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ISSN 1807-3395

Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XV – Nº 87
Dez-Jan 2019

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal – nº 38/2007
Superior Tribunal de Justiça – nº 58/2006

Classificação Qualis/Capes: B1

Editores
Fábio Paixão
Walter Diab

Coordenador
Aury Lopes Júnior

Conselho Científico
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Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva

Conselho Editorial
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Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Geraldo Batista de Siqueira (in memoriam)
Haroldo Caetano da Silva – José Carlos Teixeira Giorgis – Luiz Flávio Gomes
Marcelo Roberto Ribeiro – Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti
Roberto Victor Pereira Ribeiro – Rômulo de Andrade Moreira – Ronaldo Batista Pinto
Sergio Demoro Hamilton – Umberto Luiz Borges D’Urso

Colaboradores deste Volume


Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci – Ana Carla Pinheiro Freitas
Cristian Lima dos Santos Louback – Eduardo Rocha Dias
Érica Montenegro Alves Barroso – Fernando Tourinho Filho
Francisco Vieira Lima Neto – Gisele Leite – Marcellus Polastri Lima
Thaís Milani Del Pupo
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal


v. 1 (ago./set. 2004)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2004-
Bimestral. Coordenação: Aury Lopes Júnior.
v. 87 (dez./jan. 2019)
ISSN 1807-3395

1. Direito Penal – Periódico. 2. Direito Processual Penal


– Periódico.

CDU 343(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos S. Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

LexMagister
Diretor Executivo: Fábio Paixão

Rua 18 de Novembro, 423 Porto Alegre – RS – 90.240-040


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Serviço de Atendimento – (51) 3237.4243
Sumário
Doutrina
1. O Acordo de Não Persecução Penal no Processo Penal Brasileiro
Marcellus Polastri Lima.............................................................................................. 5
2. A Emenda Constitucional nº 45/2004 e o Direito Fundamental à
Razoável Duração do Processo Penal
Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci e Cristian Lima dos Santos Louback................. 21
3. Considerações sobre os Requisitos para Prisão Preventiva
Gisele Leite.............................................................................................................. 48
4. A Presunção de Inocência Cessa no Segundo Grau da Jurisdição?
Fernando Tourinho Filho.......................................................................................... 60
5. Notas sobre o Habeas Corpus Coletivo: uma Análise a Partir do HC
143.641/SP e do Microssistema do Processo Coletivo
Francisco Vieira Lima Neto e Thaís Milani Del Pupo............................................... 69
6. Contribuições da Filosofia da Linguagem de Wittgenstein na Dogmática
Penal: um Diagnóstico do Dolo
Ana Carla Pinheiro Freitas, Eduardo Rocha Dias e Érica Montenegro Alves Barroso... 85

Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Embriaguez ao Volante. Homicídio.
Acidente de Trânsito. Desclassificação. Nulidade da Pronúncia. Ausência
de Ilegalidade ou Abuso de Poder
Red. p/ o Ac. Min. Luís Roberto Barroso................................................................. 103
2. Superior Tribunal de Justiça – Pena. Furto Qualificado. Regime Prisional.
Réu Reincidente. Circunstâncias Judiciais Favoráveis. Pena Definitiva
Inferior a 4 Anos de Reclusão. Regime Inicial Semiaberto
Rel. Min. Joel Ilan Paciornik.................................................................................. 109
3. Superior Tribunal de Justiça – Estupro de Vulnerável. Prisão em
Flagrante Convertida em Preventiva. Condenação. Negativa do Apelo
em Liberdade. Alegada Inidoneidade da Fundamentação do Decreto
Preventivo. Configuração
Rel. Min. Jorge Mussi............................................................................................ 117
4. Superior Tribunal de Justiça – Sonegação Fiscal. Mero Inadimplemento.
Não Ocorrência. Operações Próprias. Tipicidade. Sócios
Administradores Exclusivos. Ausência de Individualização das Condutas.
Possibilidade. Nexo Causal Delineado
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca.................................................................... 126
5. Tribunal de Justiça de Alagoas – Atentado Contra o Funcionamento de
Serviço de Utilidade Pública. Conduta Praticada pelo Agente que se
Amolda à Espécie Delitiva Prevista no Art. 265 do CP
Rel. Des. Sebastião Costa Filho.............................................................................. 135
6. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Saída Temporária. Impossibilidade.
Regime Aberto. Ausência de Previsão. Art. 122 da LEP
Relª Desª Márcia Milanez...................................................................................... 141
7. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Pena. Roubo Majorado.
Emprego de Arma Branca. Alteração Legislativa. Inconstitucionalidade
do Art. 4º da Lei nº 13.654/2018. Inconstitucionalidade Formal
Relª Desª Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak........................................................ 147
8. Tribunal de Justiça de São Paulo – Furto. Violação de Domicílio. Maus-
Tratos de Animal Doméstico. Prova Robusta a Admitir a Condenação do
Réu. Pena e Regime Prisional Fixados com Critério
Rel. Des. Ricardo Sale Júnior.................................................................................. 155
9. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 161
10. Ementário............................................................................................................ 162
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 190
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 191
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 192
Doutrina

O Acordo de Não Persecução Penal no


Processo Penal Brasileiro
Marcellus Polastri Lima
Doutor e Mestre em Direito pela UFMG – ênfase em
Processo Penal; Professor-Doutor (Associado) da Graduação
e do Mestrado da UFES – Universidade Federal do Espírito
Santo; Professor da Pós-Graduação em Ciências Penais do
IEP-MPRJ; Professor Emérito da Fundação Escola do MPRJ;
Pesquisador Visitante em Processo Penal Comparado no
Instituto de Ciências Criminais do Departamento de Direito
Penal Estrangeiro e Internacional na Georg-August Universität
de Göttingen-Alemanha; Membro do Instituto Brasileiro de
Direito Processual (IBDP); Procurador de Justiça.

RESUMO: O CNMP, através de Resoluções (181/2017 e 183/2018), estabeleceu


normas que criam o chamado “acordo de não persecução penal”, o que, em suma,
procuram trazer o princípio da oportunidade na ação penal pública para o processo
penal brasileiro. O artigo examina a inovação, especialmente no que se refere a sua
constitucionalidade e compatibilidade com o Código de Processo Penal.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Penal. Constituição Federal. Não Persecução. Có-


digo de Processo Penal. Princípio da Oportunidade. Princípio da Obrigatoriedade.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Tentativa de se Adotar, por Resolução, o Princípio


da Oportunidade no Processo Penal Brasileiro. 3 Da Dupla Inconstitucionali-
dade: Formal e Ofensa ao Devido Processo Legal. 4 Ofensa à Lei Ordinária. 5 A
Impossibilidade de Celebração do Acordo na Audiência de Custódia. 6 A Ques-
tão da Ação Penal Privada Subsidiária da Pública. 7 Conclusão. 8 Bibliografia.

1 Introdução
A Resolução nº 181/2017 do CNMP procura criar no Brasil o chamado
acordo de não persecução penal, que nada mais é do que uma espécie de “tran-
sação penal” a ser firmada pelo Ministério Público, em crimes de ação penal
pública, com o agente autor da infração penal. Sem dúvida esse acordo se
traduz em uma mitigação do princípio da obrigatoriedade, regra que impera
no processo penal brasileiro1.

1 Anteriormente já tínhamos a transação penal da Lei nº 9.099/95, mas, entretanto, ali não se tem a adoção do princípio
da oportunidade, pois existe o início de procedimento judicial, mesmo que seja um procedimento próprio e especial,
já que não se inicia com a denúncia e seu recebimento, e sim com a abertura de uma audiência onde o Ministério
Público pode propor a transação penal e, se aceita, há a homologação judicial e o agente cumpre a medida acordada.
Assim, nesta hipótese, há uma adoção do princípio da disponibilidade e não o da oportunidade.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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A regulamentação do CNMP tinha como objetivo principal a neces-


sidade de se regular a investigação penal pelo Ministério Público, o que era
necessário e até premente, mesmo porque a decisão do Pleno STF2, que
reconheceu o poder investigatório do Parquet, determinou expressamente a
necessidade de sua regulamentação. Mas, de forma surpreendente, o CNMP
acabou por inserir na resolução um instituto que não tem relação com o pro-
cedimento da investigação criminal, pois sua finalidade é de abortar a própria
instauração da ação penal, pois possibilita que o Ministério Público deixe de
oferecer a devida ação penal pública, desde que seja firmado um acordo, na
forma que foi regrado na Resolução, com o agente autor da infração penal.
O chamado acordo de não persecução penal encontrou forte oposição até
entre alguns dos Ministérios Públicos estaduais, sendo que os do Rio de Janeiro
e de Minas Gerais chegaram a recomendar a seus membros que se abstivessem
de firmá-lo, e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios foi até mais
longe, pois orientou seus membros que não aplicassem toda a Resolução nº
181/2017, até que se desse a regulamentação do procedimento investigatório cri-
minal pelo Conselho Superior daquele Ministério Público. Mas, esses estados da
federação acabaram recuando, em vista de liminar que o próprio CNMP deferiu,
por provocação de membros do Ministério Público do Ceará, que adentraram
com medida denominada de “Reclamação para Preservação da Competência
e da Autoridade das Decisões do Conselho” e, ao decidir dito procedimento,
o CNMP determinou, liminarmente, o cumprimento imediato da Resolução
nº 181/20173 pelos Ministérios Públicos de todo o Brasil.
E, ainda, a Resolução nº 181/2017, no ponto que criou o instituto da
não persecução penal, foi impugnada por duas Ações Diretas de Inconstitu-
cionalidade (ADI 5.790, da AMB e a ADI 5.793, da OAB), de molde que o
Supremo Tribunal Federal ainda irá deliberar sobre a (in)constitucionalidade
desse instituto.
O presente artigo, assim, procurar examinar o novo instituto e examinar
a adequação constitucional e infraconstitucional do mesmo.

2 O Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade
própria, investigações de natureza penal e fixou os parâmetros da atuação do MP, tendo o Plenário da Corte negado
provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 593.727, com repercussão geral reconhecida e, “entre os requisitos”
para que se desse a investigação pelo Parquet, os ministros frisaram que deveriam ser respeitados, em todos os casos,
os direitos e garantias fundamentais dos investigados e que os atos investigatórios – necessariamente documentados
e praticados por membros do MP – deveriam observar as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, bem
como as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados, como o acesso aos elementos de prova que digam
respeito ao direito de defesa. Destacaram ainda a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos. Foi
destacado, ainda, que deveria a matéria ser regulamentada por lei o mais rápido possível e, enquanto isso não ocorresse, se aplicariam
as normas já existentes no CPP sobre o inquérito policial à investigação ministerial.
3 Conselho Nacional do Ministério Público. Reclamação para Preservação da Competência e da Autoridade das
Decisões do Conselho. Decisão Liminar, Brasília, 2 de outubro de 2017. Disponível em: <https://diarioeletronico.
cnmp.mp.br/apex/EDIARIO.view_caderno?p_id=2964>. Acesso em: 5 dez. 2017.
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2 A Tentativa de se Adotar, por Resolução, o Princípio da


Oportunidade no Processo Penal Brasileiro
Resumidamente, as justificativas do CNM para a criação do acordo de
não persecução seriam: 1) a celeridade na resolução de crimes sem violência
ou grave ameaça, deixando para a via do processo penal somente hipóteses
mais graves; 2) a economia dos recursos públicos; 3) a redução dos efeitos
maléficos de uma condenação em crimes de médio potencial ofensivo; 4)
embasamento constitucional no princípio da eficiência (art. 137 da CF).
Segundo o art. 18 da original Resolução nº 1814, cumpridas as condições
acordadas entre o Ministério Público e o agente infrator, se daria a promoção
do arquivamento do procedimento de investigação criminal, na forma de seu
art. 19, com alteração posterior efetuada pela Resolução nº 183/20185.
Inicialmente, criou-se, na Resolução nº 181/2017, uma forma de ser
exercido o princípio da oportunidade pelo Ministério Público no Brasil, já
que dá poderes ao membro do Parquet de avaliar a abstenção de propositura
da persecução penal, através da denúncia que instauraria o processo penal
nos casos de crimes que não tenham sido cometidos mediante violência ou
grave ameaça, propondo ao investigado um acordo de não persecução penal,
desde que esse confessasse, detalhadamente, a prática do delito e concordasse
em cumprir os requisitos dispostos no então art. 18 da Resolução, de forma
cumulativa ou não, a critério do Ministério Público.
Assim, a redação inicial do instituto era claramente inadequada, o que
gerava descontentamento no seio do Parquet, porque permitia o acordo em qualquer
crime que não fosse praticado mediante violência ou grave ameaça, independente de sua
gravidade e da sua pena em abstrato, só ficando impedido o acordo, segundo o §

4 “Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não per-
secução penal, quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência
ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática, mediante as
seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo
impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público
como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por
período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado
pelo Ministério Público; IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal,
a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada
preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos
aparentemente lesados pelo delito; V – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que pro-
porcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.”
5 “Art. 19. Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento investigatório criminal se convencer da
inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública, nos termos do art. 17, promoverá o arquivamento
dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente. (...) § 2º Na hipótese de arquivamento do
procedimento investigatório criminal, ou do inquérito policial, quando amparado em acordo de não persecução penal, nos
termos do artigo anterior, a promoção de arquivamento será necessariamente apresentada ao juízo competente, nos moldes do art. 28
do Código de Processo Penal.”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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1º da então redação do art. 18, de outubro de 2017, quando fosse o caso de


um dos seguintes empecilhos:

“I – for cabível a transação penal, nos termos da lei;

II – o dano causado for superior a vinte salários mínimos ou a parâmetro


diverso definido pelo respectivo órgão de coordenação;

III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76,


§ 2º, da Lei nº 9.099/95;

IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição


da pretensão punitiva estatal.”

Portanto, chegava-se ao absurdo de ser possível o acordo em crimes hediondos


ou equiparados, desde que não fossem praticados mediante violência ou grave
ameaça, como pode ocorrer em modalidades do crime de tráfico de entor-
pecente.
Ocorre que, em 30 de janeiro de 20186, dada insurgência da maior parte
da comunidade jurídica e às arguições de inconstitucionalidade interpostas, o
CNMP fez uma reforma na Resolução nº 181/2017, com a clara intenção de
mitigar a oposição gerada contra o instituto da não persecução penal e acresceu
outros óbices à realização do acordo de não persecução, verbis:

“Art. 181. (...)

V – o delito for hediondo ou equiparado e nos casos de incidência da Lei


nº 11.340, de 7 de agosto de 2006;

VI – a celebração do acordo não atender ao que seja necessário e suficiente


para a reprovação e prevenção do crime.”

Assim, procurou a Resolução nº 183/2018, em um critério objetivo,


vedar a possibilidade de se aplicar o acordo de não persecução para os crimes
hediondos e equiparados, bem como nos crimes de violência doméstica e,
ainda, adotando uma margem subjetiva e discricionária, na apreciação de cada
caso concreto, quando, na visão do representante do Ministério Público, o
acordo “não atendesse ao que fosse necessário e suficiente para a reprovação
e prevenção do crime” (inciso VI do art. 18).
Da forma que acabou sendo regulado o instituto da não persecução penal,
depois das alterações procedidas pela Resolução nº 183/2018, o acordo pode ser

6 DIÁRIO ELETRÔNICO DO CNMP. Edição n. 19, disponibilização: 29.01.2018, publicação: 30.01.2018.


Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 9

feito tanto na investigação própria do Ministério Público (PIC), como naquela


iniciada através de inquérito policial, no momento em que o Parquet o receba
da polícia judiciária ou mesmo do cartório judicial para o qual foi distribuído.
Aqui se vê que a ambição da regulamentação foi a de realmente implantar o
princípio da oportunidade no processo penal brasileiro, já que ultrapassa o
objetivo de somente regular o procedimento investigatório criminal ministerial
para abarcar, inclusive, modificação no próprio inquérito policial que tem sua
regulamentação em lei federal, ou seja, no Código de Processo Penal.

3 Da Dupla Inconstitucionalidade: Formal e Ofensa ao Devido


Processo Legal
O certo é que, desde a redação original da Resolução nº 181/2017, se
tornava evidente a incompatibilidade do meio escolhido para se criar o novo
instituto, pois era previsto em uma resolução e não em lei uma federal, o que se constitui
em clara inconstitucionalidade formal, consoante se vê do art. 22, I, da CF:

“Art. 22. Compete privativamente à União, legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,


aeronáutico, espacial e do trabalho”

Assim, a matéria não poderia ser tratada por Resolução do CNMP, uma
vez que, assim o fazendo, se incidiu em inconstitucionalidade formal, pois
só poderia ser regulada por lei federal, por se tratar de alterações de normas
de processo penal, sendo inquestionável o atentado ao art. 22, I, da CF, pois
a competência para se legislar na espécie seria do Parlamento, com sanção ou
veto do Poder Executivo. Existe assim, com tal previsão por via administrativa,
um problema de ordem formal-constitucional, que será objeto de apreciação
pelo STF.
Assevere-se que o art. 24, XI, da CF diz que pode haver competência
concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre
procedimentos em matéria processual. Porém, o CNMP, como se vê do art.
130-A da mesma Constituição, quando dispõe sobre os poderes atribuídos ao
Conselho Nacional do Ministério Público, não tem legitimidade para legislar
em matéria processual ou mesmo procedimento penal. O CNMP não tem
função legislativa, mas tão somente regulamentar.
Mas, outro grande problema do acordo de não persecução penal e de
seu cumprimento, desde a forma que foi previsto na redação original da Re-
solução nº 181/217, era o de que a avença não seria submetida à homologação
pelo judiciário, cabendo a sua aplicação e controle e, inclusive, a posterior
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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fiscalização do cumprimento das condições impostas ao acordante, autor da


infração penal, ao próprio Ministério Público, só intervindo na formalização
do mesmo, além do Parquet, o investigado e seu advogado. Em suma, seria um
acordo administrativo, levado a efeito sem um procedimento judicial e sem a homologação
pelo juiz, o que levava a outra inconstitucionalidade: haveria uma aplicação e o cumpri-
mento de uma pena restritiva de direito sem o devido processo legal.
Com a mudança na Resolução nº 181/2017 operada pela Resolução nº
183/2018, procurou-se aperfeiçoar o sistema neste ponto, mas, entretanto,
não se conseguiu o intento, pois a reforma realizada acabou dispondo não
sobre a exigência de homologação do acordo pelo juiz, como seria o correto,
mas sobre um estranho sistema no qual, uma vez feito o acordo, este será
submetido à “apreciação judicial” (§ 4º do art. 18 da Resolução nº 181/2017
modificado pela Resolução nº 183/2018) e se o “juiz considerar o acordo ca-
bível e as condições adequadas e suficientes, devolverá os autos ao Ministério
Público para sua implementação” (§ 5º). Assim, o juiz somente faz uma análise
do acordo, previamente, ou seja, antes do início de seu cumprimento, mas a efetivação
do mesmo e o acompanhamento do cumprimento das condições acordadas continuam
se dando internamente no Ministério Público, não havendo um procedimento judicial
próprio. Por outro lado, se o juiz considerar incabível o acordo, bem como
inadequadas ou insuficientes as condições que foram previamente acordadas,
fará a remessa dos autos ao procurador-geral ou órgão superior interno do
Ministério Público responsável por sua apreciação, “nos termos do art. 28
do CPP” e, se o Parquet entender em fazer o acordo mesmo assim (ou seja,
mesmo sem o “assentimento”7 do juiz) este será feito e, depois de cumpridas
as condições pelo autor da infração penal, conforme prevê a Resolução nº
181/2017, será promovido o arquivamento dos autos. Em outras palavras, o
que se estabeleceu foi uma mera aplicação de um “modelo de fiscalização do
acordo”, tal como se dá com o arquivamento, e não sua homologação pelo juiz,
como deveria ser, e, efetivado o acordo e cumpridas as condições daquilo que
foi acordado no seio do próprio Ministério Público, aí sim, seria promovido
o arquivamento. Portanto, a reforma da Resolução nº 181/2017 manteve o acordo e
seu cumprimento na esfera interna do Parquet, continuando a inexistir o devido processo
legal e o cumprimento da pena restritiva de direito fixada administrativamente e, portanto,
não se sanou o vício de inconstitucionalidade.
É tão estranha a modalidade criada pela Resolução nº 181/2017, após a
alteração feita pela Resolução nº 183/2018, que o juiz fará uma primeira fisca-
lização para aferir se o acordo foi ou não feito adequadamente, em um novo

7 Sim, mero “assentimento”, pois não se pode equiparar a mera apreciação do acordo pelo juiz, na forma prevista na
Resolução nº 181/2017, como uma forma de “homologação” judicial. A homologação pressupõe um procedimento
judicial, e isso não existirá.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 11

tipo de fiscalização anômala (sim, anômala porque não é feita no exercício de


função tipicamente judicial, pois o magistrado pode até exarar ato de juiz, mas
sem caráter jurisdicional)8 e, mesmo o magistrado não concordando com o
acordo, este, caso assim entenda a Chefia do Ministério Público, poderá ser
feito e cumpridas as condições de forma administrativa no âmbito interno da
própria Instituição e, depois de cumpridas as condições, o Parquet promoverá o
arquivamento, ou seja, incoerentemente se dará novamente uma fiscalização
pelo juiz (na forma agora diretamente do art. 28 do CPP, e não por analogia,
como faz na primeira apreciação9) e, não sendo deferido o arquivamento pelo juiz,
os autos serão enviados novamente ao Ministério Público que, insistindo no arquiva-
mento, esse se dará obrigatoriamente. Ou seja: o magistrado faria duas fiscalizações
anômalas, a primeira para averiguar se a aplicação da oportunidade regrada
na resolução foi feita adequadamente pelo Parquet e a segunda que, quando
do arquivamento, que deveria ser uma fiscalização do princípio da obrigato-
riedade, na verdade, não o será (já que o acordo já foi feito e cumprido com base no
princípio da oportunidade e não da obrigatoriedade). Ao juiz só caberá se insurgir
novamente contra o arquivamento, pois se o chefe do Ministério Público não
acatar as razões exaradas pelo magistrado, manterá o arquivamento dos autos
em que houve o acordo (ou da aplicação do princípio da oportunidade). Ou
seja, sempre ficará a critério exclusivo do Ministério Público a aplicação do
acordo e do princípio da oportunidade, e isso, frise-se, sem qualquer amparo
em lei federal, que, ao contrário, adota o princípio da obrigatoriedade10, sendo
o art. 28 do CPP uma clara demonstração disso. Em outras palavras, a resolução se
utiliza do art. 28 do CPP, que é uma forma de controle da obrigatoriedade por parte do
juiz, para transformá-lo em forma de controle da oportunidade, sendo que, na primeira
vez, utilizando-se de analogia incabível e sem fundamento em lei e, na segunda vez,
impondo ao juiz que se manifeste em procedimento regulado no CPP (a fiscalização do
arquivamento), mas com a finalidade diversa do propósito para o qual foi criado por lei
(ou seja, para fins de assegurar a obrigatoriedade).
Patente a falta de um devido processo legal, com todo o complexo de
garantias que deste princípio deflui e com previsão na CF. Portanto, para que

8 A própria intervenção do juiz no procedimento do arquivamento do inquérito policial é considerada administrativa,


apesar de ser ato de juiz, pois ainda não há processo e jurisdição. Age, como se diz na doutrina, como “um fiscal
anômalo do princípio da obrigatoriedade”. Daí não haver recurso e a decisão não fazer coisa julgada.
9 Cria-se, assim, uma primeira fiscalização anômala, desta feita do princípio da oportunidade, para depois, ao examinar
o arquivamento, no qual o juiz, que deveria fazer um exame do princípio da obrigatoriedade (criado pelo CPP no
art. 28), não o fará, pois a oportunidade já foi exercida. Verdadeiro contra senso.
10 Apesar do CPP não dizer expressamente que adota o princípio da obrigatoriedade, toda a doutrina entende que o
art. 24, ao dispor que nos crimes de ação penal pública, esta “será promovida” pelo Ministério Público, indica um
imperativo, ou seja, uma obrigatoriedade, caso evidentemente se estiverem presentes as condições e pressupostos
processuais e não seja caso de arquivamento. Isso é reforçado pelo art. 42 do CPP, que diz que “o Ministério Público
não pode desistir da ação penal”, o chamado princípio da indisponibilidade que é considerado corolário do princípio
da obrigatoriedade.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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se dê o chamado acordo de não persecução penal, o correto seria a criação de


um procedimento judicial próprio, no qual o acordo seria submetido a uma
homologação judicial e, depois de cumpridas as condições pelo acordante, o
juiz extinguiria a punibilidade. Esse sim seria o sistema adequado, mas, de
qualquer forma, repita-se, isso deveria ser previsto em lei federal.
Porém, ao invés de se submeter o acordo ao juiz para a homologação,
na reforma operada na Resolução nº 181/2017 pela Resolução nº 183/2018, se
procurou dar um tratamento idêntico ao arquivamento, pois diz a resolução
que se o juiz considerar incabível o acordo, poderá o procurador-geral ou
órgão superior interno, adotar as seguintes providências:

“Art. 18. (...)

§ 6º Se o juiz considerar incabível o acordo, bem como inadequadas ou


insuficientes as condições celebradas, fará a remessa dos autos ao procu-
rador-geral ou órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos
termos da legislação vigente, que poderá adotar as seguintes providências:

I – oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;

II – complementar as investigações ou designar outro membro para


complementá-la;

III – reformular a proposta de acordo de não persecução, para apreciação


do investigado;

IV- manter o acordo de não persecução, que vinculará toda a instituição.”

Ora, o acordo é uma negociação entre as partes e não uma promoção


de arquivamento e, assim, incabível é a analogia aqui, até porque o verdadeiro
procedimento do futuro arquivamento (que é previsto em lei para fins de se
assegurar o princípio da obrigatoriedade) só posteriormente irá ser promovido
e, como visto, o art. 28 do CPP não pode ser utilizado para se averiguar cum-
primento de condições impostas em acordo de não persecução penal, pois visa
justamente evitar acordos, fazendo-se com que só não haja o oferecimento da
inicial penal quando não houver embasamento legal para tal.
O que fez a Resolução nº 183/2018 do CNMP ao tentar resolver o
problema existente na Regulamentação nº 181/2017 foi manter a decisão de
se fazer ou não o acordo somente no âmbito do Parquet, pois mesmo o juiz se
opondo ao mesmo, o item IV do § 6º do art. 18 inserido pela Resolução nº 183
diz que poderá ser mantido o acordo de não persecução, que vinculará toda a Instituição
do Ministério Público. Persiste, assim, a imperfeição do instituto, pois inexiste
a homologação judicial e o acordo será feito sem o devido processo legal e de
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 13

forma administrativa, de molde que será imposta, aplicada e cumprida uma


pena alternativa ou restritiva de direitos sem exercício de jurisdição em clara
ofensa ao nulla poena sine juidicio.
Portanto, entendo que a Suprema Corte não terá como legitimar ou
aproveitar o criado acordo de não persecução penal, uma vez que inexistem lei
infraconstitucional e tratado internacional ratificado pelo Brasil que determine
sua implantação, além deste afrontar o devido processo legal, pois visa aplicar
medidas ou penas restritivas de direito em afronta ao art. 5º, LIV, da CF. No
modelo da Resolução nº 183 do CNMP, o acordo de não persecução penal se
dá sem uma previsão ou autorização legal, o que deve levar à inconstituciona-
lidade formal do instituto, pois é ferido o art. 22, I, da CF e, além disso, não
há homologação judicial, ferindo o princípio do devido processo legal, uma
vez que o Ministério Público é que aplica a pena restritiva, o que implica em
condições que se tratam de restrições de direito, tudo de forma administrativa, e
isso sem contar com a afronta ilegal ao art. 24 do CPP, que retrata o princípio
da obrigatoriedade11.

4 Ofensa à Lei Ordinária


E, falando em confronto de legalidade, surge ainda outro complicador:
é que uma resolução que inicialmente deveria regulamentar o procedimento
das PICs (procedimentos investigatórios criminais) levadas a efeito no âmbito
do MP, acaba por se imiscuir no CPP, pois não se restringe a não persecução ao
procedimento investigatório do Parquet, estendendo-o, também, ao inquérito
policial, verbis:

“Art. 19. (...)

§ 2º Na hipótese de arquivamento do procedimento investigatório criminal,


ou do inquérito policial, quando amparado em acordo de não persecução penal, nos
termos do artigo anterior, a promoção de arquivamento será apresentada ao juízo
competente, nos molde do art. 28 do Código de Processo Penal.”

Ora, a norma administrativa invade o vetusto Código de Processo Pe-


nal, que é uma lei ordinária, para impor o exame de arquivamento embasado
em razões de pedir consistente em um acordo que não tem previsão em lei e

11 É neste sentido que Pierre Souto Maior afirma que a Resolução nº 181, neste ponto, trata “(...) de direito processual,
pretendendo revogar o art. 24 do CPP, que positiva o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública
incondicionada, no processo penal comum, violando o art. 22, I, da CF de 1988, também é inconstitucional mate-
rialmente, pois autoriza o membro do Ministério Público a aplicar pena restritiva de direitos sem o devido processo
legal, violando o art. 5º, LIV, da CF”. (Observações sobre a Resolução nº 181 do CNMP. Disponível em: <http://esdp.
net.br/observacoes-sobre-a-resolucao-n-181cnmp>. Acesso em: 3 out. 2017)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
14

em um cumprimento de “pena” restritiva sem o devido processo legal e, no


caso em concreto, impondo a um juiz competente, ou seja, aquele para o qual
será distribuído o inquérito para fazer o exame do arquivamento, o exame de
tais razões de pedir como se fossem autorizativas de arquivamento. Está se
pretendendo complementar ou alterar uma lei ordinária de processo penal
através de uma resolução administrativa, de uma forma que irá se modificar
toda a sistemática do processo penal. Explica-se: no modelo da duplicidade
da persecução penal brasileira, temos uma investigação tradicional, que é a
do inquérito policial, levada a efeito pela polícia judiciária e, depois de con-
cluída a investigação, temos uma fase intermediária que é a da opinio delicti a
ser formada pelo Parquet, que, ao promover o arquivamento, faz uma forma
de “filtragem” nas hipóteses em que não há suporte mínimo de elementos
ou pelo motivo de falta de embasamento legal e, assim, não se autoriza a ins-
tauração da ação penal pública. Caso contrário, propõe a ação penal pública,
com o oferecimento da denúncia. Nos dois casos será distribuído o proce-
dimento quando houver mais de um juiz competente para a matéria penal
no local. O que irá ocorrer, com a norma da Resolução nº 181/2017, com a
redação dada pela Resolução nº 183/2018, é uma subversão do sistema, pois o
membro do MP que receber os autos de inquérito nesta “fase intermediária”,
irá fazer um hiato no procedimento estabelecido pelo CPP, acaso entenda ser
hipótese de proposição do acordo de não persecução penal, que consistirá em
se firmar o acordo, fazer a comunicação ao juiz (e não se sabe se seria aquele
competente por distribuição, já que tal não está previsto nem no CPP e nem
na Resolução), aguardar todo o cumprimento da medida restritiva acordada
com o infrator penal e, depois de cumprida a medida imposta administrati-
vamente, encaminhar para distribuição para que, aí sim, o juiz competente analise
o arquivamento. Tumultua-se e se fragmenta um procedimento legal já em
vigor desde a década de 1940, todo elaborado para o controle do princípio da
obrigatoriedade, para apresentar ao juiz o resultado de um procedimento em-
basado no princípio da oportunidade (que o CPP desconhece). Como impor
ao Judiciário um cumprimento de uma norma erigida, administrativamente,
no âmbito interno do MP? O juiz estaria obrigado a aceitar? São perguntas
que mostram a dificuldade que se enfrentará na prática.
Conformem esclarecem Mauro Fonseca Andrade e Rodrigo da Silva
Brandalise:

“(...) na Alemanha, a origem do acordo na esfera criminal (Absprachen) é


obscura, mas remonta à década de 1970. Seu começo se deu com a aplicação
em delitos menores, mas, por não possuir previsão legal, foi adotado sem
a realização de registros. Com o tempo, porém, ele passou a ser aplicado
em delitos mais gravosos, inclusive aos que envolviam violência. Já em
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 15

1982, um jurista alemão utilizou-se de pseudônimo (Detlef Deal from


Mauschelhausen) e divulgou a prática daquele acordo, até então velada,
motivando, a partir de então, um crescimento e uma maior divulgação na
sua aplicação (...) A matéria chegou aos tribunais superiores, o que permitiu
ao Bundesgerichtshof, em decisão de 28 de agosto de 1997, estabelecer
os primeiros parâmetros para a viabilidade da Absprachen. Após longo
período na informalidade, em 2009, surgiu, enfim, sua regulamentação
legislativa, que consta no § 257c17 do Código de Processo Penal alemão
(Strafprozeβordnung ou StPO).”12

Esta modalidade de acordo só foi legitimada na Alemanha, conforme


concluem os próprios autores citados, por que, naquele país, quem o con-
duzia era o juiz (§ 257c, nº 1 e nº 3, parte final, do StPO), ao contrário da
modalidade de acordo que a Resolução 181 procura regular.
Mas, na Alemanha, onde, em certa medida, se adota o princípio da
oportunidade, existe outra forma similar de hipótese de não persecução pe-
nal que é prevista no § 153, a, do StPO, quando, em caso de infrações menos
graves, se permite ao Ministério Público o sobrestamento ou arquivamento
da instrução investigatória, mas, também neste caso, deve este impor condi-
ções, que podem ser: pagamento de multa pecuniária a uma instituição de
utilidade pública ou para o Estado, reparação de danos em favor do ofendido,
cumprimento regular de obrigações alimentícias ou cumprimento de trabalhos
para a comunidade. Porém, para que se dê o posterior arquivamento, deverá
ser considerada pelo juiz a gravidade ou grau de culpa, e é necessário que o
investigado não tenha antecedentes e, o mais importante:

“dando-se o cumprimento da imposição da medida imposta teremos a ex-


tinção da ação penal por decisão do juiz, no que diz respeito ao fato ilícito
cometido. Só poderá ser retomada nova instrução investigatória, no que
tange a este fato ilícito, se surgirem novas provas que possam levar a uma
nova qualificação do fato desta feita como delito grave (Verbrechen). Portanto,
naquele país, também nesta hipótese, é o juiz quem deverá homologar o
‘sobrestamento’ e, depois de cumprido o acordo, é o juiz que decreta a
extinção de punibilidade.”13

12 ANDRADE, Mauro Fonseca; BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Observações preliminares sobre o acordo de não
persecução penal: da inconstitucionalidade à inconsistência argumentativa. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS,
Porto Alegre, n. 37, p. 239-262, dez. 2017.
13 Cf. ASMUS, Torben. A justiça penal e a investigação penal na Alemanha. Trad. Marcellus Polastri Lima. In: AMBOS,
Kai; BÖHM, Maria Laura (Coord.). Desenvolvimento atuais das ciências criminais na Alemanha. Brasília: Gazeta Jurídica,
2013. p. 94/95.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
16

Assim, apesar dos defensores do acordo previsto na Resolução nº 181 do


CNMP tomar como modelo e exemplo o sistema alemão14, o certo é que na
Alemanha as modalidades de acordo encontram previsão na lei processual penal e,
em ambas as hipóteses supracitadas, diferentemente do acordo de não persecução
penal regulado pelo CNMP, o acordo deve sempre ser homologado pelo juiz e,
no caso do § 153, a, do StPO, existe apenas um “sobrestamento” da investigação
e, consequentemente, da instauração da ação penal, até que se cumpra o acordo
e, uma vez cumprido, é o juiz que decreta a extinção da punibilidade.
Fica, assim, clara a diferença com o sistema alemão, pois, naquele país
sempre é o juiz que homologa o acordo e, cumpridas as condições, é o juiz
que extingue a punibilidade. No sistema proposto pela Resolução do CNMP,
o acordo não tem homologação judicial, e somente se tentou uma forma
parcial de fiscalização pelo juiz, o que não lhe dá legitimidade, pois mesmo o
magistrado se opondo ao acordo, o Ministério Público pode mantê-lo, e o seu
cumprimento se dará no âmbito da própria instituição e, depois de cumpri-
do, é proposto o arquivamento da investigação, que tem como fundamento
uma alegada “falta de interesse” estatal na persecução penal, tendo em vista o
cumprimento das condições acordadas pelo investigado. Imagine a hipótese
de ser o mesmo juiz nos dois momentos em que terá contato com os autos:
ao primeiro contato este juiz, de forma e expressa e fundamentada, não con-
corda com o mesmo, mas tendo a Chefia do MP entendendo em ratificá-lo
e sendo cumpridas as condições acordadas pelo agente, este mesmo juiz terá
que, agora, examinar uma promoção de arquivamento que tem, por base,
esta “transação” entre as partes, com a qual não concordava e, mesmo ainda
não concordando, terá que se ater, desta feita, somente ao cumprimento ou
não das condições para fins de aceitar ou não o arquivamento. Me parece, no
mínimo, estranha a situação e é evidente, que, logicamente, por coerência,
este juiz irá se opor ao arquivamento, o que nada adiantará, pois a Chefia
do Parquet irá mantê-lo. Isso demonstra que todo o cumprimento da pena
restritiva foi feita administrativamente, sem o devido procedimento legal, ou
seja, com afronta ao princípio do nulla poena sine judicio.

5 A Impossibilidade de Celebração do Acordo na Audiência de Custódia


Ainda causa estranheza a previsão da hipótese em que, por autorização da
Resolução nº 181/CNMP, se poderá celebrar o acordo quando do momento da audiência
de custódia.

14 Neste sentido: CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. O acordo de não-persecução penal criado pela nova Resolução do
CNMP. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-set-18/rodrigo-cabral-acordo-nao-persecucao-
penal-criado-cnmp>. Acesso em: 20 set. 2017.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 17

Ora, em relação à própria realização de tal audiência já se discutiu o


vício formal de inconstitucionalidade de implantação da mesma também por
resoluções, tanto do CNJ como por Tribunais, por não encontrar previsão
em lei federal, mas, abstraindo-se desse ponto (até porque quanto à audiência
de custódia o STF reconheceu que essa estaria a implantação legitimada pelo
artigo 9, nº 3, no Pacto dos Direitos Civis e Políticos, e pelo artigo 7, nº 5,
da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que foram ratificados
pelo Brasil), o certo é que na audiência de custódia teremos uma prisão em
flagrante sendo apreciada em uma audiência própria e específica para seus
fins e perante um magistrado15 e, se adotarmos o disposto na Resolução nº
181, reformulada pela Resolução nº 183/2018, o Ministério Público proporia
o acordo e este sendo aceito pelo investigado, pergunta-se: seria paralisada ou
finalizada a audiência? Sim, a pergunta procede, pois o acordo de não perse-
cução penal não é só entre Ministério Público e investigado? Não é o Minis-
tério Público que irá promover o acordo mesmo que não haja concordância
do juiz? É evidente que terá que ser cumprido o acordo para depois este ser
submetido a promoção de arquivamento ao juízo e isso, é lógico, ocorrerá
muito tempo depois da audiência de custódia. Assim, teria que haver uma
finalização da audiência de custódia só com o aceno de um acordo de não
persecução, mesmo que o juiz não concorde com os termos e não o aceite e,
nesse último caso, o magistrado teria que promover um anômalo incidente na
audiência de custódia, interrompendo a mesma para que a chefia do Parquet
aprecie a proposta e o não aceite do juiz. Ora, a audiência de custódia tem um
propósito bem esclarecido, que é verificar a integridade do preso, que será
apresentado ao juízo, sem demora, e ali o magistrado poderá convolar a prisão
em flagrante, decretar a liberdade provisória ou aplicar medida alternativa à
prisão provisória, além de poder relaxar a prisão, caso presente ilegalidade.
Este é o fim da audiência de custódia, que se dará bem próxima a prática do
crime, com acusados presos provisoriamente e que terá uma duração breve.
Destarte, a intervenção do Ministério Público para propor um acordo de não
persecução penal naquele momento seria imprópria e temerária, já que poucos
elementos existirão acerca do infrator penal para possibilitar uma avaliação e
a proposta foge aos fins da dita “audiência”. Assim, a realização do acordo só
se tornaria possível depois de atendidos os fins da audiência de custódia e no
seio do Ministério Público, já que é um ato estranho à audiência de custódia.
E se o magistrado convolar a prisão em flagrante em preventiva, mesmo assim
poderia o Parquet propor o acordo de não persecução?

15 ADPF 347, que examinou a Resolução nº 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça que instituiu a audiência de
custódia.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
18

Estes pontos não são bem esclarecidos pela Resolução nº 181 do CNMP,
que se limita a dispor em parágrafo do seu art. 18 que:

“§ 7º O acordo de não persecução poderá ser celebrado na mesma opor-


tunidade da audiência de custódia.”

Destarte, além da mácula da inconstitucionalidade do acordo de não


persecução penal, previsto na Resolução nº 181 do CNMP, com alteração
da Resolução nº 183/2018, a possibilidade de se celebrar o mesmo dentro
da audiência de custódia foge completamente à “lógica do razoável”. Ora,
temos uma prisão em flagrante delito encaminhada ao juízo e, mediante uma
resolução de cunho administrativo, retira-se todo o posterior devido processo
legal que deveria ser seguido em juízo após a audiência de custódia, ou seja,
a decretação pelo juiz de uma das hipóteses do art. 310 do CPP e o posterior
prosseguimento com distribuição do feito a uma das Varas Criminais, como
determina o art. 10 do CPP. Poderia se impor ao magistrado a anuência de que
houvesse uma proposta de acordo de não persecução naquele momento? Não
me parece, pois a audiência de custódia já tem sua regulamentação limitada
estritamente aos seus fins e, como visto, após a audiência de custódia deve se
dar a distribuição do feito. Assim, o magistrado da audiência de custódia não
poderia se manifestar, acordando ou não com a avença entre as partes, pois
lhe faltaria competência para tal, já que na forma do art. 75 do CPP a com-
petência no caso só se firmaria pela distribuição do feito, posteriormente, no
foro criminal. Não se pode esquecer que na audiência de custódia, o juiz que
ali funciona age anteriormente a uma distribuição para se fixar a competência
judicial, ou seja, tal se dá ainda dentro da esfera administrativa, pois é sabido
que após lavratura do flagrante delito, a Autoridade Policial ainda terá dez dias
para finalizar o procedimento e encaminhá-lo à livre distribuição (art. 10 do
CPP)16. De outra parte, a atribuição para se propor eventual acordo de não
persecução não seria, a rigor, do membro do Ministério Público designado
para a audiência de custódia e sim daquele que, depois da audiência de cus-
tódia e da distribuição do feito, receber os autos para formar sua opinio delicti.

6 A Questão da Ação Penal Privada Subsidiária da Pública


Além da inconstitucionalidade formal e da ofensa ao devido processo
legal, segundo Andrade e Brandalise, “como se não fossem suficientes as

16 Consoante Pierre do Souto Maior, “no caso, o parâmetro de competência do juízo de audiência de custódia é a
Resolução nº 213/CNJ, que, em seu art. 8º, não autoriza qualquer atividade de homologação de acordos entre MP
e investigado. Se o CNMP pode vincular atividade executiva dos membros do MP (o que já é altamente questioná-
vel), impossível para tal órgão administrativo regular a competência dos juízes. Portanto, não compete ao juízo
da audiência de custódia homologar o acordo ou mesmo fazer documentação de tal negociação (artigo citado)”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 19

máculas constitucionais já apontadas, o acordo de não persecução penal, nos


termos como atualmente é regulado pela Resolução nº 181/2017, também fere
outra disposição constitucional, mas, agora, atingindo um direito fundamental
consagrado na Carta de 1988. Referimo-nos ao direito de exercício da ação
penal privada subsidiária da pública”17.
Com razão os autores, pois a CF de 1988 previu a ação penal privada
subsidiária da pública constitucionalmente no inciso LIX do seu art. 5º18,
nada mais e nada menos, para assegurar seu exercício, pois, uma vez que, no
art. 129, I, da CF, foi dada a privatividade da ação penal pública ao Ministério
Público, caso não se previsse a ação privada subsidiária da pública na própria
Constituição, estaria revogado o artigo do CPP que a prevê, já que sendo o
agir do Parquet privativo na ação penal pública, e sendo este tipo de ação de
iniciativa privada, mas também pública, é evidente que só a Constituição
poderia excepcionar aquela privatividade.
A ação penal privada subsidiária da pública será cabível, tendo como ti-
tular o ofendido ou seu representante legal, quando o Ministério Público deixa
de se manifestar no prazo fixado em lei, a partir do momento em que tem vista
da investigação penal e não oferece a denúncia, não arquiva o procedimento
investigatório e não devolve a investigação, ou prorrogue a investigação (no
caso de PIC), ou mesmo não decline de sua atribuição. Assim, o Parquet não
pode ficar inerte, pois se o fizer, em até seis meses vencido o prazo para se
manifestar, o ofendido ou seu representante legal poderá propor a ação penal
pública. No caso, como a celebração do acordo de não persecução penal se dá dentro da
esfera interna do Ministério Público sem qualquer previsão legal (lei federal) para tanto,
não se incluindo a hipótese dentre aquelas acima enumeradas (que têm previsão na lei),
certamente o ofendido poderia adentrar com a ação penal privada subsidiária da pública,
pois as condições do acordo de não persecução levarão mais tempo para seu cumprimento
do que a decadência prevista para referida ação penal de iniciativa privada.

7 Conclusão
Como se vê, por todos os ângulos que se examine o novo instituto
trazido pela Resolução nº 181/2017, alterada pela Resolução nº 183/2018 do
CNMP, se vê que não resistirá a um exame sua constitucionalidade, além de
trazer vários outros pontos que conflitam com a lei ordinária em vigor. O
CNMP não poderia regulamentar, via simples resolução, mudanças de normas
de processo, sob pena de um atentado ao art. 22, I, da CF, pois tal atribuição é

17 Obra e páginas citadas.


18 “Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal.”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
20

do parlamento, com sanção ou veto do poder executivo. Existe, assim, com tal
previsão por via administrativa, um problema de ordem formal-constitucional,
que certamente deverá ser o principal ponto contra a regulamentação, em
futura apreciação pelo STF.
Mas ainda existe evidente afronta ao devido processo legal, pois o acor-
do de não persecução visa aplicar medidas ou penas restritivas de direito em
afronta ao art. LIV da CF, já que inexiste um devido processo legal, com o
cumprimento das condições em via administrativa pelo Ministério Público,
sem anterior homologação pelo juiz.
Além de tudo, a regulamentação colide com a norma infraconstitucional
em vigor, que se embasa no princípio da obrigatoriedade (CPP), sem contar
com incoerências outras como a previsão de possibilidade de se acordar na
audiência de custódia e a possibilidade do ofendido adentrar com a ação penal
privada subsidiária da pública.
Como dito, até me parece salutar que se adote o princípio da oportu-
nidade para os casos de infrações de médio potencial ofensivo no Brasil, mas
isto deve ser feito por lei federal e com a adoção do devido processo legal,
devendo haver a homologação pelo juiz do acordo.

TITLE: Agreement of non-prosecution in the Brazilian criminal procedure.

ABSTRACT: The National Council of the Prosecution Office, by means of Resolutions (181/2017
and 183/2018), has established norms that create the so-called “agreement of non-prosecution”, which,
in short, aim at bringing the principle of opportunity in criminal prosecution to the Brazilian criminal
procedure. This article examines such innovation, especially its constitutionality and compatibility with
the Code of Criminal Procedure.

KEYWORDS: Criminal Procedure. Federal Constitution. Non-Prosecution. Code of Criminal Procedure.


Principle of Opportunity. Principle of Obligatoriness.

8 Bibliografia
ANDRADE, Mauro Fonseca; BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Observações preliminares sobre o acordo
de não persecução penal: da inconstitucionalidade à inconsistência argumentativa. Revista da Faculdade de
Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 37, p. 239-262, dez. 2017.
ASMUS, Torben. A justiça penal e a investigação penal na Alemanha. Trad. Marcellus Polastri Lima. In:
AMBOS, Kai; BÖHM, Maria Laura (Coord.). Desenvolvimento atuais das ciências criminais na Alemanha.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.
CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. O acordo de não-persecução penal criado pela nova Resolução do CNMP.
Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-set-18/rodrigo-cabral-acordo-nao-persecucao-
penal-criado-cnmp>. Acesso em: 20 set. 2017.
DIÁRIO ELETRÔNICO DO CNMP. Edição n. 19, disponibilização: 29.01.2018, publicação: 30.01.2018.
MAIOR, Pierre Souto. Observações sobre a Resolução nº 181 do CNMP. Disponível em: <http://esdp.net.br/
observacoes-sobre-a-resolucao-n-181cnmp>. Acesso em: 3 out. 2017.
Doutrina

A Emenda Constitucional nº 45/2004 e o


Direito Fundamental à Razoável Duração
do Processo Penal

Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci


Doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP; Professor e Pesquisador
do Programa de Mestrado (Programa de Pós-Graduação
em Direito – PPGD) da Universidade Nove de Julho
(UNINOVE); Líder do Grupo de Pesquisa interdisciplinar
entre Direito e Educação da UNINOVE, certificado no
CNPq, Justiça Dialógica (GrupJus); Professor-Tutor do
Programa de Educação Tutorial Administração e Direito do
Ministério da Educação da Universidade Nove de Julho (PET/
ADi- MEC – UNINOVE).

Cristian Lima dos Santos Louback


Mestrando em Direito pela Universidade Nove de Julho
(UNINOVE) – Programa de Pós-Graduação em Direito
(PPGD).

RESUMO: O estudo tem por objetivo analisar a inclusão do direito fundamental


à duração razoável do processo na CF/88 pela chamada Reforma do Judiciário
e seus reflexos no processo penal. Questiona-se se a inclusão do direito fun-
damental à duração razoável do processo na CF/88 foi suficiente para garantir
a celeridade processual na esfera criminal. Utilizou-se o método descritivo e
exploratório, portanto, foi desenvolvido com base em pesquisa documental e
bibliográfica, utilizando-se do método hipotético-dedutivo. Conclui-se que,
apesar da Reforma do Judiciário, implantada pela EC nº 45/04, ter introduzido
no texto constitucional o direito fundamental à razoável duração do processo, a
ausência de definição de prazos limitantes da duração do processo na legislação
processual penal não permite o efetivo exercício desse direito.

PALAVRAS-CHAVE: Razoável Duração do Processo. Emenda Constitucional


nº 45/04. Reforma do Judiciário. Processo Penal. Direitos Humanos.

SUMÁRIO: Introdução. 1 A EC nº 45 e a Morosidade da Justiça Criminal


Brasileira. 2 A Subjetividade Judicial da Duração Razoável do Processo Penal. 3
A Duração Razoável do Processo Penal na Jurisprudência do TJSP. Conclusão.
Referências.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
22

Introdução
O tema do presente artigo é o direito fundamental à duração razoável
do processo penal. Delimita-se o tema analisando os reflexos da EC nº 45/04,
conhecida como a Reforma do Judiciário, na morosidade da Justiça, mormente
na Justiça Criminal brasileira.
Questiona-se, visando problematizar a pesquisa, se a inclusão do direito
fundamental à duração razoável do processo na CF/88 pela EC nº 45/04 foi
suficiente para garantir a celeridade processual na esfera criminal. A hipótese
adotada no presente estudo é a de que nem a ratificação de tratados inter-
nacionais que determinam que os processos tenham uma duração razoável,
nem a introdução do direito fundamental à razoável duração do processo na
CF pela EC nº 45/04 foram capazes de reduzir o acervo processual, nem de
reduzir o tempo médio dos processos na esfera penal.
O presente trabalho tem por objetivo geral identificar aspectos práticos
do direito fundamental à razoável duração do processo, especificamente no
processo penal brasileiro. A pesquisa tem por objetivos específicos verificar o
cenário atual do Poder Judiciário brasileiro, no que se refere à justiça criminal,
através da análise do Relatório Justiça em Números 2017: Destaques, do Conselho
Nacional de Justiça; realizar um breve histórico do direito à duração razoá-
vel do processo; apontar algumas das alterações realizadas pela Reforma do
Judiciário, pela EC nº 45/04; e a aplicação do direito fundamental à razoável
duração do processo no processo penal brasileiro.
Justificam e motivam o presente estudo a crise em que se encontra
o Poder Judiciário brasileiro, com um acervo insuperável de processos cri-
minais e com processos e prisões preventivas que se arrastam por anos, sem
perspectivas de mudanças. Trata-se de uma crise de efetividade da prestação
jurisdicional que reduz a credibilidade do Poder Judiciário brasileiro. Essa crise
pode ser observada por três aspectos: a relação do Poder Judiciário com outros
Poderes; a inadequação da estrutura do Poder Judiciário; e as características
dos procedimentos judiciais.
O presente estudo tem ênfase nesse terceiro aspecto da crise do Poder
Judiciário, ou seja, nas características dos procedimentos judiciais, pelas quais
se atribui ao Poder Judiciário brasileiro a responsabilidade pela não concreti-
zação de direitos fundamentais.
Relevante, portanto, o estudo dos procedimentos judiciais concernen-
tes ao direito fundamental à duração razoável do processo penal, pois a não
concretização desse direito fomenta a referida crise, resultando em acúmulo
de processos e processos morosos. Trata-se de um estudo descritivo e ex-
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 23

ploratório, portanto, foi desenvolvido com base em pesquisa documental e


bibliográfica, utilizando-se do método hipotético-dedutivo.

1 A Emenda Constitucional nº 45 e a Morosidade da Justiça


Criminal Brasileira
Atualmente, fala-se em um congestionamento de processos em tramite
no Poder Judiciário. Esse congestionamento, conforme o relatório emitido
pelo Conselho Nacional de Justiça (2017, p. 6), não foi reduzido durante o
ano de 2016. Apenas 27% dos processos foram solucionados, o que resulta
em uma taxa de congestionamento de 73%.
A alocação dos processos criminais no Poder Judiciário brasileiro é
detalhada pelo relatório da seguinte maneira:

“Em 2016, ingressaram na Justiça 3 milhões de novos casos criminais: 1,9


milhão (62,9%) na fase de conhecimento (1º grau); 443,9 mil (15%) na
fase de execução; 18,4 mil (0,6%) nas turmas recursais; 555,2 mil processos
(18,7%) no 2º grau; 80,6 mil (2,7%) nos tribunais superiores.” (CONSE-
LHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 11)

Desconsiderando-se os casos de execução penal, ocorreu uma redução


de 1,8% do número de novos casos criminais. Comparando-se com o ano de
2015, houve uma redução de 2,6 milhões para 2,5 milhões (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 11).
Embora tenha havido uma redução do número de novos processos,
o número de casos pendentes cresceu. O acervo que era de 6,2 milhões de
processos criminais passou a ser de 6,5 milhões de processos em 2016, ou
seja, houve um aumento de 3,3% nos processos em tramitação (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 11).
No que se referem à execução penal, os números são ainda mais dís-
pares. O ano de 2016 iniciou com um total de 444 mil processos e terminou
com um acervo de 1,4 milhão de processos pendentes, o que demonstra um
aumento considerável (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017,
p. 11).
Há que se observar que, enquanto o número de novos processos foi
de 2,5 milhões, o número de processos baixados foi de 2,8 milhões (CON-
SELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 11). No entanto, ainda que o
número de processos baixados seja maior que o número de processos novos,
o acervo ainda se mantém em 6,5 milhões.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
24

Assim, para zerar o número de processos concernentes à Justiça


Criminal, o Poder Judiciário brasileiro precisaria trabalhar por aproximada-
mente mais de dois anos sem a entrada de novos processos, o que pode ser
considerado impraticável. É nesse exacerbado número de processos e nessa
perspectiva de equilíbrio muito distante que reside um dos aspectos da crise
do Poder Judiciário brasileiro.
Importa salientar que não se deve tomar o termo “processos baixados”
por processos que deixaram de ocupar o Poder Judiciário, pois o conceito
do termo é dado pela Resolução CNJ nº 76/09 que determina que proces-
sos baixados podem ser os processos remetidos para outros órgãos judiciais
competentes, desde que vinculados a tribunais diferentes; remetidos para as
instâncias superiores ou inferiores; ou arquivados definitivamente (CON-
SELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2009).
Esses números refletem diretamente no tempo médio de duração dos
processos. Considerando-se todos os segmentos de Justiça com competência
criminal, o tempo médio de duração de um processo na fase de conhecimento
é de 3 anos e 1 mês (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 12).
Segundo o relatório, o tempo de duração de um processo criminal
excede o tempo de duração de um processo não criminal na maior parte do
território nacional:

“No 1º grau, o tempo do processo criminal é maior que o do processo não


criminal em todos os ramos de Justiça, com exceção de oito tribunais (TJRJ;
TJRS; TJES; TJPA; TJSC; TJTO; TRE-BA; TJMSP). O tempo maior
pode ser justificado pela própria complexidade dos casos apresentados,
que podem resultar em restrição de direito fundamental.” (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 12)

Tais dados demonstram que o excesso de processos em trâmite, o ex-


cesso de processos novos e a dificuldade de diminuir o acervo de processos
influenciam diretamente na duração dos processos que consequentemente
se tornam morosos.
No entanto, importa destacar que os dados apresentados são recen-
tes. São dados do ano de 2016 e publicados pelo CNJ no ano de 2017. Isso,
contados mais de treze anos da dita Reforma do Judiciário que se deu pela
edição da EC nº 45/04.
Assim, pertinente, portanto, seria demonstrar a situação do acervo
processual anterior à Reforma do Poder Judiciário, de modo a realizar um
comparativo. No entanto, o relatório Justiça em Números 2003: Variáveis e Indi-
cadores do Poder Judiciário, do CNJ, não disponibilizou informações detalhadas
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 25

como ocorreu no último relatório de 2017. O relatório de 2004, alimentado


com os dados de 2003, não individualiza os casos criminais, tratando, por-
tanto, de uma forma geral, de casos Estaduais, excluindo-se, apenas, os casos
dos Juizados Especiais. Os casos criminais foram discriminados a partir do
relatório do ano de 2010.
Assim, ainda que se trate da Justiça Estadual de uma forma geral, ou
seja, incluindo-se também os casos cíveis, por exemplo, importa destacar que,
no ano de 2003, na Justiça Estadual de 1º Grau, foram registrados 382.378
casos novos e 1.044.385 casos pendentes de julgamento (CONSELHO NA-
CIONAL DE JUSTIÇA, 2014, p. 47). Enquanto isso, na Justiça Estadual de
2º Grau foram registrados 40.833 casos novos e 37.140 casos pendentes de
julgamento (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014, p. 45).
Ressalte-se que, além de não individualizar os casos criminais, o rela-
tório de 2004 informa que não foi possível obter todos os números de todos
os Estados brasileiros, sendo que, em alguns Estados as informações não
estavam disponíveis, fazendo com que os números apresentados não reflitam
a realidade1.
Desta feita, muito embora o relatório não possa refletir a realidade, pois
ausentes alguns dados de alguns Estados, ausente a informação da duração
média dos processos e inexistente uma demonstração dos casos criminais, é
possível verificar que, ao final de 2003, os casos pendentes de julgamento,
considerando os dois graus de jurisdição, somavam o número de 1.081.525
casos. Número bem inferior aos 6,5 milhões de processos pendentes, apenas
do acervo criminal, demonstrados ao final de 2016.
Possível verificar, portanto, ao menos no que concerne ao acervo de
processos, que esse número teve um grande aumento se comparados o ano
de 2003, anterior à reforma, e o ano de 2016. Muitas foram as alterações
realizadas no texto constitucional pela EC nº 45/04, mas algumas visavam
especificamente reduzir a quantidade de processos e a morosidade do Poder
Judiciário brasileiro.
Dentre as referidas alterações, pode-se citar: a inclusão do inciso
LXXVIII no art. 5º, que trouxe ao plano constitucional o direito fundamental
à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação; a criação do Conselho Nacional de Justiça; o impedimento de
promoção de juiz que, injustificadamente, retiver em seu poder autos além do

1 Estão indisponíveis as informações de casos novos e de casos pendentes de julgamento, tanto na Justiça de 1º Grau,
quanto na Justiça de 2º Grau, do Estado do Rio Grande do Norte, bem como de casos pendentes de julgamento,
tanto na Justiça de 1º Grau, quanto na Justiça de 2º Grau do Estado de Alagoas.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
26

prazo legal; o fim das férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau; a
distribuição imediata dos processos; a inclusão da necessidade de demonstrar
a repercussão geral para a admissão do recurso extraordinário; e a criação da
súmula vinculante (BRASIL, 2004).
Dentre as diversas mudanças acima apresentadas, especial atenção será
dada ao acréscimo do inciso LXXVIII no art. 5º da CF, que dispõe o seguin-
te: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”
(BRASIL, 2004).
A preocupação com a duração do processo não é algo novo e existem
registros dessa preocupação desde o século IV d.C., Daniel Roberto Pastor
(2002, p. 101) enfatiza que: “Las leyes romanas establecieron un plazo preciso
para la duración del proceso penal, disponiendo Constantino que empezara a
contarse con la litis contestación y que fuera de un año; plazo que, en la época
de Justiniano, era de dos años”.
A duração do processo também figurou em documentos como a Magna
Charta Libertatum e as Siete Partidas:

“En la Magna Charta Libertatum de 1215 el rey inglés se comprometía a


no denegar ni retardar derecho y justicia. En el mismo siglo, Alfonso X,
el Sabio, mandaba, en consonancia con la fuente romano-justinianea de
sus Siete Partidas, que ningún juicio penal pudiera durar más de dos años.”
(PASTOR, 2002, p. 101-102)

No século XVIII, Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, alertava


para a necessidade de um processo célere:

“Conhecidas as provas e calculada a certeza do crime, necessário é conceder


ao réu tempo e meios convenientes para justificar-se, mas tempo bastante
breve, que não prejudique a rapidez da pena, que, como vimos, é um dos
principais freios dos delitos.” (BECCARIA, 1999, p. 101)

Também no século XVIII, a Declaração de direitos do bom povo da


Virgínia, em sua seção VIII, determinava: “que em todo processo criminal
incluídos naqueles em que se pede a pena capital, o acusado tem direito (...)
a ser julgado, rapidamente, por um júri imparcial de doze homens de sua
comunidade (...)”.
No mesmo século, foram aprovadas dez emendas à Constituição dos
Estados Unidos, dentre elas, a sexta emenda que determinou que: “em to-
dos os processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento rápido e
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 27

público, por um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime houver sido
cometido (...)”.
No entanto, uma maior preocupação com o direito fundamental a uma
conclusão rápida do processo penal passou a se intensificar após a Segunda
Guerra Mundial (PASTOR, 2002, p. 103).
Em 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1948) instituiu, em
seu artigo XXV, que: “todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberda-
de, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida,
e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, no caso contrário, de ser
posto em liberdade”.
Ainda que todos os documentos acima citados tenham feito referência
à duração do processo, o termo “razoável”, mais utilizado atualmente, apenas
surgiu em 1950, na Convenção Europeia para a proteção dos Direitos Hu-
manos e das Liberdades Fundamentais de Roma, em seu art. 5º, intitulado
“Direito à liberdade e à segurança”, item 3:

“Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1,


alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz
ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem
direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o
processo.” (CONSELHO DA EUROPA, 1950)

Mais adiante, em seu art. 6º, intitulado “Direito a um processo equitati-


vo”, no item 1, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos
e das Liberdades Fundamentais de Roma (CONSELHO DA EUROPA,
1950) determinou que: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja
examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal
independente e imparcial, estabelecido pela lei (...)”.
Em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos também
tratou do direito fundamental à razoável duração do processo. Em seu artigo
9º, item 3, dispôs que:

“Toda a pessoa detida ou presa devido a uma infracção penal será presente,
no mais breve prazo, a um juiz ou outro funcionário autorizado por lei
para exercer funções judiciais, e terá direito a ser julgada dentro de um
prazo razoável ou a ser posta em liberdade.” (ASSEMBLEIA GERAL DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1966)

Também em seu artigo 14, item 3, o Pacto Internacional dos Direitos


Civis e Políticos dispôs que:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
28

“Durante o processo, toda a pessoa acusada de um delito terá direito, em


plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) A ser informada no
mais curto prazo, em língua que entenda e de forma detalhada, da nature-
za e causas da acusação contra ela formulada; b) A dispor do tempo e dos
meios adequados para a preparação da sua defesa e a comunicar com um
defensor de sua escolha; c) A ser julgada sem adiamentos indevidos; (...)”
(ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966)

A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, conhecida


como Pacto de San José da Costa Rica, ao tratar do “Direito à liberdade pes-
soal”, determinou, em seu artigo 7.5, que:

“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais
e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em
liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.” (ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)

O Pacto de San José da Costa Rica, ao abordar sobre as Garantias Ju-


diciais em seu artigo 8.1, determinou também que:

“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente
e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direi-
tos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza.” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)

Assim, a CRFB, de 1988, alterada pela EC nº 45/04, em nada inovou


ao admitir em seu texto o direito fundamental à razoável duração do proces-
so (BRASIL, 1988). Há que se destacar, ainda, que além de não ter trazido
inovação, a Emenda não inaugurou tal direito no ordenamento jurídico
brasileiro, pois o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos já havia
sido internalizado ao direito brasileiro pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de
1992. O mesmo já havia ocorrido com o Pacto de San José da Costa Rica,
que já havia sido internalizado ao direito brasileiro pelo Decreto nº 678, de
6 de novembro de 1992.
Assim, o Brasil já havia se comprometido a observar a duração razoável
do processo antes mesmo de sua inclusão no texto constitucional pela EC nº
45/04. Embora já houvesse esse comprometimento do Estado brasileiro com
o direito à duração razoável do processo, Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 32)
esclarece a necessidade e a importância de se trazer direitos reconhecidos por
tratados internacionais para o campo constitucional:
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 29

“(...) os direitos humanos (como direitos inerentes à própria condição e


dignidade humana) acabam sendo transformados em direitos fundamentais
pelo modelo positivista, incorporando-os ao sistema de direito positivo
como elementos essenciais, visto que apenas mediante um processo de
‘fundamentalização’ (precisamente pela incorporação às constituições), os
direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia jurídica e
seu caráter vinculante em relação a todos os poderes constituídos no âmbito
de um Estado Constitucional.”

Assim, a EC nº 45, dentre as várias alterações que proporcionou à CF


de 1988, incorporou ao texto constitucional o direito fundamental à duração
razoável do processo, ainda que o Brasil já houvesse se obrigado com tal
direito frente aos tratados internacionais que ratificou e internalizou ao seu
ordenamento jurídico.
Ademais, ressalte-se que, diante dos dados demonstrados pelo relatório
Justiça em Números 2017, do Conselho Nacional de Justiça, a constitucionaliza-
ção do direito à duração razoável do processo não foi suficiente para garantir
ao cidadão brasileiro a celeridade processual na esfera criminal.

2 A Subjetividade Judicial da Duração Razoável do Processo Penal


Tanto os tratados internacionais, quanto a EC nº 45/04, que constitucio-
nalizou o direito fundamental à razoável duração do processo, não adotaram
prazos máximos de duração do processo penal. Ressalte-se que não delegaram
tal fixação à lei ordinária, tampouco impediram que a lei ordinária o fizesse.
Daniel Roberto Pastor (2002, p. 107) atribui essa ausência de fixação de
prazo máximo de duração do processo penal ao fato de que tal direito surgiu
no plano internacional, o que dificulta a imposição de critérios concretos:

“Las decisiones jurisprudenciales que se han ocupado de este derecho se


enfrentaron a un problema interpretativo muy previsible. Dado que su
regulación positiva había surgido ante todo, como ya ha sido dicho, en el
plano internacional, no podía esperarse de ella criterios concretos de de-
terminación de los límites de sus alcances precisos y de las consecuencias
jurídicas a las que debería conducir el trespasarlos. Además, también para
las posibles formulaciones positivas Del derecho interno regía el obstáculo,
al menos en lo que respecta al derecho constitucional que no puede ocupar-
se de establecer más que principios generales, de textura siempre porosa.”

Por esta razão, os tratados adotaram o modelo da textura aberta, que


perfeitamente se adequa à formulação de princípios gerais. Some-se a isso ou-
tras duas observações: uma é que o direito fundamental à duração razoável do
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
30

processo não se limita ao processo penal, portanto, seria incorreto fixar prazo
máximo de duração de um processo diante de tantos ramos e procedimentos
diferentes existentes; outra é que uma Constituição não pode adotar prazo
máximo de duração dos processos caso ela delegue aos Estados membros a
competência para legislar sobre o direito processual, a exemplo do que ocorre
na República Argentina (PASTOR, 2002, p. 107).
Aury Lopes Junior (2013, p. 196) afirma que: “adotou o sistema bra-
sileiro a chamada ‘doutrina do não prazo’, persistindo numa sistemática ul-
trapassada e que a jurisprudência do Tribunal Europeu de direitos humanos
vem há décadas debatendo”.
Diferentemente do Brasil, o Paraguai adotou um prazo máximo de du-
ração para o processo penal. O Código Procesal Penal de la República del Paraguay
dedica seu Capítulo V ao control de la duración del procedimiento, demonstrando
sua intenção de regular o prazo de duração do procedimento em vez de per-
mitir à jurisprudência que decida sobre tal prazo.
Dispõe o Código Procesal Penal paraguaio em seu artigo 136, alterado
pela Ley nº 2341 de 11 de dezembro de 2003:

“Artículo 136. Duración máxima. Toda persona tendrá derecho a una


resolución judicial definitiva en un plazo razonable. Por lo tanto, todo
procedimiento tendrá una duración máxima de cuatro años, contados
desde el primer acto del procedimiento.

Todos los incidentes, excepciones, apelaciones y recursos planteados por


las partes, suspenden automáticamente el plazo, que vuelve a correr una
vez se resuelva lo planteado o el expediente vuelva a origen.

Este plazo solo se podrá extender por doce meses más cuando exista una
sentencia condenatoria, a fin de permitir la tramitación de los recursos.

La fuga o rebeldía del imputado interrumpirá el plazo de duración del


procedimiento. Cuando comparezca o sea capturado, se reiniciará el plazo.”

Assim, o Código Procesal Penal paraguaio institui o prazo máximo de


duração de quatro anos para o procedimento penal, prorrogáveis por mais
doze meses em caso de condenação para que se possa dar prosseguimento
aos recursos.
O Código Procesal Penal ainda legisla sobre os efeitos do descumprimen-
to do referido prazo: “Artículo 137. Efectos. Vencido el plazo previsto en el
artículo anterior el juez o tribunal, de oficio o a petición de parte, declarará
extinguida la acción penal, conforme a lo previsto por este código”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 31

Assim, ultrapassado o prazo previsto do “artículo 136”, o juiz ou tribu-


nal, mediante ato de ofício ou a requerimento da parte, extinguirá a ação penal.
O Código de Processo Penal brasileiro, no entanto, institui alguns
prazos, como nos casos dos arts. 400 (60 dias), 412 (90 dias), 531 (30 dias),
etc., mas o descumprimento desses prazos não acarreta sanção (LOPES Jr.,
2013, p. 196).
Ressalte-se que se trata de ausência de sanção processual, pois des-
cumpridos os prazos, o processo em nada se altera. Não se trata de sanção
funcional para o juiz ou membro do Ministério Público que descumpra o
prazo, pois, para esses casos, existem as sanções previstas nas Leis Orgânicas
da Magistratura e do Ministério Público.
Aury Lopes Junior (2013, p. 196), ao tratar do prazo sem sanção aponta
para a equação “prazo-sanção=ineficácia” ao descrever que a existência de
prazos sem sanções processuais equivale à adoção da “doutrina do não prazo”.
A adoção da textura aberta dificulta a interpretação sobre a razoabili-
dade ou não dos prazos processuais penais. Por isso, foi necessária a adoção
de critérios para aferir essa razoabilidade.
Por isso, são importantes as decisões do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (TEDH) sobre a temática. Importante ressaltar a maioria dos casos
foram levados ao TEDH em razão da discussão acerca da prisão cautelar, mas
em sua maioria, os casos também tratavam do prazo do procedimento.
Daniel Roberto Pastor (2002, p. 109) explica a razão pela qual não há
prejuízos em se utilizar da jurisprudência do TEDH, tanto para os casos de
prisão cautelar, quanto para os casos de duração do procedimento:

“La única diferencia realmente transcendente entre la duración de la de-


tención preventiva y la del procedimiento que debe ser recalcada, también
puesta de manifiesto en las decisiones del TEDH, se refiere exclusivamente
a que la primera debe ser evaluada y delimitada con criterios más ‘urgentes’
que la segunda.”

O caso mais importante, por ser o caso no qual se deu o primeiro passo
na direção e na criação de critérios para valorar a duração indevida, foi o caso
Wemhoff, sentenciado em 27.06.68 (LOPES Jr., 2013, p. 196).
A discussão central do caso foi a excessiva duração da prisão preventiva,
mas no mesmo caso discutiu-se a duração do processo, por ser assunto que se
vincula de forma inseparável com a temática do caso (PASTOR, 2002, p. 111).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
32

O alemão Wemhoff foi investigado em seu país por uma grande fraude
bancária de consequências internacionais. Vários foram os crimes a ele im-
putados, tais como fraudes, abusos de confiança, dentre outros crimes desse
gênero. A investigação durou mais de dois anos e resultou no exame de 159
contas bancárias de instituições alemãs e suíças. Dezenas de testemunhas
foram inquiridas, os laudos técnicos ocuparam mais de 1.500 páginas e, no
momento da acusação, os autos compreendiam 45 volumes com aproxima-
damente 10.000 páginas (PASTOR, 2002, p. 111).
Wemhoff foi preso em 09.11.61 e condenado no dia 07.04.65. No dia
12.12.65 foi denegado o recurso apresentado pela defesa contra a sentença.
Assim, até a condenação em primeira instância, Wemhoff havia cumprido três
anos e cinco meses de prisão (PASTOR, 2002, p. 111).
O caso foi levado ao TEDH por violação do prazo razoável com a
seguinte questão: “Qual era o alcance da expressão ‘razoável’?”. Frente às
dificuldades encontradas para definir o termo, em razão de ser um órgão in-
ternacional, a Comissão adotou a doutrina dos “sete critérios”, que serviriam
para responder se o prazo seria ou não razoável. Deve-se destacar que, com
variações, os sete critérios foram aplicados tanto na medição da prisão caute-
lar, quanto na razoabilidade da duração de todo o procedimento (PASTOR,
2002, p. 111-112).
Leciona Aury Lopes Junior (2013, p. 196) que, segundo a Comissão, os
sete critérios para verificar a razoabilidade da prisão cautelar (e consequente-
mente a dilação indevida do processo) são:
a) a duração da prisão cautelar;
b) a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito, à pena
fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação;
c) os efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material
como oral ou outros;
d) a influência da conduta do imputado em relação à demora do pro-
cesso;
e) as dificuldades para a investigação do caso (complexidade dos fatos,
quantidade de testemunhas e réus, dificuldades probatórias, etc.);
f) a maneira como a investigação foi conduzida;
g) a conduta das autoridades judiciais.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 33

Os critérios deveriam ser apreciados em conjunto, cada um deles com


valor e importância relativos, sendo admitido que apenas um deles fosse toma-
do como decisivo na aferição do excesso de prazo (LOPES Jr., 2013, p. 197).
Nesse aspecto, Daniel Roberto Pastor (2002, p. 112) esclarece que:

“La Comisión no fue capaz de asignar, más que confusamente, el valor que
tendrían cada uno de estos criterios, no definió la forma en que debían ser
combinados y ni siquiera estimo que éstos pudieran ser los únicos puntos
de vista a considerar para establecer cuándo la duración de la detención
era o no razonable.”

Os sete critérios permitem uma interpretação coerente e impedem a


aparência de arbitrariedade, mas a conclusão do caso em particular deve resultar
de uma avaliação geral dos elementos. O exame de alguns desses critérios pode
levar a um raciocínio sobre a duração da prisão, mas o exame de outros pode
levar a uma opinião contrária. A conclusão decisiva e definitiva dependerá
do valor e da importância relativa dos critérios, portanto, da subjetividade
interpretativa do juiz, que não excluirá a possibilidade de apenas um deles
ter uma importância decisiva. (PASTOR, 2002, p. 112).
Quanto à decisão do caso Wemhoff, a Comissão considerou que os
critérios (a), (b) e (c) indicavam suficientemente que, naquele caso, a prisão
preventiva sofrida por Wemhoff havia violado o artigo 5.3 da CEDH. A Co-
missão decidiu, também, que nem o réu nem as autoridades haviam contri-
buído com a dilação do procedimento [critérios (d), (f) e (g)]. A Comissão
concluiu ainda que a complexidade do caso havia contribuído com a demora
do processo [critério (e)] (PASTOR, 2002, p. 113).
Quanto à infração ao artigo 6.1 da CEDH, referente ao direito do
acusado de que o processo tenha um prazo de duração razoável, a Comissão
entendeu que, apesar da interpretação dessa regra ser parecida com a inter-
pretação do artigo 5.3, a qualidade de razoável da prisão preventiva pode ser
distinta da duração do processo. A Comissão entendeu que no caso Wemhoff
a duração da prisão preventiva havia sido exageradamente extensa, mas por
outro lado, a duração do processo foi razoável, dada a sua complexidade
(PASTOR, 2002, p. 113).
No que se refere às argumentações do governo alemão, destaca-se
a alegação de que a doutrina dos sete critérios não resolvia, em absoluto, o
problema interpretativo criado em torno da definição de prazo razoável. Foi
argumentado que a doutrina dos sete critérios apenas escondia uma impotência
para se alcançar essa determinação e que o método não permite estabelecer
com objetividade se a duração da prisão cautelar foi razoável ou não, conforme
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
34

o artigo 5.3 da CEDH, nem fixar a linha que divide o tempo razoável daquele
que não o é (PASTOR, 2002, p. 113-114).
Apesar de toda a argumentação da Comissão, o TEDH não compar-
tilhou dessa arguição e rechaçou a tese dos sete critérios. Esclarece Daniel
Roberto Pastor (2002, p. 114) que:

“A juicio del Tribunal, dicha doctrina es solamente una ‘medida de disci-


plina intelectual’ para la apreciación de las circunstancias, de una extrema
variedad, susceptibles de ser tenidas en cuenta en la apreciación acerca de
si un plazo es o no razonable.”

Assim, o Tribunal decidiu que a prisão de Wemhoff havia se mantido


dentro do razoável, considerando a complexidade da causa, a presteza das
autoridades durante a investigação e o fato de que Wemhoff não havia de-
monstrado categoricamente sua decisão de prestar garantias monetárias no
caso de encarceramento. Portanto, não houve violação do artigo 5.3 da CEDH
(PASTOR, 2002, p. 114).
Quanto ao prazo de duração do processo, o Tribunal resolveu que,
diante da diligência com que as autoridades trataram do assunto, a duração
do processo e a complexidade da causa, o prazo de duração do processo havia
sido razoável, ou seja, não havia ferido o artigo 6.1 da CEDH (PASTOR,
2002, p. 114-115).
Com base nessas observações do TEDH, Aury Lopes Junior e Gustavo
Henrique Righi Ivahy Badaró (2009, p. 40) esclarecem que:

“A doutrina dos sete critérios não foi expressamente acolhida pelo TEDH
como referencial decisivo, mas tampouco foi completamente descartada,
tendo sido utilizada pela Comissão em diversos casos posteriores, deno-
minado teoria dos três critérios:

a) complexidade do caso;

b) a atividade processual do interessado (imputado);

c) a conduta das autoridades judiciárias.”

Aury Lopes Junior (2013, p. 197) esclarece que: “esses três critérios
têm sido sistematicamente invocados, tanto pelo TEDH, como também pela
Corte Americana de Direitos Humanos. Ainda que mais delimitados, não são
menos discricionários”.
Assim, o caso Wemhoff demonstrou que a Comissão decidiu que a
prisão havia ultrapassado seu limite razoável de duração, no entanto, sem
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 35

fundamentos jurídicos racionais, enquanto que o Tribunal, por sua vez, sen-
tenciou que tal limite não havia sido violado, também sem fundamentação
(PASTOR, 2002, p. 117).
Para Daniel Roberto Pastor (2002, p. 117), o caso Wemhoff: “(...) es
demostrativo no sólo de las graves dificultades interpretativas de la expresión
‘plazo razonable’, sino, antes bien, del enorme campo para la arbitrariedad que
él brinda: para un mismo caso, la Comisión y el Tribunal europeo contaron,
con la misma arbitrariedad, interpretaciones y consecuencias diferentes”.
Diante desse impasse de arbitrariedades, Aury Lopes Junior (2013, p.
197) defende que: “O ideal seria a clara fixação da duração máxima do pro-
cesso e da prisão cautelar, impondo uma sanção em caso de descumprimento
(extinção do processo ou liberdade automática do imputado). Para falar-se em
dilação ‘indevida’, é necessário que o ordenamento jurídico interno defina
limites ordinários para os processos, um referencial do que seja a ‘dilação
devida’ (...)”.
É na indefinição da referida “dilação devida” que residem as arbitra-
riedades no julgamento do que vem a ser o prazo razoável de duração do
processo. Não se desconsidera, no entanto, as peculiaridades de cada caso e
suas implicações na duração dos feitos, mas a inexistência de um prazo limite,
de normatização, permite tal subjetividade judicial.
Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 333), no entanto, discorda da
necessidade e da possibilidade de se fixar um prazo, no que se refere à duração
razoável do processo: “Note-se o binômio da economia processual: razoá-
vel duração do processo + celeridade de tramitação. Não se fixou um fator
temporal rígido, mencionando-se apenas o critério do razoável. Sem dúvida
tratou-se da melhor opção, pois somente cada caso concreto poderá permitir
ao Judiciário avaliar o grau de razoabilidade ínsito no trâmite do feito”.
No entanto, diante de um Poder Judiciário que não se mostra capaz de
reduzir o acervo de processos, o que influencia diretamente na sua morosidade,
não parece ser a melhor opção o entendimento de que a razoabilidade possa
ser decidida pelo julgador no caso concreto. Pois, dessa forma, autoriza-se
que questões relacionadas à quantidade excessiva de processos ou à falta de
serventuários da justiça, por exemplo, possam ser consideradas pelo Julgador
no momento de decidir sobre a razoabilidade, fazendo com que o indiciado
ou o acusado suportem encargos aos quais não deram causa.
Assim, sendo o direito à duração razoável do processo um direito
fundamental elencado na Constituição Federal, cabe ao legislador analisar o
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
36

que seria razoável e estipular limite máximo de duração do processo penal,


instituindo sanções caso o processo não termine no prazo estipulado.
No entanto, a fixação de prazo máximo para a duração do processo ou
da prisão cautelar não foi a opção do legislador brasileiro.
Aury Lopes Junior (2013, p. 197) destaca que cabe: “(...) a análise da
demora processual ser feita à luz dos critérios anteriormente analisados e
acrescido do princípio da razoabilidade”.
Ressalte-se que este estudo não tem a pretensão de enfrentar a distinção
discutida na doutrina acerca do princípio da razoabilidade e da proporciona-
lidade, mas oportuna é a descrição de Guilherme de Souza Nucci (2010, p.
333) acerca da razoabilidade: “A razoabilidade condutora do tempo máximo
para o trâmite do processo, dentro dos parâmetros garantistas constitucionais,
cinge-se à prudência, à sensatez, à moderação, enfim, a critérios subjetivos
do Judiciário para avaliar o caso concreto, dentro de suas particularidades”.
Nos dizeres de Aury Lopes Junior (2013, p. 198) acerca do princípio da
razoabilidade ou proporcionalidade: “(...) por sua abertura conceitual deve,
no processo penal, estar necessariamente conectado ao princípio da dignidade
da pessoa humana (...)”.
Ademais, a EC nº 45/04, que alterou a Constituição brasileira, por
motivos já expostos, não definiu prazo de duração do processo. O art. 5º,
LXXVIII, da CF/88, introduzido pela referida Emenda, adotou a teoria do não
prazo, instituindo uma indefinição de critérios e conceitos. Assim, conside-
rando a discussão do caso Wemhoff e os critérios apresentados, partindo-se
da doutrina dos sete critérios da CEDH, passando-se à posição do TEDH
que se posicionou com apenas três critérios, Aury Lopes Junior (2003, p.
199), ao tratar da necessidade de se observar o princípio da razoabilidade ou
proporcionalidade, defende que deverão ser adotados quatro critérios pelos
Tribunais brasileiros:
a) complexidade do caso;
b) atividade processual do interessado (imputado), que obviamente não
poderá se beneficiar de sua própria demora;
c) a conduta das autoridades judiciárias como um todo (polícia, Minis-
tério Público, juízes, servidores, etc.);
d) princípio da razoabilidade.
Para o próprio autor, “ainda não é o modelo mais adequado, mas, en-
quanto não se tem claros limites temporais por parte da legislação interna, já
representa uma grande evolução” (LOPES Jr., 2013, p. 197).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 37

Assim, ainda que haja previsão do direito fundamental à razoável dura-


ção do processo na CF/88, nem a própria Constituição, nem o CPP definem
prazos máximos para a duração do processo ou da prisão preventiva, ficando
a cargo da subjetividade do Juiz a decisão sobre a razoabilidade da duração da
prisão ou do processo.
Inexiste, portanto, total observância do direito fundamental à duração
razoável do processo no Brasil. Não há respeito ao prazo razoável, definido
por Daniel Roberto Pastor (2002, p. 47) como: “plazo razonable es la expre-
sión más significativa que utiliza la dogmática de los derechos fundamentales
para regular la prerrogativa del imputado a que su proceso termine tan pronto
sea posible”.
A mera formalidade, portanto, de previsão do direito à razoável duração
do processo, tanto no plano internacional, quanto no ordenamento jurídico
pátrio, não é suficiente para que seus efeitos reflitam no Poder Judiciário
brasileiro.
Como doutrina Norberto Bobbio (1992, p. 23): “O problema funda-
mental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los,
mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.

3 A Duração Razoável do Processo Penal na Jurisprudência do


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Oportuno, em se tratando do estudo de um direito fundamental, verifi-
car o tratamento de tal direito pela jurisprudência pátria. Para tanto, optou-se
no presente estudo, por se verificar as decisões do TJSP no que se refere ao
direito fundamental à duração razoável do processo. Para tanto, como meio
de limitação da pesquisa, foram examinados acórdãos que possuem em sua
ementa o termo “duração razoável do processo”, que se encontram na classe
habeas corpus, que tenham sido julgados entre 11 de abril de 2017 e 10 de
abril de 2018 e, cujo órgão julgador tenha sido qualquer órgão do TJSP com
competência para causas criminais.
Tal pesquisa, ordenada por ordem de publicação de acórdão, retornou
51 resultados. Dos 51 acórdãos 32 foram prolatados pela 3ª Câmara de Di-
reito Criminal; 8 foram prolatados pela 13ª Câmara de Direito Criminal; 6
foram prolatados pela 15ª Câmara de Direito Criminal; 1 foi prolatado pela
2ª Câmara de Direito Criminal; 1 foi prolatado pela 4ª Câmara de Direito
Criminal; 1 foi prolatado pela 5ª Câmara de Direito Criminal; 1 foi prolatado
pela 12ª Câmara de Direito Criminal; e 1 foi prolatado pela 14ª Câmara de
Direito Criminal.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
38

Considerando ser o objetivo deste capítulo o estudo da jurisprudência


do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca da duração razoável
do processo na esfera criminal e considerando que a pesquisa não retornou
acórdãos de todas as Câmaras de Direito Criminal do referido Tribunal, com
o objetivo de avaliar uma maior variedade de decisões, optou-se por analisar,
dentro do resultado da pesquisa, um acórdão de cada Câmara, utilizando-se
do acórdão mais recente no caso das Câmaras que retornaram mais de um
resultado.
Assim, passa-se à análise dos acórdãos em ordem crescente de Câmaras de
Direito Criminal do TJSP. No julgamento do HC 2230831-23.2017.8.26.0000,
da relatoria da Desembargadora Kenarik Boujikian, da 2ª Câmara de Direito
Criminal do TJSP, foi alegado pelo impetrante excesso de prazo na formação
da culpa do paciente que se encontrava preso preventivamente.
Dos quatro critérios apontados no capítulo anterior, a Relatora consi-
derou apenas a complexidade do caso para proferir a decisão:

“Assim, observa-se o regular trâmite da persecução penal, haja vista tratar-se


de feito com mais de uma vítima e mais de um réu e que envolve delitos
mais graves praticados em Mongaguá e delitos menores praticados na Praia
Grande, de modo que se faz necessário o uso de carta precatória, deman-
dando maior tempo de cumprimento dos atos quando comparado a atos
praticados todos numa mesma Comarca.

Assim, está evidenciada a complexidade do caso e da produção da prova e,


por conseguinte, o trâmite têm se desenrolado em prazo razoável.” (TJSP,
HC 2230831-23.2017.8.26.0000, Relª Kenarik Boujikian, 2ª Câmara de
Direito Criminal, j. 09.04.2018, v.u)

Assim, a Relatora denegou a ordem de habeas corpus impetrada pela não


configuração do constrangimento ilegal por excesso de prazo.
No julgamento do HC 2034903-03.2018.8.26.0000, da relatoria do
Desembargador Airton Vieira, da 3ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, foi
alegado pelo impetrante excesso de prazo na formação da culpa do paciente
que se encontrava preso preventivamente. Realizando uma análise das moda-
lidades de prisão processual existentes no direito brasileiro, o Desembargador
não deu razão à defesa:

“Isto porque, diferentemente da prisão em flagrante e da prisão temporá-


ria, que possuem, respectivamente, prazos de 24 (vinte e quatro) horas e
de 5 (cinco) dias ou 30 (trinta) dias, ambos podendo ser prorrogados por
igual prazo, a prisão preventiva não possui prazo de duração. Em outras
palavras: o réu poderá permanecer preso preventivamente durante a ins-
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 39

trução processual inteira, independentemente de esta durar um, cinco ou


doze meses.” (TJSP, HC 2034903-03.2018.8.26.0000, Rel. Airton Vieira,
3ª Câmara de Direito Criminal, j. 27.03.2018, v.u)

Ademais, afirmou o Relator que a prisão processual na modalidade


de prisão preventiva pode perdurar até pela totalidade da instrução criminal,
ressaltando em seu voto o reclamo da doutrina pátria:

“Infelizmente, esse é o grande problema suscitado pela doutrina processual


brasileira e discutido por todo o mundo: a necessidade de estipular um
prazo razoável para a duração da prisão preventiva!” (TJSP, HC 2034903-
03.2018.8.26.0000, Rel. Airton Vieira, 3ª Câmara de Direito Criminal, j.
27.03.2018, v.u)

No que se refere à soma aritmética dos prazos, o Desembargador rechaça


a ideia com a seguinte argumentação:

“O que estou a dizer, no duro, é que não é correto considerar essa simples
soma aritmética dos prazos previstos na Lei nº 11.343/06 (como também
no CPP) como suficiente para determinar o prazo dentro do qual deveria
ser encerrada a instrução processual (ou algum outro ato processual), uma
vez que não é computado o tempo necessário para cumprimento, pelo
cartório, dos despachos proferidos, da notificação do paciente, da feitura
de eventual laudo pericial toxicológico, o que, de outra banda, impossibilita
que a finalização de todos os atos processuais se efetive dentro do prazo
final obtido pela singela soma dos prazos previstos isoladamente.” (TJSP,
HC 2034903-03.2018.8.26.0000; Rel. Airton Vieira, 3ª Câmara de Direito
Criminal, j. 27.03.2018, v.u.)

Assim, o relator passa a considerar o critério da razoabilidade em sua


decisão:

“A análise do questionado ‘excesso de prazo’, como critério amplamente


pacífico na jurisprudência do STF, deve ser efetivada sob a óptica da ra-
zoabilidade, o que, no caso concreto, ao menos perfunctoriamente, parece
ter havido.” (TJSP, HC 2034903-03.2018.8.26.0000, Rel. Airton Vieira, 3ª
Câmara de Direito Criminal, j. 27.03.2018, v.u.)

Seguindo em seu voto, sem diferenciar razoabilidade de proporcionali-


dade, o Desembargador considera ser o tempo de prisão cautelar proporcional
à pena que o acusado poderá sofrer:

“Com essas considerações, parece-me que o fato do paciente se encontrar


preso desde o dia 1º de setembro de 2017, pela prática de crime previsto
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
40

no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, crime este extremamente grave e


fomentador de inúmeros outros, não caracteriza o constrangimento ilegal
decorrente do cerceamento da sua liberdade por tempo superior ao limite,
afinal, em caso de eventual condenação, a pena mínima que poderá suportar
será de 5 (cinco) anos de reclusão, pela prática do crime previsto no art.
33, caput, da Lei nº 11.343/06, de modo que o tempo que se encontra preso
cautelarmente não é nada desproporcional, apenas lembrando que o período
da sua custódia cautelar, posteriormente, será descontado, se o caso, da sua
prisão definitiva, acaso condenado.” (TJSP, HC 2034903-03.2018.8.26.0000,
Rel. Airton Vieira, 3ª Câmara de Direito Criminal, j. 27.03.2018, v.u.)

Nesse caso, embora o julgador não faça distinção entre razoabilidade


e proporcionalidade, ele se utiliza da possível pena a ser aplicada como uma
referência para julgar o que vem a ser razoável ou proporcional.
Por fim, utiliza-se ainda do critério da complexidade do caso:

“E, no duro, parece-me prematuro falar-se na alegada demora na conclusão


do processo, afinal, sem sombra de dúvida, trata-se de processo complexo,
envolvendo a prática de crime de narcotráfico, com dois réus (dentre eles
o paciente), com a apreensão de exorbitante quantidade de substância
entorpecente, apreendidas 856 unidades, mensurando mais de 640kg de
‘maconha’ (cf. relatório policial às fls. 34/38), tudo a inviabilizar o reconhe-
cimento do ‘excesso de prazo’.” (TJSP, HC 2034903-03.2018.8.26.0000,
Rel. Airton Vieira, 3ª Câmara de Direito Criminal, j. 27.03.2018, v.u.)

Assim, utilizando-se da complexidade do caso e da razoabilidade ou


proporcionalidade, o Relator entendeu não ter havido excesso de prazo na
formação da culpa e denegou a ordem de habeas corpus.
No julgamento do HC 2019153-92.2017.8.26.0000, da relatoria da
Desembargadora Ivana David, da 4ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, foi
alegado pelo impetrante excesso de prazo na formação da culpa do paciente
que se encontrava preso preventivamente, pois ultrapassados os 81 dias pre-
vistos na legislação.
Neste caso a relatora utilizou-se de dois dos quatro critérios. O primeiro
deles foi a complexidade do caso:

“O prazo assinalado processualmente é apenas um indicador para a celeri-


dade do feito, e não pode ser contemplado de forma aritmética, até porque
as diligências necessárias para a instrução criminal devem ser observadas
e consideradas para o reconhecimento do excesso.” (TJSP, HC 2019153-
92.2017.8.26.0000, Relª Ivana David, 4ª Câmara de Direito Criminal, j.
16.05.2017, v.u.)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 41

O segundo critério adotado pela Relatora em sua decisão foi a conduta


do juiz:

“Vale dizer, o excesso de prazo na formação da culpa para constranger, deve


ser imotivado, fruto da desídia do Juízo, o que não se verificou na hipótese
dos autos, encontrando-se o paciente preso em outro Estado da Federação,
como já se ressaltou.” (TJSP, HC 2019153-92.2017.8.26.0000, Relª Ivana
David, 4ª Câmara de Direito Criminal, j. 16.05.2017, v.u.)

Assim, a Relatora denegou a ordem de habeas corpus mantendo a prisão


preventiva do paciente.
No julgamento do HC 2141934-19.2017.8.26.0000, da relatoria do
Desembargador Juvenal Duarte, da 5ª Câmara de Direito Criminal do TJSP,
foi alegado pelo impetrante excesso de prazo na formação da culpa do paciente
que se encontrava preso preventivamente.
Utilizando-se do critério da complexidade do caso, o Relator decidiu
pela revogação da prisão preventiva que perdurava por três meses:

“Nesse contexto, tendo em vista que a custódia cautelar do paciente perdura


por mais de três meses, pese embora a ausência de complexidade do feito,
a revogação de sua prisão preventiva é providência que se impõe, indepen-
dentemente da gravidade dos fatos que lhe são imputados e das razões que
ensejaram a sua decretação, por força, sobretudo, o que preconiza o art.
5º, LXXVIII, da CF.” (TJSP, HC 2141934-19.2017.8.26.0000, Rel. Juvenal
Duarte, 5ª Câmara de Direito Criminal, j. 10.08.2017, v.u.)

O Relator ainda analisou o caso à luz da razoabilidade e da proporcio-


nalidade:

“E, embora a formação da culpa não se submeta a prazo fatal ou peremp-


tório, no caso em apreço resultaram ultrapassados os limites da razoabili-
dade e da proporcionalidade, razão pela qual se faz imperiosa a concessão
da ordem de habeas corpus para o fim de revogar a prisão preventiva do
paciente, por força do que rezam o art. 5º, LXVIII, da CF, e os arts. 647 e
648, II, do CPP, estendendo-se os efeitos do writ, mediante a aplicação do
disposto no art. 580 do CPP, ao coacusado (...), em respeito ao princípio
da isonomia, haja vista a identidade fática e processual, aferível de pronto,
independentemente do exame aprofundado de fatos e provas.” (TJSP, HC
2141934-19.2017.8.26.0000, Rel. Juvenal Duarte, 5ª Câmara de Direito
Criminal, j. 10.08.2017, v.u.)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
42

Assim, embora não tenha diferenciado razoabilidade e proporciona-


lidade, o Relator concedeu a ordem de habeas corpus para relaxar a prisão do
paciente e do corréu.
No julgamento do HC 2011411-79.2018.8.26.0000, da relatoria do
Desembargador Paulo Rossi, da 12ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, foi
alegado pelo impetrante excesso de prazo na formação da culpa do paciente,
pois foi determinado o cancelamento da audiência após ter sido o réu consi-
derado foragido da justiça.
Decidiu o Relator que a paralisação do processo pela ausência do réu,
aguardando-se sua prisão para o prosseguimento não é o correto:

“Embora respeitando o entendimento da douta magistrada a quo, não se


faz necessário se aguardar a prisão do acusado para o prosseguimento do
feito, mormente porque ele possui defensor constituído e inequívoco co-
nhecimento da acusação contra si dirigida, permitindo que o julgamento
aconteça mesmo que ele não compareça em Juízo.” (TJSP, HC 2011411-
79.2018.8.26.0000, Rel. Paulo Rossi, 12ª Câmara de Direito Criminal, j.
28.03.2018, v.u.)

Nesse caso, o Desembargador utilizou-se apenas da celeridade proces-


sual para embasar a sua decisão:

“Diante desse contexto, deve ser decretada, desde logo, a revelia do acusado
e o prosseguimento do feito até seus ulteriores termos, em homenagem à
celeridade processual.” (TJSP, HC 2011411-79.2018.8.26.0000, Rel. Paulo
Rossi, 12ª Câmara de Direito Criminal, j. 28.03.2018, v.u.)

Assim, o Relator concedeu a ordem impetrada determinando o ime-


diato prosseguimento do feito com a designação de audiência de instrução,
debates e julgamento.
No julgamento do HC 2232088-83.2017.8.26.0000, da relatoria do
Desembargador Moreira da Silva, da 13ª Câmara de Direito Criminal do
TJSP, foi alegado pelo impetrante excesso de prazo na formação da culpa do
paciente por morosidade na tramitação do processo sem maior complexidade.
O Relator aponta para a falta de perspectiva para o encerramento da
colheita da prova testemunhal:

“Cumpre registrar que, embora se trate de processo com três réus presos
– em que se fez necessária expedição de cartas precatórias e, por isso, se
justificaria pequena delonga –, não se mostra razoável que, depois de mais
de 1 ano de trâmite processual, inexista, no horizonte do tempo, perspectiva
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 43

acerca de quando se dará o encerramento da colheita da prova testemunhal.”


(TJSP, HC 2232088-83.2017.8.26.0000, Rel. Moreira da Silva, 13ª Câmara
de Direito Criminal, j. 01.02.2018, v.u.)

Nesse caso, o Relator utilizou-se do critério da complexidade do caso


para julgar:

“É que não se justifica a morosidade na tramitação de um processo, sem


maior complexidade, máxime quando o Estado se coloca em posição de
responsável por essa situação jurídica anômala. A prisão cautelar da paciente
estende-se por mais de 1 (um) ano, sem a prolação da sentença, a despeito
de o encerramento da instrução criminal depender, desde julho de 2017,
somente da oitiva de uma testemunha de acusação, e sem perspectiva de
quando a entrega de tal prestação jurisdicional se efetivará, circunstân-
cia reveladora de nítida vulneração do princípio da razoável duração do
processo e, por conseguinte, constrangimento ilegal suscetível de pronta
reparação.” (TJSP, HC 2232088-83.2017.8.26.0000, Rel. Moreira da Silva,
13ª Câmara de Direito Criminal, j. 01.02.2018, v.u.)

Além da ausência de complexidade no caso, o Desembargador funda-


mentou sua decisão no princípio constitucional da razoabilidade:

“Frente a esse quadro, por afigurar-se patente que a paciente se encontra


sob custódia cautelar por prazo de todo incompatível com o princípio
constitucional da razoabilidade, exsurge imperiosa a concessão do remédio
heroico, com extensão dos efeitos à corré (...), nos termos do art. 580 do
CPP, que se apresenta em idêntica situação jurídica.” (TJSP, HC 2232088-
83.2017.8.26.0000, Rel. Moreira da Silva, 13ª Câmara de Direito Criminal,
j. 01.02.2018, v.u.)

Assim, portanto, foi concedida a ordem de habeas corpus em favor da


paciente e da corré.
No julgamento do HC 2194945-60.2017.8.26.0000, da relatoria do
Desembargador Laerte Marrone, da 14ª Câmara de Direito Criminal do TJSP,
foi alegada pelo impetrante ofensiva ao princípio da ampla defesa à decisão do
Magistrado a quo que indeferiu a oitiva de 10 das 18 testemunhas arroladas.
No referido caso, a duração razoável do processo, embora seja um di-
reito individual, foi utilizada contra o réu para mitigar sua defesa ao indeferir
a oitiva de testemunhas:

“Colocada a questão nestes termos, infere-se que a atuação do magistrado,


considerando as circunstâncias concretas da causa (complexidade dos fatos,
número elevado de testemunhas, relevância dos depoimentos), insista-se
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
44

neste ponto, vai ao encontro dos princípios da efetividade e da duração


razoável do processo, que, no caso em testilha, sobrelevam o princípio da
ampla defesa (que não sofrerá um gravame com a não oitiva das testemu-
nhas de antecedentes).” (TJSP, HC 2194945-60.2017.8.26.0000, Rel. Laerte
Marrone, 14ª Câmara de Direito Criminal, j. 07.12.2017, v.u.)

Assim, embora conste em capítulo destinado aos direitos individuais da


Constituição Federal, a duração razoável do processo, direito fundamental, foi
utilizada, ao lado do princípio da efetividade, como fundamento para denegar
a ordem de habeas corpus.
Por fim, no julgamento do HC 2252499-50.2017.8.26.0000, da relatoria
da Desembargadora Kenarik Boujikian, da 15ª Câmara de Direito Criminal
do TJSP, foi alegado pelo impetrante excesso de prazo na formação da culpa
do paciente que se encontrava preso preventivamente.
Neste caso, a Relatora não se utiliza de nenhum dos quatro critérios
apontados no capítulo anterior e fundamenta sua decisão no princípio do
devido processo legal:

“Ademais, o direito a um julgamento no prazo razoável é decorrência do


devido processo legal, princípio e garantia constitucional que permeia todo
o ordenamento jurídico brasileiro.” (TJSP, HC 2252499-50.2017.8.26.0000,
Relª Kenarik Boujikian, 15ª Câmara de Direito Criminal, j. 01.02.2018, v.u.)

Assim, foi concedida a ordem de habeas corpus para revogar a prisão


preventiva e colocar o réu em liberdade.
Diante do conjunto de acórdãos estudado, pode-se observar que, no
TJSP, a duração razoável do processo penal é avaliada, em sua maioria, pela
análise dos quatro critérios apresentados no capítulo anterior.
Observa-se que, por vezes, apenas um ou dois critérios são utilizados e
a complexidade do caso é o critério que mais figura entre as decisões.
Há que se ressaltar, no entanto, que na presente pesquisa foi possível
verificar a adoção da razoabilidade e da proporcionalidade como conceitos si-
nônimos e, a utilização da duração razoável do processo, um direito individual,
utilizado para mitigar o princípio da ampla defesa, reduzindo a quantidade de
testemunhas a serem inquiridas dentre as arroladas pelo réu.

Conclusão
Os números apresentados pelo relatório Justiça em Números 2017: Des-
taques, emitido pelo Conselho Nacional de Justiça, demonstram que o Poder
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 45

Judiciário brasileiro, no que se refere à Justiça Criminal, possuía um acervo


de 6,5 milhões de processos ao fim do ano de 2016, com uma capacidade de
baixa de 2,8 milhões de processos naquele ano.
Tais dados demonstram que o Poder Judiciário brasileiro possui um
acervo processual criminal mais que duas vezes maior que sua capacidade
de julgamento. Ademais, considerando que o número de processos novos
praticamente se equipara à capacidade de julgamento, a perspectiva é de que
a morosidade se arrastará por muito tempo, caso novas possibilidades não
sejam estudadas, propostas e exploradas.
A Reforma do Poder Judiciário, implementada pela EC nº 45/04,
dentre as diversas alterações que trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro,
preocupou-se com a morosidade dos processos e introduziu no art. 5º da CF
o inciso LXXVIII que incluiu o direito à razoável duração do processo no rol
de direitos fundamentais.
No entanto, o Brasil, signatário de dois tratados internacionais que
versam sobre a duração razoável do processo, o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, internalizado pelo Decreto nº 592/92 e o Pacto de
San José da Costa Rica, internalizado ao direito brasileiro pelo Decreto nº
678/92, já havia se comprometido anteriormente à Reforma com a duração
razoável do processo.
No que se refere à duração razoável da prisão cautelar e do processo, a
jurisprudência do TEDH reformulou a teoria dos sete critérios, criada pela
CEDH no paradigmático caso Wemhoff, transformando-a em uma teoria
com três critérios.
Embora a doutrina pátria tenha realizado uma reformulação da dou-
trina do TEDH, adicionando um quarto critério à teoria, reconhece-se que
a ausência de determinação legal de prazos para a prisão preventiva e para a
duração do processo impedem o efetivo exercício do direito à duração razoável
do processo na esfera criminal.
Embora adote, na maioria de suas decisões, apenas o critério da com-
plexidade do caso, os acórdãos do TJSP se baseiam também na razoabilidade,
vezes tomada como princípio, vezes tida como expressão sinônima de propor-
cionalidade, demonstrando uma inconsistência no critério adotado.
Conclui-se que, apesar da Reforma do Judiciário, implementada pela
EC nº 45/04, ter introduzido no texto constitucional o direito fundamental à
razoável duração do processo, a ausência de definição de prazos limitantes da
duração da prisão cautelar e da duração do processo na legislação processual
penal não permite o efetivo exercício desse direito.
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Observa-se, dos julgados do TJSP que, embora figure como um direito


individual, insculpido no art. 5º da CF, o direito fundamental à duração ra-
zoável do processo já foi utilizado contra o acusado para reduzir a quantidade
de testemunhas de defesa a serem ouvidas, em observância ao princípio da
efetividade e objetivando-se a celeridade processual.
Assim, outras inovações, objeto de estudos futuros, devem ser trazidas
ao ordenamento jurídico brasileiro a fim de que se vença o congestionamento
de processos no Poder Judiciário brasileiro e que se possa, ao reduzir o acervo
e ao proporcionar ao Poder Judiciário maior capacidade de julgamento, pro-
porcionar ao cidadão brasileiro o efetivo exercício do seu direito fundamental
à razoável duração do processo.

TITLE: Constitutional Amendment no. 45/2004 and the fundamental right to the reasonable duration
of the penal process.

ABSTRACT: The purpose of this study is to analyze the inclusion of the fundamental right to the reaso-
nable duration of the process in the Federal Constitution of 1988 by the so-called Reform of the Judiciary
and its reflexes in the criminal process. It is questioned whether the inclusion of the fundamental right to
the reasonable duration of the process in the Federal Constitution of 1988 was enough to guarantee the
procedural celerity in the criminal sphere. The descriptive and exploratory method was used, therefore, it
was developed based on documental and bibliographic research, using the hypothetical-deductive method.
It is concluded that, despite the Reform of the Judiciary, implemented by Constitutional Amendment no.
45/2004, introduced in the constitutional text the fundamental right to the reasonable length of the proce-
edings, the absence of definition of deadlines limiting the duration of the process in criminal procedural
law does not allows the effective exercise of this right.

KEYWORDS: Reasonable Duration of the Procedure. Constitutional Amendment no. 45/2004. Reform
of the Judiciary. Criminal Proceedings. Human Rights.

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Doutrina

Considerações sobre os Requisitos para


Prisão Preventiva

Gisele Leite
Professora Universitária; Pedagoga; Advogada; Mestre em
Direito e em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora-
Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.

RESUMO: Para adequadamente analisar os requisitos para a prisão preventiva é


necessário fazê-lo segundo os termos do Código de Processo Penal e as suas res-
pectivas hipóteses legais, nas situações que se enquadrem sua revogabilidade, bem
como a sua compatibilidade com o princípio da razoável duração do processo.

PALAVRAS-CHAVE: Prisão Preventiva. Código de Processo Penal.

Para adequadamente analisar os requisitos para a prisão preventiva é


necessário fazê-lo segundo os termos do Código de Processo Penal e as suas
respectivas hipóteses legais, nas situações que se enquadrem sua revogabili-
dade, bem como a sua compatibilidade com o princípio da razoável duração
do processo.
É cediço que a prisão preventiva é medida cautelar que vem restringir
a liberdade do indiciado por necessidade ditada pelos requisitos estatuídos
pela lei processual peal e que são, a saber: a garantia da ordem pública; da
ordem econômica, pela conveniência da instrução criminal; para assegurar a
aplicação da lei penal; quando houver provada existência do crime e indício
suficiente de autoria e, em caso de cumprimento de obrigações impostas por
força de outras medidas cautelares.
Historicamente, as prisões eram consideradas como locais onde o acu-
sado aguardava seu julgamento. E, em caso de condenação, o que em geral
acontecia, as penas eram notadamente cruéis, chegando até mesmo a ser a
pena capital.
Aliás, a pena de morte em nosso país foi aplicada para crimes civis pela
derradeira vez em 1876 e não foi utilizada oficialmente desde a Proclamação
da República em 1889. O Brasil foi o segundo país das Américas a abolir a
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pena de morte como forma de punição para crimes comuns, precedido apenas
pela Costa Rica, que abolira a referida pena em 1859.
Ressalte-se, porém, que a pena capital por fuzilamento continua prevista
pela legislação brasileira e pode ser utilizada em caso de guerra. A propósito,
nosso país é o único país de língua portuguesa a prever a pena de morte no
bojo de sua CF. Até o século XVIII, no Brasil, as prisões representavam locais
de custódia, onde o réu era resguardado até o julgamento e sucessiva aplicação
de pena. Nessa época vigia entre as penas a morte, a tortura, lesões corporais
com mutilações e confisco de bens, até que, em 1824, com a Constituição do
Império, foram abolidas as penas cruéis.
Em 1830 foi editado o Código Criminal do Império brasileiro, pela
Lei de 16 de dezembro, que, aliás, veio a substituir o Livro V das Ordenações
Filipinas de 1603, que vigorava entre nós mesmo depois da Independência
proclamada. Assim, o referido Código Criminal introduzira a prisão simples
e a prisão com trabalho e era composto de quatro partes: dos crimes e das
penas, dos crimes públicos, dos crimes particulares e dos crimes policiais.
E, mais tarde, foi complementado pelo Código de Processo Penal de 1832.
Mais adiante, em 1890, foi promulgado o Código Penal que então autorizava
a prisão preventiva caso a autoridade não fosse obedecida depois da terceira
advertência.
Com o advento do CP/1940 a pena de morte foi definitivamente abo-
lida, mantendo-se o sistema progressivo de cumprimento de penas privativas
de liberdade. Em 1977, foi promulgada a Lei nº 6.416 que alterou o processo
penal brasileiro. E, quanto à execução da pena, com a edição da Lei nº 7.210/84
(LEP) efetivamente se judicializou a execução penal no país. E, com o tempo, a
prisão processual tem sofrido sucessivas críticas e tem servido de instrumento
nas mãos de governantes, vez que é sempre invocada contra o criminoso ou
autor do crime e em prol da sociedade.
Mais especificamente quanto à prisão preventiva veio a Lei nº
12.403/2011 que alterou sensivelmente o CPP de 1940, tornando seus re-
quisitos mais evidentes para análise de sua concessão. A evolução da prisão
preventiva passou por autêntica mudança, sendo sempre orientada pelo
princípio da presunção da inocência e da preservação da dignidade da pessoa
humana. No texto original do CPP era possível cogitar em prisão preventiva
obrigatória e facultativa. Conforme consta do art. 312, a prisão preventiva seria
decretada em crimes a que fosse cominada pena de reclusão por tempo igual
ou superior a 10 anos, tratando-se de prisão preventiva obrigatória.
A hipótese de prisão preventiva facultativa era utilizada em contrapo-
sição, sendo cabível e pertinente quando, além de prova da materialidade,
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houvesse também indícios de autores e estivessem presentes os demais


pressupostos. A partir do século XIX, a evolução se traduziu pela abolição de
penas cruéis e de morte e houve o crescimento da sanção de detenção como
forma de pena em si mesma.
O texto constitucional brasileiro vigente, em seu art. 5º, LXI, dispõe in
litteris: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de trans-
gressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
A fundamentação das decisões judiciais se reveste em ser garantia fun-
damental esculpida no art. 93, IX, da CF/88 e tal previsão é reprisada pelo art.
315 do CPP. Por essa razão, é inadmissível a mera repetição de termos legais,
sem especificar, o juiz, em quais fatos se baseia para extrair sua conclusão.
A fundamentação processual das decisões judiciais significa somente
uma forma de garantia técnica do processo, passando-se, com a evolução, a ser
identificada como garantia da própria jurisdição, funcionando como inerente
exigência ao próprio exercício da função jurisdicional. Anteriormente à Lei
nº 12.403/2011 vigiam apenas quatro hipóteses de caracterização do chamado
periculum in mora, a saber: a conveniência da instrução criminal; a garantia da
aplicação da lei penal; a garantia da ordem econômica; e a garantia da ordem
pública. E, com a Lei de 2011, a prisão preventiva passou a poder ser decretada,
igualmente, em caso de descumprimento das obrigações impostas por força
de outras medidas cautelares.
A princípio, a prisão preventiva possui dois pressupostos: a prova de
existência do crime e os indícios suficientes de autoria, mas não se exige plena
prova, bastando o fumus boni juris. O periculum in mora ou periculum libertatis e
o fumus comissi delicti, ou seja, o perigo na demora ou perigo na liberdade e, a
fumaça da prática de um direito punível, sendo esse caracterizado pela possi-
bilidade do agente de ter praticado a infração penal, e diante dos indícios de
autoria e, aquele, significando o risco de que a liberdade do criminoso venha
causar prejuízo à segurança social, à eficácia das investigações policiais ou à
apuração criminal e à execução de eventual sentença condenatória.
Quanto ao periculum libertatis é relevante que se identifique, de forma
objetiva, quais atos específicos futuros que se pretende evitar e, finalmente,
apontar quais os elementos fáticos que levaram à convicção de que esse ato
possa, efetivamente, se concretizar.
Eis a nova redação do art. 312 do CPP, in litteris:

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou
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para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência


do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em


caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força
de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).” (BRASIL, 2011, online)

O caput do art. 312 do CPP expõe, basicamente, os quatro fundamentos


de prisão preventiva. E, a primeira hipótese, a de garantia de ordem pública,
é geralmente relacionada à continuidade da prática criminosa, podendo ou
não ter relação com o delito que se tenha praticado. Norberto Avena expõe
que entende ser justificável a prisão preventiva quando a permanência do
acusado em liberdade, pela sua extrema e elevada periculosidade, importar em
intranquilidade social em razão do razoável receio de que volte a delinquir.
Na segunda hipótese, o legislador aduz variável da garantia da ordem
pública, especificamente relativa a uma determinada categoria de crimes
relacionados com questões como a livre concorrência, o livre mercado, o
domínio do mercado de bens e serviços, entre outros, e sendo necessário que
a gravidade da infração, a repercussão social e a possibilidade de reiteração
da conduta criminosa sejam fatores que impeçam o restabelecimento da paz
social e da tranquilidade.
O terceiro requisito está relacionado com a conveniência da instrução
criminal, pois o indiciado em liberdade significa risco à produção probatória
e atrapalha a instrução criminal. O derradeiro fundamento para decretação
da prisão preventiva refere-se ao fato de o juiz identificar que o acusado
provavelmente se furtará de sofrer a aplicação da lei penal, seja por motivo
de fuga ou outro motivo qualquer; então, a prisão preventiva visa assegurar
o cumprimento de provável sanção penal decorrente de futura condenação.
Com o advento da Lei nº 12.403/2011 passou-se então a se admitir a
hipótese prevista no parágrafo único do art. 312 do CPP, mesmo que cons-
titua a última alternativa colocada à disposição do julgador, apesar de haver
o disposto do art. 282, § 4º, do CPP, que faculta ao juiz, em se tratando de
medida cautelar, substituí-la, ou até impor outra medida em cumulação,
ou, por fim, decretar a prisão preventiva. Afinal, a prisão preventiva tem por
escopo assegurar o bom e adequado andamento procedimental da instrução
criminal, não devendo esta se prolongar indefinidamente por culpa do juiz ou
por atos procrastinatórios do órgão acusatório, configurando positivamente
constrangimento ilegal nos casos em que assim acontecer. Trouxe também
nova redação ao art. 313 do CPP, com a definição esclarecida das condições
de admissibilidade da prisão preventiva, in litteris:
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“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação
da prisão preventiva:

I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima


superior a 4 (quatro) anos;

II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada


em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-
Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,


criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para ga-
rantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV – (revogado).

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando hou-


ver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer
elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado
imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese
recomendar a manutenção da medida.” (BRASIL, 2011, online)

Finalmente, tem-se a inadmissibilidade da prisão preventiva quando da


ausência de seus requisitos, mas nada impede a imposição de outra medida
cautelar diversa da prisão. A prisão preventiva é modalidade de prisão proces-
sual decretada exclusivamente pelo juiz de direito quando estiverem presentes
os requisitos expressos em lei. Como se trata de medida cautelar pressupõe
obviamente a coexistência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis.
O fumus commissi delicti nada mais é do que a exigência de que o fato
investigado seja criminoso, bem como da existência de indícios de autoria
e prova da materialidade da infração em apuração. É o que se chama, no
processo civil, de fumus boni juris. Por sua vez, o periculum libertatis refere-se à
extrema necessidade de segregação do acusado, mesmo antes da condenação,
pois se trata de pessoa perigosa ou que está prestes a fugir para outro país.
Corresponde ao periculum in mora do processo civil.
Frise-se que a prisão preventiva é medida excepcional, embora tenha
se tornado comum em razão da crescente escalada criminosa em nosso país.
E, diante de tal excepcionalidade, é justificável que a medida seja regida ainda
pelos princípios da taxatividade, adequação e proporcionalidade, não se sujei-
tando ao regime de aplicação automática.
Sublinhe-se, ainda, que não existe na lei a determinação de hipóteses
compulsórias de decretação da prisão preventiva, que, assim, exige a análise
do caso concreto pelo juiz, a fim de verificar a necessidade desta forma de
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prisão. Deve ainda a decisão judicial que determinou a prisão preventiva ser
suficientemente fundamentada em uma das hipóteses legais, não bastando
ao julgador apenas cogitar, genericamente, que aquele tipo de crime é grave.
Deve, portanto, apreciar as circunstâncias específicas que tornam grave o in-
digitado crime e que tornam temerária a liberdade do réu, ou, ainda, justificar
a medida em outra das hipóteses legais previstas.
Portanto, ao lado da fundamentação da prisão preventiva, além da prova
da existência do crime e dos indícios de autoria, deve indicar também a ade-
quação de fatos concretos à norma abstrata que tanto autoriza para garantia
da ordem pública, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar
a aplicação da lei penal.
Não basta a imputação dos famosos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90)
e nem basta o interesse no resultado do processo penal, e só se legitima real-
mente quando se mostrar necessária, de sorte que não atende ao intento de
punir sem processo, mesmo ante a gravidade do crime imputado. Também
não deve encampar todos os argumentos manejados pelo Ministério Público
ou mesmo pela autoridade policial, existindo forte orientação jurisprudencial
prevalente de que é nulo o tipo de decisão onde se lê apenas: “nos termos do
requerimento do MP, decreto prisão preventiva de Fulano de Tal”, ou ainda,
“presentes os requisitos legais, nos termos da representação da autoridade
policial, decreto a prisão preventiva”.
Deve-se ainda entender que a decisão judicial que decreta ou denega
a prisão preventiva possui natureza de interlocutória simples. De sorte que,
diante de sua decretação, é cabível a interposição de habeas corpus e, na dene-
gação, o recurso em sentido estrito, conforme previsto no art. 581, V, do CPP.
Da mesma forma cabe o recurso em sentido estrito contra a decisão
que revoga a prisão preventiva, admitindo-se igualmente a impetração de
mandado de segurança para obtenção de efeito suspensivo ao recurso para
que, em eventual liminar, venha o Tribunal manter preso o acusado até a final
decisão de mérito.
Pelo art. 282, § 3º, do CPP, o juiz abster-se-á de oitiva da parte con-
trária sobre requerimento de prisão sempre que houver urgência ou perigo
de ineficácia da medida, de modo que apenas em situações excepcionais o
investigado ou réu deve ser intimado para manifestar-se sobre o pleito de
prisão preventiva.
O STJ já decidiu, porém, que quando a observância do contraditório
não ensejar risco, em caso de decretação da prisão, o sucesso da efetivação
da captura, colheita a manifestação da defesa é obrigatória. Destaque-se que
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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a reforma do CPP ocorrida em 2011, por meio da Lei nº 12.402, deu nova
redação ao art. 282, § 3º, do CPP, o qual passou a prever que, ressalvados os
casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o
pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acom-
panhada de cópia de requerimento e das peças necessárias, permanecendo os
autos em juízo.
A providência é salutar em situações excepcionais, portanto, ouvir as
razões do acusado pode levar o juiz a não adotar o provimento limitativo da
liberdade, não só no caso macroscópico de erro de pessoa, mas, também, na
hipótese em que a versão dos fatos fornecida pelo interessado se revele con-
vincente, ou quando ele consiga demonstrar a insubsistência das exigências
cautelares.
É injustificável a decisão judicial que, ocorrida em audiência, não per-
mite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de prisão preventiva
formulado pelo agente do MP, pois não é plausível obstruir o pronunciamento
da defesa do acusado, frente à postulação da parte acusada, ante a ausência de
prejuízo ou risco para o processo penal ou mesmo para terceiros, na adoção
do procedimento previsto em lei. Por prudência, recomenda-se que deve o
juiz ouvir a defesa para dar-lhe a chance de contrapor-se ao requerimento, o
que não fora feito, mesmo não havendo, neste caso específico, uma urgência
tamanha capaz de inviabilizar a adoção de tal providência, que redunda numa
regra básica do direito: o contraditório e a bilateralidade da audiência.
Quando decretada a prisão preventiva em audiência, o STJ já afirmou
a necessidade que em casos excepcionais, pelo menos, haja a presença do ad-
vogado do acusado, seja este autorizado a falar, concretizando assim o direito
de interferir na decisão judicial que poderá implicar na perda de liberdade
do acusado (vide RHC 75.516/MG, 6ª T., Relª Minª Maria Thereza de Assis
Moura, Rel. p/ o Acórdão Min. Rogério Schietti Cruz, j. 13.12.2016, DJe
11.05.2017).
Com a Lei nº 12.403/2011 verificam-se três situações plausíveis de
decretação da preventiva, a saber: quando o autor da infração tiver sido preso
em flagrante e o juiz, ao receber a cópia do autor no prazo de 24 horas da
prisão, convertê-la em preventiva; e, nesse caso, nem é necessário haver re-
querimento do MP ou mesmo da autoridade policial, conforme se depreende
do art. 310 do CPP.
Mas, o mesmo dispositivo legal dispõe ainda que o juiz só decretará
prisão preventiva se concluir que são inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares diversas da prisão e que são previstas nos arts. 319 e 320 do CPP
(tais como monitoramento eletrônico, recolhimento domiciliar, etc.); quando
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o autor da infração não tiver sido preso em flagrante, mas as circunstâncias


do caso concreto demonstrarem a sua necessidade. Nessa hipótese, o juiz não
poderá decretar de ofício a prisão preventiva, ainda durante as investigações
policiais, mas somente se houver requerimento da acusação ou representação
de autoridade policial. E, tal opção do legislador pátrio na nova redação do art.
311 do CPP, se dá porque a decretação da preventiva faz com que o delegado
tenha que encerrar as investigações no prazo de 10 dias. Assim, apenas em
decorrência de representação deste ou mediante requerimento do MP ou do
querelante que poderá ser decretada a preventiva nesta fase processual.
Ao longo do trâmite da ação penal, a decretação da preventiva pode
ocorrer de ofício, seja em razão do requerimento do MP, do querelante ou
mesmo do assistente da acusação quando o acusado descumprir, sem justifica-
tiva, medida cautelar diversa de prisão anteriormente imposta. Aliás, a Lei de
2011 criou várias modalidades de cautelares diversas da prisão que podem ser
decretadas pelo juiz, quer o indiciado tenha sido preso em flagrante (liberdade
provisória com imposição da cautelar), quer esteja em liberdade.
De qualquer forma, o descumprimento da medida justificará a substi-
tuição por outra, a cumulação de medidas ou, em último caso, a decretação da
prisão preventiva prevista no art. 282, § 4º, do CPP. Segundo Fernando Capez,
a prisão preventiva é prisão processual cautelar decretável em qualquer fase
da investigação policial ou persecução penal, decretada pelo juiz, desde que
presentes os requisitos existentes, ou seja, os motivos legais autorizadores.
Para Norberto Avena, a prisão preventiva é modalidade de segregação
provisória, decretada judicialmente desde que concorram os pressupostos que
a autorizem e as hipóteses que a admitem.
Em tempo, cumpre distinguir a prisão preventiva da prisão temporá-
ria, pois essa só pode ser decretada na etapa pré-processual, não podendo ser
decretada de ofício, sendo cabível em rol taxativo de delito se possui prazo
pré-determinado. Cumpre ressalvar que o art. 312 do CPP menciona apenas
crime e, não genericamente, a infração penal, deixando evidente a impossibi-
lidade de prisão preventiva nas contravenções penais. A existência de indícios
de autoria e prova de materialidade não obriga ao MP oferecer a denúncia
de imediato, pois a Lei nº 12.403, que regulamentou novamente o instituto,
inclusive na etapa inquisitorial, não determinou dessa forma.
Ao revés, a nova redação do art. 10 do CPP estabelece o prazo de 10 dias
para a conclusão do inquérito, após os quais o MP terá vistas para oferecimento
de denúncia no prazo legal de cinco dias, em regra. Mas eventuais construções
jurídicas no sentido de que a prisão preventiva forçosamente obriga o imediato
oferecimento de denúncia carecem de amparo legal. Mesmo no rito do Júri,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
56

quando o juiz pronuncia o réu juntamente com o recebimento da denúncia,


posto que os requisitos são idênticos.
Verifica-se, ainda, que o legislador pátrio estatui fases e momentos
processuais distintos para a devida apreciação desses pressupostos para a pre-
ventiva, não sendo escorreito forçar o MP a oferecer a denúncia antes mesmo
da conclusão do inquérito policial, sob o risco de a denúncia ser defeituosa
pela ausência de suficientes elementos probatórios, ainda em produção pela
autoridade policial (tais como perícias, oitiva de outras pessoas, etc.). A garantia
da ordem pública é certamente a causa de decretação da maioria das prisões
preventivas. Não deve ser interpretada literalmente no sentido de estar a so-
ciedade em pânico ou promovendo arruaças em razão de determinado crime.
Estende-se ainda ser cabível a cautelar quando se mostrar necessário
afastar de pronto o acusado do convívio social em razão de sua expressiva
periculosidade, seja pelo cometimento de crime grave ou por ser pessoa vol-
tada à prática de reiteradas infrações penais. Mas ressalte-se que a gravidade
do delito não corresponde a uma razão suficiente para a decretação da prisão
preventiva, porém, deverá o juiz apreciar essa gravidade conforme as circuns-
tâncias daquele crime em apuração no caso concreto. E, se não fosse dessa
forma, a prisão preventiva seria compulsória, sendo sempre determinada pela
espécie do crime cometido.
A Constituição brasileira em vigor reconhece como inafiançáveis os
crimes hediondos, o tráfico de drogas, o terrorismo, a tortura, o racismo e
os crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático de Direito. Existe, pois, uma presunção
legal que tais crimes são graves; contudo, trata-se de presunção relativa que
poderá ceder diante das circunstâncias do caso concreto, deixando o juiz de
decretar a prisão preventiva.
Exemplificando que nos casos de racismo, previsto na Lei nº 7.716/89,
que, em sua maioria, possuem pena máxima de 3 anos e, por tal razão, sequer
são compatíveis com o instituto da prisão preventiva em caso de primariedade
do acusado, conforme prevê o art. 313, I, do CPP. Assim, é plenamente possí-
vel a decretação da prisão em crimes afiançáveis, desde que as circunstâncias
de execução do delito indiquem a necessidade de custódia do infrator e que
estejam presentes as condições de admissibilidade do art. 313 do CPP.
O clamor público provocado por certo delito e muito explorado pela
imprensa, também não justifica, por si só, a decretação preventiva. Pode até
ser considerado como um argumento a mais, mas jamais como um único
argumento.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 57

Conclui-se que a prisão preventiva não deve estar fundamentada apenas


no clamor público e no interesse da imprensa, conforme sustentado. Apenas
os indícios de autoria e da materialidade do delito demonstram que a medida
excepcional é justificável pela conveniência da instrução criminal, em virtude
de possível coação de testemunhas e, ainda, no fundado receio de descendentes
da vítima. Mas somente o clamor público do crime cometido não constitui
causa legal justificadora da prisão preventiva, e nem se qualifica como fator
de legitimação da privação cautelar de liberdade do indiciado ou do réu (vide
STF, HC 80.179/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 28.09.01).
A garantia da ordem econômica serve para coibir graves crimes contra
a ordem tributária, conforme prevê a Lei nº 8.137/90, contra o sistema finan-
ceiro (Lei nº 7.492/86) e contra a ordem econômica (Lei nº 8.176/91), que são
famosos por serem chamados de crimes “de colarinho branco” que possuem
grande repercussão e podem gerar prejuízos disseminados no mercado de
valores, nas instituições financeiras e até mesmo aos órgãos do Poder Público.
A conveniência da instrução criminal é quando o acusado em liberda-
de representa grave ameaça às testemunhas ou a vítima para que prestem o
depoimento favorável a ele em juízo ou para que não o reconheçam como
autor do delito no dia da audiência. E, neste caso, a vítima e a testemunha se
sentiram seguras para depor, impedindo que os depoimentos prestados não
venham retratar a realidade dos fatos.
Poderá a preventiva ser decretada por conta de o acusado ser respon-
sabilizado por outro delito, denominado de coação, no curso do processo
penal, conforme o art. 344 do CP. Igualmente, se justifica a medida quando o
autor está forjando provas em seu favor, quando paga alguém para confessar
o crime cometido, ou mesmo destruindo provas que existem ao seu desfavor.
A garantia da futura aplicação da lei penal fulcra-se na existência de
indícios de que o acusado está na iminência de fugir ou de que já fugiu para
furtar-se ao cumprimento da pena em caso de condenação. Quando o réu se
esconde para não ser citado, dando causa à suspensão do processo, conforme
o art. 366 do CPP.
É trivial que os acusados se insurjam contrários à prisão preventiva
decretada, alegando que são primários, que possuem bons antecedentes, ou,
ainda, que possuem residência ou emprego fixo. A lei não prevê nenhum
desses fatores como impeditivos da prisão preventiva, se, por outro viés, es-
tiver presente algum dos fundamentos autorizadores da preventiva, torna-se
legitimamente justificável.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
58

Nesse sentido: “fatores como a primariedade, bons antecedentes, resi-


dência fixa e profissão definida não bastam para afastara possibilidade de prisão
preventiva quando esta é ditada por qualquer das razões previstas no art. 312
do CPP” (STF, RHC 25.968/SP, Rel. Min. Sidney Sanches, RT 643/361); e
“As condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e
residência fixa, entre outras, não têm o condão de, por si sós, garantirem ao
recorrente a revogação da prisão preventiva se há nos autos elementos hábeis
a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar. RO desprovido” (STJ,
RHC 56.007/PR, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 16.06.2015, DJe 05.08.2015).
Ressalte-se que uma vez ausentes os motivos autorizantes da prisão
preventiva, essa não poderá ser decretada somente com base em que o acusado
é morador de rua ou que esteja desempregado ou sem residência conhecida.
As condições de admissibilidade previstas no art. 313 do CPP esclarecem que
não basta a presença de um dos fundamentos da prisão preventiva, só podendo
essa ser decretada em determinadas espécies de infração penal ou sob certas
circunstâncias. Admite-se a preventiva quando em crimes dolosos punidos
com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos.
São inúmeros os crimes, tais como o homicídio, o furto qualificado, o
aborto sem consentimento da gestante, a lesão corporal de natureza grave, o
roubo, a extorsão mediante sequestro, o estelionato, a receptação qualificada,
o estupro, a falsificação de documento público, a concussão, a corrupção
passiva e ativa, a tortura, o tráfico de drogas, etc. Se o acusado, por exemplo,
vier a ameaçar a testemunha, o juiz pode decretar imediatamente a sua prisão
preventiva, ainda que este seja primário e tenha bons antecedentes.
Poderá ser decretada a prisão preventiva se o acusado ostentar con-
denação anterior definitiva por outro crime doloso no prazo de 5 anos da
reincidência. E, ainda que se trate de delito com pena máxima não superior a
4 anos, poderá ser decretada a prisão preventiva se o acusado for reincidente
em crime doloso e, conforme o entendimento do juiz, se ele colocar em risco
a ordem pública pela considerável possibilidade de tornar a delinquir.
Também é cabível a prisão preventiva quando o crime envolver violência
doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo
ou pessoa deficiente, quando houver necessidade de garantir a execução de
medidas protetivas de urgência que são previstas no art. 69, parágrafo único,
da Lei nº 9.099/95 e no art. 22 da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
Também se autoriza a prisão preventiva pelo art. 313, parágrafo único,
do CPP, quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando
esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser
imediatamente solto tão logo seja obtida a identificação. Não se refere, no
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 59

caso, aos crimes dolosos. Teoricamente, portanto, é possível a prisão preventiva


em homicídio culposo na hipótese de o autor da infração penal se recusar a
fornecer sua identificação, devendo, porém, ser solto, assim que se obtenha
a qualificação.
É vedada a decretação de prisão preventiva se o juiz verificar, pelas
provas constantes dos autos, que o agente praticou o ato sob o manto de uma
das excludentes de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, exercício
regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal). Tal regra encontra-
se no art. 314 do CPP.

TITLE: Considerations about the requirements for pretrial detention.

ABSTRACT: In order to properly analyze the requirements for pretrial detention, it is necessary to do so
in accordance with the provisions of the Code of Criminal Procedure and its respective legal hypotheses, in
situations that fit its revocability, as well as its compatibility with the principle of reasonable length of process.

KEYWORDS: Pretrial Detention. Code of Criminal Procedure.

Referências
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal. Rio de Janeiro, Método, 2017.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
LIMA, Adriano Gouveia; LIMA, Raíssa Porto. A análise dos requisitos da prisão preventiva e o prazo da
razoável duração do processo. Boletim Jurídico. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/
doutrina/artigo/4707/a-analise-requisitos-prisao-preventiva-prazo-razoavel-duracao-processo>. Acesso
em 10 dez. 2018.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 9. ed. São Paulo: RT, 2012.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal. 7. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2018. (Coleção Esquematizado. Coordenador Pedro Lenza)
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11. ed. Salvador:
Juspodivm, 2016.
Doutrina

A Presunção de Inocência Cessa no


Segundo Grau da Jurisdição?
Fernando Tourinho Filho
Professor de Direito Processual Penal da Universidade de
Araraquara/SP – Uniara.

RESUMO: Nesse estudo traça-se um histórico do princípio da presunção


da inocência e deixa-se um questionamento: para aqueles que entendem que
o trânsito em julgado ocorre quando cessam todos os recursos, pergunta-se:
condenado em Segunda Instância, poderá o réu interpor recurso especial, se não
houver afronta à lei federal ou tratado? Poderá interpor recurso extraordinário
se o Tribunal a quo não maculou a Constituição?

PALAVRAS-CHAVE: Presunção de Inocência. Segundo Grau de Jurisdição.


Recurso. Trânsito em Julgado.

Esse princípio nada mais representa que o coroamento do due process of


law. É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre,
como bem o disse A. Castanheira Neves (Sumários de processo penal. Coimbra,
s.n., 1967, p. 26). Assenta no reconhecimento dos princípios do direito natural
como fundamento da sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo
e ao culto da liberdade, constituem os elementos essenciais da democracia
(GOMES, Antônio Ferreira. A sociedade e o trabalho: democracia, sindica-
lismo, justiça e paz. Direito e Justiça, Coimbra, v. 1, n. I, p. 7).
Até o final do século XVII e início do XVIII, tanto o Poder Temporal
como o Secular usaram e abusaram do suplício, da tortura e das prisões sub-
terrâneas. Horríveis. Quando o Papa Inocêncio III, no IV Concílio de Latrão,
aboliu os ordálios ou juízos de Deus (judicium Dei) – sentença divina – (ordálias,
na Espanha; ordalie, na França; ordeal, na Inglaterra; e ordal, na Alemanha), por
volta do século XIII, proibindo os padres de participarem daquele engodo,
meio de prova, segundo o qual a Igreja Católica encarregava um padre (en-
ganando a população crédula) de procurar saber se o suspeito era culpado ou
inocente. Havia vários tipos de ordálios, snedo os mais famosos, pelo menos
na Inglaterra, o do ferro em brasa, o do pão seco com queijo e o da água fria:
o suspeito tinha que segurar um ferro em brasa e se nada lhe acontecesse era
considerado inocente; obrigar o suspeito a engolir um pedaço de pão seco
misturado com queijo, abençoados pelo padre; se engolisse seria inocente;
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 61

amarrá-lo e jogá-lo na água, se viesse à tona era culpado... Entendia-se que


Deus intervinha a favor de quem fosse inocente e nada acontecia ao suspeito.
Em face da sua extinção, a Grã Bretanha escolheu a instituição do Júri e na
Europa Continental, o próprio Inocêncio III adotou o processo inquisitivo,
em que as funções de acusar, defender e julgar ficavam nas mãos de uma
mesma pessoa – Bispo ou Arcebispo. Era o Tribunal do Santo Ofício, ou
Santa Inquisição, encarregado de condenar as heresias. O suspeito era sempre
culpado. As penas bastante cruéis.
O processo era secreto. Como não havia acusador, o Bispo ou Arcebispo
louvavam-se nas denúncias anônimas lançadas nas denominadas boccas de lave-
rità. Até hoje, em Roma, são vistas essas boccas de laverità. São monumentos de
concreto, com mais ou menos dois metros de altura, sob a forma de pirulito
em que na parte redonda havia uma abertura. Era ali que as pessoas lançavam
suas denúncias anônimas, e ao amanhecer, os nunziatori as apanhavam e as
levavam ao Bispo ou Arcebispo. Com base nelas procedia-se a uma investigação
secreta. O próprio Bispo ou Arcebispo investigavam e julgavam, e na inves-
tigação havia toda sorte de tortura em busca da confissão, a rainha das provas.
As penas impostas aos hereges, aos blasfemadores, às feiticeiras e às bruxas
eram terrivelmente impiedosas. Horríveis os atos praticados pelo Tribunal do
Santo Ofício, ou Santa Inquisição, no julgamento dos crimes que atentavam
contra a fé católica: diversos tipos de mutilação, o ferrete em brasa, a fogueira,
a morte na roda. Suplício e mais suplício para gáudio dos Torquemadas da
vida... E as monarquias adotaram o mesmo sistema inquisitório.

“Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio absoluto da acusação. O


mais diligente e o mais secretamente que se puder fazer, dizia a respeito da
instrução, o édito de 1498. De acordo com a Ordenação de 1670, que resumia,
e em alguns pontos reforçava, a severidade da época precedente, era impossível
ao acusado ter acesso às peças do processo, impossível conhecer a identidade
dos denunciadores, impossível saber o sentido dos depoimentos antes de
recusar os depoimentos, impossível fazer valer, até os últimos momentos do
processo, os fatos justificativos, impossível ter um advogado, seja para verificar
a regularidade do processo, seja para participar da defesa. Por seu lado, o magis-
trado tinha o direito de receber denúncias anônimas, de esconder do acusado a
natureza da causa, de interrogá-lo de maneira capciosa, de usar insinuações... A
forma secreta e escrita do processo confere com o princípio de que em matéria
criminal o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juízes um
poder absoluto e um poder exclusivo.” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.
9. ed. Trad. Lígia M. Pondé Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 35-36)

A Ordenação de 1670 regeu, até a Revolução, as formas gerais da prá-


tica penal. Eis a hierarquia dos castigos por ela praticados: a morte, a questão
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
62

com reserva de provas, as galeras, o açoite, a confissão pública, o banimento.


A pena de morte natural compreende todos os tipos de morte: uns podem
ser condenados à forca, outros a ter a mão ou a língua cortada ou furada e ser
enforcados em seguida; outros, por crimes mais graves, a ser arrebentados
vivos e expirar na roda depois de ter os membros arrebentados; outros a ser
arrebentados até a morte natural, outros a ser estrangulados e em seguida
arrebentados, outros a ser queimados vivos, outros a ser queimados depois de
estrangulados, outros a ter a língua cortada ou furada, e em seguida queimados
vivos, outros a ser puxados por quatro cavalos, outros a ter a cabeça cortada
(FOUCAULT. Ob. cit., p. 33).
Já no século XVIII começaram os protestos contra os suplícios, mas, em
compensação, as prisões eram profundamente desumanas, as masmorras, prisões
subterrâneas, eram um verdadeiro horror. Até hoje, em Londres, em Madame
Tussauds, os visitantes podem ver em cera a reprodução das masmorras.
No começo do século XVIII, denominado Século das Luzes ou Ilu-
minismo, quando começaram a florescer ideias humanitárias lançadas pelos
jurisconsultos como Voltaire, Montesquieu, D’Alembert, Diderot, J. J. Rous-
seau com o seu famoso Contrato Social, dizendo que se todos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos, nada justificava os suplícios sofridos por muitos
e impostos por alguns. A liberdade é uma condição necessária para a vida na
comunidade. Como na família, os homens devem viver numa sociedade, com
respeito ao soberano. Se algum membro transgredir as regras vigentes, será
punido por um magistrado.
Foi precisamente nessa época e nesse deslumbramento lançado pelos
enciclopedistas, que um moço de 20 anos, natural de Milão – Cesare Bonesa-
na, Marquês de Beccaria –, lançou, em 1764, o seu pequeno grande livro Dei
Delitti e dele Pene que revolucionou o mundo. Tamanha foi sua importância
que, em 1776, Catarina II, da Rússia, aboliu as torturas e chegou a convidá-lo
para redigir o Código Penal. Em seguida, Maria Thereza, do Império austríaco,
seguiu os mesmos passos e assim, aos poucos, as torturas em todos os lugares
foram sendo abolidas. Traduzido o livro para o francês e levado a Voltaire, este
teria dito: “Eis o Código da Humanidade”.
Aos 26 de agosto de 1789, “os representantes do povo francês, constituí-
dos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento
ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos
e da corrupção dos governos, resolveram expor, em declaração solene, os
direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem... Consequentemente, a
Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do
Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão” (VOVELLE,
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 63

Michele. A Revolução Francesa – 1789-1799. São Paulo: Unesp, p. 70). E enu-


mera os 17 artigos que a compunham, sendo que o 9º dizia:
“Tout homme étant présumé innocent jusqu’a ce qu’il ait été déclaré coupa-
ble; s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur Qui ne serait néces-
saire pour s’assurer de as personne, doit être sévèrement reprimée par la loi.”1

E, antes mesmo, o Marquês de Beccaria, quanto à prisão preventiva,


dizia “que o acusado não deve ser encarcerado senão na medida em que for
necessário para impedi-lo de fugir ou de ocultar as provas do crime”. Respei-
tante à pena, observava: “Se a prisão é apenas um meio de deter um cidadão até
que ele seja julgado culpado, como esse meio é aflitivo e cruel, deve-se, tanto
quanto possível, suavizar-lhe o rigor e a duração” (BECCARIA, Cesare. Dos
delitos e das penas. 1. ed. Trad. Paulo M. de Oliveira. São Paulo: Edipro, p. 58).
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1950,
no seu artigo 6º, § 2, anuncia:
“Everyone charge with a criminal offences hall be presumed innocent until
proved guilty according to Law.”2

No mundo ocidental, as Constituições quando não fazem menção ex-


pressa ao princípio da não culpabilidade, como a nossa, a italiana, a espanhola,
a portuguesa, a colombiana, a paraguaia, dentre outras, dizem que o réu tem o
direito ao silêncio, que a prova da acusação compete exclusivamente ao acusador,
tal como se dá com as Emendas ns. V e XIV da Constituição norte-americana.
A atual Constituição italiana repete ipsis litteris o art. 27, § 3º, da Cons-
tituição de dezembro de 1947:
“A responsabilidade penal é pessoal. O imputado não é considerado réu
até condenação definitiva.”

O art. 32, n. 2, do Código de Processo Penal português, dispõe:


“Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença
de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com
as garantias de defesa.”

A Constituição espanhola de 1978, no § 2º do art. 24, dispõe que “toda


pessoa tem o direito... de não fazer declaração contra si próprio, de não se
reconhecer culpado e de ser presumido inocente”.

1 “Todo homem é considerado inocente até que seja declarado culpado e, se for julgado indispensável prendê-lo, todo
rigor desnecessário à garantia de sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.”
2 “Toda pessoa acusada de crime será presumida inocente até que seja declarada culpada.”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
64

O art. 29 da Constituição colombiana dispõe: “Toda la persona se pre-


sume inocente mientras no se haya declarado culpado”.
A culpa fica comprovada quando o órgão de segundo grau da Justiça
mantém a condenação proferida em primeira instância. Não se deve deslembrar
que há pouco tempo a e. Procuradora Geral da República, Dra. Raquel Dodge,
requereu a extinção da punibilidade de um crime cujo processo estava num dos
escaninhos da nossa Suprema Corte em que o prazo prescricional era de 16 anos...
Cumpre observar que a sentença penal condenatória transita em julgado
e possibilita sua imediata execução, em duas hipóteses: a) se o condenado não
interpuser recurso; e b) interposto recurso e mantida a condenação, se esgotarem
todos os recursos na segunda instância (embargos infringentes e aclaratórios),
posto existir apenas o duplo grau de jurisdição em todos os ordenamentos.
É precisamente nesse momento que a sentença penal condenatória
transita em julgado. E, na lição de Canotilho, “trata-se de explicitar que, em
matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de
jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial
das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas” (CANOTILHO, J.J
Gomes; MOREIRA, Vidal. Constituição da República portuguesa anotada. 1. ed.
brasileira, São Paulo: RT, 2007. v. 1. p. 516).
Quando o art. 5º, LVII, do Pacto Constitucional dispõe que “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condena-
tória”, ele está se referindo àquele momento em que o órgão de segundo grau
mantém a condenação, sem possibilidade de eventuais embargos de declaração
ou embargos infringentes. Havendo a condenação, o trânsito em julgado se
dá após o julgamento desses recursos, mesmo porque, embora ainda se possa
interpor recurso especial para o STJ e recurso extraordinário para o STF, não
haverá mais possibilidade de se proceder ao exame de matéria fática. A propósito,
a Súmula nº 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja
recurso especial”. No mesmo sentido o Preceito Sumular nº 279 da Suprema
Corte: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
Mesmo que não houvesse esses preceitos sumulares, a presunção de
inocência cessa com o reconhecimento da culpa no segundo grau de jurisdição,
mesmo porque a competência funcional vertical em razão dos recursos fica
restrita, no STJ, às hipóteses previstas no art. 105, III, alíneas a, b, e c, da CF
e na Suprema Corte, quando se tratar de ofensa à Magna Carta, a teor do art.
102, III, alíneas a, b, c ou d, do Pacto Fundamental. E em nenhuma delas há
previsão de se analisar matéria probatória.
Cumpre observar que o e. Ministro Gustavo Barroso no pedido de
vista do HC 126.292/SP, asseverou que nenhum país exige mais do que dois graus
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 65

de jurisdição para que se dê efetividade a uma decisão criminal (g.n). A mesma in-
formação foi dada pela Ministra Ellen Gracie, quando do julgamento do HC
85.886 (DJ 28.10.05). E mais tarde, o e. Ministro Gustavo Barroso, ao votar
com o Relator no HC 126.292, assim se pronunciou: verbis:

“a necessidade de aguardar o trânsito em julgado do REsp e do RE para


iniciar a execução da pena tem conduzido massivamente à prescrição da
pretensão punitiva ou ao enorme distanciamento temporal entre a prática
do delito e a punição definitiva.

Em ambos os casos, produz-se deletéria sensação de impunidade, o que


compromete, ainda, os objetivos da pena, de prevenção especial e geral.

Um sistema de justiça desmoralizado não serve ao Judiciário, à sociedade,


aos réus e tampouco aos advogados.

A partir desses três fatores, tornou-se evidente que não se justifica, no


cenário atual, a leitura mais conservadora e extremada do princípio da
presunção de inocência, que impede a execução (ainda que provisória) da
pena quando já existe pronunciamento jurisdicional de segundo grau.”

O STF somente pode apreciar matéria probatória, única e exclusiva-


mente, em duas hipóteses: a) quando se tratar de habeas corpus, se denegada a
ordem por Tribunal Superior; e b) nos crimes políticos (art. 102, II, a e b, da
CF). Quanto ao STJ, apenas na hipótese prevista no art. 30 da Lei nº 8.038/90.
Nem se poderá dizer que a presunção de não culpabilidade ou ino-
cência cessaria após recursos interpostos ao STJ e STF... Se tal fosse possível
afrontaria o próprio princípio da presunção, pois, na irrepreensível lição de
Canotilho, “uma dimensão importante do princípio da inocência do arguido,
mas que assume valor autônomo, é a obrigatoriedade de julgamento no mais
curto prazo, compatível com as garantias de defesa. A demora do processo pe-
nal, além de prolongar o estado de suspeição e as medidas de coação sobre o
arguido (nomeadamente a prisão preventiva) acabará por esvaziar de sentido
e retirar conteúdo ao princípio da presunção de inocência. O direito ao pro-
cesso célere é, pois, um corolário daquela” (ob. cit., p. 519), como também o
é a incumbência da prova acusatória exclusivamente ao MP nas ações penais
públicas e privada subsidiária da pública e ao querelante na ação privada.
Quando a Constituição não se expressa tão claramente assim, outras usam
de determinados núcleos, como o direito ao silêncio, em que a acusação fica
exclusivamente afeta ao acusador, etc.
Aliem-se, ainda, o direito ao silêncio, tal como previsto no art. 186 e
parágrafo único do nosso CPP, o direito de não ser compelido in any criminal
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
66

case to be a witness agains thimself, como bem diz a Emenda nº V da Constituição


norte-americana.
Sabemos todos que quando se interpõe um REsp, uma vez distribuído,
há uma excessiva demora para ser julgado. Em seguida podem ser opostos o
agravo interno, embargos declaratórios, embargos de divergência e recurso
extraordinário. Se inadmitido, cabe agravo nos autos, com remessa ao STF.
Não admitido, o ARE, agravo interno, embargos declaratórios... para que haja
o verdadeiro trânsito em julgado, no sentido que alguns lhe emprestam. Vale
dizer, oito a quinze anos após a interposição do REsp... Já não se trata mais
de presunção de inocência e sim de culpabilidade... Famosos e tristes os casos
em que os recursos nesses Tribunais Superiores, per faz et nefas – permanecem
anos e anos aguardando julgamento, tamanho o volume de processos crimi-
nais que chegam a impossibilitar possa a Suprema Corte exercer a sua função
precípua de guardiã do Pacto Fundamental...
Certo, absolutamente certo, o entendimento de que a sentença penal
condenatória transita em julgado quando o Órgão de Segunda Instância após
prover o recurso da acusação para condenar, ou após manter a condenação
imposta na Primeira Instância e eventuais recursos na própria Segunda Ins-
tância, como embargos infringentes (parágrafo único do art. 609 do CPP) ou
declaratórios (arts. 619/620 do mesmo Estatuto).
Nem se diga que assim falando, estamos fazendo tabula rasa do art. 5º,
LVII, do Pacto Constitucional, pois, no dizer insuspeito do eminente Minis-
tro do STF Celso de Mello – uma das figuras mais proeminentes daquele
egrégio sodalício:

“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que


se revistam de caráter absoluto... O estatuto constitucional das liberdades
públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e consi-
derado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam
limitações de ordem pública, destinadas, de um lado, a proteger a integri-
dade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa
das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em
detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias
de terceiros.” (MS 23.452/RJ, Tribunal Pleno, DJ 12.05.00)

Ademais, o art. 5º, LVII, da CF dispõe que “ninguém será considerado


culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. E, obvia-
mente, ela transita em julgado quando o órgão de segundo grau mantém a
condenação ou a profere. Mesmo preso, nada impede a interposição de REsp
ou RE.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 67

Em dezembro de 1948, a ONU, em Paris, proclamou a “Declaração


Universal dos Direitos do Homem”, com os mesmos dizeres. Em novembro
de 1950, houve, no mesmo sentido, a Convenção Europeia dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Em 22 de novembro de 1969 realizou-se a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, assinada na Conferência Especializada
Interamericana sobre direitos humanos em San José da Costa Rica, tendo o
Brasil aderido ao Pacto pelo Decreto Legislativo nº 27 de setembro de 1992.
E, neste Pacto, o artigo 8, II, dispõe:

“Artigo 8. Garantias judiciais

(...)

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(...)

h. direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.”

Logo, a presunção de inocência cessa quando for declarada a sua culpa.


Assim, condenado o réu em primeira instância, como ele tem o direito de
recorrer a um tribunal, tal como dispõe a alínea h do item 2 desse mesmo
artigo 8 do Pacto, se o Tribunal mantiver a condenação, ou se foi absolvido
e o Tribunal, ante recurso da acusação, o condenar, cessou a presunção de
inocência.
O artigo 11º, n. 1, da Declaração Universal da ONU dispõe: “Everyo-
ne charged with a penal offence has the right to be presumed innocent until
proved guilty according to law in a public trial at which he has had all the
guarantees necessary for his defence” (“Toda pessoa acusada de uma infração
penal tem o direito de ser presumida inocente, até que, num julgamento
público, com todas as garantias da sua defesa, seja declarado culpado”). E
esse julgamento dá-se, precisamente, na Segunda Instância, posto não haver
uma Terceira Instância em nenhum país do mundo – pelo menos no mundo
ocidental.

“No direito norte-americano, ‘a presunção de inocência é axiomática e


elementar, e este princípio constitui uma base da administração do nosso
sistema de justiça penal’. Esta presunção é fundada sobre os princípios das
cláusulas de salvaguarda da liberdade individual consignadas nas Emendas
ns. 5 e 14 da Constituição dos Estados-Unidos.” (BRIGHAM, Geoffrey.
La présomption d’innocence en droit comparé. Paris, 1998, Colloque organisé par
le Centre Français de Droit Comparé à la Cour de Cassation, p. 71 e ss.)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
68

Enfim: no mundo ocidental, toda pessoa a quem se atribua a prática


de uma infração penal, tem o direito de que se presuma sua inocência até
que seja reconhecida sua culpabilidade, cabendo explicitar, como observou
Canotilho que “o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de juris-
dição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das
garantias de defesa constitucionalmente asseguradas” (ob. cit., p. 516, g.n).
Outros núcleos essenciais consistem no direito de o acusado não testemunhar
contra si próprio e que não lhe compete provar sua inocência. Este ônus é
exclusivo da parte acusadora.
Nosso CPP, no art. 186, proclama:

“Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro


teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder às
perguntas que lhe forem formuladas.”

E por analogia, por força do art. 3º do CPP, pode-se acrescentar o


disposto no art. 388, I, do CPC: “a parte não é obrigada a depor sobre fatos
criminosos ou torpes que lhe forem imputados”.
E o Tribunal Internacional de Roma, no seu art. 66, dispõe: “toda pessoa
se presume inocente até que se prove a sua culpa”.
Evidente que em todos os países a culpa fica comprovada no órgão de 2º
grau, como bem o disse Canotilho. A função dos Tribunais Superiores é outra...
Para aqueles que entendem que o trânsito em julgado ocorre quando cessam todos
os recursos, pergunta-se: condenado em Segunda Instância, poderá o réu interpor REsp,
se não houver afronta à lei federal ou tratado? Poderá interpor recurso extraordinário se
o Tribunal a quo não maculou a Constituição?

TITLE: Does the presumption of innocence cease to exist at appellate jurisdiction?

ABSTRACT: This article examines the history of the presumption of innocence and asks a question – for
those who understand that res judicata happens when a judgment becomes unappealable, can a convict
from an appellate jurisdiction file a special appeal provided that that does not come against any federal
law or treaty? Can he/she file an extraordinary appeal if the lower court did not violate the Constitution?

KEYWORDS: Presumption of Innocence. Appellate Jurisdiction. Appeal. Unappealable Judgment.


Doutrina

Notas sobre o Habeas Corpus Coletivo:


uma Análise a Partir do HC 143.641/SP e
do Microssistema do Processo Coletivo*

Francisco Vieira Lima Neto


Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo; Professor
Associado do Departamento de Direito da Universidade Federal
do Espírito Santo – UFES; Professor Permanente do Mestrado
em Direito Processual da Universidade Federal do Espírito
Santo – UFES; Professor Pesquisador do Grupo de Pesquisa
Desafios do Processo Civil; Procurador-Geral da Universidade
Federal do Espírito Santo – UFES.

Thaís Milani Del Pupo


Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito
Santo; Pesquisadora e Secretária Executiva do Grupo de
Pesquisa Desafios do Processo Civil; Assessora de Promotor de
Justiça no Ministério Público do Espírito Santo.

RESUMO: O presente estudo é uma proposta de análise, a partir da jurispru-


dência do STF, das principais conformações da tutela penal coletiva realizada
por meio de habeas corpus coletivo, traçando um paralelo com o processo civil
coletivo, tendo sido este o pioneiro na tutela de direitos transindividuais. Alerta-
se, desde já, que o objetivo do presente não é um tratamento aprofundado do
habeas corpus coletivo, mas sim dar as primeiras notas acerca de sua conformação
e talvez, até mesmo, lançar mais provocações do que certezas.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil. Processo Coletivo. Processo Penal. Habeas


Corpus Coletivo. Microssistema da Tutela Coletiva.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Tutela Coletiva e o Microssistema de Processo


Coletivo no Brasil. 3 O Habeas Corpus no Estado Democrático de Direito. 4
Habeas Corpus Coletivo na Perspectiva do Supremo Tribunal Federal: uma Análise
a Partir do HC 143.641/SP; 4.1 Breve Resumo do Habeas Corpus 143.641/SP;
4.2 Habeas Corpus Coletivo: Cabimento, Competência, Legitimidade e Extensão.
5 Considerações Finais. 6 Referências Bibliográficas.

* Esse trabalho é fruto de um debate ocorrido no grupo de trabalho “Democracia e Processo”, coordenado pelo Professor
Cláudio Jannotti da Rocha, do III Congresso de Processo Civil Internacional: A Jurisdição e a Cooperação Jurídica
Internacional e os Métodos Adequados de Tratamento de conflitos na América Latina, realizado na Universidade
Federal do Espírito Santo no ano de 2018.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
70

1 Introdução
As técnicas processuais para defesa de direitos transindividuais não são
objeto de estudo recente no meio jurídico, a mudança de postura decorrente de
uma sociedade de massa pôde ser observada, inicialmente, com o surgimento
de leis esparsas criadas, mormente, para suprir a carência de um de Código
de Processo Civil eminentemente individualista.
Na medida em que as leis foram se multiplicando e avançando para
searas do preservacionismo ambiental e demais direitos difusos, da proteção
dos consumidores e no surgimento das demandas coletivas que visam à
proteção de direitos metaindividuais, teve origem, no ordenamento jurídico
brasileiro, o denominado microssistema de processo coletivo.
A evolução do processo civil coletivo nos últimos 45 anos culminou
em um novo diploma processual completamente aberto ao diálogo de fontes,
bem como de uma nova espécie de ação coletiva, o incidente de resolução de
demandas repetitivas. Ocorre que tais mudanças deram-se apartadamente da
esfera penal, podendo-se até mesmo dizer que essa se manteve resistente às
evoluções e empreendimentos da tutela coletiva, assimilando-os em ritmo lento.
O julgamento do Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP pelo STF em
fevereiro do corrente ano, em que pese não tenha sido a única decisão neste
sentido, tendo em vista que outras a precederam nos tribunais estaduais (HC
1080118354-9/RS; HC 207.720/SP; 142.513/ES) e no STJ (HC 303.061/RS;
HC 360.69/RJ; HC 359.374/SP), foi indubitavelmente imprescindível para
a conformação da tutela coletiva no âmbito penal.
O presente estudo é uma proposta de análise, a partir da jurisprudência
do STF, das principais conformações da tutela penal coletiva realizada por meio
de habeas corpus coletivo, traçando um paralelo com o processo civil coletivo,
tendo sido este o pioneiro na tutela de direitos transindividuais.
Importante alertar, desde já, que o objetivo do presente não é um tratamento
aprofundado do habeas corpus coletivo, mas sim dar as primeiras notas acerca de
sua conformação e talvez, até mesmo, lançar mais provocações do que certezas.

2 A Tutela Coletiva e o Microssistema de Processo Coletivo no Brasil


Os direitos coletivos lato sensu durante muito tempo representaram
uma zona cinzenta do direito processual, na qual pouco se estudava e menos
ainda se escrevia. A dificuldade em traçar parâmetros claros de identificação
ou de agrupá-los acentuava o processo de ineficiência jurídica em sua garan-
tia. Tratava-se de uma estagnação do direito numa curva específica: a tutela
individual.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 71

Essa estagnação era um movimento contrário às modificações sociais, pois


no momento pós-industrial uma “sociedade de massas” começou a formar-se
e tomar corpo. Ocorre que o direito muitas vezes não é capaz de assimilar tais
modificações com tanta eficiência, mesmo porque muitas vezes encontra-se
impregnado de ideologia1. Assim, em que pese urgisse uma demanda por direitos
compartilhados de massa, o Estado Liberal estava muito focado em proteger
interesses individuais, alijando-os e aumentando uma crise que, posteriormente,
levou a ascensão do Estado Social2, no pós-Guerra, quando, enfim, foram legi-
timados direitos coletivos lato sensu em três espécies: direitos coletivos, direitos
difusos e o direitos individuais homogêneos.
Neste contexto, na década de 1970, impulsionado pelas class actions
norte-americanas, o processo coletivo passou a receber maior atenção com a
segunda onda renovatória do direito processual, articulada por Capelleti e Bryant
Garth em O Acesso à Justiça. Passou-se a perceber que as codificações proces-
suais tradicionais, esculpidas na égide de um Estado liberal e, portanto, emi-
nentemente individualistas, não promoviam eficazmente a tutela de direitos
transindividuais (CAPELETTI, 1977, p. 131)3.
No Brasil, o alijamento destes interesses é perceptível no fato de que
apesar de já existirem normas infraconstitucionais os disciplinando, apenas
em 1988 passaram a ser constitucionalmente reconhecidos, como bem aponta
Hermes Zanetti Jr. (p. 63, no prelo) “até a EC nº 1/69, a garantia da ubiquidade
da justiça vinha sempre referida aos direito individuais”. Importante ressal-
tar que o não reconhecimento pela Constituição não implica em dizer que
inexistiam direitos de índole coletiva ou até mesmo normas constitucionais
tratando de tais direitos, o que ocorria é que a percepção encontrava-se de-
turpada, isto é, os direitos coletivos lato sensu eram equiparados ao patrimônio

1 Ideologia no âmbito deste estudo é apenas a concepção de que as proporções políticas de um Estado refletem não
apenas no Poder Judiciário, mas também no direito produzido em sua égide, o direito legislado e também a doutrina,
não é que não possa emancipar-se, mas não devemos ignorar que os reflexos estão presentes. Adotamos, portanto, a
concepção fraca de ideologia, conforme distingue Mario Stoppino: “No significado fraco, ideologia é um conceito
neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante das crenças políticas. No significado forte, ideologia é um
conceito negativo que denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política”.
2 Estado Social ficou caracterizado como aquele em que há preocupação não apenas com a segurança jurídica, mas
também com ideais de justiça e igualdade, com fulcro na garantia e efetivação de direitos sociais, econômicos e cul-
turais. Ocorre que o Estado de Providência, como também era conhecido, tomado pela inflação do Estado sucumbiu,
dando origem ao Estado Democrático de Direito, que é a adição do elemento democracia, nos termos do que ensina
Tércio Sampaio Ferraz Júnior “Esse reconhecimento da necessidade de democratização da própria sociedade, vista
como um ente distinto do próprio Estado, mas ao mesmo tempo integrado no Estado, aponta para uma complicada
síntese entre o Estado de direito e o Estado Social ou Welfare State”.
3 Nas palavras de Mauro Capelleti: “As atividades e relações se referem sempre mais frequentemente a categorias
de indivíduos, e não a qualquer indivíduo, sobretudo. Os direitos e os deveres não se apresentam mais, como nos
Códigos tradicionais, de inspiração individualística-liberal, como direitos e deveres essencialmente individuais, mas
metaindividuais e coletivos”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
72

público e recebiam a proteção por esta ótica4. Uma “miopia” jurídica que foi
corrigida especialmente com a Lei da Ação Civil Pública e com o Código do
Consumidor, mas também pela Constituição Federal.
A constatação de Mauro Capelleti acerca da inaplicabilidade dos diplo-
mas processuais liberais aos direitos transindividuais tomou forma, também,
no sistema jurídico brasileiro. Com um CPC que já nasceu velho, pois, como
bem afirma Carlos Augusto Silva (2004, p. 38) “o Código Buzaid absorveu
as conquistas do desenvolvimento da ciência processual, mostrando-se de
grande valor técnico-teórico. Contudo, não incorporou as novas tendências
do processo civil”5, dentre as quais, destaca-se o processo coletivo.
Diante disso, os conflitos que se desprendiam do âmbito meramente
individual para atingir interesses de ampla parcela da sociedade, quer fossem
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, instauraram uma nova
realidade, que não pôde ser abarcada pelas normas processuais tradicionais,
reguladoras de um sistema processual em defesa de interesses individuais,
que se mostravam inadequadas para solucionar a problemática de massas
(MAIOLINO, 2005, p. 60).
Para suprir a ausência de regulação pelo diploma processual e retirar os
direitos transindividuais do “limbo” tanto legislativo quando doutrinário em
que se encontravam, bem como visando dar-lhes maior efetividade, passaram
a ter o regime processual ditado a partir de leis especiais, a primeira delas foi a
Lei de Ação Popular datada de 1965, (Lei nº 4.717/65), seguida da Lei de Ação
Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e, após a promulgação da CF/88, o CDC (Lei
nº 8.072/90), que foi importantíssimo para sanar questões que permeavam a
tutela coletiva, o ECA (Lei nº 8.069/90), a Lei de Improbidade Administrativa
(Lei nº 8.429/92), o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), a Lei do Mandado
de Segurança Coletivo (Lei nº 12.016/09) e a Lei do Mandado de Injunção
Coletivo (Lei nº 13.300/2016).

4 Ensina Edilson Vittoreli que “Não é que, antes da CF/88, não existisse tutela do meio ambiente, por exemplo. A
CF/1934 já estabelecia a competência da União para legislar sobre florestas e a CF/1946, mais específica, afirmava
ficarem ‘sob proteção do Poder Público’ as ‘obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem
como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza’. É certo, portanto, que esses
chamados ‘novos direitos’ não são assim tão novos. A inovação é que, até pelo menos a década de 1970, sua prote-
ção se dava na condição de patrimônio público, pertencente ao Estado, e não a uma ‘sociedade’ ou ‘grupo’ distinto
da pessoa jurídica de direito público política. Ainda em 1981, é possível encontrar no STF, tratando do ‘interesse
comum’ da União e dos Estados-membros na preservação de florestas, denotando que a preocupação com direitos
difusos estava amalgamada ao interesse estatal”.
5 Rodrigo Reis Mazzei, em texto analítico sobre a história do processo civil no Brasil, afirma: “De fato, o CPC/73 –
notadamente na sua redação original – está arraigado dos princípios do liberalismo, preso a uma concepção pouco
social. Observe-se, por exemplo, que o CPC/73 não mostra preocupação de calibre com o acesso à justiça e, muito
pelo contrário, com raras exceções, opta por uma trilha em que o formalismo é colocado com farol de iluminação”
(2014, p. 194-195).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 73

Tais estatutos normativos, somados à CF e com subsídio do CPC, deram


origem ao chamado microssistema da tutela coletiva6, dotado de regras e princípios
próprios, responsável por disciplinar, processualmente, a tutela de direitos
transindividuais, retirando-os da marginalidade criada pelo CPC7. Importante
destacar que houve tentativas de unificar as disposições referentes ao processo
civil coletivo, o esboço de um Código-Modelo de Processo Coletivo para a
Ibero-América, o Anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual
– CBPC/IBPD, o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos
– CBPC e, mais recentemente, o PL nº 5.139/09, também denominada de
Lei das Ações Coletivas, todas as empreitadas sem sucesso. Nesse contexto,
coexistiam no Brasil, lado a lado, dois modelos processuais: aquele voltado à
tutela de causas individuais, regulado pelo CPC/73, e aquele que promovia
a tutela coletiva, regulado a partir do conjunto normativo do microssistema
do processo coletivo (CUNHA, 2010, p. 141-142).
Somente com o advento do CPC/2015 o panorama supramencionado
foi alterado, pois se na égide do diploma processual anterior, por ter como
objeto precípuo a tutela individual, todas as técnicas processuais e institutos
ali previsto não se adaptavam a tutela de direitos coletivos, o atual Código de
Processo possui uma estrutura plenamente conciliável.
Neste ínterim, o diploma de 2015 aplica-se diretamente e não mais
supletivamente, subsidiariamente ou residualmente, como ocorria com seu
antecessor, às normas do microssistema supracitado, conforme ensinam
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti (2016, p. 49)8-9. Essa mudança de postura

6 A noção de microssistemas jurídicos foi esboçada por Natalino Irti (1999, p. 5-8), que partindo da noção de sis-
tematicidade do ordenamento jurídico, aduz que em âmbito metodológico os microssistemas são uma expansão
dessa racionalidade sistemática às leis especiais, de maneira que não se encontravam marginais ao ordenamento
jurídico, senão à eles integradas, razão pela qual também à elas estendia-se a interpretação sistemática. Sendo assim,
“os microssistemas seriam as leis especiais ou extravagantes que regulam as relações jurídicas determinadas, com
condução principiológica e critérios incomuns ao diploma geral” (MAZZEI, 2009, p. 390).
7 Neste sentido elucida Rodrigo Reis Mazzei, sem dúvida, um dos primeiros a defender a existência do microssistema
em questão: “com a certeza da importância dos microssistemas para o direito privado, tema que desperta interesse de
grandes juristas à respeito, papel de destaque há de ser dado também no direito processual civil quando à possibili-
dade da formação de sistema especial concernente a tutela coletiva. Aferindo-se pois a existência do microssistema
coletivo, que cuidará, com as regras e princípios próprios, processualmente da tutela de massa à margem do Código
de Processo Civil pelo caráter individual deste” (MAZZEI, 2006, p. 15).
8 Nas palavras dos autores: “o CPC/2015 não é um ‘Código Oitocentista’. Assume, novamente, à luz da necessidade
de código, o dever de dar unidade narrativa ao direito processual (Art. 15. Aplicação supletiva, subsidiária aos demais
processos de produção de normas jurídicas). Organiza, pela introdução uma Parte Geral e pela consagração de normas
fundamentais, um outro patamar de unidade, um sistema aberto, flexível e combinado com a Constituição e com
os microssistemas processuais, em especial com o processo coletivo, fazendo referência expressa às ações coletivas
(art. 139, X e art. 985, I e II). Não está de costas para o microssistema, o abraça e envolve, sendo ponte de ligação
entre o processo e a Constituição”.
9 Neste mesmo sentido esclarece Juliana Provedel Cardoso (2018, p. 82-83): “Nesse diálogo de fontes, entre código
e leis especiais, as normas do CPC/15 se aplicam diretamente ao processo coletivo e deverão suprir determinada
matéria quando não houver disciplina pelo microssistema do processo coletivo (v.g., precedentes), ou quando os
microssistema de processo coletivo disciplinar a matéria, mas de forma incompleta (v.g., distribuição dinâmica do
ônus da prova no processo coletivo, conforme o art. 6º, VIII, CDC, cumulado com o art. 373 do CPC), mas não
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
74

decorre da atualização do paradigma sobre o qual se baseia o novel diploma,


incorporando o espírito da CF/88 e cindindo o paradoxo metodológico do
Código de 1973.
Ademais, destaca-se que com o CPC/2015 outra novidade foi incorpo-
rada à tutela coletiva, o surgimento de uma nova espécie de processo coletivo: o
julgamento de casos repetitivos, previstos no art. 928 do mencionado diploma,
que engloba o incidente de resolução de demandas repetitivas e os recursos
especiais e extraordinários repetitivos.
Tendo em vista que o procedimento de julgamento de casos repetitivos
tem por objeto a criação de uma decisão jurisdicional que não está adstrita
ao caso efetivamente julgado (piloto), expandindo-se demais casos que par-
tilhem do mesmo objeto, independentemente deste ser questão material ou
processual, por meio de uma tese. A referida tese tem aplicação aos casos
contemporâneos a sua fabricação e aos futuros, de aspecto individual ou de
índole coletiva.
Considerando-se que o processo coletivo é aquele “que tem por ob-
jeto litigioso uma situação jurídica coletiva ou passiva de titularidade de um
grupo de pessoas” (DIDIER Jr.; ZANETI Jr., 2016, p. 30), o julgamento de
demandas repetitivas seria uma espécie de processo coletivo, pois a repetição
da questão em diversos processos faz nascer o grupo (DIDIER Jr.; ZANETI
Jr., 2016, p. 91).
Este entendimento não é uníssono na doutrina, para Sofia Temer (2016,
p. 95) o julgamento de demandas repetitivas não poderia ser considerado
uma espécie de processo coletivo, apesar de concordar que há uma dimensão
coletiva, no entanto, por possuir natureza de processo objetivo, com fins de
formar tese jurídica geral e abstrata, diferencia-se das ações coletivas, por
possuírem natureza eminentemente subjetiva e concreta. Aduz, por fim, que
em comum as técnicas possuíram apenas a “função social”.
Em que pese as divergências, é por certo que o processo coletivo não
está – e nem deveria – parado no tempo, imune a evoluir e ampliar-se, razão
pela qual cremos ser crível que o diploma processual do século XXI trouxe,

será aplicado quando ferir os princípios e a lógica do microssistema (v.g., art. 18, parágrafo único, do CPC, que não
pode ser aplicado para o processo coletivo, uma vez que o substituído no processo coletivo é o grupo e se autorizada
a intervenção das vítimas, além das ações individuais, o julgamento no processo coletivo restaria inviabilizado. A
intervenção litisconsorcial no processo coletivo é autorizada pelo art. 94 do CDC, que deverá ser controlada pelo juiz.
Para tanto, de acordo com os arts. 94, § 2º, e 103 do CDC, a intervenção se dará a título individual, e não ocorrerá
a coisa julgado secundum eventum litis para esse caso). O Código processual se articula com o microssistema e, mais
do que isso, incorpora normas de processo coletivo. Deste modo, com a comunicação entre diplomas, o Código de
Processo Civil de 2015 não se excluí, mas é integrado ao microssistema de processo coletivo, que, deste modo, opera
sistematicamente, organizado entre Código Constituição e leis especiais, em coordenação e influências recíprocas,
conforme os objetivos constitucionais”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 75

juntamente com suas técnicas inovadoras, um novo espectro do processo


coletivo, o julgamento de causas repetitivas, que possuem dois momentos
bem delineados: o julgamento da causa piloto, dando origem à uma norma
individual concreta e a consequente formação de uma tese, esta sim, com
fins gerais e abstratos. Diante disso, coexiste na técnica a natureza subjetiva
e objetiva.
Dito isso, passamos a analisar, brevemente, o papel assumido pelo habeas
corpus no Estado Democrático de Direito, que tal como a tutela coletiva teve
suas respectivas reconfigurações.

3 O Habeas Corpus no Estado Democrático de Direito


O habeas corpus é um instrumento jurídico tradicionalíssimo que re-
monta sua origem ao ano de 1215, com a Magna Carta do Rei João Sem Terra
(MIRANDA, 1979, p. 11), e sempre esteve historicamente associado a uma
conquista civilizatória. Juridicamente é tema que encantou muitos notáveis,
sendo sempre muito estudado sem que isso o torne fastidioso, justamente
porque tal instituto tem como característica fundamental de sua constituição
a adaptabilidade: mais de mil anos se passaram desde seu surgimento e, ainda
hoje, temos coisas a aprender sobre o habeas corpus.
Não é o objetivo do presente estudo uma análise histórica do habeas
corpus, tampouco comparativa, com o instituto no modelo do Common Law,
basta para nós uma breve revisão da amplitude que tal instrumento assumiu
no Estado Democrático de Direito10, deixando de ser um recurso para assumir
o status de remédio jurídico-constitucional ou, ainda, uma ação de impugnação11.
As hipóteses de cabimento da medida encontravam-se originalmente
estabelecidas nos arts. 647 e 648 do CPP, todavia não se trata de um rol taxa-
tivo, mas sim aberto. E, tanto é assim que cada vez mais tem se ampliado o

10 Importante ressaltar que durante a ditadura militar do Brasil, o habeas corpus foi banido do direito brasileiro pelo
AI-5, de 13 de dezembro de 1968, conforme previsão do art. 10: “Fica suspensa a garantia do habeas corpus nos casos
de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. No mesmo
sentido, a EC nº 1/69, em seu art. 182 reproduziu o AI-5, cuja revogação somente se deu em 31 de dezembro de
1978.
11 Marcellus Polastri Lima (2013, p. 1.103) apresenta com irreparável clareza a noção de ação de impugnação: “Como
se sabe os recursos não instauram nova relação processual e sim prorrogam a relação já instaurada no processo,
mas, ao contrário, as chamadas ações de impugnação instauram nova relação processual. São, assim, ações e não
recursos, instaurando-se novo procedimento de impugnação de decisões. O Código chama de Recursos tais ações
de impugnação, mas trata-se de evidente falta de técnica de legislador de 1941”. Acrescenta o autor, ainda, que a
reforma do Código de Processo Penal já prevê em apartado dos recursos as ações impugnatórias, das quais é parte
o habeas corpus.
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cabimento do habeas corpus, sempre que algum vazio legislativo levar à estabi-
lização de uma decisão ilegal ou injusta (GRECO FILHO, 1993, p. 306)12-13.
A ampliação do habeas corpus atingiu a seara objetiva, ou seja, das hipó-
teses de cabimento podendo ser utilizada para trancamento de inquérito civil
(STJ, RHC 36.756/PA e AgRg no RHC 28.133/DF; STF, HC 107.382), de ação
penal (STJ, RHC 28.612/SP e AgRg no RHC 35.000/RJ; STJ, RHC 43.750/
BA), para rescindir a coisa julgada (HC 13.207/SP) e para internação de criança
e adolescente (HC 312.262/SP), bem como sua própria constituição, isso é,
podendo ser aplicado repressivamente ou preventivamente (salvo-conduto)14.
Ademais, a própria legitimidade para propositura da ação de impugnação
foi elastecida, podendo inclusive ser pleiteada pelo MP, em favor de qualquer
pessoa, inclusive do réu (GRINOVER, 2009, p. 308) e por pessoas jurídicas
em favor de pessoas físicas (HC 88.747 AgR) ou jurídicas (RHC 24.933/RJ;
HC 147.541/RS; RHC 28.811/SP) ou mesmo de ofício pelo juiz (art. 654, § 2º,
do CPP) e, ainda, a possibilidade de extensão dos efeitos do habeas corpus para
outras pessoas que se encontrem na mesma situação fática (art. 580 do CPP).
Todas essas flexibilizações e ampliações, bem como tantas outras não
mencionadas, são muito importantes para que o habeas corpus assumisse o
importante papel que desempenha na tutela de direitos fundamentais.

4 Habeas Corpus Coletivo na Perspectiva do Supremo Tribunal


Federal: uma Análise a Partir do HC 143.641/SP
Como já mencionado, o habeas corpus, na medida em que avançou de-
mocraticamente, ampliou-se, passando a assumir um status de ação de impug-
nação, bem como grande importância na proteção de direitos fundamentais.
Era questão de tempo para que também as questões de demandas em massas
permeassem a membrana que envolve o direito penal e, consequentemente,
o habeas corpus, especialmente pelas péssimas condições do Sistema Prisional

12 José Barcelos de Souza (1998, p. 11) constata que “Modernamente, agora na área do Direito Processual Penal,
estamos assistindo à consolidação de uma nova concepção do instituto, tão importante e tão significativa como a
da antiga e histórica doutrina brasileira do HC. Trata-se de sua utilização como um recurso de larga abrangência,
independentemente da existência de prisão ou ameaça concreta à liberdade de locomoção é o habeas corpus processual
como tenho chamado”.
13 Desde Ruy Barbosa já se objetivava a difusão do instituto como meio de combater as arbitrariedades do Poder Judiciário.
Assim, defendia que o habeas corpus não estava circunscrito aos casos de constrangimento corporal, mas sim que “se
estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no
seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade” (ESPÍNOLA FILHO, 1980, p. 21), o que
denominou de habeas corpus à brasileira, posteriormente suprimido pela Reforma Constitucional de 1926.
14 Segundo Ada Pelegrini Grinover (1981, p. 174), o campo de abrangência do habeas corpus preventivo é o mais amplo
possível, encontrando aplicação em todos os casos do art. 648 do CPP, e mesmo nos não compreendidos na enu-
meração legal. Pense-se no campo extrapenal, quando a ameaça de lesão à liberdade de locomoção provenha do juiz
civil, nos casos de prisão por alimentos ou do depositário infiel (art. 153, § 17, da Constituição).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 77

Brasileiro, já reconhecidas pelo STF quando do julgamento da ADPF 347 MC/


DF, que entendeu pela existência de estado de coisas inconstitucional e violação
a direito fundamental. Assim, timidamente foram dirigidos para apreciação
do STJ habeas corpus coletivos, os quais podemos destacar: HC 207.720/SP, HC
303.061/RS, HC 360.69/RJ e HC 359.374/SP, os três últimos decorrentes de
violações do sistema prisional. A jurisprudência do STJ manteve-se oscilante.
A controvérsia em torno da admissibilidade do habeas corpus coletivo foi
decidida em fevereiro do corrente ano, quando o STF julgou o Habeas Corpus
143.641/SP, bem como teceu considerações acerca da espécie.

4.1 Breve Resumo do Habeas Corpus 143.641/SP15


Segundo o relator do mencionado habeas corpus coletivo, Ricardo
Lewandowski, este foi impetrado, inicialmente, por membros do coletivo
de Advogados em Direitos Humanos em favor de todas as mulheres presas
preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de
mães de crianças sobre sua responsabilidade, bem como em nome das pró-
prias crianças.
O pedido para que as mulheres respondessem em liberdade foi emba-
sado no art. 25, I, da Convenção Americana de Direito Humanos, no caráter
sistemático das violações às presas provisórias em razão de falhas estruturais
no sistema nos termos da ADPF 347 e na previsão da Lei nº 13.257/2016,
que dentre outras modificações, alterou a redação do inciso IV do art. 318 do
CPP e inseriu os incisos V e VI, ampliando a possibilidade de substituição de
prisão preventiva por domiciliar, para quaisquer gestantes, mulher com filho
até 12 anos ou homem, se for o único responsável pelo menos de 12 anos.
Especificamente no que refere ao cabimento do habeas corpus coletivo, a
Defensoria Pública da União sustentou a possibilidade diante da existência de
mandado de segurança e mandado de injunção coletivos. Ademais, apontou
também o reconhecimento da representatividade da Defensoria Pública, até
por ter repercussão federal. Contrariamente, foram apresentados os argu-
mentos de que o habeas corpus tem por escopo a proteção ao direito individual
de liberdade de locomoção, impossibilitado, portanto, de ser concedido de
forma genérica, pois formaria norma geral, uma espécie de suma vinculante
ou instrumento de política pública criminal. E, no mesmo sentido, alega-se
que a maternidade não pode ser utilizada como garantia à prisão, tendo em
vista que o art. 318 do CPP não estabelece um direito subjetivo automático.

15 O inteiro teor do julgamento está disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/


HC143641final3pdfVoto.pdf>.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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4.2 Habeas Corpus Coletivo: Cabimento, Competência, Legitimidade


e Extensão
Antes de iniciarmos a traçar os contornos do habeas corpus coletivo,
conforme tratado no HC 143.641/SP é importante esclarecer que o referido
decisum foi proferido pela 2ª Turma do STF e, portanto, não houve formação
de uma tese ou precedente16, razão pela qual, em que pese sirva de parâmetros
para os primeiros esboços do habeas corpus coletivo, não tem caráter geral e
abstrato, ou seja, foi traçado para os fatos apresentados e julgados.
(i) No que se refere ao cabimento do habeas corpus, a premissa adotada
pelo relator é o acesso à justiça. Nos termos do que já foi explanado no item
dois, os direitos transindividuais são uma resposta à sociedade pós-industrial,
sendo irreversível a proliferação de direitos desta natureza, os meios para sua
proteção devem ser cada vez mais explorados juridicamente, até mesmo para
garantir que a estrutura do Poder Judiciário não seja desestabilizada.
Diante disso, como bem colocou o Ministro-Relator, a ação coletiva
emerge como sendo talvez a única solução viável para garantir o efetivo acesso
à justiça, especialmente dos grupos mais vulneráveis do ponto de vista social
e econômico (STJ, 2018, p. 18, acesso online)17.
Trata-se igualmente de um argumento que visa a conservação da pró-
pria estrutura do Poder Judiciário, com o descongestionamento do acervo
processual, que saber se hoje um dos maiores obstáculos à prestação de uma
tutela justa, efetiva e temporânea. Ou, em outras palavras, um entrave a que
o processo alcance seu escopo: a tutela de direitos e pessoas.
Em segundo plano, nos termos do já discutido no item três, partiu-se da
concepção de habeas corpus como sendo um instrumento para defesa de direito

16 A jurisprudência e os precedentes se diferenciam tanto de um ponto de vista quantitativo, pois a primeira exige
uma série de decisões enquanto o segundo apenas uma, quanto qualitativo, tendo em vista que os precedentes são
compreendidos a partir de fatos, da relação entre fatos e direitos e através de uma análise comparativa dos fatos da
causa e dos fatos referentes à formação do precedente (TARUFFO, 2007, p. 11-20). Na doutrina brasileira, é es-
clarecedora a lição de Hermes Zaneti Jr. (2016, p. 303-304) “A expressão ‘direito jurisprudencial’ é de uso habitual
nos países de tradição de Civil Law. Essa expressão, normalmente, refere-se ao uso reiterado de decisões judiciais,
como, por exemplo, do que os tribunais estão decidindo, indicando uma linha de entendimento dos tribunais. Nos
países de tradição de Civil Law, a jurisprudência é apresentada como parte das fontes indiretas, secundárias e ma-
teriais do direito, normalmente ligada aos costumes, não tendo a força vinculante de uma fonte formal e primária.
Portanto, não é considerada, do ponto de vista dogmático, norma válida e obrigatória (...) Precedentes judiciais
não se confundem com direito jurisprudencial entendido como repetição de decisões reiteradas, por mais que este
direito possa ser considerado influente ou persuasivo de fato. Os precedentes judiciais, como entendemos neste
trabalho, consistem no resultado da densificação de normas estabelecidas a partir da compreensão de um caso, suas
circunstâncias fáticas e jurídicas. No momento da aplicação deste caso-precedente, analisado o caso atual, se extrai
a ratio decidendi ou holding como o core do precedente”.
17 Aprofundando na problemática asseverou Ricardo Lewandowski: “É que, na sociedade contemporânea, burocratizada
e massificada, as lesões a direitos, cada vez mais, assumem um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por
razões de política judiciária, disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteção dos segmentos por elas
atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa céleres e adequados” (STF, 2018, p. 16, acesso online).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 79

fundamental e, como tal, merece ser explorado em sua total potencialidade, que
inclusive sofreu sucessivas ampliações, especialmente na ordem democrática.
Assim, sendo o HC maleável quando se refere às lesões aos direitos
fundamentais, como se observam dos arts. 580 e 654, § 2º, do CPP, que per-
mitem a extensão à pacientes na mesma situação e a concessão ex officio pelo
juiz, respectivamente. Por fim, considerando-se que o HC realiza um juízo
subjetivo, fundamentou a possibilidade de coletivização do instituto diante da
tutela de direitos individuais homogêneos, nos termos do art. 81, parágrafo único,
III, do CDC, isto é: a formação de um grupo que, apesar de em um primeiro
momento ser indeterminável, é possível a sua posterior determinação, in-
clusive em sede de execução do decisum. A possibilidade de manejo do HC
coletivo para tutelas de outros interesses será abordada adiante (subitem iv).
Parecem-nos irretocáveis as disposições do Ministro Relator. Em um
judiciário em que há mais de 80 milhões de processos aguardando decisão
judicial (CNJ, acesso online) não há como se prender ao processo individual.
Acrescentamos que em matéria cível a tutela coletiva não é novidade, como
tem diuturnamente avançando, criando-se mais e mais técnicas, como o jul-
gamento de demandas repetitivas, com o qual não podemos deixar de notar
a semelhança.
(ii) A delimitação da competência em favor do STF baseou-se na rele-
vância constitucional da matéria (STF, 2018, p. 20). No caso em questão, os
critérios para definição da competência poderiam dar-se conforme determina-
do na esfera penal, que, via de regra, é a autoridade judiciária hierarquicamente
superior àquela que impugnou o ato vergastado.
Se tratando de habeas corpus coletivo em favor de todas as mulheres, de
qualquer estado da nação, presas preventivamente e que se enquadrassem nos
incisos IV, V e IV do art. 318 do CPP, a competência poderia ser atribuída ao
STJ ou STF. Importante ressaltar que a inicial requereu que fosse declarada
a competência do STF, tendo em vista que o STJ, em outras oportunidades
de julgar HCs individuais, com base no mesmo fundamento, exigiu outros
requisitos (STF, 2018, p. 9, acesso online). Sendo assim, em relação àqueles
pedidos específicos já não teria competência para julgar.
Por outro lado, a competência poderia ser ainda atribuída a partir do
exposto no criticado art. 93 do Código do Consumidor, uma vez tendo-se
reconhecido que o direito em apreciação tratava-se de direito individual
homogêneo. O presente caso é nitidamente de dimensão nacional, assim o
autor poderia tanto optar pelas capitais dos Estados quanto para o Distrito
Federal, visto que foi deixado à escolha do autor, para o que melhor lhe aprou-
ver (fórum shopping). Ocorre que, conforme decidido no julgamento do CC
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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26.842/DF, a referida competência não é exclusiva do DF (STJ, 1999, acesso


online), tampouco fazia sentido propor ação na capital do país, assim como
em qualquer outro Estado.
Diante disso, o decisum seguiu a noção de competência adequada, segundo
o qual o juízo da causa é também competente para julgar sua própria com-
petência. Objetivando, com isso que o juiz, utilizando-se da regra do fórum
non conveniens18, e por meio do kompetenz kompetenz, realiza o controle de sua
competência, evitando, assim, julgar causas para as quais não fosse o juízo
mais adequado, quer em razão do direito ou dos fatos debatidos ou ainda, pela
relevância da matéria (DIDIER; ZANETI, 2016, p. 102). Não se trata de ofensa
ao Princípio do Juiz Natural (RODRIGUES, 2007, p. 174), mas de estabe-
lecer um modelo com maior efetividade na prestação da tutela jurisdicional.
(iii) Com relação à legitimidade para propositura, buscou-se fun-
damento na Lei do Mandado de Injunção Coletivo (Lei nº 13.300/2016),
razão pela qual o ente legitimado no caso concreto foi a Defensoria Pública
da União. Cabe-nos, todavia, alguns questionamentos. O STF optou por
espelhar a legitimidade do habeas corpus coletivo ao mandado de injunção,
mas poderia igualmente tê-lo feito com o mandado de segurança coletivo.
Verifica-se, portanto, que optou pela norma com maior elasticidade, é dizer,
pelo rol mais extenso de legitimado, uma vez que segundo o art. 5º, LXX, da
CF prevê apenas partido político com representação no Congresso Nacional,
as organizações sindicais e entidades de classe ou associações, com o requisito
de constituição a mais de um ano.
Certo é, também, que tendo reconhecido que o direito em debate era
caracterizado como individual homogêneo, poderia ter tratado da legitimação
a partir do art. 82 do CDC, que além de ser mais ou tão amplo quando o art.
12 da Lei nº 13.300/2016, excluía a necessidade de recorrer à analogia.
Parece-nos que na prática os efeitos seriam muito similares, tendo
em vista o julgamento da ADI 3.943/DF. No entanto, o STF preferiu a Lei
do Mandado de Injunção Coletivo, a nosso ver, pelo expresso arrolamento
da Defensoria Pública da União como legitimado, o que atendia aos fins do
caso sub judice.
(iv) Com relação à extensão do decisum verificou-se que o entendimento
adotado é de que se trata de direitos individuais homogêneos, perfeitamente

18 Na defesa da aplicação deste princípio ao processo coletivo, defende Vera Maria Barrera Jatahy que “para evitar os
abusos, desenvolveu-se uma regra de temperamento, conhecida como fórum non conveniens, que deixa ao arbítrio
do juízo acionado a possibilidade de recusar a prestação jurisdicional se entender comprovada a existência de outra
jurisdição, mais adequada para atender aos interesses das partes, ou aos reclamos da Justiça em geral” (JATAHY,
2013, p. 9).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 81

amoldável, tendo em vista decorrerem de uma origem comum (GIDI, 1995,


p. 30-31), podendo tal fato se dar em ambientes geográficos ou históricos
distintos, desde que homogêneos. Apesar de a redação legislativa ter esboçado
uma concepção atomizada da dimensão coletiva dos direitos individuais ho-
mogêneos, concebendo-os como direitos acidentalmente coletivos, isto é, um
feixe de direitos coletivamente tutelados, o STF, no julgamento do RE 163.231/
SP, reconheceu o cunho genuinamente coletivo dos direitos homogêneos. É
dizer que quando reunidos e tratados na esfera coletiva, os direitos, até então
individuais, transformam-se em subjetivamente coletivos, equiparando-se aos
direitos coletivos e difusos para efeitos de tutela integral e assim permanecem até
o momento de sua liquidação e execução (DIDIER Jr., ZANETI Jr., 2016, p. 72).
A leitura integral da decisão não deixa dúvidas que o habeas corpus co-
letivo assumiu a tutela dos direitos individuais homogêneos por entendê-los
na sua dimensão coletiva, tendo esboçado esse sentimento diversas vezes.
Preocupa-nos, no entanto, o que não foi dito: é possível o manejo de habeas
corpus coletivos stricto sensu?
Discussão similar deu-se no âmbito do Mandado de Segurança Coletivo
e, na ocasião, prevaleceu a tese ampliativa, segundo a qual “permite a tutela
pelo writ coletivo dos direitos coletivos lato sensu, ou seja, dos direitos difu-
sos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos” (ZANETI Jr., 2013, p.
70). Esta é a tese que melhor se coaduna com os preceitos de eficácia e tutela
integral, presentes no microssistema da tutela coletiva.
Por fim, importante destacar que se no âmbito civil a tutela dos direitos
individuais homogêneos possuí três fases bem delineadas: a formação da tese
individual, a liquidação e a execução, a destinação à um fundo da verba não
liquidada (DIDIER Jr., ZANETI Jr., 2016, p. 73-75), no âmbito penal há a
formação da tese geral sucedida da fase de execução do mandamento. Res-
saltamos que a individuação segue a mesma ordem, ocorrendo no momento
da execução ou se houver ingresso da parte como assistentes litisconsorciais,
conforme precisão do art. 94 do CDC. O sistema é também o opt out, típico
do modelo coletivo brasileiro.

5 Considerações Finais
Evidenciado está que o habeas corpus coletivo é resultado de dois movi-
mentos de ampliação: da tutela coletiva, que se expande na medida em que
surge a demanda coletiva, a necessidade de cuidar do passivo processual e de
garantir a eficácia jurídica de direitos coletivos, e a do habeas corpus que como
um meio de defender direitos fundamentais tão caros ao convívio social é cada
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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vez mais flexibilizado, numa ótima mais voltada à concretude das garantias
do que aos apegos técnico-formais.
Todavia, como já expusemos no início do presente estudo, este não
se presta apenas a traçar as primeiras linhas do habeas corpus coletivo – sem
qualquer pretensão de ser estanque – a partir do julgamento do HC 143.641/
SP, mas também trazer importantes questionamentos.
Parece-nos, por tudo que foi exposto com relação aos microssistemas,
que o surgimento de uma nova técnica processual para tutela de direitos
coletivos, o habeas corpus coletivo adere a tutela de direitos transindividuais à
esfera do processo penal.
Diante disso, vemos não somente a ampliação da cartela de direitos
protegidos, mas também do microssistema do processo coletivo, não que já
não possuísse normas de índole criminal, até mesmo porque diplomas como o
ECRIAD e o Estatuto do Idoso já o compõe, todavia passa a ser composto pelos
diplomas penais (CP e CPP), quando o habeas corpus coletivo for manejado19.
Os avanços de um Estado Liberal em direção ao Estado Democrático
de Direito apresentou cada vez mais a preocupação em proteger a coletividade
e, no âmbito penal, manifestou-se com a criminalização de condutas lesivas
ao meio ambiente, ao sistema financeiro, ao patrimônio genético, de crimes
contra o consumo, entre outros (ANDRADE; FERREIRA, 2016, acesso
online). Isso, no entanto, não implica dizer que tais direitos ou, em outras
palavras, bens jurídicos transindividuais, não existiam antes disso, ocorre que a
mudança de paradigmas histórico-sociológico revela a preocupação do Estado
em apresentar instrumento para tutela eficiente destes interesses (ANDRADE;
FERREIRA, 2016, acesso online).
É certo que no meio penal há resistência em modernizar as técnicas de
tutela de direitos transindividuais, defende-se, inclusive que “a salvaguarda
de tais bens somente encontraria espaço no âmbito do poder punitivo, desde
que suas vulnerações, por via reflexa, encontrassem análoga afetação a bens
jurídicos de interesses individuais” (ANDRADE; FERREIRA, 2016, acesso
online)20.

19 Importante mencionar que para Claudio Jannotti da Rocha, com arrimo em José Roberto Freire Pimenta, defende
que o microssistema do processo coletivo envolve também a seara trabalhista, confira-se: “Na busca dessa proteção
efetiva ao trabalhador brasileiro, é que se objetivou tutelar não somente os interesses trabalhistas individuais, mas
também os coletivos. Com vistas a esse fim, ao somar o microssistema de tutela jurisdicional metaindividual à CLT,
alcançou-se o denominado “sistema de jurisdição trabalhista metaindividual” (PIMENTA, 2009, p. 31), que, por
seu turno, ensejou o surgimento do processo coletivo trabalhista” (ROCHA, 2017, p. 148).
20 Complementam os autores: “De uma forma ou de outra, negar aos bens jurídicos difusos uma abrangência penal
implica, antes de tudo, na reprodução de um discurso ideológico próprio de um Estado liberal, cujas feições já não
mais correspondem aos reclames de preservação de interesses que não traduzem mais apenas interesses de uma
fração do agrupamento social” (ANDRADE; FERREIRA, 2016, acesso online).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 83

A mudança de paradigma histórico-sociológico revelou, portanto, a


preocupação do Estado em apresentar instrumento para tutela eficiente de
direitos transindividuais e acreditamos que, embora tardiamente e com certa
resistência, o direito processual penal está encaminhando-se para adequação
a este panorama jurídico.
Desta maneira, o habeas corpus coletivo, instrumento esse que começa a
ser moldado a partir da jurisprudência em aberto ativismo jurídico, materializa
a modernização da técnica processual penal para tutela de direitos coletivos.

TITLE: Notes about the collective habeas corpus: an analysis starting of HC 143,641/SP and the micros-
system of the collective procedural.

ABSTRACT: The present study is a proposal to analyze, from the jurisprudence of the STF, the main
conformations of the collective criminal tutelage made through habeas corpus collective, drawing a parallel
with the collective civil procedure, being this the pioneer in the protection of rights transindividuals.
It should be pointed out that the objective of the present is not a thorough treatment of the collective
habeas corpus, but rather to give the first notes about its conformation and perhaps even to launch more
provocations than certainties.

KEYWORDS: Civil Procedure. Collective Procedure. Criminal Procedure. Habeas Corpus Collective.
Collective Procedural Microssystem.

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Doutrina

Contribuições da Filosofia da Linguagem


de Wittgenstein na Dogmática Penal: um
Diagnóstico do Dolo

Ana Carla Pinheiro Freitas


Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade de Fortaleza – UNIFOR; Doutora em Direito
pela PUC-SP; Psicóloga pela mesma Instituição; Professora
Pesquisadora do REPJAL/PPGD/UNIFOR.

Eduardo Rocha Dias


Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade de Fortaleza – UNIFOR; Doutor em Direito
pela Universidade de Lisboa; Procurador Federal da AGU.

Érica Montenegro Alves Barroso


Graduada em Direito; Pós-Graduanda em Direito e Processo
Penal; Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade
de Fortaleza – UNIFOR; Advogada.

RESUMO: O presente artigo parte de uma investigação da segunda fase da


filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein, a partir da reviravolta linguístico-
pragmática como ponto de partida para um diagnóstico acerca da concepção dos
elementos constituintes do dolo, a consciência e a vontade, construídos sob um
viés subjetivo e dedutivista da filosofia da consciência. Para tanto, a invasão da
filosofia pela linguagem propicia uma ruptura com a acepção metafísica de afe-
rição dos sentidos das palavras e do conhecimento, contribuindo, sobremaneira,
para a intersubjetividade dos conceitos, construídos em consonância com a práxis
comum do dia a dia. Desta feita, em um primeiro momento, apresentou-se a
teoria finalista da ação, responsável pelo deslocamento dos elementos subjetivos
do tipo para o fato típico e pelas teorias conceptivas do dolo, como a da vontade e
do consentimento instrumentalizadas no Código Penal Brasileiro. Em seguida,
após uma análise do dolo, buscou-se uma abordagem da filosofia da linguagem
de Wittgenstein, desde a concepção da linguagem como figuração da realidade
até a reviravolta linguístico-pragmática representada em sua segunda fase,
momento em que a aferição de sentido é deslocada do intuito do sujeito para
a prática comum. Por fim, objetivou-se demonstrar as contribuições da nova
acepção da linguagem de Wittgenstein para a dogmática penal, destacando, de
maneira não extensiva, a teoria da ação significativa de Jurgen Habermas e do
dolo significativo de Tomás Salvador Vivés Antón, assentes no deslocamento
ontológico da ação e do dolo para um aspecto axiológico. A pesquisa se reporta
explicativa, na medida em que busca explicar os fenômenos observados, bi-
bliográfica, a partir da utilização de doutrinas e artigos relativos ao tema, sendo
qualitativa e teórica em sua abordagem.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
86

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da Linguagem de Wittgenstein. Diagnóstico do


Dolo. Vontade. Consciência. Ação Comunicativa. Dolo Significativo.

SUMÁRIO: Introdução. 1 O Dolo como Elemento Subjetivo da Vontade e


da Consciência: Reflexões Teóricas sobre sua Constituição. 2 A Reviravolta
Linguística-Pragmática e a Nova Filosofia da Linguagem de Ludwig Wittgenstein.
3 Contribuições da Segunda Filosofia da Linguagem de Ludwig Wittgenstein no
Diagnóstico do Dolo. Conclusões. Referências Bibliográficas.

Introdução
O presente artigo tem por objetivo a investigação das contribuições da
segunda filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein para a dogmática penal,
a partir de um diagnóstico do elemento subjetivo do dolo. Em um primeiro
momento, busca-se desenvolver uma breve análise das teorias penais que
se destacaram no processo de fundamentação da ação, com ênfase na teoria
finalista da ação, responsável pelo descolamento de elementos subjetivos
para o injusto penal. Doravante, propõe-se uma reflexão em torno da atual
concepção de dolo amplamente recepcionada pelos ordenamentos penais
modernos, mediante o entendimento da teoria volitiva, que apesar de uma
maior completude no conceito de dolo, possui uma série de ambiguidades e
contradições na acepção de seus elementos cognitivos e volitivos.
Para tanto, a pesquisa se fundará em uma breve análise da revolução
linguística pragmática desenvolvida na segunda obra de Wittgenstein, Inves-
tigações Filosóficas, segundo a qual a linguagem deixa de ser um mero instru-
mento de descrição e representação de signos, momento em que abandona
a tradicional paradigmática da simples figuração de objetos, para uma análise
de seus usos. Será observado que a linguagem e o conhecimento passam de
uma visão intuitiva e fechada do sujeito para uma realidade aberta e múltipla,
passível de constante modificação e significação em relação às diversas formas
sociais em que são usados.
Nesse contexto, de uma mudança na concepção da linguagem e atribui-
ção de sentido das palavras, a partir de seus usos nos vários jogos de linguagem,
é que se propõe uma reflexão em torno dos elementos do dolo, com destaque
para os atuais conceitos de ação comunicativa proposto por Jurguen Habermas
e a dogmática significativa do dolo construída pelo professor Tomás Salvador
Vivés Antón, além de uma análise de conceitos como saber, querer e intenção,
utilizados de modo ambíguo e extensivo pela doutrina e legislação penal.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 87

Necessário, então, o enfrentamento dessas questões suscitadas em


torno do elemento subjetivo do dolo, através de uma revolução da filosofia
pela linguagem desenvolvida na segunda obra de Ludwig Wittgenstein, na
busca de um diagnóstico e desvelamento das questões atinentes ao conceito
e significação dos elementos tidos como meramente psíquicos.
A pesquisa efetuada é explicativa, na medida em que busca explicar
os fenômenos observados, bibliográfica, a partir da utilização de doutrinas e
artigos relativos ao tema, qualitativa e teórica em sua abordagem.

1 O Dolo como Elemento Subjetivo da Vontade e da Consciência:


Reflexões Teóricas sobre sua Constituição
Para que se possa realizar uma reflexão acerca do dolo e de seus elemen-
tos constitutivos, é importante uma digressão sobre as duas teorias penais que
se destacaram no processo de fundamentação da ação e, consequentemente,
de constituição do injusto penal. Em primeiro lugar, tem-se a teoria causal
da ação ou teoria clássica, idealizada por Franz Von Liszt, Ernst Von Beling e
Gustav Radbruch, em meados do século XIX, de forte conotação positivista
e influenciada pelos métodos das ciências naturais, notadamente a relação de
causa e efeito, que ressaltou a aplicação nas ciências sociais, como o Direito,
dos métodos experimentais típicos das ciências puramente naturais.
Para tanto, os causais naturalistas consideravam a ação um mero mo-
vimento corporal e voluntário causador de uma modificação no mundo ex-
terior. O ponto nuclear da teoria consistiu, nesse sentido, em uma relação de
causalidade objetiva entre o movimento (inervação muscular) e o resultado
obtido, sem, contudo, analisar o conteúdo da ação1.
Nesse contexto, considerava-se a ação uma forma puramente natura-
lista, como uma alteração material do mundo exterior, mesmo insignificante,
perceptível pelos sentidos, em que a conduta era vista como um efeito da
vontade, sem qualquer apreciação de seu conteúdo, como finalidade do
comportamento. Na teoria naturalística era valorizado tão somente o desvalor
do resultado lesivo, em que o conteúdo da vontade do agente era deslocado
para a culpabilidade, que representava o vínculo psicológico do autor com o
resultado2.

1 ANDREUS, Alexis; LOPES, Cláudio Riberto Gama. Fundamentos do ontologismo: a relevância epistemológica
da ação para o direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 98, p. 97-116, 2012.
2 WELZEL, Hans. Derecho penal: parte geral. Trad. Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956. p. 44.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
88

Foi nesse cenário, em meio às dificuldades na distinção das espécies


de crime, se culposos ou dolosos, notadamente nos omissivos, além de uma
necessidade em reprimir não só o resultado naturalístico, mas também a
natureza da conduta do agente, que se tornou imprescindível um desvalor
também na conduta, algo a mais na constituição da ação, que pudesse moldá-
la, uma atividade com o escopo de produzir determinados efeitos, uma ação
como resultado de uma atividade finalística.
Desta feita, a doutrina da ação de Hans Welzel ganha força na ciência
penal, a partir de um deslocamento da mera causalidade para um curso causal
orientado pelo agir consciente.
Welzel Propõe, assim, a teoria finalista da ação, momento mais completo
da tipicidade, em que o elemento subjetivo passa para a moldura do tipo, uma
teoria da ação final ou finalista com pressuposto nas influências metafísicas de
Aristóteles, em que o fim passa a ser entendido como elemento obrigatório
da natureza, ao contrário de uma ação causal cega e puramente mecânica.
Para a nova teoria penal, destarte, todo fato passa a ser orientado para um
fim, um acontecer teleológico, mentalmente previsto pelo agente, responsável
por guiar seus movimentos corporais, como também todo acontecer universal
é um grande processo determinado desde um fim, movido e guiado por ele3.
Com isto, a teoria finalista da ação passa a ser uma teoria que trata de
questionar a causalidade como única a determinar um acontecimento real,
segundo a afirmativa de que a ação (pré-juridicamente) considerada, não é, de
modo algum, um mero movimento corporal voluntário com o efeito de certas
transformações no mundo exterior. Ela não só é casualmente produzida, mas
sim intencionalmente introduzida, quer dizer, o mecanismo causal que nela
opera encontra-se sob uma nova espécie de determinação, caracterizada pelo
elemento da intencionalidade, de uma ordem em sentido ou da consciência
de sentido4.
Entrementes, as contribuições da teoria final da ação para a concepção
do injusto são de fundamental importância, como a equiparação do desvalor da
ação com o desvalor do resultado e, de modo mais contundente, a separação do
dolo da consciência da ilicitude, em que esta é deslocada para a culpabilidade
e aquele para o tipo, o que possibilitou a construção de uma teoria da culpa

3 COSTA, Carlos Adalmyr Condeixa da. Dolo no tipo: teoria da ação finalista no direito penal. Rio de Janeiro: Liber
Juris, 1989. p. 27.
4 BACIGALUPO, Enrique. Sobre a teoria da ação finalista e sua significação no direito penal. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, v. 52, p. 135-157, 2005.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 89

no Código Penal alemão de 1975 e a delimitação de questões atinentes ao erro


de proibição, sem deixar de frisar a distinção entre coautoria e participação5.
De todo modo, a principal contribuição trazida pela teoria da ação final,
indiscutivelmente, pode ser pontuada como o descolamento dos elementos
subjetivos, dolo e culpa para o tipo, o que possibilitou um maior desvalor da
ação do agente.
Nesse ponto, como corolário do conceito de ação trazida pela referida
teoria de Welzel, o dolo passa a ser concebido como elemento da ação, lo-
calizado no tipo subjetivo, estando a sua essência no querer em concretizar
o tipo, em seu aspecto objetivo6. Para tanto, o dolo representa a vontade da
ação dirigida ao resultado, sustentadora da ação. Não é mais que a finalidade
voltada à realização do tipo objetivo7.
Nesse sentido, como rompimento da tradicional concepção causal de
injusto, que transferia os caracteres subjetivos “psíquicos” para a culpabili-
dade, a teoria finalista passa a considerar que toda ação consciente é realizada
pela decisão de ação, isto é, pela consciência do que é desejado, o elemento
intelectual e a decisão de querer fazê-lo, o elemento volitivo. Ambos os
elementos juntos, como criadores de uma ação real, passam a constituir o
moderno conceito de dolo8.
A partir desse pressuposto, na busca de uma definição do dolo, tendo em
vista suas divergentes espécies, algumas teorias se destacaram, notadamente,
a teoria da vontade, recepcionada pelos ordenamentos jurídicos modernos9.
Logo, para a teoria volitiva, o dolo não abrange apenas a representação
de um resultado certo ou possível, mas também uma vontade consciente do
autor em realizar as circunstâncias descritas no tipo penal, conceito estruturado
por um componente intelectual e outro volitivo, o dolo como representação
(previsão) e vontade dirigida a um resultado.
Estabelecido um conceito geral pela teoria finalista da ação, a teoria
volitiva parte dessa premissa para dividir o dolo em três subespécies distintas,

5 ROXIN, Claus. Finalismo: um balanço entre seus méritos e deficiências. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.
65, p. 9-25, 2007.
6 Nesse ponto, o dolus malus é substituído pelo dolus naturalis, cabendo ao gente a consciência apenas dos elementos
que integram o tipo, sem, contudo, ter conhecimento da ilicitude.
7 COSTA, 1989, p. 124.
8 WELZEL, 1956, p. 75.
9 Na teoria da representação, amplamente superada, o dolo consiste na representação do resultado e da relação de
causalidade entre este e a ação voluntária. Querido é somente o ato, ou seja, a resolução e o movimento muscular.
Entretanto, tal teoria restou insuficiente na busca de uma diferenciação entre dolo e culpa consciente. (FRANS,
Litsz Von. Tratado de direito penal alemão. Rio de Janeiro: Editores 16 e 18 Bua Nova do Ouvidor, 1899. Tomo I. p.
271)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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quais sejam: o dolo direto de 1º grau, orientado pelo querer do resultado, o


dolo direto de 2º grau, consistente na representação de resultados necessários
para a consecução do fim almejado, e por último, o dolo eventual, entendido
como o “consentimento” de um possível resultado previsto.
Na tentativa de adequar as subespécies de dolo ao conceito trazido pela
teoria da vontade, a doutrina desenvolveu uma interpretação mais extensiva
do elemento volitivo, compreendido pela vontade direcionada ao resultado,
mas também por uma consciência dos resultados necessários da conduta e da
possibilidade do resultado. A vontade não mais como um sentido psicológico-
atributivo, mas em um sentido atributivo-normativo10.
Assim, a confusão de sentidos passa a ser o inconveniente da doutri-
na volitiva, caracterizada por uma ausência de clareza na ideia de vontade,
sem olvidar do excessivo caráter psicológico, metafísico atribuído ao dolo
e ao próprio significado de intenção, estabelecida de forma popular como o
“querer realizar”.
Entretanto, o significado de intenção, referente ao fim que o agente
busca ou o motivo que determina a sua resolução, é elemento distinto do
dolo, tendo em vista que restará configurado o dolo também quando o agente
prevê o resultado, embora essa previsão não seja o motivo, o fim propulsor
de sua ação, o que caracterizaria o dolo eventual11.
Ademais, a própria fundamentação do dolo eventual, traduzida por
uma teoria do assentimento, que nada mais é do que uma extensão da teoria
volitiva, demonstra as dificuldades e ambiguidades da ciência penal em con-
ceituar essa espécie dolosa, a partir de uma diferença do dolo eventual e da
culpa consciente (culpa com previsão) tão somente pela anuência ou não do
risco na produção do resultado não desejado12.
Outrossim, não obstante as ambiguidades estabelecidas, a compreensão
do elemento volitivo do dolo como um querer consubstanciado por elementos
puramente psicológicos e privados no íntimo do agente é fundamentada em
uma visão equivocada do fenômeno mental13.
O dolo, visto como conceito jurídico, requer antes e necessariamente
correspondência com a própria natureza da realidade existencial que lhe pre-

10 SANTOS, Humberto Souza. Elementos fundamentais de um conceito de dolo político-criminalmente orientado.


Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 97, p. 87-117, 2012.
11 FRANZ, p. 273.
12 Observa-se, destarte, um excesso de ambiguidades e psicologismos no conceito de dolo pela teoria da vontade,
sendo o assentimento nada mais do que uma forma de “querer”, estabelecendo uma identidade entre os conceitos
de querer (intenção cotidiana) e aprovação (BITENCOURT, 2017, p. 368).
13 BUSATO, Paulo César (Org.). Dolo e direito penal: modernas tendências. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 128.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 91

cede e constrange, havendo a necessidade, como conceito científico, de uma


correspondência com a realidade que lhe serve de fundamento e significação,
tratando-se de uma celeuma epistemológica e de linguagem14.
Por todo o exposto, apesar da teoria da vontade ter sido amplamente
aceita nos ordenamentos penais modernos, por englobar um conceito mais
completo e acertado do dolo, a contar de uma diferenciação clara com os tipos
culposos, empreende uma insuficiente delimitação dos elementos constitu-
tivos do injusto doloso, com consequentes desdobramentos no âmbito da
linguagem e da semântica com o escopo de desmistificar a ideia tradicional e
puramente psicológica atribuída a tais elementos.
A fim de contribuir para um diagnóstico do dolo, a filosofia da lin-
guagem de Ludwig Wittgenstein surge como uma importante ferramenta de
ressignificação e compreensão do elemento subjetivo doloso.

2 A Reviravolta Linguística-Pragmática e a Nova Filosofia da


Linguagem de Ludwig Wittgenstein
A reviravolta linguística representa uma mudança no paradigma de
determinação do sentido. Com efeito, o sentido deixa de ser estabelecido pela
consciência do individuo, em sua individualidade, para ser construído em uma
práxis comum, a partir de um deslocamento da construção e do conhecimento
da linguagem para o âmbito da intersubjetividade.
A linguagem deixa de ser um mero instrumento de descrição e represen-
tação de signos, despindo-se da roupagem paradigmática da simples figuração
de objetos para uma elasticidade de usos. A linguagem e o conhecimento
passam de uma visão intuitiva e fechada do sujeito para uma realidade aberta
e múltipla, passível de constante modificação e significação em relação aos
diferentes contextos sociais de seu uso.
Nesse viés, a reviravolta linguístico-ontológica torna a linguagem um
meio de possibilidades, na medida em que os sentidos deixam de ser produto
de uma consciência, ou seja, produzidos de forma independente, para serem
construídos no domínio público.
De todo modo, em contrapartida a teoria da figuração do mundo
desenvolvida em sua primeira obra Tractatus15, a nova linguagem de Ludwig

14 COSTA, 1989, p. 120.


15 “Para conhecer um objeto não devo, com efeito, conhecer suas propriedades externas, mas todas as internas. Ao
serem dados todos os objetos, dão-se também todos os possíveis estados de coisas.” (WITTGENSTEIN, Ludwig.
Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: EDUSP, 1969. p. 56)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
92

Wittgenstein, abordada em Investigações Filosóficas, rompe com a concepção


subjetivista e individualista da linguagem e do conhecimento. Assim mesmo,
torna-se salutar, para uma quebra de paradigma, destacar que a teoria tradicio-
nal da linguagem sempre esteve ligada às acepções de cunho antropológico,
a partir de uma visão dualista e metafísica do processo de conhecimento e
significação do mundo. Consequentemente, atos como o pensar, emitir juízos
e compreender, denominados de “espirituais” eram tido como privados, objeto
das vivências individuais de cada um, o conhecimento como algo não lin-
guístico, realidade individual e só secundariamente comunicada, decorrência
necessária da concepção tradicional de conhecimento e de linguagem16. Nítida
aqui é a influência do cogito cartesiano, a separação entre sujeito e objeto, e a
constituição da realidade pelo primeiro.
A segunda filosofia de Wittgenstein, abandona a ideia inicialmente
desenvolvida no Tractatus de determinação das precondições que precisam ser
satisfeitas para que uma proposição com sentido possa ser formulada. Dessa
maneira, o Tractatus compreendia, na esteira da melhor tradição metafísica, a
realização de um projeto de descrição de uma essência com o propósito de
demarcação de um campo no qual ela tem vigência, em que se fixaram, de
maneira absolutamente interna à própria linguagem, os limites da linguagem
significativa17.
Dito isso, em sua primeira fase, Wittgenstein entendia que uma proposi-
ção teria sentido exclusivamente quando desempenhava a função de simbolizar
ou representar de uma maneira precisa alguma coisa. Ter-se-ia compreendido
uma proposição se pudesse determinar com precisão aquilo sobre o que ela
versa, diferenciando do que é tratado por outras proposições18.
Diferente desse contexto tradicional, Wittgenstein abandona em suas
Investigações Filosóficas a noção de uma linguagem ideal, de uma significação
dos conceitos de forma universal e definitiva, núcleo fundamental de sua
primeira obra, para uma reflexão em torno das situações na qual o homem usa
a linguagem, ou seja, o único meio de saber o que é linguagem, bem como
de determiná-la, é olhar seus diferentes usos19.
O novo pensamento de Wittgenstein parte, assim, de uma nova fun-
damentação da linguagem, o seu próprio uso, isto é, o fundamento deixa de

16 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.
17 MARQUES, Edgar. Wittgenstein & o Tractatus. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 5.
18 No Tractatus havia a ideia metafísica clássica de que o conhecimento consistia na captação de uma essência imutável
dos objetos, que somente após, poderia ser transmitida pela linguagem. O que existia era a concepção de uma lin-
guagem tida como ideal a partir de uma figuração exata e ideal do mundo.
19 OLIVEIRA, 1996, p. 132.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 93

ser algo exterior à linguagem concreta, mas a própria práxis de seu uso. E é
exatamente nesse ponto que ocorre a mudança de paradigma: o horizonte de
onde se deve pensar a linguagem não é do sujeito isolado ou da consciência,
ponto chave da filosofia moderna da subjetividade, mas a comunidade de
sujeitos em interação20.
Pensamento semelhante acerca da linguagem pode ser aferido na fi-
losofia de Hans-Georg Gadamer, que entende a experiência, o pensamento
e a compreensão como atos essencialmente linguísticos, em que as palavras
não são meros símbolos, mas um campo de interação, feita para se ajustar ao
mundo. Neste caso, seria o mundo a compreensão compartilhada entre as
pessoas e a linguagem o “canal” viabilizador21.
Para Gadamer, portanto, é a linguagem que cria a possibilidade do ser
humano ter um mundo, a compreensão da linguagem não se reduz à capitação
intelectual, por um sujeito, de um contexto objetivável e isolada, ela resulta
também, da mesma forma, de uma tradição em contínua formação, ou seja,
de uma conversação, a partir da qual o que foi expresso adquire consistência
e significado22.
A partir dessa premissa, a nova acepção de significação da linguagem
é concebida com os seus diferentes usos. Desta feita, o significado deixa de
ser atribuído por meio de atos internos, construído na consciência do agente,
como uma propriedade individual, para uma dimensão intersubjetiva, a partir
dos usos das expressões linguísticas em um determinado contexto específico.
Como derradeiro nesse novo entendimento, uma mesma palavra pode parti-
cipar de diferentes contextos com diferentes significados, o que Wittgenstein
denominou de jogos de linguagem23.
Os jogos de linguagem se caracterizam, desta forma, por sua pluralidade,
por sua diversidade. Nesse contexto, novos jogos surgem e outros desapare-
cem, a linguagem é algo vivo, dinâmico, que só pode ser entendido a partir das
formas de vida, das atividades de que é parte integrante. O uso da linguagem
é uma prática social concreta, por isso, a análise consiste agora em examinar
os contextos de uso, considerar exemplos, explicitar as regras do jogo24.

20 OLIVEIRA, Manfredo de Araújo. Sobre a fundamentação. Porto Alegre: Edipucrs, 1993. p. 53.
21 BATISTA, Micheline. Hermenêutica filosófica e o debate Gadamer-Habermas. Revista Crítica e Sociedade, v. 2, n. 1,
p. 101-118, 2012.
22 GRONDIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999. p. 197.
23 “Chamarei de ‘jogos de linguagem’ também a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela
vem entrelaçada.” (WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 19)
24 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
p. 388.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
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Nesse ponto, os jogos de linguagem representam a própria colisão com


a tradicional acepção de um processo de significação individual e intuitivo,
estabelecidos agora sob o prisma convencional, de uma linguagem que não é
privada e nem subjetiva, fruto da mente de cada um, que constitui o signifi-
cado, mas sim a partir das práticas, das formas de vida, em que somente faz
sentido dizer que se segue uma regra se essa for de conhecimento e seguida
por todos que compõem a coletividade25.
Consequentemente, a linguagem enquanto práxis é sempre uma práxis
comum realizada de acordo com regras determinadas. Estas regras não são,
contudo, convenções arbitrárias, mas são originadas historicamente a partir
do uso das comunidades linguísticas; são, portanto, costumes que chegam a
tornar-se fatos sociais reguladores, ou seja, instituições26.
Com isso, atinge-se a categoria central com a qual Wittgenstein constroi
uma nova concepção de linguagem, bem diferente do que fora defendido no
Tractatus, a partir de um abandono da ideia essencialista e referencialista de que
o significado de uma preposição deva ser explicado em termos de condições
de verdade, mas a partir de seu uso27.
O ponto nodal da filosofia da linguagem de Wittgenstein, portanto, é
a exclusão de um pensamento pautado no essencialismo exacerbado, a partir
de antigas concepções de significação dantes estabelecidas como um proces-
so subjetivo, de forte conotação com uma teoria da consciência, em que se
restringe a função da linguagem à mera descrição de objetos e transmissão de
conhecimento. Por outro lado, o grande mérito dessa nova fase de Wittgens-
tein consiste em utilizar os diferentes usos da palavra como ponto de partida
para a sua significação, momento em que quaisquer elementos, sejam objetos
ou atos intencionais, são deixados de lado como referências de significado28.
Assim, uma linguagem mais elástica, que não se reduz à mera descrição
e representação, ou seja, uma linguagem real passa a não considerar apenas as
estruturas lógicas que se podem ordenar com perfeição e transparência, mas
se mantém em um processo contínuo de abertura para novos usos29.
Feitas essas breves considerações sobre o novo paradigma da linguagem
na segunda filosofia de Ludwig Wittgenstein, parte-se para um diagnóstico

25 Wittgenstein (1996, p. 141) retrata bem esse entendimento ao dizer que: “Por isso, ‘seguir a regra’ é uma prática”.
E acreditar que se segue a regra não é: seguir a regra. Portanto, não se pode seguir a regra ‘privadamente’, porque,
caso contrário, o próprio acreditar que se segue a regra seria como seguir a regra.
26 OLIVEIRA, 1993, p. 54.
27 CHILD, William. Wittgenstein. Porto Alegre: Penso, 2014. p. 117.
28 OLIVEIRA, 1996, p. 147.
29 WITGEENSTEIN, 1996, p. 9.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 95

em torno do elemento subjetivo do dolo, a partir do novo paradigma de co-


nhecimento e significado.

3 Contribuições da Segunda Filosofia da Linguagem de Ludwig


Wittgenstein no Diagnóstico do Dolo
Não é de hoje que o dolo é objeto de questionamentos na ciência pe-
nal, principalmente no que concerne à sua constituição, seja por elementos
meramente cognitivos, por elementos volitivos ou, na forma atualmente
aceita, pela presença de ambos os elementos, o cognitivo e o volitivo, através
da recepção da teoria da vontade já discutida nesse trabalho.
Entretanto, para a presente pesquisa, a questão mais recente em torno
do dolo diz respeito à concepção puramente psíquica ou subjetiva, que tradi-
cionalmente é atribuída aos elementos volitivos e cognitivos que constituem
tal elemento do tipo, importante celeuma de semântica e de linguagem para
a teoria penal moderna.
Desta feita, na busca por um entendimento mais acertado de tais figuras,
utilizar-se-á a nova filosofia wittgensteiniana, cuja acepção da linguagem como
práxis comunicativa e intersubjetiva torna-se salutar no diagnóstico do dolo,
com a consequente contribuição para a acepção de conceitos cuja significação
é tida como um fenômeno psicológico, tais como vontade, saber e intenção.
O elemento intelectivo do dolo que é o conhecimento do fato consti-
tutivo da ação típica, consiste em uma consciência atual, efetiva, ao contrário
da consciência da ilicitude, que pode ser potencial. Desta feita, a cognição do
dolo abrange somente a representação dos elementos integradores do tipo
penal, ficando fora dela a consciência da ilicitude, que hoje, como elemento
normativo, está deslocada para o interior da culpabilidade.
É desnecessário, portanto, o conhecimento da configuração típica, sendo
suficiente o conhecimento das circunstâncias de fato necessárias à composição
da figura típica30.
Nesse contexto, como é possível conceber um significado extrema-
mente mental, de constatação empírica para os demais, haja vista a natureza
essencialmente mental, subjetiva e construída pelo agente em seu íntimo?
A resposta para esse questionamento pode ser adquirida através de um novo
entendimento acerca do pensamento.

30 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
96

Para tanto, Wittgenstein afirmava que pensar não é um processo fora do


corpo, que dá sentido à vida e ao falar e que poderia se desligar do falar31. O
que ocorre é que o sujeito é levado a alojar o saber no pensamento e o pensa-
mento na mente através de uma concepção do significado como uma espécie
de objeto imaterial situado atrás do signo do qual este, por si mesmo inerte,
recebe a capacidade de significar, o que Wittgenstein denomina sua vida32.
Entretanto, o pensamento não pode ser concebido como um processo
incorpóreo e não pode, porquanto se acaba de dizer, caracterizar-se tal como
faz a que Wittgenstein denomina concepção pneumática, nem tampouco, um
acompanhamento inevitável da linguagem33.
Na verdade, haver-se-á de concluir que pensar e significar são feitos
por meio da linguagem, de cujo uso deriva tanto o significado, quanto o pen-
samento. É possível assim afirmar-se a ideia do saber não como um processo
interno, mas como competência, aprendizagem, treinamento, domínio de
uma técnica, ou seja, como um conjunto de circunstâncias comprováveis
mediante provas públicas34.
A ideia do saber como processo interno, construído pelo agente dentro
de uma perspectiva subjetiva, aferível apenas por indução perante a coletivida-
de, restaria inviável para a constatação do dolo. Nesse sentido, a concepção de
conhecimento ou saber em um sentido de domínio de técnica, aprendizado,
amplamente comprovado pelos indícios externos do caso, constitui conse-
quência direta de uma significação a partir dos usos, e de uma concepção do
conhecimento como inerente ao coletivo, jamais em sentido privado.
No que concerne ao elemento volitivo, a representação das circunstân-
cias que compõem o tipo restaria insuficiente para o aproche doloso, momento
em que além da representação torna-se preciso uma vontade em realizá-la.
Nesse viés, o primeiro elemento, o conhecimento (representação), é pressu-
posto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele35.
O modo usual de pensar o elemento vontade se apoia na ideia de que
a conduta externa é consequência de um ato mental interno, de um ato de
vontade. Assim, é comum a confusão de que a intenção parece ser o conteúdo

31 WITTGENSTEIN, 1996, p. 149.


32 BUSATO, Paulo César (Org.). Dolo e direito penal: modernas tendências. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 94.
33 Wittgenstein em sua Investigações Filosóficas falava que a experiência de “que se pode pensar isto ou aquilo em oposição
a nosso preconceito”, não importa o que isto significa, não nos podia interessar (a concepção pneumática do pensar).
A linguagem ou o pensar como algo singular trata-se de uma superstição provocada mesma por ilusões gramaticais.
34 BUSATO, 2014, p. 101.
35 BITENCOURT, 2017, p. 366.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 97

deste ato, algo que, por sua própria natureza interna, só pode ser visto pelo
próprio sujeito que o realiza36.
Todavia, a intenção designa o fim que o agente visa, o motivo que
determina a sua resolução, e por consequência, é elemento distinto do dolo,
devido à sua amplitude, pois esse pode dar-se ainda quando o agente não tenha
por fim ou motivo de sua ação o resultado37.
A confusão é facilmente percebida a partir de uma análise da legislação
penal, que muitas vezes contempla a intenção como circunstância caracterís-
tica do crime, casos em que o legislador não se expressa sempre do mesmo
modo. Ora diz: “quem na intenção”, “quem intencionalmente”, “quem para
o fim” ou “quem para”, momento de certa ambiguidade em sua significação,
ora confundida com o dolo, ora tratada como fim do agente38.
A intenção, entretanto, de maneira mais ampla, é refletida como a
vontade destinada a um resultado, enquanto que ao dolo, por sua divisão
em dolo de 2º grau e eventual, não se restringe apenas a uma concepção de
dolo de primeiro grau ou direto. A concepção de injusto doloso, coberta de
psiquismo, vai além de um ressignificação de querer, vontade e intenção39.
No que consiste à intenção, Wittgenstein nega o seu caráter puramente
psíquico ao afirmar que a intenção está entalhada na situação, nos costumes e
instituições humanas, portanto, uma significação baseada em jogos de lingua-
gem, não podendo ser concebida como algo puramente interno40. Consequen-
temente, para que se saiba a intenção do agente, não é preciso uma atividade
intuitiva que se reporta impossível, mas uma análise das circunstâncias que
envolvem a ação, em que se pode, inclusive, constatar o real querer do agente.
Sob esse aspecto, a vontade, como segundo elemento do dolo, é en-
tendida pela práxis como o “querer o resultado”, contudo, a partir de uma
interpretação extensiva, a teoria da vontade englobou a consciência dos efeitos
colaterais necessários (dolo de 2º grau) e a previsão dos resultados possíveis
(dolo eventual), de modo a utilizar um conceito ambíguo do verbo querer,
com uma concepção mais cognitiva do que volitiva nas duas espécies de dolo41.

36 BUSATO, 2014, p. 103.


37 FRANS, 1899, p. 271.
38 FRANZ, 1988, p. 273.
39 O próprio conceito de dolo eventual, que se distingue da imprudência pelo simples acatamento ou não de um risco
previsível, por si só já traz uma série de desdobramentos na doutrina e na jurisprudência.
40 “Se não houvesse a técnica do jogo de xadrez, eu não poderia intencionar jogar uma partida de xadrez.” (WITGENS-
TEIN, 1996, p. 148)
41 SANTOS, 2012, p. 90.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
98

Partindo desse contexto, Wittgenstein contradiz a ideia de “querer uma


ação” como se observa no entendimento cotidiano de que o dolo é o querer
e a culpa é o não querer de um resultado, a partir de um conceito de querer
não como um instrumento para uma ação, mas como a própria ação42.
De todo o exposto, na análise do dolo, e, portanto, de seus elementos
volitivos e cognitivos, o contexto dos fatos passa a ser o mais importante cri-
tério para atribuir as intenções e o próprio querer do agente, tendo em vista
que não existe uma separação entre o que é interno ou externo, mas que todo
conhecimento e significação é resultado de uma intersubjetividade. Por isso,
as circunstâncias do crime, a natureza de eventuais objetos utilizados (armas,
ferramentas e outros), o local dos golpes ou disparos, o modus operandi, situa-
ções temporais, compleição física e muitos outros elementos são os critérios
ou regras para a definição do dolo43.
A filosofia da linguagem de Wittgenstein, assim, coloca a linguagem
em primeiro lugar como ação humana significada por meio dos usos, que não
pode ser fruto de um sujeito solitário, mas como ação social, diferente de um
uso metafísico das palavras como ilusão44.
Como corolário da filosofia da linguagem proposta por Wittgenstein,
o sociólogo Jurgen Habermas constroi um conceito comunicativo de ação,
a partir de um mundo social que não é dado previamente, mas dotado de
sentido, que depende sempre de interpretação e de validade. A partir desse
entendimento, estabelece uma teoria da ação social que pressupõe padrões de
interação quando as sequências de ação assimiladas pelos autores se coordenam
segundo regras estabelecidas socialmente45.
Resta assim, desenhado o conceito de ação comunicativa de Habermas,
que busca superar a ideia de um movimento final, convertendo-o em uma
expressão de sentido. Ou seja, torna-se possível distinguir um mero comporta-
mento de uma ação significada a partir da interpretação de regras estabelecidas.
A ação só pode ter sentido jurídico desde que interpretada em conjunto com

42 “(...) O querer não deve ficar parado diante da ação, se é a ação, então o é no sentido usual da palavra; portanto: falar,
escrever, ir, levantar algo, representar-se algo. Mas também: aspirar, tentar, esforça-se para falar, para escrever, para
levantar algo, para representar-se algo etc.” (WITTGENSTEN, 1996, p. 214)
43 BUSATO, 2014, p. 142.
44 OLIVEIRA, 1993, p. 53.
45 MACHADO, Edna Moreira de Lima. Observações de Habermas sobre o conceito de ação comunicativa. Revista do
Curso de Direito, Brasília, Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF), v. 3, n. 1, p. 35-48, jan./
jun. 2002.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 99

seu entorno. Logo, as valorações jurídicas só podem ser consideradas como


ações dentro do marco de seu significado46.
De igual modo, assentado no plano da filosofia da linguagem de Wit-
tgenstein, o professor Tomás Salvador Vivés Antón propõe uma dogmática
significativa do dolo, entendido como um compromisso com a lesão ou perigo
de um bem jurídico, constatado através de manifestações externas do autor,
a fim de entender as intenções de sua ação47.
Busca-se, destarte, compreender a gravidade entre a ação realizada e a
norma penal como meio adequado de aferição da vontade do autor e, con-
sequentemente, de adscrição do dolo. Assim, a intencionalidade do agente
passa a ser o resultado de um processo de atribuição à mensagem que a ação
do mesmo produz, cuja concretização do significado ocorre através da lin-
guagem social48.
De tal sorte, tais abordagens da ação e, consequentemente, do dolo, no
plano axiológico em contrapartida ao plano ontológico são acepções que uti-
lizam a segunda filosofia da linguagem de Wittgenstein como um importante
ponto de partida na construção de novas discussões em torno da dogmática
penal do dolo, mediante a ruptura com a tradicional filosofia da consciência,
em que a preocupação na descrição é substituída por uma compreensão dos
elementos volitivos e cognitivos do dolo através de um contexto fático.

Conclusões
Não é de hoje que a ciência penal se desdobra em elucubrações em
torno do conceito e constituição do elemento volitivo do dolo. Entretanto,
alheia a qualquer questionamento superficial em torno do tema, que dantes
pairava tão somente nas teorias a respeito dos elementos que constituíam o
reproche doloso, a presente pesquisa examinou o contexto da teoria finalista
da ação, fincada nos ordenamentos jurídicos penais, como pressuposto da
moderna acepção da teoria do delito.
A partir desse fundamente teórico, foi possível uma breve exposição do
dolo, tido como elemento subjetivo do injusto penal, sob a ótica da teoria da

46 BUSATO, Paulo César. O giro linguístico e o direito penal turning of languages and criminal law. Duc In Altum – Cadernos
de Direito, v. 7, n. 12, 2016.
47 BUSATO, Paulo Cesar. Bases de uma teoria do delito a partir da filosofia da linguagem. Revista de Estudos Criminais,
Porto Alegre, v. 10, n. 42, p. 101-121. jul./set. 2011.
48 BUSATO, Paulo Cesar. Dolo e significado. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 8, n. 31, p. 121-150, out./
dez. 2008.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
100

vontade, que estabeleceu o dolo como consciência (representação) acrescida


da vontade no tipo objetivo.
Entretanto, apesar dos esforços da doutrina em estabelecer um concei-
to completo do dolo, uma série de ambiguidades surgiram em torno desse
elemento subjetivo, como a interpretação e extensão do conceito de vontade,
a fim de integrar as espécies de dolo de 2º grau e de dolo eventual, com o
excessivo caráter metafísico na designação do dolo.
Não se pode olvidar destarte, a confusão de sentidos estabelecida entre
dolo e intenção, sendo esta cotidianamente entendida como o “querer reali-
zar” ou conteúdo do dolo, concebida em diferentes sentidos nos contextos
legislativos, ora como sinônimo de dolo, ora como fim ou motivo dirigido
ao resultado.
No entanto, a celeuma em torno do injusto doloso vai além de uma
ambiguidade em seus elementos constitutivos, na verdade, o ponto nodal da
pesquisa está no problema gramatical e de sentido em torno dos elementos
cognitivo e volitivo, compreendidos sob a ótica de uma ultrapassada filosofia
da consciência, cujas bases se assentam no estabelecimento de conceitos pu-
ramente transcendentais e essencialistas.
É nesse cenário ultrapassado que a reviravolta linguística-pragmática
toma forma em um cenário fértil para uma teoria da ação linguística-comu-
nicativa, que utiliza como cenário filosófico o pensamento desenvolvido por
Ludwig Wittgenstein em sua obra Investigações Filosófica, cuja relevância é mos-
trada no presente estudo a partir da busca por uma nova ótica da linguagem
e, consequentemente, do conhecimento e significação das palavras.
Assim, em contrapartida ao modelo tradicional de linguagem, de acep-
ção essencialmente metafísica e dedutivista, tendo em vista as influências da
filosofia da consciência, Wittgenstein desenvolve uma nova fundamentação
da linguagem, em que a relação sujeito-objeto é deslocada para a relação
sujeitos e preposições.
Para compreender então a significação de uma preposição é necessário
recorrer ao seu uso e aos critérios e práticas socialmente estabelecidas. A nova
filosofia passa, assim, a descrever os diferentes jogos da linguagem sob um viés
de caráter prático, intersubjetivo e social. Destarte, apoiada nessa nova forma
de atribuição de sentido trazida pela filosofia da linguagem de Wittgenstein,
é possível um reexame e diagnóstico do dolo, em que toda e qualquer con-
cepção de seus elementos como um mero processo mental, construído no
íntimo do agente, em sua consciência, campo de difícil apuração direta por
terceiros, é rechaçada.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 101

Nesse caminho, a partir de uma concepção pública do conhecimento,


em contrapartida à possibilidade de uma conceituação e significação privada,
a filosofia da linguagem concorre para novas formas de significação dos con-
ceitos como o saber, o pensar, a intenção e o querer, a partir de uma aferição
dos elementos do dolo para a ação.
Ademais, a filosofia da linguagem de Wittgenstein estabeleceu, assim,
ditames essenciais para a construção das mais recentes propostas na dogmática
do dolo, como a do dolo significativo proposto pelo professor Vivés Antón,
além da construção de uma teoria da ação significativa de Habermas, em que
a relevância é demonstrada não só no elemento subjetivo final presente na
ação delitiva, senão no conjunto de fatores que produzem uma percepção e
compreensão dos propósitos do sujeito.
Para tanto, conclui-se com o presente estudo que o novo paradigma
da linguagem proposto na segunda fase de Ludwig Wittgenstein surgiu
como uma alternativa ao diagnóstico do dolo, portanto, de seus elementos
volitivo e cognitivo, através de um deslocamento de sua compreensão para
o contexto dos fatos concretos, seguramente o mais importante critério para
atribuir as intenções e o próprio significado da ação do agente, momento em
que é alicerçado um novo fundamento de conhecimento e significação para
dentro da ação, para o contexto fático que lhe sustenta, em contrapartida com
o paradigma da consciência e da indução.

TITLE: Contributions of Wittgenstein’s language philosophy to criminal law: a diagnosis of malice.

ABSTRACT: The present article is based on an investigation of the second phase of Ludwig Wittgenstein’s
philosophy of language, beginning with the linguistic-pragmatic turn, as a starting point for a diagnosis
about the conception of the constituent elements of malice in criminal law, conscience and will, cons-
tructed under a subjective and deductive bias according with the philosophy of consciousness. To this
end, it is assumed that the invasion of philosophy by language breaks the metaphysical sense of gauging
the meanings of words and knowledge, contributing, in particular, to the intersubjectivity of concepts,
constructed in accordance with the common praxis of everyday life. In this first instance, the finalist theory
of action was presented as responsible for the displacement of the subjective elements from the law text
to the facts of the caseand the conceptual theories of intention, such as the will and the consent instru-
mentalized in the Brazilian Criminal Code. Then, after an analysis of intention, it is sought an approach
to Wittgenstein’s philosophy of language, from the conception of language as a figuration of reality to
the linguistic-pragmatic turn around represented in its second phase, where assessment of meaning is
displaced from the subject’s intention to common practice. Finally, the text points out the contributions of
Wittgenstein’s linguistic approach to criminal law, highlighting, not extensively, the theory of meaningful
action of Jurgen Habermas and the significant intention of Tomás Salvador Vivés Antón, based on the
ontological displacement from action and intention to an axiological aspect. The research is explanatory,
insofar as it seeks to explain the phenomena observed, bibliographical, based upon the use of books and
articles related to the subject, being qualitative and theoretical in its approach.

KEYWORDS: Wittgenstein’s Philosophy of Language. Diagnosis of Malice. Will. Consciousness. Com-


municative Action. Meaningful Intention.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Doutrina
102

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Jurisprudência

Supremo Tribunal Federal


HABEAS CORPUS Nº 124.687 MATO GROSSO DO SUL
REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO

Homicídio na Direção de Veículo Automotor, sob


Influência de Álcool. Desclassificação. Nulidade
da Pronúncia. Ausência de Ilegalidade ou Abuso de
Poder
1. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “o pleito de desclassifica-
ção de crime não tem lugar na estreita via do habeas corpus por demandar
aprofundado exame do conjunto fático-probatório da causa, e não mera
revaloração” (RHC 120.417, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).
2. A orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a
“decisão de pronúncia qualifica-se como ato jurisdicional que se limita
a empreender mero juízo de admissibilidade da acusação. Não se ve-
rifica excesso de linguagem na sentença de pronúncia que se restringe
a respaldar a decisão em indícios de autoria e elementos concretos de
existência do crime” (HC 124.232, Red. p/ o Ac. Min. Edson Fachin).
3. Ausência de ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorize a
concessão da ordem. A prova da embriaguez pode ser feita por outros
meios idôneos de prova (como o depoimento de testemunhas e laudos
periciais). Hipótese em que as instâncias de origem, soberanas na aná-
lise da prova, consignaram que o paciente, após a ingestão de bebida
alcoólica e na condução de veículo automotor, invadiu a faixa contrária
da via pública e atingiu a vítima.
4. Habeas corpus denegado.
(STF; HC 124.687; MS; 1ª T.; Red. p/ o Ac. Min. Luís Roberto Barroso;
DJE 27/06/2018)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do Ministro
Alexandre de Moraes, na conformidade da ata de julgamento, por maioria de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
104

votos, em denegar a ordem, nos termos do voto do Ministro Luís Roberto


Barroso, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, os Ministros Marco
Aurélio, Relator, e Luiz Fux.
Brasília, 29 de maio de 2018.
Ministro Luís Roberto Barroso – Redator p/ o Acórdão

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Adoto, como relatório, as infor-
mações prestadas pelo assessor Dr. Rafael Ferreira de Souza:
“O Juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Três Lagoas/MS, no Pro-
cesso 0002393-10.2009.8.12.0021, pronunciou o paciente ante a suposta prá-
tica do delito previsto no art. 121, cabeça, combinado com o art. 18, inciso I
(homicídio simples mediante dolo eventual), do Código Penal, assentando
que, em 14 de fevereiro de 2009, na direção de veículo automotor e sob a
influência de álcool, teria avançado sobre a pista contrária e provocado colisão
com motocicleta, cujo condutor veio a óbito. Considerado laudo pericial,
elaborado pela Polícia Rodoviária Federal, e prontuário do SAMU, frisou ha-
ver indícios de autoria e prova da materialidade. Reportando-se à existência,
no processo, de elementos de convicção a revelarem que o paciente exalava
hálito etílico, apontou configurado o risco de produzir o resultado morte.
Concluiu pela adequação do dolo eventual, a justificar o julgamento pelo
Tribunal do Júri.
Pretendendo a absolvição sumária e, sucessivamente, a desclassificação para
homicídio culposo, a defesa interpôs recurso em sentido estrito. A Primeira
Câmara Criminal desproveu-o. Embargos declaratórios não foram acolhidos.
Ante a inadmissão de recurso especial, chegou-se ao Superior Tribunal de
Justiça com o Agravo 246.779. O Relator desproveu-o, tendo como insufi-
ciente a fundamentação. Embargos declaratórios não obtiveram êxito. Proto-
colado agravo interno, a Sexta Turma negou-lhe provimento, afirmando invi-
ável, em recurso especial, o revolvimento do conjunto probatório. Embargos
de divergência foram inadmitidos por meio de decisão individual do Relator.
O paciente-impetrante sustenta equívoco no enquadramento da conduta
como dolo eventual, dizendo apropriada a desclassificação para o crime pre-
visto no art. 302, cabeça (homicídio culposo na direção de veículo automo-
tor), do Código de Trânsito. Aduz que a conclusão do dolo eventual ocorreu
somente com base em menção do hálito etílico, não tendo sido submetido
a exame de alcoolemia a demonstrar a embriaguez. Conforme argumenta,
ausente comprovação da quantidade de álcool no sangue, reveladora da em-
briaguez, mostra-se inviável presumi-la. Articula com excesso de linguagem
da sentença de pronúncia, apontando que o Juízo reportou-se a depoimentos
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 105

de testemunhas e a boletim de ocorrência para assentar a embriaguez. Fri-


sa inviável, considerada a alusão a esta última, presumir-se o dolo eventual.
Evoca o decidido no Habeas Corpus 107.801, redator do acórdão o Ministro
Luiz Fux, e 76.778, relatado por Vossa Excelência. Aduz não ser o caso de
revolvimento do conjunto probatório, mas de valoração jurídica do contexto.
Buscou, no campo precário e efémero, o sobrestamento do processo na ori-
gem até o exame final deste habeas. No mérito, requer a desclassificação da
conduta para a forma culposa do homicídio.
Em aditamento à inicial – Petição/STF 966/2015 –, informou ter sido o jul-
gamento, perante o Tribunal do Júri, designado para 28 de janeiro de 2015,
razão pela qual reiterou o pedido de concessão de medida acauteladora.
Em 20 de janeiro de 2015, o Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da
Presidência, deixou de implementar liminar, entendendo inadequada a apli-
cação do art. 13, inciso VIII, do Regimento Interno do Supremo. Consignou
não configurar a realização da sessão de julgamento perante o Tribunal do
Júri situação de constrangimento ilegal a justificar a atuação deste Tribunal
no regime de plantão judiciário.
Instado a manifestar-se, em 29 de abril de 2016, acerca do interesse no pros-
seguimento deste habeas, o paciente-impetrante quedou-se inerte.
A Procuradoria-Geral da República opina pela inadmissão da impetração,
tendo-a como prejudicada, ante o julgamento pelo Tribunal do Júri. Aduz
ausente ilegalidade a ser reparada. Ressalta os contornos do delito, aludindo
à embriaguez e à condução de veículo automotor na contramão de direção,
apontando-as suficientes à demonstração de dolo eventual.
Consulta ao sítio do Tribunal de Justiça, em 24 de abril de 2018, revelou que
o paciente foi condenado a 6 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto.
A apelação, formalizada em 7 de março de 2017, foi desprovida. Inadmitiu-se
recurso especial. Protocolou-se agravo, de nº 1.139.620, pendente de aprecia-
ção no Superior Tribunal de Justiça.”
Lancei visto no processo em 12 de maio de 2018, liberando-o para ser
examinado na Turma a partir de 29 seguinte, isso objetivando a ciência do
paciente-impetrante.
E o relatório.

VOTO
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator):
“SENTENÇA DE PRONÚNCIA. IMPUGNAÇÃO. JÚRI. NEUTRA-
LIDADE. A realização do Júri não prejudica o exame de questionamento
alusivo a sentença de pronúncia.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
106

ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESULTADO MORTE. O Código Brasi-


leiro de Trânsito prevê como homicídio culposo o evento morte resultante
da condução de veículo automotor, não cabendo, ante o critério da especiali-
dade, enquadrar a conduta no art. 121 do Código Penal.”
Observem que houve a imediata impugnação da sentença de pronúncia.
O fato de haver ocorrido o julgamento perante o Tribunal do Júri não prejudica
o exame desta impetração. Rejeito a preliminar suscitada pela Procuradoria-
Geral da República.
A controvérsia encontra solução considerado o princípio da especialida-
de. Prevê o Código de Trânsito Brasileiro, no art. 302, o crime de homicídio
culposo na direção de veículo automotor. Então, tem-se que a prática delituosa
resolve-se ante o disposto no aludido artigo, não se amoldando a conduta do
agente ao Código Penal.
Defiro a ordem para declarar insubsistente o pronunciamento conde-
natório, desclassificando a infração imputada para a versada no art. 302 do
Código Brasileiro de Trânsito.
Vencido no tocante à desclassificação, passo à apreciação do que articula-
do quanto ao enquadramento da sentença de pronúncia no figurino legal. Sob
o ângulo dos termos da pronúncia, verifica-se o comedimento na linguagem.
O ato não revela prejulgamento da causa, uma vez que o Juízo limitou-se à
análise dos elementos colhidos na fase instrutória, aludindo ao depoimento
de testemunhas, sem veicular manifestação de certeza sobre a imputação.

VOTO
O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso – Presidente, aqui é uma
hipótese de crime de trânsito. O trânsito provoca mais de 50 mil óbitos por
ano no Brasil, é um verdadeiro genocídio. O caso aqui é de um motorista
embriagado que invadiu a faixa contrária e matou a vítima, foi levado a Júri.
Acho que a única forma de se coibir esta quantidade maciça de morte,
geralmente de jovens, por direção embriagada é tratar isso com a seriedade
penal que merece.
Portanto, não é possível glamourizar a bebida no trânsito, sobretudo
quando resulta em morte de outras pessoas. É preciso que quem dirija tenha
essa percepção.
De modo que eu tenho defendido, e a Primeira Turma tem defendido,
a posição de que, nesses casos, é legítimo o tratamento como crime doloso e
julgamento pelo Tribunal do Júri.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 107

Essa é a posição que estou me alinhando, pedindo todas as vénias ao


Ministro Marco Aurélio. De modo que denego a ordem.

VOTO
O Senhor Ministro Luiz Fux – Senhor Presidente, eu tenho também
aqui, muito embora esses dados estatísticos sejam extremamente alarmantes,
prestigiado o princípio de que o Direito Penal é a ultima ratio, e nós devemos
exatamente obedecer à regra de que a lei especial derroga a lei geral, porque
senão nós estaríamos criando uma figura penal por meio da jurisprudência,
e a regra é a de que o princípio da reserva legal exige a legalidade estrita, ou
seja, deferência ao Parlamento.
Esses dados estatísticos aqui apontados são dados reais. E compete
então ao legislador modificar o regime jurídico dos acidentes ocorridos sob
influência do álcool, porque, inclusive, o Código de Trânsito agrava a pena
nesses casos. Mas há uma grande diferença entre uma pessoa utilizar o seu
veículo como instrumento para matar alguém daquele que utiliza de forma
imprudente e de maneira grave. Hoje em dia, esses testes do bafômetro têm
impedido uma série de cometimentos ilícitos; a imprensa noticia que essa
foi uma boa prática.
Presidente, para manter-me coerente com o que eu já aqui afirmei
em outros votos, eu votei neste sentido de ser o momento, eventualmente,
de o legislador retirar essa figura penal do Código de Trânsito, e deixá-la ao
alvedrio da magistratura.
Mas, havendo lei especial em relação à lei geral, eu me curvo ao princípio
da legalidade e à deferência ao legislador. Entendo que seja caso de se impor
a desclassificação a que se refere o Relator.

VOTO
O Senhor Ministro Alexandre de Moraes (Presidente) – Aqui, como
as observações anteriores, apesar da gravidade dos cinquenta mil casos de
morte por ano, importante salientar que nem cinco por cento – o que já é
gravíssimo – decorrem de atropelamento ou colisões em virtude do estado
alcoólico do motorista, porque senão fica parecendo que são cinquenta mil
casos onde há essa divergência entre dolo eventual e culpa consciente; três
quartos das mortes no trânsito se dão em grandes cidades por atropelamento,
falta de sinalização, o que também é gravíssimo.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
108

Aqui é um caso específico em que houve, a meu ver, uma evolução


jurisprudencial não na criação de um novo tipo penal, mas na análise do que
é dolo eventual ou culpa consciente.
Peço vênia ao Ministro Marco Aurélio e ao Ministro Fux, não me
parece que, após propagandas maciças de proibição de direção daquele que
bebe, com sanções administrativas cada vez maiores, sanções penais, porque
é um tipo penal, então aquele que se embriaga e conduz, seja motocicleta,
seja o seu veículo, aquele que assim o faz, já está praticando um crime doloso
previsto pelo Código de Trânsito, além de infração administrativa. E o dolo
direto, neste tipo especial previsto, como disse o Ministro Fux, no Código
de Trânsito Brasileiro; agora, o dolo não é direto, mas é um dolo eventual em
transitar na contramão.
Então me parece que esse é um caso específico que diferencia a culpa
consciente do dolo eventual. Ele assumiu risco ou, no mínimo, não se pre-
ocupou com risco de eventualmente causar seja lesões, seja a morte, como
assim o fez.
Então, pedindo todas as vénias ao Ministro Marco Aurélio, ao Ministro
Luiz Fux, eu voto pelo indeferimento da ordem.

EXTRATO DE ATA
Habeas Corpus nº 124.687
Proced.: Mato Grosso do Sul
Relator: Min. Marco Aurélio
Redator do Acórdão: Min. Roberto Barroso
Pacte.: Arthur Felipe Silva Sian
Impte.: Arthur Felipe Silva Sian
Coator: Relator do EAREsp nº 246.779 do Superior Tribunal de Justiça
Decisão: A Turma, por maioria, denegou a ordem, nos termos do voto do
Ministro Luis Roberto Barroso, Redator para o acórdão, vencidos, em parte,
os Ministros Marco Aurélio, Relator, e Luiz Fux. Presidência do Ministro
Alexandre de Moraes. Primeira Turma, 29.05.2018.
Presidência do Senhor Ministro Alexandre de Moraes. Presentes à
Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Luis
Roberto Barroso.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Carmen Lilian Oliveira de Souza – Secretária da Primeira Turma
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


HABEAS CORPUS Nº 481.978 MATO GROSSO DO SUL
RELATOR: MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK

Furto Qualificado. Dosimetria. Condenações


Transitadas em Julgado Utilizadas para Inferir
a Personalidade do Agente Voltada a Prática
Criminosa. Fundamento Inidôneo. Novo Entendimento
da Quinta Turma Desta Corte Superior. Regime
Prisional. Réu Reincidente. Circunstâncias Judiciais
Favoráveis. Pena-Base Fixada no Mínimo Legal. Pena
Definitiva Inferior a 4 Anos de Reclusão. Regime
Inicial Semiaberto. Súmula nº 269 do Superior
Tribunal de Justiça – STJ. Constrangimento Ilegal
Evidenciado. Habeas Corpus Não Conhecido. Ordem
Concedida de Ofício
1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a
impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial
do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal
de Justiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na ini-
cial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual
constrangimento ilegal.
2. A Quinta Turma desta Corte Superior passou a entender que as con-
denações pretéritas devem ser atreladas apenas aos maus antecedentes,
afastando a valoração negativa da conduta social e da personalidade do
réu na primeira fase da dosimetria da pena. Precedentes.
3. Firmou-se neste Tribunal a orientação de que é necessária a apre-
sentação de motivação concreta para a fixação de regime mais gravoso,
fundada nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal – CP
ou em outra situação que demonstre efetivamente um plus na gravidade
do delito.
No caso dos autos, por se tratar de paciente reincidente, embora a
pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, uma vez que lhe foram
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
110

favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e a pena


corporal seja inferior a 4 anos de reclusão, o regime inicial semiaberto
foi fixado exatamente nos termos do que dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, do
Código Penal e em conformidade com o entendimento jurisprudencial
desta Corte, firmado no Enunciado de nº 269/STJ, segundo o qual: é
admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados
a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para afas-
tar a valoração negativa da personalidade do agente e redimensionar a
pena do paciente para 2 anos de reclusão e pagamento de 10 dias-multa,
mantidos os demais termos da condenação.
(STJ; HC 481.978; Proc. 2018/0321769-0; MS; 5ª T.; Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik; DJE 19/12/2018; p. 4.642)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder, de ofício, nos
termos do voto do Sr. Ministro-Relator.
Os Srs. Ministros Felix Fischer, Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fon-
seca e Ribeiro Dantas votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília, 11 de dezembro de 2018 (Data do Julgamento).
Ministro Joel Ilan Paciornik – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik:
Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, impetrado em
favor de Reginaldo Vilela dos Santos contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais (Embargos Infringentes e de Nulidade 0001458-
18.2014.8.12.0012/50000).
Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado, em primeira instância,
à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além
do pagamento de 25 dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 155,
§ 4º, I, do Código Penal – CP (furto qualificado).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 111

Em sede de apelação, o Tribunal de origem, por maioria, negou provi-


mento ao recurso defensivo (fls. 226/234). Opostos embargos infringentes, o
Tribunal a quo, por unanimidade, negou provimento ao recurso. Eis a ementa
do julgado:
“EMBARGOS INFRINGENTES EM RECURSO DE APELAÇÃO CRI-
MINAL. NEUTRALIZAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DA
PERSONALIDADE DO AGENTE. CONCESSÃO DO REGIME ABER-
TO PARA CUMPRIMENTO INICIAL DA REPRIMENDA. RECURSO
CONHECIDO E IMPROVIDO.
O embargante possui várias condenações, o que denota que o seu envolvi-
mento com o ilícito não é esporádico e justifica a exasperação da pena-base
pela negativação de sua personalidade.
Resta prejudicada a análise dos pedidos subsidiários, ante ao não provimento
do pedido principal (fl. 285).”
No presente writ, a impetrante sustenta ausência de fundamentação
idônea para a valoração negativa da personalidade do agente. Alega que conde-
nações com trânsito em julgado não podem ser consideradas na exasperação da
pena-base em razão da personalidade do agente, sendo necessária a existência
de dados concretos suficientes para sua aferição.
Pleiteia, assim, a redução da pena-base e a fixação do regime inicial
aberto para cumprimento da pena.
O Ministério Público Federal opinou pela extinção do writ sem reso-
lução do mérito ou pela denegação da ordem (fls. 301/312).
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik (Relator):
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a
impetração sequer deveria ser conhecida segundo orientação jurisprudencial
do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Jus-
tiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a
análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal
que justifique a concessão da ordem de ofício.
Conforme relatado, busca-se, na presente impetração, o afastamento da
circunstância judicial da personalidade do agente, com a consequente redução
da pena-base, e a fixação do regime inicial aberto para cumprimento da pena.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
112

O Juízo de primeiro grau aplicou a pena e fixou o regime prisional sob


a seguinte fundamentação:
“Passo a dosimetria da pena.
A culpabilidade é normal para esse tipo de delito, pois o grau de dolo ma-
nifestado é próprio dessa espécie delitiva. O acusado registra antecedentes.
Todavia, tal circunstância não será levada em consideração nesta fase, em face
da aplicação da agravante da reincidência a ser efetuada adiante.
Não há nos autos elementos suficientes para aferição da sua conduta social. A
sua personalidade mostra-se desfavorável, ante as várias incursões no mundo do crime.
Os motivos e as circunstâncias do crime são normais para esta espécie de de-
lito. Não há que falar em comportamento da vítima. Analisando as circuns-
tâncias judiciais estatuídas no art. 59 do Código Penal, fixo a pena base em 2
(dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa. O sen-
tenciado é reincidente, conforme certidões de antecedentes acostadas aos autos. De outro
lado, reconheço a atenuante da confissão, mesmo que na fase policial, já que o réu,
espontaneamente, confessou a prática delitiva. Desta forma, considerando a
existência de uma circunstância agravante e uma atenuante, mantenho a pena
fixada na primeira fase, ou seja, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e
25 (vinte e cinco) dias-multa, pena que torno definitiva, eis que inexistem
outros elementos exasperadores ou mitigadores a serem considerados. Fixo
no mínimo legal para espécie o valor de cada dia-multa. A pena privativa de
liberdade deverá ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, em face da
comprovada reincidência. Pelas mesmas razões, deixo de determinar a subs-
tituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Tendo em
vista que o regime inicial é o semiaberto, o réu poderá apelar em liberdade
(fls. 148/151).”
O Tribunal de Justiça estadual manteve a pena aplicada e o regime prisio-
nal fixado. Transcrevo, no que interessa, os seguintes fragmentos do acórdão:
“Ao que se denota da fundamentação, o juízo a quo levou em consideração a
personalidade do agente, aumentando-se a pena base em 6 (seis) meses de
reclusão.
Alega a defesa que o juiz negativou a moduladora da personalidade de forma
equivocada, uma vez que entende que a fundamentação utilizada não é su-
ficiente.
Razão não lhe assiste.
Embora a melhor técnica seja utilizar as condenações anteriores ao fato, na circunstância
judicial dos antecedentes, entendo que, no caso em tela, agiu com acerto o Relator.
Isso porque, conforme a certidão de antecedentes (fls. 117/123), o embargante ostenta
mais de uma condenação anterior ao fato aqui apurado, quais sejam: Autos 0002665-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 113

86.2013.8.12.0013; 0002499-54.2013.8.12.0013; 0002025-20.2012.8.12.0013


e 0000419-83.2014.8.12.0013.
Assim, pelo que se observa, o embargante possui várias condenações, o que denota que
o seu envolvimento com o ilícito não é esporádico e justifica a exasperação da pena-base
pela negativação de sua personalidade.
No mesmo sentido, leciona Ricardo Augusto Schmitt: ‘havendo duas ou
mais condenações transitadas em julgado em face do agente, poderá o julga-
dor utilizar uma delas como antecedentes criminais e as demais na circuns-
tância judicial da personalidade ou conduta social, para fins de exasperação
da pena-base’.
Dessa forma, não merece provimento o apelo defensivo para ver neutralizada
a circunstância judicial da personalidade do agente, nem mesmo os pedidos
subsidiários de redução da pena-base e abrandamento do regime inicial de
cumprimento da pena (fls. 283/289).”
Sobre o tema, é certo que o refazimento da dosimetria da pena em habeas
corpus tem caráter excepcional, somente sendo admitido quando se verificar
de plano e sem a necessidade de incursão probatória, a existência de manifesta
ilegalidade ou abuso de poder.
Com efeito, a Quinta Turma desta Corte Superior passou a entender que
as condenações pretéritas devem ser atreladas apenas aos maus antecedentes,
afastando a valoração negativa da conduta social e da personalidade do réu,
na primeira fase da dosimetria da pena.
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INA-
DEQUAÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. DOSIME-
TRIA. CONDUTA SOCIAL E DA PERSONALIDADE. CONDENA-
ÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO. MENORIDADE RELATIVA DO
RÉU. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. FLAGRANTE ILEGALIDADE
EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO E ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO.
(...)
3. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, alterando
seu posicionamento sobre o tema, decidiu que as condenações transitadas em julgado não
são fundamentos idôneos para se inferir a personalidade do agente voltada à prática cri-
minosa ou até mesmo para certificar sua conduta social inadequada. Nesse passo, há que
ser reconhecida a fragilidade das razões declinadas pelo Magistrado processante para o
incremento da básica, devendo, portanto, ser decotado o aumento pela valoração negativa
da personalidade e da conduta social do agente.
4. Ao contrário do sustentado pela Corte de origem, o art. 2º, § 1º, da Lei
de Introdução do Código Penal, conquanto tenha reduzido a menoridade
para 18 anos de idade, não implicou mudança da idade para a concessão do
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
114

benefício do art. 65, I, do Código Penal, devendo, portanto, ser reconhecido


que o réu, menor de 21 anos à época dos fatos, faz jus à redução da pena, nos
moldes do reconhecido na sentença condenatória.
5. Writ não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, com o fim de deter-
minar que o Juízo das Execuções proceda à nova dosimetria da reprimenda,
afastando o aumento da pena-base pelos maus antecedentes e pela conduta
social, devendo, ainda, ser reconhecida a incidência da atenuante da meno-
ridade relativa, conforme o reconhecido na sentença condenatória.” (HC
377.108/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 17.04.2018)
Na hipótese dos autos, da análise dos trechos acima transcritos, verifica-
se que o entendimento consignado pelo Tribunal de origem está em confronto
com o novel entendimento desta Corte, uma vez que valeu-se de condenações
pretéritas, ainda que transitadas em julgado, para valorar negativamente a
personalidade do agente.
Assim, deve ser afastada a valoração negativa da personalidade do agente,
razão pela qual passo a refazer a dosimetria da pena.
Na primeira fase, diante da fundamentação apresentada, afasto a valo-
ração negativa da personalidade do agente, devendo a pena-base ser reduzida
ao mínimo legal de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na segunda etapa, a
pena permanece inalterada, ante a compensação da agravante da reincidência
com a atenuante da confissão espontânea. Por fim, na terceira e última etapa
da dosimetria da pena, ausentes causas de aumento ou de diminuição, a repri-
menda se torna definitiva em 2 anos de reclusão e pagamento de 10 dias-multa.
Quanto ao regime prisional, firmou-se neste Tribunal a orientação de
que é necessária a apresentação de motivação concreta para a fixação de regime
mais gravoso, fundada nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal
– CP ou em outra situação que demonstre efetivamente um plus na gravidade
do delito. Nesse sentido, foi elaborado o Enunciado nº 440 da Súmula desta
Corte, e os Enunciados ns. 718 e 719 da Súmula do col. Supremo Tribunal
Federal, verbis:
“Súmula nº 440/STJ: Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimen-
to de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com
base apenas na gravidade abstrata do delito.”
“Súmula nº 718/STF: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime
não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permi-
tido segundo a pena aplicada.”
“Súmula 719/STF: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena
aplicada permitir exige motivação idônea.”
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 115

No caso dos autos, por se tratar de paciente reincidente, embora a pena-


base tenha sido fixada no mínimo legal, uma vez que lhe foram favoráveis
as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, e a pena corporal seja
inferior a 4 anos de reclusão, o regime inicial semiaberto foi fixado exata-
mente nos termos do que dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal e em
conformidade com o entendimento jurisprudencial desta Corte, firmado
no Enunciado de nº 269/STJ, segundo o qual: É admissível a adoção do regime
prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos
se favoráveis as circunstâncias judiciais.
A propósito, confiram-se:
“HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECUR-
SO PRÓPRIO. FURTO QUALIFICADO. PENA-BASE ESTABELECI-
DA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL COM BASE NOS MAUS ANTECE-
DENTES. PACIENTE QUE POSSUI APENAS UMA CONDENAÇÃO
DEFINITIVA, QUE SERVIU PARA AGRAVAR A PENA NA SEGUNDA
ETAPA DA DOSIMETRIA. BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. PENA-BA-
SE REDUZIDA. PLEITO DE COMPENSAÇÃO INTEGRAL ENTRE
A CONFISSÃO E A REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO PARCIAL,
ANTE A REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO ACUSADO. REGIME SE-
MIABERTO MANTIDO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 269/STJ.
DETRAÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PARA AVALIAR O TEM-
PO DE PRISÃO PROVISÓRIA. MATÉRIA QUE CABERÁ AO JUÍZO
DAS EXECUÇÕES PENAIS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...)
Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, mantém-se o semiaberto fixado pelo
acórdão recorrido, pois, nos termos da Súmula nº 269, é admissível a adoção do regime
prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos
se favoráveis as circunstâncias judiciais.
(...)
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para reduzir as pe-
nas do paciente para 2 anos e 4 meses de reclusão e 11 dias-multa, mantido
o regime inicial semiaberto, cabendo ao Juízo das Execuções examinar, com
base no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, se o tempo de prisão
cautelar do paciente permite a fixação de regime mais brando.” (HC 355.270/
SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 16.08.2016)
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.
DESCABIMENTO. ROUBO SIMPLES NA FORMA TENTADA. RÉU
REINCIDENTE ESPECÍFICO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO
LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA DEFI-
NITIVA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. FIXAÇÃO DO REGI-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
116

ME INICIAL SEMIABERTO. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 269


DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ART. 387,
§ 2º, DO CPP. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. IR-
RELEVÂNCIA PARA ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL. HABEAS
CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...)
3. Em que pese ser o paciente reincidente específico, verifica-se que o total
da pena aplicada foi de 2 anos e 8 meses de reclusão. Assim, considerando-se as
circunstâncias judiciais favoráveis, é possível a fixação do regime inicial semiaberto, a
teor do disposto no Enunciado nº 269 da Súmula do STJ, segundo o qual ‘é admissível
a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou
inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais’.
(...)
Writ não conhecido. Concessão da ordem, de ofício, para fixar o regime ini-
cial semiaberto.” (HC 353.190/SP, de minha relatoria, Quinta Turma, DJe
01.08.2016)
“CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTI-
VO DE RECURSO. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. RÉU
REINCIDENTE. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. CARÊNCIA DE
MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DO REGIME FECHA-
DO. SÚMULAS/STJ NS. 269 E 440. HABEAS CORPUS NÃO CONHE-
CIDO E ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...)
3. De acordo com a Súmula nº 269/STJ, ‘é admissível a adoção do regime prisional
semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a inicial quatro anos se
favoráveis as circunstâncias judiciais’.
4. O Tribunal de origem considerou favoráveis as circunstâncias judiciais previstas no
art. 59 do Código Penal e, por isso, a pena-base foi fixada no mínimo legal. Assim,
estabelecida a reprimenda inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, o paciente faz jus ao
regime semiaberto de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 2º, alínea b, e § 3º,
do Código Penal.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de es-
tabelecer o regime semiaberto para o cumprimento inicial da pena, se, por
outro motivo, o paciente não estiver descontando a reprimenda em meio
mais gravoso.” (HC 331.181/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma,
DJe 03.06.2016)
Ante o exposto, voto pelo não conhecimento do habeas corpus e pela
concessão da ordem, de ofício, para afastar a valoração negativa da persona-
lidade do agente e redimensionar a pena do paciente para 2 anos de reclusão
e pagamento de 10 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 98.512 MINAS GERAIS
RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI

Estupro de Vulnerável. Prisão em Flagrante


Convertida em Preventiva. Superveniência de
Condenação. Negativa do Apelo em Liberdade. Mesmos
Fundamentos do Decreto Preventivo. Ausência
de Prejudicialidade. Alegada Inidoneidade da
Fundamentação do Decreto Preventivo. Configuração.
Providências Cautelares Alternativas do Art. 319
do Estatuto Processual Penal. Necessidade. Coação
Ilegal Demonstrada. Reclamo Conhecido e Provido
1. O advento de sentença condenatória não enseja a prejudicialidade do
reclamo no ponto relacionado à fundamentação da prisão preventiva
quando os fundamentos que levaram à manutenção da custódia foram
os mesmos apontados por ocasião da decisão primeva, não havendo que
se falar em prejudicialidade do remédio constitucional.
2. As prisões cautelares materializam-se como exceção às regras cons-
titucionais e, como tal, sua incidência em cada caso concreto deve vir
fulcrada em elementos que demonstrem a sua efetiva necessidade no
contexto fático-probatório apreciado, sendo inadmissível sem a existên-
cia de razão sólida e individualizada a motivá-la, especialmente com a
edição e entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, em que a prisão deve
ser empregada como última medida para garantir a ordem pública, a
conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal.
3. Na hipótese, o Juízo processante eximiu-se de demonstrar, funda-
mentadamente, a presença dos requisitos autorizadores da preventiva,
insculpidos no art. 312 do Código de Processo Penal, configurando
indevido constrangimento ilegal.
4. Mostra-se necessária a imposição de medidas cautelares alternativas,
dadas as circunstâncias do delito.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
118

5. Recurso ordinário conhecido e provido, para revogar a segregação


processual dos recorrentes, mediante a imposição das providências
cautelares alternativas à prisão, previstas no art. 319, incisos I, III e IV,
do Código de Processo Penal.
(STJ; RHC 98.512; Proc. 2018/0123479-0; MG; 5ª T.; Rel. Min. Jorge
Mussi; DJE 19/12/2018; p. 4.340)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso,
nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Reynaldo So-
ares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Felix Fischer votaram
com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2018 (Data do Julgamento).
Ministro Jorge Mussi – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Trata-se de recurso ordi-
nário em habeas corpus com pedido liminar interposto por C.H.N.F. e V.N.S.,
representados pela Defensoria Pública estadual, contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que denegou a ordem visada
no Writ 1.0000.18.026788-2/000, mantendo a segregação cautelar decretada em
seu desfavor nos autos da ação penal em que foram denunciados pela suposta
prática do delito tipificado no art. 217-A, § 1º, do Código Penal.
Em apertada síntese, sustentam os recorrentes estarem sofrendo cons-
trangimento ilegal, sob o argumento de que não teria sido apresentada fun-
damentação idônea para a ordenação e a manutenção de sua custódia cautelar,
eis que embasada em dados abstratos e genéricos, insuficientes para tanto, em
manifesta violação ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Ponderam que não foi demonstrado com base em elementos concretos
de que forma, em liberdade, poderiam causar embaraço à ordem pública, à
instrução criminal ou à aplicação da lei penal, reputando ausentes os requi-
sitos autorizadores da medida extrema, elencados no art. 312 do Código de
Processo Penal.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 119

Aduzem, ainda, que preenchem todos as condições subjetivas para a


concessão da liberdade provisória, ainda que com medidas cautelares mais
brandas.
Requerem, diante disso, o provimento do presente recurso, para re-
vogar a ordem de prisão preventiva, permitindo-lhes responder ao processo
em liberdade.
Sem contrarrazões, os autos ascenderam a este Superior Tribunal de
Justiça.
A liminar foi indeferida.
O Ministério Público Federal opinou pela prejudicialidade do apelo,
noticiando a prolação de sentença condenatória em 30.05.2018, na qual restou
condenado o recorrente C.H.N.F. à pena de 8 (oito) anos de reclusão, em regime
inicial fechado, e V.N.S. à pena de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em
regime inicial fechado, ambos pela prática do delito previsto no art. 217-A,
§ 1º, do Código Penal, ocasião em que foi mantida a prisão preventiva dos réus,
por “permanecerem hígidos e, agora, ratificados, os fundamentos utilizados
na decisão que decretou a prisão preventiva” (e-STJ, fls. 168-185).
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Compulsando os elementos
carreados aos autos, infere-se que os recorrentes foram presos em flagrante em
25.02.2018, convertida em preventiva na mesma data, e, posteriormente,
denunciados pela suposta prática do delito previsto no art. 217-A, § 1º, do
Código Penal, porque teriam praticado atos libidinosos com a vítima que, por
deficiência mental, não tinha o necessário discernimento para a prática do ato.
Extrai-se da denúncia:
“No dia 24 de fevereiro de 2018, por volta das 21 horas, na Rua Bósnia, nº 100,
bairro Vila Batel, nesta cidade e comarca, os denunciados praticaram atos libidino-
sos diversos da conjunção carnal com a vítima Jorge Manoel Gonçalves Abrantes, que,
por deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato.
Segundo o que se apurou, em data e horário não apurados com precisão, o
primeiro denunciado (Carlos Henrique) prometeu ao ofendido que conseguiria um tra-
tamento de saúde para ele, com internação em Belo Horizonte, e que ele ficaria curado,
ocasião em que deu a ele o seu endereço para que o procurasse. Então, no dia
dos fatos, o ofendido foi até a residência do denunciado Carlos Henrique, e,
lá chegando, este lhe pediu que fosse tomar um banho, entregando-lhe uma
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
120

toalha. Enquanto tomava banho, o imputado Carlinhos ficou observando a vítima,


e chegou a passar a mão pelo corpo desta. Ao terminar o banho, Carlinhos levou a
vítima para um quarto, e passou a beijá-la, dizendo que iria ‘comê-lo’, ocasião em que o
imputado Vinícius também chegou, e passou a participar do ato. Os imputados penetra-
ram parcialmente o pênis no ânus do ofendido, e lhe obrigaram a praticar sexo oral neles.
O ofendido pediu a eles que parassem, mas eles ameaçaram enfiar um pano em
sua boca, caso ele gritasse. Após o ato, os denunciados fizeram o ofendido tomar
outro banho, e mandaram-no embora.” (e-STJ, fls. 75-76, grifou-se)
Verifica-se que o Juízo singular, em 25.02.2018, converteu a prisão
em flagrante dos recorrentes em preventiva, afirmando, sucintamente, que a
“soltura do(s) detido(s) além de vulnerar a própria segurança dos dois, poderia
comprometer a instrução do feito” (e-STJ, fl. 55).
Inconformada, a defesa ingressou com ação mandamental perante o
Colegiado de origem, que denegou a ordem, consignando que “a decisão
que converteu as prisões em flagrante em prisões preventivas (fls. 48v/49 e
50/51) está devidamente fundamentada, encontrando motivação no art. 312
do CPP” (e-STJ, fl. 125).
Acrescentou-se ainda no acórdão impugnado que “existem dados
concretos que indicam a necessidade da segregação cautelar para a garantia
da ordem pública, para a garantia da lisura da instrução criminal e, sobretudo,
para a integridade física e liberdade sexual da vítima” (e-STJ, fls. 125-126).
O Tribunal estadual rechaçou a aventada negativa de autoria, por não ser
o writ a via própria para a sua análise, e o pleito de substituição da segregação
cautelar por medidas diversas da prisão, destacando que “em casos excepcio-
nais como o dos autos, a ordem pública prevalece sobre liberdade individual,
o que por si só descaracteriza o alegado constrangimento ilegal do paciente”
(e-STJ, fl. 127).
Delineado o contexto fático processual, ressalta-se que, ao revés do afir-
mado pelo Parquet federal, o advento de sentença condenatória não enseja
a prejudicialidade do reclamo no ponto relacionado à fundamentação da
prisão preventiva, uma vez que, segundo precedentes do Supremo Tribunal
Federal e deste Sodalício, somente há novo título prisional quando se trazem
novos motivos para a manutenção da prisão cautelar por ocasião da sentença.
Quando os fundamentos que levaram à manutenção da preventiva foram os
mesmos apontados por ocasião da decisão primeva, que se entendeu persistirem
no caso, não há o que se falar em prejudicialidade do remédio constitucional.
Nesse sentido:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIR-
CUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 121

DE AGENTES. CORRUPÇÃO DE MENOR. SENTENÇA SUPER-


VENIENTE. MANTIDOS OS FUNDAMENTOS DA SEGREGAÇÃO.
AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE. CUSTÓDIA PREVENTIVA.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DO AGEN-
TE. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. MODUS OPERANDI.
NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RÉU QUE
PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCES-
SO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. IN-
SUFICIÊNCIA DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ADEQUAÇÃO DA
PRISÃO PREVENTIVA AO REGIME INTERMEDIÁRIO FIXADO NA
SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE
OFÍCIO.
1. Esta Quinta Turma possui firme entendimento no sentido de que a ma-
nutenção da custódia cautelar por ocasião de sentença condenatória superve-
niente não possui o condão de tornar prejudicado o writ em que se busca sua
revogação, quando não agregados novos e diversos fundamentos ao decreto
prisional primitivo. Precedentes.
2. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica
a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamen-
tada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e
requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP. Deve,
ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a apli-
cação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP.
(...)
Recurso ordinário desprovido. Ordem concedida, de ofício, para adequar a
prisão preventiva ao regime prisional semiaberto.” (RHC 89.965/MG, Rel.
Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 12.12.2017, DJe 01.02.2018)
Assim, no que tange aos fundamentos da segregação ora examinada,
tem-se que assiste razão em parte aos recorrentes, quando sustentam a ocor-
rência de constrangimento ilegal, derivado da ausência de fundamentação da
decisão constritiva.
Ressalta-se, oportunamente, que as prisões cautelares materializam-se
como exceção às regras constitucionais e, como tal, sua incidência em cada
caso concreto deve vir fulcrada em elementos que demonstrem a sua efetiva
necessidade no contexto fático-probatório apreciado, sendo inadmissível sem
a existência de razão sólida e individualizada a motivá-la, especialmente com
a edição e entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, em que a prisão deve ser
empregada como última medida para garantir a ordem pública, a conveniência
da instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
122

E, na hipótese, da leitura das decisões atacadas, não obstante as graves


circunstâncias em que supostamente praticado o delito sob exame – em que os
recorrentes, concomitantemente, praticaram atos libidinosos diversos da conjunção carnal
com a vítima que, por deficiência mental, não tinha o necessário discernimento para a
prática do ato –, observa-se que o Juízo de piso deixou de apontar estes elementos
concretos, que evidenciam o suposto risco que a liberdade dos réus poderia
oferecer à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação de lei penal,
não tendo demonstrado, portanto, a presença dos requisitos autorizadores da
preventiva, insculpidos no art. 312 do Código de Processo Penal.
Ora, em casos análogos, esta Corte Superior tem entendido não ser
idônea a mantença da segregação cautelar calcada em decisão com motivação
abstrata, como a que ora se examina, por se tratar de constrangimento ilegal
ao qual o cidadão que responde a processo criminal não pode ser submetido,
ainda que o delito que lhe seja imputado revista-se de caráter grave, como é
o caso dos autos.
A propósito, os seguintes precedentes:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS COR-
PUS. HOMICÍDIO TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. PARECER
DO PARQUET PELO PROVIMENTO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA NO DECRETO PRISIONAL. RE-
CURSO ORDINÁRIO PROVIDO.
I – A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida
constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para
assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex
vi do art. 312 do Código de Processo Penal.
II – In casu, os fundamentos que deram suporte à custódia cautelar do recorrente não se
ajustam à orientação jurisprudencial desta Corte, porquanto a simples invocação da gra-
vidade abstrata e genérica do delito não se revelam suficientes para autorizar a segregação
cautelar com fundamento na garantia da ordem pública.
Nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal que consignou: ‘Após
uma análise acurada dos autos, verificamos que procede a alegação de cons-
trangimento ilegal, uma vez que não houve fundamentação idônea a ensejar
a prisão provisória do réu, ante a ausência da perfeita subsunção das circuns-
tâncias do caso aos requisitos da prisão preventiva, previstos no art. 312 do
Código de Processo Penal’. Recurso ordinário provido para revogar a prisão
preventiva do recorrente, salvo se por outro motivo estiver preso, e sem pre-
juízo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentada,
ou de outras medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do
CPP.” (RHC 90.206/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 12.12.2017,
DJe 01.02.2018, grifou-se)
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 123

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RE-


CURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICA-
DO NA MODALIDADE TENTADA. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA
DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
CARACTERIZADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM
CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA REVOGAR A PRISÃO CAUTELAR.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no senti-
do de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto
para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quan-
do constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O Juízo de Primeiro grau decretou a prisão preventiva do paciente com
base em argumentos genéricos relacionados à gravidade abstrata do crime de
tentativa de homicídio. Não foram apontados dados concretos a justificar a
segregação provisória, como exige o art. 312 do CPP.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para revogar a pri-
são preventiva do paciente, mediante a aplicação das medidas cautelares previstas
no art. 319 do Código de Processo Penal, a critério do Juízo de Primeiro Grau,
ressalvando-se, ainda, a possibilidade de nova decretação de prisão preventiva,
caso demonstrada, de forma fundamentada, sua necessidade.” (HC 415.906/SP,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 05.12.2017, DJe 12.12.2017)
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
HOMICÍDIO QUALIFICADO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. FUN-
DAMENTAÇÃO INIDÔNEA. NÃO DEMONSTRADA A IMPRES-
CINDIBILIDADE DA MEDIDA. GRAVIDADE ABSTRATA. PARECER
PELO NÃO CONHECIMENTO E CONCESSÃO DA ORDEM DE
OFÍCIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS
CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso pró-
prio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional,
com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que
se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva é indispensável a demonstração da
existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios sufi-
cientes da autoria. Exige-se, ainda que a decisão esteja pautada em lastro pro-
batório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312
do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes
do STF e STJ.
3. Caso em que não se verifica a presença de elementos concretos, colhidos
do inquérito policial, valorados pelo Magistrado para fins de decretação da
prisão do paciente, ajustados às hipóteses legais que autorizam, excepcional-
mente, a restrição da liberdade, em detrimento das medidas cautelares alter-
nativas à prisão. Parecer ministerial pela concessão. Precedentes.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
124

4. Sobre a garantia da ordem pública, o Magistrado fez referência à gravidade


do fato, mencionando apenas o tipo penal incriminador, homicídios qualifi-
cados – consumado e tentado, sem qualquer detalhamento ou individualiza-
ção da conduta imputada. Além disso, destacou a repercussão social do fato
na comunidade, notadamente, porque teria ocorrido em uma cidade interio-
rana; e sobre o suposto comprometimento da instrução criminal, fez apenas
um juízo de prospecção de que o paciente poderá influenciar na colheita de
provas, caso permaneça em liberdade, sem indicar elementos que levassem a
tal conclusão.
5. Não obstante a vedação de análise probatória por meio de habeas corpus,
não se pode ignorar que o paciente estava em sua residência quando dois
ex-policiais militares, armados, foram até o local com o fito de, a princípio,
efetuar cobrança de dívida. Ademais, consta do próprio auto de prisão em
flagrante (e-STJ, fl. 6) que o paciente Eurípedes já havia sido vítima de ame-
aças, em razão da cobrança do mesmo débito. Dessa forma, percebe-se que a
situação ilícita não foi desencadeada pelo paciente, tendo os disparos de arma
de fogo ocorrido de maneira recíproca, principalmente, pelo modo como se
procedeu a tentativa de cobrança da dívida – mediante intermédio de dois ex-
policiais militares, armados, depois de episódios de ameaça.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para revogar o
decreto de prisão preventiva de Eurípedes Augusto de Melo, sem prejuí-
zo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentada,
ou da aplicação de outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.”
(HC 420.782/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j.
28.11.2017, DJe 07.12.2017)
Assim, ausente a explicitação dos pressupostos autorizadores da custódia
cautelar, elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, e constatado o
indigitado constrangimento ilegal, a revogação da constrição instrumental dos
recorrentes é medida que se impõe, conforme exegese filológica dos arts. 315
e 310, caput, inciso III, do aludido diploma legal.
Entrementes, não se pode desprezar a gravidade da acusação lançada
contra os acusados. Assim, levando-se em consideração que após a edição e
entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011 a prisão cautelar é a última e a mais
grave medida a ser ordenada pelo magistrado para assegurar o processo e a
ordem pública e social e, que, por isso, deve vir devidamente fundamentada,
verifica-se que as circunstâncias do caso indicam a conclusão pela necessidade
da imposição das medidas cautelares alternativas.
Com efeito, a Lei nº 12.403/2011, modificando o art. 282, § 6º, do
Código de Processo Penal, dispôs que a “prisão preventiva será determinada
quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 125

Assim, por disposição legal, a medida extrema deverá ser decretada


somente em último caso, quando realmente se mostre adequada às circuns-
tâncias em que cometido o delito e concretamente fundamentada.
A propósito é a lição de Eugenio Pacelli Oliveira e Douglas Fischer, em
comentários ao art. 282 do Código de Processo Penal:
“A nova legislação que, no ponto, se alinha ao modelo português e ao italia-
no, prevê diversas medidas cautelares diversas da prisão, reservando a esta
última um papel, não só secundário, mas condicionado à indispensabilidade
da medida, em dupla perspectiva, a saber, (a) a proporcionalidade e adequa-
ção, a serem aferidas segundo a gravidade do crime, as circunstâncias do fato
(meios e modo de execução), e, ainda as condições pessoais do agente; e (b)
a necessidade, a ser buscada em relação ao grau de risco à instrumentalidade
(conveniência da investigação ou da instrução) do processo ou à garantia da
ordem pública e/ou econômica, a partir de fatos e circunstâncias concretas
que possam justificar a segregação provisória.” (Comentários ao Código de Pro-
cesso Penal e sua jurisprudência. 9. ed. rev. São Paulo: Atlas, 2012. p. 576)
Deste modo, mister concluir que as particularidades do caso -em especial
a falta de fundamento concreto que autorize a conclusão pela existência do
periculum libertatis exigido para a ordenação e preservação da constrição proces-
sual – estão a indicar, excepcionalmente, a necessidade da imposição das medidas
cautelares alternativas à prisão para alcançar os fins acautelatórios pretendidos,
merecendo registro que, em caso de descumprimento, a preventiva poderá
ser novamente decretada.
Nesse contexto, diante das peculiaridades do caso concreto, mostra-se
necessária, adequada e suficiente a imposição das previstas nos incisos I (com-
parecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,
para informar e justificar atividades); III (proibição de manter contato com
ofendido); e IV (proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência
seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução), todos do art.
319 do Código de Processo Penal, sem prejuízo de que outras sejam impostas
pelo Juízo processante, podendo, ainda, a custódia ser novamente decretada em
caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4º c/c o art. 316
do Código de Processo Penal) ou de superveniência de fatos novos, desde
que devidamente fundamentada.
Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso ordinário em habeas corpus,
para revogar a prisão preventiva dos recorrentes, caso não se encontrem presos por
outro motivo, mediante a imposição das medidas alternativas previstas no art. 319,
incisos I, III e IV, do Código de Processo Penal.
É o voto.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 97.047 SÃO PAULO
RELATOR: MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

1. Trancamento da Ação Penal. Ausência de


Excepcionalidade. 2. Crime Tributário. Atipicidade.
Supressão de Instância. 3. Mero Inadimplemento.
Não Ocorrência. Operações Próprias. Tipicidade. HC
399.109/SC. 4. Ausência de Justa Causa. Sócios
Administradores Exclusivos. 5. Crime Societário.
Ausência de Individualização das Condutas.
Possibilidade. Nexo Causal Delineado. 6. Recurso em
Habeas Corpus Conhecido em Parte e Improvido
1. O trancamento da ação penal somente é possível, na via estreita do
habeas corpus, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano,
a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa
de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de
prova da materialidade do delito.
2. Os recorrentes apontam, em um primeiro momento, a atipicidade
da conduta, por considerarem se tratar de mero inadimplemento de
tributo próprio. Contudo, verifica-se que a presente alegação não foi
previamente analisada pelo Tribunal de origem, o que denota a existência
de supressão de instância. Como é cediço, a ausência de prévia manifes-
tação das instâncias ordinárias sobre os temas discutidos no mandamus
inviabiliza seu conhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça.
3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do
Habeas Corpus 399.109/SC, uniformizou o entendimento no sentido
de que o crime do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 também abran-
ge aquele que não recolhe o ICMS em operações próprias, haja vista
o repasse ao consumidor. Assim, não haveria se falar em atipicidade.
4. No que concerne à segunda recorrente, observo que a denúncia a
identifica como uma das administradoras exclusivas da empresa, não
podendo se falar, portanto, que foi denunciada apenas pela sua quali-
dade de sócia.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 127

5. Com relação à individualização das condutas, tem-se que, nos casos


de crimes societários e de autoria coletiva, tem se admitido a denúncia
geral, a qual, apesar de não detalhar minudentemente as ações imputadas
aos denunciados, demonstra, ainda que de maneira sutil, a ligação entre sua
conduta e o fato delitivo, conforme ocorre nos autos.
6. Recurso em habeas corpus conhecido em parte, para negar-lhe provimento.
(STJ; RHC 97.047; Proc. 2018/0084076-1; SP; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca; DJE 19/12/2018; p. 4.335)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte,
negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik,
Felix Fischer e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2018 (Data do Julgamento).
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto
por José Marcos Calsavara e Sandra Mara Viudes Calsavara contra acórdão
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Consta dos autos que os recorrentes foram denunciados como incursos
no art. 2º, inciso II, c/c o art. 11, caput, ambos da Lei nº 8.137/90, em conti-
nuidade delitiva. Irresignada, a defesa impetrou prévio mandamus, cuja ordem
foi denegada, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 174/175):
“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.
INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PRECEDENTES. ANÁLISE DE
PROVAS INCOMPATÍVEL COM A VIA ESTREITA DO WRIT. CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. CONHECI-
MENTO PARCIAL E, NO PONTO EM QUE CONHECIDO, DENE-
GADO LIMINARMENTE. 1. Não há que se falar em inépcia da denúncia,
pois, ao contrário do alegado, a peça acusatória atende a todos os reclamos
do art. 41 do Código de Processo Penal, tendo descrito os fatos típicos e
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
128

antijurídicos com todas as suas circunstâncias, dando aos pacientes amplo


conhecimento dos motivos e das razões, de fato e de direito, que os levaram a
ser denunciados pela prática de crime contra a ordem tributária (art. 2º, II, da
Lei nº 8.137/90). Tanto é verdade que os pacientes, por intermédio da sua de-
fesa técnica, puderam e bem defender-se. Por sinal, em se tratando de crimes
societários, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o enten-
dimento de que embora a denúncia não descreva, detalhadamente, a conduta
do acusado, basta que ela demonstre o nexo de causalidade entre os seus atos
e a prática criminosa a estabelecer a plausibilidade da imputação, a partir de
indícios como a condição de sócio ou administrador da empresa, para que se
torne apta e possibilite o exercício da ampla defesa. Precedentes do STJ (RHC
61.765/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 03.12.2015, DJe 10.12.2015; e
RHC 35.309/BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. 19.11.2013, DJe
05.12.2013). 2. O Habeas Corpus, em razão do seu caráter excepcional, somen-
te pode ser utilizado para o trancamento de um inquérito policial ou de uma
ação penal, quando trouxer informações e provas inequívocas, que indiquem
a inépcia da denúncia, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilida-
de, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do crime,
ou, ainda, de atipicidade da conduta. Precedentes do STF (HC 129.225, Rel.
Min. Dias Toffoli, 2ª T., j. 30.08.2016, DJe 28.09.2016; HC 130.510 AgR, Rel.
Min. Roberto Barroso, 1ª T., j. 14.06.2016, DJe 29.06.2016; HC 128.691 AgR,
Relª Minª Rosa Weber, 1ª T., j. 26.04.2016, DJe 30.05.2016; e HC 132.170
AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., j. 16.02.2016, DJe 02.03.2016) e do STJ
(RHC 72.703/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., 27.09.2016,
DJe 05.10.2016; HC 347.894/AL, Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura,
6ª T., j. 20.09.2016, DJe 04.10.2016; RHC 66.334/RS Rel. Min. Joel Ilan Pa-
ciornik, 5ª T., j. 22.09.2016, DJe 05.10.2016; HC 351.033/SP, Rel. Min. Felix
Fischer, 5ª T., j. 27.09.2016, DJe 07.10.2016; e RHC 59.511/MG, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. 15.09.2016, DJe 26.09.2016). 3. A decisão de
recebimento da denúncia dispensa fundamentação, diferentemente da deci-
são que a rejeita. Inclusive, isso decorre do fato de que da decisão que recebe
a denúncia não cabe recurso. Inteligência da doutrina de Guilherme de Souza
Nucci. Precedentes do STJ (50.672/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª
Turma, j. 18.09.2014, DJU 07.10.2014; 228.034/RJ Relª Minª Laurita Vaz, 5ª
Turma, j. 22.10.2013, DJU 05.11.2013; e 219.750/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi,
5ª Turma, j. 04.06.2013, DJU 12.06.2013). 4. Conhecimento parcial do habeas
e, no ponto em que conhecido, denegação liminar da ordem.”
Foram opostos, ainda, embargos de declaração, os quais foram rejeita-
dos, nos seguintes termos (e-STJ, fl. 257):
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HABEAS CORPUS. CONHECI-
MENTO E IMPROVIMENTO. 1. Embargos de Declaração opostos contra
v. Acórdão da 3ª Câmara de Direito Criminal do Estado de São Paulo que,
por unanimidade, conheceu parcialmente do habeas e, na parte em que co-
nhecido, denegou a ordem. 2. Omissão. Para que se fale em ‘omissão’, o Juí-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 129

zo ou Tribunal deverá deixar de apreciar questões relevantes para o julgamen-


to, suscitadas pelas partes ou cognoscíveis de ofício, bem como quando deixa
de se manifestar sobre algum tópico da matéria submetida à sua apreciação,
inclusive quanto a ponto acessório, como seria o caso da condenação em des-
pesas processuais. O inconformismo com o modo pelo qual foi fundamen-
tado o v. Acórdão não serve de motivo apto para ensejar o conhecimento dos
declaratórios. 3. Embargos de declaração conhecidos e improvidos.”
No presente recurso, aduzem os recorrentes, em síntese, que a conduta
é atípica, porquanto se trata de mero inadimplemento de tributo próprio.
Apontam, no mais, que não há justa causa para ação penal com relação à
segunda recorrente, a qual foi denunciada apenas por ser sócia, e que a con-
duta de cada denunciado não foi devidamente individualizada, o que revela
a inépcia da inicial.
Pugnam, liminarmente, pelo sobrestamento e, no mérito, pelo tran-
camento da ação penal.
A liminar foi indeferida às e-STJ, fls. 308/311 e o pedido de reconsi-
deração às e-STJ, fls. 416/417, as informações foram juntadas às e-STJ, fls.
375/409 e o Ministério Público Federal se manifestou, às e-STJ, fls. 422/430,
pelo improvimento do recurso, nos seguintes termos:
“RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CON-
TRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
IMPROCEDÊNCIA. O trancamento de ação penal ou de inquérito policial,
em sede de habeas corpus ou recurso ordinário, constitui medida excepcio-
nal, somente admitida quando restar demonstrado, sem a necessidade de
exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência
de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios suficientes da
autoria ou prova da materialidade. Parecer pelo improvimento do recurso.”
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
O trancamento da ação penal somente é possível, na via estreita do ha-
beas corpus, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia
da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da
punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade
do delito.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça entendem que “o trancamento de inquérito policial ou de ação penal
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
130

em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar pro-


vada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto
fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva
da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da
materialidade do delito” (RHC 43.659/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta
Turma, j. 04.12.2014, DJe 15.12.2014).
Não se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação
de alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de ine-
xistência de indícios de autoria e materialidade em sede mandamental, pois
tais constatações dependem, via de regra, da análise pormenorizada dos fatos,
ensejando revolvimento de provas incompatível, como referido alhures, com
o rito sumário do mandamus.
No caso dos autos, os recorrentes apontam, em um primeiro momento,
a atipicidade da conduta, por considerarem se tratar de mero inadimplemento
de tributo próprio. Contudo, conforme destacado na decisão que analisou o pe-
dido liminar, verifica-se que a presente alegação não foi previamente analisada
pelo Tribunal de origem, o que denota a existência de supressão de instância.
Como é cediço, a ausência de prévia manifestação das instâncias ordi-
nárias sobre os temas discutidos no mandamus inviabiliza seu conhecimento
pelo Superior Tribunal de Justiça, porquanto estar-se-ia atuando em patente
afronta à competência constitucional reconhecida a esta Corte, nos termos
do art. 105 da Carta Magna.
Ao ensejo, confiram-se os seguintes precedentes:
“PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HA-
BEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA.
INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DE CÓPIA DO ACÓRDÃO
IMPUGNADO. PROVA DEVE SER PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSI-
BILIDADE DE PROSSEGUIR NA ANÁLISE DO PLEITO. VEDAÇÃO
À SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVI-
DO. 1. É pacífico o entendimento desta Corte Superior que o habeas corpus,
porquanto vinculado à demonstração de plano de ilegalidade, não se pres-
ta a dilação probatória, exigindo prova pré-constituída das alegações, sendo
ônus do impetrante trazê-la no momento da impetração, máxime quando se
tratar de advogado constituído. 2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no
HC 390.108/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 28.03.2017, DJe
04.04.2017)
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HA-
BEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTI-
VA. FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. PERICULO-
SIDADE CONCRETA DO RECORRENTE. GARANTIA DA ORDEM
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 131

PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO.


DESNECESSIDADE. INCOMPETÊNCIA DE JUÍZO. SUSPEIÇÃO
DE AUTORIDADE POLICIAL. SUSPEIÇÃO DE JUÍZO. SUPRESSÃO
DE INSTÂNCIA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO PARA FOR-
MAÇÃO DE CULPA. NÃO VERIFICADO. RECURSO ORDINÁRIO
DESPROVIDO. I – (...). III – As teses relativas à incompetência da 17ª Vara
Criminal para atuar no feito, à nulidade do procedimento investigatório em
razão da suspeição da autoridade policial, e à suspeição do magistrado singu-
lar não foram debatidas no Tribunal de origem, razão pela qual fica essa corte
impedida de se antecipar à matéria, sob pena de incorrer em indevida supres-
são de instância. IV – O trancamento da ação penal constitui medida excep-
cional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de
análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de
causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de au-
toria ou prova de materialidade. V – (...).” (RHC 93.601/AL, Rel. Min. Felix
Fischer, Quinta Turma, j. 24.04.2018, DJe 02.05.2018)
Não se pode descurar, por fim, que admitir a análise direta por esta
Corte de eventual ilegalidade não submetida ao crivo do Tribunal de origem
denotaria patente desprestígio às instâncias ordinárias e inequívoco intento
de desvirtuamento do ordenamento recursal ordinário, o que efetivamente
tem se buscado coibir.
Por oportuno, destaco que a Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento do Habeas Corpus 399.109/SC, uniformizou o en-
tendimento no sentido de que o crime do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90
também abrange aquele que não recolhe o ICMS em operações próprias, haja
vista o repasse ao consumidor. Assim, não haveria se falar em atipicidade.
No que concerne à alegada ausência de justa causa, em virtude de a
segunda recorrente ter sido denunciada apenas por ser sócia, bem como em
razão de a conduta dos denunciados não ter sido devidamente individualizada,
necessária a transcrição da inicial acusatória (e-STJ, fls. 20/21):
“Consta do incluso caderno investigatório que nos meses de junho julho,
agosto, setembro, outubro e novembro de 2011, na empresa Superior Indús-
tria de Alimentos Ltda. localizada na Rodovia Professor Zeferino Vaz (SP332
– Campinas-Paulínia), Km 123, bairro Betel, nesta cidade e distrital de Paulí-
nia, Comarca de Campinas, os denunciados José Marcos Calsavara e Sandra
Mara Viudes Calsavara, previamente ajustados e com unidade de desígnios,
na condição de sócios e administradores da empresa Superior (cf. Deca de fls. 21/22
e ficha cadastral Jucesp de fls. 23/24), por 6 (seis) vezes e de modo conti-
nuado, deixaram de recolher, no prazo legal, o valor total de ICMS de R$
1.830.320,01 (um milhão, oitocentos e trinta mil, trezentos e vinte reais e um
centavo) devido na qualidade de substituto tributário em operações realizadas
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
132

(e com cobrança dos contribuintes substituídos) e que deveria recolher aos


cofres públicos do Estado de São Paulo (cf. documentos fiscais de fls. 06/20).
Segundo se apurou, ao tempo dos fatos os denunciados eram sócios e admi-
nistradores da empresa Superior Indústria de Alimentos Ltda. (fls. 23/24). No
desenvolvimento da atividade empresarial cumpria a José Marcos e Sandra
autorizarem e coordenarem a venda e compra de mercadorias, responsabili-
zando-se e com domínio do falo como sócios e exclusivos administradores,
pela escrituração e corretas informações, bem como pelo recolhimento de
tributos em regime próprio e de substituição tributária decorrentes das tran-
sações realizadas pela pessoa jurídica.
Ocorre que, durante os meses de junho, julho, agosto, setembro, outubro
e novembro de 2011, a empresa Superior (por seus exclusivos administradores
José Marcos e Sandra) realizou diversas operações tributadas (cf. documentos
fiscais fls. 08/11 e 17/19) com outras empresas e, por conta das transações,
deveria recolher na qualidade de substituto tributário o valor de ICMS inci-
dente mês a mês, ao longo do período de 6 meses, mas, ao final do prazo para
recolhimento de tal montante aos cofres da Fazenda Estadual, não o fez inte-
gralmente, deixando de recolher o montante de R$ 1.830.320,01 (um milhão,
oitocentos e trinta mil, trezentos e vinte reais e um centavo).
A ausência de recolhimento do tributo devido ao longo dos seis meses foi
apurada e comprovada por atuação fiscal e análise dos documentos fiscais
da contribuinte (fls. 06/20), sendo o débito inscrito na dívida ativa (CDA nº
1.076.753.692, fls. 14/16 e 20), sem notícia de pagamento ou parcelamento
até a presente data.”
O Tribunal de origem, por seu turno, entendeu não ser o caso de trancar
a ação penal, assentando que “a denúncia atende a todos os reclamos do art. 41
do Código de Processo Penal, tendo descrito o fato típico e antijurídico com
todas as suas circunstâncias, dando aos pacientes amplo conhecimento dos
motivos e das razões, de fato e de direito, que os levaram a ser denunciados
pela prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90” (e-STJ, fl. 176).
Registrou, ademais, que (e-STJ, fl. 176):
“Por sinal, em se tratando de crimes societários, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que embora a denúncia não
descreva, detalhadamente, a conduta do acusado, basta que ela demonstre o
nexo de causalidade entre os seus atos e a prática criminosa, a estabelecer a
plausibilidade da imputação, a partir de indícios como a condição de sócio ou
administrador da empresa, para que se torne apta e possibilite o exercício da
ampla defesa, a saber: (...).”
Como visto, pela leitura da inicial acusatória, bem como do acórdão
recorrido, verifica-se que a denúncia é suficientemente clara e concatenada, e
atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não revelando
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 133

quaisquer vícios formais. De fato, encontra-se descrito o fato criminoso, com


todas as circunstâncias necessárias a delimitar a imputação, encontrando-se
devidamente assegurado o exercício da ampla defesa.
Portanto, “não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em
obediência aos requisitos traçados no art. 41 do Código de Processo Penal,
descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao
acusado devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício
da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido
processo legal” (HC 339.644/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j.
08.03.2016, DJe 16.03.2016).
No que concerne à segunda recorrente, observo que a denúncia a iden-
tifica como uma das administradoras exclusivas da empresa, não podendo se
falar, portanto, que foi denunciada apenas pela sua qualidade de sócia. No
mais, com relação à individualização das condutas, tem-se que, nos casos de
crimes societários e de autoria coletiva, tem se admitido a denúncia geral, a
qual, apesar de não detalhar minudentemente as ações imputadas aos de-
nunciados, demonstra, ainda que de maneira sutil, a ligação entre sua conduta e o fato
delitivo, conforme ocorre nos autos.
Nesse sentido:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS COR-
PUS. CRIME SOCIETÁRIO. AUTORIA COLETIVA. LEI Nº 8.137/90,
ART. 1º, II. FRAUDE À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS
DO ART. 41 DO CPP. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO
EVIDENCIADA. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVI-
MENTO. (...). II – Nos delitos societários, a peça acusatória (ainda que não
possa ser de toda genérica) é válida quando demonstra um liame entre a atuação
dos denunciados e a conduta delituosa (mesmo que não individualize as condutas de
cada um), a revelar a plausibilidade da imputação deduzida e permitindo o exercício da
ampla defesa com todos os recursos a ela inerentes. (...). Recurso ordinário desprovi-
do.” (RHC 51.204/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 21.05.2015,
DJe 01.06.2015)
“AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MANDTIDA POR SEUS PRÓ-
PRIOS FUNDAMENTOS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMI-
CÍDIO. DENÚNCIA. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. TESE APRE-
SENTADA APÓS A SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRECLUSÃO
CONFIGURADA. (...). 3. O acórdão amolda-se ao entendimento do Supe-
rior Tribunal de Justiça de que, nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudên-
cia desta Corte admite que a peça acusatória, embora não possa ser totalmen-
te genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações
individuais dos acusados, demonstra um liame entre o agir e a suposta prática delituosa,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
134

estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa.


4. A tese de inépcia da denúncia deve ser levantada antes da prolação da sen-
tença de pronúncia, sob pena de preclusão. 5. Agravo regimental improvido.”
(AgRg no AREsp 495.231/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma,
j. 14.04.2015, DJe 23.04.2015)
Assim, devidamente narrada a conduta imputada, bem como o nexo
causal, em virtude de os recorrentes serem sócios e administradores exclusivos
da empresa, não há se falar em ausência de justa causa. A comprovação ou
não dos fatos deve ser demonstrada durante a instrução processual, momento
apropriado para o Magistrado exercer seu juízo de convicção acerca dos ele-
mentos probatórios juntados aos autos.
As alegações do impetrante devem ser examinadas ao longo do pro-
cesso na origem, porquanto não se revela possível, em habeas corpus, afirmar
que os fatos ocorreram como narrados nem desqualificar a narrativa trazida
na denúncia. Dessa forma, revela-se prematuro o trancamento da ação penal
neste momento processual, porquanto devidamente narrada a materialidade
do crime e demonstrados os indícios suficientes de autoria.
Ante o exposto, conheço em parte do recurso em habeas corpus, para
negar-lhe provimento.
É como voto.
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca – Relator
Jurisprudência

Tribunal de Justiça de Alagoas


APELAÇÃO Nº 0000093-03.2015.8.02.0067
RELATOR: DESEMBARGADOR SEBASTIÃO COSTA FILHO

Atentado Contra o Funcionamento de Serviço


de Utilidade Pública. Pleito de absolvição. Não
Acolhimento. Conduta Praticada pelo Agente que se
Amolda à Espécie Delitiva Prevista no Art. 265 do
Código Penal. Recurso Conhecido e Improvido
I – As provas colhidas durante a instrução criminal, corroboradas pela
própria confissão judicial do apelante, demonstram que o agente perse-
guiu durante todo o dia uma viatura militar com a intenção de informar
aos colegas de profissão sobre a realização de fiscalização de transportes
clandestinos, possibilitando que esses desviassem seus veículos das blitze
realizadas pela equipe especializada de fiscalização.
II – A segurança dos transportes e dos serviços públicos se trata de um
serviço de utilidade pública, sendo que, inclusive, uma das atribuições
da equipe especializada atuante no caso concreto é combater o trans-
porte clandestino, motivo pelo qual a conduta praticada pelo agente se
amolda ao tipo descrito no art. 265 do CP.
III – Recurso conhecido e improvido.
(TJAL; APL 0000093-03.2015.8.02.0067; C.Crim.; Rel. Des. Sebastião
Costa Filho; DJAL 12/11/2018; p. 147)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal, tom-


bados sob o nº 0000093-03.2015.8.02.0067, em que figuram como apelante
José Edson da Silva Pereira e, como apelado, o Ministério Público.
Acordam os Desembargadores integrantes da Câmara Criminal do Tri-
bunal de Justiça do Estado de Alagoas, à unanimidade de votos, em tomar co-
nhecimento do presente recurso, uma vez que preenchidos seus pressupostos
de admissibilidade, para, nos termos do voto do relator, negar-lhe provimento.
Participaram deste julgamento os Excelentíssimos Senhores Desem-
bargadores constantes da certidão de julgamento.
Maceió, 31 de outubro de 2018.
Desembargador Sebastião Costa Filho – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
136

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por José Edson da Silva Pereira em face
de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Capital
que o condenou pela prática do crime previsto no art. 265 do Código Penal
(atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força
ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública).
Narra a exordial acusatória (fls. 1/4) que, em 04.12.2015, por volta das
06h30min, o policial Alberto da Silva, ao sair de sua residência na viatura em
que trabalha, no Barro Duro, percebeu que estava sendo seguido por um
motociclista.
Ato contínuo, começou a transitar por outras ruas do mesmo bairro,
com a finalidade de constatar se o indivíduo continuaria seguindo a equipe
policial. O denunciado estava em uma moto de marca Honda, placa OHE-
527, de cor vermelha.
Conta, ainda, o Parquet, que o policial o abordou, momento que José
Edson informou que esse era o trabalho dele. Algumas horas depois, ao sair
de uma reunião, no Bairro do Trapiche, o policial avistou José Edson mais
uma vez, porém, optou por não abordar o denunciado.
Por fim, relata o órgão acusatório que, um pouco mais tarde, o policial
estava em uma ocorrência junto com a SMTT, na Av. Durval de Góes Mon-
teiro, quando avistou José Edson mais uma vez, momento em que o abordou
e deu voz de prisão.
O Órgão Ministerial detalha, ainda, que chegaram para apoiar o acu-
sado, na Delegacia, várias pessoas envolvidas em transporte clandestino de
pessoas, uma vez que o denunciado prestava seus serviços para a associação
de transportes alternativos.
Denúncia recebida em 10.03.2016, conforme decisão às fls. 133/135.
Transcorrida a instrução criminal, o Juízo a quo julgou procedente a
denúncia (fls. 190/199), em 23.07.2018, condenando o réu José Edson da Silva
Pereira pelo crime previsto no art. 265 do CP à penalidade de 1 (um) ano de
reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade.
Irresignado, José Edson interpôs recurso de apelação às fls. 213/214.
Nas razões recursais (fls. 225/232), o réu pleiteia a absolvição, nos termos do
art. 386, III, do CP.
Para tanto, aduz que a sentença condenatória transforma atos prepa-
ratórios de uma futura infração de trânsito em um crime, já que a conduta
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 137

de acompanhar uma viatura não criou qualquer tipo de perigo a um serviço


público, bem como que o serviço de fiscalização de trânsito não se coaduna
àqueles descritos no art. 265 do CP.
Em sede de contrarrazões (fls. 236/238), o Ministério Público requereu
o conhecimento e improvimento do recurso apelatório, com a consequente
manutenção da sentença recorrida.
Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça Criminal exa-
rou o parecer de fls. 244/246 dos autos, no qual opina pelo conhecimento e
imporvimento do apelo.
É o relatório.

VOTO
Feito o juízo de prelibação do presente recurso, verificam-se presentes
seus requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Ab initio, cabe assentar que o instituto da prescrição da pretensão puni-
tiva, regulado pelos arts. 109 a 111 do Código Penal, não incide no caso em
exame, porquanto o lapso prescricional não se consumou nem é iminente.
Como relatado, a sentença condenatória recorrida incursou o réu nas
penas do art. 265 do Código Penal pela prática do crime de atentado contra
a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou
qualquer outro de utilidade pública, em razão de ter sido preso em flagrante
por perseguir viatura militar, com a intenção de avisar aos colegas, motoristas
de transporte clandestino, acerca das fiscalizações.
Nas razões do presente apelo, o recorrente persegue a absolvição, aos
principais argumentos de que não atentou contra o funcionamento do serviço
público, visto que não colocou em risco a paralisação do serviço e de que o
transporte público não se enquadraria na lista de serviços do art. 265 do CP.
Pois bem. A discussão a ser levada a efeito nesse momento prescinde
de maiores observações. Isso porque a autoria e a materialidade do fato im-
putado ao apelante restaram sobejamente evidenciadas nos autos, inclusive
pela própria confissão judicial do acusado.
Convém, pois, perquirir se a conduta desempenhada pelo apelante é
formal e materialmente típica e se de fato se enquadra na espécie delitiva que
lhe foi imputada. Vejamos o que prescreve o art. 265 do Código Penal, nos
termos em que denunciado e condenado o recorrente:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
138

“Art. 265. Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água,


luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.”
Como bem citado pelo Juiz sentenciante, das elementares do tipo
previsto no artigo acima se extrai o seguinte: o crime se enquadra no rol dos
crimes contra a incolumidade pública (tutelando especificamente a segurança
dos meios de comunicação, de transporte e de outros serviços públicos) e diz
respeito sobre o atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública.
Dito isso, por mais que a Defesa Pública alegue que a tipificação dis-
corda totalmente do contexto fático, é plausível compreender que o fato de
o agente perseguir uma viatura militar com a intenção de avisar aos colegas,
que também trabalhavam com transporte clandestino, acerca da fiscalização,
se amolda perfeitamente ao art. 265 do Código Penal.
Sabe-se que a segurança dos transportes e do serviço público é um ser-
viço de utilidade pública, sendo que, inclusive, uma das atribuições da equipe
especializada atuante no caso concreto é combater o transporte clandestino.
Nesse sentido, o condutor e primeira testemunha, Alberto da Silva Félix,
contou (fls. 6/7 e 189) que estava lotado no Batalhão de Polícia de Trânsito
e fiscalizava transporte complementar de passageiros, com a finalidade de
combater a clandestinidade.
Relatou, ainda, que no fatídico dia, ao sair de sua residência em uma
viatura policial, cerca de 6h30m, percebeu que estava sendo seguido por uma
motocicleta, momento em que abordou o motociclista para realizar uma revista
e ele informou que estava apenas realizando seu trabalho, pois seria pago para
informar acerca das fiscalizações.
O depoente o avisou que não poderia fazer aquilo e o alertou de que,
caso continuasse a perseguir a viatura para avisar sobre blitz, seria preso em fla-
grante. Acrescentou que o apelante continuou seguindo a viatura e, mais uma
vez, aproximadamente às 9h30min, foi visualizado acompanhando a equipe.
Posteriormente, quando a viatura atendia a uma ocorrência em conjun-
to com o pessoal da SMTT, no leito da Avenida Durval de Góes Monteiro,
o apelante foi visto, a uma distância de cinco metros, observando a equipe
policial, por volta das 14h40min.
Nesse momento, foi abordado e preso em flagrante pelos policiais,
sendo levado à Delegacia. No local, dezenas de pessoas envolvidas com o
transporte clandestino de passageiros, conhecidas como “loteiros”, chegaram
para pedir em favor do acusado.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 139

Em conversa com o policial ocorrida na sede da Delegacia, o réu disse


que estava realizando a conduta pela qual foi preso porque seu veículo, que
utilizava para realizar transporte clandestino, havia sido apreendido há cerca
de três dias em uma operação de fiscalização do BPTran e da SMTT.
O policial disse, ainda, ter conhecimento de que era comum existir
a figura de um motociclista contratado por transportadores irregulares para
seguir veículos de fiscalização ao transporte clandestino, sendo que geralmente
recebem o valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia para realizar tal conduta.
Da mesma forma, a testemunha Genilton de Oliveira Soares (fls. 10 e
189) contou que dirigia a viatura comandada pelo Sargento Felix da Polícia
Militar quando perceberam, logo de manhã cedo, que estava sendo seguidos
por um motoqueiro.
O sargento o mandou desviar do percurso comum para ver se a moto
ainda continuaria a seguir a viatura, constatando que, de fato, ela tomava
sempre o mesmo caminho dos policiais.
Pararam, então, para abordar e revistar o motoqueiro, que respondeu
que estava apenas fazendo o seu trabalho porque ganhava para aquilo, sendo
advertido de que se insistisse em acompanhar a viatura seria levado à Delegacia.
Mais tarde, ainda pela manhã, perceberam que a mesma pessoa seguia
a viatura e, posteriormente, pelo período da tarde, o mesmo indivíduo foi
novamente notado acompanhando os policiais, motivo pelo qual foi preso
em flagrante.
Também disse que o réu contou que há poucos dias teve o seu veículo
apreendido em uma blitz realizada pelo BPTran e pela SMTT e afirmou
ter conhecimento de que alguns “loteiros”, pessoas que realizam transporte
clandestino de passageiros, costumavam contratar um motoqueiro para seguir
equipes de fiscalização e avisar sobre os locais de blitz.
O auto de apreensão à fl. 9 dos autos atesta o recolhimento, na ocasião
da prisão em flagrante do réu, de um aparelho celular e da quantia de R$
117,00 (cento e dezessete reais).
O acusado José Edson da Silva Pereira negou extrajudicialmente (fls.
11/12) as acusações que lhe foram feitas, aduzindo que apenas transitava em
uma motocicleta emprestada, entre a casa de parentes e amigos, quando foi
abordado e preso em flagrante por policiais.
Todavia, admitiu que poucos dias antes da sua prisão havia sido abordado
em uma fiscalização da SMTT que apreendeu o veículo Corsa Classic que
guiava, por estar realizando transporte clandestino de passageiros.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
140

Em Juízo (fl. 189), relatou que um dia antes do fato em análise teve
seu carro apreendido por realizar transporte clandestino. Contou, ainda,
que fez um acordo com o pessoal dos transportes para passar uma semana
informando sobre as fiscalizações e, em troca, teria ajuda para o seu veículo
apreendido ser liberado.
Ora, cotejando os elementos que compõem o lastro probatório carreado
aos autos, conclui-se que a atitude do réu configura, inteiramente, ao fato
típico previsto no art. 265 do Código Penal, uma vez que sua conduta atentou
contra a segurança dos transportes públicos.
Vale ressaltar que a conduta praticada pelo réu se amolda, inclusive,
bem especificamente ao delito em tela, já que a sua ação atentou contra a
fiscalização específica de transportes coletivos, pois a viatura monitorada pelo
acusado tinha como finalidade combater o transporte clandestino e zelar pela
segurança da parcela da população que o utiliza.
Aqui, não merece prosperar a tese da Defesa de que o serviço de fis-
calização não foi paralisado ou não se amoldaria àqueles elencados pelo art.
265 do CP. Repise-se, como já dito, que capítulo II do Código Penal em que
inserido o tipo em vértice tutela a segurança dos meios de comunicação, dos
transportes e de outros serviços públicos, sendo inegável a natureza de utilidade
pública do transporte de passageiros.
Além disso, o tipo penal não exige que haja efetivo impedimento do
serviço para que o delito seja consumado. Pelo contrário, trata-se de crime de
perigo abstrato, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt1, que se consuma
quando o sujeito executa qualquer ato idôneo a perturbar a segurança ou o
funcionamento do serviço.
Por tais razões, a manutenção da condenação do réu é medida que se
impõe.
Diante do exposto, voto pelo conhecimento da presente Apelação, para,
no mérito, negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida incólume.
É como voto.
Maceió, 31 de outubro de 2018.
Desembargador Sebastião Costa Filho – Relator

1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial – dos crimes contra os costumes até dos crimes
contra a fé pública. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.
Jurisprudência

Tribunal de Justiça de Minas Gerais


AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 1.0521.17.001851-4/001
RELATORA: DESEMBARGADORA MÁRCIA MILANEZ

Saída Temporária. Impossibilidade. Regime Aberto.


Ausência de Previsão. Art. 122 da LEP. Recurso
Desprovido
Os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão
obter autorização para saída temporária do estabelecimento prisional
ex vi art. 122 da LEP, não sendo o benefício destinado aos condenados
do regime aberto beneficiados com a prisão albergue domiciliar.

V.V. Regime Aberto. Saída Temporária.


Possibilidade. Ausência de Vedação Legal. Princípio
da Proporcionalidade e Harmonia do Sistema.
Preponderância do Princípio da Ressocialização do
Preso. Recurso Provido
Se o benefício da saída temporária pode ser concedido aos reeducandos
que cumprem pena em regime semiaberto, pode também ser conce-
dido aos que cumprem pena em regime aberto, diante da ausência de
vedação legal, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da
harmonia do sistema e pela preponderância da ressocialização do preso.
(TJMG; Ag-ExcPen 1.0521.17.001851-4/001; Relª Desª Márcia Milanez;
DJEMG 09/11/2018)

ACÓRDÃO
Vistos, etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em negar provimento ao recurso, vencido o il. Desembargador 2º Vogal.
Desembargadora Márcia Milanez – Relatora
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
142

VOTO
Cuida-se de recurso de agravo em execução interposto por Vanderson
Gonzaga dos Santos, objetivando a reforma da decisão que indeferiu o pedido
de saída temporária.
Afirma a defesa que o agravante faz jus ao benefício, conforme exigido
pelo art. 123 da LEP, além de possuir endereço fixo, trabalho honesto e fre-
quentar a igreja evangélica. Salienta que, desde a época dos fatos, o agravante
não se envolveu com o crime. Aduz que o agravante cumpre pena no presídio,
sendo contraditório conceder o benefício para aqueles que cumprem pena
em regime mais grave, pelo que requer o deferimento do pedido, para que o
agravante permaneça até sete dias com seus familiares, sem retorno à casa de
albergado ao fim da jornada de trabalho (fls. 17v/20).
O representante do Ministério Público, em contrarrazões, manifestou-
se pelo desprovimento do recurso (fls. 21v/22).
Mantida a decisão, em sede de juízo de retratação (fl. 22v), a douta Pro-
curadoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do agravo (fls. 29/30).
É o relatório, resumido e no que interessa.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos
de admissibilidade.
Consoante relatado, busca o agravante a reforma da decisão de fl. 16
que indeferiu o pedido de saídas temporárias.
Razão não lhe assiste.
Com efeito, o art. 122 da Lei de Execuções Penais dispõe que será
concedido o benefício da saída temporária aos condenados que cumprem
pena em regime semiaberto:
“Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto pode-
rão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilân-
cia direta, nos seguintes casos:
I – visita à família;
II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução
do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio
social.”
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 143

No caso em exame, o apenado cumpre pena em regime aberto, sendo-


lhe concedida a prisão “albergue domiciliar”. Nesse ínterim, inviável é a
concessão da saída temporária.
Destaco, por oportuno, julgados neste mesmo sentido:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DE SAÍDAS TEM-
PORÁRIAS. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. REVOGAÇÃO DO
BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DE DECI-
SÃO CONCESSIVA DE PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO.
­ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. PERDA DO OBJETO. RE-
CURSO PREJUDICADO. 1. Nos termos dos arts. 122 e 123, inciso II, da
Lei nº 7.210/84, o benefício da saída temporária será concedido ao sentencia-
do que, estando em regime semiaberto, cumpriu um sexto (1/6) da pena, se
primário.” (TJMG, Agravo em Execução 1.0512.15.009111-8/001, Rel. Des.
Rubens Gabriel Soares, publ. 10.05.2017)
Na verdade, sendo o agravante beneficiado, excepcionalmente, com
prisão domiciliar, está garantida “sua efetiva reinserção no meio social e a
manutenção do convívio familiar”, conforme bem assentado pelo Juízo a quo,
pelo que, in casu, desnecessária a concessão de saídas temporárias.
Ante o exposto nego provimento ao recurso.
Sem custas.
Desembargador Rubens Gabriel Soares – De acordo com a Relatora.
Desembargador Jaubert Carneiro Jaques

VOTO DIVERGENTE
Peço vênia à eminente Desembargadora-Relatora para divergir de seu
judicioso voto, pelas razões que passo a expor.
No presente caso, cinge-se a controvérsia à possibilidade de pessoas
que cumprem pena em regime aberto ou prisão domiciliar serem beneficiadas
com a benesse de saída temporária.
Pois bem. É cediço que a Lei de Execução Penal tem como um de seus
principais fundamentos a ressocialização do preso, estabelecendo benefícios
que, em sua maioria, dependem do cumprimento de requisitos objetivos e
subjetivos por parte do reeducando.
Sobre a função ressocializadora da pena, assim ensina o doutrinador
Renato Marcão:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
144

A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do


internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza
retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização.
Objetiva-se, por meio de execução, punir e humanizar. (MARCÃO, Renato.
Curso de execução penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1).
Os direitos elencados na LEP visam justamente a proporcionar essa
ressocialização e a oportunidade de reintegração do detento à sociedade,
através do trabalho, da progressão de regime, dos institutos do livramento
condicional, da remição, bem como do direito de saída temporária.
O benefício da saída temporária, objeto do presente recurso, é disci-
plinado nos arts. 122 e seguintes do citado diploma, que estabelecem que, se
o apenado tiver bom comportamento e tiver cumprido o requisito objetivo,
a saída temporária será possível para visita à família; frequência em cursos; e
participação em atividades que visem ao retorno ao convívio social. Ainda,
dispõem que seu prazo máximo é de 7 (sete) dias consecutivos, podendo ser
concedida até 4 (quatro) vezes ao ano.
Assim, constatamos que o direito de saída temporária é concedido
tendo como objetivo propiciar ao detento maiores chances de ressocialização,
permitindo que ele se reintegre com maior facilidade à sociedade, seja por
meio do contato familiar, seja por meio de estudos ou trabalho.
No caso em apreço, verifica-se que o indeferimento teve como escopo
a ausência de previsão legal do aludido benefício para os apenados que cum-
prem pena em regime aberto. Em que pese a alegação de não haver previsão
legal, entendo que, utilizando-se de uma interpretação extensiva, a referida
benesse pode ser concedida aos reeducandos em regime aberto, desde que
satisfeitos os pressupostos e requisitos objetivos e subjetivos elencados nos
arts. 122 e seguintes da LEP.
Isso porque não é razoável inferirmos que os condenados que cumprem
pena em regime mais gravoso (semiaberto) possuem um benefício de suma
importância para a reintegração social, como é a saída temporária, ao passo
que os que a cumprem em regime aberto não possam gozar dessa benesse.
Tal pensamento refletiria em uma desproporção e caracterizaria uma ofensa
ao princípio da individualização da pena, norma insculpida no art. 5º, XLVI,
da Constituição da República de 1988, bem como afrontaria o disposto no
art. 1º da Lei de Execuções Penais.
Assim tem decidido deste TJMG:
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 145

“AGRAVO EM EXECUÇÃO. SAÍDAS TEMPORÁRIAS. POSSIBILI-


DADE DE RECONHECIMENTO AO REGIME ABERTO. DECISÃO
MANTIDA.
I – Não há nenhuma vedação legal à concessão do benefício de saídas tempo-
rárias aos condenados em regime aberto.
II – A limitação do benefício de saídas temporárias aos condenados em regi-
me semiaberto criaria uma situação absurda, pois geraria situação mais gra-
vosa àqueles que cumprem pena em regime mais benéfico.” (TJMG, Agra-
vo em Execução Penal 1.0521.13.004830-4/001, Rel. Des. Alberto Deodato
Neto, 1ª Câmara Criminal, j. 18.04.2017, publ. da súmula em 28.04.2017)
No mesmo sentido é o magistério do ilustre Julio Fabbrini Mirabete:
“A saída temporária consiste na liberdade do preso para visitar a família, fre-
quentar cursos profissionalizantes, de segundo grau ou superior e participar
de atividades que concorram para o retorno ao convívio social. Quanto ao
preso que cumpre a pena em regime aberto, não faz a lei referência expressa
à possibilidade da autorização para a saída temporária certamente porque tem
ele a liberdade para sair do estabelecimento penal todos os dias em que se
dirige ao trabalho. Não se vê impedimento, porém, a que se conceda ao preso
Albergado a autorização para a saída temporária para que permaneça até sete
dias com seus familiares, sem retorno à Casa do Albergado ao fim da jornada
de trabalho. Solução contrária levaria ao paradoxo de não se conceder um
beneficio ao condenado que tem demonstrado já maior grau de reintegração
social do que aquele que se encontra em regime mais severo.” (MIRABETE,
Julio Fabbrini. Execução penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 312-313) (gri-
fos nossos)
Ademais, sabe-se que a manutenção dos vínculos sociais, familiares
e afetivos é uma ferramenta de importante recuperação e ressocialização do
preso, pois constitui uma forma hábil de promover sua reintegração com a
sociedade.
Desta feita, a concessão da saída temporária para gozar das festividades
natalinas e de final de ano encontra previsão legal no art. 122, inciso III, da
LEP, que autoriza o benefício para “participação em atividades que concorram
para o retorno ao convívio social”.
Se um dos objetivos primordiais da pena é a ressocialização do indi-
víduo, não se deve proibir o reeducando de participar das confraternizações
do final do ano, desde que ele tenha demonstrado bom comportamento e
cumprido os requisitos objetivos. Ora, não pode o apenado ser penalizado
por estar em um regime mais brando, o que seria um paradoxo, posto que ele
já usufruiu da benesse quando estava em regime mais gravoso.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
146

É certo que a punição, por si só, não tem a capacidade de reintegrar o


preso, devendo o Estado se utilizar de outros meios, principalmente com a
participação da família no processo de ressocialização.
Recorremos novamente às lições de Mirabete:
“O direito, o processo e a execução penal constituem apenas um meio para
reintegração social, indispensável, mas nem por isso o de maior alcance, por-
que a melhor defesa da sociedade se obtém pela política social do estado e
pela ajuda pessoal.
(...) Os vínculos familiares, afetivos sociais são sólidas bases para afastar os
condenados da delinquência.” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal.
10. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 23)
Portanto, creio que, presentes os requisitos subjetivos e objetivos
necessários para o benefício da saída temporária, para cumprir o fito de res-
socialização da pena, deve ser concedida a aludida benesse ao reeducando,
devendo o juízo da execução fixar as condições para o seu gozo, conforme
disposição do art. 124 da LEP.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso interposto, para deter-
minar que o Magistrado singular conceda o benefício de saída temporária ao
agravante, se cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos constantes no art.
122 da Lei nº 7.210/84, fixando as condições dispostas no art. 124 da LEP e
outras que entender necessárias no caso em apreço.
Sem custas, por ausência de previsão legal.
É como voto.
Súmula: “Recurso desprovido, vencido o il. Desembargador 2º vogal”.
Jurisprudência

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul


AGRAVO EM EXECUÇÃO Nº 0331878-30.2018.8.21.7000
RELATORA: DESEMBARGADORA VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK

Roubo Majorado pelo Emprego de Arma Branca.


Alteração Legislativa. Inconstitucionalidade
do Art. 4º da Lei nº 13.654/2018.
Inconstitucionalidade Formal
Não há irregularidade formal na lei, haja vista que a revogação do inciso
I do art. 157, § 2º, do Código Penal, constava do texto original do PLS nº
149/2015, cuja matéria foi debatida e aprovada nas duas casas legislativas.

Inconstitucionalidade Material
O “princípio de proteção deficiente” incide quando o Estado não legis-
la acerca de um determinado direito fundamental, desprotegendo-o.
Entretanto, tal situação somente poderia levar à inconstitucionalidade
normativa quando a omissão ou reforma deixassem descobertos direitos
fundamentais, em contrariedade à própria constituição, o que não se
verifica na hipótese em análise porque o roubo com arma não deixou de
ser crime. Tão somente ocorreu a exclusão de uma causa de aumento
de pena. No caso impositiva a exclusão da majorante por força da nova
redação do art. 157 do Código Penal promovida pela Lei nº 13.654, de
23.04.2018. Abolitio criminis parcial. Precedente do STJ – REsp 1.519.860/
RJ. Novatio lei in mellius.
Agravo desprovido.
(TJRS; AG 0331878-30.2018.8.21.7000; 6ª C.Crim.; Relª Desª Vanderlei
Teresinha Tremeia Kubiak; DJERS 19/12/2018)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao
agravo, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
148

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores
Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello (Presidente) e Desembarga-
dora Bernadete Coutinho Friedrich.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2018.
Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak – Relatora

RELATÓRIO
Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak (Relatora)
Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo Ministério Público
contra a decisão proferida pela 2ª Vara de Execuções Criminais da Comarca
de Porto Alegre, no PEC 143435-7, que determinou a exclusão da majorante
do emprego de arma branca na Condenação 200653000045, resultando na
pena definitiva de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Em suas razões, alegou inconstitucionalidade formal do art. 4º da Lei
nº 13.654/2018, na parte que suprimiu o inciso I do § 2º do art. 157 do Có-
digo Penal, por afronta ao processo legislativo envolvendo sua promulgação.
Também sustentou a inconstitucionalidade material do referido dispositivo
por afronta à proibição da proteção insuficiente, decorrente do princípio da
proporcionalidade. Requereu o provimento do agravo, para que seja cassada a
decisão que determinou a exclusão do aumento do emprego de arma branca
(fls. 02/07).
Foram apresentadas contrarrazões às folhas 50/57.
A decisão agravada foi mantida, em juízo de retratação (folha 58).
Neste grau de jurisdição, o nobre Procurador de Justiça, Dr. Mauro
Henrique Renner, opinou pelo provimento do agravo ministerial e requereu
a instauração de incidente de inconstitucionalidade, a fim de declarar a in-
constitucionalidade do art. 4º da Lei nº 13.654/2018, levando-se a matéria,
per saltum, ao Órgão Especial dessa Corte (fls. 60/63).
Vieram os autos para julgamento.
É o relatório.

VOTOS
Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak (Relatora)
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 149

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser


conhecido o agravo em execução.
O Procurador de Justiça postulou a instauração de incidente de incons-
titucionalidade, a fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 4º da Lei nº
13.654/2018, levando-se a matéria, per saltum, ao Órgão Especial dessa Corte.
Contudo vejo que a matéria confunde-se com o mérito em questão.
O Ministério Público requereu a reforma da decisão que determinou
a exclusão do aumento do emprego de arma branca, alegando a inconstitu-
cionalidade da supressão do inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, pela
Lei nº 13.654/2018.
Sem razão, entretanto.
Em relação à alegada inconstitucionalidade formal, como se verifica na con-
sulta ao site do Senado Federal (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/
materias/-/materia/120274), não há irregularidade formal na Lei, haja vista
que a revogação do inciso I do art. 157, § 2º constava do texto original do PLS
nº 149/2015, cuja matéria foi debatida e aprovada nas duas casas legislativas.
Na verdade, o que ocorreu foi um equívoco cometido pelos respon-
sáveis pela publicação no Diário do Senado Federal da matéria aprovada pela
Comissão de Constituição e Justiça, a qual não continha o dispositivo que
constava na proposta e que previa a revogação do art. 157, § 2º, inciso I, do
Código Penal.
Não obstante, tal proposição foi debatida e aprovada nas duas instâncias
legislativas, como já referido.
Sobre o tema, por oportuno, transcrevo parte do artigo da lavra dos
juristas, Domingo Sávio de Barros e Victor Lucas Alvim, os quais comentam acerca
da alegada inconstitucionalidade, detalhando o trâmite do projeto de lei nas
duas casas legislativas1:
Em síntese, sustenta-se que no texto final do PLS nº 149/2015, apro-
vado, inicialmente, pelos senadores na Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania, não constava qualquer dispositivo revogando a majorante do
emprego de arma (lato sensu) conforme, depois, constou no art. 4º da Lei nº
13.654/2018. Afirma-se, inclusive, que a Corele (Coordenação de Redação
Legislativa) do Senado Federal foi quem, indevidamente, inseriu o dispositi-
vo no projeto de lei, em desacordo com aquilo que havia sido, efetivamente,
aprovado pelo Plenário daquela comissão, e que, posteriormente, a proposta

1 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-09/opiniao-roubo-majorado-polemico-artigo-


lei-136542018>.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
150

legislativa seguiu em sua tramitação regular, levando consigo aquele vício, até
sua promulgação, configurando, desse modo, a inconstitucionalidade formal
por suposta afronta ao disposto no art. 65 da Constituição Federal.
Contudo, conforme será demonstrado a seguir, a celeuma toda decor-
reu de um equívoco cometido pelos responsáveis pela publicação no Diário
do Senado Federal da matéria aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania. Assim, para bem demonstrar esse lapso, importa promover aqui
uma análise detalhada da tramitação do projeto de lei, a partir de consulta nos
sites do Senado e da Câmara Federal, algo que poderá ser entediante, porém
necessário.
Pois bem. Consta que no dia 24.03.2015 foi protocolado o Projeto de
Lei do Senado nº 149/2015, de autoria do senador Otto Alencar, que, a um
só tempo, criava, de um lado, duas novas causas de aumento de pena na hi-
pótese de crimes de roubo – quais sejam, quando durante a prática criminosa
houvesse o emprego de arma de fogo ou se fosse constatada a destruição ou
rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato
análogo que cause perigo comum (art. 1º) – e, por outro lado, revogava a
majorante insculpida no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, que se re-
feria ao roubo cuja violência ou ameaça fosse exercida com emprego de arma
(art. 3º). Importante notar, prontamente, que desde a proposta inicial estava
clara e taxativa a intenção de derrogar a cogitada causa de aumento de pena
anteriormente prevista no Código Penal.
O projeto, que tramitou na forma do art. 91, §§ 3º a 5º, do Regimento
Interno do Senado Federal, depois de protocolado, foi encaminhado à Co-
missão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde o relator, Senador
Antonio Anastasia, emitiu parecer pela aprovação da proposta, tal qual apre-
sentada pelo proponente.
A matéria foi incluída na pauta da CCJ e, então, na sessão do dia
13.09.2017, após a leitura do relatório do Senador Antonio Anastasia, foi
concedida vista do projeto aos senadores Eduardo Amorim e Vanessa Gra-
zziotin. Não houve, portanto, naquela sessão, qualquer deliberação a respeito
do mérito do projeto de lei.
A matéria voltou à pauta da sessão da Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania, ocasião na qual a senadora Simone Tebet apresentou a Emenda
Aditiva nº 1, que, a rigor, nada alterou a proposta original no ponto em que
revogava a majorante insculpida no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.
Naquela mesma sessão, o Senador Antonio Anastasia reformulou seu rela-
tório, acolhendo a emenda que foi proposta, e, posteriormente, o Plenário
da cogitada comissão aprovou o texto do projeto de lei – Parecer 141/2017 –,
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 151

tal qual formulado pelo seu proponente, com o acréscimo da citada emenda
apresentada pela senadora sul-mato-grossense.
Contudo, o Parecer nº 141/2017, ao ser publicado no Diário do Senado
Federal, certamente por algum lapso, não trouxe em seu texto o dispositivo que
constava na proposta aprovada e que previa, conforme já foi dito, a revogação
do art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.
Aqui, aparentemente, repousa o ponto nodal de toda a celeuma, qual
seja, o descompasso entre o que foi aprovado pela Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania do Senado Federal e o texto publicado no Senado Federal,
que, repita-se, não retratou aquilo que foi deliberado.
Fato é que, na sequência, o PLS nº 149/2015 foi encaminhado à Co-
rele (Comissão de Redação Legislativa), que, ao que consta, recebeu o texto,
precisamente, como aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cida-
dania, isto é, contendo o dispositivo que revogava a majorante que tratava do
emprego de violência ou ameaça exercida com emprego de arma (lato sensu).
Posteriormente, o texto aprovado, que continha a revogação da majo-
rante, e, porquanto, tal qual, efetivamente, deliberado pelo Senado Federal,
foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde foi convertido no PL nº
9.160/2017, ao qual se apensou o PL nº 5.989/2016, de autoria do deputado
Severino Ninho, que já trazia apensado o PL nº 6.737/2016, que veiculava uma
outra proposta legislativa que foi, então, acrescida à proposta vinda da Casa.
Mais à frente, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto
de lei tal qual encaminhado pelo Senado Federal, acrescido, apenas, de um
artigo que dispôs acerca da inutilização de cédulas de moeda corrente deposi-
tadas no interior dos caixas eletrônicos em caso de arrombamento. Isto quer
dizer que a única alteração material feita pela Câmara dos Deputados nada
disse respeito à revogação da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I,
do Código Penal. Aliás, a derrogação da aludida causa de aumento de pena,
constante na proposta vinda do Senado de República, manteve-se intocável,
e restou prevista no art. 4º do PL nº 9.160/2017, aprovado pela Casa revisora.
Em seguida, no dia 06.03.2018, o projeto de lei – que, naturalmente,
continha a revogação da majorante em seu art. 4º – sob a rubrica de Substitutivo
da Câmara dos Deputados nº 1, de 2018, ao PLS nº 149, de 2015, retornou à
Casa iniciadora onde foi aprovado pelo Plenário.
Empós, como de rigor, encaminhou-se o texto aprovado para a sanção
do presidente da República, sendo que, posteriormente, houve a promulgação
da lei aprovada.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
152

Como se pode ver, a revogação da majorante prevista no art. 157, §


2º, inciso I, do Código Penal, além de constar no texto original do PLS nº
149/2015, permaneceu no texto final aprovado pela CCJ no Senado Federal,
depois, constou no PL nº 9.160/2017 aprovado pela Câmara dos Deputados,
bem como no Substitutivo da Câmara dos Deputados nº 1, de 2018, ao PLS
nº 149, de 2015, aprovado, em sua integralidade, pelo Senado Federal.
Portanto, à guisa de conclusão, impõe-se reconhecer que a apontada
inconstitucionalidade formal do art. 4º da Lei nº 13.654/2018 se baseia num
equívoco cometido na publicação do PLS nº 149/2015 no Diário do Senado Fe-
deral, que, como visto, não guardou fidelidade com aquilo que efetivamente
foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado
Federal. Tal equívoco, que há de merecer o timbre de mera irregularidade,
não tem o condão de viciar o processo legislativo, ao ponto de se ter como
inconstitucional o sobredito preceito. A propósito, é de ver que a mens legislatoris
desde sempre foi no sentido de revogar a majorante prevista no art. 157, § 2º,
inciso I, do Código Penal, e tal desiderato, ao final e ao cabo, foi alcançado
com a promulgação da Lei nº 13.654/2018.
Convém registrar, por último, que, apesar de não conter qualquer
vício de constitucionalidade formal, o art. 4º da Lei nº 13.654/2018 repre-
senta, inequivocamente, grave redução no nível de proteção do bem jurídico
tutelado pelo tipo penal, pois, afinal, a experiência aponta, ao sobejo, que o
crime de roubo, comumente, é praticado tanto com armas de fogo como com
o emprego de outras armas – próprias ou impróprias –, circunstância que,
além de diminuir a possibilidade de reação da vítima, eleva a potencialidade
da ameaça e da violência.
No que diz à suposta inconstitucionalidade material por violação ao prin-
cípio de proteção por parte do Estado, igualmente, não se verifica.
O “princípio de proteção deficiente” incide quando o Estado não legisla
acerca de um determinado direito fundamental, desprotegendo-o. Entretanto,
tal situação somente poderia levar à inconstitucionalidade normativa quando
a omissão ou reforma deixassem descobertos direitos fundamentais, em con-
trariedade à própria Constituição, o que não se verifica na hipótese em análise
porque o roubo com arma não deixou de ser crime. Tão somente ocorreu a
exclusão de uma causa de aumento de pena.
Ou seja, não houve descriminalização da conduta de praticar roubo
com arma branca (ou que não seja de fogo), mas apenas diminuição de pena.
Os bens juridicamente protegidos pela norma, quais sejam, o patrimônio, a
integridade física e a liberdade pessoal, permanecem sob o abrigo da legislação
penal, porém, com novo tratamento, diante da supressão da majorante.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 153

Assim, não havendo mais previsão legal para a incidência do aumento


de pena quando usadas armas que não sejam de fogo, ocorreu abolitio criminis
parcial, impondo-se a exclusão da majorante.
Sobre a questão, inclusive, já houve manifestação do Superior Tribunal
de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. PRINCÍPIO DA COR-
RELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA. OFENSA. NÃO
OCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO. ROUBO CONSUMADO. POSSE
MANSA E PACÍFICA. DESNECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. O acusado se defende dos fatos que lhe são atribuídos na denúncia, de tal
sorte que o magistrado não está vinculado à qualificação jurídica atribuída
pela acusação, tendo em vista que no momento da prolação da decisão re-
pressiva, sem modificar a descrição dos fatos narrados na exordial, poderá
atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de
aplicar pena mais grave, nos exatos termos do art. 383 do Código de Processo
Penal.
2. O princípio da correlação entre a denúncia e a sentença condenatória re-
presenta no sistema processual penal uma das mais importantes garantias ao
acusado, porquanto descreve balizas para a prolação do édito repressivo ao
dispor que deve haver precisa correlação entre o fato imputado ao réu e a sua
responsabilidade penal reconhecida na sentença.
3. A Terceira Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do Recurso Espe-
cial Repetitivo 1.499.050/RJ, firmou entendimento segundo o qual ‘consu-
ma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego
de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a
perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo pres-
cindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada’ (Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, DJe 09.11.2015).
4. In casu, a denúncia descreve a inversão da posse da res furtiva, o que é
suficiente para a consumação do crime, em adoção à teoria da amotio ou
apprehensio, nos termos da Súmula nº 582 do STJ.
5. Extrai-se dos autos, ainda, que o delito foi praticado com emprego de arma branca,
situação não mais abrangida pela majorante do roubo, cujo dispositivo de regência foi
recentemente modificado pela Lei nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do
art. 157 do Código Penal.
6. Diante da abolitio criminis promovida pela Lei mencionada e tendo em vista o
disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, de rigor a aplicação da novatio legis
in mellius, excluindo-se a causa de aumento do cálculo dosimétrico.
7. Recurso provido para reconhecer a forma consumada do delito de rou-
bo, com a concessão de ordem de habeas corpus de ofício para readequação
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
154

da pena.” (REsp 1.519.860/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j.


17.05.2018, DJe 25.05.2018)
Por conseguinte, havendo uma novel legislação, esta deve retroagir em
benefício do apenado, mesmo diante de sentença condenatória já transitada
em julgado, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal.
Assim, nada a reparar na decisão agravada.
Diante do exposto, voto em negar provimento ao agravo, mantendo integralmente
a decisão recorrida.
Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello (Presidente) – De
acordo com a Relatora.
Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich – De acordo com a
Relatora.
Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello – Presidente – Agravo
em Execução 70079666665, Comarca de Porto Alegre: “Negaram provimento
ao agravo, mantendo integralmente a decisão recorrida. Unânime”.
Julgador(a) de 1º Grau: Sidinei Jose Brzuska
Jurisprudência

Tribunal de Justiça de São Paulo


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0077858-64.2017.8.26.0050
RELATOR: DESEMBARGADOR RICARDO SALE JÚNIOR

Furto. Violação de Domicílio. Maus-Tratos de Animal


Doméstico
Autoria e materialidade delitiva perfeitamente demonstradas. Decisão
condenatória que se impõe. Prova robusta a admitir a condenação do
réu. Pena e regime prisional fixados com critério. Recurso desprovido.
(TJSP; APL 0077858-64.2017.8.26.0050; Ac. 12096864; 15ª C.D.Crim.;
Rel. Des. Ricardo Sale Júnior; DJESP 20/12/2018; p. 732)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação 0077858-
64.2017.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Milton
Raphael Lopes Gomes, é apelado Ministério Público do Estado de São Paulo.
Acordam, em 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso.
V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Poças
Leitão (Presidente) e Cláudio Marques.
São Paulo, 6 de dezembro de 2018.
Desembargador Ricardo Sale Júnior – Relator

Voto nº 15.642
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls.
235/246, cujo relatório se adota, que julgou parcialmente procedente a de-
núncia para condenar Milton Raphael Lopes Gomes, devidamente qualificado
nos autos do processo, na forma do art. 69 do Código Penal: I) 1 (um) ano, 6
(seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime prisional inicial fechado,
bem como ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, no piso, pela prática do
crime previsto no art. 155, caput, do Código Penal; II) 1 (um) mês e 16 (de-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
156

zesseis) dias de detenção, em regime prisional inicial semiaberto, pela prática


do crime previsto no art. 150, caput, do Código Penal; e III) 7 (sete) meses
de detenção, em regime prisional inicial semiaberto mais o pagamento de 11
(onze) dias-multa, no piso, pelo crime previsto no art. 32 da Lei nº 9.605/98;
IV) R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais) como valor mínimo para re-
paração dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos
pelos donos do cão, comprovados previamente nos autos.
Pretende a combativa defesa, com o presente recurso (fls. 257/261), a
reforma da r. sentença para que seja o réu absolvido de todas as imputações,
com base na insuficiência probatória. Subsidiariamente, pleiteia que seja
fixado o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de
liberdade no tocante ao delito de furto.
Regularmente processado o recurso interposto, com o oferecimento das
contrarrazões pelo Ministério Público (fls. 263/268), bem como pelo assis-
tente da acusação (fls. 277/283) vieram os autos a esta Instância, tendo a douta
Procuradoria Geral de Justiça opinado pelo seu desprovimento (fls. 300/305).
É o relatório.
O recurso não merece provimento.
O apelante foi denunciado como incurso nos arts. 155, caput; 146, caput;
150 e 329, todos do Código Penal, bem como ao art. 32 da Lei nº 9.605/98,
na forma do art. 69 do Código Penal, porque, no dia 31 de agosto de 2017,
em horário incerto, na Rua Alto de Montalegre, nº 263, Lauzane Paulista,
nesta Comarca e cidade de São Paulo, teria subtraído, para si, um cachorro
de nome Apolo, pertencente às vítimas Cleber Vendruscolo Yoyo e Evellyn
Yasmin Vendruscolo da Silva.
Na mesma data, em horário incerto, na Avenida Lauzane Paulista, nº
437, próxima ao endereço anteriormente citado, o denunciado permaneceu,
contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em
suas dependências, casa essa pertencente às vítimas Nádia Cristina Ramalho
e Gabriela Ramalho de Oliveira.
Na mesma ocasião, o réu teria, ainda, praticado ato de abuso e maus-
tratos, ferindo e mutilando animal doméstico.
Segundo o apurado, o cachorro Apolo pertence à família das vítimas
Evellyn e Cleber. Em sua residência, Evellyn escutou os latidos de Apolo e, ao
sair para verificar o motivo, deparou-se com o denunciado no quintal de sua
casa. Assustada, a vítima entrou em um quarto, apagou as luzes e permaneceu
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 157

silente. Após alguns minutos, Evellyn saiu e verificou que o denunciado havia
se evadido em posse do cachorro.
Ato contínuo, o apelante teria se dirigido até a residência das vítimas
Nádia e Gabriela, sendo certo que somente a última, que tem 12 anos de
idade, encontrava-se no local. O denunciado adentrou na residência e pediu
comida para Gabriela que, temerosa, ofereceu o alimento.
Gabriela, então, perguntou a quem pertencia o cachorro que acom-
panhava o réu, tendo recebido a resposta de que ele havia sido pego em um
quintal de uma casa. Assustada e se sentindo ameaçada, mormente por estar
sozinha em casa, mandou Milton sair da residência por diversas vezes.
Em dado momento, o apelante solicitou que o cachorro deitasse. O
animal não o teria obedecido. Em seguida, o réu se encaminhou até uma
gaveta da cozinha e se apossou de duas facas.
Gabriela aproveitou-se do momento, pegou seu irmão mais novo e saiu
correndo do local, dirigindo-se à casa de sua avó, que fica no mesmo terreno.
Em seguida, o denunciado passou a desferir diversos golpes de faca
contra o animal (laudo veterinário à fl. 22), conforme consta do item 03.
Utilizou-se, ainda, de um cabo de vassoura e martelo com os cabos fragmen-
tados, aos quais acoplou facas.
Os cômodos da casa ficaram ensanguentados (fl. 19) e o animal restou
gravemente ferido (fl. 20).
A materialidade do delito restou devidamente comprovada e vem es-
tampada no boletim de ocorrência (fls. 14/18), auto de exibição e apreensão
(fl. 27), sendo corroborada pelos demais elementos informativos colhidos no
inquérito policial e provas produzidas no contraditório judicial.
A autoria é certa e indubitável, já que o acusado foi preso em flagrante
delito, ainda na posse da res furtiva, ou seja, do cão subtraído do interior da
residência das vítimas Cleber e Evellyn, com ele invadindo a residência das
outras vítimas, inclusive ferindo-o cruelmente, com golpes de faca e pancadas.
Na fase policial, o réu valeu-se do direito constitucional de permanecer
em silêncio. Interrogado em Juízo, negou a prática de todos os delitos.
Afirmou que estava caminhando quando percebeu que o cão estando
andando atrás deles. Não sabia de quem era o cão e começou a andar com ele,
quando a vítima Gabriela o convidou para comer em sua casa, informando
que lhe faria um prato de comida. Disse que a menina o convidou para entrar
em sua casa. Quando estava comendo o cão rosnou e foi atrás de Gabriela.
Em seguida, tentou segurar o cachorro, que avançou e lhe mordeu. Em razão
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
158

disso, pegou um martelo e desferiu dois golpes contra o cão. Por fim, alegou
que os policiais surgiram, o agrediram e o prenderam.
Já a vítima Evellyn, adolescente de dezesseis anos, ouvida em Juízo,
ratificou seu depoimento prestado à autoridade policial, afirmando que possui
um cão da raça pit bull. Esclareceu que estava em sua casa, quando ouviu os
latidos de seu cão Apolo. Resolveu sair para ver o que estava acontecendo,
quando viu o acusado no quintal da residência, sendo que estava subindo
pela escada em sua direção. Disse que ficou assustada e voltou para dentro
da residência, trancando a porta e ligando para sua genitora.
Quando não ouviu mais latidos de seu cão, saiu e viu o acusado saindo
do quintal da casa levando o cão Apolo consigo. Na sala de reconhecimento,
reconheceu, sem sombra de dúvida, o acusado.
Não se desconhece o entendimento de que em casos de furto, a palavra
das vítimas é de suma importância. Esse é o posicionamento adotado por esta
colenda 15ª Câmara Criminal e pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“E, consoante reiteradamente tem decidido a jurisprudência, em delitos de
roubo, onde normalmente estão presentes apenas os agentes ativo e passivo
da infração, a palavra da vítima é de fundamental importância na solução da
questão. Na medida em que segura, coerente e sem desmentidos, o que cum-
pre é aceitá-la sem restrições, eis que não teria o ofendido razões para, levia-
namente, acusar um inocente” (TJSP, Apelação 0013200-41.2011.8.26.0050,
15ª Câmara Criminal, Rel. Des. Nelson Fonseca Junior, j. 24.07.2014)
“A palavra da vítima, nos crimes às ocultas, em especial, tem relevância na
formação da convicção do Juiz sentenciante, dado o contato direto que trava
com o agente criminoso.” (STJ, Habeas Corpus 143.681/SP, Rel. Min. Arnal-
do Esteves Lima, Quinta Turma, j. 15.06.2010)
A vítima Verônica, genitora da adolescente e dona do animal doméstico,
confirmou a versão de sua filha, que ligou, avisando que o acusado tinha levado
seu cão Apolo. Soube que o acusado foi detido em imóvel próximo, estando
seu animal ferido e ensanguentado. Explicou que teve gastos materiais para
tratamento, cirurgia, alimentação e adestramento especial do cão Apolo no
importe de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais).
Esclareceu que em razão do ocorrido, o animal que era dócil, tornou-se
agressivo e depressivo, necessitando de adestramento especial.
Ainda em Juízo, foi ouvida a vítima Gabriela, reconhecendo o acusado
como sendo a pessoa que invadiu a residência da família e lesionou o cão em
seu interior. Gabriela afirmou que estava recebendo uma encomenda de sofá
quando o acusado se aproveitou que os entregadores deixaram a porta aberta
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 159

e invadiu o imóvel, sem qualquer autorização, permanecendo em seu interior


apesar de pedir, insistentemente, que ele saísse. Esclareceu que deu comida
para o cão e depois pediu para ele ir embora, não tendo ele obedecido. Além
disso, afirmou que em certo momento o cão não o obedeceu e ele começou
a agredi-lo com golpes e facadas.
No mesmo sentido, foram as palavras da testemunha Nadia Cristina,
genitora da criança, confirmando a versão da filha, no sentido de que o acu-
sado invadiu o imóvel e se recusou a sair, embora Gabriela pedisse para que
ele fosse embora.
Por fim, foram inquiridos os dois policiais militares que atenderam a
ocorrência, Walney Almeida Reis Filho e Shelmer Henrique da Cruz Santos,
afirmando que foram acionados via Copom e se deslocaram até a residência,
onde foram recebidos pela proprietária Nadia. Alegam terem entrado no in-
terior do imóvel e que presenciaram o acusado desferindo golpes de faca no
cão pit bull. Em seguida, deram ordem para ele largar a faca. Ele obedeceu e
foi rapidamente contido.
Os depoimentos dos policiais militares que atenderam à ocorrência têm
valor relevante e merecem total credibilidade. A propósito:
“Os testemunhos de policiais destacados para a realização de repressão crimi-
nal devem ser aceitos quando se prestam a dar conta da tarefa realizada, ine-
xistindo motivo para que sejam considerados tendenciosos, sendo certo que
somente podem ser rechaçados se comprovado que houve falseamento da
verdade ou que estão em desconformidade com o restante da prova.” (TJSP
Apelação 1.364.617/5, Rel. Luiz Ganzerla)
“É assente nesta Corte o entendimento de que são válidos os depoimentos
dos policiais em juízo, mormente quando submetidos ao necessário contra-
ditório e corroborados pelas demais provas colhidas e pelas circunstâncias em
que ocorreu o delito. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula desta Corte.”
(STJ, AgRg no Ag 158.921/SP, Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura,
Sexta Turma, j. 10.05.2011)
Ante o robusto conjunto probatório, conclui-se que há provas suficien-
tes que apontam o apelante como autor dos crimes insertos nos arts. 155, caput
e 150 do Código Penal, bem como ao art. 32 da Lei nº 9.605/98, de forma que
inafastável o r. decreto condenatório, não havendo que se falar em absolvição,
sob o fundamento da insuficiência probatória.
Na análise da dosimetria, as reprimendas foram fixadas em consonância
com os critérios definidos em lei, em montante adequado para a reprovação e
prevenção dos crimes por ele cometido, nos termos dos arts. 59 e 68, ambos
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Jurisprudência
160

do Código Penal, não merecendo reparo em seu quantum, nem ao menos


quanto aos regimes iniciais aplicados aos respectivos tipos penais.
Vale destacar que o Juízo a quo, acertadamente, justificou a exasperação
da pena-base, bem como aplicou com critério os regimes iniciais de cum-
primento das penas privativas de liberdade, destacando o fato de o réu ser
reincidente específico. Conforme a r. sentença:
“O réu é reincidente específico, conforme se infere da análise de suas fo-
lhas de antecedentes e respectivas certidões criminais acostadas nos autos em
apenso. A certidão criminal de fl. 228 comprova a reincidência. O grau de
culpabilidade e reprovabilidade é superior ao normal para a natureza dos de-
litos. O réu invadiu dois imóveis onde se encontravam duas indefesas meni-
nas. Além disso, as consequências dos delitos foram graves e consideráveis.
As duas vítimas, jovens de doze e dezesseis anos, demonstraram ficar assus-
tadas e traumatizadas com o comportamento do réu. O prejuízo psicológico
foi evidente, principalmente, para a vítima Gabriela, que presenciou o réu
invadir sua casa e com requintes de crueldade e covardemente, lesionar gra-
vemente o cão Apolo, que todos disseram ser um animal dócil.
Acrescente-se que a vítima do crime de furto teve significativo prejuízo ma-
terial, no importe até o momento de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos
reais), como esclareceu em seu depoimento e demonstram os documentos
anexados pelo assistente de acusação (fls. 170/183). A conduta social do acu-
sado é totalmente reprovável. Assim, são desfavoráveis as circunstâncias judi-
ciais do art. 59 do Código Penal, autorizando a fixação das penas-base acima
do mínimo legal.” (fls. 235/246)
Assim sendo, e nestes termos, nega-se provimento ao recurso, man-
tendo-se, nos termos em que proferida, a r. sentença de primeiro grau, por
seus próprios e jurídicos fundamentos.
Desembargador Ricardo Sale Júnior – Relator
Divergência Jurisprudencial

Prezado Assinante: consulte os acórdãos na íntegra das respectivas ementas publicadas


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dedicado a esta publicação.

Prisão Preventiva – Decretação – Fundamentação –


Necessidade – Medidas Cautelares – Aplicação – Hipóteses
87/1 → PRISÃO PREVENTIVA. 1. A orientação do STF é no sentido de que a neces-
sidade de preservar a integridade física das vítimas e das testemunhas justifica a manutenção
da custódia cautelar (vg. HC 140.512, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 140.733, Rel.
Min. Gilmar Mendes; HC 139.214, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 139.585, Rel. Min.
Gilmar Mendes; HC 136.935 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli). 2. Agravo regimental a que se nega
provimento. (STF; HC-AgR 158.156; SP; 1ª T.; Rel. Min. Roberto Barroso; DJE 09/11/2018)

87/2 ← PRISÃO PREVENTIVA. A análise pelo magistrado quanto ao cabimento das


medidas cautelares diversas da prisão consubstancia-se em verdadeira garantia processual conferida
ao investigado/réu, de modo que, sempre que possível, sua aplicação deve prevalecer, adotando-se
uma, ou quantas forem necessárias, das restrições elencadas no art. 319 do CPP. “Efetivamente,
a cautelar deve ser contemporânea aos riscos que pretende evitar, mas na espécie, tem-se de-
cisão que em verdade converte prisão preventiva em cautelares menos gravosas. Assim, exame
de contemporaneidade haveria tão somente ante os riscos indicados e a primeira cautelar fixada
(já não mais vigente), e não dos riscos à conversão posterior da prisão em cautelares outras”. A
utilização das medidas alternativas descritas no art. 319 do CPP é adequada e suficiente para, a
um só tempo, garantir-se que o paciente não voltará a delinquir e preservar-se a presunção de
inocência descrita no art. 5º, LVII, da CF. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF;
HC-AgR 158.262; MG; 2ª T.; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; DJE 06/11/2018)

87/3 → PRISÃO PREVENTIVA. Crime de receptação. Decreto de prisão fundamen-


tado na constatação da reincidência e na possibilidade de reiteração delitiva. Decreto prisional
devidamente fundamentado em dados concretos, não apenas na gravidade abstrata do delito.
Supressão de instância. Decisão monocrática do STJ. Negativa de provimento ao agravo regi-
mental. (STF; HC-AgR 157.950; SP; 2ªT.; Rel. Min. Gilmar Mendes; DJE 06/11/2018)

87/4 ← PRISÃO PREVENTIVA. IMPUTAÇÃO. A gravidade da imputação, consi-


derado o princípio da não culpabilidade, é insuficiente, por si só, a levar à prisão provisória.
(STF; HC 138.584; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 31/10/2018)

87/5 → PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE


ILEGALIDADE FLAGRANTE OU ABUSO DE PODER. 1. Nas hipóteses envolvendo
crimes praticados com violência real ou grave ameaça à pessoa, o ônus argumentativo em
relação à periculosidade do agente é menor. Precedentes. 2. Situação concreta em que a prisão
preventiva está embasada na periculosidade do agente, evidenciada pela gravidade concreta do
crime, além da evasão do distrito da culpa. 3. Ordem denegada, revogada a liminar. (STF; HC
141.093; PA; 1ª T.; Red. p/o Ac. Min. Roberto Barroso; DJE 30/10/2018)

87/6 ← PRISÃO PREVENTIVA. IMPUTAÇÃO. A gravidade da imputação, conside-


rado o princípio da não culpabilidade, é insuficiente, por si só, a levar à prisão provisória. Prisão
preventiva. Documentos. Destruição. Suposição. Descabe implementar a prisão preventiva a
partir da suposição de que, solto, o acusado venha a destruir documentos que sirvam de prova
do delito. (STF; HC 140.269; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 19/06/2018)
Ementário

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87/7 – ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTO-


MOTOR. Apelação que espera a absolvição por insuficiência de provas. Impossibilidade.
Apelante proprietário do veículo que afirma que um de seus funcionários poderia ter feito
a adulteração para evitar o rodízio municipal. Versão frágil e isolada. Prisão em flagrante do
apelante conduzindo veículo próprio com sinal adulterado. Conduta claramente típica. Juris-
prudência superior que já se pacificou pela tipicidade do crime mesmo quando a alteração se
dá com fita adesiva. Condenação mantida. Penas já dosadas com o menor rigor possível. Apelo
improvido. (TJSP; APL 0026693-75.2017.8.26.0050; Ac. 12081480; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des.
Otávio de Almeida Toledo; DJESP 20/12/2018; p. 736)
87/8 – AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. SENTENCIADO QUE CUMPRIA
PENA EM REGIME FECHADO. CONDENAÇÃO SUPERVENIENTE A PENA RESTRI-
TIVA DE DIREITOS (PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E INTERDIÇÃO
DE DIREITOS/PROIBIÇÃO DE FREQUENTAR LUGARES). Reconversão desta em pena
privativa de liberdade. Impossibilidade. Hipótese em que não há condenação superveniente a
pena prisional (art. 181, § 1º, e, da LEP), mas o contrário. Cumprimento, em primeiro lugar,
da pena privativa de liberdade, deixando sobrestada a condenação à pena restritiva de direitos,
que será cumprida posteriormente, segundo o disposto no art. 76 do Código Penal. Agravo
provido. (TJSP; AG-ExPen 9000153-84.2018.8.26.0506; Ac. 12095034; 13ª C.D.Crim.; Rel.
Des. De Paula Santos; DJESP 20/12/2018; p. 722)
87/9 – AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. POSSE DE ENTORPECENTE
PARA USO PESSOAL. Decisão que homologou a falta grave e determinou a perda mínima
de 1/6 (um sexto) dos dias remidos. Recurso objetivando a absolvição ou, subsidiariamente, a
desclassificação para falta de natureza média, a limitação da perda dos dias remidos a um dia e
o afastamento da interrupção dos lapsos temporais para aquisição de benefícios. Inadmissibi-
lidade. Falta grave perfeitamente caracterizada e corretamente reconhecida no procedimento
disciplinar, não havendo falar-se em desclassificação para falta de natureza média. Perda dos
dias remidos na fração de 1/6 (um sexto) devidamente justificada. Pleito de afastamento da
interrupção dos lapsos temporais para aquisição de benefícios não apreciado pelo Magistrado a
quo. Necessidade, sob pena de supressão de instância. Recurso parcialmente conhecido e, nessa
extensão, negado provimento. (TJSP; AG-ExPen 9003043-06.2018.8.26.0050; Ac. 12076800;
13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva; DJESP 20/12/2018; p. 716)
87/10 – AGRAVO EM EXECUÇÃO. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA.
Decisão a quo que declarou extinta a punibilidade da multa. Insurgência do Parquet. Ministério
Público sustenta utilização de expressão terminológica equivocada. Com razão. A extinção da
punibilidade recai sobre o agente, ainda que pendente pagamento da pena de multa. Esta se
transforma em dívida de valor, exequível na esfera cível. Determinar a extinção da punibili-
dade de multa pode retirar sua exigibilidade. Precedentes. Agravo provido. (TJSP; AG-ExPen
9001097-87.2017.8.26.0032; Ac. 11714005; 9ª C.D.Crim.; Rel. Des. Andrade Sampaio; rep. DJESP
20/12/2018; p. 711)
87/11 – AGRAVO EM EXECUÇÃO. OUTORGADA A PROGRESSÃO AO RE-
GIME SEMIABERTO. DEFERIMENTO. Recurso ministerial objetivando o retorno da
reeducanda ao regime fechado. Inadmissibilidade. Gravidade do crime e longa pena a cumprir
não constituem óbices à progressão. Existência de recentes laudos psicossociais suficientes e
favoráveis à progressão de regime. Reeducanda possuidora de boa conduta carcerária. Conduta
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 163

prisional indicativa de assimilação da terapêutica penal. Requisitos legais preenchidos. Com-


provação de que a sentenciada reúne mérito para a progressão. Agravo não provido. (TJSP;
AG-ExPen 9002731-30.2018.8.26.0050; Ac. 12076801; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva;
DJESP 20/12/2018; p. 721)
87/12 – AGRAVO EM EXECUÇÃO. Pedido de progressão ao regime aberto. Indeferi-
mento pelo Juízo a quo. Exame criminológico com resultado globalmente favorável. Presentes
os requisitos objetivo e subjetivo para a concessão de progressão ao regime aberto. O fato de o
agravante ter cometido crimes graves e ainda faltar considerável tempo de pena a cumprir não
obsta a concessão do benefício. Agravo provido. (TJSP; AG-ExPen 9002980-78.2018.8.26.0050;
Ac. 12094987; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. De Paula Santos; DJESP 20/12/2018; p. 723)
87/13 – AGRAVO EM EXECUÇÃO. PEDIDO DE PROGRESSÃO AO REGIME
SEMIABERTO. Deferimento pelo Juízo a quo mediante decisão fundamentada, no exercício
de seu convencimento. Questionamento acerca do requisito objetivo. Comprovado que o
paciente é, na realidade, reincidente, sendo o lapso temporal para progressão de regime de 3/5
(três quintos) e não 2/5 (dois quintos). Período necessário que veio a se completar na sequência
e, atualmente, está cumprido. Hipótese em que há atestado favorável de bom comportamento
carcerário e expressa reabilitação quanto às faltas. Convencimento, respeitável, do magistrado
que teve conhecimento direto do caso. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a
concessão do benefício. Necessário, porém, que o sentenciado cumpra lapso temporal míni-
mo previsto em lei depois de efetivamente deferida a progressão ao regime anterior. Presente
hipótese que não é a de aproveitamento, para fim de progressão ao regime aberto, do lapso de
tempo que eventualmente, depois de já deferida a passagem ao semiaberto, o sentenciado per-
maneceu a mais no regime fechado, aguardando vaga. Impossibilidade de progressão por salto.
Agravo parcialmente provido. (TJSP; AG-ExPen 9000522-13.2018.8.26.0269; Ac. 12095036;
13ª C.D.Crim.; Rel. Des. De Paula Santos; DJESP 20/12/2018; p. 721)
87/14 – AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE RECONHECEU
A PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE, DETERMINOU A
REGRESSÃO AO REGIME FECHADO E A PERDA DE 1/3 DOS DIAS REMIDOS. RE-
CURSO DA DEFESA. 1. A questão referente à interrupção dos prazos para benefício não foi
ferida pela decisão judicial. Falta de interesse recursal. Recurso não conhecido neste tópico.
2. Na falta de Lei regulando a matéria, o prazo de prescrição de falta disciplinar de natureza
grave cometida no curso da execução penal é o previsto no art. 109, VI, do Código Penal. 3.
Comportamento do sentenciado que caracteriza falta disciplinar de natureza grave, a teor do
art. 50, VI, c/c o art. 39, II, ambos da Lei de Execução Penal. 4. Perda do tempo remido que
deve se dar no percentual de 1/4. Recurso parcialmente provido, na parte conhecida. (TJSP;
AG-ExPen 9003432-88.2018.8.26.0050; Ac. 12075191; 14ª C.D.Crim.; Rel. Des. Laerte Marrone;
DJESP 20/12/2018; p. 724)
87/15 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ART. 168 DO CÓDIGO PENAL. APRO-
PRIAÇÃO DE VALORES DOS QUAIS TINHA POSSE EM RAZÃO DA FUNÇÃO DE
CORRESPONDENTE BANCÁRIO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. AUSÊNCIA
DE INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO
NÃO PROVIDO. 1. A justa causa para a ação penal está relacionada com a existência de um
mínimo de provas que demonstrem indícios de autoria e materialidade do delito. Justa causa
é o conjunto mínimo de indícios e provas que permitem, sem a segurança exigida no caso
da sentença de condenação, avançar no juízo penal, iniciando-se a persecução. 2. A máxima
in dubio pro societatis deve ser interpretada à luz do princípio da presunção de inocência, sob
pena de constrangimento ilegal, haja vista as notórias consequências negativas da conversão
da condição de investigado para réu em uma ação penal. 3. A denúncia não está amparada em
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
164

suporte probatório mínimo, pois a divergência entre os valores que deveriam ser repassados à
Caixa Econômica Federal e aqueles que efetivamente chegaram à aludida instituição bancária,
não caracteriza, por si só, a apropriação por parte do acusado. 4. Ausente justa causa para a
deflagração da ação penal, haja vista a ausência de indícios suficientes de autoria delitiva. 5.
Recurso em sentido estrito não provido. (TRF 1ª R.; RSE 0006394-74.2018.4.01.3800; MG;
3ª T.; Rel. Des. Fed. Ney Bello; DJF1 19/12/2018)
87/16 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ART. 168, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL.
DOSIMETRIA DA PENA. CULPABILIDADE ELEVADA E GRAVES CONSEQUÊNCIAS
DO DELITO. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE ALÉM DO MÍNIMO LEGAL. RECURSO
PROVIDO EM PARTE. 1. A culpabilidade do réu revelou-se elevada, sendo certa a sua res-
ponsabilidade de zelar e entregar de forma regular o produto que lhe fora confiado no âmbito
de um programa governamental federal. 2. As consequências do delito foram graves para a
Conab, pois a quantidade de arroz apropriada foi enorme, causando-lhe um prejuízo de grande
dimensão. Além disso, prejudicou suas atividades no seu papel governamental. 3. Majoração da
pena do réu, por se revelar mais adequada ao delito praticado. 4. Apelo do Ministério Público
Federal parcialmente provido. (TRF 1ª R.; ACR 0011285-45.2007.4.01.3600; MT; 3ª T.; Rel.
Juiz Fed. Conv. José Alexandre Franco; DJF1 19/12/2018)
87/17 – ATO INFRACIONAL. Prática de ato infracional análogo ao crime de roubo
majorado pelo emprego de arma e concurso de pessoas. Art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal.
Aplicação aos adolescentes de medida socioeducativa de semiliberdade. Pleito de modificação
da medida socioeducativa para liberdade assistida. Impossibilidade. Gravidade da conduta.
Razoabilidade na aplicação da semiliberdade. Desprovimento dos recursos. (TJRN; AC
2018.005897-2; 2ª C.Cív.; Rel. Des. Ibanez Monteiro; DJRN 08/11/2018; p. 108)
87/18 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO A HOMICÍDIO QUALIFICADO. EX-
CESSO DE LEGÍTIMA DEFESA. ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, III, C, E ART 121,
§ 1º, AMBOS DO CP. INAPLICABILIDADE. ANIMUS NECANDI DEMONSTRADO.
QUALIFICADORAS DE MOTIVO TORPE, RECURSO QUE DIFICULTA A DEFESA
DA VÍTIMA. ATO PRATICADO DE FORMA CRUEL E NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR. RECONHECIMENTO. REDUÇÃO DA REAVALIAÇÃO
DA MEDIDA PARA TRIMESTRAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. A circunstância atenuante do art. 65, III, c, e do art. 121, § 1º, ambos do CP, não se aplica
aos procedimentos relativos a ato infracional, que se submete ao ECA. 2. É de ser reconhecido
que o ato infracional foi cometido por motivo torpe, consistente na discussão pelo término
do relacionamento amoroso com a vítima. Além disso, foi praticado de modo que dificultou
a defesa da vítima, no âmbito da violência doméstica e por meio cruel, circunstâncias que
qualificam o delito de homicídio no âmbito do Direito Penal (art. 121, § 2º, II, III, IV, VI, do
Código Penal). 3. Se a periodicidade de reavaliação do apelante encontra-se em consonância
com a norma pertinente, mostrando-se o prazo da periodicidade razoável, descabe o pedido
de sua redução. 4. Recurso desprovido. (TJAC; APL 0001715-43.2018.8.01.0002; Ac. 6.942;
2ª C.Crim.; Rel. Des. Júnior Alberto; DJAC 20/12/2018; p. 14)
87/19 – ART. 157, § 2º, INCISO I, E ART. 307, AMBOS DO CPB. MATERIA-
LIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. DOSIMETRIA. FUNDAMENTAÇÃO
INIDÔNEA. REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO LEGAL. MAJORANTE. ARMA
BRANCA. EXCLUSÃO. LEI Nº 13.654/2018. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. PEDIDO
PARA APELAR EM LIBERDADE. PRECLUSÃO LÓGICA. APELO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. A dosimetria procedida na sentença
guerreada não possui fundamentação suficiente para a fixação das penas-base nos patamares
adotados, impondo-se sua redução para o mínimo legal cominado para cada um dos delitos. 2.
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 165

A causa de aumento da pena prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, foi revogada pela
Lei nº 13.654/2018, devendo ser afastada sua aplicação no caso concreto por força do princípio
da novatio legis in mellius, haja vista tratar-se de roubo praticado com emprego de arma branca. 3.
Prejudicado o pedido para apelar em liberdade, porquanto a matéria é apreciada juntamente
com o julgamento do mérito recursal, operando-se a preclusão lógica. 4. Recurso parcialmente
conhecido e, na extensão, provido. (TJCE; APL 0057362-61.2016.8.06.0064; 1ª C.Crim.; Relª
Desª Maria Edna Martins; DJCE 20/12/2018; p. 122)
87/20 – COMPARTILHAMENTO DE SINAL DE INTERNET. ATIPICIDADE
DO FATO. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO QUE NÃO SE CONFUNDE COM
ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO
PROVIDA. 1. O compartilhamento e a retransmissão de sinal de internet não configuram
atividades de telecomunicações, senão “serviço de valor adicionado” (art. 61 da Lei nº 9.472/97),
fato que não configura o tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97. 2. Precedentes da Primeira
Turma do eg. STF. Submete-se ao princípio da legalidade estrita. SERVIÇO DE INTER-
NET. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. A oferta de serviço de internet não é passível de ser
enquadrada como atividade clandestina de telecomunicações. Inteligência do art. 183 da Lei
nº 9.472/97 (HC 127.978, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 24.10.2017, Processo
Eletrônico DJe-276, divulg. 30.11.2017, public. 01.12.2017). 3. Apelação não provida. (TRF
1ª R.; ACR 0001265-17.2011.4.01.3806; MG; 3ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. José Alexandre Franco;
DJF1 19/12/2018)
87/21 – CONCUSSÃO. EXIGÊNCIA DE VANTAGEM INDEVIDA A RECRUTAS.
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MPM. CONDENAÇÃO. RECONHE-
CIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CÓDIGO PENAL BRASI-
LEIRO. Comete o crime de concussão, previsto no art. 305 do CPM, militar que, na qualidade
de Coordenador da Horta, age de maneira consciente e voluntária e exige para si vantagem
indevida de colegas de caserna sob a promessa de conseguir o engajamento na Força, bem como
a permanência na Horta do Batalhão da Guarda Presidencial, alegando grande influência que
exercia junto ao subcomandante da OM. A prática delituosa só foi descoberta porque um dos
ofendidos se recusou a pagar a quantia exigida pelo apelado e, após ser licenciado, comunicou
o fato a seu superior hierárquico. Tese defensiva de ausência de provas dos fatos imputados
ao Apelado que não se sustenta, diante da análise das circunstâncias colacionadas aos autos.
Depoimentos coesos e harmônicos dos ofendidos, ao afirmarem que o Apelado efetivamente
exigiu para si vantagem indevida. Apesar de o acusado não ter confessado em Juízo, o contexto
e as provas dos autos comprovaram, na verdade, a exigência e, para além, o efetivo recebimento
da propina. Conduta devidamente comprovada que, seguramente, ampara sua condenação.
Unânime. Pena aumentada em 1/3 (um terço), em razão da continuidade delitiva e de acordo
com a regra estampada no art. 71 do Código Penal Brasileiro. Maioria. (STM; APL 7000482-
06.2018.7.00.0000; Rel. Min. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos; DJSTM 20/12/2018; p. 10)
87/22 – CONTRABANDO. ART. 334, § 1º, IV E V, DO CP. MÁQUINAS ELE-
TRÔNICAS PROGRAMÁVEIS. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. PERÍCIA INDIRETA. VALI-
DADE. RECURSOS DESPROVIDOS. I – A autoria restou comprovada em razão da apreensão
de máquinas eletrônicas programáveis, conhecidas como caça-níqueis, no estabelecimento
comercial de responsabilidade dos réus. II – O comerciante que permite a exploração de má-
quinas eletrônicas programáveis em seu estabelecimento comercial, desprovida de qualquer
documentação fiscal, senão com dolo direto, age com dolo eventual, frente ao tipo do art. 334,
§ 1º, c, do Código Penal. III – Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de contra-
bando, em que está em jogo ofensa ao bem jurídico Administração Pública no seu fragmento
ordenação de bens serviços ou atividades de importação ou exploração proibidas, como é o caso
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
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dos jogos de azar por meio de máquinas e equipamentos. IV – A materialidade delitiva restou
comprovada pela representação fiscal para fins penais da Receita Federal, em especial pelo ter-
mo de constatação fiscal, o qual atestou a existência de componentes de origem estrangeira nas
máquinas de caça-níquel apreendidas. V – Recursos de apelação desprovidos. (TRF 2ª R.; ACR
0008406-81.2013.4.02.5102; RJ; 2ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Marcello Granado; DEJF 13/12/2018)
87/23 – CONTRABANDO DE CIGARROS DE ORIGEM PARAGUAIA. INAPLI-
CABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. É inaplicável o princípio da insignificância ao
crime de contrabando de cigarros, pois não se trata de delito puramente fiscal, mas de conduta
que atenta contra a saúde pública e a indústria nacional. 2. Não há que se falar em prática de
delito de descaminho, em se tratando de importação de cigarros estrangeiros de comerciali-
zação proibida. Tal conduta subsume-se ao crime de contrabando. Precedentes. 3. Conforme
entendimento desta Terceira Turma, “Em se tratando de contrabando, a jurisprudência tem
rechaçado a aplicação do princípio da insignificância, por considerar que a objetividade jurí-
dica, nesse particular, não se resume pura e simplesmente no interesse arrecadador do Fisco
e, sim, no direito da Administração Pública de controlar o ingresso no território nacional de
cigarros que não obedecem aos padrões estabelecidos pela Anvisa, visando preservar a saúde
pública” (ACR 0006277-48.2012.4.01.4300/TO). 4. Recurso em sentido estrito provido para
receber a denúncia e determinar o retorno dos autos à origem. (TRF 1ª R.; RSE 0053516-
56.2017.4.01.3400; DF; 3ª T.; Rel. Des. Fed. Ney Bello; DJF1 19/12/2018)
87/24 – CRIME AMBIENTAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº
9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RECURSO NÃO PROVI-
DO. I – Materialidade e da autoria comprovadas. Prisão em flagrante. Réu pescador profissio-
nal e proprietário da embarcação flagrada exercendo a pesca com petrechos proibidos. II – O
réu não pode se escusar alegando que a desconformidade legal refere-se à estrutura que não
apresenta ligação efetiva com a pesca. Para fins da norma penal, todos os petrechos proibidos
que sirvam de algum modo à atividade devem ser considerados em sua integralidade. A incri-
minação recai sobre todo suporte do equipamento. III – Auto de infração lavrado com base
em Portaria da extinta Superintendência do Desenvolvimento da Pesca. A extinção do órgão
administrativo não implica, necessariamente, na revogação de toda regulamentação da ativi-
dade pesqueira editada. Não houve manifestação do Poder Público no sentido de se revogar a
referida Portaria da Sudepe, tampouco pode-se aferir uma ilegalidade, restando aplicável para
efeito de preenchimento da norma penal em branco do art. 34, parágrafo único, inciso II, da
Lei nº 9.605/98. Ainda que as regras administrativas sejam por vezes sazonais e específicas,
o preceito fixo do tipo penal é perene e bem expressa qual a conduta proibida. IV – Recurso
não provido. (TRF 2ª R.; ACR 0000274-27.2012.4.02.5116; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Abel
Gomes; DEJF 10/12/2018)
87/25 – CRIME AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO DA PRETEN-
SÃO PUNITIVA ESTATAL REGULADA SOMENTE COM BASE NA PENALIDADE
DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA NÃO PROLATADA. PREVISÃO DE
PENA RESTRITIVA DE DIREITOS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.
PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO. PENA MÁXIMA COMINADA AO CRIME. ART. 109,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. 1. Consoante o entendimento do STJ e
do pretório excelso, a tão só existência da possibilidade de aplicar penas restritivas de direito
à pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, faz com que o parâmetro para aferição do
prazo prescricional seja disciplinado pelo Código Penal. 2. Dispõe o art. 21 da Lei nº 9.605/98,
que às pessoas jurídicas serão aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente, as penas de
multa, de restrição de direitos ou de prestação de serviços à comunidade. 3. Até a prolação de
sentença nos autos, o prazo prescricional se regulará pelo máximo abstratamente cominado ao
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 167

delito, pois aplicáveis aos crimes ambientais, subsidiariamente, todas as disposições do Código
Penal e do Processo Penal, dentre elas o art. 109, parágrafo único, do Código Penal, segundo
o qual aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas
de liberdade. 4. In casu, imputou-se à pessoa jurídica a possível prática do crime tipificado
no art. 54, § 2º, V, da Lei nº 9.605/98, que possui em seu preceito secundário as variantes de
pena entre 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, cujo prazo da prescrição em sua modalidade
abstrata, a teor do art. 109, III, do Código Penal é de 12 (doze) anos – que não restou superado
nos autos. 5. Recurso conhecido e desprovido. (TJAC; RSE 0010814-40.2018.8.01.0001; Ac.
27.746; C.Crim.; Rel. Des. Pedro Ranzi; DJAC 20/12/2018; p. 18)
87/26 – CRIME DE RESPONSABILIDADE. EX-PREFEITO MUNICIPAL. ART.
1º, VII DO DL Nº 201/67. CONVÊNIO COM O MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO
NACIONAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. APRESENTAÇÃO TARDIA. AUSÊNCIA DE
DOLO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. A conduta atribuída ao ex-prefeito do Município
de Bonito – Estado do Pará, não causou prejuízos relevantes ao erário porque a prestação de
contas, relativas ao Convênio nº 197/2001-SIAFI 465518, que objetivava a construção de um
muro de contenção de erosão às margens do Rio Peixe Boi, acabou acontecendo, embora
com atraso. Ficou demonstrado o cumprimento do convênio e as contas foram aprovadas.
2. O mero atraso na prestação de contas não configura crime de responsabilidade. O que se
busca é a proteção da moralidade administrativa e dos recursos públicos. A norma penal não
procura punir o mero deslize burocrático. 3. Apelação do Ministério Público Federal despro-
vida. (TRF 1ª R.; ACR 0002574-70.2011.4.01.3904; PA; 3ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. César Jatahy
Fonseca; DJF1 19/12/2018)
87/27 – CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO. ART. 1º, I, DO DL Nº
201/67. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA.
SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Comprovadas a materialidade
e a autoria delitiva na conduta do acusado, que, de maneira consciente e voluntária, resolveu
se apropriar dos recursos oriundos do convênio firmado entre o FNDE e o município, evi-
denciando a prática dolosa do delito previsto no art. 1º, I, do DL nº 201/67, deve ser mantida
a sentença condenatória. 2. O ressarcimento do prejuízo não constitui causa de extinção da
punibilidade, nem óbice à condenação, mesmo quando a devolução é feita antes do ofereci-
mento da denúncia (precedentes deste TRF da 1ª Região). 3. Dosimetria de acordo com os arts.
59 e 68 do CP, sendo necessária e suficiente à reprovação e prevenção do delito. 4. Apelação
não provida. (TRF 1ª R.; ACR 0003281-95.2012.4.01.4003; PI; 3ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. José
Alexandre Franco; DJF1 19/12/2018)
87/28 – CRIME MILITAR. LEI Nº 13.491/2017. INOCORRÊNCIA DE NOVATIO
LEGIS IN MELLIUS. ESPECIALIDADE DO CPM. INAPLICABILIDADE DO ART. 28
DA LEI Nº 11.343/06. RECURSO CONHECIDO E REJEITADO. UNÂNIME. A Lei nº
13.491/2017 alterou o conceito de crime militar, passando a ser de competência desta Justiça
Especializada delitos que, mesmo não tipificados na parte especial do CPM, enquadrem-se nas
alíneas do inciso II do seu art. 9º. O CPM continua a gozar de especialidade, seja pela compe-
tência atribuída pela Constituição Federal de 1988 à Justiça Militar da União para processar e
julgar delitos militares, seja pelos bens jurídicos específicos por ela tutelados. Ainda que a Lei nº
13.491/2017 tenha alargado as hipóteses de crime militar, permanece a necessidade de tutela aos
mesmos bens jurídicos e a obrigatoriedade de enquadramento no art. 9º do CPM. A expressão
em local sujeito à administração militar, constitutiva do tipo penal do art. 290 do CPM, é o
elemento especializante da norma penal, tornando o referido tipo norma especial em relação ao
art. 28 da Lei nº 11.343/06. O crime de drogas praticado no interior das Organizações Militares
lesiona os interesses e valores basilares das FFAA, razão de ser da Justiça Militar especializada,
tendo como base primordial os princípios de Hierarquia e Disciplina Militar, e subsome-se
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
168

somente ao inciso I do art. 9º do CPM. O delito perpetrado pelo Réu configura ofensa ao art.
290 do CPM e enquadra-se no inciso I do art. 9º do mesmo Código, em nada afetado pela
alteração legislativa da Lei nº 13.491/2017. Não há que se falar em novatio legis in mellius, uma
vez que se trata da prevalência da legislação especial (art. 290 do CPM) sobre a geral (Lei de
Drogas). Embargos rejeitados por unanimidade. (STM; EDcl 7000855-37.2018.7.00.0000; Rel.
Min. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos; DJSTM 20/12/2018; p. 11)
87/29 – CRIMES CONTRA A HONRA. OFENSAS PROFERIDAS EM ENTRE-
VISTA RADIOFÔNICA POR PARLAMENTAR FEDERAL. CALÚNIA. AUSÊNCIA DE
NARRATIVA FÁTICA ESPECÍFICA. DIFAMAÇÃO. INJÚRIA. OFENSAS GENÉRICAS.
ATIPICIDADE. CRIMES NÃO CARACTERIZADOS. REJEIÇÃO DE QUEIXA-CRIME
POR DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE. 1. O crime de calúnia exige narrativa
de fato determinado direcionada a pessoa determinada. 2. Opiniões ou conceitos genéricos,
ainda que ofensivos, expressos por narrador não caracterizam difamação ou injúria puníveis
criminalmente quando não revelado a quem dirigidos. 3. Admite-se a rejeição de queixa-crime
por decisão monocrática inclusive por atipicidade ou ausência de justa causa. RI/STF, art. 21,
§ 1º. Precedentes. 4. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF; Pet-AgR 7.168; DF;
1ª T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 19/12/2018)
87/30 – DECISÃO DE NÃO HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO DE COLABORA-
ÇÃO PREMIADA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. PRÁTICA
SUPERVENIENTE DE INFRAÇÕES PENAIS. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE
DE CONDENAÇÃO EXARADA POR JUÍZO CRIMINAL. VOTO PELO DESPROVI-
MENTO DO RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL. 1. A homologação da delação
premiada pode ficar condicionada ao não cometimento de novas infrações penais, aferível
pelo recebimento de denúncia em face do colaborador. 2. In casu, a) o acordo de colaboração
premiada entre o MPF e o investigado foi celebrado pelas partes na data de 17.07.2017, tendo
sido convencionado, na Cláusula 20ª, que o contrato seria rescindido, dentre outras hipóteses,
se o colaborador vier a praticar qualquer outro crime doloso após a homologação judicial da
avença (alínea f); b) constam, nos autos, documentos que evidenciam a existência de indícios
plenamente suficientes no sentido de demonstrar que, posteriormente à celebração do acordo,
em 15.11.2017, o investigado praticou dois crimes dolosos, quais sejam, os delitos de falsificação
de documento particular e obstrução de investigação de organização criminosa, previstos nos
arts. 298 do CP e 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013; c) a suspeita quanto ao cometimento dos
crimes em questão pelo investigado ensejou, inicialmente, que, em 12.12.2017, o Juízo da 5ª
Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso autorizasse o cumprimento de
mandados de busca e apreensão e o afastamento do sigilo de dados telefônicos, telemáticos e de
informática em face daquele investigado, deflagrando investigação que, na data de 18.07.2018,
culminou com o oferecimento de denúncia criminal pela Procuradoria da República no Estado
do Mato Grosso; d) ambas as imputações versam sobre tentativa do colaborador de interferir
no curso da investigação de uma das fases da Operação Ararath no Estado do Mato Grosso,
ou seja, justamente a operação em cujo âmbito o investigado espera obter sanções premiais na
hipótese de homologação judicial do acordo celebrado. 3. A prática superveniente de infração
penal, enquanto causa passível de justificar a não homologação ou a rescisão de acordo de
colaboração premiada, prescinde de ser comprovada por meio da declaração de culpa exarada
por juiz penal quando já presentes, nas peças de informação constantes nos autos, elementos
suficientes para evidenciar o cometimento dos fatos cogitados. 4. É que não se trata de reco-
nhecer a responsabilidade penal propriamente dita e aplicar, em consequência, uma sanção
de natureza penal, o que, certamente, demandaria a conclusão da instrução processual cabível
e da deliberação do juiz penal competente; trata-se, diferentemente, de reconhecer a simples
prática de fato jurídico passível de caracterizar o descumprimento de obrigação contratual, cuja
comprovação, como é cediço, pode se dar por quaisquer meios admissíveis em direito. 5. In
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 169

casu, o reconhecimento da prática superveniente de infrações penais observou os postulados


do contraditório e da ampla defesa em favor da parte contratante. É que, ainda em sede pré-
judicial, a própria Procuradoria-Geral da República, no âmbito de processo administrativo que
instaurou para o aludido fim, comunicou ao investigado a possibilidade da não homologação
do acordo em virtude da suspeita de envolvimento do candidato a colaborador com novos cri-
mes, conferindo ao investigado a oportunidade de se pronunciar previamente acerca dos fatos
cogitados, sendo certo que o Órgão Ministerial formalizou judicialmente seu requerimento
de não homologação depois de recebida e analisada a defesa escrita ofertada pelo candidato
a colaborador. 6. O Plenário do STF, em paradigmático precedente de relatoria do Ministro
Dias Toffoli, assentou o entendimento de que a colaboração premiada é um negócio jurídico
processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como meio de obtenção
de prova, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal,
atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substan-
cial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração (HC
127.483/PR, DJ 17.08.2015). 7. A natureza sinalagmática da relação impede a perfectibilização
de avença quando uma das partes, ainda em tempo hábil e amparada contratualmente, invoca
causa justa e suficiente para amparar sua pretensão de não mais constituir a relação contratual.
8. O investigado não tem direito subjetivo à homologação de acordo de colaboração premiada,
máxime porque o § 8º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013 assim o estabelece expressamente, con-
dicionando a convalidação à devida observância das disposições contratuais e legais pertinentes.
9. Voto pelo desprovimento do recurso de agravo regimental interposto. (STF; Pet-AgR 7.834;
Rel. Min. Luiz Fux; DJE 17/12/2018)
87/31 – DELITO DE TRÂNSITO. ARTS. 306 E 309 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DESCABIMENTO.
DELITOS AUTÔNOMOS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CTB. AB-
SOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.
DELITO DE PERIGO ABSTRATO. MERA CONDUTA. REDUÇÃO DA PENA PECU-
NIÁRIA. POSSIBILIDADE. REDUÇÃO DA PENA DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO
PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. NECESSIDADE. PROPORCIONALIDADE
COM A SANÇÃO CORPORAL. ISENÇÃO DE CUSTAS. PEDIDO PREJUDICADO.
JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NA SENTENÇA PRIMEVA. RECURSO PARCIAL-
MENTE PROVIDO. 1. Inviável é a aplicação do princípio da consunção porquanto os crimes
praticados pelo apelante são autônomos e independentes, devendo este responder pela prática
dos dois delitos. 2. A conduta do apelante está devidamente prevista no art. 306 do CTB por
ser o delito em questão de mera conduta e de perigo abstrato, inexigindo a Lei a efetiva expo-
sição de outrem a risco. 3. A pena de prestação pecuniária deve ser reduzida se esta se mostra
exacerbada em consideração à condição financeira do agente. 4. A pena acessória de suspensão
da habilitação deve ser reestruturada, levando-se em consideração a pena corporal fixada em
observância ao princípio da proporcionalidade. 5. Prejudicado está o pedido de isenção do pa-
gamento das custas processuais, vez que a justiça gratuita foi reconhecida na sentença fustigada.
6. Recurso parcialmente provido. V.V. Condução de veículo sob a influência de álcool e direção
de veículo sem habilitação gerando perigo de dano. Absolvição. Necessidade. (TJMG; APCR
1.0699.14.012693-8/001; 5ª C.Crim.; Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho; DJEMG 12/11/2018)
87/32 – DESACATO. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO DA ABSOLVIÇÃO IM-
PRÓPRIA. SEMI-IMPUTABILIDADE. Não provimento. Configura o crime de desacato, art.
299 do CPM, o agente que, em claro ato de desprezo e menoscabo, xinga o militar de serviço,
dentro de organização militar, por ter sido impedido o acesso de terceiros para acompanhá-lo.
A semi-imputabilidade não é caso de absolvição imprópria, mas sim de condenação, devendo
incidir na terceira fase da dosimetria da pena, pois consiste em uma causa genérica de dimi-
nuição de pena, na qual deve o julgador lançar mão do quantum previsto no art. 73 do CPM.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
170

O efeito devolutivo do recurso, para o reexame da matéria na instância superior, é definido


pela extensão da irresignação do recorrente. Recurso não provido. Decisão unânime. (STM;
APL 7000427-55.2018.7.00.0000; Rel. Min. Odilson Sampaio Benzi; DJSTM 14/12/2018; p. 5)
87/33 – DESOBEDIÊNCIA CONTRA MILITAR EM ATIVIDADE DE GLO.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DA JMU.
NULIDADE EM VIRTUDE DO NÃO JULGAMENTO MONOCRÁTICO DE CIVIL
PELO JUIZ-AUDITOR. APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA
LEI Nº 9.099/95. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. O réu
foi denunciado pelo crime de desobediência contra militar em atividade de garantia da lei e da
ordem (GLO), a DPU arguiu preliminarmente a incompetência da Justiça Militar da União
para processar e julgar civil, e a nulidade devido ao não julgamento monocrático de réu civil
pelo juiz-auditor. No mérito pede a aplicação das medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/95
e prequestiona o art. 5º, caput e incisos XXXVII, LIII, LIV, LV e LXVIII da CF/88. Requer o
consequente trancamento e a extinção da punibilidade, via habeas corpus, antes da instrução
processual. As preliminares da defesa foram rejeitadas. Decisão unânime O trancamento da
ação penal via habeas corpus somente se dá quando é inequívoca a atipicidade da conduta; há
causa de extinção da punibilidade; ou, em tese, ausentes os indícios mínimos de autoria e
materialidade delitivas. Presentes os indícios de autoria e materialidade, bem como a conduta
narrada na denúncia é típica, antijurídica e punível. Não aplicação da Lei nº 9.099/95 no or-
denamento castrense. No mérito, o recurso foi conhecido. Ordem de habeas corpus denegada.
Decisão por maioria. (STM; HC 7000835-46.2018.7.00.0000; Rel. Min. Odilson Sampaio Benzi;
DJSTM 13/12/2018; p. 6)
87/34 – DESPACHO QUE POSSIBILITOU A TOMADA DO INTERROGATÓ-
RIO DO RÉU, POR CARTA PRECATÓRIA, ANTES DA OITIVA DAS TESTEMUNHAS.
INVERSÃO DA ORDEM DO INTERROGATÓRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 400 DO CPP.
INTERROGATÓRIO DO RÉU É INSTRUMENTO DE AUTODEFESA, QUE DEVE
SER O ÚLTIMO ATO ANTES DO JULGAMENTO. ENTENDIMENTO FIRMADO
PELO STF NO JULGAMENTO DO HC 127.900/AM. IMPUGNAÇÃO TEMPESTIVA.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o STF pacificaram orientação no sen-
tido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese,
impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de fla-
grante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O Superior Tribunal de Justiça, ao acompanhar
o entendimento firmado pela Suprema Corte, no julgamento do HC 127.900/AM, de relatoria
do Ministro Dias Toffoli, tem decidido que “o rito processual para o interrogatório, previsto
no art. 400 do CPP, deve ser aplicado a todos os procedimentos regidos por Leis especiais,
porquanto a Lei nº 11.719/08, que deu nova redação ao art. 400 do CP, prepondera sobre as
disposições em sentido contrário previstas em lei especial, por se tratar de lei posterior mais
benéfica ao acusado. Em razão da modulação dos efeitos da decisão, a nova compreensão so-
mente é aplicada aos processos em que a instrução não tenha se encerrado até a publicação da
ata daquele julgamento (11.03.2016)” (HC 390.707/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma,
j. 14.11.2017, DJe 24.11.2017). 3. Consoante os ditames do art. 222, § 1º, do CPP, “a expedi-
ção de carta precatória não suspenderá a instrução criminal”. No caso, o Tribunal a quo usou
indevida interpretação extensiva do dispositivo acima para autorizar a inversão procedimental
vedada pelo art. 400 do CPP, realizando o interrogatório do réu (instrumento de autodefesa),
por carta precatória, antes da inquirição das testemunhas, em flagrante violação às garantias
constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. 4. A Quinta
Turma desta Corte consolidou entendimento no sentido de que, para se reconhecer nulidade
pela inversão da ordem de interrogatório “é necessário que o inconformismo da Defesa tenha
sido manifestado tempestivamente, ou seja, na própria audiência em que realizado o ato, sob
pena de preclusão. (...)” (HC 446.528/SP, Rel. p/ o Ac. Min. Felix Fischer, j. 11.09.2018, DJe
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 171

20.09.2018). 5. Observa-se, na espécie, que a defesa impugnou a possível inversão da ordem


antes mesmo da realização do interrogatório do réu, o que afasta a preclusão. 6. Habeas corpus
não conhecido. Ordem concedida de ofício, determinando-se que o interrogatório do paciente
seja o último ato da instrução. (STJ; HC 481.490; Proc. 2018/0319291-9; PR; 5ª T.; Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 19/12/2018; p. 4.641)
87/35 – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. Pleito de fixação do regime inicial aberto
e substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Impossibilidade.
Reincidência. Súmula nº 269/STJ. Medida socialmente recomendável. Reexame de fatos e
provas. Ordem de habeas corpus denegada. (STJ; HC 480.314; Proc. 2018/0311053-4; SP; Relª
Minª Laurita Vaz; DJE 19/12/2018; p. 19.430)
87/36 – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS OU POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBI-
LIDADE. No processo pelo crime do art. 306 da Lei nº 9.503/97 é desnecessária a comprovação
de perigo concreto, uma vez que se trata de crime de perigo abstrato e de mera conduta, que se
caracteriza com simples fato do agente conduzir veículo automotor em estado de embriaguez,
independentemente do resultado. Materialidade e autoria do delito comprovada. A concentração
de álcool superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligrama de álcool
por litro de ar alveolar, constatada por exame de sangue ou etilômetro, por si só, já é suficiente
para revelar a tipicidade da conduta do art. 306 do CTB. Réu submetido a exame de dosagem
alcoólica, que constatou a quantidade de 0,52 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos
pulmões. Recurso não provido. (TJSP; APL 0015186-15.2014.8.26.0506; Ac. 12081764; 13ª
C.D.Crim.; Rel. Des. Luis Augusto de Sampaio Arruda; DJESP 20/12/2018; p. 714)
87/37 – ESTELIONATO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMEN-
TO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO
SÓLIDO. DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS HARMÔNICOS EM APONTAR A AUTORIA
DELITIVA. AFASTAMENTO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. POSSIBILIDA-
DE. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS LEGAIS
ATENDIDOS. REPARAÇÃO MÍNIMA DE PREJUÍZO ÀS VÍTIMAS. NECESSIDADE
DE PEDIDO FORMAL. CONTRADITÓRIO NÃO ATENDIDO. AFASTAMENTO
DA REPARAÇÃO. PROVIMENTO EM PARTE DO APELO. 1. Estando a autoria e mate-
rialidade do crime de estelionato devidamente comprovadas nos autos, sobretudo diante dos
robustos e sólidos depoimentos prestados pelas vítimas, não há que se falar em acolhimento
da tese absolutória. 2. Demonstrado que os 6 (seis) delitos de estelionato foram praticados
nas mesmas condições de tempo (menos de 30 dias entre cada ação delituosa), lugar (lotes de
terras localizados na Rua Abílio Mendonça, s/nº, Quadra 02, no Ramal da Castanheira, AC
40, nesta Cidade), maneira de execução (venda de terrenos que não lhe pertenciam) e outras
semelhantes, incide no caso em análise a modalidade de crime continuado, aplicando-se a pena
de um só dos crimes, com a fração de aumento legal em virtude da continuidade. 3. O regime
inicial de cumprimento de pena será o aberto, ante a nova dosimetria da pena e o seu quantum
definitivo, nas conformidades do art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal. O acusado faz jus à
substituição de pena prevista no art. 44 do Código Penal. 4. Se dos autos não se extrai a exis-
tência de pedido expresso para a condenação de valor mínimo para reparação cível às vítimas
dos danos causados pela infração, formulado pelo MP, nos termos do art. 387, IV, do CPP,
deve-se ser excluída da sentença a quo a sua fixação. (TJAC; APL 0009050-87.2016.8.01.0001;
Ac. 27.643; C.Crim.; Rel. Des. Pedro Ranzi; DJAC 04/12/2018; p. 30)
87/38 – ESTELIONATO, MEDIANTE DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR (ART.
171, § 2º, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL). PLEITO DE RECONHECIMENTO DE
NULIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL. Ausência de intimação do advogado do indicia-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
172

do para acompanhar oitiva de testemunha inquirida pela autoridade policial. Contraditório e


ampla defesa mitigado na fase inquisitorial. Prejuízo não demonstrado. Pleito de trancamento
do inquérito policial. Alegação de atipicidade da conduta imputada ao recorrente em razão de
inexistência de garantia pignoratícia supostamente fraudada. Efetiva configuração de penhor
referente à direito creditório. Alegação de operação financeira albergada por decisão judicial.
Não comprovação. Recurso conhecido e não provido. (TJAL; RSE 0707338-91.2016.8.02.0001;
C.Crim.; Rel. Juiz Conv. Antônio José Bittencourt Araújo; DJAL 17/12/2018; p. 151)
87/39 – ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. LEGÍTIMA DEFESA.
IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Com a fixação
da Portaria Interministerial nº 4.266, de 31 de dezembro de 2010, não é considerado legíti-
mo o uso de arma de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial e afins, a não ser
que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança ou
terceiros. 2. Não é cabível a excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal,
o disparo de arma de fogo, vez que essa atitude é extremamente imprudente e desnecessária,
pois afronta a paz e a segurança pública, colocando em risco a incolumidade física de outras
pessoas. 3. Não há legítima defesa quando não existir agressão injusta atual ou iminente que
justifique essa conduta. 4. Recurso conhecido e não provido, em consonância com o parecer
ministerial. (TJAM; APL 0223313-64.2013.8.04.0001; 2ª C.Crim.; Relª Desª Onilza Abreu Gerth;
DJAM 28/11/2018; p. 38)
87/40 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DETRAÇÃO. Inviável a possibilidade de
fixação de regime prisional menos severo, conforme determinado no recurso especial, pois,
operada a detração, a pena do acusado restou superior a 8 anos de reclusão, devendo, portan-
to, ser mantido o regime carcerário inicial fechado, forte no art. 33, § 2º, alínea a, do Código
Penal. Recurso especial cumprido, negando-se provimento ao pedido de alteração do regime
carcerário. (TJRS; ACr 0342930-57.2017.8.21.7000; 5ª C.Crim.; Relª Desª Genacéia da Silva
Alberton; DJERS 19/12/2018)
87/41 – ESTUPROS DE VULNERÁVEIS. EM CONCURSO MATERIAL. A mate-
rialidade dos fatos denunciados e a autoria do réu estão comprovadas nas declarações idôneas,
seguras e lineares das seis vítimas, que, desde a fase policial, narram com firmeza os abusos
sexuais praticados pelo réu, consistentes em tocá-las nas pernas, seios e genitália, por fora e por
dentro das vestes, bem assim introduzir o dedo na vagina de duas meninas. Os depoimentos
das ofendidas, os relatos das suas genitoras e as narrativas das demais testemunhas demonstram
que o réu exercia o principal cargo de liderança na igreja frequentada pelas vítimas e por suas
famílias, com poder de executar atos de benção e atribuição de prestar assistência familiar aos
membros da instituição, tendo se aproveitado dessa condição para retirar as vítimas, crianças
e pré-adolescentes menores de 14 anos, da vigilância de seus pais e submetê-las a abusos e
constrangimentos libidinosos. De resto, nada há nos autos a indicar que as meninas tivessem
motivos para acusar o réu de forma falsa. Condenação mantida. A teor do acervo fático-
probatório produzido, é inviável a desclassificação da condenação do réu para os lindes de
contravenção penal, pois os abusos praticados ultrapassaram a mera importunação ofensiva ao
pudor, envolvendo manipulação libidinosa nos corpos das meninas, inclusive na região genital,
além de introdução de dedo na vagina de duas ofendidas. Vai ratificada a incidência da agravante
do art. 61, inciso II, alínea g, do CPB, porque a prova oral coligida evidencia, à saciedade, a
circunstância de violação a dever de ministério, na medida em que o réu possuía a atribuição
e o dever de guiar e proteger, por aconselhamento e atos religiosos, as vítimas, membros da
comunidade religiosa que ele liderava. No caso sob exame, impende reconhecer a continuidade
delitiva entre os crimes praticados pelo réu contra as vítimas (continuidade delitiva conjuntural
externa), pois praticados em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução.
Nova jurisprudência consolidada no STF e no STJ sobre a matéria, em face da nova Lei nº
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 173

12.015/09. A pena carcerária definitiva aplicada ao réu vai reduzida, em face do afastamento da
valoração negativa, na pena-base, dos vetores da culpabilidade, personalidade, circunstâncias
e consequências, bem assim do reconhecimento da continuidade delitiva entre todos os fatos.
Fica mantido o regime inicial fechado para o cumprimento da pena carcerária. Prisão cautelar
mantida, com reconhecimento da detração própria. Manutenção das disposições periféricas
da sentença recorrida. Apelo parcialmente provido. (TJRS; ACr 0332169-30.2018.8.21.7000;
6ª C.Crim.; Rel. Des. Aymoré Roque Pottes de Mello; DJERS 19/12/2018)
87/42 – EXECUÇÃO PENAL. NOVA PROGRESSÃO. DATA DE INÍCIO DO
CÁLCULO PARA A PROGRESSÃO AO REGIME ABERTO. Jurisprudência que firmou
entendimento no sentido de que a data de início do lapso para a segunda progressão de regi-
me deve ser a correspondente àquela em que o apenado descontou a primeira fração exigida
em lei e não aquela em que se deu o deferimento da promoção ao regime intermediário.
Observância à segurança jurídica e celeridade processual. Agravo provido. (TJSP; AG-ExPen
0007490-68.2018.8.26.0026; Ac. 12101585; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Otávio de Almeida Toledo;
DJESP 20/12/2018; p. 735)
87/43 – EXECUÇÃO PENAL. SENTENCIADO SOBRE QUEM RECAIU NOVA
CONDENAÇÃO NO CURSO DA EXECUÇÃO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. Fixação de
termo inicial para o cálculo da progressão de regime e livramento condicional a partir da data do
trânsito em julgado da condenação ou da própria decisão condenatória superveniente. Agravo
que busca a alteração do marco interruptivo. Precedentes STF e STJ no sentido contrário, mas
sem força vinculante. Interpretação de que se discorda. Decisão que deve ser reformada para
determinar que o reinício da contagem dos lapsos para fins de benefícios fique subordinado
à apuração de falta disciplinar ou efetiva regressão de regime para a progressão de regime e
inviabilidade da interrupção do lapso para o livramento condicional. Agravo defensivo parcial-
mente provido. (TJSP; AG-ExPen 0007401-90.2018.8.26.0496; Ac. 12101582; 16 ª C.D.Crim.;
Rel. Des. Otávio de Almeida Toledo; DJESP 20/12/2018; p. 735)
87/44 – FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. COMPETÊNCIA PARA
INVESTIGAÇÃO E JULGAMENTO. QUESTÃO DE ORDEM NA AP 937/RJ. REIN-
TERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ALCANCE DA PRERROGATIVA DE
FORO. AUSÊNCIA DE CONEXÃO ENTRE O DELITO TIPIFICADO NO ART. 350
DO CÓDIGO ELEITORAL E O EXERCÍCIO DO MANDATO DO PARLAMENTAR
FEDERAL. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. REMESSA À JUSTIÇA
ELEITORAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Diante
da reinterpretação constitucional do alcance do disposto no art. 102, I, b, da Constituição, é de
competência da Justiça Eleitoral o trâmite de inquérito e processo criminal relativo ao delito
de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral). II – Não há falar em conexão
entre o mencionado delito e o exercício do mandato do parlamentar federal. III – Determinação
de remessa dos autos ao TER/RN, para que distribua os autos ao juízo eleitoral competente
para o processamento do feito. (STF; Inq-AgR 4.399; DF; 2ª T.; Rel. Min. Ricardo Lewandowski;
DJE 14/12/2018)
87/45 – FURTO. MAUS ANTECEDENTES. PECULIARIDADES DA CAUSA
QUE AUTORIZAM A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. A Primeira Turma do
STF já decidiu que condenações anteriores, alcançadas pelo decurso do prazo de 5 anos, embora
afastem a reincidência, não impedem os maus antecedentes. Precedente: ARE 925.136-AgR,
Rel. Min. Edson Fachin. 2. Situação concreta em que o paciente está condenado a 2 anos, 7
meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, por furto qualificado de um botijão de gás.
Nessas condições, ante o reduzido grau de reprovabilidade da conduta e atento à tese adotada
pelo plenário, nos HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, a ordem
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
174

deve ser concedida de ofício para, na linha de precedente recente desta Primeira Turma (HC
137.217), fixar desde logo o regime aberto. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida
de ofício para fixar o regime aberto. (STF; HC 144.209; SC; 1ª T.; Rel. p/o Ac. Min. Roberto
Barroso; DJE 14/12/2018)
87/46 – FURTO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
DA UNIÃO PARA JULGAMENTO DE CIVIL. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INCOM-
PETÊNCIA DO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA PARA JULGAMENTO DE
CIVIL. REJEIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ARREPENDIMENTO EFICAZ. NÃO
COMPROVAÇÃO. CONFISSÃO. A autoria e a materialidade delitivas restaram evidentes
nas provas colacionadas nos autos. A acusada praticou conduta típica, antijurídica e culpável,
coadunando-se, perfeitamente, com o tipo previsto no art. 240, caput, do Código Penal Mi-
litar. O lastro probatório é suficiente para amparar a condenação, sobretudo os testemunhos
concordantes e convergentes em relação ao modus operandi e às imagens do momento exato
da subtração do celular. A conduta da recorrente adequou-se de forma abstrata e material ao
tipo penal de furto, não havendo que falar em miudeza ou bagatela frente ao tamanho grau de
desrespeito no ato perpetrado. Em que pese ter se desculpado e devolvido a coisa furtada ao
ofendido, a conduta não se enquadra efetivamente no instituto do arrependimento eficaz. A
ação perpetrada pela apelante é típica, antijurídica e culpável, coadunando-se, perfeitamente,
com o previsto no caput do art. 240 do Código Penal Militar. Preliminar de incompetência da
Justiça Militar da União para julgamento de civil rejeitada. Decisão unânime. Preliminar de
incompetência do Conselho Permanente de Justiça para julgamento de civil rejeitada. Decisão
majoritária. Recurso não provido. Decisão unânime. (STM; APL 0000014-82.2017.7.07.0007;
Relª Minª Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha; DJSTM 14/12/2018; p. 3)
87/47 – FURTO QUALIFICADO. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AU-
MENTO DO CRIME COMETIDO DURANTE O REPOUSO NOTURNO. POSSIBI-
LIDADE. 1. Incide a majorante prevista no 1º do art. 155 do Código Penal, quando o crime
é cometido durante a madrugada, horário no qual a vigilância da vítima é menos eficiente e
seu patrimônio mais vulnerável. 2. Apelo conhecido e não provido. (TJAP; APL 0043035-
61.2014.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. João Lages; DJEAP 30/11/2018; p. 75)
87/48 – FURTO QUALIFICADO. CORRUPÇÃO DE MENORES. RECONHECI-
MENTO DO CONCURSO FORMAL. POSSIBILIDADE. PRÁTICA DE DOIS DELITOS
EM UMA ÚNICA AÇÃO. PROVIMENTO. 1. Havendo a prática de mais de um delito
mediante uma única ação, deve ser aplicada a regra do concurso formal de crimes. 2. Apelo
conhecido e provido. (TJAC; APL 0014756-85.2015.8.01.0001; Ac. 27.719; C.Crim.; Rel. Des.
Elcio Mendes; DJAC 19/12/2018; p. 17)
87/49 – FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. CONDENAÇÕES TRAN-
SITADAS EM JULGADO UTILIZADAS PARA INFERIR A PERSONALIDADE DO
AGENTE VOLTADA A PRÁTICA CRIMINOSA. FUNDAMENTO INIDÔNEO. NOVO
ENTENDIMENTO DA QUINTA TURMA DESTA CORTE SUPERIOR. REGIME
PRISIONAL. RÉU REINCIDENTE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS.
PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. PENA DEFINITIVA INFERIOR A 4 ANOS
DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. SÚMULA Nº 269 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante
da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhe-
cida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio
Superior Tribunal de Justiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial,
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 175

razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. A


Quinta Turma desta Corte Superior passou a entender que as condenações pretéritas devem
ser atreladas apenas aos maus antecedentes, afastando a valoração negativa da conduta social
e da personalidade do réu na primeira fase da dosimetria da pena. Precedentes. 3. Firmou-se,
neste Tribunal, a orientação de que é necessária a apresentação de motivação concreta para
a fixação de regime mais gravoso, fundada nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código
Penal – CP, ou em outra situação que demonstre efetivamente um plus na gravidade do delito.
No caso dos autos, por se tratar de paciente reincidente, embora a pena-base tenha sido fixada
no mínimo legal, uma vez que lhe foram favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do
Código Penal e a pena corporal seja inferior a 4 anos de reclusão, o regime inicial semiaberto
foi fixado exatamente nos termos do que dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal e em
conformidade com o entendimento jurisprudencial desta Corte, firmado no Enunciado de nº
269/STJ, segundo o qual: “é admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes
condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”. 4.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para afastar a valoração negativa da
personalidade do agente e redimensionar a pena do paciente para 2 anos de reclusão e paga-
mento de 10 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. (STJ; HC 481.978; Proc.
2018/0321769-0; MS; 5ª T.; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik; DJE 19/12/2018; p. 4.642)
87/50 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. DESCABIMENTO. LEGÍ-
TIMA DEFESA EVIDENCIADA. POLICIAIS MILITARES RECEBIDOS A TIROS POR
BANDIDOS EM FUGA. TESTEMUNHOS POR OUVIR DIZER. IMPRESTABILIDADE
PARA FINS DE MITIGAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA. RECURSOS PROVIDOS. 1.
Como se sabe, a sentença de pronúncia constitui-se num mero juízo de admissibilidade, através
da qual, por meio de uma decisão monocrática, o julgador reconhece a presença da prova da
materialidade e indícios suficientes de autoria de um crime doloso contra a vida, submetendo,
nesta hipótese, o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri, conforme dispõe o art. 413,
§ 1º, do CPP. 2. A despeito disso, não está o magistrado autorizado a simplesmente analisar se
houve crime ou não, devendo, quando este for qualificado, apreciar as circunstâncias fáticas
que autorizariam a inclusão das qualificadoras, não bastando simplesmente dizer que as qua-
lificadoras encontram-se demonstradas, sendo tarefa sua pelo menos vincular o evento fático
com a capitulação dada pela acusação, assim como analisar se a alegada legítima defesa se fez
presente a ponto de justificar a exclusão da ilicitude da conduta. 3. A única prova produzida
em Juízo e que aponta que teriam os acusados agido com excesso (pois coloca em dúvida se os
meliantes estavam ou não armados) refere-se a depoimentos por ouvir dizer, como reconhecido
expressamente pela sentenciante, sendo relatos de parentes dos baleados que não se encontravam
no local do ocorrido. 4. A bem da verdade, todos os elementos constantes dos autos apontam
no sentido de que agiram os recorrentes, de fato, em legítima defesa e no estrito cumprimento
do dever legal, já que é obrigação da força policial reprimir o crime, defendendo a sociedade
como um todo. 5. Recursos conhecidos e providos. (TJBA; RSE 0316127-68.2013.8.05.0001;
1ª C.Crim.; Rel. Des. Luiz Fernando Lima; DJBA 28/11/2018; p. 709)
87/51 – HOMICÍDIOS QUALIFICADOS E ROUBO. PACIENTE NÃO LOCA-
LIZADO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DOS MEIOS NECES-
SÁRIOS. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. PRODUÇÃO
ANTECIPADA DA PROVA ORAL. POSSIBILIDADE REAL DE ESQUECIMENTO.
DECISÃO FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. APLICAÇÃO
DO ART. 563 DO CPP. 1. A alegação de nulidade da citação por edital, sob o argumento de
ausência de esgotamento dos meios para localizar o acusado, não foi enfrentada pelo Tribunal
a quo, razão pela qual este Superior Tribunal de Justiça não pode examinar o tema, sob pena de
indevida supressão de instância. 2. “Não obstante o Enunciado nº 455 da Súmula desta Corte
de Justiça disponha que ‘a decisão que determina a produção antecipada de provas com base
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
176

no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o
mero decurso do tempo’, a natureza urgente ensejadora da produção antecipada de provas,
nos termos do citado artigo, é inerente à prova testemunhal, tendo em vista a falibilidade da
memória humana” (HC 210.388/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 06.12.2011, DJe
19.12.2011). 3. “A realização antecipada de provas não traz prejuízo ínsito à defesa, visto que,
a par de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, nada impede que, retomado
eventualmente o curso do processo com o comparecimento do réu, sejam produzidas provas
que se julgarem úteis à defesa, não sendo vedada a repetição, se indispensável, da prova pro-
duzida antecipadamente” (RHC 64.086/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. p/ o Acórdão Min.
Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, j. 23.11.2016, DJe 09.12.2016). 4. Recurso ordinário em
habeas corpus improvido. (STJ; RHC 97.930; Proc. 2018/0105432-5; SP; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca; DJE 19/12/2018; p. 4.338)
87/52 – IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. Sementes não possuem
a substância psicoativa (THC). Reduzida quantidade de substâncias apreendidas. Ausência de
justa causa para autorizar a persecução penal. Ordem concedida. (STF; HC-AgR 144.762; SP;
2ª T.; Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes; DJE 14/12/2018)
87/53 – JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA PENAL CON-
DENATÓRIA. INSURGÊNCIA APENAS CONTRA DOSIMETRIA APLICADA.
PRIMEIRA FASE. PLEITO DE AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS
CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ACOLHIMENTO PARCIAL.
CONSEQUÊNCIAS DO DELITO INERENTES AO TIPO PENAL. PENA-BASE REDI-
MENSIONADA. SEGUNDA FASE. PLEITO DE AFASTAMENTO DAS AGRAVANTES.
IMPOSSIBILIDADE. I – O luto da família é argumento inerente ao tipo penal e em razão disso
não serve, por si só, como fundamento para negativação das consequências do crime na primeira
fase da dosimetria. II – Na segunda etapa, não há que se reconhecer qualquer ilegalidade. Se
a pronúncia imputa ao réu três qualificadoras, é lícito ao magistrado sentenciante, nos termos
da copiosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a utilização de uma para qualificar o
delito e as demais como agravantes ou, em último caso, como circunstâncias judiciais negativas.
III – Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJAL; APL 0701199-89.2015.8.02.0056;
C.Crim.; Rel. Des. Sebastião Costa Filho; DJAL 12/11/2018; p. 145)
87/54 – JÚRI. HOMICÍDIO SIMPLES. PLEITO DE ANULAÇÃO DO VEREDI-
TO DOS JURADOS, POR MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS.
ACOLHIMENTO. CONDENAÇÃO NÃO AMPARADA EM SUPORTE PROBATÓRIO.
TESTEMUNHAS QUE APONTAM O RÉU COMO RESPONSÁVEL DO DELITO
APENAS POR “OUVIR DIZER” E NA FASE INQUISITORIAL. PRECEDENTES DO
STJ. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. JULGAMENTO ANULADO. I – A des-
peito de alguns depoimentos colhidos na fase policial indicarem o apelante como o autor do
delito em vértice, constata-se que todos os testemunhos colhidos se reportam a comentários da
população local por “ouvir dizer”. II – Na espécie, do lastro probatório dos autos não se extrai
um único testemunho que aponte, concreta e diretamente, a autoria delitiva ao recorrente ou
indique as suas supostas razões criminosas, existindo apenas testemunhos por ouvir dizer. III
– Recurso conhecido e provido. Julgamento anulado com o retorno dos autos à origem, para
que outro seja realizado. (TJAL; APL 0062869-19.2010.8.02.0001; C.Crim.; Rel. Des. Sebastião
Costa Filho; DJAL 17/12/2018; p. 154)
87/55 – JÚRI. RÉU PRONUNCIADO NO ART. 121, § 2º, I, E ART. 121, § 2º, I,
C/C O ART. 14, II, TODOS DO CPB. ABSOLVIÇÃO PELO CONSELHO DE SEN-
TENÇA. RECURSO MINISTERIAL. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS AFASTADA. EXISTÊNCIA DE SUBSTRATO
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 177

FÁTICO SUFICIENTE A SUBSIDIAR A DECISÃO DO TRIBUNAL POPULAR.


SOBERANIA DOS VEREDICTOS. Hipótese de recurso de apelação que somente merece
acolhida em casos excepcionais, quando manifesta a dissonância da decisão com a prova dos
autos, revelando teratologia. Inteligência do art. 593, III, d, do CPP. Defesa que sustentou a
tese de negativa de autoria acolhida pelo Conselho de Sentença. Opção dos jurados por uma
das versões apresentadas nos autos. Autoria que não restou cabalmente demonstrada, dando
margem à absolvição. Decisão hígida, amparada no in folio e na íntima convicção que permeia
o veredicto do Conselho de Sentença. Parecer da douta Procuradoria de Justiça pelo improvi-
mento da apelação. Recurso conhecido e improvido. (TJBA; AP 0502545-62.2016.8.05.0146;
2ª C.Crim.; Rel. Des. Julio Cezar Lemos Travessa; DJBA 28/11/2018; p. 787)
87/56 – LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO. ABSOLVIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. DEPOIMENTO POLICIAL.
CONFISSÃO PARCIAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
Comprovado, pelas declarações da vítima, depoimento policial e confissão parcial do réu, que
este agrediu a vítima, sua então companheira, causando-lhe lesões corporais, a manutenção do
édito condenatório pelo crime previsto no art. 129, § 9º, do CP é medida que se impõe. (TJMG;
APCR 1.0498.13.002490-0/001; 5ª C.Crim.; Rel. Des. Júlio César Lorens; DJEMG 12/11/2018)
87/57 – LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO. ABSOLVIÇÃO. IM-
POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. SUBSTITUIÇÃO
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS.
INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. RECURSO DESPROVIDO.
1. Comprovadas a materialidade e a autoria do crime de lesão corporal, diante das firmes e
coerentes declarações da vítima, corroboradas por outras provas colhidas nos autos de rigor a
manutenção da condenação firmada em primeira instância. 2. Considerando que o crime foi
cometido com violência à pessoa, descabido falar-se em substituição da reprimenda corporal
por pena restritiva de direitos. (TJMG; APCR 1.0433.15.020083-3/001; 5ª C.Crim.; Rel. Des.
Eduardo Machado; DJEMG 12/11/2018)
87/58 – LIVRAMENTO CONDICIONAL. INOBSERVÂNCIA A CRITÉRIOS
SUBJETIVOS. INOCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO SU-
MULAR Nº 441 DO STJ. 1. Como relatado, o Agravante pleiteia a reforma da sentença que
concedeu o benefício da liberdade condicional à Agravada, justificando que o magistrado
desconsiderou o fato de ter permanecido foragida por 39 dias, caracterizando falta grave e, por
consequência, ausência de cumprimento de critério subjetivo. 2. Impende ressaltar, que o co-
metimento de falta grave pelo apenado não pode se perpetuar como fator negativo à concessão
dos benefícios previstos em lei em favor do sentenciado, mormente se não houve a prática de
nova falta grave a caracterizar o mau comportamento carcerário do agravado. 3. Sem maiores
delongas, reputo não prosperar a pretensão do agravante por encontrar óbice ao Entendimento
Sumular nº 441 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso conhecido e desprovido. (TJAM;
AG-ExPen 0230998-20.2016.8.04.0001; 2ª C.Crim.; Rel. Des. Jorge Manoel Lopes Lins; DJAM
28/11/2018; p. 39)
87/59 – MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE
E AUTORIA COMPROVADAS. FALTA DE ELEMENTOS QUE CARACTERIZEM O
DOLO NA AÇÃO DO RÉU. ABSOLVIÇÃO COM BASE NO ART. 386, VII, DO CPP.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. 1. A materialidade delitiva restou
comprovada pela conclusão do laudo pericial e pelo depoimento em juízo da perita criminal
federal que o subscreveu. 2. Autoria delitiva do réu consubstanciada pela compra de merca-
doria em estabelecimento comercial com utilização de moeda falsa. 3. Falta de elementos que
caracterizem o dolo, vez que é cabível considerar que o réu agiu de boa-fé e que não tinha
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
178

conhecimento acerca da falsidade da cédula que utilizou para comprar o bem indicado nestes
autos. 4. Absolvição, com base no art. 386, VII, do CPP, por não existirem provas suficientes
quanto ao dolo na ação do réu que justifiquem sua condenação. 5. Aplicação do princípio in
dubio pro reo. 6. Apelação criminal provida. (TRF 2ª R.; ACR 0013005-12.2012.4.02.5001; RJ;
2ª T.Esp.; Relª Desª Fed. Simone Schreiber; DEJF 03/12/2018)
87/60 – NULIDADE DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE
DELITO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. AFASTAMENTO DA QUALIFICA-
DORA. APLICAÇÃO DA ATENUANTE GENÉRICA. RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO. 1. O crime de apropriação indébita se consuma no momento em que o agente,
livre e conscientemente, inverte o domínio da coisa que se encontra na sua posse, passando a
dela dispor como se fosse o proprietário. Assim, restam comprovadas autoria e materialidade
do crime em questão. 2. Quanto à preliminar de nulidade pela ausência de exame de corpo
de delito nos crimes que deixam vestígios, destaca-se que, no caso do crime de apropriação
indébita, esse não deixa qualquer vestígio passível de ser periciado, não sendo cabível a aplica-
ção do art. 158 do CPP. 3. A menos que reste evidente a total falta de intenção de inversão do
domínio de coisa alheia móvel de que tem posse, a restituição do bem ou o ressarcimento do
dano não são hábeis a excluir a tipicidade ou afastar a punibilidade do agente. 4. Na apropria-
ção indébita, o elemento subjetivo do tipo caracteriza-se com a vontade de modificar o título
de mero detentor da coisa, tornando-se “proprietário”, podendo sobre ela exercer domínio
pleno, então, no momento em que houve essa transferência da titularidade da coisa, o crime
se consumou. 5. No que diz respeito ao pedido da defesa de afastamento da qualificadora,
esse não deve prosperar, visto que a qualificadora é uma das técnicas legislativas utilizadas para
demonstrar que o crime cometido em uma das circunstâncias descritas merecem uma maior
reprovabilidade, no caso, o apelante detinha a posse dos cheques em razão da sua atividade
profissional, conduta esta que merece maior rigor. 6. O fato de o ressarcimento do dano não
ter sido completo, não pode ser considerado causa de extinção de punibilidade, nem mesmo
atribuir-se-lhe o efeito de comprovar a ausência de dolo específico, assim, a sentença não merece
ser reformada. 7. Inexistindo os requisitos da voluntariedade e da espontaneidade, o fato de o
acusado ter efetuado a devolução parcial do valor por ele apropriado, não conduz a aplicação da
referida atenuante, assim, não sendo essa devolução voluntária, não há como aplicar atenuante.
8. Recurso conhecido e não provido, em consonância com o parecer ministerial. (TJAM; APL
0227169-70.2012.8.04.0001; 2ª C.Crim.; Relª Desª Onilza Abreu Gerth; DJAM 28/11/2018; p. 38)
87/61 – PECULATO. CONDENAÇÃO. CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. Comete o crime de
peculato o réu que se apropria de 2 (dois) laptops pertencentes ao quartel, que estavam em sua
posse, acautelados, a fim de desviá-los em benefício próprio, permutando os equipamentos
numa casa de penhores pela importância de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais). Materialidade
delitiva demonstrada pela cautela do material, pelos auto de apreensão, Laudo de Avaliação nº
01/2016-S4 e recibos de penhora acostados aos autos. Autoria comprovada tanto pela confissão
do réu em Juízo como pelas provas testemunhais. Condenação que se impõe. A jurisprudência é
pacífica no sentido da impossibilidade da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva
de direitos, em função de a legislação penal militar não contemplar tal instituto e em razão da
especialidade e da autonomia do Direito Penal Militar. Precedentes do STM. Mesclar o regime
penal comum e o castrense, de modo a selecionar o que cada um tem de mais favorável ao
Réu é incompatível com o princípio da especialidade das Leis. A disciplina mais rigorosa do
Código Penal Castrense é fruto de política legislativa que visa ao combate com maior rigor
das infrações definidas como militares. Precedentes do STF. Recurso defensivo desprovido.
Unânime. (STM; APL 7000210-12.2018.7.00.0000; Rel. Min. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos;
DJSTM 20/12/2018; p. 8)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 179

87/62 – PECULATO. REGIME PRISIONAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.


EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. 1. Inadmissível o emprego do
habeas corpus como sucedâneo de recurso ou revisão criminal. Precedentes. 2. A fixação do regime
inicial de cumprimento da pena não está condicionada somente ao quantum da reprimenda, mas
também ao exame das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, conforme remissão
do art. 33, § 3º, do referido diploma legal. Precedentes. 3. A execução provisória “de acórdão
penal condenatório proferido em julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial
ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência
afirmado pelo art. 5º, LVII, da CF” (HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe
17.05.2016). Ressalva de entendimento desta Relatora. 4. Orientação reafirmada por este STF,
ao indeferir as medidas cautelares requeridas nas ADCs 43 e 44, em que pretendida, ao argu-
mento da inconstitucionalidade do art. 283 do CPP, a suspensão das execuções provisórias da
condenação confirmada em 2º grau. 5. Ratificação da jurisprudência da Casa, ao julgamento
do ARE 964.246-RG/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário Virtual, DJe 25.11.2016, sob a
sistemática da repercussão geral, nos seguintes termos: “a execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário,
não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º,
LVII, da CF”. 6. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF; HC-AgR 148.879; SP; 1ª
T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 13/12/2018)
87/63 – PECULATO-DESVIO. SAQUE DE VERBA INDENIZATÓRIA DESTI-
NADA AO EXERCÍCIO DO MANDATO PARLAMENTAR. FICTÍCIA PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. ÔNUS PROBATÓRIO DO ÓRGÃO
ACUSATÓRIO. FRAGILIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS. IMPROCEDÊNCIA
DA PRETENSÃO CONDENATÓRIA QUE SE IMPÕE. 1. O princípio da presunção de
inocência ou de não culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da CF, preceitua, na sua acep-
ção probatória, que cabe ao órgão acusatório o ônus de comprovar a ocorrência de todas as
circunstâncias elementares do tipo penal atribuído ao acusado na incoativa, sob pena de tornar
inviável a pretendida responsabilização criminal. 2. No caso, a denúncia, na parte em que
recebida pelo Plenário da Suprema Corte, imputa ao acusado a prática do crime de peculato,
na modalidade desvio, em razão do saque de verba indenizatória disponibilizada pelo Senado
Federal para custeio de despesas relacionadas ao exercício do mandato parlamentar, mediante
a apresentação de notas fiscais que representariam de forma fictícia a prestação de serviço de
locação de veículos. 3. Nada obstante as inúmeras contradições verificadas nas declarações
prestadas em juízo por testemunhas defensivas, o conjunto probatório não se mostra capaz de
sustentar a referida tese acusatória com a certeza exigida para a prolação do pretendido édito
condenatório, razão pela qual se mostra imperiosa a absolvição do acusado, nos termos do art.
386, VII, do CPP. 4. Denúncia julgada improcedente. (STF; AP 1.018; DF; 2ª T.; Rel. Min.
Celso de Mello; DJE 12/12/2018)
87/64 – PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE POR PES-
SOA JURÍDICA. LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. I – De acordo com o art. 23 da Lei nº
9.605/98, a pena de prestação de serviços à comunidade a ser cumprida por pessoas jurídicas
pode ocorrer através de quatro formas alternativas ou cumulativas: i) custeio de programas e
de projetos ambientais; ii) execução de obras de recuperação de áreas degradadas; iii) manu-
tenção de espaços públicos; ou iv) contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
II – Se não há meios aptos para promover a fiscalização da pena de manutenção de espaços
públicos originariamente decretada em face da empresa apenada, admite-se a alteração para
a modalidade de contribuição a entidades ambientais ou culturais públicas, não implicando
violação à coisa julgada, na medida em que não houve modificação da pena imposta pelo juízo
de conhecimento à pessoa jurídica, mas sim adequação da pena de prestação de serviços à co-
munidade para viabilizar o seu cumprimento, à luz do princípio da razoabilidade, nos estritos
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
180

termos autorizadores dos arts. 66, V, alínea a, e 148, ambos da LEP. III – Agravo em execução
penal não provido. (TRF 2ª R.; AG-ExPen 0500289-62.2018.4.02.5104; RJ; 2ª T.Esp.; Rel. Des.
Fed. Marcello Granado; DEJF 17/12/2018)
87/65 – PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. POLUIÇÃO SONORA. IRREGULA-
RIDADE DE INTIMAÇÃO. PATROCÍNIO DA DEFENSORIA PÚBLICA. REVELIA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CONTRAVENÇÃO
PENAL. CRIME AMBIENTAL. CONSUNÇÃO. 1. Não há que se falar em cerceamento
do direito de defesa quando o réu deixa de comunicar ao juízo a mudança de endereço e não
é encontrado para ser cientificado dos atos processuais, conduzindo à decretação de revelia. 2.
O art. 399, § 2º, do CPP, apresenta caráter relativo, devendo ser analisado à luz do disposto no
art. 132 do CPC, segundo o qual, nos casos de convocação, licença, promoção ou outro motivo
que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de sentenciar o feito, os autos passarão ao
sucessor do magistrado. Precedentes do TJAP. 3. Aplica-se o princípio da consunção quando
uma infração penal é tida como o meio para a prática de crime mais grave, ficando por este
aquele primeiro absorvido. 4. No caso, a contravenção penal de perturbação do sossego (art.
42, II e III, da Lei de Contravenções Penais) deve ser absorvida pelo crime mais grave de po-
luição ambiental (art. 54, caput da Lei nº 9.605/98), já que aquela primeira corresponde à etapa
executória do crime de poluição sonora narrado na denúncia. 5. Apelo parcialmente provido.
(TJAP; APL 0006854-27.2015.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. João Lages; DJEAP 26/11/2018; p. 59)
87/66 – POLUIÇÃO. DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. DESNECESSI-
DADE DE MOTIVAÇÃO EXAURIENTE. JUSTA CAUSA VERIFICADA. LAUDO PERI-
CIAL. DESNECESSIDADE. CRIME FORMAL E DE PERIGO ABSTRATO. RECURSO
NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento
da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada
quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de
extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade
do delito. 2. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos
de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do
in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissi-
bilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente
demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 3. A decisão que recebe
a denúncia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita o pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397)
não demandam motivação profunda ou exauriente, considerando a natureza interlocutória de
tais manifestações judiciais, sob pena de indevida antecipação do juízo de mérito, que somente
poderá ser proferido após o desfecho da instrução criminal, com a devida observância das regras
processuais e das garantias da ampla defesa e do contraditório. 4. No caso em exame, o recor-
rente e sua empresa foram denunciados por terem causado poluição, em níveis tais, que possam
resultar danos à saúde humana, ao lançarem resíduos gasosos, em descordo com as exigências
estabelecidas em leis e regulamentos. A denúncia foi inicialmente recebida por não estarem
presentes os motivos previstos no art. 395 do CPP, oportunidade em que foi determinada a
citação do acusado. Após a apresentação da defesa preliminar, foi proferida decisão mantendo o
recebimento da denúncia, inexistindo qualquer vício de fundamentação que, apesar de sucinta,
afasta a hipótese de absolvição sumária e ratifica a existência de materialidade e autoria delitiva,
além de afirmar que as questões trazidas na resposta à acusação confundem com o próprio
mérito, razão pela qual devem ser debatidas após a instrução criminal. 5. Hipótese em que,
de forma sucinta, porém suficientemente fundamentada, foi afastada a absolvição sumária,
apontando a existência de provas nos autos acerca da materialidade e indícios de autoria em
desfavor do acusado, bem como que as questões trazidas na resposta à acusação confundem
com o próprio mérito, razão pela qual devem ser debatidas após a instrução criminal. 6.
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 181

Conforme reiterada jurisprudência do STJ e na esteira do posicionamento adotado pelo STF,


consagrou-se o entendimento de inexigibilidade de fundamentação complexa no recebimento
da denúncia, em virtude de sua natureza interlocutória, não se equiparando à decisão judicial a
que se refere o art. 93, IX, da CF. 7. “De acordo com o entendimento deste Tribunal, a Lei de
Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável
e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência têm conferi-
do à parte inicial do art. 54 da Lei nº 9.605/98, de que a mera possibilidade de causar dano à
saúde humana é idônea a configurar o crime de poluição, evidenciada sua natureza formal ou,
ainda, de perigo abstrato” (RHC 62.119/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe
05.02.2016). 8. Nesse momento processual, o delito em questão dispensa resultado naturalístico
e a potencialidade de dano da atividade descrita na denúncia é suficiente para caracterizar o
crime de poluição ambiental, independentemente de laudo específico para a comprovação do
dano grave e irreversível ao meio ambiente. 9. Recurso não provido. (STJ; RHC 97.929; Proc.
2018/0105419-6; SP; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 19/12/2018; p. 4.336)
87/67 – PRÁTICA DE NOVO ATO INFRACIONAL NO CURSO DA EXE-
CUÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. CUMPRIMENTO DE INTERNAÇÃO
PROVISÓRIA. ART. 45, § 1º, DA LEI Nº 12.594/2012. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
AUSÊNCIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. O presente habeas corpus tem como fundamento
central o suposto constrangimento ilegal do paciente, em razão de sua constrição além do prazo
de 03 (três) anos, desde a medida socioeducativa de internação, por tempo indeterminado,
pela prática de ato infracional análogo ao delito descrito no art. 121, § 2º, II e IV, c/c o art. 29,
caput, ambos do Código Penal, a teor do art. 103 do ECA. 2. Descortina-se das informações,
que a soltura do paciente não se efetivou após transcorrido o lapso de 3 (três) anos da medi-
da socioeducativa de internação, em razão da prática de novo ato infracional cometido pelo
mesmo (Autos 0000428-02.2018.8.01.0081) durante o seu cumprimento. 3. A situação em
exame abrange a exceção prevista no art. 45, § 1º, da Lei nº 12.594 (à medida que o adoles-
cente cometera novo ato infracional durante o cumprimento da medida de internação, com
prazo máximo de cumprimento quase findo. Acontece, porém, que é possível ao Juízo, ainda
que proceda a unificação, reinicie o cumprimento de medida socioeducativa, sem configurar
constrangimento ilegal. 4. Denegação da Ordem. (TJAC; HC 1002418-60.2018.8.01.0000; Ac.
6.909; 2ª C.Cív.; Rel. Des. Roberto Barros; DJAC 21/12/2018; p. 31)
87/68 – PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. ART. 316, CAPUT,
DO CP. DENÚNCIA. DEPUTADO ESTADUAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA E ILICI-
TUDE DA COLHEITA DE PROVA. AFASTAMENTO. RECEBIMENTO. PRINCÍPIO
IN DUBIO PRO SOCIETATE. Estando a denúncia formalmente perfeita e existindo indícios
suficientes de materialidade e autoria sustentados em elementos colhidos no decorrer do in-
quérito, seu recebimento é medida que se impõe, permitindo que a elucidação dos fatos ocorra
durante a instrução criminal realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. (TJRR;
ExSusp 0000.18.000059-8; T.P.; Rel. Juiz Conv. Luiz Fernando Mallet; DJERR 12/11/2018; p. 3)
87/69 – REGRESSÃO DEFINITIVA DE REGIME PRISIONAL. FALTA DE PRÉVIA
OITIVA JUDICIAL DO CONDENADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDEN-
CIADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O STF, por sua Primeira Turma, e a
Terceira Seção deste STJ, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a
restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal
própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante
ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é
o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão
ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento
requer. 2. Esta Corte Superior de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, nos
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
182

termos do art. 118, § 2º, da Lei nº 7.210/84 (LEP), o condenado deve ser ouvido pessoalmente
pelo magistrado antes da regressão definitiva de regime, sendo insuficiente a apresentação de
justificação por escrito pelo advogado ou pelo próprio condenado. 3. Na espécie, o Juízo da
instância primeira e o Tribunal de origem determinaram a regressão definitiva ao regime pri-
sional anterior, sem a oitiva do sentenciado, o que caracteriza flagrante ilegalidade. 4. Habeas
corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício para anular a decisão proferida
pelo Juízo da instância primeira, no que concerne à determinação da regressão definitiva de
regime, a fim de que, quanto a esse aspecto, outra seja proferida com a observância da prévia
oitiva judicial do condenado. (STJ; HC 478.958; Proc. 2018/0302093-9; SC; 5ª T.; Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 19/12/2018; p. 4.618)
87/70 – REINCIDÊNCIA. AGRAVANTE DE PENA E CIRCUNSTÂNCIA A
BALIZAR A FIXAÇÃO DE REGIME PRISIONAL E A INCIDÊNCIA DE CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. 1. A jurisprudência da Su-
prema Corte evoluiu para, novamente, admitir a impetração de habeas corpus em substituição
a recurso ordinário constitucional (HC 152.752, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno,
DJe-127 de 27.06.2018). 2. Não configura bis in idem a valoração da reincidência tanto na 2ª
fase da dosimetria da pena como para afastar a incidência da causa de diminuição do § 4º do
art. 33 da Lei de Tóxicos (3ª fase). Precedente: RHC 121.598, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma,
DJe 21.11.2014. 3. O Plenário desta Suprema Corte, em sede de Recurso Extraordinário com
Repercussão Geral, já assentou a constitucionalidade da reincidência como agravante genérica
da pena (RE 453.000/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJe 03.10.2013), entendimento
este que produz reflexos em suas repercussões sobre a fixação do regime inicial de cumprimento
da reprimenda, a incidência de causas de diminuição e outros próprios da individualização
da pena. 4. Pedido de destaque de julgamento não acolhido. A Resolução STF nº 587/2016
faculta ao Relator submeter os agravos internos a julgamento em ambiente eletrônico, por
meio de sessões virtuais nas Turmas desta Suprema Corte. 5. Agravo regimental conhecido
e não provido. (STF; RHC-AgR 141.044; TO; 1ª T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 26/11/2018)
87/71 – REMIÇÃO. TRABALHO DIÁRIO ENTRE SEIS E OITO HORAS. CÔM-
PUTO PELO NÚMERO DE DIAS TRABALHADOS. PRECEDENTES. I – “O art. 126,
§ 1º, II, da Lei de Execução Penal é claro ao afirmar que a contagem do tempo a ser remido será
feita com base em dias, e não em horas de trabalho. Assim, se o trabalho do preso se restringir
ao lapso temporal considerado pela Lei como jornada normal (seis a oito horas diárias, art. 33),
deve ser considerado como um dia, para efeito de remição” (HC 216.815/RS, Relª Minª Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 17.10.2013). (TJMG; Ag-ExcPen 1.0301.15.000578-
5/002; 5ª C.Crim.; Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho; DJEMG 12/11/2018)
87/72 – REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I, DO CPP. AUMENTO DA PENA.
CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71, IN FINE, DO CP. TRÁFICO INTERNACIO-
NAL DE PESSOAS. ART. 231 DO CP, NA REDAÇÃO ANTERIOR AO ADVENTO DA
LEI Nº 13.344/2016. AGRAVAMENTO DA CONDIÇÃO JURÍDICA DO APENADO.
IMPOSSIBILIDADE. ART. 626, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP. I – Se o acórdão do
Tribunal considerou as circunstâncias judiciais e o número de infrações cometidas para aferir
o quantum de aumento de pena, dentro do percentual de um 1/6 e 2/3 decorrente da conti-
nuidade delitiva, em sintonia com a parte final do art. 71 do Código Penal, não há de se falar
em revisão criminal por contrariedade a dispositivo expresso de Lei, previsto no art. 621, I,
do CPP. II – Ainda que equivocadamente tenha sido concedido o benefício de substituição da
pena por restritivas de direitos, a hipótese não pode ser admitida nesta esfera procedimental
para invocar eventuais benefícios que não foram tratados na ocasião do julgamento, tampouco
pode ser objeto de revisão criminal cujo desiderato seria decotar o benefício concedido, hipó-
tese inadmissível em sede de revisão criminal que não pode ser utilizada como instrumento
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 183

para agravar a situação jurídica do apenado (art. 626, parágrafo único). III – Improcedência
do pedido revisional. (TRF 1ª R.; RVCR 0054650-70.2016.4.01.0000; RR; 2ª S.; Rel. Des. Fed.
Cândido Ribeiro; DJF1 19/12/2018)
87/73 – ROUBO CIRCUNSTANCIADO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA
PERANTE O JUÍZO DO LOCAL EM QUE OCORRERAM OS FATOS. EXISTÊNCIA DE
PRÉVIA INVESTIGAÇÃO POLICIAL NA QUAL FOI DEFERIDA A INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA DOS INVESTIGADOS. CONEXÃO INTERSUBJETIVA E INSTRU-
MENTAL. PREVENÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 78, II, C, DO CPP. PROLAÇÃO
DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE REMESSA DOS AUTOS
AO JUÍZO COMPETENTE. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. É cediço que, em
razão da ligação entre dois ou mais crimes, é conveniente a sua reunião, permitindo-se que a
autoridade judicial tenha uma ampla visão do quadro probatório, e evitando-se a prolação de
decisões contraditórias. 2. A conexão instrumental, prevista no art. 76, III, do CPP, pressupõe
que a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influencie na
comprovação de outro delito. 3. Na espécie, como visto, além de se estar diante de infrações
praticadas pelos mesmos acusados em períodos e locais diversos (inciso I do art. 76 da Lei
Penal Adjetiva), as provas colhidas perante o Juízo da 9ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia
são relevantes e influenciam, diretamente, na apuração dos roubos praticados pela organiza-
ção criminosa nas diversas cidades do interior de Goiás, tanto que, para demonstrar que o
recorrente e demais corréus participaram do delito cometido em Montes Claros de Goiás, a
autoridade policial se valeu das diligências realizadas pelo Grupo Antirroubo a Bancos, nota-
damente as interceptações judicialmente autorizadas. 4. Ao contrário do que afirmado pelas
instâncias de origem, não há se falar em prevenção diante da concorrência de dois ou mais
juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, mas sim em razão da conexão
intersubjetiva e instrumental, o que atrai a regra prevista no art. 78, II, c, do CPP. Precedentes.
5. Contudo, em consulta à página eletrônica do Tribunal de origem, constatou-se que já foi
proferida sentença condenatória na ação penal em tela, estando pendente de julgamento o
recurso de apelação interposto pela defesa, o que impede a remessa dos autos ao Juízo da 9ª
Vara Criminal da Comarca de Goiânia, nos termos do art. 82 do CPP. Doutrina. Precedentes.
6. Recurso desprovido. (STJ; RHC 87.393; Proc. 2017/0178239-4; GO; 5ª T.; Rel. Min. Jorge
Mussi; DJE 19/12/2018; p. 4.317)
87/74 – ROUBO EM CONCURSO FORMAL DE DELITOS. PLEITO DE RECO-
NHECIMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA REFERENTE À FORMA
TENTADA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APPREHENSIO OU
AMOTIO. CONSUMAÇÃO QUE OCORRE COM A SIMPLES INVERSÃO DA POSSE,
AINDA QUE A RES FURTIVA SEJA RECUPERADA EM SEGUIDA. JURISPRUDÊNCIA
DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. I – De acordo com a jurisprudência pacífica dos Tribunais
Superiores, a teoria adotada no Brasil para a consumação dos crimes contra o patrimônio é a
teoria da apprehensio ou amotio, segundo a qual o delito se consuma quando o bem é transferido
para o poder do agente, ainda que por breves instantes, sendo desnecessária a posse mansa,
pacífica ou desvigiada do objeto. II – Recurso conhecido e improvido. (TJAL; APL 0717119-
06.2017.8.02.0001; C.Crim.; Rel. Des. Sebastião Costa Filho; DJAL 17/12/2018; p. 153)
87/75 – ROUBO MAJORADO PELO USO DE ARMA DE FOGO E PELO CON-
CURSO DE PESSOAS. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA DEVIDAMENTE
COMPROVADAS. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO DE CRIMES. CIRCUNSTÂN-
CIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME VALORADAS NEGATIVAMENTE PELO
JUÍZO A QUO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍ-
NIMO LEGAL. ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA.
REDIMENSIONAMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA SANÇÃO
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
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PECUNIÁRIA IMPOSTA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.


1. Nos crimes patrimoniais, a palavra da vítima é de extrema relevância, sobretudo quando
reforçada pelas demais provas constantes nos autos, em conformidade com os precedentes do
Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma, AgRg no AREsp 1.142.136/ES, Rel. Min. Jorge Mussi, j.
21.06.2018, publ. 28.06.2018). 2. In casu, a autoria e a materialidade delitiva foram devidamente
comprovadas, apontando a perpetração do delito constante no art. 157, § 2º, incisos I e II, do
Código Penal, em consonância com os elementos informativos colhidos na fase inquisitorial,
corroborados pelas demais provas produzidas em Juízo. 3. O roubo praticado mediante uma
só ação contra vítimas diferentes, não caracteriza crime único, mas delitos em concurso for-
mal, porquanto violados patrimônios distintos, em consonância com precedentes da Corte
Superior. Destarte, o aumento de pena ter como parâmetro o número de delitos perpetrados,
no intervalo legal entre as frações de 1/6 e 1/2, quando os delitos não resultarem de desígnios
autônomos. 4. A valoração negativa das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código
Penal, relativamente à primeira fase da dosimetria da pena, exige fundamentação razoável, o que
não ocorreu no caso concreto, razão pela qual a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, eis
que ausentes circunstâncias desfavoráveis. 5. Redimensionadas a pena privativa de liberdade e
a sanção pecuniária imposta, deve ser alterado o regime inicial de cumprimento de pena para
semiaberto, em conformidade com o disposto no art. 33, § 2º, b, do Código Penal. 6. Recurso
conhecido e parcialmente provido. (TJCE; APL 0003078-66.2008.8.06.0167; 1ª C.Crim.; Rel.
Des. Francisco Carneiro Lima; DJCE 20/12/2018; p. 119)
87/76 – ROUBO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE
PROVAS. ACOLHIMENTO. A existência de indícios, ainda que fortes, de que os réus te-
nham praticado o crime em apreço não basta para a prolação de decreto condenatório, sendo
imprescindível a existência de provas seguras a esse respeito. Provas coligidas em Juízo insufi-
cientes para demonstrar, com segurança, a prática delitiva atribuída aos acusados. Observância
do princípio in dubio pro reo. Recursos providos para absolver os réus, com fundamento no
art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, com recomendação. (TJSP; APL 0007060-
78.2010.8.26.0291; Ac. 12081718; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Luis Augusto de Sampaio Arruda;
DJESP 20/12/2018; p. 718)
87/77 – ROUBO QUALIFICADO. ART. 157, § 3º, I, DO CPB. MATERIALIDADE
E AUTORIA COMPROVADAS. PROVA DOCUMENTAL. DEPOIMENTOS FIRMES E
COESOS DAS VÍTIMAS. CONFISSÃO. RECONHECIMENTO EM JUÍZO. DESCLAS-
SIFICAÇÃO PARA ROUBO MAJORADO. IMPROCEDÊNCIA. LESÃO CORPORAL
GRAVE COMPROVADA PELO CONJUNTO DA PROVA DOS AUTOS. MAJORAN-
TES DO § 2º DO ART. 157 DO CPB. INAPLICABILIDADE AO CRIME DE ROUBO
QUALIFICADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A autoria e a materialidade
dos crimes restaram sobejamente comprovadas pela produção probante levada a efeito duran-
te a instrução processual. A prova documental, os depoimentos firmes e coesos das vítimas,
corroborados pela confissão do réu, mostram-se hábeis para atestar a tese da acusação. 2. Não
procede a pretensão de desclassificação do crime de roubo qualificado para roubo majorado,
haja vista que o exame pericial, analisado em conjunto com as demais provas produzidas nos
autos, permite concluir que houve lesão corporal de natureza grave como resultado do crime
de roubo qualificado praticado pelo apelante. 3. Nos exatos termos do art. 168 do Código de
Processo Penal, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os
vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. 4. As causas de aumento da pena pró-
prias do roubo majorado, previstas no § 2º do art. 157 do CPB, não são aplicáveis ao crime de
roubo qualificado, capitulado no § 3º do mesmo dispositivo legal, por constituir um modelo
típico complexo, formado pela integração dos delitos de roubo e lesão corporal grave ou morte,
para o qual a pena cominada é proporcional à maior gravidade da conduta. 5. Recurso a que se
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 185

dá parcial provimento. (TJCE; APL 0032731-82.2015.8.06.0001; 1ª C.Crim.; Relª Desª Maria


Edna Martins; DJCE 20/12/2018; p. 122)
87/78 – SAÍDA TEMPORÁRIA. LIMINAR INDEFERIDA. Juízo a quo indeferiu
o pedido de saída temporária do dia dos pais e dia das crianças porque a paciente cumpria
elevada pena corporal no regime inicial fechado e foi promovida recentemente ao semiaberto,
não preenchendo os requisitos legais para a obtenção da benesse. Constrangimento ilegal não
demonstrado. Ordem prejudicada no mérito. (TJSP; HC 2171851-49.2018.8.26.0000; Ac.
12096361; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Osni Pereira; DJESP 20/12/2018; p. 733)
87/79 – SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A
DO CÓDIGO PENAL. CONTADOR. PARTICIPAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO DA EM-
PRESA. INOCORRÊNCIA. AUTORIA E DOLO NÃO COMPROVADOS. SENTENÇA
ABSOLUTÓRIA MANTIDA. 1. Ao acusado foi imputada a prática do crime de sonegação de
contribuição previdenciária, previsto no art. 337-A do Código Penal. 2. Conforme entendimento
jurisprudencial, o fato de ser o contador da empresa não atrai a responsabilidade criminal pelo
delito em comento, visto que a autoria em crimes desta natureza se dá pela efetiva participação
na gestão e administração da empresa. 3. O contador da empresa não tem o dever de impedir que
o crime se efetive. 4. O princípio in dubio pro reo tem fundamentação no princípio constitucional
da presunção de não culpabilidade, impondo a absolvição quando não houver prova segura
da prática do crime. 5. Esse entendimento também está assentado no parecer do Ministério
Público Federal, o que reforça as razões de decidir. 6. Sentença absolutória mantida por seus
próprios fundamentos. 7. Apelação não provida. (TRF 1ª R.; ACR 0015012-92.2014.4.01.3300;
BA; 3ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. José Alexandre Franco; DJF1 19/12/2018)
87/80 – TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. MATERIALIDA-
DE COMPROVADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IRRELEVÂNCIA PENAL
DOS FATOS. AUTORIA COMPROVADA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. 1.
O crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97 é formal, de perigo abstrato. A lesividade da
rádio clandestina independe da potência de seu transmissor ou da antena, razão pela qual não é
aplicável o princípio da insignificância. Precedentes. 2. O art. 183 da Lei nº 9.472/97 tutela um
bem jurídico penalmente relevante, tipificando hipótese em que pode ocorrer significativo dano
e em que as sanções administrativas não são respostas suficientes ao agente. 3. Materialidade
e autoria devidamente comprovadas. Segundo ficou confirmado, o réu era o responsável pela
igreja e pelos equipamentos apreendidos e tinha inequívoca ciência do funcionamento irregular
da rádio. 4. O fato de a rádio funcionar apenas no período noturno não afasta o perfazimento do
crime. Também é irrelevante, no que toca à tipicidade, a utilização da rádio somente para fins
religiosos. 5. Pena privativa de liberdade e de multa reduzidas ao mínimo legal. 6. Mantidos o
regime inicial aberto, o valor do dia-multa no mínimo legal e a substituição da pena privativa
de liberdade por duas restritivas de direitos. 7. Apelação parcialmente provida. (TRF 3ª R.; ACR
0016762-75.2008.4.03.6181; SP; 1ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. Alessandro Diaferia; DEJF 19/12/2018)
87/81 – TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. RÁDIO EVAN-
GÉLICA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DESCLASSIFICAÇÃO
PARA O TIPO PENAL DO ART. 70 DA LEI Nº 4.117/62. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL. MANTIDA A CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA
DA PENA. PENA-BASE REDUZIDA PARA O MÍNIMO LEGAL. PENA DE MULTA
REDIMENSIONADA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA REDUZIDA. 1. Materialidade e
autoria devidamente comprovadas. 2. O conjunto probatório é consistente e harmonioso para
demonstrar que os fatos narrados na denúncia amoldam-se perfeitamente à conduta prevista
no art. 183 da Lei nº 9.472/97, que tipifica a operação clandestina de atividade de telecomuni-
cações, ou seja, sem a devida autorização, como no caso em exame. Já o delito do art. 70 da Lei
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
186

nº 4.117/62 incrimina a conduta de instalação ou utilização de telecomunicações, inclusive de


rádio comunitária, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para
funcionar. Pedido de desclassificação afastado. 3. O crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97
é formal, de perigo abstrato, e a finalidade da rádio é irrelevante no que toca à tipicidade do
delito. A jurisprudência majoritária tem afastado a aplicação do princípio da insignificância em
casos semelhantes. 4. Dosimetria da pena. Pena-base reduzida ao mínimo legal, ante a ausência
de circunstâncias judiciais desfavoráveis. 5. Pena de multa fixada na forma do art. 49 do Código
Penal, porém reduzida para 10 (dez) dias-multa, à luz da proporcionalidade entre a pena de
multa e a pena privativa de liberdade. 6. Fixado o regime inicial aberto para o cumprimento
da pena privativa de liberdade. 7. Mantida a substituição por duas penas restritivas de direito.
Pena de prestação pecuniária reduzida para o valor de 1 (um) salário mínimo. 8. Concedidos
os benefícios da justiça gratuita. 9. Apelação da defesa parcialmente provida. (TRF 3ª R.; ACR
0012602-07.2008.4.03.6181; SP; 1ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. Alessandro Diaferia; DEJF 19/12/2018)
87/82 – TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART.
33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. AL-
TERAÇÃO DESSE ENTENDIMENTO. SÚMULA Nº 7/STJ. CAUSA DE AUMENTO
DO ART. 40, III, DA REFERIDA LEI. CARACTERIZADA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, os condenados pelo crime de tráfico de
drogas terão a pena diminuída de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), quando forem reconheci-
damente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas
ou integrarem organização criminosa. 2. Na hipótese, o Tribunal de origem afastou a aplicação
da referida minorante, por entender que o agente se dedica ao tráfico de drogas, tendo em
vista sua própria confissão, o fato de já ter sido objeto de prévia investigação e registrar em seu
desfavor condenação anterior por práticas idênticas. Logo, a alteração desse entendimento – a
fim de fazer incidir a minorante da Lei de Drogas – enseja o reexame do conteúdo probatório
dos autos, inadmissível em Recurso Especial (Súmula nº 7/STJ). 3. O Superior Tribunal de
Justiça já se manifestou que “o objetivo da Lei, ao prever a causa de aumento de pena prevista
no inciso III do art. 40, é proteger espaços que promovam a aglomeração de pessoas, circuns-
tância que facilita a ação criminosa. Com vistas a atender o escopo da norma, o rol previsto
no referido inciso não deve ser encarado como se taxativo fosse, a fim de afastar a aplicação
da causa de aumento de pena” (REsp 1.255.249/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma,
j. 17.04.2012, DJe 23.04.2012). 4. Certificado pelo Tribunal de origem que as circunstâncias
fáticas delitivas indicam a prática do comércio ilegal de drogas nas proximidades de local onde
se difunde atividade de lazer e convívio social (bar), o pedido de exclusão da referida majoran-
te demanda, necessariamente, o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é inviável
em sede especial (Súmula nº 7/STJ). 5. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-AREsp
868.826; Proc. 2016/0064369-0; MG; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 19/12/2018; p. 4.664)
87/83 – TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA DE AUTORIA. DECISÃO CON-
DENATÓRIA RESPALDADA NO ACERVO PROBATÓRIO. DOSIMETRIA. APLICA-
ÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º, ART. 33, DA LEI Nº 11.343/06 NA FRAÇÃO
MÁXIMA. POSSIBILIDADE. PENA DE MULTA. REDUÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA
PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PRESENTES OS REQUISITOS
LEGAIS. APLICABILIDADE. Provada a autoria delitiva pela convergência do inquérito policial
com as provas produzidas em juízo, impõe-se a condenação. É válido o testemunho prestado
por policiais, se não há qualquer indício de que tenham interesse na condenação. Para aplicação
da causa de diminuição do § 4º, art. 33, da Lei nº 11.343/06, em patamar inferior ao teto, deve o
julgador apresentar fundamentação concreta e suficiente à desfavorabilidade. Reduzida a pena
de multa, a fim de guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. Tendo o STF
declarado, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 44 da Lei nº 11.343, é possível a
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, em observância ao art. 44,
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 187

I, do CP. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJBA; AP 0002340-37.2013.8.05.0036;


2ª C.Crim.; Relª Desª Eduarda de Lima Vidal; DJBA 07/12/2018; p. 748)
87/84 – TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. MULHER COM
FILHO MENOR DE DOZE ANOS. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PRISÃO
PREVENTIVA EM CUSTÓDIA DOMICILIAR COM FUNDAMENTO NO ART. 318
DO CPP. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. PRIORIDADE. HC COLETIVO
143.641/SP (STF). ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. 1. No julgamento do HC Coletivo
143.641/SP, o Supremo Tribunal Federal consolidou a substituição da prisão preventiva pela
domiciliar, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art.
319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes.
2. Na hipótese dos autos, apesar dos indícios de autoria e materialidade, entendo que o caso
se amolda à ordem concedida no HC Coletivo 143.641/SP, não vislumbrando quaisquer das
hipóteses excepcionais constantes naquela ordem coletiva, sobretudo porque além da paciente
possuir três filhos menor de 12 anos de idade, há relato nos autos de prisão em flagrante de
que esteja grávida. 3. Ponderando-se os interesses jurídicos tutelados e considerando que o
crime imputado não envolveu violência ou grave ameaça, é legítimo e adequado substituir a
prisão preventiva da paciente pela domiciliar, com fulcro no art. 318, V, do Código de Processo
Penal, com o fim de proteger e resguardar a integridade física e emocional da sua filha menor,
desde que atendidas as demais medidas cautelares constantes na liminar. 4. Ordem concedida
em parte para estabelecer prisão domiciliar à paciente. (TJAP; HC 0001873-50.2018.8.03.0000;
S.Un.; Rel. Des. Eduardo Contreras; DJEAP 30/11/2018; p. 65)
87/85 – TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA. REGIME INICIAL. Pena-base fixada
acima do mínimo legal. Pena superior a quatro anos de reclusão. Regime inicial fechado que se
impõe (art. 33, §§ 2º e 3º, do CP). Coação ilegal. Ausência. Detração penal. (art. 387, § 2º, do
CPP). Inexistência de menção na sentença e no acórdão hostilizados. Constrangimento ilegal
evidenciado. Ordem concedida, liminarmente, em menor extensão. (STJ; HC 485.232; Proc.
2018/0339830-3; SP; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; DJE 19/12/2018; p. 19.982)
87/86 – TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06). Natureza e quan-
tidade de drogas consideradas somente na terceira fase da dosimetria da pena para fundamentar
a aplicação do redutor do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 em seu patamar mínimo (1/6).
Legalidade. Bis in idem não configurado. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provi-
mento. (STF; HC-AgR 153.669; SP; 2ª T.; Rel. Min. Gilmar Mendes; DJE 30/11/2018)
87/87 – TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.
PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO FUN-
DADA NO ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSIDERÁVEL
QUANTIDADE E VARIEDADE DAS DROGAS APREENDIDAS. CONSTRIÇÃO JUS-
TIFICADA E NECESSÁRIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA.
MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. RE-
CLAMO DESPROVIDO. 1. Não há constrangimento ilegal quando a manutenção da custódia
preventiva está fundada no art. 312 do CPP, notadamente na necessidade de se acautelar a ordem
pública, diante das circunstâncias em que ocorrido o delito. 2. Caso em que a considerável
quantidade, a variedade e a qualidade das drogas localizadas em poder da acusada, somadas à
forma de acondicionamento do material tóxico, à apreensão de apetrechos comumente utilizados
no preparo dos estupefacientes e às circunstâncias do flagrante, no qual se desmantelou uma
associação voltada para mercancia de drogas sintéticas na Cidade de Belo Horizonte/MG, são
fatores que revelam maior envolvimento com a narcotraficância, mostrando que a manutenção
da prisão preventiva encontra-se justificada e é realmente necessária para preservar a ordem
pública e, consequentemente, acautelar o meio social. 3. Condições pessoais favoráveis não
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Ementário
188

têm o condão de revogar a prisão cautelar, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar
a sua necessidade. 4. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a
segregação encontra-se justificada e mostra-se imprescindível para acautelar o meio social da
reprodução de fatos criminosos. 5. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (STJ; RHC
98.422; Proc. 2018/0120689-5; MG; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 19/12/2018; p. 4.339)
87/88 – TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C O
ART. 40, INCISO V, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06. APELANTE CONDENADO A 5
(CINCO) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL SEMIABERTO E AO PAGA-
MENTO DE 500 (QUINHENTOS) DIAS-MULTA. RAZÕES DO APELO. DOSIMETRIA
DA PENA. I – APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO.
DESCABIMENTO. FRAÇÃO PROPORCIONAL À QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA
APREENDIDA. II – FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL ABERTO. INVIABILIDADE.
III – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE
DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Narra a denúncia que no dia 8 de junho de 2017, por
volta das 23h, no posto da PRF 10/08, km 830, da BR 116, dentro dos limites do Município
de Vitória da Conquista/BA, policiais rodoviários federais flagraram o ora apelante transpor-
tando em ônibus intermunicipal de passageiros 59 (cinquenta e nove) tabletes da substância
de uso proscrito popularmente conhecida como maconha. 2. Considerando que o apelante
realizava o transporte de elevada quantidade de maconha – 42.960 g –, consoante se extrai do
laudo pericial de fls. 23/24, não há como aplicar o redutor no patamar máximo (2/3). Assim,
tendo sido apontadas as circunstâncias para a fixação do redutor em 1/6 (quantidade da droga:
elevada, sendo 42.960 g. Considerando que, segundo artigos publicados na rede mundial de
computadores, cada cigarro médio de maconha tem cerca de 0,5 g a 1 g da droga, o montante
apreendido em poder do acusado seria capaz de atingir um grande número de usuários de
maconha), a alteração dessa fração, por se tratar de questão afeta à atividade discricionária do
julgador, está condicionada aos casos de manifesta desproporcionalidade, o que não se verifica
na hipótese, devendo, portanto, ser mantida. 3. Registre-se que mantida a pena em 5 (cinco)
anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, não há como modificar o re-
gime inicial para o aberto, bem como substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos. 4. Parecer ministerial opinando pelo conhecimento e improvimento do apelo. Apelo
conhecido e não provido. (TJBA; AP 0505215-43.2017.8.05.0274; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Luiz
Fernando Lima; DJBA 28/11/2018; p. 714)
87/89 – TRIPLO ROUBO MAJORADO. CONCURSO DE AGENTES. EM-
PREGO DE ARMA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA. FRAGILIDADE DE PROVAS
QUANTO À AUTORIA. INVIABILIDADE DE EXAME NA VIA ELEITA. SUPERVE-
NIÊNCIA DE CONDENAÇÃO. NEGATIVA DO APELO EM LIBERDADE. MESMOS
FUNDAMENTOS DO DECRETO PREVENTIVO. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDA-
DE. CONSTRIÇÃO CORPORAL FUNDADA NO ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA
ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA.
CUSTÓDIA FUNDAMENTADA E NECESSÁRIA. MODO INICIAL SEMIABERTO
IMPOSTO NA CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO DE RE-
GIME. COAÇÃO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADA. RECLAMO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Para a decretação da prisão preventiva exige-se apenas materialidade e indícios suficientes
de autoria. A tese de fragilidade das provas quanto à imputação criminosa é questão que não
pode ser dirimida na via sumária do habeas corpus, por demandar o reexame aprofundado dos
elementos coletados no curso da instrução criminal, devendo ser solucionada no Juízo próprio.
2. O advento de sentença condenatória não enseja a prejudicialidade do reclamo, no ponto
relacionado à fundamentação da prisão preventiva, quando os fundamentos que levaram à
manutenção do Decreto foram os mesmos apontados por ocasião da decisão primeva. 3. Não
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 189

há constrangimento ilegal quando a custódia cautelar está devidamente justificada nos termos
do art. 312 do CPP, notadamente na garantia da ordem pública, em razão da periculosidade do
agente evidenciada pelas circunstâncias em que cometido o delito. 4. Caso em que o acusado,
em comparsaria e mediante grave ameaça exercida com arma de fogo, subtraiu os veículos e
objetos pessoais das vítimas, em local público (na saída de uma boate), evidenciando ousadia
e maior periculosidade, mostrando que a prisão é mesmo devida para o fim de acautelar o
meio social e evitar a reprodução de fatos criminosos de igual natureza e gravidade, risco que
se pode afirmar concreto, diante do modus operandi empregado. 5. Além do mais, a orientação
pacificada nesta Corte Superior é no sentido de que não há lógica em deferir ao condenado
o direito de recorrer solto quando permaneceu segregado durante a persecução criminal,
se persistentes os motivos para a preventiva. 6. Concluindo-se pela imprescindibilidade da
preventiva, fica clara a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, cuja aplicação
não se mostraria adequada para a preservação da ordem pública. 6. Firmada a culpabilidade do
réu e proferida sentença condenatória, impondo-lhe reprimenda a ser cumprida em regime
semiaberto, mostra-se a prisão cautelar desproporcional. 7. Recurso ordinário em habeas corpus
parcialmente conhecido e, na extensão, desprovido. Ordem concedida de ofício determinando
que o recorrente aguarde em regime semiaberto o esgotamento da jurisdição ordinária. (STJ;
RHC 99.342; Proc. 2018/0144668-3; RJ; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 19/12/2018; p. 4.343)
87/90 – UNIFICAÇÃO DE PENAS. CONVERSÃO DE RESTRITIVAS DE DIREITO
EM PRIVATIVA DE LIBERDADE, OBSERVADO O REGIME FECHADO. Possibilidade.
Incompatibilidade no cumprimento simultâneo da física e da alternativa. Inteligência dos arts. 111
e 181 da LEP. Precedentes. Recurso desprovido. (TJSP; AG-ExPen 7000408-96.2018.8.26.0079;
Ac. 12095206; 4ª C.D.Crim.; Rel. Des. Ivan Sartori; DJESP 19/12/2018; p. 3.723)
87/91 – USO DE DOCUMENTO FALSO. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU POR ERRO
DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Provas dos autos suficientes a demonstrar que o
apelante fez uso de atestados médicos cujas falsidades conhecia, não havendo o que se falar
em erro de proibição. Dolo evidenciado. Condenação mantida. Recurso parcialmente provido,
para, por emendatio libelli, desclassificar a conduta do acusado para aquela prevista no art. 304
c/c o art. 298, ambos do Código Penal, reduzindo-se as penas e substituindo a pena privativa
de liberdade por apenas uma restritiva de direito. (TJSP; APL 0038739-15.2012.8.26.0554; Ac.
12081662; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Luis Augusto de Sampaio Arruda; DJESP 20/12/2018; p. 714)
87/92 – VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR. ART. 175, CAPUT, DO CÓDIGO
PENAL MILITAR. ACERVO PROBATÓRIO ROBUSTO. INEXISTÊNCIA DE JUSTI-
FICANTES E EXCULPANTES. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.
DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE. CONDENAÇÃO MANTIDA. ADEQUAÇÃO DA
DOSIMETRIA. I – Não cabe nesta esfera penal à análise do comportamento desclassificado
para transgressão disciplinar, pois não houve a condenação do Réu e inexiste Recurso do
Ministério Público Militar. II – Perfeitamente adequada à criminalização da conduta daquele
que dolosamente excede no seu poder disciplinar e malfere os postulados constitucionais da
hierarquia e da disciplina, maculando a regularidade das instituições militares e afrontando a
dignidade do subordinado. III – A doutrina é uníssona quanto ao momento de consumação
do delito: ocorre quando o autor atinge o subordinado fisicamente, ainda que não seja afetada
a sua integridade física. IV – Do harmônico acervo probatório conclui-se que houve contato
físico violento entre o acusado e a vítima, da mesma forma, clara é a autoria da conduta dolosa
representada no ato de desferir golpe com o joelho no rosto do Ofendido. V – Em que pese a
bem fundamentada dosimetria, a pena aplicada merece adequação. VI – Recurso parcialmente
provido. Decisão unânime. (STM; APL 7000152-09.2018.7.00.0000; Rel. Min. Péricles Aurélio
Lima de Queiroz; DJSTM 18/12/2018; p. 9)
Sinopse Legislativa
* Nota: íntegras das normas disponíveis em nosso endereço eletrônico, no link dedicado a esta publicação.

Norma Data Publicação Ementa/Apelido


Código de Trânsito Brasileiro - Medidas
de Prevenção e Repressão ao Contra-
Lei nº 13.804 10/1/2019 11/1/2019 bando, ao Descaminho, ao Furto, ao
Roubo e à Receptação - Alteração das
Leis nºs 9.503/97 e 6.437/77.
Lei Maria da Penha - Código Penal
- Violação da Intimidade da Mu-
lher - Configuração como Violência
Doméstica e Familiar - Registro Não
Lei nº 13.772 19/12/2018 20/12/2018 Autorizado de Conteúdo com Cena de
Nudez ou Ato Sexual ou Libidinoso de
Caráter Íntimo e Privado - Criminali-
zação - Alteração da Lei nº 11.340/06
e do Decreto-Lei nº 2.848/40.
Código Penal - Alteração do Decreto-
Lei nº 13.771 19/12/2018 20/12/2018
Lei nº 2.848/40.
Código de Processo Penal - Lei de
Execução Penal - Lei dos Crimes
Hediondos - Substituição da Prisão
Preventiva por Prisão Domiciliar da
Mulher Gestante ou que for Mãe ou
Responsável por Crianças ou Pessoas
Lei nº 13.769 19/12/2018 20/12/2018
com Deficiência - Disciplina do Regime
de Cumprimento de Pena Privativa de
Liberdade de Condenadas na mesma
Situação - Alteração do Decreto-Lei
nº 3.689/41 e das Leis nºs 7.210/84
e 8.072/90.
Estatuto do Desarmamento - Regula-
15/1/2019 -
Decreto nº 9.685 15/1/2019 mentação - Alteração do Decreto nº
Edição Extra
5.123/04.
1/1/2019 - Salário Mínimo - Valor e Política de
Decreto nº 9.661 1/1/2019
Edição Especial Valorização de Longo Prazo.
Sistema de Garantia de Direitos da
Criança e do Adolescente Vítima ou
Testemunha de Violência - Alteração do
Decreto nº 9.603 10/12/2018 11/12/2018
Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069/90) - Regulamentação da
Lei nº 13.431/2017.
Destaques dos Volumes Anteriores

Destaques do Volume nº 86
– O Papel do Juiz na Homologação do Acordo de Colaboração Premiada
por Fabiano Augusto Martins Silveira, Mestre e Doutor
– A Verdade no Processo Penal
por Octahydes Ballan Junior, Promotor de Justiça e Mestre
– A Sentença no Projeto de Código de Processo Penal
por Sergio Demoro Hamilton, Procurador de Justiça e Professor
– A Confissão Qualificada e seus Desdobramentos na Legislação Brasileira
por Rafael Simonetti, Promotor de Justiça, e Priscila Gonçalves, Assessora de Promotoria
– Prova por Videoconferência no Processo Penal
por José Antonio Remedio, Professor e Doutor, e Marcelo Rodrigues da Silva, Especialista e Mestre
– Homicídio no Trânsito: Acerca da Divergência entre Dolo Eventual e Culpa (In)Consciente por
Ocasião do Habeas Corpus 124.687 do Supremo Tribunal Federal
por Felinto Alves Martins Filho, Advogado e Especialista, e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima,
Doutor e Pós-Doutor

Destaques do Volume nº 85
– Três Recursos do Processo Penal e as Possíveis Influências Advindas com o CPC de 2015
por Marcellus Polastri Lima, Mestre e Doutor
– A Teoria do Precedente Judicial e sua Aplicação ao Processo Penal
por Fabiano Pimentel, Professor e Doutor
– O Sigilo Processual como Limitação à Publicidade Externa do Processo Penal Tanto para Pessoas
Públicas como para Pessoas Anônimas
por Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Doutor e Pós-Doutor, e Caio Cesar Tomioto
Mendes, Especialista
– Direito e Moral: uma Reflexão acerca da Moralidade na Interpretação e Aplicação do Código Penal
Brasileiro
por Thiago Fabres de Carvalho, Mestre e Doutor, e Igor Luz Carminat, Bacharelando em Direito
– O Psicopata e o Direito Penal: os Questionamentos na Política Criminal Brasileira Quanto à
Aplicação, Redução da Pena e Imputabilidade
por Jefferson Calili Ribeiro, Advogado e Mestre, e Viviane Andrade Mendes Vasconcelos, Bacharela
em Direito
– Inexigibilidade de Conduta Diversa como Causa Legal de Exclusão da Culpabilidade no Excesso de
Legítima Defesa em Decorrência do Medo
por Luciano Iob, Advogado e Especialista
– A Projeção da Violência Urbana no Mapa das Crises de Governança no Contexto do Brasil e da
América Latina
por Silvio César Arouck Gemaque, Mestre e Doutor

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Índice Alfabético-Remissivo

A ADULTERAÇÃO DE SINAL
IDENTIFICADOR DE VEÍCULO
A EMENDA CONSTITUCIONAL AUTOMOTOR
Nº 45/2004 E O DIREITO
- Apelante proprietário do veículo que afirma
FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL que um de seus funcionários poderia ter feito
DURAÇÃO DO PROCESSO PENAL a adulteração para evitar o rodízio municipal.
- Artigo de Álvaro Gonçalves Antunes Tipicidade do crime mesmo quando a altera-
Andreucci e Cristian Lima dos Santos ção se dá com fita adesiva. TJSP (Em. 87/7). 162
Louback.......................................................... 21
ÁLVARO GONÇALVES ANTUNES
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ANDREUCCI E CRISTIAN LIMA DOS
CESSA NO SEGUNDO GRAU DA SANTOS LOUBACK
JURISDIÇÃO? - Artigo: “A Emenda Constitucional nº 45/2004
- Artigo de Fernando da Costa Tourinho e o Direito Fundamental à Razoável Duração
Filho................................................................ 60 do Processo Penal”......................................... 21

ABSOLVIÇÃO ANA CARLA PINHEIRO FREITAS,


EDUARDO ROCHA DIAS E ÉRICA
- Compartilhamento de sinal de internet. MONTENEGRO ALVES BARROSO
Atipicidade do fato. Serviço de valor adicio-
nado que não se confunde com atividade de - Artigo: “Contribuições da Filosofia da Lin-
telecomunicação. TRF 1ª R. (Em. 87/20)..... 165 guagem de Wittgenstein na Dogmática Penal:
um Diagnóstico do Dolo”............................. 85
- Crime de responsabilidade. Ex-prefeito mu-
nicipal. Art. 1º, VII, do DL 201/67. Convênio APELAÇÃO EM LIBERDADE
com o Ministério da Integração Nacional.
- Acórdão do STJ – Estupro de Vulnerável.
Prestação de contas. Apresentação tardia.
Prisão em flagrante convertida em preven-
Ausência de dolo. TRF 1ª R. (Em. 87/26).... 167
tiva. Condenação. Negativa do apelo em
- Importação de sementes de maconha. Se- liberdade. Inidoneidade da fundamentação
mentes não possuem a substância psicoativa do decreto preventivo. Configuração............ 117
(THC). Reduzida quantidade de substâncias
- Triplo roubo majorado. Concurso de agentes.
apreendidas. STF (Em. 87/52)....................... 176
Emprego de arma de fogo. Superveniência de
- Moeda falsa. Art. 289, § 1º, do CP. Falta de condenação. Negativa do apelo em liberdade.
elementos que caracterizem o dolo na ação Modo inicial semiaberto imposto na conde-
do réu. Aplicação do princípio in dubio pro reo. nação. Necessidade de compatibilização de
TRF 2ª R. (Em. 87/59)................................... 177 regime. Coação ilegal em parte evidenciada.
STJ (Em. 87/89)............................................. 188
- Peculato-desvio. Saque de verba indeni-
zatória destinada ao exercício do mandato APROPRIAÇÃO INDÉBITA
parlamentar. Fictícia prestação de serviço
de locação de veículos. Ônus probatório do - Nulidade do processo. Ausência de exame
órgão acusatório. Denúncia improcedente. de corpo de delito. Ausência de provas.
STF (Em. 87/63)............................................ 179 Afastamento da qualificadora. Aplicação da
atenuante genérica. O fato de o ressarcimento
- Roubo qualificado. Provas coligidas em Juízo do dano não ter sido completo, não pode ser
insuficientes para demonstrar, com seguran- considerado causa de extinção de punibili-
ça, a prática delitiva atribuída aos acusados. dade, nem mesmo atribuir-se-lhe o efeito
Observância do princípio in dubio pro reo. de comprovar a ausência de dolo específico,
TJSP (Em. 87/76)........................................... 184 assim, a sentença não merece ser reformada.
TJAM (Em. 87/60)......................................... 178
- Sonegação de contribuição previdenciária.
Art. 337-A do CP. Contador. Participação - Pena. Culpabilidade elevada e graves con-
na administração da empresa. Inocorrência. sequências do delito. Majoração da pena-
Autoria e dolo não comprovados. TRF 1ª R. base além do mínimo legal. TRF 1ª R. (Em.
(Em. 87/79)..................................................... 185 87/16).............................................................. 164
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 193

- Rejeição da denúncia. A denúncia não está da continuidade delitiva e de acordo com a


amparada em suporte probatório mínimo, regra estampada no art. 71 do CP. STM (Em.
pois a divergência entre os valores que de- 87/21).............................................................. 165
veriam ser repassados à CEF e aqueles que
efetivamente chegaram à aludida instituição - Denúncia. Art. 316, caput, do CP. Deputado
bancária, não caracteriza, por si só, a apro- estadual. Inépcia da denúncia e ilicitude da
priação por parte do acusado. TRF 1ª R. (Em. colheita de prova. Afastamento. Recebimen-
87/15).............................................................. 163 to. Princípio in dubio pro societate. TJRR (Em.
87/68).............................................................. 181
ATENTADO CONTRA O
FUNCIONAMENTO DE SERVIÇO DE CONEXÃO
UTILIDADE PÚBLICA
- Oferecimento de denúncia perante o juízo
- Acórdão do TJAL – O agente perseguiu do local em que ocorreram os fatos. Exis-
durante todo o dia uma viatura militar com a tência de prévia investigação policial na
intenção de informar aos colegas de profissão qual foi deferida a interceptação telefônica
sobre a realização de fiscalização de trans-
dos investigados. Conexão intersubjetiva e
portes clandestinos, possibilitando que esses
instrumental. Prevenção. STJ (Em. 87/73)... 183
desviassem seus veículos das blitz realizadas
pela equipe especializada de fiscalização. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS
Conduta praticada pelo agente que se amolda
REQUISITOS PARA PRISÃO
à espécie delitiva prevista no art. 265 do CP. 135
PREVENTIVA

C - Artigo de Gisele Leite..................................... 48

CONSUNÇÃO
CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA
- Ofensas proferidas em entrevista radiofônica - Perturbação do sossego. Poluição sonora. No
por parlamentar federal. Calúnia. Ausência de caso, a contravenção penal de perturbação
narrativa fática específica. Difamação. Injúria. do sossego (art. 42, II e III, da LCP) deve ser
Ofensas genéricas. Atipicidade. Crimes não absorvida pelo crime mais grave de poluição
caracterizados. Rejeição de queixa-crime ambiental (art. 54, caput da Lei 9.605/98), já
por decisão monocrática. Possibilidade. STF que aquela primeira corresponde à etapa exe-
(Em. 87/29)..................................................... 168 cutória do crime de poluição sonora narrado
na denúncia. TJAP (Em. 87/65).................... 180
COMPETÊNCIA
- Crime militar. Art. 240 do CPM. Preliminar CONTRABANDO
de incompetência da JMU para julgamento - Cigarros de origem paraguaia. Inaplicabilida-
de civil rejeitada. STM (Em. 87/46).............. 174 de do princípio da insignificância. Rejeição da
- Crime militar. Lei 13.491/2017. Não há que denúncia. Impossibilidade. TRF 1ª R. (Em.
se falar em novatio legis in mellius, uma vez que 87/23).............................................................. 166
se trata da prevalência da legislação especial
- Máquinas eletrônicas programáveis. Mate-
(art. 290 do CPM) sobre a geral (Lei de
Drogas). STM (Em. 87/28)........................... 167 rialidade e autoria. Comprovação. Princípio
da insignificância. Não aplicação. Perícia
- Falsidade ideológica eleitoral. Competência indireta. Validade. TRF 2ª R. (Em. 87/22).... 165
para investigação e julgamento. Questão de
ordem na AP 937/RJ. Declinação da compe- CONTRIBUIÇÕES DA
tência do STF. Remessa à Justiça Eleitoral. FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE
STF (Em. 87/44)............................................ 173 WITTGENSTEIN NA DOGMÁTICA
CONCUSSÃO PENAL: UM DIAGNÓSTICO DO
DOLO
- Crime militar. Exigência de vantagem
indevida a recrutas. Condenação. Reconhe- - Artigo de Ana Carla Pinheiro Freitas, Edu-
cimento da continuidade delitiva. Art. 71 ardo Rocha Dias e Érica Montenegro Alves
do CPB. Pena aumentada em 1/3 em razão Barroso............................................................ 85
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Índice Alfabético
194

CRIME AMBIENTAL - Desobediência. Contra militar em atividade


de GLO. Não aplicação da Lei 9.099/95 no
- Pessoa Jurídica. Pena. Prestação de serviços
ordenamento castrense. STM (Em. 87/33)... 170
à comunidade. Possibilidade e pode ocorrer
através de quatro formas alternativas ou - Furto. Preliminar de incompetência da JMU
cumulativas. TRF 2ª R. (Em. 87/64)............. 179 para julgamento de civil rejeitada. STM (Em.
87/46).............................................................. 174
- Pessoa jurídica. Poluição. Denúncia. Des-
necessidade de motivação exauriente. Justa - O delito perpetrado pelo réu configura ofensa
causa verificada. STJ (Em. 87/66).................. 180 ao art. 290 do CPM e enquadra-se no art. 9º,
I, do mesmo Código, em nada afetado pela
- Pessoa jurídica. Prescrição. Base na penali-
alteração legislativa da Lei 13.491/2017. Não
dade de multa. Impossibilidade. Sentença
não prolatada. Previsão de pena restritiva de há que se falar em novatio legis in mellius, uma
direitos e prestação de serviços à comunidade. vez que se trata da prevalência da legislação
Prescrição em abstrato. TJAC (Em. 87/25)... 166 especial (art. 290 do CPM) sobre a geral (Lei
de Drogas). STM (Em. 87/28)...................... 167
- Prisão em flagrante. Réu pescador profis-
sional e proprietário da embarcação flagrada - Peculato. Pena. Conversão da privativa de
exercendo a pesca com petrechos proibidos. liberdade em restritiva de direitos. Impossi-
A incriminação recai sobre todo suporte do bilidade. STM (Em. 87/61)............................ 178
equipamento. TRF 2ª R. (Em. 87/24)........... 166 - Violência contra inferior. Art. 175, caput, do
CPM. Acervo probatório robusto. Adequação
CRIME DE RESPONSABILIDADE
da dosimetria. STM (Em. 87/92).................. 189
- Ex-prefeito municipal. Art. 1º, VII, do DL
201/67. Convênio com o Ministério da
Integração Nacional. Prestação de contas.
D
Apresentação tardia. Ausência de dolo. TRF
DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR
1ª R. (Em. 87/26)............................................ 167
- Vide Estelionato. Pena.
- Prefeito. Art. 1º, I, do DL 201/67. O res-
sarcimento do prejuízo não constitui causa DELAÇÃO PREMIADA
de extinção da punibilidade, nem óbice à
condenação, mesmo quando a devolução - O investigado não tem direito subjetivo à
é feita antes do oferecimento da denúncia homologação de acordo de colaboração pre-
(precedentes deste TRF da 1ª R). TRF 1ª R. miada, máxime porque o § 8º do art. 4º da Lei
(Em. 87/27)..................................................... 167 12.850/2013 assim o estabelece expressamen-
te, condicionando a convalidação à devida
CRIME MILITAR observância das disposições contratuais e
- Concussão. Exigência de vantagem indevida legais pertinentes. STF (Em. 87/30).............. 168
a recrutas. Condenação. Reconhecimento
DENÚNCIA
da continuidade delitiva. Art. 71 do CPB.
Conduta devidamente comprovada que, - Acórdão do STJ – Sonegação Fiscal. Mero
seguramente, ampara sua condenação. Pena inadimplemento. Não ocorrência. Tranca-
aumentada em 1/3 em razão da continuidade mento da ação penal. Ausência de excepcio-
delitiva e de acordo com a regra estampada nalidade. Operações próprias. Tipicidade.
no art. 71 do CP. STM (Em. 87/21).............. 165 Sócios administradores exclusivos. Ausência
- Desacato. Agente que, em claro ato de de individualização das condutas. Possibili-
desprezo e menoscabo, xinga o militar de dade. Nexo causal delineado......................... 126
serviço, dentro de organização militar, por - Concussão. Art. 316, caput, do CP. Deputado
ter sido impedido o acesso de terceiros para estadual. Inépcia da denúncia e ilicitude da
acompanhá-lo. A semi-imputabilidade não colheita de prova. Afastamento. Recebimen-
é caso de absolvição imprópria, mas sim de to. Princípio in dubio pro societate. TJRR (Em.
condenação, devendo incidir na terceira fase 87/68).............................................................. 181
da dosimetria da pena, pois consiste em uma
causa genérica de diminuição de pena, na qual - Crime ambiental. Poluição. Pessoa jurídica.
deve o julgador lançar mão do total previsto Desnecessidade de motivação exauriente.
no art. 73 do CPM. STM (Em. 87/32)......... 169 Justa causa verificada. Laudo pericial. Desne-
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 195

cessidade. Crime formal e de perigo abstrato. ESTELIONATO


STJ (Em. 87/66)............................................. 180
- Defraudação de penhor (art. 171, § 2º, III, do
DESACATO CP). Efetiva configuração de penhor referen-
te à direito creditório. Alegação de operação
- Crime militar. Ato de desprezo e menoscabo, financeira albergada por decisão judicial. Não
agente xinga o militar de serviço, dentro de comprovação. TJAL (Em. 87/38)................... 171
organização militar, por ter sido impedido o
acesso de terceiros para acompanhá-lo. STM - Venda de terrenos que não lhe pertenciam.
(Em. 87/32)..................................................... 169 Reconhecimento da continuidade delitiva.
Requisitos legais atendidos. Regime inicial
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME será o aberto. TJAC (Em. 87/37)................... 171
- Uso de documento falso. Desclassificação ESTRITO CUMPRIMENTO DO
para aquela prevista no art. 304 c/c o art. DEVER LEGAL
298, ambos do CP, reduzindo-se as penas e
substituindo a pena privativa de liberdade por - Homicídio qualificado. Pronúncia. Descabi-
apenas uma restritiva de direito. TJSP (Em. mento. Legítima defesa evidenciada. Policiais
87/91).............................................................. 189 militares recebidos a tiros por bandidos em
fuga. A bem da verdade, todos os elementos
DETRAÇÃO PENAL constantes dos autos apontam no sentido
de que agiram os recorrentes, de fato, em
- Inexistência de menção na sentença e no
legítima defesa e no estrito cumprimento do
acórdão hostilizados. Constrangimento ilegal
dever legal, já que é obrigação da força policial
evidenciado. STJ (Em. 87/85)........................ 187
reprimir o crime, defendendo a sociedade
como um todo. TJBA (Em. 87/50)............... 175
E
- Legítima defesa. Impossibilidade. Com a fi-
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE xação da Portaria Interministerial 4.266/2010,
não é considerado legítimo o uso de arma de
- Acórdão do STF – Homicídio culposo/do- fogo contra veículo que desrespeite bloqueio
loso. Acidente de trânsito. Desclassificação. policial e afins, a não ser que o ato represente
Nulidade da pronúncia. Ausência de ilega- um risco imediato de morte ou lesão grave
lidade ou abuso de poder. Hipótese em que aos agentes de segurança ou terceiros. TJAM
as instâncias de origem, soberanas na análise (Em. 87/39)..................................................... 172
da prova, consignaram que o paciente, após a
ingestão de bebida alcoólica e na condução de ESTUPRO DE VULNERÁVEL
veículo automotor, invadiu a faixa contrária - Pena. Concurso material. A materialidade
da via pública e atingiu a vítima..................... 103 dos fatos denunciados e a autoria do réu
- Aplicação do princípio da consunção (arts. estão comprovadas nas declarações idôneas,
306 e 309). Descabimento. Delitos autôno- seguras e lineares das seis vítimas, que, desde
mos. Delito de perigo abstrato. Mera condu- a fase policial, narram com firmeza os abusos
ta. Redução da pena pecuniária. Possibilidade. sexuais praticados pelo réu, consistentes em
Redução da pena de suspensão da habilitação tocá-las nas pernas, seios e genitália, por fora e
para dirigir veículo automotor. Necessidade. por dentro das vestes, bem assim introduzir o
TJMG (Em. 87/31)........................................ 169 dedo na vagina de duas meninas. TJRS (Em.
87/41).............................................................. 172
- Pena. Regime inicial aberto e substituição da
pena privativa de liberdade por pena restritiva - Pena. Detração. Inviável a possibilidade de
de direitos. Impossibilidade. Reincidência. fixação de regime prisional menos severo,
conforme determinado no recurso especial,
STJ (Em. 87/35)............................................. 171
pois, operada a detração, a pena do acusado
- Réu submetido a exame de dosagem alco- restou superior a 8 anos de reclusão, devendo,
ólica, que constatou a quantidade de 0,52 portanto, ser mantido o regime carcerário
miligramas de álcool por litro de ar expelido inicial fechado, forte no art. 33, § 2º, a, do
dos pulmões. TJSP (Em. 87/36).................... 171 CP. TJRS (Em. 87/40).................................... 172
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Índice Alfabético
196

F - Pena. Aplicação da causa especial de aumento


do crime cometido durante o repouso notur-
FALSIDADE IDEOLÓGICA no. Possibilidade. TJAP (Em. 87/47)............. 174
ELEITORAL - Pena. Regime prisional. Réu reincidente.
- Competência para investigação e julgamento. Circunstâncias judiciais favoráveis. Pena-
Questão de ordem na AP 937/RJ. Ausência base fixada no mínimo legal. Pena definitiva
de conexão entre o delito tipificado no art. inferior a 4 anos de reclusão. Regime inicial
350 do Código Eleitoral e o exercício do semiaberto. Ordem concedida, redimensio-
mandato do parlamentar federal. Declinação nar a pena do paciente para 2 anos de reclusão
da competência do STF. Remessa à Justiça e pagamento de 10 dias-multa, mantidos os
Eleitoral. STF (Em. 87/44)............................ 173 demais termos da condenação. STJ (Em.
87/49).............................................................. 174
FALTA GRAVE
- Comportamento do sentenciado que caracte- G
riza falta disciplinar de natureza grave, a teor
do art. 50, VI, c/c o art. 39, II, ambos da LEP. GISELE LEITE
Perda do tempo remido que deve se dar no - Artigo: “Considerações sobre os Requisitos
percentual de 1/4. TJSP (Em. 87/14)............ 163 para Prisão Preventiva”.................................. 48
- Posse de entorpecente para uso pessoal. Perda
dos dias remidos na fração de 1/6 devidamen- H
te justificada. TJSP (Em. 87/9)...................... 162
HOMICÍDIO CULPOSO/DOLOSO
FERNANDO DA COSTA TOURINHO
FILHO - Acórdão do STF – Embriaguez ao volante.
Acidente de trânsito. Desclassificação. Nu-
- Artigo: “A Presunção de Inocência Cessa no lidade da pronúncia. Ausência de ilegalidade
Segundo Grau da Jurisdição?”....................... 60 ou abuso de poder.......................................... 103
FRANCISCO VIEIRA LIMA NETO E
THAÍS MILANI DEL PUPO I
- Artigo: “Notas sobre o Habeas Corpus Cole- INTERNAÇÃO
tivo: uma Análise a Partir do HC 143.641/SP
e do Microssistema do Processo Coletivo”... 69 - Medida socioeducativa. Prática de novo ato
infracional no curso da execução. Cumpri-
FURTO mento de internação provisória. É possível ao
Juízo, ainda que proceda a unificação, reinicie
- Acórdão do TJSP – Violação de domicílio. o cumprimento de medida socioeducativa,
Maus-tratos de animal doméstico. Prova sem configurar constrangimento ilegal. TJAC
robusta a admitir a condenação do réu. Pena (Em. 87/67)..................................................... 181
e regime prisional fixados com critério......... 155
INTERROGATÓRIO
- Crime militar. Preliminar de incompetência
da JMU para julgamento de civil rejeitada. - Violação ao art. 400 do CPP. Interrogatório do
STM (Em. 87/46)........................................... 174 réu é instrumento de autodefesa, que deve ser
o último ato antes do julgamento. STJ (Em.
FURTO QUALIFICADO 87/34).............................................................. 170
- Acórdão do STJ – Pena. Réu reincidente.
Circunstâncias judiciais favoráveis. Pena de- J
finitiva inferior a 4 anos de reclusão. Regime
inicial semiaberto........................................... 109 JÚRI
- Corrupção de menores. Reconhecimento do - Homicídio qualificado. Absolvição pelo
concurso formal. Possibilidade. Prática de conselho de sentença. Alegação do MP de
dois delitos em uma única ação. TJAC (Em. decisão manifestamente contrária às provas
87/48).............................................................. 174 dos autos afastada. Existência de substrato
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 197

fático suficiente a subsidiar a decisão do zoabilidade na aplicação da semiliberdade.


Tribunal Popular. Soberania dos veredictos. Pleito de modificação liberdade assistida.
TJBA (Em. 87/55).......................................... 176 Impossibilidade. TJRN (Em. 87/17)............. 164
- Homicídio qualificado. Insurgência apenas - Novo ato infracional no curso da execução.
contra dosimetria aplicada. Primeira fase. Cumprimento de internação provisória. Art.
Pleito de afastamento da valoração negativa 45, § 1º, da Lei 12.594/2012. Constrangimen-
das circunstâncias e consequências do cri- to ilegal. Ausência. TJAC (Em. 87/67).......... 181
me. Acolhimento parcial. Consequências
do delito inerentes ao tipo penal. Pena-base MOEDA FALSA
redimensionada. Segunda fase. Pleito de
- Absolvição. Art. 289, § 1º, do CP. Falta de
afastamento das agravantes. Impossibilidade.
elementos que caracterizem o dolo na ação
TJAL (Em. 87/53)........................................... 176
do réu. Aplicação do princípio in dubio pro reo.
- Nulidade. Homicídio simples. Manifesta TRF 2ª R. (Em. 87/59)................................... 177
contrariedade à prova dos autos. Acolhimen-
to. Condenação não amparada em suporte
N
probatório. Testemunhas que apontam o
réu como responsável do delito apenas por
NOTAS SOBRE O HABEAS CORPUS
“ouvir dizer” e na fase inquisitorial. TJAL
COLETIVO: UMA ANÁLISE A
(Em. 87/54)..................................................... 176
PARTIR DO HC 143.641/SP E DO
MICROSSISTEMA DO PROCESSO
L COLETIVO

LEGÍTIMA DEFESA - Artigo de Francisco Vieira Lima Neto e Thaís


Milani Del Pupo............................................ 69
- Ver Estrito Cumprimento do Dever Legal.
NULIDADE
LIVRAMENTO CONDICIONAL
- Júri. Homicídio simples. Manifesta con-
- Falta grave. Impende ressaltar, que o cometi- trariedade à prova dos autos. Acolhimento.
mento de falta grave pelo apenado não pode Condenação não amparada em suporte
se perpetuar como fator negativo à concessão
probatório. Testemunhas que apontam o
dos benefícios previstos em lei em favor
réu como responsável do delito apenas por
do sentenciado, mormente se não houve a
“ouvir dizer” e na fase inquisitorial. TJAL
prática de nova falta grave a caracterizar o
(Em. 87/54)..................................................... 176
mau comportamento carcerário do agravado.
TJAM (Em. 87/58)......................................... 177
O
M
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO
PENAL NO PROCESSO PENAL
MARCELLUS POLASTRI LIMA
BRASILEIRO
- Artigo: “O Acordo de Não Persecução Penal
no Processo Penal Brasileiro”........................ 5 - Artigo de Marcellus Polastri Lima................. 5

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA P
- Ato infracional análogo a homicídio qualifi-
cado. Excesso de legítima defesa. Atenuante PECULATO
prevista no art. 65, III, c, e art 121, § 1º,
- Pena. Conversão da privativa de liberdade
ambos do CP. Inaplicabilidade. Animus ne-
em restritiva de direitos. Impossibilidade.
candi demonstrado. Redução da reavaliação
Apropriação de 2 laptops pertencentes ao
da medida para trimestral. Impossibilidade.
quartel, que estavam em sua posse, acautela-
TJAC (Em. 87/18).......................................... 164
dos, a fim de desviá-los em benefício próprio,
- Ato infracional análogo ao crime de roubo permutando os equipamentos numa casa de
majorado pelo emprego de arma e concurso penhores pela importância de R$ 1.300,00.
de pessoas. Art. 157, § 2º, I e II, do CP. Ra- STM (Em. 87/61)........................................... 178
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Índice Alfabético
198

- Regime prisional. Fundamentação idônea. fatos. Fica mantido o regime inicial fechado
Execução provisória da pena. Possibilidade. para o cumprimento da pena carcerária. TJRS
STF (Em. 87/62)............................................ 179 (Em. 87/41)..................................................... 172

PECULATO-DESVIO - Estupro de vulnerável. Detração. Inviável a


possibilidade de fixação de regime prisional
- Saque de verba indenizatória destinada ao menos severo, conforme determinado no
exercício do mandato parlamentar. Fictícia recurso especial, pois, operada a detração, a
prestação de serviço de locação de veículos. pena do acusado restou superior a 8 anos de
Ônus probatório do órgão acusatório. De- reclusão, devendo, portanto, ser mantido o
núncia improcedente. STF (Em. 87/63)....... 179 regime carcerário inicial fechado, forte no art.
33, § 2º, a, do CP. TJRS (Em. 87/40)............ 172
PENA
- Execução provisória. Possibilidade. Peculato.
- Acórdão do STJ – Furto qualificado. Réu
Regime prisional. Fundamentação idônea.
reincidente. Circunstâncias judiciais favo-
STF (Em. 87/62)............................................ 179
ráveis. Pena definitiva inferior a 4 anos de
reclusão. Regime inicial semiaberto.............. 109 - Furto. Maus antecedentes. Peculiaridades da
causa que autorizam a concessão da ordem de
- Acórdão do TJRS – Roubo majorado. Em-
ofício. Situação concreta em que o paciente
prego de arma branca. Alteração legislativa.
está condenado a 2 anos, 7 meses e 15 dias
Exclusão da majorante por força da nova
de reclusão, em regime fechado, por furto
redação do art. 157 do CP promovida pela
qualificado de um botijão de gás. Nessas
Lei 13.654,/18. Abolitio criminis parcial........... 147
condições, ante o reduzido grau de reprovabi-
- Apropriação indébita. Culpabilidade elevada lidade da conduta e atento à tese adotada pelo
e graves consequências do delito. Majoração plenário, fixar desde logo o regime aberto.
da pena-base além do mínimo legal. Conab. STF (Em. 87/45)............................................ 173
Quantidade de arroz apropriada foi enorme,
- Furto qualificado. Aplicação da causa especial
causando-lhe um prejuízo de grande dimen-
de aumento do crime cometido durante o
são. TRF 1ª R. (Em. 87/16)........................... 164
repouso noturno. Possibilidade. TJAP (Em.
- Crime ambiental. Prestação de serviços à 87/47).............................................................. 174
comunidade por pessoa jurídica. Possibili-
- Furto qualificado. Regime prisional. Réu
dade, através de quatro formas alternativas
reincidente. Circunstâncias judiciais favorá-
ou cumulativas. TRF 2ª R. (Em. 87/64)....... 179
veis. Pena-base fixada no mínimo legal. Pena
- Crime militar. Violência contra inferior. definitiva inferior a 4 anos de reclusão. Re-
Art. 175, caput, do CPM. Acervo probatório gime inicial semiaberto. Ordem concedida,
robusto. Inexistência de justificantes e ex- de ofício e redimensionar a pena do paciente
culpantes. Circunstâncias judiciais desfavo- para 2 anos de reclusão e pagamento de 10
ráveis. Diminuição da pena-base. STM (Em. dias-multa, mantidos os demais termos da
87/92).............................................................. 189 condenação. STJ (Em. 87/49)........................ 174
- Estelionato. Venda de terrenos que não - Júri. Homicídio qualificado. Insurgência
lhe pertenciam. Depoimentos das vítimas apenas contra dosimetria aplicada. Primeira
harmônicos em apontar a autoria delitiva. fase. Pleito de afastamento da valoração ne-
Afastamento do concurso material de crimes. gativa das circunstâncias e consequências do
Possibilidade. Reconhecimento da continui- crime. Acolhimento parcial. Consequências
dade delitiva. Requisitos legais atendidos. do delito inerentes ao tipo penal. Pena-base
Reparação mínima de prejuízo às vítimas. redimensionada. Segunda fase. Pleito de
Necessidade de pedido formal. Regime afastamento das agravantes. Impossibilidade.
inicial será o aberto. TJAC (Em. 87/37)........ 171 TJAL (Em. 87/53)........................................... 176
- Estupro de vulneráveis. Concurso material. - Peculato. Conversão da privativa de liberdade
A pena carcerária definitiva aplicada ao réu em restritiva de direitos. Impossibilidade.
vai reduzida, em face do afastamento da va- Comete o crime de peculato o réu que se
loração negativa, na pena-base, dos vetores da apropria de 2 laptops pertencentes ao quar-
culpabilidade, personalidade, circunstâncias tel, que estavam em sua posse, acautelados,
e consequências, bem assim do reconheci- a fim de desviá-los em benefício próprio,
mento da continuidade delitiva entre todos os permutando os equipamentos numa casa de
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 199

penhores pela importância de R$ 1.300,00. Constrangimento ilegal evidenciado. HC


STM (Em. 87/61)........................................... 178 concedido de ofício. STJ (Em. 87/69)........... 181
- Progressão de regime. Aberto. Presentes os - Reincidência. Agravante de pena e circuns-
requisitos objetivo e subjetivo para a conces- tância a balizar a fixação de regime prisional
são de progressão ao regime aberto. O fato e a incidência de causa de diminuição de
de o agravante ter cometido crimes graves pena. Bis in idem. Inocorrência. O Plenário
e ainda faltar considerável tempo de pena a desta Suprema Corte, em sede de RE com
cumprir não obsta a concessão do benefício. Repercussão Geral, já assentou a constitu-
TJSP (Em. 87/12)........................................... 163 cionalidade da reincidência como agravante
genérica da pena, entendimento este que
- Progressão de regime. Nova progressão.
produz reflexos em suas repercussões sobre a
A data de início do lapso para a segunda
fixação do regime inicial de cumprimento da
progressão de regime deve ser a correspon-
reprimenda, a incidência de causas de dimi-
dente àquela em que o apenado descontou a
nuição e outros próprios da individualização
primeira fração exigida em lei e não aquela
da pena. STF (Em. 87/70).............................. 182
em que se deu o deferimento da promoção
ao regime intermediário. TJSP (Em. 87/42). 173 - Remição. Trabalho diário entre 6 e 8 horas.
- Progressão de regime. Semiaberto. Compro- Cômputo pelo número de dias trabalhados.
vado que o paciente é, na realidade, reinci- TJMG (Em. 87/71)........................................ 182
dente, sendo o lapso temporal para progressão - Revisão criminal. Aumento da pena. Con-
de regime de 3/5 e não 2/5. Período necessário tinuidade delitiva. Art. 71, in fine, do CP.
que veio a se completar na sequência e, atu- Tráfico internacional de pessoas. Art. 231
almente, está cumprido. Impossibilidade de do CP, na redação anterior ao advento da
progressão por salto. TJSP (Em. 87/13)........ 163 Lei 13.344/2016. Agravamento da condição
- Progressão de regime. Semiaberto. Deferi- jurídica do apenado. Impossibilidade. Art.
mento. Recurso ministerial objetivando o 626, parágrafo único, do CPP. TRF 1ª R.
retorno da reeducanda ao regime fechado. (Em. 87/72)..................................................... 182
Inadmissibilidade. Reeducanda possuido- - Roubo majorado. Uso de arma de fogo e
ra de boa conduta carcerária. TJSP (Em. pelo concurso de pessoas. Concurso formal
87/11).............................................................. 162 próprio de crimes. Circunstâncias e conse-
- Rádio pirata/comunitária. Rádio evangélica. quências do crime valoradas negativamente
Desclassificação para o tipo penal do art. 70 pelo juízo a quo. Fundamentação inidônea.
da Lei 4.117/62. Impossibilidade. Princípio Fixação da pena-base no mínimo legal. Alte-
da insignificância inaplicável. Pena-base ração do regime inicial de cumprimento de
reduzida para o mínimo legal. Pena de mul- pena. Redimensionamento da pena privativa
ta redimensionada. Prestação pecuniária de liberdade e da sanção pecuniária imposta.
reduzida. Mantida a substituição por duas TJCE (Em. 87/75).......................................... 183
penas restritivas de direito. TRF 3ª R. (Em.
- Roubo qualificado. Desclassificação para
87/81).............................................................. 185
roubo majorado. Improcedência. Lesão
- Rádio pirata/comunitária. Redimensiona- corporal grave comprovada pelo conjunto
mento da pena. O crime tipificado no art. 183 da prova dos autos. Majorantes do § 2º do
da Lei 9.472/97 é formal, de perigo abstrato. art. 157 do CPB. Inaplicabilidade ao crime
O fato de a rádio funcionar apenas no período de roubo qualificado. Recurso parcialmente
noturno não afasta o perfazimento do crime. provido. Nos exatos termos do art. 168 do
Também é irrelevante, no que toca à tipici- CPP, não sendo possível o exame de corpo de
dade, a utilização da rádio somente para fins delito, por haverem desaparecido os vestígios,
religiosos. Mantidos o regime inicial aberto, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
o valor do dia-multa no mínimo legal e a TJCE (Em. 87/77).......................................... 184
substituição da pena privativa de liberdade
- Roubo qualificado. Materialidade e autoria
por duas restritivas de direitos. TRF 3ª R.
incontroversas. Redução da pena-base ao
(Em. 87/80)..................................................... 185
mínimo legal. Majorante. Arma branca.
- Regressão definitiva de regime prisional. Exclusão. Lei 13.654/2018. Novatio legis in
Falta de prévia oitiva judicial do condenado. mellius. TJCE (Em. 87/19).............................. 164
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Índice Alfabético
200

- Sentenciado que cumpria pena em regime PENA DE MULTA


fechado. Condenação superveniente a pena
- Inadimplemento. Decisão a quo que declarou
restritiva de direitos (prestação de serviços à
extinta a punibilidade da multa. Insurgência
comunidade e interdição de direitos/proibi-
do MP. Determinar a extinção da punibili-
ção de frequentar lugares). Reconversão desta
dade de multa pode retirar sua exigibilidade.
em pena privativa de liberdade. Impossibi-
TJSP (Em. 87/10)........................................... 162
lidade. Cumprimento, em primeiro lugar,
da pena privativa de liberdade, deixando PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO/
sobrestada a condenação à pena restritiva de POLUIÇÃO SONORA
direitos, que será cumprida posteriormente,
segundo o disposto no art. 76 do CP. TJSP - Consunção. No caso, a contravenção penal
(Em. 87/8)....................................................... 162 de perturbação do sossego (art. 42, II e III,
da LCP) deve ser absorvida pelo crime mais
- Tóxicos. Tráfico. Causa de diminuição de grave de poluição ambiental (art. 54, caput
pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. Réu da Lei 9.605/98), já que aquela primeira
que se dedica à atividade criminosa. Alteração corresponde à etapa executória do crime de
desse entendimento. Causa de aumento do poluição sonora narrado na denúncia. TJAP
art. 40, III, da referida Lei. Caracterizada. STJ (Em. 87/65)..................................................... 180
(Em. 87/82)..................................................... 186
PESSOA JURÍDICA
- Tóxicos. Tráfico. Natureza e quantidade de
drogas consideradas somente na terceira fase - Ver Crime Ambiental. Denúncia. Pena.
da dosimetria da pena para fundamentar a Formas de Cumprimento.
aplicação do redutor do § 4º do art. 33 da
Lei 11.343/06 em seu patamar mínimo (1/6). POLUIÇÃO AMBIENTAL
Legalidade. Bis in idem não configurado. STF
- Pessoa jurídica. Denúncia. Desnecessidade de
(Em. 87/86)..................................................... 187
motivação exauriente. Justa causa verificada.
- Tóxicos. Tráfico. Negativa de autoria. De- Laudo pericial. Desnecessidade. Crime for-
cisão condenatória respaldada no acervo mal e de perigo abstrato. STJ (Em. 87/66).... 180
probatório. Aplicação do redutor previsto no
PREVENÇÃO
§ 4º, art. 33, da Lei 11.343/06 na fração máxi-
ma. Possibilidade. Pena de multa. Redução. - Oferecimento de denúncia perante o juízo
Substituição da pena corporal por restritivas do local em que ocorreram os fatos. Exis-
de direitos. Presentes os requisitos legais. tência de prévia investigação policial na
TJBA (Em. 87/83).......................................... 186 qual foi deferida a interceptação telefônica
dos investigados. Conexão intersubjetiva
- Tóxicos. Tráfico. Regime inicial. Pena-base
e instrumental. Prevenção. Inteligência do
fixada acima do mínimo legal. Pena superior
art. 78, II, c, do CPP. Prolação de sentença
a 4 anos de reclusão. Regime inicial fechado
condenatória. Impossibilidade de remessa
que se impõe (art. 33, §§ 2º e 3º, do CP).
dos autos ao juízo competente. STJ (Em.
Coação ilegal. Ausência. STJ (Em. 87/85).... 187
87/73).............................................................. 183
- Tóxicos. Tráfico interestadual. 5 anos de
reclusão, em regime inicial semiaberto e ao PRISÃO DOMICILIAR
pagamento de 500 dias-multa. Dosimetria - Tóxicos. Tráfico. Prisão em flagrante. Mulher
da pena. Aplicação da causa de diminuição com filho menor de 12 anos. Possibilidade de
em patamar máximo. Descabimento. Fração conversão da prisão preventiva em custódia
proporcional à quantidade da substância domiciliar com fundamento no art. 318 do
apreendida. Fixação do regime inicial aberto. CPP. Proteção integral à criança. Prioridade.
Inviabilidade. Substituição da pena privativa HC Coletivo 143.641/SP (STF). Ordem
de liberdade por restritiva de direitos. Impos- concedida em parte. TJAP (Em. 87/84)........ 187
sibilidade. TJBA (Em. 87/88)........................ 188
PRISÃO PREVENTIVA
- Violência doméstica. Lesão corporal. Subs-
tituição da pena privativa de liberdade por - A utilização das medidas alternativas descritas
penas restritivas de direitos. Inviabilidade. no art. 319 do CPP é adequada e suficiente
Ausência dos requisitos legais. TJMG (Em. para, a um só tempo, garantir-se que o pa-
87/57).............................................................. 177 ciente não voltará a delinquir e preservar-se
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 201

a presunção de inocência descrita no art. 5º, PRODUÇÃO ANTECIPADA DA


LVII, da CF. STF (Em. 87/2)......................... 161 PROVA ORAL
- Artigo de Gisele Leite: “Considerações sobre - Homicídios qualificados e roubo. Paciente
os Requisitos para Prisão Preventiva”........... 48 não localizado. Alegação de ausência de esgo-
- Homicídio qualificado. Situação concreta tamento dos meios necessários. Matéria não
em que a prisão preventiva está embasada na apreciada pela corte de origem. Possibilidade
periculosidade do agente, evidenciada pela real de esquecimento. Decisão fundamenta-
gravidade concreta do crime, além da evasão da. Ausência de prejuízo à defesa. Aplicação
do distrito da culpa. STF (Em. 87/5)............. 161 do art. 563 do CPP. STJ (Em. 87/51)............ 175
- Imputação. A gravidade da imputação, con-
siderado o princípio da não culpabilidade, é R
insuficiente, por si só, a levar à prisão provi-
sória. STF (Em. 87/4).................................... 161 RÁDIO PIRATA/COMUNITÁRIA
- Imputação. Documentos. Destruição. - Telecomunicações. O crime tipificado no
Suposição. Descabe implementar a prisão art. 183 da Lei 9.472/97 é formal, de perigo
preventiva a partir da suposição de que, solto, abstrato. O fato de a rádio funcionar apenas
o acusado venha a destruir documentos que
no período noturno não afasta o perfazimento
sirvam de prova do delito. STF (Em. 87/6).. 161
do crime. Também é irrelevante, no que toca
- Necessidade de preservar a integridade física à tipicidade, a utilização da rádio somente
das vítimas e das testemunhas justifica a para fins religiosos. Mantidos o regime inicial
manutenção da custódia cautelar. STF (Em. aberto, o valor do dia-multa no mínimo legal
87/1)................................................................ 161 e a substituição da pena privativa de liberdade
- Receptação. Decreto de prisão fundamentado por duas restritivas de direitos. TRF 3ª R.
na constatação da reincidência e na possibili- (Em. 87/80)..................................................... 185
dade de reiteração delitiva. Decreto prisional
- Telecomunicações. Rádio evangélica. Des-
devidamente fundamentado em dados con-
classificação para o tipo penal do art. 70 da
cretos, não apenas na gravidade abstrata do
Lei 4.117/62. Impossibilidade. Princípio
delito. STF (Em. 87/3)................................... 161
da insignificância inaplicável. Pena-base
- Tóxicos. Tráfico. Associação para o tráfico. reduzida para o mínimo legal. Pena de mul-
Prisão em flagrante convertida em preventi- ta redimensionada. Prestação pecuniária
va. Segregação fundada no art. 312 do CPP. reduzida. Mantida a substituição por duas
Garantia da ordem pública. Considerável penas restritivas de direito. TRF 3ª R. (Em.
quantidade e variedade das drogas apreen-
87/81).............................................................. 185
didas. Constrição justificada e necessária.
Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. RESPONSABILIDADE PENAL DA
Medidas cautelares alternativas. Insuficiência PESSOA JURÍDICA
e inadequação. STJ (Em. 87/87).................... 187
- Denúncia. Desnecessidade de motivação
- Triplo roubo majorado. Concurso de agentes.
exauriente. STJ (Em. 87/66).......................... 180
Emprego de arma de fogo. Superveniência
de condenação. Negativa do apelo em li- ROUBO
berdade. Mesmos fundamentos do decreto
preventivo. Ausência de prejudicialidade. - Concurso formal de delitos. Pleito de reco-
Constrição corporal fundada no art. 312 do nhecimento da causa de diminuição de pena
CPP. Garantia da ordem pública. Gravidade referente à forma tentada. Impossibilidade.
concreta da conduta. Custódia fundamen- Aplicação da teoria da apprehensio ou amotio.
tada e necessária. Modo inicial semiaberto Consumação que ocorre com a simples
imposto na condenação. Necessidade de
inversão da posse, ainda que a res furtiva seja
compatibilização de regime. Coação ilegal
recuperada em seguida. TJAL (Em. 87/74)... 183
em parte evidenciada. Ordem concedida de
ofício determinando que o recorrente aguar- ROUBO MAJORADO
de em regime semiaberto o esgotamento da
jurisdição ordinária. STJ (Em. 87/89)........... 188 - Vide Pena. Arma Branca. Roubo Qualificado.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 – Índice Alfabético
202

ROUBO QUALIFICADO não se confunde com atividade de telecomu-


nicação. TRF 1ª R. (Em. 87/20).................... 165
- Absolvição. Provas coligidas em Juízo insu-
ficientes para demonstrar, com segurança, a SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO
prática delitiva atribuída aos acusados. Ob- PREVIDENCIÁRIA
servância do princípio in dubio pro reo. TJSP
(Em. 87/76)..................................................... 184 - Absolvição. Art. 337-A do CP. Contador.
Participação na administração da empresa.
- Acórdão do TJRS – Pena. Emprego de arma Inocorrência. Autoria e dolo não comprova-
branca. Alteração legislativa............ No caso dos. TRF 1ª R. (Em. 87/79)........................... 185
impositiva a exclusão da majorante por força
da nova redação do art. 157 do CP promovida SONEGAÇÃO FISCAL
pela Lei 13.654/2018. Abolitio criminis parcial. 147
- Acórdão do STJ – Mero inadimplemento.
- Desclassificação para roubo majorado. Não ocorrência. Trancamento da ação penal.
Improcedência. Lesão corporal grave com- Ausência de excepcionalidade. Operações
provada pelo conjunto da prova dos autos. próprias. Tipicidade. Sócios administradores
Majorantes do § 2º do art. 157 do CPB. Ina- exclusivos. Ausência de individualização das
plicabilidade ao crime de roubo qualificado. condutas. Possibilidade. Nexo causal deline-
Recurso parcialmente provido. Nos exatos ado................................................................... 126
termos do art. 168 do CPP, não sendo possível
o exame de corpo de delito, por haverem de- T
saparecido os vestígios, a prova testemunhal
poderá suprir-lhe a falta. TJCE (Em. 87/77). 184 TÓXICOS
- Pena. Materialidade e autoria incontroversas. - Importação de sementes de maconha. Se-
Redução da pena-base ao mínimo legal. mentes não possuem a substância psicoativa
Majorante. Arma branca. Exclusão. Lei (THC). Reduzida quantidade de substâncias
13.654/2018. Novatio legis in mellius. TJCE apreendidas. Absolvição. STF (Em. 87/52)... 176
(Em. 87/19)..................................................... 164
- Tráfico. Associação para o tráfico. Prisão em
- Uso de arma de fogo e pelo concurso de flagrante convertida em preventiva. Segrega-
pessoas. Concurso formal próprio de crimes. ção fundada no art. 312 do CPP. Garantia da
Circunstâncias e consequências do crime ordem pública. Considerável quantidade e
valoradas negativamente pelo juízo a quo. variedade das drogas apreendidas. Constrição
Fundamentação inidônea. Fixação da pena- justificada e necessária. Condições pessoais
base no mínimo legal. Alteração do regime favoráveis. Irrelevância. Medidas cautelares
inicial de cumprimento de pena. Redimen- alternativas. Insuficiência e inadequação. STJ
sionamento da pena privativa de liberdade e (Em. 87/87)..................................................... 187
da sanção pecuniária imposta. TJCE (Em.
87/75).............................................................. 183 - Tráfico. Causa de diminuição de pena do
art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. Réu que se
dedica à atividade criminosa. Alteração desse
S entendimento. Causa de aumento do art. 40,
III, da referida Lei. Caracterizada. STJ (Em.
SAÍDA TEMPORÁRIA 87/82).............................................................. 186
- Acórdão do TJMG- Impossibilidade. Regime - Tráfico. Natureza e quantidade de drogas
aberto. Ausência de previsão. Art. 122 da consideradas somente na terceira fase da do-
LEP................................................................. 141 simetria da pena para fundamentar a aplicação
- Liminar indeferida. Paciente cumpre elevada do redutor do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06
pena corporal no regime inicial fechado e em seu patamar mínimo (1/6). Legalidade. Bis
foi promovida recentemente ao semiaberto, in idem não configurado. STF (Em. 87/86)... 187
não preenchendo os requisitos legais para a - Tráfico. Negativa de autoria. Decisão con-
obtenção da benesse. TJSP (Em. 87/78)....... 185 denatória respaldada no acervo probatório.
SINAL DE INTERNET Aplicação do redutor previsto no § 4º, art. 33,
da Lei 11.343/06 na fração máxima. Possibili-
- Compartilhamento. Atipicidade do fato. dade. Pena de multa. Redução. Substituição
Absolvição. Serviço de valor adicionado que da pena corporal por restritivas de direitos.
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 87 – Dez-Jan/2019 203

Presentes os requisitos legais. TJBA (Em. fechado. Possibilidade. Incompatibilidade


87/83).............................................................. 186 no cumprimento simultâneo da física e da
- Tráfico. Prisão em flagrante. Mulher com alternativa. Inteligência dos arts. 111 e 181
filho menor de 12 anos. Possibilidade de da LEP. TJSP (Em. 87/90).............................. 189
conversão da prisão preventiva em custódia
- Nova condenação no curso da execução. Fi-
domiciliar com fundamento no art. 318 do
CPP. Proteção integral à criança. Prioridade. xação de termo inicial da contagem dos lapsos
HC Coletivo 143.641/SP (STF). Ordem para fins de benefícios fique subordinado à
concedida em parte. TJAP (Em. 87/84)........ 187 apuração de falta disciplinar ou efetiva regres-
são de regime para a progressão de regime e
- Tráfico. Regime inicial. Pena-base fixada
inviabilidade da interrupção do lapso para o
acima do mínimo legal. Pena superior a 4
anos de reclusão. Regime inicial fechado que livramento condicional. TJSP (Em. 87/43)... 173
se impõe (art. 33, §§ 2º e 3º, do CP). Coação
USO DE DOCUMENTO FALSO
ilegal. Ausência. Detração penal. (art. 387, §
2º, do CPP). Inexistência de menção na sen- - Desclassificar a conduta do acusado para
tença e no acórdão hostilizados. Constrangi- aquela prevista no art. 304 c/c o art. 298,
mento ilegal evidenciado. Ordem concedida,
ambos do CP, reduzindo-se as penas e subs-
liminarmente, em menor extensão. STJ (Em.
tituindo a pena privativa de liberdade por
87/85).............................................................. 187
apenas uma restritiva de direito. TJSP (Em.
- Tráfico interestadual. Pena. 5 anos de re- 87/91).............................................................. 189
clusão, em regime inicial semiaberto e ao
pagamento de 500 dias-multa. Dosimetria
da pena. Aplicação da causa de diminuição V
em patamar máximo. Descabimento. Fração
proporcional à quantidade da substância VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR
apreendida. Fixação do regime inicial aberto.
Inviabilidade. Substituição da pena privativa - Crime Militar. Art. 175, caput, do CPM.
de liberdade por restritiva de direitos. Impos- Acervo probatório robusto. Inexistência de
sibilidade. TJBA (Em. 87/88)........................ 188 justificantes e exculpantes. Circunstâncias
judiciais desfavoráveis. Diminuição da pena-
TRÁFICO INTERNACIONAL DE base. Condenação mantida. Adequação da
PESSOAS
dosimetria. STM (Em. 87/92)....................... 189
- Revisão criminal. Aumento da pena. Conti-
nuidade delitiva. Art. 71, in fine, do CP. Art. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
231 do CP, na redação anterior ao advento
- Lesão corporal. Absolvição. Impossibilidade.
da Lei 13.344/2016. Agravamento da con-
Declarações da vítima. Depoimento policial.
dição jurídica do apenado. Impossibilidade.
Art. 626, p. único, do CPP. TRF 1ª R. (Em. Confissão parcial. Condenação mantida.
87/72).............................................................. 182 TJMG (Em. 87/56)........................................ 177

- Lesão corporal. Absolvição. Impossibilidade.


U Materialidade e autoria comprovadas. Subs-
tituição da pena privativa de liberdade por
UNIFICAÇÃO DE PENAS penas restritivas de direitos. Inviabilidade.
- Conversão de restritivas de direito em Ausência dos requisitos legais. TJMG (Em.
privativa de liberdade, observado o regime 87/57).............................................................. 177
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