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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO


GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 10907 / AL (2009.80.00.006151-4)


APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APTE : ADEMIR PEREIRA CABRAL
ADV/PROC : GEDIR MEDEIROS CAMPOS JÚNIOR (AL006001) E OUTROS
APTE : ZULEIDO SOARES DE VERAS
ADV/PROC : BRUNO SORIANO CARDOSO (AL007040) E OUTROS
APTE : FERNANDO DE SOUZA
ADV/PROC : JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI (AL004118) E OUTRO
APTE : DENISON DE LUNA TENÓRIO
ADV/PROC : ADALBERTO FERREIRA DE ARAÚJO (AL007353) E OUTROS
APTE : MAURO PAIVA NETO
ADV/PROC : ODAIR PAULO MORALES (AL004002A) E OUTRO
APTE : JOSÉ JAILSON ROCHA
ADV/PROC : DANIEL LIMA ARAÚJO (PE016082) E OUTROS
APDO : OS MESMOS
APDO : MANOEL GOMES DE BARROS
ADV/PROC : FABIO COSTA FERRARIO DE ALMEIDA (AL003683) E OUTROS
APDO : JOSE BENIGNO VIANA PORTELA
ADV/PROC : MARCUS LACET (AL006200) E OUTROS
ORIGEM: 3ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS
RELATOR: JUIZ FEDERAL AUXILIAR FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS
TURMA: TERCEIRA

RELATÓRIO

Trata-se de apelações de Ademir Pereira Cabral, Fernando de Souza, Zuleido Soares


de Veras, Denison de Luna Tenório e José Jailson Rocha contra sentença do juízo da 3ª Vara
Federal de Alagoas que julgou parcialmente procedente a ação penal pública materializada nos
autos do processo nº 200.80.00.006151-4, condenando os Apelantes pela prática de peculato-
desvio, crime previsto no art. 312 do Código Penal e absolvendo-os das demais imputações. O
Ministério Público Federal apela da absolvição dos réus da acusação de dispensa ilegal de
licitação e formação de quadrilha, e pede a condenação de Mauro Paiva Neto, José Benigno
Viana Portela e Manoel Gomes de Barros pelo crime de peculato-desvio. Por sua vez, Mauro
Paiva Neto, absolvido por insuficiência de provas, apela da sentença pretendendo alterar o
fundamento da absolvição.

A r. sentença apelada cominou as seguintes penas: Ademir Pereira Cabral e Fernando de


Souza, pena de 5 (cinco) anos, 7 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 15 dias-multa no
valor de 1/5 do salário mínimo; Zuleido Soares de Veras, pena de 8 (oito) anos de reclusão e 360
dias-multa no valor de 2/3 do salário-mínimo; Denison de Luna Tenório, pena de 4 (quatro) anos
e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa no valor de 1/5 do salário mínimo; José
Jailson Rocha, pena de 6 (seis) anos de reclusão e 15 dias-multa no valor de 1/5 do salário
mínimo (fls. 1.659/1.721, vol. 7).

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Há a registrar que este feito foi desmembrado do processo originário que tramita
perante o egrégio Supremo Tribunal Federal, tendo como réu o Deputado Federal Ronaldo
Lessa (PDT-AL), que possui foro constitucional por prerrogativa de função.

A ação penal imputa aos acusados a participação em esquema criminoso que promoveu
sistemática malversação e desvio de verba pública federal, repassada por meio de cinco
instrumentos, entre convênios e contratos de repasses, firmados entre o Governo do Estado de
Alagoas o Ministério da Integração Nacional, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das
Cidades, para a execução das obras ligadas à Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins em
Alagoas. Os fatos foram investigados na “Operação Navalha”, articulada pelo Ministério Público
e Polícia Federal, com o objetivo de desarticular esquemas de corrupção relacionados à
contratação de obras públicas feitas pelo governo federal envolvendo a empresa Gautama.

Nas razões recursais, o Ministério Público Federal pugna pela condenação dos réus
Zuleido Soares de Veras, Ademir Pereira Cabral, Mauro Paiva Neto e Manoel Gomes de Barros
pelos crimes de dispensa ilegal de licitação e de formação de quadrilha, alegando que as provas
dos autos são suficientes para a demonstração da autoria de tais delitos. Pede, outrossim, a
reforma da decisão que absolveu os réus Mauro Paiva Neto, José Benigno Viana Portela e
Manoel Gomes de Barros pelo crime de peculato-desvio (vol. 8, fls. 1.916/1.925, verso, vol. 8).

Ademir Pereira Cabral alega erro de tipo, inexistência de prova do elemento subjetivo,
violação dos arts. 20, CP e 386, VI e VII do CPP, e que a dosimetria da pena teria violado o
princípio do “ne bis in idem” (fls. 1.988/1.993, vol. 8).

O Apelante Fernando de Souza alega a ausência de correlação entre os fatos narrados


na denúncia e os que ensejaram a condenação; a impossibilidade de imputar ao Apelante fatos
ocorridos antes e depois do período de 1º de julho de 2005 a 19 de junho de 2006, interregno em
que exerceu o cargo de Secretário de Infraestrutura do Estado de Alagoas – SEINFRA; a
violação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade na aplicação da pena. Pugna ao
final pela reforma da sentença para que seja absolvido ou, subsidiariamente, para que a pena seja
reduzida ao mínimo legal de 2 (dois) anos (fls. 1.965/1.980, vol. 8).

Zuleido Soares de Veras aduz cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova


pericial requerida na data do fato típico; ocorrência de prescrição; falta de justa causa;
impossibilidade da configuração do sobrepreço; ausência de ilegalidade na subcontratação da
Cipesa Engenharia e a necessidade de revisão da dosimetria da pena (fls. 2.023/2.029, verso, vol.
9).

Denison de Luna Tenório protesta pela reapreciação das provas coligidas aos autos
que, segundo defende, levariam à sua absolvição. Alega que não teve participação na prática
delitiva, pois na condição de Diretor de Obras, Contratos e Convênios da SEINFRA/AL não
tinha atribuições para liberar pagamentos, e que o mero fato de ter encaminhado a prestação de
contas que, inclusive, foram aprovadas, não poderia servir de fundamento para sua condenação.
Questiona também a dosimetria da pena alegando que não haveria circunstâncias judiciais que
justificassem a majoração da pena base, bem como a inexistência de crime continuado (vol. 8, fls.
1.800/1.813, vol. 8z).

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José Jailson Rocha aduz, em apertada síntese, que houve cerceamento de defesa pelo
aditamento da denúncia sem que houvesse nova citação dos réus e pela negativa do pleito de
diligências finais com violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa; a ausência de
dolo e atipicidade dos fatos pela impossibilidade de responsabilização penal objetiva, e violação
ao art. 59 do CP em face da exacerbação indevida na aplicação da pena (fls. 1.998/2.018, vol. 8
e 9). Posteriormente, requereu aditamento às razões de apelação para juntar aos autos o Acórdão
nº 1814-25/14-P do TCU que julgou a Tomada de Contas Especial nº 017.54/2007-0 (fls.
2.107/2.109, verso, e seguintes, vol. 9).

Por derradeiro, Mauro Paiva Neto apela para modificar os enquadramentos da


absolvição, nomeadamente para que sejam consideradas a inexistência do elemento subjetivo do
tipo quanto ao crime de dispensa indevida de licitação, do crime de peculato-desvio e de conduta
típica de formação de quadrilha (vol. 8, 1.941v./1.947).

Houve contrarrazões dos Apelados Mauro Paiva Neto (vol. 8, fls. 1.938/1.941); Denison
de Luna Tenório (vol. 8, fls. 1.949/1.953); Fernando de Souza (vol. 8, fls. 1.963/1.964); José
Jailson Rocha (vol. 8, fls. 1.993/1.997); Manoel Gomes de Barros (vol. 8, fls. 2.162/2.179); José
Benigno Viana Portela (vol. 8, fls. 2.045/2.047) e Zuleido Soares de Veras (vol. 8, fls.
2.301/2.303).

Contrarrazões do Ministério Público Federal em face da apelação de Denison de Luna


Tenório (vol. 8, fls. 1.910/1.915, vol. 9).

Intimado a se manifestar sobre as demais apelações dos réus requereu diligência para
regular o feito e nova abertura de vista (vol. 10, fl. 2.294/2.297).

Novamente intimado deixou de oferecer contrarrazões oferecendo desde já parecer


pugnando pelo não provimento dos apelos interpostos pelos réus e pelo provimento do recurso do
Ministério Público Federal (vol. 10, fls. 2309/2.319, verso).

A Procuradoria Regional da República, atuando nesta instância, ofereceu parecer


opinando pelo provimento da apelação do Ministério Público Federal e o desprovimento das
demais.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Conforme sumariado no relatório trata-se de apelações de Ademir Pereira Cabral, Fernando de


Souza, Zuleido Soares de Veras, Denison de Luna Tenório e José Jailson Rocha contra
sentença do juízo da 3ª Vara Federal de Alagoas que julgou parcialmente procedente a ação penal
pública materializada nos autos do processo nº 200.80.00.006151-4, condenando os Apelantes
pela prática de peculato-desvio, crime previsto no art. 312 do Código Penal e absolvendo-os das
demais imputações. O Ministério Público Federal apela da absolvição dos réus da acusação de

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dispensa ilegal de licitação e formação de quadrilha e pede a condenação de Mauro Paiva Neto,
José Benigno Viana Portela e Manoel Gomes de Barros pelo crime de peculato-desvio. Por
sua vez, Mauro Paiva Neto, absolvido por insuficiência de provas, apela da sentença
pretendendo alterar o fundamento da absolvição.

Caso em que a ação penal imputa aos acusados a participação em esquema criminoso
que promoveu sistemática malversação e desvio de verba pública federal, repassada por meio de
cinco instrumentos, entre convênios e contratos de repasses, firmados entre o Governo do Estado
de Alagoas o Ministério da Integração Nacional, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério
das Cidades, para a execução das obras ligadas à Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins em
Alagoas. Os fatos foram investigados na “Operação Navalha”, articulada pelo Ministério Público
e Polícia Federal, com o objetivo de desarticular esquemas de corrupção relacionados à
contratação de obras públicas feitas pelo governo federal envolvendo a empresa Gautama.

1) Da ausência de interesse recursal (apelação de Mauro Paiva Neto).

A apelação de Mauro Paiva Neto não deve ser conhecida por falta de interesse recursal.

O Apelante alega que teria havido erro de julgamento no enquadramento das absolvições,
pedindo que sejam reconhecidas a inexistência do elemento subjetivo do tipo quanto ao crime de
dispensa indevida de licitação e inexistência do crime de peculato-desvio. Relativamente à
terceira imputação, aponta erro na apreciação da prova defendendo a inexistência de conduta
típica de formação de quadrilha.

A ação penal é instrumento que serve exclusivamente para veicular a pretensão punitiva
do Estado, inexistindo como contrapartida o direito subjetivo do réu a uma sentença absolutória
por um dado fundamento. Por isso, seja qual for a causa que impeça o acolhimento da pretensão
punitiva estatal, inviabilizada a condenação não sobrevive em favor do réu qualquer interesse
jurídico processual na causa. E não se alegue que a absolvição por negativa do fato ou da autoria
produziria efeitos no plano cível, porque esses efeitos são anexos, ditos secundários, não
integrando o objeto litigioso do processo, de modo que tal discussão é inadequada em sede
criminal.

É por tais motivos que a absolvição do réu, por qualquer fundamento que seja, é
insuscetível de impugnação por recurso da Defesa. Para corroborar essa conclusão, vale
mencionar a Súmula nº 241 do extinto Tribunal Federal de Recursos, que diz prejudicada a
apelação do réu, mesmo condenado, quando ocorre a extinção da punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva. Ora, parece claro que a situação do acusado condenado em favor do qual se
reconhece a prescrição é mais desfavorável que a do réu absolvido, contudo, mesmo nesse caso
não há interesse recursal. Logo, e com maior razão, também falece interesse ao recurso da defesa
para modificar o fundamento da absolvição.

Não conheço, pois, deste recurso.

2) Das preliminares (cerceamento de defesa, falta de justa causa e prescrição).

Os Apelantes José Jailson Rocha e Zuleido Soares de Veras suscitam preliminares de


nulidade por cerceamento de defesa, falta de justa causa para a ação penal e prescrição.

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Segundo José Jailson Rocha teria havido cerceamento de defesa porque, em 26 de


novembro de 2010, o Ministério Público Federal aditou a denúncia para incluir os ex-
governadores Manoel Gomes de Barros e Ronaldo Augusto Lessa Santos, ocasião em que foram
juntados os autos do Inquérito Policial nº 0051/2009-4-SR/DPF/AL, com trinta e oito volumes,
com destaque para o Laudo Pericial e Relatório Conclusivo, e o aditamento foi deferido sem que
se oportunizasse nova citação dos corréus.

Além disso, o citado Apelante e Zuleido Soares de Veras alegam cerceamento de defesa
porque o juízo a quo indeferiu requerimento de perícia in loco para verificar a existência física
das obras tidas como superfaturadas, detectar até que ponto foram realizadas as obras em
comparação com o cronograma físico realizado e elaboração de laudo técnico para verificar a
viabilidade de retomadas das obras pelo Governo do Estado. Afirmam que as provas dos autos se
limitam a laudos periciais produzidos em fase investigativa, sem se submeterem ao crivo do
contraditório e da ampla defesa.

As preliminares de cerceamento de defesa não colhem.

A necessidade de citação dos acusados com reabertura do prazo de defesa tem cabimento
em consequência de prova de elemento ou circunstância da infração penal não contida na
acusação, nos termos do art. 384 do Código de Processo Penal (mutatio libelli); senão, leia-se:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova


definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de
elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o
Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco)
dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação
pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

§ 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento,


aplica-se o art. 28 deste Código.

§ 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e


admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes,
designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de
testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e
julgamento.

§ 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput deste


artigo.

§ 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três)


testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito
aos termos do aditamento.

§ 5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.

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No caso em exame, o aditamento promovido pelo Ministério Público Federal realmente


inovou os fatos contidos na denúncia, porém, apenas para incluir no polo passivo da ação penal
os acusados Manoel Gomes de Barros e Ronaldo Augusto Lessa (cf. fls. 957/961, vol. 4). Basta
compulsar os autos para perceber que, no tocante aos demais acusados, não houve qualquer
modificação do contexto fático, de maneira que se afigura descabida a alegação de necessidade de
nova citação e reabertura do prazo para manifestação da defesa, segundo o procedimento previsto
no art. 384 do CPP antes referido.

Por outro lado, a produção de prova nova não dá ensejo a uma nova citação, bastando,
para assegurar o exercício da ampla defesa e do contraditório, que os réus tenham acesso aos
elementos de prova juntados aos autos, sendo-lhes facultado impugná-los e contraditá-los ao
longo da instrução, o que efetivamente ocorreu no caso concreto.

Em respeito ao indeferimento da prova pericial também se verifica a inexistência de


qualquer mácula à ampla defesa e ao contraditório, porquanto não há óbice no aproveitamento
das perícias e demais meios de prova confeccionados na fase investigativa, sobretudo em se
tratando de trabalhos técnicos corporificados em documentos escritos, sendo que, acaso o réu
discorde de suas conclusões, pode, fundamentadamente, refutá-las, na forma explicitada pelo
juízo a quo (fls. 1.347/1.352, vol. 6). Há, nesse sentido, precedente do colendo STJ:

PENAL E PROCESSUAL PENAL - AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA - DENÚNCIA


OFERECIDA CONTRA CONSELHEIRO DE TRIBUNAL DE CONTAS
ESTADUAL E OUTROS 16 (DEZESSEIS) ACUSADOS - PRELIMINARES DE
INCOMPETÊNCIA JURISDICIONAL, INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA,
ILEGAL MANIPULAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO,
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA LICITUDE DAS GRAVAÇÕES,
PRESENÇA DOS REQUISITOS DA LEI 9.296/96, PRORROGAÇÃO DA
INTERCEPTAÇÃO, NULIDADE DO PROCESSO - ILICITUDE DA PROVA,
NECESSÁRIO APENSAMENTO DO PROCEDIMENTO DE
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AOS AUTOS DO INQUÉRITO,
CERCEAMENTO DE DEFESA - PRAZO HÁBIL PARA A ANÁLISE DO
MATERIAL ANEXADO AO PROCESSO, AUSÊNCIA DOS REQUERIMENTOS
E DAS ORDENS QUE DEFERIRAM AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
QUE REDUNDARAM NO PRESENTE FEITO, IMPOSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO DA LEI 9.034/95 NO CASO CONCRETO, SUPOSTAS
NULIDADES DAS INTERCEPTAÇÕES EM RAZÃO DE DECISÕES
PROFERIDAS POR ESTA CORTE - REJEIÇÃO - MÉRITO DA ACUSAÇÃO -
INDÍCIOS DE SUPERFATURAMENTO E DESVIO DE VERBA PÚBLICA NO
CONTRATO N° 110/01 - RELATÓRIO DA CGU - MATERIALIDADE -
INDÍCIOS DE PRÁTICA DOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA,
PECULATO-DESVIO, CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA.
1. A oitiva dos investigados na fase pré-processual pelo relator não viola os
princípios do devido processo legal e da imparcialidade.
Precedentes do STJ e do STF.
2. A peça acusatória atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo
Penal, na medida em que houve a exposição do fato considerado criminoso,
com suas circunstâncias, assim como se deu a devida qualificação dos
denunciados e a classificação do crime.

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3. As medidas constritivas de direito levadas a termo nos autos do Inquérito


foram determinadas por autoridade competente à época dos fatos.
4. Interceptações telefônicas eventualmente determinadas por autoridade
absolutamente incompetente permanecem válidas e podem ser plenamente
ratificadas. Precedentes do STJ e do STF.
5. É cediço na Corte que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas
por mais de uma vez, desde que comprovada sua necessidade mediante decisão
motivada do Juízo competente.
6. É prescindível a degravação integral das interceptações telefônicas, sendo
necessário, a fim de assegurar o amplo exercício da defesa, a transcrição dos
trechos das escutas que embasaram o oferecimento da denúncia. Precedentes
do STJ e do STF.
7. Havendo encontro fortuito de notícia da prática de conduta delituosa,
durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela
autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o
fato investigado e aquele descoberto. Precedentes.
8. A denúncia oferecida contra os acusados está lastreada estritamente em
indícios coletados por meio de prova documental e interceptações telefônicas
colhidas por meio de decisões proferidas com base na Lei 9.296/96.
9. As decisões de quebra de sigilo telefônico (e respectivas prorrogações)
deferidas quando da chegada dos autos a esta Corte encontram-se devidamente
fundamentadas, reportando-se, inclusive, ao teor dos requerimentos
formulados pelo MPF e pela Polícia Federal.
Fundamentação per relationem.
10. Ausência de solução de continuidade nas ordens judiciais que
determinaram a quebra do sigilo telefônico, tendo sido estritamente cumprido
o prazo previsto no art. 5° da Lei 9.296/96.
11. A CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle Interno, tem
competência para fiscalizar e avaliar a execução de programas de governo,
inclusive ações descentralizadas com recursos dos orçamentos da União,
realizar auditorias e avaliar os resultados da gestão dos administradores
públicos, apurar denúncias e executar atividades de apoio ao controle externo.
12. A materialidade de delitos praticados contra a Administração (em que
ocorre suposto desvio de dinheiro público), pode ser demonstrada por perícia
realizada pelos órgãos estatais de controle (tais como o TCU e a CGU),
incumbidos pela legislação vigente do exercício específico de tal mister.
13. A Secretaria de Controle Interno da C G U apontou a existência de
fundados indícios de que houve superfaturamento e irregularidades na
execução do contrato n° 110/01 firmado entre a D ESO (Companhia de
Saneamento do Estado de Sergipe, sociedade de economia mista na qual o
Estado detém a maior parte do capital social) e a construtora Gautama,
resultando em desvio de verba pública.
14. O TCU constatou a presença de irregularidades na execução orçamentária
do contrato firmado entre a DESO e a Gautama.
15. Existem nos autos indícios de que determinados agentes públicos do Estado
de Sergipe (J.A.F, J.A.N, F.C.O.N, J.I.C.P, M.J.V.A) solicitaram e receberam,
por diversas vezes e em razão da função que desempenhavam no Governo
Estadual, vantagens indevidas de funcionários da empresa GAUTAMA,

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praticando, em juízo perfunctório, o crime de corrupção passiva previsto no


art. 317, §1°, do Código Penal.
16. Exsurgem dos autos indícios de que os denunciados J.A.F, F.C.O.N,
M.J.V.A, Z.S.V, R.C.G, R.M.S, S.D.L, V.F.M, G.M.M, K.C.F, J.I.C.P
praticaram, em juízo sumário de cognição, o delito de peculato-desvio,
tipificado no art. 312, caput (2ª figura), do Código Penal.
17. Indícios de que os denunciados Z.S.V. e R.M.S. praticaram, na modalidade
de autoria, o crime de corrupção ativa previsto no art.
333, caput, do Código Penal.
18. Em juízo de delibação da peça acusatória exsurgem dos autos indícios de
que os denunciados J.A.F, J.A.N, F.C.O.N, M.J.V.A, Z.S.V, R.C.G, R.M.S,
S.D.L, V.F.M, G.M.M, K.C.F, J.I.C.P associaram-se, de forma estável e
permanente, com o fim específico de cometer crimes contra a Administração
Pública, praticando o crime de formação de quadrilha previsto no art. 288,
caput, do Código Penal.
19. Indícios que demonstram que os denunciados tinham ciência do
funcionamento de todo o esquema montado no Estado de Sergipe com vistas a,
mediante repasse de vantagem indevida a funcionários públicos, desviar
dinheiro do Estado em prol da GAUTAMA e garantir verba para o
financiamento da campanha de reeleição do denunciado J.A.F.
20. Extinta a punibilidade do denunciado F.C.O.N. em relação ao delito
previsto no art. 319 do Código Penal (prevaricação), nos termos do art. 107,
IV, do Estatuto Repressivo pátrio (prescrição da pretensão punitiva).
21. Ausência de justa causa em relação aos denunciados R.L, H.R.O, F.B.V,
G.J.C.S, M.F.C.P, no que tange aos delitos imputados no denominado "Evento
Sergipe".
22. Denúncia recebida em parte, com o afastamento do Conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, pelo prazo que perdurar a instrução
criminal.
(APn 536/BA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado
em 15/03/2013, DJe 04/04/2013)

O Apelante Zuleido Veras argui, outrossim, a falta de justa causa para a ação penal.

Segundo alega, faltaria justa causa à acusação de peculato, porque o crime do art. 312
do Código Penal é próprio de funcionário público e o réu não ostentaria tal condição, nem mesmo
por equiparação. A alegação é evidentemente infundada, porque a acusação não imputa o crime
de peculato-desvio a esse réu com fundamento na regra do art. 327, § 1º, do Código Penal.

Na realidade a acusação de peculato funda-se no fato de que o réu teria agido em conluio
com agentes públicos. Mesmo em se tratando de crime próprio de funcionário público, havendo
concurso de agentes o particular que concorre para a infração é suscetível de responsabilização
criminal, comunicando-se para ele a elementar do tipo, nos termos dos arts. 29 e 30 do Código
Penal. Daí por que a irresignação é descabida.

Resta apreciar, por fim, a preliminar de prescrição.

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A prescrição, antes do trânsito em julgado para a acusação, verifica-se com base na pena
máxima cominada ao delito. A denúncia imputou ao acusado os crimes de quadrilha (Art. 288 do
Código Penal) e peculato desvio (Art. 312 do Código Penal).

Em respeito à quadrilha o réu foi absolvido em primeiro grau, de modo que deixo para
examinar a ocorrência da prescrição em capítulo próprio, em seguida.

No tocante ao crime de peculato não há que se falar em prescrição. O crime tipificado no


art. 312 do Código Penal tem pena máxima de 12 (doze) anos, prescrevendo em 16 (dezesseis)
anos, conforme previsto no art. 109, I, do Código Penal.

Os fatos que deram ensejo a esta ação penal ocorreram entre os anos de 1998 e 2005. A
ação foi proposta em 2009 e a denúncia recebida em 16 de novembro de 2009 (fl. 86, vol. 1). O
recebimento da denúncia interrompeu o curso da prescrição, a teor do disposto no art. 117, 1, do
Código Penal. Posteriormente, o réu veio a ser condenado pela sentença do juízo de primeiro
grau, proferida em 28 de junho de 2013 (fls. 1.659/1.721, vol. 7).

Fácil perceber que não decorreu, em nenhum dos lapsos temporais em que se conta a
prescrição, período superior a 16 (dezesseis) anos. Entre os fatos (mesmo os mais antigos) e o
recebimento da denúncia transcorreram 11 (onze) anos; entre o recebimento e a sentença menos
de 4 (quatro) anos; entre a sentença e o julgamento da apelação pouco mais de 4 (quatro) anos.

E ainda que se examine questão sob o viés da prescrição retroativa, nos termos do art.
110, § 1º, do Código Penal, com redação vigente à época dos fatos, pela pena imposta em
concreto – ainda assim – em relação a esse réu não houve prescrição.

A pena base imposta a Zuleido Veras foi de 6 (seis) anos, nesse caso, o prazo é regulado
pela regra do art. 109, III, do Código Penal, somente se verificando a prescrição acaso
transcorridos mais de 12 (doze) anos em algum dos períodos, o que de fato não ocorreu.

Com esses fundamentos, rejeito as preliminares.

3) Da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final (crime de formação


de quadrilha, Art. 288 do Código Penal).

A apelação do Ministério Público Federal pede a condenação dos acusados pelo


cometimento do crime de formação de quadrilha. A regra do art. 288 do Código Penal, com
redação vigente na época dos fatos, tipificava o crime de quadrilha ou bando nos seguintes
termos:

Quadrilha ou bando

Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando,


para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão, de um a três anos.

FWSD ACR 10907/AL 9


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Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando


é armado.

No caso dos autos, a denúncia não imputa aos acusados a forma majorada do parágrafo
único, limitando-se à figura do caput, cuja pena máxima era de três anos.

Em respeito a esse delito, a prescrição da pretensão punitiva antes de transitar em


julgado a sentença final verifica-se em oito anos, já que o máximo da pena é superior a dois anos
e não excede a quatro, nos termos do art. 109, inciso IV, do Código Penal.

Os fatos que deram ensejo a esta ação penal ocorreram entre os anos de 1998 e 2005. A
ação foi proposta em 2009 e a denúncia recebida em 16 de novembro de 2009 (fl. 86, vol. 1). O
recebimento da denúncia interrompeu o curso da prescrição, a teor do disposto no art. 117, 1, do
Código Penal.

Todavia, doravante não ocorreram outras causas de suspensão ou interrupção do curso


do prazo prescricional, notadamente porque os réus foram absolvidos na sentença proferida pelo
juízo de primeiro grau.

Passados mais de nove anos entre o recebimento da denúncia (16/11/2009) e o


julgamento da apelação do Ministério Público Federal (18/12/2017), verifica-se a extinção da
punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, com fundamento no art. 109, IV, do Código
Penal, na forma antes explicitada, em relação ao crime de formação de quadrilha (Art. 288 do
CP).

Registro que a extinção da punibilidade pela prescrição é matéria de ordem pública, pelo
que deve ser conhecida de ofício pelo juízo, nos termos estatuídos pela regra do art. 61 do Código
de Processo Penal: “Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade,
deverá declará-lo de ofício”.

De outro lado, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva prejudica


o exame do mérito da apelação criminal, consoante entendimento consolidado na Súmula nº 241
do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR.

Ante o exposto, promulgo de ofício a prescrição da pretensão punitiva antes de transitar


em julgado a sentença final quanto às acusações de formação de quadrilha (Art. 288 do CP), em
favor de todos os Apelados.

Em consequência, julgo prejudicada a apelação do Ministério Público Federal em relação


a esses fatos.

4) Fatos supervenientes (Acórdão TCU nº 1814-25/14-P e Ação Penal STF nº 975).

Antes de adentrar ao mérito desta lide penal, alguns registros iniciais são necessários
acerca de fatos supervenientes que têm possibilidade de influir no deslinde deste processo.

a) Acórdão TCU nº 1814-25/14-P.

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Refiro-me, em primeiro lugar, ao Acórdão nº 1814-25/14-P do TCU que julgou a


Tomada de Contas Especial nº 017.54/2007-0.

As decisões do Tribunal de Contas da União limitam-se a analisar as contas sob os


aspectos de legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência e eficácia, sem fazer juízo de
valor sobre as condutas dos gestores da coisa pública, de maneira que suas decisões não possuem
caráter vinculante nem podem interferir diretamente na apreciação da responsabilidade criminal
decorrente de atos de desvio e malversação de recursos públicos.

D’outra banda, entendo que as decisões das Cortes de Contas constituem fatos relevantes
e devem ser levadas em consideração, vez que trazem subsídios técnicos pertinentes para o
julgador na esfera criminal.

No caso dos autos, a importância desse julgamento do TCU é inconteste uma vez que a
própria denúncia está, em grande parte, baseada no Relatório de Levantamento de Auditoria
acerca das obras de macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, em Maceió/AL, em vista da
identificação de sobrepreço, superfaturamento e outras irregularidades na execução do
empreendimento pelo Governo do Estado de Alagoas, por intermédio de sua Secretaria
Coordenadora de infraestrutura e Serviços do Estado de Alagoas – Seinfra, que levou à
instauração de tomada de contas especial, daí por que a superveniência de decisão final em dito
processo também deve ser sopesada na apreciação do mérito das acusações.

Assim, consigno que a apreciação dos subsídios técnicos do Acórdão TCU nº 1814-
25/14-P será realizada oportunamente, no exame das razões recursais, sempre que se verificar a
pertinência com os fatos objeto de apreciação.

b) Ação Penal STF nº 975.

Outro fato superveniente a ser considerado é o recente julgamento, pela Segunda Turma
do egrégio Supremo Tribunal Federal, da Ação Penal nº 975, que absolveu o Deputado Federal
Ronaldo Lessa (PDT-AL) por insuficiência de provas, conforme recentemente noticiado. Vale
conferir a propósito a notícia que consta do sítio do STF na internet:

2ª Turma absolve deputado federal Ronaldo Lessa (PD T-A L) do


crime de peculato.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por


unanimidade, deu provimento a recurso e absolveu o deputado federal Ronaldo
Lessa (PDT-AL) da prática do crime de peculato, referente a fatos ocorridos
durante sua gestão como governador do Estado de Alagoas. A decisão do
colegiado foi tomada nesta terça-feira (3) no julgamento da Ação Penal (AP)
975, de relatoria do ministro Edson Fachin. A absolvição de seu com base no
artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal (CPP), em razão da
inexistência de provas de participação do acusado nos crimes descritos pela
acusação.

O Ministério Público Federal (MFP) ofereceu denúncia na primeira


instância da Justiça Federal contra Lessa e outros acusados em razão de

FWSD ACR 10907/AL 11


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irregularidades verificadas durante a fase licitatória e de execução de obras do


projeto de macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, em Maceió, que tinha
como objetivo resolver o problema de enchentes que ocorriam na região. À
época do oferecimento da denúncia nenhum dos acusados detinha foro por
prerrogativa de função. O juízo da 3ª Vara Federal de Alagoas condenou o ex-
governador à pena de 13 anos e 4 meses de reclusão pelo crime previsto no
artigo 312 do Código Penal (peculato). Contra essa decisão foi interposto
recurso de apelação, e os autos foram remetidos ao STF depois da diplomação
de Lessa como deputado federal.

Em contrarrazões, o MPF afirma que Lessa, ao assumir o cargo de


governador, deu sequência às irregularidades da obra e estava ciente das
graves infrações administrativas e penais que a envolviam. Por outro lado, a
defesa sustentou que a responsabilidade penal é pessoal, não podendo o réu
ser responsabilizado por atos de terceiros, no caso, o antecessor na chefia do
Executivo estadual e os secretários de governo, responsáveis pelo processo
licitatório da obra.

Relator

Ao analisar questões preliminares, o ministro Edson Fachin


reconheceu a nulidade de parte da sentença que atribuiu ao réu
responsabilidade por eventos que não foram a ele imputados na denúncia, que
se referem a atos de gestão cometidos por um de seus secretários relacionados
ao Convênio 003. “A sentença, neste ponto, padece de vício irremediável na
medida em que compromete as garantias do direito de defesa do devido
processo legal e ainda usurpa o monopólio da ação penal concedida
constitucionalmente ao Ministério Público”, destacou.

No que se refere ao restante da sentença, o relator afirmou que a


absolvição do réu é medida que se revela necessária, uma vez que não há
provas suficientes da autoria delitiva. “Não há como inferir, pelo conjunto
probatório, ter o réu concorrido para o crime de peculato”, afirmou. Apesar
de reconhecer a existência da materialidade dos crimes, uma vez que ficou
demostrada a existência de desvios e superfaturamento, o relator considerou
que não foi demonstrada a autoria dos fatos atribuída ao deputado.

Ao contrário do que afirma o MPF, as irregularidades apontadas na


denúncia não possuem o caráter de notoriedade, segundo Fachin. “As
inconsistências verificadas no planejamento e execução do projeto
demandariam para conhecimento leitura de documentos firmados em gestão
anterior e o cotejo de pareceres técnicos com a realidade vivenciada no
canteiro de obras. Não são, por isso, fatos públicos e notórios ao ponto de
prescindirem de maior aprofundamento probatório, a fim de que se demonstre
o conhecimento e anuência do envolvido com as práticas reputadas ilegais”,
explicou.

FWSD ACR 10907/AL 12


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Quanto ao argumento do MPF de que o réu detinha ou deveria deter


conhecimento dos fatos, o relator afirmou que não se adequa ao caso a teoria
do domínio do fato, já que “só tem o domínio do fato, quem tem o
conhecimento dele”. Com esses argumentos, o relator votou pelo provimento
da apelação para absolver do deputado Ronaldo Lessa.

Também para o ministro Celso de Mello, revisor na AP 975, os


elementos de informação contidos no processo levam a reconhecer a
inexistência de prova convincente para a formação de um juízo seguro de
culpabilidade em relação ao recorrente. “A mera invocação da condição do
chefe do Executivo estadual, sem a descrição de determinado comportamento
típico que o vincule concreta e subjetivamente à pratica criminosa, não
constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal”,
explicou.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes também votaram


no sentido do provimento da apelação. O ministro Dias Toffoli encontra-se em
viagem oficial e não participou do julgamento.”

<<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=357928
&caixaBusca=N>>

O Acórdão do julgamento ainda não foi publicado, nem foi liberado o voto do eminente
Relator, Min. Edson Fachin. Entretanto, está disponível, também pela internet, o voto do Min.
Celso de Mello, que atuou como Revisor durante o julgamento da Ação Penal nº 975, o qual em
suma adotou duas teses: i) a nulidade pela violação do princípio da correlação entre a acusação e
sentença, face a condenação por crime diverso do narrado na denúncia, não se tratando de
hipótese do art. 383 do Código Penal; ii) a insuficiência de provas da culpabilidade do réu.

A Corte Suprema debruçou-se exatamente sobre os mesmos fatos objeto de apreciação


neste processo, de maneira que o precedente tem toda pertinência com o caso dos autos.

O julgamento do STF tem que ser levado em consideração não só pela força persuasiva
dos fundamentos dos votos, como também pela autoridade da decisão do órgão máximo do Poder
Judiciário e em observância ao princípio da isonomia, que assegura aos réus em situações
idênticas o direito a receberem o mesmo tratamento.

Dessa forma, onde se constatar a pertinência dos fundamentos do julgado com o que se
discute neste processo será feita a referência devida.

5) Da Apelação do Ministério Público Federal.

O Ministério Público Federal pugna pela condenação dos réus Zuleido Soares de Veras,
Ademir Pereira Cabral, Mauro Paiva Neto e Manoel Gomes de Barros pelos crimes de dispensa
ilegal de licitação e de formação de quadrilha, alegando que as provas dos autos são suficientes
para a demonstração da autoria de tais delitos.

FWSD ACR 10907/AL 13


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As alegações referentes à suposta prática de crime de formação de quadrilha encontram-


se prejudicadas pela prescrição, na forma antes explicitada.

Rejeito a acusação de dispensa indevida de licitação, tipificada no art. 89 da Lei de


Licitações, pela subcontratação da Cipesa Engenharia S/A, com fundamento na ausência de dolo,
considerando as circunstâncias fáticas do caso concreto. Isso por entender que a tipificação do
crime de dispensa indevida de licitação, previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, não prescinde da
prova do dolo de prejudicar o caráter republicano do certame ou causar prejuízo aos cofres
públicos.

Destaco, sobretudo, que a conduta dos réus foi respaldada em pronunciamento formal da
Procuradoria Geral do Estado de Alagoas, por meio de parecer jurídico fundamentado, não tendo
sido alegado ou sequer apontado qualquer indício de conluio dos Apelados para burlar a
legislação, de maneira que, quanto a essa acusação em particular, não há qualquer elemento que
aponte para suposta má-fé ou conduta desonesta visando à quebra do princípio da impessoalidade
da Administração, protegido pela norma penal em comento.

Nesse passo, concordo integralmente com o juízo sentenciante e registro que não há óbice
em se tomar os argumentos utilizados pelo juízo sentenciante como razões de decidir, uma vez
que a fundamentação per relationem não importa em ofensa ao ditame inserto no artigo 93,
inciso IX, da Constituição da República, conforme jurisprudência sedimentada no Supremo
Tribunal Federal (Precedente: AI 855829 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado
em 20/11/2012, DJe-241 em 07-12-2012). É oportuno reproduzir os seguintes excertos da r.
sentença apelada, os quais incorporo como razões de decidir de meu voto:

Da autoria delitiva:

68. Resta verificar a possibilidade de a reprimenda penal ser atribuída


aos réus ZULEIDO SOARES VERAS, ADEMIR PEREIRA CABRAL, MAURO
PAIVA NETO e MANOEL GOMES DE BARROS.

69. Examinando a minuta do “Instrumento de Subcontratação,


mediante cessão parcial, das obras objeto do Contrato Administrativo nº
01/97-SEINFRA/AL”, observo que este foi assinado pelos denunciados
ZULEIDO SOARES VERAS, ADEMIR PEREIRA CABRAL e MAURO PAIVA
NETO em 29.10.1998, conforme ANEXO XI, durante a gestão do ex-
Governador e ora réu MANOEL GOMES DE BARROS.

70. Segundo o MPF, a autoria restaria amplamente comprovada, posto


que, mesmo diante da flagrante ilegalidade da avença, os réus teriam sido
signatários do instrumento, tendo o próprio Governador de Estado anuído com
o acordo ilícito.

71. É cediço que o Direito Penal, contemporaneamente, adota a


concepção tripartite de delito, considerando ser este toda ação ou omissão
típica, ilícita e culpável.

FWSD ACR 10907/AL 14


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72. Bem examinados os autos, não me convenço da presença do


elemento subjetivo da conduta típica no agir dos acusados ZULEIDO SOARES
VERAS, ADEMIR PEREIRA CABRAL, MAURO PAIVA NETO e MANOEL
GOMES DE BARROS imprescindível à tipificação do delito de dispensa
indevida de licitação, o qual exige que o suposto agente delitivo atue com dolo
direto, isto é com vontade dirigida à consecução do resultado, inexistindo no
ordenamento brasileiro a sua modalidade culposa. Explico.

73. O delito em espécie é capitulado no art. 89 da Lei nº 8.666/93, e


prescreve, in verbis:

Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou


deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 03 (três) a 05 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo


comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se
da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder
Público.

74. De fato, antes de realizada a subcontratação, o então gestor


Estadual, réu MANOEL GOMES DE BARROS, submeteu a minuta de contrato
que autorizaria esta à Procuradoria Geral do Estado – PGE, órgão de
assessoria jurídica do Estado de Alagoas, a qual emitiu a peça técnica de fls.
528/529, opinando pela regularidade da subcontratação. Insta salientar,
igualmente, que este Parecer foi confirmado pelo próprio Procurador Geral do
Estado, v. fl. 530.

75. Veja-se o teor do parecer mencionado:

“Trata-se de pedido de consentimento de subcontratação de 50% das


obras do Projeto de Macrodrenagem do Grande Tabuleiro – Contrato
SEINFRA Nº 01/97 – a ser pactuado entre Construtora Gautama Ltda –
Contratada -, e Cipesa Engenharia S.A, onde indispensável a anuência ao
Estado de Alagoas – Contratante -, através de sua Secretaria de Infra-
Estrutura – SEINFRA.

Justifica-se o pleito diante do prazo estabelecido para a execução do


projeto que, por sua relevância social, é de ser concluída no prazo estipulado
(720) dias, e ainda considerando-se a reconhecida eficiência e idoneidade da
empresa escolhida.

Juntou-se minuta de instrumento de subcontratação que, examinada,


revela-se adequada à celebração ao pacto, vendo-se também no bojo do
processo o orçamento pertinente à parcela transferível e pronunciamento da
Comissão Permanente e Licitação da SEINFRA (fls. ), no sentido da
possibilidade técnica de atendimento da solicitação.

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Anexas ainda peças referentes à licitação que culminou no contrato


suso referido, inclusive cópia deste, onde se encontra a cláusula dezesseis a
permissão para subcontratar até 60% do valor do contrato, desde que com
expressa autorização da SEINFRA (Estado).

Sob o aspecto legal, embora não trate a Lei nº 8.666/93


especificamente da subcontratação ou cessão do contrato administrativo,
insere-se sua possibilidade ao diante do disposto no art. 78, VI, que declara
motivo para rescisão do contrato “a subcontratação total ou parcial do seu
objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência,
total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidos no
edital e no contrato”.

Na hipótese dos autos, verifica-se que o Edital do certame licitatório


antecedente ao contrato em tela (nº 03/97), em sua cláusula dezesseis, que
disciplinou causas de rescisão rezou indiretamente pela possibilidade de
subrogação da avença conseqüente, ao fixar que em tal se dando, no total ou
em parte do objeto, sem prévia autorização escrita da contratante, implicaria
em rescisão do contrato. Ora, tal deixou claro que, mediante prévia
autorização da Contratante, permitida ficou a subrogação total ou parcial do
contrato.

Dessa forma, admitida a subcontratação parcial do contrato em até


sessenta por cento (cláusula 16.1.1 e 16.1.2) do seu objeto, entendo que não há
óbices de natureza jurídica ao atendimento do pleito, desde que a
subcontratada preencha os requisitos de capacidade jurídica, técnica e
econômico-financeira estabelecidos no Edital, ficando certo da necessidade de
prévia autorização do Contratante – o Estado de Alagoas.

76. Este parecer foi aprovado pelo Procurador Geral do Estado em


despacho constante destes autos às fls. 530, com os seguintes fundamentos:

“Pelos fundamentos apresentados, aprovo o entendimento firmado no


presente processo, Despacho PGE/LIC nº 123/98, conforme pronunciamento
do Procurador do Estado, Dr. Ricardo Barros Mero, Coordenador da
Comissão Especial de Licitação.”

77. O Procurador geral do Estado de Alagoas que firmou o despacho


acima descrito foi o Dr. Omar Coelho de Mello.

78. Não me parece razoável, nessa linha de raciocínio, presumir o dolo


dos agentes que firmaram a avença vergastada, notadamente quando o
contrato foi firmado após a baliza de Parecer Jurídico cuja validade não foi,
em nenhum momento, questionada pelo órgão acusador.

79. Neste passo, é de conhecimento que o Superior Tribunal de Justiça


possui jurisprudência no sentido de ser possível responsabilizar o assessor

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jurídico que examina a minuta de editais e outras peças relativas ao


procedimento licitatório por possíveis irregularidades decorrentes de seu
pronunciamento, desde que haja indícios de conduta suspeita na elaboração do
Parecer, o que não se amolda à hipótese examinada, em que a peça técnica
não foi objeto de questionamentos pelo Parquet federal. É o que se infere do
seguinte aresto exemplificativo:

“HC 110241 / PR HABEAS CORPUS 2008/0147127-6 Relator(a)


Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento 13/04/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 10/05/2010

Ementa

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 288, CAPUT, E


299, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL E ART. 1º, INCISOS I E XIII DO
DECRETO-LEI N.º 201/67. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. DENÚNCIA EMBASADA EM ELEMENTOS COLHIDOS EM
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE LASTRO
PROBATÓRIO MÍNIMO SUFICIENTE PARA JUSTIFICAR O INÍCIO DA
PERSECUTIO CRIMINIS IN IUDICIO. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
INOCORRÊNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NARRA
SATISFATORIAMENTE A CONDUTA, EM TESE, DELITUOSA PRATICADA
PELOS DENUNCIADOS.

I - Na esteira de precedentes desta Corte, malgrado seja defeso ao


Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é
vedado, como titular da ação penal, proceder investigações. A ordem jurídica,
aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público -
art. 129, incisos VI e VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e §
2º, e art. 26 da Lei nº 8.625/1993 (Precedentes).

II - Por outro lado, o inquérito policial, por ser peça meramente


informativa, não é pressuposto necessário à propositura da ação penal,
podendo essa ser embasada em outros elementos hábeis a formar a opinio
delicti de seu titular, a exemplo do inquérito civil público. Se até o particular
pode juntar peças, obter declarações, etc., é evidente que o Parquet também
pode. Desta forma, o fato da opinio delicti para a propositura da ação penal
ter se formado em razão de elementos colhidos em inquérito civil público não
pode, por si só, levar à rejeição da denúncia. (Precedentes).

III - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa


no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min.
Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser
adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da
incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de
autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira
Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos

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fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC


91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007),
pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas
corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou
abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC
88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006). Na
hipótese, há, com os dados existentes até aqui, o mínimo de elementos que
autorizam o prosseguimento da ação penal.

IV - A denúncia deve vir acompanhada com o mínimo embasamento


probatório, ou seja, com lastro probatório mínimo (HC 88.601/CE, Segunda
Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 22/06/2007), apto a demonstrar,
ainda que de modo incidiário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do
denunciado. Em outros termos, é imperiosa existência de um suporte
legitimador que revele de modo satisfatório e consistente, a materialidade do
fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime, a
respaldar a acusação, de modo a tornar esta plausível. Não se revela
admissível a imputação penal destituída de base empírica idônea (INQ
1.978/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 17/08/2007) o
que implica a ausência de justa causa a autorizar a instauração da persecutio
criminis in iudicio.

V - Na hipótese dos autos, há elementos suficientes que autorizam o


prosseguimento da ação penal, evidenciando-se prematura a pretensão de seu
trancamento. Com efeito, conforme ressai da leitura da extensa peça
acusatória, os vários denunciados, em tese, dentre os quais o primeiro paciente
(Lincoln), teriam se associado com a finalidade de cometer diversos crimes,
consistentes, em sua maioria, no desvio de vultuosa soma de verbas públicas
do Município de Jaguariaíva/PR, por meio de procedimentos licitatórios
fraudulentos. Especificamente em relação ao primeiro paciente consta que ele,
na qualidade de assessor jurídico do referido município, era o responsável por
receber os processo licitatórios e proceder à análise jurídica, sendo que,
segundo a peça acusatória, mesmo consciente da fraude dos referidos
certames, emitia parecer favorável à homologação. Já em relação ao segundo
(Álamo), teria atestado, na qualidade de Diretor do Departamento de Obras,
mediante certidão, a construção de galerias pluviais não edificadas.

VI - A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em


toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. (HC 73.271/SP,
Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 04/09/1996). Denúncias
genéricas que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se
coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. (HC 86.000/PE,
Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007). A inépcia da
denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito estatal ao
postulado do devido processo legal.

VII - A exordial acusatória, na espécie, apresenta uma narrativa


congruente dos fatos (HC 88.359/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso,

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DJU de 09/03/2007), de modo a permitir o pleno exercício da ampla defesa


(HC 88.310/PA, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de
06/11/2006), descrevendo conduta que, ao menos em tese, configura crime (HC
86.622/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de
22/09/2006), ou seja, não é inepta a denúncia que atende aos ditames do art.
41 do Código de Processo Penal (HC 87.293/PE, Primeira Turma, Rel. Min.
Eros Grau, DJU de 03/03/2006).

Ordem denegada. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em


que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA
do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs.
Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e
Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Referência Legislativa LEG:FED CFB:****** ANO:1988 ***** CF-


1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00129 INC:00006
INC:00008 LEG:FED LEI:008625 ANO:1993 ***** LONMP-93 LEI
ORGÂNICA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ART:00008
INC:00002 INC:00004 ART:00026 LEG:FED DEL:003689 ANO:1941 *****
CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00041 Veja (MINISTÉRIO
PÚBLICO - PODER DE INVESTIGAÇÃO - DENÚNCIA – ELEMENTOS
COLHIDOS EM INQUÉRITO CIVIL) STJ - HC 128233-MG, HC 97821-
PR, HC 33682-PR (TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CONDUTA
EXCEPCIONAL - VIA DO HABEAS CORPUS) STF - HC 901320/MG, HC
87324/SP, HC 91634/GO, RHC 88139/MG (LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO
- JUSTIFICAÇÃO DA PERSECUTIO CRIMINIS IN IUDICIO) STF - HC
88601/CE, INQ 1978/PR (PEÇA ACUSATÓRIA - NARRATIVA
SATISFATÓRIA DA CONDUTA) STF - HC 73271/SP, HC 86000/PE, HC
72506/MG, HC 90201/RO, HC 88359/RJ, HC 88312/PA, HC 86622/SP, HC
87293/PE

80. Ainda que se admita que o Parecer em questão possuiu cunho


meramente opinativo, não vinculando a decisão da Administração Pública e de
seus agentes públicos, que teriam optado, livremente, por considerar válida a
subcontratação, não entendo que seja possível punir o administrador leigo por
ter seguido, à risca, o quanto consignado em peça elaborada por assessor
jurídico investido em função pública sabidamente técnica, quer seja, a de
Procurador de Estado, cujos conhecimentos jurídicos não seriam, pelo homem
médio, questionados, ainda mais quando a validade do Parecer foi ratificada
pela autoridade máxima do órgão, o Procurador Geral do Estado.

81. Repise-se: não ignoro que um exame atento da documentação


referente à Concorrência nº 003/1997, do Contrato Administrativo que dela se
originou e da Minuta do instrumento de subcontratação indiquem, com clareza
solar, a ocorrência de dispensa indevida de licitação, tendo desta se
beneficiado diretamente a empresa CIPESA, de propriedade do réu MAURO
PAIVA NETO.

FWSD ACR 10907/AL 19


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82. O que se resta afastado, no entanto, é o elemento subjetivo da


conduta típica penal, posto não se ter demonstrado, de forma minimamente
contundente, que os agentes denunciados com base no art. 89, caput, segunda
parte, teriam efetivamente realizado a conduta típica a qual foram
denunciados com a prática dolosa exigida nesse tipo penal, conforme
precedente do TRF 4, AC 20047100029546-0 e 2005.71.13.002467-5/RS,
ambos da lavra do Desembargador Federal Nefi Cordeiro.

83. Observe-se a linha de argumentação delineada pelo Juiz indicado


acima no item 82, que pode muito bem ser aplicada nesta sentença:

“O art. 89 da lei nº 8.666/93 dispõe:

"Art. 89.Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em


lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à
inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa."

O delito em tela pode ser praticado mediante três modalidades:


dispensar ou inexigir licitação, ou deixar de observar as formalidades
pertinentes à dispensa ou inexigibilidade.

O bem jurídico tutelado pelo tipo penal em questão é a moralidade


administrativa, ou seja, a lisura dos procedimentos licitatórios. Evita-se
impedir a ampliação das hipóteses legais de dispensa e inexigibilidade de
certame, bem como a observação das formalidades exigidas pela Lei.

A r. sentença de 1ª grau, aplicou ao caso a chamada teoria da


intervenção mínima do direito penal, pois entendeu que exigir do
administrador uma licitação no caso dos autos é atentar contra o bom senso e
o princípio da efetividade e economicidade. Transcrevo, em um primeiro
momento, a sentença que absolveu o réu, lavrada nos seguintes termos:

O bem jurídico tutelado no crime de dispensa de licitação é a


probidade administrativa, e não apenas o patrimônio público, como pode
parecer em um primeiro momento. Como salienta Luiz Regis Prado:

Não se pode olvidar que a eficácia funcional do Estado depende


precipuamente da honestidade e da eficiência com que os agentes públicos
atuam no seu mister, já que, como longa manus daquele, suas atividades
refletem positiva ou negativamente na coletividade, no que tange à formação
moral e política dos cidadãos e no respeito que estes devem ter para com os
entes públicos. essencial para a própria solidez do Estado Democrático de
Direito, planificado pela Constituição da República Federativa do Brasil.
(Prado, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. volume 4: parte especial:
arts. 289 a 359-H 2" ed. ver., atual. e amplo São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 332)

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Ocorre que, no caso em tela, tenho que não se pode sequer falar em
ofensa à probidade administrativa.

Percebe-se que não se está discutindo se o réu dispensou licitação para


o corte das árvores, mas o fato de ele ter encontrado um meio para não arcar
com o ônus do corte.

As testemunhas afirmaram de forma convicta que as árvores


precisavam ser retiradas porque representavam risco para os estudantes,
professores e comunidade em geral.

Eram árvores do estacionamento, e ainda sim poucas árvores.

O réu era diretor de uma escola e não de uma empresa de


reflorestamento. Tratava-se de pinus elliotis, não eram espécies nativas.

Tivesse ele selecionado uma empresa para fazer o corte e pago a


mesma para efetuar o trabalho sem licitação, aí sim teríamos que analisar se
havia previsão para dispensa ou não. Se a situação era ou não de emergência
a justificar a contratação de uma empresa sem licitação.

Mas não é o caso. O réu era diretor da escola, havia algumas árvores
atrapalhando o estacionamento. O que fez? Chamou uma empresa que se
propôs a cortá-las, sem ônus, e ainda entregar parte da madeira, de forma
beneficiada, ao CEFET.

Exigir do administrador uma licitação neste caso é atentar contra o


bom senso e o princípio da efetividade e economicidade. Não houve ônus,
muito pelo contrário.

O mesmo em relação aos equipamentos obsoletos que a escola havia


recebido a título de doação. Ficassem eles empilhados nos cantos, esperando o
tempo passar até virar sucata, ninguém falaria nada. Agora, porque o
administrador conseguiu trocá-Ios por uma material novo, que está sendo
utilizado (conforme depoimentos testemunhais), precisa responder processo
penal.

O direito penal moderno tem como fundamento basilar a intervenção


mínima deste ramo nas condutas humanas. A área penal deve ser vista sob a
ultima ratio, ou seja, a última solução para o problema jurídico apresentado, e
isso se dá pela gravidade da resposta apresentada pelo sistema penal a
condutas que violem seus preceitos típicos. Brigas políticas devem ser
resolvidas no lugar apropriado, não junto ao Poder Judiciário.

Não vejo razões para alterar a r. sentença, como pretende o órgão


Ministerial. A prova documental e testemunhal bem demonstram a ocorrência
das permutas e que esses procedimentos foram realizados pelo réu sem

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licitação. Entretanto, embora presentes a materialidade e autoria delitivas,


não vislumbro nenhum efeito danoso oriundo da conduta imputada ao acusado
na condição de Diretor-Geral pro tempore do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Bento Gonçalves, que consistiu na permuta de bens públicos
móveis (madeira e câmaras de segurança) com pessoa jurídica de direito
privado, com a dispensa de licitação, como bem demonstram as provas
apuradas no curso do processo.

84. Importante salientar, ainda, que o Ministério Público, em sua


denúncia, discorre, em longo arrazoado, acerca da suposta ocorrência de
frustração do caráter competitivo do certame realizado visando à execução das
obras da Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, aduzindo que tal fraude
foi perpetrada como crime-meio para a posterior realização da dispensa
indevida de licitação. Dessume-se da peça acusatória, portanto, o desinteresse
do acusador em capitular eventual infração cometida pelos réus em tal tipo.”

Por derradeiro, pede o Ministério Público Federal a reforma da sentença na parte que
absolveu os réus Mauro Paiva Neto, José Benigno Viana Portela e Manoel Gomes de Barros pelo
crime de peculato-desvio (fls. 1.916/1.925, verso, vol. 8).

Quanto ao primeiro réu, Mauro Paiva Neto, sócio e dirigente da empresa Cipesa, o
Apelante sustenta que o juízo de primeiro teria laborado em equívoco ao considerar que as
imputações por desvio seriam correlatas à dispensa indevida na subcontratação da empresa e, por
isso, deixou de examinar que a acusação também responsabiliza o Apelado pela malversação da
metade dos recursos públicos federais, quantia “repartida” em decorrência da subcontratação
indevida, pois o TCU apontou superfaturamento e desvio de recursos em todos os instrumentos
de repasse de verbas federais em que a aludida empresa esteve envolvida.

A irresignação do Ministério Público Federal não colhe. Diferente do que alega, os


fundamentos da sentença não se limitaram a apreciar fatos alusivos à dispensa indevida de
licitação, tendo o juízo de primeiro grau se manifestado especificamente quanto à tese da
acusação de que os recursos desviados foram repartidos entre as empresas Cipesa e Gautama.
Disse o douto magistrado:

145. A atribuição do desvio a esse denunciado no montante de R$


11.344.212,85 (onze milhões, trezentos e quarenta e quatro mil, duzentos e
doze reais e oitenta e cinco centavos), encontra fundamento em suposta
importância repartida entre a CIPESA e GAUTAMA que não se encontra
provada nos autos, ou seja, não se encontra provada nos autos a conduta
criminosa de repartição dos valores decorrentes do superfaturamento ou do
sobrepreço, forçando mais evidenciada nos autos a versão de ZULEIDO, no
depoimento constante às fls. 1389/1391, que declarou terem sido os
pagamentos realizados a cada empresa, isto é, as obras realizadas pela
GAUTAMA eram pagas essa empresa e as obras realizadas pela CIPESA eram
pagas à CIPESA.

É fácil perceber que não houve equívoco ou omissão da apreciação dos fatos. Ocorre que
a r. sentença apelada julgou não provada a suposta repartição de recursos, chamando atenção

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para o fato de que cada obra era paga em separado, de maneira que não teria havido confusão
entre os pagamentos efetuados em favor da Gautama e da Cipesa. Por outro lado, o item 142 da
r. sentença também se fundamentou no Parecer Técnico nº 064/2007 – 5ª CCR, de 24 de agosto
de 2007, o qual “não menciona uma linha sobre qualquer ilícito praticado pela CIPESA,
empresa dirigida pelo denunciado MAURO no tocante à obra realizada, cingindo-se a
questionar a subcontratação realizada que já fora apreciada na análise do delito referente à
fraude na licitação”.

Além dos fundamentos da sentença, que já seriam suficientes para a rejeição do apelo do
Ministério Público Federal, acrescento que a acusação se pauta genericamente na alegação de que
houve superfaturamento e desvio de recursos públicos recursos “em todos os instrumentos de
repasse de verbas federais em que a aludida empresa esteve envolvida” daí deduzindo que o
Apelante se beneficiou e, portanto, deve ser penalmente responsabilizado. Mas a tipificação do
peculato desvio exige a presença do elemento subjetivo da conduta, consistente no dolo de desviar
bens ou valores públicos, dando-lhes outra destinação que não a legal ou deles apropriar-se em
proveito próprio, aspecto que não foi objeto de maiores reflexões, data maxima venia, nas razões
recursais.

Como a Cipesa é empresa privada e, nessa condição, não tem ingerência na composição
do preço de referência que ocorre fase interna da licitação, e considerando que a proposta
vencedora do certame foi da empresa Gautama, não se pode presumir que o Apelado tivesse
efetivo conhecimento da existência de superfaturamento, já que os preços que praticou haviam
sido previamente contratados com a Administração Pública sem sua intervenção.

Por isso, para responsabilizar criminalmente o Apelado não bastaria alegar que a
empresa Cipesa estava envolvida na aplicação dos recursos em que se constatou a ocorrência de
superfaturamento e desvios. Essa premissa é suficiente para mostrar que ele, na condição de
dirigente da empresa, obteve proveito, mas não que concorreu dolosamente para a prática
delitiva. Seria necessário mostrar que o Apelado quando menos tinha conhecimento das
irregularidades que lhe foram imputadas, o que poderia ser reconhecido caso houvesse prova do
conluio com os outros réus, mas tal situação não se verificou no caso concreto.

A alegação do Ministério Público Federal, nessa parte, está baseada na narrativa de que
teria havido uma trama criminosa onde os réus combinaram dividir a execução da obra pública
entre as duas empresas, Gautama e Cipesa, culminando com a dispensa indevida de licitação.
Mas essa é uma versão dos fatos que, conforme se viu anteriormente, foi afastada por
insuficiência de provas. Nesse passo, a absolvição do réu Mauro Paiva Neto é conclusão que se
impõe por um imperativo de coerência entre o que foi decidido no julgamento da acusação
anterior, o que corrobora e evidencia a improcedência da irresignação do Apelante também nessa
parte.

Quanto ao réu José Benigno Viana Portela consta dos autos que participou da comissão
de licitação. O recurso da acusação pretende que a r. sentença apelada seja reformada para
condená-lo pelo crime de peculato-desvio, porque tinha o dever de verificar se os preços ofertados
eram compatíveis com os preços de mercado e, não o fazendo, concorreu para o desvio de
recursos públicos.

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Tal alegação tem pertinência, pois tanto o sobrepreço quanto o superfaturamento, que
propiciaram o desvio de recursos públicos objeto desta ação penal, só foram possíveis em
decorrência de irregularidades praticadas no processo licitatório, sendo devida a
responsabilização do Apelado por esses fatos, já que, na condição de membro da comissão de
licitação, concorreu para que ocorressem em violação de seus deveres de zelo e cuidado com a
coisa pública.

Todavia, diante do contexto fático que consta dos autos não encontro elementos que
justifiquem um édito condenatório. Primeiro, destaco que José Benigno Viana Portela somente
passou a integrar a Comissão Especial de Licitação a partir de 11 de outubro de 1997, sendo
incontroverso que nessa data o processo licitatório já estava em curso com o Edital de
Concorrência elaborado, de maneira que as intervenções do Apelado se limitaram à fase externa
do certame. Segundo, o Apelado é bacharel em Direito e não possui conhecimento técnico na área
de engenharia que lhe possibilitasse aferir a existência de sobrepreço embutido na planilha
orçamentária elaborada pela área técnica, sobretudo por não ter participado da fase interna da
licitação. Terceiro, consta dos autos que, na Reunião da Comissão de Licitação, houve
pronunciamento de José Vieira Crispim, Representante Técnico, no sentido de que as propostas
apresentadas seriam compatíveis com a legislação (preço de mercado).

Não se quer dizer com isso que o Apelado não pudesse ou mesmo devesse ter
questionado algumas das irregularidades formais verificadas no processo de licitação, sobretudo
em relação a aspectos jurídicos do certame. Todavia, especificamente quanto ao sobrepreço e ao
superfaturamento tudo indica que teria sido muito difícil para ele tomar conhecimento do fato ou
mesmo manifestar qualquer opinião sobre isso até pelo desconhecimento técnico, valendo
ressaltar também seu papel secundário e subalterno na comissão de licitações, que não se
equipara à do corréu Ademir Cabral, o qual efetivamente cumulava as funções de Secretário de
Infraestrutura e Presidente da Comissão de Licitações.

Relevante mencionar, quanto a esse ponto específico, que o Acórdão nº 1814-25/14-P


do TCU que julgou a Tomada de Contas Especial nº 017.54/2007-0 efetivamente chegou à
mesma conclusão que o juízo sentenciante, acolhendo as razões apresentadas pelo réu para
excluir sua responsabilidade em relação ao sobrepreço e superfaturamento decorrente de
itens com preços superiores aos de mercado.

Assim, julgo, data maxima venia, que nesse quadro fático não há elementos suficientes
para condenar o réu somente pela sua participação de menor relevância no processo de licitação,
sendo indevida a responsabilização penal sob alegação de que teria que saber das irregularidades
e que ao não se manifestar estaria concordando com elas, conclusões que considero derivadas de
ilações que, no entanto, não estão corroboradas nas provas dos autos.

No tocante a sua participação na dispensa indevida de licitação renovo os fundamentos


lançados anteriormente, em tudo extensíveis ao Apelado.

Já em relação a Manoel Gomes de Barros penso que a r. sentença apelada já examinou


de forma exauriente a matéria de modo que são desnecessárias outras considerações, pelo que
reproduzo no que importa a decisão, incorporando seus fundamentos como razão de decidir deste
voto:

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251. O Parecer Técnico 064/2007 – 5ª CCR, de 24 de agosto de 2007,


fls. 447/500 do apenso nº 02 do PA nº 1.11.000.000326/2004-30 não
menciona uma linha sobre qualquer ilícito praticado pela CIPESA, empresa
dirigida pelo denunciado MANOEL no tocante à obra realizada, cingindo-se
a questionar a subcontratação realizada que já fora apreciada na análise do
delito referente à fraude na licitação.

252. Da mesma forma, o laudo de exame de obra de engenharia nº


609/2010 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/RJ, constante destes autos às fls.
943/1032.

253. O relatório do inquérito policial nº 0051/2009-4-SR/DPF/AL


também nada indica a respeito de MAURO PAIVA NETO.

254. A atribuição do desvio a esse denunciado do valor de R$


3.949.769,55 (três milhões, novecentos e quarenta e nove mil, setecentos e
sessenta e nove reais e cinqüenta e cinco centavos) do montante de R$
11.344.212,85 (onze milhões, trezentos e quarenta e quatro mil, duzentos e
doze reais e oitenta e cinco centavos), encontra fundamento em suposta
importância repartida entre a CIPESA e GAUTAMA que não se encontra
provada nos autos, ou seja, não se encontra provada nos autos a conduta
criminosa de repartição dos valores decorrentes do superfaturamento ou do
sobrepreço, forçando mais evidenciada nos autos a versão de ZULEIDO, no
depoimento constante às fls. 1389/1391, que declarou terem sido os
pagamentos realizados a cada empresa, isto é, as obras realizadas pela
GAUTAMA eram pagas essa empresa e as obras realizadas pela CIPESA
eram pagas à CIPESA.

255. Ao réu MANOEL GOMES DE BARROS não se pode acoimar a


conduta como provada, pois como se vê, justiça seja feita, sua participação
foi sempre fundamentada em opinativo dos órgãos técnicos de
assessoramento ao governador do estado.

256. Em face do exposto, por absoluta falta de provas, absolvo o réu


MANOEL GOMES DE BARROS pela prática do delito de peculato, conforme
previsto no artigo 312 “caput” do Código Penal, nos termos do artigo 386 II
do Código de Processo Penal”.

Em conclusão, registro que o exercício de altas funções de governo vem acompanhado de


grande responsabilidade, o que exige do gestor diligência, zelo e cuidado com a coisa pública,
mas não se pode querer transformá-lo em responsável universal por tudo que ocorre na
administração, mesmo porque é impossível para o agente público acompanhar cada ato seu na
aplicação de recursos públicos.

Vale mencionar que, no julgamento dos mesmos fatos, apreciados na Ação Penal nº 975
em relação ao ex-governador Ronaldo Lessa, hoje Deputado Federal com direito a foro por
prerrogativa de função, a egrégia Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal proferiu édito

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absolutório exatamente com o fundamento de que não estaria provada a participação dolosa do
governador nos fatos.

Transcrevo a propósito excerto do voto do revisor, Min. Celso de Mello, o qual afirmou
que: “A mera invocação da condição do chefe do Executivo estadual, sem a descrição de
determinado comportamento típico que o vincule concreta e subjetivamente à pratica
criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal”.

Ora, se em relação ao ex-governador Ronaldo Lessa, que era governador na época


da licitação e da celebração do contrato – tanto assim que foi condenado pelo juízo de
primeiro grau –, pois bem, se em relação a ele que tinha vinculação direta com os fatos, o
Supremo Tribunal Federal diz não haver provas de ciência do sobrepreço e
superfaturamento na contratação, com maior razão deve-se dar ao ex-governador Manoel
Gomes de Barros idêntico tratamento absolvendo-o de qualquer responsabilidade pelos
fatos objeto desta ação penal.

Em arremate, lembro que a responsabilidade penal é subjetiva e não decorre do mero


exercício do cargo ou função pública, sendo imprescindível em cada caso comprovar a elementar
subjetiva do tipo. No caso dos autos, ficou claro que todas as intervenções do Apelado foram
pautadas em pareceres jurídicos e manifestação dos órgãos técnicos competentes, não havendo
qualquer indício de que tenha deliberadamente participado da ação delitiva, motivo pelo qual a
pretensão recursal não merece acolhida.

Portanto, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal.

6) Da materialidade delitiva do crime de peculato-desvio (Art. 312 do Código Penal).

Antes de apreciar as apelações da defesa dos acusados, anoto que todos eles foram
condenados pela prática do crime de peculato-desvio, tipificado no art. 312 do Código Penal, que
tem a seguinte redação:

Peculato

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou


qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão
do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não


tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja
subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe
proporciona a qualidade de funcionário.

O núcleo do tipo é “apropriar-se ou desviar”, no sentido de apossar-se, usurpar, ou então


de dar outra destinação, desencaminhar, bens ou recursos públicos, em proveito próprio ou
alheio. No caso dos autos, o desvio decorreu das contratações com sobrepreço e
superfaturamento e com o pagamento de serviços não executados, nos termos do que verificaram

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as investigações da Polícia Federal e CGU. Aliás, ressalto que, à exceção do Apelante Zuleido
Veras, os demais acusados não se insurgem quanto à ocorrência de sobrepreço e
superfaturamento que resultaram no desvio de recursos públicos, questionando sobretudo o
elemento subjetivo do tipo e sua efetiva participação no esquema criminoso.

Assim, por uma questão de método, estabeleço como premissa a comprovação da


materialidade delitiva dos crimes de peculato-desvio, valendo-me para tanto dos fundamentos da
r. sentença apelada, incorporando-os mais uma vez como razões de decidir deste voto:

Da materialidade delitiva:

91. O Ministério Público F ederal descreve assim a conduta delitiva


relativa ao superfaturamento e ao sobrepreço identificados em diversos
instrumentos de repasse de verbas públicas federais. “ Conforme exposto no
item 3.2.2.d, fora identificado pelos técnicos do Tribunal de Contas da União,
durante a vigência do Contrato de Repasse SE D U/C A I X A C T Nº 0129284-
46/2001, indicaram a existência de um sobrepreço e um superfaturamento no
importe de R$ 14.377.601,98 (quatorze milhões, trezentos e setenta e sete mil,
seiscentos e um reais e setenta e nove centavos) no contexto de toda a verba
até então repassada para a execução das obras da macrodrenagem, valores
que, efetivamente destinados à Construtora Gautama, não se prestaram à
execução das obras da Macrodrenagem, servindo claramente ao atendimento
de escusos interesses privados em detrimento da finalidade pública”.

92. Continua assim o MP F : “ Outrossim, no bojo do Convênio nº


03/2005 (item 3.2.2.e), o Relatório de Demanda E xterna nº 00190.188/2005-
88, oriundo da Controladoria-Geral da União (Anexo 27), indicou a
existência do desvio de R$ 1.740.544,79 (um milhão, setecentos e quarenta e
quatro mil e setenta e nove centavos) em recursos públicos federais, conforme
especificado no item I I.3.2.2e. Tal panorama evidencia a existência de um
desvio C O MPRO VA D O de verbas públicas federais estimado, em pelo menos,
R$ 16.423.467,86 (dezesseis milhões, quatrocentos e vinte e três mil,
quatrocentos e sessenta e sete reais e oitenta e seis centavos), correspondente
à totalidade dos recursos públicos federais repassados ao Estado de Alagoas
por meio dos cincos instrumentos mencionados e que culminaram, como se
viu, numa obra inacabada, mal-executada e repleta de irregularidades da
maior gravidade. À luz dos números acima, evidenciados, por sinal, que mais
da M E T A D E dos recursos efetivamente repassados à aludida obra, pelos
cinco instrumentos de repasse acima referidos, foram comprovadamente
desviados”.

93. E ntão, na versão da denúncia: “ As condutas acima descritas


possuem alto potencial lesivo aos cofres públicos, mormente em se tratando
de valores destinados a obras de tal envergadura. As condutas delitivas dos
denunciados, nesse contexto, agravou incomensuravelmente os habitantes da

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parte baixa da cidade, consoante a própria representação que deu origem a


investigação, um grupo social sabidamente marcado por uma grave situação
de déficit sócio-econômico”.

94. F inalizando, o órgão acusador ressalta: “ Consoante já salientado


toda documentação carreada aos autos, restam provados os fatos que
constam a prática de conduta caracterizada por peculato desvio, tipificado
como crime contra a Administração Pública, conforme o dispositivo abaixo
descrito: Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou
qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em
razão do cargo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão
de dois a doze anos, e multa.”

95. Inicialmente, importante gizar em relação aos denunciados que


não desempenhavam à época qualquer função pública que o artigo 30 do
Código Penal impõe a interpretação de que o particular que, sabendo da
qualidade funcional do agente, concorre, de qualquer modo, para o evento,
reponde como partícipe (co-autor) do peculato.

96. A esse respeito veja-se precedente do ST F :

“ H A B E AS C ORPUS. CRI M E D E P E C U L A T O- F URT O (§ 1º D O


ART. 312 D O CP). F U N C I O N ÁRI O PÚ B L I C O. C O N D I Ç Ã O
E L E M E N T AR D O T IPO. C O M U N I C A Ç Ã O A O PART I C U L AR,
C O-A U T OR D O D E L I T O (ART. 30 D O CP). PR ESCRI Ç Ã O
A N T E C IPA D A. I MPOSSI B I L I D A D E .
O particular pode figurar como co-autor do crime descrito no § 1º do
art. 312 do Código Penal (Peculato-furto). Isto porque, nos termos do
artigo 30 do CP, “não se comunicam as circunstâncias e as condições
de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
Se a condição de funcionário público é elementar do tipo descrito no
artigo 312 do Código Penal, esta é de se comunicar ao co-autor
(particular), desde que ciente este a condição funcional do autor.
(Precedentes: H C 74.588, Rel. Min. Ilmar Galvão e H C 70.610, rel.
Min. Sepúlveda Pertence. A firme jurisprudência do Supremo
Tribunal F ederal repele a alegação de prescrição antecipada, por
ausência de previsão legal. (ST F , H C 90337/SP, 1ª Turma, rel. Min.
Carlos Britto, DJ de 06/09/2007).”

97. Não tenho dúvida de que a materialidade do peculato-desvio


restou comprovada na instrução processual, uma vez que na execução da
obra pública licitada verificou-se que o desvio de recursos públicos
decorrente de sobrepreço e superfaturamento na ordem de R$ 14.377.601,46,

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conforme descrito no anexo 29 nas páginas 107/126 em relação aos serviços


de escavação mecânica, carga e transporte para aterros e bota-foras até 8 km
do material escavado, fornecimento, preparo e lançamento de lastro e
concreto F C K 18 Mpa, fornecimento, corte e armação de ao para aramadura,
fornecimento e aplicação de forma de madeira, revestimento de concreto F C K
15 Mpa, ao cm de espessura, inclusive forma e reaterro compactado
manualmente. Tais ilícitos estão minuciosamente descritos

98. Deduzindo ainda mais a conduta de Zuleido Soares de Veras


verifica-se inegavelmente que o mencionado era o dirigente e responsável
pela atuação da Construtora Gautama firmou o instrumento de
subcontratação com a C IP ESA, e como dirigente da empresa Gautama foi o
responsável pelo desvio de R$ 3.130.376,11 (três milhões, cento e trinta mil,
trezentos e setenta e seis reais e onze centavos) em recursos públicos federais,
conforme se nota das conclusões contidas na Tomada de Contas Especial T C-
017.154/2007-0, elaborada pelo Tribunal de Contas da União, anexo 29.

99. Veja que não se está discutindo aqui o repasse das verbas pela
circunstância da cessão do contrato que já foi analisada no item anterior, o
que, verdadeiramente, se discute aqui é o sobrepreço discutido e glosado pelo
Tribunal de Contas da União e acima indicado.

100. Além disso, verifica-se em relação ao Convênio nº 03/2005 que a


Controladoria Geral da União no Relatório de Demanda E xterna nº
00190.1878/2005-88, indica a existência de desvio na ordem de R$
1.740.544,79 (um milhão, setecentos e quarenta e mil, quinhentos e quarenta
e quatro reais e setenta e nove centavos).

101. As defesas não abordam qualquer circunstância que negue a


existência dos fatos descritos, mesmo porque indefensáveis, no sentido de que
os valores gastos pela União F ederal para realização das obras relativas a
macrodrenagem do tabuleiro em nada resultaram de útil para a sociedade de
Alagoas, comunidade carente em sua grande maioria, dependente de verbas
públicas federais e no caso presente as verbas transferidas acabaram sendo
objeto de uma grande transação que nada absolutamente nada foi realizado.

102. As enchentes continuam ocorrendo no Centro Industrial Luiz


Cavalcante e os problemas com a chuva continuam ocorrendo na parte baixa
da Cidade de Maceió. Qualquer chuva a Cidade transborda num lodaçal
comparável a esse verdadeiro panamá que estou a analisar.

103. Os fatos criminosos estão sobejamente comprovados com as


provas colhidas no Inquérito Policial nº 51/2009, em resposta aos ofícios da

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autoridade policial de fls. 22 e 23, procedimento em que foram apensados


cópia do processo nº 006/250/2002-7 e apensos (007.059/2008-5,
008.351/2007-0, 004.324/2005-8, 004.430/2002-6, 003.585/2004-1,
006.764/2006-2, 006.764/2006-2), todos originários da competência
Constitucional para apreciação e julgamento das responsabilidades contábeis
dos agentes públicos ordenadores de despesas e firmatários de obrigações
financeiras da União F ederal, bem como das pessoas naturais e jurídicas que
recebem dinheiro públicos resultante de obras públicas e serviços prestados.
Todos esses procedimentos foram levantados no Ministério da Integração
Nacional, totalizando 38 apensos acerca das obras da macro-drenagem do
tabuleiro.

104. Além dessa extensa, percuciente e esclarecedora messe


documental foi também anexado aos autos o Processo Administrativo
realizado no âmbito das competências investigatórias do Ministério Público
F ederal tombado sob o nº 1.11.000.000326/2004-30, composto por 31 ( trinta
e um) anexos referentes às obras da macro drenagem do Tabuleiro, onde se
pode constatar cópia dos projetos e estudos técnicos da obra, processo de
licitação, convênio e contratos referentes aos repasses de recursos, planilhas
de custos, cronogramas de execução, informações financeiras e técnicas
prestadas pelos Ministério da Integração Nacional, SE I N F RA, acórdãos do
Tribunal de Contas da União.

105. Importante asseverar que em 15 de abril de 2010, o Núcleo de


Criminalística do Setor Científico da Superintendência do Departamento de
Polícia F ederal do Estado do Rio de Janeiro elaborou o Laudo de E xame da
Obra de E ngenharia nº 609/2010, fls. 128/237 do Inquérito 51/2009,
contemplado a verificação da competitividade da licitação das obras, a
ocorrência de sobrepreço na contratação, superfaturamento na execução dos
serviços, além de responderem aos quesitos formulados pela autoridade
policial.

106. Tal procedimento inquisitorial policial foi instruído com o laudo


de E xame do Meio Ambiente nº 137/2010, de 15 de março de 2010, realizado
pelo Setor Científico da Superintendência da Polícia F ederal de Alagoas que
contempla relatório fotográfico ambiental das margens do Rio Jacarecica e
das três lagoas descritas.

107. Consta, igualmente, o laudo pericial elaborado pelo analista


pericial Luiz Alberto Braun que elaborou Parecer Técnico nº 64/2007, cujo
conteúdo foi anexado no apenso nº 02 do Processo Administrativo
1.11.000.000326/2004-30.

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108. Pondere-se que diante de trabalhos técnicos corporificados em


documentos escritos, nada impede o aproveitamento das perícias e demais
meios de prova confeccionados antes da propositura da demanda. Acaso a
parte ré discorde das conclusões contidas, pode, fundamentadamente, refutá-
las não sendo o caso, todavia, de simplesmente desconsiderar o que fora feito
anteriormente ao ajuizamento da demanda.

109. Neste sentido, relevante transcrever precedente do STJ e do ST F


que abordam pontos discutidos neste passo:

“ H A B E AS C ORPUS. I N Q U É RI T O PO L I C I A L. TRA N C A M E N T O.
A L E G A Ç Ã O D E A T IPI C I D A D E . I N O C ORR Ê N C I A. JUST A
C A USA E VI D E N C I A D A. EXAME DE PRO VAS.
I MPROPRI E D A D E D A VI A E L E I T A. P E RÍ C I A O F I C I A L.
O BSE RVÂ N C I A D OS R E Q U ISI T OS L E G A IS. SUPR ESSÃ O D E
I NST Â N C I A. WRI T C O N H E C I D O E M PART E E D E N E G A D O.
1. A teor da orientação jurisprudencial desta Corte, o trancamento de
inquérito policial por ausência de justa causa, pela via do habeas
corpus, só se justifica quando constatado, de pronto, a atipicidade da
conduta ou absoluta falta de indícios de materialidade e autoria do
delito por parte do acusado, hipóteses não verificadas no presente
caso.
2. Realizada pericia oficial atribuindo ao paciente a falsificação de
assinaturas, têm-se que configurado, em tese, crime, cuja inexistência
deve ser demonstrada após encerrada a investigação, não sendo
possível, na via eleita, verificar-se a insuficiência de provas a
embasar uma investigação, por demandar o exame aprofundado de
provas.
3. A alegação de que o laudo pericial “não foi realizado dentro dos
parâmetros da lei ”, não foi debatida ou questionada no Tribunal de
origem, motivo pelo qual torna inviável a apreciação do tema por esta
Corte, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Em uma análise superficial do aludido laudo, não se verifica
nenhuma irregularidade, tampouco inobservância da lei, uma vez que
a perícia foi efetuada pelo órgão oficial da Secretaria do Estado de
Segurança Pública do Rio de janeiro, de idoneidade e competência
reconhecida com a participação de dois peritos oficiais pertencentes
ao órgão, demonstrando assim ter sido obedecida as regras contidas
no artigo 159 do Código de Processo Penal.
5. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada
(SUP E RI OR TRI B U N A L D E JUST I Ç A, 6ª T URM A, H C 45713,
DJ E 01/03/2010, R E L. Desembargador H aroldo Rodrigues,
Convocado do TJ/C E).”

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“1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. 2.


Agravo de Instrumento em matéria criminal: prazo de cinco dias, de
acordo com a Lei 8.038/90, não se aplicando o disposto a respeito nas
alterações da Lei 8.950/94 ao Código de Processo Civil: Súmula 699.
3. H abeas Corpus de Ofício: inviabilidade da concessão, no caso:
necessidade de revolvimento de fatos e provas, inviável na via estreita
do writ. 4.Contraditório e ampla defesa: perícia realizada na fase do
inquérito policial: é da jurisprudência da Corte que “a perícia não é
um simples indício e sim prova técnica e, por isso, pode ser
considerada pelo julgador na sentença, sem que se caracterize
cerceamento de defesa, pois o acusado, ciente da sua juntada ao
inquérito policial que instruiu a ação penal, poderia pugnar por elidi-
la” (v.g. H C 73.647, 2ª T, Maurício Corrêa, DJ 6.9.96). (SUPR E M O
TRI B U N A L F E D E RA L, 1ª T, A I-E D 494949, DJ 14/05/2004, rel.
Min. Sepúlveda Pertence).

110. Os serviços realizados pela C IP ESA estão registrados nos


documentos colacionados pela SE I N F RA e constantes do processo
administrativo 1.11.000.000326/2004-30, em que se podem destacar os
seguintes elementos: a) escalonamento das obras SE I N F RA, fls. 149/151,
anexo 05); b) relatórios diários de obras da Gautama e Cipesa englobando o
período de 15/07/98 a 03/08/99, anexo 08; c) faturas e medições da Gautama
e Cipesa, anexo 09; d) SE I N F RA, adequação do Projeto básico de macro
drenagem do grande tabuleiro maio 98, fl. 01/191, anexo 10; e) ofício 129/98
do SE I N F RA encaminhando ao MP F peças referentes ao procedimento
licitatório E C/ 01/97, contrato de empreitada, por preços unitários, projetos e
estudos técnicos, relatório técnico de impacto ambiental, relatório de inspeção
de execução da obra K-006/98, contrato de repasse C A I X A, declaração I M A
nº 78/98 de inexistência de impedimento para obra de ampliação da lagoas
01, ordem de serviço autorizando a Gautama a iniciar em 14/04/1998 as
obras da macro drenagem, recibos da Gautama e Cipesa e notas referentes às
medições da obra, anexo 11; f) planos de trabalho, relatórios elaborados pela
SE I N F RA de compatibilização, anexo 12; g) termos de aceitação provisória
SE I N F RA, conciliação bancária, relação de bens da Gautama e Cipesa,
relatório físico financeiro, relações de pagamentos, notas fiscais Gautama,
ordens bancárias e extratos da Gautama, anexo 13; h) SE I N F RA encaminha
para o Ministério da Integração nacional através do ofi nº 534/04 de
13/09/2004 a prestação de contas completa consolidada, total da concedente,
total da proponente, total da aplicação financeira das obras de ampliação da
macro drenagem referente ao convênio 199/99 e os 1º e 2º termos aditivos,
anexo 14; i) ficha técnica e relatório fotográfico de acompanhamento das
obras da macro drenagem do tabuleiro dos Martins, agosto/2004, anexo 21;
j) projeto executivo definitivo, de junho/2003, encaminhado pela
SE I N F RA/A L por meio do ofício 484/2004 ao MP F , anexo 22; k) cópia das
folhas 05 a 15 do Processo T C 006.250/2002-7, composto de justificativa do
SE I N F RA datada de 12/08/2003, croqui dos locais a serem contempladas na
1ª etapa e planilhas orçamentárias, anexo 23; l) ofício 145/2005 da

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SE I N F RA ao MP F em 01/04/2005 respondendo acerca da previsão de


conclusão da 1ª etapa da obra, anexo 1 – plano de trabalho , fls. 2537, das
medidas sócio ambientais adotadas, anexo 2 – programa de educação
ambiental, projetos e atas de reuniões, registro fotográfico, fls. 39/190 e quais
medidas mitigadoras constam no projeto executivo, fls. 192/245, anexo 24; m)
documentos diversos encaminhados pela SE I N F RA por meio do ofício
231/2009, em resposta ao ofício 165/2009, de 25/03/2009 da Procuradoria da
República entre eles, especificações técnicas e critérios de medição para
execução dos serviços da macro drenagem do grande tabuleiro, fls. 186/270,
ordem de serviço do contrato 01/97 de 08/04/98, fl. 273, ordem de reinício dos
serviços, 17/01/2002, fl. 275, ordem de paralisação, 22/10/2002, fl. 276,
ordem de reinício, de 04/02/2005, fl. 277, ordem de paralisação, 07/03/2005,
fl. 278, ordem de reinício, 25/10/2005, fl. 279, ordem de paralisação,
01/08/2006, anexo 25; n) documentos diversos encaminhados pela
SE I N F RA/A L por meio do ofício 231/2009, entre eles processos da
SE I N F RA acerca dos serviços executados pela Construtora Gautama,
atestado conforme notas fiscais, planilhas e recibos, portaria 59/2009 da
SE I N F RA resolve constituir avaliação técnica da obra objeto do contrato
01/97, ofício SE I N F RA nº 123/2006 referente à prestação de contas parcial
da 2ª parcela dos recursos entre outros, anexo 26.

111. A materialidade desse crime restou comprovada na instrução


processual, uma vez que na execução da obra pública licitada verificou-se o
desvio de recursos públicos decorrente do aludido superfaturamento da obra,
em flagrante prejuízo ao patrimônio público. Essa situação ficou
devidamente comprovada na análise da prova produzida nos autos

112. Do cotejo das explanações acima transcritas verifica-se o delito


de peculato-desvio que se consuma quando o agente dá ao bem objeto do
delito destino diferente daquele previsto na legislação, seja em benefício
próprio ou para favorecer terceiro. Esse desvio de valores públicos, de forma
consciente e criminosa, denota e conota claramente o dolo na condita dos
agentes e impõe a reprimenda dos denunciados na medida de cada
culpabilidade em relação aos fatos apurados.

113. Não merece acolhida a afirmação dos denunciados quanto à


ausência de prova do superfaturamento ou sobrepreço da obra, sob o
argumento de que a prova colhida nos autos não levou em consideração a
totalidade dos itens empregados e a realização efetiva observada. Mas, as
provas colhidas são substanciais e conclusivas quanto a ocorrência do
sobrepreço.

114. E fetivamente, restou demonstrado na instrução que os


denunciados, ao promoverem o superfaturamento (sobrepreço) da obra, em

FWSD ACR 10907/AL 33


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expressiva quantia, praticando valores dispendiosos para o poder público e


desse modo emprestaram aos recursos públicos destinação totalmente diversa
da que deveria ter-lhes sido dada, o que caracteriza indubitavelmente o desvio
da verba pública. Esse fato foi devidamente apurado e consolidado nos
documentos colacionados aos autos e acima descritos unitariamente.

115. Não prospera a alegação dos denunciados quanto à


insubsistência da prova produzida pela acusação para apontar o desvio do
dinheiro público. A assertiva genérica não é suficiente ao convencimento do
julgador para afastar a farta messe da instrução nestes autos.

116. Além disso, os denunciados não cuidaram de promover a tempo


e modo a devida impugnação da prova pericial, contra a qual deveriam se
contrapor por meio dos recursos cabíveis no momento em que produzida,
prova essa que se mostrou suficiente para firmar a convicção do julgador da
efetiva ocorrência do desvio de verbas públicas.

Isso assentado, passo a examinar as razões de apelação, registrando que a questão da


materialidade será revisitada, oportunamente, no julgamento da apelação do acusado Zuleido
Soares de Veras, que se defende das acusações sustentando a inexistência das irregularidades
apontadas pelo juízo sentenciante.

7) Da Apelação de Ademir Pereira Cabral.

Segundo se lê da denúncia, o réu Ademir Pereira Cabral foi acusado pelo Ministério
Público Federal, em suma, pelos seguintes fatos:

i) Secretário de Infraestrutura durante o governo Manoel Gomes de Barros, no


período de 1/4/1998 a 31/12/1998, o denunciado ADEMIR desempenhou as
funções de Presidente da Comissão de Licitação, proclamando como
vencedora a proposta da Gautama como a mais vantajosa para a
Administração, fato que, como vimos, jamais poderia ser admitido.

ii) Como Presidente da Comissão de Licitações à época da realização do


procedimento pertinente às obras da Macrodrenagem do Tabuleiro dos
Martins, o denunciado ADEMIR tinha a última palavra em todos os atos
decisórios relacionados à Concorrência Pública nº 01/97, concorrendo
diretamente, portanto, não só para o direcionamento ilegal do certame em
favor da Gautama e para outras tantas irregularidades, mas, principalmente,
no que concerne ao sobrepreço e superfaturamento da obra em cifras
superiores a DEZESSEIS milhões de reais.

iii) O réu ADEMIR ordenou e promoveu, no âmbito do Convênio MMA/SRH nº


022/98, o pagamento de sua 1ª medição no valor de R$ 884.880,76, sendo R$
442.440,32 entregues à Construtora Gautama e igual valor à empresa
CIPESA.

FWSD ACR 10907/AL 34


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iv) O denunciado ADEMIR encaminhou a primeira medição do Contrato de


Repasse MPO/CAIXA CT nº 0049491-43/97 à Caixa Econômica Federal em
7/7/98. Também assinou os seguintes documentos: a) os relatórios de
execução físico-financeira relativos ao mesmo instrumento de repasse,
compreendendo os períodos de 20/4/98 a 12/5/98 e de 24/6/98 a 30/6/98; b) a
relação de pagamentos de 1/7/98; c) a execução da receita e despesa relativa
ao item “a”; d) e a planilha de primeira medição. Conforme destacado a
primeira medição do referido contrato de repasse fora no valor de R$
960.000,00;

v) Quanto às irregularidades relativas ao sobrepreço/superfaturamento


identificado pelo Tribunal de Contas da União, ainda que todas se reportem à
responsabilidade penal do denunciado – já que este foi quem proclamou
vencedora do certame a Construtora Gautama – destacam-se aquelas que
pertinem, especificamente, aos instrumentos de repasse assinado pelo réu
ADEMIR, qual seja, o Convênio MMA/SRH nº 022/98;

vi) Dos R$ 3.080.000,00 repassados por meio do Convênio MMA/SRH nº


022/98, signado pelo denunciado ADEMIR, R$ 1.348.014,64 foram de
SOBREPREÇO, conforme informações oriundas da Tomada de Contas
Especial. De onde se conclui que cerca de 43% dos recursos públicos
repassados por meio do instrumento referido, cuja totalidade eram de verbas
federais, foram COMPROVADAMENTE DESVIADOS;

vii) Por fim, deve-se repisar que o denunciado ADEMIR foi o signatário, em
nome do Estado de Alagoas, no Instrumento de Subcontratação fraudulento
firmado entre Gautama e Cipesa que repassou ilegalmente a esta última o
importe de R$ 11.344.212,85, quase a totalidade em recursos públicos
federais, dentro dos quais também fora identificado, em sede de Tomada de
Contas Especial, a existência de sobrepreço/superfaturamento no valor de R$
5.181.101,27, ou seja, cerca de 52% de toda a verba ilegalmente repassada à
CIPESA fora COMPROVADAMENTE DESVIADA.

Ao tratar especificamente da materialidade delitiva a denúncia enfatizou que o contexto


fático das práticas delitivas levadas a efeito pelos denunciados – inclusive por Ademir Cabral –
identifica-se no seguinte:

a) a dispensa de licitação à guisa de subcontratação ilegal perpetrada


em favor da empresa Cipesa Engenharia S/A, culminando com o repasse ilícito
de R$ 11.344.212,85 (onze milhões, trezentos e quarenta e quatro mil, duzentos
e doze reais e oitenta e cinco centavos) e o consequente locupletamento
indevido das verbas mencionadas;

b) o superfaturamento e sobrepreço identificados no bojo de vários


instrumentos de repasse de verbas públicas federais, totalizando o valor de R$
16.423.467,86 (dezesseis milhões, quatrocentos e vinte e três, quatrocentos e
sessenta e sete reais e oitenta e seis centavos). (cf. fl. 42, vol. 1)

FWSD ACR 10907/AL 35


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O réu foi absolvido no tocante à acusação de dispensa de licitação à guisa de


subcontratação ilegal da empresa Cipesa Engenharia S/A, decisão que reputo irreprochável, pelos
motivos já anteriormente explicitados neste voto.

D’outra banda, a condenação do réu reconheceu não só sua responsabilidade pelo


sobrepreço e superfaturamento, como também por ter autorizado a realização de pagamentos sem
qualquer justificativa fática, porque a obra não fora efetivamente realizada. É o que se colhe da
fundamentação da r. sentença apelada:

152. Consta nos autos, pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de


reais) de valores da União Federal que foram pagos pelo Estado de Alagoas,
através dos cheques do Banco do Brasil 951034 no valor de R$ 442.440,38
(quatrocentos e quarenta e dois mil, quatrocentos e quarenta reais e trinta e
oito centavos), 951033 também no valor de R$ 442.440,38 (quatrocentos e
quarenta e dois mil, quatrocentos e quarenta centavos e trinta e oito centavos),
em favor da Gautama e da Cipesa e outro cheque também do Banco do Brasil
951032 no valor de R$ 115.119,23 (cento e quinze mil, cento e dezenove reais e
vinte e três centavos), totalizando o valor redondo de R$ 1.000.000,00, em que
a Comissão de Licitação foi formada dentre outros por ADEMIR PEREIRA
CABRAL, fls. 82/83 do anexo 29 PA nº 1.11.000.000326/2004-30, a relação
dos bens adquiridos, produzidos ou construídos com recursos da União foi
assinada unicamente por ADEMIR PEREIRA CABRAL, FL. 245 DO ANEXO
16, PA 1.11.000.000326/2004-30, o relatório de execução físico-financeira da
Secretaria de Infraestrutura – SEINFRA, do Governo do Estado de Alagoas, fl.
238 e 241 do mesmo PA 1.11.000.000326/2004-30 foram assinados por
ADEMIR PEREIRA CABRAL e os cheques acima descritos que transferem o
dinheiro para as construtoras também foram assinados por ADEMIR
PEREIRA CABRAL e por fim o cheque de R$ 115.119,23 pago a título de
projeto também foi assinado pelo denunciado sobredito.

153. Essas superposições de funções relacionadas ao pagamento de


vultosa importância demonstram a conduta ilícita de jaez criminoso, aliado
ao desvio do dinheiro público federal conforme demonstrado no anexo 16 em
que o pagamento foi realizado sem qualquer justificativa fática comprovada
por elementos convincentes de realização efetiva da obra.

154. Sobre este ponto, de todo relevante, caracterizador mesmo de


conduta criminosa, a defesa refere-se e contesta afirmando que o denunciado
desligou-se da administração ao final do período governamental em
31/12/1998 e até tal data, somente havia sido pago a importância de R$
1.000.000,00 (um milhão de reais), valores que foram devidamente aplicados
na obra, tendo sido, a prestação de contas respectiva, aprovada pelo órgão
repassador dos recursos que, ao final, deu a baixa de responsabilidade do
convênio 022/98.

155. Para acusação de tamanha gravidade essa foi a singela defesa de


ADEMIR PEREIRA CABRAL, não havendo outro elemento de convicção

FWSD ACR 10907/AL 36


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trazido aos autos que não esse jogo de palavras que tenta fazer o MPF provar
o que já foi provado pela simples juntada aos autos de documentos de
pagamento ilegal de importância do erário. Em sendo assim, resta comprovada
a conduta ilícita de ADEMIR PEREIRA CABRAL.

Deveras, compulsando os autos vê-se que o desvio de recursos públicos decorrente do


pagamento por serviços não realizados também motivou a acusação do Ministério Público
Federal, descrevendo divergências na execução da obra, que fora mal executada, paralisada e ao
final abandonada.

Em relação ao superfaturamento e sobrepreço, cumpre registrar que o Tribunal de


Contas da União acabou por afastar qualquer responsabilidade do Apelante, reconhecendo que
não seria possível imputar-lhe a responsabilidade por esses fatos, uma vez que a inserção e
utilização do projeto básico e das planilhas orçamentárias foi realizada pelo Secretário de
Saneamento e Energia, Sr. Olavo Calheiros Filho, conforme se lê dos fundamentos do Acórdão nº
1814-25/14-P do TCU que julgou a Tomada de Contas Especial nº 017.54/2007-0, que ora
transcrevo:

Análise

134. Não consta nos autos evidência que relacione os membros da


comissão de licitação à elaboração dos elementos técnicos da concepção da
obra (projeto, plantas, memoriais, orçamento).

135. Quanto ao fato de que esses documentos foram aprovados por


órgãos técnicos competentes, discorreremos acerca da jurisprudência
predominante no Tribunal.

136. A alegação de que os documentos foram aprovados por outros


agentes/órgãos sempre deve ser vista com cautela, pois, muitas vezes, esse fato
por si só não é suficiente para afastar a responsabilidade dos gestores
públicos. O fato de ter agido com respaldo em pareceres técnicos e/ou
jurídicos não tem força para impor ao administrador a prática de um ato
manifestamente irregular, uma vez que a ele cabe, em última instância, decidir
sobre a conveniência e oportunidade de praticar atos administrativos,
principalmente os concernentes a contratações, que vão gerar pagamentos.

137. O fato de o administrador seguir pareceres técnicos e jurídicos


não o torna imune à censura do Tribunal. Em regra, pareceres técnicos e
jurídicos não vinculam os gestores, os quais têm obrigação de analisar a
correção do conteúdo destes documentos. Assim, a existência de parecer não
exime o gestor de responsabilidade, a qual é aferida levando em consideração
a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos relacionados com a
gestão de recursos públicos, no âmbito da fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da administração pública federal,
exercida pelo Congresso Nacional com o auxílio deste Tribunal, em
conformidade com os arts. 70, caput, e 71, inciso II, da Constituição Federal.

FWSD ACR 10907/AL 37


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138. Feitas essas considerações, passa-se a análise do caso concreto,


onde será verificada a repercussão dessas alegações na ocorrência de
sobrepreço no Contrato 01/97.

139. Ao contrário do que alegam os defendentes e com base nos


elementos existentes nos autos, não havia aprovação dos elementos do projeto
pelos órgãos competentes.

140. Analisando o procedimento licitatório verifica-se que o processo


foi encaminhado à Procuradoria Geral do Estado (PGE) para emissão de
Parecer Jurídico, nos termos do art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666, de 21
de junho de 1993. Por meio do Despacho PGE-LIC 091/1997 [consigne-se a
observação de que, mesmo no âmbito da própria PGE-LIC, o número desse
parecer foi, em momentos posteriores, incorretamente referido
como 191/1997] (folhas 87/88, anexo 2, v.p.), foram apontadas as seguintes
irregularidades: i) Processo não apresentava projeto básico que atendesse os
pressupostos da Lei 8.666/93; ii) falha na identificação do edital; iii)
publicação do aviso de licitação sem autorização do chefe do poder executivo.
Posteriormente, o Secretário de Saneamento e Energia, conforme se depreende
do despacho constante às folhas 3.306/3.307 (anexo 9, v.11), inseriu o projeto
e o respectivo orçamento nos autos, justificou alguns itens do edital e
encaminhou o processo à PGE, que expediu o Parecer PGE-LIC nº 125/1997
(folhas 3.309/3311, anexo 9, v.11), relatando que foram inseridas no processo
as especificações técnicas, planilhas orçamentárias e plantas da obra, além de
discorrer acerca das exigências de qualificação técnica e econômico-
financeira, e terminando por opinar pela aprovação da minuta do edital de
licitação.

141. Constata-se que o responsável pela inserção e utilização do


projeto básico e das planilhas orçamentárias foi o Secretário de Saneamento e
Energia, Sr. Olavo Calheiros Filho. Esse projeto não possuía identificação de
autoria (com exceção dos ‘selos’ da Senerg), anotação de responsabilidade
técnica ou mesmo aprovação por autoridade competente, nos termos do inciso
I do § 2° do art. 7° da Lei 8.666/93. Considerando que o Secretário era a
autoridade máxima da pasta, ou seja, responsável pela organização
administrativa da mesma, ao inserir o projeto e o orçamento nos autos, o
Secretário, que possuía à sua disposição toda a estrutura administrativa da
Senerg para avaliar a adequação do projeto básico, assumiu que o mesmo era
adequado para ser utilizado no procedimento licitatório e na respectiva
contratação, incorrendo em aprovação tácita do projeto e assumindo os riscos
pela utilização do projeto.

142. Quanto ao Parecer da PGE, é importante ressaltar que seu


objetivo é opinar acerca da aprovação do edital de licitação e não da
adequação do projeto básico. Não é razoável supor que a PGE tenha
adentrado ao mérito da adequação técnica dos elementos de projeto, ou mesmo
a adequação dos preços orçados com os de mercado, por tratar-se de matéria
eminentemente técnica. Logo, não se vislumbra a possibilidade de excluir a

FWSD ACR 10907/AL 38


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responsabilidade de qualquer dos agentes cuja conduta esteja sendo avaliada


em relação à ocorrência de dano ao erário sobre o pretexto de que a PGE teria
aprovado o edital de licitação.

143. Ao contrário da avaliação feita pela PGE, o titular da Senerg


possuía corpo técnico capaz de aferir a adequação do projeto básico, do
orçamento, e possuía a autoridade para delegar esses atos aos seus
subordinados.

144. Os defendentes alegam que o procedimento foi aprovado pelo


Secretário de Estado e homologado pelo Governador. A existência de
aprovação/homologação por autoridade superior não enseja,
automaticamente, o saneamento de irregularidades ocorridas em fases
anteriores, em especial, quando o vício existente não se refere ao elemento
‘competência’ do ato inquinado. Tal fato poderia ensejar responsabilidade
solidária dos agentes que, ao não identificarem a prática de irregularidades,
tivessem concorrido com o dano, mas não afastaria a responsabilidade dos
subordinados hierárquicos.

145. Resta analisar a razoabilidade de exigir que a Comissão de


Licitação identificasse a ocorrência de sobrepreço no orçamento da obra.

146. Depreende-se do art. 43, inciso IV, da Lei 8.666/93 que, antes da
realização de qualquer procedimento licitatório, o administrador deverá
realizar pesquisa de preço com a finalidade de elaborar o orçamento. Esse
orçamento constitui instrumento essencial e obrigatório para que a Comissão,
nos termos do art. 43 da Lei de Licitações, verifique a pertinência dos preços
contratados com aqueles praticados pelo mercado. Essa Lei não define que a
responsabilidade pela pesquisa de preço e elaboração de orçamento seja
atribuição da Comissão de Licitação ou do responsável pela homologação, em
especial quando o objeto a ser licitado reveste-se de complexidade tal que
recomende que esses elementos sejam elaborados por profissionais
especializados. Nesse sentido, o Acórdão 3.516/2007-TCU-1ª Câmara.

147. Logo, nesse caso concreto, considerando a inserção do projeto


básico e respectivo orçamento pelo Secretário de Estado, que possuía toda a
estrutura de sua pasta para avaliação da adequação do projeto e de seus
preços com os de mercado, bem como a complexidade do objeto a ser licitado,
o que dificultaria a análise pela Comissão de Licitação da composição e
adequação dos preços orçados, não seria razoável esperar que a Comissão de
Licitação identificasse o sobrepreço existente na planilha orçamentária do
empreendimento em análise.

148. Dessa forma, acolhem-se as alegações de defesa apresentadas


pelos Srs. Ademir Pereira Cabral e José Vieira Crispim em relação ao
sobrepreço/superfaturamento decorrente de itens com preços superiores aos
de mercado, aproveitando-se, também, ao Sr. José Benigno Viana Portela,
terceiro membro da comissão de licitação.

FWSD ACR 10907/AL 39


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Nada obstante isso, entendo cabível confirmar a condenação do Apelante pela prática do
crime de peculato desvio por sua participação na contratação da construtora Gautama com
sobrepreço e superfaturamento e, outrossim, pelo pagamento de serviços não executados.

Penso que o Tribunal de Contas da União se equivocou ao afirmar que o acusado em


questão não teria conhecimento dessas distorções, somente porque a inserção do projeto básico
foi de responsabilidade do então Secretário de Saneamento e Energia, Sr. Olavo Calheiros. É que,
de outro lado, foi constatado que o réu efetivamente atuou de forma decisiva no direcionamento
da licitação, como Secretário de Infraestrutura e também Presidente da Comissão de Licitações,
com o intuito de favorecer a Construtora Gautama na escolha de proposta viciada e desvantajosa
para a administração, como se lê infra:

305. Quanto ao item 9.3.2.2 do Acórdão 1.093/2007-TCU-Plenário


(aceitação de proposta com expressa alteração da planilha do edital), os
interessados defendem que o processamento da licitação se deu analisando o
menor preço global e que não houve qualquer impugnação em relação ao
julgamento das propostas.

306. O item 6.2.2 do edital da Concorrência Pública 01/97 (folha


3.189, anexo 9, v.11) estabelece: ‘6.2 - Não serão levadas em consideração as
propostas: (...) 6.2.2 - Com alternativas, devendo as concorrentes se limitarem
às especificações fornecidas pelo órgão’. Da análise do procedimento
licitatório, verifica-se que a proposta da Construtora Gautama apresentou
divergência em relação ao item 9.6 da planilha da Senerg (ligação entre as
lagoas 4 e 2-3), prevendo a construção de túnel N A T M de diâmetro 3,00m e
extensão de 30 m, enquanto a proposta da outra construtora habilitada previa
a construção de túnel N A T M, de diâmetro 2,20m e extensão de 1.088m, nos
mesmos termos do item 9.6 da planilha da Senerg. É imperioso que, para se
proceder a uma análise de preço, os critérios de comparação devem ser os
mesmos, por isso a vedação expressa, no instrumento convocatório, de
propostas contendo alternativas às especificações fornecidas pelo órgão.

307. As alegações de que a Comissão processou o julgamento pelo


menor preço global e de que não houve impugnação não são suficientes para
afastar a irregularidade apontada. Ao julgar propostas com soluções
distintas, a Comissão não garantiu a observância do princípio constitucional
da isonomia, um dos objetivos do procedimento licitatório, e descumpriu o
princípio da vinculação ao instrumento convocatório, insculpidos no art. 3°,
da Lei 8.666/93, além de não observar o ‘julgamento objetivo’ previsto no art.
45 dessa Lei. Dessa forma, o procedimento acabou conduzindo à seleção de
proposta que não foi a mais vantajosa para a Administração. O T C U possui
jurisprudência no sentido de que a Administração Pública não pode
descumprir as regras estabelecidas no ato convocatório, ao qual se encontra
estritamente vinculada.

308. A inexistência de impugnação não faz com que a ilegalidade


decorrente do julgamento das propostas em desacordo com o art. 45 da Lei

FWSD ACR 10907/AL 40


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8.666/93 seja afastada, não merecendo prosperar os argumentos dos


defendentes.

309. Diante do exposto, rejeitam-se as razões de justificativa


apresentadas pelos Srs. Ademir Pereira Cabral e José Vieira Crispim em
relação ao item 9.3.2.2 do Acórdão 1.093/2007-TCU-Plenário Plenário
(aceitação de proposta com expressa alteração da planilha do edital), em nada
se aproveitando aos demais responsáveis solidários.

310. Quanto ao item 9.3.2.3 do Acórdão 1.093/2007-TCU-Plenário


(inserção e manutenção, no instrumento convocatório da Concorrência 01/97,
de exigências para qualificação técnica das empresas, que não possuem
fundamentação técnica e frustraram o caráter competitivo da licitação), os
responsáveis expõem que não houve qualquer impugnação em relação ao
julgamento da habilitação das licitantes.

311. O item 5.3.2 ‘b’ do edital da Concorrência 01/97 estabelecia a


exigência de atestado comprovando a execução de túnel pelo método NATM.
Estabelecia ainda o quantitativo mínimo de 10.000 m³, em uma única obra, na
área de saneamento ambiental (drenagem, abastecimento de água ou
esgotamento sanitário) e localizado em área urbana.

312. Em primeiro lugar, cumpre destacar que não é razoável admitir


que a PGE pudesse manifestar-se com mais propriedade sobre essas exigências
do que a Comissão de Licitação, principalmente considerando que a Comissão
possuía um engenheiro civil entre os seus membros.

313. Em segundo lugar, o quantitativo mínimo exigido não se mostra


razoável. Nesse sentido, reproduzimos parte da instrução da Secob, de
30/11/2004 (folhas 5.839, anexo 9, v. 24):

‘177. A exigência de um volume de túnel maior do que 10.000 metros


cúbicos é, a nosso ver, também descabida, pois é totalmente diversa a
construção de um túnel com 2 metros quadrados de seção e 5.000 metros de
comprimento, da construção de um túnel com 100 metros quadrados de seção e
apenas 100 metros de comprimento. No entanto, ambos os túneis
exemplificados possuem 10.000 metros cúbicos.

178. Enfatizamos também que os três túneis previstos no projeto básico


não são adjacentes. A interligação da lagoa 1 com a lagoa 2-3 seria feita com
um túnel NATM com 2,8 m de diâmetro e 1.318 m de comprimento (8.115
metros cúbicos). A interligação da lagoa 4 com a lagoa 2-3 seria em galeria
ou em túnel NATM com 2,2 m de diâmetro e 1.088 m de comprimento (4.135
metros cúbicos). Somente a interligação da lagoa 2-3 com o córrego
Jacarecica teria volume superior a 10 mil metros cúbicos (diâmetro de 3,0 m e
2.140 metros de comprimento, correspondendo a 15.126 metros cúbicos de
túnel). Portanto, a exigência de um volume superior a 10.000 metros cúbicos

FWSD ACR 10907/AL 41


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de túnel é inadequada, servindo apenas para frustrar a competitividade da


licitação.’

314. Em terceiro lugar, a exigência de comprovação de execução dessa


quantidade em uma única obra acaba por limitar o número de atestados a
serem apresentados pelos licitantes, não estando evidenciada nos autos
justificativa técnica para tal restrição, em desacordo com jurisprudência desta
Corte de Contas (Acórdãos 1.237/2008 e 1.949/2008, ambos do Plenário).
Mais restritiva é a exigência de que a experiência em obras anteriores seja
especificamente na área de saneamento ambiental. A utilização do método
NATM é comum em outras áreas da engenharia, em especial a engenharia
rodoviária ou ferroviária. Não existe grande diferença entre a execução de
túneis rodoviários e túneis na área de saneamento ambiental, pois o método
construtivo é o mesmo.

315. Em quarto lugar, mesmo que, até então, a Comissão não tivesse
atentado quanto à possibilidade de restrição do caráter restritivo dessas
exigências, ela teve três momentos para tomar conhecimento, conforme pode
ser constatado pela análise do relatório elaborado pela Comissão (folhas
3.323/3.332, anexo 9, v. 11):

a) antes da habilitação (tentativas de impugnação do edital): o


Sinduscon/AL tentou impugnar o edital por contrariar dispositivos da Lei
8.666/93 e a Construtora Celi tentou impugnar o item 5.3.2, alínea ‘b’, por
considerá-lo excessivamente restritivo. A Comissão considerou que o
Sinduscon/AL não tinha legitimidade para agir e que as alegações da
Construtora Celi foram apresentadas intempestivamente e no mérito seriam
inconsistentes (folhas 3.324/3.325, anexo 9, v.11);

b) na fase de habilitação (folhas 3.325/3.329, anexo 9, v.11), quando


foram consideradas inabilitadas 4 das 7 licitantes, por conta de aspectos
relacionados à qualificação técnica:

i. Sistema - inabilitada por não atender o item 5.3.2 ‘b’: experiência


anterior na execução de túnel NATM rodoviário e quantitativo inferior ao
mínimo estabelecido;

ii. Etesco - inabilitada por não atender o item 5.3.2: o profissional


responsável da empresa tinha experiência com fiscalização/supervisão de obra
e não com execução;

iii. Uchoa - inabilitada por não atender o item 5.3.1: não apresentou
prova de quitação das anuidades, da empresa e de seus responsáveis técnicos,
junto ao Crea;

iv. Celi - inabilitada por não atender o item 5.3.2 ‘b’ (quantitativo
inferior ao mínimo estabelecido) e item 19.4 (visita não realizada pelo
profissional detentor do atestado do item 5.3.2 ‘b’);

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v. Coesa - inabilitada por não atender o item 7: deficiência na


representação.

c) no julgamento dos recursos da fase de habilitação (folha 3.330,


anexo 9, v.11): três empresas (Sistema, Etesco e Celi) apresentaram recursos
em face de sua inabilitação. Os recursos foram considerados admitidos, porém
indeferidos quanto ao mérito.

316. Dessa forma, a existência de despacho do Secretário de


Saneamento e Energia justificando os critérios do edital e de parecer jurídico
manifestando-se pela aprovação do edital não é suficiente para eximir a
responsabilidade dos membros da Comissão de Licitação, em razão de seus
membros terem elaborado o instrumento convocatório, da ausência de
justificativa técnica no despacho do Secretário, da possibilidade de
constatação do caráter restritivo das exigências ao longo do procedimento
licitatório, e da existência de membro da Comissão com habilitação em
engenharia civil, possibilitando um melhor juízo de valor acerca dos critérios
estabelecidos do que aquele feito pela PGE.

317. Diante do exposto, rejeitam-se as razões de justificativa


apresentadas pelos Srs. Ademir Pereira Cabral e José Vieira Crispim em
relação ao item 9.3.2.3 do Acórdão 1.093/2007-TCU-Plenário (inserção e
manutenção, no instrumento convocatório da Concorrência 01/97, de
exigências para qualificação técnica das empresas, que não possuem
fundamentação técnica e frustraram o caráter competitivo da licitação), em
nada se aproveitando aos demais responsáveis solidários.

Como visto, o Apelante aprovou proposta incompatível com o projeto básico ferindo o
princípio da isonomia entre os licitantes e favorecendo indevidamente a empresa Gautama. Não
se trata no caso de figura de menor expressão no processo licitatório, como o acusado José
Benigno Viana Portela, sendo certo que o Apelante tinha real domínio dos fatos, com
possibilidade de determinar a realização do fato delitivo e inclusive de evitar sua ocorrência.
Nesse quadro, data venia do que concluiu o TCU, tendo se verificado a existência de sobrepreço
e superfaturamento em valores milionários é inconcebível que o direcionamento da licitação
propiciada pelo Apelante, na condição de Secretário de Infraestrutura do Governo do Estado de
Alagoas e Presidente da Comissão de Licitações, tenha sido mera coincidência.

Ao revés, essa atitude somente é explicada no contexto fático do esquema criminoso do


qual participava, juntamente com Zuleido Veras, voltado para o desvio e malversação de recursos
públicos em prejuízo ao erário. A existência de conjunto de provas convergente em apontar a
existência de um esquema criminoso que somente logrou êxito nos seus intentos com a
colaboração definitiva e voluntária do acusado, a meu ver, comprova o dolo de sua conduta que
concorreu para os ilícitos, afastando a alegação de erro de tipo que traz no seu apelo, já que
estava ciente da existência de sobrepreço e superfaturamento na contratação.

Tudo indica, portanto, que o réu participou de forma voluntária e consciente para o
esquema criminoso de desvio de recursos públicos, razão que o levou a promover o

FWSD ACR 10907/AL 43


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direcionamento constatado. Por esse motivo, deve-se manter incólume o édito condenatório,
reconhecendo a responsabilidade penal do Apelante pelo desvio em decorrência do pagamento por
serviços que não foram executados, e sobretudo pela aprovação de proposta que ensejou graves
prejuízos ao erário em decorrência do sobrepreço e superfaturamento, demonstrados pela
fiscalização e reconhecidos pela própria Corte de Contas, fatos cuja materialidade não sofreu
qualquer impugnação séria do acusado.

Pelo exposto, entendo que a r. sentença apelada deve ser mantida, reservando a análise da
dosimetria da pena para a parte final deste voto.

8) Da Apelação de José Jailson Rocha.

Assim como o Apelante Ademir Pereira Cabral, José Jailson Rocha foi denunciado e
condenado pelo cometimento do crime de peculato desvio, tipificado no art. 312 do Código Penal.
A denúncia descreve as condutas do acusado, em síntese, da seguinte maneira:

i) Secretário de Infraestrutura na gestão do Governador Ronaldo Lessa durante


o período de 2/7/99 a 21/10/2003 fora signatário do Convênio nº 199/99 e do
Contrato de Repasse SEDU/CAIXA CT nº 0129284-46/2001 e ordenador
imediato de todos os pagamentos realizados no âmbito dos dois instrumentos
de repasse acima citados, totalizando a verba de R$ 19.163.265,31, quase na
sua integralidade em recursos federais;

ii) Ademais, o denunciado é citado nominalmente, na Tomada de Contas TC-


017.154/2007-0, como responsável por diversas irregularidades levadas a
efeito durante a sua gestão na Secretaria de Infraestrutura, dentre as quais a
responsabilidade pela inclusão indevida, como serviço extra, das medições
que envolvem a execução dos poços de visita, valores que foram
superfaturados via “divergência de quantitativos”, totalizando o valor de R$
1.500.800,00 em recursos desviados da execução do objeto do Contrato nº
01/97.

iii) Deve-se ainda destacar o superfaturamento, também via “divergência de


quantitativos”, no valor de R$ 1.640.135,01, relativo à escavação mecânica,
material de 1ª categoria, qualquer profundidade e carga e transporte para
aterros e bota-foras, até 8 km do mat. Escavado.

iv) Ressalte-se também que o denunciado JOSÉ JAILSON fora o signatário do 1º


e 3º Termos Aditivos ao Contrato nº 01/97. Segundo a CGU, é bastante
provável que tenha sido o signatário do 2º Termo Aditivo à mesma avença, no
entanto, aquele órgão de controle não teve acesso ao referido termo. Situação
que demonstra que o denunciado JOSÉ JAILSON teve acesso e condições de
compreender todos os flagrantes ilícitos patrocinados desde a licitação que
deu origem ao Contrato nº 01/97 e não tomou qualquer providência para
apura-los ou interromper o desvio milionário de recursos públicos em prol do
atendimento de escusos interesses privados.

FWSD ACR 10907/AL 44


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O Apelante foi condenado pelo juízo a quo ao fundamento de ter sido responsável pelas
irregularidades levadas a efeito durante sua gestão na Secretaria de Infraestrutura, dentre as
quais a inclusão indevida, como serviço extra, das medições que envolvem a execução dos poços
de visita, conforme seguinte fundamentação:

157. No anexo 16, às fls. 361/407, consta pagamentos relativos ao


Convênio MMA/SRH nº 022/98 e no relatório de demanda externa nº
00190.18789/2005-88, elaborado pela Controladoria Geral da União indica a
responsabilidade do denunciado por atos ilícitos no Contrato de Repasse
MPO/CAIXA CT nº 00491-43/97.

158. No relatório da CGU consta que JOSÉ JAILSON encaminhara


prestação de contas final e declarações sobre a execução do Contrato de
Repasse MPO/CAIXA CT nº 00491, na data de 08/05/2000. Assinara também o
relatório de execução físico-financeiro de prestação de contas final do período
de 01/12/1998 a 20/03/2000, a execução da receita e despesa da prestação de
contas final, o relatório de execução físico-financeira dos períodos de
01/05/1999 a 31/05/1999, 01/06/1999 a 30/06/1999, 01 a 31/07/1999, 01 a
31/10/1999, 01 a 20/03/2000. Encaminhou a segunda, terceira, quarta, sétima
e décima segunda medições à Caixa Econômica Federa, em 13/07/1999, além
de assinar as planilhas referentes às medições mencionadas, fl. 87 do anexo
27.

159. Nesses dois instrumentos firmados pelo denunciado JOSÉ


JAILSON em que ele foi inegavelmente o ordenador de despesa teria sido
constatado o desvio, através de sobrepreço e superfaturamento por divergência
de quantitativos no montante de R$ 7.612.412,57 (sete milhões, seiscentos e
doze mil, quatrocentos e doze reais e cinqüenta e sete centavos).

160. Os desvios mencionados pelo MPF concernem aos seguintes itens


do Contrato nº 01/97(fls. 107/126 do Anexo 29): I – Sobrepreço no
fornecimento e instalação do túnel NATM – diâmetro 3,00m, tal irregularidade
contempla verbas federais transferidas e fora calculado pelo TCU na cifra de
R$ 5.527.227,88 (cinco milhões, quinhentos e vinte e sete mil, duzentos e vinte
e sete reais e oitenta e oito centavos). II – Sobrepreço e divergência de
quantitativos nos serviços de escavação mecânica, material de 1ª categoria,
qualquer profundidade – resultante de repasses de verbas federais fls. 109/110
do anexo 29 no valor de R$ 1.439.150,13 (um milhão, quatrocentos e trinta e
nove mil, cento e cinqüenta reais e treze centavos). III – Sobrepreço e
divergência de carga e transporte para aterros e bota-foras, até 8km do
material escavado, atingindo R$ 532.796,00 (quinhentos e trinta e dois mil,
setecentos e noventa e seis reais). IV – Sobrepreço no fornecimento, preparo e
lançamento de lastro de concreto FCK 18 Mpa, calculado pelo TCU em R$
30.291,32 (trinta mil, duzentos e noventa e um reais e trinta e dois centavos). V
– Sobrepreço no fornecimento, corte e armação do aço para armadura –
valores também repassados pela esfera federal no valor de R$ 36.884,64
(trinta e seis mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e sessenta e quatro
centavos). VI – Sobrepreço no fornecimento e aplicação de forma de madeira

FWSD ACR 10907/AL 45


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no valor de R$ 21.369,32 (vinte e um mil, trezentos e sessenta e nove reais e


trinta e dois centavos). VII – Sobrepreço na limpeza da camada superficial do
terreno com raspagem, destoc e remoção no valor de R$ 21.976,46(vinte e um
mil, novecentos e setenta e seis reais e quarenta e seis centavos). VIII –
Sobrepreço no reaterro compactado manualmente R$ 1.274,90. IX –
Fornecimento, preparo e lançamento de lastro de concreto magro FCK 13,5,
Mpa, R$ 1.209,00. X – Sobrepreço no reaterro compactado com controle de
compactação no valor de R$ 142,74.

161. O MPF alvitra que o denunciado fora mencionado como


responsável por diversas irregularidades levadas a efeito durante a sua gestão
na Secretaria de Infraestrutura, dentre as quais a responsabilidade pela
inclusão indevida, como serviço extra, das medições que envolvem a execução
dos poços de visita, valores superfaturados pela divergência de quantitativos,
totalizando o valor de R$ 1.500.800,00 (um milhão, quinhentos mil e
oitocentos reais) em recursos desviados da execução do objeto do Contrato nº
01/97, fl. 103 do Anexo 29.

162. Destaca-se o superfaturamento pela divergência de quantitativos


no valor de R$ 1.640.135,01 (um milhão, seiscentos e quarenta mil, cento e
trinta e cinco reais e um centavo, relativo à escavação mecânica, material de
primeira categoria, qualquer profundidade e carga e transporte para aterros e
bota-foras. Até 8 km do material escavado, tabelas fls. 109/113 do anexo 29,
superfaturamento que teve lugar, no encaminhamento de verbas oriundas dos
instrumentos de repasses firmados pelo denunciado, Convênio MIN 199/99 e o
Contrato de Repasse SEDU/CAIXA CT nº 0129284-46/2001, já que dos R$
4.330.378,89 (quatro milhões, trezentos e trinta mil, trezentos e setenta e oito
reais e oitenta e nove centavos) liberados para a execução dos dois itens
referidos, R$ 1.971.946,13(um milhão, novecentos e setenta e um mil,
novecentos e quarenta e seis reais e treze centavos) foram liberados pelos
instrumentos de repasses referidos.

163. A defesa de JOSÉ JAILSON propugna pelo cerceamento de defesa


face à negativa da elaboração das perícias requeridas, argúi ter sido
ordenador de despesa, resultando, então, não constituir os fatos narrados
infração penal, pondera a impossibilidade de configuração do sobrepreço e do
superfaturamento, pondera que não pode ser responsabilizado por atos dos
subordinados, sustenta a prescrição do crime de quadrilha e a ausência de
ilegalidade nos pagamentos efetuados à CIPESA.

164. Nas razões finais o MPF a respeito de JOSÉ JAILSON conclui,


assim, em face das condutas delitivas acima delineadas, o denunciado deve
responder nas penas do artigo 312, caput, segunda parte do Código Penal
(peculato-desvio), por haver concorrido com o repasse ilegal à empresa
CIPESA dos importes de R$ 7.354.377,81 (sete milhões, trezentos e cinqüenta e
quatro mil, trezentos e setenta e sete reais e oitenta e um centavos),
relativamente ao Convênio nº 199/99 e do Contrato de Repasse SEDU/CAIXA
CT nº 0129284-46/2001 e R$ 1.116.016,65 (um milhão, cento e dezesseis mil,

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dezesseis reais e sessenta e cinco centavos), relativos ao Convênio 022/98,


excluído o pagamento da primeira medição. Isso além de parte significativa
dos R$ 2.391.312,51 (dois milhões, trezentos e noventa e um mil, trezentos e
doze reais e cinqüenta e um centavos, excluídos os pagamentos da primeira e
segunda medições que foram efetuados no governo do denunciado Manoel
Gomes de Barros, referentes ao desvio identificado no âmbito do Contrato de
repasse MPO/CAIXA CT nº 0049491-43/97.

165. Os documentos comprobatórios das condutas delitivas de JOSÉ


JAILSON ROCHA estão minudentemente descritas pelo MPF no anexo 27, às
fls. 87.

166. Neste passo, entendo comprovada a acusação formulada contra o


réu no que tange ao delito de peculato, onde se encontram demonstrados
pagamentos realizados, relatórios de execução físico-financeiro, planilhas de
pagamentos de uma obra que fora realizada absolutamente em fraude ao
erário.

Em relação a esse Apelante, data maxima venia, entendo que a r. sentença apelada
laborou em erro de julgamento. Explico. No caso dos autos não vislumbro a existência de provas
de que o acusado tivesse conhecimento da existência de sobrepreço e superfaturamento nos
pagamentos que autorizou. Diferente do acusado Ademir Cabral, que além de Secretário de
Infraestrutura funcionou também como Presidente da Comissão de Licitações, José Jailson
somente assumiu suas funções como Secretário de Infraestrutura em julho de 1999, dois anos
após a realização do processo licitatório, ocasião em que foram estabelecidos os preços da
contratação, de modo que o acusado não teve nenhuma participação, direta ou indireta, na
contratação de valores acima do preço de mercado que ocasionaram prejuízo ao erário.

Sua participação, conforme narrativa do Ministério Público Federal, deu-se com a


assinatura de termos aditivos ao contrato. Ocorre que, data venia do alegado, entendo que não
seria razoável exigir do Secretário de Infraestrutura que, por ocasião da assinatura de aditivos de
contrato já formalizado, fizesse rigoroso escrutínio para reconstruir fatos ocorridos há cerca de
dois anos antes, a fim de verificar eventual ocorrência de irregularidades no processo de licitação.
Não tenho conhecimento de nenhum administrador, por mais diligente que seja, o qual se acerque
de cuidados que tais na forma exigida pelo Ministério Público Federal; outrossim, entendo que
sua mera condição de autoridade responsável pela ordenação de despesa não pode levar à
presunção de conhecimento das ilicitudes praticadas, como quer fazer crer a acusação.

Restaria, ainda assim, a possibilidade de imputar a responsabilidade criminal ao


Apelante pelo superfaturamento decorrente de divergências de quantitativos de escavação. Ocorre
que, nesse ponto específico, o Tribunal de Contas da União isentou o acusado totalmente de
qualquer responsabilidade, com os seguintes fundamentos:

Análise

213. O fato de não exercer o cargo de Secretário de Estado na época


de realização da licitação ou da celebração do Contrato 01/97 não afasta a
responsabilidade em relação aos atos impugnados por meio do ofício de

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citação, haja vista que esses atos referem-se à divergência de quantitativos e


inclusão/execução de poços de visitas no objeto do contrato, ambos os fatos
ocorridos durante a execução do contrato, não estando relacionados com o
certame licitatório ou com a celebração do contrato.

214. O defendente expõe que não poderia ser responsabilizado por


ações cometidas por terceiros. A análise acerca da responsabilidade por atos
cometidos por terceiros, em especial quando subalternos, deve ser analisada
em cada caso concreto, pois não há como desconsiderar automaticamente a
responsabilidade da autoridade superior. A autoridade superior tem o poder-
dever de fiscalizar os atos de seus subordinados e, ao anuir os atos desses
subordinados, o superior também se responsabiliza, cabendo a ele arguir
qualquer falha na condução do procedimento, sendo essa a razão de ser do
poder hierárquico (nesse sentido, trecho do voto condutor do Acórdão
406/2002-TCU-1ª Câmara). Dessa forma, passamos à análise dos fatos
trazidos pelo defendente.

215. Acerca da realização da concorrência pública e da confecção dos


preços unitários, assiste razão ao defendente na alegação de que não teria
responsabilidade por esses atos, haja vista não ter qualquer relação com o
procedimento licitatório e com a formalização do contrato. Porém, ressalta-se
que não existe no ofício de citação qualquer referência à responsabilização do
defendente relacionada com a realização da concorrência pública e confecção
dos preços unitários.

216. No que tange à divergência dos quantitativos de serviços


executados/pagos referentes aos itens ‘escavação’ e ‘carga e transporte’, é
pertinente avaliar como eram promovidos os processos de pagamento.
Conforme consta na instrução técnica que subsidiou a citação dos
responsáveis (folhas 87/93, volume principal), as glosas das medições foram
realizadas na ordem inversa da cronológica e alcançaram a 12ª, 7ª, 4ª e 3ª
medição. Analisando a cópia dos processos de pagamento existentes nesses
autos, constata-se a tramitação entre diversos setores da Serveal e da
Seinfra/A L, até que o processo chegasse ao Secretário de Estado para
autorizar o pagamento. Nos processos de pagamento, constam despachos dos
engenheiros responsáveis pela fiscalização e de seus superiores imediatos
(chefe do Setor de Obras, Diretor Técnico, Presidente do órgão).

217. Analisando esse caso concreto e considerando: o aspecto técnico


desse serviço; a necessidade de acompanhamento in loco da execução dos
serviços pela contratada; a necessidade de processamento dos dados obtidos
em campo para cálculo e conferência das planilhas apresentadas; a
tramitação dos processos de pagamento por diversos órgãos técnicos da
Serveal e da Seinfra/A L, conclui-se que não seria razoável impor ao
Secretário de Estado a responsabilidade pela conferência dos cálculos das
instâncias hierárquicas inferiores, principalmente quando envolviam serviços
predominantemente de fiscalização (acompanhamento da execução dos
serviços) e foram atestados por uma série de agentes públicos até chegarem

FWSD ACR 10907/AL 48


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ao Secretário. E xigir tais minúcias, para cada pagamento autorizado pelo


titular da Secretaria de Infraestrutura, poderia inviabilizar a gestão
administrativa a cargo do Secretário de Estado.

218. Quanto à alegação acerca da responsabilização de parecerista e


da descaracterização de dolo, culpa ou nexo de causalidade entre a conduta e
o prejuízo, já foi exposto anteriormente que a tese de afastar a
responsabilidade de superior hierárquico pelo fato de seguir pareceres
técnicos/jurídicos deve ser vista com cautela e somente após a análise do caso
concreto. Especificamente em relação à divergência de quantitativos no
processo em apreciação, conforme analisado nos parágrafos anteriores, a
existência de despachos de diversas instâncias administrativas (unidades
técnicas subalternas) e a natureza técnica dos serviços que envolviam
acompanhamento de serviços, medições em campo, realização e conferência de
cálculos mitigam a responsabilidade do defendente e afastam a
responsabilidade solidária pelos débitos atinentes a esses serviços.

219. Dessa forma, acolhem-se as alegações de defesa apresentadas


pelos Sr. José Jailson Rocha em relação à divergência de quantitativos nos
serviços de ‘escavação’ e ‘carga e transporte’, não se aproveitando aos demais
responsáveis solidários.

Penso que nesse ponto assiste razão ao Tribunal de Contas da União e que tal decisão
deve ser considerada na apreciação da responsabilidade penal do Apelante, em relação ao
pagamento de despesas não realizadas, porquanto a condenação criminal exige prova de que o
acusado tinha conhecimento de que a obra não fora executada ou que fora executada apenas em
parte, ou ainda que foi executada com divergências de quantitativos, tendo realizado dolosamente
pagamentos que sabia serem indevidos.

Tal exigência é pressuposto para a condenação, dados os parâmetros estabelecidos pelo


egrégio Supremo Tribunal no julgamento da Ação Penal nº 975, onde se deixou claro que a
aplicação da “teoria do domínio do fato” não prescinde de que o réu detinha ou deveria deter
conhecimento dos fatos, porque, nos termos do voto do Min. Edson Fachin “só tem o domínio do
fato, quem o conhecimento dele”.

Estou convencido, no entanto, data venia do entendimento do juízo sentenciante, que o


Ministério Público Federal não se desincumbiu do ônus de provar que o acusado tinha
conhecimento dos fatos. Impressiona o relato do Apelante quanto aos diversos níveis existentes
entre a ordenação de pagamento entre as medições e o efetivo pagamento autorizado pelo
Secretário de Infraestrutura, que não sofreu impugnação séria por parte da acusação, o qual
passo a reproduzir em seguida:

i) Após a autuação da medição recebida pela construtora, os autos são


encaminhados à Diretoria de Acompanhamento, Fiscalização e
Gerenciamento de Contratos e Obras Públicas, através do Secretário
Adjunto;

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ii) Em seguida, são encaminhados para o Serviço de Engenharia de Alagoas –


SERVEAL para análise das planilhas apresentadas;

iii) No âmbito da SERVEAL, é encaminhado pelo Diretor Presidente à


Diretoria Técnica;

iv) Em seguida, a Diretoria Técnica encaminha ao Setor de Obras para análise


e emissão de parecer;

v) No Setor de Obras, o Chefe do Setor encaminha a uma equipe de


Engenheiros para analisar a medição e apresentar parecer;

vi) Os Engenheiros responsáveis emitem parecer e encaminham os autos ao


Chefe do Setor;

vii) O Chefe do Setor devolve os autos para a Diretoria Técnica;

viii) Posteriormente, a Diretoria Técnica acata o parecer emitido e remete os


autos à Presidência para as considerações finais;

ix) O Diretor Presidente da SERVEAL devolve os autos à Diretoria de


Acompanhamento, Fiscalização e Gerenciamento de Contratos e Obras
Públicas da SEINFRA com o parecer da Diretoria Técnica, acatando o
pleito de liberação da medição;

x) O Diretor de Acompanhamento, Fiscalização e Gerenciamento de Contratos


e Obras Públicas da SEINFRA atesta a medição e evolui os autos ao
Secretário para autorização de empenho e posterior pagamento;

xi) O Secretário Adjunto da SEINFRA encaminha os autos à Diretoria de


Administração e Finanças, autorizando a extração da Nota de Empenho;

xii) O Diretor de Administração e Finanças encaminha ao setor de contabilidade


para verificar se existe dotação orçamentária para o pagamento;

xiii) O Chefe do Setor de Contabilidade atesta a existência de dotação


orçamentária e encaminha a nota de empenho ao Diretor de Administração
de Finanças;

xiv) O Diretor de Administração e Finanças devolve os autos ao Diretor de


Contratos e Obras, para providenciar atesto da Nota Fiscal;

xv) Em seguida os autos são encaminhados ao Secretário de Infraestrutura que


autoriza a transferência das verbas, somente após vistoria da Caixa
Econômica Federal (quanto o convênio envolvia esta instituição);

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xvi) O Gerente da Caixa Econômica Federal, verificando que a prestação de


contas está devidamente formalizada e a inexistência de pendência, só então
disponibiliza os recursos pleiteados.

Dentro desse contexto fático, em que realizados os atos de ordenação de despesas, não
vislumbro como responsabilizar o Apelante pelos pagamentos realizados por serviços não
executados, dado que tais autorizações eram instruídas por diversas intervenções, de variados
órgãos de perfil técnico, de maneira que, para reconhecer a existência do dolo – entendido como a
vontade livre e consciente de praticar o ilícito penal – seria necessário imputar essa
responsabilidade a todos os membros que participaram da cadeia de atos, os quais resultaram em
última análise nos pagamentos, não fazendo sentido presumir que essa responsabilidade caberia
exclusivamente ao Secretário, somente por ser a autoridade que pratica o ato final de autorização.

Enfim, aprecio a inclusão indevida, como serviço extra, das medições que envolvem a
execução dos poços de visita, valores que foram superfaturados via “divergência de
quantitativos”, totalizando o valor de R$ 1.500.800,00 em recursos desviados da execução do
objeto do contrato. O TCU também afastou a responsabilidade do acusado quanto a esse fato,
valendo ressaltar que, nesse ponto, o defeito verificado foi do Edital de Licitação, porque,
segundo o Acórdão 347/2003-TCU-Plenário, o projeto executivo a ser elaborado pela Seinfra/AL
deveria conter a inclusão/previsão da construção de poços de visita nos túneis que interligariam
as lagoas.

Em consequência, pelas razões já exaustivamente explicitadas entendo descabida a


responsabilização do Apelante dado que a origem dos vícios está no processo de licitação e
contratação. Esses fatos apenas por acaso repercutiram durante a gestão do Apelante, na
execução do contrato, mas isso não basta para sua responsabilização, uma vez que o elemento
subjetivo do crime não foi demonstrado pela acusação no curso da instrução processual.

9) Da Apelação de Fernando de Souza.

Fernando de Souza também foi denunciado e condenado pelo cometimento do crime de


peculato desvio, tipificado no art. 312 do Código Penal, por condutas que praticou na condição
de Secretário de Infraestrutura do Governo do Estado de Alagoas. A denúncia descreve as
condutas do acusado, em síntese, da seguinte maneira:

i) Secretário de Infraestrutura na gestão do Governador Ronaldo Lessa durante


o período de 29/6/2005 e 9/6/2006. Fora signatário do Convênio nº 003/05 do
instrumento que totalizou o repasse de R$ 3.410.000,00 para execução do
objeto do Contrato nº 01/97, quase na sua integralidade em recursos federais.

ii) Ademais, segundo a CGU, o denunciado FERNANDO também assinara o


termo de apostilamento do Contrato nº 01/97, atualizando os preços unitários
para a data-base de novembro de 2004, a Relação de Pagamentos de fls. 362
do Anexo 26, no valor de R$ 1.590.000,00; e a Execução de Receita e
Despesa referente ao mesmo valor. Às fls. 412/413 do Anexo 26, consta
ordem bancária, signada pelo denunciado FERNANDO, autorizando o
pagamento à Construtora Gautama, do idêntico valor acima referido.

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iii) Alvitre-se ainda que, do ponto de vista técnico, não haveria como o
denunciado FERNANDO desconhecer a principal irregularidade identificada
pela CGU na execução do Convênio nº 003/05, qual seja, o sobrepreço no
fornecimento e instalação de túnel NATM no valor de R$ 1.687.324,04, haja
vista a sua formação acadêmica (o denunciado é engenheiro), que permitiria
facilmente ao réu identificar a existência de sobrepreço no concernente ao
aludido item.

O Apelante foi condenado, porém, por fatos diversos daqueles descritos na denúncia,
uma vez que transferiu valores da conta específica do Convênio para a conta única do Governo
do Estado de Alagoas, para dar cobertura a pagamentos referentes à folha de salários dos
servidores públicos estaduais e dívidas com a União, com desvio de finalidade. Senão, veja-se:

197. Pela análise da conduta do denunciado verifico que a autoria


delitiva imputada ao denunciado FERNANDO DE SOUZA, encontra-se,
portanto, suficientemente demonstrada nos autos, não se dando o caso de
responsabilização penal objetiva do réu, eis que demonstrado o nexo de
causalidade entre sua conduta e o dano causado ao Erário, assim como o dolo
do agente no caso, pelo que a condenação pela prática do delito de peculato é,
de fato, medida que se impõe no caso comprovada e confessada a transferência
de valores da conta específica do Convênio por meio de TED nos dias
23/12/2005, R$ 1.000,00, fls. 777 dos autos e 27/12/2005, R$ 600.000,00, fls.
778 dos autos para a conta única do Governo do Estado de Alagoas, para dar
cobertura a pagamentos referentes à folha de salários dos servidores públicos
estaduais e dívidas com a União, ou seja, com desvio de finalidade. Tais
valores somente voltaram para conta correta em 31/01/2006 e 21/02/2006,
respectivamente, ainda sem quaisquer acréscimos, contrariando o artigo 20,
parágrafos 1º a 4º da IN 1/STN/97, fls. 392 dos autos. Apenas em 17/05/2006
foi realizado o depósito na conta do convênio no valor de R$ 22.000,00, em
tese referente ao rendimento financeiro dos recursos que haviam sido
desviados, fato que na opinião do MPF não elide as irregularidades praticadas
e avulta a todos os olhos a conduta criminosa e a prática da Administração de
confundir dolosamente verbas e destinações na aplicação do dinheiro obtido
nos convênios sob análise. Entendo assim, restar comprovada a conduta ilícita
do mencionado réu.

Ainda que se tenha por verdadeira a imputação feita na r. sentença apelada contra o
acusado, sucede que, na descrição da denúncia não existe tal acusação. Ora, em situação
análoga, no julgamento da Ação Penal nº 975, o egrégio Supremo Tribunal Federal reconheceu
de ofício a nulidade da sentença, ao fundamento de que a condenação do acusado não poderia
desbordar das imputações que foram descritas na denúncia, sob pena de inobservância do
princípio da congruência. É o que se lê do voto do eminente Min. Celso de Mello, no excerto que
transcrevo:

É sempre importante relembrar, Senhor Presidente, considerados os


princípios constitucionais que regem o processo penal condenatório em nosso
sistema jurídico, que o réu não pode ser condenado por fatos cuja descrição
não se contenha, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, impondo-

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se, por tal razão, ao Estado, em respeito à garantia da plenitude de defesa, a


necessária observância do princípio da correlação entre imputação e sentença
(“quod non est in libello, non est in mundo”).

Na realidade, o que se mostra fundamental é que o Estado respeite, no


âmbito da persecução penal, o princípio da correlação, que impõe a
observância da necessária relação de congruência entre a acusação e a
sentença, em ordem a evitar que o réu venha a ser injustamente surpreendido
por fatos e elementos novos, inexistentes na denúncia, e cujo reconhecimento,
pelo magistrado, possa afetar o “status libertatis” do acusado.

Essencial, portanto, que a peça acusatória, em exposição narrativa,


descreva, com precisão, ainda que implicitamente, o fato e o comportamento
atribuídos ao réu, bem assim as circunstâncias inerentes ao evento delituoso
(RTJ 170/187, v.g.), para que o acusado não sofra qualquer restrição ou
gravame no exercício – que há de ser pleno – do seu direito de defesa:

“(…) ‘MUTATIO LIBELLI’ – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO


ART. 384 DO CPP – SITUAÇÃO INOCORRENTE NA ESPÉCIE
– O réu não pode ser condenado por fatos cuja descrição não se
contenha, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa,
impondo-se, por tal razão, ao Estado, em respeito à garantia da
plenitude de defesa, a necessária observância do princípio da
correlação entre imputação e sentença (‘quod non est in libello, non
est in mundo’).
Cabe ao juiz – quando constatar a existência, nos autos, de prova
evidenciadora de circunstância elementar, não contida, explícita ou
implicitamente, na peça acusatória – adotar, sob pena de nulidade (RT
740/513 – RT 745/650 – RT 762/567), as providências a que se refere o
art. 384 do CPP, que dispõe sobre a ‘mutatio libelli’, ensejando, então,
ao acusado, por efeito da garantia constitucional de defesa, o exercício
das prerrogativas que essa norma legal lhe confere, seja na hipótese de
‘mutatio libelli’ sem aditamento (CPP, art. 384, ‘caput’), seja no caso
de ‘mutatio libelli’ com aditamento (CPP, art. 384, parágrafo único).
Hipóteses inocorrentes na espécie, por se achar configurada mera
situação de ‘emendatio libelli’ (CPP, art. 383). (…).”
(RTJ 201/286-288, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vê-se, daí, que ofenderá o sistema acusatório, tal como estruturado em


nosso ordenamento jurídico, a decisão proferida por magistrado que
pronuncie, de ofício, agravante genérica sequer referida na imputação penal,
ou, então, que reconheça circunstância elementar não constante, explícita ou
implicitamente da denúncia, ou, ainda, que reconheça a prática de fatos
delituosos não descritos na peça de acusação, pois, em assim procedendo, o
juiz incorrerá em evidente desrespeito à garantia constitucional da plenitude
de defesa e do contraditório (RT 424/320 – RT 458/301 – RT 523/525 – RT
555/377 – RT 720/509, v.g.).”

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Nesse passo entendo que assiste razão ao Apelante ao afirmar a existência de erro de
procedimento do juízo a quo causador de invalidade em face da condenação do réu por fato
diverso do contido na denúncia, devendo-se acolher essa preliminar.

De todo modo, entendo que a absolvição do Apelante é medida que se impõe mesmo no
tocante aos fatos que efetivamente lhes foram imputados, pelos fundamentos já explicitados no
julgamento do apelo de José Jailson Rocha. A ausência de responsabilidade deste acusado, aliás,
é ainda mais clara na medida em que ele só assumiu o cargo de Secretário de Infraestrutura em 1º
de julho de 2005, sendo exonerado a pedido em junho de 2006, pouco mais de onze meses depois,
não sendo devida a imputação de responsabilidade ao Apelante por sobrepreço e
superfaturamento resultantes de licitação ocorrida oito anos antes de sua nomeação.

Lado outro, não colhe a alegação do MPF de que o acusado necessariamente deveria ter
percebido o sobrepreço no fornecimento e instalação do túnel NATM. Apesar de sua formação
técnica em engenharia que, em tese, lhe permitiria verificar o sobrepreço praticado, o fato é que o
Apelante não atuou na execução do contrato nessa condição. Entendo, data máxima venia, não
ser cabível condenar o Apelante pelos preços contratados e praticados anos antes de sua
nomeação como Secretário de Infraestrutura, por não ser cabível simplesmente inferir que o
acusado “deveria ter conhecimento do fato” já que a responsabilidade penal exige prova do dolo,
não se bastando em mera presunção.

10) Da Apelação de Denison de Luna Tenório.

A irresignação do Apelante Denison de Luna Tenório pauta-se na alegação de que não


teve participação na prática delitiva, pois, na condição de Diretor de Obras, Contratos e
Convênios da SEINFRA/AL, não tinha atribuições para liberar pagamentos, e que o mero fato de
ter encaminhado a prestação de contas que, inclusive, foram aprovadas, não poderia servir de
fundamento para sua condenação.

Compulsando os autos entendo que a pretensão recursal do Apelante deve ser acolhida.

O envolvimento de Denison de Luna Tenório com os fatos se deu na condição de Diretor


de Obras, Contratos e Convênios da Secretaria de Infraestrutura do Estado de Alagoas, durante a
execução do Convênio nº 003/2005, que teria resultado no desvio de recursos públicos,
constatado em fiscalização da Controladoria Geral da União, decorrente: a) do sobrepreço no
fornecimento e instalação do túnel NATM; b) ausência de comprovação de aplicação da
contrapartida obrigatória; c) do pagamento de despesas não comprovadas e d) de diferenças entre
o declarado nas prestações de contas parciais e nos boletins de medição.

De início, cumpre gizar que não se poderia responsabilizar o Apelante apenas por ter
encaminhado a prestação de contas, já que não atuava como ordenador de despesas e sim como
responsável técnico pela obra.

O Ministério Público Federal acusa o Apelante pela transferência de valores da conta


específica do convênio para a conta única do Governo de Alagoas e do desvio de parte dos
rendimentos dos recursos do convênio em aplicações financeiras, mas essas imputações mostram-
se impertinentes já que, pela sua função e atribuições dentro da estrutura da administração – que
não lhe conferiam a possibilidade de autorizar despesas ou gerir recursos –, o acusado não teria

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como ingerir em tais fatos e, por isso mesmo, não poderia ser penalmente responsabilizado por
desvios dessa natureza.

Na realidade, bem examinada a sentença, o principal fundamento da condenação do


Apelante foi o fato de que teria atestado a execução de serviços que não foram realizados, na
ordem de milhões de reais. Contudo, data vênia do entendimento do juízo de primeiro grau,
verifico que, no tocante a esse ponto, a denúncia imputou ao Apelante apenas divergências de
pequena monta no pagamento de despesas não comprovadas, em aproximadamente R$ 43 mil, e
diferenças entre o declarado nas prestações de contas e nos boletins de medição, de quase R$ 16
mil reais, não o acusando de outras irregularidades.

Cotejados com o montante total das despesas atestadas pelo Apelante que, nos termos da
r. sentença apelada, giravam em R$ 3,4 milhões de reais, tais valores afiguram-se pouco
significativos. Aliás, especificamente no que se refere à diferença de R$ 43 mil reais, consta dos
autos que as despesas foram posteriores às prestações de contas parciais apresentadas pelo
Apelante – não foi ele o responsável por essa prestação de contas –, o que fragiliza sobremaneira
a acusação do Ministério Público Federal, não sendo suficiente para imputar-lhe a prática de
crime de tal gravidade como peculato-desvio a alegada omissão em diligenciar a retificação do
defeito verificado, antes do momento oportuno que seria a prestação final das contas.

Por derradeiro, data máxima vênia do entendimento do juízo de primeiro grau, entendo
não ser possível imputar ao Apelante a responsabilidade pelo fato de maior gravidade, consistente
no sobrepreço constatado pela CGU no fornecimento e instalação do túnel NATM, na ordem de
aproximadamente R$ 1,7 milhões de reais.

Isso porque, a exemplo do acusado Fernando Souza, apesar da formação técnica do


acusado em o fato é que não há provas de que tenha sido o Apelante responsável pela elaboração
das planilhas orçamentárias utilizadas no processo licitatório que resultaram a formação do
preço. Consta dos autos que o plano de trabalho das obras foi apresentado no ano de 1997, cinco
anos antes da designação do Apelante para a função de Diretor de Obras, Contratos e Convênios
da Secretaria de Infraestrutura do Estado de Alagoas, ocorrida no ano de 2003, sendo que o
Convênio nº 003/2005 foi antecedido por outros quatro ajustes anteriores.

Assim, embora fosse responsável técnico pela obra, exorbita do razoável responsabilizar
o Apelante pelos preços contratados e praticados antes mesmo que assumisse a função, ao
fundamento de que deveria ter conhecimento do fato, mesmo porque a composição do preço não
se limita ao valor dos insumos, envolvendo outros elementos que são acrescidos e considerados
(mão-de-obra, despesas indiretas etc.), mesmo no preço unitário, de maneira que, em regra,
somente uma revisão técnica e contábil detalhada tem aptidão para identificar situações desse
jaez. Nessas circunstâncias, reputo que subsiste dúvida fundada quanto ao efetivo conhecimento
das irregularidades nos preços praticados por parte do Apelante, sendo devida sua absolvição
pela insuficiência de provas que justifiquem o juízo condenatório, com base no princípio de que a
dúvida favorece o réu (in dubio pro reo).

Do exposto, dou provimento ao recurso para absolver o Apelante, prejudicada a apelação


no tocante à dosimetria da pena.

11) Da Apelação de Zuleido Soares de Veras.

FWSD ACR 10907/AL 55


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Zuleido Soares de Veras foi denunciado pelo Ministério Público Federal porque, como
sócio majoritário no exercício das funções de “Diretor-Superintendente”, atuou como
representante da Construtora Gautama, empresa vencedora na licitação fraudulenta para
realização das obras de Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, na celebração do Contrato nº
01/97 e do fraudulento instrumento de contratação firmado entre a Gautama e a Cipesa, tida pela
acusação como verdadeira dispensa ilegal de licitação.

Os fatos imputados ao acusado estão descritos, em síntese, como segue:

i) As irregularidades acerca do sobrepreço têm origem no procedimento


licitatório que culminou na assinatura do Contrato nº 01/97, firmado entre a
SEINFRA e a Construtora Gautama.

ii) A execução da obra de Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins totalizou


um investimento de R$ 28.875.578,67 em recursos públicos federais, dos
quais R$ 16.423.467,86 foram desviados via sobrepreço e superfaturamento.

iii) Dos valores repassados à Construtora Gautama foi constatado desvio no


montante de R$ 7.731.770,74, descrevendo as irregularidades encontradas
pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria Geral da União.

iv) Há ainda que se falar nos R$ 3.140.935,01 também desviados, segundo o


Tribunal de Contas da União, por meio do expediente fraudulento via
“divergência de quantitativos”, ou seja, a inclusão de mais itens/materiais que
o efetivamente necessário para o término da obra – um clássico e escuso
expediente de superfaturamento de obras públicas.

v) A Construtora Gautama, fraudulentamente escolhida como vencedora da


Concorrência Pública nº 01/97, fora, sem sombra de dúvida, a principal
beneficiária do esquema de sobrepreço/superfaturamento, especialmente por
ser a destinatária final da totalidade dos recursos. Isto, evidentemente, à
exceção das verbas ilegalmente repassadas à Cipesa Engenharia em sede do
fraudulento Instrumento de Subcontratação constante às fls. 282/285 do
Anexo 25.

vi) Como sócio-majoritário e ocupante do mais alto cargo de direção da


Construtora Gautama, o denunciado se beneficiara diretamente do desvio de
verbas públicas destinadas à execução do Contrato nº 01/97, haja vista que,
por sua posição hierárquica na estrutura da empresa, somente a ele,
ZULEIDO, caberia a decisão final sobre as verbas públicas ilicitamente
captadas,

vii) A participação da Gautama e de seu principal gestor e sócio, o denunciado


ZULEIDO, fora central para o sucesso da aludida subcontratação ilegal,
verdadeira dispensa ilegal de licitação.

FWSD ACR 10907/AL 56


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A acusação de dispensa indevida de licitação foi rejeitada pelo juízo a quo, decisão
acolhida neste voto como acertada, restando prejudicado nesta parte o apelo do acusado. Assim,
sua responsabilidade criminal fica cingida à acusação do cometimento de crimes de peculato-
desvio, na forma que se vê da r. sentença apelada, cujos fundamentos transcrevo:

A conduta de Zuleido Soares de Veras

117. Com efeito, diante do Processo de Auditoria nº


00190.018789/2005-88, instruído no âmbito da Controladoria Geral da União
(anexo 27), o Parecer Técnico 064/2007 – 5ª CCR, de 24/08/2007, fls. 447/499
do apenso nº 02 do PA nº 1.11.000.000326/2004-30, elaborado pela assessoria
técnica do Ministério Público Federal que concluiu pela ocorrência de graves
irregularidades nos projetos, sobrepreços e superfaturamento, condutas essas
imputadas à SEINFRA e à Construtora Gautama, a Tomada de Contas
Especial, no âmbito do Tribunal de Contas da União, anexo 29, Laudo de
Exame da Obra de Engenharia nº 609/2010, fls. 943/1032 destes autos,
realizado pelo núcleo de criminalística da polícia federal não há como negar
que verbas federais provenientes de convênios com a União foram
indevidamente transferidas para o patrimônio da Construtora Gautama, cujo
responsável é o Sr. Zuleido Soares de Veras.

118. Deduzindo a análise do laudo pericial da polícia federal verifica-


se a ocorrência de superfaturamento devido aos sobrepreços unitários, ao
descrever nas fls. 982/983 que o superfaturamento devido aos sobrepreços
unitários é obtido da soma dos produtos entre as quantidades da perícia e a
diferença entre os respectivos preços unitários contratados e da perícia. O
valor do superfaturamento devidos aos sobrepreços unitários calculados é de
R$ 12.356.513, 76 (doze milhões, trezentos e cinqüenta e seis mil, quinhentos e
treze reais e setenta e seis centavos) na data-base de novembro de 1997. A
maior parcela desse superfaturamento deve-se ao sobrepreço unitário do túnel
NATM de 3,0 m de diâmetro. Para esse serviço, o preço unitário da perícia foi
de R$ 1.999,84 (um mil, novecentos e noventa e nove reais e oitenta e quatro
centavos), enquanto o preço contratado foi de R$ 5.545,00 (cinco mil,
quinhentos e quarenta e cinco reais) o que significa um sobrepreço de
177,27%.

119. Em outro passo do laudo pericial, respondendo ao quesito h, às


fls. 990 deste autos, indagou-se h) houve superfaturamento em alguma etapa
da obra de macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins? E a resposta foi
objetiva, pública e convincente: sim. O superfaturamento devido às
quantidades medidas e não executadas foi de R$ 1.634.790, 73 (um milhão,
seiscentos e trinta e quatro mil, setecentos e noventa reais e setenta e três
centavos). O valor do superfaturamento devido aos sobrepreços unitários
calculado é de R$ 12.356.513,76 (doze milhões, trezentos e cinqüenta e seis
mil, quinhentos e treze reais e setenta e seis centavos).

120. No parecer técnico 064/2007 está exposto que o contrato 01/97


entre o Estado de Alagoas (Secretaria de (Infra-estrutura – SEINFRA) e a

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Construtora Gautama Ltda foi firmado em 12/01/1998, com prazo de obras de


720 dias (fls. 164 a 180 do anexo IV do PA). Em 08/04/1998 a SEINFRA emitiu
ordem de serviço autorizando a Construtora Gautama Ltda dar início às obras
em 14/04/1998. Considerando o prazo de 720 dias consecutivos e ininterruptos
a previsão normal de conclusão da obra seria para 05/04/2000.

121. A peça sobredita, nas fls. 483/485, continua desancando ao


afirmar que a obra sofreu significativo atraso em seu desenvolvimento,
decorrente de descontinuidades no cronograma de liberação de recursos,
necessidade de desapropriações que deveriam ter sido previstas no projeto
básico, de alterações de projeto, até que o Tribunal de Contas da União, em
2002, pela decisão nº 1103/2002, informou à Comissão Mista de Orçamento do
Congresso Nacional que a obra não estava em condições de receber recursos
financeiros até o pronunciamento em definitivo do Tribunal. Foram
encontradas irregularidades de cunho ambiental, fundiário, de inadequação do
projeto básico e referentes à sub-rogação de 50% do contrato da Construtora
Gautama Ltda à Cipesa Engenharia Ltda constatadas na auditoria realizada
em março/2002 – TC 006.250/2002-7.

122. No item 90 do parecer técnico da Procuradoria da República


tem-se que: no anexo III, apresenta-se desenho esquemático e fotografia
obtidas em visita realizada em 12/06/2007, que ilustram a situação atual das
obras. A lagoa 1 encontra-se aparentemente concluída e cercada, a lagoa 2-3
encontra-se apenas escavada, faltando os dissipadores de energia, valetas de
proteção dos taludes, cercamento (que teria sido implantado e destruído) e
obras definitivas do emboque do extravasor com limitador de vazão. O projeto
original foi alterado e não foi executado nesta etapa de interligação da lagoa
IV à lagoa 2-3 (na documentação disponível não constam registros precisos
dessa alteração, mas consta que o projeto básico foi readequado em maio/98
deixando de constar a ligação da lagoa IV à lagoa 2-3 (fl. 07 do anexo XII do
PA). Não foi concluído o túnel “NATM” que liga a lagoa 1 à lagoa 2-3 (existia
uma galeria de ligação). Foi executado o túnel “NATM” que liga a lagoa 2-3
ao córrego jacarecica. Não foram executadas as obras de dissipação de
energia na chegada do túnel ao jacarecica. Não foram executadas as
importantes obras previstas pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas no
processo de licenciamento ambiental.

123. O mencionado parecer alvitra que durante a inspeção ao local


em 12/06/2007, verificou-se que as obras apresentam aspecto de abandono e a
poluição e os danos ao meio ambiente tendem a aumentar. A população,
especialmente da área da bacia do jacarecica está sofrendo danos ao
patrimônio e não visualiza perspectiva de solução. E, ao final, expõe, em
resumo, graves irregularidade nos projetos, processo de licitação, de sobre-
preços e de superfaturamento, de desrespeito a legislação de proteção ao meio-
ambiente que são de responsabilidade do órgão estadual contratante e da
Construtora Gautama Ltda.

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124. O Tribunal de Contas da União, anexo 29, encontrou evidências


de superfaturamento da importância de R$ 14.377.601,46 (quatorze milhões,
trezentos e setenta e sete mil, seiscentos e um reais e quarenta e seis centavos),
com data-base de novembro de 1997.

125. A materialidade do delito de peculato encontra-se, portanto,


amplamente demonstrada nos autos.

126. No que tange à autoria delitiva, contudo, alega o denunciado,


ZULEIDO SOARES DE VERAS, na petição de fls. 1172/1178, a inépcia da
denúncia, o erro na capitulação legal, da conceituação legal de funcionário
público e a inclusão do denunciado na fraude à licitação e a prescrição quanto
à dispensa ilegal da licitação. Na petição de 1870/1884 à guisa de razões
finais, vitupera o denunciado a negativa de realização de perícia para
constatação da realização da obra ou de parte dela, pleiteando pela
declaração do cerceamento de defesa, questiona a conceituação legal de
funcionário público, pleiteia a extinção da pretensão punitiva, no que tange
aos fatos nega o superfaturamento de preços sob a alegação de que tal pratica
necessitaria de participação de alto funcionário do Ministério, uma que todos
os pagamentos só eram liberados com a aprovação das medições e não há
nenhuma palavra mencionando alguém e a impossibilidade de sobrepreço ou
superfaturamento porque se isto tivesse ocorrido não teria sido a Construtora
Gautama a vencedora do certame licitatório. Menciona exaustivamente a
prescrição e defende a subcontratação.

127. No depoimento de fls. 1389/1391, o réu ZULEIDO SOARES DE


VERAS pretende transferir a responsabilidade pela contratação para um
terceiro suposto diretor, mas o que consta nos autos é o contrato firmado pelo
denunciado, cuja cópia se encontra às fls. 164/180 do anexo 11 do PA
1.11.000.000326/2004-30 e na fase de julgamento das propostas, fls. 141 do
PA antes mencionado, uma sra. de nome Maria de Fátima Palmeira Freire de
Carvalho, circunstância que demonstra, então, ser o próprio Sr, Zuleido
Soares de Veras o responsável pelos atos praticados pela Construtora
Gautama e apreciados neste julgamento.

128. Além disso, reitera que não foi feita perícia e que apresentara
laudo perante o TCU que não fora aceito, mas tal documento não foi juntado
aos presentes autos para supedanear os argumentos de realização das obras
pagas pelo poder público e a inocorrência de superfaturamento e sobrepreço.

129. Importante registrar que estes pontos foram discutidos


exaustivamente nos itens 36 a 52 acima os quais servem como argumento deste
tópico da sentença os quais deixo de transcrever para não deixar a peça
deveras repetitiva.

130. O denunciado questiona também a conceituação legal de


funcionário público equiparado na data do fato típico, ponderando que o
peculato é crime próprio somente podendo ser praticado por funcionário

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público, repetindo que o agente deste crime tem que ser funcionário público. A
esse respeito considere-se que a conduta descrita no art. 312 do Código Penal
traz como circunstância elementar do tipo que a ação seja praticada por
funcionário público, vale dizer, é crime próprio, porém é pacífico aplicar-se a
esses casos o artigo 30 do Código Penal que dispõe não se comunicar as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime, restando demonstrado nos autos à participação de ZULEIDO SOARES
DE VERAS no conluio do qual resultou o desvio de dinheiro público da União
Federal.

131. Nesse sentido é a preleção de Guilherme de Souza Nucci:1

“Há determinadas circunstâncias ou condições de caráter pessoal que


são integrantes do tipo penal incriminador, de modo que, pela expressa
disposição legal, nessa hipótese, transmitem-se aos demais co-autores
e partícipes. Ex.: se duas pessoas- uma, funcionária pública, outra,
estranha à administração – praticam conduta de subtrair bens de uma
repartição pública, cometem peculato-furto (art. 312, § 1º, CP), a
condição pessoal – ser funcionário público – é elementar do delito de
peculato, motivo pelo qual transmitem-se ao co-autor”.

132. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem firme jurisprudência em


casos semelhantes, sufragando a mesma tese alvitrada nesta sentença:

“HABEAS CORPUS. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO.


DL 201/67.(...)
5. Em se tratando de elementar do crime de peculato, é perfeitamente
admissível, segundo o texto do art. 30 do Código Penal, a comunicação
de circunstância da função pública aos co-autores e partícipes do
crime, inclusive quanto àquele estranho ao serviço público.
(...)
(HC 30832/PB, rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, j. em 18/03/2004,
DJ 19/04/204, p. 219)”.

133. O Tribunal Federal da 5ª Região também tem adotado este


entendimento, conforme se nota nos precedentes transcritos abaixo:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. (...) CONCURSO DE AGENTES E


DE CRIMES. ARTS. 312, § 1º C/C 71 DO CP (PECULATO). ART.
168, C/C 29 E 71 DO CP (APROPRIAÇÃO INDÉBITA). UM DOS
APELANTES ERA EX-FUNCIONÁRIO DA CEF NA OCASIÃO DOS
FATOS. CIRCUNSTÂNCIA PESSOAL ELEMENTAR DO CRIME DE
PECULATO QUE SE COMUNICA AOS DEMAIS CO-APELANTES.
(...).

1 NUCCI, Guilherme de Souza: Código penal comentado . 8ª edição atualizada e ampliada. São
Paulo. RT, 2008, nota 17, p. 298.

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3-Crime de peculato pelo depósito indevido de cheques nominais à


CEF e à receita federal, de emissão de pessoas jurídicas, em contas de
terceiros.(...)
5-Concurso subjetivo entre um dos apelantes, ex-funcionário da CEF e
os demais, nos termos do art. 327, § 1º, do Código Penal, aquele que
se equipara a funcionário público para os efeitos penais transmitindo-
se, pois, aquela condição pessoal elementar do crime de peculato que
se espraia aos co-autores do crime(...)
(ACR 3.652/RN, rel. Des. José Baptista de Almeida Filho, 2ª Turma, j.,
em 20/06/2006, DJ 25/07/2006, p., 471).

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARGUIÇÃO DE


INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PECULATO.
SERVIDOR PÚBLICO. ELEMENTAR DO CRIME. COMUNICAÇÃO
DA CIRCUNSTÂNCIA PARTICULAR. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
(...)
-Não merece prosperar a alegação do paciente de que não pode ser
incurso nas penas do art. 312 do CP, por não ser servidor público,
levando-se em consideração que em se tratando de elementar do crime
de peculato, é perfeitamente admissível, segundo texto do art. 30 do
Código Penal, a comunicação da circunstância da função pública aos
co-autores e partícipes do crime, inclusive quanto àquele estranho ao
serviço público.
(...)
(HC 3.248/PB, rel. Des. Hélio Silvio Ourem Campos, 4ª Turma, julg.
em, 01/07/2008, DJ 28/07/2008, p. 125).

134. Vê-se, portanto, que resta sobejamente comprovado nos autos que
o desvio de dinheiro público para o patrimônio de ZULEIDO sem qualquer
justificativa, sem qualquer previsão legal, através de pagamentos indevidos
formalizados pela confirmação fraudulenta de que trechos de obras foram
realizados, quando, em verdade, ou nada fora construído, ou construído fora
de qualquer especificação técnica, ambiental, ética e jurídica.

135. A autoria delitiva imputada a Zuleido Soares de Veras encontra-


se, portanto, suficientemente demonstrada nos autos, não se dando o caso de
responsabilização objetiva do réu, ou de perseguição injustificada pelos
órgãos do Estado, eis que demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta
do mencionado senhor e o dano causado ao Erário, assim como o dolo do
agente no caso, pelo que a condenação pela prática de peculato é, de fato,
medida que se impõe.

Penso que a r. sentença apelada não merece reparos, sendo devida a condenação do
acusado pois é indiscutível que ele foi o principal responsável e maior beneficiado pela
contratação com sobrepreço e superfaturamento, além do pagamento indevido por serviços não
executados, apropriando-se ilicitamente de recursos públicos em prejuízo ao erário.

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Impende gizar que esses fatos foram analisados pelo Tribunal de Contas o qual chegou a
conclusões semelhantes àquelas que se encontram nos exames da Polícia Federal e da CGU,
acolhidas pelo juízo a quo.

Com efeito, o Acórdão nº 1814-25/14-P do TCU, que julgou a Tomada de Contas


Especial nº 017.54/2007-0, indicou a existência de sobrepreço e superfaturamento em vários
itens contratados, além de graves divergências no quantitativo de serviços executados e pagos,
nomeadamente na escavação, carga e transporte, imputando à empresa Gautama débito de R$
5.762.796,52 (cinco milhões, setecentos e sessenta e dois mil, setecentos e noventa e seis reais e
cinquenta e dois centavos), o qual é muito expressivo, posto que abaixo da quantia de R$
7.731.770,74 (sete milhões, setecentos e trinta e um mil, setecentos e setenta reais e setenta e
quatro centavos), cujo desvio foi imputado ao réu nesta ação penal.

Em respeito à materialidade delitiva, aliás, tenho que a alegação do réu de que não
poderia ter havido sobrepreço apenas porque sua empresa foi vencedora no certame chega a ser
pueril, eis que a denúncia explicou de forma minuciosa os artifícios utilizados pelos acusados na
trama criminosa que resultaram na aprovação de proposta que, posto fosse menor no preço
global, era desvantajosa à administração e ensejou pagamentos indevidos por serviços em preços
acima do mercado, além de outros não executados. Ainda assim, para melhor esclarecimento dos
fatos, a fim de que não reste nenhuma dúvida, passo a transcrever a narrativa da denúncia
quando explica os artifícios utilizados pelos réus, inclusive se valendo de jogo de planilhas
orçamentárias para que ficasse com preço inferior, embora com proposta menos vantajosa para a
Administração, como se vê em seguida:

d.2) Evidência irrefutável do direcionamento da licitação à


Construtora Gautama no que toca à indicação da extensão do túnel N A T M
que ligaria a Lagoa 2-3 à 4, já que seria 30m e não 1.088 (comparar fls. 69 e
182 do Anexo 11), conforme previsto no Edital. A diferença relativa à
distância do aludido túnel, conforme apontado pelo engenheiro José Vieira
Passos Filho, na “Revisão e Comentários ao Projeto da Macrodrenagem do
Grande Tabuleiro” (Anexo 02), diminuiria o valor do projeto em R$
3.500.000,00, ficando seu valor global em R$ 31.651.592,60, acrescentando-
se, a este valor, apenas uma média de R$ 1.000.000,00 pelas desapropriações
na área, o que totalizaria R$ 32.651.592,60 (fls. 19 do Anexo 02). A
Construtora Gautama apresentou preço menor neste item específico,
apresentando parâmetros diferentes no quantitativo da SENERG (fls. 69 do
Anexo 11), que previa 1.088m para construção de túnel NATM, enquanto que o
da citada empresa previa a construção de 30m de Túnel LINNER (fls. 186 do
Anexo 11), o que deveria ter causado, por si só, sua desclassificação no
certame. Tal item, considerado isoladamente, importou na quantia, a menor,
de R$ 4.195.607,50, o que tornou a proposta da Gautama, fraudulentamente,
mais vantajosa. A proposta da segunda colocada Queiroz Galvão, por
exemplo, levou em conta os 1.088m do orçamento da SENERG, tendo
apresentado proposta, portanto, com base diferente da proposta da Gautama.
Importante salientar, ainda, que, para compensar tal item com valor total
inferior, a Gautama aumentou significativamente os quantitativos em outros
itens, a exemplo da “Mobilização de máquinas e equipamentos”, apresentando
o valor de R$ 353.700,00 (fls. 181 do Anexo 11) contra R$ 50.000,00 do

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orçamento da SENERG (fls. 66 do Anexo 11). Note-se que, tratando-se de um


dos serviços iniciais da obra, houve, claramente, a intenção de buscar a
antecipação do recebimento de recursos contratuais por parte da empresa.

d.3) O flagrante jogo de planilha orçamentária realizado pela


empresa Gautama, com a aquiescência tácita da Administração, no que se
refere ao item 4.2 “Escavação de material de 1ª categoria em qualquer
profundidade” do orçamento da SENERG. É que, consoante apontado pelos
técnicos do TCU às fls. 23 do Anexo 23, a SE N E RG apresentou preço
unitário de R$ 2,26/m3, enquanto a proposta da Gautama apresentava preço
unitário de R$ 5,67/m3 (fls. 66 e 182, Anexo 11). Tratava-se de item de maior
impacto no orçamento, o que acarretou uma diferença de preço de R$
9.501.958,18. Para compensar essa diferença a Gautama reduziu os preços,
relativamente, a outros itens. A escavação, destaque-se está entre os primeiros
serviços a serem realizados na obra, o que evidencia novamente a tentativa de
buscar a antecipação de receitas. Assim, mediante tal jogo de planilha, o
preço total da Gautama ficasse inferior ao da segunda colocada Queiroz
Galvão, embora com uma proposta menos vantajosa para a Administração.
Foram comparadas, portanto, propostas com bases diferentes, o que feriu o
princípio da igualdade na concorrência, consoante ressaltaram os técnicos
C G U na Auditoria constante do Anexo 27 (fls. 18/25), demonstrando o
favorecimento explícito e ilegal da Construtora Gautama, de propriedade do
denunciado Zuleido Veras.

A narrativa da denúncia, ao explicar os mecanismos ilegítimos empregados pelo réu para


propiciar o desvio de recursos públicos desmistifica a alegação da defesa de que, se houvesse
sobrepreço ou superfaturamento sua proposta não seria de menor preço. Na realidade o
sobrepreço e superfaturamento existiram, apenas foram compensados mediante jogo de planilhas
com outros serviços o que, a rigor, deveria ter ensejado a desqualificação da proposta da
construtora Gautama, o que somente não ocorreu devido ao conluio existente entre os acusados
Ademir Cabral e Zuleido Veras, que assegurou a aprovação de sua proposta como forma de
propiciar o desvio de recursos públicos.

Como se vê, as irresignações do Apelantes são infundadas, devendo-se manter sua a


condenação pelos crimes que cometeu em prejuízo ao erário, confirmando a r. sentença apelada
pelos seus próprios fundamentos, os quais tenho como incorporados como razões de decidir deste
voto.

12) Da dosimetria da pena.

Passo a examinar a dosimetria das penas aplicadas aos acusados cuja condenação resta
mantida, Ademir Pereira Cabral e Zuleido Soares de Veras.

a) Ademir Pereira Cabral.

Tenho por iniciar com a transcrição dos fundamentos do juízo a quo na aplicação das
penas ao réu em questão:

FWSD ACR 10907/AL 63


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376. Em relação ao réu ADEMIR PEREIRA CABRAL, em observância


às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, passo a valorá-las no
caso concreto:

a) No tocante à culpabilidade, observo que esta é circunstância


judicial que deve ser sopesada em desfavor do réu, que, no contexto delitivo,
idealizou e conduziu, na condição de Secretário de Infra-Estrutura do Estado
de Alagoas a realização do pagamento de R$ 1.000.000,00. Consta nos autos,
pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) de valores da União
Federal que foram pagos pelo Estado de Alagoas, através dos cheques do
Banco do Brasil 951034 no valor de R$ 442.440,38 (quatrocentos e quarenta e
dois mil, quatrocentos e quarenta reais e trinta e oito centavos), 951033
também no valor de R$ 442.440,38 (quatrocentos e quarenta e dois mil,
quatrocentos e quarenta centavos e trinta e oito centavos), em favor da
Gautama e da Cipesa e outro cheque também do Banco do Brasil 951032 no
valor de R$ 115.119,23 (cento e quinze mil, cento e dezenove reais e vinte e
três centavos), totalizando o valor redondo de R$ 1.000.000,00, em que a
Comissão de Licitação foi formada dentre outros por ADEMIR PEREIRA
CABRAL, fls. 82/83 do anexo 29 PA nº 1.11.000.000326/2004-30, a relação
dos bens adquiridos, produzidos ou construídos com recursos da União foi
assinada unicamente por ADEMIR PEREIRA CABRAL, FL. 245 DO ANEXO
16, PA 1.11.000.000326/2004-30, o relatório de execução físico-financeira da
Secretaria de Infraestrutura – SEINFRA, do Governo do Estado de Alagoas, fl.
238 e 241 do mesmo PA 1.11.000.000326/2004-30 foram assinados por
ADEMIR PEREIRA CABRAL e os cheques acima descritos que transferem o
dinheiro para as construtoras também foram assinados por ADEMIR
PEREIRA CABRAL e por fim o cheque de R$ 115.119,23 pago a título de
projeto.

b) Não possuindo antecedentes criminais, entendo que este deve ser


ponto favorável ao réu.

c) Observando a conduta social, tem-se que deve ser favorável ao


referido acusado, visto que esta é presunção a ser afastada por prova em
contrário, o que não se verifica nos autos.

d) A questão da personalidade é deveras complexa até mesmo para um


especialista na área valorar; não existe, entretanto, qualquer elemento
adverso, razão pela qual considero-a favorável ao denunciado.

e) Quanto aos motivos que ensejaram a prática do crime, vislumbro


que foi engendrado na tentativa de solucionar os problemas de enchentes e
vazão de águas fluviais e pluviais do Tabuleiro, porém o que restou foi um
valhacouto e um lodaçal onde foram dissolvidos cerca de 20 milhões de reais
do erário federal devendo esse item ser sopesado negativamente em favor do
réu.

FWSD ACR 10907/AL 64


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f) As circunstâncias do crime também apresentam-se desfavoráveis ao


acusado, que se valeu de engenhoso “modus operandi”, nomeadamente a
utilização de diversas funções no serviço público obter o pagamento de R$
1.000.000,00 (hum milhão de reais) à Construtora Gautama e a Cipesa, o que
motivam o acréscimo da pena-base.

g) as consequências do delito devem ser concebidas como


desfavoráveis ao réu, na medida em que a obra mostrou-se desastrosa para o
Estado-Membro, que, até os dias de hoje, vê estarrecido que nada foi feito na
macrodrenagem do Tabuleiro.

h) Logo, levando em consideração que as circunstâncias judiciais


foram desfavoráveis ao réu ADEMIR PEREIRA CABRAL, aumento a pena base
em cinco meios de ano (5/2), fixando-a em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses
de reclusão.

i) Fixada a pena-base, passo a apreciar a presença de agravantes e


atenuantes.

j) Observando as agravantes da Parte Geral do Código Penal, não


vislumbro que qualquer delas possa ser reconhecida ao réu e nem atenuantes
que o beneficiem.

k) Considerando a existência da causa especial de aumento prevista no


art. 71 do Código Penal, aumento a penas provisória na metade, fixando-a em
05 (cinco) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

l) Não há outras majorantes ou minorantes a serem aplicadas, nem


causas de aumento ou diminuição, razão por que fixo, por fim, a pena
definitiva em 05 (cinco) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, a
ser cumprida em regime inicial semi-aberto, nos exatos termos do artigo 33 do
Código Penal.

m) Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas,


ante a vedação inserta no art. 44, inciso I, do Código Penal.

n) Condeno, ainda, o denunciado, tendo em vista as circunstâncias do


art. 59 do CP, à pena de quinze dias-multa.

o) Considerando as condições financeiras do réu ADEMIR PEREIRA


CABRAL, estabeleço o valor de cada dia-multa em um quinto salário mínimo
vigente ao tempo do fato, que deverá ser corrigido monetariamente quando da
execução, forte no art. 49, § 2o do Código Penal.

O Apelante alega erro na dosimetria da pena por violação ao princípio do “ne bis in
idem”, já que se valorou como circunstância negativa o motivo com o mesmo fundamento que se
valorou negativamente as consequências do crime. Defende também que a superposição de
funções não poderia servir de argumento para aumentar a pena como circunstância desfavorável

FWSD ACR 10907/AL 65


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até porque o juízo reconheceu que o réu tivesse ciência das irregularidades como membro da
Comissão Permanente de Licitação. Argui por fim que faria jus à atenuação da pena, já que agira
sob ordens superiores, o que não foi considerado na r. sentença apelada.

Examinando a primeira alegação do Apelante reconheço que o juízo sentenciante de fato


valorou duas vezes o mesmo fato a título de circunstâncias diversas do crime, a saber, a
motivação do delito e suas consequências, em ambos os casos o fato de que o investimento
público resultou em obra mal executada e abandonada sem nenhum proveito para a população.

A segunda alegação, no entanto, é improcedente, pois o fato do Apelante ter praticado os


crimes valendo-se de posição de proeminência na estrutura da organização administrativa do
Estado exercendo, ao mesmo tempo, a Presidência da Comissão de Licitações e as funções de
Secretario de Infraestrutura é dado relevante e não é próprio do tipo penal. Há a registrar, a
propósito, que o juízo a quo não afirmou que o réu desconhecia as irregularidades no processo
licitatório, apenas que não teria tido dolo na subcontratação da empresa Cipesa, fato diverso do
que ensejou esta condenação, tanto assim que o réu restou absolvido dessa acusação.

A terceira alegação não colhe, porque o egrégio Supremo Tribunal Federal absolveu o
acusado Ronaldo Augusto Lessa, por insuficiência de provas de que estivesse ciente das
irregularidades patrocinadas pelo Apelante em conluio com Zuleido Veras, de maneiras que seria
incoerente com essa decisão reconheceu em seu favor a atenuante de ter atuado sob ordens
superiores.

Reconhecendo que o Apelante tem razão em parte, e ressaltando que se trata de réu
primário e de bons antecedentes, entendo que a pena deve ser diminuída para 4 (quatro) anos e de
reclusão, que julgo suficiente e proporcional à gravidade das condutas. Enfim, no caso particular
dos autos, tenho que a intensidade da culpabilidade e as graves consequências do delito são
motivos bastantes em si para aplicar a pena base no patamar de 4 (quatro) anos de reclusão.

Sem outras impugnações, mantenho o aumento da pena provisória da metade, pela


continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, o que a tornaria definitiva em 6
(seis) anos de reclusão. Ocorre, porém, que por erro material o juízo a quo acabou aplicando
ao réu pena definitiva de 5 (cinco) anos, 7 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e, não
tendo havido recurso do Ministério Público Federal para aumentar a pena não vejo como corrigir
o equívoco, devendo-se manter a pena definitiva no patamar aplicado de 5 (cinco) anos, 7 (sete)
meses e 15 (quinze) dias de reclusão, sob pena de reforma para prejudicar a situação do
recorrente proibida pelo ordenamento jurídico (reformatio in pejus).

Diante dessas considerações, mantenho inalterada a pena de multa aplicada.

O regime inicial de cumprimento é o semi-aberto, com fundamento no art. 33, § 1º, “b”, e
§ 2º, “b” do Código Penal, devendo ser confirmada a decisão que indeferiu a substituição das
penas, pela ausência dos pressupostos do art. 44 do Código Penal.

b) Zuleido Soares de Veras.

A dosimetria da pena aplicada ao Apelante Zuleido Soares de Veras foi aplicada com os
seguintes fundamentos:

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380. Quanto ao acusado ZULEIDO SOARES DE VERAS, em


observância às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, passo a
valorá-las no caso concreto, distinguindo, quando necessário, as
peculiaridades concernentes a cada um dos delitos por ele praticados:

No que diz respeito à culpabilidade, observo que esta é circunstância


judicial que deve ser sopesada em prejuízo do réu crime de peculato (art. 312,
caput, do CP) a conduta do réu ZULEIDO SOARES DE VERAS apresenta grau
máximo de reprovabilidade tendo em vista que na trama criminosa engendrada
pelo mesmo e por seus comparsas aproveitava-se de valores transferidos de
convênios e contrato para realização de obra fundamental para o Estado de
Alagoas e o Município de Maceió. Com isso ocorreu gravíssima lesão aos
cofres públicos, com o desvio de cifras milionárias de verbas federais. A
culpabilidade do acusado é acentuada e apresenta dolo intenso, é plenamente
capaz e imputável, possui formação superior e perfeita consciência da
gravidade da conduta típica perpetrada. Os motivos, as circunstâncias e as
consequências do crime são-lhe também desfavoráveis, haja vista o volume de
recursos públicos desviados. No esquema criminoso objeto deste processo, o
réu ZYLEIDO SOARES DE VERAS, juntamente com os demais réus foram
responsáveis pelo desvio de mais de cinco milhões de reais, conforme se
verifica dos Laudos periciais elencados neste processo.

Evidentemente que o desvio de tão vultosa quantia prejudicou a


realização da obra objeto deste processo e inviabilizou completamente a
solução de verdadeiro drama social que é a drenagem de águas do Tabuleiro,
além da prestação de outros serviços públicos tais como o de saúde,
segurança, educação, entre outros.

Por isso que as consequências do delito para a Administração foram


extremamente danosas, em face do vulto dos recursos desviados, o que também
influencia na fixação da pena-base.

Não consta dos autos informações sobre a personalidade do acusado,


nem sobre a existência de condenação anterior ou notícia de antecedentes
criminais. Inexistem, ainda, nos autos, elementos concretos, que possam
macular a conduta social do réu.

Dessa forma, sopesadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP,


fixo-lhe a pena-base pela prática do crime de peculato previsto no art. 312,
caput, do Código Penal, em 06 (seis) anos de reclusão e a 200 (duzentos) dias-
multa, à razão de 2/3 (dois terços) do salário-mínimo vigente à época do fato,
devidamente atualizada.

Na segunda fase de aplicação da pena observo a ausência de


circunstâncias atenuantes e agravantes.

FWSD ACR 10907/AL 67


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Por outro lado, ante a natureza do crime ora em análise e tendo em


vistas as circunstâncias judiciais acima analisadas e a causa de aumento
prevista no § 2º, do art. 327 do Código Penal, para não incorrer em bis in
idem, deixo de considerar as agravantes previstas no art. 61, II, "g" e art. 62, I
e III, ambos do Código Penal.

Na terceira fase do "Método Hungria" verifico que inexiste causa de


diminuição de pena.

O crime, comprovadamente, foi praticado de forma reiterada. Com


efeito, entre os anos de 1999 a 2006, em razão da obra da macrodrenagem do
tabuleiro foi desviado quantia superior a um milhão de reais do Estado de
Alagoas, aí incluídas verbas federais, conforme atestam os Laudos Periciais
acima mencionados.

Por isso, tendo em vista a caracterização da continuidade delitiva (art.


71, do CP) e o número de peculatos praticados (STJ, HC nº 12386, 5a Turma,
Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 25/9/2000), a pena deve ser aumentada em 2/3
(dois terços).

Desse modo, elevo a reprimenda ao patamar de 08 (oito) anos de


reclusão e ao pagamento de 360 dias-multa, à razão de 2/3 (dois terços) do
salário-mínimo vigente à época do fato, devidamente atualizada quando da
execução, pelo que a torno definitiva.

Consideradas todas as demais peculiaridades do caso concreto, fixo o


quantum da pena para o delito de peculato 08 (oito) anos de reclusão e 360
dias-multa, à razão de 2/3 (dois terços) do salário-mínimo vigente à época do
fato, devidamente atualizada quando da execução, pelo que a torno definitiva.

O Apelante impugna a dosimetria da pena afirmando que é excessiva porque o acusado é


primário e com bons antecedentes. Os argumentos são insubsistentes, uma vez que o aumento da
pena aplicada não teve como fundamento a existência de maus antecedentes ou de reincidência,
trata-se na realidade de alegação genérica de que a pena em si seria excessiva porque injusta.

Ainda assim entendo que assiste razão em parte ao Apelante, porquanto o juízo a quo
somente valorou negativamente duas circunstâncias judiciais, de modo que a pena acabou
excessivamente majorada. Ressalto que a dosimetria da pena não é um procedimento exato e que
o caso dos autos de fato recomenda uma reprimenda mais elevada dada a intensa culpabilidade
do réu e as graves consequências do delito, de maneira que revejo a pena base aplicada para
diminuir apenas para ao patamar de 5 (cinco) anos de reclusão.

A pena deve ser aumentada na fração de 2/3 pela continuidade delitiva, na forma
aplicada pelo juízo sentenciante, com fundamento no art. 71 do Código Penal, o que levaria a
uma pena definitiva de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses. Ocorre, porém, que por erro material o
juízo a quo acabou aplicando ao réu pena definitiva de 8 (oito) anos reclusão e, não tendo
havido recurso do Ministério Público Federal para aumentar a pena não vejo como corrigir o
equívoco, devendo-se manter a pena definitiva no patamar aplicado de 8 (oito) anos de reclusão,

FWSD ACR 10907/AL 68


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sob pena de reforma para prejudicar a situação do recorrente proibida pelo ordenamento jurídico
(reformatio in pejus).

Diante dessas considerações, mantenho inalterada a pena de multa aplicada.

O regime inicial de cumprimento é o semi-aberto, com fundamento no art. 33, § 1º, “b”, e
§ 2º, “b” do Código Penal, devendo ser confirmada a decisão que indeferiu a substituição das
penas, pela ausência dos pressupostos do art. 44 do Código Penal.

13) Dispositivo.

Com esses fundamentos:

a) Não conheço do recurso de Mauro Paiva Neto;

b) Rejeito as preliminares de cerceamento de defesa, falta de justa causa para a ação


penal e prescrição;

c) Promulgo de ofício a prescrição da pretensão punitiva antes de transitar em julgado a


sentença final quanto aos crimes de quadrilha (Art. 288 do CP) e decreto a extinção
da punibilidade quanto a esses fatos, prejudicada em parte a apelação do Ministério
Público Federal;

d) Nego provimento à apelação do Ministério Público Federal;

e) Dou provimento às apelações de Fernando de Souza, José Jailson Rocha e


Denison Luna de Tenório para absolvê-los de todas as acusações;

f) Dou parcial provimento às apelações de Ademir Pereira Cabral e Zuleido Soares


de Veras, para rever as penas provisórias aplicadas, mantendo as penas definitivas
fixadas na sentença.

Ante o exposto, não conheço do recurso de Mauro Paiva Neto, nego provimento à
apelação do Ministério Público Federal, dou provimento às apelações de Fernando de Souza, José
Jailson Rocha e Denison Luna de Tenório e dou parcial provimento às apelações de Ademir
Pereira Cabral e Zuleido Soares de Veras.

É como voto.

FWSD ACR 10907/AL 69


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 10907 / AL (2009.80.00.006151-4)


APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APTE : ADEMIR PEREIRA CABRAL
ADV/PROC : GEDIR MEDEIROS CAMPOS JÚNIOR (AL006001) E OUTROS
APTE : ZULEIDO SOARES DE VERAS
ADV/PROC : BRUNO SORIANO CARDOSO (AL007040) E OUTROS
APTE : FERNANDO DE SOUZA
ADV/PROC : JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI (AL004118) E OUTRO
APTE : DENISON DE LUNA TENÓRIO
ADV/PROC : ADALBERTO FERREIRA DE ARAÚJO (AL007353) E OUTROS
APTE : MAURO PAIVA NETO
ADV/PROC : ODAIR PAULO MORALES (AL004002A) E OUTRO
APTE : JOSÉ JAILSON ROCHA
ADV/PROC : DANIEL LIMA ARAÚJO (PE016082) E OUTROS
APDO : OS MESMOS
APDO : MANOEL GOMES DE BARROS
ADV/PROC : FABIO COSTA FERRARIO DE ALMEIDA (AL003683) E OUTROS
APDO : JOSE BENIGNO VIANA PORTELA
ADV/PROC : MARCUS LACET (AL006200) E OUTROS
ORIGEM: 3ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS
RELATOR: JUIZ FEDERAL AUXILIAR FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS
TURMA: TERCEIRA
EMENTA:

DIREITO PROCESSUAL PENAL E PENAL. OPERAÇÃO “NAVALHA”. CRIMES DE


FORMAÇÃO DE QUADRILHA (ART. 288 DO CP), DISPENSA INDEVIDA DE
LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93) E PECULATO-DESVIO (ART. 312 DO CP).
RECURSO DE RÉU ABSOLVIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.
PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E FALTA DE JUSTA CAUSA.
INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE
QUADRILHA (ART. 288 DO CP). MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
COMPROVADAS EM RELAÇÃO A PARTE DOS CRIMES. ASBOLVIÇÃO QUANTO A
OUTROS FATOS, APLICANDO O PRINCÍPIO DO “IN DUBIO PRO REO”. REVISÃO DA
DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO DO MPF PARCIALMENTE PREJUDICADO PELO
RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA PRESCRIÇÃO E DE RESTO IMPROVIDO.
RECURSO DE TRÊS RÉUS PROVIDOS. DEMAIS RECURSOS PROVIDOS EM PARTE.
1. Apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal pela Defesa contra
sentença do juízo da 3ª Vara Federal de Alagoas que julgou parcialmente procedente ação penal
em relação a fatos investigados na “Operação Navalha”, articulada pelo Ministério Público e
Polícia Federal, com o objetivo de desarticular esquemas de corrupção relacionados à contratação
de obras públicas feitas pelo governo federal envolvendo a empresa Gautama. Caso em que os
réus foram acusados da participação em esquema criminoso que promoveu sistemática
malversação e desvio de verba pública federal, repassada por meio de cinco instrumentos, entre
convênios e contratos de repasses, firmados entre o Governo do Estado de Alagoas o Ministério
da Integração Nacional, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Cidades, para a
execução das obras ligadas à Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins em Alagoas.
2. A ação penal é instrumento que serve exclusivamente para veicular a pretensão
punitiva do Estado, inexistindo como contrapartida o direito subjetivo do réu a uma sentença

FWSD ACR 10907/AL 70


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absolutória por um dado fundamento. A absolvição do réu, por qualquer fundamento que seja, é
insuscetível de impugnação por recurso da Defesa. Recurso de um dos réus não conhecido por
ausência de interesse recursal.
3. O aditamento da denúncia para incluir no polo passivo da ação penal outros réus não
gera a necessidade de citação dos acusados com reabertura do prazo de defesa, nos termos do art.
384 do CPP (mutatio libelli). A produção de prova nova não dá ensejo a uma nova citação,
bastando, para assegurar o exercício da ampla defesa e do contraditório, que os réus tenham
acesso aos elementos de prova juntados aos autos, sendo-lhes facultado impugná-los e contraditá-
los ao longo da instrução, o que efetivamente ocorreu no caso concreto. Rejeitada preliminar de
cerceamento de defesa.
4. Não há óbice no aproveitamento das perícias e demais meios de prova confeccionados
na fase investigativa, sobretudo em se tratando de trabalhos técnicos corporificados em
documentos escritos, sendo que acaso o réu discorde de suas conclusões pode,
fundamentadamente, refutá-las. Precedente do STJ (APn 536/BA, Rel. Min. Eliana Calmon,
Corte Especial, j. 15/3/2013, DJe 4/4/2013). Rejeitada preliminar de cerceamento de defesa.
5. Nos crimes próprios de funcionário público, havendo concurso de agentes, o particular
que concorre para a infração é suscetível de responsabilização criminal, comunicando-se para ele
a elementar do tipo, nos termos dos arts. 29 e 30 do Código Penal. Rejeitada preliminar de falta
de justa causa para a ação penal.
6. A prescrição da pretensão punitiva antes de transitar em julgado a sentença final
verifica-se em oito anos se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro (Art.
109, IV, do CP). Passados mais de nove anos entre o recebimento da denúncia (16/11/2009) e o
julgamento da apelação do MPF (18/12/2017), verifica-se a extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva em relação aos crimes de formação de quadrilha (Art. 288 do
CP). A extinção da punibilidade pela prescrição é matéria de ordem pública, devendo ser
conhecida de ofício pelo juízo (Art. 61 do CPP) e prejudica o exame do mérito da apelação
criminal (Súmula nº 241 TFR).
7. A tipificação do crime de dispensa indevida de licitação, previsto no art. 89 da Lei nº
8.666/93, não prescinde da prova do dolo de prejudicar o caráter republicano do certame ou
causar prejuízo aos cofres públicos. Hipótese em que a subcontratação tida como fraudulenta foi
respaldada em pronunciamento formal da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas, por meio de
parecer jurídico fundamentado, não tendo sido alegado ou sequer apontado qualquer indício de
conluio dos Apelados para burlar a legislação, de maneira que, quanto a essa acusação em
particular, não há qualquer elemento que aponte para suposta má-fé ou conduta desonesta
visando à quebra do princípio da impessoalidade da Administração, protegido pela norma penal.
8. A insuficiência de provas, que conduz à dúvida quanto à autoria ou quanto ao dolo no
cometimento do crime, impõe a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Hipótese em que não
se demonstrou a participação consciente e voluntária de parte dos réus (ex-governador de Estado,
ex-secretários de infraestrutura, responsável técnico pela obra) no cometimento dos fatos
delituosos, sendo devida sua absolvição por insuficiência de provas.
9. Havendo prova inconteste da contratação com sobrepreço e superfaturamento e o
pagamento de serviços não executados resta demonstrado o desvio de recursos públicos.
Comprovada a autoria delitiva pela atuação dolosa do agente público que se valeu de sua posição
na estrutura da administração (Presidente da Comissão de Licitações e Secretário de
Infraestrutura) para direcionar o processo para a escolha de empresa participante do esquema
criminoso, aprovando proposta fraudulentamente mais vantajosa em desacordo com o Edital,
sendo devida também a responsabilização do dono da empresa, principal responsável pelas
práticas delitivas.

FWSD ACR 10907/AL 71


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10. Revista a dosimetria da pena da sentença apelada.


11. Reconhecida de ofício a prescrição do crime de quadrilha (Art. 288 do CP),
prejudicada em parte a apelação do Ministério Público Federal, à qual se nega provimento.
Recurso de três réus providos. Demais recursos parcialmente providos.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira
Turma do Tribunal Regional Federal da 5a Região, por unanimidade, não conhecer do recurso
de Mauro Paiva Neto, negar provimento à apelação do Ministério Pùblico Federal, dar
provimento às apelações de Fernando de Souza, José Jailson Rocha e Denison de Luna
Tenório e dar parcial provimento às apelações de Ademir Pereira Cabral e Zuleido Soares
de Veras, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Recife/PE, 08 de fevereiro de 2018

JUIZ FEDERAL AUXILIAR FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS


Relator

FWSD ACR 10907/AL 72

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