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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

No âmbito dos negócios jurídicos, vale o princípio da liberdade de


Semana 1 – 06.02 a 17.02 forma previsto no art. 219º CC. Contudo, atendendo a exigências de
segurança e certeza jurídicas, quanto aos bens imóveis, o legislador
previu no art. 875º CC que o contrato de compra e venda deverá ser
Caso Prático #4 celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado.
A, tendo aceitado uma oferta de trabalho no estrangeiro, decidiu Caso o contrato de compra e venda de bens imóveis não observe uma
vender todos os seus bens antes de deixar o país. Assim, vendeu os destas formas, será nulo, nos termos do art. 220º e 289º, a declaração da
radiadores e a caldeira do aquecimento central de sua casa a B e, mais nulidade tem efeitos retroativos, isto é, haverá lugar à repristinação das
tarde, antes ainda de estes serem desmontados, vendeu a própria casa a coisas ao estado anterior ao negócio, restitui-se o que foi prestado ou
C e o seu recheio a D. então o valor correspondente, nos termos do art. 289º.
B, um mês depois da venda da casa, apresentou-se no local, juntamente O art. 879º prevê os efeitos essenciais do contrato de compra e venda,
com um técnico, a fim de desmontar os aparelhos do aquecimento que são de dois tipos:
central. C, no entanto, não permitiu a entrada de B, dizendo que os
ditos aparelhos eram seus. Perante o sucedido, B pretende ser I. Efeitos obrigacionais, concretamente obrigação de pagar o preço
indemnizado por A, mas este defende-se dizendo que o contrato de e obrigação de entregar a coisa;
compra e venda do aquecimento central não foi validamente celebrado, II. Efeito real, a transferência da propriedade da coisa por mero
na medida em que não revestiu a forma de escritura pública exigida efeito do contrato, daí que, no âmbito da classificação dos
para bens imóveis. Por outro lado C sente-se enganado porque julgava negócios jurídicos, o contrato de compra e venda seja um
ter comprado a casa mobilada. No entanto, quando a foi habitar, já D contrato com eficácia real (ou quoad effectum).
tinha retirado todo o recheio da casa. 1º contrato
Quid juris? O primeiro contrato tem como objeto mediato os radiadores e a caldeira,
Estamos perante a celebração de três contratos de compra e venda, cuja estes são bens imóveis (art. 204º nº1 alínea e), concretamente partes
noção consta no art. 874º CC. Em primeiro lugar A vende a B os integrantes (204º nº3), uma vez que, se encontram materialmente
radiadores e a caldeira. Ainda antes de estes serem desmontados A ligados ao prédio com caráter de permanência.
vende a casa a C e o recheio desta a D. Apesar destas coisas serem bens imóveis, enquanto se encontram
materialmente ligadas ao prédio, os bens foram transacionados

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atendendo à sua mobilidade futura e, por isso, tem sido entendido que, A venda desta casa e a sua entrega vai observar o disposto no art. 872º
nestes casos, não se impõe as exigências de forma do art. 875º CC. CC nº2, que diz que a obrigação de entrega inclui as partes integrantes e,
Como tal, este negócio é formalmente válido. por isso, quando C adquiriu a casa, adquiriu também os radiadores e a
caldeira de aquecimento central.
A regra é que o contrato de compra e venda implica a produção de
efeitos reais, no entanto, neste contrato, apenas se verificaram 3º contrato
imediatamente os efeitos de natureza obrigacional, o efeito principal,
Por fim, A vendeu a B o recheio que se trata de uma coisa acessória, nos
que seria a transmissão da propriedade, que resulta do art. 879º e do art.
termos do art. 210º CC, nº1, uma vez que corresponde a coisas móveis
408º CC, nº1, não se verificou imediatamente.
que se encontram afetas, por forma duradoura, ao serviço da coisa
Contudo, neste caso, estamos perante uma exceção a esta regra, que se principal, neste caso, a casa. Resulta do art. 210º CC, nº2 que, se as
encontra prevista no art. 408º nº2, que determina que a transferência da partes nada estipularem, o negócio jurídico não abrange as coisas
propriedade das coisas, neste caso, dos radiadores e da caldeira, apenas acessórias – é uma exceção ao acessorium principale sequitur. Portanto,
acontece no momento da separação (quando são separados da casa). uma vez que o enunciado não nos indica que A e C convencionaram a
transmissão da casa com as coisas acessórias, isso significa que C
Neste tipo de negócios, o vendedor fica obrigado a adotar as diligências
adquiriu a propriedade da casa sem o recheio, e o proprietário do
necessárias, para que o adquirente possa vir a adquirir a propriedade das
recheio será, então, D.
coisas (resulta do art. 880º CC). Porém, neste caso, A incumpriu essa
obrigação, na medida em que antes de separar as coisas do imóvel, Em suma, o proprietário da casa e da caldeira e dos radiadores, é C e o
vendeu-as a um terceiro e, por isso, B não se tronou proprietário dos proprietário do recheio é D, ao passo que B nada adquiriu e tem apenas
radiadores e da caldeira, e terá apenas uma previsão indemnizatória em direito a uma indemnização por incumprimento contratual.
relação a A, por incumprimento contratual, nos termos dos art. 798º e ss.
Caso Prático #5
2º contrato
Em Outubro de 2015 D, agricultor da zona do Dão, vendeu a E,
A vendeu a C a casa, que corresponde a um bem imóvel, nos termos do produtor vinícola, a sua colheita de uvas do ano seguinte. Entretanto,
art. 204º CC, nº1, alínea a) e, quanto a ela, já serão aplicadas as em Fevereiro de 2016, D vendeu a sua quinta a F. Nesse mesmo ano, na
exigências de forma do art. 875º CC. Assumindo que a forma foi época das vindimas, E vem exigir de F as uvas que tinha comprado no
observada, a conclusão deste contrato levou à produção de efeitos reais ano transato.
e à transmissão da propriedade da casa de A para C, nos termos do art.
Quid juris?
408º CC, nº1 e 879º, alínea a).

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Estamos perante dois contratos de compra e venda. D vendeu a E a Existiu, então, incumprimento contratual em relação a E.
colheita de uvas do ano seguinte, que se trata de uma coisa futura, nos
Nota: Na hipótese de F ter adquirido a quinta oralmente, existiria
termos do art. 211º CC, em concreto, uma coisa absolutamente futura,
incumprimento de forma e o contrato seria nuo, nos termos do art. 220º,
uma vez que, à data da conclusão do contrato, a coisa ainda não existia,
o que implicaria que tudo aquilo que foi prestado, teria de ser restituído
isto por contraposição às coisas relativamente futuras, que são coisas
e, nessa hipótese, E poderia exigir a entrega da colheita das uvas.
que já existem, mas que não se encontram, ainda, na titularidade daquele
que dela dispõe. O nosso legislador admite a prestação de coisas futuras, Caso Prático #6
que resulta do art. 399º e, no âmbito do contrato de compra e venda,
aquilo que impõe é que o vendedor adote as diligências necessárias para Em Março deste ano, A e B celebraram um contrato de resinagem
que o comprador não venha a adquirir a propriedade das coisas. relativo a um pinhal de que o primeiro era proprietário na zona de
Leiria. No entanto, antes que se tivesse procedido à extração da resina
Quanto a este contrato, seria aplicável o princípio da liberdade de forma, das árvores, o pinhal foi devastado por um violento incêndio. Assim, B
previsto no art. 219º CC. Aqui não seria aplicável a regra de que o pretende que A lhe devolva o preço entretanto pago pela resina. Terá
contrato de compra e venda implica a transmissão automática da êxito na sua pretensão?
propriedade da coisa, pois seria aplicável o art. 408º nº2, que prevê que,
se a transferência respeitar a coisa futura, o direito só se transfere Nota: Contrato aleatório – quando está sujeito a uma álea (sorte), ou
quando a coisa for adquirida pelo alienante. Neste caso, antes desse seja, quando as partes não estabelecem uma contrapartida fixa e
momento, D vendeu a quinta F e, portanto, podemos concluir que este determinada, mas quando o cumprimento do contrato fica dependente de
incumpriu as exigências impostas pelo art. 880º nº1, o que levou a que E uma sorte ou de um azar. Por exemplo, um contrato de jogo. Os
não adquirisse a propriedade da colheita das uvas e tenha tão só direito a contratos aleatórios estão em contraposição com os contratos
tutela indemnizatória por incumprimento contratual, nos termos do art. comutativos.
798º e ss. A e B celebraram um contrato de compra e venda, cuja noção consta no
Quanto ao segundo contrato, de D a F da quinta. A quinta trata-se de um art. 874º CC. Este contrato teve por objeto mediato, a resina, que é um
bem imóvel, nos termos do art. 204º nº1 alínea a), pelo que seriam fruto natural, nos termos do art. 212º CC, e uma coisa futura, à luz do
impostas as exigências de forma do art. 875º, e tal conduziria à art. 211º. Enquanto a resina se encontrava na árvore, é ainda um bem
produção dos efeitos essenciais previstos no art. 879º, quer os efeitos imóvel, nos termos do art. 204º CC, nº1, alínea c). Contudo, não seriam
obrigacionais, quer o efeito real de transmissão de propriedade da aplicáveis as exigências de forma do art. 875º, pois a resina está a ser
quinta, sendo que, quando as uvas nascem, acompanham a quinta, pelo transacionada antecipando a sua mobilidade futura e, por isso, vigoraria
que F é também proprietário da colheita das uvas, nos termos do 882º o princípio da liberdade de forma, nos termos do art. 219º CC.
nº2.

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Quanto aos efeitos essenciais, previstos no art. 879º, teríamos aqui uma Caso Prático #8
exceção à produção do efeito real, porque, nos termos do art, 408º, nº2,
Filipa viveu durante 5 anos num imóvel arrendado de Guilherme.
a propriedade da resina apenas se transferiria para o adquirente quando
Durante o período em que lá habitou, reparou a janela da cozinha,
ela fosse adquirida pelo alienante.
substituindo-a por uma nova, em virtude de a original ter sido
No entanto, neste caso, não foi possível atingir este momento, devido ao quebrada na sequência de um assalto de que foi vítima. Devido ao
incêndio, portanto, precisamos de saber por conta de quem ficaria o receio que o assalto lhe causou, optou ainda por substituir a fechadura
risco. Assim, precisamos de saber se o negócio é aleatório comutativo. da porta de entrada do imóvel por uma mais moderna e segura.
Se concluíssemos que o negócio era aleatório, assumindo que as partes Entretanto, instalou também um painel de azulejos novo na cozinha.
se quiseram sujeitar a uma incerteza e sorte, fixando um preço Uma vez findo o contrato de arrendamento, Filipa entende que tem
independentemente da quantidade de resina que se viesse efetivamente a direito a uma compensação pelos investimentos que fez no imóvel, à luz
colher, seria aplicável o regime previsto no art. 880º nº2 e o preço seria do disposto no art. 1074.º, n.º 5 que remete para os art. 1273.º e 1275.º,
devido, ou seja, mesmo que B nada adquirisse, teria de pagar o preço todos do Código Civil. Guilherme opõe-se.
acordado. Por outro lado, se o contrato fosse comutativo, isto é, se as
Quid juris?
partes tivessem fixado um valor por cada quilograma de resina, as partes
saberiam de antemão os sacrifícios patrimoniais a que estariam sujeitos. Nota: As obras licitamente feitas são apenas as que tenham sido
autorizadas pelo senhorio (1072º) ou que decorram do 1036º e 1074º
Neste caso, atendendo que estamos perante uma impossibilidade
nº3.
objetiva, assumindo que o incendio não se deveu a culpa o vendedor e
que este adotou as diligências necessárias previstas no art. 880º nº1, Estamos perante benfeitorias, cuja noção consta do art. 216º nº1. A
aplicar-se-ia o art. 795º nº1, segundo o qual o credor fica desobrigado da substituição da janela é uma benfeitoria necessária, uma vez que, se a
contraprestação, e tem direito a reaver as prestações que já tiver Filipa não tivesse efetuado a reparação da janela, tal implicaria a
realizado, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa. Por deterioração do imóvel, entrando chuva e vento, por exemplo, e, como
outro lado, se o incêndio se tivesse devido a culpa do vendedor, este tal, à luz do art. 1273º nº1 1ª parte, a Filipa teria o direito a ser
seria responsável, nos termos do art. 801º nº1, pelo que B teria direito a indemnizada.
uma indemnização e poderia resolver o contrato, bem como exigir a
restituição de tudo aquilo que tivesse prestado. Já quanto à fechadura da porta que ela alterou, seria uma benfeitoria útil,
uma vez que, não se trata de um ato indispensável, mas aumenta o valor
Caso a impossibilidade fosse apenas parcial, por exemplo, se só do imóvel, pois garante-lhe mais segurança. Como tal, nos termos do
tivessem ardido metade das árvores, aplicar-se-ia o regime previsto no art. 1273º nº2, a Filipa teria direito a levantar a fechadura, mas apenas se
art. 802º. isso não implicasse o deterioramento do imóvel e, neste caso, retirar

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uma fechadura, provavelmente implicaria esse deterioramento, por isso, Entretanto B, encontrando-se com sérias dificuldades económicas, doou
alternativamente, a Filipa teria direito ao valor da fechadura, calculado a sua casa a um seu filho e vendeu uns terrenos de que era proprietário
segundo as regras do enriquecimento sem causa. a um seu empregado, tendo sido acordado com este a devolução dos
mesmos terrenos quando B se restabelecesse financeiramente.
Por fim, quanto ao painel de azulejos, assumindo que era um painel
banal, seria uma benfeitoria voluptuaria porque não é uma despesa Terá A alguma possibilidade de agir contra estes negócios?
necessária e, em princípio, não aumenta o valor do imóvel. Nessa
O contrato celebrado entre A e B (empréstimo) corresponde a um
medida, seria aplicável o art. 1275º nº1, que prevê que, se tal não
contrato mútuo (art. 1142º). Não obstante, o princípio da liberdade de
implicar o detrimento da coisa, a Filipa a pode levantar, mas, neste caso,
forma, consagrado no art. 219º CC, atendendo ao montante que foi
levantar azulejos da parede, em princípio, implica o deterioramento do
mutuado, este contrato seria de observar a forma prevista no art. 1143º,
imóvel. Porém, nesta hipótese, o legislador não prevê outra alternativa,
sendo assim um negócio formal. Assume-se que a forma foi respeitada,
por isso, quanto ao painel de azulejo, a Filipa nada teria a receber da
dado que o enunciado nada diz sobre isso.
parte do Guilherme.
Nota:
Nota:
 Mutuário – obrigado à restituição, neste caso, B.
 Boa-fé em sentido objetivo – conduta;
 Mutuante – aquele que empresta, neste caso, A.
 Boa-fé em sentido subjetivo – se conhece ou desconhece
determinada coisa; O contrato de mútuo (art. 1142º) pode ser gratuito ou oneroso,
consoante as partes estipulem ou não o pagamento de juros, sendo que,
caso nada prevejam, se presume que ele é oneroso. Neste caso, as partes
Semana 2 – 20.02 a 24.02 acordaram a restituição em singelo (sem juros) e, portanto, este contrato
seria gratuito (art. 1145º).

Caso Prático #9 Para além disso, este contrato é um contrato real, quanto à sua
constituição – contrato quoad constitucionem (art. 1144º) – uma vez
A é credor de B da quantia de 2.500 euros, em virtude de um que, para a sua conclusão, para além das declarações negociais, é
empréstimo realizado em favor deste último em Dezembro de 2018. necessária a prática anterior ou contemporânea de um determinado ato
Nada ficou acordado quanto ao momento da devolução da quantia material, neste caso, a entrega das coisas mutuadas (aos contratos reais
emprestada, tendo, no entanto, A, concordado com a restituição da quanto à constituição, contrapõe-se os contratos consensuais, em que
quantia em singelo. apenas é necessário um simples acordo entre as partes). Outro exemplo
de contrato quoad constitucionem é o contrato de comodato, previsto no
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art. 1129º e ss.). Para além disso, o contrato mútuo é um contrato de A interpelação é um ato jurídico, em especial, um simples ato jurídico,
eficácia real (quoad effectum) na medida em que implica a produção de pois os efeitos jurídicos produzem-se independentemente de terem sido
efeitos reais. queridos pelas partes (produzem-se ex lege e não ex voluntate). É um
quase-negócio jurídico enquanto manifestação exterior de uma vontade.
À luz da classificação dos factos jurídicos (atos humanos ou
acontecimento naturais suscetíveis de produzirem efeitos juridicamente Quanto à doação – consagrada no art. 940º e com efeitos no art. 954º –,
relevantes), trata-se de um ato jurídico, na medida em que resulta da sendo um bem imóvel, aplica-se o art, 947º, como tal a doação é um
vontade um elemento jurídico relevante, em concreto, é um negócio negócio formal (não tem liberdade de forma) e consensual (a doação
jurídico, uma vez que é integrado por uma ou mais declarações de torna-se perfeita com o simples acordo das partes revestido da forma
vontade. Os efeitos produzem-se ex voluntate e não apenas ex lege (os exigida). A doação é um ato jurídico, em especial, um negócio jurídico,
efeitos dependem da vontade das partes e não apenas do disposto na lei). sendo este um contrato unilateral, que gera apenas a obrigação da
entrega da coisa (art. 954º alínea b). Trata-se de um contrato real quanto
Em concreto, é um negócio jurídico bilateral ou contrato, dado que é
aos seus efeitos e obrigacional. É um negócio gratuito, isto é, não há
composto por duas declarações de vontade de sentido oposto, mas
sacrifício da contraparte – o doador tema intenção devidamente
convergente e tendentes a produzir um resultado jurídico unitário. No
manifestada de efetuar uma atribuição patrimonial a favor do donatário
fundo, é uma proposta e uma aceitação que se reúnem num consenso.
sem contrapartida ou correspetiva.
É um contrato unilateral, uma vez que apenas gera obrigações para uma
Nota: Animus donandi ou animus beneficiandi – o doador tem a atenção
das partes, mais especificamente, a obrigação de restituir o montante
manifestada de efetuar uma atribuição patrimonial a favor do donatário
mutuado. Já que as partes nada acordaram quanto ao prazo da
sem contrapartida ou correspetivo.
devolução, vigoraria o regime supletivo (art. 1148º nº1), segundo o qual
a obrigação só se vence 30 dias após a exigência do seu cumprimento. Relativamente ao contrato de compra e venda, enquanto facto jurídico, é
Esta exigência é uma interpelação que pode ser judicial ou extrajudicial. um ato jurídico, em concreto um negócio jurídico, um contrato bilateral
ou sinalagmático, pois gera obrigações para ambas as partes que se
Nota: A regra do art. 1148 nº1 constitui um desvio à regra geral do art.
encontram ligadas por um nexo de causalidade, em concreto, a
777 nº1 – nas obrigações puras, nos termos da regra geral, o credor pode
obrigação de entrega da coisa e a obrigação do pagamento do preço, nos
exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o
termos do art. 879º alíneas b) e c).
devedor pode a todo o tempo eximir-se dela. Nestas obrigações, o
devedor só fica constituído em mora, com todos os efeitos legais que daí Nota: Há, neste caso, uma remissão para a simulação (art. 240º). Neste
advém, depois de ter sido interpelado pelo credor a cumprir (art. 805º caso, assiste-se à venda simulada dos terrenos. O objetivo é dissipar
nº1). património de modo a subtrair a dívida, já que, pelas dividas de um
determinado sujeito, responde o seu património. Consequência dos

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negócios simulados é a nulidade (art. 240 nº2). O património é a  Exige-se a anterioridade do crédito em relação ao ato
garantia do credor. Não havendo património, não há garantia. impugnado; Pode ser posterior caso tenha sido realizado com
dolo – 610º alínea b);
Terá A alguma possibilidade de agir contra estes dois negócios?
 Má-fé bilateral, isto é, o devedor e o terceiro têm de agir de má-
A garantia geral do cumprimento das obrigações corresponde ao fé em sentido subjetivo, ou seja, têm de ter consciência do
património do devedor (art. 601º). Através deste é possível assegurar a prejuízo que o ato causa ao credor – 612º nº 1 e 2.
realização coativa da prestação ou da indemnização no caso da
Tanto da doação como a compra e venda são atos que envolvem a
obrigação não ser voluntariamente cumprida.
diminuição da garantia patrimonial e deles resulta a impossibilidade do
A lei não se limita a conceder ao credor o direito de promover a credor de satisfazer o seu crédito. No caso da doação nada entra para o
execução forçada da prestação, no caso do devedor não cumprir património do B que de algum modo compensem aqueles que saem; na
voluntariamente e de se ressarcir à custa do seu património, se a compra e venda na prática pode ainda assim haver uma impossibilidade
realização coativa da prestação não for possível. de satisfação do crédito uma vez que o dinheiro é facilmente ocultável
ou dissipado, neste caso uma vez que a venda foi simulada não há
A lei concede, ainda, ao credor os meios necessários para defender a sua
qualquer certeza que o valor tenha entrado no património do B.
posição contra os atos praticados pelo devedor capazes de prejudicarem
a garantia patrimonial da obrigação, diminuindo a consistência prática Ambos os negócios foram celebrado após o mútuo do qual cresce o
do seu direito de agressão sobre os bens do devedor. crédito do A e, portanto ambos os requisitos previstos no 610º parecem
estar preenchidos.
A estes meios dá-se o nome de meios de conservação da garantia
patrimonial – declaração de invalidade dos atos, a ação sub-rogatória, É necessário considerar ainda o disposto no 612º. Ainda que B e o seu
impugnação pauliana (610º e ss.) e arresto (605º e ss.). filho agissem de boa-fé a ação procede. Tratando-se um ato oneroso só
está sujeito de impugnação pauliana caso as partes estejam a agir de má-
Relativamente à impugnação pauliana, em concreto, prevista nos art.
fé, neste caso, a má fé bilateral estaria preenchida uma vez que estes
610º e ss., esta confere ao credor o poder de reagir contra os atos
tinham plena consciência de que a celebração do negócio traria prejuízo
praticados pelo devedor que envolvem a diminuição da garantia
ao credor. A lei apenas exige o conhecimento do prejuízo e não intenção
patrimonial.
de prejudicar.
Têm de estar preenchidos os seguintes requisitos:
Produzem-se os efeitos consagrados no art. 616º, havendo a restituição
 Prejuízo causado pelo ato impugnado à garantia patrimonial; de tudo aquilo que foi prestado, dando a possibilidade a A, credor, de
Exige-se a concreta nocividade do ato – 610º alínea a); executar o património de B.

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mais ou menos precisas e através da indicação de uma certa quantidade


Semana 3 – 27.02 a 03.03 a verificar através de pesagem, contagem ou mediação (ex.: 20
cadernos, 1kg de laranjas, 20l de gasolina). A fungibilidade das coisas
tem subjacente o critério da sua substituibilidade, não sendo
Caso Prático #10 verdadeiramente importante a sua identidade concreta.
a) Na sexta-feira, dia 6 de março, Hélia comprou, por 500 €, a As obrigações que tenham por objeto coisas fungíveis são obrigações
Joaquim, titular de uma papelaria, 50 dicionários de Língua Francesa, genéricas cujo regime jurídico se encontra previsto nos art. 539º - 542º.
da edição de janeiro de 2020 da Editora Z, para incluir na biblioteca Nas obrigações genéricas a prestação está determinada somente por
do seu Instituto de Língua Francesa. Acordaram que Joaquim referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de
entregaria os dicionários no estabelecimento de Hélia na segunda- um género, mas não está ainda concretamente determinado quais os
feira, dia 9 de março, ao início da manhã. Porém, durante o fim-de- espécimes que serão utilizados para o cumprimento da obrigação.
semana, o estabelecimento de Joaquim é assaltado. Parte dos 80
dicionários que ele tinha em stock são subtraídos e 5 os que não são O problema das obrigações genéricas coloca-se quando é necessário
levados pelos assaltantes são destruídos. Não restando, na papelaria de saber em que momento se dá a transmissão da propriedade sobre as
Joaquim, qualquer dicionário em bom estado, quid juris? coisas que vão servir para o cumprimento da obrigação. Dá-se esta
questão porque a transferência da propriedade não pode ocorrer no
b) Imagine, antes, que Joaquim era um alfarrabista, Hélia uma momento do contrato, uma vez que, um direito real só pode ter por
colecionadora de livros antigos, e a compra e venda respeitava a um objeto coisas corpóreas determinadas e, neste caso, no momento da
exemplar da primeira edição de um conceituado dicionário que se celebração do contrato apenas temos coisas indeterminadas.
encontrava em exposição no interior da loja. Quid juris?
Esta questão é importante para efeitos de risco, visto que, a transferência
c) À luz das classificações dos negócios jurídicos estudadas, classifique do risco acompanha a transferência da propriedade. O risco do
o contrato de compra e venda celebrado entre Hélia e Joaquim na perecimento da coisa ocorre por conta do adquirente segundo o 796º
alínea anterior. nº1.
a) Os dicionários são coisas fungíveis, nos termos do art. 207º, uma vez Do regime das obrigações genéricas decorre que a transmissão da
que, estas se determinam pelo seu género, quantidade e qualidade. As propriedade, e a transferência do risco a ele associada, ocorre no
coisas fungíveis são aquelas que intervém nas relações jurídicas não “in momento da concentração da obrigação, ou seja, quando a obrigação
specie” – não enquanto individualmente determinadas – mas “in genere” passa de genérica de especifica. Este momento acontece no momento do
– enquanto identificadas essencialmente apenas por notas genéricas cumprimento da obrigação – 408º nº2.

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O cumprimento da obrigação ocorreria com a entrega dos dicionários no que, estando em causa uma impossibilidade objetiva, haja extinção da
estabelecimento da Hélia dia 9 de março, momento em que se daria a obrigação de Joaquim (art. 790º).
concentração da obrigação genérica em especifica e a consequente
c) É um negócio jurídico bilateral, pois é composto por duas ou mais
transferência da propriedade e risco, significa isto que aquando do
declarações de vontade em sentido oposto, mas convergente, composto
assalto do estabelecimento a obrigação ainda não se tinha concentrado e
por uma proposta e uma aceitação que se reúnem num consenso.
a propriedade e o risco por conseguinte ainda não se tinham transferido
para a Hélia. Trata-se de um contrato bilateral ou sinalagmático, pois gera obrigações
para ambas as partes, que se encontram ligadas por um nexo de
Nos termos do 540º o risco do perecimento das coisas com que o
causalidade, em concreto, a obrigação de entrega da coisa e a obrigação
devedor contava cumprir a obrigação corre por sua conta.
de pagamento do preço, nos termos do art. 879º b) e c).
Como o género não se extinguiu Joaquim continua obrigado a entregar
É ainda um negócio entre vivos, pois os seus efeitos jurídicos destinam-
os dicionários sob pena de se não o fizer entrar em incumprimento da
se a produzir durante a vida das partes.
obrigação. O Joaquim não fica exonerado do cumprimento da
obrigação, nos termos do 540º, devendo ele comprar outros dicionários Trata-se de um negócio consensual ou não solene, pois pode ser
de forma a cumprir a obrigação que se comprometeu com a Hélia. celebrado por qualquer meio declarativo apto a exteriorizar uma
declaração de vontade, dado que o seu objeto imediato é uma coisa
b) Neste caso, a coisa (dicionário) é infungível nos termos do art. 207º a
móvel, não se aplicando assim, as exigências de forma do art. 875º.
contrário. A obrigação que tenha por objeto coisa infungível, trata-se de
uma obrigação especifica (aquela cujo objeto é concreto e É um negócio consensual, quanto à constituição, pois, para a sua
imediatamente fixado). formação, a lei exige, para além da emissão das declarações negociais, a
prática anterior ou simultânea de qualquer ato material.
Temos agora uma compra e venda que respeita a uma coisa
determinada, aplica-se, deste modo, o 408º nº1, a transferência da É um negócio real e obrigacional quanto aos efeitos – quoad effectum –
propriedade da coisa dá-se por mero efeito da realização do contrato. pois a sua celebração implica a transferência do direito de propriedade
Com a transferência da propriedade dá-se também a transferência do (art. 408º nº1 e art. 879º a) e efeitos obrigacionais de entrega da coisa e
risco (art. 796º nº1), portanto, quando Hélia e Joaquim celebraram o do pagamento (art. 879º b) e c). É patrimonial por contraposição com os
contrato de compra e venda, por mero efeito do contrato, deu-se a negócios pessoais, atendendo à natureza da relação jurídica que se
transferência do direito de propriedade de Joaquim para Hélia (art. 408º encontra subjacente.
nº1 e art. 879º), como tal, seria aplicável a regra prevista no art. 796º,
segundo a qual o risco decorre por conta do adquirente, por isso, o preço É ainda um contrato oneroso, por contraposição aos negócios gratuitos,
será devido por parte de Hélia (não se aplica o direito do 795º), mesmo pois pressupõe atribuições patrimoniais de ambas as partes que se

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

encontram ligadas por um nexo de correspetividade, ou seja, as partes A mensagem contida na carta enviada por B é uma declaração negocial,
estão de acordo em considerar as suas atribuições patrimoniais como isto é, um comportamento que, exteriormente observado, cria a
correspetivo uma da outra. aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial
(uma vontade negocial diz respeito à vontade de realização de certos
Por fim, trata-se de um contrato comutativo por contraposição aos
efeitos práticos sob a tutela do direito). Em concreto, estamos perante
contratos aleatórios, dado que as obrigações das partes se encontram
uma declaração negocial expressa (art. 217º nº1), uma vez que, é
fixadas e certas desde o momento da sua celebração.
manifestada diretamente uma vontade negocial, neste caso, através de
um meio escrito; concorrencialmente temos a declaração tácita, quando
se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam.
Semana 4 – 06.03 a 10.03
Estamos perante um contrato compra e venda de uma máquina de cortar
a relva (coisa móvel – art. 205º nº1). Sendo uma coisa móvel vigora o
Caso Prático #11 princípio da liberdade de forma (art. 219º), ou seja, estamos perante um
contrato consensual.
B, pretendendo comprar uma máquina de cortar relva elétrica, enviou
uma carta nesse sentido à empresa C, especializada na venda de A grande questão subjacente a esta hipótese é a de saber se já houve ou
materiais de jardinagem através de catálogo, especificando o modelo não a celebração de um contrato e, para isso, deve ter se em conta que o
pretendido. A carta foi expedida, na modalidade de correio azul, no dia contrato é formado por duas ou mais declarações de vontade de sentido
14 de Abril. Na noite do mesmo dia 14, aquando da realização das suas oposto, mas convergente e tendente a produzir um resultado jurídico
compras mensais num hipermercado, B deparou-se com o mesmo unitário. No fundo, é composto por uma proposta e uma aceitação que
modelo de máquina de cortar a relva na secção de promoções, à venda se reúnem num consenso que deverá observar os termos do art. 232º. O
por um preço substancialmente inferior. Assim, pretendendo contrato forma-se quando a aceitação adquire eficácia (art. 224º), que se
desvincular-se da encomenda efetuada, enviou nessa mesma noite um dá quando a aceitação chega ao poder do destinatário ou é dele
fax para os escritórios da empresa C, considerando sem efeito a sua conhecida.
carta de 14 de Abril. A pessoa encarregada de "despachar" as
O catálogo é uma proposta contratual ou um mero convite a contratar?
encomendas tomou conhecimento do fax na manhã do dia seguinte, no
início do expediente, antes mesmo de receber a correspondência do dia, 1. Proposta Contratual
onde se incluía a carta de B. Poderá B devolver a máquina
encomendada quando, dias mais tarde, ela é enviada à cobrança para a Na proposta contratual, uma das partes, o preponente, formula uma
sua morada? oferta de contrato para cuja conclusão seja suficiente a simples aceitação
da contraparte. É um projeto completo de contrato que se destina a ser

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

transformado em contrato mediante a sua simples aceitação pela pessoa Daqui parece decorrer que o legislador reconhece os catálogos como
a quem é dirigido sem a necessidade de qualquer outra formalidade ou verdadeiras propostas contratuais. Ainda assim, se os catálogos não
manifestação de vontade. É um ato finalisticamente orientado à observarem algum daqueles 3 requisitos, não poderão ser tidos como
conclusão de um contrato nos precisos moldes em que está formulado. propostas contratuais. Neste caso, não há informação suficiente para
concluir com certeza se este catálogo era uma proposta contratual ou um
A proposta contratual tem de observar 3 requisitos cumulativos tem de
mero convite a contratar.
ser:
Se o catálogo fosse uma proposta contratual, a declaração emitida por B,
 Completa; será a aceitação e tem de se aferir se esta aceitação se tornou ou não
 Firme – revelar uma vontade série e inequívoca de contratar; eficaz e para o efeito deve atentar-se que esta é uma declaração
 Formalmente suficiente – observar a forma exigida para o receptícia, uma vez que tem um destinatário determinado (C) e, por isso,
contrato que se pretende celebrar; aplica-se o 224º nº1 1ª parte, que quanto a este tipo de declarações prevê
Caso a proposta não observe alguns destes requisitos, não pode ser que elas se tronam eficazes logo que cheguem ao poder (chegar à sua
juridicamente qualificada como uma proposta, mas antes como um mero proximidade e em condições que o destinatário possa tomar
convite a contratar. conhecimento da declaração – combinação da doutrina da receção com a
doutrina do conhecimento.
2. Mero Convite a Contratar
Quando a carta é colocada na caixa de correio de C assume-se que esta é
Um mero convite a contratar é uma declaração pela qual uma pessoa se tida como recebida e conhecida é, como tal, irrelevante que este não a
manifesta disposta a iniciar um processo de negociações, mas se se leia, uma vez que, não seria justo impor a terceiro o ónus da prova do
vincular à celebração de um contrato nem a um conteúdo já conhecimento da declaração.
completamente determinado.
A revogabilidade da aceitação apenas é possível nos termos do art. 235º
Quando ao conteúdo do catálogo, há legislação especial que o regula e nº2, que prevê que a aceitação pode ser revogada mediante declaração
que resulta do art. 21º do DL 24/2014 de 14 de fevereiro e neste artigo que ao mesmo tempo ou antes dela chegue ao poder do proponente, ou
estão previstas as informações que um catálogo tem de necessariamente seja, dele conhecida. Neste caso, admitindo que a empresa C não labora
conter (elementos identificativos da empresa, características essências durante a noite, a declaração contida no fax, embora tenha sido expedida
do bem ou serviço, indicação do preço total, e indicações relativas à durante a noite dia 14, só chega à empresa no dia 15 de manhã, altura
forma e condições de pagamento). DO art. 21º nº2 resulta que estas em que a empresa C abre e passa a ter condições de conhecer a
exigências não se aplicam às mensagens publicitárias genéricas que não declaração. O enunciado indica que a empresa tomou conhecimento da
importem uma proposta negocial concreta.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

revogação antes da aceitação. Como tal, o contrato não se chegou a No telefonema que A faz a B, A emite uma proposta contratual,
concluir e B pode devolver a máquina. configurado a resposta de B uma aceitação. Tratando-se de um contrato
de compra e venda de uma mota que é uma coisa móvel (art. 205º nº1)
Se o catálogo fosse um mero convite a contratar, então, nesse caso, a
vigora o princípio da liberdade de forma (art. 219º) pelo que basta o
declaração de B é que seria a proposta contratual e a proposta também é
simples consenso das partes para que o contrato se conclua válida e
passível de ser revogada, nos termos do art. 230º nº2 que prevê que, se
eficazmente – contrato consensual. Neste caso, tanto A como B
ao mesmo tempo que a proposta ou antes dela o destinatário receber a
emitiram declarações negociais expressas, uma vez que, foram feitas por
revogação ou tiver conhecimento dela por outro meio, fica a proposta
palavras nos termos do art. 217º nº1, sendo que ambas foram também
sem efeito. Neste caso, sabendo que o fax que continha a revogação foi
declarações receptícias, uma vez que, tinham um específico destinatário.
conhecido em momento anterior ao da carta que continha a proposta,
Como tal, estas declarações tornam-se eficazes no preciso momento em
houve assim uma válida e eficaz revogação da proposta contratual.
que foram conhecidas pela contraparte (art. 224º nº1). O enunciado não
A ratio subjacente tanto à revogação da proposta como à da aceitação é indica que as partes tenham previsto um preço concreto e por isso
a mesma, em concreto se o destinatário da declaração recebe a poderíamos equacionar se tal seria ou não um obstáculo ao consenso
revogação antes ou ao mesmo tempo da declaração negocial, não se exigível pelo art. 232º e, neste caso, não seria, porque embora não
chegou a formar expectativas jurídicas dignas de tutela. tenham fixado um preço em concreto, acordaram uma forma de o
determinar, fixaram um critério, em concreto, o preço de mercado e,
Caso Prático #12 portanto, na medida em que o preço era determinável não violaria as
No dia 12 de Abril A telefonou a B propondo-lhe a compra da sua mota regras gerais sobre o objeto negocial (art. 280º nº1). Para além disso,
da marca BMW, com matrícula de 2010, pelo preço "de mercado". B ainda que as partes nada tivessem previsto, o concreto do contrato de
respondeu imediatamente "negócio fechado", ficando combinado que A compra e venda prevê um regime supletivo que interviria na hipótese do
iria buscar a mota à garagem X, onde ela estava guardada, e que silêncio das partes, em concreto, o art. 883º.
"levantaria" a chave na receção da mesma garagem. No entanto, Posto isto, houve celebração de contrato de compra e venda o que
quando A foi buscar a mota dois dias mais tarde, foi informado que a implica a produção de efeitos obrigacionais, em concreto, a obrigação
mota tinha sido roubada na véspera, juntamente com outros veículos de pagamento do preço e a da entrega da coisa nos termos do art. 879º
motorizados que se encontravam na garagem. Perante esta situação, A b) e c) e o efeito real que implica a transmissão do direito de
entende não ter de pagar a quantia de 2.000 euros que B lhe vem exigir, propriedade por mero efeito do contrato (art. 879º a) e 408º nº1).
apesar de concordar que este era o preço correspondente à antiguidade
e estado de conservação da moto... se esta lhe tivesse sido entregue. Teria de se saber por conta de quem correria o risco do assalto,
assumindo que este não se deveu nem por culpa de A nem por culpa de
B, nesse caso é aplicável o art. 796º nº1 (normalmente aplicar-se-ia o

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

795º) que levaria à extinção da obrigação de A entregar a mota por incluir todas os elementos necessários para que ocorrendo a simples
impossibilidade nos termos do art. 790º nº1, mas não desoneraria B da aceitação, o contrato se conclua tal como projetado pelo preponente.
obrigação do pagamento do preço, uma vez que o risco correria por sua
Será que se trata de uma proposta contratual? Para responder a esta
conta.
questão tem de se aferir se se verificam cumulativamente os seguintes
Assim, A terá de pagar o preço ainda que não vá receber a mota. requisitos:
Caso Prático #13 1. A proposta deve ser completa, ou seja, deve incluir todas as
matérias que devam ficar estipuladas no contrato (deve incluir o
a) A recebeu no dia 10 de Abril uma carta de B pela qual este
projeto completo do contrato querido pelo preponente);
manifestava o seu desejo de lhe vender a sua casa de férias pelo preço
2. A proposta deve ser firme, isto é, deve exprimir uma vontade
de 200 mil euros e respondeu-lhe uma semana mais tarde, via fax,
séria e inequívoca de contratar nos precisos moldes projetados
mostrando-se disposto a pagar 170 mil euros pelo imóvel. Alguns dias
na proposta. Assim, não respeitam este requisito as declarações
depois, B enviou a A uma segunda carta dizendo que aceitava a sua
que deixam margem de liberdade do preponente quando à
oferta e marcando a escritura pública de compra e venda para 15 de
conclusão ou não do contrato ou quanto ao seu conteúdo. Só é
Maio. No dia acordado, quando A compareceu no cartório notarial,
firme a proposta em consequência da qual o preponente fique
tomou conhecimento de que a casa de férias de B tinha entretanto sido
sujeito a que a pessoa a quem foi dirigida a proposta exerça o
vendida por este a C, pela quantia de 190 mil euros. Quid iuris?
direito potestativo de a aceitar, concluindo-se assim o contrato
b) Supondo que, não obstante o contrato concluído com C, é celebrada sem que o preponente o possa evitar;
a escritura de compra e venda agendada para 15 de Maio e que A 3. A proposta deve ser formalmente suficiente, ou seja, deve
regista imediatamente a sua aquisição (antes mesmo de C o fazer), diga observar a forma exigida para o contrato a celebrar, sob pena de
que direitos assistem a A sobre o imóvel. nulidade por falta de forma (art. 220º).

a) Estamos perante a negociação de contrato de compra e venda. Neste caso, a declaração de A não observa a forma legalmente exigida
Incidindo este contrato sobre uma casa de férias, que se trata de um bem pelo que não poderia ser uma proposta contratual. Estamos perante um
imóvel, nos termos do art. 204º nº1 a), este negócio teria de observar as mero convite a contratar.
exigências de forma do art. 875º, ou seja, o contrato só será formalmente
O mesmo se diga quanto à declaração de A contida no fax. De todo o
válido se for celebrado por escritura pública ou documento particular
modo, esta declaração não poderia consubstanciar uma aceitação, mas
autentica. Estamos perante um negócio formal.
tão só uma nova proposta, uma vez que a aceitação tem de ser o reflexo
A declaração de B, contida na carta, é uma declaração expressa, uma total da proposta à luz de uma ideia da “mirror image rule”, tem no
vez que foi celebrada por escrito, segundo o art. 217º), portanto deve fundo de ser um sim total e absoluto. Qualquer aditamento, limitação,

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

modificação ou exclusão constitui uma rejeição da proposta. Contudo, b) Relativamente ao contrato celebrado entre B e C, parte-se do
determinada o art. 233º que, se essa alteração for suficientemente pressuposto que foram observadas as exigências de forma do art. 875º,
precisa, ela vale como contraproposta. Ainda assim, pelos mesmos pelo que foi validamente celebrado, produzindo este os efeitos previstos
motivos já enunciados, tal não poderia suceder pois a forma não se no art. 879º, designadamente a transmissão do direito de propriedade
observava. O mesmo vale para a declaração contida na segunda carta (art. 879º a) e art. 408º nº1). Como tal, o proprietário da casa passou a
enviada por B. ser C.
Todavia, podemos reconhecer que as partes se encontravam em fase de Portanto, a venda celebrada entre B e A incide sobre o bem que já não se
negociações, no que adquire relevância o art. 227º que impõe que, encontra na titularidade de B, logo, estamos perante uma venda de bem
durante tal período, os contratantes devem adotar comportamentos que alheio, que é nula, nos termos do art. 892º, o que está em consonância
respeitem a boa-fé. com a regra geral segundo a qual ninguém pode transmitir mais direitos
do que aqueles que tem à luz do princípio do nemo plus iuris. Como tal,
O conceito de boa-fé é aqui empregue no seu sentido objetivo enquanto
A não pode adquirir o direito de propriedade da casa se este direito já
padrão ético-jurídico de comportamento, segundo o qual os contraentes
não existia na esfera jurídica do transmitente, o B.
devem agir de modo honesto, correto e leal. Deste modo, B cometeu
uma manifesta violação dos deveres de boa-fé, nomeadamente, da No entanto, esta regra comporta exceções, o que significa que, em certas
lealdade, uma vez que agendou uma data para a celebração da escritura hipóteses, o adquirente, não obstante a aquisição ser derivada, pode
pública, levando A legitimamente a acreditar na celebração do contrato obter um direito que já não pertencia ao transmitente.
e, entretanto, vendeu a casa a C e nem sequer informou A que apenas
Uma dessas transmissões é por força do registo predial. Devem ser
tomou disso conhecimento já no cartório notarial.
inscritos, com o fim de lhes dar publicidade, os diversos atos inerentes a
Com efeito, B incorre em responsabilidade civil pré-contratual, por bens imóveis, em particular, nos atos que consulte a aquisição de
culpa in contrahendo e terá de responder pelo dano da confiança direitos reais sobre os mesmos.
resultante da lesão do interesse contratual negativo. Significa isto que B
O registo não é um meio de aquisição de direitos, sendo o ato
deverá colocar A na situação em que ele estaria se não tivesse chegado a
plenamente eficaz inter-partes, nos termos do art. 4º nº1 do código do
depositar uma confiança afinal frustrada na celebração de um contrato
registo predial. A consequência da falta de registo é a ineficácia do ato
válido e eficaz.
em relação a terceiros (art. 4º nº1 e 5º do registo predial).
A indemnização poderia incorrer relativamente a custos que o A tivesse
Importa saber que terceiros para efeito de registo predial são as pessoas
realizado relativamente ao contrato com B.
que do mesmo transmitente adquirem direitos parcialmente ou
completamente incompatíveis sobre o mesmo bem (art. 5º nº4 código do

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

registo predial). Significa isto que, se B vendeu o mesmo prédio a C e garantir o normal desenvolvimento da relação obrigacional. Estes
depois a A, A e C são terceiros para efeitos de registo, sendo que irá deveres são independentes dos deveres de prestar e, por isso, são
prevalecer a venda a A, uma vez que, esta foi primeiramente registada, suscetíveis de nascer antes da celebração de qualquer contrato, podendo
verificando-se assim, o efeito central do registo. permanecer em caso de ineficácia do contrato e mesmo sobreviver à sua
extinção, isto porque, têm fonte legal e não fonte convencional.
Assim, A tronasse proprietário do imóvel através de uma exceção do
princípio “nemo plus iuris” exceção esta que permite a proteção de um A expressão deveres acessórios de conduta tem o mérito de assinalar a
terceiro adquirente a non domino. instrumentalidade que estes deveres assumem face à relação contratual.
Ela falha, porém, conforme salienta o Professor Carneiro da Frada,
quando se trata de descrever deveres in contrahendo (relativa à
Semana 5 – 13.03 a 17.03.2023 responsabilidade civil pré-contratual) ou por culpa post pactum finitum
(relativa à responsabilidade civil pós-contratual).
Entre André e o hotel existe uma relação de negociação dado que ainda
Caso Prático #1
não foi celebrado qualquer contrato, pelo que não existem ainda deveres
André viaja com a família para a Serra da Estrela. Ao procurar hotel de prestar, ou seja, obrigações em sentido técnico. Pode, aliás, nem
para passar a noite, entra com a filha, Beatriz, no “Hotel da Serra, sequer vir a ser celebrado qualquer contrato. Contudo, apesar de ainda
Lda.”, para ver se haveria quartos disponíveis. As escadas de acesso ao não haver contrato existe já, na fase das negociações, uma relação
hotel estavam mal limpas da neve que tinha caído antes, tendo Beatriz efetiva entre as partes, relação essa que justifica a existência de deveres
escorregado num pedaço de gelo não limpo por Carlos, empregado do jurídicos próprios que impõem uma conduta honesta, leal e correta.
hotel. Beatriz caiu e partiu uma perna. Quid juris? Assim, pelo simples facto de se encontrar em negociações, o André e o
hotel estão adstritos aos deveres que decorrem do princípio da boa-fé
Nesta hipótese prática está-se perante um caso de responsabilidade civil
(art. 227º). O conceito de boa-fé é aqui empregue no seu sentido
pré-contratual (art. 227º boa-fé em sentido objetivo). A relação
objetivo, enquanto padrão ético-jurídico de comportamento, que impõe
contratual que une um credor a um devedor é uma relação complexa,
que as partes atuem de modo honesto, leal e correto.
dado que não se esgota nos deveres de prestar, antes abrangendo o
conjunto de situações jurídicas geradas pelo vínculo obrigacional, daí De acordo com a sistematização da jurisprudência alemã e que, entre
que, comummente, seja designada por relação obrigacional complexa. nós, tem vindo a ser sustentada por Menezes Cordeiro, existem 3 grupos
de deveres pré-contratuais concretizadores da boa-fé:
Além dos deveres principais e secundários de prestação, existem os
deveres acessórios ou laterais de conduta. Estes deveres traduzem-se na  Deveres de Proteção – segundo os quais, na fase das
adoção de comportamentos impostos pela boa-fé, que se destinam a negociações, as partes devem evitar qualquer atuação suscetível

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

de causar danos á contraparte, sejam danos pessoais ou danos Caso estejam verificados todos os requisitos necessários à verificação da
patrimoniais. Nas palavras do Professor Carneiro da Frada, estes responsabilidade pré-contratual, a Beatriz teria o direito a ser
deveres visam a defesa da integridade do status quo pessoal ou indemnizada. Os requisitos são: facto voluntário, ilícito, culposo, danoso
patrimonial de cada um dos sujeitos que intervém na relação pré- e tem de haver um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
contratual.
Importa agora aferir que regime jurídico é aplicável à responsabilidade
 Deveres de Informação – por força dos quais, as partes na
civil pré-contratual, o que tem dito uma questão debatida na doutrina
negociação estão vinculadas a fornecer à parte com quem
portuguesa. A maioria da doutrina (Mota Pinto, Menezes Cordeira,
negoceiam as informações necessárias ao conhecimento das
Ribeiro de Faria) entende que estamos perante uma hipótese de
circunstâncias que possam ser relevantes para a formação do
responsabilidade civil obrigacional, isto é, uma violação de um dever
consenso contratual. Ainda assim, tem sido entendido que estes
jurídico especial que é a obrigação (art. 297º). Por outro lado, há quem
deveres apenas surgem quando a contraparte tenha cumprido o
sustente (Almeida Costa) que estamos perante uma hipótese de
seu dever de autoinformação fazendo o que estava
responsabilidade civil extraobrigacional ou delitual, nasce da violação
razoavelmente ao seus alcance para se auto esclarecer.
de deveres gerais de conduta impostos a todas as pessoas para
 Deveres de lealdade – impedem as partes de adotar
salvaguarda dos direitos de outrem, formam uma estatuto básico geral e
comportamentos que criem obstáculos injustificados à conclusão
indiferenciado da coexistência dos sujeitos.
do contrato, bem como de assumir comportamentos que induzam
a contraparte em erro. Existe ainda quem defenda que a responsabilidade civil pré-contratual
se situa num meio termo entre a responsabilidade civil obrigacional e a
No nosso caso, a ser celebrado um contrato, a relação contratual
extraobrigacional/delitual, uma vez que, não resulta da violação de um
estabelecer-se-á entre André e o hotel, mas quem sofreu os danos foi
direito absoluto nem do incumprimento de uma obrigação, mas antes da
Beatriz, filha de André. De todo o modo, tem sido entendido que os
violação de deveres de comportamento surgidos no âmbito de uma
deveres pré-contratuais se estendem a terceiros especialmente ligados a
relação específica entre as partes. Este é o entendimento de Sinde
uma das partes. Nesta hipótese sabendo que Beatriz é filha de André
Monteiro, Carneiro da Frada e Menezes Leitão. Esta doutrina entende
está presente esta relação de especial proximidade, pelo que estes
que será, portanto, mais adequado configurar a responsabilidade in
deveres lhe seriam extensíveis. Como tal, num caso em apreço, estamos
contrahendo como uma responsabilidade intermédia ou enquanto
perante um incumprimento de deveres de proteção – subespécie dos
terceira via de responsabilidade civil, encontrando-se intercalada entre a
deveres acessórios de conduta impostos pelo princípio da boa-fé –
responsabilidade civil obrigacional e a responsabilidade civil
incumprimento este que poderá gerar responsabilidade civil pré-
extracontratual. Ainda assim consideram que, a esta modalidade de
contratual (art. 227º).
responsabilidade, será maioritariamente aplicável o regime da
responsabilidade civil obrigacional (art. 798º e ss.), pois esta garante

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

uma maior proteção ao lesado, visto que, nesta há uma presunção de Rita e Sérgio celebraram um contrato de prestação de serviços, contrato
culpa (art. 799º nº1). esse que já havia findado aquando da ocorrência dos danos, uma vez
que as partes já haviam cumprido as obrigações a que estavam adstritas.
Assim, seguindo este entendimento, seria aplicável o art. 799º que prevê
De todo o modo os deveres de conduta impostos pela boa-fé podem
uma presunção de culpa, pelo que não seria necessário a Beatriz fazer
manter-se mesmo após a extinção do vínculo obrigacional, uma vez que
prova da culpa do lesante, bem como art. 800º nº1, que determina a
a sua função extravasa a simples realização do programa contratual,
responsabilidade do hotel pelos atos dos seus auxiliares incluindo, pois
dado que visam a realização de outros interesses. De facto, a relação
os atos de Carlos. Haverá, no entanto, também lugar à aplicação de
contratual impõe a cada uma das partes deveres de cuidado ordenados à
algumas normas da responsabilidade civil extracontratual como por
defesa da integridade do status quo pessoal ou patrimonial da
exemplo a regra da prescrição (art. 498º ex vi art. 227º nº2).
contraparte nos termos do art. 762º nº2. Estes deveres têm, por isso,
Caso Prático #2 fonte legal, sendo, pois, independentes dos deveres de prestar, podendo
sobreviver à extinção do contacto.
Rita e Sérgio celebraram um contrato pelo qual a última se
comprometia a atuar no Hotel do segundo, na celebração do 10º Neste caso, verifica-se um incumprimento por parte de Sérgio de
aniversário do estabelecimento, mediante o pagamento de 5.000 €. Na deveres de proteção (subespécie dos deveres laterais de conduta
data acordada, já depois do espetáculo ter terminado e de o pagamento impostos pelo princípio da boa-fé). Temos, assim, uma situação de culpa
da quantia devida ter sido efetuado, quando Rita se encontrava a post pactum finitum (art. 239º) que constituirá Sérgio numa obrigação
arrumar o seu material, a estrutura das luzes que se encontrava em de indemnizar. Também a responsabilidade civil pós-contratual não se
cima do palco caiu e atingiu Rita. Esta, que sofreu graves lesões, deixa reconduzir, quer à responsabilidade civil delitual quer à
pretende ser indemnizada pelos danos sofridos. Sérgio entende que obrigacional, havendo, por isso, que enquadrá-la no âmbito de uma
nada tem a responder, já que a relação contratual já tinha cessado. responsabilidade intermédia ou terceira via da responsabilidade civil
Quid juris? cuja tutela jurídica se encontra orientada pelo regime jurídico da
responsabilidade contratual.
Uma possível via de solução seria a responsabilidade civil
delitual/extraobrigacional. Poder-se-ia, assim, imputar os danos Neste sentido, seria aplicável o art. 799º nº1, que contém uma resolução
causados a Rita nos termos do art. 483º em conjugação com o art. 492º. de culpa do devedor. Significa isto que Sérgio teria que provar que não
Contudo, não parece ser este o caminho mais adequado, na medida em teve culpa na queda da estrutura de luzes sob pena de responder pelos
que os danos surgem, não no âmbito de um contacto social entre danos sofridos por Rita.
estranhos, âmbito para o qual está pensada a responsabilidade civil
delitual, mas no contexto de uma relação específica que une as duas
partes. Caso Prático #3

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Britadeiras da Mourinha, Lda., intentou no Tribunal Judicial de Santo sujeita a ratificação, por força do art. 268.º n.º 2 do Código Civil. Por
Tirso uma ação contra Italstrade, pedindo a condenação desta ao isso, absolveu a Ré do pedido.
pagamento de cerca de 138.000 contos, quantia a que teria direito e se
A Autora interpôs recurso da decisão. Quid iuris?
encontrava por pagar, correspondente à contrapartida acordada no
contrato de cessão de exploração da pedreira sita no lugar de S. Tomé O contrato de cedência de exploração da pedreira foi celebrado por
de Negrelos, freguesia da Mourinha, concelho de Santo Tirso, alguém que não tinha poderes de representação da sociedade da ré, pelo
celebrado com a Ré. que o mesmo seria ineficaz nos termos do art. 268º nº1, salvo se a ré
ratificasse (art. 268º nº2) – com a ratificação os efeitos jurídicos
No despacho saneador, conheceu-se diretamente do pedido, negando-
produzem-se retroativamente na esfera do representado. Apesar de a ré
se provimento à ação intentada pela Autora. Para o efeito, ponderou-se
nunca ter ratificado o contrato, o enunciado indica que este foi sendo
que tendo ela como fundamento a violação do contrato de cessão de
executado durante um longo período de tempo, pelo que se coloca a
exploração da pedreira celebrado com a Ré, por escritura pública (de
questão de saber se tal poderia valer como uma ratificação tácita.
acordo com a prescrição de forma do art. 89.º, alínea k) do Código do
Contudo, o tribunal da primeira instância decidiu que não poderia, uma
Notariado), em 23 de Outubro de 1989, assistia a esta razão em alegar
vez que resulta do art. 268º nº2 que a ratificação está sujeita à forma
a insuficiência de tal negócio por falta de poderes representativos do Sr.
exigida para a procuração e nos termos do art. 262º nº2. Salvo
Cláudio del Noce, que nela outorgou em nome da Ré. De facto, na
disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida
referida escritura, ele interveio na qualidade de gestor de negócios,
para o negócio que o procurador deva realizar.
encontrando-se aí mencionado que o notário advertiu expressamente os
outorgantes de que o contrato carecia de ser ratificado pela Ré para se O enunciado indica que o contrato de cessão de exploração da pedreira
tornar eficaz em relação a ela. Todavia, a Autora não apresentou foi celebrado mediante escritura pública, nos termos do art. 89º k) do
qualquer instrumento público avulso ou qualquer escritura contendo tal código de notariado, pelo que necessariamente a procuração e a
ratificação da Ré. ratificação também o teriam de ser. Ainda assim, ambas as partes sabem
que contrato é ineficaz e, não obstante, pontualmente, cumpriram o
O contrato foi, apesar de tudo, sendo executado ao longo de um muito
contrato. Agora, perante a recusa da empresa italiana, coloca-se um
largo período de tempo, extraindo a Ré brita da dita pedreira e
problema de tutela da confiança – corresponde à tutela que deve ser
utilizando-a na construção dos lanços de autoestrada Porto-Braga e
admitida em nome da necessidade da realização da justiça a que o
Porto-Amarante. A certa altura, porém, surpreendendo a Autora, a Ré
sistema não pode ficar indiferente apesar das limitações das disposições
suspendeu inopinadamente os pagamentos da brita que ia retirando.
legais que protegem as expectativas sob pena de entrar em contradição
Entendeu o Mmo. Juiz a quo, contudo, que os atos materiais de
com o seus próprios alicerces (art. 334º).
execução do contrato por parte da Ré não podiam valer como
ratificação tácita do contrato, dada a exigência de forma que está

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Um dos problemas é que nem sempre existe uma revisão legal que expectativas não causar algum prejuízo substancial não necessita
especificamente tutele a proteção da confiança, isto porque o direito é de tutela.
uma ordem de justiça e não uma ordem de tutela de expectativas, o que
Neste caso, o investimento de confiança traduziu-se no facto de a autora
significa que apenas tutelará expectativas se tal se revelar justo.
permitir à ré levantar a brita sem pagamento imediato do preço, daí que
Num caso como este, aprece que a tutela de expectativas se impõe por ele ascenda agora a 138 mil contos.
imperativo ético-jurídico, sendo esta tutela admitida em nome da
4. É necessário que a imputação da situação de confiança criada
necessidade imperiosa da justiça. Esta tutela funciona, particularmente,
seja feita à pessoa que simultaneamente vai ser atingida pela
através da cláusula geral de abuso do direito prevista no art. 334º. Para o
proteção dada ao confiante. No fundo, tem de haver uma
efeito é necessária a verificação cumulativa de 4 requisitos:
conexão entre o sujeito que suporta as consequências da
1. Tem de se estar perante uma situação de confiança pela qual frustração da confiança e aquele que gerou essa confiança.
alguém confia no comportamento ou nas declarações de outrem,
Neste caso, este requisito também estava cumprido, pois a empresa
na medida em que, só merece tutela aquele que tiver confiado na
italiana foi quem gerou a confiança na autora de que o contrato seria
execução do contrato;
cumprido independentemente da sua eficácia e foi também ela, volvido
2. É necessário que essa confiança seja justificável, uma vez que, a
um largo período, que frustrou essa mesma confiança, recusando-se a
imprudência ou a incúria tornam injustificada essa proteção. Tal
pagar o preço pedido.
impõe-se, pois não são quaisquer expectativas que podem ser
tuteladas, mas apenas as que forem legitimas dado que o direito Com efeito, estando reunidos todos estes pressupostos, a confiança da
não tutela expectativas que assentem em ligeirezas. autora é suscetível de ser juridicamente tutelada. Como tal, à ré, por
força do art. 334º, está vedada a invocação da ineficácia do contrato por
Neste caso, o contrato foi sendo executado durante um longo período de
forma de eximir-se ao pagamento da brita já retirada e utilizada. Note-
tempo e, portanto, justifica-se a expectativa da autora de que o contrato
se, porém, que a tutela da confiança não tem o condão de transformar
haveria de continuar a ser executado.
um contrato ineficaz num eficaz. A proteção da confiança defende as
3. É necessário que tenha havido um investimento de confiança partes somente de uma ineficácia da relação contratual ex tunc
traduzido na necessidade de ter havido, por parte do confiante, o (retroativamente). Porém, para o futuro o contrato é ineficaz.
desenvolvimento de uma atividade cujo resultado ficaria
Assim, a autora pode com fundamento na ineficácia do contrato recusar-
comprometido se a confiança não fosse respeitada, isto porque o
se, doravante, a permitir a exploração da pedreira e a extração da brita,
direito não protege apenas crenças, mas antes o investimento a
tal como pode a ré, a partir desse momento, e uma vez saldado o
que essa confiança conduziu. Enquanto a frustração de
pagamento devido pela brita já retirada, recusar-se a continuar a cumprir

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

o contrato. O que nunca se poderia pretender é que se tratava de uma a) Estamos perante um contrato de doação que se encontra previsto nos
relação contratual de facto. De acordo com o Professor Carneiro da art. 940º e ss.
Frada, contratos de fato não existem nem são fontes de obrigações. Se o
A pretende apor ao contrato de doação duas cláusulas acessórias típicas,
contrato, por alguma razão não produz efeitos, a ordem jurídica tem de
concretamente, duas condições suspensivas (por oposição às condições
resolver o problema dos contratos ineficazes, mas sem recurso a uma
resolutivas), nos termos do art. 270º, uma vez que, A está a subordinar a
categoria que a lei não prevê e que é até contrária ao que a lei prevê, se
produção de efeitos do contrato a um acontecimento futuro incerto.
esta requer requisitos de forma e substância.
Nota: Nos termos do art. 270º o critério de distinção entre as condições
suspensivas e resolutivas é o da influência que a verificação do evento
Semana 6 – 20.03 a 24.03 condicionante tem sobre a eficácia do negócio. Caso as partes tenham
subordinado a um acontecimento futuro e incerto os efeitos do negócio
jurídico, estamos perante uma condição suspensiva. Caso as partes
Caso Prático #39 tenham subordinado a um acontecimento futuro e incerto a resolução de
um negócio jurídico, estamos perante uma condição resolutiva.
A, solteiro, titular de uma grande fortuna, decidiu doar um solar do
século XIV, que havia herdado dos seus avós, ao seu sobrinho e Nota:
afilhado B. A, no entanto pretende condicionar a doação à residência
de B no solar, bem como ao seu casamento com C, filha de um seu Cláusulas Acessórias – são elementos acidentais do negócio jurídico,
grande amigo de infância. isto é, são estipulações que não caracterizam o tipo negocial em
abstrato, mas que se tornam imprescindíveis para que o negócio produza
a) Poderá a escritura de doação ser lavrada com este conteúdo? os efeitos a que elas tendem.
b) E se A pretendesse sujeitar a doação à exigência de B nunca vender Típicas – estão previstas nas lei, nomeadamente no art. 270º.
o imóvel a D, seu inimigo visceral, que por várias vezes mostrara já
interesse em o adquirir? Seria esta cláusula válida? Estas seriam ainda condições próprias e verdadeiras, por contraposição
às chamadas impróprias, porque elas reúnem todas as qualidades que
c) Supondo que A efetivamente doou o imóvel a B, introduzindo, no caracterizam esta figura, sendo elas:
entanto, no contrato esta última cláusula referida, diga se o mesmo A
poderá exigir o solar de volta quando, dois anos mais tarde, toma 1. O evento ao qual está subordinada a eficácia do negócio tem de
conhecimento que o seu sobrinho o vendera a D por uma soma ser futuro;
considerável. 2. Esse evento tem de ter carácter incerto;

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

3. A subordinação da eficácia do negócio resulta da vontade das O regime geral a este respeito consta no art. 271º, que ditaria a nulidade
partes e não diretamente ex lege (por força da lei); de todo o negócio de acordo com a máxima da incindibilidade
(indivisibilidade) do negócio condicional. Contudo, neste caso, seria
Nota: Faltando uma destas qualidades a condição será imprópria.
antes aplicável o regime especial previsto no art. 2230º, por força da
A condição é um elemento acidental e suscetível de ser inserido na remissão constante do art. 967º. Deste modo, caso a escritura pública de
generalidade dos negócios jurídicos por força do princípio da liberdade doação fosse lavrada com estas condições, elas considerar-se-iam não
contratual, nos termos do art. 405º CC. Deste modo, a doação é um escritas, mantendo-se válida e eficaz a doação. Relativamente ao sentido
contrato condicionável, na medida em que lhe pode ser aposta uma da expressão “não escritas” parece que corresponde a uma nulidade
condição. parcial que dá lugar à redução legal do negócio sem ficar dependente
dos requisitos gerais de que depende a redução (art. 292º). Assim,
Relativamente de residência de B no solar, trata-se de uma condição afasta-se a possibilidade do beneficiário do negócio ser
potestativa a parte creditoris, uma vez que, a sua verificação depende da impelido/constrangido à prática de um ato ilícito ou que, embora lícito,
vontade de uma das partes, neste caso de B, o credor condicionado. deve ser deliberado no foro da consciência livre dos indivíduos.
Trata-se ainda de uma condição positiva, já que o evento condicionante
se traduz na alteração de uma estado atual de coisas, no fundo, o B terá b) Uma vez mais, A pretende apor a este contrato de doação (art. 940º e
de passar a viver no solar. ss.) uma cláusula acessória típica mas, neste caso, já se trataria de uma
condição resolutiva (art. 270º), uma vez que se subordina a resolução
Por outro lado, a condição de casamento de B com C é já uma condição dos efeitos deste negócio a um evento futuro e incerto, pelo que seria
mista, dado que o evento condicional depende da vontade tanto de B também uma condição própria, porque importa pelas partes e não pela
como de C e seria igualmente uma condição positiva dado que a lei.
verificação da condição implicaria, desde logo, a alteração do estado
civil de B para casado. Como vimos, o contrato de doação é um contrato condicionável e esta
condição seria potestativa (ou eventualmente mista) à parte creditoris.
Teríamos, então de aferir se estas condições eram admissíveis e, para o Seria ainda, uma condição negativa, uma vez que, o facto condicionante
efeito releva atentar ao disposto no art. 967º, que remete para as regras conduz-se à não alteração de uma condição preexistente.
estabelecidas em matéria testamentaria previstas nos art. 2229º e ss.
Relativamente à condição de B viver no solar, esta seria contrária à lei Contudo, esta cláusula seria inadmissível porque é contrária à lei nos
(art. 2232º). Quanto à condição de B casar com C, também o seria (art. termos do art. 2232º aplicável por força do art. 967º. Como tal, caso esta
2233º nº1). Deste modo, estas condições seriam ilícitas por serem cláusula viesse a ser aposta no contrato, aplicar-se-ia o regime especial,
contrárias à lei. segundo o art. 2230º nº2 ex vi 967º, que ditaria que esta cláusula se teria
por não escrita mantendo-se válida e eficaz a doação de A e B.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

c) Atendendo à respostas dada na questão anterior, A não poderia exigir próprias, uma vez que a resolução deste negócio se encontra
o solar de volta porque conforme vimos, a condição ter-se-ia dado por subordinada a um evento futuro, sendo este incerto, e que resulta da
não escrita pelo que a doação seria um negócio incondicionado (sem vontade das partes e não diretamente ex lege.
condições). Por conseguinte, A não pode fazer nada relativamente à
Novamente, o contrato de doação trata-se de um contrato condicionável
venda de B a D, uma vez que, esta é válida e eficaz.
e estas condições consubstanciam condições potestativas a parte
Caso Prático #40 creditórias, uma vez que a verificação depende da vontade de B, o
credor condicionado. Estas seriam ainda condições negativas, dado que
Em Maio de 2018 A ofereceu a B, seu filho, um automóvel. B era um ex-
impunham a manutenção de uma situação pré-existente, nomeadamente,
toxicodependente e A avisou-o de que o automóvel deixaria de ser seu
não voltar às más companhias e ao consumo de drogas.
se nos 5 anos seguintes B “voltasse às más companhias e ao consumo
de drogas”. B passou de imediato a utilizar o automóvel. Relativamente à condição de não voltar às más companhias, poderíamos
considerá-la uma condição contrária à lei, nos termos do art. 2232º,
Em Novembro de 2018 B vendeu o automóvel a C. A, acreditando que B
aplicável por força do art. 967º, pelo que esta se teria por não escrita,
voltou ao mundo das drogas e que a venda do automóvel se destinava já
sendo o contrato reduzido à sua parte válida, nos termos do art. 2230º
a custear o seu vício, exigiu a sua devolução imediata e ofereceu-o ao
nº2. Ainda assim, destaque-se que as condições enumeradas pelo
seu filho mais novo.
legislador têm caráter exemplificativo, pelo que serão, em princípio,
1ª hipótese: De facto B não recuperou da sua dependência, voltando a contrárias à lei, mas poderão ter-se como válidas, quando não tenha
consumir drogas a partir de Fevereiro de 2019, tendo ingressado num havido intenção de restringir a liberdade do credor condicional, e essa
centro de desintoxicação em Abril último. restrição não seja em si escandalosa.

2ª hipótese: B estava sob o efeito de estupefacientes quando contratou Neste caso, atendendo à finalidade de A, que presumivelmente
com C. procuraria, assim, que o seu filho B não se enquadrasse num ambiente
que poderia propiciar o retorno ao consumo de drogas, poderíamos
3ª hipótese: B recuperou completamente, tendo A criado a convicção do equacionar a validade desta condição.
contrário por o ver frequentemente acompanhado de D, também
toxicodependente, mas em fase de recuperação. Nota: Esta cláusula poderia, no entanto, ser também considerada
excessiva e desproporcional e, como tal, inválida, nos termos do art.
1º hipótese: 2230 nº2 e 2232º.
Estamos perante uma hipótese em que A pretende apor a um contrato de Quanto á condição de não voltar ao consumo de drogas, esta seria válida
doação (art. 940º e ss.) duas cláusulas acessórias típicas, concretamente, (art. 2232º). Como tal, sendo esta condição admissível, o contrato
duas condições resolutivas (art. 270º), sendo estas também condições

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

sujeito a condição resolutiva, começa por produzir, de imediato, os seus invocada perante o subadquirente condicionado, nos termos do art. 5º do
efeitos, ainda que de uma forma precária, ou não definitiva, visto que, Código de Registo Predial, prevalecendo o registo da aquisição da
sobre ele esta suspensa a possibilidade de verificação do evento propriedade plena que este subadquirente haja realizado em seu nome.
condicionante. Consequentemente, as obrigações decorrentes do
2ª hipótese:
contrato são imediatamente exigíveis, e nos contratos reais quod
effectum (art. 408º nº1), como no caso do contrato de doação, opera-se, Poderíamos eventualmente equacionar se B, quando contratou com C,
desde logo, a transmissão do direito de propriedade e a obrigação de se encontrava numa situação de incapacidade acidental, nos termos do
entrega da coisa (art. 954º). art. 257º.
Todavia, dado que B voltou a consumir drogas em fevereiro de 2019, Contudo, independentemente disso, atendendo a que B se encontrava
deu-se o preenchimento da condição, o que implica a destruição sob o efeito de estupefacientes, significa que voltou a consumir drogas
automática e retroativa dos efeitos do negócio, nos termos do art. 276º. pelo que se deu o preenchimento da condição (276º), o que acarreta a
destruição automática e retroativa dos efeitos do negócio, o proprietário
Contudo, o enunciado dá-nos a conhecer que B, em novembro de 2018,
do automóvel já não seria B, pelo que o negócio com C consubstancia
vendeu o automóvel a C, pelo que temos de analisar o impacto do
uma compra e venda de bem alheio, que é nula, nos termos do art. 892º.
preenchimento da condição neste negócio. A compra e venda celebrada
com C sucedeu na pendência da condição, pelo que será aplicável o 3ª hipótese:
disposto no art. 274º, que determina que os atos de disposição dos bens
ou direitos que constituem objeto do negócio condicional, realizados na Neste caso, atendendo a que a condição resolutiva não se verificou, uma
pendência da condição, ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do vez decorrido o período de cinco anos estipulado por A, B tornar-se-ia
negócio jurídico. Como tal, o consumo de drogas por parte de B, ditou a proprietário do automóvel.
ineficácia do ato dispositivo a C, bem como a eficácia do ato dispositivo Deste modo, não se verificando a condição, os efeitos do negócio
de A ao seu filho mais novo. consolidam-se, radicando-se definitivamente a posição de B. Como tal,
Deste modo, o proprietário do automóvel será o filho mais novo de A. o ato de disposição de A ao filho mais novo não produzirá os seus
Ainda assim, note-se que o automóvel é um bem móvel sujeito a registo, efeitos, atendendo a que este estava dependente da ineficácia do
pelo que a condição resolutiva aposta no contrato de doação, estaria contrato de doação entre A e B, nos termos do art. 274º nº1.
sujeita a registo, nos termos do art. 94º b) (parte final) do Código de
Registo Predial. Assim, caso tal registo não tenha sido observado, a
condição resolutiva não registava aposta no contrato de doação, ou Semana 7 – 27.03 a 31.03
registada posteriormente ao registo efetuado pelo terceiro, não pode ser

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Caso Prático #42 costumes, sendo o seu objeto quer física quer legalmente possível (art.
271º a contrário).
B e C venderam um terreno ao Município onde este se situava
estabelecendo-se no contrato que o local se destinava a acolher a feira Como tal, dado que a Câmara Municipal decidiu transferir a feira
mensal da região. O terreno estava localizado numa zona muito central mensal para outro parque municipal, deu-se o preenchimento da
e as partes introduziram no contrato uma cláusula de acordo com a condição resolutiva, o que implica a destruição automática e retroativa
qual a utilização do terreno para um fim distinto dava direito aos dos efeitos do negócio (art. 276º). Deste modo, este deverá ser o
vendedores recuperarem o imóvel. Quando a Câmara Municipal fundamento da referida ação, permitindo assim a B e a C reaver a
decidiu transferir a feira mensal para um parque municipal de propriedade do prédio em causa, isto é, o imóvel regressa à esfera
exposições e deu início à construção de blocos de apartamentos no jurídica dos proprietários B e C.
terreno, B e C intentaram uma ação com vista à recuperação do prédio
em causa. Qual deverá ser o fundamento da referida ação?  Equacionando que a condição não tinha sido incluída no
contrato, mas apenas falada entre as partes. Quid iuris?
B e C celebraram um contrato de compra e venda de um imóvel com o
Supondo que a condição não tinha sido incluída no contrato, mas apenas
município, tendo sido inserido no mesmo uma cláusula acessória típica,
falado e discutida entre as partes, neste caso, estaríamos antes prante
concretamente, uma condição própria. Deste modo, há luz do princípio
uma aplicação do bem afim diferente do declarado, já que o comprador
da liberdade contratual (art. 405º), trata-se um contrato condicionado.
não vem a dar à coisa adquirida o destino que declara dar, destino esse
Esta cláusula, nos termos da qual o terreno se destinava à realização das que pode ter sido decisivo na formação da vontade do vendedor, de tal
feiras e em caso de afetação de um fim diferente daquele os vendedores modo que, se este soubesse que o comprador não viria a dar-lhe o
teriam o direito de recuperar o terreno, corresponde a uma condição destino acordado não teria vendido.
resolutiva, visto que, as partes quiseram que o contrato produzisse logo
Estamos assim perante uma falha na previsão, isto é, um quadro de
o seus efeitos sujeitando-se o comprador à condição sob pena dos
pressuposto que não se verifica ou que evolui em termos diferentes do
efeitos do negócio (art. 270º).
previsto. Nestes casos há que recorrer ao instituto da alteração
Para além disso, esta seria uma condição potestativa, já que o evento superveniente das circunstâncias (art. 437º) e apurar que a falsa
condicionante depende da vontade exclusiva de uma das partes, neste representação (error in futuro) reúne os pressupostos que este instituto
caso, do município e, seria ainda uma condição negativa, na medida em precisa para apurar a alteração das circunstâncias. No fundo, será
que impõe a manutenção/ não alteração do estado de uma situação pré- necessário avaliar se o problema envolve uma alteração da base do
existente. A condição imposta trata-se de uma condição lícita, uma vez negócio. Caso se conclua que sim, poderá haver lugar à resolução ou
que não é contrária à lei ou à ordem pública, nem ofensiva dos bons modificação do contrato.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Caso Prático #43 testamentárias, o disponente impõe ao beneficiário da liberdade um


encargo, isto é, a obrigação de adotar um certo comportamento no
A, tendo completado 80 anos, doou todo o seu vasto património
interesse do disponente, de um terceiro ou do próprio beneficiário.
imobiliário ao seu primo B, ficando estipulado no contrato que este
último lhe deveria pagar uma pensão mensal de mil euros. Durante o Saber se, num caso concreto, estamos perante uma cláusula modal ou
primeiro ano posterior ao contrato B cumpriu com a obrigação uma condição é um problema de interpretação dos negócios jurídicos.
assumida mas, no início do segundo ano, deixou de pagar alegando que Tanto no negócio a que foi aposta uma condição resolutiva, como num
o seu primo ainda tinha ficado com um conjunto muito valioso de negócio celebrado com um modo os efeitos do negócio jurídico
móveis que poderia sempre vender. produzem-se imediatamente, a diferença reside no seguinte: a cláusula
modal obriga o beneficiário da liberalidade, ao passo que, a condição
A, muito magoado com a atitude do primo B, vem intentar uma ação
resolutiva não impõe qualquer obrigação. O credor condicional não é
com vista 19 à devolução das suas propriedades com fundamento nos
obrigado a adotar a conduta aposta.
art. 270º e 276º do Código Civil. Terá êxito na sua pretensão?
Para além disso, enquanto o preenchimento da condição resolutiva
Entre A e B foi celebrado um contrato de doação, cujo regime jurídico
produz a resolução automática do negócio jurídico com eficácia mesmo
se encontra previsto nos art. 940º e ss. A doação de bens imóveis é um
em relação a terceiros, salvas as regras do registo, o incumprimento
contrato formal (=solene) pelo que, para ser válida, tem de ser celebrada
culposo do modo apenas dá, e só em certas circunstâncias, ao
por escritura pública ou documento particular autenticado, nos termos
disponente ou aos seus herdeiros a possibilidade de pedir a resolução do
do art. 947º nº1.
negócio, se as partes o tiverem previsto. Ademais, enquanto na condição
Atendendo ao fundamento invocado por A, este parece entender que resolutiva a eficácia retroativa se verifica mesmo em relação a terceiros,
subordinou a resolução dos efeitos negociais do contrato de doação à na cláusula modal resolução da liberalidade não tem eficácia retroativa
verificação de uma condição resolutiva potestativa a parte creditoris quanto a terceiros.
(não pagamento da pensão mensal de 1000$ por B a A), o que levaria a
Mota Pinto sumaria esta distinção referindo que “a condição
que o incumprimento de B implicasse o preenchimento da condição e,
resolutiva resolve automaticamente, mas não obriga e o modo
assim, a destruição automática e retroativa dos efeitos jurídicos do
obriga, mas dá penas o direito a pedir a resolução”.
negócio, o que faria com que os bens doados regressassem à esfera
jurídica de A. Em nome do princípio da conservação dos negócios jurídicos, é
sustentável pela doutrina a solução segundo a qual, em caso de dúvida, a
No entanto, atendendo à factualidade típica enunciada, a presente
cláusula deve ser qualificada como um modo e não como uma condição.
hipótese parece enquadrar-se num modo. O modo é também uma
Neste caso, atendendo aos dados facultados, a este contrato de doação
cláusula acessória típica pela qual, nas doações ou liberalidades
parece ter sido aposta uma cláusula modal, já que parece dele decorrer

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

que A pretendeu impor a B, beneficiário da liberalidade, um encargo, em


concreto, o pagamento de uma pensão mensal (1000 euros). O modo
Caso Prático #46
apenas pode ser aposto às liberalidades, pelo que, estando nós perante
um contrato de doação, tal seria possível (art. 963º nº1). C prometeu, numa conversa mantida com o seu único filho, D, doar-lhe
uma vivenda de que era proprietário na zona das Antas se este casasse
A doação com encargos é um contrato no qual, por força da declaração
com E, uma parente afastada da sua mulher. D veio a casar algum
negocial de aceitação do donatário, este assume a obrigação de adotar o
tempo mais tarde com E e a escritura de 20 doação do imóvel foi
comportamento a que se referes a cláusula modal. Em concreto, o
lavrada de seguida sem qualquer menção ao casamento.
encargo imposto a B seria um encargo possível e lícito, na medida em
que não é contrário à lei, à ordem pública, nem ofensivo dos bons Volvidos alguns meses, D e E divorciaram-se e D assumiu uma relação
costumes (art. 967º a contrário). homossexual mantida com X há já muitos anos.
No entanto, B, a dada altura, deixou de pagar a pensão, ou seja, houve 1. C, profundamente abalado com os acontecimentos, vem exigir o
incumprimento do encargo. Consequentemente, atendendo a que este é prédio de volta. Terá êxito na sua pretensão?
um incumprimento culposo, uma vez que, B deixa de pagar sem causa
Antes de mais, temos de avaliar qual será o valor jurídico da conversa mantida
justificativa, A pode judicialmente exigir o cumprimento dos encargos
entre C e D. Podemos equacionar duas alternativas. A mais plausível será
(art. 965º). Ainda assim, a obrigação de cumprir os encargos é limitada desconsiderar a conversa no âmbito negocial por falta de vontade de
pelo valor do objeto doado (art. 963º nº2). vinculação imediata. Por outro lado, podemos equacionar a hipótese de ter
Neste caso, atendendo a que A intenta uma ação na qual pretende reaver havido vontade de vinculação imediata, caso em que estaríamos perante um
contrato promessa de doação. Quanto ao regime jurídico deste, vale o princípio
a propriedade do património doado, parece que está a invocar a
da equiparação (art. 410º), segundo o qual, ao contrato promessa é aplicável o
resolução do contrato. No entanto, do art. 966º resulta que o doador regime jurídico do contrato prometido, neste caso, o contrato de doação, cujo
apenas poderá pedir a resolução do contrato de doação, quando, por regime jurídico se encontra previsto nos art. 940º e ss. Contudo, uma das
interpretação do contrato, esse direito lhe seja conferido. Como tal, não exceções ao principio da equiparação diz respeito à forma do contrato
basta que A prove que a cláusula modal foi a causa decisiva da doação, promessa, encontrando-se previsto no art. 410º nº2 que, se a lei exigir
isto é, que não teria feita a doação se soubesse que o incumprimento documento seja ele autêntico ou particular, como sucede no caso da doação de
teria lugar, é necessário que o direito de resolução lhe seja conferido bens imóveis (art. 947º nº1) o contrato promessa só é válido se constar de
pelo contrato. Deste modo, caso tal direito não se encontre previsto no documento escrito, assinado por aqueles que se vinculam. Neste caso,
contrato, A não poderá resolver o mesmo e assim reaver a propriedade estaríamos perante uma promessa unilateral pelo que bastaria a assinatura por
dos bens doados restando lhe apenas exigir o cumprimento dos encargos parte de C.
por via coerciva nos termos do art. 965º.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Para além disso, seria ainda necessário que fossem observadas as formalidades e construir um novo quarto para albergar C e lhe proporcionar
previstas no art. 410º nº3. Ora, atendendo a que esta promessa, a ter ocorrido, habitação e agasalho no seu agregado familiar para o resto da sua
sucedeu no âmbito de uma conversa, ou seja, oralmente, não observou a vida. Volvidos 2 anos, C continua a viver num lar e pretende obter o
exigência de forma escrita e a assinatura do promitente, pelo que seria nula por dinheiro de volta. Quid iuris?
vício de forma no termos do art. 220º. Posteriormente, foi lavrada escritura
pública de doação, e aí sim, deu-se a celebração válida do contrato de doação, C e D celebraram um contrato de doação, cujo regime jurídico se
cumprindo-se as exigências de forma do art. 947º nº1. encontra previsto nos art. 940º e ss., sendo este um contrato consensual
O enunciado refere que o contrato foi celebrado sem qualquer menção ao quando acompanhado da tradição (da entrega) da coisa doada (art. 947º
casamento, pelo que a este contrato não foi aposta qualquer condição, seja nº2), uma vez que, o objeto mediato deste contrato de doação é um bem
resolutiva, seja suspensiva. A condição trata-se de um elemnto acidental do móvel, nos termos do art. 205º.
negócio jurídico, em especial, uma cláusula acessória típica (art. 270º).
A este contrato de doação foi aposta uma cláusula acessória típica, em
Todavia, anteriormente à celebração do contrato, na conversa entre C e D, foi
prometido que, tal apenas ocorreria se D casasse com E, pelo que temos de
concreto, um modo, já que o disponente, C, impõe à beneficiária da
aferir se tal estipulação pode valer. A resposta a esta questão prende-se com o liberalidade, D, um encargo, isto é, a obrigação de adotar um certo
âmbito da forma legal e, neste âmbito, vale a resolução de que o documento comportamento a seu favor, neste caso, a realização de obras em sua
esgota o âmbito do consenso obtido, pelo que esta estipulação anterior ao casa e a construção de um novo quarto para o albergar e lhe
documento seria nula nos termos do art. 221º nº1. Ainda assim, reconhece-se a proporcionar habitação e agasalho no seu agregado familiar para o resto
validade de estipulações verbais anteriores ao documento exigido para a da vida. O modo apenas pode ser aposto às liberalidades, pelo que
declaração negocial, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes tratando se de um contrato de doação, tal seria possível (art. 963º nº1).
requisitos: primeiramente, é necessário que se trate de cláusulas acessórias; Para além disso, o encargo em concreto imposto trata-se de um encargo
para além disso, não podem estar abrangidas pela razão de ser da exigência do possível e lícito nos termos do art. 967º a contrario. No entanto, D nunca
negócio; por fim, têm de comprovadamente ser correspondentes à vontade das procedeu ao cumprimento de encargo, logo, tanto C, enquanto doador,
partes. Neste caso, estes requisitos não se encontram preenchidos pelo que a
como os seus herdeiros ou quaisquer interessados, tê legitimidade para
exceção não seria admitida. De todo o modo, a condição de casar ou não casar
sempre seria inadmissível (art. 2233º, aplicável por força do art. 967º). Como
exigir do donatário, D, o cumprimento dos encargos (art. 975º). Ainda
tal, ainda que esta condição tivesse sido aposta, ela ter-se-ia por não escrita, assim, a obrigação de cumprir os encargos é limitada pelo valor do
sendo o contrato reduzido à sua parte válida (art. 2230º nº2) ex vi art. 967º). objeto doado (art. 963º nº2). Para além disso, o doador, C, ou os seus
Em suma, C não teria êxito na sua pretensão. herdeiros apenas poderiam pedir a resolução da doação fundado no não
cumprimento dos encargos, se este direito lhes for conferido pelo
Caso Prático #47 contrato nos termos do art. 966º. Como tal, caso tal não se verifique, C
C entregou à sua afilhada D a quantia de 30.000€, correspondentes às apenas poderá exigir o cumprimento do encargo à luz do art. 965º.
poupanças de uma vida de trabalho, a fim de D fazer obras em sua casa

27
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

prevista no art. 246º, que consubstancia uma divergência não intencional


Semana 8 – 10.04 – 14.04 entre a vontade e a declaração. Isto resulta claro, na medida em que B
agarrou na mão de A e usou-a como instrumento, reduzindo, por isso, A
à posição de um mero autómato.
Caso Prático #21
Na coação física (art. 246º) o coagido tem a liberdade absolutamente
B, toxicodependente, durante uma crise de privação de consumo, excluída, enquanto na coação moral a liberdade encontra-se limitada,
assalta a casa de A e, imobilizando-o, obriga-o a assinar declaração de mas não excluída, na medida em que o coagido poderá sempre optar
venda do seu automóvel sob ameaça de agressão a F, mulher de A. entre dois comportamentos diferentes, como por exemplo sofrer o mal
Posteriormente, entrega o automóvel a C, “dealer”, em troca de ameaçado ou tentar resistir ao mesmo. A coação física é uma
algumas doses de heroína. Ao tomar conhecimento da localização do divergência não intencional entre a vontade e a declaração (um exemplo
automóvel, A intentou ação cível com vista à recuperação do de uma divergência intencional entre a vontade e a declaração é a
automóvel. simulação – 240º).
Pronuncie-se sobre a validade dos negócios em causa e sobre a Relativamente aos efeitos da coação física, o legislador indica que esta
viabilidade da pretensão de A. não produz qualquer efeito, não se pronunciando, em concreto, quanto
O problema em apreço insere-se no âmbito da divergência entre a ao vício aqui em causa. A doutrina maioritária tem entendido que
vontade e a declaração e os vícios da vontade. Existe uma divergência estamos perante um caso de inexistência jurídica, sendo que este é um
entre a vontade e declaração, sempre que o elemento interno – vontade – entendimento defendido designadamente por Mota Pinto, Carvalho
e o elemento externo – declaração – não coincidem. Nestes casos há um Fernandes e Oliveira Ascensão. Mas, há também quem defenda que se
vício da vontade, isto é, na exteriorização da vontade. trata de nulidade, como Castro Mendes e Menezes Cordeiro.

Os vícios de vontade são perturbações do processo formativo da Por outro lado, a coação moral (art. 255º) trata-se de um vício da
vontade, operando de tal modo que a vontade, embora concorde com a vontade e consiste, pois, na perturbação da vontade traduzida no medo
declaração, é determinada por motivos anómalos – a vontade não se resultante de uma ameaça ilícita com o intuito de extorquir uma
formou de um modo considerado normal e são, formou-se de forma declaração. Assim, nesta liberdade esta ressarcida, mas não totalmente
patológica. excluída, existe a possibilidade de o agente combater a ameaça ainda
que a escolha normal seja a aceitação.
Neste caso, relativamente ao contra de compra e venda celebrado entre
A e B, o enunciado refere que A é forçado fisicamente a assinar a A coação moral dá lugar à anulabilidade do negócio (art. 256º), desde
declaração de venda a B, o que configura uma hipótese de coação física, que se verifiquem os seguintes requisitos:

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

 A coação tem de ser essencial – diz-se essencial a declaração, Malhão/1919”. No momento da entrega da obra foi imediatamente
sem a qual não se celebraria qualquer negócio ou se se celebraria pago o preço acordado de vinte e cinco mil euros.
um negócio, com outro objeto ou de outro tipo.
Alguns meses mais tarde, quando A confiou a pintura a um galerista
 Tem de haver intenção de extorquir a declaração da parte do
para lhe ser colocada uma nova moldura, este levantou algumas
coagido;
reservas sobre a autenticidade do quadro, o que levou A a solicitar um
 A ameaça tem de ser ilícita – pode resultar tanto da ilegitimidade exame pericial do mesmo ao Instituto Português do Património
dos meios empregues quanto do fim. Cultural. Tendo esta entidade concluído, em Novembro do mesmo ano,
No nosso caso, ela resultaria da ilegitimidade dos meios, uma vez que se que a obra em causa não era da autoria do pintor José Malhão.
traduziu na ameaça de agressão de F. Apercebendo-se, então, A de que o valor comercial do quadro não
ultrapassava os cento e cinquenta euros, pretende agora de B a
Deste modo, na presente hipótese prática, temos tanto uma hipótese de devolução do preço pago acrescido dos juros entretanto vencidos.
coação física como de coação moral. No entanto, a coação moral seria
irrelevante em virtude da existência da coação física, devido à superior B, por sua vez, alega que também ele desconhecia a falsidade da
gravidade da sanção associada a este última. Assim, o contrato de pintura, sendo certo que esta se encontrava em depósito no Museu José
compra e venda entre A e B, consoante o entendimento perfilhado, seria Malhão até ser adquirida por A e que, inclusive, o mesmo museu por
inexistente ou nulo. diversas vezes se tinha interessado pela sua aquisição.

Relativamente ao negócio celebrado entre B e C, estamos perante uma Quid juris?


permuta, sendo este um contrato legalmente atípico, embora socialmente Neste caso, a hipótese descrita configura um erro-vício, já que, por parte
típico, correspondendo, neste caso, à troca de um automóvel por de A, há uma representação inexata ou a ignorância de uma
algumas doses de heroína. Este negócio tem um objeto contrário à lei, circunstância que foi determinante na decisão de efetuar o negócio, em
pelo que seria nulo, nos termos do art. 280º nº1. Independentemente concreto, a autoria do quadro. Deste modo, este erro-vício, distingue-se
disso, atendendo a que o contrato celebrado entre A e B seria inexistente do erro-obstáculo, pois o primeiro é um vício da vontade e o segundo é
ou nulo, B nada adquiriu, pelo que, à luz do princípio nemo plus iuris, uma divergência entre a vontade e a declaração, ou seja, no primeiro o
segundo o qual ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles erro dá-se na formação da vontade, ao passo que no segundo o erro dá-
que tem, B nada poderia transmitir a C. se na formulação da vontade.
Caso Prático #23 Nota:
Em Janeiro de 2010, A adquiriu a B uma pintura a óleo intitulada “Pôr Erro-Vício – Quero X, mas só quero X porque estou em erro quanto a
do Sol”, da qual constava, no canto inferior direito, manuscrito, “José X.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Erro-Obstáculo – Eu quero Y, mas engano-me a exteriorizar a vontade e Por sua vez, Oliveira Ascensão afirma que o segundo requisito da
digo que quero X. relevância do erro deveria ser a sua desculpabilidade/excusabilidade.
Para o autor, apenas o erro desculpável revela juridicamente, não se
Neste caso, a formação da vontade de A assentou num conhecimento
veem razões que levem a proteger uma contraparte que não teve culpa.
erróneo da realidade, pois formou a sua vontade na convicção de que o
quadro era da autoria de José Malhão e afinal não era. Como tal, o Aos requisitos gerais de relevância do erro acrescem as condições
processo formativo da sua vontade está inquinado. Com efeito, ele especiais de cada erro. Neste caso, teremos de atentar ao disposto no art.
declarar aquilo que quer, mas apenas quis aquilo que declarou porque 251º, que remete para o art. 247º, que determina que o negócio é
estava em erro. Neste caso, estamos perante um erro sobre o objeto do anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a
negócio, mais concretamente, um erro sobre as qualidades do objeto essencialidade para o declarante do elemento sobre o que incidiu o erro.
(art. 251º). Atendendo ao preço pago pelo quadro B não poderia ignorar a
essencialidade do erro, mesmo que também ele estivesse em erro quanto
A relevância do erro depende da verificação de algumas condições
à autoridade do quadro (embora esta circunstância pudesse revelar para
gerais.
excluir a sua responsabilidade em culpa in contrahendo).
Em primeiro lugar, o erro só é relevante se for essencial, isto é, se levou
Deste modo, estando todos os requisitos verificados, este negócio seria
o errante a concluir o negócio em si mesmo, e não apenas os termos em
anulável (art. 287º), podendo a anulabilidade ser invocada pelo errante
que o negócio foi concluído, ou seja, o erro é essencial, se sem ele se
dentro de um ano subsequente à data da cessação do vício, ou seja, a
não tivesse celebrado qualquer negócio ou se se celebraria um negócio
partir do momento em que deixa de estar em erro sobre a autoria do
de outro tipo, com outro objeto ou com outra pessoa. No nosso caso,
quadro, o que se verifica em novembro de 2010. A anulação implicaria a
tudo leva a crer que este erro foi essencial.
restituição de tudo aquilo que foi prestado, pelo que A teria direito à
Em segundo lugar, Mota Pinto considera a propriedade do erro um devolução do preço pago (art. 289º). No entanto, caso este prazo de 1
requisito essencial para a relevância do erro (Oliveira Ascensão ano não tenha sido observado, o vício sana-se pelo decurso do tempo.
discorda). O erro é próprio se incidir sobre uma circunstância que não
Caso Prático #25
constitua uma condição legal de validade do negócio, ou seja, o erro
será impróprio quando versar, por exemplo, sobre um requisito legal do A, convencido de que sofria de uma grave doença que em breve o
contrato, por exemplo, sobre um requisito de forma. No nosso caso, vitimaria, decidiu dispor do seu património ainda em vida a favor dos
também este pressuposto está reunido, uma vez que, o erro incide sobre únicos parentes que tinha: os seus dois sobrinhos B e C. Depois de uma
uma circunstância do negócio e não sobre um requisito legal. reunião em sua casa em que pôs B e C ao 11 corrente do seu estado
terminal, deslocaram-se ao cartório notarial onde foram celebradas as

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

escrituras públicas de doação de uma moradia na Avenida da Boavista os termos em que foi concluído. O erro é essencial se sem ele A não
e de uma quinta no Minho a favor de B e de C, respetivamente. celebraria este negócio, ou se celebraria um negócio de outro tipo, com
outro objeto ou com outra pessoa. Neste caso, sabendo que a partir do
Algum tempo depois, A realizou novos exames médicos que revelaram a
momento em que A tem conhecimento do seu real estado de saúde
inexatidão do primeiro diagnóstico. Perante a expectativa de muitos
pretende destruir o negócio resulta claro que o erro foi essencial. O erro
anos de vida, A, verdadeiramente “renascido”, pretende reaver as suas
deve ainda ser próprio, ou seja, incidir sobre uma circunstância que não
propriedades.
constitua um requisito legal de validade de negócio, o que também
Poderá A reaver, efetivamente, os imóveis doados? estava verificado.

A situação em apreço é enquadrada no âmbito dos vícios da vontade, A estes requisitos acrescem as condições especiais de relevância de erro
uma vez que A sofre de perturbações no processo formativo da vontade, (art. 252º com remissão para o art. 437º), sendo necessário que as
operando de tal modo que, embora concorde com a declaração que exigências das obrigações assumidas pelo errante afetem gravemente o
emite, esta é determinada por motivos anómalos. Como diria Manuel princípio da boa-fé, que o erro não esteja coberto pelos riscos do
Andrade, “a vontade não se formou de um modo julgado normal e são”. contrato e que não seja imputável ao lesado.

Com efeito, estamos perante um erro-vício, já que A, apenas celebra o Na doutrina discute-se o âmbito da remissão para o art. 437º. A doutrina
negócio com os seus sobrinhos, porque estava, erroneamente, maioritária (Mota Pinto. Pinto Monteiro, Castro Mendes e Almeidas
convencido de que sofria de uma grave doença, que em breve, o Costa) entende que esta remissão é apenas para as condições de
vitimaria. Como tal, este distingue-se do erro-obstáculo em que o relevância e defende que os negócio são anuláveis no prazo de 1 ano a
declarante, inconscientemente, declara algo diferente daquilo que quer. contar da data em que em que o erro cessa, implicando a restituição de
Neste caso, A declara aquilo que quer, a sua declaração e vontade são tudo aquilo que foi prestado (art. 287º e 289º). Por outro lado, Horster
convergentes, mas A apenas quer o que declara, porque estava em erro entende que a remissão não é apenas para as condições de relevância,
sobre a sua condição de saúde. mas também para as consequências jurídicas, pelo que defende que a
verificação dos requisitos dá lugar à resolução do negócio e,
Concretamente, estamos perante um erro sobre os motivos (art. 252º) – consequentemente, à restituição do que foi prestado (art. 433º ex vi art.
nomeadamente um erro sobre a base negocial, previsto no art. 252º 439º).
nº2–, ou seja, um erro sobre as circunstâncias sobre as quais as partes
fundaram a vontade de contratar. Para aferirmos se este erro relava, Aqui a tese da anulabilidade seria a hipótese mais acertada, uma vez
teremos de avaliar se as condições gerais de relevância do erro-vício que, nos casos de erro sobre a base negocial, o estado de coisas
estavam preenchidas. Deste modo, o erro só é relevante se for essencial, erradamente figurado é anterior ou contemporâneo do negócio. Temos
isto é, se levou o errante a concluir o negócio em si mesmo e não apenas

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

um vício que inquina a própria formação do negócio e não uma a) Diga em que momento se poderá considerar celebrado um contrato
vicissitude que surge no decurso da sua formação. de mútuo entre A e B.
Parece que esta remissão que se faz para o 437º tem de facto o sentido O contrato de mútuo encontra-se regulado nos art. 1142º e ss. e
de indicar apenas o requisitos necessários para o erro relevar e não a caracteriza-se por ser um contrato real quanto á constituição, uma vez
forma que reveste essa relevância – se á anulabilidade (287º e 289º) ou a que, para a sua conclusão, para além das declarações de vontade das
resolução (433º ex vi 439º). partes, é necessário um ato material de entrega das coisas mutuadas. O
art. 1142º parece refletir uma concessão real de mútuo, pois coloca a
Assim, os negócios celebrados pelo A seriam anuláveis, a contar um ano
entrega das coisas fora da base da execução do contrato inserindo-a na
após o conhecimento de A que a sua doença não prosseguia, significa
sua base formativa. A entrega do objeto mutuado é assim, elemento
que o A conseguiria reaver as suas propriedades.
integrante do contrato sem o qual este não se completa e, naturalmente,
Assumindo a posição de Horster, haveria lugar então aqui para a não produz efeitos.
resolução do negócio, A acabaria também por esta via por conseguir
Como tal, apenas se poderá considerar celebrado o contrato de mútuo
reaver os imóveis, porque a resolução tem efeitos retroativos.
entre A e B, quando haja entrega da quantia mutuada. Até lá, temos
Por último, temos aqui um erro sobre a base negocial porque o que apenas um contrato promessa de mútuo, no entanto, há quem entenda
houve não foi uma alteração da própria realidade, mas sim do que a par do contrato de mútuo real podemos ter um contrato atípico de
conhecimento da própria realidade. mútuo consensual.
b) Supondo que B só fingiu aceder ao pedido de A porque o viu tão
desesperado que temeu que este atentasse contra a própria vida – mas
Semana 9 – 17.04 a 21.04. que nunca foi sua intenção emprestar-lhe qualquer quantia –
pronuncie-se sobre as possibilidades que A tem de obter de B o
cumprimento da sua promessa, indicando, por outro lado, os
Caso Prático #29
argumentos que B poderá aduzir ao obstar ao seu cumprimento.
A, encontrando-se crivado de dívidas e sendo constantemente
Neste caso, estamos perante uma hipótese de divergência entre a
pressionado pelos seus credores para pagar, resolveu pedir ajuda a um
vontade e a declaração. Esta divergência é intencional, uma vez que, B
seu amigo de infância, B. Numa conversa mantida pelo telefone, B
imite de forma consciente e livre uma declaração no sentido inverso da
disponibilizou-se a emprestar a A a quantia por ele pedida para fazer
sua vontade real.
face a uns juros de que era devedor e que, entretanto, se venciam.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Concretamente, este caso consubstancia uma hipótese de reserva mental, Como tal, nas hipóteses em que se conclua que exigir o cumprimento da
prevista no art. 244º nº1, dado que B emitiu uma declaração contrária à declaração seja atentatório aos limites impostos pela boa-fé ou pelos
sua vontade real, e fê-lo com o intuito de enganar o declaratário, ou seja, bons costumes, a pretensão do declaratário não deverá ser atendida, no
A. sentido da sua validade da declaração que o respetivo autor emitiu, com
reserva mental, isto é, A pode estar a abusar do direito ao declarar o seu
Sem prejuízo, esta reserva mental foi inocente, uma vez que não visava
desconhecimento da reserva mental.
prejudicar A, mas antes protegê-lo, contrariamente poderíamos ter uma
reserva mental fraudulenta (intenção de enganar, prejudicando mo Caso Prático #16
declaratário).
A e B acordaram na celebração de um contrato pelo qual o primeiro
Os efeitos da reserva mental são os mesmos da simulação, ou seja, a venderia ao segundo um imóvel de que era proprietário pelo preço de
nulidade (art. 242º). As consequências da emissão de uma declaração 100.000 euros. No entanto, na escritura de compra e venda, o preço
negocial com reserva mental variam em função do conhecimento ou declarado foi apenas de 50.000 euros, pretendendo desta forma A e B
desconhecimento da reserva por parte do declaratário, no termos do art. minorar as suas obrigações fiscais. Ainda assim, as partes redigiram
244º nº2. um documento particular, assinado por ambos, onde constava o real
preço do imóvel e através do qual A e B se comprometiam a não revelar
Com efeito, a reserva mental apenas releva se for conhecida pelo
as verdadeiras condições do negócio e a não invocar qualquer
declaratário, como tal, se esta for conhecida o negócio é nulo, se for
invalidade a ele inerente.
desconhecida o negócio é válido e como tal, B teria de emprestar o
dinheiro a A. Esta validade tem com objetivo assegurar a confiança e a B, porém, após o pagamento da quantia de 50.000 euros, declarou a A
justiça dos negócios, aplicando-se assim o princípio geral da validade. que “a sua dívida estava liquidada” e nada mais lhe devia, como de
resto decorria da própria escritura pública. Poderá A, perante esta
Note-se que, para efeitos de relevância da reserva mental, não basta a
atitude de B, exigir a devolução do imóvel, alegando a nulidade do
sua cognoscibilidade, é necessário o seu efetivo conhecimento. Como
contrato celebrado?
tal, caso A não tivesse conhecimento da reserva por parte de B, a
promessa seria válida, A para “levar a sua avante” apenas teria de dizer Na factualidade apresentada, é possível concluirmos que estamos
que não teria conhecimento de nada, isto é, ao A bastaria implicar o seu perante uma hipótese de divergência entre a vontade e a declaração,
desconhecimento da reserva mental. sendo esta uma divergência intencional, mais concretamente, uma
simulação, dado que, nos termos do art. 240º, nº1, aqui identificamos:
Contudo, a doutrina defende que a rigidez desta solução deve ser
atenuada em alguns casos, por aplicação da cláusula geral do abuso do  Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;
direito, prevista no art. 334º.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

 Acordo entre o declarante e o declaratário, o designado acordo corresponderia se ele fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua
simulatório; validade implicada pelo negócio simulado.
 O intuito de enganar terceiros, neste caso, a fazenda pública,
Neste caso, o negócio dissimulado é a compra e venda de um bem
dado que procuram minorar as suas obrigações fiscais;
imóvel por 100.000 euros. Este contrato tem forma especifica. As partes
A simulação pode ser inocente (intenção de enganar sem prejudicar redigiram um documento particular, no entanto, este não foi autenticado,
terceiros – “animus decipiendi”) ou fraudulenta (intenção de enganar, como tal, não se cumprem as exigências de forma do art. 875º, ou seja,
prejudicando terceiros – “animus nocedi”). Esta seria uma simulação não se observa a forma legal para o negócio dissimulado.
fraudulenta, já que houve o intuito de prejudicar terceiros e de contornar
Os problemas suscitados pela aplicação, aos negócios formais, da
a aplicação de uma normal fiscal.
doutrina geral da simulação relativa encontram a sua resposta no art.
A simulação pode ainda ser, absoluta (as partes fingem querer celebrar 241º nº2. Este preceito levanta divergências doutrinais quando está em
um negócio jurídico e na realidade não querem celebrar nenhum causa uma simulação relativa de pessoas ou sobre a natureza do negócio
negócio) ou relativa (as partes fingem querer celebrar um negócio, mas jurídico. Há quem entenda que, por um lado, pode haver um
querem na realidade celebrar outro com conteúdo diferente). Em aproveitamento, isto é, o negócio dissimulado pode aproveitar a forma
conseguinte, a simulação pode ser relativa objetiva (quando a simulação do negócio simulado, no entanto, há quem entenda que não,
incide sobre o conteúdo do negócio) ou relativa subjetiva (quando a nomeadamente, Mota Pinto. O autor entende que o negócio dissimulado
simulação refere aos sujeitos do negócio). é nulo por vício de forma exceto se existir uma contradeclaração que
respeite a forma.
Neste caso, trata-se de uma simulação relativa objetiva quanto ao valor
do negócio já que as partes fingem celebrar um negócio por um No caso em apreço estamos perante uma simulação relativa quanto ao
determinado valor e, na realidade, querem celebrar esse mesmo negócio preço, e quanto a esta, a doutrina é unânime, entendendo que quer o
por um valor superior. Esta simulação incide, portanto, sobre o quantum preço declarado seja superior, quer seja inferior ao valor real, não há
das prestações acordadas entre as partes. obstáculo de natureza formal a que seja eficaz a venda pelo preço
realmente entendido pelas partes, pelo que, nestes casos, o negócio
Relativamente ao negócio simulado, o contrato de compra e venda por dissimulado aproveita a forma do negócio simulado, uma vez que as
50.000 euros, este seria nulo, nos termos do art. 240º nº1, produzindo-se partes são as mesmas e a natureza jurídica do negócio, também, sendo
os efeitos jurídicos previstos no art. 289º. apenas distinto o preço, e este não é um critério necessário do contrato,
Relativamente ao negócio dissimulado (= real, latente, oculto) que foi nos termos do 883º.
descoberto após a nulidade do negócio simulado, aplica-se o art. 241º, Relativamente à possibilidade de A arguir a simulação, este teria
isto é, é aplicável ao negócio dissimulado o regime que lhe legitimidade para o efeito, nos termos do art. 242º nº1,

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

independentemente do acordo que as partes haviam celebrado. No posse do quadro e do título de aquisição respetivo, mudou de opinião e
entanto, quanto à prova da simulação pelos próprias simuladores, recusou-se a entregar o quadro a C quando este, no dia acordado, se
quando o negócio simulado conste de documento autêntico ou dirigiu ao seu estabelecimento a fim de “levantar” o quadro.
particular, como era o caso em apreso, não é admissível o recurso à
Diga de quem seria a propriedade do quadro tendo em conta que,
prova testemunhal, nos termos do art. 394º. Contudo, neste caso, esse
entretanto, D o vendeu a E.
problema não se colocava, atendendo a que o escrito particular seria
prova bastante para o efeito. Estamos, novamente, perante uma hipótese de divergência entre a
vontade e a declaração, sendo esta uma divergência intencional, já que
Deste modo, A pode invocar a simulação, todavia, o negócio
se trata de uma simulação prevista no art. 240º nº1.
dissimulado seria válido e, como tal, não poderia exigir a devolução do
imóvel, porque a celebração deste negócio implicou a transferência do Já que estamos perante uma hipótese em que há intencionalidade da
direito de propriedade para B, por mero efeito do contrato, nos termos divergência entre a vontade e a declaração, há um acordo entre o
dos art. 408º n º1 e 879º alínea a). declarante e o declaratário, um acordo simulatório, e há o intuito de
enganar terceiros, neste caso, os partidos políticos de oposição e o
Ainda assim, B teria de pagar o preço de 100.000 euros, nos termos do
público em geral. Ainda assim, esta seria uma simulação inocente, pois
art. 879º, alínea c), sob pena de incorrer em responsabilidade civil
não havia o intuito de os prejudicar. Em concreto, estamos perante uma
contratual, nos termos dos art. 798º e seguintes.
simulação relativa subjetiva, porque as partes simulam os sujeitos do
Caso Prático #17 negócio jurídico, mediante uma interposição fictícia de pessoas, visto
que tempos aqui um conluio entre os dois sujeitos reais, B e C, e o
B, correligionário político de C (titular de um cargo público),
interposto, D, que é um simples homem de palha ou testa de ferro.
pretendendo compensá-lo por diversos favores que este lhe prestou ao
longo de várias anos de luta partidária, resolveu oferecer-lhe um Cumulativamente, temos ainda uma simulação relativa objetiva sobre a
quadro a óleo de Amadeo de Souza-Cardoso, pertencente à sua coleção natureza do negócio, porque os negócio simulados são contratos de
particular. No entanto, pensando que este tipo de “atitudes” poderiam compra e venda, e o negócio dissimulado é um contrato de doação.
ser vistas com desconfiança pelos partidos da oposição e pelo público Consequentemente, o negócio de compra e venda celebrado entre B e D
em geral, combinou com D, negociante de arte, realizar com este um é nulo, porque é dissimulado, nos termos do art. 240º nº2, produzindo-se
“negócio fantasma”, pelo qual lhe venderia o óleo em questão, devendo os efeitos jurídicos previstos no art. 289º.
D, de seguida, realizar com C um outro negócio do mesmo teor. Ficou
Neste caso, não temos sequer de avaliar a validade do negócio
acordado que nenhum preço seria pago aquando destas transações.
dissimulado, à luz do art. 241º, uma vez que o segundo negócio
Assim, em Fevereiro deste ano, B e D reduziram a escrito um contrato
simulado não se chegou a concretizar, pelo que, consequentemente, o
de compra e venda do óleo de Souza-Cardoso. Porém, D, vendo-se na

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

negócio dissimulado também não chegou a ser celebrado. Ainda assim, mais de 150 anos” e eram um “produto financeiro seguro e muito
tanto o B como o C teriam legitimidade para arguir a simulação e, vantajoso”.
assim, invocar a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre
Acontece que A, pretendendo, em Janeiro de 2018, proceder ao
B e D, nos termos do art. 242º nº1.
levantamento de 100.000 euros, verificou que, afinal, o “produto” que
Todavia, D vendeu o quadro a E, que desconhecia por completo esta havia adquirido tal não lhe permitia, uma vez que o vencimento das
simulação, estamos, então, perante um problema de proteção de obrigações só ocorreria em outubro de 2019.
terceiros de boa-fé. De acordo com o princípio nemo plus iuris,
A sente-se assim defraudado nas suas expectativas e enganado e
atendendo à nulidade do negócio celebrado entre B e D, D nada
pretende reaver de imediato o montante em causa e terminar a relação
adquiriu, pelo que também nada poderia transmitir a E. No entanto,
com o banco X.
estamos perante uma exceção a este princípio, aplicando-se o art. 243º,
que expressamente consagra a regra da inoponibilidade da simulação a 1. pronuncie-se sobre a(s) possibilidade(s) de efetivar a sua pretensão.
terceiros de boa-fé. O conceito de boa-fé, para este efeito, é enunciado
no aº2 deste artigo, consistindo na ignorância da simulação ao tempo em Neste caso, a hipótese descrita configura um vício da vontade,
que adquiriu os respetivos direitos. Assumindo que E se encontrava de concretamente um erro vício, que se distingue do erro obstáculo, que,
boa-fé, então este seria o proprietário do quadro, já que a nulidade da por sua vez, é uma divergência entre a vontade e a declaração. Enquanto
simulação não poderia ser contra ele arguida. no erro vício, há um erro na formação da vontade, no erro obstáculo, há
um erro na formulação, na exteriorização da vontade.
Neste caso, estamos perante um erro vício, já que A formou a sua
Semana 10 – 24.04 a 28.04 vontade com base na ignorância ou representação incorreta da realidade,
concretamente, quanto à possibilidade de levantamento dos 100.000
euros.
Caso Prático #26
Neste caso, estamos perante um erro sobre o objeto do negócio, previsto
A é cliente do banco X há vários anos. no art. 251º, mais concretamente, um erro sobre as suas qualidades. A
Em outubro de 2012, porém, após vários contactos do seu gestor de relevância do erro depende da verificação de duas condições gerais:
conta B, procedeu à conversão de um depósito a prazo, no valor de 1. Essencialidade – o erro é essencial se, sem ele, o errante não
100.000 euros, em obrigações daquela instituição bancária. Nos vários teria celebrado o negócio, ou se o celebraria, mas com outro
contactos que manteve com o gestor de conta, A foi informado apenas objeto, com outra pessoa ou recorrendo a outro tipo. No nosso
de que as obrigações representavam um “empréstimo a um banco com caso, tudo indica que o erro foi essencial para A.

36
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

2. Propriedade – o erro tem de ser próprio, ou seja, incidir sobre Desde logo, poderíamos questionar se, neste caso, estávamos perante
uma circunstância que não corresponda à verificação de qualquer uma hipótese de dolo positivo ou dolo negativo. O dolo positivo
elemento legal de validade do negócio, o que, neste caso, verifica-se quando há o emprego de qualquer sugestão ou artificio com a
também se verificava. intenção ou consciência de induzir em erro. Por sua vez, o dolo negativo
dá-se quando haja lugar a uma dissimulação, isto é, quando o
A estes requisitos acrescem as condições especiais de relevância do erro,
declaratário se aperceba que o declarante está em erro e não esclareça, e
neste caso, previstas no art. 251º, que remete para o art. 247º, que prevê
esse dever pode recorrer por força da lei, por alguma estipulação
que o negócio é anulável se o declaratário conhecesse ou não devesse
negocial, ou à luz das concessões dominantes pelo comércio jurídico,
ignorar a essencialidade da circunstância sobre a qual incidiu o erro.
nos termos do art. 253º nº2 2ª parte.
Neste caso, atendendo ao valor do produto financeiro, dificilmente o
banco poderia ignorar a essencialidade do erro. Deste modo, no caso prático, estaríamos perante uma hipótese de dolo
positivo se, por exemplo o B tenha induzido em erro A, confirmando
Deste modo, estando preenchidos todos os requisitos, o negócio seria
que ele poderia levantar os 100.000 euros quando assim o pretendesse.
anulável, podendo a anulabilidade ser invocada por A no ano
Por outro lado, já seria um dolo negativo se o B se tivesse apercebido
subsequente à cessação do vício, ou seja, a partir do momento em que
que A estava em erro quanto à possibilidade de levantamento dos
deixa de estar em erro, neste caso, em janeiro de 2018, nos termos do
100.000 euros e não o tivesse esclarecido.
art. 287º.
Nesta hipótese, o dolo seria ilícito, pois, no âmbito das relações
Contudo, caso este prazo não tenha sido observado, o vício sanou-se
bancárias, é unanimemente entendido pela doutrina que existe uma
pelo decurso do tempo. Ainda assim, assumindo que A exerceu
relação de permanente confiança, que fundamenta um dever de
tempestivamente o seu direito, teria a possibilidade de reaver o
esclarecimento.
montante em causa, nos termos do art. 289º.
Para além disso, esta hipótese configura um caso de dolo fraudulento,
2. Suponha que B, deliberadamente e sem o conhecimento do banco,
pois, para além do intuito de enganar A, houve o intuito de prejudicar a
tentou enganar A, acerca das características das obrigações, com o
empresa. Ademais, estamos perante um dolo do declaratário, e não de
intuito de prejudicar a empresa. Que alterações introduziria na
terceiro, pois, apesar de B ser um gestor do banco, ele trata-se de um
respostas anterior à luz deste facto?
auxiliar do banco, pelo que as suas condutas são imputáveis ao banco.
Neste caso, estamos perante um vício da vontade, concretamente numa
O principal efeito do dolo é a anulabilidade do negócio, nos termos do
hipótese de dolo, uma vez que A continua em erro, mas, nesta hipótese,
art. 254º nº1 desde que se verifiquem três requisitos:
esse erro foi induzido pelo comportamento de B.

37
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

1. Deve tratar-se de um dolus malus, isto é, tem de ser uma Em suma, A tem direito à repristinação da situação anterior ao negócio
sugestão não usual e que não pode ser considerada legítima jurídico, e à cobertura dos danos que sofreu por ter confiado no negócio
segundo as concessões dominantes no comércio jurídico, nos que não teria sofrido sem essa confiança.
termos do art. 253º nº2.
Caso Prático #19
2. O dolo tem de ser essencial, ou seja, sem ele, o declarante não
teria celebrado o negócio jurídico em apreso, nos termos do art. F casou em Agosto de 2015 com G, o qual era conhecido pela sua moral
254º nº1. conservadora, razão pela qual F lhe ocultou alguns factos ocorridos
3. É necessário que haja, da parte do deceptor, ou seja, aquele que durante a sua vida de solteira. G veio, no entanto, a falecer
induz em erro, a intenção ou consciência de induzir ou manter precocemente em Dezembro de 2017, em consequência de um acidente
em erro, nos termos do art. 253º nº1. de aviação. Alguns meses antes F havia sido abordada por um seu antigo
condiscípulo, H, que exigira que ela lhe doasse um barco de recreio, sob
No nosso caso, todos estes requisitos parecem estar preenchidos, pelo
pena de contar a G factos da vida passada de F, designadamente o facto
que A poderia requerer a anulação do negócio.
de ela ter vivido maritalmente com I durante vários anos. F acedera
Para além disso, o dolo dá lugar à responsabilidade pré contratual do prontamente às exigências de H e em Julho de 2017 comprara a J um
autor do dolo, uma vez que este, pelo seu comportamento contrário às barco de recreio usado, que imediatamente doara e entregara a H.
regras da boa-fé, dá origem à invalidade do negócio. A responsabilidade Porém, para que o seu marido de nada desconfiasse, F havia convencido
do autor do dolo, enquadrável no art. 277º, é uma responsabilidade pelo J a fingir uma compra e venda com H, de modo que, embora sendo ela a
dano da confiança, ou pelo interesse contratual negativo. Neste caso, pagar o preço acordado, não figurasse como interveniente no negócio
quem responderia seria o banco, uma vez que as pessoas coletivas que J e H reduziram a escrito.
respondem pelos atos praticados pelos seus órgãos, agentes ou
F pretende hoje reaver o barco que doou a H, pelo que, já em Janeiro
mandatário, tanto a nível de responsabilidade civil contratual como
deste ano, instaurou a competente ação.
extracontratual, nos termos dos art. 163º e 165º, que remetem,
respetivamente, para os art. 500º e 800º. Terá F êxito na sua pretensão? A solução seria a mesma se o objeto do
negócio tivesse sido um terreno?
Como já sabemos, a responsabilidade civil pré contratual prevista no art.
277º, configura aquilo que parte da doutrina designa como uma terceira Na factualidade apresentada, é possível concluirmos que estamos
via da responsabilidade civil, para além da responsabilidade civil perante uma divergência entre a vontade e a declaração, em concreto,
contratual e extracontratual, seguindo esta, maioritariamente, os termos perante uma divergência intencional na forma de uma simulação,
da responsabilidade civil contratual, pelo que, neste caso, o banco prevista no art. 240º nº1.
responderia à luz do art. 800º.

38
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Neste caso, há uma divergência intencional entre a vontade e a art. 255º. Existiu, assim, uma perturbação da vontade de F, traduzida na
declaração, foi celebrado um acordo simulatório entre o declarante e o ameaça emitida por H, com a intenção de lhe extorquir a declaração
declaratário e há um intuito de enganar terceiros, neste caso, o G. Ainda negocial. A coação moral distingue-se da coação física, na medida em
assim, esta seria uma simulação inocente, pois não teve o intuito de que reduz a liberdade do coagido, mas não a elimina. A coação moral dá
prejudicar G. lugar à anulabilidade do negócio, nos termos do art. 256º, quando se
verifiquem os seguintes requisitos:
Em concreto, estamos perante uma simulação relativa subjetiva, por
supressão de um sujeito real, neste caso, F. Assim, o negócio simulado é 1. É necessário que a coação tenha sido essencial, ou seja, sem ela
o contrato de compra e venda celebrado entre J e H, e os negócios se não celebraria o negócio ou se celebraria um negócio de outro
dissimulados são a compra e venda entre F e J, e a doação entre F e H. tipo, com outro objeto ou com outra pessoa.
2. Deve ter sido desencadeada com a intenção de extorquir a
O negócio simulado é nulo, nos termos do art. 240º nº2 pelo que se
declaração.
produzirão os efeitos jurídicos previstos no art. 289º. Além disso, F tem
3. A ameaça tem de ser ilícita, sendo que, neste caso, a ilicitude
legitimidade para arguir a nulidade da simulação, nos termos do art.
resultaria da ilegitimidade dos meios empregues, em concreto, a
292º nº1.
ofensa à honra de F.
Caberíamos agora aferir se os negócios dissimulados seriam ou não
Estando reunidos todos estes requisitos, a doação entre F e H seria
válidos. Como vimos, a sua validade não é prejudicada pela nulidade do
anulável.
negócio simulado, na verdade, o negócio dissimulado será objeto do
tratamento jurídico que lhe caberia se tivesse sido celebrado sem Para além deste negócio, temos também o contrato de compra e venda
dissimulação, nos termos do art. 241º. celebrado entre J e F. Neste negócio, a coação continua a ser exercida
por H, só que, neste negócio, ele é um terceiro e, por isso, para que o
Sendo o objeto mediato destes negócios um barco, que é um bem móvel,
contrato de compra e venda seja anulável, para além dos requisitos
não se levantariam problemas quanto às exigências de forma, pois
previamente indicados, cumulativamente, é necessário que se reúnam
quanto a estes negócios vale o princípio da liberdade de forma, previstos
dois requisitos adicionais:
no art. 219º e nos art. 875º a contrário, quanto à compra e venda, e 947º,
nº2, quanto à doação, dado que existiu entrega do barco. 4. É necessário que haja gravidade do mal culminado, sendo este
mal apreciado objetivamente, mas em relação aos vários tipos de
Estes negócios apenas foram celebrados em virtude de H ter ameaçado
indivíduos, pelo que se tratando G de uma pessoa moralmente
que contaria a G, marido de F, que durante a sua vida solteira, viveu
conservadora, o conhecimento de que a sua esposa viveu
maritalmente com I, caso este não doasse o barco. Com efeito, estes
maritalmente com I durante a sua vida de solteira poderia ser
negócios jurídicos foram celebrados sob coação moral, nos termos do
efetivamente grave.

39
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

5. É necessário que o receio da consumação da ameaça seja substanciais que vimos existir na hipótese em que o objeto de negócio
justificado, ou seja, deve ser uma ameaça que é viável de ser era um barco, também aqui seriam aplicáveis, nos mesmos termos.
executada, o que neste caso, também seria, uma vez que H era
Caso Prático #22
amigo de G.
X, especialista em filatelia e colecionador de selos raros, sabendo que
Ora, estavam, por isso reunidos os requisitos impostos pelo art. 256º 2ª
Z, seu habitual fornecedor, dispunha de um selo que há muito tempo
parte.
procurava, decidiu-se a adquiri-lo imediatamente, antes que outros
Com efeito, ambos os negócios seriam anuláveis por vício da vontade, colecionadores tivessem conhecimento da sua existência. No entanto,
pelo que não seriam substancialmente válidos. Para o efeito, F deveria não podendo deslocar-se pessoalmente ao estabelecimento de Z, pediu
arguir a anulabilidade dos negócios, e teria legitimidade para o efeito, ao seu amigo W que o fizesse, dando-lhe instruções precisas quanto ao
nos termos do art. 287º. selo a adquirir: um selo "D. Maria II" de 1853. W, uma vez no
estabelecimento de Z, pediu-lhe "o selo raro de 1953, com a D. Maria
Contudo, est arguição deveria ter ocorrido no ano subsequente à data d
II, para o Sr. X". Z, embora estranhando o pedido de X, uma vez que o
cessação do vício, que, neste caso, se deu com o momento da morte de
selo em causa (uma edição comemorativa da edição do selo de facto
G, pois, a partir dessa data, a ameaça deixa de ser passível de
pretendido por X) era bastante vulgar, limitou-se a cumprir com o
concretização e, por isso, o vício cessa. Deste modo, F deveria ter
pedido. Poderá X, uma vez descoberto o engano, “desfazer" o negócio?
arguido a anulabilidade até janeiro de 2018, o que não sucedeu, pelo que
o vício se sanou pelo decurso do prazo. Por outro lado, caso o objeto do Estamos perante uma hipótese de divergência não intencional entre a
negócio tivesse sido um terreno, o negócio simulado continuaria a ser vontade e a declaração concretamente, perante um erro na transmissão
nulo, nos termos do art. 240º nº2 produzidos os efeitos jurídicos da declaração, previsto no art. 250º, que remete para o regime jurídico
previstos no art. 289º, e quanto à validade dos negócios dissimulados, o aplicável quanto ao erro obstáculo. Neste caso, W é um mero núncio,
problema residira no vício de forma dos mesmos, pois, sendo o terreno pois transmite uma declaração em nome de X, sendo um mero
um bem imóvel, aplicar-se-iam as exigências de forma previstas no art. longamanus, ou seja, sem qualquer autonomia. Face à factualidade
875º para a compra e venda, e o art. 947º nº1 para a doação. Sabendo descrita, não parece ter havido dolo da parte de W, pelo que será de
que estes negócio foram apenas reduzidos a escrito e não celebrados por aplicar o regime jurídico previsto no art. 250º nº1, que remete para o art.
escritura pública ou documento particular autenticado, seriam nulos, nos 247º.
termos art. 220º, e, sendo a nulidade invocável a todo o tempo, F
Como tal, para sabermos se X pode desfazer o negócio jurídico, temos
poderia invocá-la ainda hoje, o que implicaria a restituição de tudo o
de aferir se estão reunidos os pressupostos do art. 247º, que consagra,
que foi prestado, nos termos do art. 289º. Sem prejuízo, os vícios
desde logo, a exigência de o declaratário conhecer ou não dever ignorar
a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.

40
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

Neste caso, o enunciado refere que o próprio Z estranhou o pedido, pelo


que podemos dar este requisito como verificado.
Consequentemente, este negócio jurídico seria anulável por parte de X,
nos termos do art. 287º, logo sim, X poderia desfazer o negócio, como
decorre do art. 289º.
Em alternativa, se o declaratário, Z aceitar, o negócio como o declarante
queria, a anulabilidade fundada em erro não prossegue, nos termos do
art. 248º.

Semana 11

Caso prático #36


F, galerista, e G, colecionador de arte, concluíram um contrato pelo
qual o segundo comprou uma fotografia de grandes dimensões de um
renomado artista plástico nacional. F atuou em nome de X, que lhe
tinha confiado em tempos a venda da obra. Não obstante, X havia,
entretanto, mudado de opinião quanto à venda da fotografia e, algum

41
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

tempo antes do negócio, tinha informado F disso mesmo e pedido a prova que G conhecia a derrogação (estando perante uma situação de
devolução da obra. A fotografia foi, entretanto, entregue na casa de G. representação sem poderes; F atua sem poderes, sendo o negócio
ineficaz em relação a X podendo este reaver a fotografia) ou X não
Terá X alguma hipótese de reaver o trabalho em causa?
consegue fazer prova disso e, nesse caso, não tem legitimidade para
Tem-se um caso de representação (art.º 258º e ss. CC) voluntária, invocar a ineficácia na sua esfera jurídica do negócio que F realizou em
uma vez que os poderes de representação foram atribuídos a F por ato seu nome.
voluntário de X, sendo que neste tipo de representação, a vontade
Caso Prático #37
provém da vontade do representado através de procuração. A
procuração, neste caso, estando em causa uma compra e venda de um A encarrega B, seu filho de 17 anos, de comprar uma enciclopédia "do
bem móvel, está sujeita à liberdade de forma, sendo um negócio reino animal e vegetal". B, estudioso das ciências da natureza, escolheu
consensual (art.º 219º CC ex vi art.º 262º/2 CC e art.º 875º CC a a obra que entendeu mais reputada na matéria depois de analisar as
contrário). diferentes opções existentes na livraria de C, habitual fornecedor de A.
A enciclopédia em 10 volumes foi entregue na casa de A, tendo B
Como pressupostos da representação tem-se a contemplatio
pedido a C para somar o preço respetivo "à conta" de A na livraria,
domini e a declaração de uma vontade própria do representante, que
uma vez que a enciclopédia era para A e essas tinham sido as
aqui se verifica já que foi F que escolheu a contraparte do negócio.
instruções dadas pelo seu pai (A liquidava no fim de cada mês os
Quanto ao pressuposto de eficácia este dita que o ato deve estar
montantes em débito na livraria). No entanto A, tendo-se entretanto
integrado nos poderes que competem ao representante. Neste caso, o
desinteressado do estudo da natureza, recusa-se a pagar quando C no
problema coloca-se justamente a este nível porque X mudou de opinião
fim do mês em questão lhe apresenta a conta correspondente,
quanto à venda da fotografia, avisando F disso mesmo. X revogou a
argumentando que a compra foi efetuada pelo seu filho e por isso nem
procuração que outrora havia outorgado a F. A revogação da procuração
sequer é válida, uma vez que este ainda não completou 18 anos de
está consagrada no art.º 265º CC, que diz que a procuração é livremente
idade.
revogável, uma vez que a procuração não foi conferida no interesse do
representado ou de terceiro (nº 3 a contrário). Conforme dispõe o art.º Estamos perante uma hipótese de representação, na qual B pratica um
266º/1 CC, para que a revogação fosse oponível a G, X teria de provar ato jurídico em nome de A, para que na esfera deste se produzam os
que o G conhecia a derrogação da procuração. Se a procuração foi respetivos efeitos. Representação voluntária, já que os poderes de
emitida, as vicissitudes voluntárias que a atingem ficam a cargo do representação são atribuídos de modo voluntário, através da figura da
representado (X teria de levar ao conhecimento de G a derrogação da procuração (art.º 262º CC). Não é exigida forma especial para esta
procuração, sob pena de esta não lhe ser oponível). Ou X consegue fazer procuração porque o art.º 262º/2 CC dita que a forma do negócio

42
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

corresponde à forma da procuração e o negócio está sujeito a liberdade Temos uma hipótese de vício da vontade, porque C se encontra em
de forma (art.º 875º CC a contrario). erro sendo, no entanto, este erro determinado por um comportamento de
D, havendo dolo (art.º 253º e ss. CC). Este dolo é positivo, porque o
Quanto aos pressupostos da existência da representação tem-se:
engano do C decorre do facto de D o ter convencido de que o terreno se
contemplatio domini, que, neste caso, se verifica; e a declaração de uma
encontrava alagado, tendo para o efeito contratado uma cisterna de água
vontade própria do representante, que se verifica, pois, é dito que é o
(sugestão ou artifício com objetivo de manter C em erro). É um dolo
filho que escolhe a obra que bem entende, em nome do pai. Para que a
ilícito porque decorre de uma sugestão que não é usual ou legítima
representação seja eficaz exige-se ainda que o ato se integre no limite
segundo as conceções do tráfico jurídico. O dolo é proveniente do
dos poderes que competem ao representante, que significa que deve
declaratário. Segundo o art.º 254º/1 CC, a anulabilidade do negócio é o
existir legitimação representativa por parte do representante, legitimação
principal efeito do dolo, não esquecendo a responsabilidade pré
essa que pode ser originária ou subsequente, sendo originária quando já
contratual do autor do dolo (art.º 227º CC), porque ele, com a sua
existe ao tempo da celebração do negócio e subsequente quando é
conduta contraria aos ditames da boa fé, deu origem à invalidade do
conferida posteriormente através de ratificação do negócio. O
contrato. A responsabilidade do autor do dolo deve indemnizar o
argumento utilizado por A não procede (art.º 263º CC), já que se entende
prejuízo que o contrato invalido causou, nos termos do art.º 800º CC (o
que B teria a capacidade necessária e, portanto, o negócio seria válido e
E seria responsável perante C). O procurador é um auxiliar do E, nos
os efeitos produzir-se-iam na esfera jurídica de A que, se não pagar o
termos do art.º 800º, E responderia perante C. o dolo do declaratário está
preço devido incorre em mora (art.º 804º e ss. CC).
dependente de certos requisitos: o dolo deve ser um dolus malus (art.º
Caso Prático #44 253º/2 CC), deve ser um dolo essencial (art.º 254º/1 CC), tem de haver
se verificar no decetor a intenção ou consciência de induzir em erro.
C, pretendendo adquirir um terreno agrícola para iniciar um negócio
Verificam-se todos os requisitos, o que significa que o negócio seria
de agricultura biológica, foi convencido por D, procurador de E, de
que um terreno de que este era proprietário em Paredes reunia as anulável, tendo o C legitimidade para arguir (art.º 287º CC e art.º 289º
condições ideais para o efeito. Numa visita ao local o terreno CC).
encontrava-se, inclusive, alagado, tendo D explicado que “a água era 2. Diga o que poderá C fazer quando souber que afinal D nem sequer
tanta que teria que ser encanada para não invadir as plantações”. tinha uma procuração de E para vender o dito terreno.
Celebrado o negócio, C vem a descobrir que o terreno não dispunha de
qualquer fonte de irrigação e que D mandava vir uma cisterna de água Aqui, para além do vício da vontade que foi previamente verificado,
sempre que algum interessado visitava o local. temos um problema de representação sem poderes levada a cabo por D

1. Que direitos assistem a C?

43
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

nos termos do art. 268º - falta um pressuposto de eficácia da Partindo do pressuposto que se mantém a factualidade inicial, C deveria
representação. rejeitar o negócio fazendo uso da previsão do 268º nº4, evitando a
posterior prova do dolo que não seria facilmente comprovável.
Agora, o D………………..
E poderia ratificar o negócio conferindo assim à posteriori legitimação
representativa ao D. Semana 12 – 15.05 a 19.05
A ratificação (art. 268º) está sujeita à forma exigida para a procuração,
neste caso, a forma exigida para o negócio que o procurador deva Caso Prático #14
realizar (art. 262º). Neste caso, está a ser realizado uma compra e venda
de um bem imóvel logo a ratificação deve observar a forma do art. 875º. 1. A, pretendendo arrendar um apartamento de que era proprietário na
zona de Matosinhos, colocou para o efeito um anúncio num jornal de
C poderá revogar ou rejeitar o negócio antes que este seja ratificado (art. âmbito nacional, indicando a área do imóvel, a sua localização e o
268º nº4). preço pretendido. Perante as inúmeras respostas recebidas, A decidiu
Não havendo ratificação o representante sem poderes verificada culpa colocar novo anúncio no mesmo jornal, exigindo uma renda superior
sua, ele responde perante o C com fundamento em responsabilidade pré- em 20% à indicada primeiramente.
contratual (227º) Perante o sucedido, Z, cuja resposta foi a primeira a chegar à redação
Se o D desconhecesse com culpa a falta de poderes ele responderia pelo do jornal, vem reivindicar para si a condição de novo arrendatário da
interesse contratual negativo (colocaria o C na posição em que estaria se fração, acrescentando, porém, que apenas pagará a renda inicialmente
não tivesse contratado). Caso D conhecesse a falta de legitimidade publicitada. Terá razão na sua pretensão?
representativa, o C já poderia optar por uma indeminização segundo o 2. E se, entretanto, A morre num acidente de automóvel, antes mesmo
interesse contratual positiva, logo teria direito a um indeminização pelo de responder a Z?
não cumprimento do contrato, que o colocaria numa posição em que ele
estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido. 1)

Dado o enunciado, podemos ter uma hipótese de procuração tolerada, É possível equacionar duas hipóteses: mero convite a contratar ou
podemos então admitir que o E conhecia a conduta do D e a tolerava, proposta contratual.
esta tolerância, segundo a boa-fé, pode ser interpretada no sentido de
Dada a infungibilidade da contraparte parece que a hipótese do mero
que o D recebeu procuração do E para agir por ele. Assim, E também
convite contratual seja mais plausível, uma vez que o contrato de
responderia de forma indemnizatória a C.
arrendamento é um contrato intuitu personae – é um contrato realizado

44
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

em razão da pessoas que pretende contratar, as características pessoais 2)


do sujeito são relevantes.
Caso o anúncio fosse um mero convite a contratar, caso A morresse
De acordo com o professor Horster, os anúncios nos jornais são antes da resposta a declaração perde eficácia (art. 231º nº2).
meramente convites a contratar porque o anunciante pretende receber
Caso o anúncio fosse uma proposta ao público, tendo a aceitação da
várias propostas e reservar para si a liberdade de não aceitar as
proposta pelo Z já se tronado eficaz o A morre antes do contrato já ter
propostas.
sido celebrado porque a sua morte não vai impactar no contrato (art.
Se o anúncio no jornal fosse um convite a contratar o Z seria o 226º).
preponente, a declaração contida na sua respostas consubstanciaria uma
Caso Prático #30
proposta contratual, esta declaração seria expressa, escrita e receptícia
(art. 217º e 224º nº1 1ªparte). 1. Por ocasião da recente visita do Papa Bento XVI ao Porto, A
contratou com B, mediante o pagamento de uma avultada quantia, a
A não aceita a propostas e portanto não há contrato.
possibilidade de utilizar a varanda de um apartamento deste último a
Segunda hipótese, menos plausível, é a de considerarmos este anúncio fim de assistir às cerimónias religiosas agendadas para esta cidade.
uma proposta contratual, temos aqui uma declaração expressa, escrita, Verificou-se, no entanto, que no dia previsto para o efeito foi negado a
não receptícia (art. 224º nº1 2ª parte). A o acesso ao prédio de B pelos agentes da polícia responsáveis pela
segurança da cerimónia, tendo A sido informado no local que toda
Além de ter de conter um projeto contratual completo esta declaração
aquela zona tinha sido evacuada conforme tinha sido atempadamente
para ser classificada como proposta contratual tem de ser formalmente
comunicado aos moradores logo que foi anunciada a visita Papal.
suficiente e uma intenção clara e inequívoca de contratar.
Desiludido, A pretende conseguir de B a devolução da quantia já paga
O contrato de arrendamento urbano é um contrato formal nos termos do pela utilização da varanda. Quid iuris?
art. 1169º.
2. A situação alterar-se-ia se, diferentemente, as cerimónias em causa
Atendendo ao número de respostas recebidas A pretende revogar a tivessem sido canceladas face à impossibilidade de deslocação do Papa
proposta que apresentou ao público. Nos termos do 230º nº3 é possível a em virtude da nuvem de cinza que afetou o tráfego aéreo?
revogação da propostas no entanto esta nunca poderá ser realizada
1.
posteriormente há existência de aceitação, uma vez que, neste caso já
teria se formalizado um contrato (nos termos do 224º a proposta Temos aqui uma hipótese de erro-vício, A apenas contratou com B
perfeiçoa-se no momento da receção da aceitação pelo A). O contrato porque estava erroneamente convencido de que poderia utilizar a sua
apenas poderá ser modificado ou resolvido por mútuo acordo (406º nº1). varanda e isso foi determinante na decisão de contratar. Assim, temos

45
Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

um vicio na formação da vontade, A declara o que quer, a sua declaração Teríamos de equacionar o enquadramento desta hipótese no âmbito do
e vontade são coincidentes, mas só o faz porque houve um erro na dolo negativo (253º nº1). Há dolo negativo quanto há dissimulação do
formação da vontade. erro do declarante. Se o B em momento anterior da celebração do
contrato já conhecesse as restrições de acesso ao local.
Concretamente, temos um erro sobre os motivos, concretamente, um
erro sobre a base negocial (art. 252º nº2 ex vi 437º). 2.
Os requisitos da relevância do erro são essencialidade, propriedade e Alteração superveniente das circunstâncias porque ao invés de uma
desculpabilidade. alteração do conhecimento da realidade o que nós temos é uma alteração
da própria realidade, enquanto no erro sobre a base do negócio, o erro
No caso da essencialidade, o erro é essencial se sem ele não se
incide sobre uma circunstância anterior ou contemporânea do negócio,
celebraria negócio ou se se celebraria outro negócio, neste caso, o erro
nestas circunstâncias que existiam à data da celebração do contrato
foi essencial.
veem a alterar-se num momento posterior. A alteração anormal das
No caso da propriedade, o erro diz próprio quando incide sobre uma circunstâncias relevantes juridicamente é aquela que poe em causa o
circunstância que não seja a verificação de qualquer elemento legal da equilíbrio contratual estabelecido pelas partes.
validade do negócio, neste caso, é próprio porque incide sobre uma
É necessário que as circunstâncias integrem a base do negócio, é
circunstância que não um elemento legal.
necessário que essa alteração seja anormal, ela tem de ter ocorrido após
No caso da desculpabilidade, o erro diz-se desculpável quando é a conclusão do contrato. É preciso que uma das partes seja gravemente
aceitável e de certa forma “inocente”. afetada. É preciso que a modificação do contexto não esteja coberta
pelos riscos próprios do contrato. É necessário que exigência do
Requisitos especiais: cumprimento do contrato inalterado afete gravemente os princípios da
Erro sobre a base negocial, e portanto, ganha relevância o 252º ex vi boa-fé.
437º é necessário que a exigência das obrigações afeta gravemente os
princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do
contrato.
Aqui se incluem os casos em que a contraparte deveria aceitar um
condicionamento do negócio. B aceitaria ou deveria aceitar de acordo
com as regras da boa-fé um condicionamento do negócio à verificação
da circunstância em que incidiu o erro.

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Teoria Geral do Direito Civil – 2º Semestre

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