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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.916.031 - MG (2021/0009736-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : S F DA S
ADVOGADOS : NILTON DE OLIVEIRA SOUSA - MG073723
CLEUBER DE OLIVEIRA SOUSA - MG117601
RECORRIDO : L A DE S
RECORRIDO : RSG
ADVOGADO : MARCELO GOMES CAETANO - MG060382B
EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE


RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL
CUMULADA COM PARTILHA. OMISSÃO E ERRO DE FATO.
INOCORRÊNCIA. ERRO DE FATO QUE, AINDA QUE EXISTENTE,
NÃO FOI DECISIVO AO RESULTADO DO JULGAMENTO.
ACÓRDÃO SUSTENTADO EM OUTROS FATOS E PROVAS.
ALEGADA UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO.
PARTILHA NO FORMATO DE TRIAÇÃO. INADMISSIBILIDADE.
RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL QUE PRESSUPÕE
AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO AO CASAMENTO OU SEPARAÇÃO
DE FATO. PARTICULARIDADE DA HIPÓTESE. RELAÇÃO
INICIADA ANTES DO CASAMENTO DO PRETENSO CONVIVENTE
COM TERCEIRA PESSOA E QUE PROSSEGUIU NA CONSTÂNCIA
DO MATRIMÔNIO. PERÍODO ANTERIOR AO CASAMENTO.
UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA. PARTILHA NOS MOLDES DA
SÚMULA 380/STF, EXIGINDO-SE PROVA DO ESFORÇO COMUM.
PERÍODO POSTERIOR AO CASAMENTO. TRANSMUDAÇÃO
JURÍDICA EM CONCUBINATO IMPURO. SOCIEDADE DE FATO
CONFIGURADA. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL RESOLVIDA SOB
A ÓTICA DO DIREITO OBRIGACIONAL. PARTILHA NOS MOLDES
DA SÚMULA 380/STF, TAMBÉM EXIGIDA A PROVA DO ESFORÇO
COMUM. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO APURADAS PELAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. REMESSA DAS PARTES À FASE DE LIQUIDAÇÃO.
POSSIBILIDADE.
1- Ação proposta em 16/05/2016. Recurso especial interposto em
03/02/2020 e atribuído à Relatora em 03/02/2021.
2- Os propósitos do recurso especial consistem em definir se: (i) houve erro
de fato ou omissão relevante no acórdão recorrido; (ii) se, na hipótese de
união estável em que um dos conviventes é casado com terceiro (união
estável concomitante ao casamento), é admissível a partilha no formato de
triação.
3- Conquanto o acórdão recorrido realmente não tenha examinado o
alegado erro de fato, não há que se falar em omissão na hipótese em que o
erro de fato, ainda que reconhecido como existente, não é decisivo para o
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resultado do julgamento, uma vez que o acórdão recorrido está assentado
também em outros fatos e provas e o fato erroneamente considerado não
foi determinante para a conclusão obtida. Precedentes.
4- É inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao
casamento, na medida em que àquela pressupõe a ausência de
impedimentos para o casamento ou, ao menos, a existência de separação
de fato, de modo que à simultaneidade de relações, nessa hipótese, dá-se o
nome de concubinato. Precedentes.
5- Na hipótese em exame, há a particularidade de que a relação que se
pretende seja reconhecida como união estável teve início anteriormente ao
casamento do pretenso convivente com terceira pessoa e prosseguiu por 25
anos, já na constância desse matrimônio.
6- No período compreendido entre o início da relação e a celebração do
matrimônio entre o convivente e terceira pessoa, não há óbice para que
seja reconhecida a existência da união estável, cuja partilha, por se tratar
de união iniciada e dissolvida antes da Lei nº 9.278/96, deverá observar a
existência de prova do esforço direto e indireto na aquisição do patrimônio
amealhado, nos termos da Súmula 380/STF e de precedente desta Corte.
7- No que se refere ao período posterior à celebração do matrimônio,
aquela união estável se transmudou juridicamente em um concubinato
impuro, mantido entre as partes por 25 anos, na constância da qual adveio
prole e que era de ciência inequívoca de todos os envolvidos, de modo que
há a equiparação à sociedade de fato e a repercussão patrimonial dessa
sociedade deve ser solvida pelo direito obrigacional, de modo que também
nesse período haverá a possibilidade de partilha desde que haja a prova do
esforço comum na construção patrimonial, nos termos da Súmula 380/STF.
8- Ausente menção, pelas instâncias ordinárias, acerca da existência de
provas da participação direta ou indireta da recorrente na construção do
patrimônio, sobre quais bens existiriam provas da participação e sobre
quais bens comporão a meação da recorrida, impõe-se a remessa das
partes à fase de liquidação, ocasião em que essas questões de fato poderão
ser adequadamente apuradas.
9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de julgar
parcialmente procedente o pedido para: (i) reconhecer a existência de união
estável entre 1986 e 26/05/1989; (ii) reconhecer a existência de relação
concubinária impura e sociedade de fato entre 26/05/1989 e 2014, devendo a
partilha, em ambos os períodos e a ser realizada em liquidação de sentença,
observar a necessidade de prova do esforço comum para a aquisição do
patrimônio e respeitar a meação da recorrida, invertendo-se a sucumbência.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da


Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
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taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento
ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e
Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr. MARCELO GOMES CAETANO, pela parte RECORRIDA: L A DE
SeRSG

Brasília (DF), 03 de maio de 2022(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI


Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.916.031 - MG (2021/0009736-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : S F DA S
ADVOGADOS : NILTON DE OLIVEIRA SOUSA - MG073723
CLEUBER DE OLIVEIRA SOUSA - MG117601
RECORRIDO : L A DE S
RECORRIDO : RSG
ADVOGADO : MARCELO GOMES CAETANO - MG060382B

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por S F DA S com base no


art. 105, III, alínea “a” do permissivo constitucional, em face do acórdão do
TJ/MG que, por maioria, deu provimento à apelação interposta pelos recorridos L
A DE S e R S G S, para julgar improcedentes os pedidos formulados pela
recorrente.
Ação ajuizada em: 16/05/2016.
Recurso especial interposto em: 03/02/2020.
Conclusos à Relatora em: 03/02/2021.
Ação: de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada
com partilha de bens, ajuizada pela recorrente S F DA S em face de L A DE S e
de R S G S (fls. 1/12, e-STJ).
Sentença: julgou procedente o pedido de reconhecimento e
dissolução da união estável entre a recorrente o recorrido L A DE S, no período
compreendido entre os anos de 1986 e 2014, determinando a partilha de bens no
formato de triação, de modo a contemplar também a esposa R S G S, com quem
é o recorrido é casado desde 26/05/1989 (fls. 326/330, e-STJ).
Acórdão: por maioria, deu provimento à apelação de L A DE S e de
R S G S, para julgar improcedentes os pedidos formulados pela recorrente (fls.
488/505, e-STJ).

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Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados,
por unanimidade, nos termos do acórdão de fls. 551/557 (e-STJ).
Recurso especial: alega-se, em síntese, violação: (i) aos arts. 1.022,
I, II e III, do CPC/15, ao fundamento de que o acórdão recorrido considerou
existente fato inexistente e de que teria se omitido sobre as provas da boa-fé da
recorrente; (ii) ao art. 1723 do CC/2002, ao fundamento de que faria jus ao
reconhecimento da união estável paralela ao casamento mantido entre os
recorridos, sendo a partilha realizada no formato de triação (fls. 693/702, e-STJ).
Parecer do MPF: opinou pelo não conhecimento do recurso especial
(fls. 754/756, e-STJ).
É o relatório.

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RECORRIDO : L A DE S
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CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE


RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL
CUMULADA COM PARTILHA. OMISSÃO E ERRO DE FATO.
INOCORRÊNCIA. ERRO DE FATO QUE, AINDA QUE EXISTENTE,
NÃO FOI DECISIVO AO RESULTADO DO JULGAMENTO.
ACÓRDÃO SUSTENTADO EM OUTROS FATOS E PROVAS.
ALEGADA UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO.
PARTILHA NO FORMATO DE TRIAÇÃO. INADMISSIBILIDADE.
RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL QUE PRESSUPÕE
AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO AO CASAMENTO OU SEPARAÇÃO
DE FATO. PARTICULARIDADE DA HIPÓTESE. RELAÇÃO
INICIADA ANTES DO CASAMENTO DO PRETENSO CONVIVENTE
COM TERCEIRA PESSOA E QUE PROSSEGUIU NA CONSTÂNCIA
DO MATRIMÔNIO. PERÍODO ANTERIOR AO CASAMENTO.
UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA. PARTILHA NOS MOLDES DA
SÚMULA 380/STF, EXIGINDO-SE PROVA DO ESFORÇO COMUM.
PERÍODO POSTERIOR AO CASAMENTO. TRANSMUDAÇÃO
JURÍDICA EM CONCUBINATO IMPURO. SOCIEDADE DE FATO
CONFIGURADA. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL RESOLVIDA SOB
A ÓTICA DO DIREITO OBRIGACIONAL. PARTILHA NOS MOLDES
DA SÚMULA 380/STF, TAMBÉM EXIGIDA A PROVA DO ESFORÇO
COMUM. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO APURADAS PELAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. REMESSA DAS PARTES À FASE DE LIQUIDAÇÃO.
POSSIBILIDADE.
1- Ação proposta em 16/05/2016. Recurso especial interposto em
03/02/2020 e atribuído à Relatora em 03/02/2021.
2- Os propósitos do recurso especial consistem em definir se: (i) houve erro
de fato ou omissão relevante no acórdão recorrido; (ii) se, na hipótese de
união estável em que um dos conviventes é casado com terceiro (união
estável concomitante ao casamento), é admissível a partilha no formato de
triação.
3- Conquanto o acórdão recorrido realmente não tenha examinado o
alegado erro de fato, não há que se falar em omissão na hipótese em que o

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erro de fato, ainda que reconhecido como existente, não é decisivo para o
resultado do julgamento, uma vez que o acórdão recorrido está assentado
também em outros fatos e provas e o fato erroneamente considerado não
foi determinante para a conclusão obtida. Precedentes.
4- É inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao
casamento, na medida em que àquela pressupõe a ausência de
impedimentos para o casamento ou, ao menos, a existência de separação
de fato, de modo que à simultaneidade de relações, nessa hipótese, dá-se o
nome de concubinato. Precedentes.
5- Na hipótese em exame, há a particularidade de que a relação que se
pretende seja reconhecida como união estável teve início anteriormente ao
casamento do pretenso convivente com terceira pessoa e prosseguiu por 25
anos, já na constância desse matrimônio.
6- No período compreendido entre o início da relação e a celebração do
matrimônio entre o convivente e terceira pessoa, não há óbice para que
seja reconhecida a existência da união estável, cuja partilha, por se tratar
de união iniciada e dissolvida antes da Lei nº 9.278/96, deverá observar a
existência de prova do esforço direto e indireto na aquisição do patrimônio
amealhado, nos termos da Súmula 380/STF e de precedente desta Corte.
7- No que se refere ao período posterior à celebração do matrimônio,
aquela união estável se transmudou juridicamente em um concubinato
impuro, mantido entre as partes por 25 anos, na constância da qual adveio
prole e que era de ciência inequívoca de todos os envolvidos, de modo que
há a equiparação à sociedade de fato e a repercussão patrimonial dessa
sociedade deve ser solvida pelo direito obrigacional, de modo que também
nesse período haverá a possibilidade de partilha desde que haja a prova do
esforço comum na construção patrimonial, nos termos da Súmula 380/STF.
8- Ausente menção, pelas instâncias ordinárias, acerca da existência de
provas da participação direta ou indireta da recorrente na construção do
patrimônio, sobre quais bens existiriam provas da participação e sobre
quais bens comporão a meação da recorrida, impõe-se a remessa das
partes à fase de liquidação, ocasião em que essas questões de fato poderão
ser adequadamente apuradas.
9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de julgar
parcialmente procedente o pedido para: (i) reconhecer a existência de união
estável entre 1986 e 26/05/1989; (ii) reconhecer a existência de relação
concubinária impura e sociedade de fato entre 26/05/1989 e 2014, devendo a
partilha, em ambos os períodos e a ser realizada em liquidação de sentença,
observar a necessidade de prova do esforço comum para a aquisição do
patrimônio e respeitar a meação da recorrida, invertendo-se a sucumbência.

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RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : S F DA S
ADVOGADOS : NILTON DE OLIVEIRA SOUSA - MG073723
CLEUBER DE OLIVEIRA SOUSA - MG117601
RECORRIDO : L A DE S
RECORRIDO : RSG
ADVOGADO : MARCELO GOMES CAETANO - MG060382B

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Os propósitos do recurso especial consistem em definir se: (i) houve


erro de fato ou omissão relevante no acórdão recorrido; (ii) se, na hipótese de
união estável em que um dos conviventes é casado com terceiro (união estável
concomitante ao casamento), é admissível a partilha no formato de triação.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONTROVÉRSIA.

01) Para melhor contextualizar a controvérsia, é necessário que se


faça uma breve síntese das questões fáticas que permeiam a hipótese em exame.
02) Conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, L A DE S,
recorrido, manteve união estável com S F DA S, recorrente, a partir do ano de
1986 e que perdurou até o ano de 2014, na constância da qual adveio prole,
nascida em 1991 e 1988. Também foi consignado pelas instâncias ordinárias que
o recorrido L A DE S, em 26/05/1989, casou-se com R S G S, recorrida,
relacionamento que, ao que tudo indica, mantém-se até o presente momento.
03) A convivente S F DA S, então, ajuizou, em 2016, a presente
ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de
bens, pretendendo o reconhecimento do vínculo no período compreendido entre
os anos de 1986 e 2014 e a partilha, em formato de triação (em três partes, a

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saber, entre ela, o recorrido L A DE S e a recorrida R S G S), dos bens
amealhados durante o referido período.
04) A sentença de fls. 326/330 (e-STJ) julgou procedente os pedidos,
ao fundamento de que estava perfeitamente configurada a união estável mantida
entre S F DA S e L A DE S na constância do casamento desse com R S G S,
sendo admissível a partilha como proposta (em triação).
05) O acórdão recorrido (fls. 488/505, e-STJ), por sua vez, por
maioria de votos, deu provimento à apelação de L A DE S e de R S G S, para
julgar improcedentes os pedidos formulados pela recorrente, ao fundamento de
que: (i) não se está, na hipótese, diante de situação de concubinato de boa-fé, em
que a recorrente não tinha ciência do casamento mantido entre os recorridos,
mas, sim, de concubinato impuro; (ii) que os sistemas constitucional e civil
atualmente vigentes privilegiam a exclusividade e a monogamia como
pressupostos indispensáveis para a configuração da união estável, de modo que,
entre as relações paralelamente mantidas entre a recorrente e o recorrido
(concubinato) e entre os recorridos (casamento), a essa última deve ser conferida
prevalência.

SUPOSTAS OMISSÕES NO ACÓRDÃO RECORRIDO.


ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 1.022, I, II E III, DO CPC/15.

06) Inicialmente, a recorrente aponta a existência de erro de fato no


acórdão recorrido, que teria considerado existente um fato não ocorrido, a
saber, um depoimento prestado pela recorrida, que teria dito que, ainda no ano de
1986, as casas que abrigavam ambas as famílias seriam vizinhas.
07) A esse respeito, não se pode olvidar que a questão relacionada ao
erro de fato foi veiculada pela recorrente em seus embargos de declaração, mas

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não foi enfrentada pelo acórdão integrativo de fls. 552/557 (e-STJ), de modo que,
em princípio, estaria configurada a omissão do órgão julgador a quo.
08) Contudo, o reconhecimento acerca da existência de erro de fato,
situação não expressamente tipificada pelo legislador nas hipóteses de cabimento
dos embargos de declaração, pressupõe que seja ele decisivo para o resultado
do julgamento.
09) Nesse sentido, já se decidiu nesta Corte: “É permitido ao
julgador, em caráter excepcional, atribuir efeitos infringentes aos embargos de
declaração, para correção de premissa equivocada, com base em erro de fato,
sobre a qual tenha se fundado o julgado embargado, quando tal for decisivo
para o resultado do julgamento”. (REsp 883.119/RN, 3ª Turma, DJe
16/09/2008). Ainda nessa linha de raciocínio: REsp 1.000.106/MG, 1ª Turma,
DJe 11/11/2009, EDcl no AgRg no REsp 940.320/SP, 5ª Turma, DJe 01/12/2008
e EDcl no REsp 727.838/RN, 2ª Turma, DJ 25/08/2006.
10) Na hipótese, percebe-se que o alegado erro de fato não foi o
único elemento utilizado pelo acórdão recorrido, tampouco foi determinante
para o alcance da conclusão de que a recorrente tinha ciência do matrimônio
contraído pelos recorridos. Embora mediante fundamentação sucinta, afirmaram
os acórdãos da apelação e dos embargos de declaração:

A prova testemunhal não deixa dúvidas, entretanto,


de que a Apelada tinha ciência do casamento contraído pelos
Apelantes.
(...)
Não bastasse, as testemunhas, de forma unânime,
afirmaram que a convivência do Apelante com a esposa e dele
com a concubina era público e notório. Essas características
desqualificam qualquer assertiva no sentido de apontar que a
Apelada, após quase três décadas, não soubesse que L.A.S era
casado e mantinha convívio diário com sua esposa.
(...)
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As provas produzidas nos autos, especialmente as
orais, demonstraram, sem sombra de dúvidas, que a Embargante e
a esposa do Embargado tinham conhecimento da sua convivência
com ambas as mulheres, por mais de vinte anos ininterruptos.

11) Assim, conquanto o acórdão recorrido realmente não tenha


examinado a alegação de erro de fato deduzida oportunamente pela recorrente, o
hipotético reconhecimento de sua existência, afastando-se a afirmação de que
haveria um depoimento da recorrida em que teria dito que, ainda no ano de 1986,
as casas que abrigavam ambas as famílias seriam vizinhas, não seria suficiente
para modificar a conclusão do acórdão recorrido que, repise-se, está
assentado também em outros elementos de fato e de prova.
12) Por tais razões, não há que se falar em violação ao art. 1.022, I,
II e III, do CPC/15.

POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO


ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E DE PARTILHA POR
TRIAÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.723 DO CC/2002.

13) Superada a questão da existência de vícios no acórdão recorrido,


passa-se ao exame da tese recursal que afirma ser possível o reconhecimento da
união estável mantida entre a recorrente e o recorrido simultaneamente ao
casamento mantido entre o recorrido e a recorrida, bem como,
consequentemente, a partilha de bens por triação.
14) Quanto ao ponto, anote-se, inicialmente, que a jurisprudência
desta Corte está consolidada no sentido de que é inadmissível o reconhecimento
de união estável concomitante ao casamento, na medida em que àquela
pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, a
existência de separação de fato, de modo que à simultaneidade de relações,
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nessa hipótese, dá-se o nome de concubinato (REsp 931.155, 3ª Turma, DJ
20/08/2007 e REsp 1.754.008/RJ, 4ª Turma, DJe 01/03/2019).
15) Em acréscimo, sublinhe-se que o Supremo Tribunal Federal, em
situação análoga, fixou a tese, sob o regime da repercussão geral, de que “a
preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes,
ressalvada a exceção do artigo 1723, § 1º, do Código Civil, impede o
reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para
fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da
monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”. (RE
1.045.237/SE, Pleno, DJe 09/04/2021).
16) Em se tratando de relação concubinária, é relevante diferenciar
as hipóteses de concubinato puro, impuro e desleal. A esse respeito, há
precedente desta Corte que bem explica todas essas espécies: “O concubinato
puro seria aquele que se apresentaria como a união entre o homem e a mulher
com intuito de formação de uma família de fato, sem qualquer interferência na
família de direito. Para tanto, nesta espécie, os concubinos poderiam ser
solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos. Já o concubinato
impuro seria aquele realizado contra um casamento pré-existente de um dos
concubinos ou em relação incestuosa. E, por fim, o concubinato desleal se
efetivaria em concorrência com outro concubinato puro”. (REsp 1.628.701/BA,
3ª Turma, DJe 17/11/2017).
17) Na hipótese em exame, há uma particularidade que merece
ser destacada. É que, como soberanamente reconhecido pelas instâncias
ordinárias, o relacionamento mantido entre a recorrente e o recorrido, que
perdurou até o ano de 2014, teve início no ano de 1986, ao passo que o
casamento entre os recorridos foi celebrado em 26/05/1989, ou seja, o
casamento entre os recorridos é posterior ao relacionamento mantido entre a

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recorrente e o recorrido.
18) Trata-se de um cenário bastante singular porque, examinando-se
os precedentes desta Corte sobre a matéria, percebe-se que todos eles foram
firmados a partir da premissa de que o casamento era pré-existente ao outro
relacionamento.
19) Diante do panorama fático-jurídico existente na hipótese em
exame, é importante diferenciar os períodos compreendidos entre 1986 e
26/05/1989 (em que não havia impedimento à configuração da união estável entre
a recorrente e o recorrido) e entre 26/05/1989 e 2014 (em que havia impedimento
em virtude do casamento celebrado entre recorrido e recorrida).
20) Em relação ao primeiro período, pois, deve ser reconhecida a
existência de união estável, ao passo que, no que tange ao segundo período,
somente se pode conceber que aquela união estável se transmudou juridicamente
em um concubinato impuro, especialmente porque, de acordo o delineamento
fático do acórdão local, a recorrente tinha ciência do matrimônio posteriormente
contraído entre os recorridos.
21) No que se refere à partilha de bens, é importante destacar que a
sentença, ao julgar procedente o pedido da recorrente, determinou a partilha em
formato de triação apenas ao fundamento de ser presumível a contribuição da
recorrente para a formação do patrimônio comum, sem investigar, pois, a efetiva
contribuição da recorrente.
22) O acórdão recorrido, por sua vez, afastou a partilha ao
fundamento exclusivo de que não haveria união estável em razão da virtude da
ausência de boa-fé da recorrente, sem decotar o período em que não havia
nenhum impedimento à configuração (entre 1986 e 26/05/1989) e sem
requalificar a relação concubinária impura, cuja existência não se discute, em
uma sociedade de fato.

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23) Em relação ao aspecto patrimonial relativo ao primeiro
período, iniciada e dissolvida a união estável em momento pretérito à Lei nº
9.278/96, será cabível a partilha, desde que haja prova do esforço direto e
indireto na aquisição do patrimônio amealhado, nos termos da Súmula 380/STF e
de precedente desta Corte (REsp 1.124.859/MG, 2ª Seção, DJe 27/02/2015).
24) No que toca ao aspecto patrimonial relativo ao segundo
período, tem-se que a relação concubinária impura mantida entre a recorrente e o
recorrido por 25 anos, na constância da qual adveio prole e que era de ciência
inequívoca de todos os envolvidos, pode ser equiparada à uma sociedade de
fato, de modo que a eventual repercussão patrimonial dessa sociedade deve ser
solvida pelo direito obrigacional, de modo que, como em relação ao primeiro
período, haverá a possibilidade de partilha desde que haja a prova do
esforço comum na construção patrimonial, também nos termos da Súmula
380/STF e de precedente desta Corte (REsp 1.628.701/BA, 3ª Turma, DJe
17/11/2017).
25) Dado que não houve menção, pelas instâncias ordinárias, acerca
da existência, ou não, de provas da participação direta ou indireta da recorrente
na construção do patrimônio, sobre quais bens existiriam provas da participação e
sobre quais bens comporão a meação da recorrida, impõe-se a remessa das partes
à fase de liquidação, ocasião em que essas questões de fato poderão ser
adequadamente apuradas.

CONCLUSÃO.

26) Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PARCIAL


PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de julgar parcialmente procedente o
pedido formulado na petição inicial para: (i) reconhecer a existência de união

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estável entre a recorrente e o recorrido no período compreendido entre 1986 e
26/05/1989; (ii) reconhecer a existência de relação concubinária impura e
sociedade de fato entre a recorrente e o recorrido entre 26/05/1989 e 2014,
devendo a partilha, em ambos os períodos e a ser realizada em liquidação de
sentença, observar a necessidade de prova do esforço comum para a aquisição do
patrimônio e respeitar a meação da recorrida.
27) Por compreender que a recorrente decaiu de parte mínima do
pedido, impõe-se a inversão da sucumbência, carreando-a exclusivamente aos
recorridos (art. 86, parágrafo único, CPC) e restabelecendo a sentença quanto ao
ponto em que os condenou ao pagamento de 10% do valor do patrimônio
partilhado.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2021/0009736-8 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.916.031 /


MG

Números Origem: 0702165004363 10000190464354001 10000190464354002 10000190464354003


10000190464354004 50043637720168130702 702165004363

EM MESA JULGADO: 03/05/2022


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : S F DA S
ADVOGADOS : NILTON DE OLIVEIRA SOUSA - MG073723
CLEUBER DE OLIVEIRA SOUSA - MG117601
RECORRIDO : L A DE S
RECORRIDO : RSG
ADVOGADO : MARCELO GOMES CAETANO - MG060382B

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - União Estável ou Concubinato - Reconhecimento / Dissolução

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. MARCELO GOMES CAETANO, pela parte RECORRIDA: L A DE S e R S G

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu e deu parcial provimento ao recurso
especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente),
Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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