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Dinis Abrantes Figueiredo

Direito das Coisas P

Ano letivo de 2022/2023


Caso prático I:
A, proprietário do prédio X, celebrou com a Associação de Entomólogos do Centro (AEC)
um contrato, nos termos do qual aquele constituiu a esta um direito de usufruto sobre tal
prédio por um prazo de 30 anos para que os membros associados aí pudessem desenvolver as
suas atividades de observação e colheita de insetos. Mais acordaram as partes que a AEC
pagaria ao proprietário uma prestação anual no valor de 6’000€ e que em caso algum
poderiam ser colhidos os frutos produzidos pelas árvores e poderia ser permitido o acesso de
qualquer outra pessoa ao prédio. Há três meses, A vendeu o prédio X a C e este agora impede
os membros associados de nele entrarem. D, membro da AEC consulta-o para saber se pode
reagir contra esta situação. Que lhe responderia?
Resolução:
1º Qualificação dos direitos:
1) Constituição de um alegado direito de usufruto de AEC por um prazo de 30 anos (1443º
CC), usufrutuário obriga-se a pagar ao proprietário uma prestação anual de 6’000€, não
colher frutos e impedir acesso a pessoa estranha.
Definição de direito real segundo a teoria realista renovada – soberania positiva e negativa
Categorias de direitos reais em função da amplitude da soberania da pessoa sobre a coisa:
- não é usufruto: não pode permitir acesso a outras pessoas (uso) nem fruir do prédio (fruição)
- não é direito de uso: não pode fruir do prédio (fruição)
- não é direito de habitação: não está em causa o uso de casa de morada
- não é direito de superfície: não está em causa construir obra/fazer plantações ou manter
obra/plantações em terreno alheio
- não é servidão predial: não há um prédio serviente e um prédio dominante
→ Uma vez que as partes pretenderam celebrar um negócio jurídico com natureza real, tal
negócio jurídico é nulo porque não se pode constituir um direito real fora dos casos previstos
na lei (princípio da taxatividade (1306º, n. 1 CC)), podendo tal negócio jurídico ser
convertido se estiverem preenchidos os requisitos previstos no artigo 293º CC.
2) Direito de propriedade de C sobre prédio X
2º Conflito entre direito real e direito de crédito:
Característica da preferência/prevalência: C é titular de um direito de propriedade sobre o
prédio X e D é um membro da AEC que é titular de um direito real atípico. “Preferência” do
direito real (eficácia erga omnes – dever geral de abstenção) sobre o direito real atípico.
→ Portanto, D não pode reagir contra C, nem contra A.
Caso prático II:
Em Janeiro de 2015, A, proprietário do prédio X, celebrou com B um contrato, nos termos do
qual este poderia colher todas as maçãs que o prédio X produzisse durante 10 anos. Em
Fevereiro de 2021, A vendeu a C, por documento particular autenticado, o seu prédio. C,
agora, não permite que B colha as maçãs. B consulta-o para saber se pode opor a sua posição
a C.
Resolução:
1º Qualificação dos direitos:
1) Noção de coisa oferecida pelo artigo 202º CC e por Orlando de Carvalho: tem de ser atual
e autónoma. Classificações de coisa: coisas absolutamente futuras: podem ser objeto de
relações jurídicas mas não são, em rigor, coisas. Logo, o negócio jurídico que tenha por

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objeto uma coisa absolutamente futura e indeterminada começa por produzir efeitos
obrigacionais (tornando-se B titular de um direito de crédito) e só produz efeitos reais a partir
do momento em que a coisa se torna atual e determinada.
2) Direito de propriedade de C sobre o prédio X (princípio da consensualidade)
2º Conflito entre direito real e direito de crédito:
Característica da preferência/prevalência: C é titular de um direito de propriedade sobre o
prédio e B é titular de um direito de crédito. “Preferência” do direito real (eficácia erga
omnes – dever geral de abstenção) sobre o direito de crédito (eficácia inter partes – obrigação
em sentido técnico).
→ Portanto, B não pode reagir contra C, só podendo reagir contra A (devedor) na qualidade
de credor.
Caso prático III:
B, dono de uma pedreira, depositou numa parte do prédio X de C três toneladas de gravilha.
C exige que B proceda à limpeza do terreno, mas este recusa-se a fazê-lo, alegando que só o
fará quando para tanto for instado por A, que é quem se encontra inscrito no Registo Predial
como titular do direito de propriedade sobre o imóvel em questão. Terá razão?
Resolução:
1º Introdução:
Princípio da consensualidade: 408º, n. 1 CC (basta título; não é necessário modo) -> contrato
enquanto fonte de direitos e de obrigações.
Nulidade do contrato por vício formal ou substancial → não-produção de efeitos reais nem
obrigacionais.
-» Forma: Condição de validade do negócio jurídico. Compra e venda de bens imóveis:
escritura pública (por notários) ou documento particular autenticado (por notários,
advogados, conservadores, solicitadores). → obediência a formalidade é uma exceção ao
princípio da liberdade de forma (219º CC): caso seja violado, o contrato é nulo, por vício de
forma (220º CC). Razão de ser: consciencialização/reflexão sobre gravidade do negócio a
celebrar -» portanto, é um instrumento de tutela dos sujeitos.
-» Registo: Condição de eficácia do negócio jurídico em relação a terceiros para efeitos de
registo
→ C é titular de um direito de propriedade sobre o prédio.
2º Pretensão real de C:
C tornou-se titular de um direito de propriedade sobre o prédio X com eficácia erga omnes.
Apesar de ainda não ter registado essa aquisição. B praticou um ato de interferência na
soberania exercida sobre o prédio por parte de C. Logo, violou um dever geral de abstenção
ao qual se encontra adstrito. Esta violação faz surgir na esfera jurídica de C uma pretensão
real, podendo exigir a eliminação da situação material contrária ao estatuto do seu direito real
através da propositura de uma ação negatória, formulando três pedidos:
- Declaração da inexistência de uma posição jurídica que legitima o seu comportamento
(função declarativa)
- Condenação do réu a reconstituir a situação material tal e qual se encontrava antes da
interferência no direito de propriedade (função condenatória)
- Havendo receio de que atos semelhantes venham a ser praticados pedir-se-á a abstenção
de comportamentos semelhantes (função preventiva).
Tendo B atuado com culpa e causado danos, poder-se-á acrescentar um quarto pedido aos
pedidos anteriores: Condenação do réu no cumprimento de uma obrigação de indemnização.

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Caso prático IV:
Imagine agora que, em Janeiro de 2023, A vendeu o mesmo prédio X a E que imediatamente
registou o seu direito de propriedade. Em Fevereiro do mesmo ano, E constituiu uma hipoteca
sobre o prédio a favor de F para garantir o cumprimento de um crédito no valor de 100’000€.
Hoje, E pretende constituir outra hipoteca sobre o mesmo prédio a favor do seu preferencial
credor G para garantir o seu crédito no valor de 250’000€. Tendo em conta que o prédio vale
350’000€ e que já foi celebrado com H um contrato-promessa de compra e venda com o
pagamento de um sinal no valor de 5’000€ e com a entrega do imóvel ao promitente-
comprador, aconselharia G a aceitar o negócio proposto por E?
Resolução:
1º Direito de propriedade sobre o prédio:
A vendeu a E prédio que pertence a C que não registou. Venda de coisa alheia: nulidade
(892º CC). No entanto, E será tutelado por ter registado a aquisição do seu direito real (5º
CRP) e por não poderem existir dois direitos incompatíveis entre si – Exceção à
característica da sequela? Não, porque se está perante um conflito entre um direito e um não-
direito. Mas é uma exceção ao princípio nemo plus iuris.
2º Direitos reais de garantia:
E constitui hipoteca a favor de F (100’000€).
E celebrou com H contrato-promessa com sinal (5’000€) + traditio rei
E quer constituir hipoteca a favor de G (250’000€).
1) Legitimidade para hipotecar (715º CC). Possibilidade de constituição de duas hipotecas
sobre o mesmo prédio. No entanto, se F (credor hipotecário), em caso de incumprimento da
obrigação à qual E está adstrito para com F, tiver de promover a venda judicial do prédio, o
valor obtido pode ser suficiente para satisfazer o seu crédito, mas pode já não ser suficiente
para satisfazer o crédito de G.
→ Prevalência da hipoteca de F sobre a hipoteca de G
2) Já para não falar dos privilégios imobiliários especiais a favor do Estado que prevalecem
sobre a hipoteca (748º CC).
→ Prevalência dos privilégios imobiliários especiais e da hipoteca de F sobre a hipoteca de G
3) E celebrou um contrato-promessa com sinal e traditio rei (entrega do prédio X a H) –
exceção ao princípio da consensualidade. H tem um direito de retenção sobre o prédio X até
E não cumprir a obrigação à qual ficou adstrito (emissão de declaração negocial de venda)
(759º, n. 2 CC).
→ Prevalência dos privilégios imobiliários especiais, da hipoteca de F e do direito de
retenção de H sobre a hipoteca de G.
Pelo exposto, é de desaconselhar a aceitação do negócio proposto por E.
Caso prático V:
Em Dezembro de 2020, B comprou a A a “Quinta das Amoreiras”, tendo imediatamente
iniciado as obras de readaptação do imóvel à instalação de uma casa de repouso. Para tanto,
vendeu a C alguns dos pinheiros que estavam plantados numa parte do terreno, ficando,
porém, acordado que aquele apenas os recolheria em Abril de 2021. Também vendeu a D um
automóvel velho que encontrou debaixo de uma pilha de lenha na garagem e doou a E uma
antena parabólica que se encontra instalada no telhado da casa principal, bem como uma
rebarbadora que era usada por A para limpar o pinhal. Súbita e inesperadamente, B faleceu e
a sua esposa F, não só se recusa a entregar as coisas a D e a E, como enviou a C uma carta
para o “advertir” de que não o autorizaria a abater os pinheiros. Se C, D e E o consultassem,
que lhes responderia?

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Resolução:
1. Quinta: coisa imóvel (prédio urbano) -» compra e venda válida por escritura pública ou
documento particular autenticado -» produz efeitos reais (transmissão do direito de
propriedade de A para B) e obrigacionais (direito de crédito; obrigação em sentido técnico).
→ B falece; F adquire direito de propriedade por sucessão mortis causa.
2. Pinheiros: coisas imóveis enquanto estiverem ligados ao solo -» compra e venda de coisas
móveis relativamente futuras (já existem mas ainda não estão em poder do disponente, tendo
este a legítima expetativa de as vir a adquirir e sendo o negócio jurídico celebrado com base
nessa suposição). Negócio jurídico produzirá, desde logo, efeitos obrigacionais (direito de
crédito e obrigação em sentido técnico), produzindo efeitos reais a partir do momento em que
as árvores se tornam determinadas (deixam de estar ligadas ao solo) – 408º, n. 2 CC.
→ contrato com eficácia inter partes (entre B e C). B faleceu, logo os seus herdeiros (F)
sucedem em todos os direitos e em todas as obrigações. F está obrigada a cumprir o contrato
(abstenção da prática de atos que dificultem a recolha dos pinheiros).
3. Automóvel: se A e B apenas celebraram um contrato de compra e venda sobre a quinta, o
automóvel, à partida, continua a pertencer a A (se este soubesse da existência do mesmo – o
que é improvável, uma vez que se soubesse teria dito – tê-lo-ia tirado de lá [se se esqueceu,
poderá retirá-lo de lá]). De qualquer forma, B vendeu coisa alheia -» contrato nulo.
4. Antena parabólica: parte integrante (coisa móvel materialmente ligada com caráter de
permanência ao telhado da casa) -» validade do negócio jurídico que tem por objeto parte
integrante, produzindo, desde logo, efeitos obrigacionais, mas só terá eficácia real quando ela
for separada da coisa principal (408º, n. 2 CC). Abrem-se duas hipóteses: E só se tornará
proprietário da antena parabólica se o negócio for celebrado por escrito – exceção ao
principio da liberdade de forma (1) ou for acompanhado da traditio rei – exceção ao principio
da consensualidade (2).
→ 1) transmissão real por mero efeito do contrato -» possibilidade de propositura de ação de
reivindicação da propriedade (posse ilegítima por parte de F); 2) transmissão real com traditio
rei -» impossibilidade de propositura de ação de reivindicação da propriedade.
5. Rebarbadora: coisa acessória – 210º, n. 2 CC. Abrem-se duas hipóteses: referência à
rebarbadora no negócio de compra e venda da quinta? -» abrange rebarbadora (1); falta de
referência à rebarbadora no negócio de compra e venda da quinta? -» não abrange
rebarbadora (2).
→ 1) doação válida por escrito (transmissão real por mero efeito do contrato -» possibilidade
de propositura de ação de reivindicação) ou traditio rei (transmissão real com traditio rei -»
impossibilidade de propositura de ação de reivindicação); 2) doação de coisa alheia -» nulo
Caso prático VI:
A é proprietário do prédio rústico X. Em 2005, viajou para os EUA para realizar o sonho
americano. B, seu vizinho e amigo, sempre acreditou que A nunca mais regressaria a
Portugal, tendo começado a cultivar o prédio X, onde neste momento se encontra um
próspero pomar explorado por C a quem B deu de arrendamento o prédio em 2017. Há cerca
de 2 meses, A regressou, pobre e desiludido ao país e, vendo o estado em que se encontra o
antes humilde prédio, decidiu reivindicá-lo a C.
Alínea a) – Poderá fazê-lo?
Alínea b) – Se fosse consultado por C, que conselho lhe daria?
Resolução:
A ação de reivindicação (1311º CC) é intentada quando em causa esteja uma situação de
posse ou mera detenção ilegítimas da coisa por parte de terceiro, formulando-se dois pedidos:

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- Reconhecimento do direito real
- Restituição da coisa
1. A ainda é proprietário do prédio X? Sim, porque o direito de propriedade é um direito
real tendencialmente perpétuo, não se extinguindo pelo não-uso.
2. Pode intentar a ação de reivindicação da propriedade contra possuidor B e/ou contra
mero detentor C
3. Prazo para intentar a ação de reivindicação? Não prescreve pelo decurso do tempo
(1313º CC).
Existem, pelo menos, três tipos de relação entre pessoa e coisa:
- Titularidade de um direito real
- Posse
- Mera detenção
Tendo em conta o caso em concreto:
A – é titular de um direito de propriedade
B – é possuidor (tem corpus, tem animus).
C – é mero detentor (tem corpus, não tem animus).
1) A, apesar de não ter deixado de ser proprietário, deixou de ser possuidor porque perdeu a
sua posse pela posse que B adquiriu e que exerce há mais de um ano e um dia (1267º, n. 1, al.
d) CC).
2) Posse de B:
1. De acordo com uma conceção subjetiva, a posse exige a verificação de dois elementos:
- Corpus: exercício de poderes de facto sobre a coisa ou a possibilidade empírica desse
exercício
- Animus: intenção de exercer tais poderes como se fosse titular de um direito real
2. Posse formal ou causal? Posse formal, pois não se funda num direito real.
3. Forma de aquisição da posse? Originariamente por aquisição paulatina.
4. Características da posse? 1) posse não-titulada 2) presume-se posse de má-fé, sendo
ilidível mediante prova em contrário 3) posse pacífica 4) posse pública.
→ Imagine-se que a ação foi intentada contra B, possuidor:
B pode defender-se invocando uma aquisição originária do direito de propriedade por
usucapião (1287º CC) – posse tem de ser pública e pacífica.
→ Imagine-se que a ação foi intentada contra C, mero detentor:
C pode defender-se invocando uma aquisição originária do direito de propriedade por
usucapião em benefício do possuidor B que exercer posse por intermédio dele
5. Efeitos da posse? 1296º e ss. CC -» a usucapião só pode dar-se no termo de 20 anos -»
sendo assim, ainda não é possível invocar a usucapião, a não ser que ilida a presunção de má-
fé, sendo que, caso consiga, a usucapião tem lugar quando a posse houver durado 15 anos
(2005-2023).
Caso prático VII:
Em 2000, A doou a B um prédio rústico por escrito particular, tendo a este sido entregues as
chaves que abriam o portão de acesso ao prédio. Sete anos depois, B deu de comodato o
mesmo imóvel a C que, em 2010, constituiu um usufruto a favor de D. Quem adquiriu a
posse do prédio?

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Resolução:
2000: A doou a B um prédio rústico por escrito particular + traditio rei
2007: B deu de comodato a C um prédio rústico
2010: C constituiu um usufruto a favor de D
1. Contrato de doação com traditio rei por escrito particular -» inobservância da formalidade
legalmente exigida (947º, n. 1 CC) -» nulidade do contrato (220º CC) -» A, proprietário e
possuidor, não transmitiu direito de propriedade a B mas transmitiu a posse com a traditio rei.
B tornou-se possuidor (exercício de poderes de facto sobre o prédio rústico (corpus) com
intenção de atuar como se fosse titular de um direito real (animus)), segundo uma conceção
subjetiva da posse. Posse formal, pois não se funda num direito real. Forma de aquisição da
posse: B adquiriu a posse de forma derivada, por tradição real, explícita. Características da
posse: 1) não-titulada: título (negócio jurídico) formalmente inválido 2) presume-se de má-fé
3) pacífica 4) pública.
2. Contrato de comodato -» B (possuidor [tem corpus e animus]) – C (mero detentor [tem
corpus (exerce poderes de facto sobre a coisa) mas não tem animus (não tem intenção de
exercer tais poderes como se fosse titular de um direito real, mas antes como se fosse titular
de um direito de crédito]). | No entanto, C constituiu um usufruto a favor de D -» posse
formal, pois não se funda num direito real. Forma de aquisição da posse: C adquiriu a posse
de forma originária, por inversão do título de posse, por oposição implícita do mero detentor
contra o até ali possuidor. Características da posse: 1) não-titulada 2) presume-se de má-fé 3)
pacífica 4) pública ou oculta, dependendo do caso em concreto.
3. Constituição de direito de usufruto -» C (possuidor [tem corpus e animus]) – D (possuidor
[tem corpus e animus]). Posse formal, pois não se funda num direito real. Forma de aquisição
da posse: C adquiriu a posse de forma derivada, por tradição real, explícita. Características da
posse: 1) não-titulada: transmitente não tem legitimidade para transmitir direito de usufruto
tendo em consideração a inscrição do registo 2) presume-se de má-fé 3) pacífica 4) em
relação a C é pública; em relação a B é muito provável que seja oculta, mas também pode ser
pública.
Caso prático VIII:
Em Março de 1980, A, que emigrou para o Brasil nos anos 60 do século passado, comprou
um prédio localizado no centro de Lisboa composto por quatro apartamentos, entregando a
sua administração ao sobrinho B. Quando, há cerca de 2 meses, C, filho e único herdeiro de
A, falecido em Janeiro de 2023, se deslocou a Portugal, verificou que B tinha vendido os
quatro apartamentos, razão pela qual intentou contra todos em que neles habitam uma ação de
reivindicação. Se fosse consultado pelos réus e, sabendo que duas das frações foram
alienadas em 2005 e outras duas em 2007, que conselhos lhes daria?
Resolução:
1. A – titular de 4 direitos de propriedade horizontal, mas não é possuidor porque perdeu a
posse a partir de 2006 + 1 dia e 2008 + 1 dia (1267º, n. 1, al. d) CC).
2. B – mero detentor (tem corpus mas não tem animus – A exerce posse por intermédio dele)
mas torna-se possuidor quando vende apartamentos (corpus e animus). Forma de aquisição da
posse: originária, por inversão do título da posse por oposição implícita do mero detentor ao
até ali possuidor.
3. X, Y, Z e W– titulares de direito de propriedade horizontal e possuidores (corpus e
animus). Forma de aquisição da posse: derivada, por tradição real explícita. Características da
posse: 1) não-titulada porque B não tem legitimidade para transferir direito de propriedade
horizontal à luz do princípio da legitimação. 2) presume-se de má-fé 3) pacífica 4) pode
presumir-se que seja pública porque era não só cognoscível mas efetivamente conhecida por

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parte de B.
4. C – titular de 4 direitos de propriedade horizontal → logo, tem legitimidade para intentar a
ação de reivindicação (1311º CC), tendo de invocar a titularidade desses direitos e provar a
posse ilegítima de X, Y, Z e W. E possuidor? A perdeu a posse (1267º, n. 1, al. d) CC), logo,
não adquiriu a posse de A por aquisição derivada por tradição ficta ou sucessão mortis causa.
Só conseguimos salvaguardar a posição jurídica dos réus, “apagando” a titularidade do direito
de propriedade horizontal de C. Assim sendo, terão de invocar a usucapião através do
preenchimento dos seguintes pressupostos:
1) tem de haver posse
2) a posse tem de ser sempre pública e pacífica
3) a posse tem de ser mantida durante determinado período de tempo – 15 anos (1294º, al. b)
CC). Poder-se-á tentar diminuir o tempo, ilidindo a presunção de má-fé (2005 + 15:
2020/2007 + 15: 2022). A usucapião retrotrai até ao momento da aquisição da posse.
4) usucapião tem de ser invocada.
Caso prático XIX:
Em Junho de 2010, A doou ao seu grande amigo B por escrito particular um prédio rústico
onde estavam plantadas dezenas de sobreiros. Dois anos depois, B decidiu vender o prédio a
C, negócio que foi formalizado por documento escrito, mantendo-se, porém, o primeiro como
arrendatário. D, filho de A, falecido em Abril deste ano, tomou conhecimento da situação e
decidiu intentar uma ação de restituição da posse contra B. Terá sucesso na sua pretensão?
Resolução:
A – celebração de um contrato de doação com vício de forma (947º, n. 1 CC). Logo, é nulo –
efeito real translativo não se produz, permanecendo A como titular do direito de propriedade
sobre o prédio. É possuidor? Não, porque perdeu a posse (por um ato de cedência – 1267º, n.
1, al. a) CC).
B – possuidor (tem corpus e animus) em termos de direito de propriedade. Forma de
aquisição da posse: derivada, por tradição real explícita. Características da posse: 1) não-
titulada, pois a posse funda-se num título abstratamente idóneo à aquisição do direito real nos
termos se visa possuir, mas é nulo por vício de forma (947º, n. 1 CC). 2) presume-se de má-fé
3) pacífica 4) pública, porque cognoscível, para não dizer efetivamente conhecida, por parte
de A.
C – possuidor (tem corpus e animus) em termos de direito de propriedade, mas a sua posse
está a ser exercida por intermédio de B (1252º CC), sendo este, neste momento, um mero
detentor (tem corpus, mas não tem animus)! Forma de aquisição da posse: por tradição real
implícita, por constituto possessório bilateral. Características da posse: 1) não-titulada 2)
presume-se de má-fé. 3) pacífica 4) pública.
D – titular de direito de propriedade a partir do momento em que A, seu pai, faleceu. D está a
intentar uma ação de restituição da posse, consagrada no artigo 1278º, n. 1 CC e 1281º, n. 2
CC: a ação não terá sucesso porque 1. D não é possuidor (logo, não há posse para defender).
2. Não há esbulho. D deveria ter intentado uma ação de reivindicação da propriedade (meio
de defesa da propriedade), sendo que se a ação for julgada procedente, verá ser-lhe
reconhecido o seu direito de propriedade e ser-lhe-á restituído o prédio rústico em questão.
Caso prático X:
Imagine agora que D intenta contra C uma ação de reivindicação da propriedade. O réu
consulta-o para saber como pode reagir, preocupando-o o facto de já ter vendido a E a cortiça
dos sobreiros, sendo que E viria a recolher em 2025, além de que tinha também levantado um
muro de demarcação do terreno. Que lhe responderia?

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Resolução:
D – filho de A: titular do direito de propriedade / não-possuidor.
Ação de reivindicação da propriedade
C – possuidor desde 2012
-» compra e venda de cortiça a recolher em 2025
-» levantamento de muro de demarcação
Admissibilidade de aquisição do direito de propriedade sobre o terreno por usucapião?
Requisitos: Posse. Pacífica e pública. Em termos de direito de propriedade. Coisa imóvel –
não havendo titulo de aquisição: de boa-fé: 15 anos/de má-fé: 20 anos. Início da posse em
2012.
- Não sendo possível ilidir a presunção de má-fé: 2012 + 20 = 2032
- Sendo possível ilidir a presunção de má-fé: 2012 + 15 = 2027
Logo, C não poderá invocar a usucapião para adquirir o direito de propriedade sobre o
imóvel, pois não decorreu o tempo legalmente exigido para o efeito. A ação de reivindicação
da propriedade seria julgada procedente, sendo reconhecido o direito de propriedade de D e
sendo C condenado a restituir o terreno objeto desse direito nos termos do qual possuía.
→ No entanto, C celebrou um contrato de compra e venda sobre frutos naturais pendentes
(cortiça a recolher dos sobreiros) e realizou benfeitorias úteis (muro). Quanto aos frutos,
aplica-se o 1270º, n. 2 CC (de boa-fé) ou 215º, n. 2 CC (de má-fé). Quanto às benfeitorias,
aplica-se o artigo 1273º, n. 1 CC.
Caso prático XI:
Em 2010, A vendeu a B por escrito particular um prédio de habitação. 10 anos depois, B deu-
o de arrendamento a C. Passados poucos meses, D convenceu C de que era o verdadeiro
proprietário do imóvel e celebrou com este um contrato de compra e venda. Logo depois, C
vendeu a E o mesmo prédio. Há cerca de duas semanas, F, filho e único herdeiro de A,
intentou contra E uma ação de reivindicação. E consulta-o para saber se e como pode reagir.
Que lhe responderia, considerando o seu constituinte realizou benfeitorias várias no imóvel.
Resolução:
A e B contrato de compra e venda sobre prédio por escrito particular simples 2010
B e C contrato de arrendamento sobre prédio 2020
C e D contrato de compra e venda sobre prédio – “D alegado proprietário”
C e E contrato de compra e venda sobre prédio
A falece → F intenta ação de reivindicação da propriedade
A – titular do direito de propriedade sobre prédio; e possuidor? não é possuidor porque
perdeu a posse por cedência (1267º, al. c) CC).
B – titular do direito de propriedade? Não é titular porque o contrato de compra e venda
padece de vício de forma (875º CC, conjugado com 220º CC). Logo, o direito de propriedade
não se transmitiu para a esfera jurídica de B; e possuidor? tem corpus e tem animus. Forma
de aquisição da posse: derivada, por tradição real explícita. Características da posse: Não-
titulada porque funda-se num titulo em abstrato idóneo à aquisição do direito real nos termos
do qual se possui (direito de propriedade), mas os vícios de forma são relevantes. Presume-se
de má-fé. Pacífica. Pública (não só cognoscível, mas efetivamente conhecida por parte de A).
C – mero detentor (tem corpus, não tem animus), exerce posse em representação de B
enquanto arrendatário (1252º, n. 1 CC). Adquire a posse originariamente por inversão do
título da posse por ato de terceiro (D convenceu C de que era proprietário do prédio).
Características da posse: Não-titulada. Presume-se de má-fé. Pacífica. Pública em relação a
B, mas talvez oculta em relação a A (porque pode já ter falecido à época).
E – possuidor (tem corpus e animus). Forma de aquisição da posse: derivada, por tradição

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real explícita. Características da posse: Não-titulada, porque C não tinha legitimidade para
transmitir o direito de propriedade nem a posse à luz do princípio da legitimação. Presume-se
de má-fé. Pacífica. Pública em relação a C; pública ou oculta em relação a A; pública ou
oculta em relação a B; pública em relação a C.
F – titular do direito de propriedade por sucessão mortis causa; e possuidor? não é, porque A
perdeu a posse, não funcionando o artigo 1255º CC.
F intenta ação de reivindicação da propriedade (1311º CC):
- Pedidos: reconhecimento do direito de propriedade + restituição da coisa.
- Legitimidade ativa: proprietário. Verifica-se.
- Legitimidade passiva: possuidor ou mero detentor: contra E. Verifica-se.
- Causa de pedir: Narração dos factos concretos, balizados no tempo e no espaço e
juridicamente relevantes, que fundamentam os pedidos que o autor visa obter.
- Imprescritibilidade da ação de reivindicação: Não prescreve.
- Prova da titularidade do direito de propriedade: prova diabólica, aquisição originária por
parte de A, presunção da titularidade do direito de propriedade fundada na posse (1268º CC)
ou no registo (7º CRP).
Em defesa de E: Admissibilidade de invocação da usucapião para aquisição do direito de
propriedade sobre o prédio por parte de E? Verificação de cinco requisitos: Posse – verifica-
se. Pacífica e pública – verifica-se. Em termos de direito de propriedade – verifica-se.
Invocação – verificar-se-á. Prazo: coisa imóvel – não-titulada – distinção:
- Ilidida a presunção de má-fé: 15 anos
- Não-ilidida a presunção de má-fé: 20 anos.
→ Não é admissível por insuficiência temporal. No entanto, pode recorrer à acessão de posse
(1256º CC) e tentar ganhar tempo. Conceito e requisitos. Admissível? Não, porque C
adquiriu a sua posse originariamente.
→ Logo, E será condenado a restituir o prédio a F. No entanto, E realizou benfeitorias várias
no prédio: aplicação dos artigos 1273º CC (benfeitorias necessárias e uteis) e 1275º CC
(benfeitorias voluptuárias).
Caso prático XII:
A e B são comproprietários de um apartamento localizado no centro da cidade de Coimbra.
Dois andares abaixo, vive C que adotou há cerca de 3 meses um cão que passa o dia sozinho
na varanda. C não tem os cuidados necessários para assegurar a higiene no espaço, de modo
que, e com particular intensidade nas últimas semanas, A e B foram obrigados a dormir na
sala já que o cheiro nauseabundo os impede de usar o quarto do seu apartamento.
Desesperados com esta situação, A e B consultam-no para saber se e como podem reagir.
Que lhes responderia?
Resolução:
Compropriedade: conceito e a controvérsia doutrinal (teoria da pluralidade de direitos de
propriedade, teoria da divisão ideal da coisa, teoria da comunhão)
Restrições legais ao direito de propriedade: 1346º CC
- prejuízo substancial para o uso do imóvel: A e B passaram a dormir na sala.
- utilização anormal do prédio vizinho: assegurar condições de higiene, etc.
Ação negatória (prática de um ato de interferência na coisa objeto de um direito real).
Caso prático XIII:
Em Janeiro de 2023, A e B adquiriram em conjunto um automóvel, determinando que o seu
uso se faria por semestres. Em Maio, enquanto decorria o seu turno, A inscreveu-se numa
prova de perícia automóvel que decorrerá no início de Junho, mas B pretende impedi-lo de o
fazer. Terá razão?

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Resolução:
Compropriedade: conceito e controvérsia doutrinal
Modo de constituição: negócio jurídico inter vivos
Regime jurídico relativo à coisa comum: uso da coisa comum - 1406º, n. 1 CC: definição
convencional do uso da coisa comum (uso por semestres), comproprietário não pode usar a
coisa comum para fim diferente daquele a que se destina quando tal uso seja suscetível de
causar prejuízos ao outro comproprietário (prova de perícia).
→ B não terá razão.
Caso prático XIV:
Enquanto ainda decorria o seu turno, A contratou um mecânico para que fizesse umas
reparações necessárias à obtenção do certificado de inspeção automóvel. Há cerca de dois
dias, mandou uma mensagem a B, pedindo o pagamento proporcional das despesas. B,
porém, recusa-se a comparticipar, alegando que nunca autorizou essas reparações, muito
menos lhe foram elas comunicadas. Terá razão? A resposta seria a mesma caso A, fervoroso
adepto do FCP, tivesse mandado pintar um grande dragão azul e branco no tejadilho do
carro?
Resolução:
- Certificado de inspeção automóvel: Regime jurídico relativo à coisa comum: ato de
administração ordinária (realização de benfeitoria necessária) - 1407º CC, conjugado com
985º CC (qualquer um dos comproprietários pode praticar atos de administração ordinária
sobre a coisa comum, não sendo necessária a autorização dos demais comproprietários para
esse efeito. A não informou B da sua intenção, pelo que não pode opor-se à prática do ato de
administração ordinária sobre a coisa comum.) + 1411º CC (uma vez realizado o ato de
administração ordinária sobre a coisa comum, as despesas daí decorrentes são dividas pelos
demais comproprietários, na proporção das suas quotas. Não tendo sido fixada a proporção
das suas quotas, presumem-se iguais.)
- Dragão: Regime jurídico relativo à coisa comum: ato de administração extraordinária – a lei
nada diz, devendo seguir-se os ensinamentos de Henrique Mesquita e convocar o artigo 1024º
CC: prática de ato de administração extraordinária por parte de um dos comproprietários
dependente do consentimento dos demais comproprietários.
Caso prático XV:
A está saturado dos conflitos entre B e C, comproprietários, e pretende abandonar a sua
posição. No entanto, os comproprietários celebraram um pacto de indivisão por 4 anos. Quid
iuris?
Resolução:
Dissolução da compropriedade ou divisão da coisa comum, mas existe uma cláusula de
indivisão por 4 anos. Após os 4 anos, e caso não seja renovada, A pode dissolver a
compropriedade, que tanto pode ser feita extrajudicialmente (através da sujeição da coisa ao
regime da propriedade horizontal, da concentração das quotas do direito de propriedade num
dos comproprietários ou da alienação da coisa comum a terceiro), como judicialmente.

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