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RELATÓRIO
Há a registrar que este feito foi desmembrado do processo originário que tramita
perante o egrégio Supremo Tribunal Federal, tendo como réu o Deputado Federal Ronaldo
Lessa (PDT-AL), que possui foro constitucional por prerrogativa de função.
A ação penal imputa aos acusados a participação em esquema criminoso que promoveu
sistemática malversação e desvio de verba pública federal, repassada por meio de cinco
instrumentos, entre convênios e contratos de repasses, firmados entre o Governo do Estado de
Alagoas o Ministério da Integração Nacional, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das
Cidades, para a execução das obras ligadas à Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins em
Alagoas. Os fatos foram investigados na “Operação Navalha”, articulada pelo Ministério Público
e Polícia Federal, com o objetivo de desarticular esquemas de corrupção relacionados à
contratação de obras públicas feitas pelo governo federal envolvendo a empresa Gautama.
Nas razões recursais, o Ministério Público Federal pugna pela condenação dos réus
Zuleido Soares de Veras, Ademir Pereira Cabral, Mauro Paiva Neto e Manoel Gomes de Barros
pelos crimes de dispensa ilegal de licitação e de formação de quadrilha, alegando que as provas
dos autos são suficientes para a demonstração da autoria de tais delitos. Pede, outrossim, a
reforma da decisão que absolveu os réus Mauro Paiva Neto, José Benigno Viana Portela e
Manoel Gomes de Barros pelo crime de peculato-desvio (vol. 8, fls. 1.916/1.925, verso, vol. 8).
Ademir Pereira Cabral alega erro de tipo, inexistência de prova do elemento subjetivo,
violação dos arts. 20, CP e 386, VI e VII do CPP, e que a dosimetria da pena teria violado o
princípio do “ne bis in idem” (fls. 1.988/1.993, vol. 8).
Denison de Luna Tenório protesta pela reapreciação das provas coligidas aos autos
que, segundo defende, levariam à sua absolvição. Alega que não teve participação na prática
delitiva, pois na condição de Diretor de Obras, Contratos e Convênios da SEINFRA/AL não
tinha atribuições para liberar pagamentos, e que o mero fato de ter encaminhado a prestação de
contas que, inclusive, foram aprovadas, não poderia servir de fundamento para sua condenação.
Questiona também a dosimetria da pena alegando que não haveria circunstâncias judiciais que
justificassem a majoração da pena base, bem como a inexistência de crime continuado (vol. 8, fls.
1.800/1.813, vol. 8z).
José Jailson Rocha aduz, em apertada síntese, que houve cerceamento de defesa pelo
aditamento da denúncia sem que houvesse nova citação dos réus e pela negativa do pleito de
diligências finais com violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa; a ausência de
dolo e atipicidade dos fatos pela impossibilidade de responsabilização penal objetiva, e violação
ao art. 59 do CP em face da exacerbação indevida na aplicação da pena (fls. 1.998/2.018, vol. 8
e 9). Posteriormente, requereu aditamento às razões de apelação para juntar aos autos o Acórdão
nº 1814-25/14-P do TCU que julgou a Tomada de Contas Especial nº 017.54/2007-0 (fls.
2.107/2.109, verso, e seguintes, vol. 9).
Houve contrarrazões dos Apelados Mauro Paiva Neto (vol. 8, fls. 1.938/1.941); Denison
de Luna Tenório (vol. 8, fls. 1.949/1.953); Fernando de Souza (vol. 8, fls. 1.963/1.964); José
Jailson Rocha (vol. 8, fls. 1.993/1.997); Manoel Gomes de Barros (vol. 8, fls. 2.162/2.179); José
Benigno Viana Portela (vol. 8, fls. 2.045/2.047) e Zuleido Soares de Veras (vol. 8, fls.
2.301/2.303).
Intimado a se manifestar sobre as demais apelações dos réus requereu diligência para
regular o feito e nova abertura de vista (vol. 10, fl. 2.294/2.297).
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
dispensa ilegal de licitação e formação de quadrilha e pede a condenação de Mauro Paiva Neto,
José Benigno Viana Portela e Manoel Gomes de Barros pelo crime de peculato-desvio. Por
sua vez, Mauro Paiva Neto, absolvido por insuficiência de provas, apela da sentença
pretendendo alterar o fundamento da absolvição.
Caso em que a ação penal imputa aos acusados a participação em esquema criminoso
que promoveu sistemática malversação e desvio de verba pública federal, repassada por meio de
cinco instrumentos, entre convênios e contratos de repasses, firmados entre o Governo do Estado
de Alagoas o Ministério da Integração Nacional, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério
das Cidades, para a execução das obras ligadas à Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins em
Alagoas. Os fatos foram investigados na “Operação Navalha”, articulada pelo Ministério Público
e Polícia Federal, com o objetivo de desarticular esquemas de corrupção relacionados à
contratação de obras públicas feitas pelo governo federal envolvendo a empresa Gautama.
A apelação de Mauro Paiva Neto não deve ser conhecida por falta de interesse recursal.
O Apelante alega que teria havido erro de julgamento no enquadramento das absolvições,
pedindo que sejam reconhecidas a inexistência do elemento subjetivo do tipo quanto ao crime de
dispensa indevida de licitação e inexistência do crime de peculato-desvio. Relativamente à
terceira imputação, aponta erro na apreciação da prova defendendo a inexistência de conduta
típica de formação de quadrilha.
A ação penal é instrumento que serve exclusivamente para veicular a pretensão punitiva
do Estado, inexistindo como contrapartida o direito subjetivo do réu a uma sentença absolutória
por um dado fundamento. Por isso, seja qual for a causa que impeça o acolhimento da pretensão
punitiva estatal, inviabilizada a condenação não sobrevive em favor do réu qualquer interesse
jurídico processual na causa. E não se alegue que a absolvição por negativa do fato ou da autoria
produziria efeitos no plano cível, porque esses efeitos são anexos, ditos secundários, não
integrando o objeto litigioso do processo, de modo que tal discussão é inadequada em sede
criminal.
É por tais motivos que a absolvição do réu, por qualquer fundamento que seja, é
insuscetível de impugnação por recurso da Defesa. Para corroborar essa conclusão, vale
mencionar a Súmula nº 241 do extinto Tribunal Federal de Recursos, que diz prejudicada a
apelação do réu, mesmo condenado, quando ocorre a extinção da punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva. Ora, parece claro que a situação do acusado condenado em favor do qual se
reconhece a prescrição é mais desfavorável que a do réu absolvido, contudo, mesmo nesse caso
não há interesse recursal. Logo, e com maior razão, também falece interesse ao recurso da defesa
para modificar o fundamento da absolvição.
Além disso, o citado Apelante e Zuleido Soares de Veras alegam cerceamento de defesa
porque o juízo a quo indeferiu requerimento de perícia in loco para verificar a existência física
das obras tidas como superfaturadas, detectar até que ponto foram realizadas as obras em
comparação com o cronograma físico realizado e elaboração de laudo técnico para verificar a
viabilidade de retomadas das obras pelo Governo do Estado. Afirmam que as provas dos autos se
limitam a laudos periciais produzidos em fase investigativa, sem se submeterem ao crivo do
contraditório e da ampla defesa.
A necessidade de citação dos acusados com reabertura do prazo de defesa tem cabimento
em consequência de prova de elemento ou circunstância da infração penal não contida na
acusação, nos termos do art. 384 do Código de Processo Penal (mutatio libelli); senão, leia-se:
Por outro lado, a produção de prova nova não dá ensejo a uma nova citação, bastando,
para assegurar o exercício da ampla defesa e do contraditório, que os réus tenham acesso aos
elementos de prova juntados aos autos, sendo-lhes facultado impugná-los e contraditá-los ao
longo da instrução, o que efetivamente ocorreu no caso concreto.
O Apelante Zuleido Veras argui, outrossim, a falta de justa causa para a ação penal.
Segundo alega, faltaria justa causa à acusação de peculato, porque o crime do art. 312
do Código Penal é próprio de funcionário público e o réu não ostentaria tal condição, nem mesmo
por equiparação. A alegação é evidentemente infundada, porque a acusação não imputa o crime
de peculato-desvio a esse réu com fundamento na regra do art. 327, § 1º, do Código Penal.
Na realidade a acusação de peculato funda-se no fato de que o réu teria agido em conluio
com agentes públicos. Mesmo em se tratando de crime próprio de funcionário público, havendo
concurso de agentes o particular que concorre para a infração é suscetível de responsabilização
criminal, comunicando-se para ele a elementar do tipo, nos termos dos arts. 29 e 30 do Código
Penal. Daí por que a irresignação é descabida.
A prescrição, antes do trânsito em julgado para a acusação, verifica-se com base na pena
máxima cominada ao delito. A denúncia imputou ao acusado os crimes de quadrilha (Art. 288 do
Código Penal) e peculato desvio (Art. 312 do Código Penal).
Em respeito à quadrilha o réu foi absolvido em primeiro grau, de modo que deixo para
examinar a ocorrência da prescrição em capítulo próprio, em seguida.
Os fatos que deram ensejo a esta ação penal ocorreram entre os anos de 1998 e 2005. A
ação foi proposta em 2009 e a denúncia recebida em 16 de novembro de 2009 (fl. 86, vol. 1). O
recebimento da denúncia interrompeu o curso da prescrição, a teor do disposto no art. 117, 1, do
Código Penal. Posteriormente, o réu veio a ser condenado pela sentença do juízo de primeiro
grau, proferida em 28 de junho de 2013 (fls. 1.659/1.721, vol. 7).
Fácil perceber que não decorreu, em nenhum dos lapsos temporais em que se conta a
prescrição, período superior a 16 (dezesseis) anos. Entre os fatos (mesmo os mais antigos) e o
recebimento da denúncia transcorreram 11 (onze) anos; entre o recebimento e a sentença menos
de 4 (quatro) anos; entre a sentença e o julgamento da apelação pouco mais de 4 (quatro) anos.
E ainda que se examine questão sob o viés da prescrição retroativa, nos termos do art.
110, § 1º, do Código Penal, com redação vigente à época dos fatos, pela pena imposta em
concreto – ainda assim – em relação a esse réu não houve prescrição.
A pena base imposta a Zuleido Veras foi de 6 (seis) anos, nesse caso, o prazo é regulado
pela regra do art. 109, III, do Código Penal, somente se verificando a prescrição acaso
transcorridos mais de 12 (doze) anos em algum dos períodos, o que de fato não ocorreu.
Quadrilha ou bando
No caso dos autos, a denúncia não imputa aos acusados a forma majorada do parágrafo
único, limitando-se à figura do caput, cuja pena máxima era de três anos.
Os fatos que deram ensejo a esta ação penal ocorreram entre os anos de 1998 e 2005. A
ação foi proposta em 2009 e a denúncia recebida em 16 de novembro de 2009 (fl. 86, vol. 1). O
recebimento da denúncia interrompeu o curso da prescrição, a teor do disposto no art. 117, 1, do
Código Penal.
Registro que a extinção da punibilidade pela prescrição é matéria de ordem pública, pelo
que deve ser conhecida de ofício pelo juízo, nos termos estatuídos pela regra do art. 61 do Código
de Processo Penal: “Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade,
deverá declará-lo de ofício”.
Antes de adentrar ao mérito desta lide penal, alguns registros iniciais são necessários
acerca de fatos supervenientes que têm possibilidade de influir no deslinde deste processo.
D’outra banda, entendo que as decisões das Cortes de Contas constituem fatos relevantes
e devem ser levadas em consideração, vez que trazem subsídios técnicos pertinentes para o
julgador na esfera criminal.
No caso dos autos, a importância desse julgamento do TCU é inconteste uma vez que a
própria denúncia está, em grande parte, baseada no Relatório de Levantamento de Auditoria
acerca das obras de macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, em Maceió/AL, em vista da
identificação de sobrepreço, superfaturamento e outras irregularidades na execução do
empreendimento pelo Governo do Estado de Alagoas, por intermédio de sua Secretaria
Coordenadora de infraestrutura e Serviços do Estado de Alagoas – Seinfra, que levou à
instauração de tomada de contas especial, daí por que a superveniência de decisão final em dito
processo também deve ser sopesada na apreciação do mérito das acusações.
Assim, consigno que a apreciação dos subsídios técnicos do Acórdão TCU nº 1814-
25/14-P será realizada oportunamente, no exame das razões recursais, sempre que se verificar a
pertinência com os fatos objeto de apreciação.
Outro fato superveniente a ser considerado é o recente julgamento, pela Segunda Turma
do egrégio Supremo Tribunal Federal, da Ação Penal nº 975, que absolveu o Deputado Federal
Ronaldo Lessa (PDT-AL) por insuficiência de provas, conforme recentemente noticiado. Vale
conferir a propósito a notícia que consta do sítio do STF na internet:
Relator
<<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=357928
&caixaBusca=N>>
O Acórdão do julgamento ainda não foi publicado, nem foi liberado o voto do eminente
Relator, Min. Edson Fachin. Entretanto, está disponível, também pela internet, o voto do Min.
Celso de Mello, que atuou como Revisor durante o julgamento da Ação Penal nº 975, o qual em
suma adotou duas teses: i) a nulidade pela violação do princípio da correlação entre a acusação e
sentença, face a condenação por crime diverso do narrado na denúncia, não se tratando de
hipótese do art. 383 do Código Penal; ii) a insuficiência de provas da culpabilidade do réu.
O julgamento do STF tem que ser levado em consideração não só pela força persuasiva
dos fundamentos dos votos, como também pela autoridade da decisão do órgão máximo do Poder
Judiciário e em observância ao princípio da isonomia, que assegura aos réus em situações
idênticas o direito a receberem o mesmo tratamento.
Dessa forma, onde se constatar a pertinência dos fundamentos do julgado com o que se
discute neste processo será feita a referência devida.
O Ministério Público Federal pugna pela condenação dos réus Zuleido Soares de Veras,
Ademir Pereira Cabral, Mauro Paiva Neto e Manoel Gomes de Barros pelos crimes de dispensa
ilegal de licitação e de formação de quadrilha, alegando que as provas dos autos são suficientes
para a demonstração da autoria de tais delitos.
Destaco, sobretudo, que a conduta dos réus foi respaldada em pronunciamento formal da
Procuradoria Geral do Estado de Alagoas, por meio de parecer jurídico fundamentado, não tendo
sido alegado ou sequer apontado qualquer indício de conluio dos Apelados para burlar a
legislação, de maneira que, quanto a essa acusação em particular, não há qualquer elemento que
aponte para suposta má-fé ou conduta desonesta visando à quebra do princípio da impessoalidade
da Administração, protegido pela norma penal em comento.
Nesse passo, concordo integralmente com o juízo sentenciante e registro que não há óbice
em se tomar os argumentos utilizados pelo juízo sentenciante como razões de decidir, uma vez
que a fundamentação per relationem não importa em ofensa ao ditame inserto no artigo 93,
inciso IX, da Constituição da República, conforme jurisprudência sedimentada no Supremo
Tribunal Federal (Precedente: AI 855829 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado
em 20/11/2012, DJe-241 em 07-12-2012). É oportuno reproduzir os seguintes excertos da r.
sentença apelada, os quais incorporo como razões de decidir de meu voto:
Da autoria delitiva:
Ementa
Ocorre que, no caso em tela, tenho que não se pode sequer falar em
ofensa à probidade administrativa.
Mas não é o caso. O réu era diretor da escola, havia algumas árvores
atrapalhando o estacionamento. O que fez? Chamou uma empresa que se
propôs a cortá-las, sem ônus, e ainda entregar parte da madeira, de forma
beneficiada, ao CEFET.
Por derradeiro, pede o Ministério Público Federal a reforma da sentença na parte que
absolveu os réus Mauro Paiva Neto, José Benigno Viana Portela e Manoel Gomes de Barros pelo
crime de peculato-desvio (fls. 1.916/1.925, verso, vol. 8).
Quanto ao primeiro réu, Mauro Paiva Neto, sócio e dirigente da empresa Cipesa, o
Apelante sustenta que o juízo de primeiro teria laborado em equívoco ao considerar que as
imputações por desvio seriam correlatas à dispensa indevida na subcontratação da empresa e, por
isso, deixou de examinar que a acusação também responsabiliza o Apelado pela malversação da
metade dos recursos públicos federais, quantia “repartida” em decorrência da subcontratação
indevida, pois o TCU apontou superfaturamento e desvio de recursos em todos os instrumentos
de repasse de verbas federais em que a aludida empresa esteve envolvida.
É fácil perceber que não houve equívoco ou omissão da apreciação dos fatos. Ocorre que
a r. sentença apelada julgou não provada a suposta repartição de recursos, chamando atenção
para o fato de que cada obra era paga em separado, de maneira que não teria havido confusão
entre os pagamentos efetuados em favor da Gautama e da Cipesa. Por outro lado, o item 142 da
r. sentença também se fundamentou no Parecer Técnico nº 064/2007 – 5ª CCR, de 24 de agosto
de 2007, o qual “não menciona uma linha sobre qualquer ilícito praticado pela CIPESA,
empresa dirigida pelo denunciado MAURO no tocante à obra realizada, cingindo-se a
questionar a subcontratação realizada que já fora apreciada na análise do delito referente à
fraude na licitação”.
Além dos fundamentos da sentença, que já seriam suficientes para a rejeição do apelo do
Ministério Público Federal, acrescento que a acusação se pauta genericamente na alegação de que
houve superfaturamento e desvio de recursos públicos recursos “em todos os instrumentos de
repasse de verbas federais em que a aludida empresa esteve envolvida” daí deduzindo que o
Apelante se beneficiou e, portanto, deve ser penalmente responsabilizado. Mas a tipificação do
peculato desvio exige a presença do elemento subjetivo da conduta, consistente no dolo de desviar
bens ou valores públicos, dando-lhes outra destinação que não a legal ou deles apropriar-se em
proveito próprio, aspecto que não foi objeto de maiores reflexões, data maxima venia, nas razões
recursais.
Como a Cipesa é empresa privada e, nessa condição, não tem ingerência na composição
do preço de referência que ocorre fase interna da licitação, e considerando que a proposta
vencedora do certame foi da empresa Gautama, não se pode presumir que o Apelado tivesse
efetivo conhecimento da existência de superfaturamento, já que os preços que praticou haviam
sido previamente contratados com a Administração Pública sem sua intervenção.
Por isso, para responsabilizar criminalmente o Apelado não bastaria alegar que a
empresa Cipesa estava envolvida na aplicação dos recursos em que se constatou a ocorrência de
superfaturamento e desvios. Essa premissa é suficiente para mostrar que ele, na condição de
dirigente da empresa, obteve proveito, mas não que concorreu dolosamente para a prática
delitiva. Seria necessário mostrar que o Apelado quando menos tinha conhecimento das
irregularidades que lhe foram imputadas, o que poderia ser reconhecido caso houvesse prova do
conluio com os outros réus, mas tal situação não se verificou no caso concreto.
A alegação do Ministério Público Federal, nessa parte, está baseada na narrativa de que
teria havido uma trama criminosa onde os réus combinaram dividir a execução da obra pública
entre as duas empresas, Gautama e Cipesa, culminando com a dispensa indevida de licitação.
Mas essa é uma versão dos fatos que, conforme se viu anteriormente, foi afastada por
insuficiência de provas. Nesse passo, a absolvição do réu Mauro Paiva Neto é conclusão que se
impõe por um imperativo de coerência entre o que foi decidido no julgamento da acusação
anterior, o que corrobora e evidencia a improcedência da irresignação do Apelante também nessa
parte.
Quanto ao réu José Benigno Viana Portela consta dos autos que participou da comissão
de licitação. O recurso da acusação pretende que a r. sentença apelada seja reformada para
condená-lo pelo crime de peculato-desvio, porque tinha o dever de verificar se os preços ofertados
eram compatíveis com os preços de mercado e, não o fazendo, concorreu para o desvio de
recursos públicos.
Tal alegação tem pertinência, pois tanto o sobrepreço quanto o superfaturamento, que
propiciaram o desvio de recursos públicos objeto desta ação penal, só foram possíveis em
decorrência de irregularidades praticadas no processo licitatório, sendo devida a
responsabilização do Apelado por esses fatos, já que, na condição de membro da comissão de
licitação, concorreu para que ocorressem em violação de seus deveres de zelo e cuidado com a
coisa pública.
Todavia, diante do contexto fático que consta dos autos não encontro elementos que
justifiquem um édito condenatório. Primeiro, destaco que José Benigno Viana Portela somente
passou a integrar a Comissão Especial de Licitação a partir de 11 de outubro de 1997, sendo
incontroverso que nessa data o processo licitatório já estava em curso com o Edital de
Concorrência elaborado, de maneira que as intervenções do Apelado se limitaram à fase externa
do certame. Segundo, o Apelado é bacharel em Direito e não possui conhecimento técnico na área
de engenharia que lhe possibilitasse aferir a existência de sobrepreço embutido na planilha
orçamentária elaborada pela área técnica, sobretudo por não ter participado da fase interna da
licitação. Terceiro, consta dos autos que, na Reunião da Comissão de Licitação, houve
pronunciamento de José Vieira Crispim, Representante Técnico, no sentido de que as propostas
apresentadas seriam compatíveis com a legislação (preço de mercado).
Não se quer dizer com isso que o Apelado não pudesse ou mesmo devesse ter
questionado algumas das irregularidades formais verificadas no processo de licitação, sobretudo
em relação a aspectos jurídicos do certame. Todavia, especificamente quanto ao sobrepreço e ao
superfaturamento tudo indica que teria sido muito difícil para ele tomar conhecimento do fato ou
mesmo manifestar qualquer opinião sobre isso até pelo desconhecimento técnico, valendo
ressaltar também seu papel secundário e subalterno na comissão de licitações, que não se
equipara à do corréu Ademir Cabral, o qual efetivamente cumulava as funções de Secretário de
Infraestrutura e Presidente da Comissão de Licitações.
Assim, julgo, data maxima venia, que nesse quadro fático não há elementos suficientes
para condenar o réu somente pela sua participação de menor relevância no processo de licitação,
sendo indevida a responsabilização penal sob alegação de que teria que saber das irregularidades
e que ao não se manifestar estaria concordando com elas, conclusões que considero derivadas de
ilações que, no entanto, não estão corroboradas nas provas dos autos.
Vale mencionar que, no julgamento dos mesmos fatos, apreciados na Ação Penal nº 975
em relação ao ex-governador Ronaldo Lessa, hoje Deputado Federal com direito a foro por
prerrogativa de função, a egrégia Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal proferiu édito
absolutório exatamente com o fundamento de que não estaria provada a participação dolosa do
governador nos fatos.
Transcrevo a propósito excerto do voto do revisor, Min. Celso de Mello, o qual afirmou
que: “A mera invocação da condição do chefe do Executivo estadual, sem a descrição de
determinado comportamento típico que o vincule concreta e subjetivamente à pratica
criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal”.
Antes de apreciar as apelações da defesa dos acusados, anoto que todos eles foram
condenados pela prática do crime de peculato-desvio, tipificado no art. 312 do Código Penal, que
tem a seguinte redação:
Peculato
as investigações da Polícia Federal e CGU. Aliás, ressalto que, à exceção do Apelante Zuleido
Veras, os demais acusados não se insurgem quanto à ocorrência de sobrepreço e
superfaturamento que resultaram no desvio de recursos públicos, questionando sobretudo o
elemento subjetivo do tipo e sua efetiva participação no esquema criminoso.
Da materialidade delitiva:
99. Veja que não se está discutindo aqui o repasse das verbas pela
circunstância da cessão do contrato que já foi analisada no item anterior, o
que, verdadeiramente, se discute aqui é o sobrepreço discutido e glosado pelo
Tribunal de Contas da União e acima indicado.
“ H A B E AS C ORPUS. I N Q U É RI T O PO L I C I A L. TRA N C A M E N T O.
A L E G A Ç Ã O D E A T IPI C I D A D E . I N O C ORR Ê N C I A. JUST A
C A USA E VI D E N C I A D A. EXAME DE PRO VAS.
I MPROPRI E D A D E D A VI A E L E I T A. P E RÍ C I A O F I C I A L.
O BSE RVÂ N C I A D OS R E Q U ISI T OS L E G A IS. SUPR ESSÃ O D E
I NST Â N C I A. WRI T C O N H E C I D O E M PART E E D E N E G A D O.
1. A teor da orientação jurisprudencial desta Corte, o trancamento de
inquérito policial por ausência de justa causa, pela via do habeas
corpus, só se justifica quando constatado, de pronto, a atipicidade da
conduta ou absoluta falta de indícios de materialidade e autoria do
delito por parte do acusado, hipóteses não verificadas no presente
caso.
2. Realizada pericia oficial atribuindo ao paciente a falsificação de
assinaturas, têm-se que configurado, em tese, crime, cuja inexistência
deve ser demonstrada após encerrada a investigação, não sendo
possível, na via eleita, verificar-se a insuficiência de provas a
embasar uma investigação, por demandar o exame aprofundado de
provas.
3. A alegação de que o laudo pericial “não foi realizado dentro dos
parâmetros da lei ”, não foi debatida ou questionada no Tribunal de
origem, motivo pelo qual torna inviável a apreciação do tema por esta
Corte, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Em uma análise superficial do aludido laudo, não se verifica
nenhuma irregularidade, tampouco inobservância da lei, uma vez que
a perícia foi efetuada pelo órgão oficial da Secretaria do Estado de
Segurança Pública do Rio de janeiro, de idoneidade e competência
reconhecida com a participação de dois peritos oficiais pertencentes
ao órgão, demonstrando assim ter sido obedecida as regras contidas
no artigo 159 do Código de Processo Penal.
5. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada
(SUP E RI OR TRI B U N A L D E JUST I Ç A, 6ª T URM A, H C 45713,
DJ E 01/03/2010, R E L. Desembargador H aroldo Rodrigues,
Convocado do TJ/C E).”
Segundo se lê da denúncia, o réu Ademir Pereira Cabral foi acusado pelo Ministério
Público Federal, em suma, pelos seguintes fatos:
vii) Por fim, deve-se repisar que o denunciado ADEMIR foi o signatário, em
nome do Estado de Alagoas, no Instrumento de Subcontratação fraudulento
firmado entre Gautama e Cipesa que repassou ilegalmente a esta última o
importe de R$ 11.344.212,85, quase a totalidade em recursos públicos
federais, dentro dos quais também fora identificado, em sede de Tomada de
Contas Especial, a existência de sobrepreço/superfaturamento no valor de R$
5.181.101,27, ou seja, cerca de 52% de toda a verba ilegalmente repassada à
CIPESA fora COMPROVADAMENTE DESVIADA.
trazido aos autos que não esse jogo de palavras que tenta fazer o MPF provar
o que já foi provado pela simples juntada aos autos de documentos de
pagamento ilegal de importância do erário. Em sendo assim, resta comprovada
a conduta ilícita de ADEMIR PEREIRA CABRAL.
Análise
146. Depreende-se do art. 43, inciso IV, da Lei 8.666/93 que, antes da
realização de qualquer procedimento licitatório, o administrador deverá
realizar pesquisa de preço com a finalidade de elaborar o orçamento. Esse
orçamento constitui instrumento essencial e obrigatório para que a Comissão,
nos termos do art. 43 da Lei de Licitações, verifique a pertinência dos preços
contratados com aqueles praticados pelo mercado. Essa Lei não define que a
responsabilidade pela pesquisa de preço e elaboração de orçamento seja
atribuição da Comissão de Licitação ou do responsável pela homologação, em
especial quando o objeto a ser licitado reveste-se de complexidade tal que
recomende que esses elementos sejam elaborados por profissionais
especializados. Nesse sentido, o Acórdão 3.516/2007-TCU-1ª Câmara.
Nada obstante isso, entendo cabível confirmar a condenação do Apelante pela prática do
crime de peculato desvio por sua participação na contratação da construtora Gautama com
sobrepreço e superfaturamento e, outrossim, pelo pagamento de serviços não executados.
315. Em quarto lugar, mesmo que, até então, a Comissão não tivesse
atentado quanto à possibilidade de restrição do caráter restritivo dessas
exigências, ela teve três momentos para tomar conhecimento, conforme pode
ser constatado pela análise do relatório elaborado pela Comissão (folhas
3.323/3.332, anexo 9, v. 11):
iii. Uchoa - inabilitada por não atender o item 5.3.1: não apresentou
prova de quitação das anuidades, da empresa e de seus responsáveis técnicos,
junto ao Crea;
iv. Celi - inabilitada por não atender o item 5.3.2 ‘b’ (quantitativo
inferior ao mínimo estabelecido) e item 19.4 (visita não realizada pelo
profissional detentor do atestado do item 5.3.2 ‘b’);
Como visto, o Apelante aprovou proposta incompatível com o projeto básico ferindo o
princípio da isonomia entre os licitantes e favorecendo indevidamente a empresa Gautama. Não
se trata no caso de figura de menor expressão no processo licitatório, como o acusado José
Benigno Viana Portela, sendo certo que o Apelante tinha real domínio dos fatos, com
possibilidade de determinar a realização do fato delitivo e inclusive de evitar sua ocorrência.
Nesse quadro, data venia do que concluiu o TCU, tendo se verificado a existência de sobrepreço
e superfaturamento em valores milionários é inconcebível que o direcionamento da licitação
propiciada pelo Apelante, na condição de Secretário de Infraestrutura do Governo do Estado de
Alagoas e Presidente da Comissão de Licitações, tenha sido mera coincidência.
Tudo indica, portanto, que o réu participou de forma voluntária e consciente para o
esquema criminoso de desvio de recursos públicos, razão que o levou a promover o
direcionamento constatado. Por esse motivo, deve-se manter incólume o édito condenatório,
reconhecendo a responsabilidade penal do Apelante pelo desvio em decorrência do pagamento por
serviços que não foram executados, e sobretudo pela aprovação de proposta que ensejou graves
prejuízos ao erário em decorrência do sobrepreço e superfaturamento, demonstrados pela
fiscalização e reconhecidos pela própria Corte de Contas, fatos cuja materialidade não sofreu
qualquer impugnação séria do acusado.
Pelo exposto, entendo que a r. sentença apelada deve ser mantida, reservando a análise da
dosimetria da pena para a parte final deste voto.
Assim como o Apelante Ademir Pereira Cabral, José Jailson Rocha foi denunciado e
condenado pelo cometimento do crime de peculato desvio, tipificado no art. 312 do Código Penal.
A denúncia descreve as condutas do acusado, em síntese, da seguinte maneira:
O Apelante foi condenado pelo juízo a quo ao fundamento de ter sido responsável pelas
irregularidades levadas a efeito durante sua gestão na Secretaria de Infraestrutura, dentre as
quais a inclusão indevida, como serviço extra, das medições que envolvem a execução dos poços
de visita, conforme seguinte fundamentação:
Em relação a esse Apelante, data maxima venia, entendo que a r. sentença apelada
laborou em erro de julgamento. Explico. No caso dos autos não vislumbro a existência de provas
de que o acusado tivesse conhecimento da existência de sobrepreço e superfaturamento nos
pagamentos que autorizou. Diferente do acusado Ademir Cabral, que além de Secretário de
Infraestrutura funcionou também como Presidente da Comissão de Licitações, José Jailson
somente assumiu suas funções como Secretário de Infraestrutura em julho de 1999, dois anos
após a realização do processo licitatório, ocasião em que foram estabelecidos os preços da
contratação, de modo que o acusado não teve nenhuma participação, direta ou indireta, na
contratação de valores acima do preço de mercado que ocasionaram prejuízo ao erário.
Análise
Penso que nesse ponto assiste razão ao Tribunal de Contas da União e que tal decisão
deve ser considerada na apreciação da responsabilidade penal do Apelante, em relação ao
pagamento de despesas não realizadas, porquanto a condenação criminal exige prova de que o
acusado tinha conhecimento de que a obra não fora executada ou que fora executada apenas em
parte, ou ainda que foi executada com divergências de quantitativos, tendo realizado dolosamente
pagamentos que sabia serem indevidos.
Dentro desse contexto fático, em que realizados os atos de ordenação de despesas, não
vislumbro como responsabilizar o Apelante pelos pagamentos realizados por serviços não
executados, dado que tais autorizações eram instruídas por diversas intervenções, de variados
órgãos de perfil técnico, de maneira que, para reconhecer a existência do dolo – entendido como a
vontade livre e consciente de praticar o ilícito penal – seria necessário imputar essa
responsabilidade a todos os membros que participaram da cadeia de atos, os quais resultaram em
última análise nos pagamentos, não fazendo sentido presumir que essa responsabilidade caberia
exclusivamente ao Secretário, somente por ser a autoridade que pratica o ato final de autorização.
Enfim, aprecio a inclusão indevida, como serviço extra, das medições que envolvem a
execução dos poços de visita, valores que foram superfaturados via “divergência de
quantitativos”, totalizando o valor de R$ 1.500.800,00 em recursos desviados da execução do
objeto do contrato. O TCU também afastou a responsabilidade do acusado quanto a esse fato,
valendo ressaltar que, nesse ponto, o defeito verificado foi do Edital de Licitação, porque,
segundo o Acórdão 347/2003-TCU-Plenário, o projeto executivo a ser elaborado pela Seinfra/AL
deveria conter a inclusão/previsão da construção de poços de visita nos túneis que interligariam
as lagoas.
iii) Alvitre-se ainda que, do ponto de vista técnico, não haveria como o
denunciado FERNANDO desconhecer a principal irregularidade identificada
pela CGU na execução do Convênio nº 003/05, qual seja, o sobrepreço no
fornecimento e instalação de túnel NATM no valor de R$ 1.687.324,04, haja
vista a sua formação acadêmica (o denunciado é engenheiro), que permitiria
facilmente ao réu identificar a existência de sobrepreço no concernente ao
aludido item.
O Apelante foi condenado, porém, por fatos diversos daqueles descritos na denúncia,
uma vez que transferiu valores da conta específica do Convênio para a conta única do Governo
do Estado de Alagoas, para dar cobertura a pagamentos referentes à folha de salários dos
servidores públicos estaduais e dívidas com a União, com desvio de finalidade. Senão, veja-se:
Ainda que se tenha por verdadeira a imputação feita na r. sentença apelada contra o
acusado, sucede que, na descrição da denúncia não existe tal acusação. Ora, em situação
análoga, no julgamento da Ação Penal nº 975, o egrégio Supremo Tribunal Federal reconheceu
de ofício a nulidade da sentença, ao fundamento de que a condenação do acusado não poderia
desbordar das imputações que foram descritas na denúncia, sob pena de inobservância do
princípio da congruência. É o que se lê do voto do eminente Min. Celso de Mello, no excerto que
transcrevo:
Nesse passo entendo que assiste razão ao Apelante ao afirmar a existência de erro de
procedimento do juízo a quo causador de invalidade em face da condenação do réu por fato
diverso do contido na denúncia, devendo-se acolher essa preliminar.
De todo modo, entendo que a absolvição do Apelante é medida que se impõe mesmo no
tocante aos fatos que efetivamente lhes foram imputados, pelos fundamentos já explicitados no
julgamento do apelo de José Jailson Rocha. A ausência de responsabilidade deste acusado, aliás,
é ainda mais clara na medida em que ele só assumiu o cargo de Secretário de Infraestrutura em 1º
de julho de 2005, sendo exonerado a pedido em junho de 2006, pouco mais de onze meses depois,
não sendo devida a imputação de responsabilidade ao Apelante por sobrepreço e
superfaturamento resultantes de licitação ocorrida oito anos antes de sua nomeação.
Lado outro, não colhe a alegação do MPF de que o acusado necessariamente deveria ter
percebido o sobrepreço no fornecimento e instalação do túnel NATM. Apesar de sua formação
técnica em engenharia que, em tese, lhe permitiria verificar o sobrepreço praticado, o fato é que o
Apelante não atuou na execução do contrato nessa condição. Entendo, data máxima venia, não
ser cabível condenar o Apelante pelos preços contratados e praticados anos antes de sua
nomeação como Secretário de Infraestrutura, por não ser cabível simplesmente inferir que o
acusado “deveria ter conhecimento do fato” já que a responsabilidade penal exige prova do dolo,
não se bastando em mera presunção.
Compulsando os autos entendo que a pretensão recursal do Apelante deve ser acolhida.
De início, cumpre gizar que não se poderia responsabilizar o Apelante apenas por ter
encaminhado a prestação de contas, já que não atuava como ordenador de despesas e sim como
responsável técnico pela obra.
como ingerir em tais fatos e, por isso mesmo, não poderia ser penalmente responsabilizado por
desvios dessa natureza.
Cotejados com o montante total das despesas atestadas pelo Apelante que, nos termos da
r. sentença apelada, giravam em R$ 3,4 milhões de reais, tais valores afiguram-se pouco
significativos. Aliás, especificamente no que se refere à diferença de R$ 43 mil reais, consta dos
autos que as despesas foram posteriores às prestações de contas parciais apresentadas pelo
Apelante – não foi ele o responsável por essa prestação de contas –, o que fragiliza sobremaneira
a acusação do Ministério Público Federal, não sendo suficiente para imputar-lhe a prática de
crime de tal gravidade como peculato-desvio a alegada omissão em diligenciar a retificação do
defeito verificado, antes do momento oportuno que seria a prestação final das contas.
Por derradeiro, data máxima vênia do entendimento do juízo de primeiro grau, entendo
não ser possível imputar ao Apelante a responsabilidade pelo fato de maior gravidade, consistente
no sobrepreço constatado pela CGU no fornecimento e instalação do túnel NATM, na ordem de
aproximadamente R$ 1,7 milhões de reais.
Assim, embora fosse responsável técnico pela obra, exorbita do razoável responsabilizar
o Apelante pelos preços contratados e praticados antes mesmo que assumisse a função, ao
fundamento de que deveria ter conhecimento do fato, mesmo porque a composição do preço não
se limita ao valor dos insumos, envolvendo outros elementos que são acrescidos e considerados
(mão-de-obra, despesas indiretas etc.), mesmo no preço unitário, de maneira que, em regra,
somente uma revisão técnica e contábil detalhada tem aptidão para identificar situações desse
jaez. Nessas circunstâncias, reputo que subsiste dúvida fundada quanto ao efetivo conhecimento
das irregularidades nos preços praticados por parte do Apelante, sendo devida sua absolvição
pela insuficiência de provas que justifiquem o juízo condenatório, com base no princípio de que a
dúvida favorece o réu (in dubio pro reo).
Zuleido Soares de Veras foi denunciado pelo Ministério Público Federal porque, como
sócio majoritário no exercício das funções de “Diretor-Superintendente”, atuou como
representante da Construtora Gautama, empresa vencedora na licitação fraudulenta para
realização das obras de Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, na celebração do Contrato nº
01/97 e do fraudulento instrumento de contratação firmado entre a Gautama e a Cipesa, tida pela
acusação como verdadeira dispensa ilegal de licitação.
A acusação de dispensa indevida de licitação foi rejeitada pelo juízo a quo, decisão
acolhida neste voto como acertada, restando prejudicado nesta parte o apelo do acusado. Assim,
sua responsabilidade criminal fica cingida à acusação do cometimento de crimes de peculato-
desvio, na forma que se vê da r. sentença apelada, cujos fundamentos transcrevo:
128. Além disso, reitera que não foi feita perícia e que apresentara
laudo perante o TCU que não fora aceito, mas tal documento não foi juntado
aos presentes autos para supedanear os argumentos de realização das obras
pagas pelo poder público e a inocorrência de superfaturamento e sobrepreço.
público, repetindo que o agente deste crime tem que ser funcionário público. A
esse respeito considere-se que a conduta descrita no art. 312 do Código Penal
traz como circunstância elementar do tipo que a ação seja praticada por
funcionário público, vale dizer, é crime próprio, porém é pacífico aplicar-se a
esses casos o artigo 30 do Código Penal que dispõe não se comunicar as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime, restando demonstrado nos autos à participação de ZULEIDO SOARES
DE VERAS no conluio do qual resultou o desvio de dinheiro público da União
Federal.
1 NUCCI, Guilherme de Souza: Código penal comentado . 8ª edição atualizada e ampliada. São
Paulo. RT, 2008, nota 17, p. 298.
134. Vê-se, portanto, que resta sobejamente comprovado nos autos que
o desvio de dinheiro público para o patrimônio de ZULEIDO sem qualquer
justificativa, sem qualquer previsão legal, através de pagamentos indevidos
formalizados pela confirmação fraudulenta de que trechos de obras foram
realizados, quando, em verdade, ou nada fora construído, ou construído fora
de qualquer especificação técnica, ambiental, ética e jurídica.
Penso que a r. sentença apelada não merece reparos, sendo devida a condenação do
acusado pois é indiscutível que ele foi o principal responsável e maior beneficiado pela
contratação com sobrepreço e superfaturamento, além do pagamento indevido por serviços não
executados, apropriando-se ilicitamente de recursos públicos em prejuízo ao erário.
Impende gizar que esses fatos foram analisados pelo Tribunal de Contas o qual chegou a
conclusões semelhantes àquelas que se encontram nos exames da Polícia Federal e da CGU,
acolhidas pelo juízo a quo.
Em respeito à materialidade delitiva, aliás, tenho que a alegação do réu de que não
poderia ter havido sobrepreço apenas porque sua empresa foi vencedora no certame chega a ser
pueril, eis que a denúncia explicou de forma minuciosa os artifícios utilizados pelos acusados na
trama criminosa que resultaram na aprovação de proposta que, posto fosse menor no preço
global, era desvantajosa à administração e ensejou pagamentos indevidos por serviços em preços
acima do mercado, além de outros não executados. Ainda assim, para melhor esclarecimento dos
fatos, a fim de que não reste nenhuma dúvida, passo a transcrever a narrativa da denúncia
quando explica os artifícios utilizados pelos réus, inclusive se valendo de jogo de planilhas
orçamentárias para que ficasse com preço inferior, embora com proposta menos vantajosa para a
Administração, como se vê em seguida:
Passo a examinar a dosimetria das penas aplicadas aos acusados cuja condenação resta
mantida, Ademir Pereira Cabral e Zuleido Soares de Veras.
Tenho por iniciar com a transcrição dos fundamentos do juízo a quo na aplicação das
penas ao réu em questão:
O Apelante alega erro na dosimetria da pena por violação ao princípio do “ne bis in
idem”, já que se valorou como circunstância negativa o motivo com o mesmo fundamento que se
valorou negativamente as consequências do crime. Defende também que a superposição de
funções não poderia servir de argumento para aumentar a pena como circunstância desfavorável
até porque o juízo reconheceu que o réu tivesse ciência das irregularidades como membro da
Comissão Permanente de Licitação. Argui por fim que faria jus à atenuação da pena, já que agira
sob ordens superiores, o que não foi considerado na r. sentença apelada.
A terceira alegação não colhe, porque o egrégio Supremo Tribunal Federal absolveu o
acusado Ronaldo Augusto Lessa, por insuficiência de provas de que estivesse ciente das
irregularidades patrocinadas pelo Apelante em conluio com Zuleido Veras, de maneiras que seria
incoerente com essa decisão reconheceu em seu favor a atenuante de ter atuado sob ordens
superiores.
Reconhecendo que o Apelante tem razão em parte, e ressaltando que se trata de réu
primário e de bons antecedentes, entendo que a pena deve ser diminuída para 4 (quatro) anos e de
reclusão, que julgo suficiente e proporcional à gravidade das condutas. Enfim, no caso particular
dos autos, tenho que a intensidade da culpabilidade e as graves consequências do delito são
motivos bastantes em si para aplicar a pena base no patamar de 4 (quatro) anos de reclusão.
O regime inicial de cumprimento é o semi-aberto, com fundamento no art. 33, § 1º, “b”, e
§ 2º, “b” do Código Penal, devendo ser confirmada a decisão que indeferiu a substituição das
penas, pela ausência dos pressupostos do art. 44 do Código Penal.
A dosimetria da pena aplicada ao Apelante Zuleido Soares de Veras foi aplicada com os
seguintes fundamentos:
Ainda assim entendo que assiste razão em parte ao Apelante, porquanto o juízo a quo
somente valorou negativamente duas circunstâncias judiciais, de modo que a pena acabou
excessivamente majorada. Ressalto que a dosimetria da pena não é um procedimento exato e que
o caso dos autos de fato recomenda uma reprimenda mais elevada dada a intensa culpabilidade
do réu e as graves consequências do delito, de maneira que revejo a pena base aplicada para
diminuir apenas para ao patamar de 5 (cinco) anos de reclusão.
A pena deve ser aumentada na fração de 2/3 pela continuidade delitiva, na forma
aplicada pelo juízo sentenciante, com fundamento no art. 71 do Código Penal, o que levaria a
uma pena definitiva de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses. Ocorre, porém, que por erro material o
juízo a quo acabou aplicando ao réu pena definitiva de 8 (oito) anos reclusão e, não tendo
havido recurso do Ministério Público Federal para aumentar a pena não vejo como corrigir o
equívoco, devendo-se manter a pena definitiva no patamar aplicado de 8 (oito) anos de reclusão,
sob pena de reforma para prejudicar a situação do recorrente proibida pelo ordenamento jurídico
(reformatio in pejus).
O regime inicial de cumprimento é o semi-aberto, com fundamento no art. 33, § 1º, “b”, e
§ 2º, “b” do Código Penal, devendo ser confirmada a decisão que indeferiu a substituição das
penas, pela ausência dos pressupostos do art. 44 do Código Penal.
13) Dispositivo.
Ante o exposto, não conheço do recurso de Mauro Paiva Neto, nego provimento à
apelação do Ministério Público Federal, dou provimento às apelações de Fernando de Souza, José
Jailson Rocha e Denison Luna de Tenório e dou parcial provimento às apelações de Ademir
Pereira Cabral e Zuleido Soares de Veras.
É como voto.
absolutória por um dado fundamento. A absolvição do réu, por qualquer fundamento que seja, é
insuscetível de impugnação por recurso da Defesa. Recurso de um dos réus não conhecido por
ausência de interesse recursal.
3. O aditamento da denúncia para incluir no polo passivo da ação penal outros réus não
gera a necessidade de citação dos acusados com reabertura do prazo de defesa, nos termos do art.
384 do CPP (mutatio libelli). A produção de prova nova não dá ensejo a uma nova citação,
bastando, para assegurar o exercício da ampla defesa e do contraditório, que os réus tenham
acesso aos elementos de prova juntados aos autos, sendo-lhes facultado impugná-los e contraditá-
los ao longo da instrução, o que efetivamente ocorreu no caso concreto. Rejeitada preliminar de
cerceamento de defesa.
4. Não há óbice no aproveitamento das perícias e demais meios de prova confeccionados
na fase investigativa, sobretudo em se tratando de trabalhos técnicos corporificados em
documentos escritos, sendo que acaso o réu discorde de suas conclusões pode,
fundamentadamente, refutá-las. Precedente do STJ (APn 536/BA, Rel. Min. Eliana Calmon,
Corte Especial, j. 15/3/2013, DJe 4/4/2013). Rejeitada preliminar de cerceamento de defesa.
5. Nos crimes próprios de funcionário público, havendo concurso de agentes, o particular
que concorre para a infração é suscetível de responsabilização criminal, comunicando-se para ele
a elementar do tipo, nos termos dos arts. 29 e 30 do Código Penal. Rejeitada preliminar de falta
de justa causa para a ação penal.
6. A prescrição da pretensão punitiva antes de transitar em julgado a sentença final
verifica-se em oito anos se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro (Art.
109, IV, do CP). Passados mais de nove anos entre o recebimento da denúncia (16/11/2009) e o
julgamento da apelação do MPF (18/12/2017), verifica-se a extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva em relação aos crimes de formação de quadrilha (Art. 288 do
CP). A extinção da punibilidade pela prescrição é matéria de ordem pública, devendo ser
conhecida de ofício pelo juízo (Art. 61 do CPP) e prejudica o exame do mérito da apelação
criminal (Súmula nº 241 TFR).
7. A tipificação do crime de dispensa indevida de licitação, previsto no art. 89 da Lei nº
8.666/93, não prescinde da prova do dolo de prejudicar o caráter republicano do certame ou
causar prejuízo aos cofres públicos. Hipótese em que a subcontratação tida como fraudulenta foi
respaldada em pronunciamento formal da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas, por meio de
parecer jurídico fundamentado, não tendo sido alegado ou sequer apontado qualquer indício de
conluio dos Apelados para burlar a legislação, de maneira que, quanto a essa acusação em
particular, não há qualquer elemento que aponte para suposta má-fé ou conduta desonesta
visando à quebra do princípio da impessoalidade da Administração, protegido pela norma penal.
8. A insuficiência de provas, que conduz à dúvida quanto à autoria ou quanto ao dolo no
cometimento do crime, impõe a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Hipótese em que não
se demonstrou a participação consciente e voluntária de parte dos réus (ex-governador de Estado,
ex-secretários de infraestrutura, responsável técnico pela obra) no cometimento dos fatos
delituosos, sendo devida sua absolvição por insuficiência de provas.
9. Havendo prova inconteste da contratação com sobrepreço e superfaturamento e o
pagamento de serviços não executados resta demonstrado o desvio de recursos públicos.
Comprovada a autoria delitiva pela atuação dolosa do agente público que se valeu de sua posição
na estrutura da administração (Presidente da Comissão de Licitações e Secretário de
Infraestrutura) para direcionar o processo para a escolha de empresa participante do esquema
criminoso, aprovando proposta fraudulentamente mais vantajosa em desacordo com o Edital,
sendo devida também a responsabilização do dono da empresa, principal responsável pelas
práticas delitivas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira
Turma do Tribunal Regional Federal da 5a Região, por unanimidade, não conhecer do recurso
de Mauro Paiva Neto, negar provimento à apelação do Ministério Pùblico Federal, dar
provimento às apelações de Fernando de Souza, José Jailson Rocha e Denison de Luna
Tenório e dar parcial provimento às apelações de Ademir Pereira Cabral e Zuleido Soares
de Veras, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Recife/PE, 08 de fevereiro de 2018