penal de tri­
bunais brasileiros tramitassem obrigatoriamente pelo 'Sistema Eletrônico de Execução Unificado - SEEU',
sem que, até o momento, tenha sido a causa submetida a julgamento ou referendada pelo plenário.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 277

mandado de prisão temporária e/ou preventiva, com a respectiva certidão da data


do cumprimento, bem como com a cópia de eventual alvará de soltura, também
com a certidão da data do cumprimento da ordem de soltura, para computo da
detração; nome e endereço do curador, se houver; informações acerca do estabele­
cimento prisional em que o condenado encontrar-se recolhido; cópias da decisão
de pronúncia, da certidão de preclusão em se tratando de condenação em crime
doloso contra a vida e da certidão carcerária.
Uma vez expedida a guia, deverá se dar ciência do seu conteúdo ao órgão do
Ministério Público, pois a ele incumbe fiscalizar a regularidade formal do documen­
to (LEP, art. 68, I). Na eventualidade de algum tipo de irregularidade formal ou
material, deverá o Parquet requerer ao magistrado a alteração do documento para
ajustá-lo aos termos da sentença condenatória. Com a entrada em vigor da Lei n.
12.313/10, o Juízo da Execução também deve dar ciência da guia de recolhimento
à Defensoria Pública, à qual incumbe, na ausência de defensor constituído, a de­
fesa dos interesses do condenado hipossuficiente, devendo, para tanto, oficiar no
processo de execução e requerer todas as providências necessárias ao seu regular
desenvolvimento, ex vi dos arts. 81-A e 81-B, I, “a”, ambos da LEP.
Sempre que sobrevier qualquer tipo de modificação quanto ao início da exe­
cução ou ao tempo de duração da pena, deverá se proceder à retificação da guia
de recolhimento (LEP, art. 106, §2°). Essa retificação poderá ser requerida pela
autoridade administrativa, pelo Ministério Público, pelo Conselho Penitenciário,
pelo condenado e pela Defensoria Pública. São inúmeras as situações fáticas que
autorizam a retificação da guia de recolhimento, tais como: a. Fuga do condenado: se
acaso recapturado, a data prevista para o término da pena (LEP, art. 106, V) deverá
ser objeto de retificação, excluindo-se, obviamente, o tempo em que permaneceu
foragido; b. Unificação de penas: de acordo com o art. 75, §1°, do CP, com redação
dada pelo Pacote Anticrime, quando o agente for condenado a penas privativas de
liberdade cuja soma seja superior a 40 anos, devem elas ser unificadas para atender
ao referido limite máximo; c. Condenações proferidas em outros processos: de modo
a se executar a pena referente à guia de recolhimento recebida durante a execução
de outra sentença, deverá se proceder à retificação da data de terminação da sanção,
tomando-se por data do início o dia seguinte ao término do prazo da pena a ser
cumprida inicialmente.
Outrossim, se o condenado, ao tempo do fato, era funcionário da Adminis­
tração da Justiça Criminal, deverá constar da guia menção a essa circunstância
(LEP, art. 106, §3°). Justifica-se a precaução em apreço de modo a auxiliar a
administração prisional no cumprimento do comando normativo constante do
art. 84, §2°, da LEP, que assegura ao preso que, ao tempo do fato, era funcionário
da Administração da Justiça Criminal, a colocação em dependência separada dos
demais presos.4

4 O dispositivo do art. 84, §2°, da LEP, foi objeto de análise no capítulo referente aos estabelecimentos penais,
para onde remetemos o leitor.
27Q MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

1.2.2. Guia de recolhimento provisória


Nas hipóteses em que se admite a execução provisória da pena (sentença con­
denatória no júri a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão) e nos casos
de concessão antecipada de benefícios prisionais aos presos cautelares (Súmula n.
716 do STF),5 a doutrina e a jurisprudência passaram a admitir e disciplinar a
expedição da guia de recolhimento provisória e sua subsequente remessa ao juízo
da execução no curso do processo de conhecimento.
Essa guia de recolhimento provisória não está prevista expressamente na Lei
de Execução Penal, nem tampouco no Código de Processo Penal. Cuida-se, na ver­
dade, de uma construção pretoriana e doutrinária. Ora, se a guia de recolhimento
é instrumento do título executório indispensável à execução da pena e ao processo
de execução, mas somente pode ser expedida após o trânsito em julgado do decre­
to condenatório (LEP, art. 105), em sendo admitida, excepcionalmente, a execução
provisória da pena privativa de liberdade, justificar-se-ia a expedição de uma guia
de recolhimento provisória de modo a atender as mesmas finalidades que justifi­
cam a expedição de uma guia definitiva (garantia individual, instrumento do título
executório e individualização da pena). Atualmente, a matéria encontra-se disciplina
pelos arts. 8o a 11 da Resolução n. 113/10 do Conselho Nacional de Justiça.
A expedição dessa guia visa permitir o início do processo “provisório” de
execução, assegurando-se ao preso o acesso aos direitos e benefícios legais, entre os
quais se incluem, além dos previstos para todos os presos cautelares, o da obser­
vância imediata do regime prisional inicial e a progressão de regime, nos termos da
Súmula n. 716 do STF, o do computo da remição na pena aplicada (LEP, arts. 126,
§7, e 128), as autorizações de saída temporária (LEP, art. 122) etc. Fundamenta-se,
portanto, na necessidade de nortear o juiz competente na observância dos direitos
que são previstos na LEP para os definitivamente condenados, mas que já poderão
ser reconhecidos para o preso provisório em face do estado do processo de conhe­
cimento (v.g., vedação da reformatio in pejus em recurso exclusivo da defesa).
Mas qual seria o momento adequado para a expedição dessa guia de recolhi­
mento provisória pelo juiz do processo de conhecimento? De acordo com o art. 8o
da Resolução n. 113/10 do Conselho Nacional de Justiça, a guia de recolhimento
provisória deveria ser expedida na hipótese de prisão do sentenciado motivada
unicamente no fato de ter sido interposto recurso sem efeito suspensivo contra a
sentença condenatória, independentemente de ter sido decretada a prisão preventiva
do acusado. Nesse ponto, é importante submeter o referido dispositivo a uma releitura,
pois, como exposto no capítulo introdutório desta obra, a simples interposição de
recurso sem efeito suspensivo contra decisão condenatória não mais enseja a exe­
cução provisória da pena, conforme decidido, aliás, pelo próprio Supremo Tribunal
Federal no julgamento das ADC s 43, 44 e 54. Destarte, tal guia deverá ser expedida
conforme a espécie de execução provisória da pena em questão, nos seguintes termos:

5 Ambas as hipóteses foram objeto de análise no capítulo introdutório deste livro, para onde remetemos o
leitor de modo a evitarmos repetições desnecessárias.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 279

a. Condenação no Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos


de reclusão: consoante disposto no art. 492, I, alínea “e”, do CPP, com redação
dada pela Lei n. 13.964/19, no caso de condenação a uma pena igual ou superior
a 15 (quinze) anos de reclusão, o Juiz-presidente deverá determinar a execução
provisória da pena, com expedição do mandado de prisão. Logo, conjugando-se
o referido dispositivo com o quanto previsto no art. 105 da LEP, que autoriza a
expedição da guia quando “o réu estiver ou vier a ser preso”, o ideal é concluir
que, nesse caso, a guia de recolhimento provisória deverá ser expedida de ime­
diato, quando se tratar de pessoa que já se encontrava presa cautelarmente, ou
quando for cumprido o mandado de prisão do condenado que se encontrava
em liberdade;
b. Concessão antecipada de benefícios prisionais ao preso cautelar: nesse
caso, a guia de recolhimento provisória deverá ser expedida após a condenação do
preso cautelar à pena privativa de liberdade que transitou em julgado para o Mi­
nistério Público, mas contra o qual ainda pende o julgamento de recurso defensivo.
Ora, se o acusado está preso preventivamente e lhe foi aplicada uma pena privativa
de liberdade que não mais poderá ser agravada em virtude da não interposição de
recurso pela acusação, é certo concluir que estão fixados os limites máximos da pre­
tensão punitiva, daí por que se impõe a necessidade de se viabilizar a observância,
de imediato, dos direitos previstos na LEP para os definitivamente condenados, os
quais já se sabe, antecipadamente, que ele fará jus quando do trânsito em julgado
da sentença condenatória. Em tal hipótese, sob pena de admitirmos que a utiliza­
ção da via recursal pela defesa poderia militar em desfavor do próprio acusado, o
ideal é concluir que a inexistência de coisa julgada jamais poderia protelar o gozo
de benefícios prisionais que em seu grau mínimo já foram delimitados a partir do
trânsito em julgado para a acusação. Impõe-se, portanto, a imediata expedição da
guia de recolhimento provisória.
Uma vez expedida a guia de recolhimento provisória, esta deverá ser objeto
de retificação na eventualidade de superveniência de algum tipo de modificação
dos termos da condenação recorrível, em especial aqueles atinentes ao início ou
duração da pena aplicada, regime inicial de cumprimento da pena etc. Logicamen­
te, se o acusado vier a ser absolvido ou beneficiado por alguma causa extintiva da
punibilidade, proceder-se-á ao cancelamento da guia. Sua expedição também não
obsta eventual revogação da prisão preventiva por ocasião do julgamento do recurso.
Enfim, operando-se o trânsito em julgado da condenação, impõe-se ao juiz do pro­
cesso de conhecimento determinar a substituição da guia provisória pela definitiva,
nos termos do art. 105 da LEP.
Questão importante refere-se ao regime prisional a ser aplicado na hipótese de
execução provisória da pena. Na visão dos Tribunais Superiores, embora demons­
trada, fundamentadamente, a indispensabilidade da prisão cautelar do acusado por
ocasião da sentença condenatória, revela-se desproporcional determinar que o acusado
aguarde o julgamento do recurso de apelação em regime mais gravoso que aquele
fixado no decreto condenatório. Logo, considerando que a prisão cautelar acarreta
280 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

o recolhimento do acusado à prisão em circunstâncias absolutamente semelhantes


ao cumprimento da pena no regime fechado, há diversos precedentes da 5a Turma
do STJ no sentido de que, fixado o regime inicial semiaberto para o cumprimento
da pena, o acusado tem o direito de aguardar o julgamento do recurso de apelação
no mesmo regime, aplicando-se, desde já, as respectivas regras.6 Enfim, a prisão
preventiva pode ser mantida por ocasião da sentença condenatória recorrível que
aplicou o regime semiaberto para o cumprimento da pena, desde que persistam
os motivos que inicialmente a justificaram e que seu cumprimento se adeque ao
modo de execução intermediário aplicado. De fato, não é razoável manter o réu
constrito preventivamente durante o desenrolar da ação penal e, por fim, libertá-lo
apenas porque foi agraciado com regime de execução diverso do fechado, permitindo -
-lhe que, solto, ou mediante algumas condições, aguarde o trânsito em julgado da
condenação. Afinal, quando presentes as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva,
não há sentido lógico em se permitir que o réu, preso preventivamente durante toda
a instrução criminal, possa aguardar o julgamento da apelação em liberdade. Por
outro lado, tendo em vista a imposição do regime semiaberto na condenação, se faz
necessário compatibilizar a manutenção da custódia cautelar com o aludido modo
de execução, sob pena de estar-se impondo ao condenado modo mais gravoso tão
somente pelo fato de ter optado pela interposição de recurso, em flagrante ofensa
ao princípio da razoabilidade.7

1.2.3. Cálculo de liquidação de penas


Pelo menos em tese, é possível que uma pessoa seja condenada em vários pro­
cessos, surgindo, assim, a necessidade de execução de duas ou mais penas privativas
de liberdade, que, para tanto, terão que ser somadas ou unificadas. Vejamos ambos
os institutos, separadamente:

6 STJ, 5a Turma, HC 218.098/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 08/05/2012, DJe 21/05/2012. E ainda: STJ, 5a Turma,
HC 227.960/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18/10/2012. STJ, 5a Turma, HC 89.018, Rei. Min. Arnaldo Esteves
Lima, j. 18/12/2007, DJe 10/03/2008. No sentido de que há compatibilidade entre a prisão cautelar mantida
pela sentença condenatória e o regime inicial semiaberto fixado nessa decisão, devendo o réu, contudo,
cumprir a respectiva pena em estabelecimento prisional compatível com o regime inicial estabelecido: STJ,
5a Turma, HC 289.636/SP, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 20/5/2014. Sob o argumento de que a prisão cautelar
tem como principal característica a segregação total da liberdade de locomoção do acusado, não admitindo
temperamento para ajustar-se a regime imposto na sentença diverso do fechado, a 5a Turma do STJ tem
precedente no sentido de que, na hipótese de o acusado ser condenado a pena que deva ser cumprida em
regime inicial diverso do fechado, não será admissível a decretação ou manutenção de prisão preventiva
na sentença condenatória. Na visão daquele órgão colegiado, estabelecido o regime aberto ou semiaberto
como o inicial para o cumprimento de pena, a decretação da prisão preventiva inviabiliza o direito de
recorrer em liberdade, na medida em que impõe a segregação cautelar ao recorrente, até o trânsito em
julgado, sob o fundamento de estarem presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva insertos
no art. 312 do CPP. Ao admitir essa possibilidade, chegar-se-ia ao absurdo de ser mais benéfico ao réu
renunciar ao direito de recorrer e iniciar imediatamente o cumprimento da pena no regime estipulado do
que exercer seu direito de impugnar a decisão perante o segundo grau. A propósito: STJ, 5a Turma, RHC
52.407/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 10/12/2014, DJe 18/12/2014.
7 Nesse contexto: STJ, 5a Turma, RHC 53.828/ES, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/4/2015, DJe 24/4/2015.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 281

a. soma de penas: pelo menos em regra, se uma pessoa pratica dois ou mais
crimes, todos eles deverão ser objeto de um simultaneus processus, haja vista a
possível existência de conexão ou continência entre eles, nos termos dos arts.
76 a 82 do Código de Processo Penal. Na eventualidade de serem instaurados
processos diversos, a despeito da existência de conexão ou continência, impõe-se
ao juiz dotado de força atrativa avocar os demais processos que correm perante
outros juizes, como previsto, aliás, no art. 82, Ia parte, do CPP. Se, todavia, já
houver sentença definitiva nesses outros processos, a unidade deverá ser feita
posteriormente, para o efeito da soma ou da unificação das penas. É nesse sen­
tido, aliás, o teor do art. 82, 2a parte, do CPP: “Se não obstante a conexão ou
continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição
prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juizes, salvo
se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só
se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas”. Ora,
considerando-se que o juiz do processo de conhecimento não pode exercer juris­
dição após o trânsito em julgado da sentença, essa soma ou unificação das penas
compete ao juiz encarregado da execução, tal qual disposto no art. 66, inciso III,
alínea “a”, da Lei de Execução Penal. Quanto ao procedimento atinente à soma
das penas, convém lembrar que, uma vez transitando em julgado a sentença que
aplicar pena privativa de liberdade, se o condenado estiver ou vier a ser preso, o
Juiz ordenará a expedição e guia de recolhimento para a execução (LEP, art. 105).
Na eventualidade de haver várias condenações contra a mesma pessoa, o juiz
da execução deverá receber várias guias, registradas em livro especial segundo a
ordem cronológica do recebimento e anexadas ao prontuário do condenado (LEP,
art. 107, §2°). As penas, então, deverão ser somadas para fins de retificação das
guias de execução, observando-se, in casu, a ordem determinada pelas datas do
trânsito em julgado, sem prejuízo do disposto nos arts. 76 do CP e 681 do CPP.
Esse despacho em que o juiz homologa o cálculo de penas é denominado de
“cálculo de liquidação de penas”. Por se tratar de evidente ato jurisdicional, vez
que fixa a data em que haverá o fim da execução da pena privativa de liberdade,
o ideal é concluir que se sujeita ao duplo grau de jurisdição, mais precisamente
ao recurso de agravo em execução (LEP, art. 197);
b. unificação de penas: a unificação de penas é cabível em duas hipóteses
diversas. Vejamos ambas, separadamente: i. Unificação de penas nos casos de
concurso formal próprio e crime continuado: haverá concurso formal próprio
quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes,
desprovido de desígnios autônomos em relação a cada um deles. Suponha-se,
a título de exemplo, que, em alta velocidade, o agente perca o controle do seu
veículo, provocando a morte culposa de uma pessoa e lesões corporais culposas
em outra, hipótese em que deverá responder pelos crimes dos arts. 302 e 303 do
CTB (homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor,
respectivamente), na forma do art. 70, caput, Ia parte, do Código Penal. O crime
continuado, por sua vez, ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação (ou
omissão), pratica dois ou mais crimes da mesma espécie com homogeneidade de
282 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

circunstâncias de tempo, lugar e modus operandi. Basta supor a prática de vários


crimes de tráfico de drogas cometidos por um agente em uma mesma localidade
em um curto intervalo de tempo. Pelo menos em tese, seja no caso do concurso
formal próprio, seja no caso da continuidade delitiva, os diversos crimes deve-
riam ter sido apurados em um mesmo processo, cabendo ao juiz do processo de
conhecimento aplicar o quantum adequado de majoração da pena ao sentenciar o
feito. Se, todavia, isso não ocorrer, subsiste a possibilidade de o juiz da execução
realizar a unificação das penas, nos termos do art. 66, III, “a”, da LEP. Logo, to­
mando como exemplo a continuidade delitiva acima exposta, se acaso o indivíduo
tiver sido condenado em 4 processos diversos pelo crime do art. 33 da Lei n.
11.343/06, o juiz da execução deverá se valer da maior pena fixada, procedendo,
na sequência, à exasperação de um sexto a dois terços, conquanto reconheça a
presença de todos os requisitos constantes do art. 71, caput, do CP; ii. Unificação
de penas para atender ao limite máximo de cumprimento de pena privativa de
liberdade: de acordo com o art. 75, caput, do CP, com redação dada pelo Pacote
Anticrime (Lei n. 13.964/19), o tempo de cumprimento das penas privativas de
liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. Assim, quando o agente for
condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quaren­
ta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.8
Nesses casos de unificação de penas, sempre houve controvérsias acerca da data
que deveria ser considerada como termo inicial para a concessão de novos be­
nefícios. Antigamente, a jurisprudência do STJ adotava o trânsito em julgado da
última condenação, por fato posterior ou anterior ao início da execução, como o
marco inicial para a concessão de novos benefícios da execução. Atualmente, tem
prevalecido o entendimento de que deve ser fixada a data da última prisão como
marco interruptivo para concessão dos benefícios da execução, no caso de crimes
cometidos antes do início da execução da pena, e, nos casos de delitos cometidos
no curso da execução, a data do cometimento da última infração disciplinar.9
Não se pode olvidar, ademais, da hipótese em que, após a expedição da
guia de recolhimento, surja a notícia de anterior prisão cautelar ou internação
em hospital de custódia e tratamento, cujos prazos devam ser computados na
pena em virtude da detração (CP, art. 42). Em todas essas hipóteses - soma,
unificação e detração de penas -, por mais que a LEP não disponha acerca do
assunto de maneira expressa, será de rigor a retificação da guia de recolhimento.
Afinal, todas elas certamente terão o condão de provocar modificações quanto
ao início da execução ou em relação ao tempo de duração da pena (LEP, art.
106, §2°). De modo a proceder a essas retificações, será necessário o chamado
“cálculo de liquidação das penas”, pois somente assim será possível a retificação
das guias de recolhimento.

8 Voltaremos a tratar dessa hipótese de unificação de penas prevista no art. 75 do Código Penal mais adiante,
precisamente no capítulo atinente à execução da pena privativa de liberdade.
9 STJ, 3a Seção, REsp 1.557.461-SC, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 22.02.2018, DJe 15.03.2018; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 572.468-SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 16.06.2020.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 283

De se lembrar que, uma vez concluída a conta de liquidação das várias penas
a que o preso está submetido, surge um conjunto de penas que deve ser consi­
derado como um “todo” para a concessão (ou não) de determinados benefícios
prisionais, como, por exemplo, a determinação do regime inicial (LEP, art. 111) e
da progressão (LEP, art. 112), e, por consequência, das saídas temporárias (LEP,
art. 122), do trabalho externo (LEP, arts. 34, §3°, e 36), da remição (LEP, arts. 111
e 126), do livramento condicional (CP, art. 84), da conversão da pena privativa de
liberdade em restritiva de direitos (LEP, art. 180), do limite das penas (CP, art. 75)
e da reabilitação (CP, art. 93). Aliás, mesmo na hipótese de unificação de penas
para atender ao limite máximo de cumprimento de 40 anos previsto no art. 75,
caput, do CP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19, convém lembrar que será
o resultado da soma das penas, e não o quantum máximo de 40 (quarenta) anos,
que servirá de base de cálculo para a concessão de benefícios prisionais, conforme
previsto na Súmula n. 715 do STF (“A pena unificada para atender ao limite de
30 anos de cumprimento, determinada pelo art. 75 do Código Penal, não é consi­
derada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou
regime mais favorável de execução”). Cuidando-se, todavia, de causa extintiva da
punibilidade, não há que se considerar o quantum final resultante da soma das
penas, mas cada uma delas, isoladamente. Cite-se, como exemplo, a prescrição,
que, no caso de concurso de crimes, deverá incidir sobre a pena de cada um,
isoladamente (CP, art. 119).
À semelhança do que ocorre com a guia de recolhimento, sempre que houver
qualquer cálculo de liquidação, o Juízo da Execução deverá dar ciência ao Ministério
Público, ao condenado e à Defensoria Pública. Na eventualidade de o cálculo de
liquidação de penas vir a ser alterado (ou não) em virtude de algum requerimento
das partes, o preso deverá receber, na sequência, um atestado relativo à pena a
cumprir, anualmente emitido pelo Juízo da Execução (LEP, arts. 41, XVI, e 66, X).

7.2.4. Precedência das penas

Conquanto o art. 107, §2°, da LEP, determine que as guias de recolhimento


devem ser registradas segundo a ordem cronológica de recebimento, daí não se pode
concluir que as várias penas aplicadas ao mesmo condenado sejam executadas de
acordo com tal critério. Na verdade, o dispositivo refere-se apenas ao registro no
livro especial, e não à execução das sanções ali indicadas.
Havendo várias penas impostas em um ou mais processos contra o mesmo con­
denado, deverá ser observada, em virtude do sistema progressivo adotado pela LEP,
a precedência das penais mais graves, é dizer, da reclusão sobre a detenção, e desta
sobre a prisão simples. Com efeito, ao tratar do concurso material, o Código Penal
é expresso ao afirmar que, no caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e
detenção, executa-se primeiro aquela (art. 69, caput, in fine). Na mesma linha, eis
o teor do art. 76 do CP: “No concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a
pena mais grave”. Destarte, independentemente das datas de recebimento das guias
de recolhimento pelo juízo da execução, as penas deverão ser executadas na ordem
284 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

decrescente de gravidade.10 Noutro giro, se as penas a serem cumpridas forem da


mesma espécie (v.g., reclusão), a precedência deverá ser determinada pelo critério
cronológico de acordo com as respectivas datas do trânsito em julgado de cada
sentença, já que é exatamente a partir daí que a pena se torna passível de execução,
pouco importando a data da expedição (ou recebimento) da guia de recolhimento.11
Por fim, na eventualidade de superveniência de condenação irrecorrível pela prática
de crime hediondo (ou equiparado), a execução dessa pena deverá preceder às demais,
independentemente da data do trânsito em julgado ou da duração da reprimenda.
Isso porque se trata da sanção mais grave de todas, o que se extrai não apenas da
natureza do delito, mas também dos prazos mais dilatados para a progressão de
regime e para a concessão de livramento condicional.

1.3. Cumprimento ou extinção da pena


De acordo com o art. 109 da LEP, cumprida ou extinta a pena, o condenado
será posto em liberdade, mediante alvará do Juiz, se por outro motivo não estiver
preso. Como se pode notar, o competente alvará de soltura deverá ser expedido pelo
Juízo da Execução, quer quando terminar o prazo de duração da pena do conde­
nado, quer quando a pena estiver extinta por qualquer motivo (v.g., indulto). Do
alvará deverá constar a condição de que o indivíduo será posto em liberdade se não
houver nenhuma outra pena a cumprir ou se o indivíduo não estiver submetido à
prisão cautelar decretada em outro processo.
De se lembrar que, à luz do art. 12, parágrafo único, inciso IV, da Lei n.
13.869/19, comete crime de abuso de autoridade quem “prolonga a execução de
pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida
de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de
executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura
do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal”.
Apesar de não haver previsão legal expressa, e sem embargo de orientação
doutrinária em sentido contrário, o ideal é concluir que o órgão ministerial deverá
ser ouvido previamente à decisão judicial que declarar cumprida ou extinta a pena,
já que a ele compete fiscalizar a execução da pena e da medida de segurança, ofician­
do em todos os termos do processo executivo e nos incidentes da execução (LEP,
art. 67). Em fiel observância à ampla defesa, também é obrigatória a manifestação
da defesa técnica, seja por meio do defensor constituído, seja por intermédio da
Defensoria Pública.

10 No sentido de que, havendo mais de uma condenação, com penas diversas, executa-se primeiro a
pena de reclusão com precedência sobre a detenção, em ordem cronológica, sendo irrelevante se o
delito é comum ou hediondo: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 600.716-MS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz,
j. 13.10.2020, DJe 21.10.2020; STJ, 5a Turma, HC 325.645/MS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 1°.09.2016, DJe
29/9/2016; STJ, 5a Turma, AgRg no HC n. 522.195/MS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 8/10/2019.
11 MIRABETE. Op. cit. p. 339.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 285

2. REGIMES DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Regime penitenciário é o meio pelo qual se efetiva o cumprimento da pena


privativa de liberdade. O Código Penal (arts. 34 a 36) e a Lei de Execução Penal (arts.
110 a 119) estabelecem 03 (três) regimes:12 a. fechado: a pena deverá ser executada
em estabelecimento de segurança máxima ou média; b. semiaberto: a pena deverá
ser executada em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c. aberto:
a pena deverá ser executada em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
Recai sobre o juiz sentenciante a competência para fixar o regime inicial de
cumprimento da pena privativa de liberdade (LEP, art. 110; CP, art. 59, III). Com
efeito, uma vez fixada a pena definitiva com fundamento no sistema trifásico previsto
no art. 68 do Código Penal (circunstâncias judiciais, atenuantes e agravantes, causas
de diminuição e aumento de pena), deverá o juiz do processo de conhecimento
fixar, na sequência, o regime inicial de cumprimento da sanção. Tal regime deverá
ser fixado mesmo que o juiz vislumbre a possibilidade de substituição da pena de
prisão por restritiva de direitos. Afinal, na eventualidade de haver o descumprimento
injustificado da restrição imposta, a restritiva poderá ser convertida em privativa
de liberdade, daí por que o regime já deverá ter sido fixado na própria sentença
condenatória. Na hipótese de concurso de crimes, levar-se-á em consideração o
total das penas impostas, somadas (concurso material e concurso formal imperfei­
to) ou exasperadas de determinado percentual (concurso formal perfeito e crime
continuado). De se lembrar que, por força do art. 387, §2°, do CPP, incluído pela
Lei n. 12.736/12, o juiz que profere a sentença condenatória deverá computar na
pena aplicada o período de prisão cautelar ou internação provisória (detração) para
fins de fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade.13
Se, todavia, no curso da execução penal, surgirem outras condenações criminais
transitadas em julgado, caberá ao juízo da execução somar o restante da pena objeto
da execução com as novas penas, fixando, na sequência, o regime de cumprimento
para o total das reprimendas. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 111, parágrafo
único, da LEP: “Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena
ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime”. Soma-se,
assim, o restante da pena que estava sendo cumprida com a nova sanção aplicada
e o resultado deverá ser usado como parâmetro para a fixação do regime a que
o condenado deverá ser submetido. É possível, dessa forma, que, mesmo com o
desconto do tempo de pena já cumprido, seja determinada a regressão, ou seja, a
fixação de regime mais severo, nos termos do art. 118, II, da LEP. Nesta soma ou

12 A pena de prisão simples, aplicável ao autor de contravenções penais, é sempre cumprida em regime
semiaberto ou aberto, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, sem rigor peni­
tenciário (LCP, art. 6o). Portanto, devem ser aplicadas, quanto ao regime inicial, as regras referentes à pena
de detenção, seja ou não reincidente o condenado. Todavia, enquanto a lei penal permite a regressão ao
regime fechado do preso condenado à pena de detenção (CP, art. 33, caput), não admite, em hipótese
alguma, o cumprimento da prisão simples em tal regime. Ou seja, a regressão, em relação a tal pena
privativa de liberdade, só poderá ocorrer do aberto para o semiaberto.
13 Para mais detalhes acerca da possibilidade de a detração ser feita pelo juiz do processo de conhecimento
ao sentenciar o feito (CPP, art. 387, §2°), remetemos o leitor ao capítulo atinente à detração.
286 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

unificação de penas, deverá ser observada, quando for o caso, a detração ou remição
(LEP, art. 111, in fine). Logo, descontado o tempo em virtude da incidência de tais
benefícios, o condenado poderá ser destinado a regime menos severo do que aquele
que lhe seria imposto diante do total das penas.
Uma vez fixado o regime inicial de cumprimento da pena pelo juiz do pro­
cesso de conhecimento, sem recurso das partes, a decisão terá o condão de produzir
coisa julgada forma e material a esse respeito. Logo, ao juízo da execução não será
dado modificá-la, nem mesmo na hipótese de eventual erro material. A propósito,
em caso concreto apreciado pelo STJ, determinado acusado fora condenado à pena
de 18 (dezoito) anos de reclusão em regime inicial aberto pela prática do crime
hediondo de latrocínio. O juízo da execução, todavia, determinou o início do cum­
primento da pena em regime fechado ao argumento de que o regime aberto fora
fixado de forma equivocada, já que se trata de crime hediondo. Na visão do STJ, não
há dúvidas de que teria havido um erro material, porquanto o acusado condenado
à pena de 18 anos por latrocínio jamais poderia cumprir a pena em regime inicial
aberto. Todavia, se o Ministério Público, como fiscal da lei, não interpôs embargos
de declaração, a formação da coisa julgada impediría que o regime fixado na sen­
tença condenatória, ainda que equivocado, viesse a ser modificado pelo juízo da
execução.14 Logicamente, na eventualidade de superveniência de fatos novos (v.g.,
condenação diversa que obrigue a fixação de regime mais severo), poderá o Juízo
da Execução, de ofício, modificar as condições estabelecidas na sentença quanto ao
regime inicial, desde que as circunstâncias assim o recomendem.
Discute-se o procedimento a ser adotado na hipótese em que a sentença penal
condenatória for omissa em relação ao regime inicial de cumprimento da pena. De
um lado, há quem entenda que, na eventualidade de as partes não oporem embar­
gos declaratórios a fim de que seja sanado o vício pelo juiz prolator da decisão, o
Tribunal poderá fazê-lo. É nesse sentido a lição de Renato Marcão. Para o autor, “a
omissão da pena ou do regime na sentença pode ser suprida em grau de recurso
sem que tal decidir acarrete qualquer violação de princípios reguladores do devido
processo penal”.15 Prevalece, todavia, o entendimento no sentido de que ao Tribunal
não é dado proceder à fixação do regime inicial, sob pena de indevida supressão de
instância, daí por que deve determinar que a omissão seja suprida pelo próprio juiz
sentenciante, baixando os autos à instância originária. Nesse contexto, como já se
pronunciou o STJ, “(...) havendo omissão na sentença penal condenatória acerca do
regime de cumprimento de pena, não cabe ao Tribunal de Justiça fixar diretamente
o regime prisional, devendo os autos serem remetidos de volta ao juízo de primeiro
grau. Todavia, a supressão da omissão pelo Tribunal de Justiça que fixa diretamente
o regime configura mera irregularidade, prevalecendo o princípio do aproveitamento
dos atos jurídicos”.16 Mas e se a sentença já tiver transitado em julgado? Nesse caso,
a doutrina sustenta que o regime inicial de cumprimento deverá ser estabelecido

14 STJ, 5a Turma, HC 176.320/AL, Rei. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/05/2011.


15 Op. cit. p. 156.
16 STJ, 6a Turma, Aglnt no REsp 1.722.003-SC, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05.04.2018, DJe
16.04.2018. Com entendimento semelhante: STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.586.442-SP, Rei. Min. Reynaldo
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 287

pelo Juízo da Execução, devendo ser imposto o regime mais brando, conquanto
adequado à normatização do art. 33, §2°, do CP.17
Os §§2° e 3o do art. 33 do Código Penal demonstram que três fatores são deter­
minantes para fins de fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de
liberdade: reincidência, quantidade da pena aplicada e circunstâncias judiciais. Para
além da observância das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, devem
ser observados os seguintes critérios fixados no art. 33, § 2o, do CP: a) o condenado
a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o
condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a
8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; c) o condenado
não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o
início, cumpri-la em regime aberto.18
O fato de as alíneas “b” e “c” fazerem menção ao condenado não reincidente
como requisito para iniciar o cumprimento da pena nos regimes semiaberto e aber­
to, respectivamente, não está, a contrario sensu, afirmando que o reincidente deverá
obrigatoriamente iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. Na verdade, o
que a alínea “c” do § 2o do art. 33 do CP está dizendo é que o condenado reincidente
não poderá iniciar o cumprimento da pena em regime aberto, ainda que positiva a
análise das suas circunstâncias judiciais.19 Agora, se a pena de reclusão é de até 4
(quatro) anos e o condenado não é reincidente, o regime inicial pode ser o fechado
ou semiaberto, a depender da análise positiva ou negativa das circunstâncias judiciais
do art. 59 do Código Penal.20 Em síntese, o art. 33, § 2o, do CP, proíbe ao reinciden­
te a fixação do regime inicial aberto em qualquer caso, e o semiaberto tão somente
quando a pena for superior a 4 (quatro) anos. É exatamente nesse sentido o teor da
Súmula n. 269 do STJ: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos
reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as cir­
cunstâncias judiciais”. Em síntese, podem ser fixadas as seguintes regras para fins de
fixação do regime prisional inicial:

Soares da Fonseca, j. 21.11.2017, DJe 29.11.2017; STJ, 5a Turma, HC 174.631-PE, Rei. Min. Jorge Mussi, j.
23.08.2011, DJe 02.09.2011.
17 AVENA. Op. cit. p. 207.
18 Sem embargo da redação expressa do CP, a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal tem precedentes
admitindo a fixação do regime inicial aberto em favor de agente condenado pela prática de crime de
furto, ainda que portador de maus antecedentes e reincidente. A propósito, confira-se: STF, 1a Turma, HC
135.164/MT, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 23/04/2019.
19 No sentido de que não é possível ao réu reincidente, condenado à pena inferior a 4 (quatro) anos, mesmo
quando favoráveis as circunstâncias judiciais, iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no
regime aberto, revelando-se correta, portanto, a fixação do regime intermediário para cumprimento da
reprimenda (Súmula 269/STJ): STJ, 5a Turma, HC 285.428/RS, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 20/10/2015, DJe
26/10/2015.
20 Reconhecendo a possibilidade de fixação do regime semiaberto a condenados reincidentes cuja pena
seja igual ou inferior a quatro anos, consideradas as demais circunstâncias judiciais (art. 59) em plano
favorável: STJ, 6a Turma, REsp 203.584/SP, Rei. Min. Vicente Leal, j. 29/03/2000 p. 147; STJ, 6a Turma, REsp
175.207/SP, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 14/09/1999, DJ 17/12/1999; STJ, 3a Seção, EREsp 182.680/
SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 22/11/2000, DJ 18/12/2000 p. 155; STJ, 5a Turma, HC 309.521/SP, Rei. Min.
Felix Fischer, j. 22/09/2015, DJe 13/10/2015; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 286.839/SP, Rei. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, j. 25/08/2015, DJe 01/09/2015.
288 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

1. Pena de detenção: esta só pode ter início em regime semiaberto ou aberto,


jamais no regime fechado (CP, art. 33, caput), nada obstante seja possível a regres­
são a este regime. Na hipótese de pena de detenção superior a 4 (quatro) anos, o
condenado só poderá iniciar o cumprimento da pena em regime semiaberto, pouco
importando se reincidente ou não. Se o acusado for reincidente, também só poderá
iniciar o cumprimento da pena em regime semiaberto, pouco importando o quantum
de pena de detenção. Por fim, se não reincidente, e condenado à pena de detenção
não superior a 4 (quatro) anos, poderá iniciar em regime aberto, se favoráveis as
circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal;
2. Pena de reclusão: pode ser cumprida inicialmente em regime fechado,
semiaberto ou aberto. Se condenado à pena superior a 8 (oito) anos, o regime
inicial obrigatoriamente será o fechado. Se a pena de reclusão for superior a
4 (quatro) anos e o condenado for reincidente, deverá iniciar o cumprimento
da pena no regime fechado. Caso o acusado não reincidente seja condenado a
pena de reclusão superior a 4 (quatro) e até 8 (oito) anos, poderá iniciar em
regime fechado ou semiaberto, a depender das condições do art. 59 do Código
Penal. Pena de reclusão de até 4 (quatro) anos aplicada para reincidente pode
ser iniciada em regime fechado ou semiaberto, consoante análise positiva ou
negativa das circunstâncias judiciais (súmula n. 269 do STJ).21 Por fim, se o não
reincidente for condenado à pena de reclusão de até 4 (quatro) anos, poderá
iniciar o cumprimento da pena em qualquer dos três regimes, dependendo das
condições do art. 59 do CP.
Na hipótese de a pena privativa de liberdade ser fixada no mínimo legal, há contro­
vérsias acerca da possibilidade de aplicação de regime prisional inicial mais gravoso do
que aquele admitido pela quantidade de pena. De um lado, parte da doutrina entende
que a fixação da pena-base no mínimo legal não induz, obrigatoriamente, à fixação do
regime prisional mais brando, porquanto as circunstâncias judiciais do art. 59, caput,
do Código Penal, devem ser analisadas em dois momentos distintos: primeiro, para a
dosimetria da pena, e, na sequência, para fixação do regime prisional.
É dominante, todavia, o entendimento no sentido de que, fixada a pena-base no
mínimo legal diante da análise positiva das circunstâncias judiciais do art. 59, caput, do
Código Penal, seria ilógico e incoerente a aplicação de regime prisional mais gravoso
do que aquele adequado em razão da sanção imposta, levando-se em consideração tão
somente a gravidade em abstrato do delito, porquanto a gravidade da infração pela
sua natureza, de per si, é uma circunstância inerente ao delito, que já foi sopesada pelo
legislador ao estabelecer o quantum de pena cominado à infração penal.22 Daí os dizeres
da Súmula n. 718 do STF: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do

21 Admitindo a fixação do regime inicial fechado para condenado reincidente portador de maus antecedentes
e dotado de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ainda que a pena tenha sido fixada em patamar inferior
a 4 (quatro) anos de reclusão: STJ, 6a Turma, HC 331.376/SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.
01/10/2015, DJe 22/10/2015.
22 Nesse contexto: STJ, 5a Turma, HC 123.216/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 16/04/2009, DJe 18/05/2009; STJ,
5a Turma, HC 99.366/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 29/10/2009, DJe 14/12/2009; STJ, 5a Turma, HC 76.919/
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 289

crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que
o permitido segundo a pena aplicada”. Na mesma linha, confira-se o teor da Súmula n.
440 do STJ: ’ ‘Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime
prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sançaõ imposta, com base apenas
na gravidade abstrata do delito”. Exemplificando, por serem demasiadamente genéricas
e, portanto, passíveis de serem invocadas para qualquer conduta de tráfico de drogas,
afirmativas de que o delito de tráfico de drogas é grave, causa repulsa social, gera danos
à saúde, destrói a vida de jovens, desestrutura famílias e dá causa ao cometimento de
outros delitos, entre outras, não constituem motivação hábil a embasar a fixação de
regime prisional mais gravoso do que aquele compatível com a sanção imposta. Na
mesma linha, no crime de roubo, o emprego de arma de fogo não autoriza, por si só,
a imposição do regime inicial fechado se, primário o acusado, a pena tiver sido fixada
no mínimo legal.23
Desde que o julgador não se reporte apenas à gravidade abstrata do crime
(súmulas 718 do STF e 440 do STJ), admite-se a imposição em relação ao con­
denado primário de um regime inicial mais rigoroso do que aquele permitido
exclusivamente pela quantidade da pena aplicada. Com efeito, eis o teor do art.
33, §3°, do Código Penal: “A determinação do regime inicial de cumprimento
da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Códi­
go”. Por consequência, é perfeitamente possível, a título de ilustração, a fixação
do regime fechado a agente primário condenado a 5 (cinco) anos de reclusão,
conquanto as circunstâncias judiciais do art. 59, caput, do Código Penal, lhe
sejam completamente desfavoráveis. É exatamente nesse sentido, aliás, a Súmula
n. 719 do STF: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que
a pena aplicada permitir exige motivação idônea”. Não por outro motivo, em
caso concreto versando sobre crime de roubo circunstanciado no qual a vítima
e uma amiga foram privadas da liberdade por cerca de 40 minutos, tempo em
que permaneceram sendo ameaçadas de morte sob a mira de arma de fogo, a
6a Turma do STJ afastou o reconhecimento da ilegalidade da escolha do regime
inicial fechado, vez que apontados dados fáticos suficientes a indicar a gravi­
dade concreta do crime - o emprego de arma de fogo, a restrição de liberdade
da vítima e o concurso de agentes, com periculosidade e destemor exacerbados
-, ainda que o agente seja primário e o quantum da pena - 5 (cinco) anos e 8
(oito) meses de reclusão - seja inferior a 8 anos.24
Antigamente, era comum que fosse negada ao estrangeiro em situação irregular
no país a possibilidade de fixação do regime inicial semiaberto ou aberto, sobretudo
quando instaurado procedimento expulsório ou se acaso já tivesse sido decretada
sua expulsão. Atualmente, porém, a nova Lei de Migração passou a dispor expressa­

RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 20/11/2007, DJ 17/12/2007 p. 247; STJ, 6a Turma, HC 90.915/SP, Rei. Min. Jane
Silva - Desembargadora convocada do TJ/MG -, j. 25/02/2008, DJe 10/03/2008.
23 A propósito, confira-se: STJ, 5a Turma, AgRg no HC 303.275/SP, Rei. Ministro Jorge Mussi, j. 03/02/2015; STJ,
6a Turma, HC 298.810/RJ, Rei. Ministro Sebastião Reis Júnior, j. 24/02/2015; STJ, 5a Turma, HC 309.939/SP,
Rei. Min. Newton Trisotto - Desembargador convocado do TJ/SC -, j. 28/04/2015, DJe 19/05/2015.
24 STJ, 6a Turma, HC 282.211 /SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 18.03.2014, DJe 07.04.2014.
290 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

mente que o processamento da expulsão em caso de crimes comuns não prejudicará


o cumprimento da pena, a progressão de regime e outros benefícios legais, sempre
em igualdade de condições ao nacional (Lei n. 13.445/17, art. 54, §3°).
Noutro giro, a Lei de Lavagem de Capitais prevê, entre outros benefícios da cola­
boração premiada, a diminuição da pena de 1 (um) a 2/3 (dois terços) e a fixação do
regime inicial aberto ou semiaberto, independentemente da quantidade de pena aplicada,
quando o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades,
prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identifi­
cação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores
objeto do crime (Lei n° 9.613/98, art. Io, § 5o, com redação dada pela Lei n° 12.683/12).

3. PROGRESSÃO DE REGIMES

3.1. Da necessária individualização da pena privativa de liberdade no


curso da execução penal
São três os sistemas que visam regulamentar a progressão de regime de cumprimen­
to da pena privativa de liberdade: a) sistema da Filadélfia ou Pensilvânico: tem como
base o isolamento. Ou seja, o preso permanece isolado na sua cela, tendo direito a saídas
esporádicas, para rápidos passeios em locais fechados; b) sistema de Aubum: em silêncio
absoluto, o condenado tem a obrigação de trabalhar durante o dia com outros presos,
sujeitando-se ao isolamento no período noturno; c) sistema progressivo: caracteriza-se
por um período inicial de isolamento absoluto, ao qual se segue uma segunda fase em
que o condenado tem o direito de trabalhar durante o dia na companhia de outros pre­
sos, sendo colocado em liberdade condicional no estágio final do cumprimento da pena.
Desde a Reforma Penal de 1984, o Brasil adota, pelo menos em regra, um sistema
progressivo de cumprimento da pena, que possibilita ao próprio condenado, através da sua
conduta carcerária, direcionar o ritmo de cumprimento de sua sentença, com mais ou
menos rigor. Prova disso, aliás, é o teor do art. 33, §2°, do Código Penal, segundo o qual
as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo
o mérito do condenado. Na mesma linha, o art. 112 da LEP, com redação determinada
pela Lei n. 13.964/19, enuncia que a pena privativa de liberdade será executada em forma
progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo
juiz, quando o preso tiver cumprido os requisitos ali elencados. Esse sistema permite,
então, que o condenado conquiste, gradativamente, a sua liberdade, ainda durante o
cumprimento da pena, de tal modo que a pena a ser cumprida nem sempre será aquela
que lhe foi aplicada. A partir do regime fechado, fase mais severa do cumprimento da
pena, permite-se a conquista gradativa de parcelas da liberdade suprimida.

3.2. Vedações à progressão


3.2.7. Regime integral fechado para crimes hediondos e equiparados
Em sua redação original, o art. 2o, § Io, da Lei n° 8.072/90, dispunha que o
condenado pela prática de crimes hediondos e equiparados deveria cumprir sua pena
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 291

em regime integralmente fechado. Consequentemente, não era cabível a progressão


de regimes.
Apesar de grande parte da doutrina sustentar que a fixação do regime integral
fechado para o cumprimento da pena pela prática de crimes hediondos e equiparados
era inconstitucional, por violar o princípio da individualização executória da pena,
prevaleceu durante anos perante os Tribunais o entendimento de que o art. 2o, §
Io, da Lei n° 8.072/90, em sua redação original, era plenamente compatível com a
Constituição Federal.25
Com o advento da Lei n° 9.455/97, que passou a prever que, pelo menos em
regra, o condenado por crime de tortura deve iniciar o cumprimento da pena em
regime fechado (art. Io, § 7o), a doutrina também passou a sustentar a tese de re­
vogação tácita da redação original do art. 2o, § Io, da Lei n° 8.072/90. Explica-se:
como o crime de tortura é equiparado a hediondo pela própria Constituição Federal
(art. 5o, XLIII), isso significa dizer que a tais delitos deve ser conferido tratamento
semelhante, sob pena de violação ao princípio da isonomia. Logo, se o crime de
tortura passou a admitir o cumprimento da pena em regime inicial fechado, idêntico
benefício também deveria ser concedido aos autores de crimes hediondos e equipa­
rados. Esse entendimento, todavia, não foi aceito pelos Tribunais. A propósito, eis
o teor da Súmula n° 698 do STF: “Não se estende aos demais crimes hediondos
a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime
de tortura”.
Com o passar dos anos, o tema voltou a ser discutido pelo Supremo Tribu­
nal Federal. Em julgamento histórico ocorrido em data de 23 de junho de 2006,
o STF acabou por declarar a inconstitucionalidade da redação original do art. 2o,
§ Io, da Lei n° 8.072/90. Na visão da Suprema Corte, por força do princípio da
individualização da pena, confere-se ao legislador ordinário o poder de disciplinar
a individualização da pena nas fases legislativa, judicial e executória, mas não lhe
autoriza excluí-la em nenhuma dessas etapas, sob pena de violação ao art. 5o, inciso
XLVI, da Constituição Federal. Afinal, o juiz da execução também precisa dispor
de instrumentos para buscar a individualização do cumprimento da reprimenda
imposta ao condenado, sobretudo se considerarmos que a progressão no regime de
cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão
maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio
social. Logo, não se pode privar o preso, em abstrato, do direito à progressão. Por
isso, o Supremo deliberou por afastar a vedação em abstrato à progressão de regi­
mes, ficando a critério do Juízo da Execução a apreciação, no caso concreto, dos
requisitos objetivos e subjetivos listados pelo art. 112 da Lei de Execução Penal.26
Em nome da segurança jurídica e do excepcional interesse social em torno da
matéria, apesar de se tratar de controle incidental de inconstitucionalidade, o Supremo
deliberou pela extensão dos efeitos da decisão a outras situações fáticas suscetíveis de

25 No sentido da constitucionalidade da vedação à progressão de regimes instituída na redação original do art.


2o, § 1°, da Lei n° 8.072/90: STF, Pleno, HC 82.638/SP, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 19/12/2002, DJ 12/03/2004.
E ainda: STF, 1a Turma, HC 80.732/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 06/03/2001, DJ 20/04/2001.
26 STF, Pleno, HC 82.959/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006, DJ 01/09/2006.
292 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

serem beneficiadas pela declaração in concreto da inconstitucionalidade da redação


original do art. 2o, § Io, da Lei n° 8.072/90. Logo, como a decisão proferida pelo STF
no julgamento do HC 82.959/SP é dotada de eficácia erga omnes, a admissibilidade
da progressão foi estendida a outros processos, beneficiando acusados cujas penas
ainda não tivessem sido integralmente cumpridas, desde que os requisitos legais
fossem examinados, caso a caso, pelo juiz competente.27
A prova mais cabal de que a decisão proferida pelo Supremo não está limitada
ao processo objeto de exame no HC 82.959/SP, permitindo que outros magistrados
passem a admitir a progressão de regimes é a edição da súmula vinculante n° 26:
“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo
ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2o da
Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche,
ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para
tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”. Apesar de
o Supremo não ter deliberado, formalmente, pelo cancelamento da Súmula n° 698,
é evidente que sua validade restou prejudicada com a decisão proferida no HC
82.959/SP e com a edição da súmula vinculante n° 26.

3.2.2. Regime inicial fechado para crimes hediondos e equiparados e


novos critérios para progressão de regimes introduzidos pela Lei n°
71.464/07

Ante a decisão proferida pelo Supremo no julgamento do HC 82.959/SP, o


Congresso Nacional deliberou por modificar a redação do art. 2o, § Io, da Lei n°
8.072/90, que passou a dispor: “A pena por crime previsto neste artigo será cum­
prida inicialmente em regime fechado” (redação determinada pela Lei n° 11.464/07).
Como dito acima, em virtude dos efeitos erga omnes emprestados à decisão
proferida pelo Supremo no julgamento do HC 82.959/SP, reconheceu-se que conde­
nados pela prática de crimes hediondos e equiparados teriam direito à progressão de
regimes. Eis que surge, então, a Lei n° 11.464/07, dispondo que a pena em relação a
crimes hediondos e equiparados deve ser cumprida inicialmente em regime fechado
(Lei n° 8.072/90, art. 2o, § Io).
Nesse ponto, trata-se de evidente exemplo de novatio legis in pejus, por­
quanto, ao invés de ser aplicada a regra geral prevista no art. 33, § 2o, do Códi­
go Penal, a Lei n° 11.464/07 passou a impor tratamento mais severo a respeito
do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, qual seja, o
cumprimento inicial em regime fechado. Em outras palavras, independentemente
do quantum de pena aplicado ao condenado pela prática de crimes hediondos e
equiparados, ou seja, mesmo que a pena aplicada seja inferior a 8 (oito) anos,
mesmo que se trate de acusado primário e portador de bons antecedentes, com

27 Por cautela, o STF conferiu efeito ex nunc a essa decisão. Consequentemente, é vedada a retroatividade
de seus efeitos para atingir condenados que, à época, já tivessem cumprido integralmente sua pena em
regime fechado, consoante entendimento jurisprudencial anterior. Assim, o Supremo busca evitar possíveis
ações cíveis indenizatórias.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 293

todas as circunstâncias judiciais favoráveis, ainda assim o regime inicial para o


cumprimento da pena deveria ser o fechado, por força do disposto no art. 2o,
§ Io, da lei n° 8.072/90. Por se tratar de lex gravior, a fixação obrigatória do
regime inicial fechado só seria válida em relação aos crimes hediondos e equi­
parados praticados a partir da vigência da Lei n° 11.464/07, que se deu em 29
de março de 2007. Consequentemente, os fatos anteriores continuariam sujeitos
ao regramento geral do Código Penal (art. 33, § 2o), salvo no caso do crime de
tortura, que já estava submetido ao regime inicial fechado em virtude do art.
1°, § 7°, da Lei n° 9.455/97.28
A Lei n° 11.464/07 também passou a prever, à época - ou seja, antes da entrada
em vigor do Pacote Anticrime -, regramento diverso para a progressão de regimes em
crimes hediondos e equiparados. Ao contrário da regra geral, que então demandava
apenas o cumprimento de ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e
bom comportamento carcerário (LEP, redação original do art. 112, caput), a Lei dos
Crimes Hediondos foi alterada para prever que, no caso de condenados por crimes
hediondos e equiparados, a progressão de regime dar-se-ia após o cumprimento
de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado fosse primário, e 3/5 (três quintos), se
reincidente (Lei n° 8.072/90, art. 2o, revogado §2°).29
À primeira vista, fica a impressão de que, no tocante à progressão de regimes,
a Lei n° 11.464/07 seria exemplo de novatio legis in mellius. Afinal, em sua redação
original, o art. 2o, § Io, da Lei n° 8.072/90, dispunha que a pena por crime hedion­
do e equiparado seria cumprida integralmente em regime fechado. Com o advento
da Lei n° 11.464/07, esse mesmo dispositivo legal passou a dispor que a pena será
cumprida inicialmente em regime fechado. No entanto, é certo dizer que não foi a Lei
n° 11.464/07 que passou a admitir a progressão em crimes hediondos e equiparados.
Na verdade, o regime inicial fechado e a consequente admissibilidade da progressão
é resultado do reconhecimento da inconstitucionalidade da redação original do art.
2o, § Io, da Lei n° 8.072/90, no julgamento do HC 82.959/SP, decisão à qual foi
conferida eficácia erga omnes.
Considerando, então, que a progressão passou a ser admitida em relação a
crimes hediondos e equiparados a partir da decisão proferida pelo STF, conclui-se
que, nesse ponto, a Lei n° 11.464/07 é exemplo de novatio legis in pejus, porquanto,
à época, instituiu parâmetros mais gravosos para a progressão: 2/5 (dois quintos)
para o acusado primário e 3/5 (três quintos) para o acusado reincidente. Conse­
quentemente, em fiel observância ao princípio da irretroatividade da lei penal mais
gravosa (CF, art. 5o, XL), esse novo patamar mínimo de cumprimento de pena ne­
cessário para a progressão de regimes só poderia ser exigido em relação aos crimes
cometidos a partir da vigência da Lei n° 11.464/07, que se deu no dia 29 de março
de 2007. Logo, em relação aos crimes hediondos e equiparados cometidos até o dia
28 de março de 2007, subsistiría a necessidade de cumprimento de apenas 1/6 (um

28 STJ, 5a Turma, HC 53.506/BA, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18/02/2010, DJe 15/03/2010.
29 O §2° do art. 2o da Lei n. 8.072/90 foi revogado pelo Pacote Anticrime, que também estabeleceu novos
parâmetros objetivos para a progressão de regimes no art. 112 da LEP.
294 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

sexto) da pena no regime anterior.30 Tal entendimento acabou sendo consolidado


na Súmula n° 471 do STJ: “Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados
cometidos antes da vigência da Lei 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112
da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.
No mesmo sentido, confira-se o teor da Tese de Repercussão Geral fixada no
tema n. 59: “A Lei n. 11.464/07, que majorou o tempo necessário para a progressão
no cumprimento da pena, não se aplica a situações jurídicas que retratem crime
hediondo ou equiparado cometido em momento anterior à respectiva vigência”.31
Referindo-se o art. 2o, revogado §2°, da Lei n° 8.072/90, ao cumprimento de
2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado fosse primário, e 3/5 (três quintos), se
reincidente, sem fazer qualquer ressalva quanto à espécie de reincidência, conclui-se
que o legislador se referia à reincidência genérica do art. 63 do Código Penal. Afinal,
quando a lei deseja se referir à reincidência específica, o faz de maneira expressa. A
propósito, basta ver o exemplo do art. 83, inciso V, do CP, que expressamente faz
menção aos condenados reincidentes específicos em crime de natureza hedionda,
equiparada e tráfico de pessoas. Na mesma linha, ao tratar da substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, o art. 44, § 3o, in fine, do CP, faz
menção expressa à reincidência operada em virtude da prática do mesmo crime.
Destarte, diante do silêncio da Lei, não é dado ao intérprete incluir requisitos diver­
sos, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Logo, se alguém cometesse um
crime hediondo ou equiparado, depois de já ter sido condenado irrecorrivelmente
por outro crime, hediondo ou não, nos últimos cinco anos, poderia progredir apenas
depois de cumprir 3/5 (três quintos) da pena no regime anterior.32
No ano de 2018, a Lei dos Crimes Hediondos foi novamente alterada, desta
vez pela Lei n. 13.769. Referido diploma normativo conferiu ao revogado §2° do
art. 2o da Lei n. 8.072/90 a seguinte redação: “A progressão de regime, no caso dos
condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de
2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se
reincidente, observado o disposto nos §§3° e 4o do art. 112 da Lei n. 7.210, de 11
de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)”. Como se percebe, foi mantida, à época,
a regra geral para os condenados por crimes hediondos e equiparados: 2/5 (dois
quintos), para o acusado primário, e 3/5 (três quintos) para o reincidente. A novi­
dade ficou por conta do novo tratamento que passou a ser conferido exclusivamente

30 STF, 1a Turma, HC 94.025/SP, Rei. Min. Menezes Direito, j. 03/06/2008, DJe 142 31/07/2008. Na mesma
linha: STF, Ia Turma, HC 94.212/SP, Rei. Min. Carlos Britto, j. 03/06/2008, DJe 177 18/09/2008; STF, Pleno,
RE 579.167/AC, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 16/05/2013.
31 Paradigma: STF, Pleno, RE 579.167, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 16.05.2013, DJe 18.10.2013.
32 Nessa linha: STJ, 5a Turma, REsp 1.491.421/RS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 04/12/2014, DJe 15/12/2014; STJ, 6a
Turma, HC 301.481/SP, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado do TJ/SP -, j. 02/06/2015,
DJe 11/06/2015. Para Alberto Silva Franco (op. cit. p. 376), tendo em conta que os crimes hediondos e os
crimes a eles assemelhados fazem parte, em verdade, de um subsistema constitucional penal fechado e
autônomo alavancado pelo inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal, o conceito de reincidência a que
se refere o art. 2o, § 2o, da Lei n° 8.072/90, deve ser buscado dentro desse subsistema e não no sistema
geral e aberto do Código Penal. Dessa forma, o cumprimento de 3/5 da pena no regime anterior só deve
ser exigido em relação aos condenados que pratiquem novo crime hediondo já tendo contra si sentença
condenatória irrecorrível por outro crime hediondo (ou equiparado).
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 295

à mulher gestante ou à condenada que fosse mãe ou responsável por crianças ou


pessoas com deficiência.33

3.2.3. Regime inicial fechado para crimes hediondos e equiparados


Como exposto anteriormente, em relação aos crimes hediondos e equiparados
cometidos a partir da vigência da Lei n° 11.464/07 (29 de março de 2007), passou
a ser obrigatória a fixação do regime inicial fechado, nos termos do art. 2o, § Io,
da Lei n° 8.072/90.
No entanto, por ocasião do julgamento do HC 111.840/ES,34 o Plenário do
Supremo também declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § Io do
art. 2o da Lei n° 8.072/90, na parte em que contida a obrigatoriedade de fixação
de regime inicial fechado para cumprimento de reprimenda aos condenados pela
prática de crimes hediondos ou equiparados. Para o Supremo, se a Constituição
quisesse a fixação do regime inicial fechado com base no crime em abstrato, teria
incluído a restrição no tópico inscrito no art. 5o, XLIII, da CF, o que não ocorreu,
já que referido preceito afasta somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso
XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena. Destarte, pelo
menos em tese, deve ser admitido o início de cumprimento de reprimenda em
regime diverso do fechado a condenados que preencham os requisitos previstos no
art. 33, § 2o, b; e § 3o, do CP. Assim como no caso da vedação legal à substituição
de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito
de tráfico — já declarada inconstitucional pelo STF —, entendeu-se que a definição
de regime deveria sempre ser analisada independentemente da natureza da infração,
até mesmo porque, na dicção da Suprema Corte, “a opinião do julgador sobre a
gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição
de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada” (Súmula n°
718 do STF). Daí, aliás, os dizeres da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n.
972: “É inconstitucional a fixação ex lege, com base no art. 2o, §1, da Lei n. 8.072/90,
do regime inicial fechado, devendo o julgador, quando da condenação, ater-se aos
parâmetros previstos no art. 33 do Código Penal”.35
Se o Plenário do Supremo afastou a obrigatoriedade do regime inicial
fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se
observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto
no art. 33 c/c art. 59, ambos do CP, é evidente que essa interpretação também
deve ser aplicada aos crimes equiparados a hediondo, a exemplo da tortura.
Logo, a despeito do disposto no art. Io, § 7o, da Lei n° 9.455/97, também não
é obrigatório que o condenado por crime de tortura inicie o cumprimento da
pena no regime prisional fechado.36 Em sentido diverso, porém, mesmo após

33 Essa espécie de progressão especial para mulheres gestantes ou que sejam mãe ou responsável por crianças
ou pessoas com deficiência, prevista nos §§3° e 4o do art. 112 da LEP, será objeto de análise na sequência.
34 STF, Pleno, HC 111.840/ES, Rei. Min. Dias Toffoli, 27/06/2012.
35 Paradigma: STF, Pleno, ARE 1,052.700/MG, Rei. Min. Edson Fachin, j. 02.11.2017, DJ 01.02.2018.
36 STJ, 5a Turma, HC 286.925/PR, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 13/05/2014, DJe 21/05/2014.
296 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

a decisão proferida pelo Plenário do STF no julgamento do HC 111.840/ES, a


Ia Turma daquele Tribunal vem entendendo que o condenado por crime de
tortura deve iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, nos termos do
disposto no § 7o do art. Io da Lei 9.455/1997. Para o Supremo, em consonância
com a Constituição Federal, a Lei n° 9.455/97 teria feito uma opção válida, ao
prever que, considerada a gravidade do crime de tortura, a execução da pena,
ainda que fixada no mínimo legal, deveria ser cumprida inicialmente em regime
fechado, sem prejuízo de posterior progressão.37
A declaração incidental da inconstitucionalidade do regime inicial fechado
para crimes e hediondos e equiparados pelo Plenário do Supremo no julgamento
do HC 111.840/ES irá repercutir sobremaneira em relação ao crime de tráfico de
drogas (Lei n° 11.343/06, art. 33), já que a pena mínima cominada a este delito é
de 5 (cinco) anos de reclusão, o que permite, em tese, a fixação de regime inicial
diverso do fechado, desde que, obviamente, preenchidos os demais requisitos
enumerados pelo art. 33, §§ 2o e 3o, do Código Penal.38 Logo, em se tratando de
condenado pela prática do crime de tráfico de drogas à pena de 5 (cinco) anos,
ainda que não reconhecida a figura privilegiada do art. 33, § 4o, da Lei n° 11.343/06,
se a pena for de 5 (cinco) anos e se tratar de acusado primário, com bons ante­
cedentes e circunstâncias judiciais favoráveis, mostra-se cabível, pelo menos em
tese, a fixação do regime inicial semiaberto.39 Nessa linha, como se pronunciou o
STJ, a partir do momento em que o Supremo passou a admitir a possibilidade de
fixação de regime diverso do fechado para os condenados pela prática de crimes
hediondos e equiparados, considerando o total da pena estabelecida não excedente
a oito anos, a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis e inocorrência da
reincidência, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 2o, § Io,
da Lei n° 8.072/90, alterada pela Lei n° 11.464/07, com efeito ex nunc a contar
de 27/06/2012, deve ser admitida a possibilidade de fixação do regime inicial
semiaberto para condenados por tráfico de drogas, em que, na primeira fase,
estabeleceu-se a pena no mínimo legal, não sendo reconhecido fato concreto que
justifique regime mais gravoso.40

37 STF, 1a Turma, HC 123.316/ES, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 09/06/2015, DJe 154 05/08/2015.
38 Admitindo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a fixação de regime
inicial aberto para o crime de tráfico de drogas: STF, 2a Turma, HC 111.844/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j.
24/04/2012; STF, 2a Turma, HC 112.195/SP, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 24/04/2012. No mesmo contexto:
STJ, 3a Seção, EREsp 1.285.631/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 24/10/2012; STF, 2a Turma, HC 133.308/
SP, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 29/03/2016.
39 STJ, 5a Turma, HC 218.558/RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 11/12/2012, DJe 17/12/2012.
40 STJ, 5a Turma, HC 209.270/SP, Rei. Min. Campos Marques - Desembargador convocado do TJ/PR -, j.
11/12/2012, DJe 17/12/2012. Para a 1a Turma do STF (HC 130.411/SP, Rei. Min. Edson Fachin,j. 12/04/2016),
não se tratando de réu reincidente, ficando a pena no patamar de quatro anos e sendo as circunstâncias
judiciais positivas, deve ser aplicado o regime aberto, sem prejuízo de eventual substituição da pena priva­
tiva de liberdade por restritiva de direitos. Admitindo a fixação do regime inicial semiaberto para indivíduo
condenado pela prática do crime de tráfico de drogas, conquanto se trate de pessoa não reincidente, com
pena superior a 4 e inferior a 8 anos, com circunstâncias judiciais favoráveis: STF, 2a Turma, HC 140.441/
MG, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28/03/2017.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 297

3.2.4. Natureza do crime de tráfico de drogas privilegiado previsto no §4°


do art. 33 da Lei n. 11.343/06 para fins de progressão de regimes
De maneira inovadora, a Lei n° 11.343/06 passou a prever uma causa de di­
minuição de pena em seu art. 33, § 4o, nos seguintes termos: “Nos delitos definidos
no caput e no § Io deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois
terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja
primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre
organização criminosa. (Vide Resolução n° 5, de 2012)”. Apesar de muitos se referirem
a este dispositivo com a denominação de tráfico privilegiado, tecnicamente não se
trata de privilégio, porquanto o legislador não inseriu um novo mínimo e um novo
máximo de pena privativa de liberdade. Limitou-se apenas a prever a possibilidade
de diminuição da pena de um sexto a dois terços. Logo, não se trata de privilégio,
mas sim de verdadeira causa de diminuição de pena, a ser sopesada na terceira fase
do cálculo da pena no sistema trifásico de Nelson Hungria (CP, art. 68).
De acordo com o antigo entendimento do STJ, a presença desta minorante
não tinha o condão de afastar a natureza hedionda do tráfico de drogas. Era nesse
sentido, aliás, o teor da súmula n. 512 do STJ: “A aplicação da causa de diminui­
ção de pena prevista no art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06 não afasta a hediondez do
crime de tráfico de drogas”. Todavia, por ocasião do julgamento do HC 118.533/MS
(Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 23/06/2016), o Plenário do STF concluiu que o crime
de tráfico privilegiado de drogas não tem natureza hedionda. Por conseguinte, não
são exigíveis requisitos mais severos para o livramento condicional (Lei 11.343/2006,
art. 44, parágrafo único) e tampouco incide a vedação à progressão de regime (Lei
8.072/1990, art. 2o, revogado §2°). Para o STF, apenas as modalidades de tráfico de
entorpecentes definidas no art. 33, “caput” e § Io, da Lei 11.343/2006 seriam equi­
paradas a crimes hediondos. A Corte observou que, no caso do tráfico privilegiado,
a decisão do legislador fora no sentido de que o agente deveria receber tratamento
distinto daqueles sobre os quais recairia o alto juízo de censura e de punição pelo
tráfico de drogas. As circunstâncias legais do privilégio demonstrariam o menor
juízo de reprovação e, em consequência, de punição dessas pessoas. Não se poderia,
portanto, chancelar-se a hediondez a essas condutas, até mesmo porque a etiologia
do crime privilegiado seria incompatível com tal natureza. Com a nova orientação do
STF acerca do assunto, o STJ foi obrigado a alterar seu entendimento, deliberando,
assim, pelo cancelamento da súmula n. 512.
Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime e, de modo a evitar quaisquer
controvérsias em relação ao assunto para fins de progressão de regimes, esse enten­
dimento foi positivado no §5° do art. 112 da LEP, in verbis: “Não se considera he­
diondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto
no §4° do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006”. Conquanto o novel
dispositivo faça referência à não consideração do referido delito como equiparado
a hediondo para os fins deste artigo, ou seja, para fins de progressão de regimes,
é de rigor a conclusão de que tal delito não poderá ser considerado equiparado a
hediondo para qualquer outra finalidade no Direito Penal. Por conseguinte, em se
tratando de apenado primário condenado pelo referido delito, o quantum para fins
298 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

de progressão será aquele previsto no inciso I do art. 112, é dizer, 16% (dezesseis
por cento); se reincidente, 20% (vinte por cento), ex vi do art. 112, inciso II, da LEP.
Ainda em relação ao crime de tráfico privilegiado previsto no art. 33, §4°,
da Lei n. 11.343/06, especial atenção deve ser dispensada ao Habeas Corpus
Coletivo n. 596.603/SP,41 impetrado pela Defensoria Pública do Estado de
São Paulo perante a 6a Turma do STJ para fins de impugnar a manutenção de
mais de 1.100 presos (homens e mulheres) pela prática do referido delito que
estariam cumprindo pena de um ano e oito meses em regime fechado, com
respaldo exclusivo no ultrapassado entendimento de que a conduta em questão
caracterizaria crime assemelhado a hediondo, no bojo do qual foram firmadas
as seguintes conclusões:
1. Firmada a premissa de que, nos exatos termos do art. 112, §5°, da LEP,
não é considerado hediondo o delito de tráfico de drogas, na modalidade pre­
vista no art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06, fica desautorizada a prisão preventiva
sem a análise concreta dos requisitos do art. 312 do CPP, afasta-se a proibição
prevista no art. 44 da Lei de Drogas no sentido de vedação à substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, impondo-se, portanto,
tratamento penal com “contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente
porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não
reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com
organização criminosa”;42
2. Quanto ao regime inicial para o cumprimento da pena, é clara e reiterada
a dicção de enunciados sumulares dos Tribunais Superiores, segundo os quais “A
opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motiva­
ção idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a
pena aplicada” (Súmula n. 718 do STF), “A imposição do regime de cumprimento
mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea” (Súmula
n. 719 do STF) e “Ê vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso
do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade do
delito” (Súmula n. 440 do STJ). Esses julgados, por força do art. 927, III e V, do
CPC, aplicável ao processo penal em razão da norma de abertura positivada no
art. 3o do CPP, devem ser observados por juizes e tribunais do país, em nome da
segurança jurídica, da estabilidade das decisões do Poder Judiciário, da coerência
sistêmica e da igualdade de tratamento dos jurisdicionados, que não podem ficar
à mercê de interpretações divergentes, sobre questões de cunho eminentemente
jurídico, das que lhes conferiram os órgãos de cúpula do Poder Judiciário, incum­
bidos, por comando constitucional, da função de uniformizar a interpretação e a
aplicação da Constituição da República e das leis federais (arts. 102, III e 105, III).
Se o Código Penal determina que, fixada a sanção em patamar inferior a 4 anos
de reclusão, o regime inicial de pena há de ser o aberto quando as circunstâncias

41 Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 08.09.2020, DJe 22.09.2020.


42 Nesse sentido: STF, Pleno, HC 118.533, Rei. Min. Cármen Lúcia, DJe 19.09.2016.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 299

forem todas favoráveis ao agente (art. 33, § 2o c/c 59, do CP), permitindo também
substituir a reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44
do CPB), não há razão para impor-se a condenados pela modalidade mais tênue
do crime de tráfico de entorpecentes o mesmo regime de pena que, ex vi lege, se
costuma impingir somente a quem é condenado por outros crimes, ou mesmo por
tráfico, a mais de 8 anos de pena, ou a reincidentes ou portadores de circunstân­
cias desfavoráveis. Portanto, o condenado por tráfico privilegiado a pena inferior
a 4 (quatro) anos de reclusão faz jus a cumprir a reprimenda em regime inicial
aberto ou, excepcionalmente, em semiaberto, desde que, por motivação idônea,
não decorrente da mera natureza do crime, de sua gravidade abstrata ou da opi­
nião pessoal do julgador. Nessas mesmas condições e ressalvas, o condenado pelo
crime de tráfico privilegiado também faz jus à substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos;
3. Levando-se em consideração que o Ministério Público, a par da função
exclusiva de exercitar a ação penal pública, também é constitucionalmente in­
cumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis, e deve agir de acordo com critérios de obje­
tividade, compromissado, pois, com o direito e com a verdade, a acusação por
ele formulada há de consubstanciar uma imputação responsavelmente derivada
da realidade fático-jurídica evidenciada pelo simples exame do inquérito poli­
cial, muitas vezes já indicativa de que não se cuida de hipótese de subsunção
da conduta do agente ao crime de tráfico de drogas previsto no caput do art.
33 da Lei n. 11.343/06;
4. O autor do crime previsto no art. 33, § 4o, da Lei de Drogas, não pode per­
manecer preso preventivamente, após a sentença (ou mesmo antes, se a segregação
cautelar não estiver apoiada em quadro diverso), porque:
4.1. O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal - e copiosa jurisprudência
das Cortes Superiores - afastou a vedação à liberdade provisória referida no art. 44
da LAD;
4.2. Não é cabível prisão preventiva por crime punido com pena privativa
máxima igual ou inferior a 4 anos, nos exatos termos do art. 313, inciso I, do CPP;
4.3. O tempo que o condenado eventualmente tenha permanecido preso
deverá ser computado para fins de determinação do regime inicial de pena
privativa de liberdade (art. 387, § 2o do CPP), o que, a depender do tempo da
custódia e do quantum da pena arbitrada, implicará imediata soltura do sen­
tenciado, mesmo se fixado o regime inicial intermediário, ou seja, o semiaberto
(dado que, como visto, não se mostra possível a inflição de regime fechado ao
autor de tráfico privilegiado).
Com base em todos esses argumentos, a ordem foi concedida no referido writ
coletivo para fins de: a) fixar o regime aberto para aqueles presos que foram con­
denados por tráfico privilegiado a pena de 1 ano e 8 meses em regime fechado; b)
em relação aos presos condenados pelo citado delito a penas menores do que 4 anos
300 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

de reclusão, para fins de determinar que os respectivos juizes das varas de execu­
ção penal reavaliassem a situação de cada um, de modo a verificar a possibilidade
de progressão ao regime aberto em face de eventual eetração penal decorrente do
período em que permaneceram presos cautelarmente; c) no tocante aos condena­
dos que estivessem cumprindo pena por crime de tráfico privilegiado, conquanto
favoráveis todas as circunstâncias, para fins de determinar que não fosse imposto
o regime inicial fechado de cumprimento da pena.

3.2.5. Da vedação à progressão de regime, ao livramento condicional


e a outros benefícios prisionais em relação a condenados por
integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de
organização criminosa se acaso mantido o vínculo associativo
Em sua redação original, não constava da Lei n. 12.850/13 qualquer espécie
de vedação à progressão de regimes para aqueles que fossem condenados por inte­
grar organização criminosa. Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime, visando
estimular a desmobilização de integrantes desses grupos, conferindo-lhes, ademais,
um incentivo extra para abandonarem suas “irmandades”, o art. 2o, §9°, da Lei n.
12.850/13, passou a dispor: “O condenado expressamente em sentença por integrar
organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa
não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento
condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que
indiquem a manutenção do vínculo associativo”.
Como se denota, o novel dispositivo é aplicável em duas situações diversas:
1) condenado por integrar organização criminosa, ou seja, pela prática do crime
constante do art. 2o da Lei n. 12.850/13, e não por outras espécies de associações
criminosas (v.g., associação criminosa do art. 288 do CP, constituição de milícia pri­
vada do art. 288-A, etc.); 2) condenado por crime praticado por meio de organização
criminosa, é dizer, a despeito de o agente não ter sido condenado expressamente pelo
crime de organização criminosa por um motivo qualquer (v.g., não demonstração
de que estaria associado ao grupo de maneira estável e permanente), concorreu, na
condição de coautor ou partícipe, para os crimes praticados por meio do referido
grupo (v.g., roubos, latrocínios, tráfico de drogas, etc.). Em ambas as hipóteses, é
indispensável que tais circunstâncias tenham constado expressamente da sentença
condenatória. Como consequência disso, tais indivíduos não poderão progredir de
regime ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais, desde que
presentes elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo.
É bem provável que esta vedação à progressão de regimes a condenados faccio-
nados suscite questionamentos à luz do princípio constitucional da individualização
da pena, à semelhança, aliás, do que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal
em relação ao regime integralmente fechado para crimes hediondos e equiparados,43
entendimento este consolidado, aliás, nos dizeres da súmula vinculante n. 26: “Para

43 STF, Pleno, HC 82.959/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006, DJ 01/09/2006.


Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 301

efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou


equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2o da Lei
8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou
não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal
fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.
De nossa parte, reputamos não haver qualquer vício de inconstitucionalidade
material. Isso porque o art. 2o, §9°, da Lei n. 12.850/13, incluído pela Lei n. 13.964/19,
não estabelece uma vedação absoluta à progressão de regimes para tais condenados.
Veda a progressão de regimes tão somente quando houver elementos probatórios
que indiquem a manutenção dos vínculos associativos às organizações criminosas,
o que demonstra, à evidência, que o apenado não preenche o requisito subjetivo
indispensável à concessão do referido benefício, previsto no art. 112, §1°, da LEP.44
É dizer, se o agente ainda se mantém associado a uma organização criminosa, pos­
sivelmente incorrendo, pois, em novo crime do art. 2o da Lei n. 12.850/13,45 parece
extreme de dúvida que não ostenta boa conduta carcerária. Logo, ainda que sequer
existisse a vedação ora introduzida na Lei das Organizações Criminosas, o direito
à progressão de regimes já estaria vedado pela própria Lei de Execução Penal (art.
112, §1°, com redação dada pela Lei n. 13.964/19).
Em outras palavras, o fato de o condenado manter vínculos associativos a
organizações criminosas sugere periculosidade, desajuste carcerário e inadequação
à terapêutica penal aplicada, revelando que o apenado está muito distante de lograr
êxito na reintegração social que se espera com o cumprimento da pena privativa de
liberdade. Tudo isso, afinal, mostra-se absolutamente incompatível com o reconheci­
mento do mérito necessário à concessão da progressão de regimes, notadamente se
levarmos em consideração o fato de que, conforme já decidiu o Superior Tribunal
de Justiça, “o mérito do apenado não deve ser aferido tão somente com base em
elementos pretéritos, mas, também, pela consideração de fatores contemporâneos
constantes do processo de execução, sob pena de se transformar em requisito de
ordem objetiva aquele que seria subjetivo, em total dissonância ao propósito prin­
cipal do sistema, que é a ressocialização do condenado”.46
É nesse sentido, aliás, a lição de Vladimir Aras, para quem o dispositivo sob
comento - art. 2o, §9°, da Lei n. 12.850/13, incluído pela Lei n. 13.964/19 - “centra-
-se em aspectos subjetivos da execução penal, tendo em mira um dado comporta­

44 LEP: Art. 112. (...) §1° Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar
boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam
a progressão".
45 Supondo que determinado acusado tenha sido processado e condenado pela prática de um crime perma­
nente, como, por exemplo, o delito de organização criminosa (Lei n. 12.850/13, art. 2o), se restar demonstrado
que, mesmo após a propositura da peça acusatória, o acusado continuou praticando a referida conduta
delituosa - no exemplo dado, mantendo-se associado de maneira estável e permanente ao referido grupo
-, esse novo fato delituoso pode ser objeto de novo processo penal, porquanto não protegido pelos limites
objetivos da coisa julgada. Posteriormente, reconhecida a hipótese de crime permanente continuado, já
que ambos os delitos podem ter sido praticados com homogeneidade de circunstâncias de tempo, lugar
e modus operandi, nada impede que as penas sejam unificadas durante o curso da execução penal.
46 STJ, 5a Turma, HC 41.606/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 01/08/2005.
302 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

mento voluntário do condenado, sinalizador de sua ressocialização ou não. Seria


incoerente com os fins da pena e com o propósito do regime progressivo admitir
o ingresso em regime menos gravoso daquele que é renitente e mantém-se fiel a
organizações violentas. O art. 112 da LEP autoriza o mesmo raciocínio quanto aos
requisitos subjetivos. Continuar a pertencer a uma facção criminosa ou mudar de
facção, após ser condenado por integrá-la, não é de modo algum um ‘bom com­
portamento carcerário’”.47

3.3. Requisitos para a progressão de regimes


Fundamentada na necessidade de individualização da execução e tendo como
objetivo precípuo assegurar que a pena privativa de liberdade aplicada ao condenado
alcance seu objetivo, que é o de buscar sua reinserção na sociedade, a progressão de
regime sempre exigiu, mesmo antes do advento do Pacote Anticrime, a observância
cumulativa de dois requisitos, um de natureza subjetiva, outro de natureza obje­
tiva. Vejamos ambos os requisitos, separadamente, valendo destacar, desde já, que
os últimos foram sensivelmente alterados pelo Pacote Anticrime, que não apenas
revogou o §2° do art. 2o da Lei n. 8.072/90, que cuidava da progressão de regimes
para crimes hediondos e equiparados, como também criou uma variedade de lapsos
temporais a serem observados antes da concessão do benefício em análise.

3.3.7. Requisitos objetivos


O requisito de natureza objetiva está relacionado ao quantum de cumprimento
da pena no regime anterior para que o apenado faça jus à progressão. Na sistemática
vigente até o advento do Pacote Anticrime, havia necessidade da observância dos
seguintes parâmetros: a) em regra, 1/6 (um sexto) da pena para os crimes comuns,
ou seja, não hediondos ou equiparados, independentemente se cometido com ou sem
violência ou grave ameaça à pessoa, e pouco importando se primário ou reincidente
(LEP, redação original do art. 112); b) no caso de crimes hediondos e equiparados,
2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado fosse primário, e 3/5 (três quintos), se
reincidente, consoante disposto no art. 2o, §2°, da Lei n. 8.072/90, aí incluído por
força da Lei n. 11.464/07, o qual, todavia, foi revogado pela Lei n. 13.964/19; c) no
caso de mulher gestante ou que fosse mãe ou responsável por crianças ou pessoas
com deficiência, desde que preenchidos cumulativamente alguns requisitos, que serão
analisados mais adiante, bastava o cumprimento de ao menos 1/8 (um oitavo) da
pena no regime anterior (LEP, art. 112, §3°, incluído pela Lei n. 13.769/18).
Surge, então, o Pacote Anticrime, introduzindo novos requisitos objetivos para a
progressão de regimes, relativamente mais severos, a depender do caso concreto. Com
efeito, tomando-se como exemplo o reincidente em crime hediondo ou equiparado
com resultado morte, se, até a entrada em vigor da Lei n. 13.964/19 a progressão

47 ARAS, Vladimir. Projeto de Lei "Anticrime" e o conceito de crime organizado. In Projeto de Lei Anticrime. Co­
ordenadores: Antônio Henrique Graciano Suxberger; Renee do Ó Souza; Rogério Sanches Cunha. Salvador:
Juspodivm, 2019. p. 68.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 303

estava condicionada ao cumprimento de 3/5 (três quintos), ou seja, 60% da pena


- revogado §2° do art. 2o da Lei n. 8.072/90 -, doravante, leia-se, em relação aos
crimes cometidos a partir da vigência do Pacote Anticrime (23/01/2020), tal apenado
terá que cumprir ao menos 70% (setenta por cento) da pena.
Cumprindo determinação constitucional, a Lei n. 13.964/19 individualizou
ainda mais a aplicação da pena e o seu cumprimento, exercendo, pois, verdadeira
função delegada ao legislador ordinário pela própria Constituição Federal, cujo art.
5o, inciso XLVI, dispõe que “a lei regulará a individualização da pena”. Portanto, não
há falar em violação ao princípio da individualização da pena, tal como já decidido
pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao regime integral48 e inicialmente49 fe­
chado para condenados pela prática de crimes hediondos e equiparados. Ora, à lei
ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador deverá efetivar
a individualização da pena, observando, evidentemente, o comando da Constituição
Federal. Por isso, é perfeitamente possível que o legislador ordinário disponha, nos
limites das prerrogativas que lhe foram conferidas pela norma constitucional, que,
nos crimes hediondos com resultado morte praticados por apenados reincidentes em
tais delitos, o tempo de cumprimento da pena no regime fechado possa ser maior
- 70% (setenta por cento) - que aquele previsto para outras infrações penais - em
regra, 16% (dezesseis por cento), se o apenado for primário e o crime não tiver sido
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça -, o que não significa impedir a
progressão ou violar a individualização da pena.
A regra, portanto, é que o apenado só faça jus à progressão de regimes se esses
requisitos objetivos forem observados. Há de se ficar atento, porém, a uma impor­
tante exceção a essa regra geral prevista na Lei das Organizações Criminosas (Lei
n. 12.850/13), cujo art. 4o, §5°, prevê que se a colaboração for posterior à sentença,
a pena poderá ser reduzida até metade ou será admitida a progressão de regimes
ainda que ausentes os requisitos objetivos. Nessa hipótese, não há necessidade de o
condenado ter cumprido o percentual previsto no art. 112 da LEP. Subsiste, porém,
a necessidade de observância do requisito subjetivo - mérito do condenado o qual
geralmente é evidenciado diante do próprio intuito de colaboração do apenado.
Vejamos, então, os critérios objetivos fixados pelo Pacote Anticrime na nova
redação por ele conferida ao art. 112 da LEP:
I - cumprimento de ao menos 16% (dezesseis por cento) da pena, se pri­
mário o apenado e desde que o crime não tenha sido cometido com violência à
pessoa ou grave ameaça: na sistemática anterior, a regra geral era o cumprimento
de 1/6 da pena no regime anterior, o que equivale a 16,66%, do que se conclui que,
nesse ponto, a Lei n. 13.964/19 foi até mais vantajosa para os apenados. Para apli­
cação desse patamar de 16% (dezesseis por cento), é indispensável que o apenado
seja primário - pouco importa se portador de bons ou maus antecedentes, pois a
lei não faz qualquer distinção nesse sentido -, e que o crime em questão não tenha
sido cometido com violência à pessoa, jamais à coisa, ou grave ameaça. Logo, se o

48 STF, Pleno, HC 82.959/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006, DJ 01/09/2006.


49 STF, Pleno, HC 111,840/ES, Rei. Min. Dias Toffoli, 27/06/2012.
304 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

indivíduo, por exemplo, tiver sido condenado a 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de
pena privativa de liberdade em regime inicial fechado, poderá postular a progressão
para o semiaberto após o cumprimento de ao menos 1 (ano) e 4 (quatro) meses, o
que corresponde a 16% (dezesseis por cento) do total da pena imposta;
II - cumprimento de ao menos 20% (vinte por cento) da pena, se o apena­
do for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça:
não se reclama a reincidência específica, ou seja, pelo mesmo tipo penal anterior.
Basta a presença de duas condenações por quaisquer crimes sem violência à pessoa
ou grave ameaça (v.g., apropriação indébita e furto). Na sistemática anterior ao
Pacote Anticrime, o quantum necessário para a progressão nesses casos era de 1/6
(um sexto), ou seja 16,66% da pena no regime anterior. Doravante, o patamar será
de 20%, o que equivale a 1/5 (um quinto). Trata-se, pois, o inciso II do art. 112
da LEP, com redação determinada pela Lei n. 13.964/19, de evidente exemplo de
novatio legis in pejus, de aplicação restrita, portanto, aos crimes cometidos após a
vigência do Pacote Anticrime (23/01/2020). O fato de a reincidência ser levada em
consideração para dificultar a progressão de regimes não caracteriza bis in idem,
nem tampouco viola o princípio da individualização da pena. Sobre o assunto, o
Plenário do Supremo concluiu ser constitucional a aplicação da reincidência não só
como agravante da pena em processos criminais (CP, art. 61, inciso I), mas também
como fator impeditivo para a concessão de diversos benefícios, sem que se possa
objetar a configuração de bis in idem Na visão da Corte, a reincidência não contraria­
ria a individualização da pena. Ao contrário, levar-se-ia em conta, justamente, o
perfil do condenado, ao distingui-lo daqueles que cometessem a primeira infração
penal.50 De se notar que há precedentes do STJ no sentido de que, “consistindo a
reincidência em condição pessoal que, uma vez adquirida pelo sentenciado, influi
sobre o requisito objetivo dos benefícios da execução, em relação a todas as suas
condenações”.51 Logo, na eventualidade de o condenado cumprir pena por crime
por ele cometido enquanto primário, se vier a ser condenado definitivamente por
novo crime, agora reconhecido reincidente, deverá ser tratado como tal para fins
de progressão em relação a ambos os crimes após a unificação das reprimendas.
Em conclusão, convém ressaltar que é firme o entendimento jurisprudencial do STJ
no sentido de que o juízo da execução pode promover a retificação do atestado de
pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda
que não esta não tenha constado expressamente da sentença penal condenatória
transitada em julgado. Tratando-se de sentença penal condenatória, o juízo da exe­
cução deve se ater ao teor do referido decisum, no que diz respeito ao quantum de
pena, ao regime inicial, bem como ao fato de ter sido a pena privativa de liberdade
substituída ou não por restritiva de direitos, fatores que evidenciam justamente o
comando emergente da sentença. Todavia, as condições pessoais do réu, da qual é
exemplo a reincidência, devem ser observadas na execução da pena, independente
de tal condição ter sido considerada na sentença condenatória, eis que também é

50 STF, Plenário, RE 453.000/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 04/04/2013. Na mesma linha: STF, Plenário, HC
94.361/RS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 04/04/2013.
51 STJ, 5a Turma, HC 468.756/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 26/03/2019, DJe 03/04/2019.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 305

atribuição do juízo da execução individualizar a pena. Uma coisa, portanto, é o


reconhecimento da reincidência para fins de agravamento da pena do acusado,
incumbência do juiz natural do processo de conhecimento; outra coisa é a aferição
dessa condição pessoal para fins de concessão de benefícios da execução penal,
competência esta que é outorgada ao juiz da Vara das Execuções Penais. Trata-se de
tarefas distintas. Nada obsta, portanto, a ponderação da reincidência no âmbito da
execução penal do reeducando, ainda que não lhe tenha sido agravada a pena por
esse fundamento quando da prolação da sentença condenatória;52
III - cumprimento de ao menos 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se
o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa
ou grave ameaça: o inciso III do art. 112 da LEP, com redação determinada pela
Lei n. 13.964/19, assemelha-se ao inciso I do mesmo dispositivo por se referir ao
apenado primário, diferenciando-se, porém, pelo fato de que o crime em questão
deve ter sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça (v.g., roubo circuns­
tanciado pelo concurso de duas ou mais pessoas). Comparando com o regramento
anterior, em que se exigia o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena para apenas
primários condenados pela prática de crimes cometidos com violência à pessoa ou
grave ameaça, é forçoso concluir que estamos diante de regramento mais gravoso,
já que 25% (vinte e cinco por cento) equivale a 1/4 (um quarto) da pena. Logo, este
novo patamar terá aplicação restrita aos crimes cometidos após a vigência da Lei
n. 13.964/19 (23/01/2020), sob pena de violação ao princípio da irretroatividade da
lei penal mais gravosa;
IV - cumprimento de ao menos 30% (trinta por cento) da pena, se o apena­
do for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça:
à semelhança da hipótese anterior, também se trata de novatio legis in pejus, eis
que, na sistemática anterior ao Pacote Anticrime, bastava o cumprimento de 1/6
(um sexto) da pena no regime anterior. Para fins de incidência desse patamar de
30% (trinta por cento), não basta a reincidência genérica a que se refere o art. 63
do Código Penal. Na verdade, ante a redação expressa do dispositivo, o apenado
deve ser reincidente específico em crime cometido com violência à pessoa ou grave
ameaça. Não se exige a reincidência específica, ou seja, é prescindível que a conde­
nação posterior seja por crime idêntico ao da condenação anterior. Basta que ambos
os delitos tenham sido praticados com violência à pessoa ou grave ameaça (v.g.,
extorsão e roubo). Noutro giro, se a reincidência versar sobre crime de natureza
diversa - a título de exemplo, crime antecedente de roubo e subsequente de furto
qualificado, ou vice-versa -, revela-se indevida a aplicação do inciso IV do art. 112
da LEP. Ante o esquecimento do legislador quanto à situação desse reincidente ge­
nérico, parece-nos possível, com base no princípio do favor rei (ou favor libertatis),
a aplicação da seguinte solução, sempre levando-se em consideração o crime pelo
qual o indivíduo foi considerado reincidente: a) se o crime antecedente não tiver
sido cometido com violência ou grave ameaça (v.g., estelionato) e o subsequente
sim (v.g., extorsão), ter-se-á apenado reincidente, porém não específico em crime
violento. Como este crime violento foi o delito pelo qual foi declarado reincidente,

52 STJ, 3a Seção, EREsp 1.738.968/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 27/11/2019, DJe 17/12/2019.
306 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

aplica-se a fração da progressão de 25% (vinte e cinco) por cento do inciso III do
art. 112 da LEP. Poder-se-ia objetar, contra tal entendimento, que o agente não seria
“primário”, como exige o inciso III, daí por que o patamar ali previsto não seria
aplicável. Porém, diante da lacuna involuntária da lei, a “primariedade” a que se
refere tal dispositivo deve ser interpretada não apenas à luz do art. 63 do CP, mas
também em contraposição ao inciso IV, que faz remissão à reincidência em crime
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Por conseguinte, o “primário” do
inciso III deve abranger não apenas o apenado primário propriamente dito, mas
também o reincidente genérico; b) se o crime antecedente tiver sido cometido com
violência ou grave ameaça (v.g., roubo) e o subsequente não (v.g., furto qualificado),
tal indivíduo deve ser considerado reincidente em crime cometido sem violência à
pessoa ou grave ameaça, daí por que o quantum a ser observado é o do inciso II
do art. 112, qual seja, o de 20% (vinte por cento);
V - cumprimento de ao menos 40% (quarenta por cento) da pena, se o
apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for
primário: para os crimes cometidos após a vigência da Lei n. 11.464/07 (29/03/2007),
responsável pela nova redação então conferida ao revogado §2° do art. 2o da Lei n.
8.072/90, a progressão de regimes para condenados pela prática de crimes hediondos
e equiparados estava condicionada ao cumprimento de 2/5 (dois quintos), ou seja,
40% (quarenta por cento) da pena, se o indivíduo fosse primário. Logo, não houve
nenhuma mudança quantitativa decorrente da entrada em vigor do Pacote Anticrime.
Foi mantido o mesmo patamar de 40%, cuja aplicação, porém, está condicionada ao
fato de se tratar de apenado primário condenado pela prática de crime hediondo ou
equiparado53 sem resultado morte, eis que, neste caso, aplicar-se-á o quantum de 50%
(cinquenta por cento), ex vi do art. 112, inciso VI, alínea “a”, da LEP. Na eventuali­
dade de o indivíduo ser condenado por crimes hediondos (ou equiparados) e crimes
comuns, a progressão de regime deve ser calculada, no tocante àqueles, com base no
percentual correspondente (40%, 50%, 60% ou 70%) para, somando-se ao restante
da pena imposta, verificar se já houve o implemento do percentual correspondente
ao delito não hediondo, sempre levando-se em consideração o total da pena apli­
cada. Vejamos o exemplo citado por Masson:54 “João, primário, foi condenado a 10
(dez) anos de reclusão por estupro (crime hediondo), e a mais 14 (quatorze) anos,
por dois roubos com emprego de arma branca, em concurso material, totalizando
a pena de 24 (vinte e quatro) anos. Se presente o mérito, a progressão será possível
após 6 anos do início da execução da pena, pois ele terá cumprido ao menos 40%
da pena do crime hediondo (LEP, art. 112, V), ou seja, 4 anos, bem como 25% do
total da pena, percentual aplicável aos crimes cometidos com violência ou grave
ameaça (LEP, art. 112, III)”. Considerando-se que o inciso VII do art. 112 da LEP
exige o cumprimento de 60% da pena se o apenado for reincidente específico na

53 Os crimes hediondos, que serão objeto de análise na sequência, estão listados no art. 1o da Lei n. 8.072/90,
cuja redação foi sensivelmente alterada pelo Pacote Anticrime. Os delitos equiparados a hediondos são o
tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo. Como será visto adiante, para fins de progressão de regimes,
o tráfico de drogas privilegiado previsto no art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06 não é considerado crime
equiparado a hediondo (LEP, art. 112, §5°, incluído pela Lei n. 13.964/19).
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 307

prática de crime hediondo ou equiparado, indaga-se: qual seria, então, o critério de


progressão para o apenado que, embora tenha praticado crime hediondo (ou equi­
parado) sem resultado morte, for reincidente genérico, e não específico em crimes
dessa natureza? A nosso juízo, a reforma da sistemática da progressão de regime de
condenados promovida pelo Pacote Anticrime não disciplinou, de forma expressa, a
circunstância para progressão de pessoa condenada anteriormente por crime não
hediondo e, em seguida, por crime hediondo, ou seja, reincidente não específico
em crime dessa natureza. Logo, evidenciada a ausência de previsão legal, impõe-
-se ao Juízo da execução penal a integração da norma sob análise, de modo que,
dado o óbice à analogia in malam partem, é imperiosa a aplicação aos reincidentes
genéricos dos lapsos de progressão referentes aos sentenciados primários. Ainda
que provavelmente não tenha sido essa a intenção do legislador, é irrefutável que,
de lege lata, a incidência retroativa do art. 112, V, da Lei n. 7.210/84, quanto à
hipótese da lacuna legal relativa aos apenados condenados por crime hediondo
ou equiparado e reincidentes genéricos, instituiu conjuntura mais favorável que o
anterior lapso de 3/5 (três quintos), a permitir, então, a retroatividade da lei penal
mais benigna. É nesse sentido, aliás, a Tese de Recurso Especial Repetitivo fixada
no tema n. 1.084: “É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art.
112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido
crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em
delito de natureza semelhante”.55 Com entendimento semelhante, eis o teor da Tese
de Repercussão Geral fixada no tema n. 1.169: “Tendo em vista a legalidade e a
taxatividade da norma penal (art. 5o, XXXIX, CF), a alteração promovida pela Lei
13.964/2019 no art. 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60%
(inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão
de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem,
para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do art. 112 da LEP (lapso temporal
de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte
reincidente não específico”;56
VI - cumprimento de ao menos 50% (cinquenta por cento) da pena, se o
apenado for:
a. condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado
morte, se for primário, vedado o livramento condicional: na sistemática vigente
antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime, este apenado faria jus à progressão
com o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena no regime anterior. Doravante,
é dizer, em relação aos crimes hediondos ou equiparados com resultado morte (v.g.,
roubo qualificado pelo resultado morte - CP, art. 157, §3°, II, incluído pela Lei n.
13.654/18) cometidos a partir da vigência da Lei n. 13.964/19 (23/01/2020), o novo
quantum para fins de progressão será de 50% (cinquenta por cento), sendo vedada,
ademais, a concessão do livramento condicional;

55 Paradigma: STJ, 3a Seção, REsp 1.910.240/MG, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.05.2021, DJe 31.05.2021.
56 Paradigma: STF, Pleno, ARE 1,327.963/SP, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 17.09.2021.
308 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

b. condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organiza­


ção criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado: na
eventualidade de o indivíduo ser condenado pela prática do crime previsto no art.
2o, §3°, da Lei n. 12.850/13,57 e desde que a organização criminosa em questão tenha
sido estruturada para a prática de crimes hediondos ou equiparados, a progressão
de regime estará condicionada, sob o ponto de vista objetivo, ao cumprimento de
ao menos 50% (cinquenta por cento) da pena no regime anterior. Diversamente da
alínea “a”, não há qualquer distinção entre o primário e o reincidente. Nesse ponto,
é de todo relevante destacar que o Pacote Anticrime também introduziu mudanças
na Lei das Organizações Criminosas, seja para prever que as lideranças de orga­
nizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar
o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima, seja
para dispor que o condenado expressamente em sentença por integrar organização
criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá
progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou
outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a ma­
nutenção do vínculo associativo (Lei n. 12.850/13, art. 2o, §§8° e 9o, incluídos pela
Lei n. 13.964, de 2019);5859
60
c. condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada: à
semelhança da alínea anterior, o legislador não faz qualquer referência ao fato
de o condenado ser primário (ou não). Noutro giro, ao citar a rubrica marginal
ou nomen iuris do crime de “constituição de milícia privada”, queremos crer
que o legislador pretendeu se referir ao delito previsto no art. 288-A do CP,59
incluído pela Lei n. 12.720/12, como um todo, que abrange não apenas a milícia
particular propriamente dita, mas também as organizações paramilitares e gru­
pos ou esquadrões (grupos de extermínio). O novo patamar de 50% para fins
de progressão abrange, portanto, o indivíduo que for condenado pela associação
aos seguintes grupos:60 i) organização paramilitar: trata-se de associação civil
ou grupo não oficial, que atua paralalemente ao Estado (forças policiais e/ou
militares) de maneira ilegal, com o emprego de armas, com estrutura semelhan­
te à militar. De modo a atingir seus objetivos, essas organizações paramilitares
geralmente se utilizam de técnicas e táticas policiais oficiais por elas conhecidas,

57 Lei n. 12.850/13: Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pes­
soa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas
correspondentes às demais infrações penais praticadas. (...) §3° A pena é agravada para quem exerce o
comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de
execução".
58 As mudanças produzidas pelo Pacote Anticrime no âmbito da Lei das Organizações Criminosas serão objeto
de análise mais adiante.
59 CP: Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular,
grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena - re­
clusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.
60 Ao contrário da alínea anterior ("b"), a alínea "c" do inciso VI do art. 112 da LEP não demanda o exercício
de posição de comando na organização paramilitar, na milícia particular ou no grupo de extermínio, nem
tampouco que tal associação esteja estruturada para a prática de crimes hediondos ou equiparados.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 309

já que é muito comum que seus integrantes sejam policiais ou militares (ou ex-
-policiais e militares da reserva ou reformados);61 ii) milícia particular: ante
a ausência de uma definição legal do conceito de “milícia privada”, a doutrina
costuma apontar algumas características peculiares a esses grupos, tais como o
controle de um território e da população que nele habita por parte de um grupo
armado irregular, o caráter coativo desse controle, o ânimo de lucro individual
como motivação central, um discurso de legitimação referido à proteção dos
moradores e à restauração da segurança, e a participação ativa e reconhecida
dos agentes do Estado;62 iii) grupo ou esquadrão: à primeira vista, como o art.
288-A do CP refere-se à formação de grupo ou esquadrão com a finalidade de
praticar qualquer dos crimes previstos neste Código, poder-se-ia concluir que
sua criação estaria relacionada à prática de qualquer crime previsto no Códi­
go Penal. Fosse esta a melhor interpretação, o dispositivo seria esvaziado por
completo, já que seu conceito acabaria se confundindo com o próprio delito de
associação criminosa, com a única diferença de que, para fins de tipificação do
art. 288, caput, do CP, a associação tem o fim de cometer quaisquer crimes, não
necessariamente previstos no Código Penal, como ressalva o art. 288-A. Por isso,
o art. 288-A deve ser submetido a uma interpretação teleológica junto à Lei n°
12.720/12, para fins de se concluir que a finalidade da formação desse grupo
ou esquadrão está voltada à prática de crimes de extermínio de seres humanos.
Afinal, consta do enunciado da referida Lei que seu objetivo é dispor sobre o
crime de extermínio de seres humanos. Portanto, esse grupo ou esquadrão a que
se refere o art. 288-A deve ter como especial fim de agir o extermínio de seres
humanos, sendo formado por particulares e também por policiais autointitulados
de “justiceiros”. A palavra extermínio pode ser compreendida como a “chacina”,
o “aniquilamento”, a “destruição com mortandade de pessoas”. Esse extermínio
tem como característica principal a impessoalidade, isto é, mata-se uma pessoa
sem que o executor do delito sequer saiba seu nome. Na verdade, a vítima é
assassinada em virtude de alguma característica especial de natureza política,
social, religiosa, étnica, ou qualquer outro traço peculiar capaz de identificá-la
como membro de um grupo a ser exterminado (v.g., menores de rua, mendigos,
prostitutas etc.);
VII - cumprimento de ao menos 60% (sessenta por cento) da pena, se o
apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado: quando
ainda em vigor o §2° do art. 2o da Lei n. 8.072/90, o indivíduo condenado pela

61 Com entendimento semelhante: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 9a ed. Niterói/RJ:
Editora Impetus, 2013. p. 224.
62 São essas as características peculiares às milícias apontadas pelo sociólogo Ignácio Cano, citado no Relatório
Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Resolu­
ção n° 433/2008), destinada a investigar a ação dessas milícias naquele Estado. Para Cleber Masson (op. cit.
p. 477), milícia privada "é o agrupamento armado e estruturado de civis - inclusive com a participação de
militares fora das suas funções - com a pretensa finalidade de restaurar a segurança em locais controlados
pela criminalidade, em face da inoperância e desídia do Poder Público, e como recompensa são remunerados
por empresários e pelas pessoas em geral".
310 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

prática de crime hediondo ou equiparado que fosse reincidente era obrigado a


cumprir 3/5 (três quintos) da pena para fins de progressão de regimes. Como a
lei, à época, falava apenas em reincidência, sem fazer qualquer ressalva quanto
à espécie - genérica ou específica -, era dominante o entendimento de que seu
regramento era válido para ambas as hipóteses. Em sentido diverso, o inciso VII
do art. 112 da LEP, com redação determinada pelo Pacote Anticrime, é categórico
ao apontar o patamar de 60% (sessenta por cento) para o apenado reincidente
na prática de crime hediondo ou equiparado. Como se pode notar, trata-se de
reincidência específica em crimes dessa natureza, não necessariamente no mes­
mo delito, porém (v.g., estupro e estupro de vulnerável; homicídio qualificado
e terrorismo, etc.). Logo, na hipótese de se tratar de apenado já condenado
irrecorrivelmente por um crime qualquer (v.g., furto qualificado) que vier a
cometer novo delito, desta vez hediondo ou equiparado, não se revela possível
a aplicação do inciso VII do art. 112, devendo ser aplicado, à semelhança do
raciocínio anteriormente feito em relação ao inciso IV do art. 112, o patamar
previsto no inciso V, qual seja, 40% (quarenta por cento), desde que do crime
hediondo (ou equiparado) em questão não tenha resultado morte, hipótese esta
em que seria aplicável o percentual de 50% (cinquenta por cento) constante do
art. 112, VI, alínea “a”, da LEP;
VIII - cumprimento de ao menos 70% (setenta por cento) da pena, se
o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado
morte, vedado o livramento condicional: em conclusão, o inciso VIII do art.
112 da LEP, aí incluído por força da Lei n. 13.964/19, estabelece o critério mais
rigoroso para fins de progressão, qual seja, 70% (setenta por cento). Para tanto,
o apenado deve ser reincidente específico em crime hediondo ou equiparado
com resultado morte. É dispensável, portanto, que a condenação posterior seja
por delito idêntico ao da condenação anterior (v.g., homicídio qualificado e
latrocínio). Noutro giro, se a reincidência for genérica, ou, ainda que específica
em crimes hediondos ou equiparados, não versar sobre delitos dessa natureza
com resultado morte, não será possível a aplicação do inciso sob comento,
hipótese em que deverá ser aplicado o patamar previsto nos incisos V, VI,
“a”, e VII do art. 112 da LEP, a depender do caso concreto. Por exemplo, se o
indivíduo cometeu um crime hediondo (ou equiparado) com resultado morte
(v.g., homicídio qualificado consumado), e é reincidente em crime hediondo ou
equiparado, porém sem o resultado morte (v.g., tráfico de drogas), a progressão
dependerá do cumprimento de 60% da pena, ex vi do art. 112, VII, da LEP, eis
que estamos diante de condenado reincidente em crime hediondo ou equiparado.
Por se tratar de evidente exemplo de novatio legis in pejus, esse novo patamar
de 70% (setenta por cento) só poderá ser aplicado quando ambos os crimes -
originário e subsequente - forem cometidos após a vigência da Lei n. 13.964/19,
sob pena de violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 311

3.3.1.1. Progressão especial para gestante, mãe ou responsável por


crianças ou pessoas com deficiência
No caso de mulher gestante - como a lei não faz qualquer ressalva, pouco
importa se a gravidez é anterior ou posterior ao início do cumprimento da pena
- ou que for mãe ou responsável63 por crianças64 ou pessoas com deficiência,65
os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente (LEP, art. 112, §3°,
incluído pela Lei n. 13.769/18): I - não ter cometido crime com violência ou grave
ameaça à pessoa; II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor
do estabelecimento; IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, com­
provado pelo diretor do estabelecimento; V - não ter integrado organização crimi­
nosa. Conquanto o dispositivo fale impropriamente em “crianças” ou “pessoas com
deficiência”, a concessão dessa progressão especial não depende da maternidade (ou
responsabilidade) plural. Um único filho menor de 12 (doze) anos ou com deficiência
já será suficiente para a concessão do benefício. Outrossim, o cometimento de novo
crime doloso ou falta grave implicará a revogação de tal benefício (LEP, art. 112,
§4°, incluído pela Lei n. 13.769/18). Para tanto, não há necessidade de se aguardar o
trânsito em julgado de eventual sentença condenatória. Basta a existência de prova
robusta de que a apenada teria cometido o crime doloso ou fato definido como
falta grave, sem que se possa objetar qualquer violação ao princípio da presunção de
inocência, à semelhança, aliás, do que ocorre no caso do art. 118, inciso I, da LEP.
De se notar que não consta do art. 112, §3°, da LEP, qualquer menção à natu­
reza hedionda e equiparada (ou não) do delito, do que se conclui que, preenchidos
os requisitos aí elencados, será de rigor o deferimento da progressão, mesmo em
se tratando de crimes dessa natureza. Quando ainda em vigor o revogado §2° do
art. 2o da Lei n. 8.072/90, tal conclusão era mais evidente, eis que o dispositivo,
quando alterado pela Lei n. 13.768/18, mesmo diploma normativo que acrescentou
essa progressão especial ao art. 112, §3°, da LEP, dispunha expressamente que a
progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo,
dar-se-ia após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado fosse
primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§3° e 4o

63 Como destaca Masson (op. cit. p. 490), "se a mulher não for mãe da criança ou da pessoa com deficiên­
cia, a situação de responsável deve ser interpretada ampliativamente, abrangendo a guarda, a tutela e a
curatela, bem como situações informais em que a condenada era a única pessoa que cuidava da criança
ou da pessoa com deficiência (exemplo: vizinha que assumiu os cuidados de criança cujos pais foram
assassinados)". O autor também destaca que a "condenada não terá direito à progressão especial se tiver
sido judicialmente decretada sua suspensão ou destituição do poder familiar, por qualquer motivo diverso
do cumprimento da pena".
64 Lei n. 8.069/90: "Art. 2o. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa com até doze anos de
idade incompletos".
65 Lei n. 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): "Art. 2o. Considera-se pessoa com deficiência
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas". Nesse caso, pouco importa a idade da pessoa com
deficiência, leia-se, se se trata de criança, adolescente ou adulto.
312 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

do art. 112 da Lei de Execução Penal. Conquanto o referido dispositivo tenha sido
revogado pela Lei n. 13.964/19, consideramos que o mesmo entendimento deve ser
mantido. A uma porque, ao promover a introdução dessa progressão especial na
LEP, a Lei n. 13.768/18 claramente estendeu sua abrangência aos crimes hediondos
e equiparados, tanto é que alterou a redação do então vigente §2° do art. 2o da Lei
n. 8.072/90. A duas porque não consta do art. 112, §3°, da LEP, qualquer ressalva
quanto à natureza hedionda ou equiparada do crime. Ao revogar o §2° do art. 2o da
Lei n. 8.072/90, o Pacote Anticrime não teve a intenção de alterar a sistemática até
então vigente, fazendo-o tão somente com o objetivo de expurgar do ordenamento
jurídico os critérios objetivos para a progressão de regimes em crimes hediondos e
equiparados até então vigentes - 2/5 (dois quintos), se primário; 3/5 (três quintos),
se reincidente. Quisesse a Lei n. 13.964/19 restringir a concessão da progressão es­
pecial aos crimes hediondos e equiparados, deveria ter alterado a redação do §3° do
art. 112 da LEP. Se não o fez, ao intérprete não é dado fazê-lo, sob pena de odiosa
violação ao princípio da legalidade.66

3.3.1.2. Reparação do dano ou devolução do produto do ilícito praticado


como requisito objetivo para a progressão de regime nos crimes
contra a administração pública
Ainda em relação aos requisitos objetivos a serem preenchidos para fins de
progressão de regimes, especial atenção deve ser dispensada ao art. 33, §4°, do Có­
digo Penal, incluído pela Lei n. 10.763/03, segundo o qual o condenado por crime
contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da
pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto
do ilícito praticado.
Não há falar em suposta inconstitucionalidade desse dispositivo sob o argu­
mento de que se trata de prisão civil por dívida. Na verdade, cuida-se de importante
instrumento concebido pelo legislador de modo a coibir a prática de crimes contra
a Administração Pública. Como já se pronunciou o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, “é constitucional o art. 33, § 4o, do Código Penal, que condiciona a pro­
gressão de regime, no caso de crime contra a Administração Pública, à reparação do
dano ou à devolução do produto do ilícito. Tendo o acórdão condenatório fixado
expressamente o valor a ser devolvido, não há como se afirmar não se tratar de
quantia líquida. A alegação de falta de recursos para devolver o dinheiro desviado
não paralisa a incidência do art. 33, § 4o, do Código Penal. O sentenciado é devedor
solidário do valor integral da condenação. Na hipótese de celebração de ajuste com
a União para pagamento parcelado da obrigação, estará satisfeita a exigência do art.
33, § 4o, enquanto as parcelas estiverem sendo regularmente quitadas”.67

66 Em sentido diverso, Masson (Op. cit. p. 491) entende que na hipótese de crime hediondo ou equiparado,
deverão ser respeitados os índices de 40%, 50%, 60% ou 70%, dependendo da primariedade ou reinci­
dência, e de eventual resultado morte (LEP, art. 112, V, VI, "a", VII e VIII).
67 STF, Pleno, EP 22 ProgReg-AgR/DF, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 17/12/2014, DJe 52 17/03/2015. Com en­
tendimento semelhante: STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.786.891/PR, Rei. Min. Felix Fischer, DJe 23/09/2020.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 313

Todavia, para que essa reparação do dano (ou devolução do produto do ilí­
cito) prevista no art. 33, §4°, do CP faça parte da execução penal, condicionando
a progressão de regime, é indispensável que conste expressamente da sentença
condenatória, de forma individualizada e em observância ao princípios do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório, sob pena de se ter verdadeira
revisão criminal contra o condenado. Partindo da premissa de que a execução penal
deve guardar relação com o título condenatório firmado no juízo de conhecimento,
ao Juízo da Execução Penal não é dado agregar como condição para a progressão
capítulo condenatório expressamente decotado.68

3.3.2. Requisitos subjetivos


Em todos os casos acima enumerados - incisos I a VIII do art. 112 da LEP -,
o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária,
comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a
progressão.69 É exatamente nesse sentido, aliás, o teor do art. 112, §1°, da Lei de
Execução Penal, com redação dada pela Lei n. 13.964/19, o qual reproduz, grosso
modo, o quanto previsto na parte final da antiga redação do art. 112, caput, da LEP.
Pelo menos em regra, esse bom comportamento deverá ser aferido pelo juízo
da execução com base em atestado fornecido pelo diretor do estabelecimento pri­
sional, certificando a ausência de registro de falta disciplinar (leve, média ou grave)
no prontuário do preso.70 Afinal, a prática de falta grave no curso da execução penal
constitui fundamento idôneo para negar a progressão de regime, ante a ausência de
preenchimento do requisito subjetivo.71 Se, todavia, se tratar de falta grave cometida
em período longínquo e já reabilitada, não há motivos para se indeferir o pedido de
progressão de regime, respeitando-se, assim, não apenas o princípio da razoabilidade
e da ressocialização da pena, mas também o próprio direito ao esquecimento.72
Não se trata, porém, o atestado emitido pelo diretor da unidade prisional, de
prova absoluta. Fosse assim, transferir-se-ia a competência para conceder a pro­
gressão do Poder Judiciário ao diretor do estabelecimento prisional. Logo, o ideal é
concluir que tal atestado funciona apenas como um elemento mínimo de formação

68 STJ, 5a Turma, HC 686.334/PE, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 14.09.2021, DJe 20.09.2021.
69 A título de exemplo de norma que veda a progressão, podemos citar o art. 2o, §9°, da Lei n. 12.850/13,
incluído pelo Pacote Anticrime. Para mais detalhes acerca do referido dispositivo, inclusive no tocante a
sua (in) constitucionalidade à luz do princípio da individualização da pena na fase da execução penal,
remetemos o leitor aos comentários ao tópico "vedação da progressão".
70 Negando a progressão de regimes a apenado com histórico prisional maculado pelo total de nove atos
de indisciplina, consistentes em tumultos, agressão a sentenciado, posse de celular, abandono, apreensão
de entorpecentes: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 660.197-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 17.08.2021, DJe
25.08.2021.
71 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 545.048-RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 20.02.2020, Dje 05.03.2020; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 550.407-SC, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 18.02.2020, Dje 27.02.2020.
72 STJ, 5a Turma, HC 544.368-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 05.12.2019, DJe 17.12.2019; STJ,
5a Turma, AgRg no REsp 1.834.964-RS, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 21.11.2019, DJe 29.11.2019; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 504.294-SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 03.09.2019, DJe 12.09.2019; STJ, 6a Turma, HC
505.302-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 25.06.2019, DJe 01.07.2019.
314 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

do convencimento do magistrado, que não só pode, como deve, se assim reputar


necessário, se valer de outros fatores para avaliar a capacidade provável de adaptação
do condenado ao regime menos severo.73
A propósito, em sua redação originária - antes da Lei n. 10.792/03 -, o art.
112 da LEP dispunha que a progressão do regime carcerário estava condicionada
à emissão de parecer prévio da Comissão Técnica de Classificação e à realização
de exame criminológico. Com a vigência da Lei n. 10.792/03, tais exigências foram
suprimidas, limitando-se o legislador a exigir, no tocante ao aspecto subjetivo, apenas
o bom comportamento carcerário atestado pela direção do estabelecimento peniten­
ciário. Sem embargo da modificação legislativa, os Tribunais Superiores entendem
que o silêncio da LEP não impede que o juiz determine a realização de tais exames
para aferir o mérito do agente (CP, art. 33, §2°), desde que o faça de maneira fun­
damentada. Prova disso, aliás, é o teor da súmula vinculante n. 26 (“Para efeito de
progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado,
o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2o da Lei n. 8.072/90,
de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não,
os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim,
de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”} e da súmula n. 439
do STJ (‘‘Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que
em decisão motivada”).74

3.3.2.I. (Im) possibilidade de reaquisição do bom comportamento para


fins de progressão de regimes
Quando aprovado pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei n. 6.341, de
2019 (10.372/18 na Câmara dos Deputados), que deu origem à Lei n. 13.964/19,
previa, no §7° do art. 112 da LEP, que o bom comportamento seria readquirido
após 1 (um) ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do re­
quisito temporal exigível para a obtenção do direito. Ocorre que o dispositivo
acabou sendo vetado pelo Presidente da República, nos seguintes termos: “A
propositura legislativa, ao dispor que o bom comportamento, para fins de pro­
gressão de regime, é readquirido após um ano da ocorrência do fato, ou antes,
após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito,
contraria o interesse público, tendo em vista que a concessão da progressão de
regime depende da satisfação de requisitos não apenas objetivos, mas, sobretudo
de aspectos subjetivos, consistindo este em bom comportamento carcerário, a ser
comprovado, a partir da análise de todo o período da execução da pena, pelo

73 No sentido de que a noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos


que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero
homologador de documentos administrativos: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 660.197-SP, Rei. Min. Rogério
Schietti Cruz, j. 17.08.2021, DJe 25.08.2021.
74 Para mais detalhes acerca da (im) possibilidade de o juízo da execução penal determinar a realização
do exame criminológico por ocasião da concessão de benefícios prisionais (v.g., progressão de regimes),
remetemos o leitor ao capítulo referente à classificação do condenado e do internado.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 315

diretor do estabelecimento prisional. Assim, eventual pretensão de objetivação


do requisito vai de encontro à própria natureza do instituto, já pré-concebida
pela Lei n° 7.210, de 1984, além de poder gerar a percepção de impunidade com
relação às faltas e ocasionar, em alguns casos, o cometimento de injustiças em
relação à concessão de benesses aos custodiados.” Sem embargo do acertado
veto presidencial, o Congresso Nacional deliberou por rejeitá-lo, acrescentando,
assim, ao art. 112 da LEP, o §7° acima citado.
Há de se tomar certa cautela com a correta exegese do dispositivo sob comento.
Isso porque, apesar de fazer referência expressa à reaquisição do bom comportamento,
o que o dispositivo pretende dizer na verdade é que, nas duas hipóteses ali men­
cionadas, o indivíduo estará reabilitado a pleitear eventual progressão, mas desde
que ostente boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento.
Impõe-se, pois, verdadeira interpretação sistemática do §7° do art. 112 da LEP à
luz do §1° do mesmo dispositivo legal, sob pena de esvaziamento da própria aná­
lise do requisito subjetivo inerente à progressão de regimes. Trabalha-se, in casu,
com a premissa de que não se pode admitir a perpetuação dos efeitos de eventuais
faltas cometidas pelo condenado ao longo de todo o período de execução da pena,
invocando-as como óbice à progressão de regimes. Em outras palavras, se descabe
eternizar o plus, que seriam as penas, quanto mais o minus, ou seja, as sanções
disciplinares, nos exatos termos do art. 5o, XLVII, “b”, da Constituição Federal. É
dentro desse contexto que o art. 112, §7°, da LEP, incluído pela Lei n. 13.964/19,
passa a prever duas hipóteses diversas para a depuração de eventuais faltas cometidas
pelo apenado no curso da execução da pena:
i. 1 (um) ano após a ocorrência do fato: nessa primeira hipótese, o dispositivo
estabelece um prazo peremptório para a reabilitação de eventuais faltas (ou caducidade
da falta praticada pelo apenado), qual seja, 1 (um) ano após a ocorrência do fato.
Esse lapso temporal de 12 (doze) meses sem faltas já vinha sendo corriqueiramente
empregado nos decretos de indulto e de comutação como exigência à concessão dos
benefícios, bem como em diversas normas estaduais (v.g., Resolução n. 144, de 29
de junho de 2010, da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São
Paulo), assentando, a contrario sensu, a neutralidade dos incidentes disciplinares
anteriores ao mencionado prazo. Como o dispositivo não faz qualquer ressalva
quanto à natureza desse “fato”, é de se concluir que, independentemente da sua
natureza, leia-se, ainda que caracterize uma falta disciplinar leve, média ou grave,
o decurso do prazo, por si só, terá o condão de depurar o fato, sem a possibilidade
de invocá-lo para negar a progressão de regimes. Como o dispositivo é explícito ao
afirmar que o bom comportamento é readquirido após 1 (um) ano da ocorrência
do fato, a contagem da depuração deve se dar do exato momento do cometimento
da falta, e não da imposição, e muito menos do cumprimento da sanção disciplinar
correspondente. Na prática, então, o “bom comportamento” deixa de ter por objeto
a análise da integralidade do período de execução da pena, focando tão somente,
pelo menos em tese, no período de um ano imediatamente anterior à concessão
do benefício;
316 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

ii. até mesmo antes desse período de 1 (um) ano, se acaso tiver havido o
cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito: como
exposto anteriormente, ao dispor que o bom comportamento será readquirido
inclusive antes do decurso de 1 (um) ano após a ocorrência do fato, desde que
tenha havido o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do
direito, fica a impressão, à primeira vista, que sequer haveria a necessidade de
se aferir qualquer requisito subjetivo por parte do condenado. Afinal, o próprio
dispositivo prevê que o preenchimento dos requisitos objetivos necessários à
progressão - art. 112, incisos I a VIII, da LEP -, isoladamente considerado, já
teria o condão de outorgar ao condenado o “bom comportamento” necessário à
progressão de regime. Ter-se-ia, assim, uma presunção absoluta de que o preen­
chimento dos requisitos objetivos, de per si, traria como consequência inexorável
a reabilitação do condenado. Essa interpretação, todavia, vem na contramão do
próprio Código Penal, cujo art. 33, §2°, prevê que as penas privativas de liberdade
deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado.
Atentaria, ademais, contra o próprio princípio da individualização da pena, em
sua fase executória, porquanto autorizaria, em tese, a progressão de regimes
diante do mero cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do
direito (requisito objetivo), independentemente de uma efetiva e apurada análise
da presença de bom comportamento (requisito subjetivo). Destarte, sob pena de
esvaziamento do requisito subjetivo, inerente ao próprio sistema progressivo, o
ideal é interpretar o art. 112, §7°, in fine, da LEP, em conjunto com o §1° do
mesmo dispositivo normativo, o qual, como visto anteriormente, é categórico
ao dispor que o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa
conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento. Em síntese:
admite-se, mesmo antes do decurso do prazo de 1 (um) ano da ocorrência do
fato, na hipótese de cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção
da progressão de regime, a possibilidade de reaquisição do bom comportamento,
cuja presença no caso concreto, todavia, continua condicionada à manifestação
positiva do diretor do estabelecimento prisional (LEP, art. 112, §1°, com redação
dada pela Lei n. 13.964/19).

3.4. Progressão para o regime aberto


Também deverá ser posto em regime aberto o condenado em regime semiaber­
to que tiver preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos necessários à progressão
(LEP, art. 112). Para tanto, porém, há necessidade de observância de alguns requisitos
adicionais:
a. Aceitação do programa e das condições impostas pelo juiz: consoante
disposto no art. 113 da LEP, o ingresso do condenado em regime aberto supõe
a aceitação de seu programa e das condições impostas pelo Juiz. Logo, na even­
tualidade de o condenado se recusar expressamente a aceitá-los, ou se deduzir,
diante do seu comportamento, que não os aceita, outra opção não terá o Juízo da
Execução, senão lhe negar a progressão. O programa a que se refere o art. 113 da
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 317

LEP é estabelecido na lei federal ou local para a prisão albergue ou outra espécie
de regime aberto. As condições impostas pelo juiz, por sua vez, subdividem-se
da seguinte forma:
a.l. Condições gerais ou obrigatórias: partindo da premissa de que, uma
vez deferida a progressão para o regime aberto, o condenado será colocado em
liberdade por várias horas por dia, é intuitivo que o legislador estabelecesse
certas condições de modo a permitir um maior e melhor controle do curso da
execução. Dentro desse contexto, para além de condições especiais que podem
ser fixadas, facultativamente, pelo Juízo da Execução, deverão ser fixadas as
seguintes condições gerais e obrigatórias: i. permanecer no local em que for
designado, durante o repouso e nos dias de folga; ii. sair para o trabalho e
retornar, nos horários fixados; iii. não se ausentar da cidade onde reside, sem
autorização judicial; iv. comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas
atividades, quando for determinado: na visão do STJ, o período de suspensão
do dever de apresentação mensal em juízo, em razão da pandemia de Covid-19,
pode ser reconhecido como pena efetivamente cumprida.75 Ora, se a suspensão
do dever de apresentação mensal em Juízo foi determinada pelo magistrado em
cumprimento à Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (art.
5o, V), decorrentes da situação de pandemia, circunstância alheia à vontade do
paciente, não se mostra razoável o prolongamento da pena sem que tenha sido
evidenciada a participação do apenado em tal retardamento. Há de se computar,
portanto, o período de dispensa temporária do cumprimento de penas e medi­
das alternativas de cunho pessoal e presencial - como a prestação de serviços à
comunidade, o comparecimento em juízo etc. - durante o período da pandemia,
como período de efetivo cumprimento, considerando que a sua interrupção
independe da vontade da pessoa em cumprimento, decorrendo diretamente de
imposição determinada por autoridades sanitárias;
a.2. Condições especiais ou facultativas: para além dessas condições gerais
e obrigatórias, o caput do art. 115 da LEP também autoriza a fixação de outras
condições especiais pelo magistrado, que deve se valer de sua discricionariedade
para adotar medidas adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. Al­
guns exemplos podem ser citados: submeter-se a tratamento de desintoxicação;
frequentar cursos de reabilitação de alcoolismo; frequentar curso de habilitação
profissional ou de instrução escolar etc. Tais condições não podem excluir ou
restringir direitos constitucionais, nem tampouco permitir a imposição de con­
dições vexatórias ou que atinjam a integridade física ou a dignidade da pessoa
humana. Por esse motivo, já se reconheceu a ilegalidade das seguintes condições:
proibição de frequentar cultos religiosos; doação de sangue a cada seis meses;
impor a um médico a obrigação de auxiliar na limpeza de Delegacia de Polícia
etc. Como denota a súmula n. 493 do STJ, não é possível a aplicação de penas
restritivas de direitos como condições especiais do regime aberto. As condições

75 STJ, 6a Turma, HC 657.382-SC, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 27.04.2021.


318 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

a serem cumpridas pelo condenado durante o cumprimento da pena no regime


aberto funcionam como restrições ao seu comportamento social e não se identi­
ficam com as modalidades de sanção disciplinadas no Código Penal, aí incluídas
as penas restritivas de direitos (CP, art. 44). Referidas condições são predispostas
não para punir o acusado, mas para demonstrar sua autodisciplina e senso de
responsabilidade na busca da extinção da punibilidade, como prova de sua res-
socialização. Ademais, é o próprio art. 115 da LEP que estabelece a possibilidade
de especificação de outras condições, e não de outras penas. Inviável, portanto,
a fixação de penas restritivas de direitos, como a prestação pecuniária, a perda
de bens e valores, a prestação de serviço à comunidade, a interdição temporária
de direitos e a limitação de fim de semana.76 Nessa linha, eis o teor da Tese de
Recurso Especial Repetitivo fixada no tema n. 20: “É lícito ao Juiz estabelecer
condições especiais para a concessão do regime aberto, em complementação da­
quelas previstas na LEP (art. 115 da LEP), mas não poderá adotar a esse título
nenhum efeito já classificado como pena substitutiva (CP, art. 44), porque aí
ocorrería o indesejável bis in idem, importando na aplicação de dúplice sanção”.77
Em conclusão, por estarmos diante de condições facultativas, e não obrigatórias,
nada impede sua ulterior modificação. De fato, consoante disposto no art. 116
da LEP, o Juízo da Execução poderá modificar as condições estabelecidas, de
ofício, a requerimento do Ministério Público (fiscal da execução), da autoridade
administrativa (Diretor da Casa do Albergado) ou do condenado, desde que as
circunstâncias assim o recomendem;
b. Comprovação de trabalho: somente poderá ingressar no regime aberto
o condenado que estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo
imediatamente (LEP, art. 114, I). Ao se referir ao condenado que estiver traba­
lhando, o legislador refere-se, obviamente, ao preso do regime aberto que já vinha
trabalhando fora do presídio. Para aquele preso que ainda não desempenhava
qualquer atividade extramuros, será necessário comprovar a possibilidade de
fazê-lo imediatamente. Como se pode notar, não basta que o condenado tenha
aptidão física para trabalhar. Para além disso, é necessário que comprove a exis­
tência de uma oferta idônea de emprego. Poderão ser dispensadas, todavia, dessa
obrigação de trabalhar, as pessoas referidas no art. 117 da LEP, ou seja, condenado
maior de 70 (setenta) anos, condenado acometido de doença grave, condenada
com filho menor ou deficiente físico ou mental, e condenada gestante (LEP, art.
114, parágrafo único). Quanto ao estrangeiro, convém lembrar que, pelo menos
até o advento da nova Lei de Migração, entendia-se que este não poderia obter
o benefício da prisão albergue, dada a impossibilidade de exercício de atividade
laborativa remunerada fora do estabelecimento prisional, requisito essencial para
o cumprimento da pena em regime aberto à luz do art. 114, I, da LEP. O regime

76 No sentido de que não é possível impor a prestação de serviços à comunidade (pena substitutiva) como
condição especial à concessão do regime prisional aberto, sob pena de bis in idem: STJ, 5a Turma, HC
228.668/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 15/03/2012, DJe 22/03/2012.
77 Paradigma: STJ, 3a Seção, REsp 1.107.314-PR, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13.12.2020.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 319

aberto também não lhe era concedido quando havia decreto de expulsão, já que a
transferência poderia colocar em risco a execução do decreto e o próprio resgate
do restante da pena. Ocorre que a Lei n. 13.445/17 passou a dispor, expressamen­
te, que o processamento da expulsão, em caso de crime comum, não prejudica o
cumprimento da pena, a progressão de regime e o gozo de quaisquer benefícios a
serem concedidos em igualdade de condições ao condenado nacional (art. 54, §3°).
A nova Lei de Migração também prevê que o estrangeiro tem autorização para
trabalhar quando se cuidar de exigência do regime prisional em que se encontrar,
e que é admissível a autorização de residência quando estiver no cumprimento
de pena (art. 30, II, “h”, e §2°);
c. Prognóstico de adaptação ao novo regime: em decorrência da liberdade
de locomoção concedida por várias horas por dia ao condenado que progride do
regime semiaberto para o aberto, há de se tomar extrema cautela. Por isso, para
além da aceitação do programa e das condições impostas pelo juiz, da comprova­
ção de que está trabalhando ou que tem a possibilidade de fazê-lo imediatamente,
também se revela necessário que o condenado apresente, por seus antecedentes
ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá
ajustar-se com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime (LEP,
art. 114, II). Para tanto, não basta a comprovação de que o condenado não se
envolveu em outros inquéritos policiais ou processos penais, nem tampouco que
não foi punido por faltas disciplinares de natureza leve, média ou grave. Na ver­
dade, a compatibilidade da progressão também precisa ser comprovada a partir
da análise dos resultados dos exames a que o condenado foi submetido no curso
da execução da pena.

3.5. Questões controvertidas


Ainda em relação à progressão de regimes, especial atenção deve ser dispensada
a diversas questões controversas.

3.5.7. (Des) necessidade de fundamentação e oitiva das partes

Com o objetivo de afastar quaisquer controvérsias acerca do assunto, o


art. 112, §2°, da LEP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19, dispõe expres­
samente que “a decisão do juiz que determinar a progressão de regime será
sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do
defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento
condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos
nas normas vigentes”.
320 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.5.2. Quantum de pena a ser levado em consideração para fins de


progressão de regimes quando aplicada pena superior a 40
(quarenta) anos
De nada adiantaria a Constituição Federal proibir a prisão perpétua (art. 5o,
XLVII, “b”), se fosse possível que alguém fosse condenado ao cumprimento efetivo
de uma pena privativa de liberdade de 60 (sessenta), 70 (setenta) anos, ou mais. Por
isso, o art. 75, caput, do Código Penal, em sua redação original, preceituava que o
tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não poderia ser superior
a 30 (trinta) anos.
Atento, porém, ao sensível aumento da expectativa de vida dos brasileiros - em
1940, esta era, em média, de 45,5 anos, ao passo que, em 2018, pulou para 76,3 anos,
segundo dados do IBGE -,78 o Pacote Anticrime alterou a redação do referido dis­
positivo para dispor que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade
não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. Por se tratar de evidente exemplo de
norma penal mais gravosa, a nova redação do art. 75, caput, do CP, não poderá ser
aplicada aos fatos delituosos cometidos antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19
(23/01/2020), sob pena de evidente violação ao princípio da irretroatividade da lex
gravior (CF, art. 5o, XL). Há precedente do STF nesse sentido: após asseverar que o
Estado estrangeiro que requer extradição deve assumir o compromisso de observar
o tempo máximo de cumprimento de pena previsto no ordenamento jurídico bra­
sileiro à época dos fatos delituosos atribuídos ao extraditando, concluiu a Ia Turma
do STF que o limite temporal fixado pela Lei 13.964/19 em 40 anos aplicar-se-ia
somente em relação a crimes imputados ao extraditando praticados após a entrada
em vigor desse diploma legal, já que se trata de norma de conteúdo material, razão
pela qual incide o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa inscrito
no art. 5o, XL, da Constituição Federal.79
Importante não confundir esse limite máximo de cumprimento de pena com o
tempo máximo de condenação, que pode ser superior a 40 (quarenta) anos. Deveras,
a depender do caso concreto, é perfeitamente possível que alguém seja condenado a
uma pena superior a esse patamar em virtude da prática de crimes diversos. Nesse
caso, incumbe ao juiz das execuções (LEP, art. 66, III, “a”) proceder à unificação
das penas, nos termos do §1° do art. 75 do Código Penal, com redação dada pela
Lei n. 13.964/19: “Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade
cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender
ao limite máximo deste artigo”.
Essa unificação das penas prevista no art. 75, §1°, do CP, leia-se, a transformação
de várias penas em uma única, refere-se exclusivamente ao cumprimento da pena,
não se aplicando a benefícios da execução penal, como, por exemplo, a progressão
de regimes. Por consequência, na hipótese de alguém ser condenado pela prática
de crime diversos a pena superior a 40 (quarenta) anos de reclusão, o cálculo da

78 . Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9126-tabuas-completas-de-


-mortalidade.html?=resultados&t=o-que-e> Acesso em: 24/03/2020 às 06:45.
79 STF, 1a Turma, Ext 1.652/Governo do Chile, Rei. Min. Rosa Weber, j. 19.10.2021.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 321

progressão deve ser feito com base na reprimenda aplicada, e não sobre o máximo
de 40 (quarenta) anos de que trata o art. 75 do Código Penal, que se refere ao li­
mite de tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade. É nesse sentido,
aliás, o teor da súmula n. 715 do STF (“A pena unificada para atender ao limite
de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é
considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional
ou regime mais favorável de execução”), cujos fundamentos continuam válidos,
cabendo tão somente interpretá-la em sintonia com o novo limite de 40 (quarenta)
anos fixado pelo Pacote Anticrime.80

3.5.3. Segunda progressão

Questão polêmica diz respeito à segunda progressão, ou seja, à situação em


que, por exemplo, determinado indivíduo, primário, e condenado pela prática de
crime sem violência ou grave ameaça à pessoa à pena de 8 (oito) anos e 4 (quatro)
meses, der início ao cumprimento da pena no regime fechado, obtendo, depois do
cumprimento de 16% do total da pena - 1 (um) ano e 4 (quatro) meses -, direito
à progressão para o semiaberto, pretendendo, agora, a progressão para o regime
aberto. Em tal hipótese, indaga-se: o percentual de 16% deverá incidir, mais uma
vez, sobre o total da pena imposta - no nosso exemplo, 8 (oito) anos e 4 (quatro)
meses -, ou, em sentido contrário, deve levar em consideração apenas o restante da
pena a ser cumprida (7 anos)?
Conquanto parte da doutrina sustente a tese que deve ser considerado o total
da pena, mesmo em se tratando de uma segunda progressão, é dominante o en­
tendimento no sentido de que, nesse caso, há de ser cumprido tão somente 16%
(dezesseis por cento) do restante da pena. Isso porque “pena cumprida é pena extin­
ta”, ou seja, “o percentual já pago ao Estado não pode mais servir como parâmetro
para o cálculo do período legalmente exigido”.81 Logo, valendo-se mais uma vez
do exemplo citado, o quantum de 16% necessário para a segunda progressão, desta
vez para o regime aberto, deverá ser calculado sobre 7 (sete) anos, e não sobre 8
(oito) anos e 4 (quatro) meses.82
Em tal hipótese, sempre se entendeu que o tempo de cumprimento da pena,
calculado sobre a pena restante para fins de nova progressão de regime, deveria ser
computado a partir da data da decisão que tivesse deferido a progressão anterior,
desprezando-se a data da efetiva transferência do condenado ao estabelecimento penal
adequado. Mais recentemente, porém, recentes decisões dos Tribunais Superiores
têm concluído que a data-base para a segunda progressão deve retroagir ao dia em
que o condenado satisfez os requisitos legais para a primeira progressão. Ora, em

80 STF, 2a Turma, HC 84.766/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 11/09/2007, DJe 74 24/04/2008.
81 MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral (arts. 1o a 120). 14a ed. São Paulo: Método, 2020. p. 488.
82 Como já havia se pronunciado o STF em momento anterior ao Pacote Anticrime, "a nova progressão no
regime de cumprimento da pena se fará, ante o critério, considerado o percentual de um sexto a incidir
sobre os anos que restam a cumprir" (STF, RHC 89.031/RS, Rei. Min. Carlos Britto, j. 28/11/2006, DJe 092
30/08/2007.
322 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

casos de punição disciplinar, o STJ determina que a data-base para nova progressão
de regime será contada a partir do dia da falta grave, e não do dia em que for pu­
blicada a decisão que a reconhece judicialmente. Logo, na situação de progressão de
regime, a regra deverá ser a mesma. O sistema progressivo da execução penal não
pode ser erigido em detrimento do apenado em casos específicos de mora judiciária.
A teor de julgados do Supremo Tribunal Federal, a decisão do Juízo das Execuções
que defere a progressão de regime é meramente declaratória, e não constitutiva.
Primeiramente o reeducando preenche os requisitos objetivo e subjetivo e, depois,
pronunciamento judicial reconhece seu direito ao benefício. Embora a análise célere
do pedido seja o ideal, é cediço que a providência jurisdicional não ocorre dessa
forma e, por vezes, pode demorar meses ou anos para ser implementada. Por tais
motivos, o período de permanência no regime mais gravoso, por mora do Judiciário
em analisar requerimento de progressão ao modo intermediário de cumprimento
da pena, deverá ser considerado para o cálculo de futuro benefício, sob pena de
ofensa ao princípio da dignidade do apenado, como pessoa humana (art. Io, III,
CF) e prejuízo ao seu direito de locomoção. Portanto, o marco para a subsequente
progressão deve ser a data em que o reeducando preencher os requisitos legais do
art. 112 da LEP, e não aquele da efetiva inserção no regime intermediário.83

3.5.4. Superveniência de nova condenação


A superveniência de sentença criminal veda a progressão de regimes, mesmo
que eventualmente já deferida pelo juízo da execução penal, quando a nova pena
tiver que ser cumprida em regime mais rigoroso. A título de exemplo, se ao apenado
fora concedida a progressão para o regime semiaberto, mas, na sequência, sobrevêm
uma pena a ser cumprida no regime fechado, ter-se-á como inviabilizada a passagem
para o regime mais brando. Como já se pronunciou o STF, “(•••) a unificação de
penas decorrente de condenação transitada em julgado, durante o cumprimento de
reprimenda atinente a outro crime, altera a data-base para a obtenção de benefícios
executórios e progressão de regime, a qual passa a ser contada a partir da soma da
nova condenação e tem por parâmetro o restante da pena a ser cumprido”.84
Logo, na hipótese de superveniência de nova condenação, por crime praticado
antes ou durante a execução, o condenado terá direito à progressão tão somente
quando preenchidos os requisitos legais, entre eles o cumprimento do respectivo
percentual da pena (v.g., 16%, 20%, 25% etc.), a depender do caso concreto. A Lei
de Execução Penal não fixa, todavia, a partir de quando deve ser contado o tempo
necessário para a progressão ao regime mais brando. Aos olhos da doutrina, há
de se trabalhar com a seguinte lógica: caso não haja modificação do regime com
a adição da nova pena, o condenado deverá cumprir o respectivo percentual com­

83 STJ, 5a Turma, AgRg no RESp 1,582.285/MS, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 09.08.2016, DJe 24.08.2016; STJ, 6a
Turma, HC 369.774/RS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 22/11/2016, DJe 07/12/2016; STJ, 5a Turma, HC
414.156/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 21.11.2017, DJe 29.11.2017.
84 STF, 1a Turma, HC 100.499/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 26/10/2010, DJe 228 26/11/2010. No mesmo
contexto: STF, Ia Turma, HC 96.824/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 12/04/2011, DJe 86 09/05/2011.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 323

putado sobre a soma do restante da pena em cumprimento com a nova sanção; se,
no entanto, ocorrer a regressão, o percentual adequado deverá ser contado a partir
da transferência, tendo como base para o cálculo o que resta da soma das penas a
serem cumpridas.85
Há, todavia, precedentes do STJ no sentido da inadmissibilidade de alteração
da data-base para a concessão de benefícios durante a execução penal, inclusive a
progressão de regime prisional, em face da superveniência do trânsito em julgado
de sentença condenatória. A propósito, confira-se: “(•••) A superveniência de nova
condenação no curso da execução penal enseja a unificação das reprimendas im­
postas ao reeducando. Caso o cpiantum obtido após o somatório torne incabível o
regime atual, está o condenado sujeito a regressão a regime de cumprimento de
pena mais gravoso, consoante inteligência dos arts. 111, parágrafo único, e 118, II,
da Lei de Execução Penal. A alteração da data-base para concessão de novos bene­
fícios executórios, em razão da unificação das penas, não encontra respaldo legal.
Portanto, a desconsideração do período de cumprimento de pena desde a última
prisão ou desde a última infração disciplinar, seja por delito ocorrido antes do iní­
cio da execução da pena, seja por crime praticado depois e já apontado como falta
disciplinar grave, configura excesso de execução. Caso o crime cometido no curso da
execução tenha sido registrado como infração disciplinar, seus efeitos já repercutiram
no bojo do cumprimento da pena, pois, segundo a jurisprudência consolidada do
Superior Tribunal de Justiça, a prática de falta grave interrompe a data-base para
concessão de novos benefícios executórios, à exceção do livramento condicional, da
comutação de penas e do indulto. Portanto, a superveniência do trânsito em julgado
da sentença condenatória não poderia servir de parâmetro para análise do mérito
do apenado, sob pena de flagrante bis in idem. O delito praticado antes do início
da execução da pena não constitui parâmetro idôneo de avaliação do mérito do
apenado, porquanto evento anterior ao início do resgate das reprimendas impostas
não desmerece hodiernamente o comportamento do sentenciado. As condenações
por fatos pretéritos não se prestam a macular a avaliação do comportamento do
sentenciado, visto que estranhas ao processo de resgate da pena”.86

3.5.5. (Im) possibilidade de progressão de regimes para presos cautelares


Não se trata, a progressão de regimes, de benefício exclusivo dos presos penais,
é dizer, daqueles que têm contra si sentença condenatória transitada em julgado. Na
verdade, sendo necessária a manutenção ou a decretação da prisão cautelar do acu­
sado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, em virtude da presença
de uma das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, nada impede a concessão
antecipada dos benefícios da execução penal, dentre eles a progressão de regimes.
De fato, supondo que já tenha se operado o trânsito em julgado da sentença con­
denatória para o Ministério Público, mas ainda pendente recurso da defesa, é certo
que, por força do princípio da non reformatio in pejus, a pena imposta ao acusado

85 MIRABETE. Op. cit. p. 409.


86 STJ, 3a Seção, REsp 1.557.461/SC, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 22/02/2018, DJe 15/03/2018.
324 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

não poderá ser agravada (CPP, art. 617, infine). Logo, estando o cidadão submetido
à prisão cautelar, justificada pela presença dos requisitos dos arts. 312e313do CPP,
afigura-se possível a incidência da progressão de regime.87
Nessa hipótese de custódia cautelar, o termo inicial para a contagem do per­
centual de cumprimento da pena necessário para a progressão de regime será a data
do cumprimento do mandado de prisão preventiva, e não a data da publicação da
sentença condenatória. É nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
senão vejamos: “(...) A custódia cautelar necessariamente deve ser computada para
fins de obtenção de progressão de regime e demais benefícios da execução, desde
que não ocorra condenação posterior apta a configurar falta grave, não se limitando,
de toda sorte, o período de prisão provisória à detração. (...) Destarte, partindo-se
da premissa de que, diante da execução de uma única condenação, o legislador
não impôs qualquer requisito adicional além dos estabelecidos no artigo 112 da Lei
de Execução Penal, impende considerar a data da prisão preventiva como marco
inicial para obtenção de benefícios em sede de execução penal, desde que não se
tenha notícia do cometimento de falta grave pelo reeducando, servindo a senten­
ça condenatória como parâmetro acerca do quantum de pena que deverá ter sido
cumprido e não como marco interruptivo para obtenção de benefícios relacionados
à progressão de regime. (...)”.88

3.5.6. (In) admissibilidade da progressão per saltum


Como exposto anteriormente, a progressão consiste na transferência de um
regime de cumprimento mais severo para outro mais brando. Não se admite que o
condenado passe diretamente do regime fechado para o aberto, o que se denomina
de progressão per saltum, visto que nosso sistema de execução da pena é progressi­
vo, de forma que é exigido do apenado, antes de passar para o estágio subsequente,
que tenha cumprido um tempo mínimo no regime anterior (LEP, art. 112, caput).
É nesse sentido, aliás, o teor da súmula n. 491 do STJ: “É inadmissível a chamada
progressão per saltum de regime prisional”.89
O que se permite, excepcionalmente, e que não se confunde com a progressão
por salto, é o aproveitamento do tempo excedente cumprido indevidamente no
regime mais severo na avaliação da próxima progressão de pena. Assim, imperiosa
a passagem do condenado pelo regime intermediário, ainda que por tempo menor
do que o ordinariamente previsto, pois, se não inserido anteriormente no regime
menos rigoroso a que fazia jus, tal fato se deu puramente por desídia estatal.
Na verdade, essa progressão por saltos só é admitida em situações abso­
lutamente teratológicas, como ocorre, por exemplo, quando o condenado, após
o cumprimento de 16% (dezesseis por cento) da pena no regime fechado, tiver

87 A concessão antecipada de benefícios prisionais aos presos cautelares foi objeto de análise no capítulo
introdutório, para onde remetemos o leitor.
88 STF, Ia Turma, RHC 142.463/MG, Rei. Min. Luiz Fux, j. 12/09/2017, DJe 225 02/10/2017.
89 STJ, 5a Turma, HC 191.223/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 01/03/2012, DJe 08/03/2012. No mesmo contexto:
STJ, 5a Turma, AgRg no HC 243.901/SP, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 11/12/2012, DJe 17/12/2012.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 325

negado o direito à progressão ao semiaberto por conta da ausência de vaga


nesse regime, cumprindo, assim, mais 16% (dezesseis por cento) do restante da
pena no fechado.

3.5.7. Inadimplemento deliberado da pena de multa e possibilidade de


progressão de regime prisional
Na visão do Plenário do Supremo Tribunal Federal,90 o inadimplemento
deliberado da pena de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a
progressão no regime prisional, salvo se comprovada a impossibilidade econômica
do apenado em pagar o valor, ainda que parceladamente.
A alteração legislativa do art. 51 do Código Penal pela Lei n. 9.268/96 não
retirou da multa o seu caráter de pena, conforme disposição constitucional (CF,
art. 5o, XLVI) e legal (CP, art. 32, III). Para a Suprema Corte, a análise dos re­
quisitos necessários para a progressão de regimes não estaria restrita ao art. 112
da LEP, pois outros elementos deveriam ser considerados pelo julgador para
individualizar a pena. Considerando-se que a parte verdadeiramente severa da
pena, notadamente em crimes contra a Administração Pública, haveria de ser a de
natureza pecuniária, que teria o poder de funcionar como real fator de prevenção,
capaz de inibir a prática de crimes a envolver apropriação de recursos públicos,
não seria possível a progressão de regime sem o pagamento da multa fixada na
condenação. Por conseguinte, o não recolhimento da multa por condenado que
tivesse condições econômicas de pagá-la, sem sacrifício dos recursos indispensáveis
ao sustento próprio e de sua família, constituiría deliberado descumprimento de
decisão judicial e deveria impedir a progressão de regime. Tal interpretação seria
reforçada pelo art. 36, § 2o, do CP e pelo art. 118, § Io, da LEP, que estabele­
cem a regressão de regime para o condenado que não pagar, podendo, a multa
cumulativamente imposta. Assim, o deliberado inadimplemento da multa sequer
poderia ser comparado à vedada prisão por dívida (CF, art. 5o, LXVII), configu­
rando apenas óbice à progressão no regime prisional.

3.5.8. Remição pelo trabalho (ou pelo estudo) para fins de progressão de
regimes
Consoante disposto no art. 128 da LEP, com redação dada pela Lei n. 12.433/11,
o tempo remido pelo trabalho (ou pelo estudo) do preso deve ser computado como
pena cumprida para todos os efeitos, inclusive para fins de progressão de regime
prisional. Por consequência, os dias remidos hão de ser somados ao total da pena
já cumprido, para fins de integrar o lapso necessário à obtenção de benefícios em
sede de execução penal.91

90 STF, Pleno, EP 12 ProgReg-AgR/DF, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 08/04/2015, DJe 93 19/05/2015.
91 AVENA. Op. cit. p. 226.
326 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

3.5.9. Cabimento da progressão de regimes no regime disciplinar


diferenciado
Há controvérsias acerca do cabimento da progressão de regimes para presos
submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). De um lado, há quem en­
tenda que, diante da ausência de vedação legal expressa, não há por que se negar a
concessão do referido benefício. É nesse sentido, entre outros, a opinião de Renato
Marcão: “É de admitir, portanto, a possibilidade de progressão de regime prisional
estando preso submetido a Regime Disciplinar Diferenciado. Cumpre seja cada caso
apreciado com especial atenção, ficando afastada a genérica e superficial conclusão
no sentido da impossibilidade por incompatibilidade. Importa observar, também,
que, mesmo recebendo a progressão, por exemplo, para o regime semiaberto, o preso
deverá cumprir a sanção disciplinar integralmente, antes de ir, de fato, para o novo
regime. Vale dizer: deverá cumprir todo o tempo restante de Regime Disciplinar
Diferenciado antes de ver efetivada sua transferência para o novo regime”.92
Em sentido diverso, porém, parte da doutrina (nossa posição) sustenta que, a
despeito de não haver vedação expressa nesse sentido e, por mais que, em tese, o
preso possa ter preenchido os requisitos objetivos (v.g., 16%, 20%, 25%, 40%, etc.), é
no mínimo questionável se tal indivíduo preenche o requisito subjetivo (boa conduta
carcerária) indispensável para a progressão de regimes. Haveria, de fato, verdadeira
contradictio in terminis em submeter o preso ao RDD, por exemplo, pelo fato de
ter incorrido na prática de fato previsto como crime doloso (falta grave), capaz de
ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, e, ao mesmo tempo, afirmar
que tal indivíduo ostenta boa conduta carcerária (LEP, art. 112, §1°). Como destaca
Avena, “as situações previstas no art. 52, caput, e §1°, da LEP, sugerem periculo­
sidade, desajuste carcerário e inadequação à terapêutica penal aplicada, revelando
que o apenado está longe de alcançar a reintegração social que se espera com o
cumprimento da pena privativa de liberdade. Tudo isso, afinal, mostra-se absolu­
tamente incompatível com o reconhecimento do mérito necessário à concessão da
progressão (...)”.93

3.5.70. Cabimento da progressão de regimes no caso de cumprimento da


pena em penitenciária federal de segurança máxima
Com base nos mesmos argumentos expostos no tópico anterior, consideramos
que o cumprimento da pena em penitenciária federal de segurança máxima também
tem o condão de obstar a progressão de regime prisional, haja vista a ausência do
requisito subjetivo legalmente exigido para tanto, qual seja, o mérito do condenado.
Nas palavras da 2a Turma do STF, “(...) o cumprimento de pena em penitenciária
federal de segurança máxima por motivo de segurança pública não é compatível
com a progressão de regime prisional. (...) A 2a Turma afirmou que a transferência
do apenado para o sistema federal tem, em regra, como fundamento razões que

92 MARCÃO, Renato. Op. cit. p. 190.


93 Op. cit. p. 239.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 327

atestam que, naquele momento, o condenado não tem mérito para progredir de
regime. Observou que a transferência seria cabível no interesse da segurança pública
ou do próprio preso (Lei n. 11.671/08, art. 3o)”.94

3.5.7 7. Progressão de regime prisional para condenado estrangeiro e


processo de expulsão em andamento
É perfeitamente possível a progressão de regime prisional para cumprimento
de pena privativa de liberdade imposta a estrangeiro que responde a processo de
expulsão do território nacional, pela prática de crime comum. É nesse sentido, aliás,
o teor do art. 54, §3°, da Lei de Migração.95

3.5.12. Progressão de regimes e crimes militares


A progressão de regimes também é aplicável aos crimes militares, ainda que
o militar esteja cumprindo pena em penitenciária militar (CPM, art. 61), sob pena
de manifesta violação ao princípio da individualização da pena no curso da exe­
cução. Na dicção do Supremo Tribunal Federal, “(...) os militares, indivíduos que
são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena.
(...) É de se entender, desse modo, contrária ao texto constitucional a exigência do
cumprimento de pena privativa de liberdade sob regime integralmente fechado em
estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal
na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à
hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. Ordem parcialmente concedida para
determinar ao Juízo da execução penal que promova a avaliação das condições
objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, na concreta situação do
paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a Lei 7.210/1984 naquilo que
for omissa a Lei castrense”.96

3.5.73. Progressão e longo tempo de pena a cumprir


Suponha-se que determinado agente, reincidente na prática de crime hediondo
ou equiparado, seja condenado pela prática de diversos delitos dessa natureza a 30
(trinta) anos de reclusão, em regime inicial fechado. Considere-se, ademais, que, após
o cumprimento de 18 (dezoito) anos de pena, tenha ele postulado a progressão de
seu regime prisional, vez que já cumprido o percentual mínimo de 60% (sessenta
por cento) previsto no art. 112, VII, da LEP, incluído pela Lei n. 13.964/19, alegando

94 STF, 2a Turma, HC 131.649/RJ, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 06/09/2016, noticiado no informativo n. 838.
95 Lei n. 13.445/17:"Art. 54. A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante
ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.
(...) §3° O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime,
o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de
pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em
igualdade de condições ao nacional brasileiro".
96 STF, 2a Turma, HC 104.174/RJ, Rei. Min. Ayres Britto, j. 29/03/2011, DJe 93 17/05/2011.
328 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

ostentar boa conduta carcerária comprovada pelo diretor do estabelecimento. Em


tal hipótese, indaga-se: seria lícito ao Juízo da Execução indeferir a progressão sob
o fundamento único da longevidade da pena a cumprir? A resposta é “não”. Isso
porque em momento algum o art. 112 da LEP estabelece a verificação do saldo de
pena a cumprir como fundamento hábil ao indeferimento da progressão.97

3.5.14. Prática de falta grave como causa interruptiva da contagem do prazo


para a progressão de regime
Mesmo antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime, doutrina e jurispru­
dência já se manifestavam no sentido de que a contagem do lapso temporal ne­
cessário para a progressão de regimes deveria ser zerada se o preso cometesse falta
grave. Impunha-se, portanto, o início de novo prazo para a contagem do benefício
da progressão do regime prisional, uma vez que o cometimento da falta grave teria o
condão de excluir o mérito legalmente exigido para a passagem ao regime prisional
mais brando. Por consequência, levando-se em consideração como dies a quo a data
do cometimento da falta grave, o condenado (ou preso provisório) deveria cumprir
novamente o lapso temporal fixado em lei para que fizesse jus à progressão. A con­
tagem desse novo período aquisitivo do requisito objetivo deveria ser feita, porém,
sobre o remanescente da pena, e não sobre a sua totalidade.
Há, de fato, diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido,
senão vejamos: “(...) A orientação firmada na 3.a Seção, no julgamento do EREsp n.
1.176.486/SP, é claro ao consignar que a falta grave interrompe o prazo exigido para
obtenção da progressão de regime, não acarretando efeitos interruptivos no prazo exi­
gido para obtenção de livramento condicional, comutação de pena e indulto, salvo se o
decreto concessivo trouxer previsão”.98 Daí, aliás, os dizeres da súmula n. 534 do STJ:
“A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime
de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração”.
Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime no dia 23 de janeiro de 2020, esse
entendimento jurisprudencial consolidado na súmula n. 534 do STJ foi positivado
no §6° do art. 112 da LEP: “O cometimento de falta grave durante a execução da
pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no
regime de cumprimento da pena, caso em que o reinicio da contagem do requisito
objetivo terá como base a pena remanescente”.

4. REGRESSÃO DE REGIME

Se, de um lado, é importante conferir à pena privativa de liberdade um sistema


progressivo de cumprimento, possibilitando que o próprio condenado, através de

97 Com esse entendimento: STJ, 6aTurma, HC 259.261 -SP, Rei. Min. Og Fernandes, j. 21.02.20133, DJe 01.03.2013;
STJ, 5a Turma, HC 231.383-SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 26.06.2012, DJe 01.08.2012.
98 STJ, 3a Seção, AgRg no EREsp 1.238.180/SP, Rei. Min. Regina Helena Costa, j. 27/11/2013, DJe 09/12/2013.
Na mesma linha: STJ, 3a Seção, REsp 1.364.192/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12/02/2014, DJe
17/09/2014.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 329

sua conduta carcerária, conquiste, gradativamente, parcelas da liberdade suprimida,


do outro, não se pode descuidar da necessidade de se conferir certo grau de coer-
cibilidade à progressão de regimes, evitando-se a prática de condutas incompatíveis
com o benefício que lhe fora concedido, o que, em tese, estaria a revelar a ausência
de mérito de sua parte para prosseguir usufruindo das benesses concernentes ao
regime prisional mais brando. Logo, na eventualidade de o apenado não se adaptar
ao regime semiaberto ou aberto, demonstrando a inexistência de reintegração social,
ficará sujeito à regressão, que nada mais é do que a transferência de regime mais
brando para outro mais gravoso (v.g., aberto para o semiaberto, ou de qualquer
destes para o fechado).
À semelhança da progressão de regimes, cuida-se de medida da competência
do Juízo da Execução Penal, nos termos do art. 66, inciso III, alínea “b”, da Lei de
Execução Penal. A autoridade administrativa não tem atribuição para determiná-
-la. Por isso, caberá a ela, em tal hipótese, obrigatoriamente representar ao Juízo
da Execução para esse fim, consoante disposto no art. 48, parágrafo único, da Lei
n. 7.210/84. Na eventualidade de o magistrado determinar a regressão, o recurso
adequado será o agravo em execução. Pelo menos em regra, não se admite a uti­
lização do remédio heroico do habeas corpus, eis que a análise da decisão judicial
geralmente demanda certa dilação probatória. A título de exemplo, basta imaginar
uma situação concreta em que o impetrante buscasse demonstrar que o condenado
não teria praticado fato definido como crime doloso. Por outro lado, em situações
excepcionais revelando manifesta ilegalidade ou abuso de poder (v.g., decisão sem
fundamentação, regressão definitiva sem oitiva prévia da defesa nos casos do art.
118, I, e §1°), não se pode descartar a possibilidade de utilização do writ, haja vista
o evidente prejuízo causado à liberdade de locomoção daquele condenado que foi
transferido para regime mais gravoso.
Logicamente, não há falar eifi regressão no tocante ao condenado que se
encontra cumprindo pena no regime fechado, já que não se pode fazê-lo regredir
para regime mais severo, que sequer existe no nosso ordenamento jurídico. Sem
embargo, haverá outras consequências legais. Tome-se, como exemplo, o fato de
o agente praticar falta grave, hipótese em que, para além da respectiva sanção dis­
ciplinar, ficará submetido ao efeito secundário da regressão, que é a interrupção
do prazo para a obtenção da progressão, caso em que o reinicio da contagem do
requisito objetivo terá como base a pena remanescente (LEP, art. 112, §6°, incluído
pela Lei n. 13.964/19).

4.1. Hipóteses autorizadoras da regressão


As causas de regressão estão previstas não apenas no art. 118 da Lei de Execu­
ção Penal, como também em seu art. 146, parágrafo único, inciso I, senão vejamos:
a. Prática de fato definido como crime doloso ou falta grave: cuida-se de
causa de regressão obrigatória, não estando a critério discricionário do Juízo da
Execução. Há certa redundância no art. 118, I, da Lei de Execução Penal ao elen-
330 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

car como causa de regressão a prática de fato definido como crime doloso ou falta
grave. Isso porque, conforme exposto no capítulo atinente à disciplina, a prática
de fato previsto como crime doloso, de per si, já constitui falta grave à luz do art.
52, caput, Ia parte, da LEP. De todo modo, referindo-se o dispositivo à prática
de fato definido como crime doloso, seja ele comum ou hediondo, punido com
detenção ou reclusão, praticado com violência ou grave ameaça, pode-se concluir,
a contrario sensu, que a prática de crime culposo ou de contravenção penal não
enseja a regressão, pelo menos à luz do art. 118, I, da Lei n. 7.210/84, sob pena
de indevida analogia in malam partem e consequente violação ao princípio da
legalidade. O reconhecimento da prática desse fato definido como crime dolo­
so no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação
criminal no juízo de conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar
ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla
defesa (Súmula n. 526 do STJ e Tese de Repercussão Geral fixada no tema n.
758)." Sem embargo, exige-se um mínimo de certeza quanto à ocorrência desse
fato definido como crime doloso e de sua autoria, o que se tem por atendido
quando, por exemplo, recebida a peça acusatória ou até mesmo quando o juízo
da execução é comunicado acerca da prisão em flagrante do apenado.99 100 Aplica-
-se o mesmo raciocínio em relação à prática de falta grave, é dizer, desde que
ouvido previamente o condenado pelo Juízo da Execução nas hipóteses do art.
118, I, e §1°, da LEP, a regressão também não está condicionada à conclusão do
respectivo procedimento administrativo disciplinar. Quanto às faltas graves, con­
vém lembrar que estão listadas nos incisos I a VIII do art. 50 da Lei de Execução
Penal, sem contar aa prática de fato previsto como crime doloso (LEP, art. 52,
caput, Ia parte).101 Mais uma vez, como o legislador faz menção apenas às faltas
dessa natureza, não se pode admitir a regressão quando os fatos imputados ao
condenado caracterizarem faltas médias ou leves;
b. Condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena
em execução, torne incabível o regime: o art. 118, inciso II, da LEP, guarda
relação com o disposto no art. 111, parágrafo único, do mesmo diploma norma­
tivo, segundo o qual sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á
a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.
A título de exemplo, suponha-se que determinado indivíduo, primário, e autor

99 A discussão em torno da (des) necessidade do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, para
fins de reconhecimento, no âmbito administrativo carcerário, de falta grave decorrente do cometimento
de fato definido como crime doloso, já foi objeto de ampla análise no capítulo atinente à disciplina, para
onde remetemos o leitor.
100 Nessa linha: AVENA. Op. cit. p. 241. Ainda segundo o autor, na eventualidade de haver ulterior absolvição
no processo criminal instaurado para apuração desse crime doloso, é evidente que o apenado deverá re­
tornar ao regime a que estava sujeito antes da regressão, mesmo porque a decisão que ordena a regressão
tem natureza administrativa e, como tal, não pode se sobrepor à sentença absolutória proferida pelo juiz
criminal.
101 No sentido de que o cometimento de falta grave enseja a regressão para regime de cumprimento de pena
mais gravoso: STJ, 6a Turma, HC 259.417/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 12.11.2013, DJe 29.11.2013;
STJ, 5a Turma, HC 230.659/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 05.11.2013, DJe 19.11.2013.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 331

de crime praticado sem violência ou grave ameaça, seja condenado à pena de 8


(oito) anos e 4 (quatro) meses (ou seja, 100 meses) no regime inicial fechado,
sendo transferido para o semiaberto após o cumprimento de 16% da sua pena,
leia-se, 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, restando-lhe, então, 7 (sete) anos de pena
a cumprir. Na eventualidade de superveniência de nova condenação, por crime
anterior, a uma pena de 5 (cinco) anos em regime semiaberto, será obrigatória a
regressão para o regime fechado, já que o total da pena resultante da somatória -
12 (doze) anos - será superior a 8 (oito), o que inviabiliza a sua permanência no
regime semiaberto, dado o teor do art. 33, §2°, alínea “a”, do Código Penal. De
se notar que nem sempre o somatório da nova pena com o restante da que está
em cumprimento acarretará a regressão. Logo, utilizando-se o mesmo exemplo
acima trabalhado, na eventualidade de nova condenação à pena de 1 (um) ano
de reclusão, não haverá necessidade de transferência do apenado para o regime
fechado, já que a somatória da pena restante (7 anos) com a nova pena (1 ano)
não ultrapassa o montante de 8 anos, o que se revela compatível com o regime
semiaberto, conquanto favoráveis as circunstâncias judiciais, ex vi do art. 33, §2°,
alínea “b”, do Código Penal;
c. Frustração dos fins da execução ou não pagamento injustificado da
multa cumulativamente imposta de condenado no regime aberto: de acordo
com o art. 118, §1° da LEP, “o condenado será transferido do regime aberto se,
além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução
ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta”. Da simples leitura do
dispositivo já é possível extrair a conclusão de que a presente causa de regres­
são tem aplicação restrita ao regime aberto, ao passo que aquelas previstas nos
incisos I e II do art. 118 da LEP são aplicáveis às penas privativas de liberdade
cumpridas em qualquer regime (fechado, semiaberto ou aberto). Ultrapassado o
tempo de duração da pena no regime aberto, não mais será possível a regressão,
mesmo que presente uma das hipóteses autorizadoras, sob pena de se conferir
eficácia ex tunc à decisão, obrigando o apenado a cumprir pena maior do que
aquela que lhe fora imposta. São duas as causas de regressão previstas no §1°
do art. 118 da LEP:
c.l. frustração dos fins da execução: ocorre quando o apenado assume uma
conduta absolutamente incompatível com o regime aberto, fundado na autodisci-
plina e no senso de responsabilidade (CP, art. 36, caput). A desobediência a ordens
recebidas, a provocação injustificada da rescisão de contrato de trabalho ou seu
abandono, a prática de fato definido como crime culposo ou contravenção penal, a
prática de falta média ou leve, são apenas alguns exemplos de condutas capazes de
revelar que o condenado não teria se adaptado ao regime aberto, nem processado
sua reinserção social, o que, em tese, estaria a recomendar sua transferência para
regime mais gravoso;
2. não pagamento injustificado da multa cumulativamente imposta: de
c.
aplicação restrita às hipóteses em que a pena pecuniária for aplicada simulta­
neamente com a pena privativa de liberdade, só há falar em regressão quando
332 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

restar comprovada a solvência do condenado, é dizer, sua capacidade de quitar


a pena de multa, quer de uma só vez, quer de maneira parcelada, sem se privar
dos recursos indispensáveis ao seu sustento e de sua família (CP, art. 50, §2°).
Parte da doutrina sustenta que a parte final do art. 118, §1°, da LEP, teria sido
tacitamente revogada pela Lei n. 9.268/96. Explica-se: a partir do momento em
que o referido diploma normativo alterou a redação do art. 51 do Código Penal,
vedando a conversão da pena de multa em pena privativa de liberdade, ter-se-ia
como consequência inexorável a impossibilidade de se impor qualquer tipo de
restrição à liberdade do condenado como efeito decorrente da sua inadimplência,
nem mesmo a regressão para regime mais gravoso, já que a sanção pecuniária
teria se transformado em dívida de valor com a Fazenda Pública, a ser objeto de
cobrança no Juízo da Execução Penal (CP, art. 51, caput, com redação determi­
nada pela Lei n. 13.964/19). Esse entendimento, todavia, não foi encampado pelo
Supremo Tribunal Federal, segundo o qual o inadimplemento deliberado da pena
de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime
prisional. Logo, se o apenado ajustou o pagamento da pena de multa de maneira
parcelada, eventual inadimplemento injustificado das parcelas teria o condão de
autorizar a regressão de regime, salvo se comprovada a absoluta impossibilidade
econômica do condenado em quitar o parcelamento;102
d. Violação comprovada dos deveres inerentes ao monitoramento eletrô­
nico: para além das hipóteses previstas no art. 118, incisos I e II, e §1°, da Lei
n. 7.210/84, não se pode perder de vista que, mais adiante, a Lei de Execução
Penal também prevê a regressão de regime como uma das possíveis consequên­
cias decorrentes da violação comprovada dos deveres inerentes à fiscalização
por monitoração eletrônica (art. 146, parágrafo único, I). De acordo com o art.
146-B da LEP, incluído pela Lei n. 12.258/10, uma das hipóteses que autoriza
a fiscalização por meio eletrônico ocorre quando autorizada a saída temporária
no regime semiaberto, benefício este que é admissível apenas para aqueles que
cumprem pena em regime semiaberto, salvo se porventura condenados pela
prática de crime hediondo com resultado morte (LEP, art. 122, caput, e §2°,
incluído pela Lei n. 13.964/19). Por consequência, na eventualidade de violação
dos deveres inerentes ao monitoramento eletrônico (receber visitas do servidor
responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir
suas orientações, e abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar
de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que
outrem o faça), poderá ser determinada, a critério do juízo da execução, a
regressão do regime prisional do apenado para o fechado, caso não se revele
suficiente a simples advertência por escrito a que se refere o art. 146-C, pará­
grafo único, VII, da LEP.

102 STF, Pleno, EP 8 ProgReg-AgR/DF, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 01.07.2016, DJ 20.09.2017.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 333

4.2. Questões controvertidas


À semelhança do que ocorre em relação à progressão de regimes, há diversas
questões controversas em torno da regressão de regimes.

4.2.1. Regressão per saltum


Ao tratar da regressão, o art. 118, caput, da Lei de Execução Penal é categórico
ao afirmar que a execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma re­
gressiva, com a transferência do condenado para qualquer dos regimes mais rigorosos.
Por isso, ao contrário do que ocorre no caso da progressão, admite-se a regressão
de regime de pena per saltum, sendo desnecessária a observância da forma progres­
siva estabelecida no art. 112 da mesma lei.103 Logo, a depender do caso concreto, é
perfeitamente possível a passagem direta do regime aberto para o fechado, sem a
necessária passagem do condenado pelo regime semiaberto. Na verdade, caberá ao
Juízo da Execução, examinando a causa da regressão, determinar para qual regime
será transferido o condenado que se encontrar no regime aberto.

4.2.2. Regressão do condenado para regime prisional mais gravoso do que


aquele fixado na sentença do processo de conhecimento
O cometimento de falta grave durante a execução penal autoriza a regressão
do regime de cumprimento da pena, mesmo que seja estabelecido de forma mais
gravosa do que aquele fixado na sentença condenatória, sem que se possa objetar
suposta violação à coisa julgada.104
Isso porque a sentença penal condenatória transita em julgado com a cláusula
rebus sic stantibus, a significar que eventual mudança da situação de fato no curso
da execução impõe ao juízo competente a adoção de medidas necessárias de modo a
adaptar a decisão à nova situação fática. De mais a mais, considerando-se o quanto
disposto no art. 33 do CP,105 seria no mínimo contraditório admitirmos a possibi­
lidade de regressão para o regime fechado no caso de condenação e execução da
pena de detenção, e não admitirmos idêntico raciocínio às hipóteses de condenação
e execução de pena de reclusão.106

103 STJ, 5aTurma, AgRg no REsp 1,773.347/RO, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 27.11.2018, DJe 10.12.2018;
STJ, 6a Turma, AgRg no HC 471.732/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 18.10.2018, DJe 08.11.2018; STJ,
6a Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.703.504/RO, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.05.2018, DJe
04.06.2018; STJ, 6a Turma, Aglnt no REsp 1.632.060/MS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 08.05.2018, DJe 21.05.2018.
Em sentido contrário, negando a possibilidade de regressão per saltum: MARCÃO, Renato. Op. cit. p. 197.
104 STJ, 5a Turma, AgRg no Resp 1,778.649/PA, Rei. Min. Ribeiro DAntas, j. 18.02.2020, DJe 28.02.2020; STJ, 6a
Turma, AgRg no HC 525.652/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19.11.2019, DJe 05.12.2019; STJ, 6a Turma, AgRg
no REsp 1,789.438/RO, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 06.08.2019, DJe 13.08.2019; STJ, 6a Turma, AgRg
no REsp 1.743.956/RO, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 27.11.2018, DJe 06.12.2018.
105 CP: "Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de de­
tenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado".
106 Com esse entendimento: MASSON. Op. cit. p. 506.
334 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

4.2.3. Oitiva do condenado


Quando ocorre a prática de fato definido como crime doloso ou falta grave,
ou nas hipóteses em que o condenado transferido para o regime aberto frustra os
fins da execução ou não paga, podendo, a multa cumulativamente imposta, dispõe
o art. 118, §2°, da Lei de Execução Penal que a regressão depende de oitiva prévia
do condenado, em audiência de justificação especialmente designada pelo juízo da
execução para essa finalidade, antes da decisão acerca da regressão definitiva do
regime prisional.
Justifica-se o respeito à ampla defesa em tais hipóteses, inclusive com a obri­
gatória assistência da defesa técnica, em virtude da possibilidade de o condenado
apresentar alguma justificativa capaz de impedir a regressão, como, por exemplo, a
alegação de alguma excludente da ilicitude (ou da culpabilidade) em relação ao fato
definido como crime doloso. Por conseguinte, nula será a decisão que determinar a
regressão definitiva nas hipóteses do art. 118,1, e §1°, da LEP, sem a oitiva prévia da
defesa, cabendo nessa hipótese inclusive a impetração de habeas corpus. Outrossim,
na hipótese de violação dos deveres relacionados ao monitoramento eletrônico, a
Lei de Execução Penal não faz referência expressa à oitiva prévia do condenado,
porém dispõe que deverão ser ouvidos o Ministério Público e a defesa (art. 146-C,
parágrafo único, in fine).
Há enorme controvérsia acerca da necessidade de instauração de procedimento
administrativo disciplinar no âmbito do estabelecimento prisional, em momento
anterior à realização da audiência judicial de justificação para fins de possível
regressão definitiva em virtude da prática de falta grave, aí também abrangido o
cometimento de fato definido como crime doloso. De um lado, há quem entenda
ser imprescindível a instauração do PAD, cujo objetivo precípuo é exatamente as­
segurar a observância do direito de defesa do apenado, cuja ausência não poderia
ser suprida pela posterior realização de audiência judicial de oitiva do apenado
para apresentação de eventual justificação para a transgressão disciplinar grave por
ele praticada. Prevalece, todavia, a orientação no sentido de que a inexistência de
procedimento administrativo disciplinar poderá ser suprida se, antes da homolo­
gação judicial da falta grave, for assegurado ao apenado o direito de ser ouvido em
audiência de justificação perante o juízo da execução penal, com a presença da de­
fesa técnica, respeitando-se, assim, o contraditório e a ampla defesa.107 A propósito,
eis os dizeres da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 941: “A oitiva do
condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na
presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Pro­
cedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência
ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta
grave durante o cumprimento da pena”.108

107 AVENA. Op. cit. p. 245.


108 Paradigma: STF, Pleno, RE 972.598/RS, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 04.05.2020, DJe 06.08.2020. Com o
mesmo raciocínio: STJ, 5a Turma, RHC 58.726-MT, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 20.04.2021, DJe 26.04.2021.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 335

Por fim, interpretando-se a contrario sensu o art. 118, §2°, da Lei n. 7.210/84,
denota-se que, na hipótese de condenação, por crime anterior, cuja pena, somada
ao restante da pena em execução, tornar incabível o regime (LEP, art. 118, II), não
há necessidade de oitiva prévia da defesa. Ora, se houve uma decisão definitiva a
respeito desse outro fato, inócua seria sua oitiva antes de se decretar a regressão,
sobretudo porque o apenado já teria tido a oportunidade de se defender no curso
da instrução desse outro processo penal do qual resultou sua condenação, que, aliás,
está protegida pela própria coisa julgada.

4.2.4. Regressão cautelar


Como exposto anteriormente, nas hipóteses do inciso I (prática de fato definido
como crime doloso ou falta grave) e do §1° (frustação dos fins da execução ou não
pagamento injustificado da multa cumulativamente imposta) do art. 118 da LEP, a
regressão está condicionada à oitiva prévia do condenado, assegurada, ademais, a
assistência da defesa técnica. De se notar, portanto, que o procedimento em questão
é relativamente moroso, o que, a depender do caso concreto, pode se traduzir em
sério comprometimento da própria execução, como nas hipóteses de planos de fuga,
de motim, ou de outros problemas disciplinares graves.
Logo, a despeito da omissão legislativa acerca da matéria, tem sido admitida
a denominada regressão cautelar, isto é, a suspensão judicial do regime semia­
berto (ou aberto), quando a medida se revelar indispensável para fins de ulterior
transferência para regime mais severo, pelo menos enquanto se procede à oitiva
do condenado.109 Adotada com fundamento no poder geral de cautela conferido
ao Juízo da Execução, esta suspensão cautelar acarreta o recolhimento imediato
do condenado a qualquer dos regimes mais rigorosos (semiaberto ou fechado),
a depender do caso concreto, pelo menos até a decisão definitiva. Se eventual
justificativa do apenado se mostrar idônea, o magistrado deverá restabelecer o
regime prisional anterior; caso contrário, após a oitiva da defesa, a regressão será
convertida em definitiva. A medida encontra respaldo nos Tribunais Superiores,
senão vejamos: “(...) Tratando-se de regressão cautelar, não é necessária a prévia
ouvida do condenado, como determina o §2° do art. 118 da Lei de Execução
Penal, visto que tal exigência, segundo a jurisprudência desta Corte de Justiça,
somente é obrigatória na regressão definitiva ao regime mais severo, sob pena de
contrariar a finalidade da medida”.110

109 No sentido de que a prática de falta grave pode ensejar a regressão cautelar do regime prisional sem a
prévia oitiva do condenado, que somente é exigida na regressão definitiva: STJ, 6a Turma, HC 184.988-RJ,
Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05.02.2013, DJe 18.02.2013; STJ, 5a Turma, HC 240.643-SP, Rei.
Min. Laurita Vaz, j. 06.11.2012, DJe 16.11.2012; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 249.110-MG, Rei. Min. Marco
Aurélio Bellizze, j. 09.10.2012, DJe 17.10.2012.
110 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 675.358-SC, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 10.08.2021, DJe 17.08.2021. Com entendi­
mento semelhante: STJ, 6aTurma, AgRg no HC 644.900-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 27.04.2021, DJe 05.05.2021;
STJ, 6a Turma, AgRg no HC 622.757-SC, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 06.04.2021, DJe 12.04.2021.
336 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

5. PRISÃO DOMICILIAR

Levando em consideração certas situações especiais, de natureza humanitária,111


a substituição do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto
pela prisão domiciliar visa tornar menos desumana a segregação, permitindo que,
ao invés de ser recolhido ao cárcere, ao agente seja imposta a obrigação de perma­
necer em sua residência, sem prejuízo da utilização de monitoramento eletrônico.
Para que ocorra essa substituição, que só pode ser determinada pela autoridade
judiciária, deve se exigir prova idônea dos requisitos alternativos estabelecidos nos
incisos do art. 117 da LEP.

5.1. Distinção entre a prisão domiciliar cautelar (CPP, arts. 317 e 318) e a
prisão domiciliar penal (LEP, art. 117)
O recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular nas
hipóteses previstas nos incisos I a IV do art. 117 da LEP não se confunde com a
possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar, introduzida nos
arts. 317e318do CPP pela Lei n. 12.403/11. Enquanto estes dispositivos cuidam da
substituição da prisão preventiva, espécie de prisão cautelar, pela prisão domiciliar,
a prisão albergue domiciliar prevista no art. 117 da LEP funciona como modalidade
de prisão aberta, ou seja, hipótese de cumprimento de prisão penal, que tem como
pressuposto, como é sabido, o trânsito em julgado da sentença condenatória (STF,
ADC’s 43, 44 e 54).
Destarte, enquanto a prisão domiciliar prevista na LEP tem natureza penal,
aquela prevista no CPP é dotada de natureza cautelar, ou seja, trata-se de instru­
mento passível de utilização no curso da persecução penal (investigação e processo
judicial), sempre que se revelar necessário para assegurar a aplicação da lei penal, a
investigação ou instrução criminal, e, nos casos expressamente previstos, para evitar
a prática de infrações penais (CPP, art. 281, I).
Para além dessa diferença quanto à natureza jurídica, as hipóteses que autorizam
uma e outra não são exatamente idênticas, como será visto mais adiante.

5.2. Beneficiários
Pelo menos à luz da redação expressa do art. 117 da Lei de Execução Penal,
a prisão domiciliar deveria ser concedida exclusivamente àqueles condenados em
regime aberto. É dizer, o benefício não seria cabível para apenados no cumprimen­
to de pena em regime semiaberto ou fechado.112 Em situações excepcionalíssimas,

111 STJ, 6a Turma, HC 138.986/DF, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 17/11/2009, DJe 07/12/2009. Sobre
o princípio da dignidade da pessoa humana e a prisão domiciliar: STF, 2a Turma, HC 98.675/ES, Rei. Min.
Eros Grau, j. 09/06/2009, DJe 20/08/2009.
112 Sob o argumento de que a aplicação do art. 117 da LEP - cumprimento da sanção em regime domici­
liar - pressupõe o enquadramento em uma das situações jurídicas nele contempladas, dentre eles o de
se tratar o condenado beneficiário de regime aberto, a 1a Turma do STF (HC 177.164/PA, Rei. Min. Marco
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 337

todavia, os Tribunais Superiores têm admitido que, mesmo no caso de regime pri­
sional diverso do aberto (semiaberto ou fechado), é possível a concessão de prisão
domiciliar, desde que se trate de condenado portador de doença grave e que seja
comprovada a impossibilidade de assistência médica pelo estabelecimento prisional
em que se encontra custodiado.113
São recorrentes os julgados no sentido de que, na falta de vagas em estabele­
cimento compatível ao regime a que faz jus o apenado (v.g, semiaberto), configura
constrangimento ilegal a sua submissão ao cumprimento de pena em regime mais
gravoso, devendo o mesmo cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em prisão
domiciliar, na hipótese de inexistência de Casa de Albergado.114115A propósito, eis o
teor da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 423: “I - A falta de estabeleci­
mento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional
mais gravoso; II - Os juizes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos
destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a
tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia
agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento
adequado” (regime aberto) (art. 33, §1°, alíneas “b” e “c”); III - Havendo déficit de
vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com
falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai
antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cum­
primento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao
regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá
ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado” .ns
A inexistência de casa de albergado na localidade da execução da pena não
gera, todavia, o reconhecimento automático de direito ao benefício da prisão do­
miciliar quando o paciente estiver cumprindo a reprimenda em local compatível
com as regras do regime aberto. É bem verdade que os Tribunais Superiores têm
admitido, excepcionalmente, a concessão da prisão domiciliar quando não houver

Aurélio, j. 18/02/2020) denegou o cumprimento de sanção penal em regime domiciliar à paciente que fora
condenada à pena de 26 anos em regime fechado, conquanto comprovada a existência de filho menor.
113 STJ, 5a Turma, HC 133.287-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 02.03.2010, DJe 03.05.2010; STJ, 6aTurma, HC 228.408-
PR, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 26.06.2012, DJe 01.08.2012; STJ, 5a Turma, HC 240.518-RS,
Rei. Min. Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ-SE -, j. 05.03.2013, DJe 08.03.2013; STJ, 6a
Turma, HC 323.074-BA, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25.08.2015, DJe 11.09.2015.
114 STJ, 5a Turma, REsp 1.187.343/RS, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 17/03/2011, DJe 04/04/2011. E ainda: STJ, 6a
Turma, HC 158.783/RS, Rei. Min. Celso Limongi, Desembargador Convocado do TJ/SP, j. 31/08/2010, DJe
20/09/2010. No sentido de que o condenado em regime semiaberto que faz jus à progressão tem direito
a cumprir a pena em prisão domiciliar pelo menos enquanto não surgir vaga em estabelecimento prisional
com as condições necessárias ao adequado cumprimento da pena em regime aberto: STJ, 6a Turma, HC
216.828/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 02/02/2012. Constatada pelo juízo da execução a
inexistência, no Estado-membro, de estabelecimento prisional para cumprimento de pena em regime aberto,
nos termos da sentença, permite-se o início do cumprimento em prisão domiciliar, até ser disponibilizada
vaga no regime adequado: STF, 1a Turma, HC 113.334/RS, Rei. Min. Rosa Weber, j. 18/02/2014). Na visão
da 5a Turma do STJ, a superlotação carcerária e a precariedade das condições da casa de albergado não
são justificativas suficientes para autorizar o deferimento de pedido de prisão domiciliar. Nessa linha: STJ,
5a Turma, HC 240.715/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 23/04/2013.
115 Paradigma: STF, Pleno, RE 641.320, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 11.05.2016, DJ 01.08.2016.
338 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

local adequado ao regime prisional imposto. Todavia, na hipótese em que o apenado,


em face da inexistência de casa de albergado, estiver cumprindo pena em local com­
patível com as regras do regime aberto - tendo o juízo da execução providenciado,
por exemplo, a infraestrutura necessária, atento ao princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade -, não se vislumbra o necessário enquadramento nas hipóteses
excepcionais de concessão do regime prisional domiciliar.116
Por fim, em situações excepcionais, os Tribunais Superiores têm admitido in­
clusive a substituição da prisão civil por dívida de alimentos em prisão domiciliar.
É bem verdade que a prisão civil possui função essencialmente coativa, uma vez
que busca, por meio de uma técnica de coerção, refrear a eventual renitência do
devedor e compeli-lo a adimplir, tempestivamente, a obrigação alimentar, objetivo
este que certamente seria frustrado se o devedor fosse contemplado com a prisão
domiciliar. Em situações excepcionais, todavia, não se pode afastar a possibilidade
de substituição da prisão civil por prisão domiciliar, tal como na hipótese em que
o devedor de alimentos demonstrar ter sido acometido por doenças graves (v.g.,
esclerose múltipla, diabetes e poliartrose) que inspiram cuidados médicos contínuos,
sem os quais há risco de morte ou de danos graves à sua saúde e integridade física.117

5.3. Hipóteses de admissibilidade e ônus da prova


Nada diz a Lei de Execução Penal quanto à natureza do crime como requisito
para a concessão da prisão domiciliar. Destarte, forte na premissa de que não é dado
ao intérprete estabelecer distinção onde a lei não o fez, o benefício sob comento
é aplicável a qualquer espécie de infração penal, tenha ou não natureza hedionda
ou equiparada, desde que, logicamente, preenchidos os requisitos alternativos dos
incisos do art. 117 da LEP. Nesse contexto, como já se pronunciou a Suprema Cor­
te, “(...) o fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo
não enseja, por si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão de prisão
domiciliar, pois a dignidade da pessoa humana, especialmente a dos idosos, sempre
será preponderante, dada a sua condição de princípio fundamental da República (art.
Io, inciso III, da CF/88). Por outro lado, incontroverso que essa mesma dignidade
se encontrará ameaçada nas hipóteses excepcionalíssimas em que o apenado idoso
estiver acometido de doença grave que exija cuidados especiais, os quais não podem
ser fornecidos no local da custódia ou em estabelecimento hospitalar adequado”.118
De acordo com o art. 117 da LEP, somente se admitirá o recolhimento do
beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I. Condenado maior de 70 (setenta) anos: verificando o juiz que se trata de
pessoa maior de 70 (setenta) anos ao tempo da execução da pena, com o estado de
saúde debilitado e fragilizado, o que demonstra a inconveniência e a desnecessidade
de sua manutenção no cárcere, é possível a substituição da prisão penal pela domi­

116 STJ, 5a Turma, HC 299.315/RS, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 18/12/2014, DJe 2/2/2015.
117 STJ, 3a Turma, RHC 86.842-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. 17.10.2017, DJe 19.10.2017.
118 STF, 1a Turma, HC 83.358-SP, Rei. Min. Carlos Britto, j. 04.05.2004, DJ 04.06.2004.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 339

ciliar. Nesse sentido, como já se pronunciou o STJ, “(...) conquanto esteja recluso
no regime fechado, verifica-se que o paciente possui mais de 70 (setenta) anos de
idade e é portador de câncer de próstata, trombose e aneurisma abdominal, bem
como apresenta quadro depressivo, conforme comprovado nos autos. Assim, embora
o estabelecimento prisional seja dotado de estrutura para atendimentos emergen-
ciais, as enfermidades descritas necessitam de cuidados específicos e continuados,
ensejando a concessão da prisão domiciliar como medida, até mesmo de cunho
humanitário. Ordem concedida a fim de determinar a transferência do paciente
para a prisão domiciliar, em virtude do seu comprovado estado de saúde debilitado
e da sua idade avançada”;119
II. Condenado acometido de doença grave: não basta que o condenado esteja
extremamente debilitado por motivo de doença grave para que faça jus, automa­
ticamente, à prisão domiciliar. Há necessidade de se demonstrar, ademais, que o
tratamento médico do qual necessita não pode ser ministrado de maneira adequada
no estabelecimento prisional, o que estaria a recomendar que seu tratamento fosse
prestado na sua própria residência. Nessa linha, como já se pronunciou o STJ, “(...)
ser portador de doença crônica incurável não garante, por si só, o direito à prisão
domiciliar, sendo indispensável a prova incontroversa de que o custodiado depende
efetivamente de tratamento médico que não pode ser ministrado no estabelecimento
prisional”. 120Por outro lado, evidenciada a impossibilidade de tratamento médico no
local em que o apenado se encontra, há de se conceder o benefício. A propósito,
em caso concreto referente a acusado que foi submetido à cirurgia para a retirada
de câncer da próstata e, em razão disso, necessitava de tratamento radioterápico
sob risco de morte, além de precisar ingerir medicamentos específicos, entendeu
o STJ que, excepcionalmente, poder-se-ia conceder ao preso provisório o benefício

119 STJ, 6a Turma, HC 138.986/DF, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 17/11/2009, DJe 07/12/2009.
120 STJ, 5a Turma, HC 47.115/SC, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18/10/2005, DJ 05/12/2005 p. 349. E ainda:
STJ, 5a Turma, HC 66.702/MT, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 12/12/2006, DJ 05/02/2007 p. 309. No sentido de
que a substituição depende de comprovação da imprescindibilidade do tratamento externo, o que não
deflui de quadro de diabete e hipertensão, males que podem ser, medicamentosamente, controlados no
interior da unidade penitenciária: STJ, 6a Turma, HC 120.121/SC, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
j. 03/09/2009, DJe 21/09/2009. No sentido de que, não obstante o fato de o apenado efetivamente apre­
sentar limitações físicas, tendo sido acometido por acidente vascular encefálico isquêmico, não restou
demonstrada a impossibilidade de prestação da devida assistência médica no estabelecimento penal
em que se encontra recolhido, bem como a precariedade do seu estado de saúde, daí por que lhe foi
negada a substituição da prisão penal pela domiciliar: STJ, 5a Turma, HC 84.685/RS, Rei. Min. Jane Silva -
Desembargadora convocada doTJ/MG, j. 27/09/2007, DJ 15/10/2007. Em caso concreto no qual o agente
sofria de diabetes tipo II, hipertensão arterial sistêmica e histórico de obesidade mórbida, além de ter sido
submetido à cirurgia oncológica para a remoção de parte do pâncreas, o Supremo indeferiu o pedido de
substituição da prisão penal por prisão domiciliar humanitária. Primeiro, por conta da ausência de doença
grave atestada por junta médica oficial. Segundo, porque o sistema penitenciário teria condições de
oferecer a dieta e o acompanhamento médico e nutricional prescritos para o tratamento do sentenciado.
Destarte, apesar de o estado clínico do preso exigir o uso contínuo de medicamentos, sua situação não
demandaria permanência em prisão domiciliar fixa, até mesmo porque a família poderia encaminhar à
unidade prisional eventuais medicamentos ou gêneros alimentícios que integrassem a prescrição médica
e não estivessem disponíveis no sistema carcerário (STF, Pleno, EP 23 AgR/DF, Rei. Min. Roberto Barroso,
DJe 222 11/11/2014).
340 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

da prisão domiciliar, porquanto demonstrada a gravidade do estado de saúde e a


impossibilidade de o estabelecimento prisional prestar a devida assistência médica;121
III. Condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental122: referindo-
-se o dispositivo, genericamente, ao filho menor, poder-se-ia concluir, à primeira vista,
que o conceito abrange tanto a criança (pessoa de até 12 anos de idade incompletos)
e o adolescente, ou seja, aquela pessoa que possui entre 12 e 18 anos de idade (Lei n.
8.069/90, art. 2o). Sem embargo, traçando um paralelo com o art. 318, inciso III, do CPP,
reputamos mais acertada a conclusão de se trata de pessoa menor de 6 anos, tal qual
previsto no diploma processual penal. Pessoa com deficiência, por sua vez, é aquela que
tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2o do
Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei n° 13.146/15). Apesar de a Lei de Execução
Penal fazer referência à condenada, ou seja, a uma mulher, boa parte da doutrina sustenta
a possibilidade de o benefício ser concedido ao apenado do sexo masculino. Afinal, o
objetivo da prisão domiciliar nesse caso é resguardar o melhor interesse do filho menor
ou deficiente físico ou mental. Apesar de não ser tão comum, há situações em que a
única pessoa responsável pelo menor ou deficiente é o pai ou outro homem da família,
como, por exemplo, na hipótese em que o genitor tem a guarda exclusiva dos filhos.
Portanto, em observância à proteção integral e à prioridade absoluta conferidas pela
Constituição Federal às crianças e às pessoas com deficiência, há de se trabalhar, portanto,
com a mesma lógica do Código de Processo Penal, que não faz qualquer ressalva em
relação ao gênero, admitindo a substituição da preventiva pela prisão domiciliar quando
se tratar de agente “imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis)
anos de idade ou com deficiência” (art. 318, III). Enfim, o gênero não deve funcionar
como obstáculo intransponível à concessão do benefício, sendo possível, então, interpretar
extensivamente o art. 117, III, da LEP, para que alcance o homem condenado. De todo
modo, a fim de se evitar a criação de um privilégio indevido para aqueles que têm filhos
em tais condições, em patente fraude à mens legis, é de rigor a demonstração de que
a condenada (ou condenado) é, de fato, o responsável por cuidar do filho menor (ou
deficiente). Logo, se houver familiares (v.g., mãe, avó, tia, pai) em liberdade que possam
ficar responsáveis por esse filho, não há por que se determinar a substituição da prisão
penal pela domiciliar. Nessa linha, referindo-se, todavia, à prisão domiciliar cautelar do
art. 318, III, do CPP, em caso concreto de cidadã estrangeira sem domicílio no Brasil,
que foi presa em flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP transportando
para o exterior mais de 2kg de cocaína acondicionadas clandestinamente no interior de
sua bagagem, a 5a Turma do STJ deliberou pela manutenção da prisão preventiva, eis
que não ostentaria a condição de única responsável pelos cuidados dos filhos menores,
uma vez que ela mesmo teria afirmado que o pai era quem cuidava das crianças.123 Por

121 STJ, 6a Turma, HC 202.200/RJ, Rei. Min. Og Fernandes, j. 21/6/2011, DJe 24/08/2011. Em sentido semelhante:
STF, 2a Turma, HC 153.961/DF, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 27/03/2018.
122 A Resolução n. 369/21 do Conselho Nacional de Justiça estabelece procedimentos e diretrizes para a
substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com
deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do CPP, e em cumprimento às ordens coletivas de habeas
corpus concedidas pela 2a Turma do STF nos HC's 143.641/SP e 165.704/DF.
123 STJ, 5a Turma, AgRg no RHC 128.660/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.08.2020, DJe 24.08.2020.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 341

outro lado, caso os cuidados especiais de que necessitam o filho menor ou deficiente
possam ser dispensados pelo agente no próprio estabelecimento penal, não há falar em
aplicação do art. 117, III, da LEP. Nessa linha, o STJ já teve a oportunidade de concluir
que, firmada a possibilidade de se assegurar o direito à amamentação contínua na prisão,
não há por que se conceder à mulher o direito à prisão domiciliar previsto na LEP;124
IV. Condenada gestante: o art. 117, IV, da LEP, permite o cumprimento da
pena em regime domiciliar quando se trata de condenada gestante, sem fazer qual­
quer ressalva quanto ao momento da gestação, nem tampouco ao fato de se tratar
de gravidez de alto ou baixo risco. À semelhança da hipótese prevista no art. 117,
I, da LEP, há de se entender que o deferimento do benefício só deverá ocorrer na
hipótese em que o estabelecimento prisional não puder conceder tratamento adequa­
do à gestante. Nesse sentido, como já se pronunciou o STJ, referindo-se, todavia, à
prisão domiciliar de natureza cautelar prevista no CPP, “(...) não há ilegalidade na
negativa de substituição da preventiva por prisão domiciliar quando não comprovada
a inadequação do estabelecimento prisional à condição de gestante ou lactante da
condenada, visto que asseguradas todas as garantias para que tivesse a assistência
médica devida e condições de amamentar o recém-nascido”.125 A despeito do silên­
cio do legislador acerca do termo ad. quem dessa prisão domiciliar, conclui-se que
o direito à substituição cessa com o nascimento ou, ao menos, findo o puerpério,
que se estende, em média, por cerca de três meses após o parto. Findo esse lapso
temporal, a manutenção da prisão domiciliar será possível à luz do art. 117, III, da
LEP, leia-se, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental.
São estas, enfim, as 4 hipóteses previstas nos incisos do art. 117 da Lei de
Execução Penal para fins de substituição da prisão penal em regime aberto pela
prisão domiciliar. Nesse ponto, a Lei de Execução Penal diferencia-se do Código
de Processo Penal, que prevê pelo menos outras 3 hipóteses de substituição da
prisão preventiva pela domiciliar: a) mulher com filho de até 12 (doze) anos de
idade incompletos (CPP, art. 318, V, incluído pela Lei n. 13.257/16); b) homem,
caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de
idade incompletos (CPP, art. 318, VI, incluído pela Lei n. 13.257/16); c) a prisão
preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças
ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que não
tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa, e conquanto não
tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente (CPP, art. 318-A, incluído
pela Lei n. 13.769/18).

124 STJ, 5a Turma, HC 133.287/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 02/03/2010, DJe 03/05/2010. No sentido de que não
há constrangimento ilegal no indeferimento de prisão domiciliar à apenada em caso concreto em que o
estabelecimento prisional em que se encontrava recolhida possuía berçário, tendo em vista que o juízo da
execução havia deferido a permanência de seus filhos gêmeos no estabelecimento por um período de 6
(seis) meses, e tudo isso sem contar o fato de que teria sido ela condenada por praticar tráfico de drogas
em sua residência, mesmo local em que pretendia executar a pena com o benefício da prisão domiciliar:
STJ, 6a Turma, RHC 45.434-SC, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 27.06.2014, DJe 04.08.2014.
125 STJ, 5a Turma, HC 328.813/SP, Rei. Min. Leopoldo de Arruda Raposo - Desembargador convocado do TJ/PE
-, j. 1°/10/2015, DJe 08/10/2015. Na mesma linha: STJ, 5a Turma, HC 231.265/RJ, Rei. Min. Gurgel de Faria,
j. 18/12/2014, DJe 02/02/2015.
342 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Sem embargo, e não obstante os arts. 318, incisos IV e V, e 318-A do CPP


fazerem menção expressa à substituição da prisão preventiva, espécie de prisão
cautelar, há precedentes do STJ admitindo a concessão de prisão domiciliar em
circunstâncias semelhantes mesmo em se tratando de prisão penal. Por isso, em
caso concreto envolvendo acusada que havia sido beneficiada com a conversão
da preventiva em domiciliar, mas que teve contra si expedido mandado de prisão
diante do esgotamento da instância no Tribunal de Apelação - o julgado é anterior
à mudança de orientação do Supremo no julgamento das ADC’s 43, 44 e 54 -, a
5a Turma do STJ concedeu a ordem para conceder prisão domiciliar, mesmo em
se tratando de execução provisória da pena. Na visão do referido colegiado, uma
interpretação teleológica da Lei n. 13.257/2016, em conjunto com as disposições da
Lei de Execução Penal, e à luz do constitucionalismo fraterno, previsto no art. 3o,
bem como no preâmbulo da Constituição Federal, revela ser possível se inferir que
as inovações trazidas pelo novo regramento podem ser aplicadas também à fase de
execução da pena.126
Em conclusão, convém destacar que recai sobre o interessado o ônus de
comprovar categoricamente uma das situações que autorizam a prisão domiciliar.
Diversamente do que se dá no âmbito do processo penal condenatório, em que o
ônus da defesa é imperfeito, ou seja, basta criar uma dúvida razoável para que o
magistrado possa absolver o acusado (v.g., CPP, art. 386, VI, in fine), na hipótese
de substituição da prisão penal em regime aberto pela domiciliar, trata-se de ônus
perfeito, ou seja, o in dubio pro reo não favorece o agente, daí por que, ausente a
comprovação cabal pelo interessado da ocorrência de qualquer das hipóteses listadas
nos incisos do art. 117 da LEP, o pedido deverá ser indeferido.

5.3.1. Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19)


Atento ao alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus, ao agravamento
significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais, tendo em vista,
ademais, fatores como a aglomeração de pessoas, a insalubridade dessas unidades, as
dificuldades para garantia da observância dos procedimentos mínimos de higiene e
isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos, e a insuficiência de equipes de saúde,
entre outros problemas, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n.
62, de 17 de março de 2020, sugerindo aos Tribunais e magistrados a adoção de
inúmeras medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus -
Covid-19 - no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.
Grosso modo, a Recomendação n. 62, que deveria ter vigorado, pelo menos
em tese, até o dia 31 de dezembro de 2021, sugeriu aos Tribunais e Magistrados a
adoção de medidas preventivas à propagação da infecção nos estabelecimentos do
sistema prisional e do sistema socioeducativo, com reavaliação de prisões caute-
lares, concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, colocação
em prisão domiciliar e suspensão temporária do dever de apresentação regular em
juízo para pessoas em regime aberto, prisão domiciliar, penas restritivas de direitos,

126 STJ, 5a Turma, HC 487.763/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 02/04/2019, DJe 16/04/2019.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 343

sursis e livramento condicional, sempre olhando para as pessoas presas pertencentes


a grupos de risco.
Posteriormente, por força da Recomendação n. 78, de 15 de setembro de
2020, foi incluído à Recomendação n. 62 o art. 5°-A, dispondo que as medidas
ali previstas não seriam aplicáveis às pessoas condenadas por crimes previstos na
Lei n. 12.850/13 (organização criminosa), na Lei n. 9.613/98 (lavagem de capitais),
contra a administração pública, por crimes hediondos ou por crimes de violência
doméstica contra a mulher.
Na sequência, a Recomendação n. 91, de 15 de março de 2021, também do
Conselho Nacional de Justiça, fixou medidas preventivas adicionais à propagação
da infecção pelo novo Coronavírus e suas variantes no âmbito dos sistemas de
justiça penal e socioeducativo, merecendo destaque as seguintes providências: i.
reforço do controle judicial das prisões por meio de audiências de custódia, nos
termos da decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da
Reclamação n. 29.303-RJ; ii. substituição da privação de liberdade de gestantes, mães,
pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência por prisão domiciliar
sempre que possível, nos termos das ordens de habeas corpus concedidas pelo STF
nos HC’s n.s 143.641/SP e 165.704 e na forma da Resolução CNJ 369/2021; iii.
substituição da privação da liberdade de pessoas indígenas por regime domiciliar
ou de semiliberdade.
Para o STJ, a Recomendação n. 62 do CNJ, isoladamente considerada, não
teria implicado automática substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Na
visão daquela Corte, para fins de concessão desta, o eventual beneficiário deveria
demonstrar: a) sua inequívoca adequação no chamado grupo de vulneráveis do
COVID19 (v.g., pessoas idosas, gestantes, portadoras de doenças crônicas, imu-
nossupressoras, respiratórias ou de outras comorbidades preexistentes que possam
conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com
especial atenção para diabetes, tuberculose, doençs renais, HIV e coinfecções); b)
a impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se
encontra; e c) risco real de que o estabelecimento em que se encontra, e que o
segrega do convívio social, causa mais risco do que o ambiente em que a socie­
dade está inserida.127
Nessa linha de entendimento, em habeas corpus coletivo impetrado pela De-
fensoria Pública da União e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em favor de
todas as pessoas presas em locais acima da sua capacidade, que fossem integrantes
de grupos de risco para a covid-19, e que não tivessem praticado crimes com violên­
cia ou grave ameaça, a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal referendou medida
liminar, concedida, em parte, pelo Relator, Min. Edson Fachin (HC 188.820 MC-Ref/
DF, j. 24.02.2021), nos seguintes termos:

127 Com esse entendimento: STJ, 5a Turma, AgRg no RHC 128.660-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
18.08.2020, DJe 24.08.2020. No sentido de que a crise sanitária decorrente do novo coronavírus é insufi­
ciente a autorizar recolhimento domiciliar ou progressão antecipada de regime: STF, Ia Turma, HC 188.85/
ES, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 15.09.2020, DJe 29.09.2020.
344 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

a) quanto à progressão antecipada da pena: determinar que os juizes de


execução penal do país, desde que presentes os requisitos subjetivos (LEP, art. 112,
§1°), concedam progressão antecipada da pena aos condenados que estejam no regi­
me semiaberto para o regime aberto em prisão domiciliar e que, cumulativamente,
atendam aos seguintes requisitos: i) estejam em presídios com ocupação acima da
capacidade física; ii) comprovem, mediante documentação médica, pertencer a um
grupo de risco para a Covid-19; iii) cumpram penas por crimes praticados sem vio­
lência ou grave ameaça à pessoa, salvo se condenados por crimes previstos na Lei n.
12.850/13 (organizações criminosas), Lei n. 9.613/98 (lavagem de capitais), contra a
administração pública, por crimes hediondos ou por crimes de violência doméstica
contra a mulher; iv) faltem 120 (cento e vinte) dias para completar o requisito ob­
jetivo para a progressão do regime semiaberto para o aberto (art. 112 e parágrafos
da LEP). Ressalvou, todavia, que o juízo competente, caso entenda adequado, poderá
deixar de conceder ao condenado essa progressão antecipada para o regime aberto
em prisão domiciliar, caso objetivamente presentes as seguintes hipóteses cumulativas:
1) ausência de registro de caso de Covid-19 no estabelecimento prisional respectivo;
2) adoção de medidas preventivas ao novo coronavírus pelo presídio; 3) existência
de atendimento médico adequado no estabelecimento prisional. Destacou, ademais,
que, alternativamente, o juízo competente poderá deixar de conceder a progressão
caso presentes situações excepcionalíssimas que demonstrem objetivamente a ausência
de risco concreto e objetivo à saúde do detento na hipótese de sua manutenção no
cárcere e que o regime aberto em prisão domiciliar, ainda que com monitoração
eletrônica, mostrar-se-ia manifestamente inadequado ao caso concreto e causa de
demasiado risco à segurança pública;
b) quanto à prisão domiciliar e à liberdade provisória: determinar que os
juizes singulares e os Tribunais do País, quando emissores da ordem de prisão
cautelar, de ofício ou mediante requerimento das partes, concedam prisão do­
miciliar ou liberdade provisória, ainda que cumuladas com medidas diversas da
segregação (art. 319 do CPP), a presos que, cumulativamente, atendam aos seguintes
requisitos: i) estejam em presídios com ocupação acima da capacidade física; ii)
comprovem, mediante documentação médica, pertencer a um grupo de risco para
a Covid-19; iii) não estejam presos por crimes praticados sem violência ou grave
ameaça, exceto em se tratando de infrações penais previstas na Lei n. 12.850/13
(organizações criminosas), na Lei n. 9.613/98 (lavagem de capitais), contra a
administração pública, hediondas ou por crimes de violência doméstica contra a
mulher. Ressalvou, todavia, que o juiz competente, caso entenda adequado, poderá
deixar de conceder a prisão domiciliar ou a liberdade provisória, caso objetivamente
presentes as seguintes hipóteses cumulativas: 1) ausência de registro de caso de
Covid-19 no estabelecimento prisional respectivo; 2) adoção de medidas de pre­
ventivas ao novo coronavírus pelo presídio; 3) existência de atendimento médico
no estabelecimento prisional. Destacou, ademais, que, alternativamente, o juízo
competente poderá deixar de conceder prisão domiciliar ou liberdade provisória,
se acaso presentes situações excepcionalíssimas que demonstrem a ausência de
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 345

risco concreto e objetivo à saúde do detento na hipótese de sua manutenção no


cárcere e que a soltura, mesmo com a imposição de medidas cautelares diversas da
prisão (CPP, art. 319), mostrar-se-ia manifestamente inadequada ao caso concreto
e causa de demasiado risco à segurança pública.

5.4. Fiscalização da prisão domiciliar


Ao tratar da prisão-albergue domiciliar, a Lei de Execução Penal permite expres­
samente que o Juízo da Execução defina a fiscalização por meio de monitoramento
eletrônico (Lei n° 7.210/84, art. 146-B, IV, acrescentado pela Lei n° 12.258/10). Na
hipótese de comprovada violação dos deveres atinentes à monitoração eletrônica, a
prisão domiciliar poderá ser revogada (LEP, art. 146, parágrafo único, VI).
Nas hipóteses em que a execução penal estiver em tramitação em determinado
Estado da Federação, mas o acusado tiver residência em outro, impõe-se a expedi­
ção de carta precatória com a finalidade de fiscalização de prisão albergue domici­
liar, devendo recair sobre o Juízo deprecado a obrigação de fornecer tornozeleira
eletrônica, quando disponível, e de fiscalizar a medida. Ora, ainda que houvesse
prova da existência atual de tecnologia e de disponibilidade, no Juízo deprecante,
de equipamentos capazes de realizar o monitoramento de tornozeleira eletrônica
em outros Estados da Federação, ainda assim tal monitoramento interestadual não
seria aconselhável, na medida em que eventuais intercorrências derivadas de mal
funcionamento da tornozeleira não poderíam ser sanadas a partir do Estado do
Juízo deprecante, não sendo razoável se impor o deslocamento do acusado a outro
Estado, sempre que houvesse a necessidade de solucionar algum problema técnico
com o equipamento, sobretudo em um país de dimensões continentais como o
Brasil. Em tais circunstâncias, impõe-se, pois, ao Juízo deprecado lançar mão de
todos os meios a seu dispor para o bom cumprimento da precatória, dentre eles o
fornecimento de tornozeleira eletrônica, se acaso disponível.128
Caso não seja possível a utilização do monitoramento eletrônico, pensa­
mos que, em situações excepcionais, não há óbice ao emprego de vigilância
contínua na residência, caso se entenda necessária e conveniente, desde que
com discrição e sem constrangimento ao preso. Afinal, cuida-se, a prisão do­
miciliar, de verdadeira espécie de prisão, cumprida, porém, na residência do
acusado. Nesse caso, afigura-se possível a utilização, por analogia, do quanto
disposto no art. 3o da Lei n° 5.256/67, que dispõe sobre a prisão especial: “Por
ato de ofício do juiz, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade
policial, o beneficiário da prisão domiciliar poderá ser submetido a vigilância
policial, exercida sempre com discrição e sem constrangimento para o réu ou
indicado e sua família”.

128 Nesse sentido, referindo-se, todavia, à prisão domiciliar de natureza cautelar prevista no CPP: STJ, 3a Seção,
CC 174.482-MG, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 14.10.2020, DJe 20.10.2020.
346 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

5.5. Saídas controladas


Ainda que se trate de prisão domiciliar, daí não se pode concluir que o conde­
nado possa se ausentar da sua residência a qualquer momento, e independentemente
de prévia autorização judicial. Prova disso, aliás, é o teor do art. 317 do CPP, que, ao
tratar do mesmo benefício, porém de natureza cautelar, dispõe expressamente que a
prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado (ou acusado) em sua residên­
cia, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Dada a necessária simetria
que deve existir entre essas duas espécies de prisão domiciliar, é de rigor a conclusão
de que toda e qualquer saída do agente de sua residência pressupõe prévia autorização
judicial, que pode ser:
a) específica: trata-se de autorização judicial para que o acusado possa se
ausentar de sua residência apenas para uma situação determinada. Nesse caso, é
possível a aplicação analógica do art. 120 da LEP, que autoriza a saída dos con­
denados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e dos presos pro­
visórios, mediante escolta, nos seguintes casos: a.l) falecimento ou doença grave
do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; a.2) necessidade de
tratamento médico.
b) genérica: para situações mais amplas e corriqueiras, tais como frequência a
cultos religiosos, cursos profissionalizantes, ou de instrução de 2o grau ou superior
etc. A título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de
concluir que o cumprimento da prisão domiciliar não impede a liberdade de culto,
inclusive no período noturno, in verbis: “(...) considerada a possibilidade de controle
do horário e de delimitação da área percorrida por meio do monitoramento eletrônico,
o comparecimento a culto religioso não representa risco ao cumprimento da pena”.129
Uma vez autorizada a saída, a permanência do preso fora de sua residência terá
duração necessária à finalidade da saída. Ademais, é possível que essa saída seja acom­
panhada por escolta policial. Para tanto, basta que o juiz aplique, por analogia, o quan­
to disposto nos arts. 120 e 121 da LEP.

6. AUTORIZAÇÕES DE SAÍDA

As autorizações de saída são o gênero, do qual são espécies as permissões de sa­


ída e as saídas temporárias. Em linhas gerais, consistem em benefícios que podem ser
concedidos aos apenados dos regimes fechado ou semiaberto.
Aos olhos da doutrina, podem ser rotuladas como verdadeiro direito do preso,
ora constituindo aspectos de assistência em favor de todos os presidiários funda­
mentadas em razões humanitárias - permissões de saída -, ora funcionando como
uma etapa na progressão em favor de condenados que preencham determinados
requisitos e condições, incentivando um melhor relacionamento de sua parte com
o mundo exterior - saídas temporárias.

129 STJ, 6a Turma, Resp 1,788.562-TO, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.09.2019, DJe 23.09.2019.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 347

Na visão dos Tribunais Superiores, todavia, prevalece o entendimento de que


não estamos diante de um direito subjetivo do condenado, devendo ser avaliado,
em cada caso concreto, a pertinência e a razoabilidade de deferimento do benefício.
Referindo-se à saída temporária, por exemplo, assim já se manifestou a 6a Turma do
STJ: “(...) Diz a jurisprudência que o ingresso no regime prisional semiaberto é ape­
nas um pressuposto que pode, eventualmente, legitimar a concessão de autorizações
de saídas em qualquer de suas modalidades, sem, contudo, caracterizar um direito
subjetivo do reeducando à obtenção de alguma dessas benesses, devendo o Juízo das
execuções criminais avaliar, em cada caso concreto, a pertinência e a razoabilidade
em deferir a pretensão”.130

6.1. Permissões de saída


De acordo com as Regras de Mandela, “um recluso deve ser informado imedia­
tamente da morte ou doença grave de qualquer parente próximo, cônjuge ou compa­
nheiro. No caso de doença crítica de um parente próximo, cônjuge ou companheiro,
o recluso deve ser autorizado, quando as circunstâncias o permitirem, a estar junto
dele, quer sob escolta quer só, ou a participar no seu funeral” (n. 70). Nessa linha,
o art. 120 da Lei de Execução Penal dispõe que os condenados que cumprem pena
em regime fechado ou semiaberto e os presos provisórios poderão obter permissão
para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes
fatos (rol taxativo que não admite interpretação extensiva):
I - falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente,
descendente ou irmão: o objetivo do legislador é, de certa forma, tranquilizar o
preso em virtude de graves problemas de ordem familiar, ansiedade esta que pode
ser atenuada em caso de receber permissão para comparecer ao funeral ou ao local
onde seu familiar está hospitalizado. Por doença grave se entende aquela moléstia
aguda ou crônica capaz de provocar sério risco à vida do enfermo. Não exige a lei
que a doença seja incurável ou que o familiar esteja em estado terminal. Para obter
o benefício, o preso deverá comprovar o óbito (v.g., certidão de óbito), o problema
de saúde e a relação familiar. No caso de cônjuge, ascendente, descendente ou irmão,
a relação familiar deverá ser comprovada por meio de certidão, nos termos do art.
155, parágrafo único, do CPP. No caso de união estável, o vínculo poderá ser com­
provado por qualquer outro meio idôneo, desde que hábil a convencer o direitor
do presídio acerca do vínculo entre o preso e a companheira falecida (ou enferma);
II - necessidade de tratamento médico: como exposto anteriormente, consti­
tuem direitos do preso, dentre outros, a assistência à saúde (LEP, art. 41, VII), a qual,
pelo menos em regra, deve ser prestada pelo Estado no interior do estabelecimento
prisional. Dada a falência do sistema carcerário brasileiro, é extremamente comum
que o estabelecimento não esteja aparelho para prover a assistência médica neces­
sária. Daí por que a própria Lei de Execução Penal autoriza que tal assistência seja
prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento (LEP,

130 STJ, 6a Turma, RHC 35.940/MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 07.05.2013, DJe 16.05.2013. Na mesma
linha: STJ, 5a Turma, HC 170.197/RJ, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.2012, DJe 20.06.2012.
348 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

art. 14, §2°). Esse atendimento poderá ser prestado em qualquer estabelecimento
hospitalar, inclusive da rede privada, hipótese, todavia, em que o condenado deverá
arcar com os custos do atendimento, sem prejuízo das cautelas necessárias de modo
a se evitar possível fuga.
A permissão de saída tem como destinatários o condenado que cumpre pena
em regime fechado ou semiaberto e o preso cautelar, diferenciando-se, nesse ponto,
da saída temporária, que pode ser concedida apenas àqueles que cumprem pena em
regime semiaberto, pelo menos à luz do teor do art. 122, caput, da LEP. Não há
previsão de concessão da permissão de saída para os presos do regime aberto, até
porque estes, pelo menos em tese, devem se recolher à casa do albergado apenas no
período noturno e nos dias de folga. Isso sem contar no fato de que o beneficiário
do regime aberto terá direito à prisão domiciliar se acaso acometido de doença
grave, ex vi do art. 117, II, da LEP.
Por estarmos diante de uma medida de caráter administrativo, incapaz de alterar
a forma de execução da pena privativa de liberdade, a atribuição para a concessão
das permissões de saída recai sobre o diretor do estabelecimento prisional onde se
encontra o preso, dispensando-se, assim, qualquer intervenção judicial prévia. É nesse
sentido, aliás, o teor do art. 120, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84. Logicamente,
diante de eventual constrangimento ilegal perpetrado pela autoridade administrativa,
indeferindo, por exemplo, permissão de saída manifestamente cabível, nada impede
que o preso suscite a instauração do procedimento de excesso ou desvio perante o
Juízo da Execução (LEP, arts. 185, 186 e 194).
Em conclusão, convém destacar que a permanência do preso fora do estabeleci­
mento terá a duração necessária à finalidade da medida (LEP, art. 121). Trabalhando-se,
assim, com o exemplo do inciso II do art. 120 da LEP, infere-se que a permissão de
saída deverá perdurar pelo lapso temporal necessário à melhora do quadro médico
do preso, ainda que parcial, ou até que seja possível que a assistência médica seja
retomada no interior do próprio estabelecimento penal.

6.2. Saída temporária


Se as permissões de saída estão fundamentadas em razões de ordem humani­
tária, as saídas temporárias, por outro lado, visam estimular o preso a observar boa
conduta, preparando seu adequado retorno à liberdade ao reduzir, gradativamente,
o caráter de confinamento absoluto da pena privativa de liberdade, daí por que são
apontadas pela doutrina como uma verdadeira parte do sistema progressivo de exe­
cução. Funcionam, pois, como um verdadeiro meio de prova que permite verificar
se o condenado alcançou não apenas um certo grau de resistência para as tentações
da vida livre em sociedade, mas também para verificar se adquiriu um sentido de
responsabilidade suficiente para não desprezar a confiança que lhe foi depositada
por ocasião da concessão do benefício.
Mais do que benesses concedidas ao condenado, as saídas temporárias con­
substanciam-se em direito quando cumpridos os requisitos, e visam à sua reinserção
gradual na sociedade, sendo uma forma de permitir ao Juiz da execução a análise
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 349

de sua adaptação ao meio aberto, para concessão de futuros benefícios, como a


progressão para o regime aberto ou o livramento condicional. Funcionam, assim,
como importante elemento para a consecução das finalidades da execução penal,
pois fortalecem os vínculos familiares, além de reduzir as tensões inerentes ao en­
carceramento.

6.2.1. Hipóteses de saída temporária


Diversamente das permissões de saída, a LEP (art. 122) restringe a concessão
da saída temporária exclusivamente aos condenados que cumprem pena no regi­
me semiaberto - a jurisprudência entende que o benefício também é válido para
os condenados que cumprem pena no regime aberto -, sem vigilância direta, nos
seguintes casos:
I - visita à família: tomando por empréstimo o conceito constante da Lei
Maria da Penha (Lei n. 11.340/06, art. 5o, II), cuida-se, a família, da comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Justifica-se a concessão da saída
temporária nesse caso devido à importância que o contato ético-afetivo com os fa­
miliares desempenha na ressocialização do preso. Na prática, é comum autorizar-se
a saída para visita à família em datas comemorativas, como, por exemplo, Natal,
Páscoa, Dia das Mães etc.;
II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução
do segundo grau ou superior: pelo menos em regra, a assistência educacional deverá
ser oferecida no interior do estabelecimento prisional. Caso isso não seja possível, a
saída temporária apresenta-se como a solução adequada para prover o preso desse
importante instrumento de aprimoramento do seu sentido de responsabilidade
no convívio social. Apesar de o dispositivo fazer menção a frequência a curso na
comarca do Juízo da Execução, se considerarmos que o objetivo da lei é permitir a
saída do preso para estudar, retornando ao presídio tão logo concluídas as ativida­
des discentes (LEP, art. 124, §2°), o ideal é concluir que não há qualquer óbice ao
deferimento do benefício para frequência a curso ministrado na área da comarca
em que localizado o estabelecimento penal, mesmo que tal não seja a comarca do
juízo da execução;
III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio
social: de maneira genérica, o legislador faz referência à participação do condenado
em qualquer espécie de atividade capaz de concorrer para seu retorno ao convívio
social, seja ela de natureza recreativa, artística ou esportiva.

6.2.2. Vigilância do condenado


Ao contrário das permissões de saída, que são obrigatoriamente concedidas
mediante escolta (LEP, art. 120, caput), as saídas temporárias são autorizadas pelo
Juízo da Execução sem vigilância direta. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 122,
caput, infine, da LEP. Confia-se, assim, no senso de responsabilidade do condenado
quanto à sua conduta durante a visita à família, frequência a curso supletivo ou
350 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

desempenho de qualquer atividade autorizada e ao seu retorno ao estabelecimento


penal ao término do prazo da autorização.
Sem embargo, com o objetivo de auxiliar na fiscalização das diversas condi­
ções impostas ao condenado por ocasião da concessão do referido benefício (v.g.,
recolhimento domiciliar no período noturno, proibição de frequentar bares, casas
noturnas etc.), a Lei n. 12.258/10 alterou a Lei de Execução Penal para fins de dis­
por expressamente que a ausência de vigilância direta não impede a utilização de
equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar
o juiz da execução (art. 122, §1°). Nesse caso, eventual recusa do condenado em
se sujeitar ao monitoramento eletrônico impede que ele passe a usufruir da saída
temporária.

6.2.3. Beneficiários
Pelo menos à luz do art. 122, caput, da LEP, a saída temporária só pode ser
concedida aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto. Não há falar,
portanto, em concessão do benefício àqueles condenados que cumprem pena em
regime fechado.131
Quanto ao preso do regime aberto, a despeito do teor do art. 122, caput, da
LEP, parte da doutrina132 e da jurisprudência admite a concessão do benefício. Em
primeiro lugar porque, levando-se em consideração que o benefício visa proporcionar
um retorno gradual do apenado à sociedade, não haveria lógica em se excluir de seu
espectro aqueles que se encontram no regime aberto, o que, em tese, poderia permitir
que permanecessem determinado número de dias sem regresso à casa do albergado
após o cumprimento da jornada de trabalho. Em segundo lugar, porque seria por
demais contraditório conceder o benefício àqueles condenados que cumprem pena
em regime mais grave - semiaberto -, negando-o, todavia, para os presos albergados,
ou seja, justamente aqueles que já demonstraram possuir condições pessoais mais
favoráveis de reintegração à vida em sociedade.
Por fim, diversamente do que ocorre em relação à permissão de saída, não
há previsão legal de concessão da saída temporária aos presos cautelares, o que se
justifica pelo fato de o denominado carcer ad custodiam acarretar o recolhimento
do acusado à prisão em circunstâncias absolutamente semelhantes ao cumprimento
da pena em regime fechado, pelo menos em regra. Não obstante, considerando-se
que os Tribunais Superiores vêm entendendo que é desproporcional determinar
que o acusado aguarde o julgamento de apelação exclusiva da defesa em regime
mais gravoso que aquele fixado no decreto condenatório, daí por que, fixado o re­
gime inicial semiaberto para cumprimento da pena, o acusado já teria o direito de
aguardar o julgamento do recurso no mesmo regime,133 aplicando-se, desde já, as

131 STJ, 6a Turma, HC 213.575-MG, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 11.10.2011, DJe 03.11.2011.
132 AVENA. Op. cit. p. 250.
133 STJ, 5a Turma, HC 218.098/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 08/05/2012, DJe 21/05/2012; STJ, 5a Turma, HC
227.960/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18/10/2012; STJ, 5a Turma, HC 89.018, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima,
j. 18/12/2007, DJe 10/03/2008. No sentido de que há compatibilidade entre a prisão cautelar mantida
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 351

respectivas regras, inclusive os benefícios prisionais, não haveria lógica em se negar a


ele, em tais circunstâncias, a saída temporária, até mesmo porque não seria possível
a reforma da sentença impugnada para fins de imposição de regime mais gravoso.

6.2.4. Prazo
De acordo com o art. 124, caput, da LEP, “a autorização será concedida por
prazo não superior a 7 dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes du­
rante o ano”. Interpretando-se literalmente o dispositivo, poder-se-ia concluir que
o preso poderá obter até 5 (cinco) autorizações de saída temporária por ano, não
podendo cada uma delas exceder a 7 (sete) dias e nem o total superar a 35 (trinta
e cinco) dias durante o ano.134 Prevalece, todavia, a orientação de que, respeitado o
limite anual de 35 (trinta e cinco) dias, é cabível a concessão de maior número de
autorizações de curta duração. Enfim, atenta às peculiaridades da execução penal,
é possível à autoridade judiciária conceder maior número de saídas temporárias -
mais de 5 (cinco) vezes durante o ano -, de menor duração - inferior a 7 (sete)
dias -, desde que respeitado o limite de 35 dias no ano, porquanto o fracionamento
do benefício é coerente com o processo reeducativo e com a reinserção gradativa
do apenado ao convívio social.
As autorizações de saída temporária para visita à família e para participação
em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, se limitadas a cin­
co vezes durante o ano, deverão observar o prazo mínimo de 45 dias de intervalo
entre uma e outra (LEP, art. 124, §3°). Todavia, na hipótese de maior número de
saídas temporárias de curta duração, já intercaladas durante os doze meses do ano
e muitas vezes sem pernoite, não se faz necessária a observância desse intervalo, na
medida em que tal exigência criaria verdadeira dificuldade à fruição dos 35 dias de
saídas temporárias anuais, além de ir de encontro ao objetivo de solidificação dos
laços familiares, essencial para a recuperação do reeducando.
A contagem do prazo do benefício da saída temporária deve ser feito em dias
(CP, art. 10), e não em horas. Logo, não se pode admitir a contagem de tal benesse
a partir da 00:00 hora do primeiro dia, sob pena, inclusive, de se colocar em risco
a própria segurança do estabelecimento prisional.135
A limitação temporal de 35 (trinta e cinco) dias durante o ano e o intervalo
mínimo de de 45 (quarenta e cinco) dias entre uma saída e outra não são aplicáveis

pela sentença condenatória e o regime inicial semiaberto fixado nessa decisão, devendo o réu, contudo,
cumprir a respectiva pena em estabelecimento prisional compatível com o regime inicial estabelecido:
STJ, 5a Turma, HC 289.636/SP, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 20/5/2014.
134 É nesse sentido a lição de Renato Marcão (Op. cit. p. 214). Para o autor, não há compensação de dias, é
dizer, não se trata de direito adquirido a estar fora do ambiente carcerário por 35 dias a cada ano. Logo,
se uma saída for autorizada por prazo inferior a 7 (sete) dias não haverá como computar a diferença até
este total para crédito em outra saída.
135 No sentido de que o prazo máximo de sete dias previsto no art. 124 da Lei n° 7.210/84 tem natureza penal,
haja vista que se imbrica com a própria execução da pena, incluindo-se o dia do começo, portanto, no
computo do prazo da saída temporária (art. 10, CP): STF, 2a Turma, HC 130.883/SC, Rei. Min. Dias Toffoli, j.
31/05/2016, DJe 125 16/06/2016.
352 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

à saída temporária para fins de frequência a curso supletivo profissionalizante,


bem como de instrução do 2o grau ou superior (LEP, art. 122, II). Nesse caso,
sempre que houver aula, o preso poderá sair da colônia penal, permanecendo
ausente durante o tempo necessário para o exercício das atividades discentes
(LEP, art. 124, §2°).

6.2.5. Requisitos
A saída temporária não pode ser concedida de maneira automática pelo Juízo
da Execução como mera consequência do fato de o condenado ter progredido do
regime fechado para o semiaberto, ou por ter iniciado o cumprimento da sua pena
nesse regime. Na verdade, diante dos elevados riscos inerentes à concessão da saída
temporária diante da inexistência de vigilância direta, é de rigor o preenchimento
de determinados requisitos objetivos e subjetivos. Consta, assim, do art. 123 da LEP,
que a saída temporária deve ser concedida, se acaso atendidos, cumulativamente, os
seguintes requisitos:
a) comportamento adequado: por meio desse primeiro requisito, dotado
de caráter subjetivo, a ser aferido sobretudo a partir das informações prestadas
pela administração penitenciária, o condenado deve demonstrar que não sofreu
nenhuma sanção disciplinar em momento recente, que desempenha com proprie­
dade as tarefas que lhe são atribuídas, e que não se mostra refratário em relação
às obrigações decorrentes do cumprimento das penas previstas no art. 39 da LEP.
Considerando-se que o indivíduo será colocado em liberdade por até 7 (sete) dias
sem vigilância direta, o benefício só deve ser concedido quando se puder fazer
um prognóstico de que o apenado não irá se furtar às obrigações decorrentes
da condenação, evitando-se, assim, que lhe seja indevidamente concedida uma
oportunidade de fuga livre, sobretudo em se tratando de indivíduos com longas
penas a cumprir;
b) cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for
primário, e % (um quarto), se reincidente: na hipótese de progressão do regi­
me fechado para o semiaberto, a LEP não exige que o tempo mínimo de pena
exigido tenha sido cumprido integralmente no regime semiaberto, podendo ser
computado o período em que esteve no regime fechado. É nesse sentido o teor
da súmula n. 40 do STJ: “Para obtenção dos benefícios de saída temporária
e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime
fechado”.136 Exemplificando, suponha-se que determinado indivíduo primário
tenha sido condenado ao cumprimento de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de
reclusão no regime inicial fechado pela prática de crime não hediondo cometi­
do sem violência ou grave ameaça. Após o cumprimento de 16% (dezesseis por
cento) da pena no regime fechado, é beneficiado com a progressão. Nesse caso,

136 STJ, 6a Turma, RHC 1.926/RJ, Rei. Min. Carlos Thibau, j. 05/05/1992, DJ 01/06/1992; STJ, 5aTurma, HC 134.102/
RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 29/09/2009, DJe 26/10/2009.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 353

desde que presente uma das situações elencadas nos incisos I, II e III do art.
122 da LEP, poderá, desde já, pleitear o benefício da saída temporária, indepen­
dentemente de satisfazer mais 1/6 (um sexto) da pena no regime semiaberto,
conquanto preenchidos os demais requisitos. Noutro giro, diante do silêncio da
LEP acerca do assunto, prevalece o entendimento de que a prática de falta grave
durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins
de saída temporária;137
c) compatibilidade do benefício com os objetivos da pena: os objetivos da
pena são, fundamentalmente, a reeducação e a ressocialização do condenado. O
disposto no art. 123, III, da LEP, guarda relação, portanto, com o art. 122, inciso
III, do mesmo diploma normativo, no sentido de que a saída temporária só deve
ser autorizada pelo juízo da execução quando restar evidenciado que tem como
objetivo proporcionar sua participação em atividades que concorram para o re­
torno ao convívio social. Destarte, se ficar evidenciado que o preso não possui
autodisciplina e responsabilidade suficientes, impõe-se a denegação do benefício.138
Nesse sentido, como já se pronunciou a 5a Turma do STJ, “(...) não obstante a
destinatária da visita ser prima do apenado, a questão é o risco de contato do ora
recorrente com a vítima, mesmo que esta e a parente a ser visitada não residam
juntas, uma vez que a vítima também faz parte da família. Esse detalhe foi bem
analisado pelo Tribunal a quo, ressaltando-se que a longa pena a ser cumprida
pelo crime de estupro de vulnerável, no ambiente doméstico, contra a sobrinha,
desautoriza a concessão do benefício por implicar em contato com a vítima. Incide,
na espécie, mutatis mutandis, o seguinte entendimento: O Juízo das Execuções
Criminais apresentou elementos concretos que justificam o indeferimento da
saída temporária para fins de visita familiar e para trabalho externo, sobretudo
a ausência de demonstração do requisito subjetivo pelo Paciente, condenado por
estupro”.139 Eventual indeferimento de pedido de saída temporária com base no
art. 123, III, da LEP, deve ser fundamentado em dados objetivos, não sendo su­
ficientes alegações genéricas relacionadas, por exemplo, à gravidade em abstrato
do delito ou à quantidade de pena que resta a ser cumprida.

6.2.5.I. Vedação da concessão de saída temporária para condenado que


cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte
Pelo menos até o advento do Pacote Anticrime, não havia qualquer vedação à
saída temporária em virtude da natureza do delito praticado pelo agente. Especifi­
camente em relação a crimes hediondos e equiparados, diante do silêncio da Lei n.
8.072/90, à época, acerca de qualquer espécie de vedação expressa às autorizações

137 STJ, 5a Turma, HC 557.783/RS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.02.2020, DJe 28.02.2020; STJ, 6a
Turma, AgRg no REsp 1,744.448/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10.12.2019, DJe 16.12.2019; STJ, 6a
Turma, AgRg no REsp 1.755.715/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 15.10.2019, DJe 25.10.2019.
138 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 581.645/SC, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 24.11.2020, DJe 07.12.2020.
139 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 546.976/RJ, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 13.04.2020, DJe 15.04.2020.
354 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

de saída, sempre se entendeu que, a partir do momento em que o Plenário do


Supremo passou a admitir a progressão de regimes em relação a crimes hediondos
e equiparados, tendo inclusive declarado a inconstitucionalidade do regime inicial
fechado, não haveria qualquer óbice à concessão da permissão de saída e da saída
temporária, desde que preenchidos os respectivos pressupostos objetivos e subjetivos
listados pela LEP. A título de exemplo, se o condenado pela prática de um crime
hediondo qualquer estivesse cumprindo pena em regime semiaberto, ostentasse
comportamento adequado, tivesse cumprido o mínimo de 1/6 (um sexto) da pena,
se primário, e 1/4 (um quarto) da pena, se reincidente, havendo compatibilidade
do benefício com os objetivos da pena, poderia, em tese, e à época, obter autoriza­
ção para saída temporária do estabelecimento prisional para visitar a família, sem
prejuízo da utilização de equipamentos de monitoração eletrônica (LEP, art. 122,
I, e §1°). No entanto, como esse benefício não é um direito absoluto do preso, não
deveria ser concedido de maneira indiscriminada, até mesmo para não possibilitar
uma oportunidade de fuga para condenados que ainda tivessem muitos anos de
pena privativa de liberdade a cumprir.140
Com a vigência da Lei n. 13.964/19 no dia 23 de janeiro de 2020, especial
atenção deverá ser dispensada ao teor do art. 122, §2°, da LEP, incluído pelo
Pacote Anticrime: “§2° Não terá direito à saída temporária a que se refere o
caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo
com resultado morte”. Quanto ao referido dispositivo, algumas observações
hão de ser feitas: a) a vedação em questão está restrita à saída temporária. Não
abrange, portanto, a permissão de saída prevista nos arts. 120 e 121 da LEP;
b) estranhamente, o Pacote Anticrime vedou a concessão da saída temporária
apenas para condenados pela prática de crimes hediondos com resultado morte
(v.g., homicídio qualificado, latrocínio, estupro qualificado pela morte, etc.),
mas inexplicavelmente se olvidou de fazer menção aos crimes equiparados com
idêntico resultado (v.g., tortura e terrorismo). Evidente o lapso do legislador,
que, no entanto, não pode ser corrigido pelo intérprete, sob pena de indevida
analogia in malam partem e consequente violação ao princípio da legalidade; c)
por se tratar de evidente exemplo de novatio legis in pejus, o novo regramento
só deverá ser aplicado aos crimes cometidos após a vigência do Pacote Anticrime
(23 de janeiro de 2020), sob pena de violação ao princípio da irretroatividade
da lei penal mais gravosa.

6.2.6. Condições
De acordo com o art. 124, §1°, da LEP, incluído pela Lei n. 12.258/10, ao
conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições,
entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação

140 No sentido de que a saída temporária não é um direito absoluto do preso, mas estrita faculdade outor­
gada ao magistrado, daí por que pode ser indeferida em decisão devidamente fundamentada pelo juízo
da execução se acaso ausentes os requisitos de índole objetiva e subjetiva necessários à concessão do
referido benefício: STF, 1a Turma, HC 104.870/RJ, Rei. Min. Luiz Fux, j. 04/10/2011, DJe 206 25/10/2011.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 355

pessoal do condenado: I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser


visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; II - recolhi­
mento à residência visitada, no período noturno; III - proibição de frequentar bares,
casas noturnas e estabelecimentos congêneres. São as chamadas condições legais ou
obrigatórias, que têm como objetivo precípuo manter o Juízo da Execução infor­
mado acerca do paradeiro do condenado enquanto goza do benefício, assim como
minimizar os riscos de possível contato do apenado com ambientes nocivos, o que,
em tese, para além de dificultar seu processo de ressocialização, poderia facilitar
eventual reiteração criminosa.
Logicamente, há situações em que uma ou outra dessas condições legais
constantes dos três incisos acima listados não se justificam em virtude da própria
finalidade da saída temporária, como, por exemplo, no caso de autorização para
frequência a curso profissionalizante, hipótese em que o condenado deverá retornar
ao estabelecimento prisional tão logo concluídas as atividades discentes, sem que
lhe seja permitido pernoitar em qualquer residência.
Por outro lado, ao se referir a outras condições que entenda compatíveis com
as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado, o legislador confere
ao Juízo da Execução o poder de adaptar a saída temporária às particularidades
do caso concreto, estipulando condições diversas que de certa forma favoreçam
a consecução da finalidade precípua do benefício, qual seja, preparar o apenado
gradativamente para um bem-sucedido retorno ao convívio social. São as chamadas
condições judiciais ou facultativas. A título de exemplo, a doutrina141 cita a condição
de não manter o condenado contato com a vítima e seus familiares, a condição de
não se aproximar de sua residência ou local de trabalho, a condição de não dirigir
veículo automotor etc.
Como exposto anteriormente, por ocasião da concessão da saída temporária, o
Juízo da Execução também pode determinar a fiscalização do condenado por mo­
nitoramento eletrônico (LEP, art. 146-B, II). Nesse caso, além das condições acima
especificadas, o condenado será obrigado a observar diversos deveres inerentes à
utilização da referida tecnologia (LEP, art. 146-C, I e II), cujo descumprimento
pode acarretar a revogação da autorização de saída temporária (LEP, art. 146-C,
parágrafo único, II).
A violação de qualquer espécie de condição, seja ela obrigatória ou facultativa,
é causa de revogação automática do benefício, já que o art. 125, caput, da LEP,
não faz qualquer ressalva em sentido diverso. Mas não é só isso. A inobservância
dessas condições também autoriza o reconhecimento de falta grave, já que o art.
39, V, da LEP, prevê como dever do condenado a execução das ordens recebidas,
constando do art. 50, VI, do mesmo diploma normativo, que comete falta grave o
condenado à pena privativa de liberdade que deixar de observar o referido dever.
Por consequência, o apenado igualmente estará sujeito às consequências pertinentes
à homologação judicial da falta grave, como, por exemplo, a regressão de regime.

141 MIRABETE. Op. cit. p. 565.


356 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

6.2.7. Competência
Diversamente da permissão de saída, que é autorizada pelo diretor do esta­
belecimento prisional (LEP, art. 120, parágrafo único), a saída temporária só pode
ser autorizada pelo juízo da execução por meio do respectivo procedimento judicial
(LEP, art. 194). O art. 66, IV, da LEP, dispõe expressamente que compete ao juiz
da execução autorizar saídas temporárias. Na mesma linha, o art. 123 da LEP dis­
põe expressamente que a autorização será concedida por ato motivado do juiz da
execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária.
Percebe-se, à evidência, que a autorização das saídas temporárias é ato jurisdi-
cional da competência do Juízo das Execuções Penais, que deve ser motivado com
a demonstração da conveniência da medida. É o que preceitua o art. 124 da Lei
de Execução Penal, que expressa a necessidade de autorização do Magistrado, após
Manifestação do Ministério Público e da Autoridade Penitenciária. Desse modo, é
indevida a delegação do exame do pleito à Autoridade Penitenciária, impedindo
o Parquet de se manifestar quanto à concessão do benefício e, ainda, de exercer a
sua função fiscalizadora no tocante à ocorrência de excesso, abuso ou mesmo de
irregularidade na execução da medida. É nesse sentido a orientação consolidada na
súmula n. 520 do STJ: “O benefício de saída temporária no âmbito da execução
penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do
estabelecimento prisional”. Incumbe, pois, ao diretor do estabelecimento prisional
tão somente manifestar-se acerca da concessão do benefício, favorável ou desfavo­
ravelmente ao seu deferimento, conforme presentes (ou não) os requisitos objetivos
e subjetivos necessários a sua concessão. Idêntico raciocínio é válido em relação ao
órgão ministerial, implicando em nulidade absoluta a decisão proferida pelo Juízo
da Execução em relação à saída temporária sem prévia oitiva do Ministério Público.

6.2.8. Saídas temporárias automatizadas


É recomendável que cada autorização de saída temporária do preso seja prece­
dida de decisão judicial motivada. Entretanto, se a apreciação individual do pedido
estiver, por deficiência exclusiva do aparato estatal, a interferir no direito subjetivo
do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida, excepcional­
mente, a possibilidade de fixação de calendário anual de saídas temporárias por ato
judicial único, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP.142
A deficiência do aparato estatal e a exigência de decisão isolada para cada saída
temporária - dada a necessidade de cumprimento de diversas diligências para ins­
trução e posterior decisão do pleito - têm ocasionado excessiva demora na análise
do direito dos apenados, com inexorável e intolerável prejuízo ao seu processo de

142 No sentido de que um único ato judicial que analisa o histórico do sentenciado e estabelece um calendário
de saídas temporárias, com a expressa ressalva de que as autorizações poderão ser revistas em caso de
cometimento de falta, é suficiente para fundamentar a saída mais próxima e as futuras: STF, 2a Turma, HC
128.763/RJ, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 04/08/2015, DJe 18 29/01/2016.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 357

progressiva ressocialização, objetivo-mor da execução das sanções criminais, conforme


deixa claro o art. Io da Lei n. 7.210/1984.
Nesse contexto, as autorizações de saída temporária não podem negligenciar
a natureza desse instituto, concebido como instrumento integrativo voltado para
o restabelecimento do vínculo familiar e para a reaproximação do recluso com a
sociedade. É, por conseguinte, inoportuno e atentatório à dignidade que o condena­
do permaneça no regime semiaberto e, por mera e exclusiva deficiência estrutural
e funcional do aparato estatal, não tenha condições de usufruir o benefício em
questão, apesar de preencher os requisitos legais. Pela estabilidade e pela coerência
da interpretação do art. 123 da LEP, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a
possibilidade de a autoridade judicial, em única decisão motivada, autorizar saídas
temporárias anuais previamente programadas, observadas as hipóteses de revogação
automática do art. 125 da LEP.
Esse calendário prévio deve ser fixado, obrigatoriamente, pelo Juízo das exe­
cuções, não se lhe permitindo delegar à autoridade prisional a escolha das datas
específicas nas quais o apenado irá usufruir os benefícios, nos termos da súmula
n. 520 do STJ (“O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é
ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabeleci­
mento prisional”). Decerto que a administração penitenciária será ouvida e poderá
subsidiar o órgão julgador com informações relacionadas à rotina carcerária, a fim
de melhor escolher as datas que serão ideais para a fiscalização do cumprimento
dos horários e das condições do benefício. Todavia, o diretor do presídio não de­
tém atribuição legal, ou mesmo as garantias constitucionais da magistratura, para
escolha, por discricionariedade, da data em que, por conveniência do presídio ou
por pedido particular do reeducando, deverá ser usufruída a saída temporária do
art. 122 da LEP. Corroborando esse entendimento, por ocasião do julgamento do
REsp 1.544.036/RJ, a 3a Seção do STJ fixou as seguinte teses:
Ia tese: “É recomendável que cada autorização de saída temporária do preso
seja precedida de decisão judicial motivada. Entretanto, se a apreciação individual
do pedido estiver, por deficiência exclusiva do aparato estatal, a interferir no direito
subjetivo do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida,
excepcionalmente, a possibilidade de fixação de calendário anual de saídas tempo­
rárias por ato judicial único, observadas as hipóteses de revogação automática do
art. 125 da LEP”;
2a tese: “O calendário prévio das saídas temporárias deverá ser fixado, obriga­
toriamente, pelo Juízo das Execuções, não se lhe permitindo delegar à autoridade
prisional a escolha das datas específicas nas quais o apenado irá usufruir os bene­
fícios. Inteligência da Súmula n. 520 do STJ”;
3a Tese: “Respeitado o limite anual de 35 dias, estabelecido pelo art. 124 da
LEP, é cabível a concessão de maior número de autorizações de curta duração”;
4a tese: “As autorizações de saída temporária para visita à família e para par­
ticipação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, se limi­
tadas a cinco vezes durante o ano, deverão observar o prazo mínimo de 45 dias de
intervalo entre uma e outra. Na hipótese de maior número de saídas temporárias
358 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

de curta duração, já intercaladas durante os doze meses do ano e muitas vezes sem
pernoite, não se exige o intervalo previsto no art. 124, § 3o, da LEP”.

6.2.9. Revogação
Consoante disposto no art. 125, caput, da LEP, o benefício da saída temporária
será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como
crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na au­
torização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.
Diante da literalidade do dispositivo, é firme o entendimento doutrinário143
no sentido de que, presente uma das hipóteses legais, a revogação pelo Juízo da
Execução será automática, ou seja, deverá ser decretada tão logo o magistrado
tome conhecimento da causa da revogação, não se exigindo, portanto, a oitiva
prévia do condenado, nem tampouco o exaurimento do respectivo procedimento
administrativo disciplinar, sem que se possa objetar suposta violação ao princí­
pio da presunção de inocência.144 Nesse ponto, a revogação da saída temporária
diferencia-se da regressão definitiva de regime prisional, já que, nesse caso, a Lei
de Execução Penal prevê expressamente a necessidade de oitiva prévia do con­
denado na hipótese de prática de fato definido como crime dolos ou falta grave
(LEP, art. 118, §2°).
Na parte que se refere à prática de fato definido como crime doloso e pu­
nição por falta grave, o dispositivo vem ao encontro do art. 118, I, da LEP, que
prevê que a prática de fato definido como crime doloso ou falta grave dão ensejo
à regressão de regime. Isso se justifica pelo fato de que a saída temporária é con­
cedida àqueles condenados quem cumprem pena em regime semiaberto. Logo,
se a prática de fato definido como crime doloso ou de falta grave, isoladamente
considerada, já é causa de regressão do regime semiaberto para o fechado (LEP,
art. 118, I), deve igualmente provocar a revogação do benefício sob comento, o
qual é incompatível com o regime fechado. Como exposto anteriormente, o re­
conhecimento da prática desse fato definido como crime doloso dispensa o trân­
sito em julgado da condenação criminal no juízo de conhecimento, desde que a
apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal,
do contraditório e da ampla defesa (Súmula n. 526 do STJ e Tese de Repercussão
Geral fixada no tema n. 758).
Na visão dos Tribunais Superiores, o fato de o apenado não ter retornado à
colônia penal após o término da saída temporária sem a apresentação de qualquer

143 AVENA. Op. cit. p. 254.


144 No sentido de que o Juízo da Execução pode invocar a fuga do apenado, consubstanciada no fato de
não ter retornado ao sistema prisional após receber o benefício para visitar a família, de modo a revogar
a saída temporária, independentemente do exaurimento do procedimento administrativo disciplinar,
pois evidenciado o seu propósito de se furtar ao cumprimento da pena, demonstrando não possuir bom
comportamento, requisito subjetivo para o deferimento do favor legal: STJ, 5a Turma, HC 33.683-RJ, Rei.
Min. Gilson Dipp, j. 21.06.2005, DJ 01.07.2005.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 359

justificativa razoável caracteriza a falta grave prevista no art. 50, II, da LEP (“fuga”),145
e, por consequência, a revogação do benefício e a regressão de regime. O atraso no
retorno da saída temporária igualmente configura falta grave, porém aquela prevista
no art. 50, inciso VI, da LEP, eis que o apenado não estaria cumprindo as ordens
recebidas (LEP, art. 39, V),146 sujeitando-se, portanto, às mesmas consequências.
A saída temporária também deverá ser revogada quando o condenado desa-
tender às condições obrigatórias ou facultativas impostas pelo Juízo da Execução.
Na hipótese de concessão do benefício para fins de frequência a curso supletivo
profissionalizante, bem como de instrução do 2o grau ou superior (LEP, art. 122,
II), impõe-se sua revogação na eventualidade de o condenado revelar baixo grau de
aproveitamento do curso, pouco importando se por conta da desídia do apenado
ou despreparo intelectual, já que, em tal hipótese, sua saída temporária não estaria
contribuindo para o processo de reintegração social desejado. Por fim, o descum­
primento dos deveres relativos ao monitoramento eletrônico, quando determinado
pelo juiz, também deverá dar ensejo à revogação da saída temporária, nos termos
do art. 146-C, parágrafo único, inciso II, da LEP, incluído pela Lei n. 12.258/10,
caso não se revele suficiente a simples advertência escrita a que se refere o art. 146,
parágrafo único, VII, da Lei n. 7.210/84.
Presente uma das causas acima delimitadas, a revogação da saída temporária
deverá ser obrigatoriamente determinada pelo Juízo da Execução, podendo fazê-lo
inclusive de ofício, o que, à evidência, não impede que a medida seja requerida pelo
Ministério Público em sua atividade de fiscalização da regularidade da execução da
pena (LEP, art. 67).

6.2.10. Recuperação
À luz do art. 125, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, a recuperação do direito
à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da
punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.
No caso de a revogação da saída temporária ter ocorrido em virtude da prática
de crime doloso, a recuperação do direito deverá ocorrer diante de eventual absol­
vição no processo penal. A despeito da omissão do texto legal, o ideal é concluir
que apenas a absolvição transitada em julgado será capaz de produzir esse efeito.
Igual raciocínio deverá ser aplicado, a nosso juízo, na eventualidade de o inquérito
policial instaurado para a apuração desse fato definido como crime doloso ser ob­
jeto de arquivamento pelo órgão ministerial. Se acaso a saída temporária tiver sido
revogada devido à punição por falta grave, a recuperação do benefício dar-se-á na
hipótese de cancelamento da sanção disciplinar, seja por meio de decisão administra­
tiva em grau recursal, seja diante do reconhecimento de nulidade no procedimento
administrativo disciplinar (v.g., ausência de defesa técnica). Por fim, o condenado
também fará jus à recuperação da saída temporária se lograr êxito em demonstrar

145 STJ, 6a Turma, HC 175.254-RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 18.10.2011, DJe 17.11.2011.
146 STJ, 6a Turma, HC 390.313-SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 24.10.2017, DJe 06.11.2017.
360 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

que passou a merecê-lo novamente. Nesse caso, o ideal é concluir que, por um
período de tempo considerável, o condenado reestruturou seu comportamento no
interior do estabelecimento prisional, evidenciando mérito para poder usufruir mais
uma vez do benefício.
Por se tratar, a recuperação do direito ao benefício, de verdadeira nova autori­
zação para a saída temporária, impõe-se novamente a observância do procedimento
acima delimitado, leia-se, decisão do Juízo da Execução, ouvidos o Ministério Público
e a administração penitenciária, e conquanto observados os requisitos constantes
dos incisos I, II, e III do art. 123 da LEP. Não há, todavia, necessidade de que o
condenado cumpra mais 1/6 (um sexto) da pena, se primário, ou (um quarto), se
reincidente, já que a lei não exige tal requisito para a recuperação, diferenciando-se,
nesse ponto, da progressão de regimes.147

7. REMIÇÃO

Cuida-se, a remição, de benefício da competência do Juízo da Execução Penal,


por meio do qual parte da pena privativa de liberdade do condenado é abatida em
virtude do trabalho, do estudo, ou de outras atividades correlatas. Permite-se, assim,
por meio de importante benefício ressocializador, que o sentenciado reduza o tempo
de cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos previstos nos arts. 126
a 130 da Lei de Execução Penal.
Como será exposto com mais detalhes na sequência, a Lei de Execução Penal
previa, inicialmente, a possibilidade de remição da pena tão somente por meio do
trabalho do preso. Com o passar do tempo, todavia, os Tribunais passaram a admitir
o deferimento do benefício também nas hipóteses de estudo. Com a entrada em vigor
da Lei n. 12.433/11, esse entendimento jurisprudencial foi positivado, passando a Lei
de Execução Pena a prever, expressamente, a possibilidade de remição pelo estudo.
O deferimento do benefício independe da natureza do delito. Logo, autores de
crimes hediondos e equiparados ou de delitos cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa também podem ser beneficiados com a remição. Como deixa entre­
ver o art. 66, III, alínea “c”, da Lei de Execução Penal, a remição deve ser declarada
pelo Juízo da Execução. Para tanto, é de rigor a observância do contraditório e da
ampla defesa. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 126, §8°, da LEP, segundo o qual
a remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a
Defesa.

7.1. Remição pelo trabalho


Especificamente em relação à remição pelo trabalho, o art. 126, §1°, inciso II,
da LEP, incluído pela Lei n. 12.433/11, dispõe que o condenado que cumpre pena
no regime fechado ou semiaberto poderá remir parte do tempo de execução da pena
pelo trabalho, devendo ser descontado 1 (um) dia de pena para cada 3 (três) dias

147 MIRABETE. Op. cit. p. 568.


Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 361

de trabalho. Logo, nos regimes fechado e semiaberto, a remição é conferida tanto


pelo trabalho quanto pelo estudo, nos termos do art. 126 da LEP.148
Não se admite a remição pelo trabalho em relação ao condenado que cumpre
pena no regime aberto. A uma porque o art. 126, caput, da LEP, é explícito nesse
sentido, referindo-se apenas àquele que cumpre a pena em regime fechado ou se­
miaberto. A duas porque o regime aberto pressupõe o trabalho do preso, cuja recusa
é capaz de acarretar inclusive a regressão de regime prisional, nos exatos termos do
art. 36, §§1° e 2o, do Código Penal. No regime aberto, portanto, a remição somente
é conferida se há frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional,
sendo inviável o benefício pelo trabalho.149
A jurisprudência tem admitido a remição da pena pela atividade laborai inclusive
de representante de galeria, como forma de possibilitar aos apenados encarcerados
em unidades sem outras atividades laborais receberem o benefício, desde que devi­
damente reconhecida pelo estabelecimento prisional.150 Ora, não é razoável impedir
o benefício por atividade laborai relevante à organização penitenciária promovida
e reconhecida pela própria administração do estabelecimento prisional, ao argu­
mento de não comprovados a supervisão e o cumprimento de jornada, quando a
jurisprudência tem flexibilizado o art. 126 da LEP para permitir a remição da pena
pela leitura, pelo estudo por conta própria e por tarefas de artesanato.151
A remição da pena pelo trabalho, nos termos do art. 33, c/c art. 126, §1°, da
LEP, é realizada à razão de 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho,
cuja jornada diária não seja inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, o que
impõe, para fins de cálculo, a consideração dos dias efetivamente trabalhados, e não
a soma das horas.152 Logo, aquele que exercer atividade laborativa por menos de 6
(seis) horas em um dia não terá direito ao benefício, da mesma forma que aquele
que trabalhar mais de 8 (oito) horas não poderá aproveitar as horas excedentes de
trabalho na mesma data. Há, todavia, precedentes do STJ em sentido contrário,
em que se entendeu que eventuais horas extras merecem computo apenas quando
excedentes à oitiva hora diária, hipótese em que se admite o cálculo de 18 (dezoito)
horas para remição de um dia de pena. Ou seja, apenas as horas trabalhadas após a
jornada máxima legal poderão ser somadas, a fim de que, atingindo 6 (seis) horas,
sejam computadas como 1 (um) dia de trabalho para fins de remição.153

148 STJ, 5a Turma, HC 206.313-RJ, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 05.12.2013, DJe 11.12.2013; STJ, 5a Turma, HC
277.885-MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 15.10.2013, DJe 25.10.2013; STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.354.316-RS,
Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 07.03.20113, DJe 13.03.2013.
149 STJ, 5aTurma, HC 277.885-MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 15.10.2013, Dje 25.10.2013; STJ, 5a Turma, RHC 034.455-
MG, Rei. Min. Marilza Maynard - Desembargadora convocada doTJ-SE -, j. 23.04.2013, DJe 26.04.2013; STJ,
5a Turma, AgRg no REsp 1.354.316-RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 07.03.2013, DJe 13.03.2013.
150 STJ, 6a Turma, REsp 1,804.266/RS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, DJe 25/06/2019.
151 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 534.260/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 30.06.2020.
152 STF, 2a Turma, HC 144.393-RS, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 03.12.2013, DJ 10.12.2013; STJ, 6a Turma, AgRg no
HC 289.635-MG, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 03.02.2015.
153 STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.546.982/MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 22.09.2015, DJe 02.10.2015; STJ, 5a
Turma, HC 351.951/MG, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 17.05.2016, DJe 24.05.2016.
362 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Se a regra é a impossibilidade de se computar como “dia de trabalho” a jornada


laborativa inferior a 6 (seis) horas, especial atenção deve ser dispensada às hipóteses
em que isso ocorrer em virtude de determinação do próprio estabelecimento prisio­
nal, hipótese em que o Supremo Tribunal Federal já considerou válida a concessão da
remição, in verbis: (...) O direito à remição pressupõe o efetivo exercício de atividades
laborais ou estudantis por parte do preso, o qual deve comprovar, de modo inequívoco,
seu real envolvimento no processo ressocializador. É obrigatório o computo de tempo
de trabalho nas hipóteses em que o sentenciado, por determinação da administração
penitenciária, cumpra jornada inferior ao mínimo legal de 6 (seis) horas, vale dizer,
em que essa jornada não derive de ato insubmissão ou de indisciplina do preso. Os
princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o
dever estatal de honrar o compromisso de remir a pena do sentenciado, legítima
contraprestação ao trabalho prestado por ele na forma estipulada pela administração
penitenciária, sob pena de desestimulo ao trabalho e à ressocialização”.154
Por mais que, ao tratar da jornada normal de trabalho, o art. 33, caput, da
LEP contemple expressamente o descanso nos domingos e feriados, doutrina e ju­
risprudência entendem que, pelo menos para fins de remição pelo trabalho, o que
realmente importa é verificar se o condenado exerceu atividades laborativas. Destarte,
para fins de cálculo da remição pelo trabalho, devem ser levados em consideração
os dias efetivamente trabalhados, inclusive domingos e feriados, pouco importando,
ademais, se houve (ou não) autorização do juízo da execução (ou da direção do
estabelecimento prisional) nesse sentido.155
O art. 126, caput, da LEP não faz nenhuma distinção ou referência, para fins
de remição de parte do tempo de execução da pena, quanto ao local em que deve
ser desempenhada a atividade laborativa, de modo que se mostra indiferente o fato
de o trabalho ser exercido dentro ou fora do ambiente carcerário. Na verdade, a
lei exige apenas que o condenado esteja cumprindo a pena em regime fechado ou
semiaberto. Se o condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto
pode remir parte da reprimenda pela frequência a curso de ensino regular ou de
educação profissional, não há razões para não considerar o trabalho extramuros de
quem cumpre pena em regime semiaberto, como fator de contagem do tempo para
fins de remição. A ausência de distinção pela lei, para fins de remição, quanto à
espécie ou ao local em que o trabalho é realizado, espelha a própria função resso-
cializadora da pena, inserindo o condenado no mercado de trabalho e no próprio
meio social, minimizando suas chances de recidiva delitiva. A supervisão direta do
próprio trabalho deve ficar a cargo do patrão do apenado, cumprindo à administra­
ção carcerária a supervisão sobre a regularidade do trabalho. Daí, aliás, os dizeres
da Súmula n. 562 do STJ: “É possível a remição de parte do tempo de execução da
pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade
laborativa, ainda que extramuros”.156

154 STF, 2a Turma, RHC 136.509/MG, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 04.04.2017, DJ 27.04.2017.
155 STJ, 5a Turma, HC 346.948/RS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 21/06/2016, DJe 29/06/2016.
156 STJ, 3a Seção, REsp 1.381.315/RJ, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 13/5/2015, DJe 19/5/2015; STJ, 5a Turma,
HC 206.313/RJ, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 05.12.2013, DJe 11.12.2013; STJ, 5a Turma, HC 239.498/RJ, Rei.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 363

Na visão dos Tribunais Superiores, não se admite a remição por trabalho


executado em momento anterior à prática do delito referente à pena a ser remida.
Explica-se: a concessão de benefícios não pode favorecer o estímulo à prática de
novas infrações penais. O que se pretende evitar é o estímulo à prática de novos
delitos, ou seja, que, em razão de eventual “crédito” já constante em seu favor,
o apenado viesse a cometer uma nova infração, sobre a qual pretendesse, então,
eventual abatimento em razão do trabalho já realizado, o que, com efeito, não pode
ser admitido. Todavia, se o trabalho em questão tiver sido realizado em momento
posterior à prática de um dos delitos cuja condenação se executa, ainda que anterior
ao início da execução, é possível a remição da pena pelo trabalho relativamente ao
delito praticado anteriormente. Isso porque, em tal hipótese, não estaríamos diante
de fato praticado após o trabalho realizado pelo apenado, mas de delito anterior
ao labor, de modo que não haveria, in casu, qualquer estímulo ou crédito, pois a
infração penal já havia sido praticada.157

7.2. Remição pelo estudo, leitura e resenha de livros, e outras atividades


correlatas
Originariamente, a Lei de Execução Penal previa a possiblidade de remição tão
somente pelo trabalho do preso (Lei n. 7.210/84, antiga redação do art. 126, caput).
Com o passar dos anos, porém, os Tribunais passaram a entender que o conceito de
trabalho constante do caput do art. 126 não devia ficar restrito àquelas atividades
que demandam esforço físico, devendo ser ampliado àquelas que demandam esforço
intelectual, como, por exemplo, o estudo desenvolvido em um curso de alfabetização.
Surgiu, daí, a possibilidade de se estender o instituto da remição ao estudo desenvol­
vido pelo apenado. Ora, se a remição tem como objetivo precípuo incentivar o bom
comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social, ter-se-ia como
cogente a interpretação extensiva da antiga redação do art. 126, caput, da LEP, para
também abranger o estudo (analogia in bonam partem), notadamente se levarmos
em consideração que a educação formal é a forma mais eficaz de integração do in­
divíduo à sociedade. Daí, aliás, os dizeres da Súmula n. 341 do STJ: “A frequência
a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de
pena sob regime fechado ou semiaberto”.158 Confirmando a importância do estudo
como mecanismo de ressocialização, entrou em vigor em data de 10 de setembro de
2015 a Lei n. 13.163, que determina a implantação nos presídios do ensino médio,
regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio,
em fiel obediência ao preceito constitucional de sua universalização.
Essa posição jurisprudencial consolidada na súmula n. 341 do STJ acabou sendo
positivada por ocasião da vigência da Lei n. 12.433/11 (30/06/2011). Este diploma

Min. Laurita Vaz, j. 22.10.2013, DJe 05.11.2013; STJ, 6a Turma, HC 219.772/RJ, Rei. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, j. 15.08.2013, DJe 26.08.2013.
157 STJ, 6a Turma, HC 420.257/RS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 19/04/2018, DJe 11/05/2018.
158 STJ, 5a Turma, REsp 758.364/SP, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 28/09/2005, DJ 07/11/2005; STJ, 5a
Turma, HC 30.623/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 15/04/2004, DJ 24/05/2004 p. 306.
364 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

normativo alterou alguns dispositivos da LEP, dentre eles o art. 126, cujo caput pas­
sou a dispor: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto
poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena”.
A qualidade da formação pode envolver desde o ensino fundamental e médio até
o profissionalizante, superior ou de requalificação profissional, presencial ou à distância.
A proporção de abatimento da pena pelo estudo foi fixada pelo próprio legislador: 1
(um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar, divididas, no mínimo,
em 3 (três) dias, não havendo qualquer ressalva sobre a consideração apenas dos dias
úteis para a realização da referida contagem.159
Mas e se o apenado ultrapassar esse limite legal de 12 horas a cada 3 dias?
Seria possível levar em consideração esse tempo excedido para fins de remição da
pena? Aos olhos da jurisprudência, é certo que, para fins de remição da pena pelo
trabalho, a jornada não pode ser superior a 8 (oito) horas.160 No entanto, no caso
de superação da jornada máxima de 8 horas, o STJ firmou o entendimento de que
eventuais horas extras devem ser computadas quando excederem a oitiva hora diária,
hipótese em que se admite o computo do excedente para fins de remição de pena.161
O inciso II do art. 126 da LEP limita-se a referir que a remição ali regrada ocorre
à razão de “1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho”. Diferentemente,
para o caso de estudo, a jornada máxima está prevista na LEP, ao descrever que
a remição é de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar,
divididas, no mínimo, em 3 dias”, o que resulta em uma média máxima de 4 horas
por dia. Todavia, a circunstância de a LEP limitar apenas as horas de estudos não
pode impedir a equiparação com a situação da remição por trabalho. A mens legis
que mais se aproxima da intenção ressocializadora da LEP é a de que tal detalha­
mento, no inciso II, seria na verdade despiciendo, porque o propósito da norma
foi o de reger-se pela jornada máxima prevista pela legislação trabalhista. Não é
possível interpretar o art. 126 como se o legislador tivesse diferenciado as hipóteses
de remição para impedir que apenas as horas excedentes de estudo não pudessem
ser remidas, o que, a propósito, não está proibido expressamente para nenhuma das
duas circunstâncias. Com base nesse entendimento, a 6a Turma do STJ concluiu que
o tempo excedido, na frequência escolar, ao limite legal de 12 horas a cada 3 dias,
deve ser considerado para fins de remição da pena.162
Ante o silêncio da Lei, não se pode impor como requisitos para a concessão da
remição a assiduidade e o aproveitamento escolar no curso em que o apenado estiver
matriculado. A conclusão do curso também não é necessária para fins de remição
da pena pelo estudo. Logo, não cabe ao intérprete estabelecer ressalvas relativas à
assiduidade e ao aproveitamento do estudo como sendo requisitos necessários para
o deferimento da remição.163 Na verdade, se o condenado lograr êxito em concluir o

159 STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.487.218/DF, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado do TJ/
SP -, j. 05/02/2015, DJe 24/02/2015.
160 STF, 1a Turma, HC 136.701, Rei. Min. Marco Aurélio, DJe 31.07.2018.
161 STJ, 5a Turma, HC 462.464/SP, Rei. Min. Felix Fischer, DJe 28.09.2018.
162 STJ, 6aTurma, HC 461.047/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04.08.2020, DJe 14.08.2020.
163 STJ, 6a Turma, HC 289.382/RJ, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 08/04/2014, DJe 28/04/2014; STJ, 5a Turma,
RHC 034.455-MG, Rei. Min. Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ-SE -, j. 23.04.2013, DJe
26.04.2013.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 365

ensino fundamental, médio ou superior, durante o cumprimento da pena, seu tempo


a remir será acrescido de um “bônus” de 1/3 (um terço), mas desde que certificada
pelo órgão competente do sistema de educação, tal qual disposto no art. 126, §5°, da
LEP. Com base nesse dispositivo, o STJ já teve a oportunidade de concluir que faz
jus ao referido “prêmio” eventual aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM).164 Esse bônus não deverá incidir, todavia, quando se tratar de atividades
profissionalizantes e de requalificação profissional, já que o dispositivo é explícito ao
se referir à conclusão do ensino fundamental, médio ou superior.
Se o estudo confere ao apenado o direito à remição, idêntico raciocínio há de ser
aplicado às atividades de leitura e resenha de livros. Ora, ao possibilitar a abreviação
da pena, a norma do art. 126 da LEP tem por objetivo precípuo a ressocialização
do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem para se admitir
o benefício em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal.165 O
estudo está estreitamente ligado à leitura e à produção de textos, atividades que
exigem dos indivíduos a participação efetiva enquanto sujeitos ativos desse processo,
levando-os à construção do conhecimento. A leitura em si tem função de propiciar
a cultura e possui caráter ressocializador, até mesmo por contribuir na restauração
da autoestima. Além disso, a leitura diminui consideravelmente a ociosidade dos
presos e reduz a reincidência criminal. Sendo um dos objetivos da Lei de Execução
Penal, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e sua
readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva do mencionado dispositivo
é de rigor, o que revela, inclusive, a crença na leitura como método factível para
o alcance da harmônica reintegração à vida em sociedade. Aliás, com olhos postos
nesse entendimento, foram editadas a Portaria conjunta n. 276/2012, do Departa­
mento Penitenciário Nacional/MJ e do Conselho da Justiça Federal, bem como a
Resolução n. 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça.166
Na visão dos Tribunais Superiores, o fato de o estabelecimento penal assegurar
acesso a atividades laborais e à educação formal não impede a remição por leitura
e resenha de livros. Assim, as horas dedicadas à leitura e à resenha de livros, como
forma de remição pelo estudo, são perfeitamente compatíveis com a participação em
atividades laborativas fornecidas pelo estabelecimento penal, nos termos do art. 126,
§ 3o, da LEP, uma vez que a leitura pode ser feita a qualquer momento do dia e em
qualquer local, diferentemente da maior parte das ofertas de trabalho e estudo formal.167
Ainda como resultado dessa interpretação analógica in bonam partem da norma
prevista no art. 126 da LEP, e partindo da premissa de que o rol das atividades aí
listadas não é taxativo, pois não descreve todas as atividades que poderão auxiliar
no abreviamento da reprimenda, há precedentes do STJ admitindo o direito à
remição inclusive em virtude de atividade realizada em coral. Isso porque, além
do aprimoramento cultural proporcionado ao apenado, o meio musical também
promove sua formação profissional nos âmbitos cultural e artístico, é dizer, trata-se
de atividade que profissionaliza, qualifica e capacita o apenado, afastando-o do ócio

164 STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1,673.847-SC, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 18.09.2018, DJe 26.09.2018.
165 STJ, 5a Turma, REsp n. 744.032/SP, Rei. Min. Felix Fischer, DJe 5/6/2006.
166 STJ, 6a Turma, HC 312.486/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 09/06/2015, DJe 22/06/2015.
167 Nesse contexto: STJ, 5a Turma, HC 353.689/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 14/06/2016, DJe 01/08/2016.
366 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

e da prática de novos crimes, enfim, reintegrando-o à sociedade, assemelhando-se,


sob esse ponto de vista, ao trabalho e ao estudo.168
Nesse sentido, especial atenção deve ser dispensada à Resolução n. 391/21 do
Conselho Nacional de Justiça, que estabelece procedimentos e diretrizes a serem obser­
vados pelo Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de
práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade. Consoante disposto
em seu art. 2o, o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas
sociais educativas considerará as atividades escolares, as práticas sociais educativas não-
-escolares e a leitura de obras literárias. Para tanto, considera-se: a) atividades escolares:
aquelas de caráter escolar organizadas formalmente pelos sistemas oficiais de ensino, de
competência dos Estados, do Distrito Federal e, no caso do sistema penitenciário federal,
da União, que cumprem os requisitos legais de carga horária, matrícula, corpo docente,
avaliação e certificação de elevação de escolaridade; e b) práticas sociais educativas não
escolares: atividades de socialização e de educação não escolar, de autoaprendizagem
ou de aprendizagem coletiva, assim entendidas aquelas que ampliam as possibilidades
de educação para além das disciplinas escolares, tais como as de natureza cultural, es­
portiva, de capacitação profissional, de saúde, dentre outras, de participação voluntária,
integradas ao projeto político-pedagógico (PPP) da unidade ou do sistema prisional
e executadas por iniciativas autônomas, instituições de ensino públicas ou privadas e
pessoas e instituições autorizadas ou conveniadas com o poder público para esse fim.

7.2.7. Cálculo da remição da pena para aprovados nos exames nacionais


que realizam estudo por conta própria
De acordo com o art. 3o, parágrafo único, da Resolução n. 391, de 10 de maio
de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, “em caso de a pessoa privada de liberdade
não estar vinculada a atividades regulares de ensino no interior da unidade e rea­
lizar estudos por conta própria, ou com acompanhamento pedagógico não-escolar,
logrando, com isso, obter aprovação nos exames que certificam a conclusão do en­
sino fundamental ou médio (Encceja ou outros) e aprovação no Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem), será considerada como base de cálculo para fins de computo
das horas visando à remição da pena 50% (cinquenta por cento) da carga horária
definida legalmente para cada nível de ensino, fundamental ou médio, no montante
de 1.600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1.200
(mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível
médio, conforme o art. 4o da Resolução n. 03/10 do Conselho Nacional de Educação,
acrescida de 1/3 (um terço) por conclusão de nível de educação, a fim de se dar
plena aplicação ao disposto no art. 126, §5°, da LEP”. Dispositivo semelhante a este
constava do art. Io, IV, da Recomendação n. 44, de 26 de novembro de 2013, do
Conselho Nacional de Justiça, revogada pelo art. 9o da Resolução n. 391/21 do CNJ.
Há controvérsias acerca da remição da pena no patamar de 50% da carga
horária definida legalmente para o ensino fundamental, em virtude da aprovação
no ENCCEJA. Questiona-se se as 1.200h/1.600h dispostas na Resolução n. 391/2021
do CNJ já equivalem aos 50% da carga horária definida legalmente para cada nível
de ensino ou se os 50% deverão incidir sobre essas 1.200h/1.600h.

168 STJ, 6a Turma, REsp 1.666.637/ES, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26/09/2017, DJe 09/10/2017.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 367

Para o cálculo de dias remidos pelo estudo, a Resolução n. 391 do CNJ (revogada
Recomendação 44/2013 do CNJ) orienta-se pelos parâmetros previstos na Resolução
3/2010 do Conselho Nacional de Educação (CNE), a qual, todavia, deve ser conju­
gada com a carga horária prevista na Lei 9.394/1996, por se tratar de interpretação
mais benéfica ao réu. Com efeito, é manifestamente mais adequado e justo aplicar as
orientações da Resolução n. 391 do CNJ, a partir de uma interpretação in bonam partem
das demais leis que regulamentam a situação, para determinar ao cálculo da remição
da carga horária mínima do ensino fundamental regular, 800 horas anuais, totalizando
3.200 horas para os quatro anos finais de curso. A Resolução do CNE fixa a duração
mínima de 1.600 horas, de forma global, para todos os quatro anos finais do ensino
fundamental, sobre a qual deverá incidir os 50% estipulados pelo Conselho Nacional
de Justiça, parâmetro que, de fato, não atende aos fatores essenciais do princípio da
proporcionalidade. Ademais, ainda que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) seja a
modalidade de ensino ofertada nos estabelecimentos prisionais, regida pelas diretrizes
e carga horária fixadas na Resolução 3/2010 do CNE, é justamente por propiciar aos
seus aderentes novas inserções no mundo do trabalho, na vida social e na abertura
dos canais de participação, fixando-se como instrumento para a educação ao longo da
vida, na linha do que preceitua o art. 205 da Constituição Federal, é que se deve tomar
como parâmetro, para fins de remição de pena pelo estudo, a carga horária prevista
na Lei 9.394/1996. Essa solução homenageia, de modo mais adequado e proporcional,
o educando que, mesmo sem orientação de um profissional da educação e recluso em
local totalmente desfavorável para tanto, colocou-se a estudar e, por esforço próprio,
concluiu uma das etapas do ensino (o fundamental). Com base nesse entendimento, a
2a Turma do STF determinou que fosse aplicado, em benefício de determinada apenada,
o total de 1.600 horas de estudo por aprovação no Exame Nacional para Certificação
de Competências de Jovens e Adultos - ENCCEJA, o qual deve ser dividido por 12
horas, encontrando-se o resultado de 133 dias. Em seguida, considerando o acréscimo
de 1/3 decorrente da incidência do § 5o do art. 126 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução
Penal), pois a condenada concluiu o ensino fundamental, determinou que a ela fosse
concedido o direito ao desconto total de 177 dias de sua reprimenda.169
A jurisprudência do STJ também estava pacificada no sentido da interpretação
mais benéfica ao apenado. Contudo, a Sexta Turma alterou seu entendimento, pas­
sando a considerar que os 50% deveríam incidir sobre a carga horária de 1.600h
para o ensino fundamental e 1.200h para o ensino médio, resultando 800h/600h,
que seriam a base de cálculo para remição. Mais recentemente, porém, em decisão
da 3a Seção daquela Corte, concluiu-se que asl.200 hs ou 1.600 horas já equivalem
aos 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino, com base
nas quais serão calculados os dias a serem remidos.170

7.3. Remição ficta ou virtual


Levando-se em consideração que a Lei de Execução Penal assegura ao preso
a atribuição de trabalho e sua remuneração (art. 41, II), parte da doutrina sustenta

169 STF, 2a Turma, HC 190.806 AgR/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 30.3.2021.
170 STJ, 3a Seção, HC 602.425-SC, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 10.03.2021.
368 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

que eventual desídia da administração prisional em assegurá-lo ao condenado deve­


ria justificar a concessão da remição pelo trabalho, eis que a inércia do Estado em
se desincumbir de obrigações suas não poderia jamais pesar em desfavor do preso.
Ter-se-ia, então, a denominada remição ficta ou virtual, já que o apenado faria jus
ao benefício ainda que não tivesse exercido qualquer atividade laborativa.
Prevalece, todavia, seja na doutrina, seja nos Tribunais Superiores, o entendimento
contrário. A uma porque deve ser considerado o estudo (ou labor) efetivamente cum­
prido pelo apenado, sendo certo que a omissão estatal em oportunizar a realização de
tais atividades não autoriza a denominada remição ficta ou automática, por absoluta
ausência de previsão legal. A duas porque seria absolutamente desarrazoado equiparar
a situação do preso que trabalha (ou estuda) àquele que não exerce qualquer atividade
laborai (ou educacional), criando-se, assim, indesejada violação ao princípio da isonomia.
Nesse sentido, como já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, “(...) o direito à
remição pressupõe o efetivo exercício de atividades laborais ou estudantis por parte
do preso, o qual deve comprovar, de modo inequívoco, seu real envolvimento no
processo ressocializador, razão por que não existe a denominada remição ficta ou
virtual. Por falta de previsão legal, não há direito subjetivo ao crédito de potenciais
dias de trabalho ou estudo em razão da inexistência de meios para o desempenho
de atividades laborativas ou pedagógicas no estabelecimento prisional”.171

7.4. Normas gerais atinentes à remição


Compreendida a distinção entre a remição pelo trabalho, pelo estudo, e por
outras atividades correlatas, algumas observações podem ser feitas em relação à sua
concessão pelo juízo da execução:
a) Caráter (i) limitado e remição cumulativa: não consta da LEP qualquer
limitação à remição da pena. Por consequência, quanto mais o condenado dedicar-
-se aos estudos ou ao trabalho, maior será o tempo de desconto da pena privativa
de liberdade. O art. 126, § 3o, da LEP, admite expressamente a remição cumula­
tiva: “Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho
e de estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem”. Logo, se o indivíduo
trabalhar durante o dia numa jornada de 6 (seis) a 8 (oito) horas e estudar à noite
por pelo menos quatro horas, terá direito ao abatimento de 2 (dois) dias da pena a
cada três dias de exercício conjunto de ambas as atividades - 1 (um) dia por força
do trabalho e outro em virtude dos estudos;
b) Regimes de cumprimento de pena: pelo menos em regra, somente os presos
que se encontram nos regimes fechado e semiaberto têm direito à remição (LEP, art.
126, caput). No entanto, o art. 126, § 6o, da LEP, prevê que o condenado que cum­
pre pena em regime aberto ou semiaberto e aquele que está no gozo de livramento

171 STF, 1a Turma, RHC 124.775/RO, Rei. Min. DiasToffoli, j. 11/11/2014, DJe 250 18/12/2014. Com entendimento
semelhante: STF, 1a Turma, HC 124.520/RO, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 15.05.2018, DJ 27.06.2018; STJ, 5a
Turma, AgRg no REsp 1,305.450/RO, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 30/06/2015, DJe 04/08/2015; STJ, 6a Turma,
HC 175.718-RO, Rei. Min. Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ-SE -, j. 05.12.2013, DJe
16.12.2013.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 369

condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação


profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, obser­
vados os limites acima apontados. Referindo-se o dispositivo à frequência a curso
de ensino regular ou de educação profissional, fica evidente que tal permissivo não
abrange a hipótese de prestação do trabalho, cuja remição só pode ser concedida
àqueles condenados que cumprem pena no regime fechado ou semiaberto;
c) Presos cautelares: conquanto o trabalho não seja obrigatório para o preso cau­
telar (LEP, art. 31, parágrafo único), se acaso houver interesse da sua parte em fazê-lo,
também terá direito à remição. A propósito, o art. 126, §7°, da LEP, dispõe expressamente
que a concessão de remição também se aplica às hipóteses de prisão cautelar, seja pelo
trabalho, seja pelo estudo, já que o dispositivo não faz qualquer ressalva nesse sentido. De
se lembrar que tal trabalho deverá ser executado exclusivamente no interior do presídio,
o que se justifica em virtude das próprias circunstâncias que deram ensejo à decretação
da prisão cautelar do indivíduo (v.g., tentativa de fuga, risco de reiteração delituosa), que
evidentemente se mostram incompatíveis com a prestação de trabalho no meio externo.
No mais, como destaca a doutrina,172 levando-se em consideração a possibilidade de
concessão antecipada de benefícios prisionais ao preso cautelar (súmula n. 716 do STF),
o deferimento dessa remição não está condicionado ao trânsito em julgado da sentença
condenatória, podendo ocorrer em momento anterior;
d) Livramento condicional: o liberado condicional não tem direito à remição
pelo trabalho, eis que uma das condições inerentes ao livramento condicional já é a
obtenção de ocupação lícita, dentro de prazo razoável e conquanto o indivíduo seja
apto para o trabalho. Admite-se, todavia, a remição pelo estudo para o condenado
que usufrui do livramento condicional, se acaso frequentar curso de ensino regular
ou de educação profissional (LEP, art. 126, §6°);
e) Prestação de serviços à comunidade: se a pena restritiva de direitos já traz
consigo a obrigatoriedade de o condenado desempenhar tarefas gratuitas, lógica não
haveria em beneficiá-lo com a remição pelo trabalho, vez que a prestação de serviços
já é a própria pena que lhe foi imposta, cujo descumprimento, aliás, pode acarretar
a reconversão em pena privativa de liberdade (LEP, art. 181, §1°, alíneas “b” e “c”);
f) Forma de abatimento do tempo remido: com o advento da Lei n. 12.433/11,
o art. 128 da LEP passou a dispor expressamente que o tempo remido será compu­
tado como pena cumprida, para todos os efeitos.173 Isso significa dizer que o tempo
remido deve ser somado ao tempo de pena cumprida. Exemplificando, suponha-se
que determinado indivíduo, reincidente em crime cometido sem violência à pessoa
ou grave ameaça, tenha sido condenado ao cumprimento de 10 (dez) anos de pena
de reclusão pela prática de crime não hediondo, nem tampouco equiparado, obtendo,
por meio do estudo, a remição de 120 (cento e vinte) dias de pena. Nessa hipótese,

172 AVENA. Op. cit. p. 261.


173 No sentido de que o tempo remido pelo apenado por estudo ou por trabalho deve ser considerado como
pena efetivamente cumprida para fins de obtenção dos benefícios da execução, e não simplesmente como
tempo a ser descontado do total da pena: STJ, 5a Turma, HC 174.947-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 23.10.2012,
DJe 31.10.2012; STJ, 6a Turma, HC 167.537-SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.03.2012, DJe 09.04.2012;
STJ, 5a Turma, HC 206.782-SP, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 04.10.2011, DJe 20.10.211.
370 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

o lapso temporal necessário à concessão de benefícios deverá incidir sobre o total


da pena, é dizer, 10 (dez) anos, e não sobre 9 (nove) anos e 8 (oito) meses. Logo,
para fins de progressão de regimes, por exemplo, faz-se necessário o cumprimento
de 20% (vinte por cento) de 10 anos, nos termos do art. 112, II, da LEP, incluído
pelo Pacote Anticrime. Levando-se em conta que os 120 (cento e vinte) dias remidos
devem ser somados ao tempo de pena já cumprido, depreende-se que, após 1 (um)
ano e 8 (oito) meses, o condenado terá atingido o lapso temporal de 20% (vinte
por cento) de pena necessário para fins de progressão. Afinal, 1 (um) ano e 8 (oito)
meses de pena cumprida +120 (cento e vinte) dias de remição, leia-se, 4 (quatro)
meses, equivalem a 2 (dois) anos, o que corresponde a 20% (vinte por cento) da
pena de 10 (dez) anos de reclusão;
g) Comprovação das atividades desenvolvidas pelo preso: seja para fins de
remição pelo trabalho, seja para fins de remição pelo estudo (ou atividades corre­
latas), é indispensável a comprovação das atividades desenvolvidas pelo preso. Por
tal motivo, a autoridade administrativa deverá encaminhar mensalmente ao juízo
da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando
ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência
escolar ou de atividades de ensino de cada um deles (LEP, art. 129, caput). Na
eventualidade de não haver comprovação do controle sobre as atividades e perío­
dos supostamente trabalhados, não há falar em remição pelo trabalho. Por isso, há
precedentes do STJ negando a concessão de tal benefício nas hipóteses de faxina
do condenado na cela por ele ocupada.174 O condenado autorizado a estudar fora
do estabelecimento penal deverá comprovar mensalmente, por meio de declaração
da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar (LEP,
art. 129, §1°). Em consonância com o art. 41, XVI, da LEP, incluído pela Lei n.
10.713/03, que assegura ao preso o direito de receber um atestado de pena a cum­
prir, emitido anualmente, sob pena de responsabilidade da autoridade judiciária
competente, ao condenado também deverá ser entregue uma relação de seus dias
remidos (LEP, art. 129, §2°). Por fim, dispõe o art. 130 da LEP que constitui o
crime de falsidade ideológica (CP, art. 299) declarar ou atestar falsamente prestação
de serviço para fim de instruir pedido de remição;
h) Impossibilidade de prosseguir no trabalho ou nos estudos em virtude
de acidente: pelo menos em tese, é possível que o condenado sofra algum tipo de
acidente no curso da execução da pena e, por conta disso, fique impossibilitado
de dar prosseguimento às suas atividades laborativas e/ou educativas. Nesse caso,
fará jus à remição. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 126, §4°, da LEP: “O preso
impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará
a beneficiar-se com a remição”. Supondo, assim, que determinado condenado sofra
um acidente enquanto exercia atividades de limpeza urbana, ficando incapacitado
para as suas ocupações habituais por 60 dias, tal período deverá ser levado em
consideração para fins de remição, excluindo-se, logicamente, os domingos ou

174 STJ, 6a Turma, HC 116.840/MG, Rei. Min. Jane Silva - Desembargadora convocada do TJ/MG -, j. 06.02.2009,
DJe 02.03.2009.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 371

feriados, pois são dias em que não estaria desempenhando nenhuma atividade
laborativa. Há precedentes do STJ no sentido de que o acidente em questão não
necessariamente precisa guardar relação com as atividades laborativas do apenado.
A título de exemplo, já se entendeu que o acidente in itinere, aquele classificado
como sendo o ocorrido no deslocamento para o local de trabalho, autoriza a
concessão da remição.175

7.5. Falta grave e perda dos dias remidos


Em sua redação original, o art. 127 da LEP dispunha que o condenado que
fosse punido por falta grave perdería o direito ao tempo remido, começando o novo
período a partir da data da infração disciplinar. Sempre houve controvérsias acerca
da constitucionalidade dessa perda da integralidade dos dias remidos. De um lado,
havia quem entendesse que essa normatização violava não apenas o direito adquirido,
mas também a coisa julgada e o princípio da individualização da pena. Destarte,
ante a impossibilidade de haver a perda da integralidade dos dias remidos, ter-se-ia
como viável a aplicação do art. 58 da Lei de Execução Penal para limitar a perda
a 30 (trinta) dias.
À época, todavia, acabou prevalecendo a tese contrária.176 Aos olhos do Su­
premo Tribunal Federal, não haveria direito adquirido à remição, pois o direito
fora adquirido sob clara condição legal resolutiva, qual seja, não punição por falta
grave. Também não haveria ofensa à coisa julgada, porquanto não há aplicação de
outra pena, nem alteração da sentença condenatória. Por fim, revelar-se-ia inviável
a aplicação do art. 58 da Lei de Execução Penal para limitar a perda a 30 (trinta)
dias, uma vez que o dispositivo trata de isolamento, suspensão e restrição de direitos,
não tendo, pois, pertinência com a remição. Como espécie de prêmio concedido
ao condenado em razão do tempo dedicado ao trabalho ou ao estudo, a remição
estaria sujeita à cláusula rebus sic stantibus, gerando, portanto, mera expectativa de
direito. A concessão do benefício não produz coisa julgada material, podendo ocorrer
a revogação dos dias remidos diante do reconhecimento da prática de falta grave
pelo apenado. Como se pronunciou o Min. Carlos Britto,177 os dias remidos deviam
ser contabilizados, como em uma conta bancária, em favor do prisioneiro. Porém,
esse registro contábil poderia ser estornado diante de uma falta grave. E o objetivo
dessa contabilização seria levar o próprio apenado a, conhecendo os benefícios
gradativamente obtidos, motivar-se para não cometer nenhuma falta, pois ele sabia
que, cometida uma falta grave, a perda seria enorme, pois teria a sua contabilidade

175 STJ, 5a Turma, Resp 783.247/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 12.09.2006, DJ 12.09.2006.
176 No sentido de que a decisão que reconhece a remição da pena, em virtude de dias trabalhados, não faz
coisa julgada nem constitui direito adquirido: STJ, 6a Turma, REsp 1.417.326-RS, Rei. Min. Marilza Maynard
- Desembargadora convocada doTJ-SE -, j. 25.02.2014, DJe 14.03.2014; STJ, 5a Turma, HC 280.020-SP, Rei.
Min. Laurita Vaz, j. 17.12.2013, DJe 03.02.2014; STJ, 6a Turma, HC 177.176-SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior,
j. 18.10.2011, DJe 17.11.2011.
177 STF, 1a Turma, HC 89.784/RS, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 21/11/2006, DJ 02/02/2007 p. 115.
372 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

zerada. Enfim, com o objetivo de uniformizar a interpretação da legislação federal


acerca do assunto à luz da Constituição Federal, o Supremo editou a súmula vin-
culante n. 9: “O disposto no art. 127 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi
recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal
previsto no caput do art. 58”.178
A súmula vinculante n. 9 foi aprovada pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal em data de 11 de junho de 2008. Ocorre que, em data de 30 de junho de
2011, entrou em vigor a Lei n. 12.433/11, conferindo nova redação ao art. 127 da
Lei de Execução Penal, in verbis: “Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar
até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçan­
do a contagem a partir da data da infração disciplinar”. Desde então, a perda de
dias remidos não mais poderá incidir sobre a totalidade do tempo remido, mas
tão somente até o limite de 1/3 (um terço) desse montante, cabendo ao Juízo das
Execuções aferir o quantum de perda (1/3, 1/4, 1/5, etc.), devendo, para tanto, se
valer motivadamente dos critérios elencados pelo art. 57 da LEP (natureza, moti­
vos, circunstâncias e consequências do fato, pessoa do faltoso e tempo de prisão).
De se notar que o art. 127, caput, da LEP, limita a 1/3 (um terço) a perda dos
dias remidos como corolário da falta grave. Subsiste, todavia, a possibilidade de
aplicação das demais sanções decorrentes do cometimento dessa espécie de falta,
como, por exemplo, a regressão de regime prisional, tal qual previsto, aliás, no
art. 118, I, da LEP.
Nesse ponto, cuida-se, a Lei n. 12.433/11, de evidente exemplo de novatio
legis in mellius. Esse novo regramento deverá, portanto, à luz do art. 5o, XL, da
Constituição Federal, retroagir em favor dos condenados que tiveram declarada a
perda da integralidade dos dias remidos, desde que, logicamente, ainda não tenha
ocorrido a extinção da pena. Enfim, observado o limite máximo de 1/3 da perda
dos dias remidos, deverá o juízo da execução restituir aos executados atingidos pela
redação original do art. 127 da LEP, no mínimo, o equivalente aos 2/3 (dois terços)
que haviam perdido.179
No tocante à súmula vinculante n. 9, é fato que esse novo regramento intro­
duzido pela Lei n. 12.433/11 acarretou a superação sumular normativa do referido
verbete sumular. Em outras palavras, esse precedente perdeu seu caráter vinculante,
sendo substituído por outra disciplina, por meio de uma técnica de revisão jurispru-
dencial denominada de overruling. Na verdade, a súmula sob comento permanece
válida somente no aspecto em que afirma a constitucionalidade da perda de dias

178 STF, Pleno, RE 452.994/RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23/06/2005, DJ 29/09/2006; STF, 2a Turma, HC
100.953/RS, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 16/03/2010, DJe 62 08/04/2010.
179 STF, 2a Turma, HC 110.566/SP, Rei. Min. Ayres Britto, j. 28/02/2012, DJe 111 06/06/2012. No mesmo contexto:
STF, 2a Turma, HC 110.317/MS, Rei. Min. Ayres Britto, j. 07/02/2012, DJe 73 13/04/2012; STF, 2a Turma, HC
110.040/RS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 08/11/2011, DJe 226 28/11/2011; STJ, 5a Turma, HC 230.659-SP, Rei.
Min. Laurita Vaz, j. 05.11.2013, Dje 19.11.2013; STJ, 5a Turma, Edcl nos EDcl no REsp 1,238.276-SP, Rei. Min.
Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ-SE -, j. 13.08.20113, DJe 30.08.2013; STJ, 5a Turma,
HC 426.740-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 15.05.2018, Dje 24.05.2018; STJ, 5a Turma, HC 210.062-SC, Rei. Min.
Gurgel de Faria, j. 19.03.2015, Dje 06.04.2015.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 373

remidos em virtude de falta grave. Porém, essa perda não mais poderá atingir a
integralidade dos dias remidos, devendo ser observado o limite máximo de 1/3 (um
terço) desse montante.
O reconhecimento de falta grave no curso da execução penal justifica a per­
da de até 1/3 (um terço) do total de dias trabalhados pelo apenado até a data do
ato de indisciplina carcerária, ainda que não haja declaração judicial da remição,
consoante a interpretação sistemática e teleológica do art. 127 da LEP.180 Por outro
lado, uma vez reconhecida a falta grave, a perda de até 1/3 do tempo remido (art. 127
da LEP) pode alcançar dias de trabalho anteriores à infração disciplinar e que ainda
não tenham sido declarados pelo juízo da execução no computo da remição. Como
exposto anteriormente, a remição na execução da pena constitui benefício submetido
à cláusula rebus sic stantibus. Assim, o condenado possui apenas a expectativa do
direito de abater os dias trabalhados do restante da pena a cumprir, desde que não
venha a ser punido com falta grave. Nesse sentido, quanto aos dias de trabalho a
serem considerados na compensação, se, por um lado, é certo que a perda dos dias
remidos não pode alcançar os dias trabalhados após o cometimento da falta grave, sob
pena de criar uma espécie de conta corrente contra o condenado, desestimulando o
trabalho do preso, por outro lado, não se deve deixar de computar os dias trabalha­
dos antes do cometimento da falta grave, ainda que não tenham sido declarados pelo
juízo da execução, sob pena de subverter os fins da pena, culminando por premiar
a indisciplina carcerária.181
Apesar de o art. 127 da LEP dizer que o juiz poderá revogar até 1/3 (um
terço) do tempo remido, doutrina e jurisprudência entendem que não se trata de
mera faculdade conferida ao juízo da execução, que pode ser afastada em face da
imposição de outras sanções, a exemplo da regressão de regime. Na verdade, ante
a existência de punição por falta grave, é obrigatória a declaração da perda dos
dias remidos. A discricionariedade que o magistrado possui recai exclusivamente
sobre a fixação do quantum de tempo a ser perdido, observado, logicamente, o
limite máximo de 1/3 (um terço).182 Enfim, cabe ao juízo da execução, portanto,
fixar a fração aplicável de perda dos dias remidos na hipótese de cometimento
de falta grave, observando o limite máximo de 1/3 (um terço) do total e a neces­
sidade de fundamentar a decisão em elementos concretos, conforme o art. 57 da
Lei de Execução Penal.183
Por fim, convém lembrar que a falta grave, por si só, não acarreta a perda de
até 1/3 (um terço) dos dias remidos. Na verdade, é imprescindível a efetiva punição
pela falta grave, imposta ao final de procedimento administrativo disciplinar regu­
larmente instaurado no âmbito do estabelecimento prisional, resguardando-se, assim,

180 STJ, 6a Turma, REsp 1.672.643-RS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 03.10.2017, DJe 09.10.2017; STJ, 6a Turma,
REsp 1.517.936-RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 01.10.2015, DJe 23.10.2015.
181 STJ, 6a Turma, REsp 1.517.936/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 01/10/2015, DJe 23/10/2015.
182 STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.424.583/PR, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03/06/2014, DJe
18/06/2014; STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1,430.097/PR, Rei. Min. Felix Fischer,j. 19/03/2015, DJe 06/04/2015.
183 STJ, 6a Turma, HC 248.232-RJ, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03.04.2014, DJe 15.04.2014; STJ, 5a
Turma, HC 242.634-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18.03.2014, DJe 28.03.2014.
374 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

o exercício da mais ampla defesa. A propósito, eis o teor da Súmula n. 533 do STJ:
“Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal,
é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do esta­
belecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado
constituído ou defensor público nomeado”.

8. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

O sursis é a suspensão condicional da execução da pena privativa de liberda­


de, na qual o acusado, se assim o desejar, sujeita-se ao cumprimento de condições
durante um período de prova, as quais são fixadas, pelo menos em regra, pelo juiz
do processo de conhecimento por ocasião da prolação da sentença condenatória,
conquanto preenchidos certos requisitos legais (CP, art. 77).
À luz do sistema franco-belga adotado pelo Código Penal brasileiro, o acusado
é regularmente processado, e, com a condenação, lhe é atribuída uma pena privativa
de liberdade. Todavia, levando-se em consideração condições legalmente previstas,
o magistrado suspende a sua execução por determinado período de prova, durante
o qual o acusado deve atender às condições impostas, revelando, assim, bom com­
portamento e ressocialização, sob pena de ser obrigado a cumprir integralmente a
sanção penal que lhe fora imposta.
A medida foi concebida como forma de se evitar o cumprimento de uma
pena privativa de liberdade de curta duração. Quando se trata de condenado não
reincidente em crime doloso, e autor de infração de reduzida potencialidade lesiva,
trabalha-se com a ideia de que não é razoável sujeitar o indivíduo a todos os efeitos
nefastos do cárcere (v.g., perda de emprego, separação da família, desmoralização
social, contato pernicioso com criminosos de toda a espécie, ineficiência corretiva
do sistema carcerário etc.).
Consoante disposto no art. 15, inciso III, da Constituição Federal, é vedada
a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de
condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. Destarte,
partindo da premissa de que, no curso do período de prova, o sursitário se submete
às condições estabelecidas, estando presentes, portanto, os efeitos de uma condenação
irrecorrível, é certo afirmar que o sursis implica a suspensão dos direitos políticos,
pelo menos até que seja declaração a extinção da pena privativa de liberdade em
virtude do decurso do período de prova (CP, art. 82).

8.1. Natureza jurídica


Há pelos menos 4 (quatro) correntes acerca da natureza jurídica da suspensão
condicional da pena:
a) instituto de política criminal: o sursis não pode ser conceituado como
espécie de pena, porquanto busca exatamente evitar a execução de uma delas,
qual seja, a privativa de liberdade. Também não pode ser rotulado como uma
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 375

espécie de benefício, eis que sujeita o condenado ao cumprimento de condi­


ções obrigatórias. Logo, o ideal é concluir que se trata de medida alternativa
de cumprimento da pena privativa de liberdade fundamentada em razões de
política criminal;
b) pena: a despeito de não encontrar previsão legal no art. 32 do Código
Penal,184 cuida-se, o sursis, de verdadeira modalidade de pena. É nesse sentido a
lição de Cezar Roberto Bitencourt: “não é mais que uma simples modificação na
forma de cumprimento das penas que suspende, especialmente na regulamentação
do CP, que determina que, no primeiro ano de prazo, deverá o condenado prestar
serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art.
48). Em realidade é uma alternativa aos meios sancionatórios com que conta o
moderno Direito Penal”;185
c) condição resolutória do direito de punir: há quem entenda que a sus­
pensão condicional da pena funciona como verdadeira condição resolutória, eis
que o exercício do direito de punir fica condicionado ao implemento de um
evento futuro e incerto, qual seja, a inobservância das condições fixadas pelo
magistrado;
d) direito público subjetivo do condenado (nossa posição): conquanto não se
possa negar que o magistrado seja dotado de certa discricionariedade para verificar
se estão presentes os requisitos da suspensão condicional da pena, notadamente no
tocante à análise das circunstâncias judiciais do art. 77, II, do CP, é fato que, uma
vez preenchidos tais requisitos, será de rigor a concessão do benefício. Não há, por­
tanto, uma mera faculdade judicial. A obrigação legal de fundamentar a concessão
(ou denegação) do sursis constante do art. 157 da LEP reforça o entendimento de
parte da doutrina que enxerga na suspensão condicional um verdadeiro direito
público subjetivo do acusado. Há precedentes dos Tribunais Superiores nesse sen­
tido, senão vejamos: “(...) Preenchidos os requisitos previstos no art. 77 do Código
Penal, deve ser reconhecido o direito subjetivo do paciente à suspensão condicional
da pena (sursis)”.186

8.2. Suspensão condicional da pena e suspensão condicional do processo


Não se deve confundir a suspensão condicional da pena com a suspensão
condicional do processo (ou sursis processual), prevista no art. 89 da Lei n.
9.099/95. A despeito da nomenclatura semelhante, são inúmeras as diferenças
entre os institutos:
a) quanto ao sistema: a suspensão condicional da pena, tal qual regulamentada
entre os arts. 77 e 82 do Código Penal, foi inspirada no sistema franco-belga. Neste,
o indivíduo é regularmente processado e, se acaso condenado, lhe será atribuída

184 CP: Art. 32. As penas são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa.
185 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 730.
186 STJ, 5a Turma, HC 309.535/SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 22/08/2017, DJe 04/09/2017.
376 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

uma pena privativa de liberdade. Preenchidos determinados requisitos objetivos e


subjetivos, porém, e de modo a se evitar o cumprimento de uma pena de prisão
de curta duração, autoriza-se o juiz a suspender a sua execução por determina­
do período, no curso do qual o condenado deverá revelar bom comportamento
e se sujeitar ao cumprimento de certas condições, sob pena de ser obrigado a
cumprir a sanção que lhe fora aplicada de maneira integral. Em sentido diverso,
a suspensão condicional do processo busca inspiração no sistema do “probation
offirst offenders act”, por meio do qual o magistrado determina o sobrestamento
do processo penal, permitindo que o acusado permaneça em liberdade, desde que
se sujeite ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, sem,
porém, declará-lo culpado. Não observadas tais condições, o processo terá seu
curso normal restaurado;
b) quanto ao objeto da suspensão: como o próprio nome sugere, a suspensão
condicional do processo, verdadeiro negócio jurídico celebrado entre o autor do
fato delituoso e o titular da ação penal, implica a suspensão do processo criminal,
pelo menos em regra imediatamente após o recebimento da peça acusatória, muito
embora também seja possível no curso do processo, tal como ocorre nos casos de
desclassificação ou procedência parcial da pretensão acusatória (súmula n. 337 do
STJ).187 Em sentido diverso, o sursis acarreta a suspensão da execução de uma pena
privativa de liberdade, o que significa dizer que, nessa hipótese, o indivíduo deverá
ter sido regularmente processado e condenado, obstando-se o cumprimento da pena
de prisão por razões de política criminal;
c) quanto à quantidade de pena: especificamente em relação ao quantum
de pena, o sursis pressupõe, pelo menos em regra, que a pena privativa de li­
berdade não seja superior a 2 (dois) anos. Para fins de concessão da suspensão
condicional do processo, o art. 89, caput, da Lei n. 9.099/95 estabelece que aos
crimes (e contravenções) deverá ser cominada pena mínima igual ou inferior a
1 (um) ano;
d) quanto à reincidência: dado o momento em que a proposta de suspen­
são condicional da pena é oferecida ao indivíduo, tem-se como irrefutável o
fato de que se trata de indivíduo que foi condenado por sentença condenatória
irrecorrível. Logo, na eventualidade de vir a praticar novo crime, deverá ser
tratado como reincidente para os fins do art. 63 do Código Penal. Em sentido
diverso, o fato de o agente aceitar uma proposta de suspensão condicional do
processo não implica aceitação de culpa. Logo, se acaso o agente vier a cometer
novo crime no curso do período de prova do sursis processual, jamais poderá
ser tratado como reincidente.

187 Súmula n. 337 do STJ: "É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na
procedência parcial da pretensão punitiva".
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 377

8.3. Espécies
A doutrina costuma apontar a existência de pelo menos 4 (quatro) espécies dis­
tintas de sursis:
a) sursis simples (CP, art. 78, §1°): deverá ser aplicado na hipótese em que
o condenado não tiver reparado o dano injustificadamente, e/ou as circunstâncias
do art. 59 do CP não lhe forem completamente favoráveis;
b) sursis especial (CP, art. 78, §2°): deverá ser aplicado quando o condenado
tiver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do
art. 59 do CP lhe forem inteiramente favoráveis;
c) sursis etário: de acordo com o art. 77, §2°, Ia parte, do CP, a execução da
pena privativa de liberdade, não superior a 4 (quatro) anos, poderá ser suspensa,
por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de 70 (setenta) anos de
idade. Embora não haja referência expressa ao momento a ser considerado, o ideal
é concluir que o dispositivo se refere à idade do condenado por ocasião da sentença,
seja pelo fato de o legislador fazer uso da palavra “condenado”, seja por conta de
uma necessária analogia com os arts. 65, I, e 115, ambos do Código Penal;188
d) sursis humanitário: é aquele aplicável quando razões de saúde do condenado
justificarem a concessão do benefício. Há necessidade, portanto, que o sentenciado
seja portador de moléstia incurável em estado avançado, como, por exemplo, a
Aids, ou grave, inabilitante, etc. À semelhança do sursis etário, a pena privativa de
liberdade não poderá ser superior a 4 anos, e o período de prova deverá variar de
4 (quatro) a 6 (seis) anos.

8.4. Requisitos
Os requisitos para a concessão da suspensão condicional da pena constam, gros­
so modo, do art. 77 do Código Penal, e subdividem-se em objetivos e subjetivos.

8.4.7. Requisitos objetivos


A partir da leitura dos arts. 77 a 82 do CP, é possível afirmar que a concessão do
sursis está condicionada ao preenchimento dos seguintes requisitos objetivos:
a) natureza da pena: a suspensão condicional da pena está restrita às penas
privativas de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples). De fato, consoante
disposto no art. 80 do Código Penal, a suspensão não se estende às penas restritivas
de direitos nem à multa. Também não se aplica o sursis nos casos de medida de
segurança, vez que não se trata de espécie de pena privativa de liberdade;

188 CP: "Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na
data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; (...)"; "Art. 115. São reduzidos de metade
os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou,
na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos".
378 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

b) quantidade da pena: no caso do sursis simples ou especial, a concessão


do sursis fica condicionada ao fato de a pena privativa de liberdade constante da
sentença condenatória não ser superior a 2 (dois) anos. Se, todavia, por ocasião
da prolação da sentença (ou acórdão), o condenado for maior de 70 (setenta)
anos de idade (sursis etário) ou razões de saúde justificarem (sursis humanitário),
admite-se o sursis se a pena privativa de liberdade não for superior a 4 (quatro)
anos. De se notar que o concurso de crimes, por si só, não inviabiliza a concessão
da suspensão condicional da pena. Na verdade, em tal hipótese, independente­
mente da espécie de concurso (material, formal ou continuidade delitiva), há de
ser levar em consideração o quantum final decorrente do cúmulo material (ou da
majoração) das penas, o qual, à evidência, não poderá ultrapassar o limite legal,
a depender da espécie de sursis. Excedendo de dois anos as penas aplicadas, não
poderá o sentenciado ser beneficiado com a suspensão condicional da pena, pouco
importando que qualquer delas, isoladamente considerada, não exceda o limite a
que se refere o art. 77 do CP. Por fim, especial atenção deve ser dispensada à Lei
que define os crimes ambientais. Isso porque, consoante disposto no art. 16 da
Lei n. 9.605/98, nos crimes previstos no referido diploma normativo, a suspensão
condicional da pena pode ser aplicada nos casos de condenação a pena privativa
de liberdade não superior a 3 (três) anos;
c) não ser indicada ou cabível a substituição da pena privativa de li­
berdade por restritiva de direitos: há, entre as penas restritivas de direito e o
sursis, uma verdadeira relação de prejudicialidade, pois a suspensão condicional
da pena somente será cabível quando não tiver lugar a aplicação de tal espécie
de pena, como medida substitutiva à prisão imposta na sentença condenató­
ria. Com a ampliação do âmbito de incidência das penas restritivas de direito
pela Lei n. 9.714/98, cabíveis quando aplicada pena privativa de liberdade não
superior a 4 (quatro) anos, é fácil deduzir que, desde então, o sursis teve seu
campo de aplicação sensivelmente reduzido. Atualmente, portanto, será cabível
apenas quando o agente, não reincidente em crime doloso, for condenado ao
cumprimento de uma pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anos
por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa (v.g., roubo ten­
tado), hipótese em que não seria cabível a substituição da pena por restritiva
de direitos, ex vi do art. 44, inciso I, do CP.

8.4.1.1. Sursis e crimes hediondos ou equiparados


Em relação à concessão do sursis ao condenado pela prática de crimes
hediondos e equiparados, não há qualquer vedação expressa na Constituição
Federal, nem tampouco na Lei n° 8.072/90. No entanto, como o art. 2o, § Io,
da Lei n° 8.072/90, dispunha, em sua redação original, que a pena deveria ser
cumprida integralmente em regime fechado, os Tribunais sempre entenderam
que a Lei dos Crimes Hediondos estaria a exigir a efetiva execução da pena
privativa de liberdade em regime integralmente fechado, o que, em tese, fun­
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 379

cionaria como óbice à concessão de quaisquer benefícios penais que viessem


a substituir o efetivo cumprimento da pena de prisão.189
Em sentido diverso, todavia, grande parte da doutrina sempre entendeu que
a Lei dos Crimes Hediondos exigia apenas o cumprimento da pena privativa de
liberdade em regime fechado integral, ou, a partir da Lei n° 11.464/07, em regime
inicial fechado, pelo menos enquanto não declarada a sua inconstitucionalidade,
o que, no entanto, não seria incompatível com a concessão do sursis, que, aliás,
funciona exatamente como causa suspensiva da execução da pena de prisão. Em
outras palavras, o disposto no art. 2o, § Io, da Lei n° 8.072/90, não impediría a
concessão da suspensão condicional da pena. Afinal, como o sursis substitui con­
dicionalmente a execução da pena privativa de liberdade, é de todo evidente que
a concessão desse benefício antecede o efetivo cumprimento da pena privativa
de liberdade, que, se acaso fosse necessário, aí sim deveria ser feito em regime
inicial fechado.
A partir do momento em que os Tribunais Superiores reconheceram a in­
constitucionalidade do regime integral fechado para o cumprimento da pena pela
prática de crimes hediondos (STF, HC 82.959/SP), passando a admitir, em tese,
a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (STF, HC
97.256/RS), houve inevitável mudança de orientação jurisprudencial em relação à
concessão do sursis, cuja aplicação vem sendo admitida, desde que preenchidos os
requisitos objetivos e subjetivos do art. 77 do Código Penal.190
Não obstante a possibilidade de concessão do sursis aos crimes hediondos, é
bom ressaltar que, especificamente em relação ao tráfico de drogas, ante a vedação
constante do art. 44 da Lei n° 11.343/06, os Tribunais ainda vêm considerando ser
legítima a proibição da concessão da suspensão condicional da pena aos crimes dos
arts. 33, caput e § Io, e 34 a 37 da referida Lei, o que, a nosso ver, causa bastante
estranheza, porquanto se confere tratamento desigual a crimes que são equiparados
por força da própria Constituição Federal.191
Ressalva especial, todavia, deve ser feita em relação ao crime de tráfico privi­
legiado previsto no art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06. Uma vez declarada a inconsti­
tucionalidade pelo STF e suspensa a execução pelo Senado, da norma que vedava a
conversão da pena em restritiva de direitos, não há mais razão legal, jurisprudencial
ou doutrinária que justifique a negativa da suspensão da execução da pena aos con­

189 STF, 1a Turma, HC 72.697/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, j. 19/03/1996, DJ 21/05/1999; STJ, 5a Turma, HC
31.656/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 06/05/2004, DJ 07/06/2004 p. 251; STJ, 5a Turma, HC 28.227/RJ, Rei. Min.
Jorge Scartezzini, j. 16/10/2003, DJ 19/12/2003 p. 524.
190 No sentido de que a interpretação sistemática dos textos relativos aos crimes hediondos e à suspensão
condicional da pena conduz à conclusão sobre a compatibilidade entre ambos: STF, Ia Turma, HC 84.414/
SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 14/09/2004, DJ 26/11/2004.
191 Para o Supremo, "o óbice, previsto no artigo 44 da Lei n° 11.343/06, à suspensão condicional da pena imposta
ante tráfico de drogas mostra-se afinado com a Lei n° 8.072/90 e com o disposto no inciso XLIII do artigo
5o da Constituição Federal": STF, Ia Turma, HC 101.919/MG, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 06/09/2011, DJe 206
25/10/2011. Com entendimento semelhante: STJ, 5a Turma, HC 197.268/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 26/02/2013,
DJe 06/03/2013.
380 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

denados por tráfico privilegiado, já que a conversão é norma mais benéfica e que
tem aplicação com juízo de precedência sobre o sursis. É desproporcional e carece
de razoabilidade a negativa de concessão de sursis em sede de tráfico privilegiado
se já restou superada a própria vedação legal à conversão da pena, mormente após
o julgado do Pretório Excelso que decidiu não se harmonizar a norma do parágrafo
4o com a hediondez do delito definido no caput e parágrafo Io do artigo 33 da Lei
de Tóxicos. A obrigatoriedade do regime inicial fechado prevista na Lei de Crimes
Hediondos foi superada pelos Tribunais Superiores de modo que a mera natureza
do crime não configura fundamentação idônea a justificar a fixação do regime mais
gravoso para os condenados, haja vista que, para estabelecer o regime prisional, deve
o Magistrado avaliar o caso concreto de acordo com os parâmetros estabelecidos
pelo art. 33 e parágrafos do Código Penal.192

8.4.2. Requisitos subjetivos


Os requisitos subjetivos para a concessão do sursis são os seguintes:
a) condenado não reincidente em crime doloso (CP, art. 77, I): de se
notar que o Código Penal refere-se explicitamente ao reincidente em crime
doloso. Destarte, a reincidência em crime culposo ou anterior condenação por
contravenção penal não podem funcionar como óbice à concessão do benefício.
O dispositivo em questão deve ser interpretado em cotejo com o art. 77, §1°, do
CP. Explica-se: pelo menos em regra, não se admite a concessão do sursis se o
condenado for reincidente em crime doloso. No entanto, o próprio Código Penal
estabelece que a condenação anterior à pena de multa não impede a concessão
do benefício (art. 77, § Io). Como o dispositivo não faz qualquer ressalva quanto
à natureza do delito, a doutrina entende que se trata da única hipótese em que
se admite a concessão do sursis ao reincidente em crime doloso, ou seja, quando
a condenação anterior for exclusivamente à pena de multa. Daí os dizeres da
Súmula n. 499 do STF: “Não obsta à concessão do sursis a condenação anterior
à pena de multa”;193
b) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias do crime, autorizarem a concessão
do benefício (CP, art. 77, II): a análise das circunstâncias judiciais aí enumeradas
deve ser feita à luz do caso concreto, evidenciando uma prognose de que o con­
denado não voltará a delinquir. Não há necessidade de que todas as circunstâncias
sejam favoráveis. No geral, basta que não sejam desfavoráveis de modo a criar dú­
vidas fundadas sobre a possibilidade de o condenado voltar a delinquir. Todavia,
como exposto anteriormente, para fins de concessão do sursis especial, é necessário
que as circunstâncias do art. 59 do Código Penal sejam inteiramente favoráveis ao
condenado (CP, art. 78, §2°). Noutro giro, é sabido que, à luz da súmula n. 444

192 STJ, 6a Turma, REsp 1626436/MG, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 08/11/2016, DJe 22/11/2016.
193 STF, 2a Turma, HC 72.605/SP, Rei. Min. Néri da Silveira, j. 17/10/1995, DJ 07/12/1995.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 381

do STJ, é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para


agravar a pena-base. Sem embargo, a depender do caso concreto, não nos parece
haver qualquer óbice à utilização dessas circunstâncias para fins de indeferimento
da suspensão condicional da pena, porquanto evidenciam, de plano, a prognose de
que o condenado voltará a delinquir.

8.5. Sursis e estrangeiros


Por força do princípio da isonomia (CF, art. 5o, caput), os Tribunais Superiores
há anos vêm admitindo a concessão da suspensão condicional da pena aos estrangei­
ros, ainda que estes não tenham residência fixa no território nacional. Atualmente,
a Lei de Migração194 prevê a possibilidade de concessão ao estrangeiro, no curso do
processo ou da execução penal, em igualdade de condições ao nacional brasileiro,
de quaisquer benefícios, inclusive a suspensão condicional da pena, mesmo quando
estiver sofrendo medida de expulsão em caso de crime comum.

8.6. Sursis sucessivos e simultâneos


Pelo menos em tese, é perfeitamente possível que uma mesma pessoa obte­
nha, por duas ou mais vezes, sucessivamente, a suspensão condicional das penas
a ela impostas. Diante do critério da temporariedade da reincidência adotado
pelo Código Penal (art. 64, I), uma vez decorridos mais de cinco anos entre o
cumprimento ou a extinção da pena - que pode ocorrer pelo decurso do prazo
do sursis sem revogação -, o agente readquire a condição de primário, daí por
que poderá ser beneficiado novamente com a suspensão condicional da pena, eis
que não mais será considerado condenado reincidente em crime doloso. Noutro
giro, também se admite a concessão sucessiva, mesmo que não decorridos os cinco
anos, é dizer, ainda que o condenado seja reincidente. Porém, neste último caso,
é necessário que uma ou ambas as infrações penais sejam crimes culposos (ou
contravenções penais).195
Sursis simultâneos (ou coetâneos), por sua vez, são aqueles cumpridos ao mesmo
tempo. A título de exemplo, suponha que, durante o período de prova, o beneficiá­
rio venha a ser condenado irrecorrivelmente por crime culposo ou contravenção à
pena privativa de liberdade não superior a dois anos. Pelo menos em tese, admite-
-se novo sursis, vez que o indivíduo não é reincidente em crime doloso. Para além
disso, como a condenação irrecorrível superveniente diz respeito a crime culposo

194 Lei n. 13.445/17:"Art. 54. A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante
ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.
(...) §3° O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime,
o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de
pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em
igualdade de condições ao nacional brasileiro".
195 Nesse sentido: MIRABETE. Op. cit. p. 751.
382 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

(ou contravenção), a revogação do sursis inicial é facultativa, o que significa dizer


que, pelo menos em tese, poderá o indivíduo cumprir duas suspensões condicionais
da pena concomitantemente.

8.7. Sursis e indulto


É relativamente comum que a concessão do indulto fique condicionada ao
cumprimento de certo quantum da pena privativa de liberdade. Tome-se, como
exemplo, o Decreto n. 9.370/18, que concedeu indulto especial e comutação de
penas às mulheres presas por ocasião do Dia das Mães. Consoante disposto em
seu art. Io, “o indulto especial será concedido às mulheres presas, nacionais ou
estrangeiras, que, até o dia 13 de maio de 2018, atendam, de forma cumulativa,
aos seguintes requisitos: I - não tenham sido punidas com a prática de falta
grave, nos últimos doze meses; e II - se enquadrem, no mínimo, em uma das
seguintes hipóteses: a) mães condenados à pena privativa de liberdade por cri­
me cometido sem violência ou grave ameaça, que possuam filhos de até doze
anos de idade ou de qualquer idade se pessoa com deficiência, nos termos da
Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência,
que comprovadamente necessite de seus cuidados, desde que cumprido um
sexto da pena; (...)”
Discute-se, então, se o período de prova da suspensão condicional da pena,
durante o qual o beneficiário ficou sujeito ao cumprimento de certas condições (le­
gais e judiciais), pode (ou não) ser levado em consideração para fins de concessão
do indulto. Sobre o assunto, há duas correntes:
a) Possibilidade: de um lado, parte da doutrina sustenta que é perfeitamente
possível levar-se em consideração o período de prova da suspensão condicional
da pena como verdadeira espécie de cumprimento de pena, ainda que de maneira
diferenciada. Logo, pelo menos em tese, referido lapso temporal poderia ser levado
em consideração para fins de concessão do indulto;
b) Impossibilidade (nossa posição): é dominante o entendimento de que a
sujeição do condenado às condições legais e judiciais durante o período de prova
do sursis não pode ser rotulada como “cumprimento de pena” para fins de preen­
chimento do requisito temporal do indulto. Como já se pronunciou o STF, “(...) o
sursis não ostenta a categorização jurídica de pena, mas, antes, de medida alternativa
a ela; por isso que não cabe confundir o tempo alusivo ao período de prova exigido
para a obtenção de referido benefício com o requisito temporal relativo ao cumpri­
mento de % da pena privativa de liberdade para alcançar-se o indulto natalino e,
consectariamente, a extinção da punibilidade”.196

196 STF, 1a Turma, RHC 128.515/BA, Rei. Min. Luiz Fux,j. 30/06/2015, DJ 01/10/2015. Em sentido semelhante:"(...)
Tendo em vista que o período de prova do sursis não é computado como tempo de efetivo cumprimento
de pena, a paciente não faz jus à concessão de indulto, por ausência do requisito objetivo. (...)". (STJ, 5a
Turma, HC 350.345/RS, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 06/10/2016).
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 383

8.8. Sursis e detração penal


Por força do art. 42 do Código Penal, computam-se, na pena privativa de
liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou
no exterior, e o de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.
A detração consiste, portanto, no desconto, da pena final aplicada, do tempo em
que o acusado ficou preso cautelarmente.
Se o sursis funciona como causa de suspensão condicional da pena, evitando,
pois, o cumprimento da pena privativa de liberdade imposta ao condenado, é de todo
evidente que, em tal hipótese, revela-se inviável a detração. Porém, na eventualidade
de o sursis ser objeto de revogação, restará ao condenado o cumprimento integral
da pena privativa de liberdade, hipótese em que fará jus à aplicação da detração
penal e de todos os seus consectários.

8.9. Momento adequado para a concessão da suspensão condicional da


pena
Pelo menos em regra, a suspensão condicional da pena deve ser concedida
(ou indeferida) na decisão condenatória (sentença ou acórdão). Pressupõe, pois, o
reconhecimento expresso da culpabilidade do acusado. Ou seja, incumbe ao juiz do
processo de conhecimento prolatar a sentença condenatória, reconhecer expressa­
mente a culpabilidade do acusado, aplicar a pena com base no critério trifásico (CP,
art. 68), estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade,
verificar o eventual cabimento da substituição por restritiva de direitos, para, somente
então, analisar a possibilidade (ou não) de concessão do sursis.
O art. 157 da LEP obriga o magistrado, na hipótese de aplicação de pena
privativa de liberdade de até 2 (dois) anos, a se pronunciar motivadamente acerca
da suspensão condicional da pena, seja para fins de concessão, seja para fins de
denegação, o que acaba reforçando a ideia de que se trata, o sursis, de verdadeiro
direito público subjetivo do condenado.

8.10. Recurso adequado e (im) possibilidade de utilização do habeas


corpus
Como a suspensão condicional da pena é concedida, pelo menos em regra, pelo
juiz de Ia instância em sede de sentença condenatória, o recurso adequado para se
insurgir contra a decisão que conceder (ou denegar) o benefício será a apelação,
nos exatos termos do art. 593, inciso I, do CPP. Na hipótese de a suspensão con­
dicional da pena ser denegada pelo juiz de Ia instância, sendo concedida, todavia,
pelo respectivo Tribunal no julgamento de eventual apelação interposta pela defesa
(ou pela acusação), caberá à parte prejudicada fazer uso de embargos infringentes
e dos recursos extraordinários, conquanto, obviamente, preenchidos os respectivos
pressupostos recursais.
Se, todavia, o benefício for concedido pelo juízo ad quem no julgamento de uma
apelação, e o Tribunal conferir ao Juízo da Execução a incumbência de estabelecer
384 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

as condições do benefício, fazendo uso, pois, do permissivo constante do art. 159,


§2°, da LEP, eventual insurgência das partes exclusivamente quanto às condições fi­
xadas - jamais contra a concessão do sursis pelo Tribunal - deverá ser materializada
através do recurso de agravo em execução (LEP, art. 197).
No tocante habeas corpus, prevalece o entendimento de que o remédio
heroico não é o instrumento adequado para discutir o cabimento da suspensão
condicional da pena, nem tampouco para questionar o cabimento das condições
legais e judiciais impostas no caso concreto. Isso porque a análise do preenchi­
mento dos requisitos indispensáveis para a obtenção do benefício demanda ampla
dilação probatória, o que se revela incompatível com o procedimento célere do
writ. Em situações excepcionais, todavia, é dizer, em casos de flagrante ilegalidade
ou abuso de poder, constatáveis de plano, sem qualquer necessidade de dilação
probatória, revela-se cabível a impetração do remédio constitucional. A título de
exemplo, basta supor que, a despeito do expresso reconhecimento dos requisitos,
o juiz denegue o benefício sob o argumento de que sua concessão seria uma mera
faculdade do magistrado.

8.11. Condições
O próprio nome do instituto em análise é bastante elucidativo: suspensão
condicional da pena. Isso significa dizer que a concessão do sursis é condicional,
ou seja, sujeita o condenado ao cumprimento de certas condições. Portanto, não
há mais como se falar em sursis incondicionado, ou seja, um sursis sem condi­
ções, como existia, aliás, antes da Reforma da Parte Geral do Código Penal pela
Lei n. 7.209/84.
Embora as condições sejam definidas na decisão condenatória, sua obser­
vância somente será necessária depois do trânsito em julgado da condenação
e tão somente após a realização da audiência de advertência das condições
(audiência admonitória), prevista no art. 160 da LEP: “Transitada em julgado
a sentença condenatória, o juiz a lerá ao condenado, em audiência advertindo-o
das consequências de nova infração penal e do descumprimento das condições
impostas”. Há precedentes do STJ no sentido de que a ausência do defensor
do condenado na audiência admonitória não configura nulidade, notadamente
quando o condenado tiver aceitado o benefício e estiver cumprindo-o regu­
larmente. Afinal, tal ato não constitui atividade jurisdicional, mas sim admi­
nistrativa, de competência do Juízo da Execução. De mais a mais, a Defesa
poderá, a qualquer momento, formular pedido de revogação do benefício da
suspensão condicional da pena.197
As condições podem ser classificadas da seguinte forma:

197 STJ, 5a Turma, HC 469.638/DF, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 27/11/2018, DJe 10/12/2018; STJ,
6a Turma, HC 451.172/DF, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04/09/2018, DJe 14/09/2018; STJ, 5a Turma, AgRg no HC-
459.033/DF, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/11/2018.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 385

a. Condições legais (obrigatórias): como o próprio nome sugere, são aquelas


de aplicação compulsória, encontrando-se expressamente definidas no texto legal
(CP, art. 78). Estas, por sua vez, subdividem-se em:
a.l. Condições legais diretas: correspondem às obrigações que devem ser cum­
pridas. No caso do sursis simples, impõe-se no primeiro ano do prazo a prestação
de serviços à comunidade (art. 46) ou a sujeição do condenação à limitação de final
de semana (art. 48), conforme disposto no art. 78, §1°, do CP. No sursis especial,
o condenado não será obrigado a prestar serviços à comunidade nem tampouco
se submeter à limitação de final de semana, pelo menos em regra, vez que o juiz
poderá substituir tal exigência pelas seguintes condições, a serem aplicadas de ma­
neira cumulativa: 1) proibição de frequentar determinados lugares; 2) proibição de
ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; 3) comparecimento
pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
Na visão da doutrina,198 não é possível a cumulação das condições do sursis especial
no sursis simples. Por fim, no caso do sursis etário (ou humanitário), o condenado
deverá se submeter às condições do sursis simples ou do especial - nesse caso, se
tiver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e as circunstâncias do art.
59 do CP lhe forem inteiramente favoráveis;
a. 2. Condições legais indiretas: são as causas de revogação do benefício e,
portanto, condutas que o sursitário não pode praticar;199
b. Condições judiciais: o art. 79 do CP dispõe que a sentença poderá especificar
outras condições a que fica subordinada a suspensão condicional da pena, desde que
adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. Tem-se aí aquilo que a doutrina
convencionou chamar de condições judiciais. A título de exemplo, consideraram-se
válidas a imposição de submissão a processo de desintoxicação, o comparecimento
periódico a clínica de recuperação de traumatizados e a frequência a aulas teóricas em
estabelecimento oficial de trânsito para fins de reeducação quanto às regras atinentes
ao tráfego de veículos. Por outro lado, em julgado bem antigo,200 o Supremo Tribunal
Federal considerou vexatória a imposição ao beneficiário da obrigação de pessoalmente
carregar, para o edifício da cadeia pública local, umas tantas latas de água. Na visão
da corte, tal obrigação não se harmonizaria com a finalidade que a doutrina confere
ao sursis, visto que, por ser humilhante, pode humilhar e indignar o beneficiário, que,
ao invés de refrear sues impulsos ou tendências criminosas, poderá exacerbá-los ao
ser compelido a cumprir obrigação de tal natureza em público.

8.11.1. Alteração das condições


É perfeitamente possível que o juízo da execução, a qualquer momento, mo­
difique as condições e regras estabelecidas na sentença em que foi concedida a sus­

198 MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. Io a 120). 14a ed. São Paulo: Método, 2020. p. 680.
199 As causas de revogação obrigatória e facultativa do sursis serão objeto de análise na sequência.
200 STF, 1a Turma, RE 92.916, Rei. Min. Antônio Neder, j. 19/05/1981, DJ 26/06/1981.
386 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

pensão condicional da pena, seja para fins de beneficiar o condenado, seja para fins
de prejudicá-lo. Não há falar em coisa julgada no tocante às condições, mas apenas
em relação à concessão (ou não) do benefício, eis que a própria Lei de Execução
Penal estabelece a possibilidade de modificação das regras do sursis sem se limitar
à alteração favorável ao condenado.
Para tanto, porém, é indispensável a oitiva prévia do condenado, que poderá
apresentar ao magistrado sua versão sobre os fatos, justificar eventual descumprimento
das condições que lhe foram impostas, apontar as justificativas para a modificação
pretendida ou o cancelamento de uma condição judicial, etc.
Na eventualidade de recrudescimento das condições, revela-se perfeitamente
possível que o condenado desista do benefício, hipótese em que lhe restará o cum­
primento integral da pena privativa de liberdade, nos moldes constantes da sentença
condenatória transitada em julgado.

8.11.2. Fiscalização das condições


A fiscalização do cumprimento das condições do sursis é atribuição do serviço
social penitenciário, do patronato, do Conselho da Comunidade ou de instituição
beneficiada com a prestação de serviços, a quem compete não apenas fazer observar
o cumprimento das condições, mas também orientar o condenado no sentido da
observância das obrigações que lhe foram impostas, auxiliando-o, ademais, na ob­
tenção de trabalho, etc. Obviamente, é perfeitamente possível que essa fiscalização
seja objeto de inspeção pelo Conselho Penitenciário ou pelo Ministério Público.

8.11.3. Comparecimento do beneficiário


De acordo com o art. 158, §4°, da LEP, incumbe ao beneficiário comparecer
periodicamente à entidade fiscalizadora de modo a comprovar a observância das
condições a que está sujeito, comunicando, ademais, sua ocupação e os salários ou
proventos de que vive.

8.11.4. Mudança de residência


O fato de o agente aceitar o benefício da suspensão condicional da pena
não funciona como obstáculo à mudança de residência. Para tanto, porém, há
necessidade de autorização judicial prévia. Esse controle decorre da própria
natureza do sursis, que sujeito o condenado à fiscalização do cumprimento de
diversas condições. Uma vez deferida a autorização para a mudança de residência
para outra comarca, a fiscalização das condições deverá ser deprecada ao juízo
da comarca da residência do beneficiário. Subsiste, todavia, a competência do
juízo deprecante para decidir sobre os incidentes da execução, inclusive para
determinar a revogação (ou não) do benefício, bem como eventualmente declarar
a extinção da pena.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 387

8.11.5. Fixação das condições pelo Tribunal


Pelo menos em tese, a suspensão condicional da pena pode ser concedida por
um Tribunal em duas situações diversas, quais sejam, nos casos de sua competên­
cia originária, ou no julgamento de eventual recurso interposto pelas partes. Em
ambas as hipóteses, caberá, em princípio, ao próprio Tribunal fixar as condições
do benefício. A Lei de Execução Penal autoriza, todavia, que o Tribunal confira a
incumbência de fixar as condições da suspensão condicional da pena ao juízo da
execução. A este juízo também pode - e costuma - ser delegada a realização da
respectiva audiência admonitória.

8.11.6. Fixação das condições pelo juízo da execução


Como exposto anteriormente, as condições do sursis devem ser fixadas pelo
juiz do processo de conhecimento por ocasião da prolação da decisão condenatória
(sentença ou acórdão). Na eventualidade de o magistrado se esquecer de lançar as
condições, ressuscitando, assim, verdadeiro sursis incondicionado, incumbe à acusação
opor embargos de declaração de modo a sanar referida omissão. Se, mesmo assim,
o juiz de Ia instância, insistir em não fazê-lo, o caminho natural será a interposição
de apelação para que a decisão seja reformada pelo juízo ad quem. A controvérsia
se torna mais acirrada quando a omissão da decisão condenatória é alcançada pelo
trânsito em julgado. Sobre a questão, há, fundamentalmente, duas posições:
a) impossibilidade de fixação das condições do sursis pelo juízo da exe­
cução: se acaso não houver recurso da acusação devolvendo ao juízo ad quem
o conhecimento da matéria, ao juízo da execução não será permitido fixar as
condições do sursis, sob pena de violação à coisa julgada e ao próprio princípio
da non reformatio in pejus;
b) possibilidade de fixação das condições do sursis pelo juízo da execução
(nossa posição): ao elencar as competências do juiz da execução, o art. 66, inciso
III, da LEP, faz referência expressa à suspensão condicional da pena. Por sua vez,
consoante disposto no art. 158, §2°, do mesmo diploma normativo, o juiz poderá,
a qualquer tempo, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante
proposta do Conselho Penitenciário, modificar as condições e regras estabeleci­
das na sentença, ouvido o condenado. Por fim, à luz do art. 159, §2°, da LEP, ao
conceder a suspensão condicional da pena, o Tribunal poderá conferir ao Juízo
da Execução a incumbência de estabelecer as condições do benefício, e, em qual­
quer caso, a de realizar a audiência admonitória. Não há, pois, qualquer óbice à
fixação das condições do sursis pelo juízo da execução, mesmo nas hipóteses em
que houver omissão do juízo do processo de conhecimento. Inviável falar-se em
coisa julgada, já que esta atinge apenas a parte da concessão ou não do benefício,
e não suas condições, que podem ser alteradas durante a própria execução (LEP,
art. 158, §2°). Há precedente do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, in
verbis: “ (...) Compete ao juiz ou ao Tribunal, motivadamente, pronunciar-se sobre
o ‘sursis’, deferindo-o ou não sempre que a pena privativa da liberdade situar-se
dentro dos limites em que ele é cabível. A fatos ocorridos após a vigência das Leis
388 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

7.209 e 7.210 de 1984 não se admite que o juiz conceda a suspensão condicional
‘sem condições especiais’ tendo em vista o que está expressamente previsto nas
aludidas leis. Todavia, se o juiz se omite em especificar as condições na sentença,
cabe ao réu ou ao Ministério Público opor embargos de declaração, mas se a de­
cisão transitou em julgado, nada impede que, provocado ou de ofício, o juízo da
execução especifique as condições. Aí não se pode falar em ofensa à coisa julgada,
pois esta diz respeito à concessão do sursis e não às condições, as quais podem
ser alteradas no curso da execução da pena”.201

8.12. Cassação da suspensão condicional da pena


A cassação do sursis ocorre quando o benefício fica sem efeito antes do início
do período de prova. Diferencia-se, pois, da revogação, objeto de análise mais adiante,
que se verifica exclusivamente durante o curso do período de prova da suspensão
condicional da pena. Há pelo menos 4 (quatro) hipóteses de cassação da suspensão
condicional da pena:
a) não comparecimento injustificado do condenado à audiência admonitória:
nesse caso, dispõe o art. 161 da LEP que o benefício ficará sem efeito e que a pena
deverá ser objeto de imediata execução, nos exatos termos constantes da sentença
condenatória;
b) renúncia do condenado ao sursis: como exposto anteriormente, a suspensão
condicional da pena pressupõe a aceitação do indivíduo. Logo, se este opta pelo
cumprimento da pena, outra opção não há para o juízo da execução senão determi­
nar sua imediata execução. A propósito, é firme a jurisprudência no sentido de que
eventual renúncia do condenado ao sursis pode ocorrer exclusivamente na audiência
admonitória. Nesse sentido, confira-se: “(...) Embora a suspensão condicional da pena
seja um benefício que pode ser recusado pelo réu (caráter facultativo), tal recusa
somente há ser feita no momento adequado (audiência admonitória), cabendo ao
juiz sentenciante apenas a análise quanto ao seu cabimento e à sua efetiva aplicação.
Inviável, nesse momento, a revogação do sursis concedido pelo magistrado senten­
ciante, uma vez que, somente após o trânsito em julgado e designada audiência
admonitória pelo juízo da execução penal, é que poderá o apenado renunciar ao
sursis, caso não concorde com as condições estabelecidas e entenda ser mais benéfico
o cumprimento da pena privativa de liberdade (...)”;202
c) condenação irrecorrível do sursitário à pena privativa de liberdade não
suspensa: se acaso o indivíduo for condenado à prisão durante o período de prova,

201 STJ, 5a Turma, REsp 15.368/SP, Rei. Min. Jesus Costa Lima, j. 09/02/1994, DJ 28/02/1994 p. 2.906.
202 STJ, 5aTurma, AgRg no REsp 1772104/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 06/12/2018, DJe 19/12/2018.
Ainda no sentido de que somente após o trânsito em julgado e designada audiência admonitória pelo
juízo da execução penal é que poderá o apenado renunciar ao sursis, caso não concorde com as condições
estabelecidas e entenda ser mais benéfico o cumprimento da pena privativa de liberdade: STJ, 6a Turma,
REsp 1.384.417/DF, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 6/4/2015; STJ, 5a Turma, AgRg no AREsp 1428394/
SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 19/05/2020, DJe 29/05/2020.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 389

operar-se-á a revogação do benefício. Porém, se o trânsito em julgado dessa decisão


condenatória ocorrer antes do início do período de prova, o correto é falar em cas­
sação do sursis, eis que se revela incompatível o cumprimento simultâneo da pena
em regime fechado (ou semiaberto) com o sursis;
d) majoração da pena privativa de liberdade para quantum superior a 2 (dois)
anos em eventual recurso da acusação: em tal hipótese, anterior sursis concedido
pelo juízo a quo deverá ser objeto de cassação pelo juízo ad quem.

8.13. Período de prova


Trata-se do lapso temporal fixado na decisão condenatória que concedeu o
sursis, dentro do qual o condenado deverá revelar boa conduta, bem como cumprir
todas as condições que lhe foram impostas pelo Judiciário.
No caso do sursis simples, o art. 77, caput, do CP, estabelece um período de
prova mínimo de dois e um máximo de quatro anos. No sursis etário, cabível na
pena superior a dois e não excedente a quatro anos, o período de prova não poderia
ser inferior a esse lapso temporal, sendo, assim, de quatro a seis anos (CP, art. 77,
§2°). Quando se tratar de condenação por contravenção penal, o prazo da suspensão
é de um a três anos, pouco importando a duração da pena aplicada (Dec.-Lei n.
3.688/41, art. 11).
O período de prova deve ser fixado pelo magistrado levando-se em consideração
a natureza do delito, a personalidade do agente e a severidade da pena. Pelo menos
em regra, ao juiz não é dado estabelecê-lo no prazo máximo, salvo em situações
excepcionais, devidamente fundamentadas.
Esse lapso temporal começa a fluir a contar da audiência admonitória, contando-
-se o dia do início, já que estamos diante de matéria de direito penal (CP, art. 10).
Esse prazo é fatal e improrrogável, salvo, evidentemente, se acaso sobrevier uma das
hipóteses previstas expressamente nos §§2° e 3o do art. 81 do Código Penal, que
serão objeto de análise mais adiante.

8.14. Revogação da suspensão condicional da pena


A depender da causa, a revogação do sursis poderá ser obrigatória ou facultativa.
Uma vez revogado o benefício, ao condenado restará o cumprimento integral da
pena que estava suspensa, nos exatos termos delineados na sentença condenatória
transitada em julgado.
Em ambas as hipóteses, é necessária prévia oitiva do condenado, devidamente
assistido pela defesa técnica, em fiel observância aos princípios do contraditório e da
ampla defesa. Ressalve-se tão somente a hipótese em que o condenado for condena­
do irrecorrivelmente pela prática de crime doloso ou culposo, ou por contravenção
penal. Em tal hipótese, prevalece o entendimento de que a oitiva da defesa seria
desnecessária. A uma por se tratar de uma causa objetiva de revogação do sursis. A
390 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

duas porque o acusado já teria exercido a mais ampla defesa no curso do processo
penal do qual resultou sua condenação.

8.14.1. Revogação obrigatória


As causas de revogação obrigatória do sursis estão listadas no art. 81 do Código
Penal, a saber:
I - condenação em sentença irrecorrível por crime doloso: nesse caso,
pouco importa se o crime foi praticado antes ou durante o período de prova. É
necessário, todavia, o trânsito em julgado da sentença condenatória. Como já se
pronunciou o STJ, “(...) na hipótese prevista no inciso I do art. 81 do Código
Penal, a revogação do sursis é obrigatória, não dispondo o magistrado de dis-
cricionariedade diante de uma segunda condenação irrecorrível pela prática de
crime doloso. Sendo assim, se a revogação, na espécie, é medida necessária, de­
corrente de condição objetiva, não há razão para a prévia audiência do apenado,
diversamente das situações de revogação nas quais existe a possibilidade, no caso
concreto, de não ser o benefício revogado”.203 De se notar que eventual condenação
irrecorrível por crime doloso à pena de multa não autoriza a revogação do sursis.
Ora, se o próprio Código Penal (art. 77, §1°) dispõe que condenação anterior à
pena de multa não impede a concessão do benefício, seria no mínimo contradi­
tório afirmar que ulterior condenação à pena de multa pudesse funcionar como
causa de revogação do benefício. Em conclusão, é de todo relevante destacar que
eventual perdão judicial concedido ao sursitário em outro processo também não
deverá funcionar como causa de revogação do benefício. Isso porque é firme o
entendimento jurisprudencial no sentido de que a decisão que concede o perdão
judicial é declaratória da extinção da punibilidade, e não condenatória, como o
exige o art. 81, I, do CP;204
II - frustação da execução da pena de multa, embora solvente o condenado,
ou não reparação injustificada do dano: o art. 81, inciso II, do Código Penal,
contempla pelos menos duas causas distintas de revogação obrigatória do sursis.
A primeira delas diz respeito ao fato de o agente, solvente, frustrar a execução
da pena de multa. Há controvérsias acerca subsistência desse dispositivo. De um
lado, parte da doutrina sustenta que a primeira parte do art. 81, II, do Código
Penal, teria sido tacitamente revogada pela Lei n. 9.268/96, que modificou o art.
51 do Código Penal, passando a tratar a pena de multa como dívida de valor,
impedindo-se, pois, a sua conversão em pena privativa de liberdade. Logo, na
eventualidade de o condenado solvente frustrar a execução da pena de multa,
cabería ao interessado executá-la perante o juízo da execução penal, consoante
disposto no art. 51, caput, do CP, com redação dada pelo Pacote Anticrime (Lei
n. 13.964/19). De outro lado, parte da doutrina sustenta que a Lei n. 9.268/96
limitou-se a modificar tão somente a redação do art. 51 do CP, silenciando quanto
aos demais dispositivos legais que versam sobre a pena de multa. Logo, conside­

203 STJ, 5a Turma, RHC 18.521/MG, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 03/04/2007, DJ 07/05/2007 p. 335.
204 STJ, 5a Turma, HC 175.758/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04/10/2011, DJe 14/10/2011.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 391

rando-se que a suspensão condicional da pena não é espécie de sanção pecuniária,


não haveria qualquer óbice à revogação do sursis diante da frustação injustificada
da pena de multa. Em reforço à segunda corrente, é de todo relevante destacar
que o Supremo Tribunal Federal não tem admitido a progressão de regimes aos
condenados que deliberadamente frustrarem o pagamento da multa.205 A segunda
causa de revogação do sursis prevista no art. 81, inciso II, do CP, guarda relação
com a não reparação injustificada do dano, em relação à qual não há quaisquer
controvérsias doutrinárias;
III - descumprimento da prestação de serviços à comunidade ou da sujeição à
limitação de fim de semana: como exposto anteriormente, no caso do sursis simples,
o condenado deverá, no primeiro ano do prazo, prestar serviços à comunidade ou
submeter-se à limitação de fim de semana (CP, art. 78, §1°). Na eventualidade de
descumprir tais condições, operar-se-á a revogação obrigatória do sursis.

8.14.2. Revogação facultativa


As causas de revogação facultativa da suspensão condicional da pena estão
previstas no art. 81, §1°, do CP:
a) descumprimento de qualquer outra condição imposta: enquanto o des­
cumprimento da prestação de serviços à comunidade ou da limitação de final de
semana é causa de revogação obrigatória do sursis (CP, art. 81, III), a inobservância
das demais condições legais ou judiciais (CP, arts. 78, §2°, “a”, “b” e “c”, e 79) funciona
tão somente como causa facultativa de revogação do benefício;
b) condenação irrecorrível por crime culposo ou por contravenção à pena
privativa de liberdade ou restritiva de direitos: como exposto anteriormente, se o
acusado for condenado irrecorrivelmente pela prática de crime doloso, dar-se-á a
revogação obrigatória do sursis, nos exatos termos do art. 81, inciso I, do CP. Em
sentido diverso, se a condenação irrecorrível disser respeito a crime culposo ou
contravenção penal, e conquanto seja fixada pena privativa de liberdade ou restritiva
de direitos, e não multa, a consequência será a revogação facultativa da suspensão
condicional da pena.

8.15. Prorrogação do período de prova

Ocorre quando a duração da suspensão condicional da pena vai além do prazo


do período de prova constante da sentença condenatória. Durante a prorrogação do
período de prova, o condenado não estará sujeito ao cumprimento das condições do
sursis. Há pelo menos 2 (duas) causas de prorrogação do período de prova previstas
no Código Penal:
a) quando o beneficiário está sendo processado por outro crime ou contra­
venção (CP, art. 81, §2°): como exposto anteriormente, seja para fins de revogação

205 STF, Pleno, EP 8 ProgReg-AgR/DF, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 01/07/2016.


392 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

obrigatória (crime doloso), seja para fins de revogação facultativa (crime culposo
ou contravenção penal), o Código Penal demanda a existência de uma sentença
condenatória transitada em julgado (CP, art. 81,1, e §1°, infine, respectivamente).
Logo, nada mais razoável do que se aguardar o término do respectivo processo
criminal para que se tenha certeza se haverá necessidade de revogação do benefí­
cio, se acaso sobrevier uma decisão condenatória irrecorrível, ou se, na verdade,
a hipótese seria de declaração da extinção da pena privativa de liberdade, caso o
agente venha a ser absolvido em tal processo. Exatamente por tal motivo, ou seja,
para se aguardar a decisão definitiva nesse outro processo criminal, é que o art.
81, §2°, do CP, prevê a prorrogação do período de prova do sursis. Na visão dos
Tribunais Superiores, esta prorrogação é automática, isto é, independe de decisão
judicial expressa nesse sentido. Para tanto, basta o recebimento da peça acusatória
nesse outro processo criminal. Como já se pronunciou o STJ, “o período de pro­
va do sursis fica automaticamente prorrogado quando o beneficiário está sendo
processado por outro crime ou contravenção, bem como que a superveniência de
sentença condenatória irrecorrível é caso de revogação obrigatória do benefício,
mesmo quando ultrapassado o período de prova”.206 Levando-se em consideração
que o dispositivo sob comento faz referência ao processamento do beneficiário
por outro crime ou contravenção, sem fazer qualquer referência ao momento em
que tal infração penal fora praticada, prevalece o entendimento de que o processo
penal em questão tanto pode versar sobre crime ou contravenção penal praticados
durante o período de prova, quanto sobre infração penal cometida antes daquela
cuja condenação resultou na concessão do sursis cujo período de prova foi pror­
rogado. Por fim, convém destacar que a mera instauração de investigação policial
não autoriza a prorrogação do período de prova. Isso porque o dispositivo é claro
ao fazer referência ao fato de o beneficiário ser processado por outro crime ou
contravenção;
b) quando facultativa a revogação (CP, art. 81, §3°): em ambas as hipóteses
de revogação facultativa, o juízo da execução poderá, ao invés de fazê-lo, pror­
rogar o período de prova até o máximo, se este não foi o fixado. Diversamente
da hipótese anterior de prorrogação do período de prova, prevalece o enten­
dimento de que, nesse caso do art. 81, §3°, do CP, há necessidade de decisão
judicial expressa nesse sentido, é dizer, o período de prova não é prorrogado
automaticamente.

8.15.1. (Im) possibilidade de prorrogação do período de prova após o seu


decurso
Consoante disposto no art. 82 do Código Penal, expirado o prazo sem que
tenha havido revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade. Discute-
-se, então, na eventualidade de o juízo da execução descobrir, tão somente após o
decurso do período de prova, que o beneficiário estava sendo processado por outro

206 STJ, 5a Turma, HC 175.758/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04/10/2011, DJe 14/10/2011.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 393

crime ou contravenção, se ainda seria possível prorrogá-lo. Sobre o assunto, há pelo


menos 2 (duas) correntes:
a) impossibilidade de prorrogação: o decurso do período de prova sem que
tenha havido revogação acarreta, por si só, a extinção da pena privativa de liberdade.
A decisão judicial é, portanto, meramente declaratória. Logo, ainda que o processo
penal por outro crime ou contravenção tenha sido deflagrado durante o curso do
período de prova, se este chegou ao fim sem revogação expressa, não será cabível
sua prorrogação;
b) possibilidade de prorrogação (nossa posição): como exposto anteriormente,
quando o acusado é processado por outro crime ou contravenção (CP, art. 81, §2°),
considera-se que o período de prova será automaticamente prorrogado, independen­
temente de decisão judicial expressa nesse sentido. Logo, não se pode afirmar que
o prazo do período de prova teria expirado sem que tivesse havido revogação.207
Ressalve-se, todavia, a situação em que o magistrado já tiver declarado a extinção
da pena privativa de liberdade em virtude do decurso do período de prova. Em tal
hipótese, na eventualidade de a decisão transitar em julgado, não mais se revelará
possível a prorrogação do período de prova, sob pena de indevida violação à coisa
julgada.

9. DETRAÇÃO

A detração consiste no desconto do tempo de prisão cautelar (ou de interna­


ção provisória) do tempo de prisão penal (ou de medida de segurança) imposto
ao acusado em sentença condenatória (ou absolutória imprópria) transitada em
julgado. Evita-se, assim, um indesejado bis in idem, quer na execução da pena
privativa de liberdade, quer no cumprimento da medida de segurança. A título
de exemplo, se determinado acusado for condenado irrecorrivelmente pela prá­
tica de um crime de homicídio simples à pena de 6 (seis) anos de reclusão, se
acaso tiver permanecido preso preventivamente durante 1 (um) ano, terá direito
à detração, restando a ele, portanto, o cumprimento de mais 5 (cinco) anos de
reclusão. Por outro lado, na eventualidade de absolvição imprópria de inimputável
(CP, art. 26, caput) pelo prazo mínimo de 3 (três) anos, que permaneceu internado
provisoriamente (CPP, art. 319, VII) ou preso preventivamente por 1 (um) ano,
a perícia médica de cessação da periculosidade deverá ser realizada, por força da
detração, depois de 2 (dois) anos da internação do agente no hospital de custódia
e tratamento psiquiátrico.

207 A propósito, confira-se: "(...) O período de prova do sursis fica automaticamente prorrogado quando o
beneficiário está sendo processado por outro crime ou contravenção. E a superveniência de sentença
condenatória irrecorrível é caso de revogação obrigatória do benefício, mesmo quando ultrapassado o
período de prova (STJ, 5a Turma, REsp 723.090/MG, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 19/09/2006, DJ 16/10/2006
p. 417).
394 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Encontra previsão normativa no art. 42 do CP: “Computam-se, na pena priva­


tiva de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil
ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos
estabelecimentos referidos no artigo anterior.” De se notar que o dispositivo - o
mesmo ocorre no art. 387, §2°, do CPP - ainda faz referência à prisão administra­
tiva, assim compreendida como aquela espécie de prisão decretada por autoridade
administrativa com o objetivo de compelir alguém a cumprir um dever de direito
público. Ocorre que tal espécie de prisão não foi recepcionada pela Constituição
Federal (art. 5o, LXI), que dispõe que ninguém será preso sem prévia autorização
judicial, ressalvadas as hipóteses de flagrante delito, transgressão militar e crime
propriamente militar.

9.1. Juízo competente


Antes da Lei n° 12.736/12, a detração era realizada apenas no momento da
execução da pena, recaindo a competência, portanto, exclusivamente sobre o juízo
das execuções penais. Nesse sentido, dispõe o art. 66, III, “c”, da Lei n° 7.210/84
(LEP), que compete ao juiz da execução decidir sobre detração e remição da pena.
Assim, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a Secretaria do Juízo
das Execuções Penais determinava a expedição de uma “guia de execução”, con­
tendo diversas informações sobre o acusado, tais como o total da pena imposta
e o tempo de prisão cautelar, permitindo, então, que fosse feita a detração. Por
consequência, a detração não produzia qualquer efeito por ocasião da fixação do
regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Exemplificativamente,
se um acusado primário tivesse permanecido preso preventivamente por 3 (três)
anos antes da condenação definitiva, e, ao final do processo de conhecimento,
lhe fosse aplicada uma pena de 6 (seis) anos de reclusão, deveria, pelo menos em
tese, começar a cumpri-la no regime semiaberto, e não em regime aberto, haja
vista a impossibilidade de aplicação do art. 42 do CP pelo juiz do processo de
conhecimento, pelo menos à época.
Com o advento da Lei n° 12.736/12, com vigência em 3 de dezembro de 2012,
a detração deverá ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória,
pelo menos em regra. A propósito, eis o teor do art. 387, § 2o, do CPP: “O tempo
de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no
estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena
privativa de liberdade”. Baseado na premissa de que “pena cumprida é pena extinta”,
isso significa dizer que, a partir da entrada em vigor da Lei n° 12.736/12, o regime
prisional inicial deixa de ser estabelecido com base na pena definitiva, e passa a ser
fixado levando-se em conta o quantum de pena resultante do desconto do tempo de
prisão cautelar (ou internação provisória) a que o acusado foi submetido durante
o processo.
Como se pode notar, a intenção do legislador foi tornar mais célere a concessão
dos benefícios da execução penal, já que houve uma antecipação do momento de
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 395

reconhecimento da detração pelo menos para fins de fixação do regime inicial do


cumprimento da pena privativa de liberdade. Deveras, se antes a detração era feita
apenas pelo juízo da execução, tão somente após o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, desde o advento da Lei n. 12.736/12, essa análise passou a ser
feita pelo próprio magistrado do processo de conhecimento, por ocasião da prolação
da decisão condenatória (sentença ou acórdão).
Exemplificando, suponha-se que um acusado primário, que permaneceu preso
preventivamente durante 4 (quatro) anos, tenha sido condenado irrecorrivelmente à
pena de 12 (doze) anos de reclusão pela prática do crime de homicídio qualificado
(art. 121, § 2o). Nesse caso, ante o disposto no art. 387, § 2o, do CPP, caberá ao
próprio juiz do processo de conhecimento reconhecer que o acusado ficara preso
cautelarmente por 4 (quatro) anos, conferindo-lhe, então, a detração desse período,
de modo que o restante da pena a ser cumprido passe a ser de 8 (oito) anos, com
a consequente fixação do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena
privativa de liberdade. Nesse caso, não se pode objetar que o regime inicial do
cumprimento da pena teria que ser o regime fechado, já que se trata de crime he­
diondo (Lei n° 8.072/90, art. 2o, § Io). A uma porque, como visto anteriormente,
o próprio Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade do regime
inicial fechado para crimes hediondos e equiparados.208 A duas porque, apesar de
se tratar de espécie de prisão cautelar, e não penal, não se pode negar que a forma
do cumprimento da prisão cautelar assemelha-se bastante ao regime inicial fechado,
daí por que não se pode desprezar o lapso temporal de 4 (quatro) anos em que o
acusado permaneceu encarcerado preventivamente.
Perceba-se que o critério de fixação da pena continua sendo o trifásico de
Nelson Hungria, visto que a detração somente será realizada pelo juiz sentenciante
após a conclusão da dosimetria da pena e antes da fixação do regime inicial de
cumprimento da pena privativa de liberdade. Em outras palavras, para fins de
fixação do regime inicial - e apenas para isso -, a detração deverá ser feita pelo
juiz sentenciante tão somente após a fixação da pena definitiva. Esse raciocínio é
extremamente importante para fins de cálculo da prescrição da pretensão punitiva
ou executória, que deve continuar sendo feito com base na pena definitiva fixada
na sentença condenatória, e não levando-se em consideração o quantum resultante
do desconto inerente à detração.209
Conquanto não conste qualquer ressalva do art. 387, § 2°, do CPP em sentido
contrário, do que se poderia deduzir que a detração sempre deverá ser feita na sen­
tença condenatória para fins de determinação do regime inicial do cumprimento da
pena, pensamos que, a depender do caso concreto, é possível que o juiz do processo
de conhecimento abstenha-se de fazê-lo, hipótese em que esta análise deverá ser

208 STF, Pleno, HC 111.840/ES, Rei. Min. DiasToffoli, 27/06/2012.


209 Nesse contexto: CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei n° 12.736/12, que antecipa, para
a sentença condenatória, o momento adequado para realizar a detração da pena. Disponível em: http://
www.dizerodireito.com.br. Acesso em 05/12/2012.
396 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

feita, ulteriormente, pelo juiz da execução, nos termos do art. 66, III, “c”, da LEP,
que não foi revogado expressa ou tacitamente pela Lei n° 12.736/12. Explica-se: se
a regra, desde a entrada em vigor do referido diploma normativo, é que a detração
seja feita na própria sentença condenatória (CPP, art. 387, § 2o), não se pode olvi­
dar que, em certas situações, é praticamente inviável exigir-se do juiz sentenciante
tamanho grau de aprofundamento em relação à situação prisional do condenado.
Basta supor hipótese de acusado que tenha contra si diversas prisões cautelares
decretadas por juízos diversos, além de inúmeras execuções penais resultantes de
sentenças condenatórias com trânsito em julgado. Nesse caso, até mesmo como
forma de não se transformar o juiz do processo de conhecimento em verdadeiro
juízo da execução, o que poderia vir de encontro ao princípio da celeridade e à
própria garantia da razoável duração do processo (CF, art. 5o, LXXVIII), haja vista
a evidente demora que a análise da detração causaria para a prolação da sentença
condenatória na audiência una de instrução e julgamento, é possível que o juiz sen­
tenciante se abstenha de fazer a detração naquele momento, o que, evidentemente,
não causará maiores prejuízos ao acusado, já que tal benefício será, posteriormente,
analisado pelo juízo da execução. Para tanto, deverá o juiz do processo de conhe­
cimento apontar, fundamentadamente, os motivos que inviabilizaram a realização
da detração na sentença condenatória.

9.2. Detração e medidas cautelares diversas da prisão


Nada disse a Lei das Cautelares Pessoais (Lei n° 12.403/11) quanto à possibili­
dade de detração no caso de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, ou
seja, se o tempo de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão durante
o curso da persecução penal deve (ou não) ser descontado do quantum de pena
aplicado ao final do processo.
Inicialmente, parece-nos que, havendo semelhança e homogeneidade entre a
medida cautelar aplicada no curso do processo e a pena imposta ao acusado na
sentença condenatória irrecorrível, é plenamente possível a detração. A título de
exemplo, supondo que tenha sido imposta ao acusado a medida cautelar de re­
colhimento domiciliar no período noturno, se acaso este vier a ser condenado ao
cumprimento da pena restritiva de direitos de limitação de final de semana, não
temos dúvida quanto à possibilidade de detração, já que a cautelar guarda certa
similitude com a pena definitiva.
Nesse sentido, a 3a Seção do STJ concluiu que é possível considerar o tempo
submetido à medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias
não úteis, supervisionados por monitoramento eletrônico, com o tempo de pena
efetivamente cumprido, para detração da pena.210 Na visão do referido Colegiado,
interpretar a legislação que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado
harmoniza-se com o Princípio da Humanidade, que impõe ao Juiz da Execução Penal
a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos. O óbice à detração do

210 STJ, 3a Seção, HC 455.097/PR, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 14.04.2021. Na mesma linha: STJ, 5a Turma, AgRg no
HC 565.899/SP, Rei. Min. João Otávio de Noronha, j. 27.10.2020, DJe 12.11.2020.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 397

tempo de recolhimento noturno e aos finais de semana determinado com fundamento


no art. 319 do Código de Processo Penal sujeita o apenado a excesso de execução,
em razão da limitação objetiva à liberdade concretizada pela referida medida diversa
do cárcere. Note-se que a medida diversa da prisão que impede o acautelado de
sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis assemelha-se ao cumprimento de
pena em regime prisional semiaberto. Se nesta última hipótese não se diverge que
a restrição da liberdade decorre notadamente da circunstância de o agente ser obri­
gado a recolher-se, igual premissa deve permitir a detração do tempo de aplicação
daquela limitação cautelar. Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a
mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica. O Superior Tribunal de
Justiça, nos casos em que há a configuração dos requisitos do art. 312 do Código de
Processo Penal, admite que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes
do trânsito em julgado da sentença (prisão preventiva compatibilizada com o regime
carcerário do título prisional). Nessa perspectiva, mostra-se incoerente impedir que
a medida cautelar que pressuponha a saída do paciente de casa apenas para laborar,
e durante o dia, seja descontada da reprimenda. Essa conjuntura impõe o reconhe­
cimento de que as hipóteses do art. 42 do Código Penal não consubstanciam rol
taxativo. Desse modo, conclui-se que o período de recolhimento domiciliar, aplicado
simultaneamente a monitoração eletrônica, para fiscalização de seu cumprimento,
deve ser objeto de detração penal.
Mas e quando não houver essa homogeneidade? Em se tratando de medidas
cautelares diversas da prisão que acarretam a restrição completa à liberdade de
locomoção, pensamos não haver qualquer óbice à detração. Logo, na hipótese de
internação provisória do inimputável (CPP, art. 319, VII) e prisão domiciliar (CPP,
arts. 317 e 318), o tempo referente ao cumprimento da cautelar deve ser descontado
da pena definitiva aplicada ao agente. Todavia, quanto às demais medidas cautelares,
como não há restrição absoluta à liberdade de locomoção e como elas não guardam
homogeneidade com uma possível pena de prisão a ser aplicada ao final do processo,
sempre houve resistência em relação à aplicação do art. 42 do Código Penal. De fato,
mesmo antes do advento da Lei n° 12.403/11, os Tribunais Superiores já tiveram a
oportunidade de analisar discussão semelhante, porém no tocante à possibilidade
de ser levado em consideração, para fins de detração, o lapso temporal referente ao
período em que o acusado permanecera em gozo de liberdade provisória. Em caso
concreto referente à condenação à pena de 9 (nove) anos de reclusão e 3 (três) meses
de detenção, no qual foi concedida liberdade provisória com os ônus de pagamento
de fiança, comparecimento quinzenal em juízo e necessidade de autorização judicial
para se ausentar do distrito da culpa, concluiu o Supremo que não seria possível
a detração penal considerando-se o lapso em que o acusado esteve em liberdade
provisória, por ausência de previsão legal, já que o art. 42 do CP prevê o computo
de período relativo ao cumprimento de pena ou de medida restritiva de liberdade.211

211 . STF, 2a Turma, HC 81.886/RJ, Rei. Min. Maurício Corrêa, j. 14/05/2002, DJ 21/06/2002. Na mesma linha:
STJ, 6a Turma, RHC 17.501/SP, Rei. Min. Paulo Medina, j. 23/08/2005, DJ 06/03/2006 p. 442. No sentido
de que a consideração do tempo para fins de contagem de detração penal deve ser aquela em que o
condenado esteve sob efetiva custódia ou submetido a medida restritiva de direito, sendo descabida a
soma do tempo em que o paciente esteve em liberdade provisória, por ausência de expressa previsão
398 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Sem embargo dessa linha de entendimento, nas hipóteses em que o acusado


se sujeitar à imposição de medidas cautelares extremamente gravosas (v.g., moni­
toramento eletrônico, proibição de ausentar-se da comarca, etc.), parece-nos extre­
mamente desarrazoado não se conceder nenhum benefício àquele que cumpriu a
medida cautelar por um longo período, até mesmo como forma de compensação
decorrente dos gravames inerentes a esse castigo antecipado. A título de exemplo,
suponha-se que determinado acusado tenha cumprido cumulativamente as medidas
cautelares de proibição de se ausentar da comarca e monitoramento eletrônico durante
5 (cinco) anos. Seria possível simplesmente desconsiderar esse lapso temporal por
ocasião do cumprimento do tempo de prisão penal? Será que, nesse caso, não seria
justo descontar ao menos uma parte do tempo de restrição parcial de sua liberdade
de locomoção? Para aqueles que dizem que tal lapso temporal não deve ser com­
putado para fins de possível detração, criar-se-ia situação de absoluta desigualdade
em relação àquele que não cumpriu nenhuma medida cautelar durante o curso da
persecução penal. Exemplificando, tanto o acusado que cumpriu 5 (cinco) anos de
monitoramento eletrônico e proibição de ausentar-se da comarca, quanto aquele
que não esteve submetido a nenhuma medida cautelar durante o mesmo período,
não terão nenhum tempo a descontar da prisão penal. Isso certamente servirá como
fator de desestimulo aos acusados que cumprem as medidas cautelares diversas da
prisão, já que saberão, de antemão, que nenhum benefício será recebido por tal
comportamento.
Nesse caso, admitida a possibilidade de detração, ainda que não haja semelhança
entre a medida cautelar e a pena definitiva aplicada ao final do processo, surge um
outro problema: qual o critério a ser utilizado? Seria possível descontarmos um dia
de pena de prisão para cada dia de monitoramento eletrônico? Seria possível des­
contarmos um dia de pena de prisão para cada dia de proibição de ausentar-se da
comarca? Certamente que não, já que o gravame de tais medidas não se equipara
a um dia de prisão. Portanto, de lege ferenda, pensamos que deveria ser trabalhado
critério de detração semelhante ao da remição, constante do art. 126 da LEP. Ou
seja, para cada 03 (três) dias de cumprimento da medida cautelar diversa da prisão,
deveria ser descontado um dia de pena do agente. Esse critério de remição, todavia,
deve guardar relação com a gravidade da medida cautelar diversa da prisão. Assim,
se a utilização do monitoramento eletrônico por 3 (três) dias pode dar ensejo a um
dia a menos de prisão, certamente há de ser pensado outro critério para medidas
cautelares menos gravosas.212

legal: STJ, 6a Turma, HC 25.183/CE, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 27/04/2004, DJ 28/06/2004 p. 419. E
ainda: STJ, 6a Turma, RHC 17.697/ES, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 18/08/2005, DJ 14/11/2005 p. 407.
Com o entendimento de que não se vislumbra restrição ao direito de locomoção na simples condição
de comparecimento quinzenal a Juízo, sem qualquer outra formalidade, que autorize sua inclusão no
rol do art. 42 do Código Penal, mesmo se adotando posicionamento liberalizante: STJ, 6a Turma, HC
16.048/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 22/11/2001, DJ 04/03/2002 p. 297.
212 Com entendimento semelhante, referindo-se à possibilidade de acréscimo de regulamentação legal que
previsse uma espécie de remição relativa, permitindo o desconto parcial do tempo final de pena se a cau­
telar for distinta da prisão, sob pena de a jurisprudência, com base no princípio da igualdade, ser obrigada
a construir um caminho alternativo: BOTTINI, Pierpaolo. As reformas no processo penal: as novas Leis
de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 486.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 399

9.3. Detração e prisão domiciliar


Mais uma vez, nada disse a Lei n° 12.403/11 quanto à detração nas hipóteses
de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar. Em que pese o silêncio
do legislador, entendemos que, funcionando a prisão domiciliar como modalidade
de cumprimento de prisão preventiva, o desconto do tempo de cumprimento da
medida em caso de condenação previsto no art. 42 do Código Penal é medida de
rigor e adequada. No mesmo contexto, o STJ já concluiu que o tempo de prisão
cautelar efetivamente cumprida em regime domiciliar deve ser computado na pena
privativa de liberdade para fins de detração (CP, art. 42).213

9.4. Detração e penas restritivas de direitos


Como as penas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade
ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de
semana são aplicáveis em substituição às penas privativas de liberdade pelo mesmo
tempo de sua duração (CP, art. 55), revela-se perfeitamente possível a incidência da
detração. Esse raciocínio, todavia, não é válido para as penas restritivas de prestação
pecuniária e perda de bens e valores, eis que estas em nada se relacionam com o
limite temporal da pena privativa de liberdade substituída, sendo dotadas, na verdade,
de cunho patrimonial, e não de restrição de direitos por prazo certo. A propósito,
como já se pronunciou o STJ, “(...) Esta Corte não admite a aplicação do instituto
da detração penal à pena de prestação pecuniária, por ausência de previsão legal”.214

9.5. Detração e pena de multa


Partindo do pressuposto de que há vedação legal expressa de conversão da
pena de multa em pena privativa de liberdade, é de rigor a conclusão no sentido
do não cabimento da detração penal. De mais a mais, ainda que se quisesse cogitar
da possibilidade de detração, não haveria um critério legal capaz de expressar em
dias-multa o tempo de prisão cautelar a que o acusado ficou submetido.

9.6. Detração e suspensão condicional da pena


Não há falar em detração em relação ao período de prova da suspensão con­
dicional da pena, que geralmente varia entre 2 (dois) e 4 (quatro) anos. Destarte,
ainda que o acusado tenha permanecido preso preventivamente por 6 (seis) meses
durante o curso da persecução penal, seu período de prova de 2 (dois) anos não
sofrerá qualquer abatimento. Raciocínio diverso, todavia, há de ser aplicado à hi­
pótese em que houver a revogação do sursis. Nesse caso, como o condenado terá
que cumprir a integralidade da pena privativa de liberdade que lhe foi imposta na

213 STJ, 5a Turma, HC 11.225/CE, Rei. Min. Edson Vidigal, j. 06/04/2000, DJ 02/05/2000 p. 153.
214 STJ, 6a Turma, REsp 1.853.916-PR, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 04.08.2020, DJe 13.08.2020.
400 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

sentença condenatória, razão legal não haveria para impossibilitar a aplicação do


art. 42 do Código Penal.

9.7. Detração e prescrição


Há controvérsias acerca do grau de influência que a detração exerce sobre o
cálculo da prescrição. De um lado, há quem entenda possível a aplicação analógica
do art. 113 do Código Penal (“No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se
o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena”).
Destarte, se, a título ilustrativo, o acusado tiver permanecido preso preventivamente
por 3 (três) anos, sendo condenado, definitivamente, à pena de 8 (oito) anos de
reclusão, a prescrição deveria ser calculada sobre a pena faltante, é dizer, 5 (cinco)
anos, e não sobre a pena total. Prevalece, todavia, seja na doutrina, seja nos Tribunais
Superiores, o entendimento de que o art. 113 do Código Penal, que não comporta
interpretação extensiva nem analógica, tem aplicação restrita às hipóteses de eva­
são do condenado ou de revogação do livramento condicional, não se referindo ao
tempo de prisão cautelar para efeito do cálculo da prescrição.215

9.8. Detração e prisão cautelar em processo diverso


Pelo menos em tese, é possível que o acusado permaneça preso cautelarmente
em determinado feito, ao final do qual venha a ser absolvido. Nesse caso, indaga-
-se: seria possível que o acusado usasse esse “crédito” de prisão cautelar para fins
de detração em outro processo penal instaurado contra sua pessoa se acaso fosse
condenado dessa vez?
Na visão dos Tribunais Superiores, por questão de equidade, admite-se a detração
inclusive em processos que não guardam relação entre si, desde que a segregação
indevida seja posterior ao crime em que se requer a incidência do instituto. Nesses
casos, embora a prisão cautelar fosse necessária no momento em que foi realizada, ao
final do julgamento do processo, a conduta do agente não resultou em uma punição
efetiva. Dessa forma, é possível utilizar esse período para descontar a pena referente a
crime praticado em data anterior.216 Nessa linha, como já se pronunciou a Ia Turma
do STF, “(...) não é possível creditar-se ao réu qualquer tempo de encarceramento
anterior à prática do crime que deu origem à condenação atual. (...) Não pode o

215 No sentido de que o tempo de prisão provisória não pode ser computado para efeito da prescrição, mas
tão somente para o cálculo de liquidação da pena: STF, 1a Turma, RHC 85.026-SP, Rei. Min. Eros Grau,
j. 26.04.2005, DJ 27.05.2005; STJ, 6a Turma, AgRg no HC 181.711-ES, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j.
05.04.2016, DJe 18.04.2016.
216 No sentido de que o tempo de prisão cautelar, ocorrida em processo diverso daquele cujo delito ensejou
a condenação criminal, somente pode ser considerado para fins de detração da pena, se a data do come-
timento do crime a que se refere a execução for anterior ao período requerido: STJ, 5a Turma, HC 262.586/
RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 28.05.2013, DJe 10.06.2013; STJ, 6a Turma, HC 178.129/RS, Rei. Min.
Og Fernandes, j. 07.06.2021; STJ, 6a Turma, REsp 1.557.408/DF, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.
16.02.2016, DJe 24.02.2016, noticiado no Informativo n. 577 do STJ.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 401

paciente valer-se do período em que esteve custodiado - e posteriormente absol­


vido - para fins de detração da pena de crime cometido em período posterior”.217

10. LIVRAMENTO CONDICIONAL

O livramento condicional consiste na fase final da execução da pena no sis­


tema progressivo, através da qual há uma antecipação da liberdade do condenado
com o objetivo de reduzir os malefícios da prisão e facilitar sua reinserção social.
Desde que preenchidos determinados requisitos de ordem objetiva e subjetiva, o
condenado é autorizado a sair do estabelecimento prisional antes do cumprimento
integral da pena fixada na sentença condenatória, ficando, no entanto, submetido
ao cumprimento de certas condições.
Como destaca a doutrina,218 a liberdade é antecipada, condicional e precária:
antecipada, porquanto o condenado tem a oportunidade de retornar ao convívio
social antes do cumprimento integral da pena privativa de liberdade; condicional,
pois, ao longo do período restante da pena (período de prova), o egresso terá que se
sujeitar ao cumprimento de certas condições; por fim, precária, porque o benefício
poderá ser revogado a qualquer momento se acaso sobrevier uma (ou mais) das
condições previstas nos arts. 86 e 87 do Código Penal.
Sua duração é equivalente ao restante da pena a ser cumprida. Logo, na hipótese
de indivíduo condenado à pena de 9 (nove) anos de reclusão que venha a obter o
benefício após o cumprimento de 3 (três) anos, sua liberdade condicional deverá
perdurar pelo período de 6 (seis) anos, findo o qual deverá ser declarada extinta
a pena privativa de liberdade, conquanto o período de prova tenha expirado sem
revogação.
Durante o período de prova, o condenado beneficiado pelo livramento condicio­
nal é denominado pela Lei de Execução Penal de egresso, conforme se depreende do
art. 26, II, da Lei n. 7.210/84.

10.1. Natureza jurídica


É dominante o entendimento, sobretudo jurisprudencial, no sentido de que
o livramento condicional funciona como verdadeiro direito subjetivo público
do condenado que preenche os requisitos legais.219 Apesar de ser concedido du­
rante o cumprimento da pena corporal, não pode ser rotulado como incidente
da execução penal, já que não consta como tal dos arts. 180 a 193 da Lei de
Execução Penal.

217 STF, 1a Turma, HC 93.979/RS, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 22.04.2008, DJ 20.06.2008.
218 MASSON, Cleber. Op. cit. p. 697.
219 STJ, 6a Turma, Aglnt no REsp 1.651.383/MS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 09.05.2017, DJe 15.05.2017;
STJ, 3a Seção, REsp 1,544.036-RJ, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 14.09.2016, DJe 19.09.2016.
402 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

10.2. Juízo competente para a concessão do livramento condicional


Como será objeto de análise mais adiante, a concessão do livramento
condicional pressupõe o cumprimento de parte da pena privativa de liberdade.
Portanto, é bem provável que já tenha havido o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, já que não mais se admite, pelo menos em regra, a execução
provisória da pena (STF, ADC’s 43, 44 e 54). Daí por que a competência para
conceder o benefício recai sobre o juízo da execução, mais precisamente sobre
o juízo do lugar em que o condenado cumpre sua pena privativa de liberda­
de, ainda que eventualmente tenha sido condenado por sentença proferida em
comarca distinta. É exatamente nesse sentido, aliás, o teor do art. 66, inciso
III, alínea “e”, da Lei de Execução Penal. Subsiste a competência do Juízo da
Execução Penal mesmo nas hipóteses de concessão de livramento condicional a
presos cautelares, o que vem sendo admitido pelos Tribunais Superiores diante da
impossibilidade de a defesa ser prejudicada em seu recurso exclusivo (princípio
da non reformatio in pejus).220

10.3. Distinção em relação à suspensão condicional da pena


Conquanto se trate de institutos destinados a condenados a pena privativa de
liberdade e apesar de ambos sujeitarem seus respectivos beneficiários ao cumprimento
de condições judicialmente estabelecidas durante o período de prova, o livramento
condicional e o sursis apresentam diferenças notáveis, a saber:
a) quanto ao momento da concessão: a suspensão condicional da pena é con­
cedida pelo juiz do processo de conhecimento por ocasião da prolação da sentença
condenatória, que comporta recurso de apelação (CPP, art. 593, §4°). Em sentido
diverso, o livramento condicional é concedido pelo juízo da execução da pena,
exsurgindo o agravo em execução (LEP, art. 197) como recurso adequado para a
impugnação da referida decisão;
b) quanto à condenação: pelo menos em regra, o sursis é concedido para
condenações que não ultrapassem 2 (dois) anos, e desde que a pena privativa de
liberdade não tenha sido substituída por restritiva de direitos. Em sentido diverso,
o livramento condicional pressupõe que o agente tenha sido condenado à pena
privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos;
c) quanto ao período de prova: tanto o livramento condicional quanto a sus­
pensão condicional da pena têm sua duração submetida a um período de prova.
Porém, enquanto o do sursis tem prazo fixo (dois a quatro anos, ou quatro a seis
anos), o do livramento é variável, conforme o restante de pena a cumprir por parte
do liberado;

220 "A jurisprudência do STF já não reclama o trânsito em julgado da condenação nem para a concessão do
indulto, nem para a progressão de regime de execução, nem para o livramento condicional". (STF, Ia Turma,
HC 87.801/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02.05.2006). Na mesma linha: STF, 1a Turma, HC 90.813/SP,
Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.2007; STJ, 5a Turma, REsp 1.154.726/RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j.
08.05.2014.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 403

d) quanto à execução da pena: se concedido, o sursis terá o condão de suspender


o cumprimento da pena, a significar, portanto, que o agente não terá que cumprir
um único dia de pena, salvo, logicamente, se o benefício vier a ser revogado. Em
sentido diverso, o livramento condicional pressupõe o cumprimento de parte da
pena privativa de liberdade, lapso temporal esse que varia conforme as condições
pessoais do agente (reincidente em crime doloso ou não) e a natureza do crime
praticado (crime comum ou crime hediondo ou equiparado).

10.4. Requisitos
À semelhança de tantos outros benefícios previstos no Código Penal e na Lei
de Execução Penal, a concessão do livramento condicional também está sujeita ao
preenchimento de certos pressupostos, ora de natureza objetiva, ora de natureza
subjetiva.
Antes de analisarmos tais requisitos, é de rigor ressaltar que a concessão do
livramento condicional independe da progressão de regimes, ou seja, o condenado
não precisa progredir ao regime semiaberto, por exemplo, para fazer jus ao livra­
mento condicional. Logo, ainda que se encontre no regime fechado, poderá obter
o livramento condicional, desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjeti­
vos a seguir detalhados. Enfim, para fins de obtenção do livramento condicional,
pouco importa o regime de pena a que está submetido o condenado, podendo ele
encontrar-se no regime fechado, semiaberto, ou aberto.

70.4.7. Requisitos objetivos


Os pressupostos objetivos guardam relação com a pena (espécie, quantidade e
parcela já cumprida) e com a reparação do dano. Didaticamente, podem ser sinte­
tizados da seguinte forma:
a. Espécie de pena: de acordo com o art. 83, caput, do Código Penal, o juiz
poderá conceder livramento condicional ao condenado à pena privativa de liberdade.
Como o dispositivo não faz qualquer ressalva em relação à espécie de pena priva­
tiva de liberdade, pouco importa se se trata de infração penal punida com pena
de reclusão, detenção ou prisão simples. Não há falar em livramento condicional,
portanto, nos casos de penas restritivas de direitos ou multa. Para a jurisprudência,
a gravidade abstrata do crime praticado ou o montante de pena a ser cumprido, por
si sós, não constituem motivação idônea para indeferimento do pedido de livramento
condicional, quando presentes os requisitos legais estabelecidos pelo art. 83 do CP.
Nesse contexto, como já se pronunciou o STJ, “(...) o quantum da reprimenda im­
posta possui relevância apenas no que se refere ao requisito objetivo, e a gravidade
do delito exaure-se na fixação da pena, não podendo ser considerados para efeito
do livramento condicional”;221

221 STJ, 5a Turma, HC 125.958/SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 01.10.2009, DJe 03.11.2009. Na mesma
linha: STJ, 5a Turma, HC 235.480/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 26.06.2012, DJe 01.08.2012.
404 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

b. Quantidade de pena privativa de liberdade: o caput do art. 83 do Có­


digo Penal exige que a condenação à pena privativa de liberdade seja igual ou
superior a 2 (dois) anos. Na hipótese de o condenado encontrar-se cumprindo
pena pela prática de dois ou mais crimes, as respectivas penas devem ser so­
madas para fins de concessão do livramento condicional. É nesse sentido, aliás,
o teor do art. 84 do Código Penal. Nesse computo, consideram-se somente as
penas a serem cumpridas, e não aquelas já extintas. De se notar que a lei fala
em soma das “penas”, quando, na verdade, cuida do cúmulo das penas privativas
de liberdade. Logo, se o sentenciado for condenado, a título de ilustração, a uma
pena de prisão em um processo e a uma pena restritiva de direitos em outro,
não se aplica o art. 84 do CP, mas sim o art. 76 do mesmo diploma normativo
(“No concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a pena mais grave”).
Em tal hipótese, o agente deverá cumprir, inicialmente, a sanção privativa de
liberdade, inclusive com a possibilidade de obtenção do livramento, para, ao
final, dar início à execução da pena alternativa;
c. Quantum de pena já cumprido:222 a concessão do livramento condicional
pressupõe que o condenado já tenha cumprido parte da pena privativa de liberdade
que lhe foi imposta. Na verificação desse lapso mínimo de cumprimento de pena,
deve ser considerado o período em que o apenado esteve custodiado em razão de
prisão cautelar, bem como o tempo de internação em hospital psiquiátrico (CP, art.
42). Também deve ser levado em conta o tempo remido pelo trabalho, pelo estudo
ou por atividades correlatas (LEP, art. 128). Esse montante varia de acordo com
as condições pessoais do condenado e com a natureza do delito por ele praticado,
senão vejamos:
c.l. Livramento condicional simples: consoante disposto no art. 83, inciso I,
do Código Penal, se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons
antecedentes, a concessão do livramento condicional depende do cumprimento de
mais de 1/3 (um terço) da pena. De se notar que o dispositivo é expresso ao fazer
referência ao não reincidente em crime doloso. Discute-se, então, se o benefício seria
cabível em relação ao reincidente em crime culposo. De um lado, parte da doutrina
sustenta não haver qualquer óbice à concessão do benefício, porquanto não se pode
confundir reincidência em crime doloso com reincidência em crime culposo. De outro,
há quem entenda que o requisito não seria cabível, não em virtude da reincidência,
que, de fato, não versa sobre crimes dolosos, mas pelo fato de estarmos diante de
alguém que não seria possuidor de bons antecedentes. O mesmo raciocínio tem
aplicação à situação do condenado em que o crime anterior é culposo e o posterior
é doloso, ou vice-versa. Por fim, a reincidência na prática de contravenção penal
também não constitui óbice à concessão do livramento condicional, tampouco exige
o cumprimento de mais da metade da pena, já que o agravamento da condição tem­
poral determinado pelo art. 83, II, do CP, refere-se à reincidência em crime doloso.

222 A questão atinente à (im) possibilidade de interrupção do prazo para obtenção do livramento condicional
em virtude da prática de falta grave será objeto de análise mais adiante.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 405

Logo, em tal hipótese, a regra a ser aplicada é a do art. 83, I, do CP, que impõe o
cumprimento de mais de 1/3 (um terço) da pena;
c.2. Livramento condicional qualificado: de acordo com o art. 83, inciso
II, do Código Penal, se o condenado for reincidente em crime doloso, impõe-se
o cumprimento de mais da metade da pena. Na eventualidade de haver crimes
diversos, o requisito objetivo é o cumprimento de mais da metade do total das
penas somadas, conforme disposto no art. 84 do CP. Pouco importa, portanto, que
a agravante da reincidência não tenha sido reconhecida pelo juiz sentenciante em
algumas das condenações, já que a reincidência é uma circunstância pessoal que
interfere na execução como um todo, e não somente nas penas em que ela foi
reconhecida.223 Logo, ao sentenciado reincidente em crime doloso, deve ser adotado
o lapso preconizado no art. 83, II, do Código Penal, impondo-se, pois, o transcurso
do patamar de metade da sanção para a obtenção da liberdade clausulada, não
havendo de se cogitar na aplicação concomitante do patamar de 1/3 (um terço)
para a execução de pena aplicada ao tempo em que o acusado ostentava a prima-
riedade e de x/i (um meio) para as demais execuções.224 Noutro giro, referindo-se
os incisos I e II do art. 83 do Código Penal, respectivamente, ao condenado não
reincidente em crime doloso com bons antecedentes, e ao apenado reincidente em crime
doloso, há controvérsias acerca do tratamento a ser dispensado àquele indivíduo
não reincidente em crime doloso, porém dotado de maus antecedentes. De um lado,
parte da doutrina sustenta que tal condenado deve receber o mesmo tratamento
dispensado ao reincidente em crime doloso - inciso II -, daí por que o livramento
condicional ficará sujeito ao cumprimento de mais da metade da pena. Ora, por se
tratar de apenado dotado de maus antecedentes, revela-se inadmissível a aplicação
do inciso I do art. 83 do Código Penal, que exige a presença de dois requisitos
cumulativos (não reincidência em crime doloso e bons antecedentes). Em sentido
diverso, todavia, prevalece o entendimento, ao qual nos filiamos, de que, diante da
imprecisão normativa e da vedação do emprego da analogia in malam partem, o
mais correto é interpretar a norma de maneira favorável ao condenado (princípio
do favor rei). Logo, como se trata de apenado não reincidente em crime doloso,
jamais seria possível a aplicação do inciso II do art. 83 do Código Penal de modo
a exigir o cumprimento de mais da metade da pena. Na dúvida, então, admite-
-se a aplicação do inciso I, ou seja, o cumprimento de apenas 1/3 (um terço) da
pena. Nessa linha, como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, “(...) no
caso de paciente primário, de maus antecedentes, como o Código não contemplou
tal hipótese, ao tratar do prazo para concessão do livramento condicional, não se
admite a interpretação em prejuízo do réu, devendo ser aplicado o prazo de um

223 No sentido de que a condição de reincidente, uma vez adquirida pelo sentenciado, estende-se sobre a
totalidade das penas somadas, não se justificando a consideração isolada de cada condenação e tampouco
a aplicação de percentuais diferentes para cada uma das reprimendas: STJ, 5a Turma, AgRg nos EDcl no
HC 588.529-PR, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 06.10.2020.
224 STJ, 5a Turma, EDcl no HC 267.328/MG, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 03.06.2014; STJ, 5a Turma, HC 307.180/
RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 16.04.2015.
406 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

terço. O paciente primário com maus antecedentes não pode ser equiparado ao
reincidente, em seu prejuízo”;225
c. 3. Livramento condicional específico:226 nos casos de condenação por crime
hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico
de pessoas e terrorismo, dispõe o art. 83, inciso V, do Código Penal, incluído pela
Lei n. 13.344/16, que a concessão do livramento condicional está condicionada ao
cumprimento de mais de 2/3 (dois terços) da pena, conquanto o apenado não seja
reincidente específico em crimes dessa natureza. Por razões didáticas, essa espécie
de livramento condicional será objeto de estudo na sequência;
d. Reparação do dano: consoante disposto no art. 83, inciso IV, do Código
Penal, a concessão do livramento condicional também depende da reparação do
dano causado pela infração, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo. Para demons­
trar o estado de insolvência, não basta a simples juntada de atestado de pobreza.
É necessário que a insolvabilidade seja estreme de dúvidas. A propósito, como
já se pronunciou o STJ, “(...) demonstrada a hipossuficiência do paciente, que
foi representado por defensor público, não se justifica a exigência da reparação
do dano para a concessão do livramento condicional, em decorrência da im­
possibilidade de sua realização”.227 Na visão da doutrina, esse requisito também
poderá ser dispensado quando se tratar de delito em que não haja dano a ser
reparado (v.g., tráfico de drogas), quando a vítima não for encontrada para ser
indenizada, assim como quando renunciar à dívida ou relevar desinteresse em
obter o ressarcimento do prejuízo. Na hipótese de condenação por mais de um
crime, a reparação dos danos deve se dar em relação a todos os delitos, alcan­
çando, assim, as diversas vítimas;
e. Não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses: de acordo
com o art. 83, inciso III, alínea “b”, do Código Penal, incluído pela Lei n. 13.964/19,
a concessão do livramento condicional também está subordinada ao não cometi­
mento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses.228 O requisito em questão será
objeto de análise mais adiante;

225 STJ, 6a Turma, HC 102.278/RJ, Rei. Min. Jane Silva - Desembargadora convocada do TJ/MG -, j. 03.04.2008,
DJe 22.04.2008.
226 Para além do livramento condicional simples, qualificado e específico, há doutrinadores que ainda se re­
ferem ao livramento condicional humanitário. Como destaca Avena (Op. cit. p. 297),"(...) trata-se de uma
analogia ao sursis humanitário que permitiría ao condenado a obtenção da liberdade antecipada mesmo
ainda não tendo cumprido o lapso mínimo de pena exigido no art. 83, I, II e V, do Código Penal. Sem
embargo, prevalece na quase unanimidade da doutrina o entendimento de que essa forma de liberdade
condicional não pode ser permitida, tendo em vista a ausência de previsão legal".
227 STJ, 5a Turma, HC 47.492/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 01.06.2006.
228 No sentido de que o requisito previsto no art. 83, III, b, do Código Penal, inserido pela Lei n. 13.964/2019,
consubstanciado no não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses, é pressuposto objetivo para a
concessão do livramento condicional, não limitando a avaliação de conduta satisfatória durante o período
de resgate da pena: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 660.197-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 17.08.2021,
DJe 25.08.2021.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 407

f. Inexistência de condenação pela prática de crime hediondo (ou equi­


parado) com resultado morte: de acordo com o art. 112, inciso VI, alínea “a”,
da Lei de Execução Penal, incluído pelo Pacote Anticrime, quando se tratar de
condenado primário pela prática de crime hediondo ou equiparado com resultado
morte, a progressão de regimes depende do cumprimento de 50% (cinquenta por
cento) da pena, vedado o livramento condicional. Na mesma linha, consoante
disposto no art. 112, VIII, da LEP, também incluído pela Lei n. 13.964/19, se o
apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte,
a progressão de regimes está condicionada ao cumprimento de ao menos 70%
(setenta por cento) da pena, vedado o livramento condicional. Como se pode
notar, por força dos novos dispositivos legais, na eventualidade de se tratar de
condenado pela prática de crimes hediondos ou equiparados com resultado morte
(v.g., roubo qualificado pelo resultado morte - CP, art. 157, §3°, II, incluído
pela Lei n. 13.654/18), não mais será admitido o livramento condicional, pouco
importando se o agente é primário ou reincidente. A (in) constitucionalidade
dessa vedação em abstrato do livramento condicional para tais agentes certamente
deverá ser objeto de questionamentos à luz do princípio da individualização da
pena (CF, art. 5o, XLVI). De nossa parte, reputamos não haver qualquer vício
de inconstitucionalidade material, porquanto o legislador ordinário pode - e
deve - vedar a concessão do benefício às pessoas que revelam comportamento
social desajustado e elevada periculosidade. É dizer, há de se compreender que
a regra é o cumprimento integral da pena privativa de liberdade, facultando-se
à lei, todavia, restringir a liberdade antecipada àqueles que não preencherem os
requisitos por ela exigidos, dada a necessidade de se atender aos fins repressivos
de toda e qualquer sanção. De todo modo, por se tratar de lex gravior, a veda­
ção em questão será passível de aplicação exclusivamente aos crimes cometidos
após a vigência da Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), o que ocorreu em data
de 23 de janeiro de 2020, sob pena de manifesta violação ao princípio da irre-
troatividade da lei penal mais gravosa (CF, art. 5o, XL).

10.4.1.1.Prática de falta grave e (im) possibilidade de interrupção do


prazo para obtenção do livramento condicional
Pelo menos até a entrada em vigor do Pacote Anticrime, sempre se discutiu se
a prática de falta grave teria (ou não) o condão de obstar a concessão do livramen­
to condicional. Vejamos as duas correntes acerca do assunto, com seus respectivos
argumentos:
1) Prática de falta grave e impossibilidade de interrupção do prazo para
obtenção do livramento condicional: justificava-se tal entendimento com base no
argumento de que seria ofensivo ao princípio da legalidade a decisão que determinasse
que a prática de falta grave provocaria a interrupção da contagem do prazo para
a aquisição da referida benesse, uma vez que acabaria por criar requisito objetivo
não previsto na redação então vigente do art. 83 do CP. À época, o que os incisos
I e II do referido dispositivo legal exigiam era o cumprimento, respectivamente, de
408 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

mais de 1/3 (um terço), se primário e portador de bons antecedentes, ou de metade


da pena, se reincidente. Entender-se que a prática de falta grave teria o condão de
interromper a contagem desse prazo equiparar-se-ia à criação de requisito objetivo
não previsto em lei. O requisito temporal do livramento condicional deveria ser
aferido a partir da quantidade de pena já efetivamente cumprida, incapaz de sofrer
qualquer alteração com eventual prática de falta grave, pelo singelo, porém robusto
fundamento de que a ninguém é dado desconsiderar tempo de pena já cumprido,
pois pena cumprida é pena extinta. Era nesse sentido, aliás, o teor da Súmula n.
441 do STJ: “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento
condicional”;229
2) rática de falta grave e possibilidade de interrupção do prazo para
obtenção do livramento condicional: mesmo antes da entrada em vigor da Lei
n. 13.964/19, uma segunda corrente já sustentava que se a falta grave não tinha o
condão de influenciar o requisito objetivo necessário à concessão do livramento
condicional, isso não significava dizer que não teria nenhuma influência na con­
cessão do referido benefício. Ora, ao tratar dos requisitos subjetivos necessários
para a concessão do livramento condicional, o Código Penal já exigia, mesmo
antes da vigência do Pacote Anticrime, a comprovação de comportamento satis­
fatório durante a execução da pena (CP, art. 83, III, em sua redação original),
requisito este que se revelaria ausente se acaso o apenado possuísse registro
de faltas graves por ele cometidas no curso da execução penal.230 O Supremo
Tribunal Federal, aliás, tinha precedentes no sentido de que, ante a exigência
de se ter comportamento satisfatório durante a execução da pena para fins de
obtenção do livramento condicional (CP, art. 83, III, em sua redação original),
a prática de falta grave poderia funcionar como óbice à concessão do referido
benefício.231
Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime, o legislador pôs fim à referida
controvérsia, pelo menos quanto à falta grave cometida nos últimos 12 (doze) meses.
Isso porque o art. 83, inciso III, alínea “b”, do Código Penal, incluído pela Lei n.
13.964/19, passou a dispor expressamente que a concessão do livramento condi­

229 Em momento anterior à vigência da Lei n. 13.964/19, havia diversos precedentes do STJ no sentido de
que, por ausência de previsão legal, a prática de falta disciplinar de natureza grave não tinha o condão de
provocar a interrupção do lapso temporal para aferição do tempo devido ao deferimento de livramento
condicional: STJ, 6a Turma, HC 145.217/SP, Rei. Min. Og Fernandes, j. 02/02/2010, DJe 22/02/2010; STJ, 5a
Turma, HC 141.241/SP, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 29/10/2009, DJe 30/11/2009; STJ, 5a Turma,
HC 139.090/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 06/10/2009, DJe 07/12/2009; STJ, 5a Turma, AgRg no Ag 763.184/
RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 10/10/2006, DJ 13/11/2006 p. 289.
230 No sentido de que a falta disciplinar grave impede a concessão do livramento condicional, por evidenciar
a ausência de requisito subjetivo relativo ao comportamento satisfatório durante o resgate da pena, nos
termos do art. 83, III, do Código Penal: STJ, 5aTurma, HC 554.833-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik,j. 03.03.2020,
Dje 16.03.2020; STJ, 6a Turma, AgRg no HC 545.427-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 17.12.2019, Dje
19.12.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 536.450-SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 05.12.2019, DJe 13.12.2019;
STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 1.467.632-MS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 03.10.2019, DJe 08.10.2019.
231 Nessa linha: STF, IaTurma, HC 103.733/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 26/10/2010, DJe 222 18/11/2010;
STF, 1a Turma, HC 100.062/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 20/04/2010, DJe 81 06/05/2010.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 409

cional depende da comprovação do não cometimento de falta grave nos últimos


12 (doze) meses. Ou seja, apesar de a falta grave continuar não tendo o condão
de interromper o prazo para a obtenção do livramento condicional (súmula n. 441
do STJ), o seu cometimento impede a concessão do benefício pelo período de 12
(doze) meses. Interpretando-se a contrario sensu o novel dispositivo, denota-se
que, na eventualidade de a falta grave ser cometida no período anterior aos 12
(doze) meses do pedido de livramento condicional, o benefício será cabível, pelo
menos em tese, desde que sua prática não se revele incompatível com o “bom
comportamento durante a execução da pena”, requisito subjetivo elencado pelo
art. 83, III, alínea “a”, do CP.
Aliás, conquanto se trate, o não cometimento de falta grave nos últimos 12
(doze) meses, de requisito objetivo expressamente introduzido pela Lei n. 13.964/19
na alínea “b” do inciso III do art. 83 do Código Penal, é de rigor a conclusão no
sentido de que, mesmo antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime (23.01.2020),
o cometimento de uma falta grave, como, por exemplo, uma fuga, já poderia invia­
bilizar a concessão do livramento condicional em virtude da ausência do requisito
subjetivo então previsto no art. 83, III, alínea “a”, do Código Penal (“comprovado
comportamento satisfatório durante a execução da pena”). Não há falar, portanto,
em retroatividade de lei penal mais gravosa. Nessa linha, como se pronunciou a 6a
Turma do STJ, “(...) o requisito previsto no art. 83, III, ‘b’, do Código Penal, inserido
pela Lei n. 13.964/2019, consistente no fato de o sentenciado não ter cometido falta
grave nos últimos 12 meses, é pressuposto objetivo para a concessão do livramento
condicional, e não limita a valoração do requisito subjetivo necessário ao deferimento
do benefício, inclusive quanto a fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei
Anticrime. A norma anterior já previa a necessidade de comportamento satisfatório
durante a execução da pena para o deferimento do livramento condicional. E não
se pode negar que a prática de falta disciplinar de natureza grave acarreta compor­
tamento insatisfatório do reeducando”.232

10.4.1.2.Livramento condicional específico no caso de crimes hediondos


ou equiparados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo), e tráfico
de pessoas
Se a concessão do livramento condicional demanda, pelo menos em regra,
apenas o cumprimento de mais de um terço da pena (CP, art. 83, I), ou mais da
metade da pena se o condenado for reincidente em crime doloso (CP, art. 83, II),
raciocínio diverso será aplicável ao autor de crimes hediondos ou equiparados
e tráfico de pessoas. Isso porque, por força do art. 5o da Lei n° 8.072/90, que, à
época, acrescentou um inciso V ao art. 83 do Código Penal, nos casos de conde­

232 STJ, 6a Turma, HC 612.296/MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.10.2020, Dje 26.10.2020. No sentido de
que a modificação legislativa não afastou a necessidade de comprovação do comportamento satisfatório
durante a execução da pena previsto no art. 83, III, do Código Penal: STF, 2a Turma, HC 192.170 AgR/SP,
Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04.11.2020, DJe 06.11.2020.
410 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

nação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico de drogas, e terrorismo, o


condenado deve ter cumprido mais de 2/3 (dois terços) da pena, conquanto não
seja reincidente específico em crimes dessa natureza. Recentemente, a tais delitos
foi acrescentado o crime de tráfico de pessoas (CP, art. 83, V, com redação dada
pela Lei n. 13.344/16).
Na visão dos Tribunais Superiores, tratando-se de execução conjunta de
penas por crime hediondo (equiparado ou tráfico de pessoas) e crime comum,
a concessão do livramento condicional deve ser analisada separadamente.
Explica-se: o preenchimento do requisito objetivo se dará com o cumprimento
de 2/3 (dois terços) da pena referente àqueles delitos (CP, art. 83, V), e, ainda,
o cumprimento de mais 1/3 (um terço) do restante da pena relativamente ao
delito comum se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons
antecedentes (CP, art. 83, I), ou de metade da pena se reincidente em crime
doloso (CP, art. 83, II).233
Destarte, à luz do art. 83, inciso V, do Código Penal, com redação dada pela Lei
n. 13.344/16, em se tratando de crimes hediondos, equiparados e tráfico de pessoas,
a concessão do livramento condicional depende do cumprimento de 2/3 (dois terços)
da pena, mas desde que o condenado não seja reincidente específico em crimes dessa
natureza. Se o acusado for reincidente específico, não poderá ser beneficiado nem
mesmo com o livramento condicional, sem que se possa objetar qualquer violação
ao princípio da individualização da pena.234 Supondo, assim, que o indivíduo seja
reincidente específico em delitos dessa natureza, e encontre-se cumprindo pena pela
prática de crimes hediondos (equiparados ou tráfico de pessoas), e também de crimes
comuns, o livramento condicional só poderá ser concedido após o cumprimento
integral das penas referentes àqueles delitos.235
A interpretação da expressão reincidente específico em crime dessa natureza provoca
certa controvérsia na doutrina, podendo ser identificadas 2 (duas) correntes distintas:
a) reincidência específica no mesmo crime hediondo (equiparado ou
tráfico de pessoas): há quem entenda que, ao vedar a concessão do livramento
condicional ao reincidente específico em crime dessa natureza, o art. 83, inciso
V, do Código Penal, com redação dada pela Lei n° 8.072/90, exige que a conde­
nação anterior com trânsito em julgado diga respeito ao mesmo delito, como se
exige para o crime continuado (CP, art. 71). Assim, se o condenado, no prazo
da reincidência, pratica um crime de extorsão mediante sequestro, já tendo
contra si condenação anterior irrecorrível pelo mesmo delito, será considerado
reincidente específico em crime dessa natureza, razão pela qual não fará jus ao
livramento condicional;

233 STJ, 6a Turma, HC 378.502/SP, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 21.02.2017, DJe 02.03.2017; STJ, 5a
Turma, HC 267.328/MG, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 25.02.2014.
234 STJ, 5a Turma, HC 139.511 /RJ, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 06.10.2009.
235 STJ, 5a Turma, HC 84.189/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 18.12.2007, DJe 14.04.2008.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 411

b) reincidência específica em qualquer crime hediondo e/ou equiparado


ou tráfico de pessoas (posição majoritária): após fazer menção à condenação
pela prática de crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas, terrorismo e tráfi­
co de pessoas, o art. 83, inciso V, do CP, ressalva a hipótese de o apenado ser
reincidente específico em crime dessa natureza. Ora, é evidente que o dispositivo
legal em comento se refere à natureza hedionda (e/ou equiparada) e/ou ao trá­
fico de pessoas. Logo, se o apenado tiver contra si sentença condenatória irre­
corrível pela prática de um crime de extorsão mediante sequestro, não fará jus
ao livramento condicional caso volte a praticar qualquer outro crime hediondo,
equiparado e/ou tráfico de pessoas dentro do lapso temporal de 5 (cinco) anos
da reincidência. De todo modo, a jurisprudência somente admite a caracteri­
zação da reincidência específica para os fins do art. 83, V, do Código Penal,
se os dois crimes tiverem sido praticados após a entrada em vigor da Lei n°
8.072/90.236 Ainda que o reincidente específico em crime de natureza hedionda
não faça jus ao livramento condicional, isso não significa dizer que não terá
direito à progressão, já que são institutos diversos. Logo, a despeito da vedação
ao livramento condicional, o reincidente terá direito à progressão de regimes,
desde que observados os requisitos objetivos constantes do art. 112 da LEP, com
redação determinada pelo Pacote Anticrime.
Ainda em relação à concessão do livramento condicional em relação a cri­
mes hediondos e/ou equiparados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo), especial
atenção deve ser dispensada ao art. 44, parágrafo único, da Lei n° 11.343/06, que
dispõe que, nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § Io, e 34 a 37 da referida Lei,
dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de 2/3 (dois terços) da pena,
vedada sua concessão ao reincidente específico. Como se pode notar, o cumprimento
de mais de 2/3 (dois terços) da pena é exigível inclusive em relação ao crime de
associação para o tráfico de drogas (Lei n. 11.343/06, art. 35), embora tal delito não
seja considerado hediondo.237
Nos mesmos moldes que a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei n° 11.343/06
também condicionou a concessão do livramento condicional ao cumprimento de
2/3 (dois terços) da pena, vedando sua concessão ao reincidente específico. Toda­
via, diversamente do disposto no art. 83, inciso V, do Código Penal, que se refere
expressamente à vedação da concessão do livramento condicional ao reincidente
específico em crime dessa natureza, o art. 44, parágrafo único, da Lei n° 11.343/06,
fala apenas em reincidente específico, sem esclarecer se essa reincidência específica
seria apenas nos crimes de tráfico de drogas ou se também abrangería os demais
crimes hediondos e equiparados. A nosso juízo, por se tratar de lei especial pos­

236 STJ, 6a Turma, REsp 229.206/DF, Rei. Min. Vicente Leal, j. 28/06/2001, DJ 20/08/2001 p. 544. Logicamente,
em relação ao acréscimo do tráfico de pessoas ao inciso V do art. 83 do CP pela Lei n. 13.344/16, referida
restrição também só poderá ser aplicada aos crimes cometidos após sua vigência, sob pena de violação
ao princípio da irretroatividade da lex gravior.
237 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 566.686-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 18.08.2020; STJ, 6a Turma, AgRg no
RHC 117.816-SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12.05.2020.
412 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

terior que passou a regulamentar inteiramente a matéria de que tratava a Lei dos
Crimes Hediondos, a reincidência específica a que se refere o art. 44, parágrafo
único, da Lei n° 11.343/06, refere-se exclusivamente aos crimes ressalvados pelo
art. 44, caput. Por isso, se o acusado for reincidente, porém em crimes de outra
natureza, ainda que hediondos, subsiste a possibilidade de concessão do livramento
condicional. Exemplificando, se o acusado já tiver sido condenado por um crime
de estupro e, posteriormente, for condenado pelo delito de tráfico de drogas,
não será considerado reincidente específico para fins de impedir a concessão do
livramento condicional.
Nesse ponto, se comparado com o art. 83, V, do Código Penal, com redação
dada pela Lei n° 8.072/90, o art. 44, parágrafo único, da Lei n° 11.343/06, é exemplo
de novatio legis in mellius, vez que autoriza a concessão de livramento condicional
ainda que o acusado seja reincidente em virtude de condenação anterior irrecorrí­
vel pela prática de crimes hediondos e equiparados, desde que não seja o próprio
tráfico de drogas.238
Importante ressaltar que, por se tratar de norma especial, o disposto no art. 44,
parágrafo único, da Lei n° 11.343/06, tem aplicação restrita ao reincidente específico
de tráfico de drogas. Por consequência, subsiste a aplicação do disposto no art. 83,
V, do Código Penal, aos demais crimes hediondos e equiparados, em relação aos
quais continua em vigor a proibição da concessão do livramento condicional aos
reincidentes específicos em crimes desta natureza.
Em síntese, para os fins do art. 44, parágrafo único, da Lei n° 11.343/06, apesar
de não ser necessário que os dois crimes de tráfico de drogas estejam previstos no
mesmo tipo penal (v.g., será considerado reincidente específico aquele que tiver
contra si condenação irrecorrível anterior pelo crime do art. 33, caput, e, posterior­
mente, for condenado pelo crime do art. 36), a reincidência específica que impede
a concessão de livramento condicional em processo referente a tráfico de drogas é
apenas aquela referente a anterior condenação irrecorrível pela prática dos crimes
de tráfico de drogas previstos nos arts. 33, caput e § Io, 34 a 37, da Lei de Drogas.
Lado outro, para os demais crimes hediondos e equiparados, continua válida a regra
do art. 83, V, do CP, figurando como óbice à concessão do livramento condicional
o fato de haver sentença condenatória irrecorrível pretérita referente à prática de
crimes da mesma natureza, inclusive o próprio tráfico de drogas, que, por se tratar
de crime equiparado a hediondo, ainda pode ser considerado como primeiro delito
para fins de impedir a concessão do referido benefício.
O condenado por associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006),
caso não seja reincidente específico, deve cumprir 2/3 da pena para fazer jus
ao livramento condicional. Isso porque a própria Lei 11.343/2006, no parágrafo
único do art. 44, prevê requisito objetivo específico para a concessão do livra­
mento condicional ao delito de associação para o tráfico. Assim, em observância

238 Com entendimento semelhante: GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de drogas comentada: Lei n° 11.343, de
23/08/2006 - artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 199.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 413

ao princípio da especialidade, aplica-se o disposto no art. 44, parágrafo único,


da Lei 11.343/2006, em detrimento dos incisos I e II do art. 83 do CP. Ressalte-
-se que o lapso temporal de cumprimento de pena para obtenção do livramento
condicional quanto ao delito do art. 35 da Lei 11.343/2006 independe da análise
do caráter hediondo do crime.239

70.4.2. Requisitos subjetivos

Como exposto anteriormente, a concessão do livramento condicional também


demanda a observância de certos requisitos subjetivos. São eles:
a. Bom comportamento durante a execução da pena: na redação anterior ao
Pacote Anticrime, o Código Penal falava em “comportamento satisfatório”, o que
já era interpretado pela doutrina como “bom comportamento”, nova terminologia
usada na alínea “a” do inciso III do art. 83 do Código Penal. Pelo menos em regra, a
comprovação desse bom comportamento, a ser aferido durante a execução da pena,
se dá por meio de atestado emitido pelo diretor do estabelecimento prisional. Há
precedentes do STJ no sentido de que “(...) as faltas graves praticadas pelo apenado
durante todo o cumprimento da pena, embora não interrompam a contagem do
prazo para o livramento condicional, justificam o indeferimento do benefício por
ausência do requisito subjetivo. Não se aplica limite temporal à análise do requisito
subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se
averiguar o mérito do apenado”.240 Por isso, é perfeitamente possível que o requi­
sito previsto no art. 83, III, ‘b’, do Código Penal, incluído pelo Pacote Anticrime,
consistente no fato de o agente não ter cometido falta grave nos últimos 12 (doze)
meses, seja valorado, com base no caso concreto, para fins de concessão de livramento
condicional inclusive quanto a fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei n.
13.964/19, devendo ser interpretados, todavia, como “comportamento insatisfatório”
durante a execução da pena;
b. Bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído: de acordo com os
arts. 31, e 39, V, da LEP, o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado
ao trabalho, na medida de suas aptidões e capacidade. Por isso, o descumprimento
desse dever impede a obtenção do livramento condicional. Logicamente, na even­
tualidade de o estabelecimento prisional não disponibilizar trabalho aos presos, o
requisito sob análise não será aplicável ao condenado. Apesar de o dispositivo fazer
referência ao bom desempenho no trabalho que lhe for atribuído, o que sugere a

239 Nesse contexto: STJ, 5a Turma, HC 311,656/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 25/8/2015, DJe 2/9/2015. Ambas as
Turmas do STJ têm precedentes no sentido de que o parágrafo único do art. 44 da Lei de Drogas exige
o cumprimento de 2/3 da pena para a obtenção do livramento condicional nos casos de condenação
por associação para o tráfico (art. 35), ainda que este não seja hediondo, sendo vedado o benefício ao
reincidente específico: STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.469.504/RJ, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
01/09/2015, DJe 08/09/2015; STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.484.138/MS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j.
02/06/2015, DJe 15/06/2015.
240 STJ, 5a Turma, HC 589.287-RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 06.10.2020.
414 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

prestação de trabalho interno pelo preso, é intuitivo que a regra também abrange
o trabalho externo, é dizer, aquele prestado extramuros pelo condenado;
c. Aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho hones­
to: para que o agente seja colocado em liberdade, é de rigor que demonstre ser
capaz de prover à própria subsistência mediante trabalho honesto. Por razões
óbvias, não se exige a apresentação de uma proposta de emprego devidamente
formalizada, mas tão somente que o condenado demonstre aptidão ao trabalho.
De fato, em um país assolado pela miséria e pelo desemprego, se nem mesmo
indivíduos que jamais se envolveram com práticas delituosas têm facilidade de
conseguir um emprego, o que dizer, então, em relação àqueles que foram con­
denados à pena privativa de liberdade e que, agora, buscam sua ressocialização
através do trabalho?
d. Condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a
delinquir, nos casos de condenação por crime doloso cometido com violência
ou grave ameaça à pessoa: de acordo com o art. 83, parágrafo único, do Código
Penal, exclusivamente para o condenado por crime doloso, cometido com violência
ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento também ficará subordinada
à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não vol­
tará a delinquir. Dada a literalidade do dispositivo, esse requisito não é exigido
quando se trata de condenação por crime culposo, nem tampouco para conde­
nados por crimes dolosos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Na
verdade, cuida-se de verdadeiro juízo de prognose de que o egresso não voltará
a delinquir. Conquanto a Lei n. 10.792/03 tenha suprimido a previsão de exame
criminológico para a concessão dos benefícios da execução penal, os Tribunais
Superiores vêm entendendo que o juiz da execução pode, fundamentadamente,
determinar a sua realização, já que se trata de importante instrumento de prog­
nóstico da vida futura do condenado, especialmente a partir de considerações
sobre a introjeção da terapêutica prisional, presença de consciência crítica sobre
os atos criminosos praticados, sentimento de culpa perante os danos causados a
terceiros, vulnerabilidade à patologia delitiva etc. Nessa linha, como já se pronun­
ciou a Ia Turma do STF, “(...) a partir das modificações determinadas pela Lei n.
10.792/03, a realização do exame criminológico, apesar de não mais considerada
obrigatória, permanece viável, nos casos em que justificada sua relevância para
melhor elucidação das condições subjetivas do apenado na concessão do benefício.
O Supremo Tribunal Federal, por jurisprudência consolidada, admite que pode ser
exigido fundamentadamente o exame criminológico pelo juiz para avaliar pedido
de livramento condicional”.241 A propósito, eis o teor da súmula n. 439 do STJ:
“Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em
decisão motivada”;

241 STF, 1a Turma, RHC 125.279 AgR/SP, Rei. Min. Rosa Weber, j. 26.05.2015. Na mesma linha: STF, 2a Turma, Rcl
28.044 AgR-SP, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 17.08.2018.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 415

e. Inexistência de manutenção de vínculo associativo para condenados


por integrar organização criminosa: de acordo com o art. 2o, §9°, da Lei das
Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13), incluído pela Lei n. 13.964/19, o
condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou
por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de
regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros be­
nefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção
do vínculo associativo.242

10.5. Procedimento de concessão do livramento condicional


Reiterando a competência prevista no art. 66, inciso III, alínea “e”, da Lei de
Execução Penal, o art. 131 do mesmo diploma normativo preceitua que o livramento
condicional poderá ser concedido pelo juiz da execução, presentes os requisitos do
art. 83, incisos e parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público e
o Conselho Penitenciário. De se notar, portanto, que não é possível deduzir o pedido
do benefício diretamente perante o Tribunal de 2o grau sem prévio requerimento
ao juiz de Ia instância, sob pena de indevida supressão de instância e consequente
violação ao duplo grau de jurisdição.
O benefício poderá ser concedido mediante requerimento do sentenciado, de
seu cônjuge ou parente em linha reta, ou por proposta do diretor do estabelecimento
penal, ou por iniciativa do Conselho Penitenciário. Firmada a premissa de que a
própria Lei de Execução Penal assegura ao preso o direito de petição (art. 41, XIV),
o ideal é concluir que tal pedido poderá ser por ele formulado por ele mesmo, não
necessariamente por intermédio de um profissional da advocacia. Apesar de não
haver previsão legal expressa nesse sentido, também não nos parece haver qualquer
óbice à possibilidade de o Ministério Público requerer a concessão do benefício em
prol do condenado. Afinal, conforme dispõe o art. 68, inciso II, alínea “a”, da LEP,
incumbe ao Ministério Público requerer todas as providências necessárias ao desen­
volvimento do processo executivo. Por fim, é firme a orientação jurisprudencial no
sentido de que ao juízo da execução é permitido conceder de ofício o livramento
condicional, sobretudo porque o art. 195 da LEP permite ao juiz dar início a todos
os procedimentos judiciais da execução penal, sem que se possa objetar suposta
violação à garantia da imparcialidade do magistrado.
Antes de deliberar sobre a concessão do benefício, incumbe ao juízo da execução
ouvir o órgão ministerial. É nesse sentido, aliás, a parte final do art. 131 da LEP.
Some-se a isso, especificamente em relação ao Ministério Público, o fato de o art.
67 da LEP prever que o Parquet deverá fiscalizar a execução da pena e da medida
de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução. Por
conseguinte, eventual ausência de vista ao órgão ministerial para opinar sobre o

242 A vedação introduzida no art. 2o, §9°, da Lei n. 12.850/13 pelo Pacote Anticrime foi objeto de minuciosa
análise no tópico relativo à progressão de regimes, para onde remetemos o leitor.
416 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

requerimento do livramento condicional deve ser tratado como causa de nulidade


absoluta da referida decisão, ex vi do art. 564, inciso III, alínea “d”, do Código de
Processo Penal.243 Logicamente, também é de rigor a manifestação da defesa técnica
após a oitiva do Ministério Público, sob pena de nulidade absoluta, ressalvada, ob­
viamente, a hipótese em que o requerimento tiver sido feito pelo próprio defensor
(dativo, constituído ou público).
Se a manifestação do órgão ministerial e da defesa técnica são cogentes, o
mesmo não se pode dizer em relação à oitiva prévia do Conselho Penitenciário.
Explica-se: em sua redação originária, o art. 70, inciso I, da LEP dispunha que,
dentre outras atribuições, cabia ao Conselho Penitenciário emitir parecer sobre
livramento condicional, indulto e comutação de pena. Eis que surge, então, a Lei
n. 10.792/03, conferindo nova redação ao referido dispositivo: “I - emitir parecer
sobre indulto e comutação de pena, excetuada a hipótese de pedido de indulto
com base no estado de saúde do preso”. Ora, por mais que o legislador da Lei n.
10.792/03 não tenha tido o cuidado de revogar expressamente a parte final do
art. 131 da LEP, que ainda faz menção à manifestação do Conselho Penitenciário,
parece evidente que tal atribuição foi suprimida no exato momento em que foi
suprimida da redação original do inciso I do art. 70 da Lei de Execução Penal.
Operou-se, pois, a revogação tácita dessa atribuição do Conselho Penitenciário
para se manifestar previamente sobre a concessão do livramento condicional,244
o que, todavia, não impede que o juízo da execução determine, motivadamente,
a sua realização, quando entender necessário para aferir a presença (ou não) dos
requisitos legais do livramento condicional. De qualquer sorte, tal parecer não terá
o condão de vincular o juízo da execução (CPP, art. 182), que tanto pode acolher
sua conclusão, quanto rejeitá-la.
Contra a decisão que conceder ou denegar o livramento condicional, o re­
curso adequado será o agravo em execução (LEP, art. 197). É bem verdade que o
art. 581, inciso XII, do Código de Processo Penal dispõe que caberá recurso, no
sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença que conceder, negar ou revogar
livramento condicional. Porém, não se pode perder de vista que tal dispositivo foi
tacitamente revogado pela Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84), que passou a
prever o cabimento do agravo em execução contra decisões proferidas pelo juízo
da execução (LEP, art. 197).
Supondo que o livramento condicional tenha sido inicialmente indeferido pelo
juízo da execução, na eventualidade de o Tribunal dar provimento ao agravo em
execução, concedendo, assim, o referido benefício ao apenado, deverá o juízo ad
quem, à luz do art. 135 da LEP, determinar a baixa dos autos do recurso ao Juízo
da Execução para as providências cabíveis. Tal expressão, constante do art. 135 da

243 No sentido de que não se verifica qualquer ilegalidade em acórdão que anula decisão que deferiu o
livramento condicional sem previa manifestação do Ministério Público: STJ, 5aTurma, HC 204.921/MS, Rei.
Min. Gilson Dipp, j. 27.03.2012, DJe 09.04.2012.
244 Com o entendimento de que não se exige a previa oitiva do Conselho Penitenciário para fins de conces­
são do livramento condicional: STJ, 5a Turma, HC 350.902/SP, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 21.06.2016, DJe
28.06.2016.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 417

LEP, abrange a efetivação do livramento condicional, como, por exemplo, a expedição


da carta de livramento (LEP, art. 136), medidas necessárias para o aprazamento da
audiência admonitória (LEP, art. 137), e a própria fixação das condições do livra­
mento, se acaso estas não tiverem sido impostas pelo Tribunal.
Pelo menos em regra, o habeas corpus não é o instrumento processual adequado
para se discutir o cabimento do livramento condicional. Isso porque a verificação
do preenchimento (ou não) de seus requisitos, notadamente os de ordem subjetiva,
demanda certa dilação probatória, o que se revela incompatível com o rito célere do
remédio heroico.245 Excepcionalmente, todavia, em situações teratológicas de manifesta
ilegalidade ou abuso de poder, constatáveis de plano, sem necessidade de dilação
probatória, há de se admitir a impetração do habeas corpus para se obter o benefício.
Tome-se, como exemplo, hipótese em que o juiz demande o cumprimento de mais
de 2/3 (dois terços) da pena para fins de concessão do livramento condicional (CP,
art. 83, V) em relação a crime não equiparado a hediondo de tráfico privilegiado
previsto no art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06.
Concedido o livramento condicional, deverá ser expedida uma carta de livra­
mento, com a cópia integral da decisão em duas vias, remetendo-se uma à autori­
dade administrativa incumbida da sua execução e outra ao Conselho Penitenciário,
consoante previsto no art. 136 da LEP. A autoridade administrativa incumbida da
execução a que se refere o citado dispositivo não é o diretor do estabelecimento
prisional, mas sim a autoridade administrativa do serviço social penitenciário,
patronato ou conselho da comunidade incumbidos da observação cautelar e de
proteção a que se refere o art. 139 da LEP. Noutro giro, a necessidade de remessa
da carta ao Conselho Penitenciário guarda relação com as diversas atribuições desse
órgão em relação ao livramento condicional, como, por exemplo, supervisionar os
patronatos, bem como a assistência aos egressos (LEP, art. 70, IV), representar pela
modificação das condições a que fica submetido o livramento durante o período de
prova (LEP, art. 144), emitir parecer sobre a revogação e a suspensão do benefício
(LEP, art. 145), e manifestar-se acerca da extinção da pena privativa de liberdade
(LEP, art. 146).
Na sequência, deverá ser determinada a realização da cerimônia de livramento,
que nada mais é do que uma espécie de audiência admonitória realizada no esta­
belecimento onde está sendo cumprida a pena, em data designada pelo presidente
do Conselho Penitenciário, oportunidade em que deve ser observado o seguinte
procedimento, nos termos do art. 137 da Lei de Execução Penal: I - a sentença
será lida ao liberando, na presença dos demais condenados, pelo Presidente do
Conselho Penitenciário ou membro por ele designado, ou, na falta, pelo fuiz; II - a
autoridade administrativa chamará a atenção do liberando para as condições im­
postas na sentença de livramento; III - o liberando declarará se aceita as condições.
Aceitando as condições fixadas pelo juízo da execução, o livramento condicional
estará aperfeiçoado. Se o condenado não aceitá-las, o juízo da execução deverá ser
comunicado de modo a determinar a revogação do benefício.

245 STJ, 5a Turma, HC 125.383/SP, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 29.04.2009, DJe 01.06.2009; STJ, 5a
Turma, HC 57.459/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 03.10.2006, DJ 20.11.2006.
418 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

De acordo com o art. 138, caput, da Lei de Execução Penal, ao sair do estabe­
lecimento prisional, deverá ser entregue ao apeando, além do saldo de seu pecúlio
e do que lhe pertencer, uma caderneta, que será exibida à autoridade judiciária ou
administrativa, sempre que lhe for exigida. Deverá constar dessa caderneta a iden­
tificação do liberado, o texto impresso das normas do livramento condicional e as
condições impostas pelo Juízo da Execução. Na falta de caderneta, será entregue ao
egresso um salvo conduto, em que constem as condições do livramento, podendo
substituir-se a ficha de identificação ou o seu retrato pela descrição dos sinais que
possam identificá-lo.

10.6. Condições
Como exposto anteriormente, a liberdade concedida ao egresso é condicional
porquanto o sujeitará, ao longo do período restante da pena (período de prova
ou período de experiência), ao cumprimento de certas condições, que deverão ser
especificadas pelo Juízo da Execução na decisão que conceder o benefício (CP, art.
85). Subdividem-se em duas espécies:
i. Condições obrigatórias ou legais (LEP, art. 132, §1°): obtenção de ocu­
pação lícita, dentro de prazo razoável, se for apto para o trabalho; comunicar pe­
riodicamente ao juiz sua ocupação; não mudar do território da comarca do juízo
das execuções sem autorização deste. Se for permitido ao liberado residir fora da
comarca do Juízo da Execução, remeter-se-á cópia da sentença do livramento ao
Juízo do lugar para onde ele se houver transferido e à autoridade incumbida da
observação cautelar e de proteção (LEP, art. 133).246 Essa transferência do conde­
nado para comarca diversa e subsequente remessa de cópia da decisão concessiva
do livramento ao juízo do lugar em que vier a residir o liberado, todavia, não
implicará mudança de competência para a execução. É dizer, transfere-se para o
outro juízo apenas o acompanhamento do liberado e a fiscalização das condições
pactuadas, cabendo ao juízo de origem decidir sobre eventuais alterações poste­
riores (v.g., revogação do benefício);247
ii. Condições facultativas ou judiciais (LEP, art. 132, §2°): para além das
condições obrigatórias acima citadas, o juiz das execuções também poderá es­
pecificar, em caráter facultativo, as obrigações de não mudar de residência sem
comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de prote­
ção, de recolher-se à habitação em hora fixada, e de não frequentar determinados
lugares. Conquanto adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado, o juiz
da execução também pode fixar outras obrigações, vedadas aquelas de natureza
vexatória ou que ofendam direitos individuais do egresso (v.g., dever de frequentar
determinado culto religioso).

246 Há precedentes do STJ no sentido de que não é possível o cumprimento do período de prova do livra­
mento condicional no estrangeiro. A propósito, confira-se: STJ, 5a Turma, RHC 28.196/CE, Rei. Min. Gilson
Dipp, j. 13.12.2011, DJe 19.12.2011.
247 STJ, 5a Turma, HC 87.895/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 16.09.2008, DJe 13.10.2008.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 419

Além das condições obrigatórias e facultativas previstas, respectivamente,


nos §§1° e 2o do art. 132 da Lei de Execução Penal, a doutrina ainda faz men­
ção às denominadas condições legais indiretas do livramento condicional, que
correspondem às causas de revogação obrigatória ou facultativa do referido be­
nefício.248 Dessa forma, o egresso não poderá, durante o período de experiência,
ser condenado à pena privativa de liberdade, em sentença irrecorrível, por crime
cometido durante a vigência do benefício, ou mesmo por crime anterior, observado
o disposto no art. 84 do Código Penal (CP, art. 86, I e II), nem tampouco sofrer
condenação irrecorrível por crime ou contravenção a pena que não seja privativa
de liberdade (CP, art. 87).

10.7. Execução do livramento condicional (período de prova)


Como exposto anteriormente, concedido o livramento condicional, o egresso
deverá se sujeitar ao cumprimento das condições obrigatórias e facultativas ao
longo do período de experiência, que corresponde ao tempo restante da pena
privativa de liberdade que lhe foi imposta na sentença condenatória transitada
em julgado.
No curso desse período de prova, o egresso estará sujeito à fiscalização não ape­
nas pela autoridade judiciária, mas também por outros órgãos da execução. É nesse
sentido, aliás, o art. 139 da LEP, segundo o qual a observação cautelar e a proteção
realizadas por serviço social penitenciário, Patronato ou Conselho da Comunidade
terão a finalidade de: I - fazer observar o cumprimento das condições especificadas
na sentença concessiva do benefício; II - proteger o beneficiário, orientando-o na
execução de suas obrigações e auxiliando-o na obtenção de atividade laborativa. A
entidade encarregada da observação cautelar e da proteção do liberado apresentará
relatório ao Conselho Penitenciário, quer para fins de revogação do livramento
condicional, quer para fins de modificação das condições inicialmente fixadas pelo
Juízo da Execução.
Quanto à possibilidade de modificação das condições do livramento condicional,
especial atenção deve ser dispensada ao art. 144 da LEP, com redação dada pela Lei
n. 12.313/10: “O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria
Pública ou mediante representação do Conselho Penitenciário, e ouvido o liberado,
poderá modificar as condições especificadas na sentença, devendo o respectivo ato
decisório ser lido ao liberado por uma das autoridades ou funcionários indicados
no inciso I do caput do art. 137 desta Lei, observado o disposto nos incisos II e III
e §§1° e 2o do mesmo artigo”. Como se pode notar, o dispositivo autoriza a mo­
dificação das condições fixadas na decisão concessiva do livramento condicional,
seja de modo a agravá-las, seja de modo a atenuá-las, já que a lei não faz qualquer
ressalva em sentido contrário. A despeito do silêncio normativo, o ideal é concluir
que tal modificação, obrigatoriamente precedida de manifestação do Parquet e da

248 As causas de revogação (obrigatória e facultativa) do livramento condicional serão objeto de análise na
sequência.
420 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

defesa técnica, deverá ocorrer sempre que restar demonstrada a inadequação ou


insuficiência das condições originariamente impostas para atender a finalidade de
reintegração social inerente ao livramento condicional.

10.7.1. (Im) possibilidade de o período de prova do livramento condicional


ser computado como tempo de cumprimento de pena privativa de
liberdade caso atingido o limite temporal do art. 75 do CP
Na visão da 5a Turma do STJ, aplica-se o limite temporal previsto no art. 75
do Código Penal ao apenado em livramento condicional.249 Embora não se extraia
da leitura do Código Penal (arts. 83 a 90) e da Lei de Execução Penal (arts. 131
a 146) expressamente o prazo de duração do livramento condicional, é pacífica a
compreensão de que o tempo em livramento condicional corresponderá ao mesmo
tempo restante da pena privativa de liberdade a ser cumprida. Em reforço de tal
compreensão, o CP e a LEP dispõem que o tempo em livramento condicional será
computado como tempo de cumprimento de pena caso o motivo de revogação do
livramento condicional decorra de infração penal anterior à vigência do referido
instituto. Logo, em fiel observância aos princípios da isonomia e da razoabilidade,
o livramento condicional deve produzir os mesmos efeitos para quaisquer dos
apenados que nele ingressem e tais efeitos não devem ser alterados no decorrer do
período de prova, ressalvado o regramento legal a respeito da revogação, devendo o
término do prazo do livramento condicional coincidir com o alcance do limite do
art. 75 do CP - 40 anos, em relação aos crimes cometidos após a nova redação que
lhe foi conferida pela Lei n. 13.964/19. Assim, em atenção ao tratamento isonômico,
o efeito ordinário do livramento condicional - um dia em livramento condicional
equivale a um dia de pena privativa de liberdade -, aplicado ao apenado em pena
inferior ao limite do art. 75 do CP, deve ser aplicado em pena privativa de liberda­
de superior ao referido limite legal. Sob outra ótica, não se pode exigir do mesmo
apenado em livramento condicional mais do que um dia em livramento condicional
para se descontar um dia de pena privativa de liberdade, em razão apenas de estar
cumprindo pena privativa de liberdade inferior ou superior ao limite do art. 75
do CP. Assim, o Juiz da Execução Penal, para conceder o livramento condicional,
observará a pena privativa de liberdade resultante de sentença(s) condenatória(s).
Alcançado o requisito objetivo para fins de concessão do livramento condicional, a
duração dele (o período de prova) será correspondente ao restante de pena privativa
de liberdade a cumprir, limitada ao disposto no art. 75 do CP.

10.8. Suspensão do livramento condicional


Como será objeto de análise na sequência, a revogação obrigatória ou facultativa
do livramento condicional pressupõe o trânsito em julgado da sentença condena­
tória referente à outra infração penal. Até lá, é dizer, pelo menos enquanto não se
opera o trânsito em julgado dessa outra sentença condenatória, o que se admite é

249 STJ, 5a Turma, REsp 1.922.012/RS, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 05.10.2021, Dje 08.10.2021.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 421

que o juiz da execução, diante da simples prática da infração penal (v.g., prisão em
flagrante), determine a suspensão do livramento condicional, determinando a prisão
do liberado, haja vista a contraindicação de permanência do livramento condicional.
Ou seja, enquanto a revogação é definitiva, a suspensão é provisória, ficando no
aguardo da decisão final sobre o novo crime, que, na eventualidade de ser conde­
natória, determinará, então, a obrigatória revogação do benefício.
Cuida-se de verdadeira medida de natureza cautelar,250 fundada na prova da
existência do crime (fumus comissi delicti) e na existência de perigo à sociedade
decorrente da manutenção do egresso em liberdade (periculum libertatis). Nesse
sentido, dispõe o art. 145 da Lei de Execução Penal: “Praticada pelo liberado outra
infração penal, o Juiz poderá ordenar a sua prisão, ouvidos o Conselho Penitenci­
ário e o Ministério Público, suspendendo o curso do livramento condicional, cuja
revogação, entretanto, ficará dependendo da decisão final”.
De se notar que, ao tratar da suspensão do livramento condicional, o art. 145 da
Lei de Execução Penal aponta, como causa determinante, a prática de outra infração
penal pelo liberado. Não faz nenhuma ressalva acerca de sua natureza. Destarte,
firmada a premissa de que tal dispositivo é válido tanto às causas de revogação
obrigatória (CP, art. 86) quanto às causas de revogação facultativa do livramento
condicional (CP, art. 87), o ideal é concluir que a infração penal a que se refere
o art. 145 da LEP pode ser um crime ou contravenção penal, de natureza dolosa
ou culposa, praticada na vigência do período de prova ou em momento anterior.
Aliás, muito embora a leitura isolada do art. 145 da LEP conduza ao entendimento
de que somente a prática de novo delito poderia dar ensejo à suspensão cautelar
do livramento condicional, esta não tem sido a posição adotada pelos Tribunais
Superiores. Na visão do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, a interpretação
do mencionado artigo deve ser feita em conjugação com o art. 87 do Código Penal,
que dá poder geral de cautela ao juiz das execuções, facultando-lhe a tomada de
medidas quando as circunstâncias fáticas assim autorizarem.251
Conquanto se trate, a suspensão do livramento condicional, de medida que
acarreta o recolhimento do condenado à prisão, cabível diante da prática de outra
infração penal pelo liberado (v.g., indiciamento em inquérito policial), pouco im­
portando a inexistência de sentença condenatória transitada em julgado pelo novo
delito praticado, é firme o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido
de que não há, in casu, violação ao princípio da presunção de inocência. Como já
se pronunciou a 5a Turma do STJ, “(...) a providência de natureza cautelar busca
resguardar a escorreita execução da pena e a aplicação meritória dos benefícios a
ela inerentes, até o trânsito em julgado da ação penal relativa ao delito praticado no
período de prova, impedindo a extinção da punibilidade do preso pelo transcurso
do tempo. Dessa forma, não há que se falar em ofensa ao princípio constitucional
da não-culpabilidade, porquanto, comprovada a inocência do sentenciado naquele
feito, restitui-se a ele o gozo da liberdade condicional, anteriormente suspensa,

250 STF, 1a Turma, HC 81.879-SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 06.08.2002, DJ 20.09.2002.
251 STJ, 5a Turma, HC 241.540/RJ, Rei. Min. Moura Ribeiro, j. 20.03.2014.
422 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

com todos os seus direitos e deveres, prestigiando-se a efetividade do processo de


reintegração social visado pela Lei n. 7.210/84”.252
Apesar do silêncio legal, entende-se, majoritariamente, que essa decisão pode
ser adotada pelo Juízo da Execução Penal de ofício, ou mediante requerimento do
Ministério Público ou representação do Conselho Penitenciário. Por se tratar de
verdadeira espécie de medida cautelar, à qual é ínsito o caráter urgente, a suspensão
do livramento condicional não demanda prévia oitiva do condenado, diferenciando -
-se, também nesse ponto, da revogação do referido benefício. Nessa linha, como já
se pronunciou a 5a Turma do STJ, “(...) Esta Corte Superior, interpretando o art.
145 da Lei de Execuções Penais, firmou jurisprudência no sentido de que a mera
suspensão cautelar do livramento condicional, em oposição à sua definitiva revo­
gação, dispensa a oitiva prévia do apenado ou de seu defensor. (...) A tese de que a
suspensão cautelar do livramento condicional por cometimento de novo delito estaria
condicionada ao trânsito em julgado do crime posterior destoa da jurisprudência
deste Tribunal, que aponta para a prescindibilidade de condenação irrecorrível para
a adoção da medida”.253
Em conclusão, convém destacar que é firme a jurisprudência dos Tribunais Su­
periores no sentido de que a suspensão do livramento condicional não é automática.
Pelo contrário, deve ser expressa, por decisão fundamentada, para se aguardar, por
exemplo, a apuração da nova infração penal cometida durante o período de prova,
e, então, se for o caso, revogar o benefício.254

10.9. Prorrogação do período de prova do livramento condicional


Na eventualidade de o liberado praticar um crime no curso do livramento
condicional, o juízo da execução não poderá declarar extinta a pena privativa de
liberdade enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença referente ao outro
delito (CP, art. 89). Daí a necessidade de se prorrogar o período de prova, o que
pode vir acompanhado da suspensão cautelar do livramento condicional (LEP, art.
145), mas não necessariamente.
Para fins de prorrogação do período de prova, são necessários: i. prática de
crime: pouco importa se o delito é doloso ou culposo, punido com reclusão ou
detenção, já que o art. 89 do CP não faz nenhuma ressalva nesse sentido. De todo
modo, como o dispositivo faz referência à prática de crime na vigência do livramento,
conclui-se, a contrario sensu, que o cometimento de contravenção penal não enseja
a prorrogação do período de prova: ii. durante a vigência do livramento: ora, se o
crime for anterior ao período de prova, é possível o computo na pena do tempo em
que o liberado esteve em liberdade. Por consequência, não haveria lógica em pror­
rogar o livramento além do período de prova, vez que a pena já estaria cumprida.

252 STJ, 5a Turma, HC 145.583/RS, Rei. Min. Campos Marques - Desembargador convocado do TJ/PR -, j.
04.12.2012, DJe 10.12.2012.
253 STJ, 5a Turma, RHC 75.353/MG, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 06.12.2016, DJe 16.12.2016.
254 STF, 2a Turma, RHC 86.317/RJ, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 18.10.2005, DJ 16.12.2005.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 423

Discute-se na doutrina e nos Tribunais se a prorrogação do período de prova


seria automática, ou se haveria necessidade de decisão judicial nesse sentido. De um
lado, boa parte da doutrina trabalha com a tese de que a prorrogação é automática,
operando-se tão logo recebida a denúncia (ou queixa) em relação ao crime cometido
na vigência do livramento, sendo dispensada a existência de uma decisão judicial
decretando expressamente a prorrogação do período de experiência. Nos Tribunais
Superiores, todavia, é firme o entendimento no sentido de que a prorrogação não é
automática, demandando, pois, decisão judicial. A propósito, eis o teor da súmula
n. 617 do STJ: “A ausência de suspensão ou revogação do livramento condicional
antes do término do período de prova enseja a extinção da punibilidade pelo integral
cumprimento da pena”.
Em conclusão, tão logo proferida uma decisão definitiva nos autos do processo
atinente ao crime praticado durante o período de prova, especial atenção deve ser
dispensada em relação às consequências no que diz respeito ao livramento condi­
cional: a. se o agente vier a ser absolvido, o tempo de livramento condicional será
computado na pena. Destarte, expirado o prazo do período de prova, o juiz deverá
declarar a extinção da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 90 do Có­
digo Penal; b. caso o agente seja condenado à pena privativa de liberdade, deverá
ser determinada a revogação obrigatória do livramento condicional, nos termos do
art. 86, inciso I, do Código Penal; c. na hipótese de o agente ser condenado à pena
diversa da privativa de liberdade, a revogação do livramento condicional deixa de ser
obrigatória, e passa a ser facultativa, conforme previsto no art. 87 do Código Penal.

10.10. Revogação do livramento condicional


Por se tratar de um benefício precário, o descumprimento das condições fixadas
por ocasião da concessão do livramento condicional pode levar à revogação obri­
gatória ou facultativa da liberdade conquistada. A revogação deverá ser decretada
pelo juízo da execução, de ofício, mediante requerimento do Ministério Público ou
mediante representação do Conselho Penitenciário.
Em todas as hipóteses, é de rigor a oitiva do condenado, conforme previsto,
aliás, na parte final do art. 143 da Lei de Execução Penal, sob pena de manifesta
violação à ampla defesa. Como já se pronunciou o STJ, “(...) diferentemente da
suspensão cautelar, a revogação do livramento condicional depende da prévia oitiva
do apenado, sob pena de ofensa às garantias constitucionais da ampla defesa e do
contraditório. Porém, quando o reeducando não é localizado no endereço por ele
fornecido, em descumprimento ao estabelecido para gozo do benefício (LEP, art.
132, §§1° e 2o), o livramento condicional deve ser revogado, ex vi do disposto no
art. 87 do Código Penal”.255
Independentemente do motivo da revogação, três efeitos sempre serão aplica­
dos: a) expedição de mandado de prisão para que o restante da pena privativa de
liberdade seja cumprida no cárcere; b) impossibilidade de se computar o período

255 STJ, 5a Turma, HC 216.725/RJ, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 13.10.2015.


424 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

de prova no quinquênio depurador da reincidência (CP, art. 64, I), isto é, no prazo
de cinco anos em que a condenação anterior deixa de gerar a recidiva; c) a veda­
ção do computo do período de prova no prazo mínimo para pleitear a reabilitação
criminal (CP, art. 94, caput).

10.10.1. Revogação obrigatória

As causas de revogação obrigatória do livramento condicional estão previstas


no art. 86 do Código Penal. De acordo com o referido dispositivo, revoga-se o livra­
mento se o liberado vem a ser condenado à pena privativa de liberdade, em sentença
irrecorrível: I - por crime cometido durante a vigência do benefício; II - por crime
anterior, observado o disposto no art. 84 do Código Penal. Antes de passarmos à
análise individualizada de cada um desses incisos, é interessante fazermos algumas
observações genéricas em relação ao art. 84 do Código Penal:
a. estamos diante de causas de revogação obrigatória do livramento condicional,
o que significa dizer que, presente uma das hipóteses em questão, o juízo da execução
penal não tem qualquer discricionariedade para deixar de fazê-lo;
b. referindo-se o dispositivo expressamente à condenação à pena privativa
de liberdade, pode-se concluir que eventual condenação à pena diversa - res­
tritiva de direitos ou multa - não terá o condão de acarretar a revogação do
benefício;
c. de modo a acarretar a revogação obrigatória do livramento condicional,
pressupõe-se o trânsito em julgado da decisão condenatória à pena privativa de liber­
dade, logicamente nas hipóteses constantes dos incisos I e II do art. 84 do Código
Penal. Prova disso, aliás, é que o próprio art. 86, caput, in fine, do CP, faz referência
explícita à sentença irrecorrível. Logo, como dispõe o art. 145 da LEP, praticada pelo
liberado outra infração penal, o juiz poderá determinar sua prisão, suspendendo
cautelarmente o curso do livramento condicional, cuja revogação, todavia, ficará
dependendo da decisão final no referido processo. Logo, uma vez determinada a sus­
pensão do livramento condicional, se o acusado vier a ser condenado ao final do
processo, o juiz deverá determinar a revogação do benefício tão logo sobrevier o
trânsito em julgado da referida decisão. Não por outro motivo, o art. 89 do CP dispõe
expressamente que o juiz não poderá declarar extinta a pena, enquanto não passar
em julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido
na vigência do livramento. Nessa linha, como já se pronunciou o Supremo Tribunal
Federal, “(...) à luz do disposto no art. 86, I, do Código Penal e no art. 145 da Lei
das Execuções Penais, se, durante o cumprimento do benefício, o liberado cometer
outra infração penal, o juiz poderá ordenar a sua prisão, suspendendo o curso do
livramento condicional, cuja revogação, entretanto, aguardará a conclusão do novo
processo instaurado. A suspensão do livramento condicional não é automática. Pelo
contrário, deve ser expressa, por decisão fundamentada, para se aguardar a apuração
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 425

da nova infração penal cometida durante o período de prova, e, então, se for o caso,
revogar o benefício”.256
Vejamos, então, à luz do art. 86 do Código Penal, as duas hipóteses em que
deve ser determinada a revogação obrigatória do livramento condicional de liberado
que vem a ser condenado à pena privativa de liberdade em sentença irrecorrível:
I - crime cometido durante a vigência do benefício: referindo-se o inciso I
ao crime cometido durante a vigência do benefício, pode-se concluir que eventual
condenação irrecorrível por contravenção penal não autoriza a revogação obrigatória
do livramento condicional, pouco importando o momento da sua prática, assim
como se houve (ou não) a aplicação de pena privativa de liberdade. Prova disso,
aliás, é o fato de o art. 87 do CP elencar, dentre as causas de revogação facultativa
do livramento condicional, a hipótese de o agente ser condenado irrecorrivelmente
por crime ou contravenção a pena que não seja privativa de liberdade. O fato de
o liberado ter cometido um crime durante a vigência do benefício, sendo, poste­
riormente, condenado definitivamente à pena privativa de liberdade, demonstra, à
evidência, que houve uma total quebra da confiança estatal nele depositada. Por
isso, as consequências decorrentes da revogação do benefício são mais gravosas (CP,
art. 88; LEP, art. 142): i. não se computa como pena cumprida o tempo em que o
condenado esteve solto;257 ii. não poderá ser concedido novo livramento condicio­
nal, pelo menos em relação à mesma pena, o que, por outro lado, não impede a
concessão do benefício em relação à outra pena; iii. é vedada a soma do restante da
pena aplicada à nova pena para fins de concessão de novo livramento condicional.
Em conclusão, é firme a jurisprudência no sentido de que os efeitos da prática de
outra infração penal, no curso do livramento condicional, submetem-se às regras
próprias deste benefício e, portanto, não se confundem com os consectários legais
da falta grave;258
II - crime anterior, observado o disposto no art. 84 do Código Penal:
por crime anterior se compreende aquele praticado a qualquer momento, mas
desde que antes da vigência do livramento condicional. O art. 84 do CP, por sua
vez, determina que as penas que correspondem a infrações diversas devem ser
somadas para efeito do livramento. Portanto, na hipótese do art. 86, inciso II, do
CP, o objetivo do legislador é determinar a revogação obrigatória do livramento
condicional na hipótese em que a nova pena privativa de liberdade, somada ao
restante da pena anterior - leia-se, aquela que deu origem ao livramento -, re­
sultar na impossibilidade de manutenção do benefício. Diversamente da hipótese
anterior, nesta o liberado se viu condenado irrecorrivelmente à pena privativa de

256 STF, Ia Turma, HC 119.938/RJ, Rei. Min. Rosa Weber, j. 03.06.2014.


257 Como já decidiu o STF,"(...) a condenação irrecorrível, por crime cometido na vigência do livramento con­
dicional, é causa de revogação obrigatória do benefício (inciso I do art. 86 do Código Penal). Revogado
o livramento condicional pela prática delitiva durante o período de prova, não se conta como tempo de
pena cumprida o lapso temporal em que o condenado ficou em liberdade". (STF, 1a Turma, HC 90.449/RJ,
Rei. Min. Carlos Britto, j. 09.10.2007, DJ 11.04.2008).
258 STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1,794.850-RJ, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 20.08.2019, DJe 23.08.2019; STJ, 5a
Turma, HC 479.923-RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 26.02.2019, DJe 07.03.2019; STJ, 6a Turma, HC 376.104-MG,
Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 14.02.2017, Dje 23.02.2017.d
426 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

liberdade por crime praticado em momento anterior à concessão do livramento


condicional. Por isso, as consequências daí decorrentes serão menos gravosas: i.
computa-se o período de prova como pena cumprida; ii. poderá ser concedido
novo livramento condicional em relação à mesma pena; iii. é permitida a soma
do restante da pena aplicada à nova pena para fins de concessão de livramento
condicional. Logo, a revogação somente deverá ocorrer se a pena recebida, somada
à que permitiu o livramento, tornar inadmissível o benefício. Daí, aliás, o por­
quê do inciso II do art. 86 do CP fazer referência ao art. 84 do mesmo diploma
normativo, que prevê que as penas que correspondem a infrações diversas devem
somar-se para efeito do livramento. Por fim, vale ressaltar que o crime cometido
antes da vigência do livramento não autoriza a prorrogação do período de prova,
ainda que o processo criminal venha a tramitar durante esse período. Isso porque
o art. 89 do CP, ao cuidar da prorrogação, faz menção exclusivamente ao crime
cometido na vigência do livramento.

10.10.2. Revogação facultativa


Para além dessas duas hipóteses de revogação obrigatória, o Código Penal
também prevê outras causas de revogação, porém facultativas. Nesse caso, com­
pete ao juízo da execução, diante de sua ocorrência, decidir se mantém ou não
o benefício. Aliás, nos exatos termos do art. 140, parágrafo único, da LEP, se
o juiz deliberar por manter o livramento condicional, nas hipóteses de revoga­
ção facultativa, poderá advertir o liberado ou agravar as condições. Consoante
disposto no art. 87 do CP, o juiz poderá revogar o livramento condicional nas
seguintes situações:
a) Descumprimento de quaisquer das obrigações constantes da decisão con­
cessiva do livramento condicional: se o condenado aceitou as condições do livra­
mento condicional, é de se esperar o seu regular cumprimento. Caso não o faça, o
juiz poderá determinar a revogação do benefício. As consequências daí decorrentes
são relativamente mais severas, a saber: i. Não se computa como pena cumprida o
período de prova; ii. Não poderá ser concedido novo livramento condicional em
relação à mesma pena;
b) Condenação irrecorrível por crime ou contravenção penal à pena que
não seja privativa de liberdade: a segunda causa de revogação não compulsória
do livramento condicional prevista no art. 87 do CP ocorre quando o egresso é
condenado irrecorrivelmente pela prática de crime ou contravenção à pena não
privativa de liberdade, ou seja, restritiva de direitos ou multa. De acordo com o
art. 88 do CP, as consequências dessa revogação variam conforme o momento
em que a infração penal tiver sido praticada: i. Na hipótese de a condenação
guardar relação com fato praticado durante a vigência do livramento condicional,
o tempo em que o agente tiver permanecido em liberdade não será computado
como cumprimento de pena, nem tampouco poderá ser concedido novo livra­
mento condicional em relação à mesma pena, sendo vedada a soma do restante
da pena aplicada à nova pena para fins de concessão de novo livramento; ii.
Se a condenação disser respeito a fato praticado anteriormente ao livramento
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 427

condicional, o tempo em que o agente tiver permanecido em liberdade será


computado como cumprimento de pena, admitindo-se a concessão de novo
livramento condicional em relação à mesma pena, sem contar na possibilidade
de se somar o restante da pena aplicada à nova pena para fins de concessão
de livramento. Em conclusão, como o art. 87, in fine, do Código Penal, refere-
-se à condenação irrecorrível, por crime ou contravenção, à pena que não seja
privativa de liberdade, há controvérsias acerca das consequências de eventual
condenação por contravenção penal à pena privativa de liberdade (prisão sim­
ples). De um lado, parte da doutrina sustenta que, diante do silêncio da lei, não
se pode falar em revogação obrigatória, nem tampouco facultativa do livramento
condicional, sob pena de evidente analogia in malam partem e consequente
violação ao princípio da legalidade. Com a devida vênia, se o cometimento, no
curso do período de prova, de qualquer ilícito penal, seja ele crime, seja ele
contravenção penal, autoriza a suspensão cautelar da medida, nos termos do
art. 145 da LEP, como se pode admitir a possibilidade de o egresso permanecer
em liberdade condicional se há, contra si, uma condenação irrecorrível à prisão
simples? Como se pode notar, não se cuida de analogia in malam partem, mas
de consequência inexorável de coexistência de duas situações absolutamente
antagônicas.259 Enfim, “se a condenação por contravenção a pena não privativa
de liberdade traz como consequência a possibilidade de revogação judicial do
benefício, seria absurdo compreender que hipótese mais grave - condenação a
pena de prisão simples - não acarrete, no mínimo, a mesma consequência”.260

10.11. Extinção da pena em virtude do término do período de prova


Consoante disposto no art. 90 do Código Penal, se até o seu término o livra­
mento não for revogado, considera-se extinta a pena privativa de liberdade. Cuida-
-se, portanto, de decisão meramente declaratória, com eficácia retroativa (ex tunc)
à data em que se encerrar o período de prova. De se notar, então, que a extinção
da pena privativa de liberdade ocorre com o decurso do período de prova sem que
tenha havido prévia suspensão ou revogação, e não com a decisão judicial que se
limita a reconhecer o fim da sanção penal.
Destarte, firmada a premissa de que a prática de infração penal durante o
livramento condicional impõe ao magistrado das execuções penais a obrigação de
determinar a suspensão cautelar desse benefício dentro do período de prova, sendo
inviável a adoção dessa medida acautelatória após esse período, é de rigor concluir
que, na eventualidade de não existir decisão que suspenda cautelarmente o livramento
condicional, transcorrendo sem óbice o prazo do benefício, é impositivo reconhecer
a extinção da pena pelo integral cumprimento. Daí, como exposto anteriormente,
os dizeres da súmula n. 617 do STJ: “A ausência de suspensão ou revogação do

259 No sentido de que a condenação irrecorrível à prisão simples inviabiliza a manutenção do livramento
condicional: ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 399.
260 AVENA. Op. cit. p. 315.
428 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

livramento condicional antes do término do período de prova enseja a extinção da


punibilidade pelo integral cumprimento da pena”.261

10.12. Questões diversas


10.12.1. Livramento condicional cautelar
O denominado livramento condicional cautelar, que não se confunde com a
possibilidade de concessão antecipada de benefícios prisionais aos presos cautelares,
não tem previsão legal. Deve, pois, ser descartada sua utilização. Sem embargo, por
razões didáticas, convém destacar as duas hipóteses em que a medida era utilizada,
notadamente na Vara de Execuções Penais de São Paulo:262
a. quando a Lei de Execução Penal ainda exigia parecer do Conselho Penitenciário
para a concessão do benefício e havia demora na sua elaboração, o condenado era
colocado em liberdade condicional cautelarmente, pelo menos enquanto o parecer
não fosse emitido. Com a entrada em vigor da Lei n. 10.792/03, responsável pela
alteração do art. 70, inciso I, da LEP, o parecer do Conselho Penitenciário não é
mais necessário para a concessão do benefício;
b. De modo a se evitar a colocação do condenado em regime aberto na mo­
dalidade de albergue domiciliar diante da falta de casas de albergado e do não
preenchimento dos pressupostos da prisão domiciliar, tornou-se comum, por parte
de alguns juizes da execução, a concessão do livramento condicional cautelar nessa
hipótese.263 A medida, todavia, não era aceita pelos próprios condenados, que ingres­
savam com agravo em execução para evitar o livramento condicional, alcançando,
então, o regime aberto, a ser cumprido em prisão albergue domiciliar. Ora, ausen­
tes os pressupostos, impõe-se o indeferimento do livramento condicional, que não
pode ser utilizado, ainda que cautelarmente, como saída para resolver o problema
relacionado à ineficiência do Estado em disponibilizar casas de albergado suficientes
para abrigar os presos do regime aberto.

261 No sentido de que a suspensão do livramento condicional não é automática, daí por que, uma vez de­
corrido o prazo do período de prova sem ter havido a suspensão cautelar do benefício, tampouco sua
revogação, deve ser declarada a extinção da pena privativa de liberdade: STF, 1a Turma, HC 119.938-RJ, Rei.
Min. Rosa Weber, j. 03.06.2014, DJe 25.06.2014. No mesmo contexto: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 277.161/
SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 01/10/2013, DJe 10/10/2013; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 350.006/MS,
Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18/08/2016, DJe 26/08/2016; STJ, 6a Turma, AgRg no HC 372.575/
PR, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 06/06/2017, DJe 13/06/2017; STJ, 5a Turma, HC 370.004/SP, Rei.
Min. Felix Fischer, j. 02/02/2017, DJe 10/02/2017.
262 É nesse sentido a lição de Guilherme de Souza Nucci: Curso de Direito Penal. Vol. 1. 4a ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020. p. 789.
263 No sentido de que a concessão de livramento condicional cautelar para condenado beneficiado com a
progressão para o regime aberto, ante a inexistência de casa de albergado, não constitui constrangimento
ilegal: STJ, 5a Turma, HC 26.537/SP, Rei. Min. Jorge Scartezzini, j. 17.02.2004, DJ 03.05.2004.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 429

10.12.2. Livramento condicional e estrangeiros


Aos olhos dos Tribunais Superiores, não se pode negar ao estrangeiro o bene­
fício do livramento condicional, sob pena de odiosa e indevida violação ao princípio
da isonomia (CF, art. 5o, caput). Nessa linha, como já se pronunciou a 6a Turma
do STJ, “(...) a situação irregular do estrangeiro no País não é circunstância, por si
só, capaz de afastar o princípio da igualdade entre nacionais e estrangeiros, razão
pela qual a existência de processo ou mesmo decreto de expulsão em desfavor do
estrangeiro não impede a concessão dos benefícios da progressão de regime ou do
livramento condicional, tendo em vista que a expulsão poderá ocorrer, conforme o
interesse nacional, após o cumprimento da pena, ou mesmo antes disto”.264
Prova disso, aliás, é a Lei de Migração, que prevê que os estrangeiros, ainda
que na iminência da expulsão,265 fazem jus aos mesmos benefícios penais concedidos
em igualdade de condições aos nacionais brasileiros. De fato, eis o teor do art. 54,
§3°, da Lei n. 13.445/17: “O processamento da expulsão em caso de crime comum
não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão con­
dicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de
indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em
igualdade de condições ao nacional brasileiro”.

10.12.3. Livramento condicional insubsistente


Fala-se em livramento condicional insubsistente na hipótese de o benefício ser
concedido pelo juízo das execuções e, antes de realizada a cerimônia de concessão a
que faz menção o art. 137 da LEP, o sentenciado evadir-se do presídio, ou, ainda, ocor­
rer causa prevista como de revogação obrigatória. Em tal situação, ainda não se pode
falar em revogação do livramento condicional propriamente dita, vez que o benefício
ainda não teve início efetivo.

10.12.4. Livramento condicional e regime disciplinar diferenciado


Parte da doutrina sustenta não haver óbice à concessão de livramento con­
dicional àqueles indivíduos inseridos no regime disciplinar diferenciado. É nesse
sentido, entre outros, a lição de Renato Marcão, para quem “não é possível negar,
genericamente, a possibilidade de conceder livramento condicional ao preso que se
encontre submetido ao cumprimento da sanção denominada Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD)”.
Com a devida vênia, a despeito de não haver vedação expressa nesse sentido
e, por mais que, em tese, o preso possa ter preenchido os requisitos objetivos (v.g.,
1/3, V2, 2/3 da pena, etc.), é no mínimo questionável se tal indivíduo preenche
os requisitos subjetivos (mérito do apenado) indispensáveis para o livramento

264 STJ, 5a Turma, HC 324.231/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 03.09.2015, DJe 10.09.2015.
265 A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território
nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.
430 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

condicional. Haveria, de fato, verdadeira contradictio in terminis em autorizar a


transferência e manutenção do preso no Regime Disciplinar Diferenciado, por
exemplo, pelo fato de ter incorrido na prática de fato previsto como crime doloso
(falta grave), capaz de ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, e, ao
mesmo tempo, afirmar que tal indivíduo ostenta bom comportamento durante a
execução da pena (CP, art. 83, III, “a”). Enfim, as situações previstas no art. 52,
caput, e §1°, da LEP, sugerem periculosidade, desajuste carcerário e inadequação à
terapêutica penal aplicada, revelando que o apenado está longe de alcançar a rein­
tegração social que se espera com o cumprimento da pena privativa de liberdade.
Tudo isso, afinal, mostra-se absolutamente incompatível com o reconhecimento
do mérito necessário à concessão do livramento condicional. Logicamente, na
eventualidade de o regime disciplinar diferenciado ser revogado, ou ter seu prazo
de duração encerrado, aí sim poderá o sentenciado pleitear a antecipação da sua
liberdade com fundamento nos arts. 83 e seguintes do Código Penal. É nesse sen­
tido, aliás, o Enunciado n. 36 do Centro de Apoio Operacional das Promotorias
de Justiça de Execução Penal do Ministério Público do Rio de Janeiro: “Não
cabem a progressão de regime e o livramento condicional a apenado que esteja
em regime disciplinar diferenciado (RDD) ou inserido em penitenciária federal
de segurança máxima”.

11. MONITORAÇÃO ELETRÔNICA

Consiste no uso de dispositivo não ostensivo de monitoramento eletrônico,


geralmente afixado ao corpo da pessoa, a fim de que se saiba, permanentemente,
à distância, e com respeito à dignidade da pessoa humana, a localização geográfica
do agente, de modo a permitir o controle de seus atos fora do cárcere.
O monitoramento eletrônico surgiu na década de 60, porém passou a ser
utilizado principalmente a partir dos anos 80, quando sua utilização se popularizou
nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, notadamente na Inglaterra.
No Brasil, após alguns Estados da Federação regulamentarem o assunto por meio
de legislação estadual (v.g., Lei Paulista n° 12.906/08), de duvidosa constitucio-
nalidade, já que leis estaduais não podem cuidar de execução penal, nos termos
dos arts. 22, inciso I, e 24, inciso I, da Constituição Federal, o monitoramento
eletrônico foi finalmente introduzido por meio da Lei n° 12.258, de 15 de junho
de 2010, que, à época, o instituiu apenas no âmbito da execução penal, alterando
dispositivos da Lei de Execução Penal (arts. 122 e 124) e incluindo outros (arts.
146-B a 146-D).
O Projeto de Lei do qual se originou a Lei n° 12.258/10 possuía contornos mais
amplos e objetivava permitir o monitoramento também em relação aos condenados
submetidos ao regime aberto, penas restritivas de direito, livramento condicional e
suspensão condicional da pena. Porém, em virtude dos vetos sofridos,266 a referida

266 Razões dos vetos: "A adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito,
no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 431

Lei passou a permitir a monitoração eletrônica apenas em relação àqueles benefi­


ciados com saídas temporárias no regime semiaberto (LEP, arts. 122 a 125, c/c art.
146-B, II) e aos que estiverem em prisão domiciliar (LEP, art. 117, c/c art. 146-B,
IV), disciplinando o chamado monitoramento-sanção. Esse sistema, introduzido na
LEP, é conhecido como back-door, pois visa utilizar o monitoramento eletrônico para
retirar antecipadamente do sistema carcerário aquelas pessoas presas que possuam
condições de terminar o cumprimento da pena fora do cárcere. Busca-se, assim,
diminuir o tempo de cumprimento da pena na prisão.
Com a entrada em vigor da Lei n° 12.403/11, a utilização do monitoramento
eletrônico deixou de ser uma exclusividade da execução penal e também passou a
ser possível como medida cautelar autônoma substitutiva da prisão (CPP, art. 319,
IX), é dizer, antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.
Adota-se, in casu, o sistema do monitoramento eletrônico chamado front-door,
isto é, tal tecnologia passa a ser utilizada de modo a se evitar o ingresso do agente
na prisão. Trata-se, portanto, de uma medida alternativa à prisão, que visa evitar o
contato do agente com o cárcere.267 Destarte, seja no curso das investigações, seja
durante o processo criminal, verificando a necessidade da medida para aplicação
da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e, nos casos expressamente
previstos, para evitar a prática de infrações penais, poderá o magistrado determinar
a utilização do monitoramento eletrônico, isolada ou cumulativamente com outra
medida cautelar diversa da prisão.
Há quem entenda que, antes do advento de uma lei disciplinando todos os
aspectos necessários para o funcionamento e controle da monitoração eletrônica,
não seria possível sua aplicação. Tem prevalecido, porém, o entendimento de que
o monitoramento pode - e deve - ser aplicado de imediato, sobretudo porque
sua utilização já foi objeto de regulamentação pelo Decreto n° 7.627/11, cujo art.
2o conceitua a monitoração eletrônica como a vigilância telemática posicionai
à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença
transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua
localização.
Conforme se extrai do art. 146-B, caput, da LEP, compete exclusivamente ao
Juízo da Execução (ou ao Tribunal) determinar a fiscalização por meio da monito­
ração eletrônica, devendo, obviamente, fazê-lo de maneira fundamentada (CF, art.
93, IX). Isso significa dizer que a medida não pode ser determinada por autoridades
administrativas, como, por exemplo, o diretor do estabelecimento prisional.

pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionali­
dade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem
auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria
estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso".
267 A distinção dos sistemas front-door e back-door é trabalhada por Carlos Eduardo Ariano Japiassú e Celina
Maria Macedo. O Brasil e o monitoramento eletrônico. Monitoramento eletrônico: uma alternativa
à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, 2008. p. 15.
432 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

11.1. (In) constitucionalidade da monitoração eletrônica à luz do


princípio da dignidade da pessoa humana
Certamente haverá questionamentos quanto à constitucionalidade da utilização
do monitoramento eletrônico, seja no âmbito da Lei de Execução Penal, seja no bojo
do Código de Processo Penal. Haverá quem diga que sua utilização é extremamente
dispendiosa, com alto custo orçamentário. Outros, por sua vez, poderão afirmar que,
como a ocultação do dispositivo eletrônico é complicada, sobretudo para pessoas
de baixa renda em locais com temperatura elevada, sua utilização sujeitará o agente
a um constrangimento perante a sociedade, violando sua intimidade e o próprio
princípio da presunção de não culpabilidade.
Com a devida vênia, tais argumentos não merecem acolhida. Se é verdade
que a utilização do monitoramento eletrônico é extremamente dispendiosa para o
Estado, também não é menos verdade que seu emprego acaba sendo compensado
pelas inúmeras vantagens que ele traz. Trata-se de dispositivo eletrônico não os­
tensivo, ou seja, deve ser assegurada a discrição dos aparelhos a serem utilizados
- braceletes ou tornozeleiras eletrônicas -, evitando-se que o agente sofra qualquer
tipo de estigmatização perante a sociedade. A propósito, a evolução tecnológica
tem permitido a diminuição desses dispositivos eletrônicos, permitindo que fiquem
ocultos ou até mesmo imperceptíveis, assemelhando-se a acessórios geralmente
utilizados pelas pessoas, como um relógio, por exemplo. Aliás, consoante dispos­
to no art. 5o do Decreto n° 7.627/11, o equipamento de monitoração eletrônica
deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da
pessoa monitorada.
A utilização do monitoramento eletrônico é capaz de, a um só tempo, di­
minuir a massa carcerária, o que, inevitavelmente, proporcionará a melhora das
condições daqueles que devem permanecer encarcerados, mas também de facilitar
a reintegração do agente, sem a perda da capacidade de vigilância do Estado sobre
os presos, permitindo que este possa trabalhar, manter seus vínculos familiares,
assim como participar de cursos e atividades educativas. Com a necessária dis­
crição, a fim de que não haja nenhum tipo de estigmatização pela sociedade, o
monitorado terá condições de circular com relativa liberdade, exercendo suas
atividades regulares, ao mesmo tempo em que o Estado mantém sua vigilância e
a possibilidade de recaptura no caso de eventual tentativa de fuga. Enfim, diante
das mazelas do sistema carcerário, verdadeira fábrica de reincidência, que não
protege a integridade física e moral do preso, sujeitando-o a uma série de sevícias
sexuais, à transmissão de doenças como aids e tuberculose, qualquer instrumento
que venha a servir como substitutivo do encarceramento definitivo (ou cautelar)
deve ser acolhido pelo sistema.268

268 Com entendimento semelhante: BADARÔ, Gustavo Henrique. Medidas cautelares no processo penal:
prisões e suas alternativas - comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordenação: Og Fernandes. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 259. E ainda: Nuno Caiado. Notas sobre a admissibilidade
ética do monitoramento eletrônico. Boletim IBCCRIM. Ano 19, n° 225, Agosto/2011, p. 5.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 433

11.2. Finalidades
Como forma de acompanhamento, e a depender da tecnologia disponível, o
monitoramento eletrônico pode ser utilizado pelo juiz com a imposição de zonas de
inclusão e exclusão, isto é, locais em que o monitorado poderá/deverá permanecer
(zonas de inclusão) ou lugares onde não poderá comparecer ou frequentar (zonas
de exclusão). Assim, o monitoramento eletrônico pode ser utilizado para a obtenção
de 3 (três) finalidades:
a) Detenção: o monitoramento tem como objetivo manter o indivíduo em
lugar predeterminado, normalmente em sua própria residência;
b) Restrição: o monitoramento é usado para garantir que o indivíduo não
frequente certos lugares, ou para que não se aproxime de determinadas pessoas,
em regra testemunhas, vítimas e coautores;
c) Vigilância: o monitoramento é usado para que se mantenha vigilância con­
tínua sobre o agente, sem restrição de sua movimentação.

11.3. Tecnologias passíveis de utilização


Visando atingir as finalidades acima citadas, podem ser usadas as seguintes
tecnologias de monitoração eletrônica:
1) Sistemas passivos: o monitorado é periodicamente acionado pela central
de monitoramento por meio de telefone ou pager, para garantir que ele se encontra
onde deveria estar, sendo sua identificação feita por meio de senhas ou biometria,
como impressão digital, mapeamento da íris ou reconhecimento de voz. Esse sistema
não permite que o acusado tenha grande mobilidade, mas pode ser aplicado para
verificar o cumprimento do recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias
de folga ou prisão domiciliar;
2) Sistemas ativos: o dispositivo instalado em local determinado (v.g., casa)
transmite o sinal para uma central de monitoramento. Nesse caso, se o monitorado
se afastar do local determinado acima da distância determinada, a central é ime­
diatamente acionada;
3) Sistema de Posicionamento Global (GPS): por conta de seus três com­
ponentes - satélites, estações de terra conectadas em rede e dispositivos móveis
(braceletes ou tornozeleiras eletrônicas) -, essa tecnologia elimina a necessidade
de dispositivos instalados em locais predeterminados, sendo utilizada como ins­
trumento de detenção, restrição ou vigilância. Pode ser usado de forma ativa,
permitindo a localização do usuário em tempo real, ou na forma passiva, hipótese
em que o dispositivo é capaz de registrar toda a movimentação do monitorado ao
longo do dia, sendo tais dados transmitidos a uma central, que gera um relatório
diário. Sua utilização também permite que se saiba se o acusado se distanciou de
local onde deveria permanecer (zona de inclusão) ou se adentrou em local que
não devia frequentar (zona de exclusão). Não por outro motivo, é o sistema mais
utilizado no Brasil.
434 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

11.4. Cabimento
Como exposto anteriormente, em virtude dos vetos que recaíram sobre o Projeto
que deu origem à Lei n. 12.258/10, o monitoramento eletrônico somente poderá ser
aplicado, no âmbito da execução penal, nas duas hipóteses taxativamente previstas
no art. 146-B da LEP:
a. Saída temporária no regime semiaberto: de acordo com o art. 122 da LEP,
os condenados que cumprem pena em regime semiaberto, salvo se condenados pela
prática de crime hediondo com resultado morte, poderão obter autorização para saída
temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, para visitar a família, frequentar
curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2o grau ou superior,
na Comarca do Juízo da Execução, ou participar em atividades que concorram para
o retorno ao convívio social. Com o objetivo de auxiliar na fiscalização das diversas
condições impostas ao condenado por ocasião da concessão do referido benefício
(v.g., recolhimento domiciliar no período noturno, proibição de frequentar bares,
casas noturnas etc.), a Lei n. 12.258/10 alterou a Lei de Execução Penal para fins de
dispor expressamente que a ausência de vigilância direta não impede a utilização de
equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar
o juiz da execução (art. 122, §1°).
b. Prisão domiciliar: como exposto anteriormente, o art. 117 da LEP autoriza
o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quan­
do se tratar de condenado maior de 70 anos, condenado acometido de doença
grave, condenada com filo menor ou deficiente físico ou mental, ou condena­
da gestante. É intuitivo que se se trata de medida de difícil, senão impossível
fiscalização. Logo, de modo a auxiliar na identificação do espaço geográfico
onde o condenado se encontra, permitindo a fiscalização da medida pelo Juízo
da Execução Penal, a Lei n. 7.210/84 também passou a admitir a monitoração
eletrônica em tal hipótese.269
Na visão dos Tribunais Superiores, também se admite a utilização do monito­
ramento eletrônico em relação ao apenado agraciado com a progressão ao regime
aberto, sem que se possa objetar suposto constrangimento ilegal, pois a medida
atende aos parâmetros referenciados na súmula vinculante n. 56. Para o STJ, não
há falar em ofensa ao sistema progressivo, pois a observância desse princípio se
dá mediante a análise das condições às quais o apenado estaria submetido caso
cumprisse a pena em estabelecimento prisional adequado, sendo certo que a prisão
domiciliar monitorada não se afigura mais penosa do que aquela que o Executando
vivenciaria no cumprimento da pena em regime aberto. No caso, as circunstâncias
permitem o deslocamento até o trabalho e o monitoramento estabelecido traduz a
vigilância mínima necessária para aferir o cumprimento de pena fora de estabele­
cimento prisional, não constituindo meio físico apto a impedir a fuga do apenado,

269 STJ, 5a Turma, AgRg no AREsp 1,200.204-MG, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 03.04.2018, DJe
13.04.2018.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 435

razão pela qual não destoa dos parâmetros estabelecidos para o cumprimento da
pena em Casa de Albergado; ao contrário, não há dúvida de que é mais benéfico,
já que permite usufruir de um conforto maior do que experimentaria no interior
de estabelecimento prisional. Por fim, cumpre rememorar que se a solução jurídica
estabelecida no julgamento do RE 641.320/RS e replicada na Súmula Vinculante 56/
STF buscou, de um lado, evitar o excesso na execução, de outro, acabou por equipa­
rar, em muitos casos, as condições de cumprimento da pena em regime semiaberto
e aberto, consequência essa inarredável.270

11.5. Consentimento do condenado


Nada dizem os arts. 146-B a 146-D da LEP acerca da necessidade de consenti­
mento do condenado para fins de aplicação do monitoramento eletrônico. No entanto,
é evidente que a sua aquiescência está implícita na utilização dessa medida, daí por
que o monitoramento não deve ser imposto diante de eventual recusa expressa por
parte do apenado. Afinal, a aplicação dessa medida pressupõe que o condenado
observe os deveres que lhe serão impostos fora do cárcere (zonas de inclusão e/ou
exclusão). Ademais, caso não concorde com a utilização do dispositivo eletrônico,
basta a ruptura do dispositivo eletrônico tão logo implantado, dando ensejo à re­
vogação do benefício. Portanto, a despeito do silêncio da lei, parece-nos que, por
mais improvável que seja, diante de eventual manifestação em sentido contrário do
condenado, a medida não deve ser implementada.

11.6. Deveres do condenado submetido à monitoração eletrônica


Tão logo determinada a fiscalização por meio de monitoração eletrônica,
o condenado deverá ser instruído acerca dos cuidados que deve adotar com o
equipamento e os deveres que decorrem da sua utilização (LEP, art. 146-C).
Conquanto não haja previsão legal expressa nesse sentido, o ideal é que o Juízo
da Execução determine a realização de uma audiência, oportunidade em que as
advertências feitas ao condenado deverão ser registradas no respectivo termo,
evitando-se, assim, eventual e futura arguição da sua parte no sentido de que
não tinha ciência de tais deveres, muito menos das consequências decorrentes
da sua inobservância (v.g., regressão de regime, revogação da autorização de
saída temporária, revogação da prisão domiciliar, etc). A propósito, consoante
disposto no art. 3o do Decreto n. 7.627/11, a pessoa monitorada deverá receber
documento no qual constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os de­
veres a que estará sujeita, o período de vigilância e os procedimentos a serem
observados durante a monitoração.
De acordo com o art. 146-C da LEP, incluído pela Lei n. 12.258/10, o con­
denado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento
eletrônico e dos seguintes deveres:

270 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 691.963/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19.10.2021, DJe 22.10.2021.
436 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica,


responder aos seus contatos e cumprir suas orientações: a responsabilidade
pela administração, execução e controle da monitoração eletrônica caberá aos
órgãos de gestão penitenciária. A eles também caberá, de acordo com o art.
4o do Decreto n. 7.627/11: i. verificar o cumprimento dos deveres legais e das
condições especificadas na decisão judicial que autorizar a monitoração eletrô­
nica; ii. encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada ao juiz
competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer momento, quando por
este determinado ou quando as circunstâncias assim o exigirem; iii. adequar
e manter programas e equipes multiprofissionais de acompanhamento e apoio
à pessoa monitorada condenada; iv. orientar a pessoa monitorada no cumpri­
mento de suas obrigações e auxiliá-la na reintegração social, se for o caso; e v.
comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que possa dar causa à
revogação da medida ou modificação de suas condições. Na visão da doutrina,
“tais visitas deverão ter por escopo constatar as condições pessoais a que se
encontra lançado o condenado durante o monitoramento, pois, ainda que não
venha a violar o equipamento ou descumprir de forma aparente qualquer condi­
ção de permanência sob tal situação vigiada, outras práticas não recomendadas e
incompatíveis com sua condição de condenado poderão ser adotadas, cumprindo
então ao profissional responsável, em tais hipóteses, efetivar as orientações que
entender pertinentes, de tudo fazendo minucioso relatório que encaminhará
ao juízo incumbido do processo execucional respectivo, para conhecimento e
eventuais providências”;271
II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer
forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o
faça: para que possa permanecer sob monitoramento eletrônico, o condenado
não poderá adotar quaisquer práticas que evidenciem o seu intuito de furtar-se à
efetividade e eficiência da vigilância aplicada. Daí o dever que recai sobre ele de
se abster de remover (retirar do seu corpo o equipamento que o monitora), de
violar (romper), de modificar (adulterar o equipamento), de danificar de qualquer
forma272 (causar dano de modo a tornar o equipamento inservível) o dispositivo
de monitoração eletrônica,273 sob pena de cometer falta grave (LEP, art. 50, VI,
c/c art. 39, V)274 e ter que responder inclusive pelo delito de dano qualificado
contra o patrimônio público (CP, art. 163, parágrafo único, III). Deveras, ao

271 MARCÃO, Renato. Op. cit. p. 270.


272 No sentido de que a conduta de bloquear de maneira intencional o sinal emitido pela tornozeleira eletrô­
nica caracteriza hipótese de violação ao regular funcionamento do equipamento de monitoração, ainda
que temporária, vindo de encontro, assim, ao dever de inviolabilidade do equipamento eletrônico: STJ, 5a
Turma, HC 400.495-RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 14.09.2017, DJe 25.09.2017.
273 Reconhecendo a prática de falta grave por parte de condenado que descumpriu o dever de inviolabilidade
estabelecido no art. 146-C, inciso II, da LEP, in casu, por ter violado, por diversas vezes, o perímetro de
inclusão, não tendo atendido as ligações recebidas da central de monitoramento, além de ter desligado
o equipamento em duas oportunidades, danificando, ademais, o carregador da bateria: STJ, 5a Turma, HC
517.455/SC, Rei. Min. Leopoldo de Arruda Raposo - Desembargador convocado do TJ/PE -, j. 08.10.2019,
DJe 16.10.2019.
274 STJ, 5a Turma, HC 460.440-RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 18.09.2018, DJe 25.09.2018.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 437

romper a tornozeleira eletrônica, o condenado pratica conduta que configura


falta grave, que pode ser equiparada, em determinadas hipóteses, à própria fuga,
conforme previsto no art. 50, II, ou na inobservância das ordens recebidas, a teor
do art. 50, VI, c.c art. 39, V, c.c o art. 146-C, todos da Lei de Execução Penal.275
A expressão “ou de permitir que outrem o faça” deixa entrever que é indiferente
que a prática tenha sido adotada pelo próprio condenado ou por terceiro, com
seu consentimento. Em ambas as hipóteses, há de se demonstrar a intenção do
agente de remover o dispositivo eletrônico. Caso contrário, é dizer, se a remoção
tiver ocorrido de maneira não intencional, decorrente de caso fortuito, cabe ao
condenado comunicar de imediato a ocorrência ao Juízo das Execuções Penais,
evitando-se, assim, a imposição de uma das consequências previstas no parágrafo
único do art. 146-C da LEP. A propósito, em caso concreto apreciado pela 6a Turma
do STJ, considerou-se plausível e idônea a justificativa apresentada pela defesa - a
apenada faria uso de medicamentos para dormir, o que fez com que esquecesse
de colocar o dispositivo para carregar, ficando sem bateria por 47 minutos e 55
segundos -, daí por que deliberou pela manutenção do monitoramento eletrônico,
mormente diante da pandemia do novo coronavírus.276

11.7. Consequências decorrentes da violação dos deveres inerentes à


monitoração eletrônica
Dado o necessário equilíbrio que deve haver entre direitos e deveres do
condenado, a violação comprovada dos deveres acima listados deverá acarre­
tar diversas consequências para o processo executivo do condenado. Antes de
determiná-las, porém, é de rigor, pelo menos em regra, a realização de uma
audiência de justificação, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa, com
a consequente oitiva do Ministério Público, na condição de fiscal da execução
da pena (LEP, art. 67), do condenado e da defesa técnica. Observada essa for­
malidade, poderá o juiz da execução determinar, nos termos do parágrafo único
do art. 146-C da LEP:277
I - regressão de regime: como exposto anteriormente, a saída temporária é
admissível apenas para aqueles que cumprem pena em regime semiaberto, salvo se
porventura condenados pela prática de crime hediondo com resultado morte (LEP,
art. 122, caput, e §2°, incluído pela Lei n. 13.964/19). Por consequência, na even­
tualidade de violação dos deveres inerentes ao monitoramento eletrônico, o juízo
da execução poderá determinar a regressão de seu regime prisional para o fechado.
Por se tratar da medida mais severa dentre aquelas previstas no parágrafo único
do art. 146-C da LEP, o ideal é reservá-la para transgressões realmente graves (v.g,

275 Considerando o rompimento da tornozeleira eletrônica como verdadeira hipótese de fuga em caso concreto
em que o condenado permaneceu sem fiscalização por aproximadamente 3 (três) anos e 6 (seis) meses,
quando, enfim, foi recapturado: STJ, 5a Turma, HC 527.117/RS, Rei. Min. Leopoldo de Arruda Raposo - De­
sembargador convocado do TJ/PE -, j. 03.12.2019, DJe 10.12.2019.
276 STJ, 6a Turma, RHC 129.485/MG, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 15.09.2020, Dje 23.09.2020.
2T7 Note o leitor que os incisos lll, IV e V do parágrafo único do art. 146-C da LEP foram vetados.
438 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

remoção intencional da tornozeleira eletrônica). Logo, na eventualidade de uma


violação mais branda, será mais razoável uma mera advertência ou até mesmo a
revogação da autorização de saída temporária. Em conclusão, convém destacar que
esta primeira consequência - regressão de regime - já traz implícita a revogação
da autorização de saídas temporárias (LEP, art. 146-C, parágrafo único, II), já que
estas são incompatíveis com o regime fechado;
II - revogação da autorização de saída temporária: cuida-se de sanção inter­
mediária entre a regressão de regime e a advertência por escrito, de aplicação res­
trita, obviamente, àqueles condenados que foram beneficiados com a autorização de
saída temporária no regime semiaberto. Deve ser reservada, portanto, para hipóteses
mais brandas de violação dos deveres atinentes à monitoração eletrônica, que não
demandem a regressão do regime, a exemplo da não localização, pelo profissional
responsável, do beneficiário de saída temporária em sucessivas visitas de fiscalização
e orientação (LEP, art. 146-C, I), a despeito de ter ele retornado ao estabelecimento
prisional no dia e hora aprazados para o término do período de saída;
VI - revogação da prisão domiciliar: para o preso domiciliar sujeito ao mo­
nitoramento eletrônico (LEP, art. 146-B, IV), a violação comprovada dos deveres a
que está sujeito deverá acarretar, obviamente, a revogação de tal benefício, é dizer,
o condenado deverá voltar a cumprir a pena no regime aberto. Nada mais. Ou seja,
não se revela possível a revogação da prisão domiciliar cumulada com a regressão
para o regime semiaberto.278 Diante da inexistência de casas de albergado, estabe­
lecimento adequado para o cumprimento dessa pena no regime aberto, e de modo
a não tornar a revogação da prisão domiciliar em sanção absolutamente ineficaz,
recomenda-se a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos,
tal qual disposto no art. 180 da LEP;
VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execu­
ção decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste
parágrafo: trata-se de sanção subsidiária em relação às demais, aplicável aos casos
de menor gravidade, implicando sua efetivação em persistência do monitoramento
eletrônico, bem como dos benefícios relativos à saída temporária e à prisão do­
miciliar. É dizer, se a violação dos deveres inerentes ao monitoramento eletrônico
não for tão severa assim de modo a justificar a regressão de regime, a revogação
de autorização de saída temporária ou a revogação da prisão domiciliar, o juízo da
execução poderá aplicar mera advertência por escrito, alertando o condenado mais
uma vez acerca das possíveis consequências decorrentes do seu desvio de conduta.
À evidência, cuida-se de sanção razoável para uma primeira violação comprovada
dos deveres inerentes ao monitoramento eletrônico, fazendo pouco sentido aplicá-
-la novamente, sob pena de completo esvaziamento de seu caráter coercitivo. Nessa
linha, como já se pronunciou o STJ, “(...) no caso, o recorrente cometeu reiteradas
violações noturnas de área de inclusão e de fim de bateria. Advertido, em audiência

278 Em sentido diverso, Avena (Op. cit. p. 319) sustenta a possibilidade excepcional de dupla punição (revo­
gação da prisão domiciliar e regressão do regime prisional) em hipóteses de extrema gravidade, como,
por exemplo, a fuga do condenado após violar o equipamento de monitoração.
Cap. VIII • EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 439

de justificação, voltou a descumprir as condições legais, motivando, acertadamente,


a revogação do benefício”.279
Em conclusão, é de todo relevante não confundir as consequências decorrentes
da violação dos deveres inerentes ao monitoramento eletrônico previsto na Lei de
Execução Penal (art. 146-C, parágrafo único, incisos I, II, VI e VII) com aquelas
que derivam do descumprimento do monitoramento eletrônico front-door previsto
no art. 319, IX, do CPP. Neste caso, verificado o descumprimento injustificado
da cautelar diversa da prisão, impõe-se ao juiz, à luz do art. 282, §4°, do CPP, a
substituição da medida, a imposição de outra em cumulação, ou, em último caso, a
decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único, do CPP.

11.8. Revogação do monitoramento eletrônico


De acordo com o art. 146-D da Lei de Execução Penal, incluído pela Lei n.
12.258/10, a monitoração eletrônica poderá ser revogada:
I - quando se tornar desnecessária ou inadequada: a revogação do monitora­
mento eletrônico é um desdobramento lógico da revogação da prisão domiciliar ou
da regressão de regime prisional, seja porque não se admite o monitoramento quando
o condenado cumpre pena no regime aberto, resultado decorrente da revogação da
domiciliar, seja quando o faz no fechado (consequência da regressão). Também se
tornará desnecessário quando houver, por exemplo, o decurso do período de saída
temporária (prazo não superior a 7 dias);
II - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante
a sua vigência ou cometer falta grave: pelo menos em regra, o descumprimento
comprovado dos deveres inerentes ao monitoramento eletrônico (art. 146-C, incisos
I e II) deve acarretar a revogação da medida. A exceção fica por conta da hipótese
em que o juiz deliberar por aplicar como consequência de um desvio menos con­
tundente a sanção de advertência por escrito. Ora, como se trata de uma verdadeira
“primeira chance” conferida ao condenado, não há muita lógica em privá-lo do
monitoramento eletrônico.280 A outra hipótese que autoriza a revogação da medida
diz respeito ao cometimento de falta grave durante o período de monitoramento.
Ora, se a prática de falta grave autoriza a regressão de regime prisional (LEP, art.
118, I), bem como a revogação automática do benefício da saída temporária (LEP,
art. 125, caput), nada mais lógico e coerente do que também provocar a revogação
da monitoração eletrônica, nos termos do art. 146-D, inciso II, in fine, da LEP. A
título de exemplo, é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que a
utilização de tornozeleira eletrônica sem bateria configura falta grave, nos termos
dos arts. 50, VI, e 39, V, ambos da LEP, eis que o apenado descumpre a ordem do
servidor responsável pela monitoração, para manter o aparelho em funcionamento,
e impede a fiscalização da execução da pena.281

279 STJ, 5a Turma, AgRg no AREsp 1.376.443-GO, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 06.12.2018, DJe
19.12.2018.
280 Com entendimento semelhante: MARCÃO. Op. cit. p. 276.
281 STJ, 5a Turma, AgRg no AREsp 1.569.684/TO, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 10.03.2020, DJe 06.08.2020.
EXECUÇÃO DAS PENAS
RESTRITIVAS DE DIREITOS

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A liberdade de locomoção do ser humano é um bem jurídico por demais valioso


para ser sacrificado de maneira desnecessária. Há necessidade, pois, de se pensar em
penas “alternativas” à prisão, evitando-se, assim, a desnecessária execução de penas
privativas de liberdade de curta duração em relação a indivíduos dotados de condições
pessoais favoráveis eventualmente envolvidos na prática de delitos de menor gravidade.
É dentro desse contexto que surgem as denominadas “penas restritivas de direi­
tos”, que funcionam, em essência, como uma “(...) alternativa aos efeitos certamente
traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são
comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza:
constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas sequelas. E o fato é que a
pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-
-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também
são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização,
e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto,
qual tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo,
recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero”.1

2. (DES) NECESSIDADE DO TRÂNSITO EM JULGADO PARA FINS DE


EXECUÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS

À época em que o Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento acerca


da possibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade, admitindo-a a

1 STF, 2a Turma, HC 110.078/SC, Rei. Min. Ayres Britto, j. 29.11.2011, DJ 21.03.2012.


442 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

partir do esgotamento dos recursos ordinários junto aos Tribunais de Apelação (HC
126.292/SP e ARE 964.246/SP), surgiu acirrada controvérsia acerca da (im) possibi­
lidade de aplicação de idêntico raciocínio em relação às penas restritivas de direitos.
De um lado, parte da doutrina passou a admitir a execução provisória de
penas restritivas de direitos, sobretudo nas hipóteses em que restasse comprovado
o intuito meramente protelatório do acusado (ou de seu defensor) no exercício
do direito recursal, buscando tão somente o retardamento do trânsito em julgado
da condenação. Em sentido diverso, todavia, era firme o entendimento, sobretudo
jurisprudencial, no sentido de que a execução das penas restritivas de direitos
estaria condicionada ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Isso por­
que o art. 147 da LEP é explícito nesse sentido, senão vejamos: “Transitada em
julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o juiz de execução, de
ofício ou a requerimento do Ministério Público, promover a execução, podendo,
para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou
solicitá-las a particulares”. Logo, considerando-se que o Supremo Tribunal Federal
havia admitido tão somente a execução provisória da pena privativa de liberdade
no julgamento do HC 126.292/SP e do ARE 964.246/SP, nada dispondo sobre as
penas restritivas de direitos, revelar-se-ia indevida qualquer tipo de “interpretação
conforme”, ou de “inconstitucionalidade por arrastamento”, para fins de se negar
vigência ao texto expresso do art. 147 da LEP, até mesmo porque, ao tempo em
que vigorava o entendimento de ser possível a execução provisória da pena (até
05/02/2009, com o julgamento do HC 84.078/MG), como a partir da decisão pro­
ferida nos precedentes acima citados, a Suprema Corte não a autorizava para as
penas restritivas de direito. É exatamente nesse sentido, aliás, o teor da súmula
n. 643 do STJ: “A execução da pena restritiva de direitos depende do trânsito em
julgado da condenação”.2
Toda essa controvérsia deixou de existir com a mudança da orientação
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em relação à possibilidade de exe­
cução provisória da pena privativa de liberdade. De fato, a partir do momento
em que a Suprema Corte julgou procedente os pedidos formulados nas ADC’s
43, 44 e 54 (Rei. Min. Marco Aurélio, j. 07.11.2019), para fins de declarar a
constitucionalidade do art. 283 do CPP e condicionar o cumprimento da pena
privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória, tal qual
preconizado pelo art. 5o, LVII, da Constituição Federal, seria ilógico não aplicar
a mesma sistemática às penas restritivas de direitos, sob pena de patente viola­
ção não apenas à regra de tratamento que deriva do princípio da presunção de
inocência, mas também ao próprio princípio da isonomia, porquanto dar-se-ia
tratamento diverso ao condenado a depender da espécie de pena que lhe fosse
aplicada. Nesse contexto, como se pronunciou o Supremo Tribunal Federal,

2 STJ, 3a Seção, j. 10.02.21, DJe 17.02.21. No mesmo contexto: STJ, 3a Seção, AgRg no HC 435.092/SP, Rei.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 24.10.2018, DJe 26.11.2018; STJ, 3a Seção, Embargos de Divergência em
REsp n. 1.619.087/SC, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14.06.2017; STJ, 3a Seção, AgRg nos Embargos de Divergência
em REsp n. 1,699.768/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 13.03.2019; STJ, 3a Seção, AgRg no HC 435.092/SP, Rei.
Min. Rogério Schietti Cruz, j. 24.10.2018, DJe 26.11.2018.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 443

“(...) O art. 147 da Lei de Execuções Penais determina que a pena restritiva de
direitos será aplicada somente após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente as
Ações Diretas de Constitucionalidade 43/DF e 44/DF, ambas de relatoria do
Ministro Marco Aurélio, para assentar a constitucionalidade do art. 283 do
Código de Processo Penal”.3
Enfim, o início da execução das penas restritivas de direitos deverá ocorrer a
partir do trânsito em julgado da decisão que as aplicou, tal qual previsto no art.
147 da LEP. A despeito do silêncio da LEP a respeito do assunto, a execução das
penas restritivas de direitos também depende da expedição prévia de um documento
que permita ao juiz promovê-la. Cuida-se da denominada guia de execução de pena
restritiva de direitos, que, por analogia, deverá conter as mesmas formalidades da
guia de recolhimento prevista no art. 106 da LEP para fins de execução da pena
privativa de liberdade.

3. NATUREZA JURÍDICA E CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS

As penas restritivas de direitos têm natureza jurídica de sanção penal, por mais
que não haja a privação da liberdade de locomoção. Prova disso, aliás, é que o art.
5o, XLVI, da Constituição Federal, ao apresentar um rol exemplificativo de penas
passíveis de aplicação, dispõe expressamente que a lei regulará a individualização da
pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b)
perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição
de direitos. Como se pode notar, consta do dispositivo menção explícita à perda de
bens e à prestação social alternativa como espécies de pena.
As penas restritivas de direitos são dotadas de duas características fundamentais:
a. substitutividade: costuma-se dizer que as restritivas são substitutivas porquanto
substituem a pena privativa de liberdade. Destarte, ainda que o juiz do processo de
conhecimento vislumbre o cabimento das penas alternativas, deverá, primeiro, fixar
o montante da pena privativa de liberdade e o seu regime inicial de cumprimento
de pena (fechado, semiaberto ou aberto), para, na sequência, substituí-la por uma
ou mais penas restritivas de direitos. Isso porque, pelo menos em regra, consta do
preceito secundário dos diversos tipos penais existentes menção expressa apenas em
relação à pena privativa de liberdade (v.g., pena - reclusão, de um a quatro anos, e
multa, no caso do furto simples), e não quanto às restritivas de direitos, que estão
previstas na Parte Geral do Código Penal;
b. autonomia: uma vez realizada a substituição, as penas restritivas de direitos
ganham autonomia, sendo executadas, portanto, como espécie de sanção principal, e
não como sanções acessórias à pena privativa de liberdade. Logo, não se pode admitir
que alguém seja condenado a cumprir determinada pena privativa de liberdade e,
simultaneamente, ao cumprimento de penas restritivas de direito. A propósito, eis o

3 STF, 2a Turma, ARE 1.235.057 AgR/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27.03.2020, DJ 12.05.2020.
444 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

teor da Súmula n° 493 do STJ: “É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art.


44 do CP) como condição especial ao regime aberto”.
Se a substitutividade e a autonomia funcionam como características genéricas
das denominadas penas alternativas, convém destacar que há hipóteses excepcio­
nais previstas na legislação especial em que as restritivas de direitos encontram-se
cominadas diretamente no preceito secundário, isolada ou cumulativamente à pena
privativa de liberdade, senão vejamos:
1. Lei de Drogas: ao delito de porte de drogas para consumo pessoal, o art. 28
da Lei n. 11.343/06 estabelece diretamente as penas de advertência sobre os
efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e comparecimento
a programa ou curso educativo;
2. Código de Trânsito Brasileiro: consta de diversos crimes previstos na Lei
n. 9.503/97 menção expressa à aplicação conjunta de penas privativa de
liberdade e restritiva de direitos (v.g., homicídio culposo na direção de
veículo automotor, lesão corporal culposa na direção de veículo automotor,
embriaguez ao volante, violação de proibição ou restrição para direção
de veículo automotor e participação em competição não autorizada).
Isso sem contar o quanto disposto em seu art. 292, segundo o qual a
suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para
dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou cumulativamente
com outras penalidades;
3. Código de Defesa do Consumidor: de acordo com o art. 78 da Lei n. 8.078/90,
além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas,
cumulativamente ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a
47 do Código Penal, a interdição temporária de direitos, a publicação em
órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas
do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação, a prestação de
serviços à comunidade.

4. DURAÇÃO

Pelo menos em regra, a pena restritiva de direitos deverá ter a mesma duração
da pena privativa de liberdade por ela substituída. É nesse sentido, aliás, o teor do
art. 55 do Código Penal, segundo o qual as penas restritivas de direitos de prestação
de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos
e limitação de fim de semana têm a mesma duração da pena privativa de liberdade
substituída. Exemplificando, fixada na sentença condenatória uma pena de 1 (um)
ano de detenção, a qual alcança a monta de 365 dias, a fixação da pena de prestação
de serviços à comunidade aplicada em substituição deverá se dar em 365 horas.
Há, todavia, importantes exceções à regra geral do art. 55 do Código Penal:
i. Prestação de serviços à comunidade: nesse caso, se a pena a ser substituída
for superior a 1 (um) ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 445

em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.


De se notar que essa possibilidade jamais poderá implicar em diminuição da pena
restritiva de direitos, que há de ser cumprida integralmente, facultando-se ao con­
denado tão somente cumprir um maior número de horas semanais de modo a
antecipar o término do período;
ii. Prestação de serviços à comunidade como condição do acordo de não
persecução penal: quando ajustada como uma das condições para a celebração do
acordo de não persecução penal, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas terá duração correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída
de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução (CPP, art. 28-A,
inciso III, incluído pela Lei n. 13.964/19);
iii. Penas restritivas de direitos reais (prestação de serviços à comunidade
e perda de bens e valores): tais sanções são dotadas de caráter patrimonial, e
não temporal, é dizer, o seu cumprimento não sujeita o condenado à restrição
de direitos por determinado período. Logo, por razões óbvias, a elas não se
aplica o limite temporal constante do art. 55 do CP, considerando-as cumpridas
assim que for efetuado o pagamento da quantia fixada ou entregue o bem ou
valor devido;
iv. Estatuto do Torcedor: a Lei n. 10.671/03 prevê como crime a conduta
de promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos
competidores em eventos esportivos, à qual é cominada uma pena de reclusão, de
1 (um) a 2 (dois) anos, e multa (art. 41-B). De acordo com o art. 41-B, §2°, do
referido diploma normativo, verdadeira norma especial em relação ao art. 55 do
CP, na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão
em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a
qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a
3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser
primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática
de condutas previstas no referido artigo;
v. Nova Lei de Abuso de Autoridade: ao tratar da suspensão do exercício do
cargo, da função ou do mandato como uma das espécies de penas restritivas de
direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas na Lei n. 13.869/19, seu
art. 5o, inciso II, dispõe expressamente que tal pena terá o prazo de 1 (um) a 6 (seis)
meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens.

5. REQUISITOS PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE


LIBERDADE

Quanto aos requisitos para a substituição por restritiva de direitos, pode-se


dizer que, no tocante aos crimes culposos, não há qualquer pressuposto específico,
a não ser a verificação das circunstâncias judiciais. Ou seja, basta que o juiz constate
que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
446 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

bem como os motivos e as circunstâncias do fato indicam que a medida seja sufi­
ciente, pouco importando o quantum de pena cominado ao delito e que o delito em
questão envolva violência contra a pessoa (v.g., homicídio culposo). A reincidência,
por si só, não impede a aplicação do benefício no caso de crime culposo, já que tal
circunstância somente figura como óbice à substituição se o agente for reincidente
específico em crime doloso (CP, art. 44, II). Evidentemente, se o juiz concluir que a
reincidência demonstra que a substituição poderá não se mostrar medida suficiente,
por revelar conduta social ou personalidade incompatível com o benefício, poderá
denegar a substituição por restritiva de direitos.
Em se tratando de crimes dolosos (ou preterdolosos),4 alguns requisitos
cumulativos devem ser preenchidos pelo acusado, a saber:
1) Pena não superior a 4 (quatro) anos: nos crimes dolosos, admite-se a
substituição se a pena privativa de liberdade aplicada não for superior a 4 (quatro)
anos. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 44, I, Ia parte, do CP, com redação dada
pela Lei n. 9.714/98. Operou-se, pois, a revogação tácita do art. 54 do Código Penal,
que previa, desde a entrada em vigor da Lei n. 7.209/84, que as penas restritivas
de direitos seriam aplicáveis nos crimes dolosos se acaso fixada pena privativa
de liberdade em quantidade inferior a 1 (um) ano. Perceba-se que é irrelevante
a pena in abstrato fixada no tipo penal. O que releva é a pena concretizada na
decisão condenatória. Outrossim, na hipótese de concurso de crimes, o parâmetro
a ser utilizado é o total das sanções somadas - no caso de concurso material e de
concurso formal impróprio -, ou exasperadas (concurso formal próprio e crime
continuado), e não aquela aplicada a cada delito isoladamente, não sendo possível
a aplicação da regra do art. 119 do CP, referendada pela súmula n° 497 do Supre­
mo, que se refere apenas ao cálculo da prescrição.5 Especificamente em relação ao
concurso material, especial atenção deve ser dispensada a duas regras constantes
do art. 69 do CP: a) de acordo com o art. 69, §1°, do CP, na eventualidade de ser
negada a suspensão condicional da pena para um dos delitos, a substituição por
restritiva de direitos não seria cabível para os demais. Para a doutrina majoritária,
o dispositivo em questão foi tacitamente revogado pelo art. 44, §5°, do CP, in­
cluído pela Lei n. 9.714/98, daí por que se revela possível que o juiz aplique para
um dos crimes pena privativa de liberdade e, quanto aos remanescentes, realize a
substituição por pena restritiva de direitos, desde que esta seja compatível com o
cumprimento da pena privativa de liberdade;6 b) quando forem aplicadas penas
restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem com­
patíveis entre si (v.g., prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade)
e sucessivamente as demais (CP, art. 69, §2°);

4 No crime preterdoloso há dolo no antecedente e culpa no consequente. Apesar de o art. 44 do Código


Penal não fazer nenhuma referência explícita a eles, se partirmos da premissa de que, em tais delitos, antes
de integralizar-se o resultado culposo, realiza-se, por completo, um crime doloso, não há por que não se
aplicar a mesma sistemática dos crimes de natureza dolosa.
5 STJ, 5a Turma, HC 94.646/SC, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 11/12/2008, DJe 02/02/2009.
6 Nesse contexto: AVENA. Op. cit. p. 339.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 447

2) Crime cometido sem o emprego de violência ou grave ameaça contra


a pessoa (CP, art. 44, I, in fine): por força do art. 44, I, do CP, não se admite a
substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito quando o crime
for cometido com violência, mesmo que a pena seja inferior a 4 anos e fixado o
regime inicial aberto.7 Na visão dos tribunais, tratando-se de norma restritiva da
liberdade, esse dispositivo deve ser interpretado restritivamente. Por isso, entende-
-se que a violência a que se refere o art. 44, I, do CP, é apenas a violência real,
ou seja, o emprego de força física sobre o corpo da vítima como meio de execu­
ção do delito. Portanto, se acaso o crime de roubo do art. 157, caput, do CP, for
cometido mediante o emprego de violência imprópria (redução da possibilidade
de resistência da vítima por qualquer outro meio que não caracterize violência ou
grave ameaça, tal como, por exemplo, amarrar alguém a um poste, ou ministrar
dose de “Boa noite Cinderela”), tem sido admitida a substituição por restritiva,
desde que preenchidos, obviamente, os demais requisitos.8 A participação de menor
importância, enquanto causa de diminuição de pena (CP, art. 29, §1°), em nada
repercute na classificação jurídica do crime que, se praticado com violência ou
grave ameaça, não comporta a substituição por pena restritiva de direitos.9 Em
relação aos crimes de lesão corporal dolosa leve (CP, art. 129, caput) e ameaça
(CP, art. 147), que têm, como elementares, a violência real e a grave ameaça,
prevalece o entendimento de que, por conta do princípio da especialidade, é pos­
sível a substituição da pena de prisão por restritiva de direitos, salvo quando se
tratar de violência doméstica e familiar contra a mulher.10 Afinal, tais crimes são
considerados infrações de menor potencial ofensivo, submetendo-se aos institutos
despenalizadores da Lei n° 9.099/95, que expressamente admite a aplicação de
penas não privativas de liberdade (art. 62);11
3) Acusado não reincidente específico em crime doloso (ou preterdolo-
so): de acordo com o art. 44, II, do CP, para que seja possível a substituição,
o acusado não pode ser reincidente em crime doloso. Perceba-se que a rein­
cidência genérica não é motivo suficiente, por si só, para o indeferimento da
substituição da pena corporal.12 Há necessidade de que sua reincidência seja

7 STF, 2a Turma, HC 114.703/MS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 16/04/2013.


8 No sentido de que a violência a que se refere o art. 44, inciso I, do CP, é apenas a violência real: STJ, 6a
Turma, RHC 9.135/MG, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 06/04/2000, DJ 19/06/2000 p. 210. Com raciocínio
semelhante, Estefam adverte que, se uma pessoa cometer uma tentativa de estupro de vulnerável (CP, art.
217-A), poderá, em tese, ter sua pena de prisão substituída. (ESTEFAM, André. Direito penal, volume 1. São
Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 322). Para Avena (Op. cit. p. 336), por se tratar, a violência imprópria, de
verdadeira espécie de violência presumida ou ficta, descabe a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos. Com entendimento semelhante: MASSON. Op. cit. p. 624.
9 STJ, 6a Turma, HC 66.402/GO, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 06.12.2007, DJe 04.08.2008.
10 A (im) possibilidade de aplicação das restritivas de direitos em relação às infrações penais praticadas no
contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher será objeto de análise mais adiante.
11 No sentido de que a violência de menor potencial ofensivo não impede a substituição da pena privativa
de liberdade por restritiva de direitos: STJ, 6a Turma, HC 209.154-MS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j.
28.05.2012.
12 STF, Ia Turma, HC 94.990-MG, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02.12.2008, DJ 19.12.2008; STJ, 5a Turma,
AgRg nos EDcl no AREsp 279.042-SP, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 24.09.2013, DJe 02.10.2013.
448 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

específica em relação a crime doloso (ou preterdoloso), ou seja, tanto aquele


objeto anterior da condenação, quanto o outro delito, posteriormente come­
tido, devem ser crimes dolosos (ou preterdolosos). Mesmo em se tratando de
reincidente específico em crime doloso (ou preterdoloso), o art. 44, § 3o, do
CP, autoriza a substituição, mas desde que o juiz verifique que a medida se
mostra socialmente recomendável e que a reincidência não tenha ocorrido pela
prática do mesmo crime. Nesse sentido, como já se pronunciou o STJ, “(...) em
se tratando de reincidência não específica, decorrente de delito praticado sem
violência e, ainda, diante da favorabilidade das circunstâncias judiciais, reputo
socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade pela
restritiva de direitos”.13 Há controvérsias acerca do conceito de “mesmo crime”
para fins de se vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restri­
tiva de direitos inclusive quando socialmente recomendável. De um lado, uma
primeira corrente sustenta que a reincidência específica a que se refere o art.
44, §3°, do Código Penal, caracteriza-se pela prática de dois ou mais crimes da
mesma espécie, assim considerados aqueles delitos que tutelam o mesmo bem
jurídico, independentemente de constarem do mesmo tipo penal. A propósito,
há precedentes mais antigos da 6a Turma do STJ no sentido de que anterior
crime de roubo teria o condão de caracterizar reincidência específica em re­
lação a delito de furto superveniente, inviabilizando a substituição da pena.14
Com a devida vênia, ousamos discordar. Ora, a literalidade do dispositivo,
que faz uso da expressão mesmo crime, demonstra que a reincidência especí­
fica tratada no art. 44, §3°, do Código Penal somente se aplica quando forem
idênticos, e não apenas da mesma espécie, os crimes praticados. Há, de fato,
uma distinção de significado entre “mesmo crime” e “crimes da mesma espé­
cie”. Logo, se o art. 44, §3°, do CP optou pela primeira expressão, sua escolha
deve ser respeitada, até mesmo diante do princípio da vedação à analogia in
malam partem. A propósito, por ocasião do julgamento do AREsp 1.716.664/
SP,15 a 3a Seção do STJ concluiu pela superação da tese de que a reincidência
em crimes da mesma espécie impediría, em absoluto, a substituição da pena
privativa de liberdade por restritivas de direitos, porque somente a reincidência
no mesmo crime (aquele constante no mesmo tipo penal) é capaz de fazê-lo,
nos termos do art. 44, § 3o, do CP, cabendo ao Judiciário, nos demais casos
de reincidência, avaliar se a substituição é ou não recomendável, em face da
condenação anterior;
4) Circunstâncias judiciais favoráveis: de acordo com o art. 44, III, do
CP, a substituição por restritiva de direitos deve ser deferida pelo juiz quando
a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do conde­

13 STJ, 5aTurma, AgRg no REsp 1.842.235/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 05.12.2019, DJe 17.12.2019.
14 STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.873.041-SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 04.08.2020, DJe 13.08.2020. Com
raciocínio semelhante: STJ, 5a Turma, AgRg no AgRg no AREsp 1.276.547/RS, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j.
20.09.2018, DJe 26.09.2018.
15 STJ, 3a Seção, AREsp 1.716.664/SP, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 25.08.2021.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 449

nado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição


seja suficiente.16 Em síntese, tanto a retribuição do mal praticado pelo crime
como a prevenção (geral e especial) de novos crimes, inerentes à pena privativa
de liberdade, devem ser alcançadas com a pena restritiva de direitos. Como
se pode notar, o legislador aí elencou as circunstâncias judiciais do art. 59 do
CP, sem mencionar, todavia, as consequências do crime e o comportamento da
vítima. Sem embargo, parte da doutrina sustenta que tais circunstâncias podem
ser levadas em consideração, porém com fundamento no art. 59, inciso IV,
do CP, in verbis: Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes,
à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,
conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime:
(...) IV - a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra
espécie de pena, se cabível.
Presentes os requisitos acima analisados, é firme a jurisprudência no sentido
de afirmar que a substituição será obrigatória, por constituir-se verdadeiro direito
subjetivo do acusado, e não propriamente uma faculdade do magistrado. Na verdade,
essa discricionariedade do juiz guarda relação apenas com a verificação da presença
dos requisitos legais que autorizam a substituição e a escolha da restritiva mais ade­
quada para o caso concreto. Como já se pronunciou o STJ, “(...) o recorrente atende
aos requisitos exigidos para a substituição da pena corporal por medidas restritivas
de direito, a saber, é primário, condenado por crime culposo, e as circunstâncias
judiciais são todas favoráveis. A substituição da pena constitui direito subjetivo
do réu, não ficando ao alvedrio do magistrado o seu deferimento se presentes os
pressupostos legais”.17
Importante ressaltar que o condenado não tem o direito de escolher entre a
sanção alternativa e a pena privativa de liberdade. É dizer, preenchidos os requisitos
legais, impõe-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de di­
reitos. O condenado que sequer iniciou o cumprimento da pena não pode escolher
como pretende cumprir a condenação que lhe foi imposta. Não se admite, pois, que
o condenado que sequer iniciou o cumprimento da pena solicite a reconversão da
pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade a ser cumprida em regime
aberto, por supostamente lhe ser mais cômoda ou conveniente.18
Especial atenção deve ser dispensada à legislação especial, que, vez por outra,
também faz menção à possibilidade (ou não) de substituição da pena privativa de

16 No sentido de que a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, reconhecida na condenação, não


autoriza a substituição de pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos, em virtude do não
preenchimento de requisito subjetivo previsto no art. 44, inciso III, do Código Penal: STJ, 5a Turma, AgRg no
HC 547.985-RJ, Rei. Min. Leopoldo de Arruda Raposo - Desembargador convocado doTJ-PE -, j. 20.02.2020,
DJe 02.03.2020.
17 STJ, 6a Turma, RHC 30.680/SP, Rei. Min. Og Fernandes, j. 06.09.2011, DJe 19.09.2011.
18 Com esse entendimento: STJ, 5a Turma, REsp 1,524.484/PE, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
17/05/2016, DJe 25/05/2016.
450 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

liberdade por restritiva de direitos. A título de exemplo, em seu art. Io, § 5o, a Lei
de Lavagem de Capitais permite, entre outros benefícios, a substituição da pena
privativa por restritiva de direitos nas hipóteses de colaboração premiada, inde­
pendentemente do quantum da sanção imposta ao condenado, quando o autor,
coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou
à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
Verificada a presença dos requisitos que autorizam a substituição da pena de
prisão pela restritiva de direitos, deve o magistrado escolher a mais adequada, assim
como fixar a quantidade de restritivas que serão aplicadas no caso concreto. Caso
a pena de prisão substituída não seja superior a um ano, o juiz poderá aplicar uma
pena restritiva de direitos ou multa. Se a pena for superior a um ano, a lei faculta
ao juiz substituí-la por duas penas restritivas de direitos ou uma pena restritiva de
direito cumulada com multa (CP, art. 44, § 2o). Na hipótese de não ser cabível a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, deve o juiz
analisar a possibilidade de concessão da suspensão condicional da pena, nos termos
dos arts. 77 e 78 do Código Penal.

6. QUESTÕES CONTROVERSAS

6.1. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por


restritiva de direitos nos casos de crimes hediondos e equiparados
Apesar de a Lei n° 8.072/90 não vedar expressamente a possibilidade de substi­
tuição da pena de prisão por restritiva de direitos, grande parte da doutrina sempre
se posicionou contrariamente a essa possibilidade. Para tanto, costumava-se invocar
o argumento de que a Lei n° 8.072/90, em sua redação original, determinava que
os condenados por crimes hediondos e equiparados cumprissem a pena no regime
integralmente fechado, daí por que não seria cabível a substituição.19
Seguindo esse entendimento, a Lei n. 11.343/06 vedou expressamente a possi­
bilidade de substituição. De fato, por ocasião da entrada em vigor da Lei de Drogas,
era nesse sentido o teor do art. 33, §4°, da Lei de Drogas: “Nos delitos definidos
no caput e no §1° deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois
terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja
primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre
organização criminosa”. Por sua vez, o art. 44 dispunha que os crimes previstos nos
arts. 33, caput e §1°, e 34 a 37 do referido diploma normativo seriam inafiançáveis
e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a
conversão de suas penas em restritivas de direitos.

19 No sentido de que a obrigatoriedade de cumprimento da pena em regime integralmente fechado em


relação a crimes hediondos e equiparados inviabilizava a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos: STF, 2a Turma, HC 85.906/SP, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 02/08/2005, DJ 02/09/2005;
STF, 2a Turma, HC 84.515/RS, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 24/05/2005, DJ 21/10/2005.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 451

Ocorre que, ao apreciar o HC 97.256,20 o plenário do Supremo declarou,


incidentalmente, com efeito ex nunc, a inconstitucionalidade da expressão “ve­
dada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4o do art. 33,
e da parte final do art. 44, ambos da Lei de Drogas (Lei n° 11.343/2006). Para o
Supremo, a vedação, em abstrato, da possibilidade de substituição da pena priva­
tiva de liberdade por restritiva de direitos seria incompatível com o princípio da
individualização da pena, porquanto subtrai da instância julgadora a possibilidade
de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade
sancionatória. Ademais, as penas privativas de liberdade não seriam as únicas a
cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção
penal. Na dicção da Corte, as demais penas, aí incluídas as restritivas de direitos,
também são vocacionadas para esse papel de retribuição-prevenção-ressocialização,
e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto,
qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo
tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.
O Relator também fundamentou seu voto no permissivo da Convenção contra o
Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas - Convenção de Vie­
na de 1988, internalizada pelo Decreto n° 154/91 -, que permite, em seu art. 3o,
§ 4o, “c”, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos
quando se tratar de infrações de caráter menor. Por tais motivos, foi concedida a
ordem em habeas corpus não para assegurar ao paciente a imediata substituição,
mas pelo menos para remover o obstáculo da Lei n° 11.343/06, devolvendo ao juiz
da causa a tarefa de aferir a presença das condições objetivas e subjetivas listadas
no art. 44 do Código Penal. Corroborando esse entendimento, eis o teor da Tese
de Repercussão Geral fixada no tema n. 626: “É inconstitucional a vedação à
conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, prevista nos
artigos 33, §4°, e 44, caput, da Lei n. 11.343/06”.21
Por conta dessa decisão, o Senado Federal deliberou pela suspensão da exe­
cução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” do § 4o
do art. 33 da Lei n° 11.343/06, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal
(Resolução n. 5, de 2012). Por verdadeiro lapso, porém, não fez o mesmo em
relação à expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”
do art. 44 da Lei de Drogas, o que, à evidência, não afasta a adoção do mesmo
raciocínio. Diante desse entendimento, não há como negar a possibilidade, pelo
menos em tese, de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos em relação aos crimes hediondos. Afinal, se o tráfico de drogas, que é
crime equiparado a hediondo por força da própria Constituição Federal (art. 5o,

20 STF, Pleno, HC 97.256/RS, Rei. Min. Ayres Britto, j. 01/09/2010, DJe 247 15/12/2010. Na visão da 6a Turma
do STJ, o fato de o tráfico de drogas ser praticado com o intuito de introduzir substâncias ilícitas em es­
tabelecimento prisional não impede, por si só, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas
de direitos, devendo essa circunstância ser ponderada com os requisitos necessários para a concessão do
benefício: STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.359.941/DF, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 4/2/2014.
21 Paradigma: STF, Pleno, ARE 663.261 RG/SP, Rei. Min. Luiz Fux, j. 13.12.2012, DJ 06.02.2013.
452 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

XLIII), admite essa possibilidade, não há como não a estender às demais infrações
do mesmo gênero. De mais a mais, removida a vedação legal à progressão de regime
aos condenados pela prática de crime hediondo em virtude do julgamento do HC
82.959/SP, também restou ultrapassada a argumentação que era utilizada para vedar
a substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos. Logo, desde que
preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, é plenamente possível a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pouco importando, ademais,
o fato de se tratar de acusado estrangeiro.22
A partir do momento em que se entende cabível, pelo menos em tese, a
concessão de penas restritivas de direitos aos crimes hediondos e equiparados, se
acaso presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, não há por que se negar
tal benefício ao denominado tráfico privilegiado previsto no art. 33, §4°, da Lei
n. 11.343/06, haja vista que tal delito não tem natureza hedionda.23 Prova disso,
aliás, é o teor do art. 112, §5°, da LEP, incluído pelo Pacote Anticrime: “Não se
considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico
de drogas previsto no §4° do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006”.
Não por outro motivo, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus Coletivo n.
596.603/SP,24 impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo perante
a 6a Turma do ST) para fins de impugnar a manutenção de mais de 1.100 presos
(homens e mulheres) pela prática do crime de tráfico privilegiado que estariam
cumprindo pena de um ano e oito meses em regime fechado, com respaldo ex­
clusivo no ultrapassado entendimento de que a conduta em questão caracterizaria
crime assemelhado a hediondo, a ordem foi concedida para, dentre outras fina­
lidades, reconhecer ser possível a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos aos condenados por tal delito que foram condenados à pena
não superior a 4 (quatro) anos, desde que devidamente preenchidos os demais
requisitos previstos no art. 44 do Código Penal.

6.2. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade


por restritiva de direitos nos casos de infrações penais praticadas no
contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher
Como exposto anteriormente, por força do art. 44, I, do CP, não se admite a
substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito quando o cri­
me for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, mesmo que a pena seja
inferior a 4 anos e fixado o regime inicial aberto.

22 No sentido de que o fato de se tratar de estrangeiro condenado pelo crime de tráfico ilícito de drogas
não pode ser utilizado como óbice à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos,
desde que, logicamente, preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do CP: STF, 1a Turma,
HC 103.311/PR, Rei. Min. Luiz Fux, j. 07/06/2011, DJe 123 28/06/2011.
23 STF, Pleno, HC 118.533/MS, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 23/06/2016, DJe 199 16/09/2016. Com base nesse
entendimento, o STJ (3a Seção, Pet 11.796/DF, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 23/11/2016, DJe
29/11/2016) deliberou pelo cancelamento da sua súmula de n. 512: "A aplicação da causa de diminuição
de pena prevista no art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas".
24 STJ, 6a Turma, EDcl no HC 596.603-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 08.09.2020, DJe 22.09.2020.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 453

Em relação aos crimes de lesão corporal dolosa leve (CP, art. 129, caput) e
ameaça (CP, art. 147), que têm, como elementares, a violência real e a grave ameaça,
prevalece o entendimento de que, por conta do princípio da especialidade, é possível
a substituição da pena de prisão por restritiva de direitos. Afinal, tais crimes são
considerados infrações de menor potencial ofensivo, submetendo-se aos institutos
despenalizadores da Lei n° 9.099/95, que expressamente admite a aplicação de penas
não privativas de liberdade (art. 62).
Todavia, não se admite substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direitos no caso de condenação pelo crime de lesão corporal previsto no art. 129,
§ 9o, do Código Penal, já que se trata de infração penal praticada com violência no
âmbito familiar, sendo de todo irrelevante o fato de se tratar de violência domés­
tica com requintes de crueldade extrema ou que se restrinja às vias de fato (tapas,
empurrões, socos, etc.).25
Em outras palavras, o termo “violência” a que faz menção o art. 44, I, do CP,
não comporta quantificação ou qualificação, abrangendo a violência praticada em
maior ou menor grau de intensidade. Aliás, há precedente da Ia Turma do STF26
considerando indevida a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direitos até mesmo no caso de contravenção penal envolvendo violência domés­
tica. Por isso, em caso concreto em que um indivíduo fora condenado por vias de
fato (LCP, art. 21), o referido Colegiado fez uso de interpretação extensiva do art.
44, I, do CP, para concluir que, no caso de violência doméstica e familiar contra
a mulher, a noção de crime teria o condão de abarcar qualquer conduta delituosa,
inclusive contravenção penal.
Consolidando essa linha de orientação, a 3a Seção do STJ deliberou pela apro­
vação do enunciado da súmula n. 588 do STJ: “A prática de crime ou contravenção
penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico im­
possibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos”.27

25 No sentido de que eventual interpretação que pretenda equiparar os crimes praticados com violência
doméstica contra a mulher aos delitos submetidos ao regramento previsto na Lei dos Juizados Especiais,
a fim de permitir a conversão da pena, não encontra amparo no art. 41 da Lei 11.340/2006: STF, 2a Turma,
HC 129.446/MS, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 20/10/2015, DJe 221 05/11/2015. Na mesma linha: STJ, 6a Turma,
HC 192.104/MS, Rei. Min. Og Fernandes, j. 09/10/2012.
26 STF, Ia Turma, HC 137.888/MS, Rei. Min. Rosa Weber, j. 31/10/2017. Quanto à impossibilidade de se afastar
a substituição da pena privativa de liberdade quanto às contravenções penais, notadamente nas hipóteses
de violência no âmbito doméstico, o Superior Tribunal de Justiça também tem manifestado entendimento
acerca da ampliação dos efeitos do art. 44, I, do Código Penal, por força do art. 17 da Lei n. 11.340/2006.
A propósito, confira-se: STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.607.382 MS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j.
27/09/2016, DJe 13/10/2016.
27 Interpretando extensivamente a vedação constante do art. 44, inciso I, do Código Penal, em relação às
contravenções penais para vedar a substituição da pena por restritiva de direitos em relação a crime anão
de vias de fato (Dec.-Lei n. 3.688/41, art. 21) cometido no contexto de violência doméstica e familiar contra
a mulher: STF, Ia Turma, HC 137.888-MS, Rei. Min. Rosa Weber, j. 31.10.2017, DJ 21.02.2018. Com enten­
dimento diametralmente oposto, a 2a Turma do STF já teve a oportunidade de concluir que, tratando-se
de condenação pela prática de contravenção de vias de fato, e não pela prática de crime, não incide o
óbice previsto no art. 44, I, do Código Penal, mesmo em se tratando de delito cometido no contexto da
violência doméstica e familiar contra a mulher, daí por que se revela cabível a substituição da pena corporal
454 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

6.3. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por


restritiva de direitos em relação aos crimes de homicídio culposo e
lesão corporal culposa na direção de veículo automotor qualificados
pela embriaguez ao volante
A Lei n. 14.071, de 13 de outubro de 2020, introduziu no Código de Trânsito
Brasileiro (Lei n. 9.503/97) o seguinte dispositivo: “Art. 312-B. Aos crimes previstos
no §3° do art. 302 e no §2° do art. 303 deste Código não se aplica o disposto no
inciso I do caput do art. 44 do Código Penal”. Para que se possa entender a intenção
do legislador ao introduzir o novel dispositivo, é necessário, antes, relembrarmos a
natureza dos crimes ali citados e as penas a eles cominadas.
O art. 302, §3°, do CTB, incluído pela Lei n. 13.546/17, contempla o crime
de homicídio culposo na direção de veículo automotor qualificado em virtude de
o agente conduzir o veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer
outra substância psíquica que determine dependência. Ao referido delito é cominada
uma pena de reclusão, de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, e suspensão ou proibição do
direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Por
sua vez, o art. 303, §2°, do CTB, também incluído pela Lei n. 13.546/17, versa sobre
o crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor qualificado em
virtude de o agente conduzir o veículo automotor sob a influência de álcool ou de
qualquer substância psíquica que determine dependência, sendo-lhe cominada uma
pena de reclusão de dois a cinco anos.
Como se pode notar, em ambos os crimes, foi introduzida uma hipótese
até então inexistente no ordenamento jurídico pátrio, qual seja, a punição de
crimes culposos com pena de reclusão, e, aliás, de significativa quantidade.
O objetivo do legislador, à época da Lei n. 13.546/17, foi evidente: evitar que
o autor desses delitos tivesse sua pena privativa de liberdade substituída por
restritiva de direitos, sobretudo em relação ao crime do art. 302, §3°, do CTB,
já que o art. 44, inciso I, do CP, estabelece como um dos requisitos para tal
substituição a aplicação de pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro)
anos. Ignorou-se, todavia, que estamos diante de crimes culposos, para os quais
a substituição é cabível independentemente do quantum de pena cominado ao
delito. De fato, consoante disposto no art. 44, I, do CP, as penas restritivas de
direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando aplicada
pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena
aplicada, se o crime for culposo.
É dentro desse contexto, portanto, que deve ser compreendida a introdução
do art. 312-B ao Código de Trânsito pela Lei n. 14.071/20. Atento ao desvalor da
conduta e do resultado de ambas as figuras delituosas, e diante da constatação em­
pírica de que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos

por restritiva de direitos, conquanto não consista no pagamento de cesta básica, prestação pecuniária ou
multa (Lei n. 11.340/06, art. 17). A propósito, confira-se: STF, 2a Turma, HC 132.342, Rei. Min. Dias Toffoli, j.
30.08.2016; STF, 2a Turma, HC 131.160-MS, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 18.10.2016.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 455

em relação a tais crimes não vinha atendendo aos fins de prevenção geral e especial
da pena, houve por bem o legislador em afastar a possibilidade de substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Cria-se, assim, uma regra es­
pecial, legítima e aplicável unicamente aos crimes dos arts. 302, §3°, e 303, §2°, do
CTB, excepcionando-se, assim, a regra geral constante do art. 44, inciso I, do CP.28
Por se tratar de evidente exemplo de novatio legis in pejus, o novo regramento há
de ser aplicado exclusivamente aos crimes cometidos após a entrada em vigor da
Lei n. 14.071/20.
Outrossim, como em ambos os preceitos secundários consta, de maneira ex­
pressa, cumulativamente à pena privativa de liberdade, a suspensão ou proibição
do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor,
subsiste a aplicação destas penas restritivas de direitos, eis que, nesse caso, não terão
caráter substitutivo, já que estão previstas diretamente nos próprios tipos penais
incriminadores.

6.4. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por


restritiva de direitos no caso de crimes militares
De acordo com o art. 55 do Código Penal Militar, as penas principais são: a)
morte; b) reclusão; c) detenção; d) prisão; e) impedimento; f) suspensão do exercício
do posto, graduação, cargo ou função; g) reforma. Por sua vez, consoante disposto
no art. 59 do mesmo diploma normativo, a pena de reclusão ou de detenção até 2
(dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando
não cabível a suspensão condicional: I - pelo oficial, em recinto de estabelecimento
militar; II - pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada de
presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por
tempo superior a 2 (dois) anos.
Como se pode notar, não há qualquer referência no CPM às penas restritivas
de direitos. Por isso, é firme a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido
de que não cabe substituir por pena restritiva de direitos, com fundamento no art.
44 do CP, a pena privativa de liberdade aplicada aos crimes militares. Isso porque
o art. 59 do CPM disciplinou de modo diverso as hipóteses de substituição cabíveis
sob sua égide.29
Se, todavia, o autor desse crime militar vier a cumprir pena em estabeleci­
mento prisional comum - é o que ocorre com civis e com militares que perderam
essa condição -, há precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal admitindo
a substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos. A propósito,

28 Com entendimento semelhante: MASSON. Op. cit. p. 626. Em sentido diverso, Alves (Op. cit. p. 568) sustenta
que continua sendo admissível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos
crimes previstos no §3° do art. 302 e no §2° do art. 303 do CTB. Para o autor, é inócuo o afastamento do
inciso I do art. 44 do Código Penal em relação a tais delitos. Isso porque as vedações à substituição previstas
nesse inciso (quando aplicada pena privativa de liberdade superior a 4 anos ou o crime for cometido com
violência ou grave ameaça) dizem respeito apenas aos crimes dolosos.
29 Nesse contexto: STF, Ia Turma, HC 136.718 AgR/MS, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 06.02.2017, DJ 17.02.2017;
STJ, 5a Turma, HC 286.802/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 23/10/2014.
456 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

confira-se: “(...) É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no


sentido de não se admitir a aplicação da Lei n. 9.714/98 para as condenações por
crimes militares, sendo esta de aplicação exclusiva ao Direito Penal Comum. (...)
A conversão da pena privativa de liberdade aplicada pela Justiça Militar por duas
restritivas de direito poderá ocorrer, pelo menos em tese, desde que o Paciente
tenha de cumprir pena em estabelecimento prisional comum e a pena imposta
não seja superior a dois anos, nos termos previstos no art. 180 da Lei de Exe­
cução Penal, por força do que dispõe o art. 2o, parágrafo único, daquele mesmo
diploma legal”.30

6.5. (Im) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por


restritiva de direitos em relação a estrangeiros
O princípio da isonomia, cláusula pétrea constitucional extensível aos estran­
geiros, impede que o condenado não nacional seja privado do benefício da substi­
tuição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando atender aos
requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal, notadamente quando
tiver residência no país e o respectivo visto de permanência. Aliás, de modo a se
evitar qualquer tipo de tratamento arbitrário ou discriminatório, a jurisprudência
admite a concessão do referido benefício mesmo nas hipóteses em que o estrangeiro
não possuir domicílio no Brasil.31

7. MOMENTO ADEQUADO PARA A SUBSTITUIÇÃO

Cabe ao magistrado do processo de conhecimento, por ocasião da prolação da


sentença condenatória - ou do acórdão que reformar a sentença absolutória -, após
fixar a pena privativa de liberdade de acordo com o sistema trifásico e estabelecer
o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, deliberar sobre
o cabimento das penas restritivas de direitos, analisando a presença (ou não) dos
requisitos do art. 44 do Código Penal.
Caso isso não ocorra, o art. 180 da LEP admite a substituição da pena privativa
de liberdade não superior a dois anos durante o curso da execução penal, desde que:
I - o condenado a esteja cumprindo em regime aberto; II - tenha sido cumprido
pelo menos V* (um quarto) da pena; III - os antecedentes e a personalidade do
condenado indiquem ser a conversão recomendável.

8. CRITÉRIOS DE SUBSTITUIÇÃO

De acordo com o art. 44, §2°, do Código Penal, na condenação igual ou


inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena res­

30 STF, 1a Turma, HC 91.709/CE, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 16.12.2008, DJ 13.03.2009.


31 STF, 2a Turma, HC 111.051/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 08.05.2012; STF, 1a Turma, HC 103.311/PR, Rei.
Min. Luiz Fux, j. 07.06.2011.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 457

tritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser


substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas
de direitos. De se notar que a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos deve atender a critérios predeterminados em lei. Deveras, a
depender da quantidade de pena de prisão fixada pelo juiz, a substituição poderá
ser feita por apenas uma pena restritiva de direitos, por duas penas restritivas
de direitos e/ou por pena de multa cumulada ou não com pena restritiva de
direitos. Em síntese, à luz do art. 44, §2°, do Código Penal, deve o juiz atentar
para os seguintes critérios:
a) condenação não superior a 6 (seis) meses: a pena privativa de liberdade
pode ser substituída por multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44
do Código Penal (CP, art. 60, § 2o). A ela se dá a denominação de multa vicariante.
Explica-se: a palavra “vicariante” significa “substitutivo”. Logo, como se trata de pena
de multa substitutiva de pena privativa de liberdade não superior a 6 (seis) meses,
utiliza-se essa terminologia;
b) condenação igual ou inferior a 1 (um) ano: a pena privativa de liberdade
poderá ser substituída por multa ou por uma restritiva de direitos, pouco importando
se se trata de crime doloso ou culposo, punido com reclusão ou detenção (CP, art.
44, § 2o, Ia parte);
c) condenação superior a 1 (um) ano: a pena privativa de liberdade pode­
rá ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas penas
restritivas de direitos (CP, art. 44, § 2o, 2a parte), valendo ressaltar que, neste úl­
timo caso, o condenado deverá cumprir simultaneamente as restritivas que forem
compatíveis entre si, e sucessivamente as demais (CP, art. 69, § 2o). Este dispositivo
não é aplicável aos crimes ambientais, já que o art. 7°, inciso I, da Lei n. 9.605/98
prevê regra específica. Por consequência, é possível a substituição da pena privativa
de liberdade superior a 1 (um) ano, desde que inferior a 4 (quatro) anos, por uma
única restritiva de direitos.
Na visão dos Tribunais Superiores, não existe direito subjetivo do réu em optar,
na substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, se prefere
a duas penas restritivas de direito ou uma restritiva de direitos e uma multa.32 Por
conseguinte, se o órgão julgador deliberar por aplicar a pena restritiva de prestação
de serviços à comunidade e multa, não se admite que o juízo da execução, atenda
pedido do condenado no sentido de substituição dessa pena alternativa por outra
ao argumento de que lhe seria mais favorável, ou, ainda, suficiente para prevenção
e retribuição do crime cometido, sob pena de manifesta ofensa à coisa julgada. Isso,
todavia, não afasta a faculdade conferida pelo art. 148 da LEP ao Juízo da Execução
no sentido de alterar as formas de cumprimento das penas de prestação de serviços
à comunidade e de limitação de fim de semana, ajustando-as às condições pessoais
do condenado (v.g., condições de saúde do reeducando).

32 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 638.821-SC, Rei. Min. João Otávio de Noronha, j. 10.08.2021, DJe 13.08.2021;
STJ, 5a Turma, AgRg no HC n. 456.224/SC, Rei. Min. Joel llan Paciornik, DJe de 1°/4/2019.
458 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

8.1. (Im) possibilidade de substituição da prisão por multa quando


cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativa de
liberdade e pecuniária
Especificamente em relação à substituição da pena privativa de liberdade por
multa, denominada de multa vicariante, a jurisprudência consolidou o entendimento
de que, cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativa de liberdade
e pecuniária, não se admite a substituição da prisão por multa. A propósito, eis o
teor da súmula n. 171 do STJ: “Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas
privativa de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa”.
Aos olhos do STJ, se acaso houvesse a substituição da pena privativa de liberdade
por multa nesses casos, dar-se-ia alteração da própria cominação legal. Logo, por
força do princípio da especialidade, somente será admissível a conversão da pena
de prisão em multa, quando ela for isolada, jamais se cominada de maneira cumu­
lativa com a pena privativa de liberdade. Se a lei especial previu a pena privativa
de liberdade e multa, fica evidente que aquela não pode ser substituída por outra
multa. Não fosse essa a intenção da lei, ter-se-ia utilizado a partícula “ou” no lugar
da conjunção aditiva “e”. A título de exemplo, se determinado agente for condenado
à pena de 2 (dois) anos pela prática do crime de posse ilegal de arma de fogo de
uso permitido - ao qual é cominada uma pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três)
anos, e multa (Lei n. 10.826/03, art. 12) -, sua pena privativa de liberdade poderá
ser substituída por duas restritivas de direitos, mas não por uma restritiva e multa
vicariante.

9. RECONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS EM PRIVATIVA


DE LIBERDADE

De nada adianta a imposição de uma pena restritiva de direitos se a ela não se


emprestar força coercitiva. É nesse sentido que se destaca a importância dos §§4° e
5o do art. 44 do Código Penal, que preveem, respectivamente, causas de conversão
obrigatórias e facultativas das penas alternativas em privativas de liberdade. Apesar
de ambos os dispositivos fazerem uso do termo “conversão”, se considerarmos que a
pena privativa de liberdade já havia sido originariamente convertida em restritiva de
direitos, tecnicamente revela-se mais correto falarmos em reconversão a seu estado
original, diante, por exemplo, do descumprimento injustificado da restrição imposta.
Ao longo desse incidente da execução penal, assim definido pelo art. 181 da
LEP, deve ser assegurado ao acusado o exercício do contraditório e da ampla de­
fesa, apontando o magistrado, fundamentadamente, as razões pelas quais entendeu
necessária a reconversão. Essa prévia intimação será desnecessária, todavia, se o
condenado tiver participado do processo e mudado de endereço, sem comunicar ao
juízo. Nessa linha, como já se pronunciou o STJ, “(...) Consolidou-se nesta Corte
Superior entendimento de que, em homenagem aos princípios do contraditório e da
ampla defesa, faz-se necessária a intimação do sentenciado para, com a presença de
defensor, esclarecer as razões do descumprimento das medidas restritivas de direito
antes da conversão delas em pena privativa de liberdade. No caso dos autos, o sen-
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 459

tenciado iniciou o cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade,


e, diante da comunicação de que não mais compareceu à instituição designada,
realizou-se uma tentativa de intimação pessoal no novo endereço informado nos
autos pelo reeducando, que restou infrutífera, como consta da certidão exarada pelo
oficial de Justiça. O Juízo da execução observou o devido processo legal ao realizar
tentativa de intimação pessoal, não sendo exigível a intimação editalícia em relação
ao réu que não foi declarado revel na fase de conhecimento, bem como quando foi
facultada a ele a apresentação de justificativa quanto a sua ausência por meio de
tentativa de intimação pessoal, nos termos do julgado hostilizado”.33
Em conclusão, convém destacar que se o descumprimento injustificado da
restrição imposta pela pena restritiva de direitos ou a superveniência de condenação
à pena privativa de liberdade pela prática de outro crime autorizam, como regra
geral, a reconversão obrigatória (CP, art. 44, §4°) e facultativa (CP, art. 44, §5°),
respectivamente, em pena privativa de liberdade, raciocínio diverso será aplicável
na hipótese do acordo de não persecução penal. Isso porque, em tal hipótese, não
estamos diante de “penas restritivas de direitos”, e sim de verdadeiras “condições
não privativas de liberdade” que autorizam a celebração do referido negócio jurídico
extraprocessual. Por consequência, na eventualidade de ocorrer o descumprimento
de quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, não
há falar em reconversão em pena privativa de liberdade, mas sim em rescisão do
acordo e subsequente oferecimento de denúncia, tal qual previsto no art. 28-A, §10,
do CPP, incluído pelo Pacote Anticrime.

9.1. Reconversão obrigatória


Consoante disposto no art. 44, §4°, Ia parte, do Código Penal, a pena restritiva
de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento
injustificado da restrição imposta. Como se percebe, o dispositivo é claro ao prever
que a inobservância, sem justa causa, da pena restritiva de direitos fixada pelo ma­
gistrado dará ensejo a sua reconversão obrigatória em pena privativa de liberdade.
Logo, na eventualidade de indivíduo condenado, por exemplo, à prestação de servi­
ços à comunidade, deixar de executar as tarefas que lhe forem atribuídas, dar-se-á
a reconversão em privativa de liberdade.
No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido, logicamen­
te, o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de
trinta dias de detenção ou reclusão. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 44, §4°, in
fine, do Código Penal, de cuja interpretação sobressaem duas controvérsias:
i. Levando-se em consideração que o dispositivo faz menção apenas à ne­
cessidade de ser respeitado o saldo mínimo de 30 dias de detenção ou reclusão,
silenciando quanto à prisão simples, é dominante o entendimento doutrinário no
sentido de que tal ressalva não é aplicável às contravenções penais, a significar que,

33 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 549.629/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 04.08.2020, DJe 25.08.2020.
460 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

em tais hipóteses, não haverá exigência de um saldo mínimo de 30 (trinta) dias na


eventualidade de reconversão para pena privativa de liberdade;34
ii. Considerando que as penas de prestação pecuniária e perda de bens e va­
lores não permitem o abatimento de tempo de cumprimento determinado, já que
o seu cumprimento não se prolonga no tempo, revela-se correto descontar-se da
pena privativa de liberdade o percentual do pagamento já efetuado pelo condenado.
Supondo, assim, que uma pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos tenha sido
substituída por uma prestação pecuniária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), e
o condenado tiver efetuado o pagamento de apenas R$ 5.000,00 (cinco mil reais), é
dizer, metade do quantum total devido, determinando-se a reconversão, lhe restará
o cumprimento de 1 (um) ano de pena privativa de liberdade.

9.2. Reconversão facultativa


Dispõe o art. 44, §5°, do Código Penal: “Sobrevindo condenação à pena privativa
de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão,
podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva
anterior”. Trata-se de hipótese de reconversão facultativa. Vedada que é a analogia in
malam partem, e considerando-se que o dispositivo é expresso ao fazer referência à
condenação à pena privativa de liberdade pela prática de outro crime, resta evidente
a impossibilidade de reconversão, obrigatória ou facultativa, da pena restritiva de
direitos em privativa de liberdade quando se tratar de condenação à pena de multa
ou em decorrência de contravenção penal. Como se pode notar, independentemen­
te de a condenação à pena restritiva de direitos ser anterior ou posterior à sanção
privativa de liberdade, o único critério utilizável para manter a pena substitutiva,
desautorizando a sua reconversão, é a compatibilidade de cumprimento simultâneo
das reprimendas, quando da unificação. Podemos trabalhar, então, com dois cenários
diversos, senão vejamos:
a) Possibilidade de cumprimento conjunto das penas privativa de
liberdade e restritiva de direitos: a condenação superveniente pela prática
de outro crime à pena privativa de liberdade, isoladamente considerada, não
autoriza a reconversão obrigatória da restritiva de direitos. Na verdade, além
de não ter sido concedida a suspensão condicional da pena, há necessidade
de se verificar a possibilidade (ou não) de cumprimento conjunto das penas
privativas de liberdade e restritiva de direitos. É o que ocorre, por exemplo, na
hipótese de agente condenado à pena restritiva de prestação pecuniária, cujo
pagamento fora acordado em parcelas, sofrer nova condenação, pela prática de

34 Em sentido um pouco diverso, Bitencourt (Op. cit. p. 171-172) sustenta que a pena de prisão simples, uma
vez substituída por restritiva de direitos, não mais poderá ser convertida em privativa de liberdade, mesmo
havendo descumprimento das condições impostas, por ausência de previsão legal e impossibilidade de
interpretatio in malam partem.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 461

crime, à pena privativa de liberdade.35 Como já se pronunciou o STJ, “(...) A


jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se pela possibilidade de
cumprimento simultâneo de pena privativa de liberdade em regime aberto com
as reprimendas restritivas de direitos fixadas em condenação superveniente,
desde que haja compatibilidade no cumprimento das sanções, ou seja, caso a
nova pena arbitrada também tenha sido convertida em restritiva de direitos, ou,
se privativa de liberdade, que o regime fixado seja o aberto, com possibilidade
de cumprimento da pena substitutiva”;36
b) Impossibilidade de cumprimento conjunto das penas privativa de
liberdade e restritiva de direitos: se ficar evidenciado que não será possível ao
condenado dar prosseguimento à pena restritiva de direitos, por ser esta incom­
patível com o recolhimento à prisão determinado por condenação superveniente
pela prática de crime à pena privativa de liberdade, impõe-se a reconversão.
Cite-se, ilustrativamente, a hipótese de condenado em cumprimento de pena de
2 (dois) anos de prestação de serviços à comunidade que venha a sofrer nova
condenação pela prática de um delito qualquer, com fixação do regime inicial
fechado. A propósito, é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, no
caso de nova condenação a penas restritivas de direitos a quem esteja cumprin­
do pena privativa de liberdade em regime fechado ou semiaberto, é inviável a
suspensão do cumprimento daquelas - ou a execução simultânea das penas. O
mesmo se dá quando o agente estiver cumprindo pena restritiva de direitos e
lhe sobrevêm nova condenação à pena privativa de liberdade. Nesses casos, nos
termos do art. 111 da LEP, deve-se proceder à unificação das penas, não sendo
aplicável o art. 76 do Código Penal.37

9.3. Regras específicas de reconversão das penas restritivas de direitos


A Lei de Execução Penal também contempla hipóteses específicas de recon­
versão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. Grosso modo,
pode-se dizer que todas elas já estão de certa forma abrangidas pelas hipóteses
previstas nos §§4° e 5o do art. 44 do Código Penal, consistindo, basicamente,

35 Em caso concreto envolvendo duas condenações subsequentes a penas privativas de Liberdade a serem
cumpridas em regime aberto, ambas substituídas por penas restritivas de direito (prestação de serviços
à comunidade), concluiu a 6a Turma do STJ (HC 193.041/DF, Rei. Min. Alderita Ramos de Oliveira - De-
sembargadora convocada do TJ/PE -, j. 15.08.2013, DJe 19.12.2013) ser plenamente possível a execução
sucessiva das penas alternativas aplicadas.
36 STJ, 5a Turma, AgRg no AgRg no HC 545.924-SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 28.04.2020. No sentido de que a
superveniência de condenação à pena privativa de liberdade que foi substituída por restritiva de direitos
em relação a condenado que já cumpria outra pena restritiva de direitos não é causa obrigatória de recon­
versão desta em pena privativa de liberdade, já que se afigura possível a execução sucessiva das restritivas:
STJ, 5a Turma, RHC 96.829-RS, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 24.04.2018, DJe 07.05.2018; STJ, 5a
Turma, HC 304.328-DF, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 10.05.2016, DJe 18.05.2016.
37 STJ, 5a Turma, HC 624.161/MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 09.12.2020, DJe 15.12.2020; STJ, 5a Turma, HC
528.001/MG, Rei. Min. Leopoldo de Arruda Raposo - Desembargador convocado do TJ/PE -, j. 17.12.2019,
DJe 19.12.2019.
462 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

em deixar o condenado de cumprir adequadamente a pena restritiva de direitos


imposta (reconversão obrigatória) ou sofrer condenação superveniente (revoga­
ção facultativa). Diversamente do que ocorre em relação à prestação de serviços
à comunidade, limitação de fim de semana e interdição temporária de direitos,
a LEP não trata do procedimento da execução das penas restritivas de prestação
pecuniária e perda de bens e valores, pelo menos expressamente. Explica-se: tais
espécies de restritiva de direitos foram introduzidas no Código Penal pela Lei n.
9.714/98, que se olvidou, todavia, de alterar a LEP para especificar seu procedi­
mento. Sem embargo, aplicam-se às duas as causas de reconversão previstas nos
§§4° e 5o do art. 44 do Código Penal.

9.3.1. Reconversão da pena de prestação de serviços à comunidade


As causas de reconversão da prestação de serviços à comunidade em pena
privativa de liberdade estão previstas no art. 181, §1°, da LEP:
a. Condenado não encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou
desatender à intimação por edital: de acordo com o art. 149, II, da LEP, caberá
ao Juiz da Execução determinar a intimação do condenado, mesmo que o acusado
tenha sido revel durante o processo de conhecimento, cientificando-o da entidade,
dias e horário em que deverá cumprir a pena. Se o condenado for procurado para
tanto, e não for localizado para fins de intimação pessoal, deverá ser realizada
sua intimação por edital. Caso não compareça, opera-se, então, a reconversão
da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, à semelhança, aliás, do
quanto previsto no art. 44, §4°, Ia parte, do CP (descumprimento injustificado da
restrição imposta);33
b. Não comparecimento injustificado do condenado à entidade ou programa
em que deveria prestar serviço: a reconversão também deverá ser determinada
se o condenado não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em
que deveria prestar serviço (LEP, art. 181, §1°, “b”), pouco importando se sequer
compareceu para dar início à execução, ou se deixou de comparecer depois de já
ter iniciado a prestação de serviço junto à entidade ou programa estabelecidos. O
legislador deixa claro que a reconversão deverá ser determinada apenas se o não
comparecimento do condenado se der de maneira injustificada;
c. Recusa injustificada à prestação do serviço: conquanto o condenado tenha
comparecido à entidade que lhe foi designada, recusa-se, injustificadamente, a prestar
o serviço que lhe foi designado. À semelhança da hipótese anterior, na eventualidade
de a recusa ser justificada (v.g., falta de condições físicas para o desempenho das
atividades determinadas), não se opera a reconversão;

38 Na visão do STJ (6a Turma, HC 493.068-RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 16.05.2019, DJe 30.05.2019), frustrado
o início do cumprimento das penas restritivas de direitos e a realização da audiência de justificação em
razão de desídia do condenado, que não informou outro endereço diverso daquele declinado nos autos
- ônus legal que lhe compete -, deverá ocorrer a reconversão em sanção privativa de liberdade.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 463

d. Prática de falta grave: à luz do art. 51 da LEP, comete falta grave o


condenado à pena restritiva de direitos que descumprir, injustificadamente, o
cumprimento da obrigação imposta, retardar, injustificadamente, o cumprimento
da obrigação imposta, e deixar de observar os deveres previstos nos incisos II e
V do art. 39 do referido diploma normativo (obediência ao servidor e respeito a
qualquer pessoa com quem deva relacionar-se e execução do trabalho, das tarefas
e das ordens recebidas). Para que se dê a reconversão com base na hipótese sob
comento - art. 181, §1°, “d”, da LEP -, basta a prática de falta grave. Não há
necessidade, portanto, de instauração prévia do respectivo procedimento disci­
plinar, nem tampouco que o condenado já tenha sido sofrido a correspondente
punição disciplinar;
e. Condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução
não tenha sido suspensa: à semelhança do Código Penal, cujo art. 44, §5°, Ia parte,
prevê que, sobrevindo condenação à pena privativa de liberdade por outro crime,
o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, a LEP também dispõe que o
fato de o indivíduo sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberda­
de, cuja execução não tenha sido suspensa (art. 181, §1°, “e”), poderá dar ensejo à
reconversão da pena de prestação de serviços à comunidade em pena privativa de
liberdade. Ora, se o executado, que se encontrava no cumprimento de uma pena
restritiva, vem a sofrer nova condenação à pena privativa de liberdade, não lhe sen­
do concedida a suspensão condicional da pena, é de todo evidente que não poderá
dar prosseguimento à prestação de serviços à comunidade, daí por que tal sanção
deverá ser objeto de reconversão em prisão, para fins de cumprimento cumulativo
com a nova pena que lhe foi imposta. Note-se que, para fins de reconversão à luz
do dispositivo sob comento, é imprescindível que se trate de condenação por outro
crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa. Destarte,
em se tratando de nova condenação pela prática de contravenção penal, nova con­
denação por outro crime à pena de multa ou restritiva de direitos, ou condenação
por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução, todavia, tenha sido
suspensa em virtude da concessão do sursis, não será cabível a reconversão prevista
no art. 181, §1°, “e”, da LEP.

9.3.2. Reconversão da pena de limitação de fim de semana


Como será objeto de análise na sequência, a limitação de fim de semana consiste
na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias,
em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado (CP, art. 48, caput). Para
além das causas gerais previstas nos §§4° e 5o do art. 44 do Código Penal, a pena de
limitação de fim de semana também estará sujeita à reconversão em pena privativa
de liberdade nas seguintes hipóteses:
a. Não comparecimento ao estabelecimento designado para o cumprimento
da pena: a teor do disposto no art. 151 da LEP, cabe ao Juízo da Execução deter­
minar a intimação do condenado, cientificando-o do local, dias e horário em que
464 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

deverá cumprir a pena de limitação de fim de semana. Logo, nada mais razoável
do que se operar a reconversão dessa sanção em pena privativa de liberdade se o
condenado, devidamente intimado, simplesmente deixar de atender à obrigação
de recolhimento. Conquanto o art. 181, §2°, da LEP, não faça uso da locução
injustificadamente, como o fazem, por exemplo, algumas alíneas do parágrafo
anterior, o ideal é concluir que se admite a apresentação de eventual justificativa
do condenado para sua omissão (v.g., internação hospitalar), caso em que não
deverá ser determinada a reconversão;
b. Recusa do condenado em exercer a atividade determinada pelo juiz: durante
o período em que o condenado encontra-se recolhido para fins de cumprimento da
limitação de fim de semana, é possível que lhe sejam ministrados cursos e palestras
ou atribuídas atividades educativas (CP, art. 48, parágrafo único). Destarte, se o
condenado se recusar, injustificadamente, a participar dessas atividades, sujeitar-
-se-á à reconversão da restritiva em pena privativa de liberdade, já que, ao fim e
ao cabo, descumpriu injustificadamente a restrição que lhe fora imposta (CP, art.
44, §4°, Ia parte);
c. Ocorrência de qualquer das hipóteses do art. 181, §1°, letras “a”, “d” e
“e”, da LEP: a limitação de fim de semana também deverá ser objeto de reconversão
quando o condenado não for encontrado, por estar em lugar incerto e não sabido,
ou desatender a intimação por edital, quando praticar falta grave, e quando sofrer
condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha
sido suspensa. Tais hipóteses foram objeto de análise no item anterior, para onde
remetemos o leitor.

9.3.3. Reconversão da pena de interdição temporária de direitos


Nos termos do art. 47 do CP, as penas de interdição temporária de direitos
são: I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de
mandato eletivo; II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que
dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III
- suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV - proibição de
frequentar determinados lugares; V - proibição de inscrever-se em concurso público,
avaliação ou exame públicos.
Por força do art. 181, §3°, da LEP, para além das causas gerais previstas nos
§§4° e 5o do art. 44 do Código Penal, a interdição temporária de direitos estará
igualmente sujeita à reconversão em pena privativa de liberdade nos seguintes
casos:
a. Exercício injustificado do direito interditado: de acordo com o art. 181,
§3°, Ia parte, da LEP, a pena de interdição temporária de direitos deverá ser con­
vertida quando o condenado exercer, injustificadamente, o direito interditado. Ora,
se foi imposta ao condenado, por exemplo, a proibição do exercício de determinada
profissão, é intuitivo que o fato de o executado continuar a exercê-la revela patente
descaso com o Poder Judiciário, autorizando-se, pois, a sua reconversão em pena
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 465

privativa de liberdade. Mais uma vez, havendo qualquer justificativa plausível para
o descumprimento da restritiva, não há falar em reconversão. Mirabete39 cita, por
exemplo, a situação do médico que se vê na contingência de atender pessoa na via
pública com grave risco de vida, e a do motorista que transporta ao hospital, em
automóvel, pessoa gravemente enferma;
b. Ocorrência de qualquer das hipóteses do art. 181, §1°, alíneas “a” e “e”, da
LEP: a interdição temporária de direitos também deverá ser objeto de reconversão
quando o condenado não for encontrado, por estar em lugar incerto e não sabido,
ou desatender a intimação por edital, e quando sofrer condenação por outro crime
à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa. Tais hipóteses
foram objeto de análise no item anterior, para onde remetemos o leitor.

10. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS EM ESPÉCIE E RESPECTIVOS


PROCEDIMENTOS EXECUTÓRIOS

Fixadas em substituição à pena privativa de liberdade, as penas restritivas de


direitos estão previstas, taxativamente, no art. 43 do Código Penal: I - prestação
pecuniária; II - perda de bens e valores; III - vetado; IV - prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas; V - interdição temporária de direitos; VI -
limitação de fim de semana.
O inciso III do art. 43 do CP referia-se à pena de recolhimento domiciliar.
Acabou sendo vetado pelo Presidente da República, basicamente sob o fundamento
de que sua fiscalização seria de difícil, senão impossível fiscalização. Sem embargo,
cuida-se de pena restritiva de direito passível de aplicação na Lei dos Crimes Am­
bientais (Lei n. 9.605/98, art. 8o, V), e por ela conceituada nos seguintes termos: “O
recolhimento domiciliar baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do
condenado, que deverá, sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer ati­
vidade autorizada, permanecendo recolhido nos dias de folga em residência ou em
qualquer local destinado a sua moradia habitual, conforme estabelecido na sentença
condenatória” (art. 13).
As penas restritivas de direito podem ser classificadas da seguinte forma: a)
genéricas (ou gerais): são aquelas passíveis de aplicação em relação a qualquer
infração penal, conquanto presentes os requisitos legais (CP, art. 44). Dentro dessa
categoria estão inclusas a prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a prestação
de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a limitação de fim de semana e a
proibição de frequentar determinados lugares (subespécie de interdição temporária
de direitos); b) específicas (ou especiais): são aquelas penas restritivas de direitos
que podem ser aplicadas apenas em relação a determinados delitos. Nessa relação
se incluem as interdições temporárias de direitos, salvo no caso da proibição de
frequentar determinados lugares.
466 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

É firme a jurisprudência no sentido de que não existe direito subjetivo do


acusado em optar, na substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, por qual medida prefere cumprir, cabendo ao judiciário fixar a medida mais
adequada ao caso concreto.40

10.1. Prestação pecuniária


A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus
dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de impor­
tância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo, nem superior a 360
(trezentos e sessenta) salários mínimos. Cuida-se de espécie de pena restritiva de
direito introduzida no Código Penal (art. 43, I) pela Lei n. 9.714/98. Por funcio­
nar como espécie de sanção penal, a prestação pecuniária se reveste de caráter
unilateral, impositivo e cogente, daí por que independe de eventual aceitação da
pessoa por ela favorecida.
Desde que preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, trata-se de
sanção passível de aplicação em relação a todo e qualquer delito, pelo menos em
regra, não apenas quando tiver ocorrido um prejuízo material, mas também quando
a vítima sofrer outra espécie de dano (v.g., moral). A ressalva fica por conta da Lei
Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), cujo art. 17 preceitua ser vedada a aplicação, nos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica
ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique
o pagamento isolado de multa. Mais recentemente, a prestação pecuniária também
passou a constar como uma das condições passíveis de aplicação por ocasião da
celebração do acordo de não persecução penal (CPP, art. 28-A, IV, incluído pela
Lei n. 13.964/19).
Em relação aos beneficiários da prestação pecuniária, dado o seu evidente
caráter indenizatório, há uma ordem preferencial para o recebimento do valor:
primeiro, a vítima; na falta desta, seus dependentes. Se não houver vítima deter­
minada (v.g., associação criminosa), ou se não houver dano a reparar, a prestação
será devida à entidade pública ou privada com destinação social.41 Neste caso,
havia uma certa discussão sobre quais entidades públicas ou privadas deveríam
ser preferencialmente escolhidas pelo magistrado. Em certa parte, a polêmica foi
solucionada pela Resolução n. 154/12 do Conselho Nacional de Justiça, que esta­
belece os beneficiários prioritários e os respectivos critérios para destinação dos
valores arrecadados.
De acordo com o art. 45, §1°, in fine, do CP, o valor pago será deduzido do
montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os
beneficiários. Como se pode notar, apesar de estarmos diante de uma espécie de
pena restritiva de direitos, é possível afirmar que, pelo menos quando revertida

40 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 582.302/SC, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 03.11.2020, DJe 16.11.2020; STJ, 5a
Turma, AgRg no REsp 1,843.809/SC, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 03.12.2019; DJe 12.12.2019.
41 Nessa linha: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 18a ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016. p.
655.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 467

em favor do ofendido (ou de seus dependentes), a prestação pecuniária apresenta,


pelo menos indiretamente, caráter de indenização civil, impedindo, assim, indevido
enriquecimento ilícito de sua parte. O dispositivo em questão deve ser interpretado
em cotejo com o art. 387, IV, do CPP, incluído pela Lei n. 11.719/08, que passou
a prever a possibilidade de o juiz do processo de conhecimento, na sentença con­
denatória, fixar um valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Ora, se a prestação pecuniária é
devida, preferencialmente, à vítima, descontando-se o valor pago de futura in­
denização cível, é de todo evidente que, uma vez aplicada tal pena restritiva de
direitos, o juiz só poderá fixar um valor para fins de indenização nos termos do
CPP quando o montante arbitrado na prestação pecuniária for inferior ao prejuízo
sofrido pela vítima. Caso contrário, ter-se-ia evidente hipótese de locupletamento
sem causa. Portanto, a pena deverá ter prioridade, subsistindo a indenização civil
do art. 387, IV, do CPP, tão somente quando houver um prejuízo não abrangido
pela prestação pecuniária.42
Diversamente do que ocorre em relação à prestação de serviços à comunidade,
limitação de fim de semana e interdição temporária de direitos, a Lei de Execução
Penal (Lei n. 7.210/84) não trata do procedimento da execução da pena de prestação
pecuniária, pelo menos expressamente. Explica-se: cuida-se, tal espécie de restritiva
de direitos, de modalidade de pena que foi introduzida pela Lei n. 9.714/98, que se
olvidou, todavia, de alterar a LEP para especificar seu procedimento. Sem embargo,
prevalece o entendimento de que, uma vez transitando em julgado a sentença que a
tiver fixado, o Juiz da Execução deverá determinar a intimação do condenado para
que efetue o pagamento ao beneficiário indicado, no prazo máximo de 10 (dez)
dias, por analogia ao art. 164 da LEP, referente à pena de multa. À semelhança do
que ocorre em relação à pena de multa (LEP, art. 169), também se revela possível o
parcelamento desse montante. Se o pagamento for efetuado, a pena será declarada
extinta. Caso o pagamento voluntário não seja efetuado por condenado solvente, há
questionamentos acerca do procedimento a ser adotado. Vejamos as duas correntes
acerca da matéria:
a) impossibilidade de conversão em pena privativa de liberdade: conquanto o
legislador tenha introduzido a prestação pecuniária como espécie de pena restritiva
de direito, sua natureza jurídica é a de espécie de pena pecuniária, assemelhando-
-se, nesse aspecto, às penas de perda de bens e valores e à pena de multa. Por
consequência, a todas elas deve ser dispensado o mesmo tratamento constitucional,
que proíbe prisão civil por dívidas. Logo, se o não pagamento da pena de multa
não autoriza a sua conversão em pena privativa de liberdade - CP, art. 51, caput,
com redação alterada pela Lei n. 9.268/96, e, depois, pela Lei n. 13.964/19 -, não
há por que não se aplicar a mesma lógica ao inadimplemento da pena de prestação
pecuniária (e à perda de bens e valores);43

42 No sentido de que a prestação pecuniária prevista no art. 45, §1°, do Código Penal pode ser compensada
com o montante fixado com fundamento no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, ante a coincidência
de beneficiários: STJ, 5a Turma, REsp 1,882.059/SC, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 19.10.2021.
43 ROIG. Op. cit. p. 397.
468 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

b) possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade (nossa po­


sição): por mais que se trate de espécie de pena com conteúdo eminentemente
econômico, a prestação pecuniária não perde sua natureza jurídica de sanção
restritiva de direito. Por conseguinte, se acaso descumprida, incumbe ao juízo
da execução determinar sua conversão em prisão, nos exatos termos do art. 44,
§4°, Ia parte, do CP, e do art. 181 da LEP. Há diversos precedentes do STJ nesse
sentido.44 Noutro giro, como há previsão legal expressa de reconversão da pena
restritiva de direitos em privativa de liberdade, revela-se indevida a decretação de
medida cautelar patrimonial (v.g., arresto) para o cumprimento forçado de uma
pena substitutiva, como, por exemplo, a prestação pecuniária. De fato, tratando-se
de pena restritiva de direitos, fixada com base no art. 44 do CP, o eventual des-
cumprimento da obrigação dá ensejo à reconversão da pena restritiva de direitos
em privativa de liberdade, por força do comando expresso da norma do §4° do
referido artigo. Assim, não há falar em arresto para o cumprimento forçado da
pena substitutiva, já que a reconversão, por si só, já é capaz de atribuir coercibi-
lidade à restritiva de direitos.45
Ainda em relação à restritiva de direito sob comento, convém destacar que,
de acordo com o art. 45, §2°, do CP, na hipótese de o beneficiário aceitar, a pres­
tação pecuniária poderá consistir em prestação de outra natureza. Diversamente
da prestação pecuniária prevista no art. 45, §1°, do CP, essa “prestação de outra
natureza” encontra-se condicionada à aceitação do beneficiário, que pode ser a
vítima, seus dependentes, ou entidade pública ou privada com destinação social.
Destarte, se não houver sua concordância, não será possível a aplicação dessa
pena. Partindo da premissa de que a competência para a aplicação dessa pena
é do juízo da execução, o ideal é concluir que não cabe ao juiz do processo de
conhecimento intimar a vítima de modo a se manifestar favoravelmente (ou não)
à prestação de outra natureza.
A (in) constitucionalidade desse dispositivo é objeto de controvérsias. De um
lado, parte da doutrina sustenta que essa “prestação de outra natureza” funcionaria,
na verdade, como uma espécie de pena indeterminada, violando, pois, o princípio
da reserva legal - e seu corolário da taxatividade (lex certa) - previsto no art. Io do
Código Penal, e no art. 5o, XXXIX, da Constituição Federal.46 De outro, há quem
entenda que a outra natureza da prestação a que se refere o art. 45, §2°, in fine, do
CP, não pode ser considerada uma expressão vaga, equívoca ou ambígua capaz de
violar o princípio da legalidade, desde que a sanção em questão seja compreendi­
da como uma espécie de prestação que possua um valor econômico, mas que não
consista em pagamento em dinheiro. Prova disso, aliás, é que a própria Exposição
de Motivos da Lei n. 9.714/98 faz referência a dois exemplos: oferta de mão de obra

44 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 516.321/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 24.09.2019, DJe 04.10.2019;
STJ, 5a Turma, HC 366.442/SC, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 18.04.2017, DJe 25.04.2017.
45 STJ, 6a Turma, REsp 1.699.665/PR, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 07/08/2018, DJe 15/08/2018.
46 É nesse sentido a lição de Renato Marcão (Op. cit. p. 284).
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 469

e doação de cestas básicas. Assim, da mesma forma que um condenado, pedreiro


profissional, poderia combinar de fazer o pagamento com seu trabalho, combinando
com a vítima, prévia e expressamente, o serviço a ser realizado, o sujeito ativo de
um crime de furto, ao invés de pagar à vítima determinada quantia em dinheiro
fixada pelo magistrado, poderia lhe propor que recebesse o seu aparelho celular
como forma de pagamento.

10.2. Perda de bens e valores


Trata-se de pena restritiva de direitos consubstanciada no perdimento de bens
e valores lícitos pertencentes ao condenado em favor do Fundo Penitenciário Na­
cional, ressalvada a legislação especial (CP, art. 45, §3°).47
Conquanto se trate de sanção dotada de nítido caráter confiscatório, já que
recai sobre o patrimônio lícito do condenado, não há falar em inconstitucionali-
dade da pena em questão, eis que prevista expressamente no art. 5o, XLVI, “b”, da
Constituição Federal.
Consoante disposto no art. 45, §3°, in fine, do Código Penal, o valor da
perda terá como teto o que for maior: o montante do prejuízo causado ou do
provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência do crime. Da
leitura do referido preceito, é possível extrair pelo menos três importantes con­
clusões: Ia) É de rigor que o crime tenha produzido algum tipo de prejuízo à
vítima (v.g., furto), ou proporcionado vantagem patrimonial ao autor do delito
ou a terceira pessoa (v.g., lavagem de capitais). Caso contrário (v.g., crimes de
perigo abstrato), não será possível a aplicação dessa modalidade de sanção; 2a)
Considerando-se que o dispositivo é expresso ao fazer referência à prática de
crime, a aplicação dessa espécie de restritiva de direitos não se revela possível
em relação às contravenções penais, sob pena de indevida analogia in malam
partem e consequente violação ao princípio da legalidade; 3a) Ao contrário do que
ocorre com a prestação pecuniária (CP, art. 45, §§1° e 2o), em que o pagamento
é feito, pelo menos em regra, em favor da vítima (ou a seus dependentes), no
caso da perda de bens e valores, o montante final é revertido em favor do Fundo
Penitenciário Nacional. Destarte, transitada em julgado a sentença condenatória,
o ofendido terá que promover a execução com base no valor fixado nos termos
do art. 387, IV, do CPP, sem prejuízo de ulterior liquidação para apuração do
dano efetivamente sofrido.
Diante do princípio da pessoalidade (ou intranscendência) da pena, o qual
também é aplicável às penas restritivas de direitos, a perda de bens e valores não
pode ir além da pessoa do condenado, atingindo, por exemplo, o patrimônio lícito

47 A título de exemplo de ressalva constante da legislação especial, o art. 244-A do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que versa sobre o crime de submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração
sexual, prevê uma pena de reclusão de 4 a 10 anos e multa, além da perda de bens e valores utilizados
na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da Unidade da Federação
(Estado ou Distrito Federal) em que foi cometido o crime, ressalvado o direito de terceiro de boa-fé.
470 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

de terceiros. Destarte, na eventualidade de morte do agente mesmo após o trânsito


em julgado de sentença penal condenatória, porém antes do confisco dos bens, este
ficará prejudicado, já que nenhuma pena pode passar da pessoa do condenado, nem
mesmo uma restritiva de direitos. Raciocínio diverso será aplicável à perda de bens
como efeito da condenação transitada em julgado (CP, art. 91, II, “b”). Nesse caso,
o confisco do patrimônio decorre de efeito automático da condenação, de natureza
extrapenal. Logo, na hipótese de morte do acusado após o trânsito em julgado de
sentença condenatória e antes de se operar a perda dos bens adquiridos com o
produto do ilícito, é perfeitamente possível que tais bens seja confiscados, sem que
se possa objetar qualquer violação ao princípio da intranscendência da pena. Afinal
de contas, é a própria Constituição Federal que destaca que nenhuma pena passará
da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do
perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido (art. 5o, XLV).
À semelhança do que ocorre em relação à prestação pecuniária, a Lei de Exe­
cução Penal silencia acerca do procedimento legal da perda de bens e valores. Sem
embargo, por analogia ao procedimento de execução da multa, entende-se que,
uma vez transitando em julgado a sentença condenatória, deverá o juízo da exe­
cução proceder à avaliação de tantos bens e valores do condenado quantos sejam
necessários para anular o prejuízo ou o lucro ilegal. Na sequência, deverá intimar
o apenado para entregar o bem ou o valor declarado perdido, fixando um prazo
razoável para tanto - 10 dias, por exemplo, por analogia ao art. 164 da LEP -, sob
pena de reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade.

10.3. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas


A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na
atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, que deverão ser por ele realizadas
pessoalmente em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros esta­
belecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais (CP, art. 46, §§1°
e 2o). Esses serviços realizados pelo condenado são gratuitos e não geram vínculos
empregatícios (LEP, arts. 28, §2°, e 30).
A expressão “entidades públicas” deve ser interpretada extensivamente, de modo
a abranger tanto as públicas em sentido estrito (Administração Públcia direta ou
indireta), como também as privadas com destinação social. Afastaram-se, liminar­
mente, as entidades privadas que visam lucro, de forma a impedir a exploração de
mão de obra gratuita e o consequente locupletamento sem a devida contraprestação.
Cuida-se, pelo menos em regra, de espécie de pena restritiva de direitos, a
ser aplicada às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade (CP,
arts. 43, IV, e 46, caput). A ressalva à regra geral em questão fica por conta do art.
28-A, III, do CPP, incluído pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), que passou
a prever a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas por período
correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços,
em local a ser indicado pelo juízo da execução, não como espécie de pena restritiva
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 471

de direito, mas sim como uma das condições não privativas de liberdade passíveis de
fixação por ocasião da celebração do acordo de não persecução penal.
Não é possível confundi-la com a pena de trabalhos forçados, que é proibida
expressamente pela Constituição Federal (art. 5o, XLVII, c). A uma porque a própria
Constituição Federal faz referência expressa à prestação social alternativa como uma
das espécies de pena passíveis de aplicação (art. 5o, XLVI, d). A duas porque, por mais
que se trate de espécie de sanção penal, logo, dotada de caráter imperativo, é certo
afirmar que o condenado é livre, pelo menos em tese, para decidir pelo cumprimento
(ou não) das tarefas que lhe forem atribuídas, sujeitando-se, logicamente, em caso
de descumprimento injustificado, à reconversão à pena privativa de liberdade. Não
há falar, pois, em trabalhos forçados.48
De acordo com o art. 46, §3°, Ia parte, do Código Penal, incluído pela Lei n.
9.714/98, as tarefas devem ser atribuídas conforme as aptidões do condenado. Isso
significa dizer que não podem ser usadas de modo a expor o condenado a situações
vexatórias, degradantes ou constrangedoras. Logo, se, de um lado, revela-se perfei-
tamente possível e razoável a sujeição do autor de um crime de trânsito à presta­
ção de serviços à comunidade em atividades relacionadas ao resgate, atendimento
e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito (Lei n. 9.503/97, art. 312-A, IV,
incluído pela Lei n. 13.281/16), o que, em tese, o levaria à reflexão sobre seu ato
ilícito, facilitando o propósito pessoal de ressocialização, do outro, é de todo evi­
dente que a imposição a um médico condenado pela prática de um crime qualquer
de serviços de limpeza no hospital local não atendería à finalidade última da pena.
As tarefas deverão ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de
condenação (sistema da hora-tarefa), fixadas de modo a não prejudicar a jornada
normal de trabalho. O trabalho a que está obrigado o condenado terá a duração de
oito horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias
úteis. Impor que a prestação de serviços à comunidade seja executada durante a
jornada normal de trabalho não contribuirá com o processo de reintegração social,
pois acabará interferindo negativamente na estrutura profissional, familiar e social
do condenado, dificultando, na maioria das vezes, sua sobrevivência e o susten­
to de sua família. A coincidência de horários geraria fatalmente um desconforto
absolutamente desnecessário, que acabaria tendo reflexos negativos na pretendida
ressocialização do sentenciado.
Essa duração diária de uma hora das tarefas deve ser compreendida como o
mínimo exigido do condenado. Isso porque, havendo interesse de sua parte, é perfei-
tamente possível que a execução de sua pena seja abreviada. Prova disso, aliás, é o
fato de o art. 46, §4°, do CP, dispor que se a pena substituída for superior a 1 (um)
ano, será facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo,
nunca inferior a % (metade) da pena privativa de liberdade fixada. Perceba-se que
essa antecipação da finalização da pena é uma faculdade do condenado, daí por que
não pode ser imposta pelo juiz. Porém, só será admissível se a pena privativa de

48 MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. Io a 120). Vol. 1. 15a ed. Rio de Janeiro: Método, 2021. p.
642.
472 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

liberdade a ser substituída pela prestação de serviços for superior a 1 (um) ano. Po­
rém, de modo a não transformá-la em uma pena meramente simbólica, e igualmente
não prejudicar a jornada normal de trabalho do condenado, a antecipação nunca
poderá ocorrer em período inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.
Diversamente do que ocorre em relação à prestação pecuniária e à perda de
bens e valores, o procedimento executório da prestação de serviços à comunidade
ou a entidades públicas, a ser deflagrado após o trânsito em julgado da sentença
condenatória, é objeto de previsão expressa na Lei de Execução Penal (arts. 149 e
150), podendo ser sintetizado nos seguintes termos:
i. A prestação de serviços à comunidade deve ser aplicada pelo juiz do pro­
cesso de conhecimento. Ao Juízo da Execução caberá, todavia, designar a entidade
ou programa comunitário ou estatal, devidamente credenciado ou conveniado,
junto ao qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de acordo com as suas
aptidões, já que é ele que conhece a situação das entidades adequadas e fiscalizará
a execução da pena;
ii. Ao juízo da execução também caberá determinar a intimação do condena­
do, cientificando-o da entidade, dias e horário em que deverá cumprir a pena. Se
o condenado não for encontrado, por estar, por exemplo, em lugar incerto e não
sabido, e deixando de atender à intimação por edital, deverá haver a reconversão
da restritiva em pena privativa de liberdade. O mesmo deverá ocorrer quando o
condenado não comparecer injustificadamente à entidade ou programa em que
deva prestar serviço; recusar-se injustificadamente a prestar o serviço que lhe foi
imposto; praticar falta grave e sofrer condenação por outro crime à pena privativa
de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa (LEP, art. 181, §1°);
iii. Em qualquer fase da execução, poderá o juízo, motivadamente, alterar a
forma de cumprimento da prestação de serviços à comunidade ou a entidades pú­
blicas, ajustando-a às condições pessoais do condenado (v.g., eventuais modificações
ocorridas em sua jornada de trabalho), e às características do estabelecimento, da
entidade ou do programa comunitário ou estatal;
iv. A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento do
condenado, devendo a entidade beneficiada com a prestação de serviços encaminhar
ao juízo da execução relatório circunstanciado das atividades do condenado, bem
como, a qualquer momento, comunicação sobre ausência ou falta disciplinar;
v. Durante o curso da prestação de serviços, é possível que o condenado mani­
feste interesse em mudar de domicílio, hipótese em que o juízo da execução deverá
expedir carta precatória para a localidade da sua nova residência para que lá seja
realizada a fiscalização do cumprimento da pena restritiva de direitos. Não haverá,
todavia, a transferência de competência, que continuará sendo do juízo responsá­
vel pela execução do local da condenação, a quem caberá praticar atos decisórios,
como, por exemplo, a reconversão em privativa de liberdade. Nesse sentido, como
já se pronunciou o STJ, “(...) a competência para a execução penal cabe ao Juízo
da condenação, sendo deprecada ao Juízo do domicílio do apenado somente a
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 473

supervisão e acompanhamento do cumprimento da pena determinada, inexistindo


deslocamento de competência”.49
Em conclusão, convém destacar que há controvérsias acerca do procedimento
a ser adotado pelo juízo da execução nas hipóteses em que não houver local ade­
quado para a prestação de serviços à comunidade. De um lado, há quem entenda
que deve se aguardar a criação de um local adequado, pelo menos enquanto não
sobrevier a prescrição da pretensão executória. Outros, no entanto, sustentam que
a pena deve ser considerada cumprida após o decurso do seu prazo de duração,
eis que o condenado teria permanecido à disposição do Estado nesse interregno.
De nossa parte, reputamos que tais soluções não atendem ao escopo de prevenção
geral e especial inerente às penas restritivas de direitos, gerando nítida sensação de
impunidade. A melhor solução, portanto, é que o Juízo da Execução busque um
outro local adequado para o cumprimento da prestação de serviços à comunidade,
ainda que em comarca diversa. A propósito, como já se manifestou o STJ, “(...) a
impossibilidade de cumprimento pelo sentenciado de pena restritiva de direitos não
possibilita sua extinção, por absoluta falta de previsão legal para tanto. É certo que
o art. 148 da Lei de Execução Penal permite a alteração da forma de cumprimento
das penas restritivas de direitos, mas não simplesmente a extinção da pena por
reputar suficiente o que já foi cumprido pelo apenado. Tal medida vai de encontro
ao próprio fim ressocializador da reprimenda”. Há, por fim, quem trabalhe com a
ideia de que, em tal hipótese, o Juízo da Execução poderia inclusive alterar a espécie
de pena restritiva de direito, substituindo, por exemplo, a prestação de serviços à
comunidade pela prestação pecuniária, perda de bens e valores etc. Conquanto o
art. 148 da LEP faça referência apenas à alteração da forma de cumprimento da
pena de prestação de serviços à comunidade, tal dispositivo poderia ser objeto de
interpretação extensiva para se concluir que o Juízo da Execução poderá, excepcional
e fundamentadamente, determinar a modificação da espécie de pena restritiva de
direitos, ajustando-a não apenas às condições pessoais do sentenciado, mas também
à realidade local.50

10.4. Interdição temporária de direitos


Essas penas restritivas de direitos estão previstas no art. 47 do Código Penal:
I - Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem
como de mandato eletivo: por meio dessa sanção, o condenado fica proibido de
exercer temporariamente cargo, função ou atividade pública, ou mandado eletivo,
pelo prazo da pena privativa de liberdade substituída, findo o qual, retorna às suas

49 STJ, 3a Seção, CC 172.445/RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 24.06.2020, DJe 29.06.2020; STJ, 3a Seção, CC
113.112/SC, Rei. Min. Gilson Dipp, DJe 17.11.2011.
50 É nesse sentido a lição de Jamil Chaim Alves (Manual de Direito Penal: Parte Geral e Parte Especial. 2a ed.
Salvador: Editora Juspodivm, 2021. p. 581). Em sentido diverso, Bitencourt (Tratado de Direito Penal: parte
geral. Vol. 1. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 575) sustenta que o juiz da execução não detém com­
petência para alterar a modalidade de pena restritiva aplicada, ou seja, substituir a limitação de fim de
semana, por exemplo, por prestação e serviços à comunidade ou por prestação pecuniária, porque isso
representaria alterar a pena aplicada na decisão condenatória, que transitou em julgado.
474 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

atividades normalmente. Estamos diante de uma pena restritiva de direitos especial


(ou específica), eis que sua aplicação depende de um requisito determinado, qual
seja, que o crime tenha sido praticado no exercício da profissão, atividade, ofício,
cargo ou função, com violação dos deveres que lhes são inerentes (CP, art. 56).
Não há necessidade, todavia, que se trate de crime contra a Administração Pública.
Especificamente em relação aos mandatos eletivos de Deputados e Senadores, boa
parte da doutrina sustenta a inconstitucionalidade dessa pena, eis que a Constituição
Federal autoriza apenas a perda do mandato, e não sua interdição temporária (CF,
art. 55, VI, e §2°). De se notar que a nova Lei de Abuso de Autoridade faz menção
expressa à suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo
de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens (Lei n.
13.869/19, art. 5o, II). Não se pode confundir a interdição temporária de direitos ora
em análise com a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo como efeito
da condenação (CP, art. 92, I): aquela é espécie de pena restritiva de direito, com
duração temporária, equivalente ao prazo da pena privativa de liberdade substituída;
esta é um efeito específico da condenação previsto no art. 92, I, do Código Penal,
que produz efeitos permanentes, e cuja aplicação está condicionada à aplicação de
pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes
praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração
Pública, ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a
4 anos nos demais casos;
II - Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de
habilitação especial, de licença ou autorização do poder público: como é sabido,
o exercício de certas profissões, atividades ou ofícios demandam a presença de uma
habilitação especial, licença ou autorização do Poder Público. É o que ocorre, a título
de ilustração, com engenheiros, advogados, médicos, etc. Logo, fixada a restritiva
ora em análise, o agente ficará proibido de exercer a atividade pelo período da pena
privativa de liberdade substituída. À semelhança da hipótese anterior, a interdição
temporária do art. 47, II, do CP também é específica, a significar, portanto, que sua
aplicação deverá ficar restrita àqueles crimes cometidos no exercício de profissão,
atividade ou ofício, conquanto tenha havido violação dos deveres que lhes são ine­
rentes (CP, art. 56), assim como em relação aos autores de crimes próprios, assim
compreendidos aqueles que exigem uma qualidade especial do sujeito ativo, tais como
os delitos de omissão de notificação de doença (CP, art. 269), patrocínio infiel (CP,
art. 355) etc. Nessa linha, como já se pronunciou o STJ, “(...) não há falar em falta
de fundamentação para a imposição da pena restritiva de proibição do exercício
da profissão, tendo em vista que o paciente valeu-se de sua condição de advogado
para a prática do delito, ferindo os preceitos éticos da profissão, fato que constitui
motivação concreta e válida para justificar a imposição da referida pena”;51
III - Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo: o
art. 47, III, do CP, deve ser interpretado em cotejo com o art. 292 do Código de
Trânsito Brasileiro. Explica-se: originariamente, a suspensão de autorização ou de
habilitação para dirigir veículo automotor (CP, art. 47, III, do CP, com redação dada

51 STJ, 6a Turma, HC 258.471/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 02.08.2016, DJe 15.08.2016.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 475

pela Lei n. 7.209/84) era aplicada como espécie de pena restritiva de direitos exclu­
sivamente em relação aos crimes culposos de trânsito. Ocorre que, posteriormente,
tais crimes foram deslocados em sua maioria para o Código de Trânsito Brasileiro
(Lei n. 9.503/97), cujo art. 292 prevê que a suspensão ou a proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada
ou cumulativamente com outras penalidades. Por se tratar de norma especial e
posterior, houve a revogação tácita do art. 47, III, do CP, que, atualmente, deve ser
compreendido nos seguintes termos: i. Em relação à permissão e à habilitação52 para
dirigir veículos automotores, aplica-se o quanto disposto no art. 292 do CTB; ii. No
tocante à autorização para dirigir ciclomotores (CTB, art. 141),53 subsiste a aplicação
do art. 47, III, do CP, vez que tal situação não foi regulamentada pelo Código de
Trânsito Brasileiro; iii. Subsiste a interdição como pena substitutiva da liberdade
em relação aos delitos não previstos no Código de Trânsito Brasileiro, como, por
exemplo, aqueles decorrentes de acidentes motonáuticos;54
IV - Proibição de frequentar determinados lugares: é sabido que certos
locais, por sua natureza, finalidade, localização ou tipo de frequência, acabam por
favorecer a prática de infrações penais. Por esse motivo, esta pena deve ser utilizada
para os casos em que a vedação se mostrar necessária ou conveniente para prevenir
a prática de novos ilícitos. A lei não dispõe sobre a espécie de lugar cujo acesso ou
frequência poderá ser objeto da medida. Logo, poderá ser determinada a restrição ao
acesso a locais públicos (v.g., parques em que há venda de drogas), locais privados
abertos ao público (v.g., casas noturnas) e até mesmo locais privados (v.g., casa do
ofendido). De todo modo, deve haver uma relação entre o local cujo acesso está
proibido e a prática do ilícito (v.g., impedir que um integrante de torcida organi­
zada frequente estádios de futebol). Além disso, por ocasião de sua adoção, deve o
magistrado especificar quais os lugares que o acusado não pode frequentar, sendo
inadmissível a proibição de frequência a determinados locais em termos genéricos,
sem especificá-los. A fim de assegurar a operacionalidade e eficácia da medida, devem
ser pensados instrumentos idôneos para a sua fiscalização. A despeito do silêncio
da lei, queremos crer que a sua adoção deve ser comunicada de imediato à Polícia
Judiciária e à própria Polícia Militar, a fim de que deem apoio ao seu cumprimento;
V - Proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exames públicos: a
pena de interdição temporária de direitos sob comento foi introduzida no Código
Penal pela Lei n. 12.550/11, mesmo diploma normativo responsável pela criação do
delito de fraude em certame de interesse público (CP, art. 311-A). Esse detalhe é de
fundamental importância para se concluir que a mencionada interdição temporária de
direitos não poderá ser aplicada em relação a todo e qualquer delito. Pelo contrário.

52 De acordo com o art 148, §2°, do CTB, ao candidato aprovado será conferida permissão para dirigir, com
validade de um ano. Por sua vez, consoante disposto no art. 148, §3°, do CTB, a Carteira Nacional de
Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido
nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média.
53 Na dicção do Anexo I do CTB, ciclomotor é "o veículo de duas ou três rodas, provido de um motor de
combustão interna, cuja cilindrada não exceda a cinquenta centímetros cúbicos (3,05 polegadas cúbicas)
e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinquenta quilômetros por hora".
54 Com esse entendimento: AVENA. Op. cit. p. 333.
476 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Para tanto, a infração penal deverá guardar relação com fatos que, de alguma forma,
traduzam a sua finalidade de beneficiar-se, por exemplo, fraudulentamente, com sua
aprovação em concurso, avaliação ou exame público, processo seletivo para ingresso
no ensino superior, exame ou processo seletivo previsto em lei. Cuida-se, pois, de
pena restritiva de direitos específica (ou especial). Supondo, assim, que alguém seja
condenado por utilizar o gabarito de questões que seriam usadas em determinado
concurso público (CP, art. 311-A, inciso I, incluído pela Lei n. 12.550/11), como a
sanção cominada ao referido delito é de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, a pena
privativa de liberdade poderá ser substituída por restritiva de direitos, mais preci­
samente pela proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exames públicos
(CP, art. 47, V, incluído pela Lei n. 12.550/11).55

10.5. Limitação de fim de semana


A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados
e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabele­
cimento adequado, período durante o qual poderão ser ministrados ao condenado
cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas (CP, art. 48). Nos casos de
violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá determinar o compa-
recimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (LEP,
art. 152, parágrafo único, incluído pela Lei n. 11.340/06).
Cuida-se de espécie de pena restritiva de direitos (CP, art. 43, VI), que deverá
ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída. Logo, se o indiví­
duo foi condenado a 1 (um) ano de pena privativa de liberdade, deverá, por igual
período, permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa
de albergado ou estabelecimento estipulado. De se notar que a lei não se refere
aos feriados, ficando estes excluídos, portanto, da restrição. Conquanto se trate de
restritiva dotada da mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, é
interessante notar que a limitação de fim de semana somente altera a rotina do
condenado nos dias de recolhimento, já que ele permanece com plena liberdade
nos demais períodos.
Na prática, a sanção em apreço é pouco utilizada, sobretudo por força da ine­
xistência de causas de albergado na grande maioria das cidades brasileiras. Logo,
considerando-se que a jurisprudência dos Tribunais Superiores não admite que
a pena de limitação de fim de semana, na falta de casa de albergado, seja cum­
prida em presídios, situação mais gravosa do que aquela estabelecida na sentença
condenatória,56 e, levando-se em consideração, ademais, que não há muita lógica em
se determinar o seu cumprimento em regime domiciliar, o que somente é possível

55 Em sentido diverso, Masson sustenta a tese de que se trata de pena restritiva de direitos genérica, pois
seu raio de incidência não se limita ao crime definido no art. 311-A do CP. Para o autor (Op. cit. p. 647),
"a condenação por delitos diversos recomenda a vedação do acesso às funções e cargos públicos, pela
ausência de lisura e de idoneidade moral do agente, a exemplo do que se dá no estelionato, nos crimes
contra a Administração Pública, nos crimes em licitações e contratos administrativos, entre tantos outros".
56 STJ, 5a Turma, HC 60.919/DF, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 10.10.2006.
Cap. IX • EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS 477

nas hipóteses ditadas pelo art. 117 da Lei de Execução Penal, muitos juizes optam
por deixar de aplicá-la.
Sem embargo, diante da remota possibilidade de aplicação, caberá ao Juízo da
Execução determinar a intimação do condenado, cientificando-o do local, dias e
horário em que deverá cumprir a pena. A execução terá início a partir da data do
primeiro comparecimento (LEP, art. 151). O estabelecimento designado encaminhará,
ao Juízo da Execução, relatório, bem assim comunicará, a qualquer tempo, a ausência
ou falta disciplinar do condenado, hipótese em que poderá ocorrer a reconversão
em pena privativa de liberdade. Se o condenado não for encontrado por estar em
lugar incerto e não sabido, não atender à intimação por edital, a limitação de fim
de semana será reconvertida em pena privativa de liberdade. Idêntica providência
deverá ser adotada se o condenado não comparecer ao estabelecimento designado
para o cumprimento da pena, recursar-se a exercer a atividade determinada pelo
juiz, praticar falta grave e sofrer condenação por outro crime à pena privativa de
liberdade cuja execução não tenha sido suspensa (LEP, art. 181, §2°).
EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Com status constitucional (art. 5o, XLVI, “c”), a multa pode ser conceituada
como uma espécie de sanção penal, de cunho patrimonial, consistente no pagamento
de determinado valor em dinheiro em benefício do Fundo Penitenciário.
Criado pela Lei Complementar n. 79/941, o Fundo Penitenciário Nacional
(FUNPEN) foi instituído no âmbito do Ministério da Justiça, e é gerido pelo Depar­
tamento Penitenciário Nacional (Depen), tendo a finalidade de proporcionar recursos
e meios para financiar e apoiar as atividades e os programas de modernização e
aprimoramento do sistema penitenciário nacional. Uma das fontes de receita do
FUNPEN são exatamente as multas decorrentes de sentenças penais condenatórias
com trânsito em julgado (LC 79/94, art. 2o, inciso V).
Nada dispõe a Lei Complementar n. 79/94 acerca da origem das multas, é
dizer, não especifica se as condenações em questão seriam oriundas do Poder
Judiciário da União ou da Justiça Estadual, do Código Penal ou de alguma lei
extravagante. Por isso, ressalvada a hipótese em que houver lei federal conferin­
do destinação específica ao valor arrecadado, é dominante o entendimento no
sentido de que os Estados podem legislar sobre o tema, direcionando a quantia
para um fundo sob sua administração, sobretudo porque a própria Constituição
Federal estabelece que a União, os Estados e o Distrito Federal podem legislar
concorrentemente sobre direito penitenciário (art. 24,1). Cite-se, a título de exem­
plo o Fundo Penitenciário do Estado de Minas Gerais, criado pela Lei Estadual
n. 11.402/94, que tem por objetivo possibilitar a obtenção e a administração de
recursos financeiros destinados ao sistema penitenciário mineiro e à construção,
à manutenção, à reforma e à ampliação de unidades destinadas ao cumprimento
de medida socioeducativa de internação.

1 Altera a Lei Complementar 79, de 7 de janeiro de 1994, para dispor sobre o percentual mínimo do repasse
obrigatório da União aos fundos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
480 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

2. CRITÉRIO ADOTADO PARA FINS DE APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA

Em virtude do art. 2o da Lei n. 7.209/84, nosso Código Penal passou a adotar o


critério do dia-multa, por meio do qual o preceito secundário de cada tipo penal se
limita a cominar a pena de multa, sem indicar seu valor, o qual deve ser calculado
com base nos critérios previstos no art. 49 do CP. Se a aplicação da pena privativa
de liberdade deve obedecer ao denominado critério trifásico de Nelson Hungria
(CP, art. 68, caput), pode-se dizer que a fixação do valor da multa está sujeita a um
critério bifásico,2 que pode ser sintetizado nos seguintes termos:
a. Fixação da quantidade de dias multa: inicialmente, o juiz deve determinar
a quantidade de dias-multa, que será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de
360 (trezentos e sessenta). Para tanto, deve levar em consideração as circunstâncias
judiciais do art. 59 do Código Penal, bem como eventuais agravantes, atenuantes,
causas de diminuição e aumento de pena, enfim, todas as etapas que devem ser
percorridas para a dosimetria da pena privativa de liberdade;
b. Fixação do valor de cada dia-multa: de acordo com o art. 49, §1°, do
Código Penal, o valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior
a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem
superior a 5 (cinco) vezes esse salário mínimo. Esse valor deve ser fixado pelo
magistrado do processo de conhecimento levando-se em consideração a capacidade
econômica do acusado.3 Feito isso, o valor total da pena de multa corresponderá
ao resultado da multiplicação da quantidade de dias-multa pelo valor de cada
dia-multa.
Se o valor da multa for insignificante para o acusado, mesmo que aplicado
no grau máximo (360 dias-multa fixados em 5 salários mínimos cada um), poderá
o juiz aumentá-lo até o triplo, de acordo com o art. 60, § Io, do CP. Nesse ponto,
importante ficar atento a regras distintas previstas na Legislação Especial: i. em se
tratando de crimes contra a propriedade industrial, o art. 197, parágrafo único, a
Lei n. 9.279/96 prevê que a multa poderá ser aumentada ou reduzida, em até 10
(dez) vezes, em face das condições pessoais do agente e da magnitude da vantagem
auferida; ii. nos crimes previstos nos arts. 33 a 39 da Lei de Drogas, a multa pode
ser aumentada até o décuplo, se, em virtude da situação econômica do acusado,
o juiz considerá-la ineficaz (Lei n. 11.343/06, art. 43, parágrafo único); iii. em se
tratando de crimes contra o sistema financeiro nacional, o valor do dia-multa pode
ser estendido até o décuplo (Lei n. 7.492/86, art. 33).

2 Há exceções previstas na Legislação Especial: a) o crime de abandono material previsto no art. 244 do
Código Penal prevê uma pena de detenção, de 1 a 4 anos e multa, de um a dez vezes o maior salário
mínimo vigente no País; b) a contravenção penal descrita no art. 43 da Lei de Locações (Lei n. 8.245/91) é
punida com multa de 3 a 12 meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do locatário.
3 No sentido de que, na primeira fase de fixação da pena de multa, o número de dias-multa deve ser fixado
com base nas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, ao passo que na segunda, o valor de cada dia-
-multa deve levar em conta a situação econômica do acusado: STJ, 5a Turma, REsp 897.876/RS, Rei. Min.
Felix Fischer, j. 12/06/2007, DJ 29/06/2007 p. 711.
Cap. X • EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA 481

Como a situação econômica do acusado deve servir tão somente para fins de
fixação do valor de cada dia-multa (CP, art. 60, caput), o juiz do processo de conhe­
cimento não pode deixar de aplicar a sanção pecuniária em virtude da precariedade
da condição financeira do apenado. O que existe, no âmbito da legislação especial,
é a possibilidade de o juiz reduzir o valor da pena de multa. De fato, consoante
disposto no art. 76, §1°, da Lei n. 9.099/95, na hipótese de ser a pena de multa a
única aplicável, o juiz pode reduzi-la até a metade. Em sentido semelhante, nos
crimes contra a propriedade industrial, a pena de multa poderá ser reduzida em até
10 vezes, em virtude das condições pessoais do agente e da magnitude da vantagem
auferida (Lei n. 9.279/96, art. 197, parágrafo único).
Também há controvérsias acerca da necessidade ou não de cobrança de multa
irrisória, assim compreendida como aquela de valor extremamente reduzido. De
um lado, há quem entenda que tal multa jamais deveria ser objeto de execução,
eis que o custo necessário para tanto certamente seria bem maior que aquele que
seria arrecado ao final. Prevalece, todavia, o entendimento de que, por se tratar de
espécie de pena, sua cobrança em juízo é obrigatória, seja à luz do princípio da
imperatividade da aplicação das penas, seja em virtude da inderrogabilidade de seu
cumprimento. Em reforço a esse entendimento, aliás, o art. Io, §1°, da Portaria do
Ministério da Fazenda n. 75/2012, que estabelece os valores mínimos para inscrição
e execução da Dívida Ativa da União, contempla uma ressalva expressa à pena de
multa, o que, em tese, demonstra não existir um valor mínimo para legitimar a sua
execução forçada.4
Quanto à possibilidade de fixação do valor do dia-multa atrelado ao do
salário mínimo, não há falar em suposta violação ao art. 7o, IV, da Constituição
Federal, que prevê que é vedada a vinculação do salário mínimo para qual­
quer fim. Na verdade, como bem observa a doutrina,5 a norma constitucional
em questão visa evitar que o salário mínimo seja utilizado como indexador
econômico, impedindo que, a cada aumento do piso salarial, subissem, pro­
porcionalmente, os preços de produtos e serviços, tornando inócua a elevação
do mínimo. Essa a finalidade da regra (interpretação teleológica), a qual não
resulta vulnerada com a determinação de que o dia-multa seja calculado a
partir do salário mínimo.
Especificamente em relação à correção monetária, parte da doutrina sustenta
que o valor da multa deveria ser corrigido apenas a partir do trânsito em julgado
da sentença penal condenatória, eis que o montante seria exigível tão somente a
partir de então. Prevalece, todavia, sobretudo na jurisprudência, a orientação de que
o valor da multa deve ser corrigido a partir da data da infração, sem que se possa

4 MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1o a 120). Vol. 1. 15a ed. Rio de janeiro: Forense; MÉTODO,
2021. p. 653.
5 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 4a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2003. p. 250. Nesse contexto, a súmula vinculante n° 4 dispõe: "Salvo nos casos previstos na Constituição,
o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público
ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial".
482 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

objetar qualquer violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa,


já que se trata, a correção monetária, de mera recomposição do valor da moeda.6
Conquanto o Código Penal adote o critério do dia-multa, isso, logicamente,
não impede que lei especial trate do assunto de maneira diversa. Afinal, consoante
disposto no art. 12 do Código Penal, as regras gerais deste diploma normativo
aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, quando esta não dispuser de modo
diverso. É o que ocorre, por exemplo, com o crime de desenvolvimento clandestino
de atividades de telecomunicação (Lei n. 9.472/97, art. 183), ao qual é cominada uma
pena de detenção, de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a
terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Na mesma linha, confira-se a pena
de multa cominada ao crime de tráfico de drogas previsto no art. 33, caput, da Lei
n. 11.343/06: “Pena - reclusão, de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”. Especificamente em relação a
este último dispositivo, não há falar em suposta inconstitucionalidade por violação
ao princípio da individualização da pena, sendo inviável que o Poder Judiciário se
substitua ao Legislativo na quantificação da sanção penal. A propósito, eis o teor
da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 1.178: “A multa mínima prevista
no art. 33 da Lei n. 11.343/06 é opção legislativa legítima para a quantificação da
pena, não cabendo ao Poder Judiciário alterá-la com fundamento nos princípios da
proporcionalidade, da isonomia e da individualização da pena”.7

3. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DA MULTA

A multa deve ser paga voluntariamente pelo condenado dentro de 10 (dez)


dias depois de transitada em julgado a sentença. É nesse sentido, aliás, o teor do
art. 50, caput, Ia parte, do Código Penal.
A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode
permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais. Nesse caso, o pedido
de parcelamento deve ser feito ao magistrado até o término do prazo legal para
pagamento voluntário (LEP, art. 169, caput). A lei não prevê um número máximo
de parcelas, cabendo tal tarefa ao juiz. Antes de tomar sua decisão, o juiz poderá
determinar diligências para verificar a real situação econômica do condenado, e,
ouvido o Ministério Público, fixará o número de prestações (LEP, art. 169, §1°). Se
o condenado for impontual ou se melhorar de situação econômica, o Juiz, de ofício
ou a requerimento do Ministério Público, poderá revogar esse benefício, executando-
-se a multa em seu valor integral.
De acordo com o art. 50, §1°, do Código Penal, a cobrança da multa pode
ser efetuada mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando:
a) aplicada isoladamente; b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de di­
reitos; c) concedida a suspensão condicional da pena. Esse desconto, todavia, não

6 STJ, 6a Turma, AgRg no REsp 1.063.031/PR, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 14.02.2012, DJe
27.02.2012.
7 Paradigma: STF, Pleno, RE 1.347.158, Rei. Min. Luiz Fux, j. 05.11.2021.
Cap. X • EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA 483

poderá incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de


sua família. Ademais, de acordo com o art. 170, caput, da LEP, quando a pena de
multa for aplicada cumulativamente com pena privativa de liberdade, enquanto esta
estiver sendo executada, poderá aquela ser cobrada mediante desconto na remune­
ração do condenado. Nesses casos, o limite máximo do desconto mensal será o da
quarta parte da remuneração e o mínimo de um décimo, devendo o responsável
pelo desconto ser intimado a recolher mensalmente, até o dia fixado pelo juiz, a
importância determinada.

4. EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA

Na eventualidade de não haver o pagamento voluntário da multa dentro do pra­


zo legal, haverá necessidade de promover sua execução. Na redação original do Códi­
go Penal, o inadimplemento da pena de multa acarretava a sua conversão em pena pri­
vativa de liberdade, na proporção de um dia de detenção para cada dia-multa. Eis que
surge, então, a Lei n. 9.268/96, e põe fim à conversão da pena de multa em detenção.
À época, era nesse sentido o teor do art. 51, caput, do Código Penal: “Transitada em
julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-
-se lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no
que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Portanto, uma vez
operado o trânsito em julgado da sentença condenatória, e desde que não houvesse
depósito a título de fiança em valor suficiente para a condenação, competia ao juízo da
execução penal proceder à intimação do condenado para que efetuasse o pagamento
da pena de multa no prazo de 10 (dez) dias (CP, art. 50). Em caso de inadimplência,
sempre houve controvérsias acerca da legitimidade e da competência para a sua exe­
cução:
a) Legitimidade da Fazenda Pública e competência do Juízo das Execuções
Fiscais: na visão antiga do STJ,8 essa atribuição seria da Fazenda Pública (Federal ou
Estadual), que deveria ser comunicada a fim de que inscrevesse a multa em dívida
ativa, seguindo-se a execução fiscal no juízo de execuções fiscais, e não perante o
juízo das execuções criminais. Diante da redação do art. 51 do CP conferida pela
Lei n. 9.268/96, aquela Corte entendia que o art. 164 da LEP (“Extraída certidão da
sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo
judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado
para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora”)
havia sido revogado, afastando-se, pois, do Ministério Público a legitimidade para
promover a execução de pena de multa imposta em decorrência de processo crimi­
nal, tratando-se de atribuição da Procuradoria da Fazenda Pública, havendo juízo
especializado para a cobrança da dívida, que não o da Vara de Execuções Penais.
Era exatamente nesse sentido, aliás, o teor da Súmula n. 521 do STJ: “A legitimi-

8 A propósito, confira-se: STJ, 5a Turma, REsp 459.750/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, DJ 15/09/2003 p. 351; STJ, 6a
Turma, AgRg no REsp 1,027.204/MG, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 18/08/2008.
484 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

dade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença


condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”;
b) Legitimidade prioritária do Ministério Público e competência inicial
do Juízo das Execuções Penais: em decisão proferida na apreciação da ADI n.
3.150,9 em julgamento conjunto com a 12a Questão de Ordem apresentada na
Ação Penal n. 470, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, à época - leia-se,
antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime -, que, por ter natureza de sanção
penal, o Ministério Público seria o principal legitimado para executar a cobran­
ça das multas pecuniárias fixadas em sentenças penais condenatórias perante o
Juízo das Execuções Penais, limitando-se a atribuição da Fazenda Pública para
executar essas multas perante a vara de execução fiscal tão somente nos casos
de inércia ministerial. Na dicção do Relator - Min. Roberto Barroso -, o fato
de a redação então vigente do art. 51 do CP ter transformado a multa em dívi­
da de valor não retiraria a atribuição do Parquet para efetuar sua cobrança, já
que se trata de espécie de sanção penal prevista na Constituição Federal (artigo
5o, inciso XLVI, alínea “c”), do que se conclui que sua natureza jurídica jamais
poderia ser alterada por uma lei ordinária. Ressaltou, ademais, que o art. 164
da LEP reconhece a atribuição do Ministério Público para executar a dívida. Se
a condenação criminal é um título executivo judicial, seria incongruente sua
inscrição em dívida ativa, que é um título executivo extrajudicial. Enfim, con­
cluiu que, caso não fosse proposta pelo órgão ministerial a execução da multa
no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença, aí sim o juízo da
vara criminal deveria comunicar ao órgão competente da Fazenda Pública (Fe­
deral ou Estadual) para efetuar a cobrança na vara de execução fiscal com base
na Lei n. 6.830/80;10
c) Legitimidade exclusiva do Ministério Público e competência privativa do
Juízo da Execução Penal: eis que surge, então, o Pacote Anticrime, sepultando de
vez toda a controvérsia em torno da legitimidade e competência para a execução
da pena de multa. Isso porque, consoante disposto na nova redação conferida ao
caput do art. 51 do Código Penal, “transitada em julgado a sentença condenatória,
a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida
de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive
no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Do simples
cotejo entre a redação antiga (dada pela Lei n. 9.268/96) e a nova (conferida pela
Lei n. 13.964/19), denota-se que, doravante, a execução da pena de multa deverá
ser promovida exclusivamente pelo Ministério Público, e tão somente perante o
Juízo da Execução Penal. O Pacote Anticrime encerra, assim, a dubiedade na in­
terpretação do órgão legitimado e do juízo competente para a execução da pena
de multa, consagrando, enfim, a legitimidade privativa do Ministério Público para

9 STF, Pleno, ADI 3.150/DF, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 13/12/2018.


10 Após o julgamento da ADI n. 3.150 pelo STF, a 3a Seção do STJ também passou a observar o mesmo
entendimento. A propósito, confira-se: STJ, 3a Seção, CC 165.809-PR, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro,
j. 14.08.2019.
Cap. X • EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA 485

tanto, conclusão que decorre da simples impossibilidade de a Fazenda Pública atuar


na vara de execução penal. Encontra-se fulminada, portanto, a súmula n. 521 do
STJ. Também não há mais que se falar em legitimidade subsidiária da Fazenda
Pública e competência residual da vara das execuções fiscais, tal qual decidido
pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADI n. 3.150. Se se
trata, a pena de multa, de espécie de sanção penal prevista na Constituição Federal
(art. 5o, inciso XLVI, alínea “c“), recai sobre o Parquet a atribuição para executá-la,
sobretudo em face do art. 129, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece
ser função institucional do Ministério Público “promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei”, atribuição esta que engloba não apenas a promoção
da ação penal durante o processo de conhecimento, mas também a execução de
eventual sanção penal constante de sentença condenatória transitada em julgado,
seja ela privativa de liberdade, restritiva de direitos, seja ela uma pena de multa.
Para tanto, o órgão ministerial com atribuição para execução penal deverá observar
o procedimento constante dos arts. 164 a 170 da Lei de Execução Penal. É nesse
sentido, aliás, o teor do Enunciado n. 1 do Conselho Nacional de Procuradores-
-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo
Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM): “Cabe
preferencialmente ao membro do Ministério Público com atribuição para execução
penal ingressar com a ação para a execução da pena de multa perante o juízo
das execuções penais, sob o rito da Lei n. 6.830/80”. Logo, extraída certidão da
sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo
judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do conde­
nado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à
penhora (LEP, art. 164, caput). Decorrido esse prazo sem o pagamento da multa,
ou o depósito da respectiva importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens
quantos bastem para garantir a execução.
Por se tratar de diploma normativo que altera regras de competência, a Lei
n. 13.964/19, nesse ponto, deverá ter aplicação imediata aos processos em anda­
mento. Como se trata de verdadeira norma processual que altera a competência
em razão da matéria, não se pode admitir a perpetuação da competência. Afinal,
como preceitua o art. 43 do novo CPC, subsidiariamente aplicável ao processo
penal comum, “determina-se a competência no momento do registro ou da dis­
tribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato
ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário
ou alterarem a competência absoluta”. Por consequência, se a execução da pena de
multa encontrava-se em tramitação perante o juízo das execuções fiscais, a entrada
em vigor da Lei n. 13.964/19 deverá provocar a imediata remessa do feito ao Juízo
da Execução Penal.
Noutro giro, o inadimplemento da pena de multa continua não autorizando
a sua conversão em pena privativa de liberdade. Este o motivo, aliás, de o art.
51, caput, do CP, dispor que a multa será considerada dívida de valor. Por outro
lado, ao fazer referência à aplicação das normas relativas à dívida ativa da Fa­
486 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

zenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas


da prescrição, o dispositivo sob comento deixa evidente que incidem, in casu, as
disposições da Lei n. 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) e do Código Tributário
Nacional. Especificamente quanto à suspensão da prescrição, destaca-se o art. 40
da Lei de Execução Fiscal, segundo o qual “o juiz suspenderá o curso da execu­
ção, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais
possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”. Esta
suspensão, todavia, não será eterna. Prova disso, aliás, é o teor da Súmula n.
314 do STJ: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se
o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal
concorrente”. Noutro giro, quanto às causas interruptivas da prescrição previstas
no art. 174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, especial atenção deve
ser dispensada ao inciso I: “A prescrição se interrompe pelo despacho do juiz que
ordenar a citação em execução fiscal”.
De se lembrar que a execução da pena de multa deve ser suspensa se sobrevêm
ao condenado doença mental, conforme disposto no art. 52 do Código Penal. Na
mesma linha, eis o teor do art. 167 da Lei de Execução Penal: “A execução da pena
de multa será suspensa quando sobrevier ao condenado doença mental”.
Em conclusão, convém destacar que, a despeito de a multa ser considerada uma
dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública,
isso não afasta a sua natureza de sanção penal, conforme determinado pela própria
Constituição Federal (art. 5o, XLVI, “c”). Tanto é verdade que o art. 51, caput, do
CP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19, outorga ao juízo da execução penal
a competência para a sua execução. Por conseguinte, como consectário lógico da
sua natureza jurídica de sanção penal, eventual inadimplemento da multa seguido
de morte do condenado jamais poderá autorizar a execução sobre os herdeiros
do falecido, sob pena de evidente violação ao princípio da pessoalidade da pena
(CF, art. 5°, XLV).

5. (IM) POSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM CASO DE


CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E
INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA

Por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Con­


trovérsia n. 1.519.777/SP,11 a 3a Seção do STJ assentou a tese de que “[n]os
casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida
a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o
inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da
punibilidade”. À época, entendeu-se que, após a nova redação dada ao art. 51 do
CP pela Lei n. 9.268/96, a pena pecuniária teria passado a ser considerada dívida
de valor e, portanto, dotada de caráter extrapenal. Isso implica afirmar que o jus
puniendi do Estado exaure-se ao fim da execução da pena privativa de liberdade

11 STJ, 3a Seção, REsp n. 1.519.777/SP, Rei. Ministro Rogério Schietti, DJe 10/9/2015.
Cap. X • EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA 487

(ou da restritiva de direitos), porquanto, em nenhum momento, engloba a pena


de multa, considerada dívida de valor a partir do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória. Entendimento oposto, ou seja, a possibilidade de constrição
da liberdade daquele que é apenado somente em razão de sanção pecuniária,
consistiría em legitimação da prisão por dívida, em afronta, portanto, ao disposto
no art. 5o, LXVII, da CF e, ainda, no art. 7o, 7, da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), cujo texto estabelece que
“ninguém deve ser detido por dívida”.
Ocorre que, ao apreciar a ADI n. 3.150,12 o Supremo Tribunal Federal firmou
o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n.
9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que
a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento
obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente
sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, levada a cabo pela Lei
n. 13.964/2019. Revela-se imprescindível, portanto, o pagamento integral da pena
de multa para fins de reconhecimento da extinção da punibilidade.
Daí a alteração da posição do STJ, que passou a entender que, na hipótese de
condenação concomitante a pena privativa de liberdade (ou restritiva de direitos que
eventualmente a tenha substituído) e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária
teria o condão de obstar o reconhecimento da extinção da punibilidade. A propósito,
eis o teor da redação original da Tese de Recurso Especial Repetitivo fixada no
tema n. 931: “Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liber­
dade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da
extinção da punibilidade”.13
Posteriormente, todavia, aquela Corte reputou ser necessário distinguir a si­
tuação daqueles condenados hipossuficientes que demonstrem a impossibilidade de
cumprimento da pena pecuniária. Condicionar a extinção da punibilidade, após o
cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em
punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos
apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado,
impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada
reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção
da família (art. 226 da Carta de 1988). Demais disso, a barreira ao reconhecimento da
extinção da punibilidade dos condenados pobres, para além do exame de benefícios
executórios como a mencionada progressão de regime, frustra fundamentalmente os
fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a
inferência lógica do princípio isonômico (CF, art. 5o, caput), segundo a qual desiguais
devem ser tratados de forma desigual. Mais ainda, desafia objetivos fundamentais
da República, entre os quais o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir

12 STF, Pleno Rei. Min. Roberto Barroso, DJe-170 05.08.2019.


13 Paradigma: STJ, REsp 1.785.383/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 20.10.2020. No sentido de que não se
pode mais declarar a extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena privativa de liberdade
quando pendente o pagamento da multa criminal: STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1,850.903/SP, Rei. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, j. 28/04/2020, DJe 30/04/2020.
488 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

as desigualdades sociais e regionais” (CF, art. 3o, III). Por tais motivos, a 3a Seção
do STJ deliberou pela revisão do enunciado em questão. Confira-se, nesse sentido,
a nova redação da Tese de Recurso Especial Repetitivo fixada no tema n. 931:
“Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o
inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibili­
dade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.14

6. INADIMPLEMENTO DELIBERADO DA PENA DE MULTA E


POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL

Na visão do Plenário do Supremo Tribunal Federal,15 o inadimplemento


deliberado da pena de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a
progressão no regime prisional, salvo se comprovada a impossibilidade econômica
do apenado em pagar o valor, ainda que parceladamente.16

7. (IM) POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR MULTA


QUANDO COMINADAS CUMULATIVAMENTE, EM LEI ESPECIAL,
PENAS PRIVATIVA DE LIBERDADE E PECUNIÁRIA

O tema foi objeto de análise no capítulo atinente à execução das penas restritivas
de direitos.

8. CABIMENTO DE HABEAS CORPUS EM SE TRATANDO DE PERSECUÇÃO


PENAL REFERENTE À INFRAÇÃO PENAL À QUAL SEJA COMINADA
TÃO SOMENTE A PENA DE MULTA

O remédio constitucional do habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâ­
neo de outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim
não se identificar com a própria liberdade de locomoção física. Assim, não havendo
risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física, não se revela pertinente
o remédio do habeas corpus, cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta confi­
guração de ofensa, atual ou iminente, ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas.
Destarte, caso a pretensão do impetrante não esteja relacionada à tutela da liberdade
de locomoção, faltará interesse de agir por inadequação do pedido, acarretando o
não conhecimento do habeas corpus.
Em se tratando de persecução penal referente à infração penal à qual seja
cominada tão somente a pena de multa, é de todo relevante destacar que o não
pagamento da multa não autoriza mais a conversão em pena privativa de liberdade

14 Paradigma: STJ, 3a Seção, Resp 1.785.383/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 24.11.2021, Dje 30.11.2021.
15 STF, Pleno, EP 12 ProgReg-AgR/DF, Rei. Min. Roberto Barroso, j. 08/04/2015, DJe 93 19/05/2015.
16 A controvérsia foi objeto de análise no capítulo atinente à execução da pena privativa de liberdade, mais
precisamente no tópico referente à progressão de regimes, para onde remetemos o leitor.
Cap. X • EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA 489

(CP, art. 51, com redação determinada pela Lei n. 9.268/96). Logo, na medida em
que não é possível a conversão em prisão, não há risco à liberdade de locomoção,
revelando-se inadequada a utilização do habeas corpus. Daí os dizeres da súmula n.
693 do STF (“Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa,
ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja
a única cominada”). A título de exemplo, considerando-se que, com o advento da
Lei n. 11.343/06, deixou de ser possível a aplicação de pena privativa de liberdade
ao crime de porte de drogas para consumo pessoal (art. 28), sequer por conversão,
forçoso é concluir que eventual persecução penal instaurada em relação a este delito
não terá o condão de expor a liberdade ambulatorial do agente a risco de ameaça.
Por conseguinte, nos mesmos moldes que um processo penal referente à infração
penal à qual seja cominada exclusivamente pena de multa, não se admite a utilização
do habeas corpus para impugnar eventual decisão que impuser as penas previstas
no art. 28, o que, no entanto, não impede a utilização do mandado de segurança
quando estivermos diante de ilegalidades ou abuso de poder.17
Embora a pena de multa possua natureza de sanção penal (STF, ADI n. 3.150/
DF), subsiste a impossibilidade de sua conversão em pena privativa de liberdade
em caso de inadimplemento, por ser dívida de valor (CP, art. 51). Logo, sem em­
bargo de o STJ ter firmado entendimento no sentido de que o não pagamento da
pena de multa, de natureza penal, inviabiliza a extinção da punibilidade em caso
de cumprimento apenas da pena privativa de liberdade, os respectivos reflexos são
extrapenais ou apenas acidentais e não atuais, o que, portanto, continua a inviabilizar
a utilização do habeas corpus, que pressupõe coação ou iminência direta de coação
à liberdade de ir e vir.18

9. MULTA COERCITIVA PREVISTA NA LEI N. 11.343/06 PARA


ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DAS PENAS PREVISTAS PARA O
CRIME DE PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL

A infração penal de porte de droga para consumo pessoal está prevista no art.
28, caput, da Lei n. 11.343/06, nos seguintes termos: “Quem adquirir, guardar, tiver
em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, será subme­

17 Na mesma linha: MENDONÇA, Andrey Borges; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de drogas: Lei n.
11.343, de 23 de agosto de 2006 - comentada artigo por artigo. 3a ed. São Paulo: Editora Método, 2012. p.
86. Estranhamente, no entanto, há precedente isolado do STF admitindo a impetração de habeas corpus
em relação ao crime de porte ou cultivo de drogas para consumo pessoal, apesar de o cabimento do
writ não ter sido diretamente apreciado pela Corte. Nesse sentido, determinando o trancamento de
processo em relação ao art. 28 da Lei n. 11.343/06 com fundamento no princípio da insignificância: STF,
Ia Turma, HC 110.475/SC, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 14/02/2012, DJe 054 14/03/2012. Em sentido diverso,
concluindo pela impropriedade da impetração de habeas corpus em relação ao crime do art. 28 da Lei
de Drogas, haja vista não haver cominação de pena privativa de liberdade: STF, 1a Turma, HC 127.834/
MG, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 05/12/2017.
18 Com esse entendimento: STJ, 5a Turma, AgRg no HC 595.701/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
20.10.2020, DJe 26.10.2020.
490 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

tido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação


de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa
ou curso educativo”.
Consoante disposto no art. 28, § 6o, da Lei de Drogas, para garantia do cum­
primento dessas “penas”, poderá o juiz submeter o autor do delito, sucessivamente,
a admoestação verbal e multa. Apesar de o dispositivo legal fazer referência à
admoestação verbal e à multa como medidas de garantia para o descumprimento
das penas previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 28, não faz sentido a
previsão desses instrumentos coercitivos para o cumprimento da advertência sobre
os efeitos das drogas. Ora, se se trata de espécie de pena aplicada de maneira ime­
diata e instantânea pelo magistrado numa audiência admonitória, é evidente que
tal pena não precisa ser cumprida pelo acusado. Afinal, tal pena se esvai no exato
momento da advertência feita pelo magistrado sem exigir qualquer contraprestação
por parte do acusado. Logo, a admoestação verbal e a multa devem ser pensadas
como instrumentos coercitivos apenas para as penas que efetivamente demandam
um comportamento por parte do acusado, quais sejam, a prestação de serviços à
comunidade e o comparecimento a programas educativos.
Apesar de o art. 29 referir-se à multa coercitiva como espécie de medida educativa,
mesma expressão equivocadamente utilizada no § 6o do art. 28 quando a Lei de Drogas
faz menção às penas dos incisos I, II e III do caput do art. 28, esta multa não tem natureza
de pena, ou seja, não pode ser compreendida como espécie de sanção direta imposta ao
autor do crime de porte de drogas para consumo pessoal. Na verdade, a multa prevista
nos arts. 28, § 6o, II, e 29, ambos da Lei de Drogas, é instrumento coercitivo posto à
disposição do juiz com o objetivo de assegurar o cumprimento das penas de prestação
de serviços à comunidade e de comparecimento a programas educativos.
Como esta multa coercitiva não é utilizada para reprovar e prevenir a violação
ao bem jurídico saúde pública inerente à prática do crime de porte de drogas para
consumo pessoal, funcionando, sim, como mecanismo coercitivo para assegurar o
cumprimento das penas previstas no caput do art. 28, jamais se poderá atribuir a ela
a natureza de pena. Nesse contexto, Mendonça e Carvalho observam que “referida
multa possui natureza extrapenal, pois sua finalidade é coagir o agente a cumprir
a pena imposta e não retribuir o fato ilícito praticado. Não é, portanto, pena. Real­
mente, somente pode ser caracterizada como pena uma medida imposta como re­
tribuição ao fato delituoso praticado pelo agente, não podendo se equiparar a tanto
uma medida que se volta à recalcitrância do agente em cumprir a pena imposta e
não ao delito propriamente dito”.19

19 MENDONÇA, Andrey Borges; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de drogas: Lei n° 11.343, de 23 de agosto
de 2006 - comentada artigo por artigo. 3a ed. São Paulo: Editora Método, 2012. p. 79. Segundo os autores,
se o descumprimento das penas restritivas não caracteriza o crime de desobediência, a multa coercitiva,
que visa dissuadir o agente da ideia de não cumprir a pena, não tem caráter penal. Outro argumento
apontado pelos autores no sentido de que esta multa não tem natureza penal diz respeito ao momento
de sua aplicação. Como esta multa sequer consta da sentença condenatória, já que sua aplicação ocorre
por meio de decisão proferida em incidente da execução, seria inconcebível emprestar a ela a natureza
de pena, a não ser que se admita que uma pena possa ser imposta durante o curso da execução penal,
o que, à evidência, viria de encontro ao princípio segundo o qual não há pena sem o devido processo
legal.
Cap. X • EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA 491

O art. 29 da Lei de Drogas estabelece um procedimento bifásico para fixação


da multa coercitiva prevista no art. 28, § 6o, inciso II, a saber:
1) Número de dias-multa: atento à reprovabilidade da conduta, o juiz deve
fixar o número de dias-multa em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta)
nem superior a 100 (cem). À primeira vista, como o art. 29 faz referência à
reprovabilidade da conduta, fica a impressão de que o número de dias-multa
seria fixado pelo juiz levando-se em consideração o crime de porte de drogas
para consumo pessoal praticado pelo agente. No entanto, não se pode perder de
vista que a multa prevista no art. 28, § 6o, II, não tem natureza jurídica de pena,
funcionando como instrumento de coerção a ser utilizado pelo juiz de modo
a assegurar o cumprimento das penas do caput do art. 28. Logo, a conduta a
que se refere o art. 29 não guarda relação com o crime de porte de drogas para
consumo pessoal, mas sim com a recalcitrância do acusado no cumprimento das
penas de prestação de serviços à comunidade e de comparecimento a programas
educativos. Em outras palavras, nesse momento, pouco interessa o desvalor da
conduta de porte de drogas para consumo pessoal, que já fora sopesado pelo
juiz ao fixar as penas previstas no caput do art. 28. Para a fixação do número
de dias-multa, a reprovabilidade da conduta a que se refere o art. 29 diz respeito
ao grau de menosprezo e de rebeldia revelado pelo agente por ocasião do des-
cumprimento das penas anteriormente impostas;
2) Valor do dia-multa: segundo a capacidade econômica do agente, o
valor do dia-multa deve ser fixado pelo juiz entre um trinta avos até 3 (três)
vezes o valor do maior salário mínimo. Como esta multa coercitiva não tem
natureza jurídica de pena, o valor do salário mínimo é aquele vigente à época
da decisão, e não do tempo do fato delituoso, como se dá em relação à mul­
ta penal. Os valores obtidos com as multas serão créditos à conta do Fundo
Nacional Antidrogas, tal qual disposto no art. 29, parágrafo único, da Lei n°
11.343/06. Nesse ponto, a sistemática adotada pela Lei de Drogas diferencia-se
daquela constante do Código Penal (art. 49), na qual as multas compõem o
acervo do Fundo Penitenciário.
Na eventualidade de não haver o pagamento desta multa coercitiva, jamais será
possível sua conversão em pena privativa de liberdade. Como se trata de uma san­
ção de natureza extraprocessual, fosse possível a prisão do condenado inadimplente,
ter-se-ia evidente prisão civil por dívida, o que atenta contra a própria Constituição
Federal, que só autoriza esta espécie de prisão nos casos do devedor de alimentos e
do depositário infiel (CF, art. 5o, LXVII).20 De mais a mais, se nem mesmo a pena
de multa não paga pode ser convertida em prisão (CP, art. 51, com redação dada
pela Lei n° 9.268/96), o que dizer, então, quanto à multa extrapenal prevista no art.
28, § 6o, II, da Lei de Drogas? Destarte, verificando-se o inadimplemento da multa
coercitiva prevista na Lei n° 11.343/06, como esta multa é aplicada no âmbito dos

20 De se lembrar que, em virtude de a Convenção Americana sobre Direitos Humanos admitir exclusivamente
a prisão civil do devedor de alimentos (Dec. 678/92, art. 7o, § 7o), o próprio Supremo Tribunal Federal
passou a considerar incabível a prisão do depositário infiel. A propósito, eis o teor da súmula vinculante
n° 25: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito".
492 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

Juizados Especiais Criminais, sua execução deve se dar à luz dos arts. 84 e 85 da Lei
n° 9.099/95. Portanto, a pena de multa deve ser cumprida mediante pagamento na
Secretaria do próprio Juizado Especial Criminal. Caso não seja efetuado o pagamento
voluntário da multa, esta deverá ser objeto de execução, nos exatos termos do art.
51 do CP, com redação determinada pela Lei n. 13.964/19.21
Por fim, se considerarmos que a multa coercitiva prevista no art. 28, § 6o, II,
da Lei de Drogas, não tem natureza penal, é certo dizer que, na hipótese de morte
do agente, é perfeitamente possível que o montante devido seja cobrado dos su­
cessores do de cujus. À evidência, o herdeiro não poderá responder por encargos
superiores às forças da herança, tal qual disposto no art. 1.792 do Código Civil.
Nesse caso, não se pode objetar que a transmissão da cobrança da multa coercitiva
aos herdeiros implique em violação ao princípio da intranscedência da pena, já que
a medida pecuniária sob comento tem natureza extrapenal.

10. PENA DE MULTA NOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS


ADMINISTRATIVOS

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 14.133/21) acres­


centou ao Título XI da Parte Especial do Código Penal o Capítulo II-B (“Dos crimes
em licitações e contratos administrativos”), nele incluindo pelo menos 11 (onze) tipos
penais (CP, arts. 337-E a 337-0), aos quais são cominadas, cumulativamente, pena
privativa de liberdade, e multa, para além de contemplar uma nova regulamentação
em relação à pena pecuniária no âmbito dos crimes dessa natureza: “Art. 337-P. A
pena de multa cominada aos crimes previstos neste Capítulo seguirá a metodologia
de cálculo prevista neste Código e não poderá ser inferior a 2% (dois por cento) do
valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta”.
De se notar que a pena de multa nos crimes dessa natureza continua sen­
do calculada de acordo com o sistema bifásico do Código Penal: inicialmente, o
número de dias-multa deve ser fixado entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta),
observando-se as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal; na sequência,
atento à situação econômica do acusado, o juiz deverá fixar o valor do dia multa
em montante não inferior a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, nem superior
a 5 (cinco) vezes esse salário, podendo aumentar o valor da multa até o triplo, se
considerar que, em virtude da situação econômica do acusado, seria ineficaz, embora
aplicado no máximo.
Na sequência, o magistrado deverá observar a regra especial ora inserida no
art. 337-P do Código Penal: a pena de multa não poderá ser inferior a 2% (dois
por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta. Por
consequência, se, ao final da dosimetria, o magistrado se deparar com um valor in­
ferior ao piso legal, deve fixar a pena de multa em 2% do valor do contrato licitado

21 Para o STJ, se o acusado não paga a multa aplicada em virtude de transação penal, esta deve ser cobrada
em execução penal, nos moldes do art. 51 do CP, não sendo admissível o oferecimento de denúncia: STJ,
5a Turma, REsp 612.411/PR, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 30/08/2004 p. 328.
Cap. X • EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA 493

ou celebrado com contratação direta. Na visão da doutrina, diante da literalidade


do novel dispositivo legal, “essa trava de baixa somente é cabível nas hipóteses de
contratos diretamente celebrados, ou seja, sem prévia licitação. Nos contratos an­
tecedidos de processo licitatório, não há falar no piso mínimo de 2% do valor do
contrato”.22
Outrossim, na vigência do revogado art. 99, §2°, da Lei n. 8.666/93, o produto
da arrecadação da multa era revertido, conforme o caso, em benefício da Fazen­
da Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Em sentido diverso, o art. 337-P do
Código Penal, inserido pela Lei n. 14.133/21 nada dispôs acerca do assunto, razão
pela qual o ideal é concluir que deve ser aplicada a sistemática do próprio Código
Penal, mais precisamente do art. 49, caput, que, como visto anteriormente, prevê
que o valor da pena de multa deve ser revertido ao Fundo Penitenciário, Nacional
ou Estadual, a depender do caso concreto.

11. PENA DE MULTA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E


FAMILIAR CONTRA A MULHER

Antes do advento da Lei Maria da Penha, quando ainda era possível a aplicação
da Lei dos Juizados às hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher,
esta espécie de violência era mensurada de acordo com o valor da pena de multa
ou consoante a quantidade de cestas básicas a que o acusado havia sido condenado.
Essa transformação da violência doméstica e familiar contra a mulher em pecúnia
era muito questionada, porquanto permitia que eventual agressão física, psicológica,
patrimonial, sexual ou moral contra o sexo feminino fosse absurdamente sancionada
com o simples pagamento de determinada quantia em dinheiro.
Com o objetivo de pôr fim ao princípio absurdo de que, “para bater na esposa
ou na companheira, bastava pagar”, o art. 17 da Lei Maria da Penha passou a dispor
que, nos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, é
vedada a aplicação de penas de cesta básica ou outra que implique somente o pa­
gamento de pecúnia, a exemplo do que ocorre com a pena restritiva de direito de
prestação pecuniária (CP, art. 45, §§ Io e 2o), bem como a substituição de pena que
implique o pagamento isolado de multa.
Especificamente em relação à pena de multa, é importante notar que o dis­
positivo veda apenas a substituição de pena que implique o pagamento isolado de
multa. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese do art. 44, § 2o, primeira parte,
que prevê que “na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a substituição pode
ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos”. Essa possibilidade de
aplicação isolada de multa também tem previsão legal no art. 60, § 2o, do CP:
“A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode ser
substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44
deste Código”.

22 MASSON, Cleber. Crimes em licitações e contratos administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 6.
494 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Interpretando-se a contrario sensu o dispositivo sob comento, conclui-se que


é perfeitamente possível a aplicação de pena privativa de liberdade ou restritiva de
direitos diversa da prestação pecuniária (v.g., prestação de serviços à comunidade),
cumuladas (ou não) com eventual pena de multa, já que o art. 17 veda apenas a
substituição de pena que implique o pagamento isolado da multa, e não sua aplicação
cumulativa com outras espécies de pena.
Ao vedar a possibilidade de aplicação isolada da pena de multa, a Lei Maria
da Penha deixa evidente que seu objetivo é demover o agressor da ideia de persistir
na prática da violência doméstica e familiar contra a mulher. Afinal, por mais que
não haja qualquer óbice à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direitos, o agressor saberá de antemão que o eventual descumprimento dessas
“penas alternativas” poderá resultar na conversão em prisão (CP, art. 44, § 4o), ao
contrário do que ocorre com a pena de multa, cujo não pagamento não autoriza
a conversão em pena privativa de liberdade (CP, art. 51). Enfim, por mais que a
Lei Maria da Penha não imponha o cumprimento obrigatório da pena privativa de
liberdade imposta na sentença condenatória, a simples possibilidade de conversão
em prisão de eventual pena restritiva de direitos aplicada ao agressor serve como
importante fator de dissuasão, evitando-se, assim, a reiteração delituosa.
XI
EXECUÇÃO DAS MEDIDAS
DE SEGURANÇA

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A medida de segurança pode ser conceituada como uma espécie de sanção


penal de caráter terapêutico, com finalidade exclusivamente preventiva, aplicável aos
inimputáveis e semi-imputáveis dotados de periculosidade, que tem como objetivo
precípuo evitar a prática de novas infrações penais.
De se lembrar que, à luz do Código Penal, inimputável é o agente que, por
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tem­
po da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, caput). Semi-
-imputável, por sua vez, é aquele que, em virtude de perturbação de saúde mental
ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente
capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento (CP, art. 26, parágrafo único).
Sem embargo de se tratar de instituto assistencial e curativo, cuida-se de espé­
cie de sanção penal, daí por que se sujeita aos princípios vetores do Direito Penal,
como, por exemplo, o da vedação das penas perpétuas, reserva legal, anterioridade
etc. Trata-se, ademais, de espécie de sanção penal que só pode ser aplicada pelo
Poder Judiciário. Afinal, é a própria Constituição Federal que prevê que ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5o, LIV).
Daí por que deve ser dispensada especial atenção ao teor do art. 3o do Có­
digo Penal Militar: “Art. 3o As medidas de segurança regem-se pela lei vigente ao
tempo da sentença, prevalecendo, entretanto, se diversa, a lei vigente ao tempo
da execução”. Como se pode notar, pela literalidade do art. 3o do CPM, não seria
aplicável às medidas de segurança no âmbito castrense o princípio da anterioridade.
Ora, por se tratar, a medida de segurança, de espécie de sanção penal, é de rigor
a conclusão no sentido de que a sua imposição somente se revela possível quando
496 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

sua previsão legal for anterior à prática da infração penal (CF, art. 5o, XXXIX),
incidindo, ademais, o princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais
gravosa (CF, art. 5o, XL).

2. DISTINÇÃO ENTRE PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA

As penas diferenciam-se das medidas de segurança por pelo menos quatro


motivos, quais sejam:
a) Quanto ao destinatário: enquanto a pena é destinada aos imputáveis e semi-
-imputáveis desprovidos de periculosidade, as medidas de segurança são aplicáveis
aos inimputáveis e aos semi-imputáveis dotados de periculosidade, que necessitam,
pois, de tratamento curativo;
b) Quanto ao fundamento: enquanto a pena têm como pressuposto a culpabi­
lidade, funcionando, pois, como um juízo de reprovação sobre a conduta do agente
que podia agir conforme o direito, mas não o fez, a medida de segurança leva em
consideração a periculosidade do agente, leia-se, a probabilidade concreta de voltar
a praticar fato previsto como infração penal;
c) Quanto à duração: a pena é aplicada por período determinado, o qual guarda
certa relação de proporcionalidade com a gravidade do delito praticado pelo agente.
Em sentido diverso, a medida de segurança tem duração indeterminada, o que, à
evidência, não significa dizer que terá duração perpétua. Na verdade, são aplicadas
por período determinado em relação ao limite mínimo, porém indeterminado no
tocante à duração máxima, que, em tese, fica condicionada à cessação da pericu­
losidade do agente;1
d) Quanto à finalidade: pelo menos em tese, a pena é dotada de finalidade re-
tributiva e preventiva (CP, art. 59, caput). Em sentido diverso, a medida de segurança
é dotada de caráter preventivo, pois visa evitar a prática de novas infrações penais.

3. PRESSUPOSTOS

O fato de o agente ser inimputável ou semi-imputável, por si só, não é sufi­


ciente para a aplicação de medida de segurança. De fato, por mais que o laudo de
insanidade mental tenha concluído que o acusado é inimputável, ou semi-imputável e
dotado de periculosidade, para que seja possível a aplicação de medida de segurança,
incumbe ao magistrado verificar, antes, se houve a devida comprovação nos autos do
processo da autoria e materialidade de uma conduta típica e ilícita (injusto), e que
não esteja presente outra causa excludente da culpabilidade diversa da inimputabi­
lidade, e conquanto a punibilidade não esteja extinta. A título de exemplo, caracte­
rizada a insignificância da conduta delituosa, dar-se-á a absolvição do acusado, seja

1 As controvérsias atinentes aos prazos mínimo e máximo de duração da medida de segurança serão objeto
de análise na sequência.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 497

sumariamente (CPP, art. 397, III), seja ao final do processo (CPP, art. 386, III). Na
mesma linha, reconhecido que agente inimputável praticou determinado fato típico
sob o amparo de causa excludente da ilicitude (v.g., legítima defesa), deve o juiz
absolvê-lo, quer sumariamente (CPP, art. 397, I), quer por ocasião da prolação da
sentença absolutória (CPP, art. 386, VI, Ia parte). Em ambos os exemplos, como se
trata de sentença absolutória própria, ao acusado não será imposto o cumprimento
de medida de segurança.
Portanto, para que seja cabível a aplicação de medida de segurança, é indis­
pensável que a absolvição do agente decorra exclusivamente da inimputabilidade,
e não de uma causa justificante ou exculpante de outra natureza. Na verdade,
somente será possível a aplicação de medida de segurança ao inimputável ou
ao semi-imputável quando, na mesma hipótese, houvesse fundamento para a
condenação de agente imputável. Nesse contexto, como destaca Bitencourt, a
aplicação de medida de segurança depende do preenchimento dos seguintes
pressupostos:2
a. Prática de fato típico, antijurídico e punível: é indispensável que o agente
inimputável tenha praticado fato típico e ilícito (injusto penal), e que não estejam
presentes causas excludentes da culpabilidade diversas da inimputabilidade, tais como
o erro de proibição inevitável, a coação moral irresistível, a obediência hierárquica.
A propósito, como dispõe o art. 96, parágrafo único, do Código Penal, extinta a
punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido im­
posta. Logo, presente uma causa extintiva da punibilidade qualquer (v.g., prescrição),
não poderá ser aplicada uma medida de segurança, ainda que disfarçadamente sob
o rótulo de interdição civil;3
b. Periculosidade do agente: deve ser compreendida como um estado subjetivo
mais ou menos duradouro de antissociabilidade, ou seja, um juízo de probabilida­
de de que o agente voltará a delinquir. Reclama-se, assim, um juízo de prognose,
calcado em conjecturas razoáveis de que o indivíduo tornará a cometer infrações
penais. Subdivide-se em duas espécies:
b.l. Periculosidade presumida: se o agente é inimputável (CP, art. 26, caput),
a lei o considera automaticamente perigoso. Daí por que se diz que sua periculosi­
dade seria presumida ou ficta. Por consequência, o juiz deverá absolvê-lo ao final
do processo, impondo, todavia, medida de segurança. Cuida-se de uma absolvição
que resulta na imposição de uma sanção, sendo, por tal motivo, denominada de
absolvição imprópria;
b.2. Periculosidade real (ou judicial): é aquela que deve ser comprovada no
caso concreto, pois não é presumida pela lei. Aplica-se aos semi-imputáveis do art.

2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
783.
3 Nesse sentido, em caso concreto em que se optou pela restrição de uma garantia fundamental - a liberda­
de - pela via da interdição civil de quem teve a punibilidade extinta e possuía laudo psiquiátrico favorável
à desinternação: STF, 2a Turma, HC 151.523-SP, Rei. Min. Edson Fachin, j. 27.11.2018.
498 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

26, parágrafo único, do Código Penal. Destarte, quando tal indivíduo cometer uma
infração penal, deverá ser tratado como culpável, a não ser que o exame de sani­
dade mental que constatar a diminuição da sua responsabilidade também concluir
pela sua periculosidade, recomendando, assim, a substituição da pena por especial
tratamento curativo, leia-se, por medida de segurança;
c. Ausência de imputabilidade plena: o agente imputável não pode sofrer
medida de segurança, somente pena. O agente semi-imputável só estará sujeito
à medida de segurança excepcionalmente, e desde que comprovado que necessita
de especial tratamento curativo, caso contrário, também ficará sujeito somente
à pena.

4. APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Antes da reforma da Parte Geral pela Lei n. 7.209/84, o Código Penal dispunha
que a medida de segurança poderia ser imposta na sentença de condenação ou
de absolvição (art. 79, caput). Por sua vez, consoante disposto na redação original
do art. 79, parágrafo único, inciso II, do CP, depois da sentença, a medida de
segurança poderia ser imposta enquanto não decorrido tempo equivalente ao da
duração mínima da medida de segurança, a indivíduo que, embora absolvido, a
lei presumisse perigoso. É dentro desse contexto que surge a Súmula n. 422 do
STF: “A Absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber,
ainda que importe privação da liberdade. À época em que o referido enunciado
foi aprovado - Io de junho de 1964 -, desde que reconhecida a periculosidade
do agente, eventual absolvição não era óbice à aplicação de medida de segurança,
ainda que houvesse a privação da sua liberdade de locomoção. No entanto, com
a reforma da Parte Geral em 1984, o imputável que praticar uma conduta punível
passou a se sujeitar tão somente à pena correspondente; o inimputável, à medida
de segurança, e o semi-imputável, também chamado de “fronteiriço”, à pena ou
medida de segurança, é dizer, ou uma ou outra, jamais as duas, como ocorria no
sistema do duplo binário (duplo trilho ou dupla via). O Código Penal passou
a adotar, assim, o chamado sistema vicariante (ou unitário), por meio do qual
o juiz aplica pena ou medida de segurança (alternatividade). São duas, então, as
possibilidades:
1. Inimputável: comprovada a autoria e materialidade de injusto penal atri­
buído a um agente inimputável (CP, art. 26, caput), cuja punibilidade não esteja
extinta por uma causa qualquer, a ele não se impõe a aplicação de pena, haja vista
a ausência de seu pressuposto básico, a culpabilidade. Deverá ser determinado,
portanto, o cumprimento de medida de segurança, nos termos do art. 386, pará­
grafo único, inciso III, do CPP, naquilo que se convencionou chamar de sentença
absolutória imprópria;
2. Semi-imputável: raciocínio diverso deverá ser aplicado em relação ao
semi-imputável (CP, art. 26, parágrafo único). Nesse caso, a sentença será con­
denatória. Embora diminuída, a culpabilidade autoriza a aplicação de uma pena,
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 499

obrigatoriamente reduzida de um a dois terços. Todavia, se o juiz constatar a


periculosidade do agente, revelando a necessidade de sujeitá-lo a um tratamento
especial curativo, a pena poderá ser substituída por medida de segurança. É nesse
sentido, aliás, o teor do art. 98 do Código Penal: “Na hipótese do parágrafo único
do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo,
a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento
ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo
anterior e respectivos §§1° a 4o”. Como se pode notar, o sistema vicariante afastou
a imposição cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança, uma vez
que a aplicação conjunta ofendería o princípio do ne bis in idem, já que o mesmo
indivíduo suportaria duas consequências em razão do mesmo fato. Esse raciocínio,
todavia, não afasta a possibilidade de imposição simultânea de pena privativa de
liberdade e de medida de segurança ao semi-imputável, desde que isso ocorra em
processos diversos. Nessa linha, como já se pronunciou o STJ, se, durante o cum­
primento da pena privativa de liberdade, vier a ser imposta ao acusado, em outro
processo penal, medida de segurança referente a fato diverso, não há por que se
determinar a conversão daquela pena que estava sendo executada em internação
ou tratamento ambulatorial.4
Em conclusão, convém destacar que o reconhecimento da inimputabilidade
(CP, art. 26, caput) ou da semi-imputabilidade do acusado (CP, art. 26, pará­
grafo único) depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental
e do respectivo exame médico-legal nele previsto. É bem verdade que vigora,
em sede processual penal, o princípio da persuasão racional, por meio do qual
o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova (CPP, art. 155). Logo,
pelo menos em regra, não há falar em prova legal ou tarifada no processo penal
brasileiro. Todavia, quanto à inimputabilidade e semi-imputabilidade, não há
como se ignorar a importância do exame pericial, considerando que o Código
Penal adotou expressamente o critério biopsicológico. Ora, o magistrado não
detém conhecimentos técnicos indispensáveis para aferir a saúde mental do
acusado, tampouco a sua capacidade de se autodeterminar. Logo, por mais que
o juiz não fique adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou
em parte (CPP, art. 182), deve determinar sua realização para que tenha mais
subsídios para proferir sua decisão.5

4.1. Absolvição sumária imprópria


A absolvição sumária imprópria consiste no julgamento antecipado da demanda
para fins de absolvição do acusado inimputável do art. 26, caput, do CP, que, porém,
deverá sofrer a imposição de medida de segurança (internação ou tratamento am-

4 STJ, 6a Turma, HC 275.635/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 08.03.2016, DJe 15.03.2016.
5 STJ, 6a Turma, REsp 1.802.845/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 23.06.2020, DJe 30.06.2020.
500 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

bulatorial). Quanto à possibilidade de prolação dessa decisão, há de se ficar atento


ao procedimento em questão, senão vejamos:
i. Procedimento comum: nesse caso, o art. 397, inciso II, do CPP, deixa
evidente que o inimputável do art. 26, caput, do CP, não pode ser absolvido suma­
riamente, ainda que seja esta sua única tese defensiva, porquanto a imposição de
medida de segurança pressupõe a existência de um devido processo legal no qual
tenha sido reconhecida a autoria e materialidade de um injusto penal (conduta
típica e ilícita) punível. Apesar de não ser uma espécie de pena propriamente
dita, a medida de segurança possui nítido caráter de sanção penal. Logo, deve
se permitir ao acusado que se defenda ao longo do processo para demonstrar
sua inocência. Pelo menos em tese, existe a possibilidade de o inimputável con­
seguir demonstrar no curso da instrução processual sua inocência, permitindo
sua absolvição sem a imposição de medida de segurança (v.g., inexistência do
fato delituoso, legítima defesa etc.);
ii. Ia fase do procedimento bifásico do Júri (iudicium accusationis): nos
termos do art. 415, parágrafo único, do CPP, não é possível sua absolvição su­
mária, salvo quando esta for a única tese defensiva. Se a inimputabilidade do art.
26, caput, não for a única tese defensiva,6 não é possível a absolvição sumária
imprópria. O motivo para tal vedação é evidente: quando o agente é absolvido
com base na inimputabilidade decorrente de doença mental ou desenvolvimen­
to incompleto ou retardado (CP, art. 26, caput), a ele será imposta medida de
segurança (CPP, art. 386, parágrafo único, III, c/c art. 97, caput, do CP). Ora,
como a internação não deixa de ser uma espécie de sanção penal àquele cidadão
desprovido de capacidade de culpabilidade (imputabilidade), porquanto o acusado
fica internado ou em tratamento ambulatorial até a cessação de sua periculosidade,
sua aplicação está condicionada ao prévio reconhecimento da prática de conduta
típica e ilícita. Assim, reconhecida a existência de conduta típica e ilícita, porém
ausente a capacidade de culpabilidade, e desde que a inimputabilidade seja sua
única tese defensiva, é possível a absolvição sumária do agente. Havendo outra
tese defensiva, não deve o magistrado absolver sumariamente o acusado. Neste
caso, o acusado deve ser pronunciado e remetido a julgamento perante o Tribunal
do Júri, cabendo aos jurados decidir sobre esta(s) outra(s) tese(s) defensiva(s).
Afinal, acolhida esta outra tese defensiva pelo Conselho de Sentença (v.g., legítima
defesa), ao acusado não será imposta medida de segurança. Daí prever a lei que
a absolvição sumária imprópria só será cabível quando a inimputabilidade for a
única tese defensiva. Se, de um lado, a inimputabilidade do art. 26, caput, do CP,
autoriza a absolvição sumária imprópria, desde que seja esta a única tese defensiva,
do outro, a semi-imputabilidade é causa de pronúncia. De fato, a constatação da

6 Há precedentes do STJ no sentido de que o juiz sumariante pode efetivar a absolvição imprópria do acu­
sado inimputável, na hipótese em que, além da tese de inimputabilidade, a defesa apenas sustentar por
meio de alegações genéricas que não há nos autos comprovação da culpabilidade e do dolo do réu, sem
qualquer exposição dos fundamentos que sustentariam esta tese. A propósito, confira-se: STJ, 5a Turma,
RHC 39.920/RJ, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 6/2/2014.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 501

semi-imputabilidade a que se refere o art. 26, parágrafo único, do Código Penal


não admite absolvição sumária, nem tampouco impronúncia. Em tal hipótese,
desde que não esteja presente outra causa de absolvição sumária (v.g., legítima
defesa), e haja prova da materialidade e de indícios de autoria, o acusado deve ser
pronunciado normalmente. Afinal, a semi-imputabilidade não é causa de exclusão
da culpabilidade, funcionando apenas como causa de diminuição de pena.

4.2. (Im) possibilidade de conversão de sentença condenatória em


absolvição imprópria em recurso exclusivo da defesa
Quanto ao tema, especial atenção deve ser dispensada à Súmula n. 525 do
STF: “A medida de segurança não será aplicada em segunda instância, quando só
o réu tenha recorrido”.
Parte da doutrina sustenta que a aplicação do referido verbete sumular não faz
mais sentido, porquanto a súmula foi elaborada na época em que ainda vigorava o
sistema do duplo binário, ou seja, quando ainda se admitia a aplicação concomitan­
te de pena e de medida de segurança. Assim, se o juízo a quo tivesse aplicado tão
somente pena privativa de liberdade, não poderia o juízo ad quem, no julgamento
de recurso exclusivo da defesa, acrescentar a medida de segurança, sob pena de
reformatio in pejus. Ocorre que o sistema do duplo binário foi substituído pelo sis­
tema vicariante - aplicação de pena ou de medida de segurança - pela reforma da
parte geral do Código Penal em 1984. Logo, quando se tratar de recurso exclusivo
da defesa, ainda que não haja requerimento do defensor nesse sentido, admite-se
a conversão de eventual sentença condenatória em absolutória imprópria, com a
consequente aplicação de medida de segurança, sem que se possa objetar violação
ao princípio da non reformatio in pejus.7
Não obstante tais argumentos, o Supremo Tribunal Federal ainda insiste na
aplicação da súmula n. 525. Assim, por força do princípio da non reformatio in
pejus, é defeso ao juízo ad quem converter em diligência o julgamento de apelação
para fins de determinar a instauração de incidente de insanidade mental (CPP,
art. 149), sob pena de violação à Súmula n. 525 do STF. Na visão do Supremo,
em recurso exclusivo da defesa, que não requerera a realização do mencionado
exame, não é lícito sua fixação ex officio pelo juízo ad quem, porque formada

7 Nesse sentido, como já se pronunciou o STJ,"(...) o art. 149 do Código de Processo Penal não estabelece o
momento processual para a realização do exame médico legal, devendo ele ser realizado com o surgimento
de dúvida razoável sobre a integridade mental do acusado. Não constitui reformatio in pejus o fato de o
Tribunal substituir a pena privativa de liberdade por medida de segurança, com base em laudo psiquiátrico
que considerou o acusado inimputável, vez que a medida de segurança é mais benéfica do que a pena, vez
que objetiva a proteção da saúde do acusado. Não se aplica a Súmula 525/STF ao caso, vez que a referida
súmula foi editada quando vigia o sistema duplo binário, isto é, quando havia possibilidade de aplicação
simultânea de pena privativa de liberdade e de medida de segurança. A reforma penal de 1984 autoriza a
substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança ao condenado semi-imputável que
necessitar de especial tratamento curativo, aplicando-se o mesmo regramento da medida de segurança
para inimputáveis (art. 97 e 98)". (STJ, 5a Turma, HC 187.051/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 06/10/2011, DJe
14/10/2011).
502 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

a res iudicata material quanto à aplicação da pena.8 Ademais, fosse permitida


a substituição da pena, reabrir-se-iam as execuções criminais sob o pretexto de
existirem causas anteriores à sentença a enquadrar muitos condenados na condição
de inimputáveis. Nesse caso, como a reprimenda já estaria parcialmente cumprida,
não seria possível assegurar que a aplicação da medida de segurança configuraria
reformatio in mellius.

5. ESPÉCIES DE MEDIDAS DE SEGURANÇA

Nos exatos termos do art. 96 do Código Penal, são duas as espécies de medidas
de segurança:
I - Detentiva: é a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico,
ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Como se pode notar, há privação
da liberdade de locomoção do indivíduo. É firme a jurisprudência dos Tribunais
Superiores no sentido de que inimputável (ou semi-imputável) submetido a medida
de segurança de internação não pode cumpri-la em estabelecimento prisional;9
II - Restritiva: consiste em sujeitar o agente a tratamento ambulatorial. Ou
seja, o indivíduo continua em liberdade, mas se vê obrigado a se sujeitar ao tra­
tamento médico adequado, comparecendo, regularmente, por exemplo, a consultas
com psiquiatra, e fazendo uso de medicação adequada.
Pela letra expressa do Código Penal, a aplicação de uma ou outra espécie de
medida de segurança estaria diretamente relacionada à natureza da pena cominada ao
delito. A propósito, eis o teor do art. 97, caput, do CP: “Se o agente for inimputável,
o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime
for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”.
Como se pode notar, a gravidade do fato praticado teria o condão de determinar a
medida de segurança adequada: se o fato delituoso é punível com pena de reclusão,
o juiz estaria obrigado a determinar sua internação. Caso, todavia, o delito fosse
punível com pena de detenção, poderia escolher entre a internação e o tratamento
ambulatorial.
Essa obrigatoriedade de sujeitar o inimputável autor de crime punido com
reclusão à medida de segurança detentiva sempre foi alvo de críticas por parte da
doutrina, sobretudo nas hipóteses em que o laudo de insanidade mental recomendasse
a sujeição a tratamento ambulatorial. A uma por desconsiderar o próprio caráter
terapêutico da medida de segurança. Ora, se os próprios experts apontaram que o
tratamento adequado para o agente consistiría, por exemplo, no uso de determinado
medicamento, o que poderia ser feito em meio aberto, e conquanto houvesse seu
comparecimento mensal ao estabelecimento de saúde para acompanhamento de sua
evolução clínica, qual a justificativa para determinar sua internação? A duas porque
a obrigatória internação do inimputável resultaria em odiosa violação ao princípio da
isonomia, quando comparada sua situação com a de um agente imputável. Explica-

8 STF, 2a Turma, HC 111.769/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 26/06/2012.


9 STJ, 6a Turma, HC 575.762-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.05.2020.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 503

-se: enquanto este dificilmente seria recolhido à prisão pela prática, por exemplo, de
um crime de estelionato, o qual é punido com pena de reclusão, de 1 a 5 anos, e
multa, eis que, a depender do caso concreto, poderia ser beneficiado com diversos
institutos que evitariam a privação da sua liberdade de locomoção (v.g., suspen­
são condicional do processo, acordo de não persecução penal, penas restritivas de
direito, sursis etc.), o inimputável seria inevitavelmente submetido à internação,
porquanto punido com reclusão o crime por ele praticado. Some-se a isso o fato
de que a Lei n. 10.216/01, conhecida como Lei Antimanicomial, que dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental, estabelece expressamente a subsidiariedade
da internação, indicada apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem
insuficientes (art. 4o).10
Esse entendimento vem sendo acolhido pelos Tribunais Superiores. Nessa
linha, como já se pronunciou o STF, “(...) em casos excepcionais, admite-se a
substituição da internação por medida de tratamento ambulatorial quando a
pena estabelecida para o tipo é a reclusão, notadamente quando manifesta a
desnecessidade da internação”.11 Com entendimento semelhante, por ocasião do
julgamento dos Embargos de Divergência n. 998.128-MG,12 a 3a Seção do STJ
firmou o entendimento de que, à luz dos princípios da adequação, da razoabi-
lidade e da proporcionalidade, em se tratando de delito punível com reclusão, é
facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável,
nos termos do art. 97 do CP, não devendo ser considerada a natureza da pena
privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente. Aliás, não
por outro motivo, em caso concreto em que a internação foi aplicada a agente
primário, sem qualquer envolvimento anterior com práticas delitivas, tão somen­
te em virtude da gravidade do delito praticado e do fato de a pena corporal a
ele imposta ser de reclusão, sem que nada de concreto tivesse sido explicitado
acerca de sua periculosidade social, a 5a Turma do STJ concluiu ser suficiente
o tratamento ambulatorial.13

5.1. Conversão do tratamento ambulatorial em internação


Consoante disposto no art. 184 da LEP, o tratamento ambulatorial poderá
ser convertido em internação se o agente revelar incompatibilidade com a medida.
Conquanto o legislador não seja muito claro acerca do que se deve compreender por
incompatibilidade com a medida, costuma-se citar, como exemplos de conversão, a
hipótese em que houver o agravamento da doença mental, a recusa ao tratamento
prescrito e a constatação de que se acentuou o grau da sua periculosidade. Nos

10 Em sentido semelhante, a Resolução n. 113 do Conselho Nacional de Justiça preconiza em seu art. 17 que
"o juiz competente para a execução da medida de segurança, sempre que possível, buscará implementar
políticas antimanicomiais, conforme sistemática da lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001".
11 STF, 2a Turma, HC 85.401/RS, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 04.12.2009.
12 STJ, 3a Seção, EREsp 998.128/MG, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 27.11.2019, DJe 18.12.2019.
13 STJ, 5a Turma, HC 617.639/SP, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 09.02.2021, DJe 12.02.2021.
504 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Tribunais, por outro lado, também se encontra referência à hipótese em que o


agente, injustificadamente, deixa de comparecer ao estabelecimento designado para o
tratamento ambulatorial.14 Cuida-se, à evidência, de medida de ultima ratio, mesmo
porque a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (Lei n. 10.216/01, art. 4o, capuf).
Por se tratar de verdadeiro incidente da execução, que deverá observar, portanto,
o procedimento judicial previsto nos arts. 194 e seguintes da LEP, a medida poderá
ser determinada ex officio pelo juiz, ou mediante requerimento do Ministério Públi­
co, do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente,
mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administra­
tiva. Diante do princípio da vedação da decisão surpresa (CPC, art. 10), é de rigor
a observância do contraditório e da ampla defesa, daí por que tanto o Ministério
Público quanto o executado, devidamente representado por seu Defensor, deverão
ser previamente ouvidos pelo Juízo da Execução.
De acordo com o art. 184, parágrafo único, da LEP, uma vez realizada a con­
versão do tratamento ambulatorial, o prazo mínimo da internação será de 1 (um)
ano, devendo o agente ser submetido, ao final desse prazo, a exame psiquiátrico de
modo a averiguar possível cessação da periculosidade. Nada impede, porém, que,
mesmo durante esse prazo, o juiz ordene o exame de cessação da periculosidade
e volte a converter a internação em tratamento ambulatorial ou mesmo proceda à
desinternação, tal como se verifica no preceito do art. 176 da LEP.15 Se acaso cessada
sua periculosidade, deverá ser determinada a extinção da medida de segurança, ob­
servado, logicamente, o procedimento de desinternação condicional previsto no art.
97, §3°, do CP. Por outro lado, persistindo a periculosidade, a medida de segurança
deverá ser prorrogada por mais um ano, ao final do qual novo exame deverá ser
realizado (CP, art. 97, §2°).
Por fim, conquanto não haja previsão legal nesse sentido, também tem sido
admitida a possibilidade de conversão da medida de segurança de internação em
tratamento ambulatorial em duas hipóteses:16
a. Desinternação progressiva: se restar evidenciado, através de perícia psiqui­
átrica, que houve uma certa melhora do quadro clínico do executado, com relativa
atenuação da sua periculosidade, os Tribunais têm admitido a sua inclusão em re­
gime de semi-internação, permitindo-se, assim, o usufruto de saídas controladas da
instituição, ou até mesmo a conversão da internação em tratamento ambulatorial, o
que, em tese, deverá contribuir para a preparação gradativa do agente para retornar
ao convívio social, sem prejuízo, porém, de permanecer sob cuidados médicos;

14 STJ, 5a Turma, HC 236.985/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 26.06.2012, DJe 01.08.2012. No sentido de que a desídia
do agente em submeter-se ao tratamento ambulatorial, revelada pelo fato de não ter sido localizado para
realização de perícia médica, bem como histórico de sucessivos abandonos, revela a incompatibilidade da
medida, justificando, assim, a conversão em internação, nos termos do art. 184 da LEP e do art. 97, §4°,
do CP: STJ, 6a Turma, HC 404.448/SC, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 02.08.2018.
15 ROIG. Op. cit. p. 399.
16 AVENA. Op. cit. p. 397.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 505

b. Ausência de vagas para internação em hospital de custódia e tratamento


psiquiátrico: pelo menos até o surgimento de vagas no Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico, estabelecimento penal adequado para a custódia de inim-
putáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26 e seu parágrafo único do Código
Penal, tais indivíduos deverão se sujeitar a regime de tratamento ambulatorial. Nessa
linha, como já se pronunciou o STJ, “(...) constitui constrangimento ilegal a prisão
de inimputável sujeito à medida de segurança de internação, diante da ausência
de vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento,
porque a manutenção desses estabelecimentos especializados é de responsabilida­
de do Estado, não podendo o paciente ser penalizado pela insuficiência de vagas.
(...) Ordem concedida, de ofício, para, tornando definitivos os efeitos da liminar
anteriormente deferida, determinar a transferência do paciente para hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico ou, na sua falta, a tratamento ambulatorial até
o surgimento de vaga”.17

6. DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

6.1. Prazo mínimo


Por ocasião da aplicação da medida de segurança de internação ou tratamento
ambulatorial, incumbe ao juiz do processo de conhecimento estabelecer o prazo
mínimo de seu cumprimento, que deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
Três são os critérios a serem utilizados para fins de definição do prazo mínimo:
grau de comprometimento produzido pela doença mental; gravidade da infração
penal; e periculosidade evidenciada pelo agente. Essa regra é válida não apenas
para o inimputável (CP, art. 97, caput, e § Io), mas também para o semi-imputável
(CP, art. 98).
Importante ressaltar que a fixação desse prazo mínimo não obriga o respectivo
cumprimento, vez que é possível, em tese, a suspensão da execução da medida de
segurança antes mesmo do decurso desse prazo, se acaso comprovada a cessação da
periculosidade do indivíduo por meio de perícia (LEP, art. 176). Por isso, o ideal é
concluir que esse prazo mínimo funciona apenas como marco temporal limite para a
realização obrigatória do primeiro exame para verificar a cessação da periculosidade
do agente (CP, art. 97, § 2o, c/c art. 175 da LEP).

6.2. Prazo máximo


Em sentido diverso do que ocorre em relação ao prazo mínimo, o Código Penal
não estabelece o prazo máximo de duração da medida de segurança. Na verdade, o
que o Código Penal faz, expressamente, é estabelecer que a internação, ou o tratamento

17 STJ, 6a Turma, HC 284.520-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 03.04.2014, DJe 22.04.2014. Com entendi­
mento semelhante: STJ, 5a Turma, HC 243.636-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 25.09.2012, DJe 02.10.2012.
506 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

ambulatorial, será por prazo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada,
mediante perícia médica, a cessação da periculosidade do agente (arts. 97, § Io, e 98).
Sem embargo do texto legal, como se trata, a medida de segurança, de espécie
do gênero sanção penal, ao lado da pena privativa de liberdade, porquanto dotada do
caráter de retribuição ao delito cometido e o de prevenção a possível cometimento de
novos crimes, a ela também se aplica a vedação da pena de prisão perpétua constante
da Constituição Federal (art. 5o, XLVII, “b”). De mais a mais, também fere o princípio
da isonomia o fato de a lei fixar o período máximo de cumprimento de pena para o
imputável, pela prática de um crime, e determinar que o inimputável cumprirá medida
de segurança por prazo indeterminado, condicionando o seu término à cessação da
periculosidade. Em razão da incerteza da duração máxima da medida de segurança,
está-se claramente tratando de forma mais severa o infrator inimputável quando com­
parado ao imputável, para o qual a lei limita o poder de atuação do Estado.
Firmada a premissa de que a medida de segurança não pode se eternizar, haja
vista a vedação às penas de caráter perpétuo (CF, art. 5o, XLVII, “b”), discute-se, então,
qual seria o limite máximo de sua duração. Há, fundamentalmente, duas posições
acerca do assunto:
a. Limite máximo de 40 (quarenta) anos (CP, art. 75, caput, com redação
determinada pela Lei n. 13.964/19): na visão do Supremo Tribunal Federal, nos
mesmos moldes fixados pelo art. 75 do Código Penal em relação ao cumprimento
da pena privativa de liberdade, a medida de segurança não pode ultrapassar o limite
máximo de 40 (quarenta) anos;18
b. Máximo da pena abstratamente cominada ao delito (nossa posição): em
sentido diverso, parte da doutrina entende que deve ser adotado como limite o
máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado, estabelecendo-se,
assim, à luz dos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, um
certo paralelismo entre as duas espécies de sanção penal. Trata-se de entendimento
consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. A propósito, eis o teor de
sua Súmula n. 527: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultra­
passar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.”19 Nessa
linha, há vários precedentes do STJ no sentido de que a medida de segurança, para
além de limitada ao máximo pela pena abstratamente cominada à infração penal
praticada pelo agente, também não pode ultrapassar o limite estabelecido no art. 75
do CP, com redação dada pelo Pacote Anticrime (40 anos).20

18 No sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP: STF,
1a Turma, HC 107.432/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 24/05/2011, DJe 110 08/06/2011; STF, 1a Turma,
RHC 100.383, Rei. Min. Luiz Fux, j. 18.10.2011, DJ 04.11.2011.
19 Com idêntico raciocínio: STJ, 6aTurma, HC 143.315/RS, Rei. Min. Og Fernandes, j. 05/08/2010, DJe 23/08/2010;
STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 357.508/DF, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 16/12/2014, DJe 03/02/2015; STJ, 6a Turma,
HC 91.602/SP, Rei. Min. Alderita Ramos de Oliveira - Desembargadora convocada do TJ/PE -, j. 20/09/2012,
DJe 26/10/2012; STJ, 6a Turma, HC 286.733/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/11/2014, DJe
15/12/2014.
20 STJ, 5a Turma, HC 297.897-RS, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 10.12.2015, DJe 17.12.2015.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 507

Mas o que deve ser feito se, atingido esse limite máximo, for constatado que
subsiste a periculosidade do indivíduo? Nesse caso, devem ser extraídas cópias dos
autos e enviadas ao juízo cível. Neste, em procedimento próprio instaurado pelos
familiares ou pelo Ministério Público, nos termos da Lei 10.261/2001, deve ser veri­
ficada a possibilidade de internação do indivíduo, internação esta que terá natureza
civil, não mais de medida de segurança.

7. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA (OU CAUTELAR)

Em sua redação original, o art. 80 do Código Penal dispunha que, durante o pro­
cesso, o juiz podería submeter os inimputáveis e os ébrios habituais ou toxicômanos às
medidas de segurança que lhes fossem aplicáveis. Essa aplicação provisória da medida
de segurança era referendada pelo art. 378 do Código de Processo Penal. Com as mu­
danças produzidas pela reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei n° 7.209/84,
aí incluída a revogação do art. 80 do CP, doutrina e jurisprudência concluíram que o
art. 378 do CPP também fora revogado, já que ambos tratavam da mesma matéria.
De modo semelhante, em virtude da exclusão das denominadas penas acessórias,
dentre as quais se encontrava a interdição de direitos, os dispositivos do CPP que
versavam sobre a matéria (arts. 373 a 380) também foram tacitamente revogados,
porquanto lei posterior tratou da matéria de forma diferente. Ademais, essas moda­
lidades de interdições temporárias de direitos e as medidas de segurança provisórias
previstas até então no CPP não haviam sido recepcionadas pela Constituição Federal,
mormente diante do princípio da presunção de inocência.
Portanto, apesar de o art. 152, § Io, do CPP, dispor que o juiz poderá, na hipótese
de doença mental superveniente à infração penal, ordenar a internação do acusado
em manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado, estabelecendo ver­
dadeira imposição automática da internação quando verificada a presença de doença
mental, sempre se entendeu que esse dispositivo não fora recepcionado pela Consti­
tuição Federal, por estabelecer indevida antecipação do resultado final da ação penal
condenatória, em flagrante violação ao princípio da presunção de não culpabilidade.
Com efeito, à semelhança do que ocorre com a pena privativa de liberdade aplicada
aos imputáveis, também não se pode admitir a execução provisória de medida de
segurança, que também é uma espécie de sanção penal, cujo cumprimento está con­
dicionado, pois, ao trânsito em julgado de sentença absolutória imprópria.21
Apesar de não ser possível que a internação provisória fosse decretada como
efeito automático da constatação da inimputabilidade do acusado, entendia-se
possível que, presentes os pressupostos da prisão preventiva, e comprovada a pe­
riculosidade do agente, fosse decretada sua prisão preventiva, a ser cumprida em
hospital de custódia.22

21 Nesse sentido: STJ, 5a Turma, HC 226.014/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19/04/2012.
22 STJ, 6a Turma, RHC 11.329/BA, Rei. Min. Vicente Leal, DJ 10/09/2001 p. 414. Com entendimento semelhante:
CRUZ, Rogério Schietti Machado. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2006, p. 165.
508 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

Essa possibilidade de internação do acusado em Hospital de Custódia e Tra­


tamento Psiquiátrico era referendada pela interpretação sistemática do art. 108 e
do art. 2o, parágrafo único, da Lei de Execução Penal. O art. 108 estabelece que “o
condenado a quem sobrevier doença mental será internado em Hospital de Custódia
e Tratamento Psiquiátrico”. Por sua vez, o art. 2o, parágrafo único, da LEP, permite
a aplicação do dispositivo ao preso provisório, ao prever que “esta lei aplicar-se-á
igualmente ao preso provisório, e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar,
quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária”. Portanto, a
despeito de o art. 172 da LEP dizer que “ninguém será internado em Hospital
de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial,
para cumprimento de medida de segurança, sem a guia expedida pela autoridade
judiciária”, depreende-se que a exigência de guia expedida pela autoridade judicial
ocorre apenas para o cumprimento de medida de segurança, e não para a internação
provisória de acusado submetido a prisão preventiva.
Com a entrada em vigor da Lei n° 12.403/11, o art. 319, inciso VII, do CPP, passa
a prever, dentre as medidas cautelares diversas da prisão, a internação provisória do
acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando
os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal)
e houver risco de reiteração. Como se percebe, a internação provisória somente será
aplicável ao inimputável ou semi-imputável nas hipóteses de fatos típicos e ilícitos
cometidos com violência ou grave ameaça, quando houver risco de reiteração, o
que demonstra que essa medida deve ser aplicada com a finalidade de proteção da
sociedade contra a possível prática de crimes graves.
O dispositivo não estabelece distinção entre quem já era inimputável ou semi-
-imputável à época do crime (CP, art. 26, caput, e parágrafo único) e aquele cuja
doença mental sobreveio à infração. Logo, a medida pode ser aplicada em ambas as
hipóteses, jamais como medida de segurança provisória, mas sim como instrumento
de natureza cautelar destinado à tutela da garantia da ordem pública, para evitar a
prática de novas infrações penais com violência ou grave ameaça.
Como toda e qualquer medida cautelar, essa internação provisória também está
condicionada à presença do fumus comissi delicti (prova da materialidade e indícios
de autoria) e do periculum libertatis. Este pode restar caracterizado pela necessidade
da medida para a garantia da ordem pública, ou seja, pela necessidade de adoção
da medida para evitar a prática de novas infrações penais com violência ou grave
ameaça (CPP, art. 282, I, c/c art. 319, VII). Há, todavia, quem entenda que, em fiel
observância ao princípio da proporcionalidade, além de se tratar de crime cometido
com violência ou grave ameaça, a internação provisória só deve ser imposta quando
houver o prognóstico de, ao final do processo, ser aplicável a medida de segurança
detentiva, ou seja, de internação. Assim, caso a medida mais adequada a ser aplicada
ao final do processo seja a de tratamento ambulatorial, deve ser evitada a imposição
da medida cautelar de internação provisória.23

23 Com esse entendimento: MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São
Paulo: Editora Método, 2011. p. 453.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 509

De acordo com o art. 319, VII, do CPP, a aplicação dessa medida cautelar
está condicionada à conclusão dos peritos no sentido de ser o acusado inimputável
ou semi-imputável (CP, art. 26). Há necessidade, portanto, de prévio incidente de
insanidade mental, cuja realização só pode ser determinada pela autoridade judi­
ciária, jamais pela autoridade policial (CPP, art. 149). No entanto, embora a regra
seja a existência de prévio exame de insanidade mental, não se pode concluir que
referido laudo funcione como condição sine qua non para a imposição da medida.
Como há excessiva demora para a elaboração desse laudo, e tendo em conta que essa
medida também pode ser aplicada aos inimputáveis e semi-imputáveis cuja doença
mental sobreveio à infração, podem ser utilizadas outras provas do estado mental
do acusado, pelo menos enquanto tal exame não for concluído. Nessa linha, como
destaca Nucci, apesar de se exigir a conclusão pericial de inimputabilidade ou semi-
-imputabilidade para a adoção da medida, conforme o caso, deve o juiz valer-se de
seu poder geral de cautela, determinando a internação provisória, antes mesmo do
laudo ficar pronto, pois é incabível manter-se em cárcere comum o doente mental,
que exiba nítidos sinais de sua enfermidade.24
O art. 319, inciso VII, do CPP, faz menção à conclusão dos peritos no sentido
da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado. Apesar de o dispositivo
usar a palavra peritos no plural, isso não significa que o exame tenha que ser feito
por dois peritos. Na verdade, tal dispositivo deve ser lido à luz do art. 159, caput,
do CPP, que prevê que os exames de corpo de delito e outras periciais devem ser
feitos apenas por 1 (um) perito, salvo na hipótese de falta de perito oficial, em que
o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas.
A internação provisória deve ser cumprida em estabelecimento hospitalar ade­
quado, ou seja, em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos termos do art.
96, I, do Código Penal. De acordo com o art. 99 da LEP, o acusado inimputável ou
semi-imputável deve ficar no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Caso
não haja referido hospital, deve ser mantido em outro estabelecimento adequado.
Na hipótese de não haver vaga em estabelecimento público ou em estabelecimento
adequado, caso o acusado esteja enquadrado no art. 318, II, do CPP, encontrando-se
extremamente debilitado por motivo de doença grave, é possível que a internação
provisória seja substituída por uma prisão domiciliar, a ser aplicada cumulativamente
com tratamento ambulatorial.
Todavia, é certo que haverá situações em que a prisão domiciliar será insufi­
ciente para impedir a reiteração delituosa. Nesses casos, indaga-se: o que fazer? O
STJ tem precedentes no sentido de que caracteriza constrangimento ilegal manter o
acusado em presídio comum em razão da falta de hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, devendo, diante de sua ausência,
submeter-se a tratamento ambulatorial. Não obstante, considerando que a interna­
ção provisória do art. 319, VII, está voltada para impedir a reiteração delituosa de
crimes praticados com violência ou grave ameaça, seria de todo temerário colocar
em liberdade agente inimputável que possa voltar a cometer delitos de tal natureza.

24 NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade. As reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403,
de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 85.
510 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Não por outro motivo, em caso concreto envolvendo a prática de atentado violento
ao pudor com violência presumida, concluiu o STJ que, não obstante houvesse falta
de vagas em estabelecimento adequado, não seria possível a concessão simples de
liberdade ao acusado inimputável, em razão de sua periculosidade. Portanto, a úni­
ca solução que se pode aventar para situações de notória periculosidade de agente
inimputável seria determinar sua permanência em ala hospitalar do estabelecimento
prisional, com tratamento adequado, pelo menos até que seja encontrada vaga em
local adequado.25
Além da finalidade precípua inerente a essa medida, no sentido de se evitar a
reiteração delituosa de crimes praticados com violência ou grave ameaça, a inter­
nação provisória também visa à recuperação do agente, já que este será colocado à
disposição médica. Como finalidade permanente, esse tratamento visa à reinserção
social do paciente em seu meio e será estruturado de forma a oferecer assistência
integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de
assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros - vide Lei n° 10.216/01,
que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
A este indivíduo internado provisoriamente, portador de transtorno mental,
são assegurados os seguintes direitos: ter acesso ao melhor tratamento do siste­
ma de saúde, consentâneo às suas necessidades; ser tratado com humanidade e
respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua
recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; ser protegi­
do contra qualquer forma de abuso e exploração; ter livre acesso aos meios de
comunicação disponíveis; receber o maior número de informações a respeito de
sua doença e de seu tratamento; ser tratado em ambiente terapêutico pelos meios
menos invasivos possíveis.
Por acarretar restrição da liberdade de locomoção, o lapso temporal em que
o acusado inimputável ou semi-imputável ficar submetido à internação provisória
deve ser levado em consideração para fins de detração penal, seja no tocante à
eventual quantum de pena privativa de liberdade (quando houver recuperação das
faculdades mentais daquele cuja doença mental sobreveio à infração), seja quanto
ao prazo mínimo de aplicação da medida de segurança.

25 No sentido de que, imposta medida de segurança de internação, caracteriza-se patente constrangimento


ilegal o fato de ter sido o paciente colocado em presídio comum, em razão da falta de hospital de custódia
e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, já que a insuficiência de recursos do Estado
não é fundamentação idônea a ensejar a manutenção do paciente em regime prisional, quando lhe foi
imposta medida de segurança de internação. Logo, deliberou-se pela concessão da ordem para determinar
a imediata transferência do paciente para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro esta­
belecimento adequado, devendo, na falta de vaga, ser submetido a regime de tratamento ambulatorial:
STJ, 5a Turma, HC 108.517/SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16/09/2008, DJe 20/10/2008. Na mesma
linha: STJ, 5a Turma, HC 121.760/SP, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/08/2009, DJe 14/09/2009;
STJ, 5a Turma, HC 231.124/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 23/04/2013; STJ, 6a Turma, RHC 38.499/SP, Rei. Min.
Maria Thereza De Assis Moura, j. 11/3/2014, DJe 24/03/2014. No entanto, evidenciada a periculosidade
do agente, é inviável a concessão de liberdade pura e simples: STJ, 5a Turma, RHC 22.654/MG, Rei. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 511

8. EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

8.1. Noções gerais


À semelhança do que ocorre com a pena, cuja execução provisória não é mais
admitida pelos Tribunais Superiores (STF, ADC s 43, 44 e 54), a aplicação da medida
de segurança também está condicionada à formação da coisa julgada. A propósito,
consoante disposto no art. 171 da LEP, transitada em julgado a sentença que aplicar
medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução.
Ninguém poderá ser internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psi­
quiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida
de segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.
Se o indivíduo for sentenciado ao cumprimento de medida de segurança de
internação, deverá ser submetido a exame criminológico. Se, todavia, for determi­
nado o tratamento ambulatorial, o exame em questão é facultativo (LEP, art. 174).
No que couber, aplica-se ao indivíduo submetido à medida de segurança os
direitos do preso previstos nos arts. 40 e 41 da Lei de Execução Penal (v.g., res­
peito à integridade física e moral, alimentação suficiente e vestuário etc.). A Lei de
Execução Penal também assegura ao internado ou àquele submetido a tratamento
ambulatorial a liberdade de contratar médico de sua confiança pessoal, a fim de
orientar e acompanhar seu tratamento (art. 43).
Alcançado o prazo mínimo de duração da medida de segurança - 1 a 3 anos
-, deverá ser determinada a realização de exame de cessação de periculosidade
(LEP, art. 175). Excepcionalmente, todavia, diante de requerimento fundamentado
do Ministério Público, do interessado, seu procurador ou defensor, poderá o Juiz
da Execução, a qualquer momento, e mesmo antes do decurso do prazo mínimo
de duração da medida de segurança, ordenar a realização do exame para fins de
verificar a cessação da periculosidade do agente (LEP, art. 176).
O art. 176 da LEP vem ao encontro da Súmula n. 520 do STF: “Não exige a lei
que, para requerer o exame a que se refere o art. 777 do CPP, tenha o sentenciado
cumprido mais de metade do prazo da medida de segurança imposta”. À época em
que a súmula n. 520 foi aprovada - 03 de dezembro de 1969 -, o art. 777 do CPP
ainda estava em vigor. Ocorre que, com o advento da Lei de Execução Penal, tal
dispositivo legal foi revogado. Apesar de ter não ter havido a revogação expressa
do Livro IV do CPP (“Da Execução”), a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84)
regulamentou integralmente a matéria. Por isso, os dispositivos legais ali inseridos
- inclusive o art. 777 - foram tacitamente revogados, nos termos do art. 2o, § Io,
da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Hoje, a matéria outrora regu­
lamentada pelo art. 777 do CPP consta do art. 176 da LEP. Como se percebe, não
houve qualquer alteração da sistemática, é dizer, continua sendo possível que o juiz
da execução, a qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo mínimo de duração da
medida de segurança, determine a realização antecipada do exame de cessação da
periculosidade. Basta, para tanto, que haja requerimento fundamentado nesse sentido
do Ministério Público ou do interessado, de seu procurador ou defensor (LEP, art.
512 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

176). E mais: conquanto não haja previsão legal, doutrinariamente tem sido admitido
que o juiz ordene a realização antecipada do exame ex officio, quando tiver ciência
de fato relevante capaz de justificar sua atuação.26 Destarte, com a revogação tácita
do art. 777 do CPP, cujo conteúdo foi transportado para o art. 176 da LEP, a súmula
n. 520 do Supremo continua válida, desde que lida dessa forma: “Não exige a lei que,
para requerer o exame a que se refere o art. 176 da Lei de Execução Penal, tenha o
sentenciado cumprido mais de metade do prazo da medida de segurança imposta”.
Na eventualidade de o laudo pericial atestar a persistência da periculosidade, o
exame deverá ser repetido de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz
da execução (CP, art. 97, §2°). Em sentido diverso, se restar evidenciada a cessação da
periculosidade do agente, o juiz deverá determinar a suspensão da execução da medi­
da de segurança, quer por meio da desinternação, reservada para a espécie detentiva,
quer por meio de liberação, quando o agente estiver submetido a tratamento ambu-
latorial. O recurso adequado para impugnar tal decisão é o agravo em execução (LEP,
art. 197), com a ressalva de que se trata da única hipótese em que tal recurso é dotado
de efeito suspensivo, na medida em que o art. 179 da LEP é explícito ao fazer referên­
cia à desinternação ou liberação tão somente quando ocorrer o trânsito em julgado da
decisão proferida pelo juiz da execução.
Tanto a desinternação quanto a liberação são condicionadas, cabendo ao juiz
da execução impor ao agente as mesmas condições do livramento condicional, as
quais, como visto anteriormente, subdividem-se em 2 (duas) espécies: a. obrigatórias:
a.l. obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho; a.2.
comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; a.3. não mudar do território da
comarca do Juízo da Execução, sem prévia autorização deste; b. facultativas: b.l.
não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da
observação cautelar e de proteção; b.2. recolher-se à habitação em hora fixada; b.3.
não frequentar determinados lugares.
A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional, devendo ser resta­
belecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, praticar
fato indicativo de persistência de sua periculosidade (CP, art. 97, §3°).

8.2. Detração e medida de segurança

Ao tratar da detração, o art. 42 do Código Penal é categórico ao afirmar que


se computam, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo
de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, e o de internação. Portanto, no
caso das medidas de segurança, a detração deve ser observada em relação ao prazo
mínimo de internação ou tratamento ambulatorial (1 a 3 anos), antecipando-se,
assim, a realização do exame de cessação de periculosidade.

26 Admitindo a antecipação do exame para fins de verificação de possível cessação de periculosidade: STF, 2a
Turma, HC 46.290/SP, Rei. Min. Adalício Nogueira, j. 12/11/1968, DJ 11/04/1969; STF, 3a Turma, HC 46.239/
SP, Rei. Min. Hermes Lima, j. 31/10/1968, DJ 28/02/1969.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 513

8.3. Conversão do tratamento ambulatorial em internação


De acordo com o art. 97, §4°, do Código Penal, em qualquer fase do tratamento
ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência
for necessária para fins curativos. Na mesma linha, consoante disposto no art. 184
da LEP, o tratamento ambulatorial poderá ser convertido em internação se o agente
revelar incompatibilidade com a medida, hipótese em que terá o prazo mínimo de
1 (um) ano.

8.4. Desinternação progressiva


Apesar de não haver previsão legal explícita nesse sentido, doutrina e juris­
prudência admitem, em fiel observância ao princípio da individualização da pena,
a possibilidade de desinternação progressiva do agente, quando restar evidenciado
que, apesar de a internação não ser mais necessária, o agente ainda dependesse
de cuidados médicos. À semelhança do que ocorre com a progressão de regimes
(fechado para o semiaberto, semiaberto para o aberto), trabalha-se com a substitui­
ção da internação pela semi-internação, desinternação ou tratamento ambulatorial.
Nessa linha, como já se pronunciou o STJ, “(...) assim que verificada a atenuação
ou a cessação da periculosidade de sentenciado que ainda necessitar de tratamento
de saúde (doença crônica), deverá ser progressivamente levantada a sua internação,
a depender do caso, com a sua passagem para a etapa de semi-internação; a sua
desinternação condicionada a inserção em hospital comum da rede local; ou o seu
encaminhamento a tratamento em regime ambulatorial”.27

8.5. Conversão da pena em medida de segurança


Quer pelas péssimas condições físicas e psicológicas impostas por qualquer
segregação da liberdade de locomoção, quer por circunstâncias biológicas inerentes
ao próprio condenado, é possível a superveniência de doença mental durante o
curso do cumprimento da pena. Logo, também se afigura possível a instauração de
incidente de insanidade mental no curso da execução da pena.28
Afinal, para que a execução de uma pena possa ser levada adiante, não basta
a existência de um título executivo, corporificado pela sentença condenatória com
trânsito em julgado no âmbito processual penal (nulla poena sine iudicio). Também
se faz necessária a aptidão do condenado para se sujeitar ao cumprimento da pena.
Como destaca Muccio, “da mesma forma que seria inócua a execução civil contra
quem não tem patrimônio, assim também não teria qualquer eficácia a execução
da pena se o condenado não tivesse capacidade para compreendê-la, para sofrê-la,
para aproveitá-la, para tirar dela todos os efeitos retributivos e medicinais. Qualquer

27 STJ, 5a Turma, HC 383.687/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 27.06.2017, DJe 01.08.2017. Admitindo a desinternação
progressiva em caso concreto em que o laudo psiquiátrico informara que, apesar de persistir a periculo­
sidade do agente, esta se encontraria atenuada, de modo a indicar ser cabível a adoção da medida: STF,
Ia Turma, HC 98.360/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04.08.2009.
28 Com esse entendimento: STF, 2a Turma, HC 77.873/CE, Rei. Min. Nelson Jobim, j. 07/12/1998, DJ 06/08/1999.
514 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

que seja a finalidade assinada à pena, esta será imprestável e aquela inatingida se o
réu for insano de mente”.29
Sobre o assunto, dispõe o art. 154 do CPP que se a insanidade mental so­
brevier no curso da execução da pena, observar-se-á o disposto no art. 682 do
CPP. Esse art. 682 do CPP encontra-se localizado no Livro IV do CPP, referente
à execução da pena. Apesar de não ter havido revogação expressa do Livro IV, é
certo que a Lei n° 7.210/84 (Lei de Execução Penal) regulou toda a matéria ali
tratada. Logo, os arts. 668 a 779 do CPP foram tacitamente revogados pela LEP. A
Lei de Execução Penal passou a dispor acerca do assunto no seu art. 183, o qual
prevê que, quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier
doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento
do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa,
poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança. De seu tur­
no, o art. 108 da LEP prevê que o condenado a quem sobrevier doença mental
será internado em Hospital de Custódia e tratamento psiquiátrico. Por sua vez, o
Código Penal dispõe que o condenado a quem sobrevêm doença mental deverá
ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro
estabelecimento adequado (art. 41).
São 2 (duas), portanto, as possíveis soluções outorgadas ao Juízo da Execução
(LEP, art. 66, V, “d”), quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade,
sobrevier ao condenado doença mental ou perturbação da saúde mental que o torne
total ou parcialmente incapaz:
a) doença transitória: aplica-se o art. 41 do CP, ou seja, o condenado deve
ser transferido para hospital penitenciário, sem necessidade de substituição da
pena por medida de segurança. Com a recuperação de sua higidez mental, o
acusado deverá voltar a cumprir o restante da pena, computando-se como tem­
po de cumprimento da pena o período de internação. Destarte, em se tratando
de perturbação momentânea, a internação temporária e o tratamento médico
adequado poderão restabelecer a capacidade do condenado, que seguirá, então,
cumprindo sua pena regularmente. Caso a constatação médica indique a super-
veniência relevante de doença mental, hipótese a ser analisada na sequência,
poderá ensejar a instauração do procedimento de conversão, que se, ao final,
concluir por esta, modificará irreversivelmente o regime de execução, já que o
sujeito passará a ser considerado um doente.30 Não por outro motivo, quando
o Juízo da Execução toma conhecimento de que o apenado encontra-se com
algum tipo de perturbação da saúde mental, é relativamente comum que, inicial­
mente, determine a internação a que se refere o art. 41 do CP na tentativa de
recuperá-lo. Atingido esse objetivo, o executado retornará ao cumprimento da
pena. Se, todavia, a partir de novos exames, constatar-se a impossibilidade (ou
improbabilidade) da sua recuperação, aí sim deverá ser ordenada a conversão do

29 MUCCIO, Hidejalma. Curso de processo penal. 2a ed. São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 735.
30 BRITO. Op. cit. p. 547.
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 515

saldo da pena em medida de segurança, nos moldes preconizados pelo art. 183
da LEP, o que, logicamente, não impede que o juiz o faça de imediato, quando,
por exemplo, já se puder constatar desde o início que a recuperação da saúde
mental do executado seria praticamente impossível;
b) doença de caráter duradouro ou permanente: quando se revelar imprová­
vel a recuperação da saúde mental do condenado, sua pena privativa de liberdade
deverá ser convertida em medida de segurança, ex vi do art. 183 da LEP. Ao con­
trário da transferência prevista no art. 41 do CP, a conversão do saldo da pena em
medida de segurança prevista na LEP é uma medida de natureza irreversível. Com
a substituição da pena pela medida de segurança de internação ou de tratamento
ambulatorial, a depender do grau de periculosidade do agente, seu cumprimento
passará a ser regido pelas normas do cumprimento desta espécie de sanção penal, e
não mais pelas normas referentes à execução da pena privativa de liberdade. Logo,
sobrevindo a recuperação do agente e a cessação da periculosidade antes do decurso
do tempo correspondente ao saldo da pena convertida, deverá ser determinada a
desinternação ou a liberação condicional (CP, art. 97, §3°), sendo vedada a reversão
e retomada do cumprimento da pena privativa de liberdade. Por outro lado, caso
não haja a recuperação do agente, prevalece o entendimento de que a medida de
segurança objeto da conversão deverá perdurar somente pelo prazo restante da pena
imposta na sentença condenatória. Nesse caso, esgotado o lapso temporal fixado na
sentença condenatória e não havendo a plena recuperação das faculdades mentais do
agente, este deverá ser colocado à disposição do juízo cível competente.31 Portanto,
esta medida de segurança aplicada em substituição à pena privativa de liberdade
a que se refere o art. 183 da LEP limita-se ao término da pena estabelecida na
sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada e ao princípio da proporcionalidade.
Extrapolado o prazo de cumprimento da pena privativa de liberdade, deve cessar a
intervenção do Estado na esfera penal, ainda que não cessada a periculosidade do
agente. Caberá ao Parquet, nesse caso, perante o juízo cível, verificar a possibilidade
de internação civil, com fundamento na Lei n. 10.216/01.32

8.6. Superveniência de doença mental durante o curso da persecução


penal
Pelo menos em tese, é possível a conclusão pericial no sentido da normalidade
mental do acusado à época do fato delituoso, porém reconhecendo que, durante o
curso do inquérito policial ou do processo judicial, sobreveio doença mental. Nesse

31 É nesse sentido a lição de Alexis Couto de Brito (Execução penal. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011. p. 367), para quem, expirado o período da pena e permanecendo o condenado em situa­
ção de inimputabilidade, deve ser entregue aos cuidados da família, ou removido ao estabelecimento de
saúde competente na inexistência daquela.
32 STJ, 6a Turma, HC 373.405-SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.10.2016; STJ, 6a Turma, HC
130.162/SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 02/08/2012.
516 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

caso, dispõe o art. 152 do CPP que o processo penal, que já estava suspenso, deve
assim permanecer até que o acusado se restabeleça.
Essa suspensão do processo visa proteger o acusado, resguardando os princípios
do contraditório e da ampla defesa, que poderíam ser maculados caso o acusado
fosse julgado mesmo sem estar em plenas condições psíquicas de compreender o
teor da imputação que pesa sobre sua pessoa.
Apesar de o processo penal permanecer suspenso até o restabelecimento do
acusado, nada diz a lei acerca da suspensão da prescrição. Portanto, é de se concluir
que a prescrição não terá seu curso suspenso ou interrompido durante esse período
em que o processo permanecer suspenso. Trata-se, portanto, de caso típico de crise
de instância, em que o processo fica paralisado, sem ser extinto, porém com a pres­
crição em curso. Logo, durante o período de suspensão do processo, verificando-se
o advento da prescrição, deverá o juiz declarar extinta a punibilidade.
Enquanto subsistir o problema de saúde mental do acusado, o processo per­
manecerá suspenso, pelo menos até o advento da extinção da punibilidade (v.g.,
prescrição da pretensão punitiva). Com o restabelecimento do acusado, o processo
retomará seu curso normal, prevendo o art. 152, § 2o, do CPP, a faculdade de a
defesa reinquirir as testemunhas que houverem prestado depoimento sem a sua
presença. Ao final, poderá ser prolatada sentença absolutória ou condenatória.
Determinada a suspensão do processo em virtude de superveniência de doença
mental, nos casos em que houver conexão e/ou continência (CPP, arts. 76 e 77), deve
ser determinado o desmembramento do feito, cessando a unidade do processo, que
voltará a fluir normalmente em relação aos demais acusados, ficando a persecução
penal suspensa exclusivamente em relação àquele que padece de doença mental,
pelo menos até o seu restabelecimento.
Durante o período de suspensão da pretensão punitiva decorrente da super­
veniência de doença mental, dispõe o CPP que o juiz poderá ordenar a internação
do acusado em manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado (art.
152, § Io). A nosso ver, para que esse dispositivo seja considerado constitucional,
não se afigura possível a decretação automática da internação, sob pena de viola­
ção à regra de tratamento que deriva do princípio da presunção de inocência, que
veda a adoção de quaisquer medidas que impliquem antecipação de culpa ou dos
resultados finais do processo.
Portanto, a internação provisória do acusado a que se refere o art. 152, § Io, do
CPP, só pode ser decretada mediante ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, nos termos do art. 319, VII, do CPP. Além da presença do
fumus comissi delicti e do periculum libertatis, a internação provisória do acusado
acometido de doença mental durante o curso da persecução penal somente pode­
rá ser decretada se o crime tiver sido praticado com violência ou grave ameaça e
houver risco de reiteração. Essa internação provisória não só assegura a proteção
devida ao doente mental, tido como perigoso não somente à sociedade, mas também
a si mesmo, se não tiver tratamento adequado e continuar solto, como também se
Cap. XI • EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 517

revela mais benéfica que a decretação da prisão preventiva do acusado, haja vista
seu caráter curativo.33
De todo modo, como o processo penal permanecerá suspenso enquanto não
houver a melhora do estado de saúde mental do acusado (CPP, art. 152, caput),
essa internação provisória não pode perdurar por prazo indeterminado, sob pena
de o acusado vir a cumprir uma medida de segurança maior do que a pena que
possivelmente ser-lhe-ia aplicada ao final do processo. Logo, nos mesmos moldes
que o entendimento jurisprudencial acerca da duração da medida de segurança
aplicada ao final do processo, pensamos que, a despeito do silêncio da lei, a inter­
nação provisória não pode perdurar por tempo superior à pena máxima abstrata­
mente cominada ao delito praticado pelo acusado, independentemente da cessação
da periculosidade, não podendo ainda ser superior a 40 (quarenta) anos, conforme
o art. 75 do CP. Superado esse limite, se o acusado ainda padecer de enfermidade
mental e subsistir a periculosidade, a solução deste problema deixa de ser objeto do
sistema penal, passando a funcionar como problema de saúde pública, daí por que
o acusado deve ser submetido a tratamento psiquiátrico, interditado e até mesmo
internado em medida extrapenal. Outrossim, como a suspensão do processo em
virtude da superveniência de doença mental após a prática do delito não acarreta
a suspensão da prescrição, é perfeitamente possível que sobrevenha a prescrição da
pretensão punitiva abstrata, com a consequente extinção da punibilidade. Nesse caso,
a questão da internação provisória deve ser transferida ao cível, devendo o órgão
ministerial propor a interdição do acusado para que seja mantido o seu tratamento.34

33 Admitindo a internação provisória de acusado acometido de doença mental em momento posterior à


prática delituosa enquanto suspenso o processo: STJ, 6a Turma, HC 72.800/RJ, Rei. Min. Og Fernandes, j.
16/10/2008, DJe 03/11/2008. Convém lembrar que esse tempo de internação provisória será descontado
de eventual sanção aplicada ao final do processo, nos termos do art. 42 do CP.
34 O CP não cuida expressamente da prescrição de medida de segurança, mas essa é considerada uma es­
pécie do gênero sanção penal. Assim considerada, sujeita-se às regras previstas no CP relativas aos prazos
prescricionais e às diversas causas interruptivas da prescrição. O STF já se manifestou nesse sentido ao
entender que incide o instituto da prescrição na medida de segurança, estipulando que"é espécie do gênero
sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal" (RHC 86.888-
SP, Primeira Turma, DJ de 2/12/2005). Por sua vez, o STJ já enfrentou a questão, também considerando a
medida de segurança como espécie de sanção penal e, portanto, igualmente sujeita à prescrição e suas
regras, assentando, ainda, que o lapso temporal necessário à verificação da referida causa de extinção da
punibilidade deve ser encontrado tendo como referência a pena máxima abstratamente prevista para o
delito. Nessa linha: STJ, 5a Turma, RHC 39.920/RJ, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 6/2/2014.
XII
INCIDENTES DA EXECUÇÃO

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O Título VII da Lei de Execução Penal versa sobre os incidentes da execução,


assim consideradas as questões jurídicas que ocorrem no curso da execução da pena,
ocasionando, por atividade jurisdicional, a sua alteração, redução ou até mesmo a
extinção. No denominado incidente da execução, o Juízo da Execução não procede à
alteração da decisão irrecorrível proferida no processo de conhecimento. Pelo con­
trário. Em virtude do surgimento de questões incidentais no curso do procedimento
executório, a pena ou a medida de segurança vêm a sofrer algum tipo de alteração.
Na visão da doutrina, o sursis, o livramento condicional e a transferência de
regimes (progressão ou regressão) não constituem incidentes da execução. Isso por­
que, in casu, não há qualquer alteração ou extinção da sanção, mas sim o regular
desenvolvimento da pena privativa de liberdade à luz do sistema progressivo. Enfim,
deve se limitar o uso da expressão “incidente” apenas para os acontecimentos que
modifiquem quantitativamente o prazo de prisão definido na sentença (aumento,
diminuição ou extinção).1
Compete ao Juízo da Execução resolver os incidentes relativos ao processo
executivo, ex vi do art. 66, III, alínea “f”, da LEP, podendo fazê-lo de ofício ou a
requerimento dos órgãos da execução penal, do sentenciado, seu procurador ou
defensor. Diante da regra da vedação à decisão surpresa positivada no art. 10 do
CPC,2 e por estarmos diante de uma decisão judicial capaz de provocar modifica­
ções nos rumos da execução, há de ser respeitado, em sua integralidade, o devido
processo legal, com seus consectários naturais, em especial o contraditório e a

1 BRITO. Op. cit. p. 539. Para o autor, há outros incidentes além das conversões, excesso ou desvio, anistia e
indulto. A estes devem ser acrescentados a graça, a comutação da pena, a colaboração premiada, a remição,
o RDD, a unificação de penas e o reconhecimento de novatio legis in mellius.
2 CPC: "Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito
do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre
a qual deva decidir de ofício".
520 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

ampla defesa, daí por que é obrigatória, pelo menos em regra, a oitiva prévia do
condenado, devidamente assistido por seu Defensor, e do Ministério Público (LEP,
art. 67), sob pena de nulidade.3
São 3 (três) os capítulos integrantes do Título da LEP referente aos incidentes
da execução: Capítulo I (“Das conversões”), Capítulo II (“Do excesso ou desvio”)
e o Capítulo III (“Da anistia e do induto”). Vejamos, então, cada um deles, sepa­
radamente.

2. CONVERSÕES

A conversão pode ser compreendida como a substituição de uma sanção por


outra, pena ou medida de segurança, no curso da execução. Esta conversão ora poderá
ser favorável ao condenado, tal como ocorre com a conversão da pena privativa de
liberdade em restritiva de direitos (LEP, art. 180) ou em medida de segurança (LEP,
art. 183), ora lhe poderá ser desfavorável, a exemplo do que se dá na conversão das
penas restritivas de direitos em privativa de liberdade (LEP, art. 181) e da medida
de segurança de tratamento ambulatorial em internação (LEP, art. 184). Vejamos,
então, separadamente, as diversas espécies de conversões previstas entre os arts. 180
e 184 da Lei de Execução Penal.

2.1. Conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos


Geralmente, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de di­
reitos é feita pelo próprio juiz do processo de conhecimento, por ocasião da prolação
da sentença condenatória, conquanto presentes os requisitos do art. 44 do Código
Penal. Tal hipótese não se confunde com a possibilidade de a pena privativa de
liberdade ser convertida em pena restritiva de direito no curso da execução penal.
É dessa espécie de conversão que trata o art. 180 da LEP, que vem ao encontro do
sistema progressivo de execução das penas, já que permite ao condenado, gradati­
vamente, passar de regime mais grave para outro mais brando, ao mesmo tempo
em que obtém benefícios prisionais, tudo isso em virtude da boa conduta carcerária
por ele apresentada. Uma vez determinada a conversão, a pena restritiva de direitos
terá a mesma duração da pena privativa de liberdade aplicada primitivamente, nos
termos do art. 55 do CP.
Para fins de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos
no curso da execução penal, o art. 180 da LEP impõe a observância dos seguintes
requisitos:
a. Requisitos objetivos: são 3 (três) os requisitos objetivos para que se viabilize
essa conversão. São eles:

3 No sentido de que, preliminarmente à conversão de medidas restritivas de direito em pena privativa de


liberdade, é imprescindível a intimação do reeducando para que esclareça as razões do descumprimento,
à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa: STJ, 5a Turma, HC 274.603-SP, Rei. Min. Laurita
Vaz, j. 18.03.2014, DJe 28.03.2014.
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 521

a.l. Pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anos: o primeiro


requisito objetivo é que a pena privativa de liberdade não seja superior a 2 (dois)
anos (LEP, art. 180, caput), pouco importando se se trata de reclusão, detenção ou
prisão simples, já que a lei não faz qualquer ressalva nesse sentido. Por ocasião da
entrada em vigor da Lei n. 9.714/98, parte da doutrina passou a sustentar que este
patamar de 2 (dois) anos teria sido ampliado tacitamente para 4 (quatro).4 Explica-se:
em virtude do referido diploma normativo, foi conferida nova redação ao art. 44,
I, do Código Penal, para admitir que o juiz, por ocasião da sentença condenatória,
determine a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos
quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 anos quando se tra­
tar de crime doloso. Logo, tal patamar também deveria ser aplicado na hipótese
de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos no curso da
execução penal (LEP, art. 180). Tal entendimento, todavia, não foi acolhido pelos
Tribunais Superiores, para quem a Lei n. 9.714/98 alterou apenas o Código Penal,
subsistindo, portanto, o regramento da LEP no sentido de que a conversão somente
será viável quando a pena do condenado não for superior a 2 (dois) anos.5 Noutro
giro, como o dispositivo faz referência à pena não superior a 2 (dois) anos, sem
esclarecer se esta seria a “pena aplicada” ou “o restante da pena aplicada”, parte da
doutrina entende que, à luz do princípio do favor rei, o ideal é interpretá-la como
pena restante',6
a.2. Cumprimento da pena em regime aberto: o segundo requisito, previsto
no art. 180, I, da LEP, é que o condenado esteja cumprindo pena em regime
aberto, pouco importando se foi esse o regime inicial determinado pelo juiz do
processo de conhecimento, ou se o condenado foi eventualmente beneficiado
pela progressão;
a. 3. Cumprimento de % (um quarto) da pena: de acordo com o art. 180, II,
da LEP, o terceiro requisito objetivo é o cumprimento de pelo menos um quarto
da pena imposta. Para tanto, computa-se, pela detração penal, o tempo de pri­
são provisória, assim como eventual remição pelo trabalho, estudo ou atividades
correlatas.
b. Requisito subjetivo: como de costume, o legislador também impõe a obser­
vância de requisitos de natureza subjetiva. No caso da conversão sob comento, o art.
180, inciso III, da LEP, exige a demonstração de que os antecedentes e a personalidade
do condenado indiquem ser a conversão recomendável. Para tanto, deverá o Juízo da
Execução verificar se se trata de condenado reincidente ou primário, portador ou
não de bons antecedentes, se foi punido por transgressões disciplinares no curso da

4 Para Roig (Op. cit. p. 396), a conversão do art. 180 da LEP também deve ser permitida às penas de até 4
anos. Por sua vez, Renato Marcão (op. cit. p. 332) entende que o art. 180 foi derrogado pela Lei n. 9.714,
de 25 de novembro de 1998, que passou a permitir, no art. 44 do CP, a substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos a penas não superiores a 4 anos.
5 STF, 1a Turma, HC 91.709-CE, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 16.12.2008, DJ 13.03.2009; STJ, 5a Turma, HC 102.603-
RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 02.12.2010, DJe 17.12.2010.
6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 166.
522 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

execução da pena etc. Pelo menos em tese, para aferir a presença do requisito sob
comento, nada impede que o Juízo da Execução determine fundamentadamente a
realização de exame criminológico, à semelhança, aliás, do que ocorre para fins de
progressão de regimes.
Como destaca a doutrina, se, após a conversão da pena, sobrevier qualquer
das hipóteses previstas no art. 181 e parágrafos da LEP, a pena restritiva de direitos
deverá ser reconvertida em privativa de liberdade, hipótese em que se computa na
duração da pena o tempo de prisão anteriormente cumprido.7

2.2. Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de


liberdade
As hipóteses gerais que autorizam a reconversão das penas restritivas de direi­
tos em privativa de liberdade, previstas no art. 44, §§4° e 5o, do Código Penal, e as
específicas, constantes do art. 181, §§ Io, 2o e 3o, da LEP, foram objeto de análise no
capítulo atinente à execução das penas restritivas de direitos, para onde remetemos
o leitor.

2.3. Conversão da multa em pena privativa de liberdade

Na redação original do Código Penal, era possível a conversão da pena de multa


em prisão, quando o condenado solvente deixasse de pagá-la ou frustrasse a sua
execução. A cada dia-multa correspondería um dia de detenção, que não poderia
ser superior a um ano. Além disso, se a multa fosse paga, a conversão ficava sem
efeito. Não por outro motivo, dispunha o art. 182 da LEP, antes de ser revogado
pela Lei n. 9.268/96, que a pena de multa deveria ser convertida em detenção, na
forma então prevista no art. 51 do CP.
Ocorre que, em virtude do advento da Lei n° 9.268/96, houve não apenas
a revogação dos arts. 182 e 183 da LEP, como também a alteração do art. 51 do
Código Penal, que, à época, passou a prever que, transitada em julgado a sentença
condenatória, a multa seria considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas
da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne
às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Mais recentemente ainda, o Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19) conferiu
nova redação ao art. 51, caput, do CP. Logo, se, a despeito da nova redação do
art. 51 do CP, houver a conversão da multa em pena privativa de liberdade, esse
constrangimento ilegal à liberdade de locomoção dará ensejo à impetração de
habeas corpus.

7 MIRABETE. Op. cit. p. 879; AVENA. Op. cit. p. 387.


Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 523

2.4. Conversão da multa em pena restritiva de direitos


De acordo com o art. 85 da Lei n. 9.099/95, não efetuado o pagamento de
multa, será feita a conversão em pena privativa de liberdade, ou restritiva de direitos,
nos termos previstos em lei.
Na parte em que possibilita a conversão da pena de multa em privativa de
liberdade, entende-se que o dispositivo sob comento teria sido tacitamente revoga­
do pela Lei n° 9.268/96, que, como exposto acima, modificou, à época, a redação
do art. 51 do CP, determinando que a pena de multa não paga seja considerada
dívida de valor.
Por sua vez, a conversão da pena de multa em restritiva de direitos não apresenta
qualquer disciplina legal e, por isso, não pode ser efetivada, em face da ausência de
critério legal para tanto, pois o art. 85 da Lei 9.099/95 dispõe que a conversão será
feita nos termos previstos em lei.& De fato, considerando-se que nosso ordenamento
jurídico não aceita o estabelecimento de penas indeterminadas diante do princípio da
legalidade da pena (CF, art. 5o, XXXIX), e proibida a analogia, revela-se inaplicável o
dispositivo no que se refere à conversão da pena de multa em restritiva de direitos.8 9

2.5. Conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança e


conversão do tratamento ambulatorial em internação
O art. 183 da LEP prevê a possibilidade de conversão da pena privativa de
liberdade em medida de segurança quando, no curso da execução da pena privativa
de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental do condena­
do. O art. 184 da LEP, por sua vez, cuida da conversão do tratamento ambulatorial
em internação quando o agente revelar incompatibilidade com a medida. Ambas as
conversões foram objeto de análise no capítulo atinente à execução das medidas de
segurança, para onde remetemos o leitor.

3. EXCESSO OU DESVIO DA EXECUÇÃO

A Execução Penal deve ser regida por diversos princípios, destacando-se, dentre
eles, o da legalidade, em virtude do qual o cumprimento da pena (ou da medida
de segurança) deve observar os limites ditados pela respectiva sentença condena­
tória (ou absolutória imprópria) transitada em julgado, assim como as prescrições
estabelecidas em lei. Daí dispor a LEP, em seu art. Io, que a “execução penal tem
por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal (...)” e que “ao
condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela
sentença ou pela lei” (art. 3o).

8 Se o paciente foi condenado a pena de multa, não se afigura possível, por ausência de critério legal aplicá­
vel, a conversão da pena pecuniária na de restrição de direito. Portanto, deve o juiz se limitar a promover
a inserção da dívida para cobrança judicial. Nesse sentido: STF, 1a Turma, HC 78.200/SP, Rei. Min. Octavio
Gallotti, DJ 27/08/1999.
9 MIRABATE. Op. cit. p. 878.
524 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

Sem embargo, não é de todo incomum que esses limites sejam ultrapassados
no curso da execução penal, violando-se não apenas o princípio da legalidade, como
também diversos direitos do preso (LEP, art. 41). É aí que surge o denominado ex­
cesso ou desvio da execução, conceituado pelo art. 185 da LEP nos seguintes termos:
“Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum fato for praticado além
dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares”. O excesso
ou desvio será considerado individual quando se referir a um único indivíduo. Na
eventualidade de atingir diversos sentenciados, será considerado coletivo. Por mais
que o art. 185 da LEP não estabeleça nenhuma diferença entre excesso e desvio, a
doutrina10 costuma fazê-lo da seguinte forma:
a. Excesso de execução: como o próprio nome já sugere, haverá excesso
sempre que na execução da pena (ou da medida de segurança) se cons­
tatar algo que vá além, que exceda ao decidido na decisão irrecorrível, de
maneira que o excesso sempre será prejudicial ao executado. Portanto, o
excesso é quantitativo em relação ao título que está sendo executado, pois
vai além do que deveria. Tome-se como exemplo a hipótese de aplicação
da sanção disciplinar de isolamento na própria cela por prazo superior a
30 (trinta) dias, contrariando, assim, o quanto disposto no art. 58, caput,
da LEP. Também haverá excesso quando o indivíduo permanecer preso,
apesar de já ter cumprido sua pena em virtude de remição anteriormente
concedida;
b. Desvio de execução: nesse caso, o constrangimento ilegal ao sentenciado
não é quantitativo, mas sim qualitativo. É dizer, a execução destoa-se dos
parâmetros fixados legalmente ou por decisão judicial. O desvio abrange
não apenas possível violação aos direitos do apenado, como também a
concessão indevida de benefícios prisionais, daí por que pode ser favorá­
vel ou desfavorável ao executado. Cite-se, como exemplo, a manutenção
de condenado a cumprir pena no regime inicial fechado que é mantido,
todavia, em regime mais brando (semiaberto ou aberto), ou que recebe
benefícios indevidos, como a saída temporária ou o trabalho externo sem
escolta. Também haverá desvio quando o apenado, embora tenha sido
beneficiado pela progressão para o semiaberto, permanecer no regime
fechado em virtude da ausência de vaga em colônia agrícola, industrial
ou similar.
Recai sobre o Juízo da Execução Penal a competência para decidir sobre os
incidentes de excesso e desvio (LEP, art. 66, III, “f”). Consoante disposto no art.
186 da LEP, poderão suscitá-lo o Ministério Público, o Conselho Penitenciário,
o sentenciado, qualquer dos demais órgãos da execução penal, o que abrange o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, os Departamentos Peni­
tenciários, o Patronato, o Conselho da Comunidade e a Defensoria Pública (LEP,
art. 61). Considerando-se que o Juízo da Execução também é um dos órgãos da
execução (LEP, art. 61, II), e que, uma vez instaurado o incidente, o procedimento a

10 MARCÃO. Op. cit. 356.


Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 525

ser observado é aquele constante dos arts. 194 e seguintes da LEP, não há qualquer
óbice à sua deflagração de ofício pelo magistrado. Contra a decisão proferida por
ele proferida no incidente de excesso ou desvio caberá o agravo em execução, nos
termos do art. 197 da LEP. Compreende-se que o rol de legitimados para suscitar
o incidente é taxativo, de modo que não se admite a sua instauração, por exemplo,
em virtude do pedido do assistente da acusação, já que sua função se exaure com
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

4. ANISTIA E INDULTO

4.1. Regras gerais


São três as espécies de indulgência soberana emanadas de órgãos estra­
nhos ao Poder Judiciário: anistia, graça (em sentido estrito) e indulto (coletivo). A
Constituição Federal refere-se especificamente à anistia, concedida pelo Congresso
Nacional (art. 48, VIII), e ao indulto e à comutação de penas, outorgadas pelo Pre­
sidente da República (art. 84, XII). Todas elas funcionam como causas extintivas
da punibilidade (CP, art. 107, II). Estranhamente, porém, a Lei de Execução Penal,
no Capítulo III do Título VII, faz menção apenas à anistia (art. 187) e ao indulto
(arts. 188 a 193), não se referindo à graça. Sem embargo, a doutrina é unânime em
afirmar que a graça também é alcançada pelo regramento constante da LEP sob a
denominação de indulto individual. Ou seja, graça e indulto individual devem ser
compreendidos como um só instituto, ao lado da anistia e do indulto coletivo, que
é o indulto propriamente dito.11
Conquanto emanadas de órgãos estranhos ao Poder Judiciário, terão o condão
de acarretar a extinção da punibilidade tão somente quando houver o seu reconhe­
cimento por decisão judicial. Pelo menos em tese, são cabíveis em qualquer espécie
de ação penal, é dizer, pública, incondicionada e condicionada, ou privada, já que,
neste último caso, transfere-se ao ofendido unicamente o ius persequendi in iudicio,
mantendo-se sob o controle do Estado o direito de punir, daí por que pode ser
objeto de indulgência soberana.

4.2. Anistia
Espécie de indulgência soberana, a anistia deve ser compreendida como o es­
quecimento jurídico da infração penal e tem por objeto fatos definidos como crimes,
e não pessoas, embora se possa exigir condições subjetivas para ser aplicada. A
abdicação do poder de punir diz respeito a fatos ocorridos, em períodos certos, e
não à conduta em abstrato, o que equivalería a abolitio criminis. Ou seja, as condu­
tas em questão, embora mantenham a pecha de criminosas, não mais poderão ser
punidas. Por se tratar de espécie de causa extintiva da punibilidade, não se poderá

11 AVENA. Op. cit. p. 398.


526 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

impor ao beneficiado medida de segurança, nem pode ser executada a que lhe foi
imposta (CP, art. 96, parágrafo único).
Opera efeitos ex tunc, ou seja, para o passado, apagando o crime e extinguindo
todos os efeitos penais do crime e da sentença (pena pecuniária, sursis, pressupos­
to da reincidência, inscrição do nome do acusado no rol dos culpados etc.). Não
abrange, todavia, os efeitos civis (v.g., dever de indenizar, confisco de bens etc.), já
que o legislador não pode estender seus efeitos em detrimento de direitos estranhos
ao Estado. Prova disso, aliás, é o fato de que o art. 67, II, do CPP, é explícito ao
prever que não impede a propositura da ação penal a decisão que julgar extinta a
punibilidade.
Recai sobre o Congresso Nacional, por meio de lei federal, a competência para
a concessão da anistia (CF, art. 48, VIII), que terá o condão de extinguir a punibili­
dade (CP, art. 107, II), sendo certo que, uma vez concedida, não pode ser revogada,
diante do disposto no art. 5o, XXXVI, da Constituição Federal (“A lei não prejudicará
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”).
Geralmente, a anistia é concedida pelo Congresso Nacional apenas em relação a
crimes políticos, militares ou eleitorais. Nesse sentido, basta ver o exemplo da Lei n°
12.505/11, que concedeu anistia aos crimes militares e infrações disciplinares conexas
praticados por policiais e bombeiros militares de diversos Estados da Federação que
participaram de movimentos reivindicatórios por melhorias de vencimentos e de
condições de trabalho. No entanto, não há vedação à concessão da anistia a todo e
qualquer delito, inclusive crimes de natureza comum. Por isso mesmo, o constituinte
originário teve o cuidado de vedar a concessão da anistia aos crimes hediondos e
equiparados (CF, art. 5o, XLIII), vedação esta que, obviamente, também consta da
Lei dos Crimes Hediondos (art. 2o, I).
A anistia pode ser classificada da seguinte forma:12
a) anistia especial e comum: especial é aquela que beneficia agentes que pra­
ticaram crimes políticos; comum é aquela que alcança os agentes que praticaram
crimes de natureza comum;
b) anistia própria e imprópria: se concedida antes do trânsito em julgado, é
denominada anistia própria, cabendo ao juiz da causa ou do julgamento do recurso,
o seu reconhecimento; se lhe é posterior, anistia imprópria, recaindo sobre o Juízo
da Execução a competência para declará-la, podendo fazê-lo inclusive de ofício;
c) anistia geral e parcial: geral é a anistia que beneficia todas as pessoas que
participaram de determinados fatos criminosos; parcial é aquela que exclui do bene­
fício alguns infratores, ao exigir, por exemplo, a observância de requisitos pessoais;
d) anistia condicionada e incondicionada: será condicionada quando exigir a
aceitação de obrigações por parte do beneficiário, hipótese em que poderá ser por
ele recusada; incondicionada, por sua vez, quando não impuser qualquer restrição,
situação em que não poderá ser recusada;

12 MIRABETE. Op. cit. p. 905-906.


Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 527

e) anistia irrestrita ou restrita: irrestrita é aquela que inclui todos os crimes


conexos com o principal; restrita é aquela que exclui algumas dessas infrações.
Se a anistia for concedida antes do trânsito em julgado da sentença conde­
natória, a competência para reconhecê-la e declarar, por consequência, a extinção
da punibilidade, será do magistrado que presidir o processo de conhecimento ou
do respectivo Tribunal, quer quando o feito estiver em grau recursal, quer nos
casos de competência originária. Se, todavia, a lei que conceder a anistia passar a
vigorar após o trânsito em julgado, a competência será do Juízo da Execução, tal
qual prevista no art. 66, II, da LEP, que poderá fazê-lo de ofício, a requerimento
do interessado ou do Ministério Público e, ainda, por proposta da autoridade
administrativa (v.g., Diretor do Presídio) ou do Conselho Penitenciário (LEP,
art. 187). Antes de fazê-lo, porém, incumbe ao juiz ouvir o Ministério Público e
o condenado, devidamente assistido por seu Defensor. A decisão concessiva da
anistia possui natureza declaratória. Contra a decisão do Juízo da Execução que
reconhecer (ou não) a extinção da punibilidade pela anistia, caberá, pelo menos
em regra, o agravo em execução, quer interposto pelo órgão ministerial, quer
pela Defesa.
Os crimes hediondos e os delitos a estes equiparados são incompatíveis com
a anistia, em face da regra contida no art. 5o , XLIII, da Constituição Federal: “a
lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os defini­
dos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evita-los, se omitirem”. Esse mandamento constitucional foi
regulamentado pelo art. 2o, I, da Lei n. 8.072/90 (Crimes Hediondos), pelo art. Io,
§6, da Lei n. 9.455/97 (Tortura) e pelo art. 44, caput, da Lei n. 11.343/06 (Tráfico
de Drogas).

4.3. Graça (ou indulto individual)


A graça tem por objeto crimes de natureza comum, sendo concedida pelo
Presidente da República, por Decreto, a um indivíduo determinado, condenado
irrecorrivelmente, provocando a extinção da punibilidade (CP, art. 107, II). Apesar
de se tratar de ato discricionário do Presidente, que a concede ou não segundo sua
própria avaliação, devem ser observadas as restrições constitucionais, como, por
exemplo, a do art. 5o, XLIII, que preceitua que são insuscetíveis de graça a prática
de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos.
Apesar de a Constituição Federal fazer menção expressa à graça ao vedar sua
concessão a crimes hediondos e equiparados (art. 5o, XLIII), a mesma Constitui­
ção Federal não mais consagra essa espécie de clemência soberana como instituto
autônomo. Nesse sentido, basta atentar para o quanto disposto no art. 84, XII, da
Carta Magna, que prevê que compete ao Presidente da República conceder indulto,
sem que haja qualquer referência à graça. Por isso, a graça acaba sendo tratada pela
doutrina majoritária como espécie de indulto individual. Em síntese, pode-se dizer
que, na hipótese de concessão de perdão a um único condenado, ter-se-á graça; na
528 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

hipótese de o perdão abranger um grupo indeterminado de condenados, fala-se


apenas em indulto (ou indulto coletivo).
Diversamente do que ocorre com a anistia, que se refere a fatos delituosos, a
graça destina-se à pessoa determinada. Sem embargo, também pode ser total (ou
plena), alcançando a extinção da punibilidade de todas as sanções impostas ao
condenado (CP, art. 107, II), ou parcial (ou restrita), hipótese em que não haverá
a extinção da punibilidade, mas mera redução ou substituição da sanção por outra
mais branda, caso em que toma o nome de comutação.
O indulto individual pressupõe a existência de sentença condenatória transitada
em julgado ao menos para a acusação. Sendo total, a pena (ou medida de segurança)
não poderá ser objeto de execução. Subsistem, todavia, os efeitos penais secundá­
rios, como, por exemplo, a reincidência, e os efeitos extrapenais (v.g., obrigação de
reparar o dano causado pelo delito).
De acordo com o art. 188 da Lei de Execução penal, a concessão da graça
(indulto individual) pode ser postulada por petição do condenado, por iniciativa
do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa
(LEP, art. 188). Na sequência, a petição e os documentos juntados pelo postulante
serão entregues ao Conselho Penitenciário, para fins de elaboração de parecer e
ulterior encaminhamento ao Ministério da Justiça (LEP, art. 189). Recebidos os
autos, serão eles submetidos à decisão do Presidente da República ou da autoridade
a quem foi delegada a competência para conceder o indulto. À evidência, não está
o Presidente da República (ou a autoridade por ele delegada) vinculado ao parecer
do Conselho Penitenciário, podendo decidir discricionariamente pela concessão
(ou não) do benefício. Em caso afirmativo, deverá expedir o respectivo decreto de
indulto individual, que será anexado aos autos do processo de execução para que o
magistrado, então, declare a extinção da punibilidade. Na eventualidade de se tratar
de comutação, o Juiz deverá ajustar a execução aos termos do decreto, retificando-
-se a guia de recolhimento (ou execução), após a homologação do novo cálculo,
ordenando, ademais, a expedição de nova guia se acaso tiver se dado a substituição
da pena etc.

4.4. Indulto coletivo


A terceira e última espécie de indulgência soberana, ao lado da anistia e da
graça, é o indulto propriamente dito, ou indulto coletivo, que se dirige a um grupo
indefinido de condenados (v.g., Indulto de Natal). Geralmente, é delimitado pela
natureza do crime e pela quantidade de pena aplicada, além de outros requisitos
objetivos (v.g., cumprimento de parte da pena, não ter sido beneficiado anteriormente
por outro indulto, não ter praticado certas espécies de crimes etc.) e subjetivos (v.g.,
primariedade, boa conduta social etc.) porventura listados em Decreto expedido es­
pontaneamente pelo Presidente da República, sobre quem recai a competência para
sua concessão (CF, art. 84, XII), a qual, todavia, pode ser delegada aos Ministros
de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que
deverão observar os limites traçados nas respectivas delegações (CF, art. 84, parágrafo
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 529

único). Pelo menos em tese, admite-se a concessão do benefício ao condenado que


cumpre pena em qualquer regime prisional (fechado, semiaberto ou aberto).13
À semelhança da anistia e da graça (ou indulto individual), o indulto coletivo
também pode ser total, com a extinção das penas, ou parcial (ou comutação de
pena), hipótese em que haverá tão somente a diminuição da pena a ser cumprida,
ou seja, uma extinção da punibilidade em relação ao quantum perdoado.14 Dar-se-á,
portanto, a extinção dos efeitos primários da condenação, isto é, da pena privativa
de liberdade ou da medida de segurança, ora de forma plena (indulto total), ora
de forma parcial (indulto parcial), subsistindo, todavia, todos os demais efeitos da
sentença condenatória, sejam eles de natureza civil ou penal, tais como, por exem­
plo, a reincidência, a inclusão do nome do réu no rol dos culpados, a obrigação de
indenizar o dano causado pelo delito etc. Daí, aliás, os dizeres da súmula n. 631 do
STJ: “O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória),
mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”.15 Subsiste, pois, a tí­
tulo de exemplo, pelo menos para fins de reincidência, condenação anterior em que
foi concedido o benefício do indulto, vez que esse perdão apaga apenas os efeitos
executórios da condenação, mas não os secundários.16
Especificamente em relação à pena de multa, há quem entenda que se o decreto
for omisso nesse sentido, seus efeitos também seriam aplicáveis à pena pecuniária.
Prevalece, todavia, o entendimento de que, no caso de omissão do decreto, a multa
não poderá ser extinta, já que, por se tratar de causa extintiva da punibilidade, sua
interpretação deve ser feita de maneira restritiva.17 Logo, para fins de extinção da
pena pecuniária, o decreto de indulto deverá ser expresso nesse sentido. A título
de exemplo, o art. 10 do Decreto n. 9.246, de 21 de dezembro de 2017, dispôs ex­
pressamente que o indulto ou a comutação de pena ali previstos alcançariam a pena
de multa aplicada cumulativamente, ainda que houvesse inadimplência ou inscrição
de débitos na Dívida Ativa da União, observados os valores estabelecidos em ato
do Ministro da Fazenda. Esse mesmo raciocínio é válido para as penas restritivas
de direitos.

13 STJ, 6a Turma, Resp 1,828.409-MS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 01.10.2019, Dje 08.10.2019.
14 No sentido de que a comutação nada mais é do que uma espécie de indulto parcial (em que há apenas
a redução da pena), daí por que a vedação à concessão de indulto em favor daqueles que praticaram
crime hediondo (Lei n. 8.072/90, art. 2o, I) também abrange a comutação: STF, 1a Turma, HC 103.618-RS,
Rei. Min. Dias Toffoli, j. 24.08.2010, DJ 08.11.2010.
15 STJ, 5a Turma, AgRg no AREsp 682.331/MG, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 07/11/2017, DJe 14/11/2017; STJ,
6a Turma, AgRg no HC 409.588/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12/12/2017, DJe 19/12/2017; STJ, 5a
Turma, HC 186.375/MG, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 21/06/2011, DJe 01/08/2011; STJ, 5a Turma, HC 438.408/
SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 20/03/2018, DJe 02/04/2018.
16 Nessa linha: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 409.588/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12/12/2017, DJe
19/12/2017; STJ, 5a Turma, AgRg no AREsp 682.331/MG, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 07/11/2017, DJe
14/11/2017; STJ, 5a Turma, HC 186.375/MG, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 21/06/2011, DJe 01/08/2011. No
sentido de que a concessão de indulto em relação às condenações anteriores não indica o retorno do
condenado à condição de primário nem afasta a presença de maus antecedentes: STJ, 5a Turma, HC 438.408/
SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 20/03/2018, DJe 02/04/2018.
17 No sentido de que o indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa que tenha sido
objeto de parcelamento espontaneamente assumido pelo sentenciado: STF, Pleno, EP11 IndCom-AgR-DF,
Rei. Min. Roberto Barroso, j. 08.11.2017, noticiado no informativo n. 884.
530 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

O indulto coletivo também se subdivide em condicionado ou incondiciona-


do, conforme sejam ou não estabelecidas condições para que haja o aperfeiçoa­
mento do benefício. A título de exemplo, é comum que os Decretos Presidenciais
estabeleçam, como exemplo de condição, a circunstância de o condenado não
ser indiciado nem processado por crime dolosos durante determinado período
referido no decreto. Aliás, no caso do indulto condicionado, admite-se eventual
recusa por parte do beneficiário.
Há, ainda, o chamado indulto humanitário, ou seja, aquele concedido por
razões de grave deficiência física ou em virtude de debilitado estado de saúde do
condenado. Para sua concessão, impõe-se a necessária comprovação, por meio de
laudo médico oficial ou por médico designado pelo juízo da execução, de que a
enfermidade que acomete o sentenciado é grave, permanente e exige cuidados que
não podem ser prestados no estabelecimento prisional.18
Pelo menos em tese, admite-se a concessão do indulto inclusive em relação
àqueles que estão em gozo do sursis. Para tanto, porém, é necessário que o condenado
tenha cumprido parte da pena imposta, por força da detração, assim preenchendo,
portanto, eventual requisito objetivo previsto no Decreto Presidencial. Aliás, aos
olhos da doutrina, mesmo que o condenado não tenha sido recolhido à prisão, tem
sido admitida a aplicação dos decretos ao condenado sob suspensão condicional da
pena quando já tiver decorrido mais da metade do prazo fixado para o benefício,
satisfeitos os demais requisitos.19
Ao Judiciário não é dado imiscuir-se no mérito do Decreto de Indulto para
fins de reescrevê-lo, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes
(CF, art. 2o).20 O tema foi levado à apreciação do Supremo no julgamento da ADI
5.874, ajuizada em face do Decreto n. 9.246/2017, concedido pelo então Presi­
dente da República Michel Temer. Inicialmente, foi concedida medida cautelar
pelo Min. Roberto Barroso para suspender a eficácia de diversos dispositivos do
mencionado Decreto, dentre eles, por exemplo, aqueles que admitiam o indulto
da pena de multa e de crimes contra a administração pública, contra o sistema
financeiro nacional, previstos na Lei de Licitações, lavagem de capitais etc. No
julgamento definitivo, todavia, o Plenário não referendou a cautelar, julgando
improcedente o pedido. Prevaleceu o entendimento de que o exercício do poder
de indultar não fere a separação de Poderes por, supostamente, esvaziar a polí­
tica criminal definida pelo legislador e aplicada pelo Judiciário. Está contido na
cláusula de separação de Poderes. O indulto e a comutação da pena configuram
típicos atos de governo, caracterizados pela discricionariedade do presidente da
República, respeitados os limites explícitos manifestos na Constituição (v.g., art.
5o, XLIII). Por outro lado, o ato de indulto não é passível de restrição fora dos

18 STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 1.155.670-MS, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 24.04.2018, DJe 11.05.2018; STJ, 5a
Turma, AgRg no HC 421.877-SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 24.04.2018, DJe 04.05.2018; STJ, 6a Turma, RHC
87.697-RJ, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 14.11.2017, DJe 21.11.2017.
19? MIRABETE. Op. cit. p. 912.
20 STJ, 5a Turma, HC 174.871-SP, Rei. Min. Gilson Dipp, DJe 27.05.2011; STJ, 5a Turma, REsp 669.574-DF, Rei.
Min. Gilson Dipp, DJ 09.02.2005.
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 531

parâmetros constitucionais. Não cabe a análise de seu mérito, do juízo de conve­


niência e oportunidade, ou seja, adentrar o mérito das escolhas do Presidente da
República feitas dentre as opções constitucionalmente lícitas. Não compete ao Poder
Judiciário reescrever o decreto de indulto. O Tribunal não pode fixar requisitos,
haja vista que ao Poder Judiciário também se impõe o império da Constituição
da República. Fosse admitida, por via judicial, a exclusão de certos crimes que a
Constituição Federal não autoriza excluir, como, por exemplo, os delitos contra
a Administração Pública, o Poder Judiciário atuaria como legislador positivo, em
evidente afronta à separação de Poderes. Logicamente, havendo comprovação de
desvio de finalidade no Decreto, caberá ao Judiciário tão somente anulá-lo com
base na teoria dos motivos determinantes.21
Pelo menos em regra, o indulto é concedido após o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória. Não há, todavia, vedação expressa à sua concessão
quando ainda em curso o processo de conhecimento, sobretudo nas hipóteses em
que a decisão condenatória recorrível tiver transitado em julgado para a acusação,
porém não para a defesa. Isso porque, em virtude do princípio da ne reformatio
in pejus (CPP, art. 617), ao Juízo ad quem não será permitido agravar a pena do
acusado de modo a afastar o preenchimento dos requisitos objetivos necessários à
concessão do indulto.22 Nesse sentido, aliás, diversos decretos de indulto têm pre­
visto, nos últimos anos, que seu regramento seria aplicável ainda que a sentença
estivesse em grau de recurso interposto pela Defesa, sem prejuízo do respectivo
julgamento pela instância superior, e que o recurso da acusação que não visasse a
alterar a quantidade da pena ou as condições exigidas para a concessão do indulto
também não teria o condão de impedir o benefício. Cite-se, como exemplo, a norma
contida no art. 3, §4°, do Decreto n. 9.370/18, que facultou ao juiz do processo de
conhecimento a concessão do indulto e da comutação nos casos em que a sentença
condenatória tivesse transitado em julgado para a acusação.
Pelo menos em tese, é possível que o indivíduo tenha sido condenado pela
prática de dois ou mais crimes em concurso, admitindo-se o indulto em relação
a um dos delitos, mas não em relação aos demais (v.g., crime hediondo). Em tal
hipótese, há de se analisar se o Decreto Presidencial dispõe acerca do assunto. A
título de exemplo, o Decreto n. 8.172/13 determinou em seu art. 8o, parágrafo único,
que, na hipótese de haver concurso entre crime impeditivo do benefício e crime
não impeditivo, não seria declarado o indulto ou a comutação da pena correspon­
dente ao crime não impeditivo, enquanto a pessoa condenada não cumprisse dois
terços da pena, correspondente ao crime impeditivo dos benefícios. Se, todavia, o
decreto for omisso a respeito da controvérsia, prevalece o entendimento de que o
impedimento à concessão do indulto em relação a um dos delitos terá o condão de
obstar a concessão do benefício em relação aos demais, mesmo que, quanto a estes,
o condenado já tenha adimplido os requisitos objetivos e subjetivos.23

21 STF, Pleno, ADI 5.874/DF, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 09/05/2019.


22 STF, Ia Turma, HC 105.022-DF, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 12.04.2011, DJ 09.05.2011.
23 AVENA. Op. cit. p. 404.
532 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Ao apreciar os requisitos exigidos pelo decreto concessivo do indulto após a


manifestação do Ministério Público e do interessado (LEP, art. 112, §2°, com reda­
ção dada pela Lei n. 13.964/19), devidamente assistido por seu Defensor, o Juízo da
Execução deverá atentar para as condições vigentes no dia em que o interessado fez
jus ao benefício, e não à época da decisão. Exemplificando, se o decreto estabelecer
como requisito para a concessão do benefício o não cometimento de falta grave
no período de um ano anteriormente à sua publicação, revela-se indevido o seu
indeferimento ao condenado que tiver praticado a referida transgressão disciplinar
posteriormente a esse período. Aliás, é firme o entendimento doutrinário e jurispru-
dencial no sentido de que ao Juízo da Execução não é dado indeferir a concessão
do indulto, sob o argumento, por exemplo, de que o crime é grave ou que se trata
de criminoso reincidente etc., sob pena de consequente violação ao princípio da
legalidade e indevida invasão judicial de competência privativa do Presidente da
República, conforme previsto no art. 84, XII, da Constituição Federal. Contra a
decisão judicial que conceder (ou não) o indulto caberá agravo em execução, nos
termos do art. 197 da LEP.

4.4.1. Prática de falta grave e (im) possibilidade de interrupção do prazo


para fins de comutação de pena ou indulto
Especificamente em relação ao prazo para a concessão do indulto ou comuta­
ção de pena, por mais que a prática de falta grave seja um indicativo da ausência de
mérito do condenado, só poderá haver interrupção da contagem do prazo se houver
previsão expressa nesse sentido no respectivo decreto presidencial. Como a competên­
cia para conceder o indulto é do Presidente da República, se acaso não constar do
Decreto Presidencial eventual restrição à concessão do referido benefício àqueles que
cometeram falta grave, não é dado ao Poder Judiciário restringir a concessão dos
referidos benefícios, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes
(CF, art. 2°).24
A título de exemplo, o Decreto n. 8.380, de 24 de dezembro de 2014, que con­
cedeu indulto natalino e comutação de penas, dispunha expressamente em seu art.
4o, parágrafo único, que a aplicação de sanção por falta disciplinar de natureza grave,
prevista na Lei de Execução Penal, não interrompia a contagem do lapso temporal
para a obtenção da declaração do indulto ou da comutação de penas previstas neste
Decreto. Ora, se o próprio Decreto concessivo do indulto estabelecia que a prática
de falta grave não interrompia a contagem do lapso temporal para a obtenção dos
benefícios sob comento, haveria evidente usurpação das atribuições constitucionais
do Presidente da República se acaso o Judiciário pudesse estabelecer restrições nesse
sentido. É nesse sentido, aliás, o teor da Súmula n. 535 do STJ: “A prática de falta

24 STJ, 3a Seção, REsp 1.364.192/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12/02/2014, DJe 17/09/2014; STJ, 6a
Turma, HC 180.460/RS, Rei. Min. Alderita Ramos de Oliveira - Desembargadora convocada do TJ/PE -, j.
16/08/2012, DJe 27/08/2012; STJ, 3a Seção, EREsp 1.176.486/SP, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j.
28/03/2012, DJe 01/06/2012.
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 533

grave não interrompe o prazo para fim de comutação de pena ou indulto”, salvo se
o Decreto Presidencial contemplar restrição nesse sentido (nosso acréscimo).25
Na eventualidade de o Decreto Presidencial afastar a possibilidade de con­
cessão do indulto em relação aos condenados que sofreram punição pela prática
de falta disciplinar de natureza grave, é imprescindível que tenha havido a ho­
mologação expressa da sanção em audiência de justificação, garantido o direito
ao contraditório e à ampla defesa. Logo, sem a homologação da sanção pelo
juiz competente, não será possível obstar o indulto ou a comutação da pena.26
Acrescente-se, ademais, que esta homologação deverá ter ocorrido ainda dentro
do período aquisitivo constante do Decreto Presidencial, ou seja, a homologação
da falta após o Decreto não poderá servir como óbice ao indulto ou comutação.27
Por outro lado, se o diploma normativo concessivo do indulto for expresso ao
fazer referência à inexistência de aplicação de sanções disciplinares nos 12 (doze)
meses anteriores à sua publicação, eventual transgressão após a publicação do
Decreto não terá o condão de obstar a concessão do benefício. Afinal, dada a
natureza declaratória da decisão judicial que reconhece o indulto, o requisito
subjetivo necessário para a sua concessão deve ser aferido no momento da pu­
blicação do Decreto.28

4.4.2. Indulto e medidas de segurança


A competência privativa do Presidente da República prevista no art. 84, XII, da
Constituição Federal, abrange a medida de segurança, porquanto espécie de sanção
penal, inexistindo restrição à concessão de indulto. Embora não seja pena em sentido
estrito, é medida de natureza penal, ajustando-se ao mencionado preceito, que há de
ser interpretado ontologicamente, e não literalmente. Destarte, considerando o caráter
punitivo da medida de segurança, não se pode negar ao Presidente da República a
competência para a concessão de indulto em tais casos. É nesse sentido, aliás, a Tese
de Repercussão Geral fixada no tema n. 371: “Reveste-se de legitimidade jurídica
a concessão, pelo Presidente da República, do benefício constitucional do indulto
(CF, art. 84, XII), que traduz expressão do poder de graça do Estado, mesmo se se
tratar de indulgência destinada a favorecer pessoa que, em razão de sua inimputa-
bilidade ou semi-imputabilidade, sofre medida de segurança, ainda que de caráter
pessoal e detentivo”.29

25 Tese de Recurso Especial Repetitivo fixada no tema n. 709. Paradigma: STJ, 3a Seção, REsp 1.364.192-
RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12.02.2014.
26 No sentido de que viola a legalidade o entendimento de que a homologação da sanção pode ser tácita,
bastando que a sanção produza qualquer consequência no cumprimento da pena e seja decidida pelo
Juízo: ROIG. Op. cit. p. 410.
27 STJ, 5a Turma, HC 350.195-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 23.08.2016, DJe 30.08.2016; STF, ARE
964.969-RS, Rei. Min. Edson Fachin, j. 25.04.2016, DJe 85 29.04.2016.
28 STJ, 5a Turma, HC 223.188-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 16.02.2012, DJe 02.03.2012.
29 Paradigma: STF, Pleno, RE 628.658/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 05.11.2015, DJ 01.04.2016.
534 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

4.4.3. Crimes hediondos e equiparados


Ao se referir às vedações aos crimes hediondos e equiparados, o art. 5o, XLIII, da
Constituição Federal, faz menção apenas à anistia e à graça, deixando de mencionar,
pelo menos expressamente, o indulto. Por esse motivo, parte da doutrina sustenta
que, ao ampliar as vedações para os crimes hediondos e equiparados, proibindo a
concessão do indulto em seu art. 2o, I, o legislador da Lei n° 8.072/90 teria incorrido
em flagrante inconstitucionalidade. De mais a mais, como a Constituição Federal
se refere à competência exclusiva do Presidente da República para conceder indulto
(art. 84, XII), sem estabelecer quaisquer limitações em virtude da natureza da in­
fração penal, não poderia o legislador ordinário estabelecer uma vedação material
não ressalvada expressamente pela Carta Magna.
Prevalece, no entanto, o entendimento de que a expressão graça a que se refere
o art. 5o, XLIII, da Constituição Federal, deve ser objeto de interpretação extensiva
para também abranger a vedação da concessão de indulto e comutação de pena, já
que as duas causas extintivas da punibilidade são espécies de clemência soberana,
com a única diferença de que aquela é concedida de maneira individualizada e
esta para um grupo indeterminado de condenados.30 Deveras, não haveria sentido
algum em se proibir a anistia, que só pode ser concedida por lei, e se permitir o
indulto individual ou coletivo, dependente de decreto.31 Destarte, a proibição de
um instituto - graça (indulto individual) - permite ao legislador infraconstitucional
a proibição do outro - indulto coletivo. Consequentemente, ao se referir à compe­
tência do Presidente da República para a concessão do indulto, o art. 84, XII, da
Carta Magna, refere-se não apenas à concessão do indulto coletivo como também
à concessão do indulto individual (graça).32
De todo modo, ainda que se queira arguir a inconstitucionalidade do art. 2o,
I, da Lei n° 8.072/90, no tocante à vedação da concessão de indulto, como a com­
petência para conceder o indulto é do Presidente da República, se acaso constar
do Decreto Presidencial eventual restrição à concessão do referido benefício aos
autores de crimes hediondos e equiparados, não é dado ao Poder Judiciário ampliar
sua concessão a tais delitos, sob pena de violação ao princípio da separação dos
poderes (CF, art. 2o). A título de exemplo, o Decreto n° 7.873/12, que concedeu in­
dulto natalino e comutação de penas, dispôs expressamente que tais benefícios não
alcançariam as pessoas condenadas por crime de tortura ou terrorismo, por tráfico

30 No sentido de que o instituto da graça, previsto no art. 5o, XLIII, da Constituição Federal, engloba o indulto
e a comutação de pena, estando a competência privativa do Presidente da República para a concessão
desses benefícios limitada pela vedação estabelecida no referido dispositivo constitucional: STJ, 5a Turma,
AgRg no HC 486.603-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 20.08.2019, DJe 30.08.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no
HC 4468.008-SC, Rei. Min. Felix Fischer, j. 27.11.2018, DJe 03.12.2018; STJ, 6a Turma, HC 458.735-MG, Rei.
Min. Laurita Vaz, j. 04.10.2018, DJe 23.10.2018.
31 STF, 1a Turma, HC 81.565/SC, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19/02/2002, DJ 22/03/2002.
32 No sentido de que o inciso I do art. 2o da Lei 8.072/90 retira seu fundamento de validade diretamente do
art. 5o, XLIII, da Constituição Federal, destacando, ademais, que o art. 5o, XLIII, da Constituição, que proíbe
a graça, gênero do qual o indulto é espécie, nos crimes hediondos definidos em lei, não conflita com o
art. 84, XII, da Lei Maior: STF, Pleno, HC 90.364/MG, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 31/10/2007, DJe 152
29/11/2007.
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 535

ilícito de droga ou por crime hediondo (art. 8o, I, II, e III). Ora, como a concessão
de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do
poder discricionário do Presidente da República (CF, art. 84, XII), haveria evidente
usurpação dessa atribuição constitucional se acaso o Poder Judiciário ampliasse a
concessão da referida benesse a tais delitos.33
Partindo da premissa de que é vedada a concessão do indulto em relação a
crimes hediondos e equiparados, há controvérsias acerca da possibilidade de sua
concessão em relação a delitos que não tinham essa natureza à época de sua prática.
De um lado, parte da doutrina sustenta que deve ser analisada a natureza do delito
à época do decreto presidencial. Com a devida vênia, partilhamos do entendimento
no sentido de que a vedação ao indulto só atinge os delitos que já eram considerados
hediondos quando da sua prática, sob pena de violação ao princípio da irretroati-
vidade da lex gravior.34 No âmbito do Supremo Tribunal Federal, ora se delibera
em um sentido, ora se delibera em outro. De fato, por ocasião do julgamento do
HC 94.679-SP,35 compreendeu-se que “a natureza dos crimes não contemplados
pelo Decreto Presidencial que concede o benefício do indulto e comutação de pena
deve ser aferida à época da edição do respectivo ato normativo, pouco importando
a data em que tais delitos foram praticados”. Ocorre que, ao deliberar sobre o HC
101.238-SP,36 a mesma Corte concluiu que, sob pena de ofensa ao princípio da ir-
retroatividade da lei penal mais gravosa, a vedação do indulto deve atingir apenas
os delitos cometidos após o advento da lei que os considerou hediondos. Na visão
do STJ, não dispondo o decreto autorizador de forma contrária, os condenados por
crimes de natureza hedionda têm direito aos benefícios de indulto ou de comutação
de pena, desde que as infrações penais tenham sido praticadas antes da vigência da
Lei n. 8.072/90 e suas modificadoras.37
Outrossim, na medida em que a comutação de pena (diminuição da pena) é
tida como espécie de indulto - indulto parcial -, também se revela inadmissível sua
aplicação a crimes hediondos e equiparados. Nessa linha, como já se pronunciou a
Ia Turma do Supremo, “a comutação nada mais é do que uma espécie de indulto
parcial (em que há apenas a redução da pena). Daí por que a vedação à concessão
de indulto em favor daqueles que praticaram crime hediondo - prevista no art. 2o,
I, da Lei n° 8.072/90 - abrange também a comutação”.38

33 No sentido de que anistia, indulto, graça e comutação de pena constituem objeto do exercício do poder
discricionário do Presidente da República, cujo Decreto pode, observando as limitações constitucionais,
prever a concessão do benefício apenas a condenados que preencham certas condições ou requisitos:
STF, 2a Turma, HC 96.431/RJ, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 14/04/2009, DJe 089 14/05/2009.
34 Para Masson (Op. cit. p. 787), a natureza dos crimes abrangidos pelo indulto deve ser analisada à época
da sua prática, e não no momento da concessão do benefício. Logo, se quando cometido o delito não
era hediondo, e depois passou a ostentar esta característica, em tese será cabível o indulto.
35 STF, 2a Turma, HC 94.679-SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 18.11.2008, DJ 19.12.2008.
36 STF, 2a Turma, HC 101.238-SP, Rei. Min. Eros Grau, j. 02.02.2010, DJ 21.05.2010.
37 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 370.983-SP, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 12.02.2019, DJe 01.03.2019;
STJ, 5a Turma, HC 362.286-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 13.09.2016, DJe 22.09.2016; STJ, 6a Turma, HC
327.861-SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 23.02.2016, Dje 07.03.2016.
38 STF, 1a Turma, HC 103.618/RS, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 24/08/2010, DJe 213 05/11/2010. E ainda: STF, 1a
Turma, HC 81,567/SC, Rei. Min. limar Galvão, j. 19/02/2002, DJ 05/04/2002; STF, 2a Turma, HC 81,402/SC, Rei.
536 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Especificamente em relação ao crime de tortura, especial atenção deve ser


dispensada ao art. Io, § 6o, da Lei n° 9.455/97: “o crime de tortura é inafiançável e
insuscetível de graça ou anistia”. Como se percebe, ao contrário da Lei dos Crimes
Hediondos, que veda expressamente a concessão da anistia, da graça e do indulto
(Lei n° 8.072/90, art. 2o, I), a Lei n° 9.455/97 proíbe apenas a graça e a anistia. Em
face da omissão da proibição do indulto, parte da doutrina sustenta que, por se
tratar de norma especial e posterior, o art. 2o, I, terceira figura, da Lei n° 8.072/90,
teria sido tacitamente revogado pela Lei n° 9.455/97. Logo, condenados pela prática
de crimes hediondos, tráfico de drogas e terrorismo também fariam jus ao indulto.39
A despeito desse entendimento doutrinário, sob o argumento de que a proibição do
indulto decorre diretamente da Constituição Federal, que, ao vedar a graça em seu
art. 5o, XLIII, também estaria por vedar implicitamente o indulto, há precedentes
do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é vedada a concessão de indulto
aos condenados pela prática do crime de tortura, ou qualquer outro crime hediondo
e equiparado.40
A vedação constitucional à concessão do indulto também consta da Lei de
Drogas, cujo art. 44 veda expressamente a concessão de anistia, graça e indulto aos
crimes previstos nos arts. 33, caput e §1°, e 34 a 37 do referido diploma normativo.
Nesse ponto, importante lembrar que o crime de tráfico privilegiado previsto no
art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06 não é mais considerado hediondo pelos Tribunais
Superiores.41 Prova disso, aliás, é que, ao deliberar pelo cancelamento da Súmula
n. 512 do STJ (“A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33,
§4n, da Lei n. 11.343/06 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas”), a
3a Seção daquela Corte aprovou fixou a seguinte tese: “O tráfico ilícito de drogas na
sua forma privilegiada (art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06) não é crime equiparado a
hediondo”.42 Se não se trata, o tráfico privilegiado, de crime equiparado a hediondo,
não há qualquer óbice à concessão do indulto.43
Por fim, em relação ao chamado indulto humanitário, ou seja, aquele concedido
por razões de grave deficiência física ou em virtude de debilitado estado de saúde,
prevalece o entendimento de que a referida causa extintiva da punibilidade pode
ser concedida inclusive para condenados por crimes hediondos ou assemelhados,

Min. Nelson Jobim, j. 18/12/2001, DJ 31/05/2002; STF, 1a Turma, HC 81.410/SC, Rei. Min. Sydney Sanches,
j. 19/02/2002, DJ 21/06/2002.
39 Nesse sentido: GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondos, tóxicos, terrorismo, tortura. 3a ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2004. p. 106.
40 No sentido da inconstitucionalidade da possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados
por crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, indepen­
dentemente do lapso temporal da condenação: STF, Pleno, ADI 2.795 MC/DF, Rei. Min. Maurício Corrêa, j.
08/05/2003, DJ 20/06/2003.
41 STF, Pleno, HC 118.533/MS, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 23/06/2016.
42 Tese de Recurso Especial Repetitivo fixada no tema n. 600. Paradigma: STJ, 3a Seção, Pet 11.796/DF,
Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 23.11.2016.
43 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 498.531-MS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 19.09.2019, DJe 30.09.2019; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 478.806-SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 15.08.2019, DJe 30.08.2019; STJ, 3a Seção, Rcl
37.592-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22.05.2019, DJe 30.05.2019.
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 537

hipótese à qual não seria aplicável a vedação do art. 2o, I, da Lei n° 8.072/90.44 Por
força do princípio da humanidade, até mesmo condenados por crimes de especial
gravidade têm o direito de padecer seu estado doentio em sossego ou de preparar-
-se para a morte com dignidade, notadamente nas hipóteses em que os cuidados
médicos não possam ser prestados no próprio estabelecimento penal.45 A título de
exemplo, o Decreto n° 7.873/12 autorizou expressamente a concessão do indulto
natalino às pessoas com paraplegia, tetraplegia ou cegueira, desde que tais condições
não fossem anteriores à prática do delito, mesmo que a condenação fosse referente à
prática de crime de tortura, terrorismo, tráfico de drogas e crimes hediondos (Dec.
7.873/12, art. Io, inciso X, alínea “a”, c/c art. 8o, parágrafo único).

4.4.4. Questões controvertidas


Ainda em relação ao indulto, especial atenção deve ser dispensada às seguintes
questões:
a. Natureza jurídica da decisão que concede o indulto e a comutação: a
decisão tem natureza meramente declaratória, na medida em que o direito já fora
constituído pelo Decreto Presidencial concessivo desses benefícios.46 Prova disso,
aliás, é o próprio art. 192 da LEP, que prevê que, concedido o indulto e anexada
aos autos cópia do Decreto, o juiz declarará extinta a pena ou ajustará a execução
aos termos do decreto, no caso de comutação.47 Portanto, o deferimento do indulto
e da comutação das penas deve observar estritamente os critérios estabelecidos pela
Presidência da República no respectivo ato de concessão, sendo vedada a interpretação
ampliativa da norma, sob pena de usurpação da competência privativa disposta no
art. 84, XII, da Constituição e, ainda, ofensa aos princípios da separação entre os
poderes e da legalidade.48 Por consequência, a análise do preenchimento do requisito
objetivo para a concessão dos benefícios de indulto e de comutação de pena deve
considerar todas as condenações com trânsito em julgado até a data da publicação do
decreto presidencial, sendo indiferente o fato de a juntada da guia de execução penal

44 STJ, 5a Turma, HC 117.689-SP, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 09.03.2010, DJe 12.04.2010. Com
entendimento semelhante: ROIG. Op. cit. p. 412.
45 LEAL, João José. A Lei n° 8.072/90 - LCH e a proibição do indulto humanitário, Boletim IBCCrim, n° 147,
fevereiro de 2005.
46 STJ, 5a Turma, HC 82.184-SP, Rei. Laurita Vaz, j. 28.06.2007, DJ 06.08.2007.
47 No sentido de que a sentença que concede o indulto ou a comutação de pena tem natureza declaratória,
não havendo como impedir a concessão dos benefícios ao sentenciado, se cumpridos todos os requisitos
exigidos no decreto presidencial: STJ, 5a Turma, HC 486.272-SP, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 04.06.2019,
DJe 17.06.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no Resp 1,744.552-PE, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
25.09.2018, DJe 03.10.2018; STJ, 5a Turma, AgRg no REsp 1.744.552-PE, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fon­
seca, j. 25.09.2018, DJe 03.10.2018; STJ, 6a Turma, AgRg no HC 436.841-SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, j. 21.06.2018, DJe 01.08.2018.
48 STJ, 5a Turma, AgRg no HC 498.531-MS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 19.09.2019, DJe 30.09.2019; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 478.806-SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 15.08.2019, DJe 30.08.2019; STJ, 3a Seção, Rcl
37.592-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22.05.2019, DJe 30.05.2019.
538 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

ter ocorrido em momento posterior à publicação do referido decreto.49 Na mesma


linha, a superveniência de condenação, seja por fato anterior ou posterior ao início
do cumprimento da pena, não altera a data-base para a concessão da comutação
de pena e do indulto.50 Ademais, como o indulto e a comutação de pena incidem
sobre as execuções em curso no momento da edição do decreto presidencial, não
se revela possível considerar na base de cálculo dos benefícios as penas já extintas
em decorrência do integral cumprimento;51
b. (Im) possibilidade de comutações sucessivas: se o respectivo Decreto não trouxer
previsão normativa em sentido diverso, prevalece o entendimento de que a comutação
poder ser concedida mais de uma vez ao longo da execução (comutações sucessivas),
sendo possível a comutação mesmo aos que ainda não tenham obtido as comutações
de decretos anteriores, independentemente de pedido anterior.52 Nesse caso, para fins de
concessão do indulto, deve ser considerada a pena originalmente imposta, não sendo
levada em conta, portanto, a pena remanescente em decorrência de comutações anteriores;53
c. Detração e remição: para efeitos de integralização do requisito temporal
para a concessão do indulto total ou parcial (comutação), deverá ser computada a
detração penal (CP, art. 42), sem prejuízo da remição prevista no art. 126 da LEP;
d. Prática de crime na vigência do livramento condicional: na visão dos Tri­
bunais Superiores, as consequências advindas da condenação por crime praticado na
vigência do livramento condicional estão previstas taxativamente no Código Penal
e na Lei de Execução Penal (arts. 88 e 142, respectivamente), e, dentre elas, não se
extrai a conclusão no sentido de que, para fins de comutação de penas, exigir-se-á
o reinicio da contagem do prazo a partir do cumprimento integral da reprimenda
que ensejou o livramento condicional, especialmente quando o decreto presidencial
silenciar a respeito do assunto;54
e. Concurso de crimes: o cumprimento da fração de pena prevista como cri­
tério objetivo para a concessão de indulto deve ser aferido em relação a cada uma
das sanções alternativas impostas, consideradas individualmente;55

49 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 450.324-ES, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 12.03.2019, DJe 28.03.2019; STJ, 5a Turma,
AgRg no HC 437.220-ES, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 19.03.2019, DJe 25.03.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no
REsp 1,756.386-ES, Rei. Min. Felix Fischer, j. 02.10.2018, DJe 08.10.2018.
50 STJ, 5a Turma, HC 496.402-SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 11.04.2019, Dje 22.04.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no
HC 441.553-ES, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.03.2019, DJe 08.04.2019; STJ, 5a Turma, AgRg
no REsp 1.616.339-RS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 27.11.2018, DJe 05.12.2018.
51 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 519.296-SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 01.10.2019, DJe 08.10.2019; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 482.585-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 25.06.2019, DJe 02.08.2019; STJ, 5a Turma, AgRg
no HC 463.456-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 20.09.2018, DJe 01.10.2018.
52 ROIG. Op. cit. p. 403.
53 STJ, 6a Turma, AgRg no HC 454.365-SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 07.02.2019, DJe 27.02.2019; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 429.125-SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19.04.2018, DJe 11.05.2018; STJ, 6a Turma,
AgRg no HC 257.607-DF, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 07.02.2017, DJe 16.02.2017; STJ, 5a Turma, HC
362.016-RJ, Rei. Min. Joel llan Paciornik, j. 25.10.2016, DJe 07.11.2016.
54 STJ, 5a Turma, HC 179.236-RJ, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 04.12.2012, DJe 10.12.2012.
55 STJ, 6a Turma, AgRg no AREsp 1.450.613-GO, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 15.08.2019, DJe
29.08.2019; STJ, 6a Turma, AgRg no HC 409.107-PR, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 25.09.2018, DJe 09.10.2018;
STJ, 5a Turma, EDcl no AgRg no AREsp 298.957-SC, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 10.04.2018, DJe 20.04.2018.
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 539

f. Concurso de crimes envolvendo crimes hediondos (ou equiparados) e


crimes comuns: historicamente, os decretos presidenciais geralmente preveem
que, em caso de concurso de crimes com delito hediondo ou equiparado, a pes­
soa condenada não terá direito ao indulto ou à comutação da pena em relação
ao crime comum praticado em concurso, pelo menos enquanto não cumprir, no
mínimo, dois terços da pena, correspondente ao crime impeditivo dos direitos.
Essa regra foi construída em analogia ao que se verifica no livramento condi­
cional, em que, havendo concurso entre um crime hediondo ou equiparado e
outro não hediondo ou equiparado, o condenado poderá fruir do direito após
cumprir dois terços do primeiro, mais um terço (se primário) ou metade (se
reincidente) do segundo. A lógica é a de que, se o apenado poderia estar em
livramento condicional pelo delito hediondo ou equiparado após o cumprimento
de mais de 2/3 (dois terços) da pena, não haveria razão para que este delito
impedisse o indulto ou comutação pelo delito não hediondo.56 Enfim, salvo se
houver dispositivo em sentido diverso no Decreto Presidencial, havendo concurso
com crime impeditivo (crimes hediondos ou equiparados), a pessoa condenada
poderá ter direito ao indulto ou à comutação da pena correspondente ao crime
não impeditivo assim que cumprir dois terços da pena do impeditivo, não sendo
necessário cumprir mais um terço ou metade da pena pelo crime não impeditivo,
tempo este quase sempre já abarcado pelo cumprimento de dois terços da pena
do delito impeditivo;57
g. Exame criminológico: se o Decreto Presidencial não incluir como exigência
do indulto ou da comutação de penas a realização de exame criminológico para
se aferir requisito subjetivo para a concessão do benefício, bastando apenas que o
condenado não tenha cometido, nos últimos 12 meses, falta grave, não é possível
condicionar a concessão do benefício à realização de prévio exame criminológico,
por se tratar de requisito não previsto no decreto, cuja competência para a definição
é privativa do Presidente da República;58
h. Competência para apreciação do pedido de indulto em relação à pena de
multa convertida em dívida de valor: na vigência da antiga redação do art. 51 do
Código Penal, ou seja, antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime, quando o
STJ possuía orientação consolidada no sentido de que a competência para a exe­
cução da multa era do Juízo da Execução Fiscal, tal qual previsto, aliás, na Súmula

56 No sentido de que é possível a concessão de comutação de pena aos condenados por crime comum
praticado em concurso com crime hediondo, desde que o apenado tenha cumprido as frações referentes
aos delitos comum e hediondo, exigidas pelo respectivo decreto presidencial: STJ, 6a Turma, AgRg no
HC 406.582-SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 06.08.2019, DJe 12.08.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no HC
420.184-SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 25.06.2019, DJe 01.07.2019; STJ, 5a Turma, HC 506.165-DF, Rei. Min. Felix
Fischer, j. 28.05.2019, Dje 04.06.2019; STJ, 3a Seção, Rcl 37.592-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
j. 22.05.2019, Dje 30.05.2019.
57 ROIG. Op. cit. p. 413-414.
58 STJ, 6aTurma, HC 234.363-SP, Rei. Min. Ericson Maranho - Desembargador convocado doTJ-SP -, j. 25.08.2015,
DJe 22.09.2015; STJ, 5a Turma, HC 264.927-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 01.10.2013, DJe 10.10.2013.
540 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

n. 521 daquele Tribunal,59 entendia-se que, por consequência, eventual pedido de


indulto em relação à pena de multa convertida em dívida de valor também deveria
ser apreciada por tal juízo.60 Com a nova redação conferida ao art. 51 do CP pela
Lei n. 13.964/19, outorgando a competência para a execução da pena de multa ex­
clusivamente ao Juízo da Execução Penal, é de rigor a conclusão no sentido de que,
desde então, a ele também caberá apreciar eventual pedido de indulto em relação à
pena de multa, ainda que convertida em dívida de valor.

5. INCIDENTES DA EXECUÇÃO NOS CASOS DE COLABORAÇÃO


PREMIADA

Espécie do direito premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como


uma técnica especial de investigação (meio extraordinário de obtenção de prova),
por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu
envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução
penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos
previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal. Portanto,
ao mesmo tempo em que o investigado (ou acusado) confessa a prática delituosa,
abrindo mão do seu direito de permanecer em silêncio (nemo tenetur se detegere),
assume o compromisso de ser fonte de prova para a acusação acerca de determi­
nados fatos e/ou corréus. Evidentemente, essa colaboração deve ir além do mero
depoimento do colaborador em detrimento dos demais acusados, porquanto não se
admite a prolação de um decreto condenatório baseado única e exclusivamente na
colaboração premiada.
Pelo menos até o advento da Lei n° 12.683/12, que deu nova redação à Lei de
Lavagem de Capitais, e da Lei n° 12.850/13, nenhum deles dispunha expressamente
sobre o momento de celebração do acordo. Por se tratar, a colaboração premiada, de
espécie de meio de obtenção de prova, poder-se-ia concluir, precipitadamente, que
o benefício somente seria aplicável até o encerramento da instrução probatória em
juízo. Porém, não se pode afastar a possibilidade de celebração do acordo mesmo
após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, inclusive no curso
da execução da pena irrecorrível. De fato, a partir de uma interpretação teleológica
das normas instituidoras da colaboração premiada, cujo objetivo pode subsistir
para o Estado mesmo após a condenação irrecorrível daquele que deseja colaborar,
deve-se admitir a incidência do instituto após o trânsito em julgado de sentença
condenatória, desde que ela ainda seja objetivamente eficaz.61

59 Súmula n. 521 do STJ: "A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta
em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda".
60 Compete ao Juízo da Execução Fiscal a apreciação do pedido de indulto em relação à pena de multa
convertida em dívida de valor. STJ, 6a Turma, EDcl no AgRg no REsp 1.806.025-SP, Rei. Min. Sebastião Reis
Júnior, j. 22.10.2019, DJe 05.11.2019; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 441.809-SP, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j.
30.05.2019, DJe 04.06.2019; STJ, 6a Turma, Aglnt no REsp 1.753.653-SC, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 12.03.2019,
DJe 29.03.2019.
61 Nesse sentido: FREIRE JR., Américo Bedê. Qual o meio processual para requerer a delação premiada após
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória? In: Revista Síntese de Direito Penal e Processual
Cap. XII • INCIDENTES DA EXECUÇÃO 541

Nessa linha, especial atenção deve ser dispensada ao art. Io, § 5o, da Lei n°
9.613/98, com redação dada pela Lei n° 12.683/12, que passou a dispor expressamente
acerca da possibilidade de o juiz deixar de aplicar apena ou substituí-la, a qualquer
tempo, por pena restritiva de direitos. O dispositivo deixa evidente que o que realmente
interessa não é o momento em que a colaboração premiada é celebrada, mas sim a
eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador. Em sentido semelhante,
o art. 4o, § 5o, da Lei n° 12.850/13, também prevê expressamente que, na hipótese -
de a colaboração ser posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade
ou ser admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
À primeira vista, pode parecer um pouco estranho que tais dispositivos se refi­
ram à celebração do acordo de colaboração premiada após a sentença condenatória
irrecorrível (a qualquer tempo). Todavia, na hipótese de o produto direto ou indireto
da infração penal antecedente do crime de lavagem de capitais não ter sido objeto de
medidas assecuratórias durante o curso da persecução penal, inviabilizando ulterior
confisco, não se pode descartar a possibilidade de que as informações prestadas pelo
agente mesmo após o trânsito em julgado de sentença condenatória ainda sejam obje­
tivamente eficazes no sentido da recuperação de tais bens, o que, em tese, lhe assegura
a concessão dos prêmios legais inerentes à colaboração premiada prevista no art. 4o, §
5o, da Lei n° 12.850/13.
Firmada a premissa de que o acordo de colaboração premiada pode ser cele­
brado a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, discute-se na doutrina qual seria o meio adequado para se requerer
o reconhecimento da colaboração na fase de execução.
Parte da doutrina entende ser possível o ajuizamento de revisão criminal. Isso
porque uma das hipóteses de rescisão de coisa julgada ocorre quando, após a senten­
ça condenatória com trânsito em julgado, se descobrem novas provas de inocência
do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial
da pena (CPP, art. 621, III). O argumento de que não seria cabível sua concessão
em fase de execução, por ser a sentença o momento de concessão dos benefícios
(redução de pena, regime penitenciário brando, substituição de prisão por pena
alternativa ou extinção da punibilidade) não parece convincente. Como assevera
Jesus,62 o art. 621 do CPP autoriza explicitamente desde a redução da pena até a
absolvição do réu em sede de revisão criminal, de modo que este também deve ser
considerado um dos momentos adequados para exame de benefícios aos autores de
crimes, inclusive em relação à colaboração premiada. Exigir-se-á, evidentemente,
o preenchimento de todos os requisitos legais, inclusive o de que o ato se refira à
delação dos coautores ou partícipes do(s) crime(s) objeto da sentença rescindenda.
Será preciso, ademais, que esses concorrentes não tenham sido absolvidos defini­
tivamente no processo originário, uma vez que, nessa hipótese, formada a coisa

Penal, ano VI, n° 36, Porto Alegre, fev.-mar./2006, p. 235.


62 JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi,Teresina,
ano 10, n° 854, 4 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551>. Acesso
em 04mar2009.
542 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

julgada material, a colaboração, ainda que sincera, jamais seria eficaz, diante da
impossibilidade de revisão criminal pro societate.
A nosso juízo, considerando que a revisão criminal é meio para reparação de
erro judiciário, e tendo em conta que a incidência da colaboração premiada em sede
de execução não pressupõe erro do juiz que exija a rescisão da sentença original, o
meio processual adequado para que seja reconhecida a colaboração após o trânsito
em julgado de sentença condenatória é submeter o acordo à homologação perante o
juiz da vara de execuções penais, nos mesmos moldes de outros incidentes da exe­
cução. Não se trata, a colaboração premiada após o trânsito em julgado de sentença
condenatória, de prova nova da inocência do acusado para fins de ajuizamento de
revisão criminal (CPP, art. 621, III). Cuida-se de fato novo que deve ser levado à
consideração do juiz da execução penal, nos mesmos moldes que os demais fatos
novos que surgem ao longo da execução, tal qual o surgimento de lei nova mais
benigna (LEP, art. 66, I). Aplica-se, pois, por analogia, o raciocínio constante da
súmula n° 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete
ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna”.63 Logo, na eventualidade de
colaboração premiada no curso da execução penal, deverá ser instaurado o respectivo
incidente,64 ao final do qual, verificado o cumprimento de todas as condições pac­
tuadas, deverá o Juízo da Execução conceder ao condenado os respectivos prêmios
legais (v.g., diminuição da pena, perdão judicial, substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos, progressão de regimes etc.).

63 PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit. p. 64.


64 BRITO. Op. cit. p. 568.
XIII
PROCEDIMENTO JUDICIAL

1. PROCEDIMENTO JUDICIAL

O exercício da função jurisdicional em sede penal não termina com o trânsito


em julgado da respectiva sentença condenatória. Pelo contrário. Na verdade, ele se
realiza na execução penal. De fato, com a formação da coisa julgada, surge entre o
condenado e o Estado uma complexa relação jurídica, com direitos, expectativas de
direitos, deveres, e legítimos interesses, de parte a parte, inclusive no que se refere
aos incidentes da execução. Como ocorre em qualquer espécie de relação jurídica,
a resolução desses inúmeros conflitos demanda a intervenção jurisdicional.
Esses conflitos entre a pretensão executória e os direitos subjetivos do condenado
não estão restritos aos clássicos incidentes da execução, objeto de análise no capítulo
anterior, mas também se manifestam em qualquer situação do processo executório
em que se contraponham, de um lado, os direitos e os deveres componentes do
status do condenado, e de outro, o direito de punir do Estado, ou seja, de fazer
com que a sanção aplicada na sentença seja regularmente executada. Daí a ideia
de jurisdicionalização da execução penal, a significar que a intervenção do juiz, no
curso desta, é eminentemente jurisdicional, sem exclusão daqueles atos acessórios,
de ordem administrativa, que acompanham as atividades do magistrado.
Com o objetivo de concretizar o processo, instrumento por meio do qual se
exerce essa função jurisdicional, com todas os princípios, garantias e direitos que lhe
são inerentes, a Lei de Execução Penal prevê um procedimento judicial para dirimir
os inúmeros conflitos que porventura venham a surgir no curso da execução da
pena. A propósito, eis o teor do art. 194 da LEP: “O procedimento correspondente
às situações previstas nesta Lei será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da
Execução”.
Destarte, excetuando-se aquelas medidas de caráter estritamente administrativo
e que a própria Lei entrega à autoridade administrativa, esse rito padrão deverá ser
aplicado a todos os incidentes ocorridos no curso da execução penal, sempre que
não houver previsão expressa de procedimento diverso, implicando sua inobservância
544 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

em causa de nulidade. São inúmeras, assim, as situações que demandam a obser­


vância desse procedimento, como, por exemplo, a suspensão ou perda de benefícios
prisionais (v.g. trabalho externo, remição), revogação do livramento condicional,
progressão e regressão de regimes etc.

2. INICIATIVA DO PROCEDIMENTO JUDICIAL

No curso do processo de conhecimento, o ordenamento jurídico veda a atuação


de ofício do juiz, seja na fase investigatória, seja na fase processual (CPP, arts. 282,
§§2° e 4o, e 311, com redação dada pela Lei n. 13.964/19), e o faz de modo a res­
guardar não apenas a proteção do sistema acusatório (CF, art. 129, I), mas também
a própria garantia da imparcialidade, garantia suprema do processo. Esse regramento
não é aplicável, todavia, em sede de execução penal. Prova disso, aliás, é o fato de
o art. 195 da LEP, em sua parte inicial, dispor expressamente que o procedimento
judicial iniciar-se-á de ofício. Na mesma linha, a própria execução da sanção penal
inicia-se, pelo menos em regra, de ofício pelo Juízo da Execução, a partir do rece­
bimento da guia de recolhimento (ou internação, quando for o caso de medida de
segurança) expedida pelo juiz do processo de conhecimento.
Parte da doutrina sustenta que essa iniciativa judicial em sede de execução penal,
desencadeando, por exemplo, o procedimento judicial para apuração de falta grave,
importaria em ofensa à garantia da imparcialidade que deve reger a atuação do ma­
gistrado, razão pela qual, à semelhança do que ocorre no processo de conhecimento,
o magistrado também deveria agir somente quando provocado nesse sentido. Com
a devida vênia, reputamos indevida a aplicação da mesma sistemática do processo
de conhecimento à execução penal. Se àquele é aplicável o princípio da inércia da
jurisdição, vedando-se a possibilidade de o magistrado agir de ofício, por exemplo,
para dar início a um processo penal condenatório (processo judicialiforme), há de
se compreender que a fase executória é regida por princípios próprios, que visam
não apenas à repressão, mas sobretudo à ressocialização e recuperação do conde­
nado. Exige-se, pois, do Juízo da Execução, uma atuação mais efetiva, o que, aliás,
pode ser extraído da própria Lei de Execução Penal, que a ele outorga a função de
zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança (art. 66, VI).1
Ultrapassada essa controvérsia, dispõe a LEP (art. 195) que o procedimento
judicial também pode ter início a partir de requerimento do Ministério Público,
do interessado (condenado, internado ou submetido a tratamento ambulatorial), de
quem o represente (Defensor), de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante
proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa (v.g.,
Diretor da unidade prisional).
De se notar que o art. 195 da LEP não outorgou nenhuma legitimidade ao
assistente da acusação, nem tampouco ao querelante no caso de eventual condena­
ção por crime de ação penal privada. Justifica-se a omissão em questão pelo fato

1 No sentido de que a iniciativa conferida pelo art. 195 da LEP ao Juízo da Execução não implica em ofensa
ao princípio da imparcialidade: AVENA. Op. cit. p. 409.
Cap. XIII • PROCEDIMENTO JUDICIAL 545

de que tais sujeitos processuais não tÊm interesse para intervir na fase executória,
já que sua atuação exaure-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória
(ou absolutória imprópria).
Quando o procedimento judicial tiver sido instaurado de ofício, deverá o Juízo
da Execução baixar a competente portaria. Se for provocado nesse sentido, deverá
sê-lo por meio de requerimento do Ministério Público, do interessado, de quem o
represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, ou mediante representação do
Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa.

3. ITER PROCEDIMENTAL

Independentemente de como tiver se iniciado o procedimento judicial, revela-


-se imprescindível que o apenado tenha direito à defesa técnica exercida por um
profissional da advocacia (defensor público, constituído ou nomeado), sob pena
de nulidade do procedimento. Por mais que o art. 196 da LEP faça menção à
manifestação do condenado, sem fazer qualquer referência explícita à intervenção
da defesa técnica, é evidente que o dispositivo deve ser lido à luz da Constituição
Federal, que impõe a observância da ampla defesa, necessariamente exercida por
Defensor, inclusive no curso da execução penal. Ora, se a jurisprudência sustenta
que o reconhecimento de falta disciplinar no curso do respectivo procedimento
administrativo pelo diretor da unidade prisional demanda o exercício do direito de
defesa por advogado constituído ou defensor público nomeado (Súmula n. 533 do
STJ), seria no mínimo contraditório não se impor a presença da defesa técnica no
curso do procedimento judicial.2
Enfim, sempre que houver qualquer hipótese de alteração do título executó-
rio, quer por conta da concessão de benefícios prisionais, quer por conta da sua
supressão, há de ser respeitado, em sua integralidade, o devido processo legal, com
seus consectários naturais, em especial o contraditório e a ampla defesa. Por isso,
impõe-se não apenas a intervenção da defesa técnica, regularmente exercida por
um profissional da advocacia, como também a obrigatoriedade de intervenção do
Ministério Público, ao qual é atribuída a função de fiscalizar a execução da pena
e da medida de segurança (LEP, art. 67). Não por outro motivo, o art. 196 da LEP
é explícito ao afirmar que a portaria ou petição será autuada, ouvindo-se, em 3
(três) dias, o condenado e o Ministério Público, quando não figurarem como re­
querentes da medida. Considerando-se, pois, a obrigatoriedade de intervenção da
defesa técnica e do órgão ministerial no curso desse procedimento judicial, haverá
evidente nulidade na hipótese de o Juízo da Execução proferir decisão ao arrepio
do contraditório e da ampla defesa.
No curso desse procedimento, admite-se, pelo menos em tese, a produção de
quaisquer provas, que deverão ser apresentadas com a própria petição apresentada
pelo interessado, ou colhidas na instrução por determinação judicial. Havendo ne­
cessidade, o juiz poderá determinar a realização de exame criminológico ou outras

2 MIRABETE. Op. cit. p. 943; AVENA. Op. cit. p. 409.


546 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

provas periciais, bem como designar a realização de audiência para fins de produção
da prova oral. Colhida essa prova, não há por que se negar às partes a possibilidade
de se manifestarem, a exemplo do que ocorre em sede judicial (v.g., alegações orais
ou memoriais), exarando o juiz, na sequência, sua decisão.
Por se tratar de procedimento judicial referente ao processo de execução, a decisão
judicial deve atender a todos os requisitos exigidos para as sentenças judiciais (CPP,
art. 381 e seus incisos), em especial a fundamentação. Afinal, é a própria Constitui­
ção Federal que dispõe que toda e qualquer decisão judicial deve ser fundamentada,
sob pena de nulidade (art. 93, IX). Nesse contexto, aliás, a Lei de Execução Penal é
explícita ao dispor que a decisão do juiz que determinar a progressão de regime será
sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do Defensor,
procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional,
indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes
(art. 112, §2°). Ausente a fundamentação, ou incorrendo o juiz da execução em um
dos vícios de fundamentação listados pelo art. 315, §2°, do CPP, incluído pela Lei
n. 13.964/19 (v.g., emprego de conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso), deverá ser declarada a nulidade da de­
cisão, nos termos do art. 564, V, do CPP, igualmente incluído pelo Pacote Anticrime.
Não há previsão legal expressa de prazo para a conclusão desse procedimento
judicial. Sem embargo, partindo da premissa de que não se pode admitir que este
se estenda eternamente, sob pena de patente violação ao princípio da razoável
duração do processo (CF, art. 5, LXXVIII), o qual também é aplicável à execução
penal, boa parte da doutrina aplica, por analogia, o quanto disposto no §1° do art.
196 da LEP, que prevê que, não havendo a necessidade de provas, o juiz decidirá de
plano, no prazo de 3 (três) dias. Ressalte-se, todavia, e especificamente em relação
à inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, que a decisão judicial em
questão deverá ser prolatada no prazo máximo de 15 (quinze) dias (LEP, art. 54,
§2°, da LEP, incluído pela Lei n. 10.792/03).
Caracterizado, assim, um excesso de prazo injustificado, prejudicando, por
exemplo, a concessão de benefícios prisionais, como, por exemplo, a progressão
de regimes, o condenado poderá impetrar habeas corpus, conquanto não haja ne­
cessidade de dilação probatória para se comprovar o constrangimento ilegal à sua
liberdade de locomoção. Sob a ótica ministerial, é dizer, em se tratando de demora
injustificada no andamento de procedimentos destinados à supressão de benefícios
prisionais (v.g., regressão), admite-se a impetração de mandado de segurança pelo
Ministério Público. Em ambos os casos, também não se pode descartar a possibilidade
de utilização da correição parcial, dado o manifesto error in procedendo decorrente
da paralisação injustificada do procedimento judicial.3

3 BRITO, Alexis Couto. Execução penal. 6a ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 578. Segundo o autor,
"havendo turbação da ordem dos procedimentos judiciais durante a execução penal, ou mesmo dos
incidentes, nada impede a interposição de correição parcial. Atos do juiz como a não expedição da guia
de recolhimento, ou a não oitiva do condenado em procedimentos de revogação de direito ou benefício
seriam passíveis de correição parcial" (Op. cit. p. 584).
Cap. XIII . PROCEDIMENTO JUDICIAL 547

4. AGRAVO EM EXECUÇÃO

De acordo com o art. 197 da Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84), das de­
cisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo. Portanto,
tratando-se de decisão proferida pelo juízo das execuções, o recurso adequado será
o agravo em execução.
Como se trata de espécie de recurso, aplicam-se ao agravo em execução os
diversos princípios recursais (v.g., fungibilidade, voluntariedade, non reformatio in
pejus, dialeticidade etc.). Não por outro motivo, em caso concreto de agravo em
execução interposto pelo órgão ministerial em virtude de alegado erro de mérito
da decisão recorrida - indevida concessão de progressão de regimes -, concluiu
o Supremo que não poderia o Juízo ad quem provê-lo, contra o condenado, por
nulidade não aventada pela acusação, in casu, a falta de exame criminológico, à
época necessário para o deferimento do referido benefício prisional, sob pena
de ofensa à súmula n. 160 do STF (“É nula a decisão do Tribunal que acolhe,
contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos
de recurso de ofício”).4

4.1. Hipóteses de cabimento


Considerando que o recurso de agravo em execução é o instrumento adequado
para a impugnação das decisões proferidas pelo juízo das execuções, é de fundamen­
tal importância atentar para o quanto disposto no art. 66 da LEP, que estabelece
diversas competências atribuídas ao Juízo da Execução, como, por exemplo, decidir
sobre soma ou unificação de penas, progressão ou regressão de regimes, detração
e remição da pena, saídas temporárias etc. Nos termos do art. 197 da LEP, caberá
agravo contra as decisões interlocutórias proferidas no curso do procedimento ju­
dicial, e não apenas sobre a sentença de mérito. Evidentemente, não caberá agravo
contra mero despacho de expediente sem qualquer conteúdo decisório.
Parte minoritária da doutrina sustenta que, em relação às matérias não regula­
das pela Lei de Execução Penal, deverá ser interposto o recurso em sentido estrito
previsto no CPP, inclusive com efeito suspensivo nas hipóteses estabelecidas pelo
referido diploma normativo. Isso porque o art. 197 da LEP deve ser interpretado em
conjunto com o art. 194 da Lei n. 7.210/84, que disciplina o procedimento judicial
a ser observado nas situações previstas nessa própria lei e não em outros diplomas
legais. Logo, nas hipóteses referentes à unificação de penas, de aplicação da lei nova
mais benigna prevista no CP, de extinção da punibilidade por causa não prevista
na LEP etc., o recurso adequado seria aquele previsto no CPP, e não o agravo
em execução.5 Cuida-se, todavia, de posição minoritária. Com efeito, prevalece a
orientação de que o agravo em execução é cabível contra toda e qualquer decisão
do Juízo da Execução Penal

4 STF, 1a Turma, RHC 80.563-MG, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 02.03.2001.


5 MIRABETE. Op. cit. p. 951.
548 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

Ainda em relação à competência do Juízo da execução, convém lembrar que


tem sido admitida pelos Tribunais a concessão antecipada de benefícios prisionais
ao preso cautelar, enquanto se aguarda o julgamento de recurso interposto pela
defesa, mas desde que tenha se operado o trânsito em julgado da sentença con-
denatória para o Ministério Público, pelo menos em relação à pena (princípio da
non reformatio in pejus - CPP, art. 617). Nesse caso, a quem compete a concessão
dos benefícios: ao juízo da condenação ou ao juízo da execução? Uma primeira
corrente entende que a competência é do Juiz da condenação. Prevalece, todavia,
o entendimento de que a competência é do Juízo da Execução Penal. Destarte, na
hipótese de haver decisão referente à concessão antecipada de benefícios prisionais
pelo juízo da execução (v.g., progressão de regimes ao preso cautelar), o recurso
adequado também será o agravo em execução.6 Logicamente, se a decisão tiver sido
proferida pelo juiz do processo de conhecimento, o recurso adequado será aquele
previsto no Código de Processo Penal.

4.2. Revogação tácita de diversas hipóteses de cabimento do recurso em


sentido estrito
Diversas hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito previstas nos
incisos do art. 581 do CPP foram tacitamente revogadas pela Lei de Execução
Penal (Lei n° 7.210/84). Isso porque várias decisões ali elencadas só podem ser
proferidas pelo juízo da execução. Ora, se a Lei de Execução Penal passou a pre­
ver o cabimento do agravo em execução contra as decisões proferidas pelo juízo
da execução (art. 197), é de rigor a conclusão, então, de que esses incisos do
art. 581 do CPP, que previam o cabimento de RESE contra as mesmas decisões,
foram tacitamente revogados, já que lei posterior passou a regular a matéria de
que tratava a lei anterior em sentido diverso (Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro, art. 2o, §1°). Especial atenção deve ser dispensada, portanto,
aos seguintes incisos do art. 581 do CPP:
a. Decisão que decretar (ou não) a extinção da punibilidade (CPP, art. 581,
VIII e IX): na eventualidade de tal decisão ser proferida pelo Juízo da Execução (v.g.,
prescrição da pretensão executória), e não no curso do processo de conhecimento,
o recurso adequado será o agravo em execução (LEP, art. 197);
b. Decisão que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena
(CPP, art. 581, XI): se a concessão ou negativa da suspensão condicional da pena
ocorrer em sede de sentença penal condenatória, o recurso cabível será o de apelação
(CPP, art. 593, I), que terá o condão de absorver o RESE, ainda que a parte queira
se insurgir, tão somente, contra o deferimento ou indeferimento do benefício, nos
exatos termos do art. 593, § 4o, do CPP. Por outro lado, se a decisão pertinente à

6 STF, 1aTurma, RHC 92.872/MG, Rei. Min. Cármen Lúcia, Dje 26 14/02/2008. Ainda no sentido da competência
do juízo da execução para processar e julgar pedido de progressão de regime feito por preso cautelar:
STJ, 5a Turma, HC 89.711/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe 09/06/2008. Em sentido diverso: STJ, 6a Turma, HC
7.955/MT, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 17/02/1999 p. 167.
Cap. XIII • PROCEDIMENTO JUDICIAL 549

concessão (ou negativa) do sursis tiver sido proferida pelo juiz da execução penal,
o recurso cabível não será o RESE do art. 581, XI, do CPP, mas sim o agravo em
execução previsto no art. 197 da Lei n° 7.210/84, impugnação adequada contra
qualquer decisão prolatada em sede de execução criminal. O mesmo raciocínio se
aplica à revogação do sursis, cuja competência é exclusiva do Juízo das Execuções,
já que compete a ele fiscalizar o cumprimento das condições fixadas na suspensão
condicional da pena (LEP, art. 66, III, “d”);
c. Decisão que conceder, negar ou revogar o livramento condicional (CPP,
art. 581, XII): considerando-se que o livramento condicional só pode ser concedido
ao condenado à pena privativa de liberdade que tiver cumprido um certo quantum
de sua pena - em regra, 1/3 (um terço) da pena (CP, art. 83, I) -, conclui-se que
essa decisão só pode ser proferida pelo juízo da execução. Logo, o recurso adequado
será o agravo em execução;
d. Decisão que decidir sobre a unificação de penas (CPP, art. 581, XVII): caso
haja conexão ou continência entre infrações penais, deve haver, em regra, a reunião
dos processos. Porém, se houver a instauração de feitos distintos, a unidade dos
processos ocorrerá posteriormente para o efeito da soma ou da unificação de penas
(CPP, art. 82, in fine). Assim, reconhecendo-se que as penas aplicadas nos proces­
sos devem ser unificadas, por haver concurso formal próprio ou crime continuado,
o juízo encarregado da execução deve proceder à sua unificação, ajustando-as ao
disposto nos arts. 70, Ia parte, e 71, ambos do Código Penal. Se a Lei de Execução
Penal atribui ao juiz da execução competência para decidir sobre soma ou unificação
de penas (Lei n° 7.210/84, art. 66, III, “a”), conclui-se que a hipótese de cabimento
do RESE prevista no art. 581, XVII, do CPP, foi tacitamente revogada pelo art. 197
da LEP, que passou a prever agravo em execução contra as decisões proferidas pelo
juízo das execuções criminais;
e. Incidentes da execução envolvendo o cumprimento de medidas de segurança
(CPP, art. 581, XIX, XX, XXI, XXII e XXIII): o art. 581 do CPP também prevê
o cabimento do recurso em sentido estrito contra diversas decisões envolvendo o
cumprimento de medida de segurança. São elas: i. decisão que decretar medida de
segurança, depois de transitar a sentença em julgado (XIX); ii. decisão que impuser
medida de segurança por transgressão de outra (XX); iii. decisão que mantiver ou
substituir a medida de segurança, nos termos do art. 774 (XXI); iv. decisão que
revogar a medida de segurança (XXII); v. decisão que deixar de revogar a medida
de segurança, nos casos em que a lei admitir a revogação (XXIII). Ocorre que todas
essas decisões dizem respeito a matérias disciplinadas na Lei de Execução Penal (arts.
175 a 179, 183 e 184). Logo, há de se concluir que tais hipóteses de cabimento do
recurso em sentido estrito foram tacitamente revogadas pelo art. 197 da LEP, que
passou a prever agravo em execução contra as decisões proferidas pelo juízo das
execuções criminais.
A Lei de Introdução ao Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.931, de
11 de dezembro de 1941, art. 13) prevê o cabimento de recurso em sentido estrito
para os casos de aplicação da lei posterior ao trânsito em julgado, durante o pro­
550 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

cesso de execução. Com a previsão do procedimento judicial da Lei de Execução


Penal, não há mais a necessidade de aplicação desse dispositivo, já que, na verdade,
o procedimento previsto atualmente pela LEP é o mesmo da Lei de Introdução.7

4.3. Procedimento
O art. 197 da LEP nada diz acerca do procedimento recursal do agravo em
execução. À época em que a Lei n° 7.210/84 entrou em vigor, houve certa contro­
vérsia acerca do procedimento a ser observado. Parte da doutrina entendia que o
procedimento a ser utilizado seria aquele do agravo de instrumento. Prevalece, no
entanto, o entendimento no sentido de que devem ser aplicadas, subsidiariamente,
as normas procedimentais pertinentes ao recurso em sentido estrito. Afinal, antes
de utilizarmos subsidiariamente o Código de Processo Civil, devemos verificar se
não há, no próprio Código de Processo Penal, procedimento que possa ser utiliza­
do, tal como ocorre nesta hipótese. Prova disso, aliás, é o teor da súmula 700 do
STF: “É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz
da execução penal”.
Destarte, se o procedimento a ser observado é semelhante ao do RESE, con­
clui-se que o agravo em execução pode ser interposto por petição ou por termo
nos autos, facultando-se ao recorrente a apresentação das razões em momento
subsequente à interposição, ou, se preferir, sua imediata juntada, com subsequente
possibilidade de retratação pelo juízo a quo. Nos mesmos moldes que o RESE,
o agravo em execução deve subir para o Tribunal competente por meio de ins­
trumento. Daí por que a parte deve indicar, no ato da interposição, as peças dos
autos que pretende traslado.
Partindo da premissa de que o agravo em execução está sujeito ao mesmo
procedimento do recurso em sentido estrito, algumas observações devem ser feitas:
a. sustentação oral: se o agravo em execução está sujeito ao mesmo rito proce­
dimental do recurso em sentido estrito, o qual expressamente autoriza a realização
de sustentação oral (CPP, art. 610, parágrafo único), não há por que não se aplicar
o mesmo regramento ao agravo;8
b. embargos infringentes ou de nulidade: se o julgamento do agravo, previsto
no art. 197 da LEP, for desfavorável ao condenado e não unânime, são cabíveis
embargos infringentes ou de nulidade, face ao que dispõem os arts. 609, parágrafo
único, e 581 do CPP;9
c. Denegação ou óbice ao processamento do agravo em execução: na even­
tualidade de o Juízo da Execução denegar o agravo, ou eventualmente obstar seu
processamento, caberá ao interessado interpor a carta testemunhável, nos exatos
termos do art. 639 do Código de Processo Penal.

7 BRITO. Op. cit. p. 584.


8 STJ, 5a Turma, HC 354.551-SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 24.05.2016.
9 STF, 1 a Turma, HC 65.988-PR, Rei. Min. Sydney Sanches, DJ 18.08.1989.
Cap. XIII • PROCEDIMENTO JUDICIAL 551

4.4. Prazo
O prazo do agravo em execução é semelhante ao RESE: 05 (cinco) dias para
interposição (CPP, art. 586, caput) e 02 (dois) dias para apresentação de razões e
contrarrazões (CPP, art. 588, caput). Nessa linha, eis o teor da Súmula n. 700 do
STF: “É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz
da execução penal”.

4.5. Efeitos
Em relação aos efeitos, é sabido que, como todo e qualquer recurso, o agravo
em execução também é dotado de efeito devolutivo. Como é aplicável, subsidiaria-
mente, o mesmo procedimento do RESE, conclui-se que o agravo também é dotado
de efeito regressivo (diferido ou iterativo), permitindo que o juiz da execução possa
se retratar de sua decisão.
No tocante ao efeito suspensivo, o art. 197 da LEP é categórico ao dizer que
o agravo em execução não o possui. Especial atenção, todavia, deve ser dispensada
ao quanto disposto no art. 179 da LEP, que dispõe que “transitada em julgado a
sentença, o juiz expedirá ordem para a desinternação ou a liberação”. Como se
percebe, a partir do momento que o dispositivo condiciona a desinternação ou a
liberação do agente inimputável ou semi-imputável cuja periculosidade tenha cessado
ao trânsito em julgado da referida decisão, é de se concluir que, nesse caso, o agravo
em execução é dotado de efeito suspensivo,10 visto que sua simples interposição terá
o condão de impedir o trânsito em julgado, ao qual está condicionada a produção
dos efeitos da referida decisão.11

4.5.7. Cabimento de mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo


a agravo em execução interposto pelo Ministério Público
Pelo menos em regra, o agravo em execução não é dotado de efeito suspensivo.
Supondo, assim, que um apenado reincidente que se encontra em regime fechado
em virtude da prática de crime hediondo ou equiparado com resultado morte te­
nha deferida pelo juiz da execução a progressão de seu regime carcerário sem que
tenha cumprido o lapso mínimo de pena que autoriza o benefício - in casu, 70%
(setenta por cento), conforme disposto no art. 112, VIII, da LEP, incluído pela Lei n.
13.964/19. Como o art. 197 da LEP dispõe que o agravo em execução a ser interposto
pelo Ministério Público não é dotado de efeito suspensivo, isso significa dizer que
tal indivíduo será colocado imediatamente em liberdade, salvo se por outro motivo

10 STJ, 6a Turma, RMS 11.695-SP, Rei. Min. Vicente Leal, j. 10.10.2000, DJ 30.10.2000.
11 Para Avena (Op. cit. p. 411), o agravo em execução interposto contra a decisão que determina a extinção
da medida de segurança não é dotado de efeito suspensivo, até mesmo porque o art. 197 da LEP, que o
disciplina, é categórico em afirmar que tal recurso não possui efeito suspensivo, sem fazer qualquer res­
salva. Na visão do autor, "o máximo que se pode ver na espécie é um efeito suspensivo indireto, ou seja,
impossibilidade de execução daquela decisão pelo fato da interposição do agravo, diante da ausência do
trânsito em julgado provocada pela dedução do recurso".
552 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

não tiver que permanecer presos. Seria cabível, então, a impetração de mandado de
segurança de maneira concomitante ao agravo em execução, de modo a lhe atribuir
efeito suspensivo?
A nosso juízo, em situações teratológicas, abusivas, que possam gerar dano
irreparável devido ao fato de o recurso adequado não ser dotado de efeito suspen­
sivo, há de se admitir que a parte se utilize do mandamus, levando-se em conta que
a Constituição Federal, em seu art. 5o, LXIX, não faz restrição quanto a seu uso,
desde que evidenciada a plausibilidade de provimento do recurso e o perigo de dano
irreversível. Ora, se o condenado tem a sua disposição o habeas corpus, que pode
ser impetrado com pedido de medida liminar, e ser manejado a qualquer momento
da execução penal para pôr fim a eventual constrangimento ilegal à liberdade de
locomoção, e inclusive para atribuir efeito suspensivo a agravo em execução ante­
riormente interposto,12 não se pode negar ao Ministério Público, ainda que somente
em casos excepcionais, instrumento de natureza semelhante, a ser utilizado para
conferir eficácia, em última análise, aos próprios recursos criminais interpostos pelo
órgão ministerial. Deveras, de que adianta, no exemplo acima citado, o Tribunal
de Justiça dar provimento ao agravo em execução interposto pelo Parquet, se é de
todo evidente que, quando isso ocorrer, o agente não mais será encontrado para ser
recolhido novamente à prisão? É dizer, a negativa de efeito suspensivo em hipóte­
ses absurdas e teratológicas como essa acabaria inviabilizando a própria utilidade e
eficácia do recurso criminal interposto pelo órgão ministerial.13
A própria Lei n° 12.016/09 confirma essa possibilidade ao prever que não será
concedido mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba
recurso com efeito suspensivo (art. 5o, II). Ora, interpretando-se a contrario sensu
esse dispositivo, é de se concluir que é possível a impetração do mandamus quando
o recurso cabível contra a decisão judicial não for dotado de efeito suspensivo. Nessa
linha, como já se pronunciou o STJ em precedente mais antigo, “(...) não obstante
a legitimidade do Ministério Público para impetrar Mandado de Segurança com
vistas a suspender a eficácia da decisão impugnada (obtenção de efeito suspensivo),
tal só se efetiva se o ato judicial questionado se mostrar manifestamente ilegal (te-
ratológica) ao ponto de ensejar tal medida extrema; se, ao contrário, reveste-se de
juridicidade, como no caso sub judice, em que se deu ao pedido de progressão de
regime prisional a solução adequada, calcada, inclusive, na orientação do colendo
STF, por óbvio, não será conferido efeito suspensivo ao Agravo”.14
Não é essa, todavia, a orientação dominante nos Tribunais Superiores. Prova
disso, aliás, é o teor da súmula n. 604 do STJ: “O mandado de segurança não se

12 ROIG. Op. cit. p. 422.


13 Com entendimento semelhante: MIRABETE. Op. cit. p. 952-953; AVENA. Op. cit. p. 411.
14 STJ, 5a Turma, HC 66.604/SP, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 09/08/2007, DJ 10/09/2007 p. 258.
E ainda: STJ, Corte Especial, AgRg no MS 15.720/DF, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/10/2010, DJe
28/04/2011. No sentido da legitimidade da decisão do Tribunal que, deferindo mandado de segurança
impetrado por promotor de justiça, outorga efeito suspensivo a recurso em sentido estrito deduzido pelo
ministério público contra ato judicial concessivo de liberdade provisória: STF, 1a Turma, HC 108.187 AgR/
SP, Rei. Min. Luiz Fux, j. 04/10/2011, DJe 207 26/10/2011; STF, Ia Turma, HC 70.392/DF, Rei. Min. Celso de
Mello, j. 31/08/1993, DJ 01/10/1993.
Cap. XIII • PROCEDIMENTO JUDICIAL 553

presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério
Público”. Na visão daquela Corte, se a própria Lei - Código de Processo Penal, Lei
de Execução Penal, etc. - não atribui efeito suspensivo a determinado recurso, não
haveria direito líquido e certo a ser tutelado através do mandado de segurança.15
Resta, então, apenas a possibilidade de medida cautelar inominada, que deve ser
admitida em casos excepcionais, como tem decidido o próprio STJ quando ao efeito
suspensivo no Recurso Especial.16

5. REVISÃO CRIMINAL

No ordenamento pátrio, a revisão criminal pode ser compreendida como ação


autônoma de impugnação, da competência originária dos Tribunais (ou das Turmas
Recursais, no âmbito dos Juizados), a ser ajuizada após o trânsito em julgado de
sentença condenatória ou absolutória imprópria (leia-se, exclusivamente em favor
do acusado), visando à desconstituição da coisa julgada, sempre que a decisão im­
pugnada estiver contaminada por erro judiciário.
Parte da doutrina sustenta não haver qualquer óbice à utilização da revisão
criminal em sede de execução penal, notadamente na hipótese do inciso III do art.
621 do CPP, que dispõe que a revisão dos processos findos será admitida quando,
após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de
circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Outro exem­
plo a ser citado seria quando a decisão impugnada estivesse fundada em exames
ou documentos comprovadamente falsos, quando, então, poderia ser aplicado, por
analogia, o art. 621, II, do CPP.17 Nesse sentido, como já se pronunciou o STJ, “(...)
o art. 621, III, do CPP não restringe a revisão criminal à sentença penal condena­
tória transitada em julgado, logo, desde que atendidos seus requisitos, nada impede
manejar ação revisional contra sentença do Juízo das Execuções Penais que indefere
o benefício da unificação das penas”.18
Com a devida vênia, partindo da premissa de que o ajuizamento da revisão
criminal tem como pressuposto fundamental a existência de sentença condenatória
(ou absolutória imprópria) transitada em julgado, não há como se admitir a sua
utilização para impugnar decisões do Juízo da Execução Penal. Por mais que o inciso
III do art. 621 do CPP não faça, de fato, qualquer referência expressa à espécie de
sentença passível de impugnação, o dispositivo em questão deve ser interpretado
em conjunto com o art. 625, §1°, do CPP, que é explícito ao afirmar que o reque­
rimento de revisão criminal deverá ser instruído com a certidão de haver passado

15 Com esse entendimento: STJ, 6a Turma, AgRg no HC 148.623/SP, Rei. Min. Alderita Ramos de Oliveira, j.
18/06/2013, DJe 01/07/2013; STJ, 6a Turma, AgRg no HC 354.095/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 01/09/2016,
DJe 13/09/2016; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 369.841/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 02/02/2017,
DJe 10/02/2017; STJ, 5a Turma, AgRg no HC 377.712/SP, Rei. Min. Jorge Mussi.j. 02/05/2017, DJe 09/05/2017;
STJ, 6a Turma, AgRg no HC 388.235/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 18/05/2017, DJe 30/05/2017.
16 STJ, 5a Turma, HC 351.114/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 21/06/2016, DJe 29/06/2016.
17 MIRABETE. Op. cit. p. 953.
18 STJ, 5a Turma, HC 134.321-RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 01.09.2009, DJe 28.09.2009.
554 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos


fatos arguidos.

6. HABEAS CORPUS NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL

Trata-se, o habeas corpus, de ação autônoma de impugnação, de natureza


constitucional (CF, art. 5o, LXVIII), vocacionada à tutela da liberdade de locomo­
ção. Logo, desde que a violência ou coação ao direito subjetivo de ir, vir e ficar
decorra de ilegalidade ou abuso de poder, o writ of habeas corpus servirá como
instrumento constitucional idôneo a proteger o ius libertatis do agente. Conquanto
sua utilização seja muito mais comum no âmbito do processo de conhecimento, aí
abrangidas as fases investigatória e judicial da persecução penal, considerando-se
que o remédio heroico vista prevenir e remediar toda e qualquer restrição ilegal ou
abusiva à liberdade de locomoção, não há por que não se admitir a sua utilização
para impugnação de quaisquer decisões proferidas no curso da execução penal,
pouco importando se da competência do Juízo da Execução Penal ou de atribuição
das autoridades administrativas (v.g., Diretor da unidade prisional).
Não obstante a previsão de recurso específico - agravo em execução (LEP, art.
197) -, é admissível a utilização do writ sempre que vislumbrada a possibilidade
de lesão imediata ao direito de locomoção do paciente, sobretudo quando a análise
da (i) legalidade do ato coator prescindir do exame aprofundado de provas, ou for
matéria estritamente de direito (v.g., aplicação retroativa de lei favorável ao conde­
nado) ou de ordem pública (v.g., prescrição da pretensão executória).19
O remédio constitucional do habeas corpus não pode ser utilizado como
sucedâneo de outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o
direito-fim não se identifica com a própria liberdade de locomoção física. Des­
tarte, caso a pretensão do impetrante não esteja relacionada à tutela da liberdade
de locomoção, faltará interesse de agir por inadequação do pedido, acarretando o
não conhecimento do habeas corpus. A título de exemplo, por não haver efetiva
restrição ao status libertatis, o habeas corpus é meio inidôneo para discutir direito
de visita a preso.20
A definição da competência para o processo e julgamento desse habeas corpus
impetrado no curso da execução penal deve levar em consideração, pelo menos em
regra, a autoridade coatora, ou seja, a pessoa responsável pela violência ou coação
ilegal à liberdade de locomoção do paciente. Se a autoridade coatora for uma auto­
ridade administrativa (v.g., Diretor da Penitenciária), a competência para o processo
e julgamento do habeas corpus será do Juízo da Execução Penal. Caso, todavia, o
constrangimento ilegal seja praticado pelo magistrado de Ia instância, ao respectivo
Tribunal de Justiça (ou Tribunal Regional Federal) caberá o julgamento do writ.

19 ROIG. Op. cit. p. 421.


20 Com esse entendimento: STF, 2a Turma, HC 133.305/SP, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 24/05/2016. Com entendi­
mento semelhante: STF, 1a Turma, HC 128.057/SP, Rei. Min. Alexandre de Moraes, j. 1 <708/2017.
Cap. XIII • PROCEDIMENTO JUDICIAL 555

6.1. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário


Durante anos e anos, os Tribunais Superiores admitiram que o fato de a lei
prever o cabimento de recurso contra determinada decisão judicial, ainda que do­
tado de efeito suspensivo, não afastaria o interesse de agir para utilização do habeas
corpus, desde que demonstrada a imprescindibilidade do writ para a proteção da
liberdade de locomoção. Afinal, diante do seu procedimento sumaríssimo, o habeas
corpus constitui remédio muito mais ágil para a tutela da liberdade de locomoção
do indivíduo, sobrepondo-se a qualquer outra medida, caso a ilegalidade possa ser
comprovada de plano, sem necessidade de dilação probatória.21 Logo, por mais que
houvesse previsão legal de recurso adequado para a impugnação do constrangimento
ilegal à liberdade de locomoção, sempre se admitiu a utilização do denominado
habeas corpus substitutivo, que consiste na faculdade outorgada ao interessado de
optar pela impetração de habeas corpus ao Juiz (ou Tribunal) competente, ao invés
de ter que interpor o recurso ordinário previsto em lei (v.g. agravo em execução).
Recentemente, porém, nota-se crescente mudança de orientação jurisprudencial
acerca do assunto. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
vêm reconhecendo a inadequação do habeas corpus quando possível interposição
de recurso ordinário, o qual, no caso da LEP, seria o agravo em execução (LEP,
art. 197). Se, em época na qual não havia a sobrecarga de processos hoje notada,
passara-se a admitir o denominado habeas corpus substitutivo de recurso ordinário,
atualmente, esse quadro estaria praticamente inviabilizando a jurisdição em tempo
hábil, levando os Tribunais Superiores a receber inúmeros habeas corpus que, com
raras exceções, não poderíam ser enquadrados como originários, mas sim medidas
intentadas a partir de entendimento jurisprudencial.22
Para a 3a Seção do STJ,23 quando impetrado de forma concomitante com o
recurso cabível contra o ato impugnado, o habeas corpus será admissível apenas
se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido
diverso do objeto do recurso próprio e que reflita imediatamente na liberdade do
paciente. Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame
das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda
que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual.

21 Nesse ponto, o habeas corpus aparta-se do mandado de segurança. Afinal, segundo o art. 5o, inciso II, da
Lei n° 12.016/09, não se concederá mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual
caiba recurso com efeito suspensivo.
22 STF, 1a Turma, HC 108.715/RJ, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 07/08/2012. Na mesma linha: STF, 1a Turma, HC
109.956/PR, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 07/08/2012. Há precedentes de ambas as Turmas do STJ no sentido
de que o remédio constitucional não pode ser utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação,
agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à
vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade da paciente, seja
cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. A propósito: STJ, 6a Turma, HC 306.677/RJ,
Rei. Min. Ericson Maranho, j. 19/05/2015, DJe 28/05/2015; STJ, 5a Turma, HC 245.963/RJ, Rei. Min. Gurgel
de Faria, j. 12/05/2015, DJe 28/05/2015;; STJ, 5a Turma, HC 239.550/RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18/09/2012.
23 STJ, 3a Seção, HC 482.549/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 11/03/2020, DJe 03/04/2020.
556 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

6.2. (Im) possibilidade de dilação probatória


Tendo em conta as características inerentes ao habeas corpus - simplicidade
e sumariedade seu procedimento não possui uma fase de instrução probatória.
Isso, todavia, não significa que não seja necessária a produção de provas destinadas
à demonstração do constrangimento ilegal, até mesmo porque, ausente essa prova,
a ordem de habeas corpus será denegada. Na verdade, nos mesmos moldes que
o mandado de segurança, o conhecimento do remédio heroico demanda a exis­
tência de direito líquido e certo, ou seja, um constrangimento ilegal à liberdade
de locomoção que seja certo quanto à existência, delimitado quanto à extensão e
comprovável de plano, porquanto não se admite qualquer dilação probatória no
julgamento do writ, pelo menos em regra. Portanto, incumbe ao impetrante, sem
prejuízo de eventual complementação ministrada pela autoridade coatora ao prestar
informações, subsidiar o juízo competente para a apreciação do writ com elemen­
tos documentais pré-constituídos que comprovem a existência do constrangimento
ilegal à liberdade de locomoção, o qual deve se apresentar de maneira incontestável,
irrefutável, indiscutível.
Eventual discussão sobre os elementos probatórios ou sobre a inocência do
condenado é matéria que deve ser discutida no curso do respectivo procedimento
judicial, perante o Juízo da Execução Penal, ou perante o juízo ad quem, por oca­
sião da apreciação de eventual agravo em execução. Exemplificando, se houver a
impetração de habeas corpus objetivando-se a desconstituição de punição disciplinar
por falta grave em virtude da prática de fato previsto como crime doloso (LEP, art.
52, caput, 1 parte), sob o argumento de que não haveria provas no sentido de que o
condenado teria praticado tal delito, é evidente que o remédio heroico não poderá
ser conhecido. Afinal, em tal hipótese, seria indispensável uma dilação probatória
para fins de desconstituição da punição disciplinar.

6.3. Habeas corpus coletivo


À semelhança do que ocorre em relação a outros direitos individuais, a
violação à liberdade de locomoção, seja no curso do processo de conhecimento,
seja no curso da execução penal, também pode ir além da esfera individual de
determinada pessoa, atingindo um amplo contingente de pessoas. A título de
exemplo, suponha-se que mulheres gestantes sejam mantidas no cárcere sem qual­
quer tratamento médico adequado, em flagrante violação às Regras de Bangkok,
ou que a Secretaria de Administração Penitenciária de determinado Estado da
Federação informe que presos no regime fechado começarão a cumprir pena em
contêineres. Nessas hipóteses, parece não haver dúvida no sentido de que o ato
ilegal de constrangimento à liberdade de locomoção dos indivíduos assume uma
dimensão coletiva. Indaga-se, então, se seria razoável impor a cada um deles que
ingressasse em juízo com um habeas corpus, ou se seria viável a impetração do
writ de maneira coletiva.
Surge, assim, a ideia do habeas corpus coletivo, assim compreendido como aquele
que tem por paciente uma coletividade determinada ou, ao menos determinável,
Cap. XIII • PROCEDIMENTO JUDICIAL 557

não apenas de modo a otimizar a tramitação de tais demandas, mas também com o
objetivo de conferir uma tutela jurisdicional mais célere e eficiente. Ora, se a tutela
de direitos individuais não tão importantes quanto a liberdade de locomoção pode
ser feita de maneira coletiva, seria desarrazoado não admitir a via multitudinária
do remédio heroico justamente para a proteção do direito de ir e vir dos cidadãos,
coletivamente considerados, sobretudo diante da doutrina brasileira do habeas corpus,
que sempre conferiu ao writ a máxima eficácia possível no sentido da proteção da
liberdade ambulatorial.24
Para tanto, todos os requisitos constitucionais e legais para a impetração do
habeas corpus deverão ser observados. De maneira semelhante ao que ocorre em
outras ações coletivas, há necessidade de adequada delimitação do grupo favo­
recido, por meio da especificação de uma questão objetiva de natureza comum,
demonstrando que todos estão em uma situação fática e jurídica semelhante, o
que, em tese, autorizaria uma decisão unitária da lide.25 Com efeito, não havendo
uma adequada delimitação desse grupo, corre-se o sério risco de eventual ordem
vir a beneficiar pacientes que não estavam na mesma situação, o que poderia se
tornar um verdadeiro “salvo-conduto” genérico, colocando em liberdade pessoas
que deveriam permanecer presas. É firme a jurisprudência no sentido de que o
fato de os pacientes não terem sido identificados individualmente na petição ini­
cial do habeas corpus coletivo não constitui justificativa para o seu indeferimento
liminar. Na verdade, desde que se revele possível, por ocasião da execução de
eventual ordem judicial concedida, a identificação daqueles que sofrem ou estão
na iminência de sofrer violência ou coação ilegal em sua liberdade de locomoção,
seus direitos individuais homogêneos podem, em tese, ser tutelados pela via da
impetração coletiva sem a necessidade de identificação de cada um dos indivíduos
na petição de impetração.26 Para além disso, de modo a se determinar o juízo
competente para o julgamento do writ multitudinário, também se faz mister de­
limitar a autoridade coatora, sob pena de se conferir a determinado juízo, muito
provavelmente o Supremo Tribunal Federal, uma competência que não está prevista
na Constituição Federal, o que poderia inclusive implicar em indevida supressão
do primeiro grau de jurisdição (habeas corpus per salturn).
O Supremo Tribunal Federal tem admitido a utilização do habeas corpus co­
letivo, sob o fundamento de que a ação coletiva funcionaria como um dos únicos
instrumentos capazes de garantir o acesso à justiça dos grupos mais vulneráveis
socioeconomicamente, conferindo a maior amplitude possível ao remédio heroi­
co (doutrina brasileira do habeas corpus). Ora, partindo da premissa de que a
Suprema Corte tem admitido com maior amplitude a utilização da ADPF e do
mandado de injunção coletivo, seria no mínimo contraditório não admitir essa

24 É nesse sentido a lição de Daniel Sarmento. O cabimento do Habeas Corpus na Ordem Constitucional Bra­
sileira. Disponível em: http:// http://www.ttb.adv.br/artigos/parecer-hc-coletivo.pdfAcesso em: 20/12/2018.
25 Por não identificar uma similitude entre os constrangimentos ilegais, o Min. Alexandre de Moraes negou,
monocraticamente, seguimento ao habeas corpus coletivo n. 148.459/DF (j. 19/02/2018, DJe 31 20/02/2018),
impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de todos os presos que se encontravam em esta­
belecimentos penais federais há mais de 2 (dois) anos.
26 STJ, 5a Turma, HC 583.967/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 27.10.2020, DJe 03.11.2020.
558 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Uma

mesma possibilidade quanto ao habeas corpus, instrumento de natureza constitu­


cional voltado à proteção do direito de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo
determinado de pessoas. A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo deve ser
reservada àqueles listados no art. 12 da Lei n. 13.300/16,27 por analogia ao que
dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. A propósito, em
caso concreto apreciado pela 2a Turma, afastou-se a alegação de que as pacientes
seriam indeterminadas ou indetermináveis com a juntada de listas pelo DEPEN
(Departamento Penitenciário Nacional) contendo nomes e demais dados de todas
as mulheres que estavam presas preventivamente e que ostentavam a condição de
gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade. Por fim,
concluiu-se que, na eventualidade de descumprimento da decisão em questão, a
ferramenta a ser utilizada seria o recurso, e não a reclamação, como já explicitado
na ADPF 347 MC/DF (DJE de 19.2.2016).28
Em outro habeas corpus coletivo, apreciado, porém, pela 6a Turma do STJ,29
atinente a diversos sentenciados do regime semiaberto custodiados no Estado de
Minas Gerais que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo como medida de
prevenção e combate à pandemia da covid-19, a ordem foi concedida para impor o
regime domiciliar, desde que o reeducando não ostentasse procedimento de apuração
de falta grave, observando-se, assim, a orientação constante do art. 5o, inciso III,
da Recomendação n. 62 do CNJ. Na visão do referido colegiado, a revogação dos
benefícios concedidos aos reeducandos configuraria flagrante ilegalidade, sobretudo
diante do recrudescimento da situação em que estavam na execução da pena, todos
em regime semiaberto, evoluídos à condição menos rigorosa, trabalhando e já em
contato com a sociedade, mas que, a partir de então, foram obrigados a permanecer
em tempo integral no estabelecimento prisional, o que manifestamente representaria
uma alteração na situação carcerária de cada um daqueles atingidos pela medida
de extrema restrição. Foram desconsiderados, portanto, princípios norteadores da

27 "Art. 12. O mandado de injunção coletivo pode ser promovido: I - pelo Ministério Público, quando a tutela
requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos
interesses sociais ou individuais indisponíveis; II - por partido político com representação no Congresso
Nacional, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacio­
nados com a finalidade partidária; III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legal­
mente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos,
liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma
de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial;
IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos
direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5o da CF. Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de
injunção coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou
determinada por grupo, classe ou categoria".
28 STF, 2a Turma, HC 143.641/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20/02/2018. No sentido do cabimento da
análise da violação de direitos coletivos determinados ou determináveis das pessoas presas por meio de
habeas corpus coletivo: STJ, 3a Seção, HC 568.693/ES, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 14.10.2020, DJe
16.10.2020; STJ, 2a Seção, HC 568.021/CE, Rei. p. Acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 24.06.2020, DJe 31.08.2020;
STJ, 6a Turma, HC 575.495/MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02.06.2020, DJe 08.06.2020; STF, 2a Turma,
HC 143.641, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20.02.2018, DJe 215, 08.10.2018; STF, 2a Turma, HC 165.704,
Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 20.10.2020.
29 STJ, 6a Turma, HC 575.495/MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02.06.2020, DJe 08.06.2020.
Cap. XIII • PROCEDIMENTO JUDICIAL 559

execução penal (legalidade, individualização da pena e dignidade da pessoa humana),


bem como a finalidade da sanção penal de reinserção dos condenados ao convívio
social. Afinal, o recrudescimento da situação prisional somente é admitido em nosso
ordenamento jurídico como forma de penalidade, em razão de cometimento de
falta disciplinar, cuja imposição definitiva exige prévio procedimento disciplinar,
com observância dos princípios constitucionais, sobretudo da ampla defesa e do
contraditório.
XIV
REABILITAÇÃO

1. CONCEITO

Trata-se, a reabilitação, de instituto jurídico-penal que tem o objetivo de pro­


mover a reinserção social do indivíduo à posição jurídica que desfrutava antes de
ser condenado, assegurando-lhe o sigilo de seus antecedentes criminais, assim como
a suspensão condicional de determinados efeitos secundários de natureza extrapenal
e específicos da condenação, por meio de declaração judicial no sentido de que
as penas a ele aplicadas foram cumpridas ou por qualquer outro modo extintas.
Restaura-se, assim, a dignidade do cidadão que teve seu passado maculado por uma
sentença condenatória irrecorrível.
São duas, portanto, as funções básicas desse instituto: a) assegurar ao conde­
nado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação (CP, art. 93, caput);
b) suspender condicionalmente os efeitos da condenação previstos no art. 92 do
Código Penal (CP, art. 93, parágrafo único).

2. NATUREZA JURÍDICA

Antes da reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei n. 7.209/84, a reabi­
litação funcionava como causa extintiva da punibilidade. Desde então, a reabilitação
passou a funcionar como medida de política criminal assecuratória do sigilo sobre
os antecedentes criminais do condenado e, ainda, causa suspensiva condicional de
certos efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação. A
propósito, eis o teor da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal:
“A reabilitação não é causa extintiva da punibilidade e, por isso, em vez de estar
disciplinada naquele Título, como no Código vigente, ganhou Capítulo próprio, no
Título V. Trata-se de instituto que não extingue, mas tão-somente suspende alguns
efeitos penais da sentença condenatória, visto que, a qualquer tempo, revogada a
reabilitação, se restabelece o statu quo ante. Diferentemente, as causas extintivas da
562 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

punibilidade operam efeitos irrevogáveis, fazendo cessar definitivamente a pretensão


punitiva ou a executória”.

3. MODALIDADES DE REABILITAÇÃO PREVISTAS NO CÓDIGO PENAL

O caput e o parágrafo único do art. 93 do CP apontam a existência de duas


modalidades de reabilitação.

3.1. Sigilo das condenações


Consoante disposto no art. 93, caput, infine, do Código Penal, esta modalidade
de reabilitação assegura ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e
condenação. Referido dispositivo legal deve ser lido em cotejo com o art. 202 da
LEP: “Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou
certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer
notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova
infração penal ou outros casos expressos em lei”.
Nota-se, portanto, que esse sigilo a que se refere a LEP, que independe da
reabilitação, é garantido de forma automática e imediata depois do cumprimento
integral ou extinção da pena. No entanto, em comparação com aquele resultante da
reabilitação, o sigilo a que se refere o art. 202 da LEP acaba sendo mais restrito, pois
pode ser quebrado por qualquer autoridade judiciária, por membro do Ministério
Público, e até mesmo por um Delegado de Polícia.
Por outro lado, o sigilo assegurado pela reabilitação é mais amplo, porquanto as
informações por ele protegidas só podem ser obtidas por meio de requisição (ordem)
do juiz criminal. Nesse sentido, o art. 748 do CPP é categórico ao afirmar que a
condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antece­
dentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando
requisitadas por juiz criminal. Como se percebe, não é qualquer integrante do Poder
Judiciário que poderá ter acesso às informações sigilosas. O acesso é restrito ao juiz
criminal. A propósito, como já se manifestou o STJ, “(...) esta Corte Superior já pa­
cificou o entendimento segundo o qual, por analogia à regra inserta no art. 748 do
Código de Processo Penal, as anotações referentes a inquéritos policiais e processos
penais devem ser excluídas da Folha de Antecedentes Criminais nas hipóteses em
que resultarem na extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva,
arquivamento, absolvição ou reabilitação. Recurso conhecido e provido para deter­
minar a exclusão dos terminais do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton
Daunt os dados relativos ao inquérito policial n.° 52/98 e processo penal n.° 85/98,
que tramitou na Vara Única Criminal de Santa Rita do Passa Quatro/SP”.1
A concessão da reabilitação não acarreta, portanto, a destruição dos registros
criminais do condenado. Na verdade, tais informações deverão ser mantidas em
sigilo em relação ao público em geral, mas podem ser acessadas mediante requi-

1 STJ, 5a Turma, RMS 25.096/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cap. XIV • REABILITAÇÃO 563

sição do juiz criminal. Quando solicitadas para fins civis, as certidões emitidas
pelos órgãos de identificação estaduais (ou federais) não deverão fazer qualquer
referência a respeito de condenações irrecorríveis do reabilitado, que tem direito
líquido e certo à proteção dessas informações, passível de ser tutelado pela via do
mandado de segurança. Nesse contexto, o STJ tem entendimento firme no sentido
de que, por analogia ao que dispõe o art. 748 do CPP, que assegura ao reabilitado
o sigilo das condenações criminais anteriores na sua folha de antecedentes, devem
ser excluídos dos terminais dos Institutos de Identificação Criminal os dados re­
lativos a inquéritos arquivados e a processos em que tenha ocorrido a reabilitação
do condenado, a absolvição do acusado por sentença penal transitada em julgado,
ou tenha sido reconhecida a extinção da punibilidade do acusado pela prescrição
da pretensão punitiva do Estado, de modo a preservar a intimidade do mesmo.
Tais dados, entretanto, não deverão ser excluídos dos arquivos do Poder Judiciário,
tendo em vista que, nos termos do dispositivo acima citado, pode o Juiz Criminal
requisitá-los, de forma fundamentada, a qualquer tempo, mantendo-se, entretanto,
o sigilo quanto às demais pessoas.2

3.2. Efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da


condenação
De acordo com o art. 93, parágrafo único, do CP, a reabilitação também pode­
rá atingir os efeitos da condenação previstos no art. 92 do referido Codex, vedada
reintegração na situação anterior nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo. Nessa
hipótese, a suspensão dos efeitos é condicional, visto que o reabilitando deve atender
ao cumprimento de certas condições para que possa retornar ao estado em que se
encontrava antes de ser condenado. Em síntese:
a) perda de cargo, função pública ou mandato eletivo (CP, art. 92, I, “a” e
“b”): é vedada a reintegração à situação anterior em virtude da reabilitação. Entretanto,
nada impede que o agente volte a exercer novo cargo, emprego ou função pública,
desde que proveniente de nova investidura. A título de exemplo, suponha-se que
determinado funcionário público tenha perdido seu cargo em virtude de condenação
irrecorrível pela prática do crime de corrupção passiva. Ainda que obtenha êxito
em eventual pedido de reabilitação, não poderá ser reintegrado ao referido cargo.
No entanto, se o agente lograr êxito na aprovação em um novo concurso público,
poderá voltar a ser titular de cargo ou função pública;
b) incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela (CP,
art. 92, II): como é sabido, os efeitos da condenação decorrentes de um crime doloso,
punido pena de reclusão, cometido contra filho, tutelado ou curatelado, também se

2 STJ, 5a Turma, RMS 19.501/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 07/06/2005 p. 571. No sentido de que devem ser
mantidos nos registros criminais sigilosos os dados relativos a inquéritos arquivados e a processos, em
que tenha ocorrido a absolvição do acusado por sentença penal transitada em julgado, com o devido
cuidado de preservar a intimidade do cidadão: STJ, 2a Turma, RMS 28.838/SP, Rei. Min. Humberto Martins,
j. 1°/10/2009, DJe 04/11/2009; STJ, 2a Turma, RMS 31.756/SP, Rei. Min. Eliana Calmon, j. 08/06/2010, DJe
18/06/2010.
564 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

estendem às demais pessoas que se encontram em idêntica situação jurídica. Com


a reabilitação, o condenado poderá voltar a exercer o poder familiar, a tutela ou a
curatela em relação àqueles que não foram vítimas do crime doloso punido com
pena de reclusão. Isso porque, em relação à vítima, a incapacidade é permanente
(CP, art. 93, parágrafo único);
c) inabilitação para dirigir veículo: obtida a reabilitação pelo condenado, este
poderá obter nova carteira de habilitação.

4. LEGITIMIDADE PARA O REQUERIMENTO DE REABILITAÇÃO

É privativa do condenado. Trata-se de ato eminentemente pessoal. Por con­


sequência, não é transferível aos herdeiros ou sucessores na hipótese de óbito do
condenado, o que é justificado pela finalidade do instituto, qual seja, a reinserção
social do condenado. Portanto, diversamente do que ocorre com a revisão criminal,
não se admite reabilitação em prol da memória do condenado falecido, na medida
em que o instituto produz efeitos apenas para o futuro. O condenado deve ser
representado por profissional da advocacia.

5. JUÍZO COMPETENTE PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE


REABILITAÇÃO

A reabilitação não é um incidente da execução penal. Logo, como não diz


respeito ao cumprimento da pena, não deve tramitar perante o juízo das execuções.
Deve, pois, ser solicitada ao juízo de primeiro grau no qual tramitou o processo de
conhecimento,3 ainda que a decisão condenatória transitada em julgado tenha sido
proferida em grau recursal. Nas hipóteses de competência originária dos Tribunais,
a reabilitação deve ser ajuizada perante o respectivo Tribunal.

6. PRESSUPOSTO DA REABILITAÇÃO

A reabilitação tem como pressuposto a existência de uma sentença condena­


tória com trânsito em julgado. Desde que haja sentença condenatória irrecorrível,
pouco importa a natureza da sanção penal aplicada ao condenado - pena privativa
de liberdade, restritiva de direitos ou multa -, porquanto a reabilitação alcança
quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, nos exatos termos do art. 93,
caput, do Código Penal. Se o acusado não tiver sido condenado irrecorrivelmen-
te (v.g., sentença absolutória, prescrição da pretensão punitiva abstrata, decisão
homologatória de transação penal), não se pode cogitar de interesse de agir para
ajuizar eventual reabilitação. A propósito, como já se pronunciou o STJ “(...) uma
vez decretada a prescrição da pretensão punitiva e inexistindo, portanto, qualquer

3 STF, Pleno, CC 7.015/SP, Rei. Min. Moreira Alves, j. 1°/08/1994, DJ 19/12/1994.


Cap. XIV • REABILITAÇÃO 565

condenação, resta ausente o interesse processual de se obter a reabilitação criminal.


Recurso não conhecido”.4
Outrossim, na eventualidade de o agente possuir diversas sentenças condenató-
rias transitadas em julgado, o pedido de reabilitação deve ser formulado em relação
a todas elas. Não se admite, portanto, que o pedido de reabilitação seja feito em
relação à parte das penas pelo fato de não ter havido o cumprimento integral das
demais. Afinal, a reabilitação tem por essência a totalidade de seus efeitos, propor­
cionando a plena reintegração social do condenado.

7. REQUISITOS DA REABILITAÇÃO

Apesar de o CPP fazer referência aos requisitos da reabilitação, o ideal é concluir


que tal matéria encontra-se hoje regulamentada pelo Código Penal (arts. 93 e 95),
que faz referência a requisitos de natureza objetiva e subjetiva. Logo, em que pese
o art. 743 do CPP fazer referência, por exemplo, ao decurso do prazo de 4 (quatro)
ou 8 (oito) anos, contados do dia em que houver terminado a execução da pena
principal, o lapso temporal a ser levado em consideração para fins de reabilitação é,
na verdade, aquele constante do art. 94, caput, do CP, ou seja, 2 (dois) anos do dia
em que tiver sido extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar a sua execução,
computando-se o período de prova do sursis e do livramento condicional, se não
sobrevier revogação.

7.1. Requisitos objetivos


São aqueles relacionados ao tempo de cumprimento da pena e à reparação
do dano. Como exposto acima, o pedido de reabilitação deve ser requerido após
o decurso de 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena
ou terminar sua execução. Diversamente do art. 743 do CPP, que estabelecia
prazos diversos para o condenado primário - 4 (quatro) anos - e reincidente
- 8 (oito) anos -, o art. 94, caput, do CP, não faz qualquer ressalva quanto à
figura do condenado. Logo, o prazo será o mesmo - 2 (dois) anos -, seja ele
primário, seja ele reincidente. Nas hipóteses de sursis e livramento condicional,
o termo inicial do prazo é a data da audiência admonitória. Em se tratando de
multa, o dies a quo é o da data do efetivo pagamento, quando se pode dizer
que houve a extinção da referida pena, ou, então, o da data da prescrição da
pretensão executória.
O art. 94, inciso III, do CP, também exige o ressarcimento do dano causado pelo
crime ou a demonstração de absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido,
ou a exibição de documentos que comprovem a renúncia da vítima ou novação da
dívida. Logicamente, não se pode exigir a reparação do dano nos crimes que não o
produzem (v.g., associação criminosa), quando o crime não apresenta vítima determi­
nada, ou, ainda, quando figura como sujeito passivo um ente destituído de personali­

4 STJ, 5a Turma, REsp 665.531/SP, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 03/02/2005, DJ 07/03/2005 p. 337.
566 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

dade jurídica (crime vago). A falta de interesse da vítima, deixando, por exemplo, de
ajuizar uma ação civil ex delicto em face do condenado, não pode ser utilizada como
indicativo de renúncia de sua parte. Não obstante, se tiver havido o decurso do prazo
prescricional para a pretensão de reparação civil pelos danos causados pelo delito, não
se pode exigir do reabilitado o cumprimento de obrigação destituída de força. Por
consequência, uma vez prescrita a ação civil ex delicto, o condenado interessado na
reabilitação não precisa comprovar a reparação do dano causado pelo crime.

7.2. Requisitos subjetivos


Para requerer a reabilitação, é necessário ter domicílio no País no prazo de 2 (dois)
anos acima citado (CP, art. 94,1), e ter dado, durante esse período, demonstração efetiva
e constante de bom comportamento público e privado (CP, art. 94, II). Não é apenas a
prática de nova infração penal que impede a reabilitação. Na verdade, qualquer ato capaz
de macular a reputação do agente terá, de per si, o condão de fazê-lo. Geralmente, esse
bom comportamento do condenado interessado na reabilitação é comprovado por meio
de frequência a estabelecimentos de ensino e cursos profissionalizantes, ocupação lícita
e honesta, participação em programas sociais etc. Na visão dos Tribunais Superiores,
o instituto da reabilitação também alcança o estrangeiro expulso do Brasil por Decreto
Presidencial, sendo inadmissível, na hipótese, a exigência de fixar residência no país pelo
prazo mínimo de dois anos após a extinção da pena.5

8. MEDIDA SEGURANÇA DETENTIVA

A menção à medida de segurança detentiva constante do art. 743 do CPP deve


ser desconsiderada, visto que referida medida já não existe mais no Direito Penal
brasileiro desde o advento da reforma da Parte Geral do Código Penal. A hipótese
prevista no art. 743 do CPP dizia respeito ao antigo sistema do duplo binário, ou
seja, era possível a aplicação de pena e medida de segurança em caso de condenação
de cidadão considerado perigoso.

9. DECISÃO JUDICIAL
A sentença que concede ou nega a reabilitação pode ser impugnada por meio
de recurso de apelação, na forma do art. 593, II, do CPP.
Consoante disposto no art. 94, parágrafo único, do CP, negada a reabilitação,
esta poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com
novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários. Referido dispositivo
revela o caráter rebus sic stantibus da reabilitação, pois, uma vez negada, poderá
ser novamente requerida, a qualquer tempo, conquanto presentes novos elementos
probatórios.

5 STJ, 5a Turma, REsp 46.538/RJ, Rei. Min. Cid Flaquer Scartezzini, j. 21/05/1995, DJ 24/06/1996 p. 22.784.
Cap. XIV • REABILITAÇÃO 567

De acordo com o art. 749 do CPP, indeferida a reabilitação, o condenado


não poderá renovar o pedido senão após o decurso de dois anos, salvo se o in­
deferimento tiver resultado de falta ou insuficiência de documentos. Na visão da
doutrina, esse dispositivo foi tacitamente revogado pela reforma da Parte Geral
do Código Penal pela Lei n. 7.209/84. Isso porque, ao tratar da reabilitação, o
Código Penal (arts. 93 a 95) não estabelece prazo mínimo para que se possa
reingressar com o referido pedido na hipótese de anterior indeferimento. Na
verdade, exige tão somente o decurso do prazo de 2 (dois) anos para que possa
ser apresentado o pedido de reabilitação (CP, art. 94, caput). De mais a mais,
como exposto anteriormente, o parágrafo único do art. 94 do CP dispõe expres­
samente que, uma vez negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer
tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios
dos requisitos necessários.

10. RECURSO DE OFÍCIO

Para além de outras hipóteses previstas em lei - sentença concessiva de habeas


corpus (CPP, art. 574, I), absolvição de acusados em crimes contra a economia po­
pular ou contra a saúde pública (Lei n. 1.521/51, art. 7o), e da sentença que conceder
o mandado de segurança (Lei n. 12.016/09, art. 14, §1°) -, também há necessidade
de recurso de ofício quando for concedida a reabilitação (CPP, art. 746). A Lei de
Execução Penal (Lei n. 7.210/84) não revogou o art. 746 do CPP, haja vista que
os dispositivos referentes à reabilitação são plenamente compatíveis com a LEP.
A propósito, como já se pronunciou o STJ, “(...) o art. 746 do CPP, que regula o
recurso ex officio de sentença concessiva de reabilitação, não foi abolido pela Lei de
Execuções Penais, subsistindo em plena vigência. A reabilitação é meio de suprimir
os efeitos e assegurar o sigilo dos registros sobre o processo e a condenação, se­
gundo o art. 93 do Código Penal. Por consequência, deve ser processado e julgado
pelo juízo da condenação e só tem lugar após a extinção da pena ou término da
execução (art. 94 do CP), portanto o instituto não tinha por que figurar na Lei
destinada a disciplinar a execução penal. Em cifra, em plena vigência o dispositivo,
pois não foi revogado expressa ou tacitamente pela Lei n. 7.210/84. Recurso Especial
conhecido e provido”.6

11. CABIMENTO DE HABEAS CORPUS

O remédio heroico não é adequado para eventual pedido de reabilitação. Como


esta medida só pode ser pleiteada quando decorridos dois anos do dia em que for
extinta a pena ou terminar sua execução, é evidente que não mais haverá qualquer
constrangimento à liberdade de locomoção. Incide, no caso, a Súmula n. 695 do
Supremo: “Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade”.7

6 STJ, 6a Turma, REsp 43.799/RJ, Rei. Min. Pedro Acioli, j. 18/10/1994, DJ 12/12/1994.
7 STF, Ia Turma, HC 90.554/RJ, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 06/03/2007, DJ 23/03/2007.
568 MANUAL DE EXECUÇÃO PENAL - Renato Brasileiro de Lima

12. COMUNICAÇÃO AOS ÓRGÃOS DE IDENTIFICAÇÃO

De modo a dar cumprimento à preservação do sigilo dos registros sobre o


processo e condenação do agente (CP, art. 93, caput, infinè), os órgãos responsáveis
pela emissão de antecedentes criminais devem ser prontamente comunicados acerca
da sentença irrecorrível que conceder a reabilitação. Em São Paulo, as informações
ficam registradas no Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, órgão da
Secretaria de Segurança Pública.

13. REVOGAÇÃO DA REABILITAÇÃO

Antes da reforma da Parte Geral do Código Penal, a revogação da reabilitação


estava prevista no art. 120 do Código Penal. Daí a referência feita pelo art. 750 do
CPP (“A revogação de reabilitação [Código Penal, art. 120] será decretada pelo
juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público”). Com o advento da Lei
n. 7.209/84, a matéria passou a ser tratada pelo art. 95 do CP, que prevê que “a
reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se
o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que
não seja de multa”.
A despeito de a reabilitação suspender condicionalmente alguns efeitos secun­
dários de natureza extrapenal e específicos da condenação, é bom lembrar que a
condenação, de per si, permanece íntegra. Afinal, a reabilitação não tem o condão de
rescindi-la. Por isso, se o condenado, embora reabilitado, vier a cometer novo crime,
será considerado reincidente, salvo, logicamente, se já tiver se operado a caducidade
da reincidência pelo decurso do hiato temporal de 5 (cinco) anos a que se refere
o art. 64, I, do Código Penal. Nesse contexto, como já se pronunciou a 6a Turma
do ST), “(...) a reabilitação não excluiu, tout court, a função da condenação que lhe
constitui objeto como antecedente penal, como exsurge da letra do artigo 64, inciso
I, do Código Penal, que estabelece o prazo de 5 anos como extintivo do efeito da
condenação anterior transitada em julgado, como antecedente penal, maior do que
o prazo da reabilitação, que é de 2 anos, na letra do artigo 94 do Código Penal.8
Não é possível, portanto, a declaração da reabilitação do condenado quando
configurada a reincidência, haja vista o fato desta ser causa de revogação daquela
(CP, art. 95).9
Em conclusão, convém destacar que, em fiel observância aos princípios do con­
traditório e da ampla defesa, antes de revogar a reabilitação, incumbe ao juiz ouvir o
Ministério Público, assim como o condenado reabilitado. De se notar que, uma vez
revogada a reabilitação, os efeitos suspensos da condenação emergirão novamente.

8 STJ, 6a Turma, HC 32.372/SC, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 18/10/2005, DJ 05/12/2005 p. 379.
9 STJ, 5a Turma, HC 14.202/SP, Rei. Min. Edson Vidigal, j. 24/04/2001, DJ 13/08/2001 p. 182.
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