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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradoria Regional da República da 5a Região

EGRÉGIA 3a TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5a REGIÃO.

Embargos de declaração 17.780/2022 (Ctraz/PRR5/WCS/243/2022)

Apelação cível: 0802153-24.2017.4.05.8302/PE


Processo originário: ação de improbidade 0802153-24.2017.4.05.8302
24a Vara da Seção Judiciária de Pernambuco
Apelantes: Ministério Público Federal
Apelados: Dioclécio Rosendo de Lima, Carlos Marques Ferreira Jú-
nior, Mário da Mota Limeira Filho
Órgão julgador: 2a Turma
Relator: Juiz Paulo Roberto de Oliveira Lima

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional da Repúbli-


ca ao final firmado, vem, com amparo nos artigos 1.022, incisos II e III, e seguin-
tes do Código de Processo Civil e no prazo legal, opor

embargos de declaração,

a fim de resolver omissões e contradição do acórdão 4050000.32113405.

1 TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS

1. Estes embargos são tempestivos. Como se sabe, intimação do Ministério


Público Federal somente se aperfeiçoa, nos expressos termos do art. 18, inciso
II, alínea h, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar
75, de 20 de maio de 1993) com remessa dos autos à Procuradoria Regional da
República ou por meio eletrônico, na forma da Lei 11.419, de 19 de dezembro

R. Frei Matias Tévis, 65, sala 603, Ilha do Leite | 50070-465 Recife (PE)
Tel.: (81) 3081-9943 / 44 | Fax: (81) 3081-9944 | E-mail: wsaraiva@mpf.mp.br

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de 2006. Isso significa que para o órgão são juridicamente ineficazes as demais
formas de intimação, como a realizada pela imprensa e a por oficial de justiça.
Esse entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (em
raciocínio que vale tanto para processos criminais quanto para os cíveis). 1

2. O término do prazo para esta Procuradoria Regional da República con-


sultar intimação do acórdão 4050000.32113405 terminou em 7 de julho de
2022, quinta-feira, de modo que o prazo de dez dias úteis (Código de Processo
Civil, art. 1.023, combinado com o art. 180 do mesmo código) se iniciou no pri -
meiro dia útil subsequente e terminaria em 21 de julho de 2022.

2 RELATÓRIO

3. Trata-se de reexame necessário e apelação interposta pelo Ministério Pú-


blico Federal contra a sentença 4058302.9988167, da 24 a Vara da Seção Judi-
ciária de Pernambuco (SJPE), que julgou improcedente pedidos de ação de im-
probidade administrativa ajuizada pela Procuradoria da República no Municí-
pio de Caruaru (PRM Caruaru).

4. Na petição inicial 4058302.4161184, instruída com o inquérito civil público


1.26.002.000287/2016-61, a PRM Caruaru narrou que o Município de Riacho das
Almas (PE), na gestão de DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA, firmou o convênio
472/2011 (SIAFI 764665) com Ministério do Turismo (MTur) para promover
ações turísticas. A União deveria ter contribuído com R$ 200.000,00, mas hou-
ve repasse de apenas R$ 161.404,80, referentes à primeira parcela, pois o ente
federal suspendeu novos repasses por irregularidades na prestação de contas
parcial. A contrapartida do município seria de R$ 8.430,00.

5. A Secretaria de Políticas de Turismo do MTur, em 18 de setembro de


2012, requereu ao prefeito relatório do andamento de execução do convênio,
incluindo exemplares ou fotografias coloridas de peças promocionais, mas a
diligência não foi cumprida. Houve novas solicitações com a mesma finalidade

1 Supremo Tribunal Federal. Plenário. Habeas corpus 83.255/SP. Relator: Ministro MARCO
AURÉLIO. 5 nov. 2003, maioria. Diário da Justiça, seção 1, 12 mar. 2004, p. 38.

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em 7 de janeiro e em 29 de maio de 2013, na gestão do ex-prefeito MÁRIO MOTA


LIMEIRA FILHO, que também se manteve inerte. Como o novo gestor público
não prestou contas do convênio, o município e o ex-gestor DIOCLÉCIO ROSENDO
DE LIMA foram notificados para ressarcir o erário federal dos valores recebidos.

6. Após notificado pelo MTur para ressarcir os recursos do convênio,


DIOCLÉCIO R. DE LIMA alegou que deixou de prestar contas por não ser mais ges-
tor do município ao fim da vigência do convênio (doc. 4058302.4161276, p. 3-6
do arquivo), mas a documentação foi por ele firmada (autorização para ade-
são da ata de registro de preços 7/2012; termo de adesão firmado com a em-
presa CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR ME; nota fiscal e recibo de
R$ 161.404,80, pagos à empresa, que apresenta o nome de fantasia “JARDIM DO
ÉDEN”; entre outros – docs. 4058302.4161408 e 4058302.4161410). No curso do
inquérito civil, DIOCLÉCIO R. DE LIMA apresentou argumentos semelhantes e có-
pia dos documentos apresentados ao MTur, mas sem comprovar quais bens e
serviços foram custeados com o convênio e pagos à pessoa jurídica CARLOS
MARQUES FERREIRA JÚNIOR ME. Ainda no exercício do mandato, MÁRIO M.
LIMEIRA FILHO informou que, após diversas buscas nos arquivos do município,
não foram encontrados documentos referentes ao convênio.

7. A PRM Caruaru requereu liminarmente indisponibilidade dos bens dos


réus. No mérito, pleiteou que DIOCLÉCIO R. DE LIMA, CARLOS MARQUES FERREIRA
JÚNIOR e CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR ME fossem condenados por atos de
improbidade administrativa tipificados no art. 10, incs. I, VIII, XI e XII, da Lei
8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), e que
MÁRIO M. LIMEIRA FILHO o fosse por ato de improbidade previsto no art. 11, ca-
put e inc. V, da LIA.

8. A 24a Vara da SJPE indeferiu a tutela de urgência (doc.


4058302.4245352).

9. A PRM Caruaru interpôs agravo de instrumento 0811707-


57.2017.4.05.0000 (doc. 4050000.9896655). Esse Tribunal Regional Federal
deu provimento ao agravo (doc. 4050000.11327641).

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10. Na apelação 4058302.10029911, a PRM Caruaru alegou que: (a) a adesão


à ata de registro de preços foi fraudulenta; (b) houve desperdício de recursos
públicos, pois os réus não comprovaram produção dos materiais do plano de
trabalho do convênio. Requereu reforma da sentença para condená-los.

11. DIOCLÉCIO R. DE LIMA e MÁRIO M. LIMEIRA FILHO ofereceram contrarrazões


(docs. 4058302.10214119 e 10227658).

12. Apesar de intimados para contra-arrazoar o recurso (docs.


4058302.10158632 e 10158630), CARLOS M. FERREIRA JÚNIOR e CARLOS MARQUES
FERREIRA JÚNIOR ME não o fizeram (doc. 4058302.10360487).

13. No parecer 4050000.16118648, esta Procuradoria Regional da República


opinou por provimento do recurso.

14. No despacho 4050000.30927480, o relator intimou este órgão para ma-


nifestar-se acerca das inovações introduzidas pela Lei 14.230, de 25 de outubro
de 2021, em especial sobre a prescrição.

15. Na promoção 4050000.30952687, esta Procuradoria Regional da Repú-


blica manifestou-se por impossibilidade de aplicação retroativa da Lei
14.230/2021 à Lei 8.429/1992 e, em especial, por irretroatividade das normas
materiais relativas à conformação dos atos ímprobos propriamente ditos e à
não ocorrência de prescrição intercorrente antes da sentença.

16. A 3a Turma desse tribunal reconheceu prescrição intercorrente (art. 23,


§ § 4o e 5o, da Lei 8.429/1992, na redação da Lei 14.230/2021) e extinguiu em par-
te o processo com resolução de mérito, mantida somente a pena de ressarci-
mento do erário. Esta é a ementa do acórdão (doc. 4050000.31739090, sem
destaques no original):

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.


SUPERVENIÊNCIA DA LEI 14.230/2021. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CO-
NHECIDA. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. PRESCRIÇÃO
INTERCORRENTE RECONHECIDA COM EXCEÇÃO DO RESSARCIMENTO
AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. DANO AO ERÁRIO CONFIGURADO.
APELO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDO.

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1. Trata-se de remessa necessária e recurso de apelação interposto pelo


MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de sentença proferida pelo Juízo
da 24a Vara Federal de Pernambuco, que julgou improcedente o pedido
formulado na inicial de ação de improbidade administrativa ajuizada em
razão de supostas ilicitudes praticadas pela Prefeitura do município de Ri-
acho das Almas/PE no cumprimento do Convênio n o 00472/2011, celebra-
do com o Ministério do Turismo para ações de promoção turística.
2. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação improbidade
administrativa em face de DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA, CARLOS MAR-
QUES FERREIRA JÚNIOR, CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR – ME e
MARIO DA MOTA LIMEIRA FILHO , aduzindo que restaram identificadas
as seguintes irregularidades na execução do Convênio n o 00472/2011, que
configurariam os atos de improbidade descritos no art. 10, caput, inciso I,
VIII, XI e XII e no art. 11 caput, V da Lei no 8.429/92: a) indevida contrata-
ção de empresa sem licitação em virtude de adesão irregular a ata de re-
gistro de preço; b) desperdício de recursos públicos; e c) ausência de
prestação de contas.
3. Na sentença recorrida, o douto Juízo da 24 a Vara Federal de Pernambu-
co julgou improcedente o pedido, entendendo ter havido o efetivo cum-
primento do convênio, o que afastou, assim, a ocorrência de ato de im-
probidade administrativa. Destacou, ainda, a legalidade da adesão, pelo
município de Riacho das Almas/PE, à ata de registro de preço de ente mu-
nicipal diverso, pois preenchidos os requisitos legais para tanto. Enten-
deu pela ausência de comprovação de danos ao erário, já que os serviços
foram efetivamente prestados, de modo que os atos imputados se carac-
terizariam como meras irregularidades.
4. O MPF interpôs apelação (id.10029912), salientando a ilicitude da ade-
são do município a registro de preços realizado por ente federativo diver-
so e as demais fraudes verificadas na execução do convênio. Ressaltou
que a contratação fraudulenta não trouxe proveito algum ao município,
tendo ocorrido o pagamento em favor da empresa ilicitamente contrata-
da sem a devida contraprestação. Aduziu a presença do dolo e da má-fé
na conduta dos demandados.
5. Os réus apresentaram contrarrazões defendendo a não configuração de
ato de improbidade administrativa, tendo o réu MÁRIO DA MOTA LIMEIRA
FILHO, ainda, aduzido, em preliminar, a ausência de impugnação específica
do capítulo da sentença referente a sua participação no suposto ato de im-
probidade administrativa, não se podendo proceder à reforma do julgado,
nesse ponto, posto que já preclusa tal oportunidade, e sob pena, ainda, de
ofensa aos princípios da congruência e da dialeticidade.
6. Intimadas as partes para se manifestarem sobre as novas disposições
da Lei no 14.230/2021, o MPF defendeu que as inovações da LIA não de-
vem retroagir para alcançar processos em curso à época da entrada em

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vigor da Lei no 14.230/2021. O apelado MARIO DA MOTA LIMEIRA FILHO,


por sua vez, se manifestou pela ocorrência de prescrição intercorrente e
inexistência de dolo específico, destacando a retroatividade das novas
disposições legais. Os demais apelados não se manifestaram (id.
30952687 e 31187629).
7. Inicialmente, cabe ressaltar que a Lei 14.230/2021 introduziu profundas
modificações na Lei 8.429/1992, dentre elas, a extinção da remessa neces-
sária das sentenças proferidas em ação de improbidade administrativa,
conforme se verifica do art. 17, § 19, IV, e art. 17-C, § 3o da LIA. Consideran-
do que tais alterações aplicam-se, imediatamente, a todos os feitos em
andamento, não conheço da remessa necessária interposta.
8. Com relação à preliminar arguida por MÁRIO DA MOTA LIMEIRA FI-
LHO, tem-se que, de fato, não cabe a este Tribunal ultrapassar os limites
da pretensão recursal, analisando matéria que não foi objeto de impug-
nação pelo recorrente.
9. Todavia, em suas razões recursais, o MPF, ao tratar sobre o capítulo da
sentença intitulado “Da Análise Técnica da Prestação de Contas e da au-
sência de motivação idônea do Procedimento Administrativo Federal”,
aduziu que o Juízo de primeiro grau considerou deficiente a comprova-
ção da configuração de ato de improbidade, especialmente em razão de
o dano não ter restado cabalmente comprovado no Parecer Técnico de
análise de Prestação de Contas no 48/2013 e nos documentos que instru-
em o Inquérito Civil Público no I.C. 1.26.002.000287-2016-61.
10. Nesse sentido, o MPF defendeu se tratar, na realidade, “de deficiência
da própria demonstração da Prefeitura quanto ao que efetivamente teria
sido realizado com os recursos públicos federais“, o que impossibilitou a
demonstração, de forma explícita, pelos órgãos federais de controle, do
efetivo desperdício de recursos públicos.
11. Em outras palavras, o MPF questionou o comando sentencial que con-
siderou insuficiente o conjunto probatório referente à comprovação dos
danos ocasionados ao erário, alegando que tal comprovação restou pre-
judicada pela própria desídia dos então gestores municipais DIOCLÉCIO
ROSENDO DE LIMA e MÁRIO DA MOTA LIMEIRA FILHO, que, mesmo sub-
metidos à obrigação de prestar contas e devidamente notificados de tal
obrigação, não o fizeram, causando prejuízos, portanto, ao controle exer-
cido pelos órgãos competentes.
12. Desse modo, de maneira diversa do que aduz a defesa de MÁRIO DA
MOTA LIMEIRA FILHO, resta demonstrada a impugnação específica do
Parquet quanto à conduta típica a ele atribuída, motivo pelo qual se
impõe a rejeição da preliminar arguida.
13. Passando ao mérito da demanda, importa destacar que a Lei n o
14.230/2021, de 25 de outubro de 2021, provocou profundas mudanças na
Lei no 8.429/92, que alteraram sobremaneira a disciplina da improbidade

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administrativa no ordenamento jurídico brasileiro, trazendo relevantes


inovações, inclusive, com relação ao prazo e termos iniciais de contagem
da prescrição, verificando-se, ainda, a possibilidade de aplicação do insti-
tuto da prescrição intercorrente.
14. É inegável que as alterações substanciais ocasionadas pela nova legis-
lação trouxeram, consigo, alguns entraves relacionados à interpretação
da norma e à sua aplicabilidade, notadamente quando consideradas as
ações já em curso, com relação às quais pairam dúvidas quanto à possibi-
lidade ou não de retroatividade das novas disposições legais.
15. Nesse sentido, considerando as discussões envolvendo a matéria, vale
destacar algumas ponderações acerca da aplicação das novas regras ao
caso em apreço.
16. Nesse quesito, importa esclarecer que a ação de improbidade admi-
nistrativa tem nítida natureza sancionatória e repressiva, aplicando-se,
assim, os princípios do direito administrativo sancionador, conforme pre-
vê o artigo 1o, § 4o da LIA e art. 17-d da nova lei.
17. O STJ, por sua vez, possui entendimento no sentido de que “o princí-
pio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5 o, XL,
da Constituição da República alcança as leis que disciplinam o direito ad-
ministrativo sancionador” (STJ, 1a Turma, RMS 37.031/SP, rel. Min. REGINA
HELENA COSTA, DJe 20.2.2018).
18. Portanto, o que se observa é que, sendo a lei de improbidade uma
norma de natureza sancionatória, tratando-se, portanto, de verdadeiro
instrumento punitivo, cujas sanções possuem potencial de causar impac-
to sobre a esfera da propriedade e do direito de representação política
do indivíduo, não há que se negar sua proximidade com o direito penal,
sendo a ela aplicados alguns princípios próprios desta seara, como o prin-
cípio da retroatividade da lei mais benéfica, conforme reconhecido pela
própria Corte Superior.
19. No tocante aos novos prazos de prescrição previstos na Lei n o
14.230/2021, em específico, há argumentos no sentido de que a prescri-
ção, na seara cível, atingiria apenas o direito de ação, e não o direito ma -
terial em si, motivo pelo qual não retroagiria para alcançar ações anteri-
ormente ajuizadas, sob a égide da legislação anterior. Dessa forma, a
prescrição seria regra eminentemente processual, e, portanto, irretroati-
va, conforme art. 14 do CPC e art. 6o da LINDB.
20. Entretanto, embora seja certo que o instituto da prescrição afeta ma-
téria processual, é inegável seu alcance quanto ao próprio direito materi-
al, ao atingir o direito do Estado de apurar a conduta ímproba e sancionar
o agente responsável pela improbidade. Considerando-se, pois, a nature-
za mista de tal instituto, deve prevalecer a tese de que a norma mais be -
néfica retroage para beneficiar o réu, conforme entendimento do STJ,
sentido de que “como norma de natureza jurídica mista e mais benéfica

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ao réu, deve retroagir em seu benefício em processos não transitados em


julgado” (AgRg no HC 575.395/RN, relator ministro NEFI CORDEIRO, Sexta
Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020.)
21. De fato, consoante já ressaltado acima, a lei de improbidade adminis-
trativa está inserida no sistema jurídico sancionatório de natureza extra-
penal, integrando, assim, o direito administrativo sancionador, para o
qual devem ser estendidos princípios inerentes à seara criminal, dada a
natureza punitiva e sancionatória de ambos.
22. No sentido da retroatividade também vem entendendo esta 2 a Turma,
destacando-se que tal princípio alcança as leis que disciplinam o direito
administrativo sancionador (Processo: 00030804220114058202, Apelação
Cível, Desembargador Federal PAULO MACHADO CORDEIRO, 2a Turma, Julga-
mento: 15/03/2022); (Processo: 00069408620134058200, Apelação Cível,
Desembargador Federal THIAGO BATISTA DE ATAIDE, 2a Turma, Julgamento:
09/11/2021); (Processo: 00007306920064058101, Apelação Cível, Desem-
bargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2a Turma, Julgamento:
07/12/2021).
23. Portanto, considerando a ideia de aplicação retroativa quanto às nor-
mas mais benéficas trazidas pela reforma da LIA, passa-se à análise do
caso concreto.
24. Nos termos do art. 23, § 4o, I, II e III, e § 5o da Lei no 8.429/92, com a
nova redação dada pela Lei no 14.230/2021, o prazo prescricional de 8
anos contado a partir da ocorrência do fato interrompe-se com o ajuiza-
mento da ação de improbidade administrativa, recomeçando a correr do
dia da interrupção, pela metade.
25. No caso em análise, tem-se que a ação foi ajuizada em 18/10/2017, ten-
do a sentença de improcedência sido publicada em 27/02/2019.
26. Nos termos da nova legislação, após a interrupção do prazo prescrici-
onal pelo ajuizamento da ação de improbidade, o novo marco que teria o
condão de interromper novamente o prazo de prescrição seria a publica-
ção de sentença condenatória, o que, até o presente momento, não se
verificou, não havendo que se considerar, portanto, interrompido tal lap-
so temporal.
27. Inexistindo, portanto, até o momento, qualquer provimento jurisdici-
onal no sentido da condenação dos réus, e tendo decorrido prazo superi-
or a 04 anos desde o ajuizamento da demanda, é forçoso reconhecer a
ocorrência da prescrição intercorrente, salvo aquela referente à repara-
ção do dano ao erário, ante a sua imprescritibilidade, por expressa previ-
são constitucional (art. 37, § 5o, CF/88).
28. Diante da imprescritibilidade da sanção de ressarcimento do dano,
cumpre examinar o recurso tão somente nessa parte, a fim de se perqui-
rir acerca da ocorrência do alegado prejuízo sofrido pelos cofres públi-
cos. Aplicação do Tema 1089/STJ.

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29. No ponto, cabe ressaltar que o STF já teve a oportunidade de firmar


as seguintes teses:
– Tema 666 (RE 669.069): “É prescritível a ação de reparação de
danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”;
– Tema 897 (RE 852475): “São imprescritíveis as ações de ressarci-
mento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei
de Improbidade Administrativa”
30. Desta feita, conclui-se que a imprescritibilidade da ação de ressarci-
mento ao erário fundada na prática de ato tipificado na Lei de Improbida-
de Administrativa depende da configuração do elemento subjetivo do
tipo dolo, o que se passará a analisar adiante.
31. Na inicial, o MPF alega que os apelados, durante a execução do Convê-
nio no 00472/2011, SIAFI no 764665, firmado entre o Município de Riacho
das Almas/PE e o Ministério do Turismo, teriam praticado atos de impro-
bidade administrativa que causaram prejuízo ao erário e que atentaram
contra os princípios da Administração Pública, imputando aos réus as se-
guintes condutas:
– DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA (ex-Prefeito do Município de Ria-
cho das Almas/PE) – Artigo 10, incisos, I, VIII, XI e XII, e, subsidiaria-
mente, artigo 11, caput e inciso V, da Lei no 8.429/92;
– CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR – Artigo 10, incisos I, VIII,
XI e XII, e, subsidiariamente, artigo 11, caput, da Lei no 8.429/92;
– CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR ME – Artigo 10, incisos I,
VIII, XI e XII, e, subsidiariamente, artigo 11, caput, da Lei no 8.429/92;
– MARIO DA MOTA LIMEIRA FILHO (prefeito do Município de Ria-
cho das Almas/PE) – Artigo 11, caput e inciso V, da Lei no 8.429/92.
32. Aduz o MPF que, durante a execução do aludido convênio, foi identifi-
cada a ocorrência das seguintes ilicitudes: a) indevida contratação de em-
presa sem licitação, b) desperdício de recursos públicos, c) ausência de
prestação de contas.
33. Relata o Parquet que o ex-Prefeito do município de Riacho das
Almas/PE, DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA, firmou com o Ministério do Tu-
rismo, em 16/12/2011, o Convênio no 00472/2011, SIAFI no 764665, visando à
execução de ações de promoção turística na localidade, com valor de re-
passe previsto em R$ 200.000,00 e valor de contrapartida previsto em
R$ 8.430,00.
34. Esclarece que, embora inicialmente programado o repasse de verbas
no importe de R$ 208.430,00, em razão de irregularidades na prestação
de contas e no andamento da execução do convênio, somente foi repas-
sado ao município o valor de R$ 161.404,80, equivalente à primeira parce-
la do total a ser transferido.

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35. O Parquet argumenta que a contratação da empresa para a execução


do convênio teria ocorrido, de forma indevida, por adesão a registro de
preços feito por outro município, sem qualquer fundamentação. Destaca
que, ao invés de realizar licitação na modalidade pregão eletrônico ou
presencial, o demandado DIOCLÉCIO ROSENDO, contrariando a lei, op-
tou por aderir à ata de registro de preços do município de Chã Grande/PE,
que já havia anteriormente contratado a empresa CARLOS MARQUES
FERREIRA JÚNIOR-ME em pregão presencial realizado em 10/05/2012.
36. Sustenta o MPF que o registro de preços não é uma modalidade de li-
citação, mas um procedimento destinado a compras rotineiras da Admi-
nistração, não aplicável, portanto, à contratação de ações turísticas pro-
mocionais. Defende que o Decreto Federal n o 3.931/2001, utilizado pelo
então Prefeito DIOCLÉCIO ROSENDO, ao consultar a CARLOS MARQUES
FERREIRA JÚNIOR ME acerca da possibilidade da adesão à ata de registro
de preços no 06/2011, se restringe apenas à administração federal, não
disciplinando a questão a nível municipal. Frisa que, ainda que fosse pos-
sível a utilização do aludido decreto, o município não poderia ter aderido
a registro de preços feito por outro ente, já que tal fato representaria
compra efetuada sem a devida licitação.
37. Argumenta, ainda, que a contratação da empresa CARLOS MARQUES
FERREIRA JÚNIOR ME não ensejou nenhum benefício ao município, já
que não se demonstrou a efetiva produção do material promocional al-
mejado, nem mesmo o impacto da suposta campanha no turismo local,
embora a municipalidade tenha sido devidamente notificada para tanto.
Ressalta a presença da má-fé nas condutas dos apelados.
38. A respeito da modalidade de licitação utilizada pelo então gestor do
município de Riacho das Almas/PE, defende o MPF que a aquisição do
material promocional deveria ter sido realizada por meio de pregão ele-
trônico ou presencial, em obediência à Lei n o 8.666/93 e aos itens IX, X e
XXVII da Cláusula Quarta do convênio firmado entre o município e o Mi-
nistério do Turismo.
39. Nesse sentido, o Convênio n o 00472/2011, em sua Cláusula Quarta,
item IX, prevê que “Em relação às licitações e contratos para aquisição de
bens e serviços comuns será obrigatório o emprego da modalidade Pre-
gão, nos termos da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, e do Decreto n o
5.450, de 31 de maio de 2005, sendo preferencial a utilização do Pregão
da forma eletrônica...”.
40. Valendo-se da previsão contida no art. 8o do Decreto no 3.931/2001 –
que regulamentava, à época dos fatos, o Sistema de Registro de Preços
previsto no art. 15 da Lei n o 8.666/93, permitindo a adesão de órgão ou
entidade da Administração que não tenha participado do certame licita-
tório à Ata de Registro de Preços de ente diverso – o então Prefeito do
município de Riacho das Almas/PE optou por aderir à ata do pregão ante-

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riormente feito pelo município de Chã Grande/PE, realizado para fins se-
melhantes, qual seja, a ação de promoção turística local.
41. De acordo com o que determina o art. 8 o do Decreto no 3.931/2001, é
possível a referida adesão, desde que preenchidos alguns requisitos:
Art. 8o A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá
ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que
não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia con-
sulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a
vantagem.
§ 1o Os órgãos e entidades que não participaram do registro de pre-
ços, quando desejarem fazer uso da Ata de Registro de Preços, de-
verão manifestar seu interesse junto ao órgão gerenciador da Ata,
para que este indique os possíveis fornecedores e respectivos pre-
ços a serem praticados, obedecida a ordem de classificação.
§ 2o Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Pre-
ços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceita-
ção ou não do fornecimento, independentemente dos quantitati-
vos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudi-
que as obrigações anteriormente assumidas.
§ 3o As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este
artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cen-
to dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.
42. A partir da leitura do referido dispositivo, conclui-se pela possibilidade
de adesão de um município à ata de registro de preços realizada por ente
municipal diverso, desde que: a) esteja devidamente comprovada a vanta-
gem a ser obtida; b) o município manifeste seu interesse junto ao órgão
gerenciador da ata; c) o fornecedor beneficiário da ata opte pela aceitação
do fornecimento, desde que este fornecimento não prejudique as obriga-
ções anteriormente assumidas; d) as aquisições ou contratações adicionais
não excedam a cem por cento dos quantitativos registrados na ata.
43. O que a análise dos autos demonstra é que, apesar de o réu DIOCLÉ-
CIO ROSENDO DE LIMA, na qualidade de gestor do município, ter consul-
tado a Prefeitura de Chã Grande/PE sobre a possibilidade de adesão à ata
de registro de preços referente ao Pregão n o 007/2012 (id. 4161400, p.
4/5), assim como a empresa beneficiária CARLOS MARQUES FERREIRA
JÚNIOR-ME por meio do Ofício GP no 202 /2012 (id. 4161408, p.5/6), não se
tendo noticia, ainda, de que as aquisições teriam ultrapassado os quanti-
tativos constantes da ata de registro de preços, é certo que não houve
justificativa para a adoção de tal procedimento, não restando suficiente-
mente comprovada a vantagem a ser obtida com a referida adesão.
44. Embora tenham sido juntadas ao processo administrativo propostas
de outras empresas do ramo de publicidade, de modo a justificar a vanta-
gem obtida com a adesão à ata formalizada pelo município de Chã Gran-

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de/PE (id. 4161362), não se tem notícia de como foi realizada tal cotação
de preços, nem mesmo da forma como tais empresas foram recrutadas
para participar dessa consulta, inexistindo qualquer oficio ou publicação
oficial que demonstre o interesse da Prefeitura na seleção das propostas
de preços apresentadas.
45. Dessa forma, não há como se considerar legítima e suficiente a justifi-
cativa dada pela Prefeitura para embasar a adesão pretendida, à míngua
de elementos que comprovem ter a cotação de preços efetivada se re-
vestido da formalidade necessária à sua validade. Nem sequer podem ser
consideradas como justificativa válida – conforme entendeu o douto Juí-
zo de origem – as descrições constantes da proposta para celebração do
convênio, que destacam a localização geográfica do município e o fato de
se tratar de região que necessita de maior divulgação turística (id.
4161281, p. 4), eis que tais argumentos representam apenas os motivos
elencados pela Prefeitura para que o convênio fosse firmado.
46. Além disso, chama a atenção, como bem ressaltado pelo MPF em suas
razões recursais, os indícios de fraude constantes das propostas juntadas.
47. Constata-se que foram anexados ao procedimento administrativo de
adesão propostas de preços das empresas Público Eventos (id. 4161361,
p. 14/16), BM2 EVENTOS, Jardim do Éden (CARLOS MARQUES FERREIRA
JÚNIOR-ME) e BRUNO PRODUÇÕES (id. 4161362, p. 1/8) sem qualquer ofício
da Prefeitura de Riacho das Almas/PE solicitando tal cotação de preços,
como já dito anteriormente, o que já causa certa estranheza.
48. Fortalecendo as suspeitas acerca de um possível esquema de monta-
gem de preços, o orçamento enviado pela empresa Público Eventos apre-
senta o seu nome fantasia com fonte idêntica utilizada pela empresa Jar-
dim do Éden (CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR-ME), fato que se mos-
tra, no mínimo, incomum, diante dos inúmeros tipos de fontes existentes.
Note-se, inclusive, que os layouts de todas as propostas anexadas são bas-
tante semelhantes entre si, o que não pode ser considerado corriqueiro
em se tratando de empresas diversas, sem nenhuma ligação entre si.
49. Ademais, é de se reconhecer que as propostas apresentam erros ma-
teriais que põem em dúvida a validade da cotação de preços em tese rea-
lizada, como a proposta da empresa PÚBLICO EVENTOS, que é endereçada à
Prefeitura de Chã Grande/PE ao invés de ser direcionada ao Município de
Riacho das Almas/PE, e a proposta de Bruno Produções, que, embora se-
diada em Capoeiras/PE, indicou como local de assinatura a cidade de Chã
Grande/PE.
50. Além de todas as irregularidades até então apontadas, verifica-se não
haver prova nos autos de que o objeto do convênio firmado foi efetiva-
mente cumprido e entregue pela empresa CARLOS MARQUES FERREIRA
JÚNIOR-ME, consubstanciando-se, assim, o desperdício de recursos pú-

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blicos denunciado pelo MPF, e, consequentemente, o dano ocasionado


ao erário.
51. Com efeito, as notas fiscais e de empenho e o recibo de pagamento
em favor de CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR-ME juntadas aos au-
tos (id. 4161410, p. 8/9) não comprovam que houve a efetiva produção do
material promocional adquirido, mas apenas que foi transferido em favor
da empresa beneficiária o montante de R$ 161.404,80, referente aos valo-
res repassados no Convênio n o 00472/2011. Perceba-se que a referida do-
cumentação não discrimina quais as ações de promoção turística foram
realizadas, nem mesmo quais bens e serviços foram custeados com os va-
lores pagos à empresa contratada, inexistindo demonstração de como o
dinheiro foi realmente gasto.
52. Nem mesmo na intempestiva apresentação de esclarecimentos pelo
ex-Prefeito DIOCLÉCIO ROSENDO se tem provas de que os recursos fede-
rais foram utilizados para pagar serviços efetivamente prestados pela
empresa CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR ME, mas apenas regis-
tros de que tal pagamento foi realizado em benefício da empresa.
53. Destaque-se que o réu DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA foi notificado
pelo Ministério do Turismo através do Ofício no 50/2012/DPMKN/
SNPTur/MTur, em 18/09/2012 (id. 4161264, p. 23/24), para demonstrar o re-
gular andamento da execução do convênio, o que permitiria a liberação
da segunda parcela dos valores. No entanto, nada foi apresentado pela
Prefeitura de Riacho das Almas/PE nesse sentido, consoante consta do
Ofício no 79/2013-DPMKN/SNPTur/MTur (id. 4161265, p. 14/15), que solici-
tou à Prefeitura a prestação de contas do convênio em tela.
54. Nos termos do citado ofício, “em setembro/2012 e janeiro/2013 foram
enviados ofícios a esta Prefeitura solicitando o envio a este do relatório
parcial de execução, relatório esse imprescindível para o acompanha-
mento da execução do convênio e liberação das demais parcelas dos re-
cursos financeiros, e até o final da vigência do convênio, 11/08/2013, não
recebemos o referido relatório.”
55. Nesse sentido, o Parecer Técnico de Análise de Prestação de Contas
no 48/2013 (id. 4161265, p. 29) apontou ter sido solicitada a prestação de
contas do Convênio no 00472/2011 por meio do Ofício n o 79/2013 e através
do Siconv, em 01/10/2013, durante a gestão do ex-Prefeito MÁRIO DA
MOTA LIMEIRA FILHO, não tendo sido enviada à Administração Federal
qualquer documentação pela Prefeitura. Conforme o parecer, tendo em
vista a ausência de prestação de contas, a área técnica do Ministério do
Turismo considerou que o convenente não realizou de forma plena o pla-
no de trabalho, recomendando, assim, a devolução dos valores.
56. O que se constata, portanto, é que o Ministério do Turismo, a partir da
ausência da prestação de contas, concluiu que o objeto do convênio não
foi realizado, o que levou à notificação do município para restituição do

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montante repassado. Tal conclusão não se mostra inadequada, nem mes-


mo desarrazoada, especialmente frente ao objeto do convênio pactuado.
57. De fato, é certo que a mera constatação da ausência de prestação de
contas de um convênio não tem o condão de, por si só, comprovar a
ocorrência do dano ao erário, sendo necessário se aferir o efetivo prejuí-
zo decorrente de tal conduta.
58. No caso dos autos, entretanto, em se tratando da contratação de em-
presa de publicidade para a produção de material turístico promocional,
tem-se que o órgão fiscalizador não teria outra forma de avaliar o cumpri-
mento do objeto do convênio senão requisitando informações sobre a
execução dos serviços, acompanhada de exemplares dos materiais pro-
duzidos ou mesmo fotos de tais materiais, e da prova de a quem encami-
nhados, conforme requerido pelo Ministério do Turismo por meio do Ofí-
cio no 50/2012/DPMKN/SNPTur/MTur, em 18/09/2012, cujas solicitações
não foram atendidas pelo apelado DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA.
59. Com efeito, de modo diverso do que ocorre com um convênio que
objetiva, por exemplo, a realização de uma obra – quando a fiscalização,
independentemente da prestação de contas efetuadas, pode realizar visi-
tas in loco e averiguar o cumprimento do objeto – na hipótese dos autos
só estava ao alcance do Ministério do Turismo solicitar o envio de relató-
rios de execução parcial do convênio, com a demonstração dos materiais
até então produzidos pela empresa contratada, sendo razoável entender
que, sem tal prova, foi, de fato, efetuada a despesa sem a devida contra-
prestação.
60. Importa ressaltar que os folders anexados pela defesa de CARLOS
MARQUES FERREIRA JÚNIOR e CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR
ME (id. 4805778) não são suficientes para comprovar o integral cumpri-
mento do objeto do convênio, eis que sequer representam todos os ma-
teriais contratados, que correspondiam a uma grande quantidade de fol-
ders, cartazes e camisetas em malha (Cartaz. FORM 460x640mm, Cami-
sas na malha, FOLDER MAPA Formato Aberto e Folder, Form Aberto
620x4). Frise-se que não há nos atos nenhuma evidência de que o materi-
al supostamente produzido foi distribuído na localidade, nem mesmo de
que houve impacto no turismo regional em decorrência das ações que te-
riam sido implementadas.
61. Note-se que as diversas irregularidades detectadas na execução do
convênio já haviam sido observadas, inclusive, pelo acórdão desta 2 a Tur-
ma, que deu provimento ao Agravo de Instrumento n o 0811707-
57.2017.4.05.0000 para autorizar a decretação da indisponibilidade de
bens dos agravados no limite do valor do convênio, no qual se destacou a
ausência de motivação da adesão, a confusão dos nomes dos municípios
no procedimento, a falta de provocação quanto às propostas de preço

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apresentadas e a falta de registro da produção do material publicitário,


conforme se extrai do seguinte trecho:
“Como se vê, o juízo a quo fundamentou sua decisão em aspectos
meramente formais do imbróglio (emissão de notas, pagamento
de tributos), mas nada disso parece ser exatamente relevante para
firmar convicção acerca do fumus boni iuris.
O fato é que não houve prestação de contas pelo gestor público,
dever que tinha por escopo possibilitar a fiscalização da correta
aplicação dos recursos. A omissão da prestação configura, em tese,
ato ímprobo previsto no Art. 11, VI, da LIA, sobretudo – aí o ponto
importante – quanto não haja qualquer indício de realização do ob-
jeto conveniado.
Ainda quando seja certo que o descumprimento do dever de pres-
tar contas não gera, por si somente, inexorável necessidade de re-
composição do erário (vide AC585740-CE/00065840320134058100,
de minha relatoria), seria necessário, para afastar tal consequência,
a demonstração material de a finalidade pública poder haver sido
atendida apesar da falta da prestação das respectivas contas, ine-
xistindo, todavia, até agora, qualquer indício nesta direção.
Calha observar, como bem destacado no agravo, que a própria
adesão ao registro de preços do município de Chã Grande (PE) não
foi devidamente motivada – e, contratualmente, tal motivação era
exigível –; a documentação dos processos administrativos confun-
de o nome dos municípios; propostas de preço aparecem nos res-
pectivos autos sem provocação originada no próprio município,
tudo sugerindo que os PA’S tenham sido montados; não se regis-
trou a efetiva produção de cartazes, folders, camisas e outros ma-
teriais, sendo certo que a nota fiscal apresentada como compro-
vante dos gastos não diz sequer o tipo de material que teria sido
adquirido; também não se dimensionou qualquer impacto das su-
postas medidas no turismo local, tivessem sido mesmo adotadas.”
62. Nesse sentido, tem-se suficientemente demonstrado o dano ao erário
ocasionado pela conduta dos réus DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA, CAR-
LOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR e CARLOS MARQUES FERREIRA JÚ-
NIOR – ME nos termos disciplinados pela nova Lei no 14.230/21, que consi-
dera indispensável a comprovação do dolo específico por parte do agente
para configuração do ato de improbidade, e não mais apenas do dolo ge-
nérico.
63. Dessa forma, é possível se aferir, a partir dos elementos de prova dos
autos, que o então Prefeito DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA, agindo em
conjunto com os demandados CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR e
CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR – ME, de forma consciente e com
o intuito de desviar recursos públicos em proveito da empresa, optou, de

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forma indevida, por executar o objeto do convênio através de adesão à


ata de registro de preços do município de Chã Grande/PE, sem demons-
trar as vantagens que seriam obtidas com a adesão, e sem comprovar,
ainda, a efetiva prestação dos serviços pela beneficiária
64. Vê-se, pois, que toda a forma como foi efetuada a execução do con-
vênio se mostrou equivocada, desde a adesão à ata de registro de preços
de ente diverso sem justificativa até a ausência de comprovação da exe-
cução fiel do objeto contratado. Inclua-se, também, a instrução precária e
duvidosa do procedimento administrativo instaurado para dar aparência
de regularidade a todo o processo, que se mostrou repleto de indícios de
fraudes. Assim, é razoável concluir pela ocorrência de verdadeiro esque-
ma de montagem de preços e transferência ilícita de valores para empre-
sa CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR – ME sem a necessária contra-
prestação, o que configura o ato de improbidade previsto no art. 10, XII,
da Lei 8.429/1992 (permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se en-
riqueça ilicitamente).
65. Quanto às imputações feitas em detrimento do réu MÁRIO DA MOTA
LIMEIRA FILHO, tem-se que, a despeito das alegações formuladas, não
subsistem motivos para condená-lo pela prática de ato de improbidade
administrativa.
66. Como já ressaltado acima, verifica-se que o réu DIOCLÉCIO ROSENDO
DE LIMA, na condição de Prefeito de Riacho das Almas/PE, foi o responsá-
vel por firmar o Convênio n o 00472/2011, por optar pela adesão indevida à
ata de registro de preços de ente diverso, por realizá-la de forma fraudu-
lenta, e por efetuar a transferência das verbas em favor de CARLOS MAR-
QUES FERREIRA JÚNIOR – ME, conforme recibo de id. 4161410 (p. 9),
mesmo diante de serviços não prestados, não tendo o demandado MÁ-
RIO DA MOTA LIMEIRA FILHO contribuído para os danos causados ao
erário federal.
67. Com efeito, embora a duração do convênio tenha se estendido até a
sua gestão como Prefeito, e muito embora se tenha constatado a ausên-
cia de prestação de contas também durante o período em que esteve à
frente da Prefeitura de Riacho das Almas/PE, não há como se atribuir ao
apelado MÁRIO DA MOTA LIMEIRA FILHO a prática dos atos descritos à
inicial pelo MPF, eis que jamais foi responsável pela assinatura e execu-
ção do convênio firmado na gestão anterior à sua.
68. Poderia ser imputada ao referido apelado, em tese, o tipo previsto no
art. 11, VI, da LIA, diante da ausência de prestação de contas verificada, o
que não foi efetuado pelo MPF. Contudo, mesmo nessa hipótese, seria
preciso estar comprovadamente demonstrado o intuito do réu de não
cumprir com seu dever para ocultar o desvio das verbas públicas em seu
favor ou de terceiros, o que não restou configurado no conjunto probató-
rio dos autos.

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69. Sendo assim, resta configurada, portanto, a prática, pelos réus DIO-


CLÉCIO ROSENDO DE LIMA, CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR e
CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR – ME das condutas tipificadas no
art. 10, XII, da Lei n o 8.429/92 (permitir, facilitar ou concorrer para que ter-
ceiro se enriqueça ilicitamente), devendo-lhes ser aplicada, ante a ocor-
rência de prescrição quanto às demais sanções cabíveis, apenas a sanção
de ressarcimento ao erário, nos termos do art. 12 da aludida lei.
70. Considerando que não se tem notícia, quanto aos atos ora analisados,
de eventual ressarcimento ocorrido nas instâncias criminal, civil e admi-
nistrativa, e considerando as determinações do art. Art. 17-C da Lei
8.429/92, devem os apelados DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA e CARLOS
MARQUES FERREIRA JÚNIOR ressarcirem integralmente o dano patrimo-
nial, no importe de R$ 161.404,80, atualizável pela Taxa Selic, a ser reverti-
do em favor da União, pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.
71. Tendo em vista que CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR – ME pos-
sui natureza jurídica de empresa individual, e considerando que o respon-
sável CARLOS MARQUES FERREIRA JÚNIOR já restou condenado ao res-
sarcimento integral do dano, deixo de condenar a microempresa na refe-
rida sanção, evitando-se, assim, o bis in idem.
72. Remessa necessária não conhecida e apelação provida em parte, para
condenar os apelados DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA e CARLOS MAR-
QUES FERREIRA JÚNIOR a ressarcirem integralmente o dano patrimonial,
no importe de R$ 161.404,80, atualizável pela Taxa Selic, a ser revertido
em favor da União, pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

17. O acórdão impugnado é omisso acerca do seguinte: (a) não considerou a


decisão proferida em 22 de abril de 2022, no recurso extraordinário com agra-
vo 843.989/PR, na qual o Supremo Tribunal Federal determinou suspensão do
prazo prescricional nos processos que cuidam sobre “aplicação dos novos
prazos de prescrição geral e intercorrente” (tema 1.199 de repercussão ge-
ral); (b) não apreciou a irretroatividade das alterações materiais promovidas
pela Lei 14.230/2021 aos atos de improbidade praticados antes de sua vigência.

3 MÉRITO DO LITÍGIO: SUSPENSÃO DOS NOVOS PRAZOS PRESCRICIONAIS


E INAPLICABILIDADE DA LEI 14.230/2021 ÀS AÇÕES EM CURSO

18. Em primeiro lugar, essa corte regional não observou ordem judicial vin-
culante do Supremo Tribunal Federal, que determinou suspensão dos prazos

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de prescrição, geral e intercorrente, criados pela Lei 14.230, de 25 de outubro


de 2021, até haver definição acerca da irretroatividade ou retroatividade dessa
lei aos fatos praticados antes de sua vigência.

19. No recurso extraordinário com agravo 843.989/PR, no Supremo Tribunal


Federal, o Procurador-Geral da República opôs segundos embargos de decla-
ração, nos quais se discute a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021. O relator
do processo, Ministro ALEXANDRE DE MORAES, proferiu decisão em 22 de abril de
2022, na qual, após analisar aspectos de incidência da lei sobre a prescrição da
pretensão do Ministério Público em ações por improbidade administrativa, de-
cidiu determinar a “suspensão do prazo prescricional nos processos com re-
percussão geral reconhecida” no tema 1.199 daquela corte. Esse tema tem o
seguinte objeto:

Tema 1199 – Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições


da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença
do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbida-
de administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos no-
vos prazos de prescrição geral e intercorrente.2

15. Portanto, essa corte regional não poderia ter reconhecido prescrição da
pretensão do Ministério Público Federal neste processo, por incidência da Lei
14.230/2021, devido à decisão vinculante acima. Deveria ter julgado o recurso
com base exclusivamente nos argumentos de mérito da apelação.

15. No que se refere à aplicação retroativa da prescrição intercorrente: com


exceção das inovações relativas a aspectos processuais que não violem direito
adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (art. 5 o, inc. XXXVI, da Constitui-
ção da República), as disposições da Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021 – em
especial as inovações de direito material –, não retroagem para alcançar fatos
e atos jurídicos praticados antes de sua vigência.

16. É importante relembrar que, salvo disposição legal expressa, inovações


legislativas de direito material não retroagem para tutelar relações jurídicas de

2 Disponível em <https://tinyurl.com/STF023> ou <https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia-


Repercussao/detalharProcesso.asp?numeroTema=1199>. Acesso em: 20 jun. 2022.

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natureza não criminal, na interpretação mais adequada da Constituição da Re-


pública.

18. Segundo a redação do art. 1o, § 4o, da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992
(Lei da Improbidade Administrativa), na redação da Lei 14.230/2021, “[a]pli-
cam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios consti-
tucionais do direito administrativo sancionador.” Direito Administrativo sanci-
onador e Direito Penal não são sinônimos.

19. Sobre o tema, observa, com razão, RICARDO DE BARROS LEONEL:

O aspecto mais evidente do Direito Sancionador se apresenta pelas ves-


tes do Direito Penal. Na tradição das sociedades civilizadas, inspiradas pe-
los pilares do Estado democrático de Direito, o Direito Sancionador, sob
as feições do Direito Penal, só pode ser aplicado pela via jurisdicional.
De outro lado, há manifestação do Direito Sancionador em disposições
de conteúdo sancionatório não estritamente penal são adotadas dentro
das perspectivas do estabelecimento da ordem estatal.
Há Direito Sancionador nos estatutos do funcionalismo público, na previ-
são de infrações administrativas e punições aplicáveis aos agentes públi-
cos vinculados àquele regime.
Ele também se manifesta no campo do regime de condutas e sanções
aplicáveis aos servidores públicos incumbidos da gestão administrativa,
por força dos processos de fiscalização e eventualmente penalização jun-
to aos tribunais de contas.
Assim, igualmente, a previsão legal da aplicação, a entidades jurídicas, de
sanções não criminais em processos administrativos decorrentes da tipifi-
cação legal dos atos de corrupção; bem como a aplicação judiciais de san-
ções relacionadas à mesma disciplina legal (Lei 12.846/2013).
O mesmo raciocínio se aplica à disciplina dos atos de improbidade admi-
nistrativa, por força da Lei 8.429/92, ora alterada pela Lei 14.230/2021. 3

20. Estabelecida a falta de equivalência entre direito sancionador (gênero) e


Direito Penal (espécie), conclui-se com relativa facilidade que a retroatividade
das normas mais benéficas não é instituto, princípio ou regra de direito sanci-
onador, mas somente do Direito Penal, por previsão constitucional expressa.

3 LEONEL, Ricardo de Barros. Nova LIA: aspectos da retroatividade associada ao Direito


Sancionador. Consultor Jurídico, 17 nov. 2021. Disponível em: <https://is.gd/Jur0138> ou
<https://www.conjur.com.br/2021-nov-17/leonel-lia-retroatividade-associada-direito-
sancionador>. Acesso em: 17 jun. 2022.

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21. O art. 5o, inc. XL, da CR, dispõe que “a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu” (sem destaque no original), e não toda norma sancionadora,
de outra natureza menos severa. A retroatividade da lei penal mais benéfica
justifica-se por aspectos humanitários associados à tutela da liberdade de loco-
moção do agente criminoso (art. 5 o, incs. XV e LXVIII, da CR), decorrente da
tradicional previsão de penas privativas de liberdade e de outras sanções mais
severas para crimes. A liberdade de locomoção não era nem é ameaçada ou
obtemperada, de forma direta ou reflexa, pela LIA ou pela Lei 14.230/2021.

22. A reforçar a não equivalência entre Direito Administrativo Sancionador e


Direito Penal, o art. 37, § 4o, da CR, dispõe que “[o]s atos de improbidade ad-
ministrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (sem destaque
no original). Se a própria Constituição da República estabelece que uma con-
duta pode ser sancionada ao mesmo tempo como crime e como ato ímprobo,
é juridicamente ilógica e incoerente a unidade de princípios e regras aplicáveis
aos sistemas sancionadores penal e administrativo. Os campos de incidência
do art. 5o, inc. XL, e do art. 37, § 4o, ambos da CR, são absolutamente diversos.
Essas normas possuem distintos âmbitos materiais de validade, na expressão
de NORBERTO BOBBIO.4

23. O art. 17-D da LIA, acrescentado pela Lei 14.230/2021, é manifestamente


inconstitucional na parte em que afasta a natureza civil da ação de improbida-
de, exatamente porque o art. 37, § 4o, da CR, desvinculou a improbidade do
campo do Direito Penal. Há limites para a atuação do Poder Legislativo. Uma
lei não pode alterar a natureza das coisas, e até para modificar o regime nor-
mativo de certos institutos jurídicos há limitações sistêmicas. Se a ação por im-
probidade administrativa não tem natureza civil, qual natureza teria? Passou a
ser ação criminal? Passou a ser processo administrativo? Passou a ser processo

4 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite
dos Santos. Brasília: Universidade de Brasília, 1995. p. 87-8.

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político? A impossibilidade jurídica e o choque com a norma do art. 37, § 4o, da


CR, são evidentes e insuperáveis.

24. Sob a ótica tradicional que estrutura o direito intertemporal não criminal,
a regra é que os fatos sejam regulados pela legislação em vigor da época em
que foram praticados (princípio tempus regit actum), de modo que a retroativi-
dade das leis é hipótese excepcional no ordenamento jurídico. Esse posiciona-
mento encontra amparo no já mencionado art. 5 o, inc. XXXVI, da CR, e no art.
6o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), 5 cujas disposi-
ções estabelecem que alterações promovidas por ato normativo supervenien-
te não alcançam ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. No
caso, salvante a intimação a que se refere o art. 3 o da Lei 14.230/2021,6 ela não
contém outra norma que imponha sua aplicação retroativa.

25. Ao discorrer em obra específica sobre os princípios constitucionais de Di-


reito Administrativo Sancionador, RAFAEL MUNHOZ DE MELO pondera:

A regra é a irretroatividade das normas jurídicas, sendo certo que as leis


são editadas para regular situações futuras. O dispositivo constitucional
que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em
peculiaridades únicas do direto penal, inexistentes no direito administra-
tivo sancionador. Com efeito, a retroatividade da lei penal mais benéfica
tem por fundamento razões humanitárias, relacionadas diretamente à li-
berdade do criminoso, bem jurídico diretamente atingido pela pena crimi-
nal. [...] Por tais fundamentos, não se pode transportar para o direito ad-
ministrativo sancionador a norma penal da retroatividade da lei que ex-
tingue a infração ou torna mais amena a sanção punitiva. No direito admi-
nistrativo sancionador aplica-se ao infrator a lei vigente à época da ado-

5 “Art. 6o A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito,
o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei n o 3.238, de 1957)
§ 1o Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em
que se efetuou. (Incluído pela Lei no 3.238, de 1957)
§ 2o Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, pos-
sa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição
pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei no 3.238, de 1957)
§ 3o Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recur -
so. (Incluído pela Lei no 3.238, de 1957)”.
6 “Art. 3o No prazo de 1 (um) ano a partir da data de publicação desta Lei, o Ministério Pú-
blico competente manifestará interesse no prosseguimento das ações por improbidade
administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso.”

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ção do comportamento ilícito, ainda que mais grave que lei posterior-
mente editada. Diversamente do que ocorre no direito penal, assim, não
há no direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade
da lei mais benéfica ao infrator.7

26. No mesmo sentido:

[É] Verdade que coube ao Direito Penal, na sua secular trajetória, desen-
volver direitos e garantias fundamentais para limitar o exercício do jus
puniendi estatal in abstracto e in concreto, na defesa do jus libertatis. Do
mesmo modo, o Direito Processual Penal igualmente consagrou a discipli-
na processual instrumental para realizar esse objetivo. Neste contexto, o
Direito Administrativo Sancionador pode avaliar com o devido rigor cien-
tífico as contribuições desses ramos do Direito Público, sem jamais aban-
donar a sua índole de regime jurídico administrativo instrumental de tute-
la de interesses públicos.
[...]
Com esta compreensão, o Direito Administrativo Sancionador não está
submetido ao Direito Penal. O Direito Penal pode contribuir na elabora-
ção de um ferramental próprio para o Direito Administrativo Sanciona-
dor. Mas, aqui, a diretriz é contribuir para integrar, e não desnaturar a ín-
dole administrativista dos sistemas sancionadores administrativos. Neste
contexto, atribui ao Direito Administrativo Sancionador o objetivo de ins-
titucionalizar modelos dinâmicos, especializados, sensíveis às demandas
e mudanças econômicas, sociais, factuais e tecnológicas cada vez mais
comuns. Modelos que promovam o atendimento aos valores de coerên-
cia, racionalidade e segurança jurídica na tutela dos objetivos de interes-
se público.8

27. Existem julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido da impossibi-


lidade de retroação de regra benéfica no sistema administrativo sancionador
(sem destaques no original):

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. APREENSÃO E SUS-


PENSÃO DA HABILITAÇÃO. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA NORMA
MAIS BENÉFICA DE NATUREZA EMINENTEMENTE PENAL. APLICAÇÃO
SUBSIDIÁRIA AO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO SOMENTE NO QUE
7 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de Direito Administrativo sancio-
nador. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 154-5. Sem destaque no original.
8 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti Grotti. Direito ad-
ministrativo sancionador brasileiro: breve evolução, identidade, abrangência e funcio-
nalidades. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 22, n. 120, p. 83-126, mar./abr.
2020. p. 108 e 116.

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DIZ RESPEITO A CONDUTAS TIPIFICADAS ENQUANTO CRIME. PRECE-


DENTE DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A aplicação subsidiária das normas de direito material penal se restrin-
ge “Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores” (art. 291
do CTB), e não às infrações de trânsito. Neste sentido: AgRg no REsp
1119091/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Turma, julgado
em 05/06/2012, DJe 13/06/2012.
2. No entanto, a norma constante no art. 218, III, do Código de Trânsito
Brasileiro diz respeito à infração de cunho administrativo consistente na
direção em velocidade superior à máxima permitida, não sendo tipifica-
da, naquele dispositivo, enquanto crime (os quais estão dispostos nos
arts. 291 e seguintes do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, não há que
se falar na aplicação retroativa do referido dispositivo.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. 9

ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO


ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRAZO PRESCRICIONAL. REMISSÕES
GENÉRICAS. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE ESPECÍFICA. PRESCRIÇÃO. IR-
RETROATIVIDADE.
1. O ora recorrente, Oficial de Justiça à época, foi investigado por exigir
custas excessivas em processo judicial. O Conselho da Magistratura demi-
tiu-o em 1986, após o regular processo administrativo, em decisão ratifi-
cada pelo Órgão Especial.
Pleiteou-se a revisão do processo, em 1994, que, rejeitada por maioria de vo-
tos, ensejou a impetração de Mandado de Segurança, o qual foi denegado.
2. A demissão a bem do serviço público do recorrente foi confirmada pelo
órgão especial em 1987, e o ato demissório deu-se em 1989. O pedido de
revisão ocorreu mais de cinco anos depois, porquanto admissível sua pro-
positura, uma única vez, a qualquer tempo (art. 249 da Lei 10.098/1994).
3. In casu, quando julgado o processo administrativo (1986), não havia
norma sobre prescrição no Código de Organização Judiciária (Lei Estadu-
al 5.256/1966), que tratou da Ação Disciplinar (arts. 756 e ss.). O acórdão
recorrido valeu-se de dupla remissão para aplicar a prescrição prevista na
legislação penal. Essa lacuna normativa perdurou até a edição da LCE
10.098/1994, que passou a regulamentar expressamente a prescrição da
Ação Disciplinar em prazo mais curto, favorável ao recorrente.
4. Caso a lacuna da legislação local tivesse sido suprida ao longo do PAD
mediante edição de lei nova que regulasse a prescrição no âmbito admi-
nistrativo, estar-se-ia diante de norma superveniente que seria levada em

9 Superior Tribunal de Justiça. 2a Turma. Agravo regimental nos embargos de declaração


no recurso especial 1.281.027/SP. Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. 18 dez.
2012, unânime. Diário da Justiça eletrônico, 8 fev. 2013.

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consideração no julgamento do processo administrativo e poderia resul-


tar na sua extinção.
5. Contudo, o pedido de revisão tem prazo aberto e pode ser apresenta-
do a qualquer momento. A valer a proposição do recorrente, passados 5,
10, 20 ou 40 anos, havendo mudança na lei a respeito dos prazos prescri-
cionais, todos os processos administrativos que ensejassem de advertên-
cia a demissão poderiam ser rejulgados, adotando-se a legislação eventu-
almente mais benéfica.
6. A diferença ontológica entre a sanção administrativa e a penal permi-
te a transpor com reservas o princípio da retroatividade. Conforme pon-
dera FÁBIO MEDINA OSÓRIO, “se no Brasil não há dúvidas quanto à retroa-
tividade das normas penais mais benéficas, parece-me prudente susten-
tar que o Direito Administrativo Sancionador, nesse ponto, não se equi-
para ao direito criminal, dado seu maior dinamismo”.
7. No âmbito administrativo, a sedimentação de decisão proferida em
PAD que condena servidor faltoso (acusado de falta grave consistente na
cobrança de custas em arrolamento em valor aproximadamente mil ve-
zes maior) não pode estar sujeita aos sabores da superveniente legisla-
ção sobre prescrição administrativa sem termo ad quem que consolide a
situação jurídica. Caso contrário, cria-se hipótese de instabilidade que
afronta diretamente o interesse da administração pública em manter em
seus quadros apenas os servidores que respeitem as normas constitucio-
nais e infraconstitucionais no exercício de suas funções, respeitadas as
garantias do due process.
8. Precedente em situação similar indica: “quanto à alegação de prescri-
ção administrativa, questão que em tese poderia determinar a anulação
do ato que cassou a nomeação do recorrente na função de Oficial do Re -
gistro de Imóveis da Comarca de Palhoça/SC, verifica-se que as leis apre-
sentadas (9.873/99 e 9.784/99) foram editadas após a ocorrência da no-
meação do recorrente em 1992 e após o próprio ato de cassação ocorri-
do em 1998, não podendo retroagir para alcançar a situação do recor-
rente. Precedentes: RESP no 646107/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ de
14/03/2005; MS 9092/DF, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ 25.09.2006 e EDcl
no AgRg no RESP no 547668/PE, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 02/05/2005”
(AgRg no AgRg no REsp 959.006/SC, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO,
Primeira Turma, DJ 7.5.2008).
9. Recurso Ordinário não provido.10

28. Portanto, malgrado a Lei 14.230/2021 tenha, a um só tempo e entre outras


providências, excluído a figura do ato ímprobo culposo (nova redação do art. 1 o,

10 STJ. 2a Turma. Recurso em mandado de segurança 33.484/RS. Rel.: Min. HERMAN


BENJAMIN. 11 jun. 2013, un. DJe, 1o ago. 2013.

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§ 1o, da Lei 8.429/1992), exigido comprovação de dolo direto (art. 1o, § 2o, da LIA),
alterado formalmente espécies de improbidade tipificadas nos arts. 9o a 11 da
LIA e excluído a cláusula geral contida no caput do art. 11, tais mudanças apenas
incidem sobre atos praticados a partir da entrada em vigor da Lei 14.230/2021,
sem retroagir para repercutir na esfera jurídica dos processos em curso, à vista
do instituto do ato jurídico perfeito e do princípio tempus regit actum.

29. As conclusões expostas até o momento são ainda mais pertinentes em


razão da impossibilidade de aplicação retroativa do instituto da prescrição in-
tercorrente, criado pela Lei 14.230/2021 (nova redação do art. 23, § 5o, da LIA).11

30. Se prescrição é perda de pretensão por decurso de tempo e se até o ad-


vento da Lei 14.230/2021 não existiam no ordenamento jurídico brasileiro pres-
crição intercorrente nem marcos interruptivos da prescrição para ações de im-
probidade, aplicar retroativamente o instituto e os novos marcos temporais
do art. 23, § § 4o e 5o, da LIA, equivaleria a punir o estado e a sociedade, repre-
sentada pelo Ministério Público em juízo, por desrespeitar prazos legais inexis-
tentes nas datas em que o ato ímprobo foi praticado e no momento de edição
da sentença condenatória. É ilógico reconhecer perda de pretensão legítima,
em razão de passagem do tempo, por prazos inexistentes e, por isso mesmo,
inexigíveis.

31. Há profunda diferença entre o fundamento jurídico da prescrição inter-


corrente e da prescrição material, pois na primeira não existe violação de di-
reito subjetivo de parte (art. 189 do Código Civil).12 Se a Constituição da Repú-
blica legitima que o estado coíba a prática de atos de improbidade (art. 37,
§ 4o) e a ação de improbidade foi ajuizada no prazo legal e atendeu a todas as
regras vigentes no momento de seu ajuizamento, qual direito subjetivo dos re-
queridos foi violado?

11 “§ 5o Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela


metade do prazo previsto no caput deste artigo.”
12 “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela
prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

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32. Como o instituto não se baseia em violação de direito subjetivo,


FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER e SILVANO JOSÉ GOMES FLUMIGNAN corre-
tamente apontam que a natureza jurídica da prescrição intercorrente é pre-
dominantemente processual, pois se funda em retardamento na prestação ju-
risdicional não atribuível às partes (sem destaques no original):

A grande novidade da nova legislação sobre o tema foi a instauração da


prescrição intercorrente. No curso do procedimento de apuração da con-
duta ímproba, será possível o reconhecimento da prescrição pela inércia
no deslinde da apuração a partir de marcos interruptivos preestabeleci-
dos pelo legislador.
[...]
Trata-se de modalidade autônoma [em face da prescrição para ajuizar
ação de improbidade,] porque ocorrerá não pela violação do direito na
forma tradicional prevista pelo artigo 189 do CC, mas pelo retardamento
na prestação jurisdicional, o que não pode ser atribuído à parte.
Embora a prescrição intercorrente também extinga a pretensão, não há
nova violação do direito e novo exercício de pretensão. Trata-se de uma
modalidade de prescrição que afeta o exercício da exigibilidade por causa
externa e posterior ao ajuizamento da demanda.
O caráter de instituto de natureza mista (processual e material) é ainda
mais evidente, mas, nesse caso, existe preponderância de sua matriz
processual. Em virtude de a causa da prescrição ser, exclusivamente,
uma atuação processual independente, de certa forma, do agir dos titu-
lares da relação jurídica de Direito material, basta que haja o decurso do
tempo no curso do processo.
A tese da prescrição intercorrente não foi enfrentada pelo legislador ori-
ginário do Código Civil de 1916, e nem mesmo pelo legislador originário
do Código Civil de 2002. Ela não decorre da violação de nenhum direito
subjetivo material. O retardamento no processamento gera a sua ocor-
rência sem que seja necessária a violação de nenhum direito. Logo, não
tem natureza material, mas, sim, essencialmente processual.
Dessa forma, não é aplicável à prescrição intercorrente a regra da retro-
atividade, mas, sim, o disposto no artigo 14 do CPC, que estabelece a ir-
retroatividade da norma de Direito processual.13

13 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino; FLUMIGNAN, Silvano José Gomes. Regime


de prescrição na nova Lei de Improbidade Administrativa. Consultor Jurídico, 9 fev.
2022. Disponível em: <https://is.gd/Jur0146> ou <https://www.conjur.com.br/2022-fev-
09/koehler-flumignan-regime-prescricao-lei-improbidade#:~:text=A%20prescri
%C3%A7%C3%A3o%20principal%20n%C3%A3o%20%C3%A9%20novidade.&text=A%20nova
%20LIA%20aumentou%20o,agravado%20a%20situa%C3%A7%C3%A3o%20do%20r

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33. Exercício legítimo do direito estatal de punir atos de improbidade não ca-
racteriza ofensa a direito subjetivo de agentes ímprobos. O estado sanciona-
dor não pode ter sua legítima pretensão de coibir e punir atos de improbidade
administrativa obstada por não ter observado, em 20 de junho de 2012 (termo
final de vigência do convênio MTur 472/2011), em 18 de outubro de 2017 (data
de ajuizamento da ação) e em 27 de fevereiro de 2019 (data de publicação da
sentença), lapsos temporais que só foram criados em 25 de outubro de 2021.
Não houve prescrição se se aplicar a redação originária do art. 23 da Lei
8.429/1992, a única existente ao tempo em que a pretensão foi posta em juízo.
Como o art. 25, § 5o, da LIA, é norma de natureza processual, não pode haver
aplicação retroativa, sob pena de violação do art. 14 do CPC.14

34. Não houve prescrição se se aplicar a redação originária do art. 23 da Lei


8.429/1992, a única existente ao tempo em que a pretensão foi posta em juízo.
O termo inicial para contagem do prazo prescricional, de acordo com o art. 23,
inc. I, da LIA,15 é a data do término do mandato do gestor municipal. DIOCLÉCIO
ROSENDO DE LIMA não foi reeleito Prefeito de Riacho das Almas em 2012, de
modo que o prazo prescricional de cinco anos findou, segundo a redação origi-
nal da Lei 8.429/1992, em 31 de dezembro de 2017. Esta ação de improbidade
foi protocolada em 18 de outubro de 2017. A pretensão não prescreveu.

35. Em verdade, não houve prescrição, geral nem intercorrente, ainda que
fossem aplicáveis os novos prazos estabelecidos pela Lei 14.230/2021.

36. A nova redação do art. 23, caput, da Lei 8.429/1992, dispõe que o prazo
prescricional para ajuizar ação de improbidade é de oito anos, contados do fato
ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.

%C3%A9u.>. Acesso em: 20 jun. 2022.


14 “Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos pro -
cessos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada.”
15 “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser
propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou
de função de confiança; [...]”.

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37. Os recursos objeto desta demanda são oriundo do convênio MTur


472/2011, assinado por DIOCLÉCIO ROSENDO DE LIMA em 16 de dezembro de 2011,
e a ação de improbidade foi ajuizada em 18 de outubro de 2017 – portanto bem
menos que oito anos depois da assinatura do convênio. Por óbvio, o ato ím-
probo mais antigo descrito nesta demanda necessariamente foi praticado de-
pois que o convênio foi celebrado.

38. O art. 23, § 5o, da LIA, passou a prever prescrição intercorrente de qua-
tro anos, contada entre os marcos interruptivos previstos nos incisos do § 4o
do mesmo artigo (ajuizamento da ação de improbidade, sentença condenató-
ria, acórdão confirmatório de condenação, entre outros).

39. Até o momento, não transcorreram mais de quatro anos entre nenhum
dos marcos interruptivos da prescrição previstos nos incisos do art. 23, § 4o,
da nova redação da LIA: (a) a ação de improbidade foi ajuizada em 18 de outu-
bro de 2017; (b) a sentença condenatória foi proferida em 27 de fevereiro de
2019, menos de dois anos após ajuizada a demanda; (c) o acórdão embargado,
parcialmente confirmatório da condenação, foi proferido em 21 de junho de
2022, pouco mais de três anos após a sentença.

40. Desse modo, mesmo que fossem aplicáveis de imediato os prazos de


prescrição geral e intercorrente do art. 23 da LIA, na redação da Lei
14.230/2021, o acórdão embargado é contraditório, pois não transcorreram os
lapsos temporais lá previstos (oito anos antes do ajuizamento da demanda e
quatro anos entre os marcos interruptivos previstos nos incisos do § 4o).

41. Não é só. O estabelecimento de prazo prescricional inferior a cinco anos


(único previsto na redação original da LIA) no art. 23, § § 4o e 5o, é inconstituci-
onal, por violar os princípios da proporcionalidade (sob a perspectiva de veda-
ção de proteção normativa deficiente) e da vedação de retrocesso, além de
chocar-se com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Conven-
ção de Mérida), incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto
5.687, de 31 de janeiro de 2006.

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42. A Convenção de Mérida, agora mencionada textualmente no art. 11, § 1o,


da LIA16 (embora com discutível finalidade), tem por objetivos (art. 1 o): (a) pro-
mover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficientemente
a corrupção; (b) promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a as-
sistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recupe-
ração de bens; (c) promover a integridade, a obrigação de prestar contas e a
devida gestão dos assuntos e dos bens públicos. O Estado Brasileiro compro-
meteu-se a manter em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrup-
ção, a rever instrumentos jurídicos a fim de determinar se são adequados a
esse fim (artigo 5o) e a adotar medidas mais estritas ou severas do que as pre-
vistas na norma internacional (artigo 65, número 2). 17

43. Como o art. 23, § § 4o e 5o, da LIA, na redação da Lei 14.230/2021, estabele-
ceu nova hipótese de prescrição, com prazo prescricional inferior ao da reda-
ção original da Lei 8.429/1992, é manifesto que a inovação legislativa acarretou
proteção deficiente do bem jurídico que ela visa a tutelar – a probidade na ad -
ministração pública. Torna-se passível de controle de convencionalidade, dian-
te de sua colisão com o sistema da Convenção de Mérida.

44. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento firme sobre a possibili-


dade de declaração de inconstitucionalidade de normas por violação das veda-
ções à proteção deficiente e ao retrocesso em matéria de prescrição (sem des-
taque no original):

QUESTÃO DE ORDEM NA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAOR-


DINÁRIO. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRAVENÇÕES PE-
NAIS DE ESTABELECER OU EXPLORAR JOGOS DE AZAR. ART. 50 DA LEI
DE CONTRAVENÇÕES PENAIS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO, CONFORME A DISCRICIONARIEDADE
DO RELATOR, DO ANDAMENTO DOS FEITOS EM TODO TERRITÓRIO NA-
16 “§ 1o Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada
pelo Decreto no 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade adminis-
trativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do
agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pes -
soa ou entidade.”
17 “2. Cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou severas que as previstas
na presente Convenção a fim de prevenir e combater a corrupção.”

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CIONAL, POR FORÇA DO ART. 1.035, § 5o, DO CPC/2015. APLICABILIDADE


AOS PROCESSOS PENAIS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA RELATIVA AOS CRIMES PROCESSADOS NAS AÇÕES PENAIS
SOBRESTADAS. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DO ART.
116, I, DO CP. POSTULADOS DA UNIDADE E CONCORDÂNCIA PRÁTICA
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. FORÇA NORMATIVA E APLICABILIDA-
DE IMEDIATA AOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO EXERCÍCIO
DA PRETENSÃO PUNITIVA, DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA VE-
DAÇÃO À PROTEÇÃO PENAL INSUFICIENTE.
1. A repercussão geral que implica o sobrestamento de ações penais,
quando determinado este pelo relator com fundamento no art. 1.035,
§ 5o, do CPC, susta o curso da prescrição da pretensão punitiva dos crimes
objeto dos processos suspensos, o que perdura até o julgamento definiti-
vo do recurso extraordinário paradigma pelo Supremo Tribunal Federal.
2. A suspensão de processamento prevista no § 5o do art. 1.035 do CPC
não é consequência automática e necessária do reconhecimento da re-
percussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sen-
do da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma
determiná-la ou modulá-la.
3. Aplica-se o § 5o do art. 1.035 do CPC aos processos penais, uma vez que o
recurso extraordinário, independentemente da natureza do processo origi-
nário, possui índole essencialmente constitucional, sendo esta, em conse-
quência, a natureza do instituto da repercussão geral àquele aplicável.
4. A suspensão do prazo prescricional para resolução de questão externa
prejudicial ao reconhecimento do crime abrange a hipótese de suspensão
do prazo prescricional nos processos criminais com repercussão geral re-
conhecida.
5. A interpretação conforme a Constituição do art. 116, I, do CP funda-se
nos postulados da unidade e concordância prática das normas constituci-
onais, isso porque o legislador, ao impor a suspensão dos processos sem
instituir, simultaneamente, a suspensão dos prazos prescricionais, cria o
risco de erigir sistema processual que vulnera a eficácia normativa e apli-
cabilidade imediata de princípios constitucionais.
6. O sobrestamento de processo criminal, sem previsão legal de suspen-
são do prazo prescricional, impede o exercício da pretensão punitiva pelo
Ministério Público e gera desequilíbrio entre as partes, ferindo prerrogati-
va institucional do Parquet e o postulado da paridade de armas, violando
os princípios do contraditório e do due process of law.
7. O princípio da proporcionalidade opera tanto na esfera de proteção
contra excessos estatais quanto na proibição de proteção deficiente; in
casu, flagrantemente violado pelo obstáculo intransponível à proteção
de direitos fundamentais da sociedade de impor a sua ordem penal.

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8. A interpretação conforme à [sic] Constituição, segundo os limites reco-


nhecidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, encontra-se
preservada, uma vez que a exegese proposta não implica violação à ex-
pressão literal do texto infraconstitucional, tampouco, à vontade do le-
gislador, considerando a opção legislativa que previu todas as hipóteses
de suspensão da prescrição da pretensão punitiva previstas no ordena-
mento jurídico nacional, qual seja, a superveniência de fato impeditivo da
atuação do Estado-acusador.
9. O sobrestamento de processos penais determinado em razão da ado-
ção da sistemática da repercussão geral não abrange: a) inquéritos polici-
ais ou procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público;
b) ações penais em que haja réu preso provisoriamente.
10. Em qualquer caso de sobrestamento de ação penal determinado com
fundamento no art. 1.035, § 5o, do CPC, poderá o juízo de piso, a partir de
aplicação analógica do disposto no art. 92, caput, do CPP, autorizar, no
curso da suspensão, a produção de provas e atos de natureza urgente.
11. Questão de ordem acolhida ante a necessidade de manutenção da har-
monia e sistematicidade do ordenamento jurídico penal. 18

45. Escolha de lapso temporal insuficiente para trâmite de ação de improbi-


dade não só é carente de apoio em dados concretos sobre combate à improbi-
dade no Brasil, como contraria pesquisa de 2015 19 do Conselho Nacional de
Justiça sobre o tema. Esta constatou que a média temporal entre ajuizamento
das ações e o julgamento de mérito foi de quatro anos, dois meses e 28 dias,
enquanto o prazo médio entre o ajuizamento das demandas e seu trânsito em
julgado foi de cinco anos e um mês (na informação do CNJ: 4,24 anos e 5,15
anos, respectivamente). É nítido o intuito da inovação legislativa de ameaçar a
própria existência ou, ao menos, a eficácia mínima do combate à improbidade
administrativa, porquanto fixa prazos legais não factíveis e totalmente dissoci-
ados da realidade do sistema judiciário brasileiro.

18 STF. Plenário. Questão de ordem no recurso extraordinário com repercussão geral


966.177/RS. Rel.: Min. LUIZ FUX. 7 jun. 2017, maioria. DJe 19, 1o fev. 2019.
19 Disponível em: <https://is.gd/Jur0139> ou <https://www.cnj.jus.br/wp-content/
uploads/conteudo/arquivo/2018/02/0c9f103a34c38f5b1e8f086ee100809d.pdf>. Acesso
em: 22 jun. 2022.

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4 CONCLUSÃO

46. Diante do exposto, o Ministério Público Federal requer que:

a)  Vossa Excelência faça intimar os embargados para manifestar-se acerca


destes embargos, caso desejem;

b)  os embargos sejam conhecidos e providos, para o fim de sanar as omis-


sões e a contradição apontadas;

c)  se confiram efeitos infringentes ao julgamento destes embargos, a fim


de anular parcialmente o acórdão 4050000.32113405 (pois a norma que criou
prescrição intercorrente em ações de improbidade administrativa está suspen-
sa por determinação do Supremo Tribunal Federal), se profira novo julgamen-
to de mérito, com análise dos argumentos de mérito dos apelantes e do Minis-
tério Público Federal e afastamento das alterações promovidas pela Lei
14.230/2021 na Lei 8.429/1992, e se dê total provimento à apelação
4058302.10029911, nos termos do parecer 4050000.16118648;

d)  subsidiariamente, caso esta corte entenda aplicáveis de imediato os pra-


zos de prescrição geral e intercorrente previstos no art. 23 da LIA, na redação
da Lei 14.230/2021, requer que estes embargos sejam conhecidos e providos
para sanar contradição, pois não transcorreram os lapsos temporais lá previs-
tos (oito anos antes do ajuizamento da demanda e quatro anos entre os mar-
cos interruptivos previstos nos incisos do § 4o); providos estes embargos, re-
quer aplicação de efeitos infringentes, a fim de anular parcialmente o acórdão
4050000.32113405 para que esse tribunal afaste a prescrição, profira novo jul-
gamento, com análise dos argumentos de mérito dos apelantes e do Ministé-
rio Público Federal, e dê total provimento à apelação 4058302.10029911, nos
termos do parecer 4050000.16118648;

Recife (PE), 19 de julho de 2022.

[Assinado eletronicamente.]

WELLINGTON CABRAL SARAIVA


Procurador Regional da República
Processo: 0802153-24.2017.4.05.8302
Assinado eletronicamente por:
WELLINGTON CABRAL SARAIVA - Procurador 32 22071922432037100000032528908
Data e hora da assinatura: 19/07/2022 22:46:01
Identificador: 4050000.32568289
Para conferência da autenticidade do documento: https://pje.trf5.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam 32/32

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