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Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XV – Nº 87
Dez-Jan 2019
Classificação Qualis/Capes: B1
Editores
Fábio Paixão
Walter Diab
Coordenador
Aury Lopes Júnior
Conselho Científico
Damásio E. de Jesus – Fernando da Costa Tourinho Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso
Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva
Conselho Editorial
Adeildo Nunes – Amadeu de Almeida Weinmann
Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Geraldo Batista de Siqueira (in memoriam)
Haroldo Caetano da Silva – José Carlos Teixeira Giorgis – Luiz Flávio Gomes
Marcelo Roberto Ribeiro – Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti
Roberto Victor Pereira Ribeiro – Rômulo de Andrade Moreira – Ronaldo Batista Pinto
Sergio Demoro Hamilton – Umberto Luiz Borges D’Urso
A responsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados é de seus autores.
As íntegras dos acórdãos aqui publicadas correspondem aos seus originais, obtidos junto ao
órgão competente do respectivo Tribunal.
A editoração eletrônica foi realizada pela LexMagister, para uma tiragem de 3.100 exemplares.
CDU 343(05)
LexMagister
Diretor Executivo: Fábio Paixão
Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Embriaguez ao Volante. Homicídio.
Acidente de Trânsito. Desclassificação. Nulidade da Pronúncia. Ausência
de Ilegalidade ou Abuso de Poder
Red. p/ o Ac. Min. Luís Roberto Barroso................................................................. 103
2. Superior Tribunal de Justiça – Pena. Furto Qualificado. Regime Prisional.
Réu Reincidente. Circunstâncias Judiciais Favoráveis. Pena Definitiva
Inferior a 4 Anos de Reclusão. Regime Inicial Semiaberto
Rel. Min. Joel Ilan Paciornik.................................................................................. 109
3. Superior Tribunal de Justiça – Estupro de Vulnerável. Prisão em
Flagrante Convertida em Preventiva. Condenação. Negativa do Apelo
em Liberdade. Alegada Inidoneidade da Fundamentação do Decreto
Preventivo. Configuração
Rel. Min. Jorge Mussi............................................................................................ 117
4. Superior Tribunal de Justiça – Sonegação Fiscal. Mero Inadimplemento.
Não Ocorrência. Operações Próprias. Tipicidade. Sócios
Administradores Exclusivos. Ausência de Individualização das Condutas.
Possibilidade. Nexo Causal Delineado
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca.................................................................... 126
5. Tribunal de Justiça de Alagoas – Atentado Contra o Funcionamento de
Serviço de Utilidade Pública. Conduta Praticada pelo Agente que se
Amolda à Espécie Delitiva Prevista no Art. 265 do CP
Rel. Des. Sebastião Costa Filho.............................................................................. 135
6. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Saída Temporária. Impossibilidade.
Regime Aberto. Ausência de Previsão. Art. 122 da LEP
Relª Desª Márcia Milanez...................................................................................... 141
7. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Pena. Roubo Majorado.
Emprego de Arma Branca. Alteração Legislativa. Inconstitucionalidade
do Art. 4º da Lei nº 13.654/2018. Inconstitucionalidade Formal
Relª Desª Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak........................................................ 147
8. Tribunal de Justiça de São Paulo – Furto. Violação de Domicílio. Maus-
Tratos de Animal Doméstico. Prova Robusta a Admitir a Condenação do
Réu. Pena e Regime Prisional Fixados com Critério
Rel. Des. Ricardo Sale Júnior.................................................................................. 155
9. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 161
10. Ementário............................................................................................................ 162
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 190
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 191
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 192
Doutrina
1 Introdução
A Resolução nº 181/2017 do CNMP procura criar no Brasil o chamado
acordo de não persecução penal, que nada mais é do que uma espécie de “tran-
sação penal” a ser firmada pelo Ministério Público, em crimes de ação penal
pública, com o agente autor da infração penal. Sem dúvida esse acordo se
traduz em uma mitigação do princípio da obrigatoriedade, regra que impera
no processo penal brasileiro1.
1 Anteriormente já tínhamos a transação penal da Lei nº 9.099/95, mas, entretanto, ali não se tem a adoção do princípio
da oportunidade, pois existe o início de procedimento judicial, mesmo que seja um procedimento próprio e especial,
já que não se inicia com a denúncia e seu recebimento, e sim com a abertura de uma audiência onde o Ministério
Público pode propor a transação penal e, se aceita, há a homologação judicial e o agente cumpre a medida acordada.
Assim, nesta hipótese, há uma adoção do princípio da disponibilidade e não o da oportunidade.
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2 O Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade
própria, investigações de natureza penal e fixou os parâmetros da atuação do MP, tendo o Plenário da Corte negado
provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 593.727, com repercussão geral reconhecida e, “entre os requisitos”
para que se desse a investigação pelo Parquet, os ministros frisaram que deveriam ser respeitados, em todos os casos,
os direitos e garantias fundamentais dos investigados e que os atos investigatórios – necessariamente documentados
e praticados por membros do MP – deveriam observar as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, bem
como as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados, como o acesso aos elementos de prova que digam
respeito ao direito de defesa. Destacaram ainda a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos. Foi
destacado, ainda, que deveria a matéria ser regulamentada por lei o mais rápido possível e, enquanto isso não ocorresse, se aplicariam
as normas já existentes no CPP sobre o inquérito policial à investigação ministerial.
3 Conselho Nacional do Ministério Público. Reclamação para Preservação da Competência e da Autoridade das
Decisões do Conselho. Decisão Liminar, Brasília, 2 de outubro de 2017. Disponível em: <https://diarioeletronico.
cnmp.mp.br/apex/EDIARIO.view_caderno?p_id=2964>. Acesso em: 5 dez. 2017.
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4 “Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não per-
secução penal, quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência
ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática, mediante as
seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo
impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público
como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por
período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado
pelo Ministério Público; IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal,
a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada
preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos
aparentemente lesados pelo delito; V – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que pro-
porcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.”
5 “Art. 19. Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento investigatório criminal se convencer da
inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública, nos termos do art. 17, promoverá o arquivamento
dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente. (...) § 2º Na hipótese de arquivamento do
procedimento investigatório criminal, ou do inquérito policial, quando amparado em acordo de não persecução penal, nos
termos do artigo anterior, a promoção de arquivamento será necessariamente apresentada ao juízo competente, nos moldes do art. 28
do Código de Processo Penal.”
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Assim, a matéria não poderia ser tratada por Resolução do CNMP, uma
vez que, assim o fazendo, se incidiu em inconstitucionalidade formal, pois
só poderia ser regulada por lei federal, por se tratar de alterações de normas
de processo penal, sendo inquestionável o atentado ao art. 22, I, da CF, pois
a competência para se legislar na espécie seria do Parlamento, com sanção ou
veto do Poder Executivo. Existe assim, com tal previsão por via administrativa,
um problema de ordem formal-constitucional, que será objeto de apreciação
pelo STF.
Assevere-se que o art. 24, XI, da CF diz que pode haver competência
concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre
procedimentos em matéria processual. Porém, o CNMP, como se vê do art.
130-A da mesma Constituição, quando dispõe sobre os poderes atribuídos ao
Conselho Nacional do Ministério Público, não tem legitimidade para legislar
em matéria processual ou mesmo procedimento penal. O CNMP não tem
função legislativa, mas tão somente regulamentar.
Mas, outro grande problema do acordo de não persecução penal e de
seu cumprimento, desde a forma que foi previsto na redação original da Re-
solução nº 181/217, era o de que a avença não seria submetida à homologação
pelo judiciário, cabendo a sua aplicação e controle e, inclusive, a posterior
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7 Sim, mero “assentimento”, pois não se pode equiparar a mera apreciação do acordo pelo juiz, na forma prevista na
Resolução nº 181/2017, como uma forma de “homologação” judicial. A homologação pressupõe um procedimento
judicial, e isso não existirá.
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11 É neste sentido que Pierre Souto Maior afirma que a Resolução nº 181, neste ponto, trata “(...) de direito processual,
pretendendo revogar o art. 24 do CPP, que positiva o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública
incondicionada, no processo penal comum, violando o art. 22, I, da CF de 1988, também é inconstitucional mate-
rialmente, pois autoriza o membro do Ministério Público a aplicar pena restritiva de direitos sem o devido processo
legal, violando o art. 5º, LIV, da CF”. (Observações sobre a Resolução nº 181 do CNMP. Disponível em: <http://esdp.
net.br/observacoes-sobre-a-resolucao-n-181cnmp>. Acesso em: 3 out. 2017)
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12 ANDRADE, Mauro Fonseca; BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Observações preliminares sobre o acordo de não
persecução penal: da inconstitucionalidade à inconsistência argumentativa. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS,
Porto Alegre, n. 37, p. 239-262, dez. 2017.
13 Cf. ASMUS, Torben. A justiça penal e a investigação penal na Alemanha. Trad. Marcellus Polastri Lima. In: AMBOS,
Kai; BÖHM, Maria Laura (Coord.). Desenvolvimento atuais das ciências criminais na Alemanha. Brasília: Gazeta Jurídica,
2013. p. 94/95.
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14 Neste sentido: CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. O acordo de não-persecução penal criado pela nova Resolução do
CNMP. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-set-18/rodrigo-cabral-acordo-nao-persecucao-
penal-criado-cnmp>. Acesso em: 20 set. 2017.
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15 ADPF 347, que examinou a Resolução nº 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça que instituiu a audiência de
custódia.
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Estes pontos não são bem esclarecidos pela Resolução nº 181 do CNMP,
que se limita a dispor em parágrafo do seu art. 18 que:
16 Consoante Pierre do Souto Maior, “no caso, o parâmetro de competência do juízo de audiência de custódia é a
Resolução nº 213/CNJ, que, em seu art. 8º, não autoriza qualquer atividade de homologação de acordos entre MP
e investigado. Se o CNMP pode vincular atividade executiva dos membros do MP (o que já é altamente questioná-
vel), impossível para tal órgão administrativo regular a competência dos juízes. Portanto, não compete ao juízo
da audiência de custódia homologar o acordo ou mesmo fazer documentação de tal negociação (artigo citado)”.
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7 Conclusão
Como se vê, por todos os ângulos que se examine o novo instituto
trazido pela Resolução nº 181/2017, alterada pela Resolução nº 183/2018 do
CNMP, se vê que não resistirá a um exame sua constitucionalidade, além de
trazer vários outros pontos que conflitam com a lei ordinária em vigor. O
CNMP não poderia regulamentar, via simples resolução, mudanças de normas
de processo, sob pena de um atentado ao art. 22, I, da CF, pois tal atribuição é
do parlamento, com sanção ou veto do poder executivo. Existe, assim, com tal
previsão por via administrativa, um problema de ordem formal-constitucional,
que certamente deverá ser o principal ponto contra a regulamentação, em
futura apreciação pelo STF.
Mas ainda existe evidente afronta ao devido processo legal, pois o acor-
do de não persecução visa aplicar medidas ou penas restritivas de direito em
afronta ao art. LIV da CF, já que inexiste um devido processo legal, com o
cumprimento das condições em via administrativa pelo Ministério Público,
sem anterior homologação pelo juiz.
Além de tudo, a regulamentação colide com a norma infraconstitucional
em vigor, que se embasa no princípio da obrigatoriedade (CPP), sem contar
com incoerências outras como a previsão de possibilidade de se acordar na
audiência de custódia e a possibilidade do ofendido adentrar com a ação penal
privada subsidiária da pública.
Como dito, até me parece salutar que se adote o princípio da oportu-
nidade para os casos de infrações de médio potencial ofensivo no Brasil, mas
isto deve ser feito por lei federal e com a adoção do devido processo legal,
devendo haver a homologação pelo juiz do acordo.
ABSTRACT: The National Council of the Prosecution Office, by means of Resolutions (181/2017
and 183/2018), has established norms that create the so-called “agreement of non-prosecution”, which,
in short, aim at bringing the principle of opportunity in criminal prosecution to the Brazilian criminal
procedure. This article examines such innovation, especially its constitutionality and compatibility with
the Code of Criminal Procedure.
8 Bibliografia
ANDRADE, Mauro Fonseca; BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Observações preliminares sobre o acordo
de não persecução penal: da inconstitucionalidade à inconsistência argumentativa. Revista da Faculdade de
Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 37, p. 239-262, dez. 2017.
ASMUS, Torben. A justiça penal e a investigação penal na Alemanha. Trad. Marcellus Polastri Lima. In:
AMBOS, Kai; BÖHM, Maria Laura (Coord.). Desenvolvimento atuais das ciências criminais na Alemanha.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.
CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. O acordo de não-persecução penal criado pela nova Resolução do CNMP.
Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-set-18/rodrigo-cabral-acordo-nao-persecucao-
penal-criado-cnmp>. Acesso em: 20 set. 2017.
DIÁRIO ELETRÔNICO DO CNMP. Edição n. 19, disponibilização: 29.01.2018, publicação: 30.01.2018.
MAIOR, Pierre Souto. Observações sobre a Resolução nº 181 do CNMP. Disponível em: <http://esdp.net.br/
observacoes-sobre-a-resolucao-n-181cnmp>. Acesso em: 3 out. 2017.
Doutrina
Introdução
O tema do presente artigo é o direito fundamental à duração razoável
do processo penal. Delimita-se o tema analisando os reflexos da EC nº 45/04,
conhecida como a Reforma do Judiciário, na morosidade da Justiça, mormente
na Justiça Criminal brasileira.
Questiona-se, visando problematizar a pesquisa, se a inclusão do direito
fundamental à duração razoável do processo na CF/88 pela EC nº 45/04 foi
suficiente para garantir a celeridade processual na esfera criminal. A hipótese
adotada no presente estudo é a de que nem a ratificação de tratados inter-
nacionais que determinam que os processos tenham uma duração razoável,
nem a introdução do direito fundamental à razoável duração do processo na
CF pela EC nº 45/04 foram capazes de reduzir o acervo processual, nem de
reduzir o tempo médio dos processos na esfera penal.
O presente trabalho tem por objetivo geral identificar aspectos práticos
do direito fundamental à razoável duração do processo, especificamente no
processo penal brasileiro. A pesquisa tem por objetivos específicos verificar o
cenário atual do Poder Judiciário brasileiro, no que se refere à justiça criminal,
através da análise do Relatório Justiça em Números 2017: Destaques, do Conselho
Nacional de Justiça; realizar um breve histórico do direito à duração razoá-
vel do processo; apontar algumas das alterações realizadas pela Reforma do
Judiciário, pela EC nº 45/04; e a aplicação do direito fundamental à razoável
duração do processo no processo penal brasileiro.
Justificam e motivam o presente estudo a crise em que se encontra
o Poder Judiciário brasileiro, com um acervo insuperável de processos cri-
minais e com processos e prisões preventivas que se arrastam por anos, sem
perspectivas de mudanças. Trata-se de uma crise de efetividade da prestação
jurisdicional que reduz a credibilidade do Poder Judiciário brasileiro. Essa crise
pode ser observada por três aspectos: a relação do Poder Judiciário com outros
Poderes; a inadequação da estrutura do Poder Judiciário; e as características
dos procedimentos judiciais.
O presente estudo tem ênfase nesse terceiro aspecto da crise do Poder
Judiciário, ou seja, nas características dos procedimentos judiciais, pelas quais
se atribui ao Poder Judiciário brasileiro a responsabilidade pela não concreti-
zação de direitos fundamentais.
Relevante, portanto, o estudo dos procedimentos judiciais concernen-
tes ao direito fundamental à duração razoável do processo penal, pois a não
concretização desse direito fomenta a referida crise, resultando em acúmulo
de processos e processos morosos. Trata-se de um estudo descritivo e ex-
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 23
1 Estão indisponíveis as informações de casos novos e de casos pendentes de julgamento, tanto na Justiça de 1º Grau,
quanto na Justiça de 2º Grau, do Estado do Rio Grande do Norte, bem como de casos pendentes de julgamento,
tanto na Justiça de 1º Grau, quanto na Justiça de 2º Grau do Estado de Alagoas.
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prazo legal; o fim das férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau; a
distribuição imediata dos processos; a inclusão da necessidade de demonstrar
a repercussão geral para a admissão do recurso extraordinário; e a criação da
súmula vinculante (BRASIL, 2004).
Dentre as diversas mudanças acima apresentadas, especial atenção será
dada ao acréscimo do inciso LXXVIII no art. 5º da CF, que dispõe o seguin-
te: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”
(BRASIL, 2004).
A preocupação com a duração do processo não é algo novo e existem
registros dessa preocupação desde o século IV d.C., Daniel Roberto Pastor
(2002, p. 101) enfatiza que: “Las leyes romanas establecieron un plazo preciso
para la duración del proceso penal, disponiendo Constantino que empezara a
contarse con la litis contestación y que fuera de un año; plazo que, en la época
de Justiniano, era de dos años”.
A duração do processo também figurou em documentos como a Magna
Charta Libertatum e as Siete Partidas:
público, por um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime houver sido
cometido (...)”.
No entanto, uma maior preocupação com o direito fundamental a uma
conclusão rápida do processo penal passou a se intensificar após a Segunda
Guerra Mundial (PASTOR, 2002, p. 103).
Em 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1948) instituiu, em
seu artigo XXV, que: “todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberda-
de, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida,
e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, no caso contrário, de ser
posto em liberdade”.
Ainda que todos os documentos acima citados tenham feito referência
à duração do processo, o termo “razoável”, mais utilizado atualmente, apenas
surgiu em 1950, na Convenção Europeia para a proteção dos Direitos Hu-
manos e das Liberdades Fundamentais de Roma, em seu art. 5º, intitulado
“Direito à liberdade e à segurança”, item 3:
“Toda a pessoa detida ou presa devido a uma infracção penal será presente,
no mais breve prazo, a um juiz ou outro funcionário autorizado por lei
para exercer funções judiciais, e terá direito a ser julgada dentro de um
prazo razoável ou a ser posta em liberdade.” (ASSEMBLEIA GERAL DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1966)
“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais
e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em
liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.” (ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente
e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direi-
tos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza.” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)
processo não se limita ao processo penal, portanto, seria incorreto fixar prazo
máximo de duração de um processo diante de tantos ramos e procedimentos
diferentes existentes; outra é que uma Constituição não pode adotar prazo
máximo de duração dos processos caso ela delegue aos Estados membros a
competência para legislar sobre o direito processual, a exemplo do que ocorre
na República Argentina (PASTOR, 2002, p. 107).
Aury Lopes Junior (2013, p. 196) afirma que: “adotou o sistema bra-
sileiro a chamada ‘doutrina do não prazo’, persistindo numa sistemática ul-
trapassada e que a jurisprudência do Tribunal Europeu de direitos humanos
vem há décadas debatendo”.
Diferentemente do Brasil, o Paraguai adotou um prazo máximo de du-
ração para o processo penal. O Código Procesal Penal de la República del Paraguay
dedica seu Capítulo V ao control de la duración del procedimiento, demonstrando
sua intenção de regular o prazo de duração do procedimento em vez de per-
mitir à jurisprudência que decida sobre tal prazo.
Dispõe o Código Procesal Penal paraguaio em seu artigo 136, alterado
pela Ley nº 2341 de 11 de dezembro de 2003:
Este plazo solo se podrá extender por doce meses más cuando exista una
sentencia condenatoria, a fin de permitir la tramitación de los recursos.
O caso mais importante, por ser o caso no qual se deu o primeiro passo
na direção e na criação de critérios para valorar a duração indevida, foi o caso
Wemhoff, sentenciado em 27.06.68 (LOPES Jr., 2013, p. 196).
A discussão central do caso foi a excessiva duração da prisão preventiva,
mas no mesmo caso discutiu-se a duração do processo, por ser assunto que se
vincula de forma inseparável com a temática do caso (PASTOR, 2002, p. 111).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
32
O alemão Wemhoff foi investigado em seu país por uma grande fraude
bancária de consequências internacionais. Vários foram os crimes a ele im-
putados, tais como fraudes, abusos de confiança, dentre outros crimes desse
gênero. A investigação durou mais de dois anos e resultou no exame de 159
contas bancárias de instituições alemãs e suíças. Dezenas de testemunhas
foram inquiridas, os laudos técnicos ocuparam mais de 1.500 páginas e, no
momento da acusação, os autos compreendiam 45 volumes com aproxima-
damente 10.000 páginas (PASTOR, 2002, p. 111).
Wemhoff foi preso em 09.11.61 e condenado no dia 07.04.65. No dia
12.12.65 foi denegado o recurso apresentado pela defesa contra a sentença.
Assim, até a condenação em primeira instância, Wemhoff havia cumprido três
anos e cinco meses de prisão (PASTOR, 2002, p. 111).
O caso foi levado ao TEDH por violação do prazo razoável com a
seguinte questão: “Qual era o alcance da expressão ‘razoável’?”. Frente às
dificuldades encontradas para definir o termo, em razão de ser um órgão in-
ternacional, a Comissão adotou a doutrina dos “sete critérios”, que serviriam
para responder se o prazo seria ou não razoável. Deve-se destacar que, com
variações, os sete critérios foram aplicados tanto na medição da prisão caute-
lar, quanto na razoabilidade da duração de todo o procedimento (PASTOR,
2002, p. 111-112).
Leciona Aury Lopes Junior (2013, p. 196) que, segundo a Comissão, os
sete critérios para verificar a razoabilidade da prisão cautelar (e consequente-
mente a dilação indevida do processo) são:
a) a duração da prisão cautelar;
b) a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito, à pena
fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação;
c) os efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material
como oral ou outros;
d) a influência da conduta do imputado em relação à demora do pro-
cesso;
e) as dificuldades para a investigação do caso (complexidade dos fatos,
quantidade de testemunhas e réus, dificuldades probatórias, etc.);
f) a maneira como a investigação foi conduzida;
g) a conduta das autoridades judiciais.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 33
“La Comisión no fue capaz de asignar, más que confusamente, el valor que
tendrían cada uno de estos criterios, no definió la forma en que debían ser
combinados y ni siquiera estimo que éstos pudieran ser los únicos puntos
de vista a considerar para establecer cuándo la duración de la detención
era o no razonable.”
o artigo 5.3 da CEDH, nem fixar a linha que divide o tempo razoável daquele
que não o é (PASTOR, 2002, p. 113-114).
Apesar de toda a argumentação da Comissão, o TEDH não compar-
tilhou dessa arguição e rechaçou a tese dos sete critérios. Esclarece Daniel
Roberto Pastor (2002, p. 114) que:
“A doutrina dos sete critérios não foi expressamente acolhida pelo TEDH
como referencial decisivo, mas tampouco foi completamente descartada,
tendo sido utilizada pela Comissão em diversos casos posteriores, deno-
minado teoria dos três critérios:
a) complexidade do caso;
Aury Lopes Junior (2013, p. 197) esclarece que: “esses três critérios
têm sido sistematicamente invocados, tanto pelo TEDH, como também pela
Corte Americana de Direitos Humanos. Ainda que mais delimitados, não são
menos discricionários”.
Assim, o caso Wemhoff demonstrou que a Comissão decidiu que a
prisão havia ultrapassado seu limite razoável de duração, no entanto, sem
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 35
fundamentos jurídicos racionais, enquanto que o Tribunal, por sua vez, sen-
tenciou que tal limite não havia sido violado, também sem fundamentação
(PASTOR, 2002, p. 117).
Para Daniel Roberto Pastor (2002, p. 117), o caso Wemhoff: “(...) es
demostrativo no sólo de las graves dificultades interpretativas de la expresión
‘plazo razonable’, sino, antes bien, del enorme campo para la arbitrariedad que
él brinda: para un mismo caso, la Comisión y el Tribunal europeo contaron,
con la misma arbitrariedad, interpretaciones y consecuencias diferentes”.
Diante desse impasse de arbitrariedades, Aury Lopes Junior (2013, p.
197) defende que: “O ideal seria a clara fixação da duração máxima do pro-
cesso e da prisão cautelar, impondo uma sanção em caso de descumprimento
(extinção do processo ou liberdade automática do imputado). Para falar-se em
dilação ‘indevida’, é necessário que o ordenamento jurídico interno defina
limites ordinários para os processos, um referencial do que seja a ‘dilação
devida’ (...)”.
É na indefinição da referida “dilação devida” que residem as arbitra-
riedades no julgamento do que vem a ser o prazo razoável de duração do
processo. Não se desconsidera, no entanto, as peculiaridades de cada caso e
suas implicações na duração dos feitos, mas a inexistência de um prazo limite,
de normatização, permite tal subjetividade judicial.
Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 333), no entanto, discorda da
necessidade e da possibilidade de se fixar um prazo, no que se refere à duração
razoável do processo: “Note-se o binômio da economia processual: razoá-
vel duração do processo + celeridade de tramitação. Não se fixou um fator
temporal rígido, mencionando-se apenas o critério do razoável. Sem dúvida
tratou-se da melhor opção, pois somente cada caso concreto poderá permitir
ao Judiciário avaliar o grau de razoabilidade ínsito no trâmite do feito”.
No entanto, diante de um Poder Judiciário que não se mostra capaz de
reduzir o acervo de processos, o que influencia diretamente na sua morosidade,
não parece ser a melhor opção o entendimento de que a razoabilidade possa
ser decidida pelo julgador no caso concreto. Pois, dessa forma, autoriza-se
que questões relacionadas à quantidade excessiva de processos ou à falta de
serventuários da justiça, por exemplo, possam ser consideradas pelo Julgador
no momento de decidir sobre a razoabilidade, fazendo com que o indiciado
ou o acusado suportem encargos aos quais não deram causa.
Assim, sendo o direito à duração razoável do processo um direito
fundamental elencado na Constituição Federal, cabe ao legislador analisar o
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
36
“O que estou a dizer, no duro, é que não é correto considerar essa simples
soma aritmética dos prazos previstos na Lei nº 11.343/06 (como também
no CPP) como suficiente para determinar o prazo dentro do qual deveria
ser encerrada a instrução processual (ou algum outro ato processual), uma
vez que não é computado o tempo necessário para cumprimento, pelo
cartório, dos despachos proferidos, da notificação do paciente, da feitura
de eventual laudo pericial toxicológico, o que, de outra banda, impossibilita
que a finalização de todos os atos processuais se efetive dentro do prazo
final obtido pela singela soma dos prazos previstos isoladamente.” (TJSP,
HC 2034903-03.2018.8.26.0000; Rel. Airton Vieira, 3ª Câmara de Direito
Criminal, j. 27.03.2018, v.u.)
“Diante desse contexto, deve ser decretada, desde logo, a revelia do acusado
e o prosseguimento do feito até seus ulteriores termos, em homenagem à
celeridade processual.” (TJSP, HC 2011411-79.2018.8.26.0000, Rel. Paulo
Rossi, 12ª Câmara de Direito Criminal, j. 28.03.2018, v.u.)
“Cumpre registrar que, embora se trate de processo com três réus presos
– em que se fez necessária expedição de cartas precatórias e, por isso, se
justificaria pequena delonga –, não se mostra razoável que, depois de mais
de 1 ano de trâmite processual, inexista, no horizonte do tempo, perspectiva
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 43
Conclusão
Os números apresentados pelo relatório Justiça em Números 2017: Des-
taques, emitido pelo Conselho Nacional de Justiça, demonstram que o Poder
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 45
TITLE: Constitutional Amendment no. 45/2004 and the fundamental right to the reasonable duration
of the penal process.
ABSTRACT: The purpose of this study is to analyze the inclusion of the fundamental right to the reaso-
nable duration of the process in the Federal Constitution of 1988 by the so-called Reform of the Judiciary
and its reflexes in the criminal process. It is questioned whether the inclusion of the fundamental right to
the reasonable duration of the process in the Federal Constitution of 1988 was enough to guarantee the
procedural celerity in the criminal sphere. The descriptive and exploratory method was used, therefore, it
was developed based on documental and bibliographic research, using the hypothetical-deductive method.
It is concluded that, despite the Reform of the Judiciary, implemented by Constitutional Amendment no.
45/2004, introduced in the constitutional text the fundamental right to the reasonable length of the proce-
edings, the absence of definition of deadlines limiting the duration of the process in criminal procedural
law does not allows the effective exercise of this right.
KEYWORDS: Reasonable Duration of the Procedure. Constitutional Amendment no. 45/2004. Reform
of the Judiciary. Criminal Proceedings. Human Rights.
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j. 28.03.2018, votação unânime.
______. ______. HC 2019153-92.2017.8.26.0000. Relª Desª Ivana David, 4ª Câmara de Direito Criminal,
j. 16.05.2017, votação unânime.
______. ______. HC 2034903-03.2018.8.26.0000. Rel. Des. Airton Vieira, 3ª Câmara de Direito Criminal,
j. 27.03.2018, votação unânime.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 47
______. ______. HC 2141934-19.2017.8.26.0000. Rel. Des. Juvenal Duarte, 5ª Câmara de Direito Criminal,
j. 10.08.2017, votação unânime.
______. ______. HC 2194945-60.2017.8.26.0000. Rel. Des. Laerte Marrone, 14ª Câmara de Direito
Criminal, j. 07.12.2017, votação unânime.
______. ______. HC 2230831-23.2017.8.26.0000. Relª Desª Kenarik Boujikian, 2ª Câmara de Direito
Criminal, j. 09.04.2018, votação unânime.
______. ______. HC 2232088-83.2017.8.26.0000. Rel. Des. Moreira da Silva, 13ª Câmara de Direito
Criminal, j. 01.02.2018, votação unânime.
______. ______. HC 2252499-50.2017.8.26.0000. Relª Desª Kenarik Boujikian, 15ª Câmara de Direito
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perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
Doutrina
Gisele Leite
Professora Universitária; Pedagoga; Advogada; Mestre em
Direito e em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora-
Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
pena de morte como forma de punição para crimes comuns, precedido apenas
pela Costa Rica, que abolira a referida pena em 1859.
Ressalte-se, porém, que a pena capital por fuzilamento continua prevista
pela legislação brasileira e pode ser utilizada em caso de guerra. A propósito,
nosso país é o único país de língua portuguesa a prever a pena de morte no
bojo de sua CF. Até o século XVIII, no Brasil, as prisões representavam locais
de custódia, onde o réu era resguardado até o julgamento e sucessiva aplicação
de pena. Nessa época vigia entre as penas a morte, a tortura, lesões corporais
com mutilações e confisco de bens, até que, em 1824, com a Constituição do
Império, foram abolidas as penas cruéis.
Em 1830 foi editado o Código Criminal do Império brasileiro, pela
Lei de 16 de dezembro, que, aliás, veio a substituir o Livro V das Ordenações
Filipinas de 1603, que vigorava entre nós mesmo depois da Independência
proclamada. Assim, o referido Código Criminal introduzira a prisão simples
e a prisão com trabalho e era composto de quatro partes: dos crimes e das
penas, dos crimes públicos, dos crimes particulares e dos crimes policiais.
E, mais tarde, foi complementado pelo Código de Processo Penal de 1832.
Mais adiante, em 1890, foi promulgado o Código Penal que então autorizava
a prisão preventiva caso a autoridade não fosse obedecida depois da terceira
advertência.
Com o advento do CP/1940 a pena de morte foi definitivamente abo-
lida, mantendo-se o sistema progressivo de cumprimento de penas privativas
de liberdade. Em 1977, foi promulgada a Lei nº 6.416 que alterou o processo
penal brasileiro. E, quanto à execução da pena, com a edição da Lei nº 7.210/84
(LEP) efetivamente se judicializou a execução penal no país. E, com o tempo, a
prisão processual tem sofrido sucessivas críticas e tem servido de instrumento
nas mãos de governantes, vez que é sempre invocada contra o criminoso ou
autor do crime e em prol da sociedade.
Mais especificamente quanto à prisão preventiva veio a Lei nº
12.403/2011 que alterou sensivelmente o CPP de 1940, tornando seus re-
quisitos mais evidentes para análise de sua concessão. A evolução da prisão
preventiva passou por autêntica mudança, sendo sempre orientada pelo
princípio da presunção da inocência e da preservação da dignidade da pessoa
humana. No texto original do CPP era possível cogitar em prisão preventiva
obrigatória e facultativa. Conforme consta do art. 312, a prisão preventiva seria
decretada em crimes a que fosse cominada pena de reclusão por tempo igual
ou superior a 10 anos, tratando-se de prisão preventiva obrigatória.
A hipótese de prisão preventiva facultativa era utilizada em contrapo-
sição, sendo cabível e pertinente quando, além de prova da materialidade,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
50
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 51
“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação
da prisão preventiva:
IV – (revogado).
prisão. Deve ainda a decisão judicial que determinou a prisão preventiva ser
suficientemente fundamentada em uma das hipóteses legais, não bastando
ao julgador apenas cogitar, genericamente, que aquele tipo de crime é grave.
Deve, portanto, apreciar as circunstâncias específicas que tornam grave o in-
digitado crime e que tornam temerária a liberdade do réu, ou, ainda, justificar
a medida em outra das hipóteses legais previstas.
Portanto, ao lado da fundamentação da prisão preventiva, além da prova
da existência do crime e dos indícios de autoria, deve indicar também a ade-
quação de fatos concretos à norma abstrata que tanto autoriza para garantia
da ordem pública, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar
a aplicação da lei penal.
Não basta a imputação dos famosos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90)
e nem basta o interesse no resultado do processo penal, e só se legitima real-
mente quando se mostrar necessária, de sorte que não atende ao intento de
punir sem processo, mesmo ante a gravidade do crime imputado. Também
não deve encampar todos os argumentos manejados pelo Ministério Público
ou mesmo pela autoridade policial, existindo forte orientação jurisprudencial
prevalente de que é nulo o tipo de decisão onde se lê apenas: “nos termos do
requerimento do MP, decreto prisão preventiva de Fulano de Tal”, ou ainda,
“presentes os requisitos legais, nos termos da representação da autoridade
policial, decreto a prisão preventiva”.
Deve-se ainda entender que a decisão judicial que decreta ou denega
a prisão preventiva possui natureza de interlocutória simples. De sorte que,
diante de sua decretação, é cabível a interposição de habeas corpus e, na dene-
gação, o recurso em sentido estrito, conforme previsto no art. 581, V, do CPP.
Da mesma forma cabe o recurso em sentido estrito contra a decisão
que revoga a prisão preventiva, admitindo-se igualmente a impetração de
mandado de segurança para obtenção de efeito suspensivo ao recurso para
que, em eventual liminar, venha o Tribunal manter preso o acusado até a final
decisão de mérito.
Pelo art. 282, § 3º, do CPP, o juiz abster-se-á de oitiva da parte con-
trária sobre requerimento de prisão sempre que houver urgência ou perigo
de ineficácia da medida, de modo que apenas em situações excepcionais o
investigado ou réu deve ser intimado para manifestar-se sobre o pleito de
prisão preventiva.
O STJ já decidiu, porém, que quando a observância do contraditório
não ensejar risco, em caso de decretação da prisão, o sucesso da efetivação
da captura, colheita a manifestação da defesa é obrigatória. Destaque-se que
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
54
a reforma do CPP ocorrida em 2011, por meio da Lei nº 12.402, deu nova
redação ao art. 282, § 3º, do CPP, o qual passou a prever que, ressalvados os
casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o
pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acom-
panhada de cópia de requerimento e das peças necessárias, permanecendo os
autos em juízo.
A providência é salutar em situações excepcionais, portanto, ouvir as
razões do acusado pode levar o juiz a não adotar o provimento limitativo da
liberdade, não só no caso macroscópico de erro de pessoa, mas, também, na
hipótese em que a versão dos fatos fornecida pelo interessado se revele con-
vincente, ou quando ele consiga demonstrar a insubsistência das exigências
cautelares.
É injustificável a decisão judicial que, ocorrida em audiência, não per-
mite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de prisão preventiva
formulado pelo agente do MP, pois não é plausível obstruir o pronunciamento
da defesa do acusado, frente à postulação da parte acusada, ante a ausência de
prejuízo ou risco para o processo penal ou mesmo para terceiros, na adoção
do procedimento previsto em lei. Por prudência, recomenda-se que deve o
juiz ouvir a defesa para dar-lhe a chance de contrapor-se ao requerimento, o
que não fora feito, mesmo não havendo, neste caso específico, uma urgência
tamanha capaz de inviabilizar a adoção de tal providência, que redunda numa
regra básica do direito: o contraditório e a bilateralidade da audiência.
Quando decretada a prisão preventiva em audiência, o STJ já afirmou
a necessidade que em casos excepcionais, pelo menos, haja a presença do ad-
vogado do acusado, seja este autorizado a falar, concretizando assim o direito
de interferir na decisão judicial que poderá implicar na perda de liberdade
do acusado (vide RHC 75.516/MG, 6ª T., Relª Minª Maria Thereza de Assis
Moura, Rel. p/ o Acórdão Min. Rogério Schietti Cruz, j. 13.12.2016, DJe
11.05.2017).
Com a Lei nº 12.403/2011 verificam-se três situações plausíveis de
decretação da preventiva, a saber: quando o autor da infração tiver sido preso
em flagrante e o juiz, ao receber a cópia do autor no prazo de 24 horas da
prisão, convertê-la em preventiva; e, nesse caso, nem é necessário haver re-
querimento do MP ou mesmo da autoridade policial, conforme se depreende
do art. 310 do CPP.
Mas, o mesmo dispositivo legal dispõe ainda que o juiz só decretará
prisão preventiva se concluir que são inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares diversas da prisão e que são previstas nos arts. 319 e 320 do CPP
(tais como monitoramento eletrônico, recolhimento domiciliar, etc.); quando
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 55
ABSTRACT: In order to properly analyze the requirements for pretrial detention, it is necessary to do so
in accordance with the provisions of the Code of Criminal Procedure and its respective legal hypotheses, in
situations that fit its revocability, as well as its compatibility with the principle of reasonable length of process.
Referências
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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11. ed. Salvador:
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Doutrina
1 “Todo homem é considerado inocente até que seja declarado culpado e, se for julgado indispensável prendê-lo, todo
rigor desnecessário à garantia de sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.”
2 “Toda pessoa acusada de crime será presumida inocente até que seja declarada culpada.”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
64
de jurisdição para que se dê efetividade a uma decisão criminal (g.n). A mesma in-
formação foi dada pela Ministra Ellen Gracie, quando do julgamento do HC
85.886 (DJ 28.10.05). E mais tarde, o e. Ministro Gustavo Barroso, ao votar
com o Relator no HC 126.292, assim se pronunciou: verbis:
(...)
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
ABSTRACT: This article examines the history of the presumption of innocence and asks a question – for
those who understand that res judicata happens when a judgment becomes unappealable, can a convict
from an appellate jurisdiction file a special appeal provided that that does not come against any federal
law or treaty? Can he/she file an extraordinary appeal if the lower court did not violate the Constitution?
* Esse trabalho é fruto de um debate ocorrido no grupo de trabalho “Democracia e Processo”, coordenado pelo Professor
Cláudio Jannotti da Rocha, do III Congresso de Processo Civil Internacional: A Jurisdição e a Cooperação Jurídica
Internacional e os Métodos Adequados de Tratamento de conflitos na América Latina, realizado na Universidade
Federal do Espírito Santo no ano de 2018.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
70
1 Introdução
As técnicas processuais para defesa de direitos transindividuais não são
objeto de estudo recente no meio jurídico, a mudança de postura decorrente de
uma sociedade de massa pôde ser observada, inicialmente, com o surgimento
de leis esparsas criadas, mormente, para suprir a carência de um de Código
de Processo Civil eminentemente individualista.
Na medida em que as leis foram se multiplicando e avançando para
searas do preservacionismo ambiental e demais direitos difusos, da proteção
dos consumidores e no surgimento das demandas coletivas que visam à
proteção de direitos metaindividuais, teve origem, no ordenamento jurídico
brasileiro, o denominado microssistema de processo coletivo.
A evolução do processo civil coletivo nos últimos 45 anos culminou
em um novo diploma processual completamente aberto ao diálogo de fontes,
bem como de uma nova espécie de ação coletiva, o incidente de resolução de
demandas repetitivas. Ocorre que tais mudanças deram-se apartadamente da
esfera penal, podendo-se até mesmo dizer que essa se manteve resistente às
evoluções e empreendimentos da tutela coletiva, assimilando-os em ritmo lento.
O julgamento do Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP pelo STF em
fevereiro do corrente ano, em que pese não tenha sido a única decisão neste
sentido, tendo em vista que outras a precederam nos tribunais estaduais (HC
1080118354-9/RS; HC 207.720/SP; 142.513/ES) e no STJ (HC 303.061/RS;
HC 360.69/RJ; HC 359.374/SP), foi indubitavelmente imprescindível para
a conformação da tutela coletiva no âmbito penal.
O presente estudo é uma proposta de análise, a partir da jurisprudência
do STF, das principais conformações da tutela penal coletiva realizada por meio
de habeas corpus coletivo, traçando um paralelo com o processo civil coletivo,
tendo sido este o pioneiro na tutela de direitos transindividuais.
Importante alertar, desde já, que o objetivo do presente não é um tratamento
aprofundado do habeas corpus coletivo, mas sim dar as primeiras notas acerca de
sua conformação e talvez, até mesmo, lançar mais provocações do que certezas.
1 Ideologia no âmbito deste estudo é apenas a concepção de que as proporções políticas de um Estado refletem não
apenas no Poder Judiciário, mas também no direito produzido em sua égide, o direito legislado e também a doutrina,
não é que não possa emancipar-se, mas não devemos ignorar que os reflexos estão presentes. Adotamos, portanto, a
concepção fraca de ideologia, conforme distingue Mario Stoppino: “No significado fraco, ideologia é um conceito
neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante das crenças políticas. No significado forte, ideologia é um
conceito negativo que denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política”.
2 Estado Social ficou caracterizado como aquele em que há preocupação não apenas com a segurança jurídica, mas
também com ideais de justiça e igualdade, com fulcro na garantia e efetivação de direitos sociais, econômicos e cul-
turais. Ocorre que o Estado de Providência, como também era conhecido, tomado pela inflação do Estado sucumbiu,
dando origem ao Estado Democrático de Direito, que é a adição do elemento democracia, nos termos do que ensina
Tércio Sampaio Ferraz Júnior “Esse reconhecimento da necessidade de democratização da própria sociedade, vista
como um ente distinto do próprio Estado, mas ao mesmo tempo integrado no Estado, aponta para uma complicada
síntese entre o Estado de direito e o Estado Social ou Welfare State”.
3 Nas palavras de Mauro Capelleti: “As atividades e relações se referem sempre mais frequentemente a categorias
de indivíduos, e não a qualquer indivíduo, sobretudo. Os direitos e os deveres não se apresentam mais, como nos
Códigos tradicionais, de inspiração individualística-liberal, como direitos e deveres essencialmente individuais, mas
metaindividuais e coletivos”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
72
público e recebiam a proteção por esta ótica4. Uma “miopia” jurídica que foi
corrigida especialmente com a Lei da Ação Civil Pública e com o Código do
Consumidor, mas também pela Constituição Federal.
A constatação de Mauro Capelleti acerca da inaplicabilidade dos diplo-
mas processuais liberais aos direitos transindividuais tomou forma, também,
no sistema jurídico brasileiro. Com um CPC que já nasceu velho, pois, como
bem afirma Carlos Augusto Silva (2004, p. 38) “o Código Buzaid absorveu
as conquistas do desenvolvimento da ciência processual, mostrando-se de
grande valor técnico-teórico. Contudo, não incorporou as novas tendências
do processo civil”5, dentre as quais, destaca-se o processo coletivo.
Diante disso, os conflitos que se desprendiam do âmbito meramente
individual para atingir interesses de ampla parcela da sociedade, quer fossem
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, instauraram uma nova
realidade, que não pôde ser abarcada pelas normas processuais tradicionais,
reguladoras de um sistema processual em defesa de interesses individuais,
que se mostravam inadequadas para solucionar a problemática de massas
(MAIOLINO, 2005, p. 60).
Para suprir a ausência de regulação pelo diploma processual e retirar os
direitos transindividuais do “limbo” tanto legislativo quando doutrinário em
que se encontravam, bem como visando dar-lhes maior efetividade, passaram
a ter o regime processual ditado a partir de leis especiais, a primeira delas foi a
Lei de Ação Popular datada de 1965, (Lei nº 4.717/65), seguida da Lei de Ação
Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e, após a promulgação da CF/88, o CDC (Lei
nº 8.072/90), que foi importantíssimo para sanar questões que permeavam a
tutela coletiva, o ECA (Lei nº 8.069/90), a Lei de Improbidade Administrativa
(Lei nº 8.429/92), o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), a Lei do Mandado
de Segurança Coletivo (Lei nº 12.016/09) e a Lei do Mandado de Injunção
Coletivo (Lei nº 13.300/2016).
4 Ensina Edilson Vittoreli que “Não é que, antes da CF/88, não existisse tutela do meio ambiente, por exemplo. A
CF/1934 já estabelecia a competência da União para legislar sobre florestas e a CF/1946, mais específica, afirmava
ficarem ‘sob proteção do Poder Público’ as ‘obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem
como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza’. É certo, portanto, que esses
chamados ‘novos direitos’ não são assim tão novos. A inovação é que, até pelo menos a década de 1970, sua prote-
ção se dava na condição de patrimônio público, pertencente ao Estado, e não a uma ‘sociedade’ ou ‘grupo’ distinto
da pessoa jurídica de direito público política. Ainda em 1981, é possível encontrar no STF, tratando do ‘interesse
comum’ da União e dos Estados-membros na preservação de florestas, denotando que a preocupação com direitos
difusos estava amalgamada ao interesse estatal”.
5 Rodrigo Reis Mazzei, em texto analítico sobre a história do processo civil no Brasil, afirma: “De fato, o CPC/73 –
notadamente na sua redação original – está arraigado dos princípios do liberalismo, preso a uma concepção pouco
social. Observe-se, por exemplo, que o CPC/73 não mostra preocupação de calibre com o acesso à justiça e, muito
pelo contrário, com raras exceções, opta por uma trilha em que o formalismo é colocado com farol de iluminação”
(2014, p. 194-195).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 73
6 A noção de microssistemas jurídicos foi esboçada por Natalino Irti (1999, p. 5-8), que partindo da noção de sis-
tematicidade do ordenamento jurídico, aduz que em âmbito metodológico os microssistemas são uma expansão
dessa racionalidade sistemática às leis especiais, de maneira que não se encontravam marginais ao ordenamento
jurídico, senão à eles integradas, razão pela qual também à elas estendia-se a interpretação sistemática. Sendo assim,
“os microssistemas seriam as leis especiais ou extravagantes que regulam as relações jurídicas determinadas, com
condução principiológica e critérios incomuns ao diploma geral” (MAZZEI, 2009, p. 390).
7 Neste sentido elucida Rodrigo Reis Mazzei, sem dúvida, um dos primeiros a defender a existência do microssistema
em questão: “com a certeza da importância dos microssistemas para o direito privado, tema que desperta interesse de
grandes juristas à respeito, papel de destaque há de ser dado também no direito processual civil quando à possibili-
dade da formação de sistema especial concernente a tutela coletiva. Aferindo-se pois a existência do microssistema
coletivo, que cuidará, com as regras e princípios próprios, processualmente da tutela de massa à margem do Código
de Processo Civil pelo caráter individual deste” (MAZZEI, 2006, p. 15).
8 Nas palavras dos autores: “o CPC/2015 não é um ‘Código Oitocentista’. Assume, novamente, à luz da necessidade
de código, o dever de dar unidade narrativa ao direito processual (Art. 15. Aplicação supletiva, subsidiária aos demais
processos de produção de normas jurídicas). Organiza, pela introdução uma Parte Geral e pela consagração de normas
fundamentais, um outro patamar de unidade, um sistema aberto, flexível e combinado com a Constituição e com
os microssistemas processuais, em especial com o processo coletivo, fazendo referência expressa às ações coletivas
(art. 139, X e art. 985, I e II). Não está de costas para o microssistema, o abraça e envolve, sendo ponte de ligação
entre o processo e a Constituição”.
9 Neste mesmo sentido esclarece Juliana Provedel Cardoso (2018, p. 82-83): “Nesse diálogo de fontes, entre código
e leis especiais, as normas do CPC/15 se aplicam diretamente ao processo coletivo e deverão suprir determinada
matéria quando não houver disciplina pelo microssistema do processo coletivo (v.g., precedentes), ou quando os
microssistema de processo coletivo disciplinar a matéria, mas de forma incompleta (v.g., distribuição dinâmica do
ônus da prova no processo coletivo, conforme o art. 6º, VIII, CDC, cumulado com o art. 373 do CPC), mas não
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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será aplicado quando ferir os princípios e a lógica do microssistema (v.g., art. 18, parágrafo único, do CPC, que não
pode ser aplicado para o processo coletivo, uma vez que o substituído no processo coletivo é o grupo e se autorizada
a intervenção das vítimas, além das ações individuais, o julgamento no processo coletivo restaria inviabilizado. A
intervenção litisconsorcial no processo coletivo é autorizada pelo art. 94 do CDC, que deverá ser controlada pelo juiz.
Para tanto, de acordo com os arts. 94, § 2º, e 103 do CDC, a intervenção se dará a título individual, e não ocorrerá
a coisa julgado secundum eventum litis para esse caso). O Código processual se articula com o microssistema e, mais
do que isso, incorpora normas de processo coletivo. Deste modo, com a comunicação entre diplomas, o Código de
Processo Civil de 2015 não se excluí, mas é integrado ao microssistema de processo coletivo, que, deste modo, opera
sistematicamente, organizado entre Código Constituição e leis especiais, em coordenação e influências recíprocas,
conforme os objetivos constitucionais”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 75
10 Importante ressaltar que durante a ditadura militar do Brasil, o habeas corpus foi banido do direito brasileiro pelo
AI-5, de 13 de dezembro de 1968, conforme previsão do art. 10: “Fica suspensa a garantia do habeas corpus nos casos
de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. No mesmo
sentido, a EC nº 1/69, em seu art. 182 reproduziu o AI-5, cuja revogação somente se deu em 31 de dezembro de
1978.
11 Marcellus Polastri Lima (2013, p. 1.103) apresenta com irreparável clareza a noção de ação de impugnação: “Como
se sabe os recursos não instauram nova relação processual e sim prorrogam a relação já instaurada no processo,
mas, ao contrário, as chamadas ações de impugnação instauram nova relação processual. São, assim, ações e não
recursos, instaurando-se novo procedimento de impugnação de decisões. O Código chama de Recursos tais ações
de impugnação, mas trata-se de evidente falta de técnica de legislador de 1941”. Acrescenta o autor, ainda, que a
reforma do Código de Processo Penal já prevê em apartado dos recursos as ações impugnatórias, das quais é parte
o habeas corpus.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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cabimento do habeas corpus, sempre que algum vazio legislativo levar à estabi-
lização de uma decisão ilegal ou injusta (GRECO FILHO, 1993, p. 306)12-13.
A ampliação do habeas corpus atingiu a seara objetiva, ou seja, das hipó-
teses de cabimento podendo ser utilizada para trancamento de inquérito civil
(STJ, RHC 36.756/PA e AgRg no RHC 28.133/DF; STF, HC 107.382), de ação
penal (STJ, RHC 28.612/SP e AgRg no RHC 35.000/RJ; STJ, RHC 43.750/
BA), para rescindir a coisa julgada (HC 13.207/SP) e para internação de criança
e adolescente (HC 312.262/SP), bem como sua própria constituição, isso é,
podendo ser aplicado repressivamente ou preventivamente (salvo-conduto)14.
Ademais, a própria legitimidade para propositura da ação de impugnação
foi elastecida, podendo inclusive ser pleiteada pelo MP, em favor de qualquer
pessoa, inclusive do réu (GRINOVER, 2009, p. 308) e por pessoas jurídicas
em favor de pessoas físicas (HC 88.747 AgR) ou jurídicas (RHC 24.933/RJ;
HC 147.541/RS; RHC 28.811/SP) ou mesmo de ofício pelo juiz (art. 654, § 2º,
do CPP) e, ainda, a possibilidade de extensão dos efeitos do habeas corpus para
outras pessoas que se encontrem na mesma situação fática (art. 580 do CPP).
Todas essas flexibilizações e ampliações, bem como tantas outras não
mencionadas, são muito importantes para que o habeas corpus assumisse o
importante papel que desempenha na tutela de direitos fundamentais.
12 José Barcelos de Souza (1998, p. 11) constata que “Modernamente, agora na área do Direito Processual Penal,
estamos assistindo à consolidação de uma nova concepção do instituto, tão importante e tão significativa como a
da antiga e histórica doutrina brasileira do HC. Trata-se de sua utilização como um recurso de larga abrangência,
independentemente da existência de prisão ou ameaça concreta à liberdade de locomoção é o habeas corpus processual
como tenho chamado”.
13 Desde Ruy Barbosa já se objetivava a difusão do instituto como meio de combater as arbitrariedades do Poder Judiciário.
Assim, defendia que o habeas corpus não estava circunscrito aos casos de constrangimento corporal, mas sim que “se
estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no
seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade” (ESPÍNOLA FILHO, 1980, p. 21), o que
denominou de habeas corpus à brasileira, posteriormente suprimido pela Reforma Constitucional de 1926.
14 Segundo Ada Pelegrini Grinover (1981, p. 174), o campo de abrangência do habeas corpus preventivo é o mais amplo
possível, encontrando aplicação em todos os casos do art. 648 do CPP, e mesmo nos não compreendidos na enu-
meração legal. Pense-se no campo extrapenal, quando a ameaça de lesão à liberdade de locomoção provenha do juiz
civil, nos casos de prisão por alimentos ou do depositário infiel (art. 153, § 17, da Constituição).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 77
16 A jurisprudência e os precedentes se diferenciam tanto de um ponto de vista quantitativo, pois a primeira exige
uma série de decisões enquanto o segundo apenas uma, quanto qualitativo, tendo em vista que os precedentes são
compreendidos a partir de fatos, da relação entre fatos e direitos e através de uma análise comparativa dos fatos da
causa e dos fatos referentes à formação do precedente (TARUFFO, 2007, p. 11-20). Na doutrina brasileira, é es-
clarecedora a lição de Hermes Zaneti Jr. (2016, p. 303-304) “A expressão ‘direito jurisprudencial’ é de uso habitual
nos países de tradição de Civil Law. Essa expressão, normalmente, refere-se ao uso reiterado de decisões judiciais,
como, por exemplo, do que os tribunais estão decidindo, indicando uma linha de entendimento dos tribunais. Nos
países de tradição de Civil Law, a jurisprudência é apresentada como parte das fontes indiretas, secundárias e ma-
teriais do direito, normalmente ligada aos costumes, não tendo a força vinculante de uma fonte formal e primária.
Portanto, não é considerada, do ponto de vista dogmático, norma válida e obrigatória (...) Precedentes judiciais
não se confundem com direito jurisprudencial entendido como repetição de decisões reiteradas, por mais que este
direito possa ser considerado influente ou persuasivo de fato. Os precedentes judiciais, como entendemos neste
trabalho, consistem no resultado da densificação de normas estabelecidas a partir da compreensão de um caso, suas
circunstâncias fáticas e jurídicas. No momento da aplicação deste caso-precedente, analisado o caso atual, se extrai
a ratio decidendi ou holding como o core do precedente”.
17 Aprofundando na problemática asseverou Ricardo Lewandowski: “É que, na sociedade contemporânea, burocratizada
e massificada, as lesões a direitos, cada vez mais, assumem um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por
razões de política judiciária, disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteção dos segmentos por elas
atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa céleres e adequados” (STF, 2018, p. 16, acesso online).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 79
fundamental e, como tal, merece ser explorado em sua total potencialidade, que
inclusive sofreu sucessivas ampliações, especialmente na ordem democrática.
Assim, sendo o HC maleável quando se refere às lesões aos direitos
fundamentais, como se observam dos arts. 580 e 654, § 2º, do CPP, que per-
mitem a extensão à pacientes na mesma situação e a concessão ex officio pelo
juiz, respectivamente. Por fim, considerando-se que o HC realiza um juízo
subjetivo, fundamentou a possibilidade de coletivização do instituto diante da
tutela de direitos individuais homogêneos, nos termos do art. 81, parágrafo único,
III, do CDC, isto é: a formação de um grupo que, apesar de em um primeiro
momento ser indeterminável, é possível a sua posterior determinação, in-
clusive em sede de execução do decisum. A possibilidade de manejo do HC
coletivo para tutelas de outros interesses será abordada adiante (subitem iv).
Parecem-nos irretocáveis as disposições do Ministro Relator. Em um
judiciário em que há mais de 80 milhões de processos aguardando decisão
judicial (CNJ, acesso online) não há como se prender ao processo individual.
Acrescentamos que em matéria cível a tutela coletiva não é novidade, como
tem diuturnamente avançando, criando-se mais e mais técnicas, como o jul-
gamento de demandas repetitivas, com o qual não podemos deixar de notar
a semelhança.
(ii) A delimitação da competência em favor do STF baseou-se na rele-
vância constitucional da matéria (STF, 2018, p. 20). No caso em questão, os
critérios para definição da competência poderiam dar-se conforme determina-
do na esfera penal, que, via de regra, é a autoridade judiciária hierarquicamente
superior àquela que impugnou o ato vergastado.
Se tratando de habeas corpus coletivo em favor de todas as mulheres, de
qualquer estado da nação, presas preventivamente e que se enquadrassem nos
incisos IV, V e IV do art. 318 do CPP, a competência poderia ser atribuída ao
STJ ou STF. Importante ressaltar que a inicial requereu que fosse declarada
a competência do STF, tendo em vista que o STJ, em outras oportunidades
de julgar HCs individuais, com base no mesmo fundamento, exigiu outros
requisitos (STF, 2018, p. 9, acesso online). Sendo assim, em relação àqueles
pedidos específicos já não teria competência para julgar.
Por outro lado, a competência poderia ser ainda atribuída a partir do
exposto no criticado art. 93 do Código do Consumidor, uma vez tendo-se
reconhecido que o direito em apreciação tratava-se de direito individual
homogêneo. O presente caso é nitidamente de dimensão nacional, assim o
autor poderia tanto optar pelas capitais dos Estados quanto para o Distrito
Federal, visto que foi deixado à escolha do autor, para o que melhor lhe aprou-
ver (fórum shopping). Ocorre que, conforme decidido no julgamento do CC
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
80
18 Na defesa da aplicação deste princípio ao processo coletivo, defende Vera Maria Barrera Jatahy que “para evitar os
abusos, desenvolveu-se uma regra de temperamento, conhecida como fórum non conveniens, que deixa ao arbítrio
do juízo acionado a possibilidade de recusar a prestação jurisdicional se entender comprovada a existência de outra
jurisdição, mais adequada para atender aos interesses das partes, ou aos reclamos da Justiça em geral” (JATAHY,
2013, p. 9).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 81
5 Considerações Finais
Evidenciado está que o habeas corpus coletivo é resultado de dois movi-
mentos de ampliação: da tutela coletiva, que se expande na medida em que
surge a demanda coletiva, a necessidade de cuidar do passivo processual e de
garantir a eficácia jurídica de direitos coletivos, e a do habeas corpus que como
um meio de defender direitos fundamentais tão caros ao convívio social é cada
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
82
vez mais flexibilizado, numa ótima mais voltada à concretude das garantias
do que aos apegos técnico-formais.
Todavia, como já expusemos no início do presente estudo, este não
se presta apenas a traçar as primeiras linhas do habeas corpus coletivo – sem
qualquer pretensão de ser estanque – a partir do julgamento do HC 143.641/
SP, mas também trazer importantes questionamentos.
Parece-nos, por tudo que foi exposto com relação aos microssistemas,
que o surgimento de uma nova técnica processual para tutela de direitos
coletivos, o habeas corpus coletivo adere a tutela de direitos transindividuais à
esfera do processo penal.
Diante disso, vemos não somente a ampliação da cartela de direitos
protegidos, mas também do microssistema do processo coletivo, não que já
não possuísse normas de índole criminal, até mesmo porque diplomas como o
ECRIAD e o Estatuto do Idoso já o compõe, todavia passa a ser composto pelos
diplomas penais (CP e CPP), quando o habeas corpus coletivo for manejado19.
Os avanços de um Estado Liberal em direção ao Estado Democrático
de Direito apresentou cada vez mais a preocupação em proteger a coletividade
e, no âmbito penal, manifestou-se com a criminalização de condutas lesivas
ao meio ambiente, ao sistema financeiro, ao patrimônio genético, de crimes
contra o consumo, entre outros (ANDRADE; FERREIRA, 2016, acesso
online). Isso, no entanto, não implica dizer que tais direitos ou, em outras
palavras, bens jurídicos transindividuais, não existiam antes disso, ocorre que a
mudança de paradigmas histórico-sociológico revela a preocupação do Estado
em apresentar instrumento para tutela eficiente destes interesses (ANDRADE;
FERREIRA, 2016, acesso online).
É certo que no meio penal há resistência em modernizar as técnicas de
tutela de direitos transindividuais, defende-se, inclusive que “a salvaguarda
de tais bens somente encontraria espaço no âmbito do poder punitivo, desde
que suas vulnerações, por via reflexa, encontrassem análoga afetação a bens
jurídicos de interesses individuais” (ANDRADE; FERREIRA, 2016, acesso
online)20.
19 Importante mencionar que para Claudio Jannotti da Rocha, com arrimo em José Roberto Freire Pimenta, defende
que o microssistema do processo coletivo envolve também a seara trabalhista, confira-se: “Na busca dessa proteção
efetiva ao trabalhador brasileiro, é que se objetivou tutelar não somente os interesses trabalhistas individuais, mas
também os coletivos. Com vistas a esse fim, ao somar o microssistema de tutela jurisdicional metaindividual à CLT,
alcançou-se o denominado “sistema de jurisdição trabalhista metaindividual” (PIMENTA, 2009, p. 31), que, por
seu turno, ensejou o surgimento do processo coletivo trabalhista” (ROCHA, 2017, p. 148).
20 Complementam os autores: “De uma forma ou de outra, negar aos bens jurídicos difusos uma abrangência penal
implica, antes de tudo, na reprodução de um discurso ideológico próprio de um Estado liberal, cujas feições já não
mais correspondem aos reclames de preservação de interesses que não traduzem mais apenas interesses de uma
fração do agrupamento social” (ANDRADE; FERREIRA, 2016, acesso online).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 83
TITLE: Notes about the collective habeas corpus: an analysis starting of HC 143,641/SP and the micros-
system of the collective procedural.
ABSTRACT: The present study is a proposal to analyze, from the jurisprudence of the STF, the main
conformations of the collective criminal tutelage made through habeas corpus collective, drawing a parallel
with the collective civil procedure, being this the pioneer in the protection of rights transindividuals.
It should be pointed out that the objective of the present is not a thorough treatment of the collective
habeas corpus, but rather to give the first notes about its conformation and perhaps even to launch more
provocations than certainties.
KEYWORDS: Civil Procedure. Collective Procedure. Criminal Procedure. Habeas Corpus Collective.
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Doutrina
Introdução
O presente artigo tem por objetivo a investigação das contribuições da
segunda filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein para a dogmática penal,
a partir de um diagnóstico do elemento subjetivo do dolo. Em um primeiro
momento, busca-se desenvolver uma breve análise das teorias penais que
se destacaram no processo de fundamentação da ação, com ênfase na teoria
finalista da ação, responsável pelo descolamento de elementos subjetivos
para o injusto penal. Doravante, propõe-se uma reflexão em torno da atual
concepção de dolo amplamente recepcionada pelos ordenamentos penais
modernos, mediante o entendimento da teoria volitiva, que apesar de uma
maior completude no conceito de dolo, possui uma série de ambiguidades e
contradições na acepção de seus elementos cognitivos e volitivos.
Para tanto, a pesquisa se fundará em uma breve análise da revolução
linguística pragmática desenvolvida na segunda obra de Wittgenstein, Inves-
tigações Filosóficas, segundo a qual a linguagem deixa de ser um mero instru-
mento de descrição e representação de signos, momento em que abandona
a tradicional paradigmática da simples figuração de objetos, para uma análise
de seus usos. Será observado que a linguagem e o conhecimento passam de
uma visão intuitiva e fechada do sujeito para uma realidade aberta e múltipla,
passível de constante modificação e significação em relação às diversas formas
sociais em que são usados.
Nesse contexto, de uma mudança na concepção da linguagem e atribui-
ção de sentido das palavras, a partir de seus usos nos vários jogos de linguagem,
é que se propõe uma reflexão em torno dos elementos do dolo, com destaque
para os atuais conceitos de ação comunicativa proposto por Jurguen Habermas
e a dogmática significativa do dolo construída pelo professor Tomás Salvador
Vivés Antón, além de uma análise de conceitos como saber, querer e intenção,
utilizados de modo ambíguo e extensivo pela doutrina e legislação penal.
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1 ANDREUS, Alexis; LOPES, Cláudio Riberto Gama. Fundamentos do ontologismo: a relevância epistemológica
da ação para o direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 98, p. 97-116, 2012.
2 WELZEL, Hans. Derecho penal: parte geral. Trad. Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956. p. 44.
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88
3 COSTA, Carlos Adalmyr Condeixa da. Dolo no tipo: teoria da ação finalista no direito penal. Rio de Janeiro: Liber
Juris, 1989. p. 27.
4 BACIGALUPO, Enrique. Sobre a teoria da ação finalista e sua significação no direito penal. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, v. 52, p. 135-157, 2005.
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5 ROXIN, Claus. Finalismo: um balanço entre seus méritos e deficiências. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.
65, p. 9-25, 2007.
6 Nesse ponto, o dolus malus é substituído pelo dolus naturalis, cabendo ao gente a consciência apenas dos elementos
que integram o tipo, sem, contudo, ter conhecimento da ilicitude.
7 COSTA, 1989, p. 124.
8 WELZEL, 1956, p. 75.
9 Na teoria da representação, amplamente superada, o dolo consiste na representação do resultado e da relação de
causalidade entre este e a ação voluntária. Querido é somente o ato, ou seja, a resolução e o movimento muscular.
Entretanto, tal teoria restou insuficiente na busca de uma diferenciação entre dolo e culpa consciente. (FRANS,
Litsz Von. Tratado de direito penal alemão. Rio de Janeiro: Editores 16 e 18 Bua Nova do Ouvidor, 1899. Tomo I. p.
271)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
90
16 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.
17 MARQUES, Edgar. Wittgenstein & o Tractatus. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 5.
18 No Tractatus havia a ideia metafísica clássica de que o conhecimento consistia na captação de uma essência imutável
dos objetos, que somente após, poderia ser transmitida pela linguagem. O que existia era a concepção de uma lin-
guagem tida como ideal a partir de uma figuração exata e ideal do mundo.
19 OLIVEIRA, 1996, p. 132.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 93
ser algo exterior à linguagem concreta, mas a própria práxis de seu uso. E é
exatamente nesse ponto que ocorre a mudança de paradigma: o horizonte de
onde se deve pensar a linguagem não é do sujeito isolado ou da consciência,
ponto chave da filosofia moderna da subjetividade, mas a comunidade de
sujeitos em interação20.
Pensamento semelhante acerca da linguagem pode ser aferido na fi-
losofia de Hans-Georg Gadamer, que entende a experiência, o pensamento
e a compreensão como atos essencialmente linguísticos, em que as palavras
não são meros símbolos, mas um campo de interação, feita para se ajustar ao
mundo. Neste caso, seria o mundo a compreensão compartilhada entre as
pessoas e a linguagem o “canal” viabilizador21.
Para Gadamer, portanto, é a linguagem que cria a possibilidade do ser
humano ter um mundo, a compreensão da linguagem não se reduz à capitação
intelectual, por um sujeito, de um contexto objetivável e isolada, ela resulta
também, da mesma forma, de uma tradição em contínua formação, ou seja,
de uma conversação, a partir da qual o que foi expresso adquire consistência
e significado22.
A partir dessa premissa, a nova acepção de significação da linguagem
é concebida com os seus diferentes usos. Desta feita, o significado deixa de
ser atribuído por meio de atos internos, construído na consciência do agente,
como uma propriedade individual, para uma dimensão intersubjetiva, a partir
dos usos das expressões linguísticas em um determinado contexto específico.
Como derradeiro nesse novo entendimento, uma mesma palavra pode parti-
cipar de diferentes contextos com diferentes significados, o que Wittgenstein
denominou de jogos de linguagem23.
Os jogos de linguagem se caracterizam, desta forma, por sua pluralidade,
por sua diversidade. Nesse contexto, novos jogos surgem e outros desapare-
cem, a linguagem é algo vivo, dinâmico, que só pode ser entendido a partir das
formas de vida, das atividades de que é parte integrante. O uso da linguagem
é uma prática social concreta, por isso, a análise consiste agora em examinar
os contextos de uso, considerar exemplos, explicitar as regras do jogo24.
20 OLIVEIRA, Manfredo de Araújo. Sobre a fundamentação. Porto Alegre: Edipucrs, 1993. p. 53.
21 BATISTA, Micheline. Hermenêutica filosófica e o debate Gadamer-Habermas. Revista Crítica e Sociedade, v. 2, n. 1,
p. 101-118, 2012.
22 GRONDIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999. p. 197.
23 “Chamarei de ‘jogos de linguagem’ também a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela
vem entrelaçada.” (WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 19)
24 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
p. 388.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
94
25 Wittgenstein (1996, p. 141) retrata bem esse entendimento ao dizer que: “Por isso, ‘seguir a regra’ é uma prática”.
E acreditar que se segue a regra não é: seguir a regra. Portanto, não se pode seguir a regra ‘privadamente’, porque,
caso contrário, o próprio acreditar que se segue a regra seria como seguir a regra.
26 OLIVEIRA, 1993, p. 54.
27 CHILD, William. Wittgenstein. Porto Alegre: Penso, 2014. p. 117.
28 OLIVEIRA, 1996, p. 147.
29 WITGEENSTEIN, 1996, p. 9.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 95
30 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
96
deste ato, algo que, por sua própria natureza interna, só pode ser visto pelo
próprio sujeito que o realiza36.
Todavia, a intenção designa o fim que o agente visa, o motivo que
determina a sua resolução, e por consequência, é elemento distinto do dolo,
devido à sua amplitude, pois esse pode dar-se ainda quando o agente não tenha
por fim ou motivo de sua ação o resultado37.
A confusão é facilmente percebida a partir de uma análise da legislação
penal, que muitas vezes contempla a intenção como circunstância caracterís-
tica do crime, casos em que o legislador não se expressa sempre do mesmo
modo. Ora diz: “quem na intenção”, “quem intencionalmente”, “quem para
o fim” ou “quem para”, momento de certa ambiguidade em sua significação,
ora confundida com o dolo, ora tratada como fim do agente38.
A intenção, entretanto, de maneira mais ampla, é refletida como a
vontade destinada a um resultado, enquanto que ao dolo, por sua divisão
em dolo de 2º grau e eventual, não se restringe apenas a uma concepção de
dolo de primeiro grau ou direto. A concepção de injusto doloso, coberta de
psiquismo, vai além de um ressignificação de querer, vontade e intenção39.
No que consiste à intenção, Wittgenstein nega o seu caráter puramente
psíquico ao afirmar que a intenção está entalhada na situação, nos costumes e
instituições humanas, portanto, uma significação baseada em jogos de lingua-
gem, não podendo ser concebida como algo puramente interno40. Consequen-
temente, para que se saiba a intenção do agente, não é preciso uma atividade
intuitiva que se reporta impossível, mas uma análise das circunstâncias que
envolvem a ação, em que se pode, inclusive, constatar o real querer do agente.
Sob esse aspecto, a vontade, como segundo elemento do dolo, é en-
tendida pela práxis como o “querer o resultado”, contudo, a partir de uma
interpretação extensiva, a teoria da vontade englobou a consciência dos efeitos
colaterais necessários (dolo de 2º grau) e a previsão dos resultados possíveis
(dolo eventual), de modo a utilizar um conceito ambíguo do verbo querer,
com uma concepção mais cognitiva do que volitiva nas duas espécies de dolo41.
42 “(...) O querer não deve ficar parado diante da ação, se é a ação, então o é no sentido usual da palavra; portanto: falar,
escrever, ir, levantar algo, representar-se algo. Mas também: aspirar, tentar, esforça-se para falar, para escrever, para
levantar algo, para representar-se algo etc.” (WITTGENSTEN, 1996, p. 214)
43 BUSATO, 2014, p. 142.
44 OLIVEIRA, 1993, p. 53.
45 MACHADO, Edna Moreira de Lima. Observações de Habermas sobre o conceito de ação comunicativa. Revista do
Curso de Direito, Brasília, Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF), v. 3, n. 1, p. 35-48, jan./
jun. 2002.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 99
Conclusões
Não é de hoje que a ciência penal se desdobra em elucubrações em
torno do conceito e constituição do elemento volitivo do dolo. Entretanto,
alheia a qualquer questionamento superficial em torno do tema, que dantes
pairava tão somente nas teorias a respeito dos elementos que constituíam o
reproche doloso, a presente pesquisa examinou o contexto da teoria finalista
da ação, fincada nos ordenamentos jurídicos penais, como pressuposto da
moderna acepção da teoria do delito.
A partir desse fundamente teórico, foi possível uma breve exposição do
dolo, tido como elemento subjetivo do injusto penal, sob a ótica da teoria da
46 BUSATO, Paulo César. O giro linguístico e o direito penal turning of languages and criminal law. Duc In Altum – Cadernos
de Direito, v. 7, n. 12, 2016.
47 BUSATO, Paulo Cesar. Bases de uma teoria do delito a partir da filosofia da linguagem. Revista de Estudos Criminais,
Porto Alegre, v. 10, n. 42, p. 101-121. jul./set. 2011.
48 BUSATO, Paulo Cesar. Dolo e significado. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 8, n. 31, p. 121-150, out./
dez. 2008.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
100
ABSTRACT: The present article is based on an investigation of the second phase of Ludwig Wittgenstein’s
philosophy of language, beginning with the linguistic-pragmatic turn, as a starting point for a diagnosis
about the conception of the constituent elements of malice in criminal law, conscience and will, cons-
tructed under a subjective and deductive bias according with the philosophy of consciousness. To this
end, it is assumed that the invasion of philosophy by language breaks the metaphysical sense of gauging
the meanings of words and knowledge, contributing, in particular, to the intersubjectivity of concepts,
constructed in accordance with the common praxis of everyday life. In this first instance, the finalist theory
of action was presented as responsible for the displacement of the subjective elements from the law text
to the facts of the caseand the conceptual theories of intention, such as the will and the consent instru-
mentalized in the Brazilian Criminal Code. Then, after an analysis of intention, it is sought an approach
to Wittgenstein’s philosophy of language, from the conception of language as a figuration of reality to
the linguistic-pragmatic turn around represented in its second phase, where assessment of meaning is
displaced from the subject’s intention to common practice. Finally, the text points out the contributions of
Wittgenstein’s linguistic approach to criminal law, highlighting, not extensively, the theory of meaningful
action of Jurgen Habermas and the significant intention of Tomás Salvador Vivés Antón, based on the
ontological displacement from action and intention to an axiological aspect. The research is explanatory,
insofar as it seeks to explain the phenomena observed, bibliographical, based upon the use of books and
articles related to the subject, being qualitative and theoretical in its approach.
Referências Bibliográficas
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Jurisprudência
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do Ministro
Alexandre de Moraes, na conformidade da ata de julgamento, por maioria de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
104
RELATÓRIO
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Adoto, como relatório, as infor-
mações prestadas pelo assessor Dr. Rafael Ferreira de Souza:
“O Juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Três Lagoas/MS, no Pro-
cesso 0002393-10.2009.8.12.0021, pronunciou o paciente ante a suposta prá-
tica do delito previsto no art. 121, cabeça, combinado com o art. 18, inciso I
(homicídio simples mediante dolo eventual), do Código Penal, assentando
que, em 14 de fevereiro de 2009, na direção de veículo automotor e sob a
influência de álcool, teria avançado sobre a pista contrária e provocado colisão
com motocicleta, cujo condutor veio a óbito. Considerado laudo pericial,
elaborado pela Polícia Rodoviária Federal, e prontuário do SAMU, frisou ha-
ver indícios de autoria e prova da materialidade. Reportando-se à existência,
no processo, de elementos de convicção a revelarem que o paciente exalava
hálito etílico, apontou configurado o risco de produzir o resultado morte.
Concluiu pela adequação do dolo eventual, a justificar o julgamento pelo
Tribunal do Júri.
Pretendendo a absolvição sumária e, sucessivamente, a desclassificação para
homicídio culposo, a defesa interpôs recurso em sentido estrito. A Primeira
Câmara Criminal desproveu-o. Embargos declaratórios não foram acolhidos.
Ante a inadmissão de recurso especial, chegou-se ao Superior Tribunal de
Justiça com o Agravo 246.779. O Relator desproveu-o, tendo como insufi-
ciente a fundamentação. Embargos declaratórios não obtiveram êxito. Proto-
colado agravo interno, a Sexta Turma negou-lhe provimento, afirmando invi-
ável, em recurso especial, o revolvimento do conjunto probatório. Embargos
de divergência foram inadmitidos por meio de decisão individual do Relator.
O paciente-impetrante sustenta equívoco no enquadramento da conduta
como dolo eventual, dizendo apropriada a desclassificação para o crime pre-
visto no art. 302, cabeça (homicídio culposo na direção de veículo automo-
tor), do Código de Trânsito. Aduz que a conclusão do dolo eventual ocorreu
somente com base em menção do hálito etílico, não tendo sido submetido
a exame de alcoolemia a demonstrar a embriaguez. Conforme argumenta,
ausente comprovação da quantidade de álcool no sangue, reveladora da em-
briaguez, mostra-se inviável presumi-la. Articula com excesso de linguagem
da sentença de pronúncia, apontando que o Juízo reportou-se a depoimentos
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 105
VOTO
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator):
“SENTENÇA DE PRONÚNCIA. IMPUGNAÇÃO. JÚRI. NEUTRA-
LIDADE. A realização do Júri não prejudica o exame de questionamento
alusivo a sentença de pronúncia.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
106
VOTO
O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso – Presidente, aqui é uma
hipótese de crime de trânsito. O trânsito provoca mais de 50 mil óbitos por
ano no Brasil, é um verdadeiro genocídio. O caso aqui é de um motorista
embriagado que invadiu a faixa contrária e matou a vítima, foi levado a Júri.
Acho que a única forma de se coibir esta quantidade maciça de morte,
geralmente de jovens, por direção embriagada é tratar isso com a seriedade
penal que merece.
Portanto, não é possível glamourizar a bebida no trânsito, sobretudo
quando resulta em morte de outras pessoas. É preciso que quem dirija tenha
essa percepção.
De modo que eu tenho defendido, e a Primeira Turma tem defendido,
a posição de que, nesses casos, é legítimo o tratamento como crime doloso e
julgamento pelo Tribunal do Júri.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 107
VOTO
O Senhor Ministro Luiz Fux – Senhor Presidente, eu tenho também
aqui, muito embora esses dados estatísticos sejam extremamente alarmantes,
prestigiado o princípio de que o Direito Penal é a ultima ratio, e nós devemos
exatamente obedecer à regra de que a lei especial derroga a lei geral, porque
senão nós estaríamos criando uma figura penal por meio da jurisprudência,
e a regra é a de que o princípio da reserva legal exige a legalidade estrita, ou
seja, deferência ao Parlamento.
Esses dados estatísticos aqui apontados são dados reais. E compete
então ao legislador modificar o regime jurídico dos acidentes ocorridos sob
influência do álcool, porque, inclusive, o Código de Trânsito agrava a pena
nesses casos. Mas há uma grande diferença entre uma pessoa utilizar o seu
veículo como instrumento para matar alguém daquele que utiliza de forma
imprudente e de maneira grave. Hoje em dia, esses testes do bafômetro têm
impedido uma série de cometimentos ilícitos; a imprensa noticia que essa
foi uma boa prática.
Presidente, para manter-me coerente com o que eu já aqui afirmei
em outros votos, eu votei neste sentido de ser o momento, eventualmente,
de o legislador retirar essa figura penal do Código de Trânsito, e deixá-la ao
alvedrio da magistratura.
Mas, havendo lei especial em relação à lei geral, eu me curvo ao princípio
da legalidade e à deferência ao legislador. Entendo que seja caso de se impor
a desclassificação a que se refere o Relator.
VOTO
O Senhor Ministro Alexandre de Moraes (Presidente) – Aqui, como
as observações anteriores, apesar da gravidade dos cinquenta mil casos de
morte por ano, importante salientar que nem cinco por cento – o que já é
gravíssimo – decorrem de atropelamento ou colisões em virtude do estado
alcoólico do motorista, porque senão fica parecendo que são cinquenta mil
casos onde há essa divergência entre dolo eventual e culpa consciente; três
quartos das mortes no trânsito se dão em grandes cidades por atropelamento,
falta de sinalização, o que também é gravíssimo.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
108
EXTRATO DE ATA
Habeas Corpus nº 124.687
Proced.: Mato Grosso do Sul
Relator: Min. Marco Aurélio
Redator do Acórdão: Min. Roberto Barroso
Pacte.: Arthur Felipe Silva Sian
Impte.: Arthur Felipe Silva Sian
Coator: Relator do EAREsp nº 246.779 do Superior Tribunal de Justiça
Decisão: A Turma, por maioria, denegou a ordem, nos termos do voto do
Ministro Luis Roberto Barroso, Redator para o acórdão, vencidos, em parte,
os Ministros Marco Aurélio, Relator, e Luiz Fux. Presidência do Ministro
Alexandre de Moraes. Primeira Turma, 29.05.2018.
Presidência do Senhor Ministro Alexandre de Moraes. Presentes à
Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Luis
Roberto Barroso.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Carmen Lilian Oliveira de Souza – Secretária da Primeira Turma
Jurisprudência
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder, de ofício, nos
termos do voto do Sr. Ministro-Relator.
Os Srs. Ministros Felix Fischer, Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fon-
seca e Ribeiro Dantas votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília, 11 de dezembro de 2018 (Data do Julgamento).
Ministro Joel Ilan Paciornik – Relator
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik:
Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, impetrado em
favor de Reginaldo Vilela dos Santos contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais (Embargos Infringentes e de Nulidade 0001458-
18.2014.8.12.0012/50000).
Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado, em primeira instância,
à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além
do pagamento de 25 dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 155,
§ 4º, I, do Código Penal – CP (furto qualificado).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 111
VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik (Relator):
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a
impetração sequer deveria ser conhecida segundo orientação jurisprudencial
do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Jus-
tiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a
análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal
que justifique a concessão da ordem de ofício.
Conforme relatado, busca-se, na presente impetração, o afastamento da
circunstância judicial da personalidade do agente, com a consequente redução
da pena-base, e a fixação do regime inicial aberto para cumprimento da pena.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
112
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso,
nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Reynaldo So-
ares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Felix Fischer votaram
com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2018 (Data do Julgamento).
Ministro Jorge Mussi – Relator
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Trata-se de recurso ordi-
nário em habeas corpus com pedido liminar interposto por C.H.N.F. e V.N.S.,
representados pela Defensoria Pública estadual, contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que denegou a ordem visada
no Writ 1.0000.18.026788-2/000, mantendo a segregação cautelar decretada em
seu desfavor nos autos da ação penal em que foram denunciados pela suposta
prática do delito tipificado no art. 217-A, § 1º, do Código Penal.
Em apertada síntese, sustentam os recorrentes estarem sofrendo cons-
trangimento ilegal, sob o argumento de que não teria sido apresentada fun-
damentação idônea para a ordenação e a manutenção de sua custódia cautelar,
eis que embasada em dados abstratos e genéricos, insuficientes para tanto, em
manifesta violação ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Ponderam que não foi demonstrado com base em elementos concretos
de que forma, em liberdade, poderiam causar embaraço à ordem pública, à
instrução criminal ou à aplicação da lei penal, reputando ausentes os requi-
sitos autorizadores da medida extrema, elencados no art. 312 do Código de
Processo Penal.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 119
VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Compulsando os elementos
carreados aos autos, infere-se que os recorrentes foram presos em flagrante em
25.02.2018, convertida em preventiva na mesma data, e, posteriormente,
denunciados pela suposta prática do delito previsto no art. 217-A, § 1º, do
Código Penal, porque teriam praticado atos libidinosos com a vítima que, por
deficiência mental, não tinha o necessário discernimento para a prática do ato.
Extrai-se da denúncia:
“No dia 24 de fevereiro de 2018, por volta das 21 horas, na Rua Bósnia, nº 100,
bairro Vila Batel, nesta cidade e comarca, os denunciados praticaram atos libidino-
sos diversos da conjunção carnal com a vítima Jorge Manoel Gonçalves Abrantes, que,
por deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato.
Segundo o que se apurou, em data e horário não apurados com precisão, o
primeiro denunciado (Carlos Henrique) prometeu ao ofendido que conseguiria um tra-
tamento de saúde para ele, com internação em Belo Horizonte, e que ele ficaria curado,
ocasião em que deu a ele o seu endereço para que o procurasse. Então, no dia
dos fatos, o ofendido foi até a residência do denunciado Carlos Henrique, e,
lá chegando, este lhe pediu que fosse tomar um banho, entregando-lhe uma
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
120
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte,
negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik,
Felix Fischer e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2018 (Data do Julgamento).
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca – Relator
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto
por José Marcos Calsavara e Sandra Mara Viudes Calsavara contra acórdão
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Consta dos autos que os recorrentes foram denunciados como incursos
no art. 2º, inciso II, c/c o art. 11, caput, ambos da Lei nº 8.137/90, em conti-
nuidade delitiva. Irresignada, a defesa impetrou prévio mandamus, cuja ordem
foi denegada, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 174/175):
“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.
INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PRECEDENTES. ANÁLISE DE
PROVAS INCOMPATÍVEL COM A VIA ESTREITA DO WRIT. CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. CONHECI-
MENTO PARCIAL E, NO PONTO EM QUE CONHECIDO, DENE-
GADO LIMINARMENTE. 1. Não há que se falar em inépcia da denúncia,
pois, ao contrário do alegado, a peça acusatória atende a todos os reclamos
do art. 41 do Código de Processo Penal, tendo descrito os fatos típicos e
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
128
VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
O trancamento da ação penal somente é possível, na via estreita do ha-
beas corpus, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia
da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da
punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade
do delito.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça entendem que “o trancamento de inquérito policial ou de ação penal
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
130
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por José Edson da Silva Pereira em face
de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Capital
que o condenou pela prática do crime previsto no art. 265 do Código Penal
(atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força
ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública).
Narra a exordial acusatória (fls. 1/4) que, em 04.12.2015, por volta das
06h30min, o policial Alberto da Silva, ao sair de sua residência na viatura em
que trabalha, no Barro Duro, percebeu que estava sendo seguido por um
motociclista.
Ato contínuo, começou a transitar por outras ruas do mesmo bairro,
com a finalidade de constatar se o indivíduo continuaria seguindo a equipe
policial. O denunciado estava em uma moto de marca Honda, placa OHE-
527, de cor vermelha.
Conta, ainda, o Parquet, que o policial o abordou, momento que José
Edson informou que esse era o trabalho dele. Algumas horas depois, ao sair
de uma reunião, no Bairro do Trapiche, o policial avistou José Edson mais
uma vez, porém, optou por não abordar o denunciado.
Por fim, relata o órgão acusatório que, um pouco mais tarde, o policial
estava em uma ocorrência junto com a SMTT, na Av. Durval de Góes Mon-
teiro, quando avistou José Edson mais uma vez, momento em que o abordou
e deu voz de prisão.
O Órgão Ministerial detalha, ainda, que chegaram para apoiar o acu-
sado, na Delegacia, várias pessoas envolvidas em transporte clandestino de
pessoas, uma vez que o denunciado prestava seus serviços para a associação
de transportes alternativos.
Denúncia recebida em 10.03.2016, conforme decisão às fls. 133/135.
Transcorrida a instrução criminal, o Juízo a quo julgou procedente a
denúncia (fls. 190/199), em 23.07.2018, condenando o réu José Edson da Silva
Pereira pelo crime previsto no art. 265 do CP à penalidade de 1 (um) ano de
reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade.
Irresignado, José Edson interpôs recurso de apelação às fls. 213/214.
Nas razões recursais (fls. 225/232), o réu pleiteia a absolvição, nos termos do
art. 386, III, do CP.
Para tanto, aduz que a sentença condenatória transforma atos prepa-
ratórios de uma futura infração de trânsito em um crime, já que a conduta
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 137
VOTO
Feito o juízo de prelibação do presente recurso, verificam-se presentes
seus requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Ab initio, cabe assentar que o instituto da prescrição da pretensão puni-
tiva, regulado pelos arts. 109 a 111 do Código Penal, não incide no caso em
exame, porquanto o lapso prescricional não se consumou nem é iminente.
Como relatado, a sentença condenatória recorrida incursou o réu nas
penas do art. 265 do Código Penal pela prática do crime de atentado contra
a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou
qualquer outro de utilidade pública, em razão de ter sido preso em flagrante
por perseguir viatura militar, com a intenção de avisar aos colegas, motoristas
de transporte clandestino, acerca das fiscalizações.
Nas razões do presente apelo, o recorrente persegue a absolvição, aos
principais argumentos de que não atentou contra o funcionamento do serviço
público, visto que não colocou em risco a paralisação do serviço e de que o
transporte público não se enquadraria na lista de serviços do art. 265 do CP.
Pois bem. A discussão a ser levada a efeito nesse momento prescinde
de maiores observações. Isso porque a autoria e a materialidade do fato im-
putado ao apelante restaram sobejamente evidenciadas nos autos, inclusive
pela própria confissão judicial do acusado.
Convém, pois, perquirir se a conduta desempenhada pelo apelante é
formal e materialmente típica e se de fato se enquadra na espécie delitiva que
lhe foi imputada. Vejamos o que prescreve o art. 265 do Código Penal, nos
termos em que denunciado e condenado o recorrente:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
138
Em Juízo (fl. 189), relatou que um dia antes do fato em análise teve
seu carro apreendido por realizar transporte clandestino. Contou, ainda,
que fez um acordo com o pessoal dos transportes para passar uma semana
informando sobre as fiscalizações e, em troca, teria ajuda para o seu veículo
apreendido ser liberado.
Ora, cotejando os elementos que compõem o lastro probatório carreado
aos autos, conclui-se que a atitude do réu configura, inteiramente, ao fato
típico previsto no art. 265 do Código Penal, uma vez que sua conduta atentou
contra a segurança dos transportes públicos.
Vale ressaltar que a conduta praticada pelo réu se amolda, inclusive,
bem especificamente ao delito em tela, já que a sua ação atentou contra a
fiscalização específica de transportes coletivos, pois a viatura monitorada pelo
acusado tinha como finalidade combater o transporte clandestino e zelar pela
segurança da parcela da população que o utiliza.
Aqui, não merece prosperar a tese da Defesa de que o serviço de fis-
calização não foi paralisado ou não se amoldaria àqueles elencados pelo art.
265 do CP. Repise-se, como já dito, que capítulo II do Código Penal em que
inserido o tipo em vértice tutela a segurança dos meios de comunicação, dos
transportes e de outros serviços públicos, sendo inegável a natureza de utilidade
pública do transporte de passageiros.
Além disso, o tipo penal não exige que haja efetivo impedimento do
serviço para que o delito seja consumado. Pelo contrário, trata-se de crime de
perigo abstrato, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt1, que se consuma
quando o sujeito executa qualquer ato idôneo a perturbar a segurança ou o
funcionamento do serviço.
Por tais razões, a manutenção da condenação do réu é medida que se
impõe.
Diante do exposto, voto pelo conhecimento da presente Apelação, para,
no mérito, negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida incólume.
É como voto.
Maceió, 31 de outubro de 2018.
Desembargador Sebastião Costa Filho – Relator
1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial – dos crimes contra os costumes até dos crimes
contra a fé pública. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.
Jurisprudência
ACÓRDÃO
Vistos, etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em negar provimento ao recurso, vencido o il. Desembargador 2º Vogal.
Desembargadora Márcia Milanez – Relatora
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
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VOTO
Cuida-se de recurso de agravo em execução interposto por Vanderson
Gonzaga dos Santos, objetivando a reforma da decisão que indeferiu o pedido
de saída temporária.
Afirma a defesa que o agravante faz jus ao benefício, conforme exigido
pelo art. 123 da LEP, além de possuir endereço fixo, trabalho honesto e fre-
quentar a igreja evangélica. Salienta que, desde a época dos fatos, o agravante
não se envolveu com o crime. Aduz que o agravante cumpre pena no presídio,
sendo contraditório conceder o benefício para aqueles que cumprem pena
em regime mais grave, pelo que requer o deferimento do pedido, para que o
agravante permaneça até sete dias com seus familiares, sem retorno à casa de
albergado ao fim da jornada de trabalho (fls. 17v/20).
O representante do Ministério Público, em contrarrazões, manifestou-
se pelo desprovimento do recurso (fls. 21v/22).
Mantida a decisão, em sede de juízo de retratação (fl. 22v), a douta Pro-
curadoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do agravo (fls. 29/30).
É o relatório, resumido e no que interessa.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos
de admissibilidade.
Consoante relatado, busca o agravante a reforma da decisão de fl. 16
que indeferiu o pedido de saídas temporárias.
Razão não lhe assiste.
Com efeito, o art. 122 da Lei de Execuções Penais dispõe que será
concedido o benefício da saída temporária aos condenados que cumprem
pena em regime semiaberto:
“Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto pode-
rão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilân-
cia direta, nos seguintes casos:
I – visita à família;
II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução
do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio
social.”
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 143
VOTO DIVERGENTE
Peço vênia à eminente Desembargadora-Relatora para divergir de seu
judicioso voto, pelas razões que passo a expor.
No presente caso, cinge-se a controvérsia à possibilidade de pessoas
que cumprem pena em regime aberto ou prisão domiciliar serem beneficiadas
com a benesse de saída temporária.
Pois bem. É cediço que a Lei de Execução Penal tem como um de seus
principais fundamentos a ressocialização do preso, estabelecendo benefícios
que, em sua maioria, dependem do cumprimento de requisitos objetivos e
subjetivos por parte do reeducando.
Sobre a função ressocializadora da pena, assim ensina o doutrinador
Renato Marcão:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
144
Inconstitucionalidade Material
O “princípio de proteção deficiente” incide quando o Estado não legis-
la acerca de um determinado direito fundamental, desprotegendo-o.
Entretanto, tal situação somente poderia levar à inconstitucionalidade
normativa quando a omissão ou reforma deixassem descobertos direitos
fundamentais, em contrariedade à própria constituição, o que não se
verifica na hipótese em análise porque o roubo com arma não deixou de
ser crime. Tão somente ocorreu a exclusão de uma causa de aumento
de pena. No caso impositiva a exclusão da majorante por força da nova
redação do art. 157 do Código Penal promovida pela Lei nº 13.654, de
23.04.2018. Abolitio criminis parcial. Precedente do STJ – REsp 1.519.860/
RJ. Novatio lei in mellius.
Agravo desprovido.
(TJRS; AG 0331878-30.2018.8.21.7000; 6ª C.Crim.; Relª Desª Vanderlei
Teresinha Tremeia Kubiak; DJERS 19/12/2018)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao
agravo, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
148
RELATÓRIO
Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak (Relatora)
Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo Ministério Público
contra a decisão proferida pela 2ª Vara de Execuções Criminais da Comarca
de Porto Alegre, no PEC 143435-7, que determinou a exclusão da majorante
do emprego de arma branca na Condenação 200653000045, resultando na
pena definitiva de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Em suas razões, alegou inconstitucionalidade formal do art. 4º da Lei
nº 13.654/2018, na parte que suprimiu o inciso I do § 2º do art. 157 do Có-
digo Penal, por afronta ao processo legislativo envolvendo sua promulgação.
Também sustentou a inconstitucionalidade material do referido dispositivo
por afronta à proibição da proteção insuficiente, decorrente do princípio da
proporcionalidade. Requereu o provimento do agravo, para que seja cassada a
decisão que determinou a exclusão do aumento do emprego de arma branca
(fls. 02/07).
Foram apresentadas contrarrazões às folhas 50/57.
A decisão agravada foi mantida, em juízo de retratação (folha 58).
Neste grau de jurisdição, o nobre Procurador de Justiça, Dr. Mauro
Henrique Renner, opinou pelo provimento do agravo ministerial e requereu
a instauração de incidente de inconstitucionalidade, a fim de declarar a in-
constitucionalidade do art. 4º da Lei nº 13.654/2018, levando-se a matéria,
per saltum, ao Órgão Especial dessa Corte (fls. 60/63).
Vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak (Relatora)
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 149
legislativa seguiu em sua tramitação regular, levando consigo aquele vício, até
sua promulgação, configurando, desse modo, a inconstitucionalidade formal
por suposta afronta ao disposto no art. 65 da Constituição Federal.
Contudo, conforme será demonstrado a seguir, a celeuma toda decor-
reu de um equívoco cometido pelos responsáveis pela publicação no Diário
do Senado Federal da matéria aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania. Assim, para bem demonstrar esse lapso, importa promover aqui
uma análise detalhada da tramitação do projeto de lei, a partir de consulta nos
sites do Senado e da Câmara Federal, algo que poderá ser entediante, porém
necessário.
Pois bem. Consta que no dia 24.03.2015 foi protocolado o Projeto de
Lei do Senado nº 149/2015, de autoria do senador Otto Alencar, que, a um
só tempo, criava, de um lado, duas novas causas de aumento de pena na hi-
pótese de crimes de roubo – quais sejam, quando durante a prática criminosa
houvesse o emprego de arma de fogo ou se fosse constatada a destruição ou
rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato
análogo que cause perigo comum (art. 1º) – e, por outro lado, revogava a
majorante insculpida no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, que se re-
feria ao roubo cuja violência ou ameaça fosse exercida com emprego de arma
(art. 3º). Importante notar, prontamente, que desde a proposta inicial estava
clara e taxativa a intenção de derrogar a cogitada causa de aumento de pena
anteriormente prevista no Código Penal.
O projeto, que tramitou na forma do art. 91, §§ 3º a 5º, do Regimento
Interno do Senado Federal, depois de protocolado, foi encaminhado à Co-
missão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde o relator, Senador
Antonio Anastasia, emitiu parecer pela aprovação da proposta, tal qual apre-
sentada pelo proponente.
A matéria foi incluída na pauta da CCJ e, então, na sessão do dia
13.09.2017, após a leitura do relatório do Senador Antonio Anastasia, foi
concedida vista do projeto aos senadores Eduardo Amorim e Vanessa Gra-
zziotin. Não houve, portanto, naquela sessão, qualquer deliberação a respeito
do mérito do projeto de lei.
A matéria voltou à pauta da sessão da Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania, ocasião na qual a senadora Simone Tebet apresentou a Emenda
Aditiva nº 1, que, a rigor, nada alterou a proposta original no ponto em que
revogava a majorante insculpida no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.
Naquela mesma sessão, o Senador Antonio Anastasia reformulou seu rela-
tório, acolhendo a emenda que foi proposta, e, posteriormente, o Plenário
da cogitada comissão aprovou o texto do projeto de lei – Parecer 141/2017 –,
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 151
tal qual formulado pelo seu proponente, com o acréscimo da citada emenda
apresentada pela senadora sul-mato-grossense.
Contudo, o Parecer nº 141/2017, ao ser publicado no Diário do Senado
Federal, certamente por algum lapso, não trouxe em seu texto o dispositivo que
constava na proposta aprovada e que previa, conforme já foi dito, a revogação
do art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.
Aqui, aparentemente, repousa o ponto nodal de toda a celeuma, qual
seja, o descompasso entre o que foi aprovado pela Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania do Senado Federal e o texto publicado no Senado Federal,
que, repita-se, não retratou aquilo que foi deliberado.
Fato é que, na sequência, o PLS nº 149/2015 foi encaminhado à Co-
rele (Comissão de Redação Legislativa), que, ao que consta, recebeu o texto,
precisamente, como aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cida-
dania, isto é, contendo o dispositivo que revogava a majorante que tratava do
emprego de violência ou ameaça exercida com emprego de arma (lato sensu).
Posteriormente, o texto aprovado, que continha a revogação da majo-
rante, e, porquanto, tal qual, efetivamente, deliberado pelo Senado Federal,
foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde foi convertido no PL nº
9.160/2017, ao qual se apensou o PL nº 5.989/2016, de autoria do deputado
Severino Ninho, que já trazia apensado o PL nº 6.737/2016, que veiculava uma
outra proposta legislativa que foi, então, acrescida à proposta vinda da Casa.
Mais à frente, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto
de lei tal qual encaminhado pelo Senado Federal, acrescido, apenas, de um
artigo que dispôs acerca da inutilização de cédulas de moeda corrente deposi-
tadas no interior dos caixas eletrônicos em caso de arrombamento. Isto quer
dizer que a única alteração material feita pela Câmara dos Deputados nada
disse respeito à revogação da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I,
do Código Penal. Aliás, a derrogação da aludida causa de aumento de pena,
constante na proposta vinda do Senado de República, manteve-se intocável,
e restou prevista no art. 4º do PL nº 9.160/2017, aprovado pela Casa revisora.
Em seguida, no dia 06.03.2018, o projeto de lei – que, naturalmente,
continha a revogação da majorante em seu art. 4º – sob a rubrica de Substitutivo
da Câmara dos Deputados nº 1, de 2018, ao PLS nº 149, de 2015, retornou à
Casa iniciadora onde foi aprovado pelo Plenário.
Empós, como de rigor, encaminhou-se o texto aprovado para a sanção
do presidente da República, sendo que, posteriormente, houve a promulgação
da lei aprovada.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
152
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação 0077858-
64.2017.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Milton
Raphael Lopes Gomes, é apelado Ministério Público do Estado de São Paulo.
Acordam, em 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso.
V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Poças
Leitão (Presidente) e Cláudio Marques.
São Paulo, 6 de dezembro de 2018.
Desembargador Ricardo Sale Júnior – Relator
Voto nº 15.642
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls.
235/246, cujo relatório se adota, que julgou parcialmente procedente a de-
núncia para condenar Milton Raphael Lopes Gomes, devidamente qualificado
nos autos do processo, na forma do art. 69 do Código Penal: I) 1 (um) ano, 6
(seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime prisional inicial fechado,
bem como ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, no piso, pela prática do
crime previsto no art. 155, caput, do Código Penal; II) 1 (um) mês e 16 (de-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
156
silente. Após alguns minutos, Evellyn saiu e verificou que o denunciado havia
se evadido em posse do cachorro.
Ato contínuo, o apelante teria se dirigido até a residência das vítimas
Nádia e Gabriela, sendo certo que somente a última, que tem 12 anos de
idade, encontrava-se no local. O denunciado adentrou na residência e pediu
comida para Gabriela que, temerosa, ofereceu o alimento.
Gabriela, então, perguntou a quem pertencia o cachorro que acom-
panhava o réu, tendo recebido a resposta de que ele havia sido pego em um
quintal de uma casa. Assustada e se sentindo ameaçada, mormente por estar
sozinha em casa, mandou Milton sair da residência por diversas vezes.
Em dado momento, o apelante solicitou que o cachorro deitasse. O
animal não o teria obedecido. Em seguida, o réu se encaminhou até uma
gaveta da cozinha e se apossou de duas facas.
Gabriela aproveitou-se do momento, pegou seu irmão mais novo e saiu
correndo do local, dirigindo-se à casa de sua avó, que fica no mesmo terreno.
Em seguida, o denunciado passou a desferir diversos golpes de faca
contra o animal (laudo veterinário à fl. 22), conforme consta do item 03.
Utilizou-se, ainda, de um cabo de vassoura e martelo com os cabos fragmen-
tados, aos quais acoplou facas.
Os cômodos da casa ficaram ensanguentados (fl. 19) e o animal restou
gravemente ferido (fl. 20).
A materialidade do delito restou devidamente comprovada e vem es-
tampada no boletim de ocorrência (fls. 14/18), auto de exibição e apreensão
(fl. 27), sendo corroborada pelos demais elementos informativos colhidos no
inquérito policial e provas produzidas no contraditório judicial.
A autoria é certa e indubitável, já que o acusado foi preso em flagrante
delito, ainda na posse da res furtiva, ou seja, do cão subtraído do interior da
residência das vítimas Cleber e Evellyn, com ele invadindo a residência das
outras vítimas, inclusive ferindo-o cruelmente, com golpes de faca e pancadas.
Na fase policial, o réu valeu-se do direito constitucional de permanecer
em silêncio. Interrogado em Juízo, negou a prática de todos os delitos.
Afirmou que estava caminhando quando percebeu que o cão estando
andando atrás deles. Não sabia de quem era o cão e começou a andar com ele,
quando a vítima Gabriela o convidou para comer em sua casa, informando
que lhe faria um prato de comida. Disse que a menina o convidou para entrar
em sua casa. Quando estava comendo o cão rosnou e foi atrás de Gabriela.
Em seguida, tentou segurar o cachorro, que avançou e lhe mordeu. Em razão
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
158
disso, pegou um martelo e desferiu dois golpes contra o cão. Por fim, alegou
que os policiais surgiram, o agrediram e o prenderam.
Já a vítima Evellyn, adolescente de dezesseis anos, ouvida em Juízo,
ratificou seu depoimento prestado à autoridade policial, afirmando que possui
um cão da raça pit bull. Esclareceu que estava em sua casa, quando ouviu os
latidos de seu cão Apolo. Resolveu sair para ver o que estava acontecendo,
quando viu o acusado no quintal da residência, sendo que estava subindo
pela escada em sua direção. Disse que ficou assustada e voltou para dentro
da residência, trancando a porta e ligando para sua genitora.
Quando não ouviu mais latidos de seu cão, saiu e viu o acusado saindo
do quintal da casa levando o cão Apolo consigo. Na sala de reconhecimento,
reconheceu, sem sombra de dúvida, o acusado.
Não se desconhece o entendimento de que em casos de furto, a palavra
das vítimas é de suma importância. Esse é o posicionamento adotado por esta
colenda 15ª Câmara Criminal e pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“E, consoante reiteradamente tem decidido a jurisprudência, em delitos de
roubo, onde normalmente estão presentes apenas os agentes ativo e passivo
da infração, a palavra da vítima é de fundamental importância na solução da
questão. Na medida em que segura, coerente e sem desmentidos, o que cum-
pre é aceitá-la sem restrições, eis que não teria o ofendido razões para, levia-
namente, acusar um inocente” (TJSP, Apelação 0013200-41.2011.8.26.0050,
15ª Câmara Criminal, Rel. Des. Nelson Fonseca Junior, j. 24.07.2014)
“A palavra da vítima, nos crimes às ocultas, em especial, tem relevância na
formação da convicção do Juiz sentenciante, dado o contato direto que trava
com o agente criminoso.” (STJ, Habeas Corpus 143.681/SP, Rel. Min. Arnal-
do Esteves Lima, Quinta Turma, j. 15.06.2010)
A vítima Verônica, genitora da adolescente e dona do animal doméstico,
confirmou a versão de sua filha, que ligou, avisando que o acusado tinha levado
seu cão Apolo. Soube que o acusado foi detido em imóvel próximo, estando
seu animal ferido e ensanguentado. Explicou que teve gastos materiais para
tratamento, cirurgia, alimentação e adestramento especial do cão Apolo no
importe de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais).
Esclareceu que em razão do ocorrido, o animal que era dócil, tornou-se
agressivo e depressivo, necessitando de adestramento especial.
Ainda em Juízo, foi ouvida a vítima Gabriela, reconhecendo o acusado
como sendo a pessoa que invadiu a residência da família e lesionou o cão em
seu interior. Gabriela afirmou que estava recebendo uma encomenda de sofá
quando o acusado se aproveitou que os entregadores deixaram a porta aberta
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 159
suporte probatório mínimo, pois a divergência entre os valores que deveriam ser repassados à
Caixa Econômica Federal e aqueles que efetivamente chegaram à aludida instituição bancária,
não caracteriza, por si só, a apropriação por parte do acusado. 4. Ausente justa causa para a
deflagração da ação penal, haja vista a ausência de indícios suficientes de autoria delitiva. 5.
Recurso em sentido estrito não provido. (TRF 1ª R.; RSE 0006394-74.2018.4.01.3800; MG;
3ª T.; Rel. Des. Fed. Ney Bello; DJF1 19/12/2018)
87/16 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ART. 168, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL.
DOSIMETRIA DA PENA. CULPABILIDADE ELEVADA E GRAVES CONSEQUÊNCIAS
DO DELITO. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE ALÉM DO MÍNIMO LEGAL. RECURSO
PROVIDO EM PARTE. 1. A culpabilidade do réu revelou-se elevada, sendo certa a sua res-
ponsabilidade de zelar e entregar de forma regular o produto que lhe fora confiado no âmbito
de um programa governamental federal. 2. As consequências do delito foram graves para a
Conab, pois a quantidade de arroz apropriada foi enorme, causando-lhe um prejuízo de grande
dimensão. Além disso, prejudicou suas atividades no seu papel governamental. 3. Majoração da
pena do réu, por se revelar mais adequada ao delito praticado. 4. Apelo do Ministério Público
Federal parcialmente provido. (TRF 1ª R.; ACR 0011285-45.2007.4.01.3600; MT; 3ª T.; Rel.
Juiz Fed. Conv. José Alexandre Franco; DJF1 19/12/2018)
87/17 – ATO INFRACIONAL. Prática de ato infracional análogo ao crime de roubo
majorado pelo emprego de arma e concurso de pessoas. Art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal.
Aplicação aos adolescentes de medida socioeducativa de semiliberdade. Pleito de modificação
da medida socioeducativa para liberdade assistida. Impossibilidade. Gravidade da conduta.
Razoabilidade na aplicação da semiliberdade. Desprovimento dos recursos. (TJRN; AC
2018.005897-2; 2ª C.Cív.; Rel. Des. Ibanez Monteiro; DJRN 08/11/2018; p. 108)
87/18 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO A HOMICÍDIO QUALIFICADO. EX-
CESSO DE LEGÍTIMA DEFESA. ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, III, C, E ART 121,
§ 1º, AMBOS DO CP. INAPLICABILIDADE. ANIMUS NECANDI DEMONSTRADO.
QUALIFICADORAS DE MOTIVO TORPE, RECURSO QUE DIFICULTA A DEFESA
DA VÍTIMA. ATO PRATICADO DE FORMA CRUEL E NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR. RECONHECIMENTO. REDUÇÃO DA REAVALIAÇÃO
DA MEDIDA PARA TRIMESTRAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. A circunstância atenuante do art. 65, III, c, e do art. 121, § 1º, ambos do CP, não se aplica
aos procedimentos relativos a ato infracional, que se submete ao ECA. 2. É de ser reconhecido
que o ato infracional foi cometido por motivo torpe, consistente na discussão pelo término
do relacionamento amoroso com a vítima. Além disso, foi praticado de modo que dificultou
a defesa da vítima, no âmbito da violência doméstica e por meio cruel, circunstâncias que
qualificam o delito de homicídio no âmbito do Direito Penal (art. 121, § 2º, II, III, IV, VI, do
Código Penal). 3. Se a periodicidade de reavaliação do apelante encontra-se em consonância
com a norma pertinente, mostrando-se o prazo da periodicidade razoável, descabe o pedido
de sua redução. 4. Recurso desprovido. (TJAC; APL 0001715-43.2018.8.01.0002; Ac. 6.942;
2ª C.Crim.; Rel. Des. Júnior Alberto; DJAC 20/12/2018; p. 14)
87/19 – ART. 157, § 2º, INCISO I, E ART. 307, AMBOS DO CPB. MATERIA-
LIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. DOSIMETRIA. FUNDAMENTAÇÃO
INIDÔNEA. REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO LEGAL. MAJORANTE. ARMA
BRANCA. EXCLUSÃO. LEI Nº 13.654/2018. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. PEDIDO
PARA APELAR EM LIBERDADE. PRECLUSÃO LÓGICA. APELO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. A dosimetria procedida na sentença
guerreada não possui fundamentação suficiente para a fixação das penas-base nos patamares
adotados, impondo-se sua redução para o mínimo legal cominado para cada um dos delitos. 2.
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 165
A causa de aumento da pena prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, foi revogada pela
Lei nº 13.654/2018, devendo ser afastada sua aplicação no caso concreto por força do princípio
da novatio legis in mellius, haja vista tratar-se de roubo praticado com emprego de arma branca. 3.
Prejudicado o pedido para apelar em liberdade, porquanto a matéria é apreciada juntamente
com o julgamento do mérito recursal, operando-se a preclusão lógica. 4. Recurso parcialmente
conhecido e, na extensão, provido. (TJCE; APL 0057362-61.2016.8.06.0064; 1ª C.Crim.; Relª
Desª Maria Edna Martins; DJCE 20/12/2018; p. 122)
87/20 – COMPARTILHAMENTO DE SINAL DE INTERNET. ATIPICIDADE
DO FATO. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO QUE NÃO SE CONFUNDE COM
ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO
PROVIDA. 1. O compartilhamento e a retransmissão de sinal de internet não configuram
atividades de telecomunicações, senão “serviço de valor adicionado” (art. 61 da Lei nº 9.472/97),
fato que não configura o tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97. 2. Precedentes da Primeira
Turma do eg. STF. Submete-se ao princípio da legalidade estrita. SERVIÇO DE INTER-
NET. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. A oferta de serviço de internet não é passível de ser
enquadrada como atividade clandestina de telecomunicações. Inteligência do art. 183 da Lei
nº 9.472/97 (HC 127.978, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 24.10.2017, Processo
Eletrônico DJe-276, divulg. 30.11.2017, public. 01.12.2017). 3. Apelação não provida. (TRF
1ª R.; ACR 0001265-17.2011.4.01.3806; MG; 3ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. José Alexandre Franco;
DJF1 19/12/2018)
87/21 – CONCUSSÃO. EXIGÊNCIA DE VANTAGEM INDEVIDA A RECRUTAS.
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MPM. CONDENAÇÃO. RECONHE-
CIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CÓDIGO PENAL BRASI-
LEIRO. Comete o crime de concussão, previsto no art. 305 do CPM, militar que, na qualidade
de Coordenador da Horta, age de maneira consciente e voluntária e exige para si vantagem
indevida de colegas de caserna sob a promessa de conseguir o engajamento na Força, bem como
a permanência na Horta do Batalhão da Guarda Presidencial, alegando grande influência que
exercia junto ao subcomandante da OM. A prática delituosa só foi descoberta porque um dos
ofendidos se recusou a pagar a quantia exigida pelo apelado e, após ser licenciado, comunicou
o fato a seu superior hierárquico. Tese defensiva de ausência de provas dos fatos imputados
ao Apelado que não se sustenta, diante da análise das circunstâncias colacionadas aos autos.
Depoimentos coesos e harmônicos dos ofendidos, ao afirmarem que o Apelado efetivamente
exigiu para si vantagem indevida. Apesar de o acusado não ter confessado em Juízo, o contexto
e as provas dos autos comprovaram, na verdade, a exigência e, para além, o efetivo recebimento
da propina. Conduta devidamente comprovada que, seguramente, ampara sua condenação.
Unânime. Pena aumentada em 1/3 (um terço), em razão da continuidade delitiva e de acordo
com a regra estampada no art. 71 do Código Penal Brasileiro. Maioria. (STM; APL 7000482-
06.2018.7.00.0000; Rel. Min. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos; DJSTM 20/12/2018; p. 10)
87/22 – CONTRABANDO. ART. 334, § 1º, IV E V, DO CP. MÁQUINAS ELE-
TRÔNICAS PROGRAMÁVEIS. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. PERÍCIA INDIRETA. VALI-
DADE. RECURSOS DESPROVIDOS. I – A autoria restou comprovada em razão da apreensão
de máquinas eletrônicas programáveis, conhecidas como caça-níqueis, no estabelecimento
comercial de responsabilidade dos réus. II – O comerciante que permite a exploração de má-
quinas eletrônicas programáveis em seu estabelecimento comercial, desprovida de qualquer
documentação fiscal, senão com dolo direto, age com dolo eventual, frente ao tipo do art. 334,
§ 1º, c, do Código Penal. III – Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de contra-
bando, em que está em jogo ofensa ao bem jurídico Administração Pública no seu fragmento
ordenação de bens serviços ou atividades de importação ou exploração proibidas, como é o caso
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
166
dos jogos de azar por meio de máquinas e equipamentos. IV – A materialidade delitiva restou
comprovada pela representação fiscal para fins penais da Receita Federal, em especial pelo ter-
mo de constatação fiscal, o qual atestou a existência de componentes de origem estrangeira nas
máquinas de caça-níquel apreendidas. V – Recursos de apelação desprovidos. (TRF 2ª R.; ACR
0008406-81.2013.4.02.5102; RJ; 2ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Marcello Granado; DEJF 13/12/2018)
87/23 – CONTRABANDO DE CIGARROS DE ORIGEM PARAGUAIA. INAPLI-
CABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. É inaplicável o princípio da insignificância ao
crime de contrabando de cigarros, pois não se trata de delito puramente fiscal, mas de conduta
que atenta contra a saúde pública e a indústria nacional. 2. Não há que se falar em prática de
delito de descaminho, em se tratando de importação de cigarros estrangeiros de comerciali-
zação proibida. Tal conduta subsume-se ao crime de contrabando. Precedentes. 3. Conforme
entendimento desta Terceira Turma, “Em se tratando de contrabando, a jurisprudência tem
rechaçado a aplicação do princípio da insignificância, por considerar que a objetividade jurí-
dica, nesse particular, não se resume pura e simplesmente no interesse arrecadador do Fisco
e, sim, no direito da Administração Pública de controlar o ingresso no território nacional de
cigarros que não obedecem aos padrões estabelecidos pela Anvisa, visando preservar a saúde
pública” (ACR 0006277-48.2012.4.01.4300/TO). 4. Recurso em sentido estrito provido para
receber a denúncia e determinar o retorno dos autos à origem. (TRF 1ª R.; RSE 0053516-
56.2017.4.01.3400; DF; 3ª T.; Rel. Des. Fed. Ney Bello; DJF1 19/12/2018)
87/24 – CRIME AMBIENTAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº
9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RECURSO NÃO PROVI-
DO. I – Materialidade e da autoria comprovadas. Prisão em flagrante. Réu pescador profissio-
nal e proprietário da embarcação flagrada exercendo a pesca com petrechos proibidos. II – O
réu não pode se escusar alegando que a desconformidade legal refere-se à estrutura que não
apresenta ligação efetiva com a pesca. Para fins da norma penal, todos os petrechos proibidos
que sirvam de algum modo à atividade devem ser considerados em sua integralidade. A incri-
minação recai sobre todo suporte do equipamento. III – Auto de infração lavrado com base
em Portaria da extinta Superintendência do Desenvolvimento da Pesca. A extinção do órgão
administrativo não implica, necessariamente, na revogação de toda regulamentação da ativi-
dade pesqueira editada. Não houve manifestação do Poder Público no sentido de se revogar a
referida Portaria da Sudepe, tampouco pode-se aferir uma ilegalidade, restando aplicável para
efeito de preenchimento da norma penal em branco do art. 34, parágrafo único, inciso II, da
Lei nº 9.605/98. Ainda que as regras administrativas sejam por vezes sazonais e específicas,
o preceito fixo do tipo penal é perene e bem expressa qual a conduta proibida. IV – Recurso
não provido. (TRF 2ª R.; ACR 0000274-27.2012.4.02.5116; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Abel
Gomes; DEJF 10/12/2018)
87/25 – CRIME AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO DA PRETEN-
SÃO PUNITIVA ESTATAL REGULADA SOMENTE COM BASE NA PENALIDADE
DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA NÃO PROLATADA. PREVISÃO DE
PENA RESTRITIVA DE DIREITOS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.
PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO. PENA MÁXIMA COMINADA AO CRIME. ART. 109,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. 1. Consoante o entendimento do STJ e
do pretório excelso, a tão só existência da possibilidade de aplicar penas restritivas de direito
à pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, faz com que o parâmetro para aferição do
prazo prescricional seja disciplinado pelo Código Penal. 2. Dispõe o art. 21 da Lei nº 9.605/98,
que às pessoas jurídicas serão aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente, as penas de
multa, de restrição de direitos ou de prestação de serviços à comunidade. 3. Até a prolação de
sentença nos autos, o prazo prescricional se regulará pelo máximo abstratamente cominado ao
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 167
delito, pois aplicáveis aos crimes ambientais, subsidiariamente, todas as disposições do Código
Penal e do Processo Penal, dentre elas o art. 109, parágrafo único, do Código Penal, segundo
o qual aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas
de liberdade. 4. In casu, imputou-se à pessoa jurídica a possível prática do crime tipificado
no art. 54, § 2º, V, da Lei nº 9.605/98, que possui em seu preceito secundário as variantes de
pena entre 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, cujo prazo da prescrição em sua modalidade
abstrata, a teor do art. 109, III, do Código Penal é de 12 (doze) anos – que não restou superado
nos autos. 5. Recurso conhecido e desprovido. (TJAC; RSE 0010814-40.2018.8.01.0001; Ac.
27.746; C.Crim.; Rel. Des. Pedro Ranzi; DJAC 20/12/2018; p. 18)
87/26 – CRIME DE RESPONSABILIDADE. EX-PREFEITO MUNICIPAL. ART.
1º, VII DO DL Nº 201/67. CONVÊNIO COM O MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO
NACIONAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. APRESENTAÇÃO TARDIA. AUSÊNCIA DE
DOLO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. A conduta atribuída ao ex-prefeito do Município
de Bonito – Estado do Pará, não causou prejuízos relevantes ao erário porque a prestação de
contas, relativas ao Convênio nº 197/2001-SIAFI 465518, que objetivava a construção de um
muro de contenção de erosão às margens do Rio Peixe Boi, acabou acontecendo, embora
com atraso. Ficou demonstrado o cumprimento do convênio e as contas foram aprovadas.
2. O mero atraso na prestação de contas não configura crime de responsabilidade. O que se
busca é a proteção da moralidade administrativa e dos recursos públicos. A norma penal não
procura punir o mero deslize burocrático. 3. Apelação do Ministério Público Federal despro-
vida. (TRF 1ª R.; ACR 0002574-70.2011.4.01.3904; PA; 3ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. César Jatahy
Fonseca; DJF1 19/12/2018)
87/27 – CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO. ART. 1º, I, DO DL Nº
201/67. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA.
SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Comprovadas a materialidade
e a autoria delitiva na conduta do acusado, que, de maneira consciente e voluntária, resolveu
se apropriar dos recursos oriundos do convênio firmado entre o FNDE e o município, evi-
denciando a prática dolosa do delito previsto no art. 1º, I, do DL nº 201/67, deve ser mantida
a sentença condenatória. 2. O ressarcimento do prejuízo não constitui causa de extinção da
punibilidade, nem óbice à condenação, mesmo quando a devolução é feita antes do ofereci-
mento da denúncia (precedentes deste TRF da 1ª Região). 3. Dosimetria de acordo com os arts.
59 e 68 do CP, sendo necessária e suficiente à reprovação e prevenção do delito. 4. Apelação
não provida. (TRF 1ª R.; ACR 0003281-95.2012.4.01.4003; PI; 3ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. José
Alexandre Franco; DJF1 19/12/2018)
87/28 – CRIME MILITAR. LEI Nº 13.491/2017. INOCORRÊNCIA DE NOVATIO
LEGIS IN MELLIUS. ESPECIALIDADE DO CPM. INAPLICABILIDADE DO ART. 28
DA LEI Nº 11.343/06. RECURSO CONHECIDO E REJEITADO. UNÂNIME. A Lei nº
13.491/2017 alterou o conceito de crime militar, passando a ser de competência desta Justiça
Especializada delitos que, mesmo não tipificados na parte especial do CPM, enquadrem-se nas
alíneas do inciso II do seu art. 9º. O CPM continua a gozar de especialidade, seja pela compe-
tência atribuída pela Constituição Federal de 1988 à Justiça Militar da União para processar e
julgar delitos militares, seja pelos bens jurídicos específicos por ela tutelados. Ainda que a Lei nº
13.491/2017 tenha alargado as hipóteses de crime militar, permanece a necessidade de tutela aos
mesmos bens jurídicos e a obrigatoriedade de enquadramento no art. 9º do CPM. A expressão
em local sujeito à administração militar, constitutiva do tipo penal do art. 290 do CPM, é o
elemento especializante da norma penal, tornando o referido tipo norma especial em relação ao
art. 28 da Lei nº 11.343/06. O crime de drogas praticado no interior das Organizações Militares
lesiona os interesses e valores basilares das FFAA, razão de ser da Justiça Militar especializada,
tendo como base primordial os princípios de Hierarquia e Disciplina Militar, e subsome-se
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
168
somente ao inciso I do art. 9º do CPM. O delito perpetrado pelo Réu configura ofensa ao art.
290 do CPM e enquadra-se no inciso I do art. 9º do mesmo Código, em nada afetado pela
alteração legislativa da Lei nº 13.491/2017. Não há que se falar em novatio legis in mellius, uma
vez que se trata da prevalência da legislação especial (art. 290 do CPM) sobre a geral (Lei de
Drogas). Embargos rejeitados por unanimidade. (STM; EDcl 7000855-37.2018.7.00.0000; Rel.
Min. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos; DJSTM 20/12/2018; p. 11)
87/29 – CRIMES CONTRA A HONRA. OFENSAS PROFERIDAS EM ENTRE-
VISTA RADIOFÔNICA POR PARLAMENTAR FEDERAL. CALÚNIA. AUSÊNCIA DE
NARRATIVA FÁTICA ESPECÍFICA. DIFAMAÇÃO. INJÚRIA. OFENSAS GENÉRICAS.
ATIPICIDADE. CRIMES NÃO CARACTERIZADOS. REJEIÇÃO DE QUEIXA-CRIME
POR DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE. 1. O crime de calúnia exige narrativa
de fato determinado direcionada a pessoa determinada. 2. Opiniões ou conceitos genéricos,
ainda que ofensivos, expressos por narrador não caracterizam difamação ou injúria puníveis
criminalmente quando não revelado a quem dirigidos. 3. Admite-se a rejeição de queixa-crime
por decisão monocrática inclusive por atipicidade ou ausência de justa causa. RI/STF, art. 21,
§ 1º. Precedentes. 4. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF; Pet-AgR 7.168; DF;
1ª T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 19/12/2018)
87/30 – DECISÃO DE NÃO HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO DE COLABORA-
ÇÃO PREMIADA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. PRÁTICA
SUPERVENIENTE DE INFRAÇÕES PENAIS. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE
DE CONDENAÇÃO EXARADA POR JUÍZO CRIMINAL. VOTO PELO DESPROVI-
MENTO DO RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL. 1. A homologação da delação
premiada pode ficar condicionada ao não cometimento de novas infrações penais, aferível
pelo recebimento de denúncia em face do colaborador. 2. In casu, a) o acordo de colaboração
premiada entre o MPF e o investigado foi celebrado pelas partes na data de 17.07.2017, tendo
sido convencionado, na Cláusula 20ª, que o contrato seria rescindido, dentre outras hipóteses,
se o colaborador vier a praticar qualquer outro crime doloso após a homologação judicial da
avença (alínea f); b) constam, nos autos, documentos que evidenciam a existência de indícios
plenamente suficientes no sentido de demonstrar que, posteriormente à celebração do acordo,
em 15.11.2017, o investigado praticou dois crimes dolosos, quais sejam, os delitos de falsificação
de documento particular e obstrução de investigação de organização criminosa, previstos nos
arts. 298 do CP e 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013; c) a suspeita quanto ao cometimento dos
crimes em questão pelo investigado ensejou, inicialmente, que, em 12.12.2017, o Juízo da 5ª
Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso autorizasse o cumprimento de
mandados de busca e apreensão e o afastamento do sigilo de dados telefônicos, telemáticos e de
informática em face daquele investigado, deflagrando investigação que, na data de 18.07.2018,
culminou com o oferecimento de denúncia criminal pela Procuradoria da República no Estado
do Mato Grosso; d) ambas as imputações versam sobre tentativa do colaborador de interferir
no curso da investigação de uma das fases da Operação Ararath no Estado do Mato Grosso,
ou seja, justamente a operação em cujo âmbito o investigado espera obter sanções premiais na
hipótese de homologação judicial do acordo celebrado. 3. A prática superveniente de infração
penal, enquanto causa passível de justificar a não homologação ou a rescisão de acordo de
colaboração premiada, prescinde de ser comprovada por meio da declaração de culpa exarada
por juiz penal quando já presentes, nas peças de informação constantes nos autos, elementos
suficientes para evidenciar o cometimento dos fatos cogitados. 4. É que não se trata de reco-
nhecer a responsabilidade penal propriamente dita e aplicar, em consequência, uma sanção
de natureza penal, o que, certamente, demandaria a conclusão da instrução processual cabível
e da deliberação do juiz penal competente; trata-se, diferentemente, de reconhecer a simples
prática de fato jurídico passível de caracterizar o descumprimento de obrigação contratual, cuja
comprovação, como é cediço, pode se dar por quaisquer meios admissíveis em direito. 5. In
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 169
12.015/09. A pena carcerária definitiva aplicada ao réu vai reduzida, em face do afastamento da
valoração negativa, na pena-base, dos vetores da culpabilidade, personalidade, circunstâncias
e consequências, bem assim do reconhecimento da continuidade delitiva entre todos os fatos.
Fica mantido o regime inicial fechado para o cumprimento da pena carcerária. Prisão cautelar
mantida, com reconhecimento da detração própria. Manutenção das disposições periféricas
da sentença recorrida. Apelo parcialmente provido. (TJRS; ACr 0332169-30.2018.8.21.7000;
6ª C.Crim.; Rel. Des. Aymoré Roque Pottes de Mello; DJERS 19/12/2018)
87/42 – EXECUÇÃO PENAL. NOVA PROGRESSÃO. DATA DE INÍCIO DO
CÁLCULO PARA A PROGRESSÃO AO REGIME ABERTO. Jurisprudência que firmou
entendimento no sentido de que a data de início do lapso para a segunda progressão de regi-
me deve ser a correspondente àquela em que o apenado descontou a primeira fração exigida
em lei e não aquela em que se deu o deferimento da promoção ao regime intermediário.
Observância à segurança jurídica e celeridade processual. Agravo provido. (TJSP; AG-ExPen
0007490-68.2018.8.26.0026; Ac. 12101585; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Otávio de Almeida Toledo;
DJESP 20/12/2018; p. 735)
87/43 – EXECUÇÃO PENAL. SENTENCIADO SOBRE QUEM RECAIU NOVA
CONDENAÇÃO NO CURSO DA EXECUÇÃO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. Fixação de
termo inicial para o cálculo da progressão de regime e livramento condicional a partir da data do
trânsito em julgado da condenação ou da própria decisão condenatória superveniente. Agravo
que busca a alteração do marco interruptivo. Precedentes STF e STJ no sentido contrário, mas
sem força vinculante. Interpretação de que se discorda. Decisão que deve ser reformada para
determinar que o reinício da contagem dos lapsos para fins de benefícios fique subordinado
à apuração de falta disciplinar ou efetiva regressão de regime para a progressão de regime e
inviabilidade da interrupção do lapso para o livramento condicional. Agravo defensivo parcial-
mente provido. (TJSP; AG-ExPen 0007401-90.2018.8.26.0496; Ac. 12101582; 16 ª C.D.Crim.;
Rel. Des. Otávio de Almeida Toledo; DJESP 20/12/2018; p. 735)
87/44 – FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. COMPETÊNCIA PARA
INVESTIGAÇÃO E JULGAMENTO. QUESTÃO DE ORDEM NA AP 937/RJ. REIN-
TERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ALCANCE DA PRERROGATIVA DE
FORO. AUSÊNCIA DE CONEXÃO ENTRE O DELITO TIPIFICADO NO ART. 350
DO CÓDIGO ELEITORAL E O EXERCÍCIO DO MANDATO DO PARLAMENTAR
FEDERAL. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. REMESSA À JUSTIÇA
ELEITORAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Diante
da reinterpretação constitucional do alcance do disposto no art. 102, I, b, da Constituição, é de
competência da Justiça Eleitoral o trâmite de inquérito e processo criminal relativo ao delito
de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral). II – Não há falar em conexão
entre o mencionado delito e o exercício do mandato do parlamentar federal. III – Determinação
de remessa dos autos ao TER/RN, para que distribua os autos ao juízo eleitoral competente
para o processamento do feito. (STF; Inq-AgR 4.399; DF; 2ª T.; Rel. Min. Ricardo Lewandowski;
DJE 14/12/2018)
87/45 – FURTO. MAUS ANTECEDENTES. PECULIARIDADES DA CAUSA
QUE AUTORIZAM A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. A Primeira Turma do
STF já decidiu que condenações anteriores, alcançadas pelo decurso do prazo de 5 anos, embora
afastem a reincidência, não impedem os maus antecedentes. Precedente: ARE 925.136-AgR,
Rel. Min. Edson Fachin. 2. Situação concreta em que o paciente está condenado a 2 anos, 7
meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, por furto qualificado de um botijão de gás.
Nessas condições, ante o reduzido grau de reprovabilidade da conduta e atento à tese adotada
pelo plenário, nos HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, a ordem
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
174
deve ser concedida de ofício para, na linha de precedente recente desta Primeira Turma (HC
137.217), fixar desde logo o regime aberto. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida
de ofício para fixar o regime aberto. (STF; HC 144.209; SC; 1ª T.; Rel. p/o Ac. Min. Roberto
Barroso; DJE 14/12/2018)
87/46 – FURTO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
DA UNIÃO PARA JULGAMENTO DE CIVIL. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INCOM-
PETÊNCIA DO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA PARA JULGAMENTO DE
CIVIL. REJEIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ARREPENDIMENTO EFICAZ. NÃO
COMPROVAÇÃO. CONFISSÃO. A autoria e a materialidade delitivas restaram evidentes
nas provas colacionadas nos autos. A acusada praticou conduta típica, antijurídica e culpável,
coadunando-se, perfeitamente, com o tipo previsto no art. 240, caput, do Código Penal Mi-
litar. O lastro probatório é suficiente para amparar a condenação, sobretudo os testemunhos
concordantes e convergentes em relação ao modus operandi e às imagens do momento exato
da subtração do celular. A conduta da recorrente adequou-se de forma abstrata e material ao
tipo penal de furto, não havendo que falar em miudeza ou bagatela frente ao tamanho grau de
desrespeito no ato perpetrado. Em que pese ter se desculpado e devolvido a coisa furtada ao
ofendido, a conduta não se enquadra efetivamente no instituto do arrependimento eficaz. A
ação perpetrada pela apelante é típica, antijurídica e culpável, coadunando-se, perfeitamente,
com o previsto no caput do art. 240 do Código Penal Militar. Preliminar de incompetência da
Justiça Militar da União para julgamento de civil rejeitada. Decisão unânime. Preliminar de
incompetência do Conselho Permanente de Justiça para julgamento de civil rejeitada. Decisão
majoritária. Recurso não provido. Decisão unânime. (STM; APL 0000014-82.2017.7.07.0007;
Relª Minª Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha; DJSTM 14/12/2018; p. 3)
87/47 – FURTO QUALIFICADO. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AU-
MENTO DO CRIME COMETIDO DURANTE O REPOUSO NOTURNO. POSSIBI-
LIDADE. 1. Incide a majorante prevista no 1º do art. 155 do Código Penal, quando o crime
é cometido durante a madrugada, horário no qual a vigilância da vítima é menos eficiente e
seu patrimônio mais vulnerável. 2. Apelo conhecido e não provido. (TJAP; APL 0043035-
61.2014.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. João Lages; DJEAP 30/11/2018; p. 75)
87/48 – FURTO QUALIFICADO. CORRUPÇÃO DE MENORES. RECONHECI-
MENTO DO CONCURSO FORMAL. POSSIBILIDADE. PRÁTICA DE DOIS DELITOS
EM UMA ÚNICA AÇÃO. PROVIMENTO. 1. Havendo a prática de mais de um delito
mediante uma única ação, deve ser aplicada a regra do concurso formal de crimes. 2. Apelo
conhecido e provido. (TJAC; APL 0014756-85.2015.8.01.0001; Ac. 27.719; C.Crim.; Rel. Des.
Elcio Mendes; DJAC 19/12/2018; p. 17)
87/49 – FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. CONDENAÇÕES TRAN-
SITADAS EM JULGADO UTILIZADAS PARA INFERIR A PERSONALIDADE DO
AGENTE VOLTADA A PRÁTICA CRIMINOSA. FUNDAMENTO INIDÔNEO. NOVO
ENTENDIMENTO DA QUINTA TURMA DESTA CORTE SUPERIOR. REGIME
PRISIONAL. RÉU REINCIDENTE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS.
PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. PENA DEFINITIVA INFERIOR A 4 ANOS
DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. SÚMULA Nº 269 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante
da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhe-
cida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio
Superior Tribunal de Justiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial,
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 175
no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o
mero decurso do tempo’, a natureza urgente ensejadora da produção antecipada de provas,
nos termos do citado artigo, é inerente à prova testemunhal, tendo em vista a falibilidade da
memória humana” (HC 210.388/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 06.12.2011, DJe
19.12.2011). 3. “A realização antecipada de provas não traz prejuízo ínsito à defesa, visto que,
a par de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, nada impede que, retomado
eventualmente o curso do processo com o comparecimento do réu, sejam produzidas provas
que se julgarem úteis à defesa, não sendo vedada a repetição, se indispensável, da prova pro-
duzida antecipadamente” (RHC 64.086/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. p/ o Acórdão Min.
Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, j. 23.11.2016, DJe 09.12.2016). 4. Recurso ordinário em
habeas corpus improvido. (STJ; RHC 97.930; Proc. 2018/0105432-5; SP; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca; DJE 19/12/2018; p. 4.338)
87/52 – IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. Sementes não possuem
a substância psicoativa (THC). Reduzida quantidade de substâncias apreendidas. Ausência de
justa causa para autorizar a persecução penal. Ordem concedida. (STF; HC-AgR 144.762; SP;
2ª T.; Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes; DJE 14/12/2018)
87/53 – JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA PENAL CON-
DENATÓRIA. INSURGÊNCIA APENAS CONTRA DOSIMETRIA APLICADA.
PRIMEIRA FASE. PLEITO DE AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS
CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ACOLHIMENTO PARCIAL.
CONSEQUÊNCIAS DO DELITO INERENTES AO TIPO PENAL. PENA-BASE REDI-
MENSIONADA. SEGUNDA FASE. PLEITO DE AFASTAMENTO DAS AGRAVANTES.
IMPOSSIBILIDADE. I – O luto da família é argumento inerente ao tipo penal e em razão disso
não serve, por si só, como fundamento para negativação das consequências do crime na primeira
fase da dosimetria. II – Na segunda etapa, não há que se reconhecer qualquer ilegalidade. Se
a pronúncia imputa ao réu três qualificadoras, é lícito ao magistrado sentenciante, nos termos
da copiosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a utilização de uma para qualificar o
delito e as demais como agravantes ou, em último caso, como circunstâncias judiciais negativas.
III – Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJAL; APL 0701199-89.2015.8.02.0056;
C.Crim.; Rel. Des. Sebastião Costa Filho; DJAL 12/11/2018; p. 145)
87/54 – JÚRI. HOMICÍDIO SIMPLES. PLEITO DE ANULAÇÃO DO VEREDI-
TO DOS JURADOS, POR MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS.
ACOLHIMENTO. CONDENAÇÃO NÃO AMPARADA EM SUPORTE PROBATÓRIO.
TESTEMUNHAS QUE APONTAM O RÉU COMO RESPONSÁVEL DO DELITO
APENAS POR “OUVIR DIZER” E NA FASE INQUISITORIAL. PRECEDENTES DO
STJ. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. JULGAMENTO ANULADO. I – A des-
peito de alguns depoimentos colhidos na fase policial indicarem o apelante como o autor do
delito em vértice, constata-se que todos os testemunhos colhidos se reportam a comentários da
população local por “ouvir dizer”. II – Na espécie, do lastro probatório dos autos não se extrai
um único testemunho que aponte, concreta e diretamente, a autoria delitiva ao recorrente ou
indique as suas supostas razões criminosas, existindo apenas testemunhos por ouvir dizer. III
– Recurso conhecido e provido. Julgamento anulado com o retorno dos autos à origem, para
que outro seja realizado. (TJAL; APL 0062869-19.2010.8.02.0001; C.Crim.; Rel. Des. Sebastião
Costa Filho; DJAL 17/12/2018; p. 154)
87/55 – JÚRI. RÉU PRONUNCIADO NO ART. 121, § 2º, I, E ART. 121, § 2º, I,
C/C O ART. 14, II, TODOS DO CPB. ABSOLVIÇÃO PELO CONSELHO DE SEN-
TENÇA. RECURSO MINISTERIAL. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS AFASTADA. EXISTÊNCIA DE SUBSTRATO
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 177
conhecimento acerca da falsidade da cédula que utilizou para comprar o bem indicado nestes
autos. 4. Absolvição, com base no art. 386, VII, do CPP, por não existirem provas suficientes
quanto ao dolo na ação do réu que justifiquem sua condenação. 5. Aplicação do princípio in
dubio pro reo. 6. Apelação criminal provida. (TRF 2ª R.; ACR 0013005-12.2012.4.02.5001; RJ;
2ª T.Esp.; Relª Desª Fed. Simone Schreiber; DEJF 03/12/2018)
87/60 – NULIDADE DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE
DELITO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. AFASTAMENTO DA QUALIFICA-
DORA. APLICAÇÃO DA ATENUANTE GENÉRICA. RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO. 1. O crime de apropriação indébita se consuma no momento em que o agente,
livre e conscientemente, inverte o domínio da coisa que se encontra na sua posse, passando a
dela dispor como se fosse o proprietário. Assim, restam comprovadas autoria e materialidade
do crime em questão. 2. Quanto à preliminar de nulidade pela ausência de exame de corpo
de delito nos crimes que deixam vestígios, destaca-se que, no caso do crime de apropriação
indébita, esse não deixa qualquer vestígio passível de ser periciado, não sendo cabível a aplica-
ção do art. 158 do CPP. 3. A menos que reste evidente a total falta de intenção de inversão do
domínio de coisa alheia móvel de que tem posse, a restituição do bem ou o ressarcimento do
dano não são hábeis a excluir a tipicidade ou afastar a punibilidade do agente. 4. Na apropria-
ção indébita, o elemento subjetivo do tipo caracteriza-se com a vontade de modificar o título
de mero detentor da coisa, tornando-se “proprietário”, podendo sobre ela exercer domínio
pleno, então, no momento em que houve essa transferência da titularidade da coisa, o crime
se consumou. 5. No que diz respeito ao pedido da defesa de afastamento da qualificadora,
esse não deve prosperar, visto que a qualificadora é uma das técnicas legislativas utilizadas para
demonstrar que o crime cometido em uma das circunstâncias descritas merecem uma maior
reprovabilidade, no caso, o apelante detinha a posse dos cheques em razão da sua atividade
profissional, conduta esta que merece maior rigor. 6. O fato de o ressarcimento do dano não
ter sido completo, não pode ser considerado causa de extinção de punibilidade, nem mesmo
atribuir-se-lhe o efeito de comprovar a ausência de dolo específico, assim, a sentença não merece
ser reformada. 7. Inexistindo os requisitos da voluntariedade e da espontaneidade, o fato de o
acusado ter efetuado a devolução parcial do valor por ele apropriado, não conduz a aplicação da
referida atenuante, assim, não sendo essa devolução voluntária, não há como aplicar atenuante.
8. Recurso conhecido e não provido, em consonância com o parecer ministerial. (TJAM; APL
0227169-70.2012.8.04.0001; 2ª C.Crim.; Relª Desª Onilza Abreu Gerth; DJAM 28/11/2018; p. 38)
87/61 – PECULATO. CONDENAÇÃO. CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. Comete o crime de
peculato o réu que se apropria de 2 (dois) laptops pertencentes ao quartel, que estavam em sua
posse, acautelados, a fim de desviá-los em benefício próprio, permutando os equipamentos
numa casa de penhores pela importância de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais). Materialidade
delitiva demonstrada pela cautela do material, pelos auto de apreensão, Laudo de Avaliação nº
01/2016-S4 e recibos de penhora acostados aos autos. Autoria comprovada tanto pela confissão
do réu em Juízo como pelas provas testemunhais. Condenação que se impõe. A jurisprudência é
pacífica no sentido da impossibilidade da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva
de direitos, em função de a legislação penal militar não contemplar tal instituto e em razão da
especialidade e da autonomia do Direito Penal Militar. Precedentes do STM. Mesclar o regime
penal comum e o castrense, de modo a selecionar o que cada um tem de mais favorável ao
Réu é incompatível com o princípio da especialidade das Leis. A disciplina mais rigorosa do
Código Penal Castrense é fruto de política legislativa que visa ao combate com maior rigor
das infrações definidas como militares. Precedentes do STF. Recurso defensivo desprovido.
Unânime. (STM; APL 7000210-12.2018.7.00.0000; Rel. Min. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos;
DJSTM 20/12/2018; p. 8)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 179
termos autorizadores dos arts. 66, V, alínea a, e 148, ambos da LEP. III – Agravo em execução
penal não provido. (TRF 2ª R.; AG-ExPen 0500289-62.2018.4.02.5104; RJ; 2ª T.Esp.; Rel. Des.
Fed. Marcello Granado; DEJF 17/12/2018)
87/65 – PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. POLUIÇÃO SONORA. IRREGULA-
RIDADE DE INTIMAÇÃO. PATROCÍNIO DA DEFENSORIA PÚBLICA. REVELIA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CONTRAVENÇÃO
PENAL. CRIME AMBIENTAL. CONSUNÇÃO. 1. Não há que se falar em cerceamento
do direito de defesa quando o réu deixa de comunicar ao juízo a mudança de endereço e não
é encontrado para ser cientificado dos atos processuais, conduzindo à decretação de revelia. 2.
O art. 399, § 2º, do CPP, apresenta caráter relativo, devendo ser analisado à luz do disposto no
art. 132 do CPC, segundo o qual, nos casos de convocação, licença, promoção ou outro motivo
que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de sentenciar o feito, os autos passarão ao
sucessor do magistrado. Precedentes do TJAP. 3. Aplica-se o princípio da consunção quando
uma infração penal é tida como o meio para a prática de crime mais grave, ficando por este
aquele primeiro absorvido. 4. No caso, a contravenção penal de perturbação do sossego (art.
42, II e III, da Lei de Contravenções Penais) deve ser absorvida pelo crime mais grave de po-
luição ambiental (art. 54, caput da Lei nº 9.605/98), já que aquela primeira corresponde à etapa
executória do crime de poluição sonora narrado na denúncia. 5. Apelo parcialmente provido.
(TJAP; APL 0006854-27.2015.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. João Lages; DJEAP 26/11/2018; p. 59)
87/66 – POLUIÇÃO. DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. DESNECESSI-
DADE DE MOTIVAÇÃO EXAURIENTE. JUSTA CAUSA VERIFICADA. LAUDO PERI-
CIAL. DESNECESSIDADE. CRIME FORMAL E DE PERIGO ABSTRATO. RECURSO
NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento
da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada
quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de
extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade
do delito. 2. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos
de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do
in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissi-
bilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente
demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 3. A decisão que recebe
a denúncia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita o pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397)
não demandam motivação profunda ou exauriente, considerando a natureza interlocutória de
tais manifestações judiciais, sob pena de indevida antecipação do juízo de mérito, que somente
poderá ser proferido após o desfecho da instrução criminal, com a devida observância das regras
processuais e das garantias da ampla defesa e do contraditório. 4. No caso em exame, o recor-
rente e sua empresa foram denunciados por terem causado poluição, em níveis tais, que possam
resultar danos à saúde humana, ao lançarem resíduos gasosos, em descordo com as exigências
estabelecidas em leis e regulamentos. A denúncia foi inicialmente recebida por não estarem
presentes os motivos previstos no art. 395 do CPP, oportunidade em que foi determinada a
citação do acusado. Após a apresentação da defesa preliminar, foi proferida decisão mantendo o
recebimento da denúncia, inexistindo qualquer vício de fundamentação que, apesar de sucinta,
afasta a hipótese de absolvição sumária e ratifica a existência de materialidade e autoria delitiva,
além de afirmar que as questões trazidas na resposta à acusação confundem com o próprio
mérito, razão pela qual devem ser debatidas após a instrução criminal. 5. Hipótese em que,
de forma sucinta, porém suficientemente fundamentada, foi afastada a absolvição sumária,
apontando a existência de provas nos autos acerca da materialidade e indícios de autoria em
desfavor do acusado, bem como que as questões trazidas na resposta à acusação confundem
com o próprio mérito, razão pela qual devem ser debatidas após a instrução criminal. 6.
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 181
termos do art. 118, § 2º, da Lei nº 7.210/84 (LEP), o condenado deve ser ouvido pessoalmente
pelo magistrado antes da regressão definitiva de regime, sendo insuficiente a apresentação de
justificação por escrito pelo advogado ou pelo próprio condenado. 3. Na espécie, o Juízo da
instância primeira e o Tribunal de origem determinaram a regressão definitiva ao regime pri-
sional anterior, sem a oitiva do sentenciado, o que caracteriza flagrante ilegalidade. 4. Habeas
corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício para anular a decisão proferida
pelo Juízo da instância primeira, no que concerne à determinação da regressão definitiva de
regime, a fim de que, quanto a esse aspecto, outra seja proferida com a observância da prévia
oitiva judicial do condenado. (STJ; HC 478.958; Proc. 2018/0302093-9; SC; 5ª T.; Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 19/12/2018; p. 4.618)
87/70 – REINCIDÊNCIA. AGRAVANTE DE PENA E CIRCUNSTÂNCIA A
BALIZAR A FIXAÇÃO DE REGIME PRISIONAL E A INCIDÊNCIA DE CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. 1. A jurisprudência da Su-
prema Corte evoluiu para, novamente, admitir a impetração de habeas corpus em substituição
a recurso ordinário constitucional (HC 152.752, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno,
DJe-127 de 27.06.2018). 2. Não configura bis in idem a valoração da reincidência tanto na 2ª
fase da dosimetria da pena como para afastar a incidência da causa de diminuição do § 4º do
art. 33 da Lei de Tóxicos (3ª fase). Precedente: RHC 121.598, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma,
DJe 21.11.2014. 3. O Plenário desta Suprema Corte, em sede de Recurso Extraordinário com
Repercussão Geral, já assentou a constitucionalidade da reincidência como agravante genérica
da pena (RE 453.000/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJe 03.10.2013), entendimento
este que produz reflexos em suas repercussões sobre a fixação do regime inicial de cumprimento
da reprimenda, a incidência de causas de diminuição e outros próprios da individualização
da pena. 4. Pedido de destaque de julgamento não acolhido. A Resolução STF nº 587/2016
faculta ao Relator submeter os agravos internos a julgamento em ambiente eletrônico, por
meio de sessões virtuais nas Turmas desta Suprema Corte. 5. Agravo regimental conhecido
e não provido. (STF; RHC-AgR 141.044; TO; 1ª T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 26/11/2018)
87/71 – REMIÇÃO. TRABALHO DIÁRIO ENTRE SEIS E OITO HORAS. CÔM-
PUTO PELO NÚMERO DE DIAS TRABALHADOS. PRECEDENTES. I – “O art. 126,
§ 1º, II, da Lei de Execução Penal é claro ao afirmar que a contagem do tempo a ser remido será
feita com base em dias, e não em horas de trabalho. Assim, se o trabalho do preso se restringir
ao lapso temporal considerado pela Lei como jornada normal (seis a oito horas diárias, art. 33),
deve ser considerado como um dia, para efeito de remição” (HC 216.815/RS, Relª Minª Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 17.10.2013). (TJMG; Ag-ExcPen 1.0301.15.000578-
5/002; 5ª C.Crim.; Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho; DJEMG 12/11/2018)
87/72 – REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I, DO CPP. AUMENTO DA PENA.
CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71, IN FINE, DO CP. TRÁFICO INTERNACIO-
NAL DE PESSOAS. ART. 231 DO CP, NA REDAÇÃO ANTERIOR AO ADVENTO DA
LEI Nº 13.344/2016. AGRAVAMENTO DA CONDIÇÃO JURÍDICA DO APENADO.
IMPOSSIBILIDADE. ART. 626, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP. I – Se o acórdão do
Tribunal considerou as circunstâncias judiciais e o número de infrações cometidas para aferir
o quantum de aumento de pena, dentro do percentual de um 1/6 e 2/3 decorrente da conti-
nuidade delitiva, em sintonia com a parte final do art. 71 do Código Penal, não há de se falar
em revisão criminal por contrariedade a dispositivo expresso de Lei, previsto no art. 621, I,
do CPP. II – Ainda que equivocadamente tenha sido concedido o benefício de substituição da
pena por restritivas de direitos, a hipótese não pode ser admitida nesta esfera procedimental
para invocar eventuais benefícios que não foram tratados na ocasião do julgamento, tampouco
pode ser objeto de revisão criminal cujo desiderato seria decotar o benefício concedido, hipó-
tese inadmissível em sede de revisão criminal que não pode ser utilizada como instrumento
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 183
para agravar a situação jurídica do apenado (art. 626, parágrafo único). III – Improcedência
do pedido revisional. (TRF 1ª R.; RVCR 0054650-70.2016.4.01.0000; RR; 2ª S.; Rel. Des. Fed.
Cândido Ribeiro; DJF1 19/12/2018)
87/73 – ROUBO CIRCUNSTANCIADO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA
PERANTE O JUÍZO DO LOCAL EM QUE OCORRERAM OS FATOS. EXISTÊNCIA DE
PRÉVIA INVESTIGAÇÃO POLICIAL NA QUAL FOI DEFERIDA A INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA DOS INVESTIGADOS. CONEXÃO INTERSUBJETIVA E INSTRU-
MENTAL. PREVENÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 78, II, C, DO CPP. PROLAÇÃO
DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE REMESSA DOS AUTOS
AO JUÍZO COMPETENTE. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. É cediço que, em
razão da ligação entre dois ou mais crimes, é conveniente a sua reunião, permitindo-se que a
autoridade judicial tenha uma ampla visão do quadro probatório, e evitando-se a prolação de
decisões contraditórias. 2. A conexão instrumental, prevista no art. 76, III, do CPP, pressupõe
que a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influencie na
comprovação de outro delito. 3. Na espécie, como visto, além de se estar diante de infrações
praticadas pelos mesmos acusados em períodos e locais diversos (inciso I do art. 76 da Lei
Penal Adjetiva), as provas colhidas perante o Juízo da 9ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia
são relevantes e influenciam, diretamente, na apuração dos roubos praticados pela organiza-
ção criminosa nas diversas cidades do interior de Goiás, tanto que, para demonstrar que o
recorrente e demais corréus participaram do delito cometido em Montes Claros de Goiás, a
autoridade policial se valeu das diligências realizadas pelo Grupo Antirroubo a Bancos, nota-
damente as interceptações judicialmente autorizadas. 4. Ao contrário do que afirmado pelas
instâncias de origem, não há se falar em prevenção diante da concorrência de dois ou mais
juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, mas sim em razão da conexão
intersubjetiva e instrumental, o que atrai a regra prevista no art. 78, II, c, do CPP. Precedentes.
5. Contudo, em consulta à página eletrônica do Tribunal de origem, constatou-se que já foi
proferida sentença condenatória na ação penal em tela, estando pendente de julgamento o
recurso de apelação interposto pela defesa, o que impede a remessa dos autos ao Juízo da 9ª
Vara Criminal da Comarca de Goiânia, nos termos do art. 82 do CPP. Doutrina. Precedentes.
6. Recurso desprovido. (STJ; RHC 87.393; Proc. 2017/0178239-4; GO; 5ª T.; Rel. Min. Jorge
Mussi; DJE 19/12/2018; p. 4.317)
87/74 – ROUBO EM CONCURSO FORMAL DE DELITOS. PLEITO DE RECO-
NHECIMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA REFERENTE À FORMA
TENTADA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APPREHENSIO OU
AMOTIO. CONSUMAÇÃO QUE OCORRE COM A SIMPLES INVERSÃO DA POSSE,
AINDA QUE A RES FURTIVA SEJA RECUPERADA EM SEGUIDA. JURISPRUDÊNCIA
DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. I – De acordo com a jurisprudência pacífica dos Tribunais
Superiores, a teoria adotada no Brasil para a consumação dos crimes contra o patrimônio é a
teoria da apprehensio ou amotio, segundo a qual o delito se consuma quando o bem é transferido
para o poder do agente, ainda que por breves instantes, sendo desnecessária a posse mansa,
pacífica ou desvigiada do objeto. II – Recurso conhecido e improvido. (TJAL; APL 0717119-
06.2017.8.02.0001; C.Crim.; Rel. Des. Sebastião Costa Filho; DJAL 17/12/2018; p. 153)
87/75 – ROUBO MAJORADO PELO USO DE ARMA DE FOGO E PELO CON-
CURSO DE PESSOAS. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA DEVIDAMENTE
COMPROVADAS. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO DE CRIMES. CIRCUNSTÂN-
CIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME VALORADAS NEGATIVAMENTE PELO
JUÍZO A QUO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍ-
NIMO LEGAL. ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA.
REDIMENSIONAMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA SANÇÃO
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
184
têm o condão de revogar a prisão cautelar, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar
a sua necessidade. 4. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a
segregação encontra-se justificada e mostra-se imprescindível para acautelar o meio social da
reprodução de fatos criminosos. 5. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (STJ; RHC
98.422; Proc. 2018/0120689-5; MG; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 19/12/2018; p. 4.339)
87/88 – TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C O
ART. 40, INCISO V, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06. APELANTE CONDENADO A 5
(CINCO) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL SEMIABERTO E AO PAGA-
MENTO DE 500 (QUINHENTOS) DIAS-MULTA. RAZÕES DO APELO. DOSIMETRIA
DA PENA. I – APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO.
DESCABIMENTO. FRAÇÃO PROPORCIONAL À QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA
APREENDIDA. II – FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL ABERTO. INVIABILIDADE.
III – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE
DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Narra a denúncia que no dia 8 de junho de 2017, por
volta das 23h, no posto da PRF 10/08, km 830, da BR 116, dentro dos limites do Município
de Vitória da Conquista/BA, policiais rodoviários federais flagraram o ora apelante transpor-
tando em ônibus intermunicipal de passageiros 59 (cinquenta e nove) tabletes da substância
de uso proscrito popularmente conhecida como maconha. 2. Considerando que o apelante
realizava o transporte de elevada quantidade de maconha – 42.960 g –, consoante se extrai do
laudo pericial de fls. 23/24, não há como aplicar o redutor no patamar máximo (2/3). Assim,
tendo sido apontadas as circunstâncias para a fixação do redutor em 1/6 (quantidade da droga:
elevada, sendo 42.960 g. Considerando que, segundo artigos publicados na rede mundial de
computadores, cada cigarro médio de maconha tem cerca de 0,5 g a 1 g da droga, o montante
apreendido em poder do acusado seria capaz de atingir um grande número de usuários de
maconha), a alteração dessa fração, por se tratar de questão afeta à atividade discricionária do
julgador, está condicionada aos casos de manifesta desproporcionalidade, o que não se verifica
na hipótese, devendo, portanto, ser mantida. 3. Registre-se que mantida a pena em 5 (cinco)
anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, não há como modificar o re-
gime inicial para o aberto, bem como substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos. 4. Parecer ministerial opinando pelo conhecimento e improvimento do apelo. Apelo
conhecido e não provido. (TJBA; AP 0505215-43.2017.8.05.0274; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Luiz
Fernando Lima; DJBA 28/11/2018; p. 714)
87/89 – TRIPLO ROUBO MAJORADO. CONCURSO DE AGENTES. EM-
PREGO DE ARMA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA. FRAGILIDADE DE PROVAS
QUANTO À AUTORIA. INVIABILIDADE DE EXAME NA VIA ELEITA. SUPERVE-
NIÊNCIA DE CONDENAÇÃO. NEGATIVA DO APELO EM LIBERDADE. MESMOS
FUNDAMENTOS DO DECRETO PREVENTIVO. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDA-
DE. CONSTRIÇÃO CORPORAL FUNDADA NO ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA
ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA.
CUSTÓDIA FUNDAMENTADA E NECESSÁRIA. MODO INICIAL SEMIABERTO
IMPOSTO NA CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO DE RE-
GIME. COAÇÃO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADA. RECLAMO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Para a decretação da prisão preventiva exige-se apenas materialidade e indícios suficientes
de autoria. A tese de fragilidade das provas quanto à imputação criminosa é questão que não
pode ser dirimida na via sumária do habeas corpus, por demandar o reexame aprofundado dos
elementos coletados no curso da instrução criminal, devendo ser solucionada no Juízo próprio.
2. O advento de sentença condenatória não enseja a prejudicialidade do reclamo, no ponto
relacionado à fundamentação da prisão preventiva, quando os fundamentos que levaram à
manutenção do Decreto foram os mesmos apontados por ocasião da decisão primeva. 3. Não
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 189
há constrangimento ilegal quando a custódia cautelar está devidamente justificada nos termos
do art. 312 do CPP, notadamente na garantia da ordem pública, em razão da periculosidade do
agente evidenciada pelas circunstâncias em que cometido o delito. 4. Caso em que o acusado,
em comparsaria e mediante grave ameaça exercida com arma de fogo, subtraiu os veículos e
objetos pessoais das vítimas, em local público (na saída de uma boate), evidenciando ousadia
e maior periculosidade, mostrando que a prisão é mesmo devida para o fim de acautelar o
meio social e evitar a reprodução de fatos criminosos de igual natureza e gravidade, risco que
se pode afirmar concreto, diante do modus operandi empregado. 5. Além do mais, a orientação
pacificada nesta Corte Superior é no sentido de que não há lógica em deferir ao condenado
o direito de recorrer solto quando permaneceu segregado durante a persecução criminal,
se persistentes os motivos para a preventiva. 6. Concluindo-se pela imprescindibilidade da
preventiva, fica clara a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, cuja aplicação
não se mostraria adequada para a preservação da ordem pública. 6. Firmada a culpabilidade do
réu e proferida sentença condenatória, impondo-lhe reprimenda a ser cumprida em regime
semiaberto, mostra-se a prisão cautelar desproporcional. 7. Recurso ordinário em habeas corpus
parcialmente conhecido e, na extensão, desprovido. Ordem concedida de ofício determinando
que o recorrente aguarde em regime semiaberto o esgotamento da jurisdição ordinária. (STJ;
RHC 99.342; Proc. 2018/0144668-3; RJ; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 19/12/2018; p. 4.343)
87/90 – UNIFICAÇÃO DE PENAS. CONVERSÃO DE RESTRITIVAS DE DIREITO
EM PRIVATIVA DE LIBERDADE, OBSERVADO O REGIME FECHADO. Possibilidade.
Incompatibilidade no cumprimento simultâneo da física e da alternativa. Inteligência dos arts. 111
e 181 da LEP. Precedentes. Recurso desprovido. (TJSP; AG-ExPen 7000408-96.2018.8.26.0079;
Ac. 12095206; 4ª C.D.Crim.; Rel. Des. Ivan Sartori; DJESP 19/12/2018; p. 3.723)
87/91 – USO DE DOCUMENTO FALSO. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU POR ERRO
DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Provas dos autos suficientes a demonstrar que o
apelante fez uso de atestados médicos cujas falsidades conhecia, não havendo o que se falar
em erro de proibição. Dolo evidenciado. Condenação mantida. Recurso parcialmente provido,
para, por emendatio libelli, desclassificar a conduta do acusado para aquela prevista no art. 304
c/c o art. 298, ambos do Código Penal, reduzindo-se as penas e substituindo a pena privativa
de liberdade por apenas uma restritiva de direito. (TJSP; APL 0038739-15.2012.8.26.0554; Ac.
12081662; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Luis Augusto de Sampaio Arruda; DJESP 20/12/2018; p. 714)
87/92 – VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR. ART. 175, CAPUT, DO CÓDIGO
PENAL MILITAR. ACERVO PROBATÓRIO ROBUSTO. INEXISTÊNCIA DE JUSTI-
FICANTES E EXCULPANTES. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.
DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE. CONDENAÇÃO MANTIDA. ADEQUAÇÃO DA
DOSIMETRIA. I – Não cabe nesta esfera penal à análise do comportamento desclassificado
para transgressão disciplinar, pois não houve a condenação do Réu e inexiste Recurso do
Ministério Público Militar. II – Perfeitamente adequada à criminalização da conduta daquele
que dolosamente excede no seu poder disciplinar e malfere os postulados constitucionais da
hierarquia e da disciplina, maculando a regularidade das instituições militares e afrontando a
dignidade do subordinado. III – A doutrina é uníssona quanto ao momento de consumação
do delito: ocorre quando o autor atinge o subordinado fisicamente, ainda que não seja afetada
a sua integridade física. IV – Do harmônico acervo probatório conclui-se que houve contato
físico violento entre o acusado e a vítima, da mesma forma, clara é a autoria da conduta dolosa
representada no ato de desferir golpe com o joelho no rosto do Ofendido. V – Em que pese a
bem fundamentada dosimetria, a pena aplicada merece adequação. VI – Recurso parcialmente
provido. Decisão unânime. (STM; APL 7000152-09.2018.7.00.0000; Rel. Min. Péricles Aurélio
Lima de Queiroz; DJSTM 18/12/2018; p. 9)
Sinopse Legislativa
* Nota: íntegras das normas disponíveis em nosso endereço eletrônico, no link dedicado a esta publicação.
Destaques do Volume nº 86
– O Papel do Juiz na Homologação do Acordo de Colaboração Premiada
por Fabiano Augusto Martins Silveira, Mestre e Doutor
– A Verdade no Processo Penal
por Octahydes Ballan Junior, Promotor de Justiça e Mestre
– A Sentença no Projeto de Código de Processo Penal
por Sergio Demoro Hamilton, Procurador de Justiça e Professor
– A Confissão Qualificada e seus Desdobramentos na Legislação Brasileira
por Rafael Simonetti, Promotor de Justiça, e Priscila Gonçalves, Assessora de Promotoria
– Prova por Videoconferência no Processo Penal
por José Antonio Remedio, Professor e Doutor, e Marcelo Rodrigues da Silva, Especialista e Mestre
– Homicídio no Trânsito: Acerca da Divergência entre Dolo Eventual e Culpa (In)Consciente por
Ocasião do Habeas Corpus 124.687 do Supremo Tribunal Federal
por Felinto Alves Martins Filho, Advogado e Especialista, e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima,
Doutor e Pós-Doutor
Destaques do Volume nº 85
– Três Recursos do Processo Penal e as Possíveis Influências Advindas com o CPC de 2015
por Marcellus Polastri Lima, Mestre e Doutor
– A Teoria do Precedente Judicial e sua Aplicação ao Processo Penal
por Fabiano Pimentel, Professor e Doutor
– O Sigilo Processual como Limitação à Publicidade Externa do Processo Penal Tanto para Pessoas
Públicas como para Pessoas Anônimas
por Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Doutor e Pós-Doutor, e Caio Cesar Tomioto
Mendes, Especialista
– Direito e Moral: uma Reflexão acerca da Moralidade na Interpretação e Aplicação do Código Penal
Brasileiro
por Thiago Fabres de Carvalho, Mestre e Doutor, e Igor Luz Carminat, Bacharelando em Direito
– O Psicopata e o Direito Penal: os Questionamentos na Política Criminal Brasileira Quanto à
Aplicação, Redução da Pena e Imputabilidade
por Jefferson Calili Ribeiro, Advogado e Mestre, e Viviane Andrade Mendes Vasconcelos, Bacharela
em Direito
– Inexigibilidade de Conduta Diversa como Causa Legal de Exclusão da Culpabilidade no Excesso de
Legítima Defesa em Decorrência do Medo
por Luciano Iob, Advogado e Especialista
– A Projeção da Violência Urbana no Mapa das Crises de Governança no Contexto do Brasil e da
América Latina
por Silvio César Arouck Gemaque, Mestre e Doutor
A ADULTERAÇÃO DE SINAL
IDENTIFICADOR DE VEÍCULO
A EMENDA CONSTITUCIONAL AUTOMOTOR
Nº 45/2004 E O DIREITO
- Apelante proprietário do veículo que afirma
FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL que um de seus funcionários poderia ter feito
DURAÇÃO DO PROCESSO PENAL a adulteração para evitar o rodízio municipal.
- Artigo de Álvaro Gonçalves Antunes Tipicidade do crime mesmo quando a altera-
Andreucci e Cristian Lima dos Santos ção se dá com fita adesiva. TJSP (Em. 87/7). 162
Louback.......................................................... 21
ÁLVARO GONÇALVES ANTUNES
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ANDREUCCI E CRISTIAN LIMA DOS
CESSA NO SEGUNDO GRAU DA SANTOS LOUBACK
JURISDIÇÃO? - Artigo: “A Emenda Constitucional nº 45/2004
- Artigo de Fernando da Costa Tourinho e o Direito Fundamental à Razoável Duração
Filho................................................................ 60 do Processo Penal”......................................... 21
CONSUNÇÃO
CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA
- Ofensas proferidas em entrevista radiofônica - Perturbação do sossego. Poluição sonora. No
por parlamentar federal. Calúnia. Ausência de caso, a contravenção penal de perturbação
narrativa fática específica. Difamação. Injúria. do sossego (art. 42, II e III, da LCP) deve ser
Ofensas genéricas. Atipicidade. Crimes não absorvida pelo crime mais grave de poluição
caracterizados. Rejeição de queixa-crime ambiental (art. 54, caput da Lei 9.605/98), já
por decisão monocrática. Possibilidade. STF que aquela primeira corresponde à etapa exe-
(Em. 87/29)..................................................... 168 cutória do crime de poluição sonora narrado
na denúncia. TJAP (Em. 87/65).................... 180
COMPETÊNCIA
- Crime militar. Art. 240 do CPM. Preliminar CONTRABANDO
de incompetência da JMU para julgamento - Cigarros de origem paraguaia. Inaplicabilida-
de civil rejeitada. STM (Em. 87/46).............. 174 de do princípio da insignificância. Rejeição da
- Crime militar. Lei 13.491/2017. Não há que denúncia. Impossibilidade. TRF 1ª R. (Em.
se falar em novatio legis in mellius, uma vez que 87/23).............................................................. 166
se trata da prevalência da legislação especial
- Máquinas eletrônicas programáveis. Mate-
(art. 290 do CPM) sobre a geral (Lei de
Drogas). STM (Em. 87/28)........................... 167 rialidade e autoria. Comprovação. Princípio
da insignificância. Não aplicação. Perícia
- Falsidade ideológica eleitoral. Competência indireta. Validade. TRF 2ª R. (Em. 87/22).... 165
para investigação e julgamento. Questão de
ordem na AP 937/RJ. Declinação da compe- CONTRIBUIÇÕES DA
tência do STF. Remessa à Justiça Eleitoral. FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE
STF (Em. 87/44)............................................ 173 WITTGENSTEIN NA DOGMÁTICA
CONCUSSÃO PENAL: UM DIAGNÓSTICO DO
DOLO
- Crime militar. Exigência de vantagem
indevida a recrutas. Condenação. Reconhe- - Artigo de Ana Carla Pinheiro Freitas, Edu-
cimento da continuidade delitiva. Art. 71 ardo Rocha Dias e Érica Montenegro Alves
do CPB. Pena aumentada em 1/3 em razão Barroso............................................................ 85
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Índice Alfabético
194
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA P
- Ato infracional análogo a homicídio qualifi-
cado. Excesso de legítima defesa. Atenuante PECULATO
prevista no art. 65, III, c, e art 121, § 1º,
- Pena. Conversão da privativa de liberdade
ambos do CP. Inaplicabilidade. Animus ne-
em restritiva de direitos. Impossibilidade.
candi demonstrado. Redução da reavaliação
Apropriação de 2 laptops pertencentes ao
da medida para trimestral. Impossibilidade.
quartel, que estavam em sua posse, acautela-
TJAC (Em. 87/18).......................................... 164
dos, a fim de desviá-los em benefício próprio,
- Ato infracional análogo ao crime de roubo permutando os equipamentos numa casa de
majorado pelo emprego de arma e concurso penhores pela importância de R$ 1.300,00.
de pessoas. Art. 157, § 2º, I e II, do CP. Ra- STM (Em. 87/61)........................................... 178
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Índice Alfabético
198
- Regime prisional. Fundamentação idônea. fatos. Fica mantido o regime inicial fechado
Execução provisória da pena. Possibilidade. para o cumprimento da pena carcerária. TJRS
STF (Em. 87/62)............................................ 179 (Em. 87/41)..................................................... 172