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Apelação Cível n. 0305349-03.2017.8.24.

0023, da Capital
Relatora: Desa. Vera Copetti

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA


IMPETRADO EM RAZÃO DO INDEFERIMENTO, PELO
PRESIDENTE DO DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E
TERMINAIS - DETER, DO PEDIDO DE REGISTRO DE
VEÍCULOS CEDIDOS EM COMODATO POR EMPRESA
EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL, PERTENCENTE AO
MESMO GRUPO EMPRESARIAL DA IMPETRANTE.
SENTENÇA DENEGATÓRIA DA SEGURANÇA. APELO DA
IMPETRANTE. ALEGATIVA DE QUE O ATO PRATICADO
PELO DETER, REQUERENDO PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO
JUÍZO RECUPERACIONAL, NÃO POSSUI AMPARO
LEGAL. INEXISTÊNCIA DE INFORMAÇÕES ACERCA DA
INCLUSÃO DO CONTRATO DE COMODATO NO PLANO
DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, OU NECESSÁRIA
ANUÊNCIA DO JUÍZO RECUPERACIONAL. DISPOSIÇÃO
EXPRESSA NO ART. 66 DA LEI N. 11.101/2005. DIREITO
LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE PROVA
PRÉ-CONSTITUÍDA E NECESSIDADE DE DILAÇÃO
PROBATÓRIA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.


0305349-03.2017.8.24.0023, da comarca da Capital 1ª Vara da Fazenda Pública
em que é/são Apelante(s) Reunidas Turismo S/A e Apelado(s) Departamento de
Transportes e Terminais DETER.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade,


conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Desa.
Sônia Maria Schmitz (com voto) e dele participaram a Exma. Desa. Vera Copetti
e o Exmo. Des. Odson Cardoso Filho.
Funcionou como representante do Ministério Público na sessão o
Exmo. Sr. Dr. Rogê Macedo Neves.

Florianópolis, 2 de julho de 2020.

Desa. Vera Copetti


Relatora

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Gabinete Desa. Vera Copetti
RELATÓRIO

Reunidas Turismo S/A impetrou "mandado de segurança com


pedido liminar", que tramitou na 1ª Vara da Fazenda Pública da comarca da
Capital, em face de ato tido como ilegal do Presidente do Departamento de
Transportes e Terminais do Estado de Santa Catarina – DETER, ao condicionar
o deferimento do pedido formulado – adicionar veículos da empresa Reunidas
S/A Transportes Coletivos, cedidos na modalidade de Comodato, em seu
cadastro geral – à autorização do juízo em que tramita o processo de
recuperação judicial que a proprietária dos veículos figura no pólo ativo.
Na inicial (pp. 01-17), a impetrante sustenta, em resumo, que
pertence ao Grupo Empresarial Reunidas e, mesmo não operando linhas
intermunicipais do Estado de Santa Catarina, está registrada junto ao Poder
Concedente sob o n. 1505-C, podendo efetuar o cadastro de veículos para a
realização de viagens especiais e turismo, e ainda, ceder os veículos que estão
cadastrados em seu registro geral para empresas operadoras do sistema
intermunicipal, com anuência e fiscalização do DETER.
Afirma que, na data de 18 de novembro de 2016, requereu junto ao
DETER o cadastro de veículos no registro geral da impetrante, de propriedade
da Reunidas S/A Transportes Coletivos e cedidos na modalidade de comodato;
porém, sem qualquer amparo legal e por estar a empresa Reunidas S/A
Transportes Coletivos em Recuperação Judicial, o DETER condicionou "o
deferimento do pedido formulado pela Impetrante a autorização do juiz do
processo da recuperação judicial que a proprietária dos veículos (Reunidas S/A
Transportes Coletivos) figura no polo ativo" (p. 07).
Requereu, liminarmente, "o Registro da frota requerida no Registro
Geral da Impetrante junto ao DETER, desde que cumprido os requisitos legais,
determinando, ainda, que a autoridade se abstenha da exigência de autorização
judicial do juízo da recuperação judicial da Reunidas S/A Transportes Coletivos".
Ao final, postulou a concessão da segurança para confirmação da medida.
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Juntou documentos às pp. 19-301.
O juízo singular indeferiu o pleito liminar (pp. 305-308).
A autoridade coatora prestou informações (pp. 313-317),
defendendo que a comunicação ao Juízo da recuperação judicial objetiva impedir
o prejuízo financeiro à empresa em processo de recuperação. Postulou a
denegação da segurança.
O Ministério Público declinou de seu interesse na lide (pp. 340/341).
Na sentença (pp. 343-345), o magistrado denegou a segurança e o
dispositivo encontra-se assim redigido:
Ex positis, DENEGO A SEGURANÇA pretendida e julgo resolvido o
mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Custas pelo impetrante. Incabível na espécie a condenação de honorários
advocatícios, nos termos da Súmula 512 do Supremo Tribunal Federal e
Súmula 105 do Superior Tribunal de Justiça.
Comunique-se o teor da presente decisão nos autos do agravo de
instrumento n. 4013170-35.2017.8.24.0000.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Irresignada, a autora interpôs recurso de apelação (pp. 353-360),
reforçando os argumentos lançados na peça inicial. Referiu, ainda, que (i) a
exigência de autorização do juiz da recuperação judicial para efetivar o registro
dos veículos que se encontram em nome da empresa recuperanda – Reunidas
S/A Transportes Coletivos – junto ao registro da Impetrante no DETER, não tem
amparo legal; (ii) seguiu o previsto na documentação extraída do sítio eletrônico
do DETER para o registro de veículos oriundos de contrato de comodato e (iii) a
empresa recuperanda não está se desfazendo do patrimônio (apenas cedendo
em comodato). Ao final, ressaltou que o indeferimento do pedido fere direito
líquido e certo, por ter apresentado ao DETER toda documentação exigida na
legislação em vigor.
O Departamento de Transportes e Terminais – DETER apresentou
contrarrazões, às pp. 370-375.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma.

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Gabinete Desa. Vera Copetti
Sra. Dra. Eliana Volcato Nunes, manifestando-se pelo desprovimento do recurso
(pp. 384-387).
O Estado de Santa Catarina requereu sua habilitação nos autos, eis
que o art. 98 da Lei Complementar Estadual n. 741/2019 extinguiu a autarquia
Departamento de Transportes e Terminais – DETER (pp. 408/409).
Este é o relatório.

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VOTO

Quanto ao juízo de admissibilidade, verifico que o recurso preenche


os pressupostos processuais intrínsecos e extrínsecos, razão pela qual deve ser
conhecido.
Cuida-se de recurso de apelação interposto por Reunidas Turismo
S/A, contra a sentença que denegou a segurança pretendida em mandamus que
postula o registro de veículos da empresa Reunidas S/A Transportes Coletivos –
que se encontra em recuperação judicial – no registro geral da empresa, junto ao
DETER, sem a necessidade de prévia comunicação ao Juízo da recuperação
judicial.
Com efeito, nos termos do caput do art. 1º da Lei n. 12.016/2009:
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que,
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que
categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Sabe-se que é requisito essencial para o êxito da presente ação
constitucional a prova pré-constituída da alegada violação de direito líquido e
certo, não sendo permitida a dilação probatória no mandado de segurança,
procedimento de natureza eminentemente célere.
É o que se dessume da redação do artigo 6°, da Lei 12.016/09, in
verbis:
Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos
pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que
instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade
coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual
exerce atribuições.
§ 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache
em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se
recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará,
preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em
cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez)
dias. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da
petição.
§ 2° Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria
coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação.
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§ 3° Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato
impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.
§ 4º (VETADO)
§ 5° Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art.
267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 6º O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do
prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.
Acerca do tema, ensina Hely Lopes Meirelles:
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência,
delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração.
Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de
segurança há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos
e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se
sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de
situações e fatos ainda indeterminados; não rende ensejo à segurança, embora
possa ser defendido por outros meios judiciais.
Quando a lei alude a 'direito líquido e certo', está exigindo que esse direito
se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no
momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito
comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido
nem certo, para fins de segurança. O conceito de liquidez e certeza adotado
pelo legislador é impróprio - e mal expresso - alusivo a precisão e comprovação
do direito, quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e
situações que ensejam o exercício desse direito.
Por se exigir situações e fatos comprovados de plano é que não há
instrução probatória no mandado de segurança. Há apenas uma dilação para
informações do impetrado sobre as alegações e provas oferecidas pelo
impetrante, com subsequente manifestação do Ministério Público sobre a
pretensão do postulante. Fixada a lide nestes termos, advirá a sentença
considerando unicamente o direito e os fatos comprovados com a inicial e as
informações. (MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar
Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 36ª ed., São Paulo:
Editora Malheiros, 2014, p. 36-37)
No caso em exame, a impetração é sustentada pela alegação de
que não há óbice legal ao pleito de registro de veículos no cadastro geral da
empresa Reunidas Turismo S/A (ora impetrante), eis que estão em sua posse em
razão de contrato de comodato realizado com a Reunidas S/A Transportes
Coletivos (empresa pertencente ao mesmo grupo empresarial da impetrante), a
qual se encontra em processo de recuperação judicial.
Contudo, o direito alegado não se apresenta na liquidez e certeza
exigidas, eis que a alegação posta pelo impetrante, quando confrontada com os
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indicativos de prova amealhados ao feito, ressai duvidosa. Isso porque, ao
examinar a prova documental constante no caderno processual, não se localiza
comprovação de que o contrato de comodato realizado entre as empresas faça
parte do Plano de Recuperação Judicial.
Ressalta-se, ainda, que, muito embora na recuperação judicial o
ativo da empresa permaneça no exercício de sua atividade, uma possível
diminuição dos ativos, em decorrência do desfazimento ou deterioração do
patrimônio, deve ser comunicado ao juízo recuperacional.
Assim, pelo dever de transparência, o juízo recuperacional deveria
reconhecer a utilidade de pacto que não está relacionado ao plano de
recuperação judicial, no caso dos autos, o contrato de comodato.
Acerca do assunto, dispõe o art. 66 da Lei n. 11.101/2005 que:
Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor
não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo
evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com
exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.
Corroborando esse entendimento, segue transcrito excerto do
parecer ministerial exarado pela Excelentíssima Procuradora de Justiça, Dra.
Eliana Volcato Nunes, nos seguintes termos:
"[...].
Primeiramente, quanto aos contratos realizados com empresa em
anteriormente ao processo de recuperação judicial, dispõe o art. 108, da Lei n.
11.101/2005:
Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador
judicial efetuára a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens,
separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz,
para esses fins, as medidas necessárias.
São os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho quanto a arrecadação de
bens de sociedade anônima:
Quando a falência é da sociedade empresária (normalmente, uma limitada ou
anônima), os bens que serão arrecadados para integração à massa falida são
exclusivamente os da sociedade.
[...]
Serão arrecadados todos os bens de propriedade da sociedade empresária falida,
ainda que não se encontrem em sua posse, assim como todos os bens na posse
dela, mesmo os que não são de sua propriedade. (COELHO, Fábio Ulhoa.
Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11. ed. rev.,
atual. e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 400-401)

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Ainda, retira-se do art. 110 da referida lei:
Art. 110. O auto de arrecadação, composto pelo inventário e pelo respectivo laudo
de avaliação dos bens, será assinado pelo administrador judicial, pelo falido ou
seus representantes e por outras pessoas que auxiliarem ou presenciarem o ato.
§2º. Serão referidos no inventário:
[...]
III - os bens da massa falida em poder de terceiro, a título de guarda, depósito,
penhor ou retenção. [...]
Dessa feita, verifica-se que todos os bens pertencentes a sociedade que
se encontra em processo de recuperação judicial, independente de contrato de
comodato realizado anteriormente à falência, devem estar dispostos no
inventário de bens da sociedade.
Ainda, dispõe o art. 66 da Lei n. 11.101/2005:
Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não
poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente
utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com a exceção
daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.
Sobre o dispositivo acima, Fábio Ulhoa Coelho realiza o seguinte
apontamento:
A utilidade do ato é presumida em termos absolutos se previsto no plano de
recuperação judicial aprovado em juízo. [...]
Mas, se não constarem do plano de recuperação homologado ou aprovado pelo
juiz, a utilidade do ato para a recuperação judicial deve ser apreciada pelos órgãos
desta. Assim, a alienação ou oneração só poderá ser praticada mediante prévia
autorização do juiz, ouvido o Comitê. (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei
de Falências e de Recuperação de Empresas. 11. ed. rev., atual. e amp. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 266)
Assim, vê-se que, para o deferimento do pedido realizado pela apelante, o
contrato de comodato deveria estar disposto no referido plano de recuperação
judicial, o que não consta nos autos nem sua previsão no plano, nem prévia
autorização do juiz do processo de recuperação, mediante a ouvida do Comitê.
Dessa feita, o deferimento da presente ação poderia ocasionar prejuízos
aos lucros da empresa que se encontra em processo de recuperação judicial.
Logo, a sentença de primeiro grau não merece reforma, pois não restou
comprovado o direito líquido e certo da apelante para reconhecer seu direito ao
deferimento do registro de veículos em sua posse por meio de contrato de
comodato." (pp. 385/386)
Por tais motivos, não se pode reconhecer ilegalidade no ato
praticado pelo impetrado ao negar o registro de veículos pertencentes à empresa
em recuperação judicial e cedidos à impetrante em razão de contrato de
comodato.
Diante do exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-
lhe provimento.
Este é o voto.

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