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Departamento de Direito

Licenciatura em Direito
Ano letivo 2020/21
Segundas e Quintas: 842 0253 7775 - 792166

Direito Constitucional Português

Dinis Abrantes Figueiredo

Prof. Dr. Pedro Trovão do Rosário

Lisboa
Índice
1. Introdução breve à Unidade Curricular “Direito Constitucional Português”............................4
2. Evolução histórica do Constitucionalismo Português...............................................................4
2.1 O Constitucionalismo Vintista e a Constituição de 1822...................................................4
2.2 O Constitucionalismo Cartista e a Constituição de 1826....................................................5
2.3 O Constitucionalismo Setembrista e a Constituição de 1838.............................................6
2.4 O Constitucionalismo Republicano e a Constituição de 1911............................................6
2.5 O Constitucionalismo Fascizante e a Constituição de 1933...............................................7
2.6 O Constitucionalismo Democrático e a Constituição de 1976............................................9
2.6.1 Transição democrática e partidos políticos.................................................................9
2.6.2 A 1ª Plataforma Constitucional entre o MFA e os partidos políticos..........................9
2.6.3 Os órgãos de soberania de acordo com a 1ª Plataforma Constitucional....................10
2.6.4 O ano de 1975 e a 2ª Plataforma Constitucional.......................................................10
3. Aspetos primordiais da versão original da Constituição de 1976...........................................10
3.1 Princípios fundamentais da versão original da C1976......................................................10
3.2 A organização económica da versão original da C1976...................................................11
3.3 A organização do poder político na versão original da C1976.........................................12
4. As sete revisões constitucionais da Constituição de 1976......................................................14
4.1 A primeira revisão constitucional de 1982.......................................................................14
4.2 A segunda revisão constitucional de 1989.......................................................................15
4.3 A terceira revisão constitucional de 1992.........................................................................15
4.4 A quarta revisão constitucional de 1997...........................................................................15
4.5 A quinta revisão constitucional de 2001...........................................................................15
4.6 A sexta revisão constitucional de 2004............................................................................15
4.7 A sétima revisão constitucional de 2005..........................................................................15
5. Os princípios fundamentais....................................................................................................15
5.1 O princípio do Estado de Direito......................................................................................15
5.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana.............................................................16
5.1.2 O princípio da juridicidade e da constitucionalidade................................................16
5.1.3 O princípio da separação e limitação de poderes......................................................16
5.1.4 O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança...................................17
5.1.5 O princípio da igualdade...........................................................................................17
5.1.6 O princípio da proporcionalidade..............................................................................17
5.2 O princípio do Estado republicano...................................................................................17
5.3 O princípio do Estado laico..............................................................................................17

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5.4 O princípio do Estado democrático..................................................................................18
5.5. O princípio do Estado unitário descentralizado...............................................................18
6. A organização do poder político na versão atual da C1976....................................................18
6.1 Presidente da República...................................................................................................18
6.1.1 A Presidência da República......................................................................................19
6.1.2 O sistema eleitoral....................................................................................................19
6.1.3 O Conselho de Estado...............................................................................................19
6.2 Assembleia da República.................................................................................................20
6.2.1 A composição da Assembleia da República..............................................................20
6.2.2 A Comissão Permanente...........................................................................................21
6.2.3 O sistema eleitoral....................................................................................................21
6.3 Governo da República......................................................................................................21
6.3.1 O Conselho de Ministros..........................................................................................22
6.3.2 O sistema de Governo semipresidencialista..............................................................22
7. O processo legislativo............................................................................................................23
7.1 A competência legislativa da Assembleia da República...................................................23
7.2 A competência legislativa do Governo da República.......................................................23
7.3 A competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais.................................24
7.3.1 A competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais.........................24
7.3.2 Iniciativa estatutária e em matéria eleitoral das Assembleias Legislativas Regionais
...........................................................................................................................................24
7.3.3 Iniciativa legislativa das Assembleias Legislativas Regionais..................................25
7.3.4 Os órgãos de governo próprios e Representantes da República................................25
7.4 O processo legislativo em pormenor................................................................................25
7.5 Atos legislativos...............................................................................................................27
7.5.1 A forma dos atos legislativos....................................................................................27
7.5.2 O valor dos atos legislativos.....................................................................................27
8. A garantia e revisão da Constituição......................................................................................27
8.1 O Tribunal Constitucional................................................................................................28
8.1.1 Os métodos de controlo da fiscalização da constitucionalidade................................28
8.2 Os mecanismos de revisão constitucional........................................................................29
9. Casos práticos.........................................................................................................................30

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1. Introdução breve à Unidade Curricular “Direito Constitucional
Português”
O estudo do Direito prossupõe que situemos sempre os diversos temas através da análise
simultânea de dois aspetos: por um lado, o Direito Comparado para que percebamos qual a
solução jurídica que noutros sistemas é dado para as mesmas questões que estamos a colocar ao
nosso sistema jurídico, e a História do ramo do Direito que estamos a estudar. Sendo assim,
deduz-se que as normas jurídicas não surgem por mero acaso, mas sim, por um lado, devido a
um conjunto de influências externas e, por outro lado, por serem consequentes da própria
evolução social, cultural, histórica, política, económica de cada sociedade em cada momento.

2. Evolução histórica do Constitucionalismo Português


As seis Constituições Portuguesas surgiram de revoluções, de momentos de rutura na História
de Portugal. Tendo em consideração o seu elemento formal, ou seja, devido à posição suprema
da Constituição na pirâmide hierárquico-normativa das fontes do Direito Português, esta marca,
em função do período da sua aprovação e vigência, uma nova fase política, económica, social
para a sua comunidade política. Sendo assim, temos de perceber as seis Constituições que
Portugal já conheceu, não só como textos jurídicos, mas também como elementos históricos
para melhor percebermos a evolução histórica do Constitucionalismo Português.

2.1 O Constitucionalismo Vintista e a Constituição de 1822


Com as Invasões Napoleónicas, o Rei D. João VI, em conjunto com a Coroa Real e as
instituições políticas portuguesas, foge para o Brasil em 1807, onde se manteve até eclodir a
Revolução Liberal do Porto em 1820 que marcaria um golpe de rutura ao momento de crise
política acentuada pela submissão do Conselho de Regência às potências externas, pondo por
conseguinte em perigo a independência e soberania portuguesas. A Revolução Liberal de 1820,
por conseguinte, não foi uma revolução que visou uma rutura com o passado, mas antes a
reestabilização da ordem em Portugal (veja-se o preâmbulo da C1822). Sendo uma revolução
liberal, tinha também em vista a limitação do poder político que até então era exercido pelo Rei
e, contribuindo para tal efeito, a consagração de direitos fundamentais aos cidadãos do Reino,
tudo sintetizado numa Constituição, a primeira de Portugal:
1) Forma institucional de governo monárquica restabelecida com o regresso de D. João VI do
Brasil para reassumir o cargo a que lhe competia (artigos 29º e 31º da C1822)
2) Estrutura da tripartição de poderes (artigo 30º da C1822):
-» O poder legislativo era atribuído exclusivamente às Cortes cujos atos legislativos estavam
dependentes da sanção (: promulgação) ou veto político do Rei. As Cortes, aprovando um ato
legislativo, enviavam-no ao Rei para este manifestar a sua concordância ou a sua discordância.
No caso de este concordar, a lei passava a ter plena validade e eficácia. Já no caso de o Rei
discordar da lei, devolvendo-a às Cortes, estas podiam numa segunda votação confirmar a lei,
assim se impondo ao Rei promulgar a mesma (artigos 109º-110º da C1822).
 Este mecanismo de 1822 encontra-se igualmente previsto na C1976, mais precisamente no
artigo 136º, n. 1 e 2. A Assembleia da República, aprovando um ato legislativo, envia-o ao
Presidente da República para que este possa manifestar a sua concordância ou discordância
política (promulgação, veto) ou jurídica (fiscalização da constitucionalidade). Porém, se a
Assembleia da República reaprovar o ato legislativo em causa por maioria absoluta dos
Deputados em efetividade de funções, o Presidente da República não tem outra opção senão
promulgá-lo.
-» O poder executivo era atribuído ao Rei e aos Secretários de Estado.

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-» O poder judicial era atribuído aos Juízes.
3) As Cortes eram eleitas por sufrágio, que ao contrário do que previa a C1822, não era
verdadeiramente universal, existindo algumas exceções quanto ao exercício do direito ao voto
(artigo 33º da C1822).
4) Nem todos os cidadãos portugueses podiam ser eleitos (artigo 34º da C1822).
5) A iniciativa direta das leis competia aos representantes da Nação juntos em Cortes (artigo
105º da C1822).
6) Portugal era na época um Estado composto, formando com o Brasil uma união real, ou seja
uma associação de entidades interestaduais que conservam a sua autonomia mas perdem
personalidade jurídico-internacional em favor da união.
- A C1822 teve uma vigência curta devido ao movimento militar absolutista de D. Miguel e de
sua mãe D. Carlota Joaquina, também conhecido como Vilafrancada, o que resultou na
revogação da Constituição até então vigente.

2.2 O Constitucionalismo Cartista e a Constituição de 1826


Com a morte de D. João VI, D. Pedro IV, o legítimo herdeiro ao trono, manteve-se no Brasil e
decidiu aí permanecer. Desta forma, colocou-se a questão óbvia acerca da sucessão do monarca.
Partindo do pressuposto que o Brasil não queria permanecer na união real com Portugal e que
D. Pedro IV não queria regressar a Portugal, este veio a outorgar e a enviar uma nova
Constituição para Portugal, daí a designação de Carta Constitucional de 1826. Esta acabaria por
suscitar alguma desconfiança por parte dos portugueses, pois tratava-se de uma Constituição
enviada e outorgada a partir do Brasil que se fundava nas seguintes opções:
1) Dado que o Brasil declarou a sua independência em 1822, Portugal regressou à forma de
Estado unitário que sempre teve.
2) A C1826 foi uma Constituição de claro compromisso entre absolutistas (D. Miguel) e liberais
(D. Pedro IV), em que ficou estipulado que D. Miguel, o irmão de D. Pedro IV, iria casar com a
sua sobrinha D. Maria da Glória, assumindo aquele o trono de Portugal até esta ter idade para o
fazer.
3) Estrutura da tripartição de poderes com a complementação de um quarto poder:
-» O poder moderador, que era atribuído ao monarca, a quem competia a prática de atos
necessários com vista ao equilíbrio do sistema político (artigo 71º da C1826).
 Esta inovação da Constituição de 1826 terá algumas influências no que concerne aos poderes
atribuídos ao Presidente da República pela C1976.
-» O poder legislativo era atribuído às Cortes composta por duas câmaras (Câmara dos
Deputados, cujo valor era superior, podendo legislar assuntos tributários e cujos membros eram
eleitos pelos cidadãos (artigo 34º da C1826), e Câmara de Pares, cujos membros eram
nomeados vitaliciamente pelo Rei (artigo 39º da C1826)) (artigos 13º e 14º da C1826).
-» O poder executivo era exercido por Ministros do Estado sob a Chefia do Rei (artigo 75º
da C1826).
-» O poder judicial era atribuído aos Juízes que aplicam a Lei e Jurados que pronunciam
sobre o facto (artigo 119º da C1826).
- A C1826 teve uma duradoura vigência, apesar dos interregnos constitucionais,
especificamente devido à guerra civil entre legitimistas e liberais entre 1834 e 1836.

 O Bicameralismo: A existência de duas câmaras tem vantagens em função da forma de


Estado federal em que os Estados federados têm representação na câmara mais alta, enquanto
que os cidadãos do Estado federal têm a sua devida representação na câmara mais baixa, e da
forma institucional de governo monárquica em que a câmara alta tem competência legislativa e
pretende assegurar influências junto do monarca e a câmara baixa que, apesar de ter

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competência legislativa como a câmara mais alta, está mais próxima do povo, sendo composta
pelos seus representantes, embora, no âmbito da C1826, o sufrágio que levava à sua eleição era
ainda limitado, mas que demonstrava claramente uma intenção democrática. Qualquer Estado
que não tenha estas características, deduz-se que não seja justificativa a existência bicameral de
um órgão legislativo que lhe traga grandes vantagens.

2.3 O Constitucionalismo Setembrista e a Constituição de 1838


A Constituição de 1838 não tem características particularmente relevantes, sendo apenas uma
Constituição de compromisso relativamente aos textos constitucionais de 1822 e de 1826
anteriormente elaborados. Ou seja, a Constituição de 1838 vai retirar aspetos desses dois textos
constitucionais:
1) Repartição clássica de poderes da C1822 e bicameralismo da C1826:
-» O órgão que exercia o poder legislativo, as Cortes, é bicameral, sujeita à sanção do Rei,
dividindo-se na Câmara dos Deputados, cujos membros são eleitos após a verificação de certos
aspetos (artigo 74º da C1838), e a Câmara dos Senadores, cujos membros são nomeados
também após verificados certos aspetos (artigo 77º da C1838).
-» O Rei exercia o poder executivo e podia nomear livremente os seus Ministros.
-» O poder judicial era exercido pelos Juízes e pelos Jurados.
- A Constituição de 1838 teve a sua vigência até 1842. A partir desse ano passou a vigorar a
Carta Constitucional de 1826 até ao fim da monarquia em Portugal (1910).

2.4 O Constitucionalismo Republicano e a Constituição de 1911


A Constituição de 1911 teve diversas influências quer internas quer externas, nomeadamente a
Revolução Francesa de 1789, a Constituição Brasileira de 1891 e o Manifesto do Partido
Republicano de 1890.
1) Do Manifesto do Partido Republicano, a C1911 vai tirar três elementos que são muito
característicos desse texto constitucional e que irão influenciar a C1976:
-» O municipalismo, ou seja, a importância dos municípios na organização política do Estado
-» A democracia política e económica, ou seja, o fomento do direito ao voto e a participação dos
cidadãos e o desenvolvimento do cooperativismo
-» A laicização social e política, ou seja, o fomento da separação entre a Igreja e o Estado
2) A Constituição de 1911 vem estabelecer, deixando-se influenciar pela Constituição
Brasileira, o judicial review, ou seja, o poder dos tribunais de apreciarem e declararem a
inconstitucionalidade das normas (artigo 63º da C1911).
 É o que hoje encontramos no artigo 204º da C1976, no qual consta que nos feitos submetidos
a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição
ou os princípios nela consignados.
3) O sistema de governo era presidencialista de Assembleia, ou seja, havia uma clara
dependência e responsabilidade do poder executivo relativamente ao órgão legislativo.
4) Repartição clássica dos poderes do Estado:
-» Poder executivo: Presidente da República e Ministros (artigo 36º da C1911)
-» Poder legislativo: Congresso da República formado pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado, ambos eleitos por sufrágio direto dos cidadãos eleitores (artigo 7 e 8º da C1911)
-» Poder judicial: Supremo Tribunal de Justiça e tribunais de primeira e segunda instância
Os resultados gerados pela Constituição de 1911 não foram particularmente satisfatórios,
provocando durante os 15 anos da sua vigência uma tamanha instabilidade política, donde se
sucederam 44 Governos e 8 Presidentes da República.
- A Constituição de 1911 é um texto constitucional extremamente interessante, democrático,

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mas de muito difícil adequação. Não se poderá deixar de mencionar que a vigência desta
Constituição (de 1911 a 1926) foi interrompida pelo golpe sidonista em 1917, instaurando uma
“República Nova” mas que, apesar das grandes esperanças que nutria, não iria ter grandes
resultados, muito devido ao assassinato do Presidente-Rei em 1918.

2.5 O Constitucionalismo Fascizante e a Constituição de 1933


A Constituição de 1933 tem origem revolucionária, pois em 28 de Maio de 1926 eclode uma
revolução militar da qual resulta a instituição de uma Ditadura Militar que iria, por sua vez,
resultar mais tarde na elaboração desta mesma Constituição por um Conselho Político Nacional
criado em 1931, no âmbito do qual se destacou o papel do Ministro das Finanças António de
Oliveira Salazar que iria desempenhar um papel fulcral na governança do país.
1) A C1933, após ser elaborada pelo Conselho Político Nacional, foi publicada na imprensa
diária. Alegando-se que os portugueses tinham obtido o conhecimento necessário e que estavam
em condições para aprovar a nova Constituição, procedeu-se à realização de um plebiscito.
Porém, a realidade era outra: analfabetismo elevado, participação exclusiva dos homens, acesso
diminuto ao conhecimento, incapacidade ou carência de formação jurídica para interpretar a
Constituição e, conseguintemente, votar nela. Todavia, o plebiscito realizou-se e a Constituição
de 1933 foi aprovada por maioria absoluta, sendo que a abstenção contava como “favorável”.
 Apesar de ter sido uma tradição que infelizmente se quebrou em Portugal, ainda hoje existem
problemas relativamente à realização de referendos e plebiscitos. Nas Atas da Assembleia
Constituinte de 1976 poderá ler-se que sempre que se falava em referendos ou na possibilidade
de plebiscito, gritava-se “Fascismo nunca mais!” …
2) A C1933 teve como influências a Constituição de Weimar de 1919, a Constituição de 1826 e
a Constituição fascista italiana, esta valorizando o Estado Corporativo. As corporações são
sociedades primárias como a família, a universidade, a Igreja, as associações públicas
profissionais, entre outras, que vêm a ser, no âmbito da Constituição de 1933, politicamente
reconhecidas na medida em que os cidadãos estavam representados através das mesmas numa
Câmara Corporativa.
3) As Constituições, nos primórdios do seu aparecimento, eram Constituições normativas que
tinham em vista a limitação do poder político que lhe devia obediência. Por outro lado, e
contribuindo para tal efeito, as Constituições normativas promoviam e legitimavam a ação do
Estado sobre os cidadãos, definindo direitos e concretizando valores que nelas eram enunciados.
Já no século XX, e a C1933 não seria exceção, observa-se uma mudança desse paradigma,
tornando-se as Constituições normativas em Constituições nominais (ou até mesmo semânticas).
Quer isto dizer que tais Constituições limitavam o poder político, mas este não lhes obedecia.
Este aspeto deve-se ao facto de os cidadãos passarem a defender uma maior intervenção do
Estado na vida social, aspeto esse muito característico daquela época.
 Uma crítica fundamental a esta Constituição é o facto de ser algo incompleta. Se se observar
o n. 1 do artigo 8º da C1976, este prevê que os preceitos constitucionais respeitantes aos
direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e
privadas. Contudo, se este for comparado com o artigo 8º da C1933 que enumera os direitos e as
liberdades individuais dos cidadãos portugueses, salienta-se um aspeto característico dessa
Constituição, nomeadamente a existência de um parágrafo, o §2, que estipula que algumas
liberdades seriam sujeitas à regulação de leis especiais ordinárias, devendo o legislador deste
modo desenvolver essas liberdades para as concretizar. A C1933 afigura-se uma Constituição
liberal, enunciando a existência de direitos e liberdades individuais. Contudo, esta permite o
exercício de um poder político menos limitado do que seria possível numa Constituição liberal,
não devidamente efetivando tais liberdades.

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-» Exemplos: O direito à vida e à integridade pessoal, apesar de haver tortura, a liberdade de
expressão, apesar de haver censura, etc.
4) A C1933 consagrava a separação de poderes até ao ano de 1959. No ano precedente foram
realizadas eleições presidenciais, no âmbito das quais Humberto Delgado apresentou a sua
candidatura. Essa gerou uma situação de tensão antirregime visto que Humberto Delgado, numa
entrevista, tinha respondido ao jornalista que lhe tinha perguntado o que faria ao Presidente do
Conselho se ganhasse as eleições: “Obviamente demito-o!” Surgiu assim um candidato
presidencial que podia colocar em causa o equilíbrio do regime, reagindo-se desta forma com
uma revisão constitucional para evitar que tal acontecesse. Essa revisão constitucional alterou o
princípio da separação de poderes, passando o Presidente da República a ser eleito pelo regime
em vez de ser eleito pelo povo (alteração dos artigos 72º, n. 1, 81º, n. 1, 82º e 107º da C1933).
5) A C1933, apesar de enunciar que Portugal é uma República (artigo 5º da C1933), recupera
um ideal monárquico, assumindo o Chefe de Estado, ou seja o Presidente da República, os
poderes que eram do Rei na Carta Constitucional de 1826.
6) Existem quatro órgãos de soberania (artigo 71º da C1933):
-» O Chefe de Estado é o Presidente da República, eleito pela Nação (mais tarde eleito pelo
regime) para um mandato de 7 anos. Tem poderes semelhantes aos consagrados ao Rei na Carta
Constitucional de C1826 (artigos 72º, 81º, 106º, n. 1, 107º, 108º, §5 e 111º da C1933) e tem
como órgão de consulta o Conselho de Estado (artigo 83º da C1933).
-» A Assembleia Nacional é o órgão legislativo, cujos membros são eleitos pelos cidadãos
eleitores (artigo 85º da C1933). Nesse artigo pode-se verificar uma remissão para lei especial
no que diz respeito aos requisitos de elegibilidade dos deputados, a organização dos colégios
eleitorais e o processo de eleição, na semelhança do que acontecia com a efetivação das
liberdades individuais dos cidadãos portugueses (§1). Junto desta Câmara existe ainda uma
Câmara Corporativa, o órgão de representação indireta dos cidadãos integrados nas corporações
(artigo 102º da C1933).
-» O Governo é o órgão executivo composto pelo Presidente do Conselho, detentor do poder
no âmbito da C1933, e pelos Ministros (artigo 106º da C1933).
-» Os Tribunais exercem o poder judicial (artigo 115º da C1933). Da C1911, a C1933 iria
tirar a competência atribuída aos tribunais de fiscalizar a constitucionalidade e proibir que eles
apliquem leis que infrinjam a Constituição ou princípios nela consignados (artigo 122º da
C1933).
7) No plano do sistema de governo, a C1933 consagrava um sistema de governo de chanceler,
dado que a concentração de poderes se dava, não no Presidente da República, mas sim no
Presidente do Conselho, detentor das funções executivas e legislativas, e cujos decretos tinham
a mesma força das leis aprovadas pela Assembleia Nacional. Por outro lado, era ele que
substituía o Presidente da República quando este estava impedido de exercer funções.
8) Ao contrário da C1911 que consagrava a responsabilidade dos Ministros perante o Congresso
da República, o responsável político perante a Assembleia Nacional, no âmbito da Constituição
de 1933, era o Presidente do Conselho. Para além disso, verificou-se uma aproximação e
valorização do papel da Igreja, após a Lei da Separação do Estado das Igrejas.
- Foi na vigência da Constituição de 1933 que Portugal participou em diversos conflitos
militares iniciados em 1960 nas então províncias ultramarinas. E é no âmbito desses conflitos
que os militares iriam ganhar protagonismo ao longo da década precedente à revolução de Abril
que acabaria por derrubar o regime ditatorial.

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2.6 O Constitucionalismo Democrático e a Constituição de 1976
Na madrugada de 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas levam a cabo um
golpe de Estado que visa derrubar o regime ditatorial, substituí-lo por um regime democrático e
acabar com a guerra colonial. Já à noite, os militares comprometem-se na Junta de Salvação
Nacional, que integrava elementos de cada um dos três ramos das Forças Armadas,
nomeadamente o Exército, a Marinha e a Força Aérea e era presidida por António de Spínola, à
realização de eleições para o regresso à democracia em Portugal no prazo de um ano.

2.6.1 Transição democrática e partidos políticos


É importante salientar alguns aspetos pertinentes à questão democrática:
- Só havia dois partidos que se haviam organizado clandestina ou remotamente ainda durante o
regime ditatorial – o PCP e o PS.
- Os portugueses que tinham exercido atividade política durante o regime ditatorial foram
proibidos de manter essa atividade depois da Revolução. Logo, os portugueses que não estavam
associados ao antigo regime não tinham conhecimento, competência nem experiência para gerir
a coisa pública.
Todavia, depois da Revolução de Abril surgem novos partidos, quase todos eles com uma base
político-ideológica de esquerda ou de extrema-esquerda, tais como o PPD (Partido Popular
Democrático, hoje PSD) e o CDS (Centro Democrático e Social), partidos esses hoje que
pertencem ao espetro de centro-direita.

2.6.2 A 1ª Plataforma Constitucional entre o MFA e os partidos políticos


Os acontecimentos ocorridos após a Revolução de Abril podem ser descritos, tendo como
auxílio a metáfora do pêndulo: A Revolução de Abril foi um golpe de Estado antirregime
ditatorial que provocou a emergência de partidos políticos de esquerda/ extrema-esquerda,
caminhando-se paulatinamente para o extremo oposto àquele que se pretendia combater. O
pêndulo da evolução revolucionária foi-se assim sucessivamente balançando entre os extremos
até perder força e encontrar um equilíbrio.

A partir de 28 de Setembro de 1974, António de Spínola abandona a presidência da Junta de


Salvação Nacional. Ou seja, o militar que tinha afirmado o fim do regime ditatorial e que
anunciou a revolução é afastado ou afasta-se, prosseguindo-se um avanço, por um lado, do PCP
e, por outro lado, nos apoios que alguns partidos vão recebendo do estrangeiro. Este apoio é
justificado, tendo em consideração as circunstâncias político-internacionais que se vivenciavam
nessa época, estando o mundo dividido num bloco com a NATO, que temia que Portugal se
tornasse uma nova Cuba na margem leste do Oceano Atlântico, e outro com o Pacto de
Varsóvia, ainda como resultado da divisão que tinha sido feita após a Segunda Guerra Mundial.

Os militares e os comunistas começam então a temer a realização de eleições no prazo de um


ano e os militares que tinham passado a organizar-se no MFA (Movimento das Forças
Armadas) definem um Conselho da Revolução, chegando o MFA e os partidos políticos a um
acordo: Serão convocadas eleições para uma Assembleia Constituinte, da qual resultará uma
nova Constituição para Portugal, eleições essas às quais concorrerão os diversos partidos
políticos entretanto constituídos, mas a Assembleia Constituinte que assim venha a ser
composta estará vinculada a um acordo ou pacto constitucional celebrado entre o MFA e os
partidos políticos, a designada 1ª Plataforma Constitucional. É assim que um ano após a
Revolução de Abril, em 25 de Abril de 1975, realizam-se as eleições para a Assembleia
Constituinte, composta pelos partidos políticos que irão elaborar e aprovar uma nova
Constituição para Portugal, vinculada ao acordo entre MFA e partidos políticos.

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2.6.3 Os órgãos de soberania de acordo com a 1ª Plataforma Constitucional
No âmbito da 1ª Plataforma Constitucional existia a definição de seis órgãos de soberania:
- Presidente da República
- Assembleia da República
- Governo da República
- Assembleia do MFA
- Conselho da Revolução
- Tribunais
Destes seis órgãos, dois serão dos partidos políticos (Assembleia da República e Governo da
República), dois serão dos militares (Assembleia do MFA e Conselho da Revolução), o
Presidente da República será o árbitro que terá o poder moderador no âmbito do sistema político
e os Tribunais que serão politicamente neutros ou nulos.

2.6.4 O ano de 1975 e a 2ª Plataforma Constitucional


Depois do 25 de Abril de 1974 ocorreram vários momentos de tensão e conflito entre ideologias
políticas que são importantes para se conhecer o progresso pós-revolucionário:
- 11 de Março de 1975: Contra-golpe de Estado falhado, destinado a evitar uma viragem da
política portuguesa no sentido do socialismo comunista, que provocou o período de
nacionalizações, ocupação e apropriação de terras e propriedades.
- 25 de Abril de 1975: Realização das eleições para a Assembleia Constituinte, ganhando o
Partido Socialista.
- 25 de Novembro de 1975: Tentativa falhada de transformação do Estado Português numa
democracia popular, à maneira da URSS, em que se notabilizou no combate o General Ramalho
Eanes.
O 25 de Novembro veio permitir a celebração de um novo acordo entre o MFA e os partidos
políticos, nomeadamente a 2ª Plataforma Constitucional. Passaram então a existir cinco órgãos
de soberania que se irão encontrar na versão original da Constituição de 1976:
-» Presidente da República: Poder moderador
-» Conselho da Revolução: Poder legislativo e executivo em matéria militar, poder judicial
ou jurisdicional em matéria jurídico-constitucional, coadjuvado pela Comissão Constitucional
para esse efeito, e poder de consulta do Presidente da República
-» Assembleia da República: Poder legislativo por excelência
-» Governo da República: Poder executivo
-» Tribunais: Poder judicial

3. Aspetos primordiais da versão original da Constituição de 1976


Para se poder compreender o funcionamento dos órgãos de soberania assim como o próprio
texto constitucional vigente, resultado das várias revisões constitucionais, é necessário, para
além da análise dos seus antecedentes, analisar a evolução das matérias constitucionalmente
consagradas na versão original da C1976.

Preâmbulo
O preâmbulo mantém-se inalterado de 1976 até à atualidade.

3.1 Princípios fundamentais da versão original da C1976


Artigo 1º (República Portuguesa)
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade
popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

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Artigo 2º (Estado democrático e transição para o socialismo)
A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e
na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização
política democrática, que tem por objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a
criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.

Artigo 9º, alínea c) (Tarefas fundamentais do Estado)


São tarefas fundamentais do Estado:
c) Socializar os meios de produção e a riqueza, através de formas adequadas às características
do presente período histórico, criar as condições que permitam promover o bem-estar e a
qualidade de vida do povo, especialmente das classes trabalhadoras, e abolir a exploração
e a opressão do homem pelo homem.

Artigo 10º (Processo revolucionário)


1. A aliança entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos e organizações democráticos
assegura o desenvolvimento pacífico do processo revolucionário.
2. O desenvolvimento do processo revolucionário impõe, no plano económico, a apropriação
coletiva dos principais meios de produção.

 Nestes artigos iniciais é clara, e até assumida, a carga e o projeto político-ideológicos que
foram consagrados para a transição de Portugal rumo ao socialismo/comunismo.

3.2 A organização económica da versão original da C1976


O artigo 10º remete para vários outros artigos da versão original da C1976:
- Artigo 50º (Garantias e condições de efetivação)
A apropriação coletiva dos principais meios de produção, a planificação do
desenvolvimento económico e a democratização das instituições são garantias e condições para
a efetivação dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.
- Artigo 80º (Fundamento da organização económico-social)
A organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das
relações de produção socialistas, mediante a apropriação coletiva dos principais meios de
produção e solos, bem como dos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das
classes trabalhadoras.
- Artigo 62º (Direito de propriedade privada)
1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte,
em termos da Constituição.
2. Fora dos casos previstos na Constituição, a expropriação por utilidade pública só pode ser
efetuada mediante pagamento de justa indemnização.
-» Artigo 82º (Intervenção, nacionalização e socialização)
1. A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos
meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações.
2. A lei pode determinar que as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e
empresários ou acionistas não deem lugar a qualquer indemnização.

- Artigo 55º, n. 1 (Comissões de trabalhadores)


É direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e
intervenção democrática na vida da empresa, visando o reforço da unidade das classes
trabalhadoras e a sua mobilização para o processo revolucionário de construção do poder
democrático dos trabalhadores.
-» Artigo 56º, alínea b) (Direitos das comissões de trabalhadores)

11
Constituem direitos das comissões de trabalhadores exercer o controlo de gestão nas empresas.
- Artigo 89º (Setores de propriedade dos meios de produção)
1. Na fase de transição para o socialismo, haverá três sectores de propriedade dos meios de
produção, dos solos e dos recursos naturais, definidos em função da sua titularidade e do modo
social de gestão.
2. O sector público é constituído pelos bens e unidades de produção coletivizados sob os
seguintes modos sociais de gestão:
a) Bens e unidades de produção geridos pelo Estado e por outras pessoas coletivas públicas;
b) Bens e unidades de produção com posse útil e gestão dos coletivos de trabalhadores;
c) Bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais.
3. O sector cooperativo é constituído pelos bens e unidades de produção possuídos e geridos
pelos cooperadores, em obediência aos princípios cooperativos.
4. O sector privado é constituído pelos bens e unidades de produção não compreendidos nos
números anteriores.
- Artigo 92º, n. 1 (Força jurídica [do Plano])
O Plano tem carácter imperativo para o sector público estadual e é obrigatório, por força de
contratos-programa, para outras atividades de interesse público.
- Artigo 96º (Objetivos da reforma agrária)
A reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade
socialista e tem como objetivos […].
- Artigo 105º, n. 1 (Sistema financeiro e fiscal)
O sistema financeiro será estruturado por lei, de forma a garantir a captação e a segurança das
poupanças, bem como a aplicação de meios financeiros necessários à expansão das forças
produtivas, com vista à progressiva e efetiva socialização da economia.
- Artigo 106º, n. 1 (Sistema fiscal)
O sistema fiscal será estruturado por lei, com vista a repartição igualitária da riqueza e dos
rendimentos e à satisfação das necessidades financeiras do Estado.

 Verifica-se uma clara intenção do Estado de intervir na vida económico-financeira da Nação,


traçando opções influenciadas pela ideologia socialista/comunista, nomeadamente a apropriação
e coletivização dos meios de produção e da riqueza e respetiva distribuição igualitária, a
planificação da economia mediante um Plano, a valorização do setor público, para além do uso
abusivo de certas expressões, tais como “as classes trabalhadoras” ou “sociedade sem classes”.

Artigo 83º, n. 1 (Nacionalizações efetuadas depois de 25 de Abril de 1974)


Todas as nacionalizações efetuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis
das classes trabalhadoras.

 Entre 11 de Março e 25 de Novembro de 1975 assistiu-se a uma série de nacionalizações, ou


seja, várias empresas privadas passaram para o domínio do Estado. Essas nacionalizações
seriam, em termos do artigo 83º, irreversíveis, avultando aqui uma vez mais a ideologia
socialista/comunista.

3.3 A organização do poder político na versão original da C1976


Artigo 113º (Órgãos de soberania)
1. São órgãos de soberania o Presidente da República, o Conselho da Revolução, a Assembleia
da República, o Governo [da República] e os Tribunais.
-» Presidente da República: Exerce o poder moderador, assegurando o regular
funcionamento das instituições e garantindo o respeito pela Constituição
-» Assembleia da República: Exerce o poder legislativo por excelência e é composto

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exclusivamente por cidadãos eleitos em listas apresentadas por partidos políticos
-» Governo da República: Exerce o poder executivo e é o órgão máximo da Administração
Pública, tendo por função a condução geral da política portuguesa
-» Tribunais: Exerce o poder judicial
-» Conselho da Revolução -» artigos 142º e ss.

 A 2ª Plataforma Constitucional, celebrada depois do 25 de Novembro entre o MFA e os


partidos políticos, consagrava, ao contrário da 1ª Plataforma Constitucional acordada antes das
eleições para a Assembleia Constituinte, cinco órgãos de soberania. Quatro deles estão hoje
consagrados na atual versão da Constituição de 1976, em termos dos seus artigos 110º e 111º.

Artigo 114º, n. 1 (Separação e interdependência)


Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na
Constituição.

 Em termos do artigo 114º da versão original da C1976 e do artigo 111º da atual versão do
texto constitucional, os órgãos de soberania estão separados, mas mantêm-se interdependentes,
podendo, por exemplo, o governo legislar, Assembleia demitir o Governo e o Presidente da
República dissolver a Assembleia da República.

Artigo 142º (Definição)


O Conselho da Revolução tem funções de Conselho do Presidente da República e de garante do
regular funcionamento das instituições democráticas, de garante do cumprimento da
Constituição e da fidelidade ao espírito da Revolução Portuguesa de 25 de Abril de 1974 e de
órgão político e legislativo em matéria militar.

 O Conselho da Revolução exerce o poder legislativo e executivo em matéria militar, o


poder judicial em matéria jurídico-constitucional, coadjuvado pela Comissão Constitucional
para esse efeito e o poder de consulta do Presidente da República. Deste modo, aparenta ser o
órgão que tem o privilégio, se assim se puder definir, de ter centrado no seu órgão quatro
poderes que constitucionalmente deviam estar separados, tendo um vasto conjunto de
competências particularmente relevantes em termos dos artigos 145º alínea b) a d), 146º e 281º.

Artigo 143º (Composição)


1. Compõem o Conselho da Revolução:
a) O Presidente da República [único pertencente ao Conselho da Revolução, não tendo que
ser obrigatoriamente militar]
b) O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e o Vice-Chefe do Estado-Maior-
General das Forças Armadas, quando exista
c) Os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas (Exército, Marinha e
Força Aérea)
d) O Primeiro-Ministro, quando seja militar
e) Catorze oficiais, sendo oito do Exército, três da Força Aérea e três da Armada, designados
pelos respetivos ramos das Forças Armadas.

2. Em caso de morte, renúncia ou impedimento permanente, verificado pelo próprio Conselho,


de algum dos membros referidos na alínea e) do número anterior, será a vaga preenchida por
designação do respetivo ramo das Forças Armadas.
 Se se fizerem as contas, 2/3 ou mais do Conselho da Revolução seriam sempre militares e 14
deles podiam ocupar os seus cargos vitaliciamente.

13
4. As sete revisões constitucionais da Constituição de 1976
Em termos do artigo 286º, a versão original da C1976 estabelecia o seguinte:
“Na II Legislatura, a Assembleia da República tem poderes de revisão constitucional, que se
esgotam com a aprovação da lei de revisão.” Ou seja, em termos do artigo 299º n.1, estabeleceu-
se uma primeira Legislatura que se iniciaria após o período de eleição realizado 30 dias após a
data do decreto de aprovação da Constituição, em dia marcado pelo Presidente da República,
ouvido o Conselho da Revolução e que terminaria, em termos do artigo 299º n. 1, no dia 14 de
Outubro de 1980. Finda a primeira Legislatura, nos termos dos artigos 286º e seguintes, a
Assembleia da República assumiria poderes de revisão constitucional.

 Diferença entre legislatura e sessão legislativa: A legislatura é o período correspondente


ao mandato estimado para os Deputados que hoje tem em termos do artigo 171º, n. 1 da versão
atual da C1976, uma duração de 4 anos, enquanto que a sessão legislativa é um período de um
ano, em termos do artigo 174º, n. 1, pelo que cada legislatura tem quatro sessões legislativas.

4.1 A primeira revisão constitucional de 1982


- A epígrafe do artigo 2º é substituída por “Estado de Direito Democrático”, pretendendo-se
consagrar a sujeição e subordinação do Estado à Ordem Jurídica. (2º, n. 1)
- Diminuição de alguma carga político-ideológica:
-» A expressão “criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes
trabalhadoras” foi substituída pela expressão “realização da democracia económica, social e
cultural e o aprofundamento da democracia participativa”. (2º, n. 3)
-» É suprimido o artigo 10º relativo ao processo revolucionário. (9º)
-» É suprimido o artigo 50º relativo às garantias e condições de efetivação. (43º)
- Acréscimo da proteção dos direitos, liberdades e garantias dos indivíduos e diminuição da
ação do Estado sobre os mesmos
- Entre 1976 e 1982 foi-se desenvolvendo a intenção de Portugal em vir integrar a Comunidade
Económica Europeia que, de acordo com os seus tratados constitutivos, impõe aos Estados que
a integram a receção automática de normas produzidas no seu âmbito. Ou seja, com a adição do
número 3 ao artigo 8º, essa intenção torna-se realizável (7º):
“1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante
do direito português.”
“2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou
aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem
internacionalmente o Estado Português.”
“3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que
Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre
expressamente estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.”
- Extinção do Conselho da Revolução (91º) e distribuição das competências que lhe foram
atribuídas:
-» Governo da República: Poder executivo em matéria militar, entre outros
-» Assembleia da República: Poder legislativo em matéria militar, entre outros
-» Conselho de Estado (: órgão consultivo do Presidente da República) (118º e ss.)
-» Tribunal Constitucional (: órgão jurisdicional de fiscalização da constitucionalidade e
garante da Constituição), passando os membros da então Comissão Constitucional para o novo
órgão de soberania jurisdicional (160º e ss.)

14
4.2 A segunda revisão constitucional de 1989
- Acréscimo da proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos
- Remoção das referências mais vincadas em termos politico-ideológicos (ex. 65º)
- Proteção dos cidadãos relativamente à utilização da informática (20º)
- Remoção da irreversibilidade das nacionalizações ocorridas depois do 25 de Abril, muito
devido à integração de Portugal na, hoje, União Europeia (54º)
- Permissão da realização de referendos nacionais (94º)

4.3 A terceira revisão constitucional de 1992


- Competência atribuída à Assembleia da República de acompanhar e apreciar a participação de
Portugal no processo de construção da União Europeia (5º)

4.4 A quarta revisão constitucional de 1997


- Alterações ao artigo 2º da C1976, valorizando-se a separação e interdependência de poderes
(2º)
- Reforço dos direitos fundamentais (10º)
- Valorização da participação política dos cidadãos: cidadãos eleitores podem-se candidatar fora
de listas de partidos às eleições autárquicas (162º), permissão da iniciativa legislativa de
cidadãos (77º)
- Alterações ao artigo 35º relativo à utilização da informática (18º)

4.5 A quinta revisão constitucional de 2001


- Intenção de ratificação a Convenção que criou o Tribunal Penal Internacional (2º)
- Consagração da língua portuguesa como língua oficial de Portugal (3º)

4.6 A sexta revisão constitucional de 2004


- Alteração ao artigo 13º, n. 2, acrescentando a expressão “orientação sexual” ao elenco de
fatores de desigualdade (4º)
- Introdução de um novo n. 4 ao artigo 8º, estabelecendo que “as disposições dos tratados da
União Europeia e as normas emanadas das suas instituições […] são aplicáveis na ordem interna
[…]” (3º)
- Aumento dos poderes das Regiões Autónomas e órgãos regionais
- Introdução de limites ao número de mandatos nos órgãos autárquicos (16º)

4.7 A sétima revisão constitucional de 2005


- Acrescentado um novo artigo 295º que permitiu Portugal a realização de um referendo sobre a
aprovação de um tratado que visava a construção e aprofundamento da União Europeia (2º)

5. Os princípios fundamentais
Poder-se-á pensar que os princípios não tenham qualquer relevância em comparação com outras
matérias. Contudo, são eles que estão nas principais decisões do Tribunal Constitucional
Português e dos demais tribunais. Por conseguinte, o conhecimento destes princípios é, pelo
contrário, de uma extrema relevância, podendo-se encontrar ao longo da Constituição.

5.1 O princípio do Estado de Direito


O princípio do Estado de Direito desdobra-se no seguinte conjunto de princípios:
-» O princípio da dignidade da pessoa humana
-» O princípio da juridicidade e da constitucionalidade
-» O princípio da separação e limitação de poderes

15
-» O princípio da segurança jurídica e proteção da confiança
-» O princípio da igualdade e proporcionalidade
A principal preocupação que se tem quando se refere ao Estado de Direito é a ideia da
necessidade de sujeição do Estado à Ordem Jurídica e ao conjunto de valores e princípios que a
mesma consagra e de limitação da sua ação e poder, necessidade essa que se vai desenvolver
nos seus subprincípios em cima enumerados. Há, no âmbito da CRP, a aceitação de princípios
gerais que se impõe ao próprio Estado e não estão na disponibilidade deste, como é o caso do
artigo 8º, n. 1. Se observarmos, por exemplo, o artigo 1º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948, deparar-se-á que: “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com
os outros em espírito de fraternidade”. Poder-se-á, por conseguinte, deduzir que este princípio,
consagrado na DUDH, impõe-se ao Estado Português, limitando a sua ação face à pessoa
humana.
 Preâmbulo
 Artigo 2º da CRP

5.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana


O princípio da dignidade da pessoa humana significa que a pessoa é colocada e valorizada como
o fim supremo do Estado e do Direito, a qual não pode ser posta em causa pelo Estado.
 Artigo 1º da CRP
 Artigo 26º, n. 2 da CRP

5.1.2 O princípio da juridicidade e da constitucionalidade


O princípio da juridicidade implica que a estruturação da Ordem Jurídica obedeça a três
características essenciais:
- ser um sistema jurídico organizado que obedeça a um conjunto de padrões que se lhe impõem
num Estado de Direito. Essa organização sistemática torna-se evidente através da leitura do
artigo 112º, n. 1 da CRP.
- ser um sistema jurídico hierarquizado. Essa hierarquia entende-se, por exemplo, através do
artigo 277º ou o artigo 198º, n. 3 da CRP.
- ser um sistema jurídico equipado com mecanismos de fiscalização da juridicidade e
constitucionalidade. Esses mecanismos são verificáveis em termos dos artigos 278º, 280º e
281º da CRP.

O princípio da constitucionalidade é um subprincípio do princípio da juridicidade e significa


que a Ordem Jurídica encontra-se subordinada à Constituição.
 Artigo 3º, n. 2 e 3 da CRP
 Artigo 277º da CRP

5.1.3 O princípio da separação e limitação de poderes


O princípio da separação e limitação dos poderes implica a existência de mecanismos não só de
separação, mas também de limitação dos órgãos de soberania. A ideia da interdependência dos
poderes é uma evolução do princípio da separação e limitação de poderes e implica que os
órgãos de soberania não estejam tão rigidamente separados, devendo desta forma cooperar entre
si, respeitando as competências atribuídas a cada um, com vista a suprir necessidades públicas.
 Artigo 111º da CRP
O princípio da separação e limitação de poderes concretiza-se também no âmbito das Regiões
Autónomas, nos termos do artigo 231º, e no âmbito das autarquias locais com base do artigo
239º da CRP.

16
5.1.4 O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança
O princípio da segurança jurídica exige que haja clareza e determinabilidade das fontes do
Direito. Ou seja, só há segurança jurídica quando se conhece a Ordem Jurídica e as normas que
são emanadas pelos órgãos competentes para o efeito. Para tal é essencial a publicidade dos atos
no Diário da República, estabelecida no artigo 119º da CRP.

O princípio da proteção da confiança resulta da afirmação da necessidade de estabilidade entre o


poder público e os cidadãos de forma a que não sejam frustradas as legítimas expetativas dos
indivíduos. Uma característica fulcral do princípio da proteção da confiança é a irretroatividade
das normas, ou seja estas valem para o futuro e não para o passado, assim se assegurando a
proteção da confiança.
 Artigo 29º, n. 1 da CRP
 Artigo 18º, n. 3 da CRP

5.1.5 O princípio da igualdade


O princípio da igualdade traduz-se na ideia de que se deve tratar igualmente o que é igual
e tratar diferencialmente o que é desigual, o que impede a arbitrariedade do poder político do
Estado.
 Artigo 266º da CRP
 Artigo 13º da CRP
 Artigo 9º, alínea d) da CRP

5.1.6 O princípio da proporcionalidade


O princípio da proporcionalidade, composto por três subprincípios, verifica-se quando o ato seja
adequado/idóneo a garantir o fim proposto (adequação), será necessário quando não haja
alternativa menos lesiva ao ato proposto (necessidade), proibindo-se sempre o excesso na
atuação (proporcionalidade em sentido estrito).

5.2 O princípio do Estado republicano


O princípio do Estado republicano implica que o Chefe de Estado (Presidente da República) e
os diversos representantes do Estado e do poder político devem ser regularmente indicados
pelos cidadãos, o que implica uma renovação regular dos mandatos. Este princípio é um dos
mais característicos da C1976 e surge como um elemento que assegura no Estado Português que
ninguém se pode perpetuar no poder sem ser sujeito a qualquer escrutínio popular.
 Artigo 1º da CRP
 Artigo 2º da CRP
 Artigo 110º da CRP
 Artigo 118º, n. 1 da CRP
 Artigo 120º da CRP
 Artigo 123º da CRP
 Artigo 142º, alínea f) da CRP
 Artigo 222º, n. 3 da CRP
 Artigo 288º, alínea b) da CRP

5.3 O princípio do Estado laico


O princípio do Estado laico manifesta-se em dois domínios: Por um lado, o Estado e as Igrejas
mantêm-se separados sem qualquer ingerência/intromissão de uns sobre os outros e, por outro
lado, o Estado não atua de acordo com uma determinada matriz religiosa.
 Artigo 41º da CRP
 Artigo 43º da CRP

17
 Artigo 13º, n. 2 da CRP
 Artigo 288º, alínea c) da CRP

5.4 O princípio do Estado democrático


O princípio do Estado democrático manifesta-se com a intenção de o poder político ser exercido
pelos cidadãos e em nome dos cidadãos, sendo eles detentores do poder político. Este poder é
delegado pelos cidadãos, mediante o exercício do seu direito ao voto, a um determinado número
de cidadãos que irão representá-los nos respetivos órgãos de soberania cujas competências estão
previamente previstas na Constituição. Para além disso, existem mecanismos de participação
política que os cidadãos podem recorrer diretamente, mantendo deste modo o poder político.
 Artigo 2º da CRP
 Artigo 48º da CRP
 Artigo 113º da CRP
 Artigo 109º da CRP
 Artigo 126º da CRP
 Artigo 52º da CRP
 Artigo 23º, n. 1 da CRP
 Artigo 167º, n. 1 da CRP
 Artigo 115º da CRP
 Artigo 245º da CRP
 Artigo 239º da CRP

5.5. O princípio do Estado unitário descentralizado


O princípio do Estado unitário descentralizado traduz-se no seguinte: Excetuando a C1822,
Portugal foi sempre um Estado unitário, ou seja obedece a uma Constituição. Desde a C1976,
Portugal, para além de um Estado unitário, passa também a ser um Estado descentralizado, este
atribuindo poderes a outras realidades, nomeadamente as Regiões Autónomas e autarquias
locais.
- As Regiões Autónomas consistem em pessoas coletivas territoriais, dotadas de consagração
constitucional nos termos dos artigos 225 e ss. da CRP, com competência legislativa conforme
resulta dos artigos 112º, n. 1 e 227º da CRP.
- As autarquias locais, previstas nos artigos 235º e ss. da CRP, são também pessoas coletivas
territoriais, integrando três categorias: as freguesias (244º da CRP), os municípios (249º da
CRP) e as regiões administrativas (256º da CRP).
 Artigo 6º da CRP

6. A organização do poder político na versão atual da C1976


Na versão atual da Constituição da República Portugal de 1976 poder-se-á encontrar a
existência de quatro órgãos de soberania: Presidente da República, Assembleia da República,
Governo da República e Tribunais (Tribunal Constitucional).

6.1 Presidente da República


O Presidente da República é, na sequência das Plataformas Constitucionais acordadas entre
MFA e partidos políticos, o órgão que exerce o poder moderador, assegurando o regular
funcionamento das instituições e garantindo o respeito pela Constituição. Também é o órgão
que está mais distante dos cidadãos, uma vez que a sua ação não se faz sentir no quotidiano dos
cidadãos portugueses. No entanto, verificar-se-á que a Presidência da República está mais
próxima dos cidadãos do que se imagina, desde logo pelo sistema eleitoral.

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6.1.1 A Presidência da República
- O Presidente da República é o Chefe de Estado e o Comandante Supremo das Forças Armadas
e os seus poderes destinam-se a que o mesmo assegure a independência nacional, a unidade do
Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas (120º). Para assegurar o regular
funcionamento das instituições democráticas, o Presidente da República, órgão representativo
do Estado Português e do interesse coletivo nacional, tem as devidas competências para poder
dissolver a Assembleia da República (133º, alínea e)) e demitir o Governo (133º, alínea g)),
ouvido o Conselho de Estado.
- O mandato do Presidente da República tem a duração de 5 anos (128º), podendo-se
recandidatar para um segundo mandato, mas não sendo possível a candidatura para um terceiro
mandato (123º). Está em causa o princípio do Estado republicano, mediante o qual se pretende
evitar que os ocupantes de cargos públicos superiores se perpetuem no poder.
- O Presidente da República tem, como já mencionado, o poder moderador, atribuindo-se-lhe
certas competências previstas pela Constituição. Cabe-lhe assim nomear o Primeiro-Ministro,
assim como os restantes membros do Governo sob a proposta do Primeiro-Ministro (133º,
alínea h)). Este tem de informar o Presidente da República sobre os assuntos relativos à
condução política interna e externa do país (201º, n. 1, alínea c)). Cabe também ao Presidente
da República sancionar as leis e os decretos-leis (134º, alínea b) e 136º), podendo ainda suscitar
a ação do Tribunal Constitucional para apreciação sobre a inconstitucionalidade ou não
inconstitucionalidade dos atos legislativos (278º, 281º). Pode também indultar (: perdoar) e
comutar (: atenuar uma pena) as penas, sobre a proposta do Governo (134º, alínea f)). Para além
disso, o Presidente da República não possui responsabilidade política, pois a sua ação não está
sujeita ao controlo de qualquer órgão, nem responsabilidade criminal, a mesma limitando-se aos
crimes praticados no exercício das suas funções quando, por iniciativa da Assembleia da
República, o Supremo Tribunal de Justiça aprecie a sua conduta (130º).

6.1.2 O sistema eleitoral


Ao contrário dos Deputados da Assembleia da República que são eleitos por um sistema que
promove a fragmentação dos votos de forma a haver uma representação proporcional dos
cidadãos nesse órgão representativo, para a Presidência da República é estabelecido um sistema
eleitoral que promove a concentração de votos, visto que se pretende que o Presidente da
República seja o cidadão que maior aceitação nutre por parte da comunidade política (126º). Ou
seja, a eleição do Presidente da República ocorre por sufrágio universal, direto e secreto dos
cidadãos recenseados no território nacional e residentes no estrangeiro que tenham uma efetiva
ligação à comunidade nacional e é eleito o candidato que obtenha metade dos votos validamente
expressos (121º, 126º). Se nenhum candidato obtiver esse número de votos para ser eleito
Presidente da República, ocorrerá uma segunda eleição, à qual concorrem os dois candidatos
mais votados (126º).

6.1.3 O Conselho de Estado


O Presidente da República, ao contrário da Assembleia da República na qual se integram um
máximo de 230 Deputados, exerce os poderes a que lhe são atribuídos sozinho, existindo ainda
o Conselho de Estado, podendo não lhe dar ouvidos, se assim o preferir.

O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República (141º), no qual


este encontrará um conjunto de cidadãos que, por inerência ou por designação do próprio
Presidente e da Assembleia da República (142º), devem aconselhá-lo para a prática de diversos
atos, nomeadamente a dissolução da Assembleia da República ou a demissão do Governo
(145º).

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6.2 Assembleia da República
A Assembleia da República corresponde ao órgão de soberania (110º) representativo de todos
os cidadãos portugueses (147º), integrando um mínimo de 180 e um máximo de 230 deputados
(148º). Compete-lhe promover a acusação do Presidente da República por crimes praticados no
exercício das suas funções (163º, alínea c)), sendo essa acusação apreciada e decidida pelo
Supremo Tribunal de Justiça (130º), aprovar o programa do Governo e aprovar moções de
confiança e moções de censura ao Governo (163º, alíneas d) e e)), o que poderá implicar a
demissão do Governo (192º, 193º, 194º e 195º).

6.2.1 A composição da Assembleia da República


A Assembleia da República, no seu funcionamento e na sua própria composição, não se limita
aos Deputados, existindo ainda os Grupos Parlamentares e as Comissões Parlamentares.

- Os Deputados representam todos os cidadãos nacionais (e não apenas os cidadãos dos círculos
pelos quais foram eleitos) (152º, n. 2). Estão em causa o princípio do Estado unitário
descentralizado e o princípio democrático que implicam que todos os Deputados representam os
interesses da generalidade dos cidadãos, independentemente do sítio em que estes se localizem,
para que não sejam priorizados os interesses dos cidadãos pertencentes aos círculos eleitorais
com maior número de eleitores.
-» A Constituição prevê algumas incompatibilidades e impedimentos no tocante à função de
Deputado (154º), limitando, e cada vez mais, a possibilidade de estes exercerem outras funções.
O conjunto de situações de incompatibilidade e de impedimento com o exercício do mandato de
Deputado à Assembleia da República está elencado nos artigos 20º e 21º do Estatuto dos
Deputados. O grande risco que se coloca no que diz respeito às incompatibilidades e aos
impedimentos da função de Deputado é a possibilidade de se criar uma classe política
profissional, ou seja, um grupo restrito de pessoas que se dedicam à política numa perspetiva
profissional, passando a representar-se a si próprios.
-» Exercício da função de Deputado: Os Deputados têm liberdade individual de voto (155º).
-» Poderes dos Deputados: artigo 156º da Constituição e artigo 4º do Regimento da
Assembleia da República
-» Imunidade dos Deputados: Os Deputados gozam de imunidade, ou seja, não respondem
civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas
funções (157º da Constituição e 10º e ss. do Estatuto dos Deputados).
-» Direitos e deveres dos Deputados: artigos 158º e 159º
-» Perda e renúncia do mandato: artigo 160º

- Para além dos Deputados, pode-se encontrar no âmbito da organização interna da Assembleia
da República, Grupos Parlamentares que são a forma de organização ou estrutura dos
Deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos (180º). Os Grupos Parlamentares
têm um conjunto de poderes e direitos próprios (180º, n. 2 da Constituição e no artigo 8º do
Regimento da Assembleia da República).

- Cabe destacar ainda a existência de Comissões Parlamentares, através das quais a


Assembleia da República desenvolve a sua atividade (178º da Constituição e 29º do Regimento
da Assembleia da República).
-» Poder-se-á proceder a uma distinção entre as Comissões Especializadas Permanentes que
tratam, por exemplo, do acompanhamento das petições que são dirigidas à Assembleia da
República sobre um determinado tema, apreciando-as e preparando-as para que a Assembleia da
República possa acompanhar de uma forma atenta e competente as questões que lhes são
presentes (p.e Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantidas). Para

20
além disso, existem Comissões Eventuais (p.e. Comissão Eventual para a Revisão
Constitucional) e Comissões Eventuais de Inquérito (p.e. Comissão Eventual de Inquérito
Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução).

6.2.2 A Comissão Permanente


O mandato dos Deputados corresponde a uma legislatura que tem a duração de quatro sessões
legislativas (171º). Cada sessão legislativa tem a duração de um ano e inicia-se a 15 de
Setembro e termina a 15 de Junho (171º, 174º, n. 1 e 2). Durante o período compreendido entre
o dia 15 de Junho a 15 de Setembro, passa a funcionar uma Comissão Permanente. Esta
destina-se a assegurar, fora do funcionamento efetivo da Assembleia da República, um conjunto
de competências (179º).

6.2.3 O sistema eleitoral


Os Deputados à Assembleia da República são eleitos por listas apresentadas por partidos
políticos, em cada círculo eleitoral (: divisão territorial criada para fins eleitorais, a cujos
eleitores inscritos corresponde um determinado número de mandatos, previamente definido, no
órgão a eleger). Portugal Continental tem 22 círculos eleitorais, sendo que existem ainda dois
círculos nas Regiões Autónomas e ainda um para os cidadãos portugueses residentes na Europa
e outro para os que residem fora da Europa. Em função do número de eleitores existentes em
cada círculo eleitoral, a lei eleitoral para a Assembleia da República, de acordo com o sistema
de representação proporcional, determina o número de deputados que serão eleitos pelos
determinados círculos eleitorais (149º). Decorridas as eleições legislativas, a conversão dos
votos em mandatos faz-se de acordo com o método da média mais alta de Hondt.
-» Exemplo: A lei eleitoral prevê que o círculo eleitoral “x” tem direito a eleger 7 deputados.
Às eleições legislativas concorrem 4 partidos: A, B, C, D. Número de votos obtidos por partido:
A – 12000 | B – 7500 C – 4500 | D – 3000. O número de votos apurados por cada lista é
dividido, sucessivamente, até 7 (que é o número de deputados a eleger), sendo os quocientes
alinhados por ordem decrescente:
1º deputado – Partido A
- divisão por 1: A – 12000 | B – 7500 | C – 4500 | D – 3000.
2º deputado – Partido B
- divisão por 2: A – 6000 | B – 3750 | C – 2250 | D – 1500.
3º deputado – Partido A
- divisão por 3: A – 4000 | B – 2500 | C – 1500 | D – 1000.
4º deputado – Partido C
- divisão por 4: A – 3000 | B – 1875 | C – 1125 | D – 750.
5º deputado – Partido A
- divisão por 5: A – 2400 | B – 1500 | C – 900 | D – 600.
6º deputado – Partido B
- divisão por 6: A – 2000 | B – 1250 | C – 750 | D – 500.
7º deputado – Partido D
- divisão por 7: A – 1714,29 | B – 1071,43 | C – 642,86 | D – 428,57.
 Resultado: Partido A – 3 deputados | Partido B – 2 deputados | Partido C – 1 deputado |
Partido D – 1 deputado (visto que existe quociente igual nas listas A e D, sendo atribuído o
mandato a esta lista, por ser esta a que teve menor número de votos)
Desta forma, pretende-se garantir a maior representatividade possível e assegurar a relação mais
direta possível entre os resultados eleitorais e a composição da Assembleia da República.

6.3 Governo da República


O Governo da República é órgão responsável pela condução da política geral do país e o órgão
superior da Administração Pública, composto pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos
Secretários e Subsecretários de Estado, podendo ainda ser incluídos um ou mais Vice-
Primeiros-Ministros em função do momento político (182º, 183º). O Governo da República tem
competência política (197º), competência legislativa (198º) e competência administrativa
(199º).

21
6.3.1 O Conselho de Ministros
No âmbito do Governo da Republica poder-se-á encontrar o Conselho de Ministros, com
competências próprias (200º), correspondente a uma estrutura integrante do Governo da
República, na qual estão presentes apenas o Primeiro Ministro e os Ministros, só tendo de estar
presentes os Secretários e Subsecretários de Estado se forem convocados para tal (184º).
Também presente pode estar o Presidente da República, quando o Primeiro-Ministro lho
solicitar (133º, alínea i)).

Para além disso, o Primeiro-Ministro tem, assim como os Ministros, competências próprias
(201º). Enquanto aquele dirige a política geral do Governo, estes executam a política definida
para os seus Ministérios.

6.3.2 O sistema de Governo semipresidencialista


O Governo da República é, no âmbito do sistema de Governo semipresidencialista, responsável
perante a Assembleia da República e perante o Presidente da República (190º). A Constituição
da República Portuguesa atribui a estes dois órgãos a possibilidade de, sendo observadas certas
circunstâncias previstas na Lei Fundamental, demitir o Governo.

1) Rejeição do Programa do Governo


O Presidente da República, decorridas as eleições legislativas, deve chamar junto de si os
responsáveis dos partidos políticos que elegeram Deputados à Assembleia da República,
cabendo-lhe de seguida nomear um Primeiro-Ministro, tendo em conta os resultados eleitorais
(187º). O Primeiro-Ministro nomeado tem um prazo de 10 dias para apresentar o seu Programa
do Governo (: documento, no qual constam as principais orientações políticas e os atos a serem
praticados durante o mandato do Governo (188º)) à Assembleia da República (192º). A
Assembleia da República dirá se aceita ou não o Programa do Governo, sendo que se o
rejeitar, tal implica a demissão do Governo (195º, alínea d)).

2) Rejeição de uma moção de confiança


O Governo pode também ser demitido através da rejeição de uma moção de confiança (193º). O
Governo, enquanto órgão executivo, pode sentir a necessidade de pedir, através de uma moção
de confiança, à Assembleia da República que manifeste concordância relativamente a um
assunto de relevante interesse nacional ou sobre uma declaração política geral, resultando desta
um apoio genérico à ação do Governo pela Assembleia (195º, n. 1, alínea e)). No caso de esta
rejeitá-la, tal implica a demissão do Governo.

3) Aprovação de uma moção de censura


Para além daquelas duas vias já mencionadas, o Governo pode ainda ser demitido através da
aprovação de uma moção de censura. A moção de censura é um ato de iniciativa dos grupos
parlamentares (180º, n. 2, alínea i)) ou dos Deputados correspondentes a um quarto dos que
estejam em efetividade de funções (194º), votada posteriormente em Plenário, no âmbito da
qual se aprecia de forma crítica a atuação do Governo de forma a conduzir à sua demissão. A
moção de censura só será eficaz se for aprovada pela maioria absoluta dos Deputados em
efetividade de funções, implicando deste modo a demissão do Governo (195º, n. 1, alínea f)).

4) Demissão por parte do Presidente da República


Também o Presidente da República pode demitir o Governo, sendo ouvido o Conselho de
Estado, quando se mostre necessário para garantir o regular funcionamento das instituições
democráticas (133º, alínea g), 186º, n. 4, 195º, n. 2).

22
7. O processo legislativo
7.1 A competência legislativa da Assembleia da República
A Assembleia da República é o órgão de soberania que tem, para além da competência de
revisão constitucional, a competência legislativa por excelência. Esta desenvolve-se em três
planos:

- A competência legislativa exclusiva ou absoluta da Assembleia da República corresponde à


existência de um conjunto de matérias relativamente às quais só a Assembleia da República
pode legislar (164º).
- A competência relativa da Assembleia da República corresponde à possibilidade de a
Assembleia da República poder, através de uma lei de autorização legislativa, autorizar outros
órgãos a elaborarem e aprovarem atos legislativos próprios sobre essas matérias (165º, n. 1).
Esta competência pode ser então delegada no Governo da República mas também,
excecionalmente, em Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas (227º).
- A competência concorrencial ou concorrente da Assembleia da República com o Governo
da República corresponde (161º, alínea c)) à possibilidade de a Assembleia da República poder
legislar sobre todas as matérias que não estejam reservadas ao Governo da República, que são
todas aquelas que não estão constitucionalmente atribuídas nem a um nem ao outro órgão.

O artigo 112º, n. 1 refere três categorias de atos legislativos. O n. 2 refere que as leis e os
decretos-leis têm o mesmo valor, exceto as leis de autorização legislativa, as leis orgânicas e as
leis de base contidas nos n. 2 e 3.

7.2 A competência legislativa do Governo da República


O Governo da República tem, embora seja o órgão de soberania com competência executiva,
três planos de competência legislativa.

- A competência legislativa concorrencial ou concorrente do Governo da República


corresponde à competência deste órgão de soberania para fazer decretos-leis em matérias não
reservadas à Assembleia da República (198º, n. 1, alínea a), 161º, alínea c)). Ou seja, todas as
matérias que não estão atribuídas à Assembleia da República, i.e., que não constem dos artigos
164º e 165º, n.1, o Governo da República pode legislar sobre elas.
- A competência legislativa relativa do Governo da República corresponde à competência do
Governo da República para legislar sobre as matérias constantes no artigo 165º, n. 1, sendo para
isso necessária uma autorização legislativa por parte da Assembleia da República (198º, n. 1,
alínea b)). O Governo da República aprovará, deste modo e dentro dos parâmetros da lei
paramétrica, o seu decreto-lei, tendo de invocar expressamente a lei de autorização legislativa
ao abrigo da qual é aprovado (198º, n. 3).
- O Governo da República pode aprovar decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou
das bases gerais das leis de base estabelecidos pela Assembleia da República (198º, n. 1,
alínea c) e n. 3). O Governo da República aprovará, deste modo e dentro dos parâmetros da lei
paramétrica, o seu decreto-lei, tendo de invocar expressamente a lei de base ao abrigo da qual é
aprovado (198º, n. 3).
- A competência legislativa exclusiva ou absoluta do Governo da República corresponde à
possibilidade de este órgão puder legislar no que diz respeito à sua própria organização e ao seu
funcionamento interno (198º, n. 2).

23
7.3 A competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais
Para além dos dois órgãos de soberania com competência legislativa previamente analisados,
existe também poder legislativo nas Regiões Autónomas que se traduz na importância de um
estatuto jurídico próprio (225º).

O estatuto político-administrativo de cada Região Autónoma corresponde a uma norma onde


se encontram as atribuições, competências e a forma de organização do poder político em cada
uma das duas Regiões Autónomas. Os estatutos político-administrativos são aprovados pela
Assembleia da República (161º, alínea b)), cabendo todavia o poder de iniciativa, ou seja, o
poder de iniciar um processo de revisão do estatuto político-administrativo, à Assembleia
Legislativa da respetiva Região Autónoma (226º).

7.3.1 A competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais


Depois da revisão constitucional de 2004, as Assembleias Legislativas Regionais passaram a ter
uma acrescida competência no plano legislativo.
- A competência concorrencial das Assembleias Legislativas Regionais corresponde à sua
competência para legislar sobre matérias que não se encontrem atribuídas aos órgãos de
soberania, desde que estejam indicadas no estatuto político-administrativo respetivo das Regiões
Autónomas (227º, n. 1, alínea a)).
- A competência relativa das Assembleias Legislativas Regionais corresponde à sua
competência para legislar sobre matérias que podem ser, através de uma lei de autorização
legislativa por parte da Assembleia da República, atribuídas às Assembleias Legislativas
Regionais (227º, n. 1, alínea b)).
- As Assembleias Legislativas Regionais podem aprovar decretos legislativos regionais de
desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais das leis de base estabelecidos pela
Assembleia da República (227º, n. 3). A Assembleia Legislativa Regional aprovará, deste modo
e dentro dos parâmetros da lei paramétrica, o seu decreto de desenvolvimento, tendo de invocar
expressamente a lei de base ao abrigo da qual é aprovado (227º, n. 1, alínea c)).

7.3.2 Iniciativa estatutária e em matéria eleitoral das Assembleias Legislativas Regionais


Se as Assembleias Legislativas Regionais, quer dos Açores, quer da Madeira, pretenderem
alterar os seus estatutos político-administrativos ou a lei eleitoral para as eleições legislativas
para a respetiva Região Autónoma, devem enviar um projeto à Assembleia da República (226º,
n. 1 e 4, 227º, n. 1, alínea e), 232º, n. 1). Esta aprova, rejeita ou introduz alterações ao projeto.
Se a Assembleia da República rejeitar ou introduzir-lhe alterações, esta deve devolvê-lo à
respetiva Assembleia Legislativa Regional para que esta possa, em nova deliberação, apreciar e
emitir o seu parecer (226º, n. 2). A Assembleia da República, perante o projeto inicial, as suas
próprias alterações e o parecer da Assembleia Legislativa Regional delibera se aceita ou não
aprovar as alterações ao estatuto político-administrativo da Região Autónoma ou à lei eleitoral
da Região Autónoma em causa (226º, n. 3).

 Resumo sucinto do exposto


1) Uma Assembleia Legislativa Regional elabora e envia um projeto à Assembleia da
República.
2) A Assembleia da República…
-» … aprova o projeto.
-» … rejeita o projeto. A Assembleia da República devolve o
-» … introduz alterações ao projeto. projeto à Assembleia Legislativa Regional
3) A Assembleia Legislativa Regional aprecia e emite um parecer.
4) A Assembleia da República aceita ou rejeita as alterações ao estatuto político-administrativo.

24
7.3.3 Iniciativa legislativa das Assembleias Legislativas Regionais
Se uma das duas Assembleias Legislativas Regionais pretender legislar, no âmbito dessa mesma
região, sobre uma das matérias constantes no artigo 165º, n. 1, e que lhe são possíveis de acordo
com o artigo 227º, n. 1, alínea b), terá de elaborar e aprovar uma proposta de lei de autorização
legislativa e o anteprojeto do decreto legislativo regional que pretende ver aprovado (227º, n. 2).
Estes dois documentos dão entrada na Assembleia da República, onde serão sujeitos às
discussões e votações previstas pela Constituição e no final, após a promulgação, referenda
ministerial e publicação, a Assembleia Legislativa Regional ficará autorizada a legislar e
aprovar o seu decreto legislativo regional, tendo por base o respetivo anteprojeto apresentado à
Assembleia da República. No caso de virem a ser rejeitados pela Assembleia da República, a
Assembleia Legislativa Regional não será autorizada a legislar sobre e aprovar o seu decreto
legislativo regional.

 Resumo sucinto do exposto


1) Uma Assembleia Legislativa Regional elabora e aprova uma proposta de lei de autorização
legislativa e o anteprojeto do decreto legislativo regional que pretende ser aprovado.
2) A Assembleia da República discute e vota. O Presidente da República promulga. O decreto
legislativo regional é objeto de referenda ministerial e de publicação.
3) A Assembleia Legislativa Regional é autorizada a legislar.

7.3.4 Os órgãos de governo próprios e Representantes da República


No âmbito das Regiões Autónomas, ir-se-ão encontrar dois órgãos de governo próprios, que
representam os interesses regionais, e um Representante da República (230º, 231º).
- O Governo Regional (231º, n. 1).
- A Assembleia Regional (231º, n. 1).
- O Presidente da República designa um Representante da República que exerce o poder
moderador na respetiva Região Autónoma (230º). O decreto legislativo regional, aprovado pela
Assembleia Legislativa Regional, é enviado ao Representante da República para este assiná-lo,
mandá-lo publicar, vetá-lo ou suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade de
quaisquer normas dele constantes (233º, 278º, n. 2).

7.4 O processo legislativo em pormenor


1ª Fase: Iniciativa Legislativa
- A iniciativa legislativa (167º, n. 1) compete aos Deputados (156º), aos grupos parlamentares
(180º), ao Governo (197º, n. 1, alínea d)), a grupos de cidadãos eleitores e às Assembleias
Legislativas Regionais (227º, n. 1, alínea f) e 232º, n. 1).
- A iniciativa pode assumir uma de duas formas: a forma de projeto de lei ou de proposta de
lei. Esta é apresentada pelo Governo da República, pelas Assembleias Legislativas Regionais ou
por grupos de cidadãos eleitores, considerando-se que são órgãos alheios à Assembleia da
República. Aquele é apresentado pelos membros integrantes da Assembleia da República.

2ª Fase: Discussão e votação


A Constituição da República Portuguesa determina que a Assembleia da República tem
obrigatoriamente que assegurar a discussão (na generalidade, na especialidade) e a votação (na
generalidade, na especialidade, votação global final) na seguinte ordem: discussão na
generalidade, votação na generalidade, discussão na especialidade, votação na especialidade e
votação global final (168º, n. 1 e 2).

Na discussão na generalidade a Assembleia da República em Plenário dos Deputados dá uma


primeira apreciação na generalidade sobre o conteúdo da proposta ou do projeto de lei. Esta

25
discussão vai culminar na votação na generalidade, onde os Deputados manifestam se aceitam
ou não que se mantenha e desenvolva um processo legislativo nos termos constantes do projeto
ou proposta de lei (168º). Na discussão na especialidade ir-se-á encontrar um grau de detalhe
ou de pormenor, onde será discutida minuciosamente cada disposição integrante do projeto ou
proposta lei. Essa discussão e até a votação na especialidade pode ocorrer em Comissão
competente em razão da matéria, se a Assembleia da República assim o deliberar (168º, n. 3),
sendo que existem matérias relativamente às quais a votação na especialidade deve ocorrer
obrigatoriamente em Plenário (168º, n. 4). Se o projeto de lei ou a proposta de lei for aprovada
na generalidade e na especialidade, com as devidas e eventuais alterações, ocorre uma votação
final global, onde a Assembleia da República em Plenário manifesta definitivamente se é
aquele ou não o seu projeto ou proposta de lei. Esta votação decorre através de uma pluralidade
de votos (116º. n. 3) com as exceções relativamente a atos que só podem ser aprovados se
existir uma aprovação por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções ou mesmo
através de uma maioria qualificada de 2/3 dos Deputados (168º, n. 5 e 6).

3ª Fase: Decreto da Assembleia da República


Sendo aprovado o projeto ou proposta de lei após a votação final global, será assinado pelo
Presidente da Assembleia da República, passando a designar-se decreto da Assembleia da
República, sendo então enviado para promulgação ou veto do Presidente da República (136º, n.
1).

4ª Fase: Promulgação ou veto por parte do Presidente da República


Após a receção do decreto da Assembleia da República pelo Presidente da República, este pode
tomar uma das seguintes atitudes:
No prazo de 8 dias o Presidente da República pode suscitar a fiscalização preventiva da
constitucionalidade do decreto da Assembleia da República (278º, n. 1 e 3), tendo o Tribunal
Constitucional um prazo de 25 dias para decidir, podendo este prazo ser diminuído por pedido
fundamentado do Presidente da República (278º, n. 8). Se o Tribunal Constitucional se
pronunciar pela inconstitucionalidade do decreto, este deve ser vetado juridicamente pelo
Presidente da República (279º, n. 1). Caso contrário, ao não ser considerado inconstitucional, o
Presidente da República terá um prazo de 20 dias para promulgar ou vetar politicamente o
decreto da Assembleia da República (136º, n. 1). Se o Presidente da República considerar que o
decreto não é politicamente adequado ou oportuno, poderá vetá-lo politicamente, devolvendo-o
à Assembleia da República em mensagem fundamentada (136º, n. 1). Este veto político do
Presidente da República tem um efeito suspensivo sobre o decreto da Assembleia da República,
uma vez que a Assembleia da República, numa nova deliberação, pode confirmar o seu voto por
maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, exigindo e obrigando o Presidente
da República a promulgar o decreto em causa. Uma vez promulgado o decreto pelo Presidente
da República, este será enviado sob a forma de lei ao Governo da República para referenda
ministerial (: ato de conhecimento por parte do órgão executivo) (140º e 134º, alínea b)),
seguindo-se a publicação em Diário da República (119º).

 Resumo sucinto do exposto


1) Promulgar o decreto da Assembleia da República quando este foi aprovado por maioria
absoluta dos Deputados em efetividade de funções no prazo de 8 dias. -» referenda ministerial
2) Suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto da Assembleia da
República junto do Tribunal Constitucional no prazo de 8 dias, tendo este órgão 25 dias para tal.
-» 3) Se o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade do decreto, o Presidente
da República deve-o vetar juridicamente no prazo de 20 dias.

26
-» 4) Se o Tribunal Constitucional declarar a constitucionalidade do decreto, o Presidente da
República pode…
-» 5) … promulgá-lo no prazo de 20 dias. -» referenda ministerial
-» 6) … vetá-lo politicamente, devolvendo-o à Assembleia da República em mensagem
fundamentada no prazo de 20 dias para esta apreciá-lo novamente.

7.5 Atos legislativos


7.5.1 A forma dos atos legislativos
Os atos legislativos podem assumir diversas formas:
- Lei constitucional -» A lei constitucional é a lei que é aprovada no processo de revisão
constitucional (161º, n. 1, 166º, alínea a), 284º e ss.).
- Lei -» A lei é o ato normativo emanado da Assembleia da República (112º, n. 1).
- Decreto-lei -» O decreto-lei é o ato normativo emanado do Governo da República (112º, n. 1).
- Decreto legislativo regional -» O decreto legislativo regional é o ato normativo emanado das
Assembleias Legislativas Regionais (112º, n. 1).
- Lei de autorização legislativa -» A lei de autorização legislativa é uma autorização por parte
da Assembleia da República ao Governo da República (ou às Assembleias Legislativas
Regionais) que o autoriza a legislar sobre as matérias previstas pela Constituição que podem ser
delegadas ao órgão executivo (regional) (165º, n. 2 e 3).
- Lei de bases -» A lei de bases é emanada da Assembleia da Republica que estabelece e aprova
as bases gerais e os princípios de uma determinada área. O decreto-lei que tem por base essa lei
desenvolve aquelas bases e aqueles princípios constantes da mesma (198º, n. 1, alínea c)).
- Lei orgânica (166º, n. 2, 168º, n. 5)
- Lei aprovada por maioria qualificada de 2/3 dos Deputados presentes (168º, n. 6)

7.5.2 O valor dos atos legislativos


A lei e o decreto-lei têm o mesmo valor.
As leis paramétricas (: leis que estabelecem o parâmetro/modelo para outros atos legislativos)
são superiores às leis que lhes estão subordinadas:
- A lei de autorização legislativa é superior ao decreto-lei elaborado com base naquela.
- A lei de bases é superior ao decreto-lei de desenvolvimento das bases constantes naquela.
- As leis que são pressuposto normativo a outras leis são superiores às mesmas.
-» Exemplo: A lei de Orçamento é elaborada de acordo com a respetiva lei de
enquadramento orçamental (106º).
As leis orgânicas e as leis aprovadas por maioria qualificada de 2/3 têm valor reforçado.

8. A garantia e revisão da Constituição


Devido à posição cimeira da Constituição da República Portuguesa enquanto Lei Fundamental
do Estado na pirâmide hierárquico-normativa das fontes do Direito existentes em Portugal,
justifica-se a existência de mecanismos que velem pela manutenção dessa sua posição e pela
respetiva defesa contra normas inconstitucionais que infrinjam o seu disposto ou os princípios
nela consignados (277º, n. 1). São os tribunais, enquanto órgãos de soberania, politicamente
neutros ou nulos e independentes do poder político, que desempenham essa tarefa,
administrando a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos
constitucionalmente consagrados e o respeito pela Constituição (202º, 204º).

8.1 O Tribunal Constitucional


A Constituição estabelece a existência de diversas categorias de tribunais, dos quais se destaca o
Tribunal Constitucional (209º). Este é o tribunal que tem competência específica para

27
administrar a justiça relativamente a matérias de natureza jurídico-constitucional (221º), sendo
ele responsável pela fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas constantes de
decretos da Assembleia da República, de decretos do Governo da República ou de decretos
legislativos regionais que pretendem ser promulgados pelo Presidente da República (278º),
podendo o Tribunal Constitucional ainda atuar depois da publicação da lei (281º) e declarar a
inconstitucionalidade por omissão, ou seja, quando um órgão que estava obrigado a legislar
sobre uma determinada matéria para concretização de preceito constitucional, não o fez (283º).
A declaração da inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional tem força
obrigatória geral (281º, 282º).

O Tribunal Constitucional português tem na sua composição 13 juízes conselheiros, sendo 10


designados pela Assembleia da República e 3 cooptados/ indicados por aqueles 10 (222º). Os 13
juízes conselheiros têm de ser juristas e desses 13 pelo menos 6 têm de ser juízes dos restantes
tribunais (222º, n. 2). Os juízes do Tribunal Constitucional têm um mandato não renovável com
a duração de 9 anos (222º, n. 3). Já o Presidente do Tribunal Constitucional é eleito dentre os
juízes e por estes (222º, n. 4).

8.1.1 Os métodos de controlo da fiscalização da constitucionalidade


Existem dois tipos de métodos atinentes ao controlo da fiscalização da constitucionalidade das
normas.
- Controlo difuso: O sistema brasileiro considera que todos os tribunais têm o poder e o dever
de não aplicar normas que considerem inconstitucionais, podendo todos eles apreciar sobre e
declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das mesmas.

- Controlo concentrado: O sistema alemão atribui a competência exclusiva de apreciar, decidir


e declarar a constitucionalidade e a inconstitucionalidade de determinada norma ao seu Tribunal
Constitucional. Deste modo, se um determinado tribunal num determinado processo tiver
dúvidas ou considere mesmo que uma determinada norma que ele pretende aplicar seja
inconstitucional, deve enviar a sua questão ao Tribunal Constitucional, perguntando-lhe se a
norma em questão é constitucional e, consequentemente, se a pode aplicar.
-» Se o Tribunal Constitucional considerar que a norma em questão é constitucional, o
tribunal pode aplicá-la à sua decisão.
-» Se o Tribunal Constitucional considerar que a norma em questão é inconstitucional, o
tribunal não a poderá aplicar.

O sistema português apresenta características quer do controlo difuso, como do controlo


concentrado da fiscalização da constitucionalidade das normas.
-» Por influência da C1911, todos os tribunais podem apreciar e declarar a
inconstitucionalidade ou constitucionalidade das normas e devem não aplicar aquelas que
considerem inconstitucionais (204º).
-» O Presidente da República, possuindo um decreto da Assembleia da República, um
decreto do Governo da República ou um decreto legislativo regional, pode pedir a fiscalização
preventiva da constitucionalidade do respetivo ato legislativo ou de normas específicas que dele
constem, devendo o Tribunal Constitucional apreciá-lo e pronunciar-se sobre a sua
constitucionalidade ou inconstitucionalidade (278º).
-» Para além disso, o Presidente da República, entre outras entidades, pode requerer ao
Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva, abstrata da constitucionalidade e da legalidade
das normas (281º).
-» Das decisões dos diversos tribunais cabe recurso para o Tribunal Constitucional quando
estes nas suas decisões tenham aplicado uma norma, cuja inconstitucionalidade haja sido

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suscitada durante o processo, ou quando não apliquem uma norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade (280º).

8.2 Os mecanismos de revisão constitucional


Tendo a Assembleia da República a competência exclusiva para rever a Constituição da
República Portuguesa, o processo de revisão constitucional é efetivamente desencadeada
exclusivamente dentro dela, não sendo possível qualquer condicionamento por parte de outro
órgão de soberania, estando, por exemplo, o próprio Presidente da República obrigado a
promulgar a lei de revisão constitucional (286º, n. 3).

A iniciativa para a revisão da Constituição pode decorrer de duas possibilidades (284º):


- A revisão ordinária decorre 5 anos depois de ter sido realizada uma outra revisão ordinária.
- A revisão extraordinária pode decorrer em qualquer momento, sendo necessária uma maioria
qualificada de 4/5 dos Deputados em efetividade de funções.

A aprovação de uma lei de revisão constitucional carece sempre de uma maioria qualificada de
2/3 dos Deputados em efetividade de funções (286º, n. 1).

A revisão constitucional encara ainda com um conjunto de limites:


- Limite orgânico: Só os Deputados podem ter a iniciativa de rever a Constituição e só a
Assembleia da República pode legislar sobre esta matéria (284º, 285º).
- Limites materiais: Algumas matérias não são passíveis de revisão constitucional (288º).
- Limite circunstancial: A revisão constitucional não pode ocorrer quando se esteja numa
situação de estado de sítio ou de estado de emergência (289º).
- Limite temporal: A revisão constitucional ordinária pode decorrer de 5 em 5 anos (284º).

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9. Casos práticos
Caso prático 1:
O Governo da República em 5 de Setembro de 2019 apresentou à Assembleia da República uma
proposta de Lei sobre o Regime dos Referendos. Na qual se integrava a seguinte disposição:

“Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-
se diretamente, a título vinculativo, através de Referendo, por decisão do Presidente da
República, mediante proposta da Assembleia da República, do Governo ou do Provedor de
Justiça.”

Dispensando a votação na especialidade, a Assembleia da República aprovou a proposta de Lei


do Governo da República em 3 de Janeiro de 2020, com os votos de 3/7 dos deputados em
efetividade de funções, tendo o Decreto correspondente sido recebido na Presidência da
República em 22 de Janeiro seguinte. Em 10 de Fevereiro seguinte o Presidente da República
enviou para o Tribunal Constitucional o Decreto da Assembleia da República pretendendo que
aquele Tribunal se pronunciasse sobre a conformidade constitucional do diploma. O Tribunal
Constitucional declarou a não inconstitucionalidade do Decreto e, trinta dias depois de o
conhecer, o Presidente da República vetou politicamente o Decreto, limitando-se a fazê-lo com
a sua devolução à Assembleia da República acompanhado por uma mensagem onde se lia:
“Veto politicamente por não concordar”. A Assembleia da República, pretendendo que o seu
Decreto seja promulgado, confirmou-o dez dias depois por maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções. O Presidente da República promulgou então o Decreto, tendo-o enviado
de imediato para publicação. Quid iuris?

Resolução do caso prático 1:


1) Em termos do artigo 174º, n. 1 e 2, a Assembleia da República encontra-se fora do período
do seu normal funcionamento, uma vez que a sessão legislativa tem o seu início no dia 15 de
Setembro e termina no dia 15 de Junho do ano seguinte. Por conseguinte, é neste caso
impossível que o Governo da República apresente uma proposta de Lei à Assembleia da
República na data referida no caso prático. Durante este período está a Comissão Permanente
em funcionamento, em termos do artigo 179º, n. 1.
2) O Governo da República, de acordo com os artigos 167º, n. 1 e 197º, n. 1, alínea d), tem
competência para fazer uma iniciativa legislativa, mais precisamente uma proposta de Lei, e
apresentá-la à Assembleia da República. Esta tem de ser, antes de ser apresentada à Assembleia
da República, aprovada em Conselho de Ministros, em termos do artigo 200º, n. 1, alínea c).
3) Quanto à disposição da proposta de Lei do Governo da República, poder-se-á considerá-la,
tendo em conta o artigo 115º, n. 1 e em termos do artigo 277º, n. 1, inconstitucional, uma vez
que a disposição em questão não obedece ao estabelecido na Constituição, visto que não se
encontra previsto que o Provedor de Justiça possa propor a realização de um referendo, nem aos
princípios nela consignados, mais propriamente o princípio da juridicidade e da
constitucionalidade no âmbito do princípio do Estado de Direito.
4) Apresentada a proposta de Lei do Governo à Assembleia da República, esta tem, em termos
do artigo 164º, alínea b), competência absoluta para legislar sobre a matéria constante na
proposta, não podendo, deste modo, delegar tal competência ao Governo mediante autorização
legislativa. De acordo com o enunciado do caso prático, o Governo dirigiu-se, e bem, ao órgão
constitucionalmente previsto para legislar sobre a sua proposta de Lei. Contudo, esta deve, de
acordo com o artigo 168º, n. 4 e 5, ser obrigatoriamente sujeita a votação na especialidade em
Plenário, não podendo esta, por conseguinte, ser dispensada, uma vez que reveste a forma de lei

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orgânica, em termos do artigo 166º, n. 2.
5) Também de acordo com o artigo 168º, n. 5, as leis orgânicas, como é o caso da proposta de
lei sobre o Regime dos Referendos, devem ser aprovadas, na votação final global, por maioria
absoluta dos Deputados em efetividade de funções, sendo assim os votos de 3/7 dos Deputados
em efetividade de funções insuficientes para aprovar a proposta de Lei do Governo.
6) Tendo ocorrido a recessão do então decreto da Assembleia da República por parte do
Presidente da República, este tem 8 dias para suscitar a fiscalização preventiva da
constitucionalidade do mesmo junto do Tribunal Constitucional, de acordo com as suas
competências estabelecidas no artigo 134º, alínea g) e em termos do artigo 278º, n. 1 e 3 e do
artigo 281º, n. 2, alínea a). Deste modo, visto que o decreto foi enviado no dia 22 de Janeiro, o
Presidente da República devia ter enviado o decreto para apreciação da respetiva
constitucionalidade até o dia 30 de Janeiro, o que não corresponde com a data efetiva, tendo-se
deste modo atrasado.
7) Tendo em atenção ao número 3 da resolução deste caso prático, o Tribunal Constitucional
devia ter declarado a inconstitucionalidade do decreto da Assembleia da República, devendo o
Presidente da República, desta forma, vetá-lo juridicamente nos termos do artigo 136º, n. 5 e
279º, n. 1.
8) Porém, o Tribunal Constitucional declarou a não inconstitucionalidade do decreto da
Assembleia da República, tendo deste modo, o Presidente da República 20 dias para ou
promulgá-lo ou vetá-lo politicamente de acordo com o artigo 136º, n. 1. Assim, os 30 dias
requeridos pelo Presidente da República para vetar politicamente o decreto em causa são
inconstitucionais.
9) Por outro lado, de acordo com o mesmo artigo mencionado no número 8 da resolução deste
presente caso prático, o Presidente da República, exercendo o seu direito de voto, terá de o fazê-
lo dirigindo o decreto vetado à Assembleia da República para nova apreciação, em conjunto
com uma mensagem fundamentada elucidando as razões por ter sido vetado para que o órgão
representativo dos cidadãos portugueses possa confirmar o seu decreto. Não é o que acontece no
caso prático, donde a “mensagem fundamentada” é somente uma afirmação sem
esclarecimentos por parte do Chefe de Estado.
10) O decreto da Assembleia da República vetado pelo Presidente da República é devolvido à
Assembleia da República para nova apreciação, em termos do artigo 136º, n. 1. Esta deve,
segundo o artigo 136º, n.2, confirmar o seu decreto num prazo de 8 dias a contar da receção do
decreto vetado. Sendo assim, os 10 dias não respeitam o disposto constitucional. Para além
disso, a maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções não é suficiente para
confirmar o decreto, sendo de acordo com o artigo 136º, n. 3 necessária uma maioria qualificada
de 2/3 dos Deputados presentes, desde que esse número for superior à maioria absoluta dos
Deputados em efetividade de funções, dado que se trata, com base nos artigos anteriormente
mencionados, de uma lei orgânica.
11) Exercendo o seu direito previsto no artigo 134º, alínea b), o Presidente da República
promulga o decreto da Assembleia da República, necessitando este ainda de referenda por parte
do Governo, em termos do artigo 140º, n. 1, antes de ser publicado sob a forma de lei no Diário
da República, tendo em conta o artigo 119º, n. 1, alínea c).

Caso prático 2:
No âmbito da Constituição da República Portuguesa, o Governo da República apresentou em 3
de Junho de 2020 uma proposta de Lei, onde pretendia que a Assembleia da República o
autorizasse a legislar sobre o Estatuto das Autarquias Locais. Tal proposta foi aprovada por
unanimidade na generalidade, pelo que se considerou imediatamente aprovada e assim enviada

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após assinatura do Presidente da Assembleia da República ao Presidente da República com o
seguinte texto como Lei de autorização:

“Artigo único: Fica o Governo da República autorizado a alterar o regime jurídico das
Autarquias locais.”

O Governo da República legislou de imediato, tendo enviado o correspondente Decreto para


promulgação do Presidente da República em 20 de Setembro de 2020. Dez dias depois de
receber aquele Decreto, o Presidente da República enviou-o ao Tribunal Constitucional para que
este se pronunciasse no prazo máximo de quinze dias sobre a sua constitucionalidade. Nesse
prazo, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade do Decreto, tendo no
entanto o Presidente da República, por discordância com os fundamentos invocados,
promulgado o mesmo. No primeiro trimestre de 2021, na vigência de estado de emergência, o
Governo da República apresentou um Decreto ao Presidente da República para promulgação
contendo o novo regime geral da requisição e expropriação por utilidade pública, o qual
revogaria a Lei n. 168/99, de 18 de Setembro. Trinta dias depois, sem se justificar, o Presidente
da República veio a vetar politicamente este Decreto, disso dando conhecimento ao Governo da
República.

Resolução do caso prático 2:


1) A sessão legislativa, com base no artigo 174º, n. 2, tem início no dia 15 de Setembro e
termina no dia 15 de Junho, encontrando-se a Assembleia da República no período do seu
normal funcionamento no dia 3 de Junho.
2) O Governo da República tem a competência política para apresentar propostas de lei, de
acordo com os artigos 167º, n. 1 e 197º, n. 1, alínea d), sendo a proposta de Lei aprovada em
Conselho de Ministros, em termos do artigo 200º, n.1, alínea c).
3) Em termos do artigo 198º, n. 1, alínea b), o Governo da República pode legislar sobre as
matérias de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República através de
uma lei de autorização legislativa concebida por parte desta, constando a legislação sobre o
estatuto das autarquias locais no artigo 165º, n. 1, alínea q).
4) A proposta de Lei deve ser objeto de discussão e votação na generalidade, discussão e
votação na especialidade e votação final global, sendo a votação na generalidade insuficiente
para aprová-la, em termos do artigo 168º, n. 1 e 2. Para além disso, a proposta de Lei que está
em causa tem de ser obrigatoriamente votada na especialidade pelo Plenário de acordo com o
artigo 168º, n. 4, uma vez que está abrangida nas matérias que dela carecem.
5) Segundo o artigo 165º, n. 2, a lei de autorização legislativa deve definir o objeto, o sentido, a
extensão e a duração da autorização, sendo o constante do artigo único da lei de autorização
legislativa em causa insuficiente e inconstitucional.
6) Em termos dos artigos 134º, alínea g), 278º, n. 1 e 281º, n. 2, alínea a) o Presidente da
República é o órgão competente para suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade
de decretos-leis que devem ser por eles promulgados. Porém, deve fazê-lo, em termos do artigo
278º, n. 3, nos primeiros 8 dias após ter recebido o decreto-lei em questão, em vez dos 10 dias
que efetivamente necessitou.
7) O Tribunal Constitucional, após ter recebido o decreto por parte do Presidente da República,
deve pronunciar-se no prazo de 25 dias sobre a respetiva constitucionalidade, podendo esse
prazo ser encurtado pelo Presidente da República quando tal seja justificado de acordo com o
artigo 278º, n. 8. Presume-se que tal seja o caso, visto que nada é mencionado no enunciado do
caso prático.
8) Resultando do artigo 279º, n. 1, o Presidente da República deve vetar juridicamente o decreto

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que foi considerado, após fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, inconstitucional
pelo Tribunal Constitucional, não devendo assim cometer a inconstitucionalidade de promulgar
um decreto como lei que não obedece ao princípio da juridicidade e da constitucionalidade,
sendo este deduzido, por exemplo, do artigo 277º, n. 1. Por conseguinte, esta deve ser
expurgada para poder ser promulgada de acordo com o artigo 279º, n. 2.
9) Em termos do artigo 198º, n. 1, alínea b), o Governo da República pode legislar sobre as
matérias de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República através de
uma lei de autorização legislativa concebida por parte desta, constando a legislação sobre o
regime geral da requisição e expropriação por utilidade pública no artigo 165º, n. 1, alínea e). A
situação em que o Estado Português se encontra no momento de apresentação do decreto por
parte do Governo ao Presidente da República, ou seja, em estado de emergência, não implica
que o Estado deixe de funcionar, tal resultando do artigo 19º.
10) O decreto em questão pode revogar a mencionada lei, uma vez que o decreto-lei e a lei têm
o mesmo valor, em termos do artigo 112º, n. 2.
11) O Presidente da República pode no prazo de 40 dias promulgar, vetar politicamente ou
suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto-lei que pretende ser
promulgado, devendo, no caso de decidir vetá-lo politicamente, comunicá-lo ao Governo,
segundo o artigo 136º, n. 4. Sendo assim, não foram cometidas quaisquer
inconstitucionalidades.

Caso prático 3:
Em 1 de setembro de 2020, pretendendo legislar sobre o Regime jurídico da participação das
organizações de moradores no exercício do poder local a aplicar na Região Autónoma da
Madeira, a respetiva Assembleia Legislativa apresentou na Assembleia da República uma
proposta de lei de Autorização legislativa. Esta proposta foi aprovada pela Assembleia da
República sob a forma de resolução e remetida para a Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira, a qual aprovou ao seu abrigo Decreto Legislativo Regional em 15 de
Janeiro de 2021. Neste, fez constar por proposta do deputado regional A de 5 de Janeiro uma
disposição que atribuía aos cidadãos eleitores da região autónoma o direito de iniciativa do
referendo local. Recebendo o correspondente Decreto da Assembleia Legislativa para
promulgação, o Presidente da República suscitou a apreciação preventiva da sua
constitucionalidade, tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado pela inconstitucionalidade
do mesmo. Perante tal decisão a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira
reformulou o seu Decreto, por uma pluralidade de votos.

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