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Aulas práticas

Professora Doutora Mónica Jardim

QUESTÃO 1.
A deu em comodato um imóvel a B, pelo período de cinco anos. Decorrido dois anos,
A transmitiu o seu direito de propriedade a C e este não pretende continuar a
cumprir o contrato. Pode fazê-lo?

Devemos começar por qualificar os direitos. Não dizendo mais nada, partimos do
pressuposto de que A é proprietário, sendo titular do direito de propriedade, o mais amplo
dos direitos. Ele pode usar, fruir, constituir direitos reais menores, alienar a coisa e dá-la
em arrendamento. O proprietário pode retirar da coisa todas as suas vantagens, pode fazer
o que entender, desde que respeite os limites. A deu em comodato o imóvel a B.

O B torna-se comodatário quando a coisa lhe é entregue, sendo um contrato real quanto à
constituição (mas não quanto aos efeitos), logo, requer a entrega da coisa. Este não é um
direito real, mas sim um direito pessoal de gozo. Este é o poder de o comodatário poder
atuar sobre a coisa, tal como fosse proprietário da mesma, mas apenas com eficácia entre
as partes, porque encontra a sua fonte no contrato, que é mais do que uma matriz, sendo
que rege toda a vida do direito. Assim, é o contrato que rege toda a vida do direito, sendo
um negócio que depende do compromisso assumido pelo A.

De seguida, A transmitiu o seu direito de propriedade a C. O C adquire o direito real


máximo, eficaz erga omnes. Portanto, temos um conflito entre o direito do comodatário, o
direito pessoal de gozo, eficaz inter partes, e o direito de C, eficaz erga omnes. Neste
conflito, prevalece o direito real, que é o direito real erga omnes. Por isso é um direito que
prevalece sobre os direitos de crédito ou os direitos pessoais de gozo.

Logo, C pode impedir B de continuar a utilizar o imóvel. Em rigor, se o C o fizer não está a
não cumprir qualquer contrato, porque não se vincular a nada, uma vez que quem se
vincula é o A. Quem assumiu o contrato foi A, logo, uma vez que os efeitos se restringem às
partes, quanto muito foi este que incumpriu. Eventualmente, poderá ser requerida uma
indemnização a A que, ao fim de dois anos se colocou numa posição de impossibilidade de
cumprir tal indemnização.

Para quem defende a teoria da eficácia externa das obrigações, o C, se conhecesse aquele
contrato de comodato ou desconhecesse culposamente o mesmo (depende da doutrina
adotada), teria de responder perante B. Esta responsabilização seria em termos
obrigacionais (art. 483º), ressarcindo eventuais prejuízos.

QUESTÃO 2.
A atribuiu a B o direito de caçar num prédio seu e B pagou para ter esse direito.
Agora, A vendeu o tal prédio a C e C opõe-se a que B entre no prédio e lá cace. Quid
iuris?
Nesta situação temos A, proprietário, titular de um direito real máximo, e B que autoriza
alguém a caçar no seu prédio.

Mariana Tralhão 1
Quanto às características reais dos direitos reais, por exclusão de partes compreendemos que
direito é. Isto porque os direitos reais estão sujeitos ao princípio da taxatividade, incluindo
apenas os direitos reais previstos na lei. excluindo todos os que pertencem, resta saber se é
um direito de crédito ou um direito pessoal de gozo, ou seja, saber se não depende ou se
depende da fruição. Mas saber se é um ou outro não muda nada, porque ambos têm apenas
efeitos entre as partes.

Este direito é um direito sobre a caça, não tendo nada que ver com a coisa. logo, exclui-se
os direitos reais, porque a caça não é uma coisa certa e determinável. A segunda hipótese,
de ser direito real sobre o prédio, teremos de excluir os direitos reais. Há três categorias
de direitos reais: direito real de garantia (direito de promover a venda judicial de um bem
para satisfazer os seus créditos com preferência sobre os demais credores) – não tendo
aquela característica não é; direito real de aquisição, que permite a aquisição de um direito
real – também não está em causa; resta os direitos reais de gozo. Como tal, temos de
recorrer os direitos reais de gozo: não se trata de propriedade; nem propriedade
horizontal; nem direito real de habitação periódica; nem um direito de usufruto (direito de
usar e fruir plenamente de coisa alheia, não alterando a forma e substância da coisa –
direito mais amplo a seguir à propriedade; isto porque não tem aquele direito); nem um
direito de uso (porque implica o direito de usar e fruir na medida das suas necessidades e
da sua família – o que não está em casa); nem direito de habitação, nem direito de
superfície (direito de fazer ou manter obra ou plantação num terreno alheio – que não é o
caso), por últiumo, restam as servidões (encargo imposto a um prédio, em benefício de
outro prédio – característica de relação de predialidade), no caso, não fazemos ideia se B é
titular de qualquer prédio, isso é irrelevante. Logo, em causa não está um direito real.
Não sendo um direito de crédito, é um direito pessoal de gozo, mas também tem eficácia
inter partes. C pode fazer o que se refere, porque o seu direito real tem eficácia erga omnes.

QUESTÃO 3.
Há dez anos, A constituiu a favor de B um direito de usufruto sobre uma casa de
habitação. Agora, A vendeu a dita casa a C. O C mudou as fechaduras da casa e
impede B e a sua família de continuarem a usá-la. Poderá fazê-lo?
A, titular do direito de propriedade
B é titular de um direito de usufruto (direito de usar e fruir plenamente de coisa alheia,
sem prejuízo da sua forma ou substância). B é titular de um direito real, com eficácia erga
omnes. Apesar de a sua origem ter sido o contrato, o contrato tem apenas uma função
genética, que deixa de ter relevância. Há uma atribuição da soberania ou domínio. Não se
determina por qualnto temmpo po usufruto foi constituído. No entanto, o usfurtuo tem
sempre um prazo. O mesmo poderá ser acordado ou aplica-se o prazo da lei – a vida toda
(terminando com a morte do titular). Se o usufrutuário for uma pessoa coletiva e não for
fixado prazo, este direito dura 30 anos.
Em causa, temos um proprietário que deixa de ser proprietário pleno, porque o usufruto
comprime esse seu direito, passa a ter uma propriedade de raiz, onerado com o usufruto.
C adquire a propriedade de raiz, ou seja, a propriedade onerada (se tentar vender mais, o
negócio celebrado por A é nulo). Sendo assim, C não pode impedir que o usufrutuário
exerça esse seu direito, tendo de o respeitar, porque estes direitos são compatíveis.

Mariana Tralhão 2
O direito de B tem eficácia erga omnes. Como tal, aplica-se também a sua soberania a C e o
dever deste de não ingerência. Como ambos têm eficácia erga omnes e há um confronto de
dois direitos reais de gozo, prevalece o primeiramente constituído. Portanto, C não
poderia ter alterado a fechadura.
1. Suponha-se que:
a. Nenhum deles registou os seus direitos. Nesta hipótese, não há tutela do
registo, aplicando-se o direito substantivo.
b. O usufrutuário registou e C não registou. A solução também é simples.
Se quem regista é aquele que beneficiaria da mera aplicação do direito
substantivo, a solução também é a mesma, não podendo o registo ser-lhe
prejudicial.
c. Ambos registam. Aqui, também ganha o primeiro que registou. Aqui, há
que ressalvar que, em rigor, se ambos tiverem registado e o fizeram na
ordem temporal, o C apenas conseguirá registar a nua propriedade, ou
propriedade de raiz. Assim, não haverá conflito que perturbe a posição de
B.
d. O usufrutuário não registo e A, aproveitando-se desse facto,
transmitiu a propriedade plena a C. Neste caso, se C conseguisse o
registo da propriedade plena, B seria prejudicado, apesar de o negócio
celebrado entre A e C ser inválido. Assim, C teria o direito de propriedade
plena e o registo tinha um efeito atributivo para si. Não podendo essa
propriedade plena coexistir com o usufruto, necessariamente caía o direito
de B. Assim, aquele registo teria efeito atributivo para B e devolutivo para
C.
2. Como poderá B reagir?
Havendo direito real, que é um direito absoluto, todos os que não são titulares
desse direito têm o dever geral de abstenção. C viola esse direito. Como tal, nasce
uma pretensão real. Isto porque, nada beneficia provar que o direito real é um
direito erga omnes se depois o mesmo pudesse ser violado, requer-se uma forte
tutela.

Nasce uma pretensão real. Assim, aquele que viola passa a estar obrigado a realizar
uma prestação a favor do titular do direito real e o titular do direito real passa a ter
o direito de exigir essa prestação, que deverá repor a situação em conformidade
com o estatuto do direito real. Portanto, da violação de um direito real, nasce uma
relação obrigacional, em que o credor e o titular do direito e o devedor é o violador
daquele direito.
O titular do direito real poderá exigir de C que reponha a situação de acordo com
estatuto do seu direito. In casus, seria requerido que colocasse as fechaduras
antigas ou que lhe concedesse a nova chave.

No incumprimento dessa obrigação, B terá de impor uma ação, para defesa do


direito real. Para sabermos que ação devemos intentar devermos apurar se o
titular do direito foi privado da coisa sobre a qual recai o seu direito ou não. Na
situação, B foi privado da coisa. Assim, recorre-se à ação de reivindicação. Aqui,
intenta o proprietário não possuidor contra o possuidor, que não é proprietário.

Esta ação está prevista no art. 1311º. Ela está prevista quanto ao direito de
propriedade, mas aplica-se a outros direitos reais, de acordo com o 1515º.

Mariana Tralhão 3
Os pedidos a realizar deverão ser: reconhecimento do direito de usufruto e a
restituição da coisa (assim é que se exerce processualmente a pretensão real). As
ações reais estão sujeitas a registo (art. 3º CRN). Quanto à causa de pedir, a lei, de
forma expressa no art. 1581º/4 diz que a causa de pedir nas ações reais é o facto
jurídico de que deriva o direito real. Ou seja, a aquisição originária ou a aquisição
derivada (tendo de se fazer prova de que se adquiriu).
Sempre que alguém adquire originariamente (ex: usucapião), não tem, em regra,
dificuldade grande dificuldade de prova (uma vez que o teve de provar
paraadquirir o direito). Ao invés, quando alguém pensa que adquiriu
derivadamente, já se confronta com uma prova complicada. Isto porque não basta
alegar em tribunal o negócio jurídico que está na sua base, porque ninguém
garante que efetivamente o tenha adquirido, porque, entre nós, verifica-se o
princípio do nemo plus iuris. O que se alegava de proprietário poderá não o ser. Isto
significa que quando se intenta uma ação real e se invoca a aquisição derivada,
confronta-se com a prova diabólica.

Porque ao B não basta provar que celebrou o contrato com A. Portanto, terá de se
provar como é que A adquiriu aquele direito. Pode acontecer que A tenha
adquirido originariamente (situação em que é fácil). Se não foi o caso, temos de
andar para trás na cadeia, em busca de um sucessor que tenha efetivamente
adquirido originariamente.

Precisamente porque a prova é diabólica, o legislador, tentando facilitar o trabalho


do autor, estabelece algumas presunções da titularidade do direito. Quando
alguém se faz valer das presunções, transmite o ónus da prova para a outra parte.
São presunções: o registo (art. 3º? – se B tivesse registado, era mais fácil. No
entanto, cabia a C ilidir aquela presunção); a posse (art. 1268º - mas este
usufrutuário não tem posse, tendo sido privado dela);
O registo e a posse são presunções ilidíveis (esta é a regra e o legislador não
ressalvou a exceção). Faz sentido ser assim, porque o registo não é constitutivo.

a. Suponha que C vinha dizer que, apesar de não ser proprietário pleno, B
também não é usufrutuário, porque A não é proprietário. Se assim fosse, a
ação era julgada improcedente, mas C não tinha de sair da casa. Enquanto o
verdadeiro proprietário da casa teria de reagir contra ele. Ou seja, a presunção
pode ser ilidida.
b. Suponha que C não tinha adquirido de A, mas sim de D. Apesar de o
usufrutuário apresentar o registo, C pode conseguir provar que D é o
verdadeiro proprietário. Aqui não há problema de aplicação do art. 5º, porque
aqui não temos uma situação triangular, mas sim dois causantes diferentes.
Sempre que falamos de uma ação real (ação de reivindicação, ação negatória, ação
de mera apreciação na defesa de um direito real), temos sempre de falar do pedido e
da causa a pedir.

QUESTÃO 4.
A, proprietário e possuidor do prédio rústico X, vendeu-o a B, por escritura pública,
em 1955, tendo este começado imediatamente a transformar o imóvel numa quinta
dedicada á agricultura biológica. Há dois dias, B foi surpreendido pela manhã,

Mariana Tralhão 4
quando o seu vizinho C despejou duas toneladas de composto orgânico no seu
terreno, tendo, consequentemente, destruído toda a plantação de B. Poderá B
reagir?

Sempre que se pretenda constituir ou transmitir direitos reais sobre imóveis, tem de se
dar forma ao negócio. Atualmente, essa forma é a escritura pública ou documento
particular autenticado (desde o Diploma 116/2008, de agosto).

Portanto, tem de seguir um de dois caminhos: vai ao notário, que reduz a escritura pública
ao negócio (o notário é que rediz todo o negócio); teoricamente, comparece-se a advogado
ou solicitador com negócio feito e este limita-se ao termo de autenticação. Isto é assim
desde 2008. Anteriormente, era apenas por escritura pública.
Por isso, temos de ter cuidado com a data. Se estivesse escrito “por documento particular
autenticado”, era inválido, porque apenas era permitida a escritura pública. Em causa
estando imóveis, nunca poderia ser o documento particular.
Como fora por escritura pública, não há qualquer problema. Logo, B tornou-se
proprietário. Há dois dias atrás, foi surpreendido por C. Se B tinha o direito real de
proprietário (domínio sobre a coisa), os outros não tinham, estando C vinculado pelo
dever geral de abstenção. Quando C procede àquele comportamento, viola o direito real de
B. Logo, nasce uma pretensão real. Ou seja, C passou a estar obrigado perante B de tirar de
lá o composto orgânico que colocou e B passou a ter o direito de exigir essa prestação, no
âmbito de uma verdadeira relação obrigacional, intersubjetiva.

Processualmente, esta pretensão real será realizada intentando uma ação de defesa do seu
direito. No caso, não se aplicaria a ação de reivindicação (não está privado da coisa),
restando a de negação e a de mera apreciação positiva ou negativa. Esta última não tem
uma natureza condenatória. Como tal, ficamos com a ação negatória. Esta é uma ação de
natureza condenatória, que não está prevista na legislação, mas nunca houve duvida na
possibilidade de intentar esta ação. isto porque, tratando-se de direitos reais, falamos de
eficácia erga omnes. Esta eficácia só é efetiva se se falar de uma forte tutela. A contestação
desta ação, seria negar esta forte tutela (e quando se recorre ao tribunal não se tem de
nomear a ação).

Quanto ao pedido, pede-se ao tribunal que se declare a inexistência de qualquer direito


que legitime a atuação de C – este pedido corresponde a uma função preventiva e dá nome
à ação declaratória; por outro lado, requer-se que seja reposta a situação material em
conformidade com o direito real (não se diz a reposição natural, porque às vezes não é
preciso tanto – caso típico da janela, em que basta fechá-la) – este pedido faz com que esta
ação tenha uma função reparadora e a sua natureza é de condenação. Portanto, o que se
pede é a condenação a retirar-se aquele composto; habitualmente é feito um terceiro
pedido condenatório, o de o réu ser condenado a não mais voltar a praticar aqueles atos
(função preventiva). Este último pedido apenas faz diferença se, a par do mesmo, se
requerer o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
A estes três pedidos pode pedir-se (porque não é típico desta ação) a condenação ao
pagamento de uma indemnização. Como B teve prejuízos, nos termos gerais da
responsabilidade extracontratual (art. 483º), deveria ser indemnizado (porque não fazia
sentido intentar-se uma ação isolada). Mas aqui, ao contrário dos outros pedidos, é
necessário provar-se a culpa e a existência de danos.

Mariana Tralhão 5
Quanto à causa de pedir, aplica-se o art. 591º/4, sendo que se tem de provar que B é
proprietário daquele direito e como o adquiriu. Em causa, B adquiriu derivadamente.
Logo, vamos para o problema da prova diabólica. Se tiver o registo da propriedade, goza
da presunção de que é proprietário (art. 7º CRPredial). No caso, também beneficia da
presunção de que é proprietário por ter a posse em seu poder (1252º).
A prova da posse é relativamente singela. Para haver posse, tem de haver dois requisitos:
corpus e animus. Mas, provando-se o corpus, presume-se o animus (nº2). O corpus traduz-
se no exercício de poderes de facto sobre a coisa, ou na possibilidade empírica desse
exercício. Por outro lado, o animus corresponde à intenção de atuar sobre a coisa como
titular do direito real correspondente àquele exercício de poderes de facto.
Quanto ao exercício de poderes de facto, pode apresentar a conta da água do prédio em
seu nome, pode provar que é B quem cultiva o prédio, que empresta o prédio, etc.. Quanto
à possibilidade empírica de o fazer, no caso não se apresenta problemas.
Mas há imensas pessoas que não vão aos seus terrenos mas não deixam de ser possuidores,
porque, apesar de não exercerem aqueles poderes de facto, têm a possibilidade de o fazer
(porque ninguém o está a fazer), porque não está impedido por terceiros.
O animus é a intenção (não convicção) de atuar como titular do direito real em causa.
Quem não tem antes o registo, antes de intentar a ação, deverá antes registar o seu direito,
porque não se tem de estar registado à data da violação do direito, mas sim à data da
propositura da ação.

QUESTÃO 5.
Suponha que A é proprietário de um imóvel e que, há cerca de 15 dias, iniciou obras
nesse imóvel. Desde essa data, tem colocado todo o entulho das obras num prédio
rústico vizinho, que já não é cultivado há uma série de anos. O vizinho pode reagir?

O vizinho poderá reagir porque é proprietário, tendo todos os poderes, desde que respeite
os limites e restrições impostas por lei. Ele não só permaneceu proprietário, como também
continua a ser possuidor (continua a ter a possibilidade empírica de atuar sobre aqueles
bens). O proprietário tem tantos poderes que se incluem os de não o usar – o direito de
propriedade não se extingue, sendo imóveis, não se extingue pelo não uso (o que se aplcia
apenas a móveis).
Em causa, o direito foi violado, fazendo-se nascer uma pretensão real. A ação a intentar
será a ação negatória. A diferença em relação ao anterior caso, a diferença é que não houve
prejuízo, portanto, não será somada à ação negatória o pedido de indemnização. Mas este
pedido é opcional.

As ações reais estão sujeitas a registo e são imprescritíveis, não havendo prazo para as
intentar. Isto é evidente quando se sabe o que é um direito real. Sendo ele eficaz erga omnes,
não se poderá privar o seu titular daquela forte tutela pela prescrição da ação. Deixando de
existir o direito é que não se poderá mais intentar a ação, porque não se é titular.

QUESTÃO 6.

Mariana Tralhão 6
O administrador de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal
celebrou, no âmbito dos seus poderes atribuídos pela assembleia-geral, um contrato
com B, através do qual este se obrigou a reparar o telhado, desde que tal valor lhe
fosse pago antes da reparação.
Todos os condóminos realizaram as respetivas prestações, mas o administrador
gastou o dinheiro e não pagou a B. B recusa-se a reparar o telhado. Os condóminos,
por seu turno, recusam-se a efectuar novo pagamento.

O administrador pratica atos de administração ordinária, em nome dos condóminos. Ele


obteve os valores dos condóminos e gastou o dinheiro, não pagando a B.
A obrigação de custear as despesas com a reparação de um bem de um imóvel sujeito ao
regime da propriedade horizontal é uma obrigação real. Os condóminos estão obrigados a
pagar as despesas com as partes comuns – art. 1424º. Os condóminos cumpriram esta
obrigação, mas o administrador não pagou.
B não está obrigado a realizar a reparação, sendo legítimo não o fazer até ser pago. As
obrigações reais têm um regime próprio, diferente das obrigações autónomas. Aquelas
obrigações não se extinguem enquanto se mantiverem os pressupostos que as originaram,
não com o cumprimento daquela obrigação. Assim, a obrigação respetiva renasce
diariamente.

Um dos condóminos recusou-se a pagar, alegando que a parte estragada é a parte


Sul e não a parte Norte, do respetivo apartamento.
Não existe a possibilidade de renuncia liberatória, porque a propriedade horizontal
pressupõe uma propriedade sobre uma fração e uma compropriedade sobre as partes
comuns. Os dois direitos são incindíveis, segundo o legislador, não podendo o titular
renunciar ao direito sobre as partes comuns. Nem sequer se prevê a possibilidade de
renúncia liberatória do direito como um todo (quer da parte exclusiva, quer das partes
comuns) – art. 1420º/2.
Outro aspeto é a questão de outro elemento que distingue as obrigações reais das
obrigações autónomas é o facto de a renuncia liberatória se traduzir num negocio jurídico
unilateral, recetício e oneroso. Assim, há como que uma obrigação como faculdade
alternativa. A pessoa ou cumpre a obrigação ou abre mão do direito. Só há obrigação real
porque se é titular do direito real. Não querendo cumprir a obrigação, renuncia-se ao
direito e deixa-se de estar onerado pela respetiva obrigação. A renúncia, quando existir,
beneficia os titulares de outro direito real. Se quem renuncia é titular de um direito real
menor, a renuncia beneficia o titular do direito real mais amplo, que deixa de estar
onerado.

QUESTÃO 7.
Em janeiro deste ano, A, proprietário de um prédio rústico, onde existe uma mata de
sobreiros, vendeu a B cinquenta árvores que foram mascadas com tinta vermelha,
com as iniciais do nome de B. O preço da venda foi pago imediatamente. Agora, A
vendeu o prédio a C, que se opõe ao exercício do direito de B. Se tivesse que resolver
o conflito, a quais dos direitos concedia prevalência?

Mariana Tralhão 7
1. As árvores não são para ser cortadas. B pagou as árvores para se tornar
titular sobre elas e não para as cortar, daí ter pintado as árvores com as
iniciais do seu nome. Quid iuris?

O art. 1344º diz-nos o que inclui a propriedade dos imóveis. O mesmo abre a possibilidade
de desintegração. Quem é dono do solo é dono, também, de tudo o que nele existe – solo e
subsolo.

Temos de pensar que direitos que existem. O titular do direito de propriedade é titular de
tudo, a não ser quando a lei permita que haja um desmembramento ou separação de parte.
Isto acontece apenas em alguns casos, nomeadamente, na propriedade horizontal, em que
o legislador admitiu uma exceção ao art. 1344º. Se alguém for proprietário de terrenos
onde existem águas, fontes ou nascentes, podem transmitir a propriedade sobre as
mesmas, sem transmitir a propriedade de todo o terreno.
O direito de superfície constitui o direito de construir ou manter obra ou plantação, em
terreno alheio. Pode ter duas fazes: direito real de gozo de fazer aquela obra; depois,
direito de manter aquela obra ou plantação. Também pode acontecer a obra ou a
plantação já existirem e alienar-se o direito de mantê-las – art. 1524º. Neste caso, B tornar-
se-ia proprietário superficiário. Não se pode dizer que é proprietário, porque não é
proprietário do solo onde está plantado ou construída a obra, porque é um direito que
sofre limitações, não sendo a propriedade (ex: se as árvores caírem, o superficiário tem de
plantá-las, no prazo de dez anos, sob pena de se extinguir o direito de superfície – art.
1536º/1-b).
O direito de propriedade não é uma mera soma dos diversos direitos reais, sendo apenas
um direito com um conjunto de faculdades ou poderes. Por isso, não se poderá dizer que A
transmite o direito de usufruto, porque não era titular dele, mas sim do direito de
propriedade, que será onerado. Em tempos longínquos, defendeu-se o desmembramento
do direito de propriedade.
B adquiriu aquele direito com base num contrato (princípio da consensualidade, segundo
o qual os direitos reais se adquirem por mero efeito do contrato – art. 408º).
Agora, com a transmissão do direito de propriedade, temos um conflito entre direito de
propriedade e direito de superfície. Tendo em conta que temos um direito que está sujeito
a registo, nem o proprietário superficiário nem o superficiário tiverem registado, nenhum
é beneficiado pelo registo – não temos de aplicar as regras do registo, mas sim as regras de
direito substantivo. No âmbito de dois direitos reais, permanece o primeiramente
constituído, devido à sua eficácia erga omnes. Assim, quando C adquire o direito de
propriedade, adquire-o já onerado pelo direito de superfície.
Temos três hipóteses:

 Se o superficiário quiser transmitir o direito de superfície, o proprietário tem


direito de preferência, porque o seu direito irá expandir-se novamente.

 Se o superficiário tiver registado primeiro, também não há problema nenhum,


porque a realidade registal acompanhou o direito substantivo e, por isso, também
prevalece o direito do superficiário; quer tenha sido só este a registar, quer tenha
sido este a registar primeiro, porque quando o proprietário vai registar, já está no
registo o direito de superfície, sendo a propriedade registada como onerada.

Mariana Tralhão 8
 Não tendo registado o superficiário, aplica-se o art. 5º do Cód.Reg.Pred. e o direito
de superfície decai, se o negócio A-C não padecer de qualquer vício. Como C
adquire a propriedade plena e esta não pode subsistir com o direito de superfície,
o direito de superfície decai.

2. Afinal B pagou para comprar os 50 sobreiros, mas a ideia era cortá-los e


levar a madeira. Ainda não procedeu ao corte e agora o prédio é vendido a C.
Que direito adquire o B?
O B quis comprar as árvores, tendo pago por elas e celebrado um contrato de compra e
venda. Mas este direito de compra e venda que, em abstrato, produziria efeitos reais e
efeitos obrigacionais, ainda não pode produzir efeitos reais, porque ainda está ligado ao
solo e não foi nessa perspetiva que A os vendeu. São bens imóveis segundo o art. 204º. Por
outro lado, quando celebram o negócio, consideram que adquirirão a propriedade das
árvores cortadas. Assim, foi transmitida a propriedade de bens móveis futuros. Daí a
desnecessidade de registo, porque o objeto da compra e venda eram os móveis futuros.
O contrato de compra e venda pode produzir efeitos obrigacionais, mas não efeitos reais
porque, para que um direito real exista, é pressuposto que exista uma coisa e, por outro
lado, o conceito de coisa exige a sua autonomia e não integração num bem mais vasto.
Tudo que esteja integrado num imóvel é considerado imóvel, como é o caso das árvores
ainda plantadas.

O legislador esclarece, também, através de um preceito legal – art. 408º/2 (mesmo artigo
do princípio da consensualidade). Aquele número determina que, se em causa estiverem
bens futuros correspondentes a frutos naturais, os efeitos reais apenas se produzem no
momento da sua colheita. Não está em causa uma exceção ao princípio da
consensualidade, mas sim uma decorrência da definição de direito real e da noção de
coisa. Neste caso, B não tinha ainda adquirido direito real sobre as árvores. Aquele
contrato de compra e venda que visava efeitos reais, ainda não os tinha produzido, mas
meramente os efeitos obrigacionais.
A seguir, A vende o direito a C, sendo que este adquire direito de propriedade com as
características previstas na lei, nomeadamente, com a especificidade do art. 1344º,
segundo o qual o titular tem direito a tudo o que constar no prédio, nomeadamente, a mata
dos sobreiros.

Logo, nesta segunda hipótese, temos um confronto entre o direito de B, que é meramente
creditório, e o direito de C, que é direito real. No confronto entre estes dois direitos deverá
prevalecer o direito real, mesmo que posteriormente constituído.
Quando se diz que o direito de B é meramente creditório, não significa que, tendo
pretendido um direito real, tem um direito menor. O que acontece é que foi celebrado um
contrato que devia produzir efeitos reais e efeitos obrigacionais. No entanto, não produziu
direitos reais, mas apenas os direitos de crédito. Não é uma minoração do direito que se
pretendia. Se as árvores já estivessem cortadas, teria o direito de propriedade e direito de
crédito.

QUESTÃO 8.

Mariana Tralhão 9
A, dono de uma quinta, pôs termo à exploração agropecuária lá desenvolvida. Por
isso, vendeu os esteios de ferro (ferros introduzidos no terreno que permitem que a
vegetação cresça agarrada aos mesmos e permitem que cresça a ramada) de uma
ramada que circundava a quinta a B. A C vendeu máquinas agrícolas e ferramentas
utilizadas exclusivamente na exploração da quinta. Ficou acordado que, quer B,
quer C, só poderiam ir buscar o objeto do respetivo negócio em final de abril.
Entretanto, A vendeu a quinta a D. B e C estão preocupados, não sabendo se podem
ir lá buscar as coisas. Quid juris?
Quanto a B verifica-se o que se expôs no caso anterior. Temos de ver o que são os esteios
de uma ramada e se estão ligados materialmente ao solo com carácter de permanência, o
que se verifica. Logo, são partes integrantes – art. 204º/3. As partes integrantes ainda não
são coisas que já estão, de algum modo, individualizáveis, mas que falta algo mais, isto é, a
sua autonomização. As partes integrantes visam aumentar as utilizadas da outra coisa.
Podem ser separadas, embora com algum esforço de separação (em rigor, tudo pode ser
separado, mas poderá diminuir o valor da coisa).
A diferença entre partes integrantes e partes componentes (a par das semelhanças de
ambas serem partes da coisa e a elas estar sujeito o regime da coisa) é que as partes
componentes fazem parte da estrutura da coisa.
Diz-se que as partes integrantes podem ser separadas. No entanto, a sua aptidão é serem
partes. Os esteios em ferro, quando são vendidos, são-no para voltarem a ser integrados. A
sua verdadeira utilidade é atingida quando são partes. Assim, como a finalidade das partes
componentes.
B pretendeu adquirir os esteios em ferro, que são partes integrantes. Enquanto tal, são
objeto do direito real sobre a coisa. Para não o ser, teria de haver a separação – art.
408º/1. Este artigo não é uma exceção ao princípio da consensualidade, mas sim um
corolário do que é um direito real e o que é uma coisa.
O contrato de compra e venda entre A e B apenas produz os efeitos obrigacionais, não os
direitos reais. Logo, B ainda não é proprietário dos tais esteios.
Entretanto, A vendeu a quinta a C. O novo proprietário adquire a propriedade total, com
todas as suas partes integrantes – art. 1344º. B pode não conseguir levantar os esteios,
porque celebrou um contrato com A, não com o C, sendo este proprietário de toda a
quinta, onde se incluem os esteios. Por isso, poderá não permitir o levantamento. Se o
fizer, a única coisa que B poderá fazer é reagir contra A, pedindo a restituição do preço e
uma eventual indemnização.
Quanto ao C, este pretendeu adquirir máquinas agrícolas e ferramentas utilizadas apenas
no domínio da quinta. Assim, são coisas acessórias – art. 210º. Portanto, são coisas móveis
que, não estando ligadas materialmente e com carácter de permanência a uma coisa, estão
afetadas ao serviço da quinta. O regime das coisas acessórias é o regime das coisas em
geral, o que é refletido no art. 210º/2. Se são coisas que não são partes, então, o dono da
quinta tinha o direito de propriedade sobre a quinta e outro direito de propriedade sobre
cada máquina e outros sobre cada uma das ferramentas. Consequentemente, com o
negócio com C, transmite esses direitos de propriedade sobre as máquinas e ferramentas,
mas já não o faz com D, não o convencionando com este.
Aqui, já há um contrato de compra e venda apto a produzir os seus efeitos obrigacionais,
assim como os efeitos reais – art. 408º/1. Porém, foi convencionado que apenas C apenas
iria buscar as coisas em abril. Quanto aos efeitos deste contrato de compra e venda,
produziram-se apenas os seus efeitos reais. No que toca aos efeitos obrigacionais, que
consistiam na obrigação de entrega das coisas, foram diferidos. Mas isto não obsta à
constituição dos direitos reais de propriedade, segundo o princípio da consensualidade.

Mariana Tralhão 10
Será outro problema a possibilidade de C não permitir que B entre no seu terreno para ir
buscar os seus bens. B, primeiramente, deverá pedir a A que cumpra a sua obrigação. Mas
em último caso, B é o titular do direito de propriedade sobre aquelas coisas, como tal,
poderá intentar uma ação de reivindicação contra A.
Esta é a diferença entre o nosso sistema e o sistema Brasileiro, em que a entrega é modo e
em que a própria entrega acaba por publicitar o negócio. Quanto a esta publicidade,
destaca-se a entrega da coisa e o registo nos direitos reais de garantia do penhor e da
hipoteca, respetivamente, o que constitui exceção ao princípio da consensualidade.
Também não é imprescindível para a transmissão do direito de propriedade o pagamento
da coisa.

QUESTÃO 9.
A, construtor civil, foi réu numa ação executiva no qual foi nomeado à penhora
diverso material de construção. Enquanto a ação decorreu, A, que ficou responsável
por guardar os diversos materiais, continuou a utilizar aquele material e a integrá-
los em diversos edifícios da cidade. Agora chegou o momento da venda executiva e
constata-se que não existe material no depósito. Quem é que é proprietário destes
elementos?
Se uma determinada é devedor, o seu credor pode ser satisfeito por cumprimento
coercivo. A ação executiva faz nascer na esfera jurídica do exequente um direito real de
garantia, passando a ter o poder de satisfazer aquele crédito, com aqueles bens, nomeados
à penhora, e com preferência sobre os demais credores. Segundo o art. 822º, a preferência
decorre da penhora e respetivo registo.
Quanto aos bens nomeados, não se poderá praticar atos que ponham em causa a satisfação
do crédito. Esses atos são ineficazes perante a penhora. Não podia integrar, mas, a
verdade, é que ficou no seu poder (por vezes, ficam depositados no próprio devedor,
porque o tribunal não tem modo de os guardar; pode acontecer que seja nomeado um fiel
depositário responsável por garantir que os bens continuam lá).
A questão é se o tal direito de garantia do credor mantém-se ou não. A resposta passa pela
afirmação do facto de aquelas coisas terem deixado de existir, sendo que os direitos que
recaiam sobre eles deixaram de existir, passando, porque são partes integrantes, a recair
um direito de superfície. Assim, extinguiu o direito de propriedade de A sobre aqueles
bens e também o direito real de garantia em causa. Consequentemente, terão de ser
nomeados novos bens à penhora.

Outra hipótese que já aconteceu e que chegou ao Supremo e está no livro dos casos práticos
foi quanto a uns elevadores. Determinada pessoa que tinha uma fábrica de elevadores
vendeu-os a B, para que este integrasse os elevadores num prédio sujeito ao regime de
propriedade horizontal. O vendedor sabia para que finalidade seria. Mas, pretendendo
assegurar-se pelo seu crédito – pagamento dos elevadores –, introduziu no contrato uma
cláusula de reserva de propriedade (art. 409º). Por isso, enquanto não ocorresse o
pagamento, não seria transferida a propriedade. Esta não é uma exceção ao princípio da
consensualidade, porque ainda se respeita o contrato. Quando se diz que os efeitos reais se
produzem por mero efeito do contrato significa que os efeitos respeitam o contrato, não
sendo necessário mais nada. Mas não se exige que a produção destes direitos seja imediata,
podendo, por isso, ser diferida. O comprador integrou-os no prédio, passando a ser parte
integrante, não pagando ao vendedor. Este foi exigir o pagamento aos condóminos do prédio,
que não queriam pagar. Aquele que vendeu os elevadores dizia que era o proprietário, mas o

Mariana Tralhão 11
que os tribunais disseram foi que já não era titular daquele direito, porque não existia já
coisa, consequentemente, inexistia aquele direito, também.
Quanto às partes integrantes e às partes complementares, temos de analisar numa dupla
perspetiva: enquanto a parte é parte não é objeto de direitos reais distintos daqueles que
incidem sobre a coisa, sendo objeto do direito real que recai sobre o todo; por outro lado, é
preciso haver separação para que sejam objeto de direitos distintos. Mas o inverso
também se verifica, logo, quando uma coisa deixa de o ser e passa a ser parte, também
deixa de ser objeto de direitos reais distintos, extinguindo-se o direito real.

QUESTÃO 10.
A deu de arrendamento a B um prédio rústico. Na vigência do contrato de
arrendamento, o arrendatário pediu autorização para construir um barracão de
apoio à agricultura e um galinheiro. O contrato está a chegar ao fim e o arrendatário
pergunta-lhe se, tendo em conta o valor das obras por si feitas, poderá ou não
invocar acessão.
Segundo o art. 1340º, uma benfeitoria é uma despesa feita numa coisa já existente. Ela
pode ser necessária, útil ou voluptuária. A acessão é uma forma de aquisição originária
que não envolve uma despesa feita com uma coisa, mas um ato de inovação. Para que o
incorporador possa adquirir a propriedade do solo, de acordo com o art. 1340º/2, o valor
da nova realidade predial corresponda a mais do dobro da antiga realidade predial.
Tradicionalmente, distinguiam-se as benfeitorias das acessões como a primeira sendo uma
coisa já existente e a segunda um ato de inovação. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA
defenderam que a diferença não se encontrar aí, mas antes pela existência ou inexistência
de relação com a coisa, respetivamente. Segundo a Prof. MÓNICA JARDIM, não devemos ficar
por um critério apenas. Assim, a acessão seria sempre uma inovação e não apenas uma
despesa com a coisa. Envolve sempre uma incorporação, mas não determina a aplicação
do artigo referido.
Na verdade, aplica-se este regime nas hipóteses em que há atos de inovação praticados
com quem tem uma relação jurídica com a coisa (afastando-se a acessão) como também
quando há uma despesa na coisa. Mas, a lei tem sempre de intervir. Assim, aquele que
mantém relação jurídica com a coisa não pode invocar a acessão e só beneficiará do
regime das benfeitorias se a lei intervir.
Quanto ao arrendatário, não pode invocar a acessão porque tem uma relação jurídica com
a coisa, nem tem direito a benfeitorias, porque o direito só lho concede nas hipóteses de
despesas urgente – art. 1036º.

QUESTÃO 11.
A deu de arrendamento a B um prédio rústico pela renda anual (no arrendamento
rural a renda é anual) de 1200€. Tal ocorreu em maio do ano passado. Decorridos
nove meses do contrato de arrendamento, A vendeu o prédio a C. Agora, como está
prestes a ocorrer o vencimento da renda, A pretende saber que direitos terá
perante o valor que deverá ser pago.
O problema é da transmissão da posição de credor. Portanto, C passa a ser quer
proprietário, quer senhorio. Em causa está um problema de frutos civis. Se em causa
estivessem frutos naturais, o titular dos mesmos era o aquele que fosse proprietário da
coisa no momento da colheita. Quanto aos frutos civis, o legislador criou uma regra (mais
justa, na opinião da Professora) que determina que os mesmos deverão ser distribuídos
proporcionalmente ao direito de fruição. Isto quer dizer que A foi proprietário e senhorio

Mariana Tralhão 12
durante nove meses. C tem direito a 1/4 dos frutos que o prédio produz, porque foi titular
da coisa durante três meses.

QUESTÃO 12.
A vendeu a B um quadro que tem em sua casa. Não o entregou, nem recebeu o
pagamento do mesmo, pois convencionou com o comprador que a entrega apenas
ocorreria hoje (3 de maio), bem como o pagamento do preço. Hoje, o comprador foi
ter com A, para efectuar o pagamento e para receber o quadro. A comunicou-lhe que
já tinha vendido o quadro a C ontem, já tinha recebido o preço e já tinha entregado o
mesmo.
Por força do princípio da consensualidade (art. 408º/1), os direitos reais transmitem-se
por mero efeito do contrato, não sendo necessário qualquer ato de entrega. Quando
pensamos no princípio da consensualidade, temos de pensar que basta o título, mas que o
mesmo tem de existir, ser válidos e ser apto a produzir efeitos reais – princípio da
causalidade.
No caso em concreto, temos um quadro. Nada nos é adiantado sobre qualquer tipo de
vício. Por isso, a única coisa que temos de tentar determinar é se houve ou não vício de
forma. Como está em causa um móvel, não há vício de forma e por mero acordo há
transmissão do direito de proprietário. Portanto, é absolutamente irrelevante não ter
havido entrega da coisa ou pagamento do preço.
Um só contrato produz efeitos reais e efeitos obrigacionais. Os efeitos reais produziram-se
imediatamente, mas os efeitos obrigacionais, tal como acontece, podem ser diferidos no
tempo.
Consequentemente, A procedeu a venda de coisa alheia. No entanto, o bem está com C. Por
isso, B poderá intentar uma ação de reivindicação contra o C, pede o reconhecimento do
seu direito de propriedade e a restituição da coisa. Na causa de pedir, teria de invocar o
contrato de compra e venda, que suscita o problema da prova diabólica. B terá de provar
não apenas que celebrou o contrato, mas também com aquele que era titular da coisa (por
força do princípio nemo plus iuris), porque adquiriu derivadamente. Se A tivesse adquirido
originariamente, o problema extinguia-se, em caso contrário, teria de regressar na linha de
transmissões até descobrir quem o tivesse adquirido originariamente.
Para se fugir a esta prova, poder-se-á recorrer a presunções. Uma delas aplica-se quando
existe registo, logo, B não pode recorrer à mesma. A segunda é a que deriva da posse, a
qual não pode aproveitar B, porque nunca teve a possibilidade de exercer poderes de facto
sobre a coisa (só o poderia até hoje), quem os exerce é um terceiro, C. Logo, concluímos
que B terá problemas de posse.
Quando alguém adquire derivadamente, não basta reunir o contrato para provar de que
era titular do direito. Terá de provar que um dos seus antecessores adquiriu
originariamente. Mas também poderá acontecer que nenhum adquiriu originariamente
(há uma longa cadeia de pretensos titulares que adquiriram todos eles derivadamente),
mas não exclui a possibilidade que o venha a adquirir. Ainda se poderá invocar a
usucapião. B poderá invocar a usucapião a favor de A. Uma pessoa pode invocar a
usucapião a favor de outrem. A usucapião pode ser invocada por um interessado – art.
305º. Por exemplo, um credor pode ter interesse em invocar a usucapião a favor do
devedor, pode ser por ter essa mesma dívida que o próprio devedor não invocou ainda a
usucapião.
Por isso, B poderia invocar a usucapião a favor de A e poderia realizar uma junção de
tempos de posse, ou seja, invocar, junto do tempo em que A foi possuidor, o tempo de
outros possuidores – art. 1256º. Uma pessoa que não tenha tempo de posse sozinha, pode

Mariana Tralhão 13
juntar ao seu tempo o tempo de vários antecessores, até fazer o tempo necessário para
invocar a usucapião – acessão de posse (que não tem nada que ver com a acessão
industrial imobiliária).

QUESTÃO 13.
A doou a B um quadro que tem em sua casa. Não o entregou, nem recebeu o
pagamento do mesmo, pois convencionou com o comprador que a entrega apenas
ocorreria hoje (3 de maio), bem como o pagamento do preço. Hoje, o comprador foi
ter com A, para efectuar o pagamento e para receber o quadro. A comunicou-lhe que
já tinha vendido o quadro a C ontem, já tinha recebido o preço e já tinha entregado o
mesmo.
Sendo uma doação de coisa móvel, ou é reduzida a coisa ou há entrega da coisa – art.
947º/2. A redução a escrito é uma exigência de forma, não é uma exceção ao princípio da
consensualidade, como também não é a exigência de escritura pública.
O contrato não é nulo, mas apenas não produz efeitos reais. No caso de falta de escritura
pública ou documento particular autenticado é que há um vício de forma e que o contrato
é nulo. No caso, não há vício de forma, porque não havendo forma, há entrega. Não
havendo forma, nem entrega, não produz efeitos reais.
B vendeu uma coisa que ainda era sua, assumindo o risco do incumprimento da obrigação
que assumiu anteriormente.

Exceções ao princípio da consensualidade: arts. 947ºCC; 687º CC e 4º Cód.Reg.Pred.; 669º/2;


681º/2.

QUESTÃO 14.
A vendeu a B, construtor civil, x metros cúbicos de areia, para que o mesmo utilize
nas suas construções. B pagou imediatamente o preço, mas ainda não retirou
qualquer quantidade de areia. Agora, A vendeu o prédio, onde existem os depósitos
de areia, a C e B pergunta se ainda terá legitimidade para proceder ao levantamento
dos metros cúbicos de areia por si comprados.
Enquanto a areia não fosse destacada do prédio, não era coisa. Por isso, essa compra e
venda não pode produzir direitos reais. Só há direitos reais se houver coisa – art. 408º/2.
Depois de consagrado o princípio da consensualidade, o exposto não é uma exceção ao
àquele princípio, mas antes um seu corolário. Ainda, não foram determinados os metros
cúbicos de areia que se venderam, enquanto não forem especificadas, não são suscetíveis
de produzir efeitos reais, porque não são coisa. Apesar de poderem ser objeto de relações
jurídicas, não de relações jurídico-reais.
Neste caso, B celebrou um contrato que apenas produziu efeitos obrigacionais. De seguida,
A vendeu a C o imóvel e este contrato já produz efeitos reais e C não tem de dar
cumprimento ao contrato celebrado por A, não estando vinculado ao mesmo.
Para quem aceita a teoria da eficácia externa das obrigações, se C tivesse tido
conhecimento do contrato, incorreria em responsabilidade porque interveio na mesma,
não permitindo o seu cumprimento, auxiliando na violação daquele direito de crédito –
não é este o entendimento de MÓNICA JARDIM.
B só poderia levantar a areia enquanto fosse proprietário aquele que com ele acordou.

Mariana Tralhão 14
QUESTÃO 15.
A atribuiu a B, dono de um colégio, o direito de o seu prédio ser utilizado como
espaço de recreio pelos alunos do referido colégio. Agora, decorridos dois anos, A
vendeu o seu prédio a C e este pretende impedir as crianças de para lá irem brincar.
Este é um encargo imposto a um prédio. A dúvida é saber se é em proveito de um outro
prédio ou de uma pessoa. Em causa, o prédio tem um benefício por ter aquele espaço
exterior, porque um colégio sem o espaço anterior, não atrai tantas pessoas. A vantagem é
para o titular do prédio. No entanto, é para ele, não por ser B, mas sim por ser titular do
prédio.
Temos aqui uma servidão. Não há uma violação do princípio da taxatividade, não se
violando o art. 1306º. Estando em causa um imóvel, requer-se forma, ou seja, escritura
pública ou documento particular autenticado.
O 1544º determina que podem ser objeto de servidão de passagem qualquer utilidade,
desde que em prol de um prédio dominante. O art. 154º consagra a inseparabilidade das
servidões, quanto aos prédios que acompanham.
Não está em causa um usufruto porque B não pode gozar (usar e fruir) plenamente do
prédio em causa. Também não está em causa um direito pessoal de gozo, porque não é a
favor de uma pessoa, mas sim de um prédio.
Por isso, à partida, C não se poderá opor às crianças irem lá brincar, porque o direito de
propriedade que adquire já se encontra onerado por um direito real menor, um direito de
servidão, que é um direito com eficácia erga omnes. Além disso, os direitos reais
posteriormente constituído prevalecem sobre os anteriores.
No entanto, temos de ressalvar que, segundo o princípio da publicidade, requer-se o
registo do prédio, como imóvel. Só se exige o registo como requisito para consolidação da
eficácia erga omnes se em causa estiver uma servidão não aparente (art. 1548º/2). A não
exigência de registo está no art. 5º/2 Cóg.Reg.Pred.. Por isso, temos de formular duas
hipóteses: a servidão ser aparente (havendo marcas como vedações, brinquedos, entre
outras), circunstância em que não se exigia registo para se consolidar a eficácia erga
omnes perante todos; a servidão não ser aparente (não haver qualquer marca de que
crianças brincavam lá), exigindo-se o registo para que a mesma pudesse ser oponível a C.
Os direitos reais são apenas aqueles previstos na lei. Segundo, o regime dos direitos reais é o
previsto na lei, mas quanto a este aspeto o legislador já tem outra abertura, nomeadamente
em matéria de servidão e de usufruto, sendo que as partes podem reger uma boa parte dos
mesmos, sempre respeitando as linhas essenciais do mesmo. Em matéria de usufruto, a partir
do 1445º as regras aplicam-se subsidiariamente, em caso de ausência de convenção. Os
outros direitos reais não são títulos abertos, mas o legislador permite sempre que as partes
convencionem algum aspeto. Terceiro, os direitos reais constituem-se pelos títulos previstos
na lei, com a seguinte ressalva: por força da liberdade contratual, se um dos títulos for o
contrato, poderá ser qualquer contrato.

QUESTÃO 16.
A, em 2000, emigrou para a Alemanha. B, seu vizinho, pensando que A jamais
regressaria, passou a habitar e cultivar o seu terreno, desde 2002, como se fosse
proprietário. Em 2005, deu-o de arrendamento rural a C. Em 2010, C vendeu o
imóvel a D. Hoje (3 de maio de 2018) A voltou da Alemanha, deparando-se com a
situação. A pretende reagir.
Neste momento, o proprietário do terreno é A, que não perdeu o seu direito pelo facto de
não aproveitar o terreno, sendo um direito imprescritível – art. 1305º. Em 2002, B

Mariana Tralhão 15
começou a comportar-se como se fosse o proprietário. Em virtude disso, B adquiriu a
posse do terreno. Para haver posse, tem de haver dois elementos: corpus (a possibilidade
empírica de exercer poderes de facto sobre o terreno) e animus (a intenção de atuar como
titular do prédio).
Quando A emigra continua proprietário e possuidor. Apesar de não exercer poderes de
facto sobre a coisa, tem possibilidade empírica de o fazer. A posse foi adquirida
originariamente, por aquisição paulatina (pela prática reiterada, com publicidade, de atos
materiais correspondentes ao exercício de um direito de propriedade) – art. 1263º-a. Esta
modalidade de posse, é como se houvesse uma pré-posse. Nestas hipóteses, nunca
conseguimos definir com rigor quando se adquire a posse, sendo que a mesma se vai
adquirindo.
Como características da posse em causa, distingue-se: não titulada (a posse é titulada
quando se funda num título em abstrato idóneo à aquisição de um direito real em cujos
termos se possuir e a prática de atos reiterados não é um título de aquisição da
propriedade, logo, ninguém adquire a propriedade nestes termos) – art. 1259º; de má fé
(porque se presume que a posse não titulada presume-se de má fé, a presunção em causa é
ilidível, mas no caso concreto é provável que seja de má fé, ou seja, é provável que B
soubesse que estava a lesar direito de outrem) – art. 1260º; pacífica (não houve coação
física nem coação moral) – 1261º; quanto à publicidade, o facto de ser uma aquisição
paulatina não pressupõe que a posse seja pública (para que a posse seja pública é suposto
que a posse seja cognoscível pelos interessados, logo, a questão é saber se A podia ter
sabido. A cognoscibilidade apura-se tendo em conta o homem médio, medianamente
diligente e sagaz, colocado na posição do interessado) – art. 1262º.
Passado pouco tempo, em 2002, a posse passou para B. Segundo o art. 1267º/1-b,
decorrido um ano, A deixou efetivamente de ser posse, deixando de poder reavê-la através
de uma ação de restituição da posse.
Em 2005, B deu de arrendamento o prédio. Pode dar de arrendamento aquele que não seja
proprietário da coisa, sendo que o arrendamento de coisa alheia está previsto na nossa lei.
Por isso, B não praticou nenhum ato que pudesse apenas ser praticado pelo proprietário.
C não é possuidor, mas apenas detentor, porque lhe falta o animus, apesar de ter o corpus,
porque exerce poderes de facto sobre a coisa. Em causa está um detentor privilegiado
porque é um dos (locatário, mandatário, comodatário) que beneficia da tutela possessória
– art. 1037º/2. Como estamos perante uma mera detenção de C, não temos de apurar mais
nada, ou seja, como C adquiriu ou caracteres da posse.
Em 2010, C vendeu o prédio a D, que passou a agir como tal. Mas D tem posse, porque
exerce poderes de facto sobre a coisa, como titular de um direito real, logo, tem corpus; e
porque tem animus, porque se comporta como proprietário. No momento em que C vende,
mudou animus, adquirindo posse por inversão do título de posse por oposição do
detentor. Através de um só ato, a pessoa adquire posse e transmite-a.
A posse de C é não titulada, porque não se funda num título em abstrato idóneo à aquisição
da propriedade; logo, presume-se de má fé; pacífica; e oculta.
D adquire posse derivadamente por tradição real explícita. As características desta posse
são: não titulada (porque apesar de ser um contrato, nunca foi celebrado por escritura
pública – princípio da legitimação registal, segundo o qual só pode vender ou onerar
aquele que é titular no registo), presume-se de má fé, pacífica e pública (efetivamente
conhecida pelo interessado – C –, quanto a B, pelo menos depois ter-se-á tornado pública.
Agora, A deverá intentar uma ação de reivindicação.

QUESTÃO 17.

Mariana Tralhão 16
A resolveu emigrar para o Brasil e antes, em 1998 deu de arrendamento um prédio
urbano a B. Em 2000, C, não proprietário nem possuidor convenceu B de que era
proprietário e celebrou com este um contrato de arrendamento do imóvel. A partir
desta data, B passou a portar-se como proprietário.
Agora, A regressou e pretende reagir. Pode?
De acordo com a nossa conceção subjetivista, B é um mero detentor, apesar de beneficiar
da tutela possessória – art. 1037º.
A venda em causa é uma venda a non dominum, porque C não era proprietário. Mas desde
esta data, C começa a comportar-se como proprietário, mudando da animus.
A posse de B é originária porque a sua posse não é adquirida por um anterior possuidor,
até porque o mesmo não soube de nada – A; por outro lado, C não era possuidor. se
adquirisse de A, era uma aquisição derivada, de C não pode adquirir. In casus, verifica-se
por inversão do título de posse por ato de terceiro. esta verifica-se sempre que, num
primeiro momento, temos um possuidor e um detentor e depois surge um terceiro que se
arroga a titularidade do direito real e que celebra com um detentor um negócio em
abstrato idóneo à aquisição de um direito real. Neste caso, o C celebrou com B um negócio
de compra e venda – um negócio, em abstrato, adequado à aquisição da propriedade por B.
Em consequência desse negócio, o detentor muda de animus.
Características: não titulada – a causa é a mudança de animus, não a celebração do
contrato. B não adquiriu posse por ter celebrado o contrato, mas sim porque mudou de
animus. Assim, esta mudança não é em abstrato idónea à aquisição da propriedade.
Sendo não titulada, a posse presume-se de má fé, mas essa presunção é ilidível, sendo que
B pode tentar provar que, no momento em que adquiriu posse, em que mudou de animus
ignorava que o direito era de A (1260º).
Ainda, a posse é pacífica, porque não foi adquirida não recorreu à violência.
No momento em que adquiriu, terá sido oculta, mas posteriormente terá sido pública (ex:
deixou de pagar a renda – um senhorio medianamente diligente ter-se-á questionado
porque é que o arrendatário não paga).
Como proprietário, A pode reagir, intentando a ação de restituição com os referidos
pedidos: reconhecimento do direito e condenação à entrega da mesma. Como A não tem
posse, não beneficia da presunção decorrente da posse. Para fugir à prova diabólica, só se
tivesse o registo em seu favor.
Sendo a posse pacífica e pública por um determinado prazo de tempo, pode beneficiar da
aquisição originária do imóvel por usucapião. No entanto, estando de má fé, são
necessários 18 anos ainda não decorridos. Ilidindo a presunção, pode beneficiar do prazo
de 10 anos. Ele não tem de originar nova ação, podendo recorrer à dedução de
reconvenção, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade adquirido por
usucapião, depois de ser invocada, o tribunal só tem de reconhecer. Reconhecendo o
tribunal que ele estava de boa fé, os efeitos da aquisição retratraem-se à data da posse (art.
1288º). Para todos os efeitos, B seria considerado proprietário desde 2000 e o pedido
formulado na ação recai.

A, agora que regressou do Brasil e se deparou com a situação, em vez de reagir


judicialmente, o que fez foi ir ao imóvel, na ausência de B, e mudar as fechaduras,
impedindo o B de lá entrar.
Estamos perante um esbulho, ou seja, a privação da posse, independentemente de quem a
praticou. A poderia intentar uma ação de restituição da posse – art. 1278º - sendo uma

Mariana Tralhão 17
ação proposta pelo possuidor contra o esbulhador ou seus herdeiros ou ainda
subadquirente de má fé e tem de ser proposta no prazo de um ano (porque passado um
ano perde a posse).
Poderia intentar um procedimento nominado, porque houve um esbulho que podemos
considerar como violento. Mesmo que não tivesse havido qualquer violência, poderia
recorrer ao procedimento cautelar inominado. De qualquer forma, teria sempre de ser
proposta a ação principal.
Ainda assim, intentada esta ação de defesa da posse, em reconvenção, através de uma ação
de simples apreciação, o réu pediria o reconhecimento do seu direito de propriedade.
Logo, perante a propriedade, a posse recai sempre.
À partida, A ganharia. A não ser que B invocasse a usucapião, caso conseguisse ilidir a
presunção de má fé. Mais vele B intentar desde logo uma ação de restituição da
propriedade, através de uma ação de reivindicação. Os pedidos são o de reconhecimento
do direito e restituição da coisa e a causa de pedir factos que concluam que B adquiriu por
usucapião.

QUESTÃO 18.
A, em 1995, vendeu a B, por documento particular, um prédio rústico que o
comprador cultivou até há pouco tempo. Entretanto, C ocupou tal prédio rústico
alegando que ele lhe pertence, por herança do seu pai, acrescentando que o seu pai
é que era o dono, que o prédio nunca pertenceu a A e que A apenas foi comodatário
do seu pai.
Dando por assente que é verdade o afirmado por C, B pode ou não reagir à
“ocupação” do prédio.
O A, a quem tinha sido emprestado o prédio, vendeu o prédio por documento particular, a
B.
A que era detentor, quando vende, passou a possuidor. Naquele momento, ele tinha outros
animus. A adquiriu posse primeiro, originariamente, não tendo fundado a posse na posse
de pai de C. como foi originária, não foi paulatinamente, mas imediata – inversão do título
de posse do detentor ao até ali possuidor.
A aquisição é implícita, porque não há qualquer ato notificativo. Por outro lado, a posse é
não titulada, porque ninguém adquire posse com a mudança de animus. Presume-se de má
fé, que era, porque sabia que estava a vender o bem de outrem. A posse em causa é oculta
e pacífica.
B adquire a posse por tradição real explícita. A posse de B é não titulada porque há um
vício de forma, ou seja, apesar da posse de B se fundar num título em abstrato idóneo à
aquisição do direito de propriedade, como o título é negócio, temos de ver se há vícios de
forma, que é o caso.
De acordo com o princípio da legitimação, só pode ser dada forma legal ao negócio se
quem pretender alienar ou onerar for titular registral. Presume-se de má fé. É pacífica e
pública, porque é suscetível de ser conhecida por A, apesar de poder estar a ser oculta
perante o pai de C.
C é apenas proprietário, não possuidor. Não adquire posse por tradição ficta, por tradição
mortis causa porque o pai já a tinha perdido há muito tempo.
C ocupou o terreno e impede o B de continuar os atos que até então vinha a praticar. B
pode invocar a usucapião. Perante o facto de ter sido privado da coisa e o facto de ter sido

Mariana Tralhão 18
esbulhado pode intentar uma ação de reivindicação. Nesta pede o reconhecimento do
direito e a restituição da coisa.
A aquisição por usucapião tem efeitos retroativos, retroagindo até ao momento em que B
celebrou o contrato. consequentemente, C passa a não ser proprietário há muito tempo.

C, em vez de ocupar o prédio, quer reagir judicialmente.


C intentava a ação de reivindicação, pedindo o reconhecimento do direito e a restituição
da coisa. Porque adquiriu mortis causa, é uma venda derivada e C confrontar-se-ia com a
prova diabólica…..

QUESTÃO 19.
A, dono de um prédio rústico relativamente encravado, passa desde há vinte anos,
através do prédio de B, confinado com o seu. Acontece agora que B vendeu o seu
prédio a C, que vedou o prédio e opõe-se a que António continue a passar por lá.
Pode António reagir?
Primeiro temos de questionar qual é a intencionalidade de A quando passa pelo prédio do
seu vizinho: 1) porque falou com o seu vizinho e este permitiu que assim fosse; 2) passa
porque considera que tinha direito a fazê-lo.
Aproveitando-se da tolerância do vizinho, A é um mero detentor. Como não é titular de
nenhum direito real, não poderá reagir contra C, nem como titular de um direito real, nem
como possuidor.
Se agora for devidamente informado de que veio adquirir uma servidão legal de passagem,
poderia exigir agora, contra C, a constituição de uma servidão de passagem.
As servidões legais são aquelas que são previstas na lei, a partir do art. 1550º e ss e que
podem ser constituídas coercivamente mediante decisão judicial ou administrativa
sempre que falte acordo. A questão da servidão legal é que A terá de pagar, porque todas
as servidões legais pressupõe esse pagamento (art. 1554º). No entanto, isto verifica-se
caso A tenha passado por aquele prédio como mero detentor.
Passando por aquele prédio há mais de vinte anos, atuando como se tivesse uma servidão
de passagem. Ele nunca celebrou o negócio com B nem nunca chegou a acordo com A
(tendo havido negócio teria de ser celebrado por escritura pública). Nesta hipótese, existe
posse de A em termos de uma servidão de passagem, demonstrando que tinha corpus e
animus. No entanto, C, novo proprietário do prédio impede a sua passagem.
Porque não fundou a sua posse na posse do seu antecessor, B adquiriu originariamente,
por aquisição paulatina – pela prática reiterada de atos materiais com publicidade (à vista
da comunidade em geral) correspondentes ao exercício de uma servidão de passagem. Não
se sabe o momento exato, mas é certo que já o faz há mais de vinte anos.
A posse é não titulada, porque não se funda num título em abstrato idóneo à aquisição do
direito de servidão (aqueles atos materiais não são títulos idóneos à aquisição do direito
de servidão). Esta posse não titulada presume-se de má fé. É pacífica porque foi exercida
sem recurso à coação física ou coação moral. É ainda pública, por ser cognoscível para B a
passagem de A pelo seu prédio.
Tendo sido A privado daquela posse em termos de servidão de passagem, porque C vedou
o prédio, esbulhando o primeiro. O possuidor pode reagir pela tutela possessória. No
entanto, passando há mais de 20 anos, em princípio, pode invocar a usucapião. Mas temos
de perceber se esta é uma servidão aparente (art. 1293º-a), porque as não aparentes não

Mariana Tralhão 19
podem adquirir-se por usucapião. A servidão é aparente quando existem sinais
permanentes e visíveis (art. 1548º).
 A justificação é que C, quando adquire o prédio, não tinha forma de saber que a
propriedade a adquirir estaria onerada.
Se fosse não aparente, como último recurso podia recorrer à criação de uma servidão legal
de passagem.

QUESTÃO 20.
Em 1988, A, proprietário do imóvel X, celebrou um contrato de comodato com B, seu
vizinho, para que este pudesse instalar uma esplanada no seu prédio. B é dono de
um restaurante de um prédio vizinho.
Em 1996, como o negócio corria bem a B, este tomou a decisão de comprar o imóvel
a A e celebrou com A um contrato de compra e venda, mas por documento
particular. Há dois meses, B vendeu o tal imóvel a C. A agora descobriu que o
negócio que celebrou padeceu de vício de forma, nunca tendo deixado de ser
proprietário e pretende invocar essa invalidade. O novo proprietário, C, questiona-
se como poderá reagir.
O A é proprietário e possuidor do prédio X. A celebra um contrato de comodato com B, em
1988. Até 1996, B instalava a esplanada do restaurante como mero proprietário. Em 1996,
A e B celebraram um contrato de compra e venda com vista à aquisição do direito de
propriedade. Mas este padecia de um vício de forma, não tendo a titularidade sido
transmitida para B.
No entanto, desde 1996, B passa a atuar como se fosse proprietário e tem corpus e animus.
Esta posse foi adquirida derivadamente, porque é fundada na posse do antecessor, porque
começa a possuir com acordo com o anterior possuidor.
Dentro da aquisição derivada, não foi tradição ficta, mas sim uma tradição real. Dentro
desta, B adquire por tradição real implícita. A tradição real explícita implica um ato de
empossamento, ou seja, implica que alguém passe a exercer poderes de facto sobre a coisa
que antes não possuía. Ele já exercia poderes de facto sobre a coisa, logo, só mudou o
animus. No seio da tradição real implícita, adquire por traditio brevi mani (não prevista na
lei), porque o detentor converte-se em possuidor com base num acordo com um até ali
possuidor.
Esta posse é não titulada, porque B passou a possuir como proprietário porque celebrou
um contrato de compra e venda, só padece de vícios de forma (apenas foi reduzida a
documento particular). Consequentemente, a posse presume-se de má fé, apesar de esta
presunção ser ilidível. Em princípio, B estaria mesmo a atuar de boa fé (ignorando estar a
lesar o direito de A). Ainda, é pacífica (não recorre a qualquer coação) e pública (suscetível
e efetivamente conhecida por A).
Tendo posse, B não podia ter transmitido a propriedade a C, mas adquire posse. Esta posse
foi adquirida derivadamente, por tradição real explícita, porque teve de haver ato de
empossamento. Esta posse é não titulada, porque também há vício de forma (não consta
do artigo, mas temos de considerar que, ao abrigo do princípio da legitimação, não
conseguiriam autenticar aquele documento, porque B não estava inscrito no registo como
proprietário). Por isso, presume-se que a posse de C é de má fé, em princípio, contudo, esta
presunção seria ilidida, porque C ignorava estar a lesar o direito de outrem. É uma posse
pacífica e é uma posse pública, suscetível de ser conhecida pelo interessado.
A posse de C dura há dois meses. Agora, o proprietário reivindica a sua coisa. Contudo,
pode juntar o tempo de posse de B aos seus dois meses (acessão da posse – art. 1256º). No

Mariana Tralhão 20
caso, como até têm as mesmas características, valerá sempre como posse não titulada que
se presume de má fé. Ainda assim, não relevam estas características, porque já tem mais
do que 20 anos. C podia ainda, se tivesse interesse, invocar a usucapião em nome de B (art.
305º), isto não interessaria a C porque depois não adquiriria o imóvel por vício de forma.
Portanto, importa invocá-lo para si.

QUESTÃO 21.
A é proprietário e possuidor de um imóvel e transmitiu a propriedade do mesmo a
B, através de um contrato de compra e venda perfeitamente válido, do ponto de
vista formal. Imediatamente de seguida, celebrou com B um contrato de
arrendamento que permitiu A de continuar a viver no imóvel.
A é proprietário e possuidor. quando celebra o contrato de compra e venda, à partida
deixa de ter a intenção de atuar como titular do direito de propriedade.
O que acontece é que A transmite a posse sem que haja ato de empossamento e volta a
adquirir a posse, também sem aquele ato.
Adquire derivadamente, por tradição real implícita, dentro desta é constituto possessório
bilateral.

QUESTÃO 22.
A era proprietário e deu em comodato, para que durasse 25 anos. tem uma
excelência proposta para venda do imóvel e celebrou com C o contrato de compra e
venda. Mas, como não queria falhar com a sua palavra, convenceu o novo
proprietário também a assumir a sua obrigação com o B.
A era proprietário e B era arrendatário. A transmite a propriedade a B, mas
convencionando que a detenção permanecerá.
Constitutivo possessório trilateral

QUESTÃO 23.
Em 1 de outubro de 2007, A constituiu em benefício de B, por documento particular,
um direito de usufruto vitalício, sobre o prédio rústico. B começou imediatamente a
explorar o prédio na qualidade de usufruto e efectuou nele benfeitorias no valor de
20.000€.
Há cerca de um mês, A ficou a saber que o negócio devia ter sido celebrado por
escritura pública e pretende intentar a ação tendente à declaração de nulidade do
negócio, por vício de forma.
Em 2007 era preciso escritura pública que não existiu.
O usufruto pode ser temporário ou vitalício. O problema é que há um vício de forma e
efetivamente B nunca se tornou usufrutuário. Assim, A nunca chegou a ser usufrutuário de
raiz.
A pode invocar o vício de forma como proprietário pleno, que nunca deixou de ser. Mas B
tem posse, tendo adquirido a mesma por aquisição derivada por tradição explícita. No
entanto, não sendo titulada, presume-se de má fé, apesar de poder ser ilidida. Ele não tem
tempo de posse para invocar a usucapião (mesmo que ilida a presunção). Por isso, terá
mesmo de entregar o prédio a A e este voltará a exercer os poderes de facto como
proprietário pleno.

Mariana Tralhão 21
B realizou benfeitorias no valor de 20.000€ (art. 1273º e ss). B tem interesse em ilidir a
presunção.
Se as benfeitorias fossem necessárias, quer ele estivesse de boa ou má fé, B teria direito a
uma indemnização. No entanto, o possuidor de boa fé poderia reter a coisa até ser
indemnizado e até pode promover a venda judicial da coisa (art. 754º e 756º-b, que exclui
o direito de retenção para o possuidor de má fé).
Se as benfeitorias úteis, realizadas para aumentar o valor da coisa, estando de boa ou má
fé tinha direito ao levantamento das mesmas, se não comportassem um prejuízo para a
coisa. Depois, estando de boa ou má fé, pode ser ressarcido ao abrigo do enriquecimento
sem causa. Estando de boa fé, teria direito de retenção.
Se fossem voluptuárias, o possuidor de má fé perde-as e o possuidor de boa fé tem
possibilidade de as levantar.
Não resulta do caso, de forma direta, mas também temos de referir o facto de em causa
estar um prédio rústico e de A pretender atribuir a B um direito de usufruto. Como o
direito de usufruto é um direito de usar e fruir. Estando no prédio há 11 anos, pode
suscitar-se também o problema dos frutos.
Quanto aos frutos, estão previstos no art. 1270º e 1215º. Se ele conseguisse ilidir a
presunção, fazia seus os frutos recebidos ao longo dos anos (que foi colhendo), até ao dia
em que soubesse estar a usar direito de outrem. Quanto aos frutos pendentes, perdia-os
(art. 1270º/2), mas tinha direito a ser indemnizado pelas despesas de cultura, sementes e
matérias-primas no geral, desde que, não fossem superiores ao valor dos frutos que
viessem a ser colhidos. Quanto aos frutos percepiendos, não respondia por eles.
Não ilidindo a presunção, estaria de má fé, o que nos remete para o art. 1215º, através do
qual concluiríamos a perda de todos os frutos conseguidos ao longo dos anos, apesar de
terem direito de ser indemnizados por sementes, matérias-primas e restantes encargos.
Quanto aos frutos pendentes, aplica-se o art. 1215º/2, segundo o qual perdia-os sem
direito a indemnização e respondia pelos frutos que não tinham sido produzidos mas
poderiam ter sido caso estivesse nas mãos do proprietário (art. 1251º - percepiendos).

QUESTÃO 24.
Suponha que A, B e C são comproprietários de um prédio rústico e A pretende
alienar a sua quota a B. Pode ou não fazê-lo?
Os comproprietários são titulares das respetivas quotas do direito, a coisa pertence a
todos. Quanto à quota do direito, cada um sabe o que fazer. Não dizendo nada,
presumimos que as quotas são iguais, logo, que cada um deles tem um terço do direito.
Como é evidente, fazendo cada um o que quer dessa quota, também pode alienar.
Se quisesse vender (ou dar em cumprimento) a um estranho, tinha de dar preferência aos
restantes comproprietários - art. 1408º. Neste caso, A queria alienar a quota a um dos
restantes comproprietários, negócio que conduziria à redução do número de
comproprietários, que é o objetivo da lei.
Portanto, podia fazê-lo livremente. Querendo alienar a um terceiro, temos de verificar se
esta é uma alienação onerosa ou não (porque não há obrigação de dar preferência na
doação).
No caso de venda a terceiro, existe uma simples obrigação de dar preferência, que é uma
obrigação real. Se mais do que um dos comproprietários quisesse preferir, a quota
alienada é adjudicada aos dois na proporção das suas quotas (art. 1409º/3). Isto quer
dizer que, na hipótese em concreto nada foi dito quanto à quota de cada um, pressupomos

Mariana Tralhão 22
que cada um deles tem um terço, quando A quisesse alienar onerosamente a terceiro e B e
C preferissem, cada um passava a ser titular de um meio do direito de propriedade.

Que outros direitos exclusivos têm os comproprietários?


Em relação à quota, cada um dos proprietários pode dispor dela sem o consentimento dos
demais comproprietários, devendo, no entanto, dar preferência querendo vender ou dar
em cumprimento a terceiro.
Ainda quanto à quota, nenhum dos comproprietários tem de viver em indivisibilidade (art.
1412º).
Noutra perspetiva, têm o direito de preferência quanto aos restantes comproprietários,
querendo estes vender ou dar em cumprimento a terceiros.
Por último, têm direito a renunciar à sua quota para se libertarem das despesas inerentes
à mesma (art. 1411º/1, parte final) - renúncia liberatória.

QUESTÃO 25.
A, B e C adquiriram um apartamento num prédio sujeito ao regime de propriedade
horizontal e decidiram montar no apartamento, que se situa no rés-do-chão, um
escritório de advogados. A vida tem corrido bem a A e a B, quanto à sua atividade,
mas não ao C.
Então C decide montar um outro negócio naquele apartamento, de venda de
imóveis, que afeta o A e B.
Não há qualquer limitação do ponto da propriedade horizontal, suponhamos.
O problema em causa não está já a quota, mas sim a utilização da coisa. O que a lei nos diz
é que qualquer um dos comproprietários pode usar a coisa como quiser, desde que não
prive os restantes de fazer o mesmo e desde que não afete o destino fixado em conjunto
(não quando utiliza para um fim diferente, como parece querer dizer o legislador) - art.
1406º.
Quanto aos frutos da coisa comum, os mesmos serão divididos na proporção das
respetivas quotas - art. 1405º.

QUESTÃO 26.
A e B são comproprietários de um apartamento. O B viajou, encontrando-se no
estrangeiro. Agora, houve um problema com a canalização do respetivo
apartamento. A pretende saber se pode arranjar, sem contactar A.
Em causa está um ato de administração ordinária, uma benfeitoria necessária para evitar a
perda ou deterioração da coisa. O ato de administração ordinária está determinando no
art. 1107º. está previsto no art. 985º, segundo o qual qualquer um dos comproprietários
pode realizar atos de mera administração, sem pedir autorização aos demais. Se os
praticar, as despesas impenderão sobre todos os restantes comproprietários, também. a
única circunstância de se liberar da mesma seria a denúncia liberatória.
Portanto, A poderia mandar arranjar e apresentar a despesa a B, que teria de pagar a
despesa na sua quota parte, ou renunciar do direito (apesar de, na maioria das hipóteses, o
titular não requerer às mesmas, porque mais rapidamente venderia a sua quota no
direito).

Mariana Tralhão 23
Mas se A decidir comunicar B, este pode opor-se. Neste caso, os comproprietários, se
fossem mais do que dois, teriam de apurar o mérito da oposição. No caso concreto, existem
só dois comproprietários, não se podendo determinar maioria a apoiar a oposição. O que
poderá acontecer é o recurso ao tribunal que decidirá - art. 1407º/2.
Imaginando que seriam 3 comproprietários e que um tinha uma quota de 40% e os outros
dois 30%. O comproprietário que tem a quota de 40% quer mandar arranjar o tal problema
com a canalização, mas um dos outros opõe-se.
Não comunicando a ninguém, poderá A realizar o arranjo. Comunicando, opondo-se um dos
restantes comproprietários, os restantes terão de determinar se apoiam a oposição. Tem de
haver maioria per capita e constituírem, pelo menos a metade do valor das quotas, segundo
o art. 985º. No caso, apoiando o terceiro comproprietário o que se opôs, existia maioria per
capita (porque são dois) que constituíam mais do que 50% do valor das quotas.

QUESTÃO 27.
A, B e C adquiriram um barco e tinham a intenção de o utilizar para irem os três
pescar. Entretanto, a pesca não tem fornecido grandes resultados e um deles
pretende transformar o barco num bar que fique no areal e que sirva os banhistas.
Aqui, aquele que quer transformar fisicamente o próprio barco (quer colocar mesas e
cadeiras, por exemplo, logo, corresponde à alocação diferente da própria coisa). Portanto,
não está em causa um uso diferente.
Quando se fala em analogia, falamos de casos idênticos em que um deles foi previsto pelo
legislador e o outro não. Quando se utiliza o argumento de por maioria de razão, no fundo é:
se vale para o menos, tem de valer para o mais. No art. 1408º/1, segunda parte, refere-se a
“parte de coisa comum”, aqui, podemos aplicar o argumento de maioria de razão,
considerando que não poderá usar toda a parte.
Os atos de administração extraordinária não corresponde a atos de administração
ordinária ou de mera administração, porque compreendem a transformação do bem. A lei
não refere este problema no âmbito da compropriedade.
Por isso, recorremos ao art. 1024º, no âmbito da locação. Segundo este, no nº1, o
legislador determina que o arrendamento por mais de 6 anos é considerado de
administração extraordinária. Depois, refere que em caso de compropriedade, todos os
consortes têm de consentir naqueles atos, não discriminando os atos de administração
ordinária ou extraordinária.
Concluímos que o legislador, naquele artigo, se afastou do art. 1407º, porque entendeu
que o arrendamento por menos de 6 anos, apesar de ser de administração ordinária, é um
ato mais gravoso que os vulgares atos de administração ordinária. Portanto, se o
legislador, para um ato de administração ordinária determina o afastamento do art. 1407º,
exigindo o consentimento de todos os comproprietários. Por maioria de razão, requer-se o
consentimento para os atos de administração extraordinária, no geral.

QUESTÃO 28.
A e B, há dez anos, foram nomeados legatários de um terreno, por morte de um tio.
Passado um ano ou dois, por partilha amigável, feita por documento particular,
dividiram o terreno ao meio, ficando um com o lado norte e o outro com o lado sul.
Isto ocorreu há cinco anos. Desde essa data, cada um deles tem cultivado o lado que
lhe foi atribuído. Agora A vendeu a parte do terreno que considera que é sua.

Mariana Tralhão 24
Por força de terem sido nomeados legatários, tornaram-se comproprietários. Passado
algum tempo, decidiram pôr fim à compropriedade, fazendo partilhas e cada um deles
ficando com um direito exclusivo sobre uma coisa distinta.
Tendo sido realizada esta partilha por documento particular. Sempre que falamos de bens
imóveis, temos sempre de pensar em escritura pública ou documento particular
autenticado. Portanto, era exigida uma destas formas. Em matéria de compropriedade (art.
1408º/3), determina-se que mesmo a quota tem de ser por escritura pública tem de ser
por uma daquelas formas, quando em causa está um imóvel. O art. 875º refere-se à forma
requerida no caso de compra e venda. Ainda, no art. 947º, refere-se ao mesmo, quanto à
doação.
Por isso, a partilha é inválida, mas cada um começou a comportar-se como se fosse
proprietário. Agora, um deles vendeu a parte que, desde há cinco anos, considerava que
era sua.
Portanto, continuaram a ser proprietários. Logo, A vendeu uma parte da coisa que é dos
dois. Portanto, a venda é nula, segundo o art. 1408º/1, segunda parte. Esta alienação
padecerá de outros vícios, nomeadamente a forma. No entanto, no caso, interessa-nos a
questão da compropriedade.
Na prática, isto já aconteceu, mas com algo mais: o comproprietário que não tinha vendido,
foi um bocado mais longe. Primeiro, pediu a nulidade do negócio, da parte determinada;
depois, pediu a conversão do negócio em venda de quota (no fundo afirmou que, querendo
celebrar o negócio, queria deixar de ser proprietário), pelo art. 293º. De seguida, exerceu
preferência, nas mesmas condições, e adquiriu a quota do outro, tornando-se proprietário
exclusivo.

QUESTÃO 29.
A e B são comproprietários de um imóvel e, neste inverno passado, por força da
chuva dos vendavais, o telhado estragou-se. A mandou arranjar o telhado e
apresentou a conta a B. B não pagou e vendeu a sua quota a C, uma vez que deu
preferência a A e este não exerceu preferência.
Agora, A foi ter com C cobrando-lhe a dívida que consistia na reparação do telhado.
Esta é uma obrigação real de dare que impende sobre os comproprietários. Quando A
apresentou a conta a B, o telhado já estava arranjado e só depois é que C vendeu a sua
quota.
A obrigação real pode ser ou não ambulatória. Tendo em conta que, no momento de
aquisição por C, os pressupostos materiais não se encontravam objetivados na coisa, C não
podia saber que existia aquela obrigação e, provavelmente, até tinha pagado mais do que
pagaria se o telhado não estivesse arranjado, a obrigação autonomizou-se na esfera
jurídica de B.

QUESTÃO 30.
A e B, estudantes da universidade de Coimbra, compraram, em 2017, um
apartamento num edifício sujeito ao regime de propriedade horizontal. Entretanto,
desentenderam-se e pretendem colocar fim à situação jurídica resultante da
compra. Podem fazê-lo?
A e B tornaram-se comproprietários daquele apartamento. O que eles querem é colocar
fim à compropriedade. Podem fazê-lo, porque nenhum dos comproprietários é obrigado a
permanecer em indivisão.

Mariana Tralhão 25
Podem fazê-lo por acordo ou judicialmente. Segundo o art. 1422º-A, pode haver divisão de
frações, sem ser necessária a autorização da Assembleia de Condóminos, desde que o
mesmo esteja consagrado no título constitutivo. Se recorrêssemos à deliberação da
Assembleia, na qual não poderá apenas existir oposição (dos presentes), aqueles teriam de
ir alterar o título constitutivo. Como nada foi dito sobre o tipo de apartamento, não
podemos supor que é insuscetível de divisão. Podíamos estar perante um duplex.
No caso de junção de frações, nem sequer se requer a deliberação da Assembleia.
A generalidade das decisões que são tomadas na Assembleia é tomada por maioria simples
ou por maioria de dois terços. Nos poucos casos em que a lei exige unanimidade, em rigor,
é para matérias em que a assembleia não tem competência.
No art. 1432º/3 determina-se que as deliberações são tomadas, em regra, por maioria. A
alteração do fim a que está afeta a fração, por exemplo, requer a deliberação por dois
terços.

Suponha-se que, no tal prédio, existe um outro apartamento que estava afeto à
arrumação e nada foi dito quanto ao uso dado às frações no título constitutivo.
Agora esse apartamento foi vendido. O novo condómino montou lá um consultório
dentista. O senhor é um bom dentista e tem imensos clientes, o que faz com que, a
todo o momento, entrem no edifício pessoas estranhas ao mesmo. Os outros
condóminos querem reagir, podem fazê-lo?
O título constitutivo nada vincula a propósito a que se destina cada fração. Isto é possível
porque a única exigência que o legislador realiza é a indicação das frações independentes e
a respetiva percentagem ou permilagem tendo em conta o valor total do prédio. Esta
referência é relevante para a divisão dos lucros, para a distribuição das despesas e para as
votações na assembleia - art. 1430º/2.
Nada tinha de ser dito no título constitutivo, apesar de poder ter sido. O apartamento foi
utilizado para arrumação e o novo proprietário quer utilizar para um consultório, segundo
o art. 1422º/4.
Coloca-se a questão de saber quem vai reagir. O art. 1422º está incluído em matéria de
restrições, no fundo, afirma que os condóminos estão sujeitos às restrições em geral mais
a nele referidas. As restrições em geral são impostas em defesa de todos os condóminos e
de cada um individualmente, não das partes comuns, tratadas na assembleia. Portanto,
quem deverá reagir será qualquer um dos condóminos, não a assembleia ou o
administrador.

QUESTÃO 31.
Num prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal, existe uma sala comum
mobilada que é utilizada pelos condóminos quando querem, para realizar festas de
aniversário. No sábado passado, o proprietário da fração A fez anos e realizou lá a
sua festa. O mesmo perdeu o controlo da festa e os convidados vandalizaram à
fração, estragando tudo.
Agora, o administrador deu conta disso aos outros condóminos, ordenou a
realização de um orçamento para colocação da sala com as características que tinha
antes e apresentou a despesa aos condóminos. Um dos condóminos recusou-se a
pagar. Poderá fazê-lo?
Estamos perante uma obrigação real, porque se destinam a reparar partes comuns. A
única distinção que poderíamos fazer seria: a parte comum do edifício é constituída pelas
paredes, o tecto e o chão; a mobília não constitui parte comum.

Mariana Tralhão 26
Em último caso, seriam ressarcidos pelos terceiros e, em último caso, pelo condómino que
para lá levou os terceiros.
Quanto à mobília, os condóminos estão sujeitos ao regime da compropriedade. Não
aplicamos já o art. 1424º, mas sim o art. 1411º que determina a contribuição para as
benfeitorias necessárias pelos comproprietários.
Na prática, a diferença seria que o tal condómino, quanto aos móveis comuns, poderia
renuncia ao direito à sua quota-parte no direito de propriedade; quanto à parte comum,
aquele não pode renunciar ao direito. Neste último nunca pode haver renúncia liberatória
(art. 1420º/2).

QUESTÃO 32.
A é proprietário do último andar de um determinado prédio. Além disso, na altura
em que ele e os outros condóminos adquiriram o imóvel, já havia uma ligação feita
para o sótão, como tal, utiliza o mesmo. Os restantes condóminos descobriram
agora a existência do sótão e pretendem adquirir o mesmo.
O senhor opõe-se, afirmando que pagou por ele e que a única entrada é pelo seu
apartamento. Não obstante, os restantes condóminos disponibilizaram-se a realizar
outra entrada.
Quid juris?
Se no título estiver definido que o sótão é uma unidade dependente, é de A. A questão é
nada ser dito sobre o sótão. Pelo menos em teoria, quem compra um apartamento sujeito
ao regime de propriedade horizontal deverá ler o título constitutivo do imóvel.
Não estando nada no título, presumir-se-ia comum. No entanto, não é imperativamente
comum porque não é uma das partes do art. 1421º. O que se tem entendido é que, uma
parte que se deva presumir comum esteja dependente do acesso a uma das frações, há
uma destinação objetiva dessa parte àquela fração. Por isso, dever-se-á afastar a
presunção.

QUESTÃO 33.
Num prédio constituído ao regime de propriedade horizontal, A adquiriu uma
fração, no mês passado. Agora, foi confrontada com esta realidade: um senhor disse-
lhe que, de acordo com o título constitutivo, tinha chegado a hora de ela pintar toda
a fração para manter a sua conservação e de envernizar todas as madeiras.
A não pretende fazê-lo, uma vez que acabou de pintar o prédio. No entanto, o
administrador invoca que está no título constitutivo.
Quid juris?
O título constitutivo tem de conter o regulamento. A regra é de que este regulamento
apenas se destina às partes comuns. Se o mesmo for feito a posteriori, só pode ter por
objeto partes comuns, porque é regulamento o condomínio.
Não obstante, quando pertencente ao título constitutivo, pode regular o uso, fruição e
conservação das partes comuns ou das frações próprias (art. 1418º/2-b). Podem ainda
constar obrigações de não fazer.
Não é muito comum a regulamentação pormenorizada do condomínio, muito menos das
partes autónomas, apesar de acontecer mais no âmbito de prédios turísticos.

Mariana Tralhão 27
A assembleia apenas pode determinar restrições, não imposição de obrigações de fazer,
desde que aprovado por não oposição (sem oposição pode ser sem presença daquela
pessoa em concreto que quereria praticar o ato) - art. 1422º/2-d.
Outra diferença é que o regulamento dos condóminos pode ser alterado e o regulamento
que conste de título constitutivo requer unanimidade.

QUESTÃO 34.
Num prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal, a assembleia de
condóminos deliberou, sem oposição, que ninguém podia levar os carrinhos de bebe
para dentro dos elevadores e que os condóminos estavam obrigados a estacioná-los
numa determinada área do parqueamento comum. Agora, há um condómino que
quer reagir contra estas restrições. Pode fazê-lo?
Aqui, temos duas deliberações. A primeira constitui uma restrição, que cabe na
competência da assembleia de acordo com o art. 1422º/2-d. A segunda decisão constitui já
uma obrigação de fazer, para cuja criação a assembleia não tem competência, uma vez que
não o fez em regulamento, nem tem nada que ver com o uso, fruição ou conservação de
partes comuns.

QUESTÃO 35.
Num prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal, existe um pátio que está
afeto ao uso exclusivo do condómino da fração A, constando isto do título
constitutivo.
Os outros vizinhos, apercebendo-se desse uso, reuniram-se e deliberaram que,
naquele momento, todos começariam a usar o pátio, em assembleia de condóminos
por maioria de dois terços.
A questão é que a Assembleia não pretendeu alterar o título, mas sim deliberar.
O art. 1433º determina que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a
regulamento anteriormente aprovado são anuláveis a pedido de qualquer condómino que
não as tenha aprovado. Só que isto implica que o único vício para que se possa invocar a
invalidade é a anulação. Mas não é assim. Desde logo, qualquer deliberação contrária a
normas imperativas é nula, não anulável. Portanto, no caso, não se tem de respeitar o art.
1433º.
Além disso, há deliberações que são ineficazes. A assembleia de condóminos tem de se
manifestar sobre partes comuns, que sejam utilizadas por todos. Em causa, a parte é
utilizada apenas por um, a cuja fração está afeta aquela parte. Logo, não há legitimidade
para a deliberação.
Quando existe um regulamento de condomínio feito a posteriori, enquanto ele estiver em
vigor, vale e vigora. Por exemplo, se num regulamento se convenciona que ninguém pode
estender roupa no pátio do prédio e agora a assembleia decidiu deliberar que, dentro de um
diâmetro, os condóminos podem estender roupa no terraço. No regulamento, está fixado que
não podem, mas a assembleia deliberou o contrário. Enquanto o regulamento estiver em
vigor, mantém-se em vigor. O que os condóminos podem fazer é alterar o regulamento, mas
não podem pretender atuar de forma diferente daquela que eles próprios deliberaram.

Mariana Tralhão 28

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