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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Direito dos Contratos I

3.º Ano – Turma da Noite – 7.1.2016

Grupo I

António, comerciante do ramo automóvel, celebrou um contrato-promessa de compra e venda com Bento,
advogado, relativo a uma fracção autónoma de um prédio sito em Lisboa. O mesmo contrato-promessa
veio ser incumprido por António, havendo Bento, a quem as chaves do imóvel tinham sido entregues por
António, exercido direito de retenção sobre a fracção.

Um mês mais tarde, António vendeu o imóvel a Carlos, que desconhecia a situação de Bento. Foi ainda
clausulado entre as partes que a fracção seria entregue a Carlos no estado físico em que se encontrava,
bem como que António poderia por termo ao contrato, por sua livre vontade, num prazo de dez anos,
deste que restituísse a Carlos o preço pago, acrescido da taxa de juro aplicável às operações civis.

Por sua vez, beneficiando de um erro registal, Bento vendeu a fração autónoma a Daniel, proprietário de
uma empresa de produtos informáticos, que para esta se pretende mudar na próxima semana. Em
simultâneo, Daniel vendeu a Bento um computador topo de gama, que lhe deverá ser entregue no final do
mês de Janeiro.

a) Pode Carlos anular o contrato de compra e venda celebrado com António, sete meses após tomar
conhecimento da retenção da fração por parte de Bento? (2 valores)
Retenção do promitente-comprador ex vi o disposto no art. 755.º, n.º 1, al. f). Enquadramento da
situação enquanto venda de bem onerado, nos termos do disposto no art. 905.º. Prazo de
anulação apurado ex vi o disposto no art. 287.º, n.º 1, com exclusão do disposto no art. 916.º, n.º
2.
b) Não o fazendo, e vindo a tomar conhecimento, depois, de graves infiltrações na fracção
autónoma, pode Carlos solicitar a António o respectivo arranjo e limpeza de tectos e paredes? (2
valores)
Exclusão de venda de bem de consumo e da aplicação do disposto no DL 67/2003 – cfr. art. 1.º-
B, alíneas a) e c). Venda puramente civil, com aplicação do disposto nos arts. 913.º e 914.º a
respeito dos defeitos da coisa. Exclusão da reparação da coisa por vontade das partes (cláusula
de não garantia).
c) Pode António resolver o contrato celebrado com Carlos três anos volvidos, recusando-se a pagar
a este qualquer quantia? (3 valores).
Enquadramento da situação enquanto venda a retro. Nulidade de duas cláusulas, com redução e
conversão legal: 928.º, n.º 1, 929.º, n.ºs 1 e 2. Possibilidade de resolução nos termos do disposto
nos arts. 927.º e 930.º, com devolução do preço recebido (e despesas que não juros).
d) Daniel é proprietário do imóvel? Que direitos pode este exercer contra Bento? (3 valores).
Venda de bem alheio ex vi o disposto no art. 892.º. Situação jurídica plúrima: direito à
restituição do preço, à convalidação do contrato (com indemnização por não convalidação) e a
indemnização nos termos gerais – cfr. arts. 893.º, 897.º e 900.º e 898.º.
e) O computador vendido por Daniel a Bento não possui quatro teclas, o que foi descoberto por este
logo após a sua entrega. Pode Daniel solicitar a Bento a restituição do preço pago pelo aparelho?
(2 valores)
Venda de bem de consumo. Resolução do contrato como uma dos direitos hipotéticos do
comprador ex vi o art. 4.º do DL 67/2003, e nos moldes dos arts. 432.º e ss. do CC. Questão do
abuso de direito na petição imediata da resolução (que a excluirá).
Grupo II

Alberto celebrou com Bernardo um contrato, nos termos do qual este se obrigava a construir uma moradia
num terreno que era propriedade daquele. Para o efeito, Alberto pagaria a Bernardo a quantia de €
150.000, devendo a obra estar concluída no dia 27 de Dezembro de 2010.

Apesar de estar muito empenhado na realização da obra e no cumprimento integral do plano, Bernardo
discordava da colocação de soalho no piso superior da moradia. Segundo ele, não se justificava por duas
razões: i) o revestimento a azulejo ficava muito mais em conta; e ii) não tinha competências técnicas para
a colocação do soalho (o que o levaria a ter que contratar mão-de-obra especializada para o efeito).

Para além disso, não sendo a electricidade “a praia” de Bernardo, este decidiu contratar Cristiano para que
este fizesse as instalações eléctricas na moradia. Ficou acordado que Bernardo pagaria € 2.000 para o
efeito. Bernardo não pagou.

A obra foi entregue no dia 27 de Dezembro de 2010. No dia 24 de Dezembro de 2015, quando Alberto
desfrutava da sua bela ceia de Natal com a família, o insólito aconteceu: parte do telhado ruiu. Por sorte a
noite não estava chuvosa, mas não se livraram do frio que se propagou por toda a casa. No dia 25 de
Dezembro, Alberto ligou a Bernardo exigindo que Bernardo fosse eliminar o defeito. Bernardo, indignado
com o tom de Alberto em plena quadra natalícia, riu-se da situação e disse: “Recuso-me. E não te
esqueças, só tens dois dias para me obrigar a fazer o que queres. Boa sorte!”. Alberto tentou de imediato
ligar a Dinis, seu advogado, vendo a sua tentativa frustrada. Decidiu mandar um email, obtendo resposta
imediata (automática): “Não me encontro disponível até dia 3 de Janeiro, visto ter ido passar férias à
neve. Caso tenha algum problema, aguarde até essa data. Agradeço a compreensão”. Alberto ficou
desesperado e sem saber o que fazer.

a) Pode Bernardo colocar azulejo em vez de soalho? Em que termos e quais as consequências
(designadamente no que respeita ao pagamento do preço)? (3 valores)
Identificação no caso de alterações da iniciativa do empreiteiro (em princípio, vedadas
(1214.º/1)). Só com autorização do dono da obra pode o empreiteiro fazer tais alterações: o
empreiteiro deve efectuar proposta nesse sentido ao dono da obra (406.º/1). Identificação do
carácter excepcional das exigências de forma do artigo 1214.º/3 (para que o dono da obra tenha
direito à redução do preço, não é necessário que conste da autorização por escrito a indicação
da redução do preço, podendo ser verbal).

b) Pode Cristiano exigir o pagamento do preço a Alberto? (2 valores)


Discussão relativa à admissibilidade da celebração da subempreitada (1213.º/2). Estando
perante uma subempreitada (admissível), deve atender-se às relações entre subempreiteiro e
dono da obra, sendo o princípio nesta matéria o da produção dos efeitos do contrato apenas
entre as partes (406.º/2). Identificação de uma agremiação de fins entre o contrato de
empreitada e subempreitada, donde se retira um interesse directo do dono da obra na prestação
do subempreiteiro, o que deve ter consequências no reconhecimento de relações directas entre
dono da obra e subempreiteiro (posição defendida pelo Professor Pedro de Albuquerque).

c) O que diria a Alberto relativamente aos defeitos que se manifestaram na data de 24 de Dezembro
de 2015? Seria ainda possível fazer valer os seus direitos face a Bernardo? (3 valores)
Desenvolvimento do regime da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra (1219.º e
ss.). Aplicação do artigo 1225.º e crítica à communis opinio que vê no prazo de 5 anos fixado no
artigo 1225.º um prazo de exercício de direitos e não um prazo de manifestação de defeitos.
Estamos perante uma situação de cumprimento defeituoso de um contrato, revelando-se esse
cumprimento defeituoso antes do final do período estabelecido no artigo 1225.º. O prazo de
denúncia dos defeitos é de um ano (1225.º/2 e 3), sendo o momento determinante para o início
da contagem do prazo de denúncia o do conhecimento do defeito pelo dono da obra (1220.º). O
prazo de caducidade do direito de acção é de um ano a contar da denúncia (1225.º/2 e 3).
Assim, pode o direito de acção ser exercido mesmo passados 5 anos sobre a entrega da obra.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito dos Contratos I — TAN

Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Época Especial — 10/09/2018

TÓPICOS DE CORREÇÃO

Grupo I

Anabela vendeu a Beatriz o seu automóvel ligeiro de passageiros, pelo preço de € 20.000,00, a ser
liquidado em dez prestações mensais de idêntico valor, de € 2.000,00 cada. O automóvel foi entregue a
Beatriz no momento da celebração do negócio, por simples documento particular. Convencionaram que o
atraso no pagamento de qualquer prestação implicaria que Beatriz perdesse as prestações entretanto
liquidadas e permitiria a Anabela resolver o contrato.

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) Devido a dificuldades económicas, e após o primeiro negócio, Anabela decidiu vender o mesmo
automóvel a Carolina. Carolina, que desconhecia a existência da primeira venda, pretende
reivindicar o automóvel a Beatriz. Avalie a pretensão de Carolina.
Qualificação do negócio jurídico celebrado entre Anabela (A) e Beatriz (B) como uma compra e
venda (874.º), não sujeita a exigências de forma (arts. 875.º e 219.º). Identificação dos elementos
essenciais do contrato e do momento da transmissão da propriedade (arts. 879.º, a) e 408.º/1 –
princípio da consensualidade e da causalidade). Qualificação do negócio jurídico celebrado entre
A e Carolina (C) como uma venda de bens alheios (892.º). A pretensão de C não será procedente.
Enquadramento da tutela de C, enquanto compradora de boa fé (arts. 894.º, 898.º e 900.º).
2) Beatriz faltou ao pagamento da segunda prestação. Que meios de tutela assistem a Anabela?
A falta de pagamento da segunda prestação faz incorrer B em mora (art. 805.º/2 a)). Não poderia,
todavia, exigir antecipadamente as restantes prestações, porquanto o artigo 934.º, 2.ª parte,
impõe que a falta de pagamento exceda 1/8 do preço, sendo este preceito imperativo (934.º, parte
final).
Discussão em torno da aplicabilidade do art. 934.º, 1.ª parte, ao caso em apreço quanto à
resolução do contrato (que implicaria a constituição de B em incumprimento definitivo): se é
verdade que o preceito parece fazer depender a respetiva aplicabilidade da existência de reserva
de propriedade, não deixa de ser impressivo que, de um lado, aquele que reserva a propriedade
para si não possa resolver o contrato (quando o incumprimento não exceda 1/8 do preço) e, de
outro lado, aquele que não a reserva para si possa fazê-lo nos termos do artigo 886.º
(independentemente do valor). Identificação de uma contradição valorativa e correção desta
contradição através da aplicação do artigo 934.º a este caso (seja mediante adaptação extensiva
ou aplicação analógica). Admissibilidade de entendimento diverso, desde que devidamente
fundamentado.

3) Uma semana após a celebração do negócio entre Anabela e Beatriz, o automóvel apresenta graves
problemas mecânicos. Beatriz recusa-se a liquidar as prestações em falta enquanto Anabela não
custear a reparação do automóvel. Quid iuris?
Qualificação do negócio como uma venda de coisa defeituosa (art.º 913.º). Enquadramento da
tutela de B perante o desconhecimento sem culpa por A do vício do automóvel (arts. 914.º e 915.º).
Garantia do bom funcionamento (921.º). Procedência da exceção de não cumprimento (432.º) da
obrigação de pagamento do preço perante o cumprimento defeituoso da obrigação de entrega da
coisa, se o vício for imputável ao vendedor. Caso contrário, estaremos perante um problema de
risco (796.º/1), que recai sobre B.

Grupo II

Em agosto de 2018, Alberto acordou com Bruno, mecânico, que este lhe repararia o automóvel que aquele
adquiriu a Carlos, sob reserva de propriedade, no início do presente ano. A reserva de propriedade foi
devidamente registada e o preço fracionado em 40 prestações iguais e sucessivas.

1) Não foi fixado qualquer preço. Pode o mesmo ser determinado por David, amigo comum de
ambos? E pode, pura e simplesmente, não ser fixado qualquer preço?

O preço, sendo elemento essencial do contrato de empreitada, não tem que estar necessariamente
determinado (arts. 1211.º/2 e 883.º). A determinação pode ser feita por terceiro, nos termos do
art. 400.º. O preço é elemento essencial do contrato, pelo que na falta de estipulação de preço, ,
haverá um contrato atípico (que poderá ser, por exemplo, uma prestação de serviço gratuita).

2) Alberto decidiu que, para ter mais conforto, queria que o mecânico colocasse novos estofos no seu
automóvel. Bruno, que não tinha conhecimentos técnicos para o efeito, decidiu contratar Ernesto,
especialista na arte. Bruno não pagou a Ernesto o preço combinado. Poderá Ernesto exigir o
pagamento a Alberto?

Identificação do regime das alterações exigidas pelo dono da obra (art. 1216.º) e dos respetivos
limites quantitativo e qualitativo. Discussão em torno da admissibilidade da subempreitada
(artigo 1213.º) e da existência de relações diretas entre subempreiteiro e dono da obra quanto ao
pagamento do preço. Tomada de posição fundamentada.

3) Bruno falece deixando um filho — Francisco — sobrevivo. Francisco, advogado, não sabe o que
fazer com o automóvel de Alberto. Esclareça-o.

Identificação do regime consagrado no art. 1230.º. Discussão em torno da bondade da solução:


a luz do contexto socioeconómico vigente não interessará, em princípio, nem ao dono da obra
nem aos herdeiros do empreiteiro, porquanto não se afigura hoje comum que os herdeiros do
empreiteiro sigam o ofício deste. Atribuir-se-ia, assim, a possibilidade ao empreiteiro de fazer
extinguir unilateralmente o contrato mediante resolução por justa causa.

4) Alberto não pagou a Bruno nem a Carlos. Bruno pretende, por isso, reter a coisa até ser pago.
Carlos opõe-se, afirmando que o automóvel lhe pertence e que nada tem a ver com o contrato
celebrado. Quem tem razão?

Discussão em torno da possibilidade de o empreiteiro poder exercer o direito de retenção (art.


754.º) sobre coisa pertencente a terceiro (que não o dono da obra). Tomada de posição
fundamentada, preferencialmente no sentido de ser possível ao empreiteiro exercer o direito de
retenção, porquanto se trata de um direito real de garantia, oponível erga omnes; a prioridade
proporcionada pelo registo anterior da cláusula de reserva de propriedade não afasta este
entendimento, devendo o problema ser resolvido à luz do disposto do art. 759.º, n.º 2: caso
contrário, o proprietário do automóvel locupletar-se-ia à custa do empreiteiro (sem a sua
intervenção, a coisa poderia perder-se, deteriorar-se ou não teria aumentado de valor).
Admissibilidade de entendimento diverso, desde que devidamente fundamentado.

(10 valores)
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito dos Contratos I — Época de Recurso

3.º Ano — Turma da Noite — 19.02.2018

Grupo I

António, recém-licenciado e carenciado de financiamento, é proprietário de um “Why-


Phone” que adquiriu recentemente na “Phones4all, Lda.”. Bernardo, estudante, mostrou-
se interessado no moderno dispositivo móvel de António. Combinaram que o primeiro o
venderia ao segundo o telemóvel pelo preço de 800,00 €. O preço deveria ser pago em 10
prestações mensais de igual valor.

Considere cada uma das seguintes hipóteses isoladamente:

a) António, sabendo que Bernardo tinha dificuldades financeiras, combinou que só


lhe entregaria o telemóvel no momento do pagamento da quinta prestação.
Bernardo falhou o pagamento da segunda prestação. António pretende agora
resolver o contrato. Quid juris? (3 valores)

Qualificação completa e fundada do contrato de compra e venda a prestações


(arts. 874.º e ss.; 934.º e ss.).
Discussão acerca da (im)possibilidade de o vendedor exigir antecipadamente
todas as prestações devidas a título de preço, em face do não pagamento de uma
prestação que não excede uma oitava parte do preço, nos casos em que não tenha
sido feita a entrega da coisa (articulação dos regimes dos arts. 934.º, 2.ª parte,
e 781.º). Tomada de posição fundamentada, preferencialmente no sentido da
aplicabilidade da segunda parte do artigo 934.º ao caso em apreço, com a
consequência não ser possível exigir a totalidade das prestações.
Problematização da possibilidade de António resolver o contrato.
Inaplicabilidade da primeira parte do artigo 934.º (não houve entrega) e do
artigo 886.º (a atribuição do vendedor não se encontra totalmente realizada, na
medida em que não houve entrega da coisa). Valorização da (não) identificação
da reserva de propriedade como requisito de aplicação da 1.ª parte do artigo
934.º.
A resolução só seria possível na medida em que o comprador estivesse
constituído numa situação de incumprimento definitivo. Em coerência com a
tomada de posição a respeito da (in)exigibilidade antecipada das restantes
prestações, deveria concluir-se no sentido de que Bernardo não estaria
constituído numa situação de incumprimento total e definitivo.

b) No momento da venda, o telemóvel encontrava-se com Ramiro, reparador de


telemóveis. Bernardo pagou a quinta prestação do preço. António não entregou o
telemóvel dizendo que não tinha pago o preço da reparação o que, de resto, diz
não ter que fazer por não ser já seu proprietário. Ramiro recusa-se a entregá-lo a
Bernardo. Quid juris? (3 valores)
Qualificação completa e fundada do contrato celebrado por António e Ramiro
como sendo um contrato de empreitada (artigos 1207.º e ss.). António está
obrigado a pagar o preço, podendo Ramiro lançar mão da retenção para
garantia do pagamento do preço (art. 754.º do CC). Valorização da discussão
relativa à admissibilidade do direito de retenção do empreiteiro (neste caso
exercido sobre coisa de terceiro).
Identificação do direito de retenção como “ónus ou limitação que excede os
limites normais dos direitos da mesma categoria” (art. 905.º do CC) e aplicação
do regime da venda de bens onerados. Discussão e tomada de posição
fundamentada em relação à questão de saber qual a consequência
(anulabilidade ou resolução do negócio jurídico) e identificação coerente do
regime aplicável; possível convalescença do contrato (906.º) e possível
indemnização em caso de não cumprimento da obrigação de fazer convalescer o
contrato (910.º) à qual acresce indemnização nos termos do artigo 908.º.
Salvaguarda da opção entre a indemnização dos lucros cessantes pela
celebração do contrato que veio a ser resolvido (ou anulado) e dos lucros
cessantes pelo facto de não ser sanado o vício (910.º, n.º 2); referência à possível
redução do preço (feita nos termos do artigo 884.º) e consequente manutenção
do contrato (911.º, n.º 1).

c) Passados 10 dias Bernardo, em brincadeira com os amigos, decidiu atirar o


telemóvel para a sua piscina, tendo o dispositivo deixado de funcionar. Reclamou
junto de António que lhe terá dito, no momento da venda, que o equipamento era
“à prova de água”. António confirmou que aquele modelo tem (ou deveria ter)
essa característica, mas que, em todo o caso, não era responsável pelo seu mau
funcionamento. Quid juris? (2 valores)

Aplicação do regime da compra e venda de bens de bens de consumo (artigos


1.º-A e 1.º-B do DL 67/2003); A conformidade como garantia (2.º/1); Presunção
ilidível de não conformidade (2.º, n.º 2, al. d); Presunção da sua existência ao
tempo da entrega no prazo de dois anos (3.º/2); Transmissibilidade dos direitos
de António ao 3.º adquirente, Bernardo, nos termos do art. 4.º/6; Bernardo deve
exercer os seus direitos contra a “Phones4all, Lda.” no prazo de dois meses a
contar da data em que os detetar (art. 5.º-A, n.º 2), tendo direito à reparação no
prazo de 30 dias, sem grave inconveniente para si (4.º/2). Discussão relativa à
eventual subsidiariedade entre os vários direitos atribuídos ao consumidor, com
apelo ao disposto no artigo 4.º/5 que dispõe no sentido de poder o comprador
exercer qualquer um dos quatro direitos, salvo manifesta impossibilidade ou
abuso de direito (valorização da referência ao escalonamento do exercício de
direitos, através da fixação de dois níveis de reação no texto da diretiva
transposta).
d) Imagine que as partes estabeleceram que António poderia readquirir o telemóvel
a seu bel-prazer no prazo de um ano. Em contrapartida, deveria pagar 900,00 € a
Bernardo. Qualificaram o contrato como “retrovenda”, apesar de não se
encontrarem muito seguros a esse respeito. Qual a natureza jurídica do contrato
e o regime aplicável? (2 valores)

Caracterização do contrato de compra e venda a retro como o contrato mediante


o qual o vendedor reserva para si o direito de reaver a propriedade da coisa ou
direito vendido mediante a restituição do preço (art. 927.º), aplicando-se o
disposto nos artigos 432.º e seguintes, em tudo o não afastado pelo regime
específico da venda a retro; distinção face à retrovenda (ou pacto de revenda),
onde se verifica existirem duas convenções (no mesmo instante ou
posteriormente), permanecendo a venda posterior como simples proposta sujeita
à aceitação do vendedor (António) ou como venda completa, subordinada à
anuência posterior do vendedor (António). Diferenças em termos de regime (não
vale para a retrovenda o regime dos artigos 432.º e ss, mas antes o regime da
compra e venda), ainda que a identidade de situações implique a aplicabilidade
de algumas das regras do regime da venda a retro à retrovenda (relativas a
prazos e preços); a cláusula mediante a qual António se obriga a restituir preço
superior ao convencionado para a venda é, portanto, nula quanto ao excesso
(928.º, n.º 2).

Grupo II

Carlos e Dinis acordaram que este construiria àquele uma moradia de três andares e uma
bela piscina pelo valor de 1.000.000,00 €.

Considere cada uma das seguintes hipóteses isoladamente:

a) Pertencendo o terreno a Carlos, a partir de que momento se torna proprietário do


imóvel? E se o terreno pertencesse a Dinis? Imaginando que o preço seria pago
em prestações, seria lícito convencionar-se que Dinis só se tornaria proprietário
no momento do pagamento da última prestação? (3 valores)

Qualificação completa e fundada como contrato de empreitada (art. 1207.º).


Tendo a empreitada por objeto a construção de um imóvel (art. 1212.º, n.º 2) e
pertencendo o terreno ou a superfície ao dono da obra, é ele o proprietário da
coisa (mesmo sendo os materiais fornecidos na totalidade pelo empreiteiro,
transmitindo-se a propriedade sobre os bens à medida que são incorporados no
solo).
O art. 1212.º não regula a hipótese de a obra ser construída em terreno
pertencente ao empreiteiro, devendo considerar-se estarmos perante um contrato
misto ou uma união de contratos (contrato de empreitada e contrato promessa de
compra e venda do imóvel), admitindo-se posição diversa devidamente
fundamentada. A transmissão da propriedade ocorreria, em princípio, no
momento da celebração do contrato definitivo (geralmente, uma compra e venda).
A estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade da obra até que o dono
da obra pague integralmente o preço é possível (art. 409.º).

b) Dinis contratou Felisberto para a instalação das janelas. Após a aceitação da obra,
Carlos descobriu que as janelas tinham sido deficientemente colocadas e ainda
que Dinis tinha recorrido a Felisberto para o fazer. Exige agora que Felisberto as
repare. Pode fazê-lo? (4 valores)

Qualificação completa e fundada do contrato celebrado entre Dinis e Felisberto


como subempreitada (1213.º) e respetiva admissibilidade. Discussão e tomada de
posição fundamentada a respeito da existência de relações diretas entre
subempreiteiro e dono da obra.

c) Pressupondo a factualidade da alínea anterior, sendo o frio insuportável, e em


função da urgência, Carlos decidiu recorrer a um conhecido (Ernesto) para efetuar
a respetiva reparação. Gastou para o efeito 30.000,00 € que exige agora de Dinis
e Felisberto. Quid juris? (3 valores)

Admissibilidade do recurso a terceiros para efetuar reparações em situações de


urgência que não consintam dilação ou numa situação em que se verifique um
incumprimento definitivo da obrigação de efetuar reparações por parte do
empreiteiro. Nestas situações, o custo de recursa a terceiro será somente apenas
mais um dano indemnizável decorrente do cumprimento defeituoso do
empreiteiro. Admissibilidade de posições diversas, desde que devidamente
identificadas e fundamentadas.
Direito dos Contratos I (TN) | Exame Escrito (Época de Coincidências)
24 de Janeiro de 2018 | Duração: 90 minutos

Grupo I
Em Novembro de 2017, Abel vendeu a Bernardo um colar de ouro branco com diamantes
incrustados pelo preço de 12.000€, tendo Abel reservado para si a propriedade do colar até
ao integral pagamento do preço. O preço do colar devia ser pago em oito prestações mensais
de 1.500€ cada, sendo a primeira devida em Novembro de 2017 e a última em Junho de 2018.
Em Dezembro de 2017, Bernardo decide vender e entregar o colar a Carlos que o queria
oferecer de presente à sua noiva Eliana. Abel fica furioso ao descobrir este negócio de
Bernardo e decide, por isso, vender o mesmo colar a Daniel (ex-namorado de Eliana), que
agora o pretende reivindicar a Carlos. Entretanto, Bernardo não pagou a prestação de
Janeiro no dia acordado e Abel quer aproveitar essa situação para lhe exigir o pagamento de
todas as prestações devidas até Junho. Quid iuris?
a) Imagine agora que Bernardo não beneficiou da entrega da coisa e Abel quer resolver
o contrato celebrado com Bernardo ou, em alternativa, exigir antecipadamente todas
as restantes prestações. Quid iuris?
b) Suponha agora, para efeitos desta alínea b), que Bernardo era o pleno proprietário
do bem quando o decidiu vender a Carlos. Carlos, tendo previamente usado todas as
suas poupanças para comprar livros de Direito para estudar para os exames, decide
pedir um empréstimo ao Banco Facilitador para comprar o colar. O Banco
Facilitador aceita financiar Carlos mas pretende reservar a propriedade do bem para
si até ao pagamento integral do mútuo. Quid iuris?

Qualificação do negócio jurídico celebrado entre Abel (A) e Bernardo (B) como uma compra
e venda (874.º), não sujeita a exigências de forma (arts. 875.º e 219.º). Identificação dos
elementos essenciais do contrato.
O efeito real do contrato (879.º, a) não se produziu com a mera celebração do contrato,
porquanto A reservou a propriedade do colar até ao integral pagamento do preço (art.º
409.º/1).
O preço do colar, repartido em oito prestações mensais, qualifica o contrato como uma
venda a prestações (art.º 932.º e ss).
Discussão sobre a oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade a terceiros,
incidente sobre bens móveis não sujeitos a registo (cfr. art.º 409.º/2) e posições da doutrina.
A venda de B a Carlos (C), qualifica-se como uma venda de bens alheios (892.º), porquanto
B não é proprietário do bem.
A venda de A a Daniel (D) qualifica-se como uma venda de bens alheios, por analogia (892.º),
porquanto o direito de propriedade de A encontra-se limitado para efeitos de garantia do
pagamento do preço. A pretensão de D não será procedente.
A falta de pagamento da prestação de Janeiro faz incorrer B em mora (805.º/2 a)). Não
permite, todavia, exigir o pagamento das demais prestações. A exigibilidade antecipada das
restantes prestações depende de a prestação em falta exceder um oitavo (1/8) do preço
(havendo entrega da coisa), o que não sucede (€1.500,00 = € 12.000,00/8), nos termos do
art.º 934.º, contra o disposto no art.º 781.º. Resta a A exigir judicialmente a prestação em
causa, acrescida de juros de mora (art.º 817.º e 806.º), ou aguardar pelo incumprimento de
uma segunda prestação, quando poderá exigir judicialmente as demais prestações ou
resolver o contrato (convertendo a mora das prestações em falta em incumprimento
definitivo).

1/3
a) Discussão sobre os pressupostos de aplicação do art.º 934.º, designadamente se é
exigida a entrega da coisa para não importar a perda do benefício do prazo ou a
resolução do contrato na falta de pagamento de uma só prestação que não excede
1/8 de preço, como era o caso. Dar nota da distinção entre a resolução e a perda de
benefício do prazo que é feita pela doutrina nestes casos, designadamente da
posição da regência: não há nenhum obstáculo em aplicar também a restrição
imposta pelo art. 934.º no respeitante ao vencimento antecipado aos casos em que
não se assistiu à tradição da coisa.
b) C celebrou um contrato de mútuo com o Banco Facilitador (BF). Discussão sobre a
possibilidade de reserva de propriedade inicial a favor de terceiro - à luz do
princípio da tipicidade dos direitos reais (arts. 409.º e 1306.º) e da proibição do
pacto comissório, entre outros argumentos – com indicações de doutrina contra e a
favor. Referência à transmissibilidade da reserva de propriedade e posições
divergentes na doutrina sobre esta possibilidade, dando nota da posição favorável
da regência.
Grupo II
Gertrudes, uma mulher de negócios no mercado imobiliário, animada com o estado atual do
mercado em Lisboa, contratou Hugo, empreiteiro, para fazer obras num apartamento velho
que comprou previamente à Imobiliária Ideal por 500.000€ com a intenção de remodelar e
vender por preço superior. Na escritura de compra e venda constava que o imóvel tinha 150m2
mas, ao preparar o projeto para as obras, Gertrudes descobriu que afinal o apartamento
tinha apenas 145m2.
Hugo receberia 50.000€ por um conjunto de trabalhos a efetuar, entre os quais: (i) a
substituição total do chão em taco de madeira por soalho flutuante; e (ii) a remodelação total
da casa de banho, incluindo a resolução do atual problema de infiltrações de água na parede
junto à banheira. Hugo estava empenhado em cumprir integralmente o projeto de obra mas,
na sua opinião, não fazia sentido substituir os atuais tacos de boa madeira por soalho
flutuante. Bastaria afagá-los e envernizá-los para o chão ficar como novo por um preço
significativamente inferior e é precisamente isso que se propunha fazer.
Imagine ainda que a obra tinha sido entregue no dia 3 de janeiro de 2013 e que Gertrudes
ainda não tinha vendido a casa quando, no dia 31 de Dezembro de 2017, apercebe-se que
existia água a escorrer junto à parede da banheira. Descobriu então que o problema das
infiltrações na casa de banho não tinha sido resolvido por Hugo, pois este tinha simplesmente
tapado a zona com uma parede de pladur… Aflita, contacta Hugo sem sucesso e, em resposta
ao seu email sobre o problema, recebe um email de “ausência do escritório” que a informa que
Hugo se encontra de férias e incontactável até dia 6 de janeiro de 2018. Gertrudes fica em
pânico, pois a água já estava a danificar o chão do seu apartamento e Gertrudes não sabe se
ainda será possível exercer os seus direitos após Hugo regressar de férias…

Qualificação do contrato celebrado entre Gertrudes (G) e Hugo (H), como um contrato de
empreitada por referência aos elementos essenciais do tipo contratual (1207.º).
Qualificação do contrato de compra e venda celebrado entre G e Imobiliária Ideal (IH) como
uma compra e venda (art.º 874.º) atendendo aos seus elementos essenciais. Referência à
forma deste contrato. Aplicabilidade do artigo 888.º quanto à diferença real de metros
quadrados do apartamento relativamente à escritura, com a consequência de exclusão do
direito à redução do preço.
Alteração de Hugo (H) qualificada como uma alteração da iniciativa do empreiteiro
(1214.º/1). Só com autorização do dono da obra pode o empreiteiro fazer tais alterações e,
para isso, o empreiteiro deve fazer proposta ao dono da obra (406.º/1). Sem autorização do

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dono de obra G, existe cumprimento defeituoso (art.º 1214.º/2). Tutela do dono de obra em
sede de defeitos (arts. 1218.º e ss).
Qualificação das infiltrações como defeitos ocultos (art.º 1224.º/2). Tutela de G ao abrigo
do art.º 1225.º, cujo prazo de caducidade de cinco anos se conta a partir da entrega (n.º1 do
preceito). Discussão sobre a forma de exercício da denúncia (art.º 1225.º/3 e 1220.º), se
receptícia ou não e sobre a necessidade de solicitar previamente ao empreiteiro a sua
eliminação (art.º 1221.º/1). Com base no art.º 336.º, uma vez que a urgência do pedido não
é compatível com a disponibilidade de H, G poderia proceder à reparação e exigir o
reembolso das despesas a H.

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Direito dos Contratos I (TN) | Exame Escrito (1.ª Época)


18 de Janeiro de 2018 | Duração: 90 minutos

Grupo I
No dia 24 de Dezembro de 2017, Ana propôs que Bento, amante de música, ficasse com o seu
gira-discos antigo e com o seu único disco de vinil de Gary B.B. Coleman, pelo preço total de
€50,00, a pagar até ao dia de Natal.
Para grande desagrado de Carlos, colega de Bento, Bento aceitou imediatamente a proposta
de Ana. Combinaram ainda que no dia de Natal Bento iria receber o gira-discos e o disco de
vinil em causa. No entanto, e pese embora a revolta de Bento, Ana recusou-se a entregar o
certificado de autenticidade do equipamento, pretendendo que Bento pagasse €100,00 por este
documento. Nessa mesma noite, de véspera de Natal, Carlos, num acesso de fúria, dirigiu-se ao
escritório de Ana, e partiu o único disco de vinil de Gary B.B. Coleman.
Bento descobre ainda que o gira-discos se encontrava na loja de Zacarias, comerciante que
havia procedido ao seu restauro. Zacarias recusa-se a devolver o equipamento sem que
primeiro lhe paguem o valor das reparações. No dia 26 de Dezembro, Ana, revoltada com a
ingratidão de Bento, pretende resolver o negócio por falta de pagamento do preço.

Em Janeiro de 2018, Carlos adquiriu numa loja de informática, pertencente a “Venda de


Eletrónica, S.A.” - Sociedade Comercial que se dedica à venda de bens eletrónicos - um
smartphone por €200,00. Pese embora a grande insistência do funcionário da loja, Carlos optou
por não subscrever um plano de seguro do equipamento.
Após uma semana de uso, e inesperadamente, o ecrã do equipamento deixou de funcionar.
Carlos dirige-se à mesma loja onde é informado de que terá de reparar o equipamento num
centro especializado para o efeito e suportar os custos inerentes. “Venda de Eletrónica, S.A”
acrescentou ainda ser alheia aos problemas que o equipamento apresentava após a venda, uma
vez que o equipamento se encontrava a funcionar naquela data e por Carlos ter optado por não
aderir ao seguro proposto.

Quid iuris? [12 valores]


Estamos perante um contrato de compra e venda celebrado entre Ana (A), vendedora, e Bento
(B), comprador. A qualificação do contrato decorre da presença dos elementos essenciais deste
tipo contratual (cfr. art.º 874.º), nomeadamente da eficácia real translativa do direito de
propriedade (art.º 1395.º) de duas coisas (móveis, cfr. arts. 202.º e 205.º/1), mediante um preço
(determinado, de €50,00, cfr. art.º 550.º, e art.º 883.º, a contrario). O contrato de compra e venda
não se encontra sujeito exigências de forma (cfr. art.º 875.º, a contrario, e art.º 219.º).
A perfeição do contrato de compra e venda alcançou-se no dia 24 de Dezembro, com a aceitação
por B da proposta contratual de venda de A, independentemente da entrega dos bens ou do
pagamento do preço (princípio da consensualidade, e cfr. arts. 217.º e ss). A obrigação principal
da vendedora, A, de entregar o gira-discos e o único disco de vinil de Gary B.B. Coleman (art.º
879.º, b)) qualifica-se como uma obrigação a prazo (a ser cumprida no dia 25 de Dezembro) – tal
como a obrigação de pagamento do preço (art.º 879.º, c) e 774.º), a ser cumprida até ao dia 25
de Dezembro. O lugar do cumprimento daquela obrigação resulta do art.º 773.º.
A recusa da entrega do certificado de autenticidade do equipamento (gira-discos), exigindo
€100,00 adicionais ao preço inicialmente estipulado, atenta contra o disposto no n.º 2 do art.º
882.º: a obrigação da entrega da coisa (art.º 879.º, b)), tem por objeto o bem, em si (gira-discos),
bem como os documentos relativos à coisa ou direito. Se A demonstrar que o certificado de
autenticidade contém outras matérias do seu interesse (p.ex. uma assinatura com valor
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sentimental), é obrigada a entregar pública-forma da parte respeitante à coisa ou direito, ou


fotocópia de igual valor, não sendo devidos os €100,00 adicionais por B.
A destruição do único disco de vinil de Gary B.B. Coleman por C, no dia 24 de Dezembro, provoca
a impossibilidade do cumprimento da obrigação de entrega de A do presente objeto do negócio.
Todavia, o efeito real da compra e venda (art.º 879.º, a), efeito real quoad effectum, produziu-se
com a mera celebração do contrato (art.º 408.º/1). As regras sobre o risco prejudicam, no caso,
as regras relativas à impossibilidade de cumprimento: nos termos do art.º 796.º/2, o risco recai
sobre A, vendedor, pelo perecimento da coisa por causa não lhe imputável (no presente contrato
que transfere um direito real sobre a coisa) porquanto o Disco continuou em seu poder por termo
constituído a seu favor (prazo de entrega no dia 25 de Dezembro). Será valorizada a discussão
quanto aos efeitos do risco, entendido ou não, como um caso de risco na contraprestação,
desobrigando B ao pagamento do preço. C é civilmente responsável perante B, proprietário do
Disco (art.º 483.º).
Zacarias (Z) havia procedido ao restauro do equipamento (gira-discos). A sua recusa na entrega
do equipamento consubstancia o exercício do direito de retenção (754.º). O direito de retenção
(independentemente da sua qualificação como direito de real de garantia), assume-se uma
posição jurídica se revela eficaz relativamente ao comprador (B), ignorada ao tempo da compra
(posição da Regência). O contrato de compra e venda, relativamente ao gira-discos, qualifica-se
como uma compra e venda de bens onerados (art.º 905.º). B poderá resolver (posição da
Regência) o contrato, ou anular o negócio (art.º 905.º, 247, 251.º, cumulável com a indemnização
por erro ou dolo – consoante o enquadramento realizado, na falta de elementos, cfr. arts. 908.º,
909.º conjugado com o art.º 910.º), sem prejuízo do pedido principal à eliminação dos defeitos
(art.º 907.º), quer à redução do preço (911.º). Seria valorizado o enquadramento do restauro de
Z, como tendo sido realizado no âmbito de um contrato de empreitada (art.º 1207.º).
No dia 26 de Dezembro, B estaria em mora quanto à sua obrigação de pagamento do preço do
gira-discos (279.º, c), 804.º, 805.º/2, a) e art.º 806.º). Por aplicação do art.º 886.º, dada a falta de
entrega do bem por parte de A (art.º 428.º, pela natureza sinalagmática das obrigações), a
vendedora poderia resolver o contrato de compra e venda, devendo converter a mora em
incumprimento definitivo (art.º 801.º/2) – sem prejuízo da negação da presente possibilidade
na decorrência de nos encontrarmos perante uma venda de bens onerados (art.º 905.º e ss).
C celebra um contrato de compra e venda, regulada nos termos do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril
(Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), uma vez que se encontra verificado
o âmbito de aplicação do diploma (art.º 1.º-A/1 e 1.º B, a), b) e c)), com aplicação preferencial
relativamente às normas do CC (arts. 913.º e ss). B poderá, em alternativa, exercer os direitos
previstos no n.º 1 do art.º 4.º, no prazo de 2 anos a contar da data da venda e nos 2 meses
posteriores à data de deteção da desconformidade (art.º 5.º/1 e 5.º-A/2), pela existência de uma
falta desconformidade, presumidamente existente no momento da entrega do bem (art.º 3.º e
art.º 2.º/1,a)), contra o vendedor, ou diretamente contra o produtor (art.º 6.º). Será valorizado a
aplicação, em alternativa, do regime previsto nos arts. 913.º ss do CC, a respeito da possibilidade
legal de tutela dos defeitos supervenientes do bem (arts. 913.º, e 918.º, devidamente
interpretado) entendendo-se que o equipamento se destinava a uso profissional (art.º 1.º-B, a) e
art.º 1-A/1 do DL mencionado).
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Grupo II
Daniel, estudante de Direito, pretende encomendar ao seu amigo Ernesto, Disco-Jóquei, dez
músicas da sua autoria para uma festa que irá realizar em sua casa. Combinou que as músicas
seriam entregues no espaço de duas semanas, numa pen-usb que Ernesto forneceria, pelo preço
de €10,00. Daniel pretende celebrar o presente contrato por escrito, mas não sabe qualificá-lo.
Em Janeiro de 2018, Ernesto combinou com Francisco a substituição do telhado de tijolo de
sua casa, pelo preço de €10.000,00, no prazo de 30 dias. Aquando da reparação do telhado,
Francisco descobriu ser necessária a instalação de um lona impermeabilizadora. Francisco
informou Ernesto desta necessidade, e este nela consentiu. Todavia, e sem avisar Ernesto,
Francisco contratou Xavier para a instalação da lona.
Concluída a reparação do telhado, Ernesto recusa-se a aceitar a obra e a pagar os €12.000,00
que Francisco lhe exige (€10.000,00 do telhado e €2.000,00 da lona). Constata-se que,
decorrente de uma má instalação da lona, existem infiltrações no teto.
Ernesto pretende, hoje, resolver o negócio e que Xavier o indemnize pelos danos causados na
sua mobília em virtude da infiltração.

Quid iuris? [8 valores]

O contrato celebrado entre Daniel (D) e Ernesto (E) qualifica-se como um contrato de empreitada
(art.º 1207.º) – locatio condutio, modalidade típica do contrato de prestação de serviços (art.º
1155.º): constitui para os contraentes, enquanto elementos essenciais para a sua qualificação,
uma obrigação de resultado do empreiteiro (E), de realizar uma obra; sinalagmática da obrigação
do dono da obra (D) pagar o preço convencionado (€10,00). O contrato não se encontra sujeito
a forma especial (art.º 219.º).
No que respeita ao conceito de obra, para efeitos de qualificação do negócio jurídico celebrado,
de deve-se entender que abrange tanto bens corpóreos (em sentido material), como bens
incorpóreos (obras de cariz intelectual). No caso, tratava-se da criação de uma obra intelectual
(criação de dez músicas). Este entendimento foi perfilhado pelo STJ, no ac. de 03.11.1983 (SANTOS
SILVEIRA), considerando que a materialização da obra no seu suporte físico é suficiente para a
qualificação do negócio enquanto um contrato de empreitada. A posição da regência é mais
exigente. Requere a verificação cumulativa dos requisitos de 1) exteriorização do resultado
numa coisa concreta, suscetível de entrega e aceitação; 2) existência de um resultado específico
e concreto; e 3) o resultado foi concebido e alcançado em conformidade com um projecto. E
sobretudo exige que a obra se possa autonomizar totalmente do seu autor. Portanto, nesta
hipótese é duvidoso se à luz desta orientação o contrato de empreitada se pode qualificar, ou
não, como empreitada. Parece que não. Ainda assim, ela diverge da opinião dos Professores
ANTUNES VARELA, MENEZES LEITÃO e ROMANO MARTINEZ, A. que consideram que o conceito de obra se
restringe a obras corpóreas, pelo enquadramento sistemático do regime deste contrato
(fiscalização, transferência da propriedade, alterações e defeitos de obra), incompatível com o
tratamento devido às obras intelectuais.
O contrato celebrado entre Ernesto (E) e Francisco (F) também se qualifica como um contrato de
empreitada (art.º 1207.º): constitui para os contraentes, enquanto elementos essenciais para a
sua qualificação, uma obrigação de resultado do empreiteiro (F), de reparar o telhado;
sinalagmática da obrigação do dono da obra (E) pagar o preço convencionado (€10.000,00, cfr.
arts. 1211.º e 883.º). O contrato não se encontra sujeita a forma especial (art.º 219.º).
Aquando da execução do contrato, o empreiteiro (F), em cumprimento da sua obrigação principal
(1208.º) de realização da obra, sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a aptidão para
o uso ordinário ou previsto no contrato (um telhado sem infiltrações), avisa (cumprimento
concomitante do dever de informação, acessório de conduta – posição da Regência) o dono de
4/ 4

obra (E) e sugere alterações ao plano convencionado (alterações necessário, cfr. art.º 1215.º). As
presentes alterações foram consentidas pelo dono de obra (F), e têm influência na alteração do
preço global devido por E (art.º 1215/2). Na falta de acordo, caberá ao tribunal fixar a
modificação quanto ao preço devido (1215.º/1, parte final).
A contratação de Xavier (X) consubstancia a celebração de um contrato de subempreitada
(1213.º), para a instalação da lona impermeabilizadora, sem o consentimento de E, o que é
permitido (arts. 1213/2 e 264.º/1, parte final). Será valorizado o enquadramento da divergência
quanto à presente possibilidade e suas consequências (responsabilidade contratual – posição da
Regência).
A recusa de E em aceitar a obra, aquando da verificação (1218.º/1 e 3), deverá ser seguida de
denúncia dos defeitos, no prazo de 1 ano após o seu conhecimento (1225.º/2 e 3) – cujo prazo
de caducidade de exercício dos direitos será de 1 ano após a denúncia (1225.º/2 e 3)-, e nunca
após o decurso do prazo de 5 anos (admitindo-se que o prazo de 5 anos seja considerando mero
prazo de manifestação de defeitos - posição da Regência). Estamos perante um imóvel destinado,
por sua natureza, a longa duração (a expectativa de duração do imóvel em causa é superior ao
prazo de responsabilidade do empreiteiro, de 5 anos – cfr. art.º 1225.º - posição da Regência). O
exercício dos direitos reconhecidos a E, não permitem que o mesmo opte pela resolução do
contrato (1222.º e art.º 884.º), sem antes requerer a eliminação dos defeitos (1221.º e art.º
1221.º e 1222.º/1, in fine); sem prejuízo do direito à indemnização (1223.º - que aquando da
resolução do contrato se limita ao interesse contratual negativo).
A responsabilidade pelo defeito da obra é de F (800.º/1), com direito de regresso sobre X
(1226.º), nos quais se inclui a responsabilidade pelos danos provocados na mobília (1223.º), no
âmbito deste cumprimento defeituoso; embora seja possível que o dono da obra exija
diretamente ao subempreiteiro a reparação dos defeitos de obra, via ação direta (posição da
Regência).
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Direito dos Contratos I – turma A
Exame de Recurso
Senhor Professor Doutor Pedro de Albuquerque
19 de Janeiro de 2018

Tópicos de Correção

Em Junho de 2016, Dinis vendeu a Edilberto (conhecido ator, a residir em Los Angeles) uma
moradia em Cascais, com vista frontal do mar, por € 3.000.000, juntamente com um carro
da marca Austin Martin que acabara de chegar ao stand de automóveis usados de que Dinis
é proprietário, pelo preço de €180.000.
A moradia foi paga integralmente na mesma data. Quanto ao automóvel, Dinis reservou para
si a propriedade do mesmo até integral pagamento do preço. A cláusula de reserva de
propriedade foi registada.

Responda de forma completa, fundada e independente, às seguintes questões:

a) Em Novembro de 2016, Edilberto regressa definitivamente a Portugal e pretende


passar a viver na moradia que adquirira em Cascais. Porém, constata que ela se encontra
habitada por uma família brasileira, que a tinha tomado de arrendamento a Dinis em
Maio de 2013, pelo prazo de 6 anos. Quid Juris? (3,5 valores)
-Explicação completa e fundada da situação de venda de bem onerado, regulada no
artigo 905.º e seguintes do CC sendo o contrato anulável por erro (do comprador) ou dolo
(do vendedor).
-Assim, caso o vendedor tenha intencionalmente ocultado a existência do contrato de
arrendamento ou o comprador, por lapso, não se tenha apercebido da existência desse
contrato (sendo essa informação essencial para a decisão de contratar – artigo 247.º CC),
verificar-se-ão os requisitos para a anulabilidade do negócio.
- O regime desta invalidade apresenta, porém, algumas particularidades. Uma delas
consiste na obrigação que sobre o vendedor impende de fazer convalescer o contrato,
eliminando os ónus ou limitações existentes, como determina o artigo 907.º do CC.
- Caso os ónus ou limitações venham a desaparecer (seja pelo cumprimento da obrigação
de convalidação do vendedor, seja por algum outro facto), fica sanada a anulabilidade do
contrato – artigo 906.º do CC.
- Nem todos os tipos de ónus ou limitações são suscetíveis de ser eliminados por
vontade unilateral do vendedor. Assim, se a limitação consiste na existência de um direito de
terceiro, emergente de um contrato do qual o vendedor já não é parte (porque a sua posição
se transmitiu nos termos do disposto no artigo 1057.º do CC), nada poderá fazer para
eliminar essa limitação.
- O contrato de arrendamento foi celebrado em Maio de 2013, pelo que poderá terminar
em Maio de 2019, caso Edilberto (novo senhorio) se oponha à sua renovação, nos termos
do disposto no artigo 1097.º do CC, com um ano de antecedência.
- Assim, caso Edilberto tivesse outra casa onde pudesse viver até à extinção do contrato
de arrendamento, e se demonstre que ele sempre teria adquirido aquela moradia, embora por
um preço inferior, haverá redução do preço (em vez de anulação do contrato), nos termos
do artigo 911.º do CC.
- Não se verificando esta hipótese, e decidindo o comprador invocar a anulabilidade do
negócio, terá direito a ser indemnizado pelos danos emergentes do contrato, na hipótese de
ter havido apenas erro (nos termos do disposto no artigo 909.º do CC), ou por todos os
prejuízos que não teria sofrido se a compra não tivesse sido celebrada, no caso de ter havido
dolo do vendedor (nos termos do disposto no artigo 908.º do CC).

b) O preço do Austin Martin deveria ser pago em duas prestações de igual valor, vencendo-
se a primeira no último dia de Outubro de 2016 e, a segunda no último dia de Março de
2017. Edilberto passou de imediato a conduzir o automóvel. Após o pagamento da
primeira prestação, Edilberto vendeu e entregou o automóvel a um colega de profissão
americano, Francis. Dinis, ao tomar conhecimento de tal facto, acha que Edilberto não
foi leal consigo e decide vender o automóvel a Gaspar, inimigo de longa data de
Edilberto, que o pretende reivindicar a Francis. Quid Juris? (3,5 valores)
- Explicação completa e fundada do sentido, função e natureza da cláusula de reserva de
propriedade. Implicações daqui resultantes para o caso em apreço. Em princípio, não se trata
de uma exceção ao princípio da transmissão da propriedade por efeito do contrato, mas
apenas de uma dilação dessa transmissão para momento posterior.
- Pode alienar-se a posição jurídica do comprador com reserva de propriedade (que era
relevante qualificar), que tem conteúdo patrimonial e não está abrangida por qualquer
proibição de disposição pelo seu titular. Pode também tratar-se o bem como bem
relativamente futuro (artigo 893.º do CC). Fora desses casos, parece que há venda de bens
alheios (artigo 892.º CC).
- Assim, in casu, depois da venda a Edilberto, Dinis não mantém a plenitude dos poderes
de um normal proprietário, nomeadamente os poderes de alienação. A reserva de
propriedade cumpre uma função de garantia, pelo que se deve entender que Dinis não tem
legitimidade para alienar a coisa. Consequentemente, tal hipótese deverá ser equiparada à
venda de coisa alheia como própria, sancionando-se tal venda com a nulidade.

c) Aquando da compra do Austin Martin, o Stand de que Dinis é proprietário fez saber a
Edilberto que o preço original de €200.000 seria apenas de €180.000, se Edilberto
assinasse um documento em que declarava comprar o automóvel “no estado em que se
encontrava”, o que veio efetivamente a acontecer. Algumas semanas depois o carro
começou a manifestar problemas no sistema elétrico. Edilberto prontamente se queixou
das avarias no Stand de automóveis de Dinis e pretende que o mesmo seja reparado.
Dinis declina qualquer responsabilidade e recorda a Edilberto a declaração que assinou
aquando da compra do carro. Quid Juris? (3 valores)
- O contrato de compra e venda em apreço está sujeito ao regime previsto no Decreto-
Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações entretanto introduzidas, uma vez que foi
celebrado entre um particular e um profissional, o stand de automóveis. Assim, o vendedor
é responsável perante Edilberto por qualquer falta de conformidade que exista no momento
em que o bem lhe é entregue, presumindo-se essa falta se o vício se manifestar num prazo
de 2 anos (cfr. Artigo 3.º, n.º 2).
-No caso em análise Edilberto assinou um documento em que declarou aceitar o Austin
Martin estado em que se encontrava, o que leva o vendedor a declinar qualquer
responsabilidade quanto aos defeitos que, entretanto, se manifestaram. Todavia, a proteção
conferida pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações entretanto sofridas,
é imperativa, sendo nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual, antes da denúncia da falta
de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor aí previstos
(artigo 10.º). A renúncia de Edilberto à proteção que lhe é conferida legalmente é, pois, nula.
Nos termos do disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 16.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho
(Lei de Defesa do Consumidor), a nulidade apenas pode ser invocada pelo consumidor ou
seus representantes, e o consumidor pode optar pela manutenção do contrato quando
algumas das suas cláusulas forem nulas.
- Assim, Edilberto deve denunciar os defeitos ao vendedor no prazo de dois meses a
contar da data em que os detetar (artigo 5.º A, n.º 2), tendo direito à reparação pretendida no
prazo de trinta dias sem grave inconveniente para si (artigo 4.º, n.º 2).
- Note-se, por último, que o prazo de garantia para as coisas móveis é de dois anos a
contar da data da entrega do bem (artigo 5.º, n.º 1), ou seja prolonga-se até Junho de 2018.
Todavia, como estávamos perante a venda de um automóvel usado, o artigo 5.º, n.º 2 teria
permitido que o prazo de garantia, por acordo das partes, tivesse sido reduzido a um ano.

II

António, proprietário de um terreno no Douro e conhecido promotor imobiliário na região,


acordou com Bernardo, a preparação de um terreno e a construção das necessárias
infraestruturas para a construção de um hotel de 3 andares e um luxuoso SPA, por um preço
global de €5.000.000,00, prevendo-se a sua conclusão em Dezembro de 2016.
Bernardo, sentindo dificuldades em concluir a obra atempadamente, contrata
Casimiro, encarregando-o de realizar o último piso do edifício do hotel, bem como todas as
instalações elétricas interiores.
A obra foi entregue no dia 31 de Dezembro de 2016 a António que, entusiasmado,
a aceitou sem qualquer ressalva, declarando que o SPA e o hotel estavam fabulosos e que de
certeza seriam um enorme sucesso.
Em Março de 2017, antes da abertura oficial do hotel, António resolve instalar-se
com a família e amigos no último piso, a fim de testar as funcionalidades e a operacionalidade
do hotel. Uma vez instalados, António verifica que o mesmo não só não tinha luz, fruto de
um curto-circuito na instalação elétrica, mas também que todo o soalho flutuante estava mal
colocado e começar a levantar em alguns pontos, o que poderia até atentar contra a
integridade física de quem aí passasse.
António notificou imediatamente Bernardo do sucedido, mas como não obteve
qualquer resposta, decidiu promover a expensas suas todas as necessárias reparações, tendo
despendido €50.000, que prontamente reclamou de Bernardo. Este recusa-se a reembolsar
António afirmado que a culpa é exclusivamente de Casimiro.
Quid Juris? (8 valores)
-Qualificação completa e fundada do contrato entre António e Bernardo como contrato
de empreitada (artigo 1207.º do Código Civil do Código Civil (“CC”)), com fixação de preço
global;
- Regime jurídico aplicável: âmbito de aplicação objetiva e subjetiva do Decreto-Lei n.º
67/2003, de 8 de Abril, com as alterações entretanto introduzidas – artigo 1.º-A, n.º 1 e 1.º
B, n.º 2. Exclusão deste regime e aplicação do regime comum do CC;
- Qualificação completa e fundada do contrato entre Bernardo e Casimiro como
contrato de subempreitada (artigo 1213.º do CC);
- Aferição da validade do contrato de subempreitada (artigo 264.º ex vi artigo 1213.º, n.º
2 do CC);
- Referência ao regime da verificação da obra (artigo 1218.º do CC), aferindo da
relevância da aceitação efetuada por António (artigo 1219.º do CC);
- Referência à existência de defeitos ao abrigo do contrato de empreitada (artigo 1225.º
do CC), com referência ao regime da responsabilidade de Casimiro enquanto subempreiteiro
(artigo 1226.º do CC), referindo o regime dos artigos 1221.º a 1223.º do CC.

Duração da prova: 1 hora e 30 minutos.


2 Valores de ponderação global.
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época de Coincidência)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

I
Em agosto/2016, Afonso, proprietário de um terreno composto por laranjeiras, vendeu as laranjas que
se colhessem naquele ano a Beatriz, proprietária de uma mercearia. Em outubro/2016, Afonso vendeu
a Carlos, agricultor, o mencionado terreno. Do contrato de compra e venda ficou a constar que o
terreno tinha uma área de 1000 m2.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Em novembro/2016, Beatriz interpelou Carlos solicitando-lhe a entrega da colheita de laranjas


daquele ano. Carlos ficou surpreendido e recusou a entrega, pois Afonso nunca havia mencionado o
direito invocado por Beatriz. Quid iuris? (3 valores)

(b) Em novembro/2017, Carlos começou a vangloria-se na aldeia de que o terreno comprado a Afonso
tem 1500 m2, de modo que havia feito um excelente negócio, pois pagou 1 e levou 1 e ½. Afonso,
surpreendido por esta informação, quer saber se, e como, pode reagir. (2 valores)

(c) Em junho/2017, Carlos comprou à Deer, S.A. um trator agrícola por €10.000, o qual lhe foi
entregue de imediato. Carlos obrigou-se a pagar o preço em 10 prestações mensais de igual valor. A
Deer, S.A. não reservou para si a propriedade. No contrato de compra e venda, foi estipulado que o
incumprimento de uma prestação conferia ao vendedor o direito a resolver o contrato. Aprecie a
validade desta cláusula. (4 valores)

(d) O trator comprado por Carlos avariou 6 vezes nos primeiros 8 meses. A vendedora tem-se
prontificado a repará-lo em todas essas ocasiões. Todavia, Carlos, aborrecido com o transtorno,
pretende que o veículo seja definitivamente substituído por um novo. Tem esse direito? (3 valores)
.

II
A Wood, S.A., que comercializa móveis usados, contratou com Alberto, carpinteiro, a restauração de
duas cómodas antigas. As cómodas foram devolvidas por Alberto, já restauradas, em 15 de
janeiro/2016.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Em 13 de julho/2016, a Wood, S.A. apercebe-se de que o verniz aplicado no restauro é


manifestamente desadequado para o efeito, à luz das regras técnicas aplicáveis. Nesse mesmo dia,
confrontou Alberto com aquele facto, mas este rejeitou a correção do juízo segundo o qual o verniz era
desadequado. Posto isto, a Wood, S.A. quer saber de que prazo dispõe para exercer judicialmente o seu
direito. (4 valores)

(b) A Wood, SA nunca chegou a pagar o preço dos serviços prestados por Alberto. Em 19 de
janeiro/2018, Alberto ganhou coragem e interpelou a Wood, SA, através de carta, para pagar. Em
resposta, a Wood, SA informou que nada deve, dado que o crédito de Alberto já prescreveu. Considera
este argumento procedente? (4 valores)
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época de Coincidência)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Tópicos de Correção

(a) Cumpriria debater se a transferência da propriedade sobre o terreno para Carlos havia afetado o
direito de Beatriz.
Nos termos do artigo 408.º/2 CC, quanto aos frutos pendentes, apesar da dilação temporal entre a data
da celebração da compra e venda e o efeito real, a causa deste é o contrato, e não a separação da árvore.
Consequentemente, logo que os frutos se separassem da árvore (porque eram colhidos ou porque
haviam caído) a propriedade sobre os mesmos transferir-se-ia para Beatriz, que, em consequência,
poderia reivindicá-los de Carlos. Este poderia agir contra Afonso, designadamente com fundamento em
dolo, pedindo a anulação do contrato e/ou uma indemnização. Importaria ainda mencionar o artigo
880.º CC, nos termos do qual o vendedor fica obrigado a realizar as diligências necessárias para que o
comprador "adquira" os bens vendidos. Se o termo "adquira" puder ser entendido como "obter a
detenção material sobre a coisa vendida", então seria de sustentar que Beatriz poderia exigir a Afonso
que diligenciasse junto de Carlos no sentido de as laranjas lhe serem entregues.

(b) Nesta hipótese, seria valorizado o debate sobre o direito de Afonso à correção do preço.
Uma vez que a diferença entre a medida real do terreno e a declarada no contrato equivalia a ½, tem-se
por preenchido o requisito de relevância previsto no artigo 888.º/2 CC. Neste contexto, poderia
discutir-se se a correção proporcional do preço visaria a totalidade da diferença ou apenas a parte da
diferença que excedia 1/20. Justificar-se-ia ainda mencionar o direito de resolver o contrato pelo
comprador previsto no artigo 891.º/1 CC.
O direito de Afonso receber a diferença teria, todavia, caducado 1 ano após a entrega (artigo 890.º/1
CC), ou seja, antes de novembro/2017, data em que Afonso tomou conhecimento da discrepância.

(c) Nesta hipótese, depois de ser esclarecido se o artigo 934.º CC contém ou não uma norma
imperativa, caberia debater se, apesar de o preceito não ser aplicável, ao menos diretamente, dado que
não tinha havido reserva de propriedade, se justificaria estender o seu regime ao caso em apreço, com a
consequência de tornar a cláusula em causa inválida. Seria sobretudo valorizada a demonstração do
conhecimento deste debate na doutrina.

(d) Caberia debater se o legislador propôs uma hierarquia para os direitos que confere ao comprador de
bem defeituoso contra o vendedor (artigo 914.º CC). Resolvido esse debate no sentido positivo,
interessaria notar que essa hierarquia é, numa certa perspetiva, constituída a favor do vendedor, que
desse modo passa a ter o direito de escolher reparar em vez de substituir, o que será em princípio
menos oneroso. Caberia então colocar e responder às perguntas seguintes: (i) Se o vendedor, apesar de
se prestar a reparar os defeitos da coisa, evidencia incapacidade para realizar uma reparação eficaz, uma
que permita ao comprador utilizar o bem sem limitações, pode o comprador recusar a reparação e
exigir a substituição? (ii) As sucessivas reparações ineficazes tornam a substituição necessária?
Uma solução poderá passar por considerar que as reparações sucessivas e ineficazes demonstram a
incapacidade do vendedor para reparar o defeito, devendo, na sequência, ser a coisa substituída, o que
pode ser exigido pelo comprador. De acordo com este entendimento, Carlos teria direito à substituição.

II

(a) Nesta hipótese, está em causa decidir se a Wood é titular dos previstos nos artigos 1221.º-1223.º CC
contra Alberto.
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época de Coincidência)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Neste sentido, e assentando que Wood não conhecia o defeito quando aceitou a obra, interessaria
começar por discutir se o defeito em causa deveria ser considerado oculto ou aparente. Seria valorizada
a distinção fundada entre estes dois conceitos.
Sendo o defeito oculto, a Wood não só havia cumprido o prazo de 30 dias para denunciar o defeito
(artigo 1220.º CC), como poderia propor ação para fazer valer os seus direitos até ao dia 14 de janeiro
de 2018.
Sendo o defeito considerado aparente, e tendo a obra sido aceite sem reservas, a Wood teria de ilidir a
presunção prevista no artigo 1219.º/2 CC, caso pretendesse exercer os seus direitos. Se não fosse bem-
-sucedida nesta diligência, não só estaríamos perante um caso de irresponsabilidade do empreiteiro
(artigo 1219.º/1 CC), como o prazo para denunciar o defeito já teria caducado (artigo 1220.º/1 CC).

(b) Na presente hipótese, interessaria debater se a presunção de cumprimento prevista no artigo 317.º,
b) CC aproveita ao dono de obra.
Depois de compreendido que a Wood não poderia alegar a prescrição, mas o cumprimento, dado que o
artigo 317.º CC não prevê qualquer efeito prescritivo, caberia debater se este regime é ou não aplicável
à empreitada, mobilizando as considerações doutrinárias e jurisprudenciais que se afigurassem
convenientes.
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

I
Ana, reformada e assídua espetadora de um programa de vendas na TV, encomenda um robot de
cozinha que é anunciado e explicado num desses programas pela BiTech, S.A.. O preço,
correspondente a €1.200, seria pago em vinte e quatro prestações mensais sem juros.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Sete dias após ter recebido o robot de cozinha, não obstante o seu impecável funcionamento, Ana
acha que cometeu um excesso e pretende devolvê-lo. Quid iuris? (1 valores)

(b) Ana encontra-se em falta quanto ao pagamento de três prestações. Que direitos assistem à
vendedora, a BiTech, S.A.? (4 valores)

(c) Dois dias após a compra do robot à BiTech, S.A., Ana vendeu-o à sua vizinha Célia, por €1100, que
recebeu o bem, mas nunca chegou a pagar o preço. Supondo que a BiTech, S.A. reservou para si a
propriedade, que, 6 meses após a venda, resolveu validamente o negócio celebrado com Ana e que, na
sequência da resolução, lhe solicita a devolução do robot, de que modo pode Célia reagir quando Ana lhe
solicita a entrega do bem para devolvê-lo à BiTech, S.A.? (4 valores)

(d) A máquina tinha uma garantia de bom funcionamento de um ano. Ao cabo de oito meses, o motor
avariou. A BiTech, S.A. substituiu-o por um motor novo. Decorridos dois anos e três meses sobre a
compra, o motor do robot de cozinha avariou novamente. Que direitos assistem a Ana? (2 valores)

II
António contratou com Bento a construção de uma moradia, pelo valor de €150.000, num terreno que
pertencia a António. Acordaram que a construção teria de estar concluída no prazo de 12 meses e que o
preço seria pago da seguinte forma: €70.000 no prazo de 6 meses contados desde a celebração do
contrato e o valor remanescente aquando da aceitação da obra.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Após o decurso de 7 meses de execução dos trabalhos, Bento apercebeu-se de que não conseguiria
concluir a obra no prazo acordado, pelo que contratou Carlos para proceder à instalação elétrica e das
canalizações no imóvel. A obra foi concluída dentro do prazo acordado e aceite por António sem
qualquer reserva. Sucede que, 2 meses após a aceitação, António comunicou a Bento que existia uma
infiltração na cozinha devido à deficiente colocação da canalização. Bento declinou qualquer
responsabilidade com o argumento de que havia sido Carlos a instalar as canalizações. Quid iuris? (5
valores)

(b) Na fase de acabamento, um sismo destruíra por completo a construção. António exige de Bento
nova construção; Bento recusa-se a reconstruir por tal estar completamente fora do que orçamentou
para a empreitada contratada. Quid iuris? (3 valores)

Ponderação global: 1 valor


DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Tópicos de Correção

(a) Trata-se de um contrato celebrado a distância, supondo que Ana é consumidora e que a celebração
foi feita exclusivamente por uma técnica de comunicação a distância. (cf. artigo 3.º, n.º 1, al. f) do
Decreto-Lei n.º 24/2014 de 14.02). Ana tem direito à de livre resolução, dentro do prazo de 14 dias
subsequentes à entrega (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 24/2014 de 14.02). Seria valorizada a explicação
do fundamento e funcionamento deste direito.

(b) No pressuposto de que o equipamento já foi entregue, o vendedor não pode resolver (mediante
conversão da mora em incumprimento definitivo), porque não há reserva de propriedade nem cláusula
resolutiva (cf. artigo 886.º CC). A resolução seria todavia admissível se as partes tivessem
convencionado nesse sentido (cf. artigo 886.º CC).
Uma vez que estão em falta três prestações (artigo 934.º), o vendedor pode exigir a totalidade do preço
em falta: perda de benefício do prazo, discutindo-se se há vencimento antecipado ou exigibilidade
antecipada, sendo necessário, neste último caso, interpelação para que o comprador entre em mora
quanto à parte restante do preço.
Em alternativa, se se tratar de contrato de crédito ao consumo, aplicar-se-á o artigo 20.º do Decreto-Lei
n.º 133/2009 de 2.06. Todavia, de acordo com os dados da hipótese, e tendo em vista a exclusão
prevista no artigo 2.º/1, f) do referido diploma, este regime não seria aplicável.

(c) O problema colocado pela questão prende-se com o reconhecimento do direito de Célia recusar a
entrega do robot que Ana lhe solicita.
Afigura-se irrelevante a circunstância de Célia ainda não ter pago o preço, atenta a regra no artigo 886.º
CC. Mais pertinente é decidir se Ana transmitiu validamente a propriedade do bem a Célia, dado que a
BiTech, SA havia reservado para si a propriedade. Cumpria, neste contexto, discutir a eficácia da
cláusula de reserva de propriedade relativamente a terceiros. Seria valorizada a exposição detalhada do
debate doutrinário sobre este tema. O sentido da resposta à questão levantada pela hipótese estaria
assim dependente da posição assumida na querela sobre a eficácia da reserva de propriedade
relativamente a terceiros. Sendo ineficaz, então teria sido válida a venda do bem a Célia, esta ter-se-ia
tornado proprietária do mesmo, podendo por conseguinte recusar entregá-lo a Ana. Se a reserva de
propriedade fosse considerada eficaz relativamente a Célia, então caberia apreciar a validade da venda
celebrada entre esta e Ana. Seria, designadamente, ponderável aplicar o regime da venda de bens
alheios, diretamente ou por analogia, sendo por conseguinte a venda nula (artigo 892.º), com as
consequências previstas no artigo 289.º/1 CC. Todavia, caberia questionar se Ana poderia alegar a
nulidade do negócio contra Célia, atendendo às limitações previstas no artigo 892.º. Não estaria, porém,
a BiTech, S.A. impedida de pedir a Célia a restituição do bem, invocando a reserva de propriedade.
Outras soluções, desde que devidamente fundamentadas seriam ponderáveis.

(d) Tratando-se de uma venda a consumidor, era aplicável o DL n.º 67/2003, 08.04.
Poderia debater-se a diferença entre a garantia relativa a defeitos da coisa e a garantia de bom
funcionamento. Neste caso, porém, esta distinção conceptual não envolve consequências de regime
aplicável, atendendo ao disposto nos artigos 5.º/1 e 10.º do DL n.º 67/2003, 08.04.
A substituição do motor do robot oito meses depois da compra do mesmo era devida, nos termos dos
artigos 4.º/1 e 5.º/1 do DL n.º 67/2003, 08.04. O motor avariou novamente dois anos e 3 meses após a
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

compra, mas apenas 19 meses após ter sido substituído. Posto isto, importa discutir se, relativamente à
peça substituída, a garantia de dois anos (artigo 5.º/1 do DL n.º 67/2003, 08.04) se (re)iniciou na data
da substituição. A dúvida quanto à resposta a esta questão reside na redação do artigo 5.º/6 do DL n.º
67/2003, 08.04, que prescreve o reinício da garantia nos casos em que se verifique a substituição do
bem. Cumpre, então, questionar: no caso em apreço (e em hipóteses similares), releva a substituição do
motor do robot ou a reparação do robot através da substituição do motor? Seguindo o primeiro
entendimento, deve entender-se que, à data da segunda avaria, a garantia do motor subsistia; optando
pelo segundo, deve concluir-se que, na data da segunda avaria, a garantia do robot já havia expirado.

II

(a) Primeiramente, é necessário qualificar o contrato celebrado entre António e Bento como um
contrato de empreitada, nos termos do art. 1027.º do CC, e o contrato entre Bento e Carlos como um
contrato de subempreitada, de acordo com o art. 1213.º do CC.
A obra deve ser executada sem quaisquer vícios que excluam ou reduzam o seu valor (art. 1208.º do
CC), sendo que, antes da aceitação, o dono deve verificar se a obra corresponde ao convencionado com
o empreiteiro, não tendo qualquer defeito (art. 1218.º do CC). Neste âmbito, seria necessário qualificar
o tipo de defeito como oculto, não sendo conhecido pelo dono da obra aquando da aceitação, nem
tendo este a possibilidade de conhecer usando a diligência normal. Desta forma, não se aplica a
irresponsabilidade do empreiteiro, nos termos do art. 1219.º do CC.
O prazo de denúncia dos defeitos é de 30 dias após o descobrimento (art. 1220.º do CC), nos termos
gerais, sendo que no caso aplicar-se-ia o prazo de um ano (art. 1225.º, n.º 2 do CC), presumindo-se que
a comunicação dos defeitos pelo António a Bento foi realizada no prazo legal. Contudo, tratando-se de
um defeito relacionado com a execução da subempreitada, deve aplicar-se o disposto no art. 1226.º.
Denunciado o defeito, o dono da obra tem direito à sua eliminação, por ser possível (art. 1221.º do
CC). Caso os defeitos não sejam eliminados, o António teria direito à redução do preço ou à resolução
do contrato, no caso de os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que o dono a pretende
destinar. A acrescer a estes direitos, o António pode ser indemnizado nos termos gerais (art. 1223.º do
CC).
Para o caso de imóvel destinado por sua natureza a longa duração, como no caso em apreço, o prazo
de garantia é de 5 anos, desde a entrega, sendo que os direitos devem ser exercidos no prazo de 1 ano
após a denúncia dos defeitos. Este contexto, seria importante referir a posição assumida pelo Prof.
Pedro de Albuquerque quanto ao designado “prazo de manifestação de defeitos”, e aos seus efeitos
práticos na contagem dos prazos.
O argumento do Bento é ineficaz, atendendo à eficácia interna das obrigações (artigo 406.º/2 CC). O
empreiteiro responde sempre perante o dono de obra pelos atos do subempreiteiro, designadamente
por via do artigo 800.º CC (v. também artigo 264.º/4 e 1213.º/2)
Concluir-se-ia que o Bento seria responsável perante o António quanto ao defeito denunciado, e o
Carlos poderia ter de assumir responsabilidade perante o Bento, nos termos do art. 1226.º do CC.
(direito de regresso de Bento contra Carlos).
Caso se considerasse que Bento era um profissional, tratar-se-ia de uma empreitada de consumo, sendo
aplicáveis os direitos e os prazos previstos nos artigos 4.º e ss. do DL 67/2003.

(b) No caso em apreço, a empreitada tinha como objeto um imóvel, cujo terreno pertencia a António,
dono da obra, razão pela qual aplica-se o art. 1212.º, n.º 2 do CC.
Atendendo a que o imóvel ficara totalmente destruído por caso fortuito, o sismo, e sendo António o
proprietário já do imóvel construído por se encontrarem incorporados os materiais fornecidos pelo
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

empreiteiro à medida que fora construindo a moradia, o risco corre por conta de António (artigo 1228.º
do CC).
Nesta medida, António terá de pagar o preço acordado a Bento, e caso queira nova construção, a
mesma constituirá nova empreitada, nos termos do art. 1207.º e seguintes do CC.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Prova escrita de Direito dos Contratos I

3.º Ano – TAN – 18.02.2019

Critérios Orientadores de Correção

Grupo I

António, comerciante do ramo automóvel, celebrou um contrato de compra e venda de um


automóvel com Bento. Pelo automóvel, que foi entregue na data da celebração do contrato, Bento
pagou €20.000,00 em 40 prestações mensais de igual valor.

Considere cada uma das seguintes hipóteses isoladamente:

1. António e Bento convencionaram que aquele poderia resolver o contrato caso Bento
faltasse ao pagamento de uma das prestações devidas a título de preço. Bento não pagou
a vigésima nona prestação. Quid juris?

Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de compra e venda a


prestações; discussão e tomada de posição fundamentada sobre a admissibilidade da
convenção resolutiva na compra e venda a prestações com entrega da coisa e sem reserva
de propriedade atendendo ao disposto nos artigos 886.º e 934.º, 1.ª parte do Código Civil.

2. António pretende exigir judicialmente o cumprimento de Bento. Além disso, e na


medida em tinham convencionado que Bento pagaria €25.000,00 com vista a compelir
Bento ao cumprimento, António pretende exigir esse montante de Bento. Pode fazê-lo?

Discussão e tomada de posição fundamentada sobre a questão de saber se o artigo 935.º é


apenas aplicável às situações em que o vendedor exige o cumprimento da prestação ou se,
ao invés, é apenas às situações em que pretende resolver o contrato. Estando perante uma
cláusula penal compensatória de natureza puramente compulsória, não vale a proibição de
cúmulo constante do artigo 811.º, n.º 1 do CC, embora pareça dever aplicar-se o limite do
artigo 935.º do CC: a cláusula penal deveria ser reduzida a metade do valor devido a título
de preço.

3. Cinco messes depois, Bento vendeu o seu automóvel a Carlos pelo preço de € 15.000,00,
tendo ambos acordado que aquele poderia resolver o contrato no prazo de três anos,
pagando € 17.000,00. O automóvel apresenta agora diversos problemas mecânicos, pelo
que Carlos pretende resolver o contrato. Quid juris?

Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de compra e venda a retro


(927.º CC); o vendedor não pode ser obrigado a restituir um preço superior ao fixado para
a venda em caso de resolução, sendo a cláusula nula quanto ao excesso (928.º); tratando-se
de bem móvel (sujeito a registo) a resolução só poderia ser exercida no prazo máximo de
dois anos, devendo considerar-se a convenção reduzida a esse limite (929.º).
Aplicação do regime da compra e venda de bens de bens de consumo (artigos 1.º-A e 1.º-B
do DL 67/2003) – António é um profissional do ramo automóvel; A conformidade como
garantia (2.º/1); Presunção ilidível de não conformidade (2.º, n.º 2, al. c); Presunção da sua
existência ao tempo da entrega no prazo de dois anos (3.º/2); Transmissibilidade dos direitos
de Bento ao 3.º adquirente, Carlos, nos termos do art. 4.º/6; Bernardo deve exercer os seus
direitos contra António no prazo de dois meses a contar da data em que os detetar (art. 5.º-
A, n.º 2), tendo direito à reparação no prazo de 30 dias, sem grave inconveniente para si
(4.º/2). Discussão relativa à eventual subsidiariedade entre os vários direitos atribuídos ao
consumidor, com apelo ao disposto no artigo 4.º/5 que dispõe no sentido de poder o
comprador exercer qualquer um dos quatro direitos, salvo manifesta impossibilidade ou
abuso de direito (valorização da referência ao escalonamento do exercício de direitos,
através da fixação de dois níveis de reação no texto da diretiva transposta).

Cotação: 9 (nove) valores

Grupo II

Em janeiro de 2019, Daniel contratou o conhecido informático Edgar para criar um algoritmo
informático de publicidade para utilizar no seu website, pelo preço de € 5.000,00.
Convencionaram ainda que o prazo de execução dos trabalhos era de 3 meses.

Em fevereiro de 2019, dirigindo-se às instalações de Edgar, Daniel constata que o software


contém uma falha grave na linguagem utilizada, e que implicará a reprogramação do produto,
mas nada diz, ciente de que poderá fazer valer os seus direitos no fim do prazo de execução.

Daniel havia fornecido um conjunto de CD’s rom para a instalação do software final. Todavia, o
material é furtado das instalações de Edgar. Este nega qualquer responsabilidade perante o
sucedido, garantindo que os CD’s se encontravam em local seguro.

No fim de março, Daniel recusa-se a pagar o preço a Edgar. Afinal, o algoritmo criado não
funciona e, para mais, Edgar não adicionou uma funcionalidade ao programa pedida por Daniel
em meados de fevereiro, via e-mail, tendo Edgar, na altura, respondido “O Senhor Daniel não
me dá ordens. Essa funcionalidade, como bem sabe, não consta do algoritmo acordado.”.

Em abril, Fernando contacta Daniel reclamando o pagamento dos serviços de programação que
lhe foram encomendados por Edgar. Fernando afirma que nunca foi pago pelos seus serviços,
acrescentando que Edgar não programou uma única linha de código.

Quid iuris?
Cotação: 9 (nove) valores

Qualificação do contrato celebrado entre Daniel (D) e Edgar (E) como um contrato de
empreitada (1207.º CC): elementos essenciais. O contrato não se encontra sujeita a forma
especial (219.º CC);
Discussão e tomada de posição fundamentada sobre o conceito de obra (1207.º CC): se abrange
tanto bens corpóreos (em sentido material), como bens incorpóreos (obras de cariz intelectual).
No caso, tratava-se da criação de uma obra intelectual (algoritmo informático);
Enquadramento da faculdade de fiscalização da obra, nos termos do artigo 1209.º CC: limitação
do exercício do direito de denúncia dos defeitos perante vícios conhecidos pelo dono de obra, e
ignorados pelo empreiteiro, aquando da execução da obra, consubstanciando abuso de direito
(334.º CC);
Discussão acerca da aplicabilidade das normas de risco aos materiais fornecidos pelo dono de
obra (1212.º/1 CC), e respetiva inclusão do conceito de obra antes da sua incorporação, nos
termos do artigo 1228.º CC. Enquadramento da responsabilidade de E à luz do contrato de
depósito, quando os materiais são fornecidos pelo dono de obra, em prejuízo das regras referidas
relativas ao risco;
Direitos do dono de obra perante a obra defeituosa, posteriormente à verificação, no momento
da entrega (1218.º e ss CC). Enquadramento do dever do empreiteiro executar a obra, nos termos
do artigo 1208.º CC, de acordo com o convencionado. Inexistência de poder de direção do dono
de obra modificando o conteúdo acordado da prestação do empreiteiro e articulação com o
regime de alterações (designadamente, da iniciativa do dono de obra – 1216.º CC);
A contratação de Fernando (F) consubstancia a celebração de um contrato de subempreitada
(1213.º CC), sem o consentimento de D, o que é permitido ( 1213/2 e 264.º/1, parte final CC).
Valorização do enquadramento da divergência quanto à presente possibilidade e suas
consequências (responsabilidade contratual – posição da Regência). Enquadramento da
admissibilidade do subempreiteiro exigir o preço diretamente ao dono de obra, como uma
exceção ao princípio da relatividade dos contratos.

Ponderação Global: 2 (dois) valores


15 de fevereiro de 2019 | Duração: 90 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Critérios de Correção

Grupo I
[9 valores]
António vendeu a Berta o quadro “O Milagre de Ourique”, de Domingos Sequeira, no dia 02 de
janeiro de 2019, pelo preço de € 400.000,00, tendo sido o preço imediatamente pago por Berta.
António exigiu, porém, a consagração de uma cláusula de reserva de propriedade no contrato de
compra e venda celebrado.
Berta, considerando ter liquidado o valor do quadro, e ser sua legítima proprietária e possuidora,
decidiu vendê-lo a Carlos, no dia 10 de janeiro de 2019, pelo preço de € 550.000,00, que nada
sabia dos termos do negócio anteriormente celebrado entre António e Berta.
Sabendo de tal alienação, António pretende que o quadro lhe seja devolvido, solicitando parecer
junto do seu advogado, sobre a melhor forma de fazer valer os seus direitos.
Entretanto, em 02 de fevereiro de 2019 deflagrou um incêndio na casa de Carlos, onde se
encontrava o quadro, destruindo por completo o seu recheio.
António vem agora exigir a Carlos o valor do quadro.

Referência ao princípio da consensualidade resultante do artigo 408.º/1 do CC. Regra geral, a constituição
e transferência de direitos reais, na ordem jurídica portuguesa, dá-se por mero efeito do contrato (sistema
do título).

Discussão sobre a natureza da cláusula de reserva de propriedade enquanto mero desvio ou verdadeira
exceção ao princípio da consensualidade, à luz do artigo 409.º/1 do CC.

É possível a celebração de cláusula de reserva de propriedade relativa a coisas móveis não sujeitas a registo,
como era o caso do quadro, com o pagamento integral do preço pelo comprador, apesar de não ser comum
no tráfego.

Esta cláusula de reserva de propriedade estava sujeita a liberdade de forma (artigo 219.º do CC).

Problema de não se ter sido definido, como impõe o artigo 409.º/1, o momento da transmissão da
propriedade para o comprador. Inadmissibilidade da existência de cláusulas de reserva de propriedade
perpétuas, em face do princípio da tipicidade dos Direito Reais.

Berta, tendo apenas uma expetativa real de aquisição, não poderia alienar o quadro a Carlos, razão pela qual
não tinha legitimidade para a celebração de tal negócio jurídico, pelo que estamos perante um contrato de
compra e venda de bens alheios, nos termos do disposto no artigo 892.º do CC, não se aplicando, atendendo
aos dados da hipótese, o regime do artigo 893.º do CC.
Discussão da oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade em relação a coisas móveis não sujeitas
a registo. Referência ao entendimento do Professor Romano Martinez de que nas coisas não sujeitas a
registo, a cláusula de reserva de propriedade tem eficácia meramente obrigacional. Invocação das críticas
elencadas pelo Professor Pedro de Albuquerque ao entendimento do Professor Romano Martinez. Tomada
de posição fundamentada.

Discutir fundamentadamente a transferência do risco nos contratos de compra e venda com reserva de
propriedade, fazendo referência ao regime do artigo 796.º do CC, e argumentando se o risco do perecimento
do quadro se mantém na esfera jurídica de António, na qualidade de alienante ou se se transfere para a
esfera jurídica de Berta, na qualidade de adquirente, ou de Carlos, enquanto sub-adquirente atendendo aos
argumentos apresentados pela doutrina.

Carlos, estando de boa fé, teria direito à restituição integral do preço, nos termos do disposto no artigo 894.º
do CC e à convalidação do negócio, ao abrigo do artigo 897.º, caso o quadro não tivesse sido destruído.

Carlos teria também direito a ser indemnizado, nos termos do disposto no artigo 896.º, pela circunstância
de Berta ter agido dolosamente.

O quadro, em virtude do incêndio, destruiu-se, deixando de existir direito real de propriedade, por
inexistência de objeto.

António não poderia exigir o valor do quadro a Carlos, podendo apenas hipoteticamente intentar uma ação
real de reivindicação da propriedade, nos termos do disposto no artigo 1311.º do Código Civil, caso o
quadro não tivesse sido destruído.

Grupo II

Abel, proprietário de um imóvel em Cascais, vende-o a Bento, em 20 de janeiro de 2017.


Em dezembro de 2018, após uma forte chuvada, o telhado do imóvel desaba, tendo-se verificado
que tal vicissitude ocorrera por um problema estrutural do telhado, o qual era do conhecimento
de Abel, aquando da venda do imóvel, ocorrida em janeiro de 2017.
Bento comunica em janeiro de 2019 o desabamento do teto, mediante carta registada, exigindo a
imediata reparação.
Em resposta à carta, Abel alega que o desabamento se deveu a uso imprudente do imóvel.
Precisando da reparação urgente do imóvel, Bento contrata a empresa de Carlota para a reparação
do telhado, pelo preço de € 10.000,00.
A empresa de Carlota decide contratar Dário para a colocação das telhas no telhado.
Bento, apercebendo-se de tal situação, recusa que Dário execute tais trabalhos, alegando que não
o tinha contratado para a reparação do telhado, mas sim à empresa de Carlota.

Aplicação do regime da compra e venda de coisa defeituosa, enquanto perturbação típica da compra e
venda, nos termos do disposto nos artigos 913.º e ss. do CC.
Inaplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, atendendo à natureza dos dois
contraentes.

O imóvel padecia de um defeito estrutural oculto, que era do conhecimento de Abel, o qual agiu
dolosamente, não procedendo a sua argumentação.

Bento teria direito à reparação do imóvel, nos termos do disposto no artigo 914.º do CC, tendo denunciado
tempestivamente o defeito, nos termos do disposto no artigo 916.º/3 do CC.

Teria Bento ainda direito a uma indemnização ao abrigo do artigo 908.º do CC, aplicado ex vi artigo 913.º
do CC.

Qualificação do contrato celebrado entre Bento e Carlota como empreitada, nos termos do disposto nos
artigos 1207.º e ss. do CC.

Atendendo à circunstância de ser a empresa de Berta a responsável pela empreitada, enquanto sociedade
comercial, discussão sobre a aplicabilidade da empreitada de bens de consumo – Decreto-Lei nº 67/2003,
de 08 de abril (cfr. Diretiva 1999/44/CE relativa aos contratos de compra e venda de consumo, que também
pode ser aplicada a certos contratos de empreitada (artigo 1º/4 da Diretiva), por se tratar de empreitada de
reparação do telhado (e não de uma obra nova).

Referência às três posições doutrinárias a este respeito (não aplicação; aplicação apenas quanto aos bens
incorporados pelo empreiteiro no objeto reparado; aplicação).

Carlota, na qualidade de empreiteira, poderia subempreitar livremente a obra, de acordo com uma leitura
adaptada do artigo 264.º do CC ex vi n.º 2 do artigo 1213.º do CC, em virtude na natureza fungível da
prestação. Assim, Bento não podia recusar a execução da obra pela empresa de Dário.

Apesar de a empresa de Berta ter recorrido à empresa de Dário, tal circunstância não a exonera da
responsabilidade de execução da empreitada assumida perante Bento, permanecendo inteiramente
responsável perante este último, por todos os defeitos da prestação, ainda que decorram de culpa do
subempreiteiro, como permite o disposto no artigo 800.º/1, do CC.
Direito dos Contratos I (TAN) | 1.ª Época - Coincidências
25 de Janeiro de 2019 | Duração: 90 minutos

Grupo I
[12 valores]
Em 15 de novembro de 2018, Antónia soube que um conhecido stand de automóveis estava a
vender os carros que tinha em exposição com um grande desconto. Nesse mesmo dia, dirigiu-se
ao stand e comprou um dos carros em exposição, por € 25.000. Uma vez que se tratava do único
exemplar do modelo pretendido por Antónia em exposição, esta teve de se contentar com o facto
de ser azul. O contrato com o stand foi assinado com uma cláusula de reserva de propriedade a
favor do Banco B, que financiou a aquisição do veículo, tendo ficado combinada a sua entrega
para um mês depois.

Considere as seguintes hipóteses:


1) Duas semanas depois, deflagra um incêndio no stand por causa de uma violenta tempestade.
Felizmente, o carro adquirido por Antónia apenas sofreu estragos superficiais. No entanto,
Antónia recusa-se a levar o carro consigo na data acordada, caso o stand não proceda às
reparações necessárias, nomeadamente a uma nova pintura. Pode Antónia exigir do stand
a reparação do carro? (4 valores)
Qualificação do contrato como compra e venda de bem de consumo, à luz do DL n.º
67/2003, de 8 de abril, mencionando o preenchimento do âmbito de aplicação em
articulação com as definições relevantes.
Transferência da propriedade ocorre no momento da celebração do contrato, dado estar em
causa uma venda de coisa específica e determinada (único exemplar em exposição) – art.º
408.º, n.º 1 CC.
Classificação dos estragos causados no carro como (i) não imputáveis quer ao vendedor,
quer ao comprador e (ii) falta de conformidade, nos termos do art.º 2.º do DL n.º 67/2003,
de 8 de abril. Vendedor responde por qualquer falta de conformidade que exista no
momento da entrega do bem (art.º 3.º, n.º 1 do DL n.º 67/2003, de 8 de abril), não se
aplicando a regra sobre risco prevista no art.º 796.º, n.º 1 CC.
Logo, o comprador tem os direitos previstos no art.º 4.º, n.º 1 do DL n.º 67/2003, de 8 de
abril, nomeadamente, o direito de reparação. Antónia podia, sem incorrer em mora do
credor (art.º 813.º CC), recusar a entrega do veículo até que fosse cumprida a obrigação de
reparação que incide sobre o stand.
2) Mantendo a factualidade indicada em 1), suponha que o stand se dispunha a custear as
despesas com a reparação do carro, mas Antónia contrapunha que “tinha comprado um
carro novo e que, por isso, não estava interessada em levar um carro reparado”, exigindo
que o stand lhe entregasse outro exemplar do mesmo modelo. Terá razão? (4 valores)
Direito de substituição é também um dos direitos do consumidor perante compra de bem
de consumo com falta de conformidade. Referência à discussão sobre a (in)existência de
ordem hierárquica quanto ao exercício dos direitos previstos no art.º 4.º, n.º 1 do DL n.º
67/2003, i.e., se apenas é possível exercer os direitos à redução de preço e à resolução do
contrato, se não for possível obter a reparação ou substituição do bem (como decorre do
art.º 3.º, n. 5 da Diretiva 1999/44/CE, de 25 de maio, contrariamente ao que parece decorrer
do n.º 5 do art.º 4.º do DL n.º 67/2003). Mesmo adotando a tese da existência de hierarquia
entre os direitos, o direito de substituição situar-se-ia no mesmo plano que o direito à
reparação.
Exigência de substituição do bem (de valor elevado) por causa de estragos superficiais e
reparáveis deve entender-se como abusiva, nos termos do n.º 5 do art.º 4.º do DL n.º
67/2003 e do art.º 334.º CC, por não ter qualquer motivação objetiva ou económica razoável
que se vislumbra.
3) Suponha que Antónia entra em incumprimento para com o Banco B relativamente a várias
prestações do mútuo contraído. Em consequência, o Banco B exige a entrega do carro,
invocando para o efeito que o veículo é sua propriedade. Pode fazê-lo? (4 valores)
Discussão sobre validade da cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro (no caso,
mutuante), mencionando os argumentos a favor e contra (valorizando-se as referências à
jurisprudência existente a respeito desta matéria), tendo em conta, particularmente, a
proibição de pacto comissório e o princípio da tipicidade dos direitos reais.
Eventual menção à validade de cláusula de reserva de propriedade em que evento que
desencadeia a produção do efeito transmissivo consiste no pagamento a terceiro e à
(im)possibilidade de transmissão da reserva de propriedade.

Grupo II
[6 valores]
Em 10 de janeiro de 2019, Carlos comprou a Daniela um apartamento em Lisboa por € 250.000.
Uma semana depois da compra, Carlos apercebe-se de que o imóvel se encontra arrendado a
Eduardo

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) Carlos pretende a resolução do contrato de compra e venda celebrado com Daniela. A
sua pretensão tem fundamento jurídico? (3 valores)
Qualificação como compra e venda de bens onerados (art.º 905.º CC). O “ónus” enquanto
um vício do direito transmitido e não do objeto do negócio, i.e., a coisa vendida
(diferentemente do que sucede na venda de bens defeituosos).
Tomada de posição fundamentada sobre se a venda de bens onerados é causa de
anulabilidade (plano da validade do negócio) ou de resolução (plano do não
cumprimento) do contrato. O direito de resolução implica um ónus suficientemente grave,
nos termos gerais, o que sucede no caso, em face da impossibilidade de o proprietário ter
o gozo do imóvel por causa do direito pessoal de gozo do arrendatário Eduardo.
Não existe possibilidade de confirmação do negócio pelo comprador (art.º 288.º CC), mas
sim a possibilidade (rectius, obrigação) de convalescença pelo vendedor (art.ºs 906.º e
907.º CC), através da expurgação do ónus. Carlos pode resolver o contrato ou requer a
expurgação do ónus, sem que haja dependência entre os pedidos.
2) Uma vez que Daniela não consegue que Eduardo abandone o imóvel, revogando o
contrato de arrendamento, Carlos pretende uma indemnização no valor de € 325.000,
correspondente ao preço pelo qual entretanto prometera vender o apartamento a um
investidor estrangeiro. Terá direito a tal indemnização. (3 valores)

2/3
Aplicação articulada dos artigos 908.º ou 909.º (consoante Daniela tivesse ou não
conhecimento da existência do arrendamento) e 910.º CC. Partindo do princípio de que
havia dolo de Daniela, aplica-se o art.º 910, n.º 2, que permite a indemnização pelo
interesse contratual positivo, como pretendido por Carlos. Tomada de posição
fundamentada sobre se a aplicação do art.º 910.º, n.º 2 implica que haja violação culposa
do dever de convalescença (como decorreria do n.º 1).

[Ponderação Global: 2 valores]

3/3
Direito dos Contratos I (TN) | Exame Escrito (1.ª Época)
17 de Janeiro de 2019 | Duração: 90 minutos

Grupo I
[9 valores]
No dia 31 de dezembro de 2018, Abel recebeu em sua casa a sua amiga Beatriz, que ficou muito
bem impressionada com os azulejos italianos que decoravam a sua sala de estar. Beatriz propôs
comprá-los pelo preço de € 25.000,00, a pagar em 25 prestações mensais de € 1.000,00 cada. Abel
aceitou, tendo combinado a entrega dos azulejos na casa de Beatriz uma semana depois.

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) No dia seguinte, Abel preparava-se para retirar os azulejos da parede quando se sente um
sismo. O sismo provocou a destruição da parede e dos azulejos que a decoravam. Abel
pretende que Beatriz pague o preço dos mesmos, uma vez que não se considera mais
proprietário dos mesmos.
2) Em março de 2019, Beatriz não havia pago as prestações referentes aos meses de janeiro
e fevereiro, pese embora Abel haja procedido à entrega dos azulejos na data combinada.
Que tutela legal assiste a Abel naquela data?
3) Beatriz descobre que os azulejos pertenciam a Carlos, irmão de Abel, proprietário e
legítimo possuidor do imóvel, que os reivindica a Beatriz. Beatriz recusa-se a entregar
os azulejos invocando que procedeu a um custoso restauro dos mesmos, o que em muito
os valorizou.
Grupo II
[9 valores]
Na sequência do sismo, e em face da necessidade de reparar as paredes de sua casa, Abel decidiu
contactar Dionísio para as reparar, em troca de €2.500,00.

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) Dionísio retorquiu que apenas aceitava a proposta na condição de Abel não interferir
durante a execução da obra, ao que este anuiu. Abel tem agora dúvidas em classificar o
contrato celebrado, pedindo-lhe o seu parecer jurídico. Qual o seu parecer?
2) Abel contratou Elias, um especialista, para vistoriar a obra durante a sua execução.
Confiando no relatório elaborado por Elias — nos termos do qual se considera que a obra
está a ser executada muito lentamente —, Abel exige a Dionísio que a execute mais
rapidamente. Dionísio replica que não tem de seguir as suas exigências, para mais quando
está a seguir o plano convencionado. Abel solicita-lhe, novamente, o seu parecer jurídico.
3) Abel, estudante de Direito dos Contratos I, afirma que o seu parecer é defeituoso.
Considerando ser aplicável o regime da empreitada, exige-lhe a eliminação dos defeitos,
nos termos do artigo 1221.º do Código Civil. Esclareça Abel sobre a natureza do contrato
celebrado.

[Ponderação Global: 2 valores]


Critérios de correção
Grupo I
[9 valores]

1) Classificação completa e fundada do contrato como compra e venda (art. 874.º); Referência
ao princípio da consensualidade ao momento da transmissão da propriedade: estamos perante
partes integrantes (202.º e 204.º/3), pelo que a transmissão da propriedade fica diferida para
o momento da separação (408.º, n.º 2).
A destruição dos azulejos e da parede onde se encontravam provoca a impossibilidade do
cumprimento da obrigação de entrega, por causa não imputável ao devedor (A); o efeito real
não se logrou a produzir com a mera celebração do contrato (408.º/2), nem ocorreu a
necessária entrega dos bens.
Não há lugar à aplicação das regras do risco (796.º), porquanto não houve nem transferência
de domínio nem a constituição ou transferência de direitos reais sobre os azulejos.
Resta a aplicação das regras relativas à impossibilidade de cumprimento (795.º/1). B fica
desobrigado da contraprestação (de pagamento do preço) e tem o direito de exigir a sua
restituição, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, se já a tiver totalmente
ou parcialmente realizado.

2) B não paga duas das prestações do preço, podendo A exigir antecipadamente as restantes
prestações (934.º, segunda parte); ao não pagar duas prestações, torna-se irrelevante apurar
se a falta de pagamento excede uma oitava parte do preço.
Articulação dos artigos 886.º e 934.º, primeira parte; discussão e tomada de posição
fundamentada acerca da questão de saber se perante uma venda a prestações sem reserva de
propriedade se deverá aplicar a primeira parte do artigo 934.º: aplicando-se o preceito, a
possibilidade de resolução do contrato ficaria dependente de o incumprimento de B exceder
1/8 do preço; porém, B incumpriu duas prestações, devendo discutir-se se a possibilidade de
resolução do contrato fica dependente da gravidade do incumprimento, tal como previsto no
artigo 802.º/2.

3) A venda celebrada entre A e B qualifica-se como uma venda de bens alheios, por falta de
legitimidade de A, tratando-se de uma venda como própria de uma coisa alheia específica e
presente, fora do âmbito das relações comerciais (892.º e ss.). A venda é, como tal, nula
(nulidade atípica). A compra e venda entre A e B é ineficaz perante Carlos (C), que poderá
reivindicar a coisa perante quem a tenha em seu poder (1311.º).
B, estando de boa fé, poderá invocar a nulidade da compra e venda perante A, que se encontra
de má fé (presumivelmente), mas não o inverso (892.º). Quanto aos efeitos, sendo nula a
venda realizada (pressupondo-se a não convalidação do contrato), B ficará obrigado a restituir
a coisa (289.º) a C, que a reivindica, e tem direito à restituição integral do preço que
eventualmente tenha pago, por se encontrar de boa fé (894.º/1, in fine).
B tem ainda direito a ser indemnizado por A, nos termos do artigo 897.º, caso este tenha
procedido com dolo (253.º) ou, alternativamente, nos termos do art.º 899.º; esta indemnização
poderá ser cumulada com a indemnização pela não convalidação do contrato (897.º/1, in fine),
se compatível, nos termos do artigo 900.º.
B terá direito à restituição das benfeitorias realizadas nos azulejos, nos termos dos artigos
901.º e 1273.º, podendo reter a coisa (754.º) até ao seu pagamento por C, quer B, devedores
solidários.

Grupo II

2/3
[9 valores]

1) Discussão relativa à questão de saber se as partes podem, no âmbito da sua autonomia


privada, afastar a faculdade de fiscalização que assiste ao dono da obra; referência à
essencialidade da fiscalização e referência à fiscalização como elemento tipológico do
contrato de empreitada. Referência às consequências do afastamento desta faculdade:
nulidade da cláusula (809.º) ou perda do elemento tipológico, com a consequência de se
considerar estarmos perante um outro contrato típico (compra e venda de bem futuro) ou,
eventualmente, perante um contrato atípico.

2) Referência ao empreiteiro como prestador de serviços autónomo em termos técnicos;


podendo fiscalizar, não poderá o dono da obra, em princípio, dar ordens ao empreiteiro;
a possibilidade de o dono da obra alterar unilateralmente o conteúdo da prestação (1216.º)
não afasta a necessária autonomia do empreiteiro. Dionísio não está obrigado a seguir as
ordens de Abel, devendo executar a obra de acordo com o convencionado e com as regras
da arte (1208.º).

3) Discussão relativa à extensão do conceito de obra do artigo 1207.º: a obra deve


materializar-se numa coisa concreta, ter uma utilidade própria desligada do processo de
criação e o seu resultado deve ser alcançado de acordo com um projeto. A encomenda de
parecer jurídico não pode constituir uma empreitada, porquanto o próprio parecer não se
pode desligar do seu discurso justificativo e fundamentante.

[Ponderação Global: 2 valores]

3/3
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Recurso — Direito dos Contratos I

3.º ano TAN — 14.02.2020

Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

Anabela vende a Baltazar uma moradia na Zambujeira do Mar, cuja área é de 120 m2, que este
pretende utilizar para fins habitacionais durante o verão. O preço acordado foi de € 400.000 e as
chaves foram entregues duas semanas após a escritura pública.

Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Um mês depois, Baltazar descobre que Carolina se encontrava a habitar na moradia,


alegando a mesma que gozava de um direito de usufruto resultante de um contrato
previamente celebrado com Anabela. Baltazar pretende reagir. Quid juris? (4 valores)

- Qualificação como compra e venda de bens onerados (art. 905.º CC). O “ónus” enquanto um
vício do direito transmitido e não do objeto do negócio, i.e., a coisa vendida (diferentemente do
que sucede na venda de bens defeituosos).

- Tomada de posição fundamentada sobre se a venda de bens onerados é causa de anulabilidade


(plano da validade do negócio) ou de resolução (plano do não cumprimento) do contrato.

- Não existe possibilidade de confirmação do negócio pelo comprador (art. 288.º CC), mas sim a
possibilidade (rectius, obrigação) de convalescença pelo vendedor (art. 906.º e 907.º CC), através
da expurgação do ónus.

- Pretensão indemnizatória: aplicação articulada dos artigos 908.º ou 909.º (consoante o vendedor
tivesse ou não conhecimento da existência do direito de usufruto) e 910.º CC. Em caso de dolo, o
vendedor tem direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo (art. 910.º, n.º 2 CC).

2) Decorridos dez meses desde a celebração do contrato, Baltazar descobre que a área da
moradia é de apenas 108 m2. Quid juris? (2 valores)

- A área real da moradia difere da área declarada no contrato em 1/10 (um décimo), logo Baltazar
tem direito à correção do preço (art. 888.º, n.º 2 CC): discussão sobre se correção proporcional do
preço visaria a totalidade da diferença ou apenas a parte da diferença que excedia 1/20.

- O direito à correção do preço ainda não havia caducado, pois Baltazar tomou conhecimento da
discrepância antes de decorrer 1 ano após a entrega do imóvel (art. 890.º, n.º 1 CC).

- Discussão sobre o direito de resolver o contrato previsto no artigo 891.º, n.º 1 CC.

3) Imagine que a compra e venda da moradia havia sido ajustada com reserva de propriedade
a favor do Data Bank, S.A.., que financiou o pagamento do preço. Entretanto, e antes do
pagamento integral das prestações do contrato de mútuo, Baltazar perde o interesse na
moradia e vende-a a Eurico, seu amigo de infância. Quid juris? (4 valores)
- Discussão sobre validade da cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro (no caso,
mutuante), mencionando os argumentos a favor e contra (valorizando-se as referências
jurisprudenciais e doutrinárias relevantes). Referência, em particular, à proibição de pacto
comissório e ao princípio da tipicidade dos direitos reais.

- Eventual menção à validade de cláusula de reserva de propriedade em que o evento que


desencadeia a produção do efeito transmissivo consiste no pagamento a terceiro e à
(im)possibilidade de transmissão da reserva de propriedade.

- Consoante a posição adotada, discussão sobre a oponibilidade a terceiros da cláusula de reserva


de propriedade constante do registo (art. 409.º, n.º 2 CC) e a qualificação da venda da moradia a
Eurico enquanto venda de bens alheios e suas consequências (art. 892.º e ss. CC).

Grupo II

Recentemente, Francisca decidiu fazer algumas remodelações no seu apartamento. Gizou e


elaborou um projeto, que entregou a Guilherme, empreiteiro de profissão, para execução, tendo
as partes acordado que o preço seria de 10.000€.

Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Durante a obra, Francisca visitou frequentemente o apartamento para acompanhar os


trabalhos. Tendo a obra sido finalizada, Francisca recusou a entrega, argumentando que
as portas e as janelas não estavam de acordo com o projeto, tendo ainda exigido a sua
substituição. Guilherme ficou muito revoltado e alegou que a desconformidade era
pouco relevante e que Francisca devia tê-lo alertado antes. Quid juris? (5 valores)

- Qualificação do contrato como empreitada de consumo (art. 1207.º CC e art. 1.º-A, n.º 2 do DL
n.º 67/2003), celebrado entre um profissional e um consumidor (art. 1.º-B do DL n.º 67/2003).

- O argumento da irrelevância do vício seria improcedente, atendendo ao conceito juridicamente


aplicável de «desconformidade» (art. 2.º e ss. do DL n.º 67/2003).

- Discussão sobre a qualificação da fiscalização enquanto dever, ónus, direito ou faculdade do


dono da obra (art. 1209.º CC). Tomada de posição.

- Debate doutrinário quanto à interpretação do art. 1209.º, n.º 2 CC: a prévia fiscalização pelo
dono da obra preclude os seus direitos em sede de empreitada defeituosa? Confronto com a figura
do abuso de direito (art. 334.º CC). Tomada de posição.

2) Uma vez que não era especialista em instalações elétricas, Guilherme contrata Hugo
para o auxiliar na remodelação do apartamento. Finalizada a instalação elétrica, Hugo
não recebe a quantia acordada de 2.500€, pelo que vem exigir o seu pagamento a
Francisca, a qual recusa por desconhecer a existência de tal acordo. Em consequência,
Hugo retira o quadro elétrico que havia instalado. Quid juris? (4 valores)

- Qualificação da contratação de Hugo como uma subempreitada (art. 1213.º, n.º 1 CC), a qual
não necessitava de autorização do dono da obra, atendendo à sua natureza fungível (art. 264.º, ex
vi 1213.º, n.º 2 CC).
- Enquadramento da admissibilidade do subempreiteiro exigir o preço diretamente ao dono de
obra, como uma exceção ao princípio da relatividade dos contratos (art. 406.º, n.º 1 CC).

- A retirada do quadro elétrico suscita a questão de se saber se o subempreiteiro beneficia de


direito de retenção (art. 754.º e ss. CC), devendo ser mencionados os argumentos a favor e contra
(valoriza-se a menção à prática jurisprudencial nesta matéria).

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 1 valor


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Direito dos Contratos I

3.º Ano TAN — 17.01.2020

Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

António vendeu a Bernardo por €100 o seu computador da marca XPTO, com valor de
mercado de €2.500, que lhe havia sido furtado no âmbito de um assalto ocorrido no mês anterior.
Bernardo tinha conhecimento do furto do computador, tendo-lhe sido entregue por António uma
cópia da queixa-crime efetuada junto da polícia relativamente ao assalto, na qual o computador
constava como um dos objetos furtados.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

a) Nunca se veio a descobrir os autores do furto do computador e o seu paradeiro, tendo a


queixa-crime sido arquivada. Bernardo pretende que António lhe devolva o preço.
Será a sua pretensão fundamentada? (3 valores)
- Qualificação do contrato como compra e venda (874.º CC) de bem de existência incerta (881.º
CC - não se sabe se bem pereceu após o furto; pode, por exemplo, ter sido desmontado e vendido
às peças).
- Tomada de posição fundamentada sobre se a menção no contrato à incerteza deve consistir numa
declaração expressa ou meramente tácita, por se tratar de um estado subjetivo de prova difícil, e
se deve estar sujeita a forma escrita pela mesma razão ou se prevalece a regra geral de liberdade
de forma (219.º CC) No caso, houve menção expressa sob a forma verbal, não tendo havido
afastada a natureza aleatória do contrato, por isso António deverá devolver ou não o preço
conforme se entenda que menção está sujeita a forma especial ou não, respetivamente.

b) Suponha que ficou acordado que o preço seria pago um dia após a celebração do contrato.
Passado duas semanas, Bernardo ainda não havia procedido ao pagamento, apesar de
várias interpelações de António para o efeito. Entretanto, a polícia descobriu os autores
do assalto e recuperou o computador. António pretende agora resolver o contrato por
falta de pagamento do preço.
Pode fazê-lo? (3 valores)
- Discussão dos pressupostos de aplicação do art.º 886.º CC, nomeadamente quanto à entrega da
coisa. Tomada de posição fundamentada sobre se obrigação de entrega consiste sempre num
efeito essencial da compra e venda, mesmo nos casos em que o comprador aceita a incerteza
quanto à existência do bem (ou em casos como o da venda de direitos de crédito, em que, por
natureza, não há entrega material ou em que o comprador já tem a coisa em seu poder), enquanto
obrigação de conteúdo variável que pode ser normativamente cumprida sem que haja entrega
material, desde que comprador seja colocado na posição de poder exercer plenamente os seus
direitos sobre o bem.
c) Imagine agora que Carlos, proprietário da Computadores Novos & Usados, Lda.,
adquiriu o computador a um feirante e o colocou à venda na sua loja. O computador foi
vendido a Daniela por €1500. Sucede que Daniela e Bernardo eram amigos de longa
data. Quando Daniela mostrou a Bernardo o seu “novo computador”, este reconheceu o
que comprara a António e exigiu a sua entrega. Daniela afirmou que só lho entregaria se
a loja o substituísse por um computador igual. Porém, Carlos recusa-se a entregar outro
computador a Daniela, disponibilizando-se apenas a devolver o preço.
Quid juris? (5 valores)
- Qualificação da venda entre a CN&U e Daniela como venda bem alheio (892.º + 904.º CC).
Bernardo, como legítimo proprietário, pode reivindicar a coisa de Daniela, bem como arguir a
nulidade do contrato enquanto interessado. Referência eventual ao art.º 1301.º CC.

- Referência à obrigação de convalidação da CN&U, uma vez que Daniela estava de boa fé
(897.º/1 CC).

- Tomada de posição fundamentada sobre se, à luz da boa fé subjetiva ética, a CN&U pode arguir
a nulidade do negócio (892.º, 2ª parte CC) e se tem a obrigação de indemnizar Daniela nos termos
do art.º 898.º CC (dolo eventual) ou se é apenas responsável objetivamente nos termos do art.º
899.º CC, pelos danos emergentes que não resultem de despesas voluptuárias. Em caso de
incumprimento da obrigação de convalidação, acrescerá a indemnização prevista no n.º 1 do art.º
900.º CC, sem prejuízo do n.º 2.

- Qualificação do negócio celebrado entre Daniela e a loja como uma venda de bem de consumo,
celebrada entre profissional e consumidor (art.ºs 1.º-A, n.º 1, e 1.º-B, a) e c) do DL n.º 67/2003).

- Tomada de posição fundamentada sobre se Daniela tem os direitos previstos no DL n.º 67/2003,
na medida em que se possa ou não qualificar a alienidade do computador como uma falta de
conformidade, nos termos do art.º 2 do DL n.º 67/2003, à semelhança da discussão existente a
propósito da venda de bens onerados.

- Em caso afirmativo, Daniela poderá exigir os direitos previstos no artigo 4.º do DL n.º 67/2003,
nomeadamente o direito à substituição, desde seja possível substituir o bem vendido por um de
qualidades e características idênticas.

Grupo II
A sociedade Arquitetos & Arquitetos, Lda., contratou Bento para montar uma casa de
banho numa divisão utilizada até então como despensa pelo preço de € 6.500, com o material
incluído. Durante a execução dos trabalhos, Carlota, arquiteta e sócia-gerente da Arquitetos &
Arquitetos, Lda., reparou que a forma como a canalização estava a ser montada implicaria elevar
o chão em cerca de 5 cm a mais do que tinha sido previsto. Ao informar disso Bento, este
respondeu-lhe que era verdade, mas que agora já não havia nada a fazer, senão teriam de remover
os tubos todos e começar de novo. Carlota disse então para prosseguirem os trabalhos como
estavam a fazer.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) No dia em que a obra ficou pronta, a Arquitetos & Arquitetos, Lda., recusou-se a pagar
a totalidade do preço por causa da elevação do chão.
Podia fazê-lo? (4 valores)
- Qualificação do negócio como contrato de empreitada, nos termos do art.º 1207.º CC, por preço
global.
- Referência ao dever de o empreiteiro de executar a obra de acordo com o projeto acordado
(1208.º CC). A elevação do chão não consiste numa alteração da obra necessária por falta de
verificação dos requisitos do art.º 1215.º, n.º 1 CC, dado que resulta da forma escolhida pelo
empreiteiro para instalar a canalização no âmbito da sua autonomia técnica.
- Referência ao exercício do direito de fiscalização pelo dono da obra (A&A) através de Carlota
(1209.º, n.º 1 CC). O dono da obra não tem o dever ou o ónus de exercer este direito, mas não
poderá exercer os seus direitos pelos defeitos existentes ou pela má execução da obra, se tiver
havido da sua parte concordância expressa com a obra executada (1209.º, n.º 2 CC). Tomada de
posição fundamentada sobre se, no caso, Carlota expressou a concordância expressa da A&A.
Caso o aluno entenda que Carlota – independentemente dos motivos pelos quais expressou a sua
concordância com o prosseguimento dos trabalhos com elevação do chão (evitar que a conclusão
da obra demorasse mais tempo) – não manifestou concordância expressa, nem autorizou a
alteração ao plano convencionado (1214.º CC), então deverá indicar que a A&A pode exercer os
direitos previstos nos artigos 1221.º ss. e apenas poderá exigir a redução do preço nos termos do
art.º 1222.º CC (discutir eventual abuso do direito). Caso entenda que houve concordância
expressa ou autorização à alteração da obra, não é a obra havida como defeituosa, nos termos do
art.º 1214.º CC. Em consequência, na última hipótese, não poderá a A&A exigir a redução do
preço ou exercer quaisquer outros direitos pela elevação do chão aquando da verificação da obra
(1218.º CC).

2) Suponha que Bento havia contratado Edmundo para tratar da instalação da canalização
e que, durante a execução dos trabalhos, Carlota instruíra Edmundo para fazer a
instalação de forma diversa de modo a evitar a elevação do chão. Edmundo respondeu
que nada alteraria até que Bento lhe desse instruções nesse sentido. Carlota, que não
estava a conseguir contactar Bento, disse então a Edmundo que este lhe tinha de
obedecer.
Terá razão? (4 valores).
- Qualificação do contrato entre Bento e Edmundo como subempreitada (1213.º, n.º 1 CC). Bento
não carecia de autorização para subcontratar Edmundo, pois a realização da obra consiste numa
prestação de natureza fungível, nos termos do art.º 264.º, n.º 1, ex vi 1213.º, n.º 2 mutatis mutandis.

- O direito de fiscalização do dono da obra não lhe permite, em princípio, dar ordens ao
empreiteiro, o qual mantém a sua autonomia técnica. Porém, estando em causa a má execução da
obra (por ser infiel ao projeto acordado ou por apresentar defeitos), o empreiteiro deverá acatar
as instruções do dono da obra, enquanto manifestação do seu dever de executar a obra em
conformidade com o disposto no art.º 1208.º CC.

- Discussão e tomada de posição fundamentada sobre se o dono da obra pode dar ordens ou
instruções diretamente ao subempreiteiro. Uma vez que não existe uma relação contratual entre
si (princípio da relatividade dos contratos), à partida não seria de admitir tal faculdade. Porém,
existem argumentos a favor dessa possibilidade: a prestação do subempreiteiro prossegue, em
última instância, a satisfação dos interesses do dono da obra através da realização da obra, sendo
admissível considerar-se que existe uma relação paracontratual entre ambos; pelo menos em
certas circunstâncias, nomeadamente em casos de urgência ou de impossibilidade de contactar o
empreiteiro, poderá admitir-se que o dono da obra dê instruções diretamente ao subempreiteiro e
este tenha o dever de as acatar.

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 1 valor


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame de Direito dos Contratos I – Época de Finalistas
3.º Ano (TAN) – 10.09.2021
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

A sociedade Arquitetos & Designers, Lda (A&D) pagou € 3.000 a uma fábrica de
tapeçarias artesanais em troca da produção de três tapetes com as dimensões e os desenhos
indicados pela A&D. Ficou acordado que os tapetes seriam entregues no prazo de 60 dias.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Um dia antes da entrega dos tapetes, já totalmente finalizados, a fábrica de tapeçarias
sofre um incêndio. Os três tapetes ficam destruídos. Em consequência, a A&D exige a
devolução do preço, mas o departamento jurídico da fábrica envia uma carta à A&D a
recusar essa pretensão, alegando que o contrato celebrado entre as partes configurava uma
“venda de bens futuros”, cujo risco se havia transferido aquando da conclusão dos tapetes.
Terá razão? (4 valores)
- Distinção entre venda de bens futuros e empreitada. Qualificação do contrato entre a A&D e a
fábrica como um contrato de empreitada, com os seus dois elementos essenciais (prestações
principais de realização de obra e de pagamento do preço) – 1207.º CC. A produção e entrega dos
tapetes em conformidade com as indicações da A&D cumpre os requisitos para se considerar a
natureza dessa prestação como “obra”: (i) resultado exteriorizável numa coisa concreta, corpórea,
suscetível de entrega e aceitação, (ii) resultado específico e concreto (ou seja, pode ser separado
do processo produtivo, do modo de realização e atividade e conteúdo espiritual, se se quiser se
ele próprio assumir a relevância de um significado ou utilidade própria desligada da atividade que
esteve na sua origem mesmo se consistir numa coisa incorpórea), (iii) resultado concebido e
alcançado de acordo com um projeto (as indicações da A&D).
- Aplicação do 1212.º/1, 1ª parte CC: ainda não tinha havido aceitação da obra, portanto risco
corre por conta da empreiteira (fábrica).
- Consequências do não cumprimento, dentro do prazo fixado, pela fábrica a obrigação de entregar
a obra: constituição em mora (805.º/2, a) CC); requisitos do incumprimento definitivo
(interpelação admonitória – 808.º/1 CC), do qual resulta o direito de resolução do contrato e
concomitante pedido de devolução do preço.
2) Dezoito meses após a entrega dos tapetes, a A&D apresenta uma reclamação junto da
fábrica de tapeçarias com o fundamento de que todos eles haviam começado a desfiar
bastante, pretendendo uma devolução parcial do preço, no valor de € 1.000. (4 valores)
- Existência de defeitos ocultos, pelos quais empreiteira é responsável (1208.º e 1219.º CC). Dono
da obra tem o ónus de demonstrar que defeito é imputável à empreiteira, não resultando da sua
má ou descuidada utilização (estado dos tapetes, etc.).
- Requisitos do direito à redução do preço (1222.º/1 CC), subsidiário em face do direito à
eliminação dos defeitos e à construção de nova obra (que cessam em caso de
desproporcionalidade entre as despesas e o proveito deles resultantes, como aparenta ser o caso –
1221.º/2 CC).
- Prazo para denúncia dos defeitos: 30 dias desde o descobrimento (1220.º/1 CC). Prazo de
caducidade de 1 ano desde a denúncia, desde que não superior a 2 anos desde a entrega da obra
(prazo respeitado).
3) A sua resposta à questão 2) seria diferente se o adquirente dos tapetes, em vez da A&D,
fosse Bernardo, que pretendera os tapetes para decorar a sua casa? (3 valores)
- Estaríamos, neste caso, perante uma empreitada de bens de consumo, regulada pelo DL n.º
67/2003, de 8 de abril (1.º-A/2 e 1.º-B, a), b) e c) do referido DL). Tratando-se de bens (tapetes)
entregues no âmbito da empreitada, não se colocam aqui as questões controvertidas quanto à
aplicabilidade do referido DL às empreitadas celebradas com consumidores em que estejam em
causa os chamados bens “extra rem” (nomeadamente, nas empreitadas de reparação) ou às
empreitadas de onde não resulte a entrega ou incorporação de nenhum bem (máxime, empreitadas
de demolição).
- Existência de desconformidade com o contrato, nos termos do 2.º/2, d) do referido DL, pela
qual empreiteira é responsável (3.º/1 do referido DL).
- Presunção de que desconformidade já existia à data da entrega dos tapetes (3.º/2 do referido
DL), a qual inexiste no âmbito da empreitada civil.
- Tomada de posição fundamentada sobre a existência de hierarquia dos meios de reação previstos
no artigo 4.º/1 do referido DL, atendendo às posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes,
nomeadamente à luz do n.º 5 do mesmo artigo e do regime previsto na Diretiva n.º 1999/44/CE,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio.
- Prazo para denúncia: 2 meses desde o descobrimento (5.º-A/2 do referido DL). Prazo de
caducidade de 2 anos (5.º/1 ex vi 5.º-A/1 do referido DL).
Grupo II

Carlos comprou a Daniela uma bicicleta pelo preço de € 1.500. O preço seria pago em
dez prestações mensais de € 150 cada. Ficou ainda acordado que Daniela poderia resolver o
contrato por falta de pagamento de qualquer prestação.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Carlos não pagou a sexta prestação. Daniela pretende resolver o contrato. Pode fazê-lo?
(3 valores)

- Tomada de posição fundamentada sobre (in)validade da cláusula resolutiva a favor de Daniela


perante o não cumprimento de prestação de valor inferior a 1/8 do preço, à luz da imperatividade
ou supletividade do artigo 934.º, 1.ª parte CC e da sua aplicabilidade num contrato sem reserva
de propriedade (em vez da aplicação do artigo 886.º, de teor supletivo).

2) Suponha que Carlos havia adquirido a bicicleta a Daniela sob reserva de propriedade.
Após o pagamento da terceira prestação, Carlos vende a motocicleta a Eduardo,
omitindo a existência da reserva. Carlos nunca mais paga nenhuma prestação a Daniela,
que resolve o contrato entre ambos e exige de Eduardo a entrega da motocicleta.
Eduardo recusa entregá-la, por considerar que a reserva de propriedade não lhe é
oponível. Quid juris? (4 valores)
- Carlos constitui-se em mora relativamente às quarta e seguintes prestações (805.º/2, a) CC).
Decorrido o prazo razoável previsto em interpelação admonitória (808.º/1 CC), Carlos entra em
incumprimento definitivo e Daniela pode resolver o contrato.

- Tomada de posição fundamentada sobre a (in)oponibilidade da cláusula de reserva de


propriedade sobre coisa móvel não sujeita a registo, referindo os argumentos da posição
minoritária de ROMANO MARTINEZ no sentido da proteção do terceiro de boa fé (Eduardo) e
os argumentos da doutrina maioritária no sentido da oponibilidade da reserva, o que permite a
Daniela reivindicar a bicicleta de Eduardo.

- Sendo a cláusula de reserva de propriedade oponível a Eduardo, estamos perante uma venda de
bens alheios (892.º e 904.º CC): requisitos e regime aplicável, nomeadamente referência aos
direitos de Eduardo: direito à convalidação do negócio (897.º CC), indemnização por dolo (898.º),
indemnização por incumprimento da obrigação de convalidar o contrato (900.º).

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 2 valores


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame de Direito dos Contratos I
3.º Ano TAN — 12.04.2021
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

António vendeu a Bernardo por €5000 o seu computador da marca Levelho. O


computador foi entregue e pago em dez prestações iguais de 500€
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Bernardo não pagou a quinta prestação e António pretende resolver o contrato. Pode? E
se Bernardo faltar ao pagamento de duas prestações? (4 valores)
- Qualificação completa e fundada como contrato de compra e venda a prestações;
- Análise do artigo 934.º CC. Em particular, dever-se-ia discutir se a reserva de
propriedade é requisito de aplicação da primeira parte do artigo 934.º CC e analisar
criticamente o preceito no confronto com o artigo 886.º do CC; deveria ainda questionar-
se e tomar posição fundamentada acerca da imperatividade do preceito.
- Em qualquer caso, a prestação não excedia uma oitava parte do preço. O que significa
que não seria possível constitui B em mora quanto à totalidade das prestações nem,
posteriormente, constituí-lo numa situação de incumprimento definitivo (artigo 934.º, 2.ª
parte); a resposta seria diversa, porém, se B faltasse ao pagamento de duas prestações
— ainda que fosse valorizada a discussão relativa à aplicabilidade do artigo 801.º, n.º 2,
que imporia — caso se tivesse, fundadamente, o preceito como aplicável — a apreciação
da gravidade do incumprimento.
2) Imagine que o computador vendido por António a Bernardo pertencia, afinal, a Carlos.
Carlos pretende saber como reagir. E se o computador tiver sido destruído por Bernardo
num acesso de raiva? (4 valores)
- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de bens alheios e aplicação
do respetivo regime (nomeadamente explorando as soluções consagradas nos artigos
892.º, 894.º, 895.º, 897.º, 898.º e 900.º);
- Identificação, problematização e tomada de posição fundamentada a propósito da
questão relativa à admissibilidade de o proprietário ter legitimidade para invocar a
nulidade da venda de bens alheios; identificação dos meios de defesa à sua disposição,
nomeadamente à luz do artigo 1311.º CC;
- Tomada de posição fundamentada sobre a solução consagrada no artigo 894.º CC
(quanto à restituição do preço) e quanto à aplicabilidade do artigo 1269.º aos casos em
que o comprador destrói a coisa com culpa.
3) Imagine que o computador vendido por António a Bernardo tinha sido furtado por um
desconhecido antes da celebração do contrato. António e Bernardo convencionaram
que, caso o ladrão não fosse descoberto, o computador nunca seria entregue? Podiam? (2
valores)
- Resposta à questão de saber se a disposição incluída no contrato de compra e venda
relativa à inexistência de uma obrigação do vendedor entregar a coisa é válida e à
questão de saber se a posição se mantém em razão de um furto anterior da coisa
alienada.

Grupo II
Daniel contratou Filipa para proceder à construção de uma moradia. Para tanto, Filipa
devia construir a moradia num dos terrenos constantes do seu portfólio imobiliário.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Imediatamente após a celebração do contrato, Daniel prometeu vender a moradia a
Helena pelo valor de €5.000.000,00. Helena exigiu que se incluísse expressamente a
possibilidade de lançar mão da ação de execução específica em caso de incumprimento.
Filipa não construiu o imóvel dentro do prazo convencionado, provocando um atraso
substancial na celebração do contrato definitivo. Quid juris? (4 valores)
- Qualificação completa e fundada como contrato de empreitada (artigo 1207.º);
- Problematização à luz do regime da transmissão da propriedade (artigo 1212.º CC) e
identificação da forma como se transmite a propriedade no caso de esta pertencer ao
empreiteiro (caso não resolvido pelo 1212, n.º 2 do CC); na medida em que ainda não se
tinha verificado a transmissão da propriedade para a esfera do dono da obra, deveria
discutir-se a admissibilidade do contrato promessa de compra e venda de bem alheio e
da inclusão, no respetivo contrato, da previsão de execução específica.
2) Suponha que Filipa havia contratado Guilherme para cuidar da instalação elétrica e que,
durante a execução dos trabalhos, Daniel instruíra Guilherme para fazer a instalação de
forma diversa. Guilherme respondeu que nada alteraria até que Filipa lhe desse
instruções nesse sentido. Daniel, que tentara — sem sucesso — contactar Filipa, disse
então a Guilherme que este lhe tinha de obedecer. Terá razão? E, findo o contrato, pode
Guilherme exigir que Daniel lhe pague diretamente o preço devido? (4 valores).
- Identificação completa e fundada de uma subempreitada (1213.º CC) e respetiva
admissibilidade;
- Deveria discutir-se e tomar posição fundamentada quanto à admissibilidade de ação
direta entre empreiteiro e subempreiteiro. O caso convoca uma análise do problema à
luz do regime das alterações exigidas pelo dono da obra ao subempreiteiro e da questão
de saber se o subempreiteiro pode exigir o pagamento do preço ao subempreiteiro.

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 2 valores


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame de Direito dos Contratos I – 3.º Ano TAN (09.04.2021)
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

Ana, amiga de Bruna, outorga a esta uma procuração conferindo-lhe poderes de


representação para vender a sua bicicleta por € 1.500. Bruna encontra-se com Carlos e vende-lhe
a bicicleta por € 1.500, mas fá-lo em nome e por conta própria, ficando com o dinheiro da venda
para si. Dias depois, Carlos telefona a Bruna para a informar de que a corrente da bicicleta fica
presa constantemente entre o quadro e a coroa e que, por isso, pretende que Bruna proceda à sua
reparação. Bruna responde-lhe que a bicicleta estava em perfeitas condições quando foi entregue
a Carlos, motivo pelo qual não teria de fazer nada.

Considere cada uma das seguintes hipóteses:

a) Perante a resposta de Beatriz, Carlos intenta uma ação judicial para obter a
reparação da bicicleta. Além do argumento já invocado, Beatriz acrescenta que a
bicicleta nem sequer lhe pertencia e que, portanto, a venda era nula. Quid juris? (5
valores)
- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de bens alheios e aplicação do
respetivo regime, nomeadamente:
1) verificação dos requisitos (artigos 892.º e 904.º CC); particularmente quanto ao requisito
da falta de legitimidade: embora Bruna dispusesse de procuração outorgando-lhe poderes
de representação para vender a bicicleta de Ana, tal não lhe conferia legitimidade para a
vender em nome próprio (mas apenas legitimidade para atuar no âmbito da esfera jurídica
de Ana, em nome desta, diferentemente do que veio a suceder no negócio com Carlos); em
consequência, o negócio entre Bruna e Carlos padece da nulidade atípica regulada nos
artigos 892.º ss.
2) uma das especificidades da nulidade atípica da venda de bens alheios respeita ao regime
de arguição e oponibilidade: Bruna, vendedora, não pode opor a invalidade ao comprador
de boa fé, Carlos (artigos 892.º, 2.ª parte)
3) referência aos direitos de Carlos (em particular, à indemnização prevista no artigo 898.º) e
às obrigações de Bruna (em particular, à de convalidação, prevista no artigo 897.º).

- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de coisa defeituosa e aplicação do
respetivo regime, nomeadamente:
1) verificação dos requisitos (artigo 913.º):
a. existência de “vício” material do bem vendido, o qual lhe retira as qualidades
necessárias para a realização do fim a que se destina (locomoção);
b. tomada de posição fundamentada sobre a necessidade de haver erro, enquanto falsa
perceção da realidade (quanto à existência do defeito da bicicleta), à data da
celebração do contrato, e de se verificarem os respetivos requisitos (essencialidade
do elemento sobre o qual incidia o erro e respetiva cognoscibilidade, nos termos do
artigo 247.º ex vi artigo 251.º), por remissão do artigo 905.º, ex vi artigo 913.º, para
que se apliquem os mecanismos de reação ao dispor do comprador ao abrigo do
regime da venda de coisas, nomeadamente o direito à reparação e substituição
previstos no art.º 914.º; atender, em particular, ao art.º 918.º e à inexistência de um
“regime geral” do cumprimento defeituoso, o qual deverá ser construído através
das “manifestações” desse tipo de não-cumprimento consagradas, de forma isolada,
ao longo do Código Civil, entre as quais se encontra o regime da venda de coisas
defeituosas;
2) ónus de denunciar o defeito no prazo de 30 dias após o seu descobrimento e dentro de 6
meses após a entrega, salvo dolo do vendedor (artigo 916.º, n.ºs 1 e 2);
3) referência à caducidade da ação nos termos do artigo 917.º;
4) referência aos direitos de Carlos à reparação e, caso tal não fosse possível, à substituição
da bicicleta, dada a sua natureza fungível, ao abrigo do artigo 914.º, 1.ª parte, bem como ao direito
à indemnização prevista no artigo 898.º, ex vi artigo 913.º.

b) Suponha que Beatriz tinha vendido a bicicleta a Carlos € 1.500, a pagar em dez
prestações mensais de € 100 cada, ficando convencionado que o incumprimento de
qualquer prestação conferiria a Beatriz o direito de resolver o contrato. Perante o
atraso no pagamento da quinta prestação, Beatriz pretende resolver o contrato.
Pode fazê-lo? (5 valores)

- Qualificação do negócio como venda a prestações.


- Tomada de posição fundamentada sobre:
(i) a aplicabilidade do artigo 934.º, 1.ª parte (e não do artigo 886.º, de teor supletivo) nos
casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade, considerando que a não aplicabilidade
do artigo 934.º, 1ª parte, nesses casos resultaria numa situação de maior proteção ao
credor/vendedor que não contemple uma cláusula garantística como a de reserva de propriedade,
conferindo-lhe o direito à resolução, negando-o para o credor/vendedor que tenha a seu favor uma
cláusula de reserva de propriedade, i.e., proporcionando um tratamento desigual em desfavor do
credor supostamente “mais protegido” (pela reserva de propriedade), sem qualquer motivo para
tal discriminação. De acordo com a doutrina do Prof. Pedro de Albuquerque, bem como da
generalidade da doutrina, deve assim aplicar-se as restrições ao direito de resolução previstas na
1ª parte do art.º 934.º mesmo nos casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade;
(ii) a imperatividade/supletividade do artigo 934.º, 1.ª parte, tendo em conta a ambiguidade
da expressão “sem embargo de convenção em contrário”, inserida no final da 2ª parte do artigo,
atendendo a que a larga maioria da doutrina e jurisprudência defende a respetiva imperatividade,
por se entender que a norma visa proteger o comprador dos “perigos e seduções” da venda a
prestações e deve, por isso, ser imposta a ambas as partes sem possibilidade de estipulação em
contrário.

c) A sua resposta à questão anterior seria diferente se houvesse cláusula de reserva de


propriedade? E se o negócio estipulasse que a entrega só seria efetuada após o
pagamento integral do preço? (2 valores)
- Havendo cláusula de reserva de propriedade, não se suscitava a questão da eventual aplicação do
artigo 886.º, aplicando-se, sem dúvida, as restrições ao direito de resolução do credor previstas no
artigo 934.º, 1.ª parte, mantendo-se apenas a questão referida na alínea anterior relativamente à
imperatividade/supletividade da norma.
- Não havendo ainda entrega, é controvertido na doutrina e na jurisprudência se as restrições quanto
ao valor da(s) prestação(ões) em falta (mais de 1/8 do preço) se aplicam no que respeita à perda
do benefício do prazo, prevista na 2.ª parte do artigo 934.º, mas é unânime que é necessário ter
havido entrega para que tais restrições se apliquem para que se constitua o direito de resolução do
contrato pelo vendedor, a qual acarreta as consequências “drásticas” inerentes à extinção
(retroativa) do contrato, pelo que se justifica plenamente que tal direito apenas possa surgir se já
tiver havido entrega.

Grupo II

A sociedade “Dominó” contratou Ernesto para efetuar obras de remodelação geral da sua
loja pelo preço de € 15.000. Uma semana depois da conclusão e entrega da obra, a “Dominó”
informou Ernesto da existência de defeitos na instalação elétrica, exigindo-lhe a sua reparação.
Ernesto recusou-se a proceder a tal reparação com dois argumentos: i) a partir da aceitação da obra,
na semana anterior, o contrato de empreitada havia-se “esgotado” e o dono da obra não podia
exigir mais nada ao empreiteiro; ii) a instalação elétrica fora efetuada por Francisco,
subempreiteiro, pelo que Ernesto não poderia ser responsável por eventuais defeitos a ela
inerentes. Quid juris?
(8 valores)

- Contrato de empreitada entre a sociedade “Dominó” e Ernesto (artigo 1207.º), referente a coisa
imóvel, com estabelecimento de preço global.
- Ernesto, empreiteiro, tem a obrigação de executar a obra sem vícios e defeitos, de acordo com o
convencionado e as legis artis do seu ofício (artigo 1208.º).
- O primeiro argumento invocado por Ernesto corresponde a uma afirmação falsa, pois a aceitação
da obra sem reservas pelo dono da obra, bem como a sua não verificação – conducente à respetiva
aceitação ficta (artigo 1218.º, n.º 1) – não exoneram o empreiteiro de responsabilidade por todos
os defeitos da obra, mas apenas pelo defeitos que fossem do conhecimento do dono da obra (artigo
1219.º, n.º 1), presumindo-se tal conhecimento no caso dos defeitos aparentes (artigo 1219.º, n.º
2), mas não no caso dos defeitos ocultos, como, à partida, será o caso dos defeitos na instalação
elétrica.
- O segundo argumento invocado por Ernesto também não é procedente, uma vez que a
subempreitada (artigo 1213.º) – a qual é lícita, mesmo sem autorização do dono da obra, desde que
esta seja de natureza fungível, nos termos do artigo 264.º, n.º 1, mutatis mutandis – não exonera o
empreiteiro da responsabilidade por todos os defeitos ocultos que não sejam conhecidos pelo dono
da obra à data da aceitação, nos termos do artigo 1219.º, tratando-se de um contrato do qual o dono
da obra não é parte; o empreiteiro pode, no entanto, exigir o direito de regresso ao subempreiteiro
pelos danos por que tenha de responder perante o dono da obra, desde que respeitado o prazo de
denúncia previsto no artigo 1226.º, respondendo, nesse caso, o subempreiteiro perante o
empreiteiro nos termos gerais, i.e., do artigo 1219.º ss..
- Assim, tendo efetuado a denúncia dentro dos prazos previstos nos artigos 1225.º, n.ºs 1, 2 e 3
(cinco, a sociedade “Dominó” tem o direito à eliminação dos defeitos (artigo 1221.º) e, não
havendo essa eliminação, à redução do preço (artigo 1222.º), os quais são cumuláveis com o direito
à indemnização (artigo 1223.º). Pareceria excessivo, contudo, o recurso à resolução do contrato,
dado que a instalação elétrica corresponde apenas a uma parte da obra, não se podendo, portanto,
considerar que (toda) a obra será “inadequada ao fim a que se destina” em virtude dos defeitos.

Duração: 90 minutos
Exame de contratos I

Turma da noite

01-02-2021

a) A e B celebram um contrato de compra e venda, tendo este adquirido o automóvel X,


sob reserva de propriedade, pagando 20 prestações mensais de 500 €. B não pagou a
sétima prestação. Pode A exigir antecipadamente as restantes prestações? E se não tivesse
havido entrega? E pode resolver o contrato, mesmo se não tivesse sido acordada a reserva
de propriedade? (4 valores)

- Qualificação do negócio como venda a prestações com reserva de propriedade (artigos


409.º e 934.º CC).

- Havendo entrega, a 2ª parte do art.º 934.º não permite a perda do benefício do prazo por
falta de pagamento de uma prestação correspondente a montante inferior a 1/8 do preço
(no caso, 1/20).

- Se não tivesse sido acordada a cláusula de reserva de propriedade, discute-se se seria


aplicável o art.º 886.º, que permite a resolução do contrato no caso de ainda não ter havido
transmissão da propriedade ou entrega da coisa, em vez da 1ª parte do art.º 934.º, que
parece pressupor, na sua letra, a existência de cláusula de reserva de propriedade. No
entanto, tal solução conferiria uma maior proteção ao credor/vendedor que não
contemplou uma cláusula garantística como a de reserva de propriedade, conferindo-lhe
o direito à resolução, negado para o credor/vendedor que tem a seu favor uma cláusula de
reserva de propriedade, o que se consistiria num tratamento desigual em desfavor do
credor supostamente “mais protegido” (pela reserva de propriedade), sem qualquer
motivo para tal discriminação. De acordo com a doutrina do Prof. Pedro de Albuquerque,
bem como da generalidade da doutrina, deve-se assim aplicar as restrições ao direito de
resolução previstas na 1ª parte do art.º 934.º mesmo nos casos em que não existe cláusula
de reserva de propriedade.

b) B vendeu a C, na pendência do contrato celebrado com A, o automóvel X que adquirira


sob reserva de propriedade. O que pode A fazer? E C, como se pode defender? E se o
automóvel X tivesse ficado totalmente destruído num acidente em que C seguia em
excesso de velocidade? (6 valores)
- Venda de bens alheios (artigos 892.º e 904.º CC).

- Existe oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade a terceiros (C), desde que


haja registo da mesma (409.º/2 CC), dado que o automóvel é um bem móvel sujeito a
registo. Logo, A pode reivindicar a propriedade sobre o bem ou arguir a nulidade do
negócio, nos termos do art.º 892.º CC. Restaria a C, portanto, invocar os direitos
conferidos nos art.ºs 894.º e ss.

- Aplicação fundamentada do art.º 894.º, n.ºs 1 e 2 CC, quanto à destruição do automóvel


por C, que pode exigir a devolução do preço nesses termos.

- Em todo o caso, o risco de perda da coisa nunca deveria correr por conta de A (vendedor
inicial, com reserva de propriedade), após a entrega do automóvel a B. Exposição e
tomada de posição justificada relativamente às teses que sustentam que o risco corra por
conta do adquirente nestes casos.

II

a) Imagine que a correia de distribuição do automóvel X, comprado sob reserva de


propriedade por B se apresentava já desgastada, partindo-se 5 meses depois. O que pode
B fazer, tendo em consideração que este associa agora o resultado ao preço
consideravelmente mais baixo que pagou pelo automóvel X? Imagine que B colocou o
automóvel no mecânico D. B não pagou a A nem a D. D recusa-se a entregar o automóvel
até que seja pago. Quid juris? (6 valores)

- Aplicação do regime da venda de coisas defeituosas: pressupostos (artigos 905.º ex vi


913.º CC) e consequências (direito à reparação ou substituição e direito à indemnização).
Consequências da possível existência de dolo, a nível da denúncia (art.º 916.º/1) e da
indemnização (art.º 908.º ex vi art.º 913.º).

- Contrato de empreitada de reparação entre B e D (art.º 1207.º).

- Tomada de posição fundamentada quanto à existência de um direito de retenção a favor


de D sobre um bem cuja propriedade pertence a terceiro (A).
b) E celebrou com F um contrato nos termos do qual este se obrigou a reparar o imóvel
Z. Preocupado com o andamento da obra E ordena que F execute os trabalhos mais
rapidamente, dando ainda outras instruções técnicas a F. Pode? Imagine que E se
apercebeu da existência de defeitos durante a execução, que comunicou a F no momento
da aceitação. F recusa-se a eliminar os defeitos. Quid juris? (4 valores)

- Contrato de empreitada de reparação entre E e F (art.º 1207.º).

- Tomada de posição sobre a possibilidade de o dono da obra dar ordens ao empreiteiro,


que à partida extravasa o direito à fiscalização e a dar instruções e em face da autonomia
técnica do último (salvo casos limite indicados na doutrina e jurisprudência).

- Tomada de posição justificada quanto à possibilidade de o empreiteiro ser responsável


por defeitos denunciados aquando da verificação da obra, quando o dono da obra tomou
deles conhecimento (efetivo) durante a respetiva execução. A doutrina tradicional (por
exemplo, Prof. Menezes Leitão) entende que o empreiteiro não é responsável por tais
defeitos, salvo se houver concordância expressa da parte do dono da obra com tais
defeitos, nos termos conjugados dos art.ºs 1209.º/2 e 1219.º CC. O Prof. Pedro de
Albuquequer entende, por outro lado, que o art.º 1209.º/2 apenas se reporta às situações
de aparência ou notoriedade dos defeitos, não se devendo exigir tal concordância expressa
nos casos em que o dono da obra tem conhecimento efetivo dos defeitos, pois em tal caso
existe dolo, o qual não deverá ser premiado através da responsabilização do empreiteiro.
Exame de contratos I

Turma da noite

19-01-2021

a) A e B celebram um contrato de compra e venda das ações da sociedade X. Não fixam


logo o preço, incumbindo C de o fazer segundo determinados critérios. C não respeita
esses critérios prejudicando seriamente A. O que pode este fazer? E o que poderia fazer
se o preço devesse ser fixado segundo a equidade? E se o preço tivesse sido deixado ao
arbítrio de C? Neste último caso mudava alguma coisa se tivesse havido dolo de C? (5
valores)

- O preço enquanto elemento essencial do contrato de compra e venda (art.º 874.º CC),
mas que pode estar indeterminado.

- A determinação do preço foi incumbida a terceiro (C), segundo determinados critérios


contratualmente estabelecidos, nos termos do art.º 400.º/1, não se aplicando assim os
critérios supletivos previstos no art.º 883.º/1 CC. Perante a violação por C dos critérios
contratualmente previstos na determinação do preço, deverá aplicar-se o n.º 2 do art.º 400
CC, embora este apenas preveja expressamente as situações em que a determinação do
preço não puder ser feita ou não tiver sido feito no tempo devido (e não a situação do
caso, em que houve determinação, feita incorretamente), uma vez que esta disposição
visa abranger qualquer perturbação ou incorreção no processo de determinação do preço
para a qual as partes não tenham elas próprias previsto uma saída autónoma (e não apenas
nos dois casos expressamente previstos na sua letra), sendo assim desnecessário o recurso
à integração de lacunas por analogia. Assim, pode A requerer a determinação do preço
por tribunal. Possível referência à posição que defende a aplicação do n.º 2 do art.º 400.º
CC no seguimento de impugnação da determinação do preço feita incorretamente, só
então podendo ser efetuada pelo tribunal nos termos dessa disposição.

- Se a determinação do preço devesse ser feita segundo juízos de equidade, aplicar-se-ia


a mesma solução e argumentação do parágrafo anterior, uma vez que, pois a determinação
do preço não fica sujeita ao arbítrio de C, devendo ser resultado efetivamente da aplicação
de um juízo de equidade, sindicável judicialmente, não dispondo C de um poder de
criação jurídica ou constitutivo, mas apenas de um poder de fixação de declaração ou
conformador, que deve respeitar o critério a que se encontra adstrito (equidade).

- Se o preço tivesse sido deixado ao arbítrio de C e o resultado fosse manifestamente


injusto, essa determinação deveria ser respeitada, até pelo caráter tendencialmente intuitu
personae da escolha do terceiro. A determinação do preço não seria sindicável
judicialmente, tal como não se poderia o tribunal substituir a C na determinação, se C não
a tivesse efetuado (solução prevista expressamente para a compra e venda comercial: §
único do art.º 466.º CCom).

- Se C tiver efetuado a determinação com dolo, visando prejudicar A, essa determinação


poderá ser, apesar da tendencial insindicabilidade da determinação de preço deixada ao
arbítrio de uma das partes ou de terceiro, sindicável por tribunal, devendo o contrato ficar
sem efeito, se não houver nova determinação por C ou as partes não acordarem numa
nova forma de determinação.

b) A vende a B um quadro de Malhoa por 500.000 euros. Para o caso de o comprador


entrar em incumprimento definitivo as partes fixam uma cláusula penal de 260.000 euros.
B entra de facto em incumprimento definitivo. A pretende exigir-lhe a manutenção do
contrato e o pagamento do preço assim como o pagamento da cláusula penal. Pode fazê-
lo? (6 valores)

- O contrato de compra e venda contempla uma cláusula penal compensatória (i.e., para
o caso de incumprimento definitivo, não aplicável em caso de mera mora).

- Não se aplica o art.º 935.º CC por não estarmos perante uma venda a prestações. Aplica-
se o regime geral previsto nos art.ºs 810.º a 812.º CC.

- A resolução do caso pressupõe a tomada de posição sobre a natureza da cláusula penal,


enquanto caracterizada por uma “dupla função” (indemnizatória e compulsória) ou por
uma função única – que pode ser meramente indemnizatória (liquidação antecipada de
danos), compulsória (pena acresce ao cumprimento e à indemnização) ou penal stricto
sensu (geradora de uma obrigação com faculdade alternativa, que permite ao credor exigir
a prestação principal ou, em alternativa, a pena prevista). Com efeito, um setor da doutrina
(v.g., PINTO MONTEIRO, MENEZES CORDEIRO, PEDRO DE ALBUQUERQUE,
MENEZES LEITÃO) entende que a proibição de cumulação prevista no art.º 811.º/1 não
se aplica no caso de a cláusula penal ter natureza compulsória ou penal stricto sensu;
estaria assim o credor obrigado a resolver o contrato, se quisesse beneficiar da cláusula
penal, apenas no caso de se tratar de uma cláusula penal indemnizatória (o que também é
defendido por alguma doutrina, como PEDRO DE ALBUQUERQUE, com respeito ao
art.º 935.º CC).

- Tratando-se de uma cláusula penal de valor inferior ao preço, deverá afastar-se a


qualificação como cláusula penal stricto sensu, dado que não faria sentido o credor optar,
em detrimento do cumprimento coercivo da obrigação de pagamento do preço, por uma
pena de montante inferior a esse preço. Para quem entenda que se deve então presumir,
com base no n.º 2 do art.º 811.º CC, a existência de uma cláusula penal indemnizatória,
aplicar-se-á a proibição de cumulação prevista no n.º 1 do art.º 811.º CC. Mesmo se se
tratasse de uma cláusula penal compulsória, poderia haver redução equitativa da cláusula
penal, nos termos do art.º 812.º CC, nomeadamente no caso de os danos sofridos serem
inexistentes ou insignificantes.

II

a) A, empreiteiro, obriga-se para com B a realizar a construção de uma casa num pântano.
No contrato não é fixado prazo para a sua realização. Passados dois anos B impacienta-
se e pretende demandar A por incumprimento do pactuado. A defende-se dizendo: i)
nunca tinha realizado a construção de uma casa num pântano; ii) não há prazo
estabelecido. Quid iuris? (valores 5)

- Estamos perante um contrato de empreitada de (nova) construção de imóvel (art.º 1207.º


CC).

- Quanto ao primeiro argumento invocado por A, importa referir que o empreiteiro deve
realizar as obras as cumprindo as regras da arte e todas as outras necessárias para se poder
afirmar haver um cumprimento conforme com o interesse do dono da obra, por exemplo,
regulamentos urbanísticos e outras normas administrativas (art.º 1208.º CC e também art.º
1215.º CC). No silêncio do contrato, o padrão de diligência a que o empreiteiro está
sujeito corresponde ao fixado nas regras da arte objetivamente consideradas, devendo o
empreiteiro conhecê-las: a obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado. É,
pois, irrelevante que A não as conheça ou não consiga cumpri-las por não dispor, por
exemplo, de meios técnicos ou de pessoal qualificado na sua estrutura empresarial.
Embora o empreiteiro não seja, em regra, obrigado a dominar as técnicas “de ponta”, a
própria natureza da obra a realizar pode suscitar padrões mais exigentes na qualidade
construtiva, como no presente caso em que a obra consiste na construção de um imóvel
em local onde se verificam condições de solo e clima onde a construção é particularmente
difícil. A não pode, assim, invocar tais condições para reclamar um grau de diligência
mediano no cumprimento – muito menos exonerar-se invocando a impossibilidade ou
excessiva onerosidade do cumprimento da sua obrigação.

- Quanto ao segundo argumento invocado por A, é certo que o prazo de cumprimento não
se encontra na total disponibilidade do dono da obra. A obrigação de realizar uma obra é
um exemplo clássico das chamadas obrigações de prazo natural, previstas no n.º 2 do
artigo 777.º CC (e não um caso de obrigação pura, em que o devedor entra em mora com
a interpelação). O n.º 2 do artigo 777.º CC dispõe que, se for necessário fixar um prazo
para o cumprimento, não havendo acordo das partes, deve essa fixação ser deferida ao
tribunal. No entanto, pode defender-se, como faz PEDRO DE ALBUQUERQUE, que o
deferimento ao tribunal da fixação do prazo não se justifica, se o dono da obra fixar um
prazo tecnicamente razoável para a execução da obra. Nesse caso, pode o empreiteiro
discutir em juízo a razoabilidade do prazo fixado pelo dono da obra. Mas se o dono da
obra vier a ganhar a disputa judicial (entendendo o tribunal ser o prazo por ele fixado de
facto sensato e ponderado), os efeitos da mora reportam-se ao momento do não
cumprimento do prazo inicialmente fixado. Evita-se, assim, fomentar a inércia do
empreiteiro durante todo o tempo tomado pelo tribunal para se pronunciar sobre o prazo
razoável. É esta também a solução consensualmente defendida pela doutrina
relativamente aos casos de fixação de um limite temporal para a eliminação dos defeitos
ou realização de obra nova nas hipóteses dos artigos 1221.º e 1225. Assim, deve B fixar
um prazo razoável para o cumprimento da obrigação de realização da obra por A,
entrando A em mora se desrespeitar tal prazo.

b) A, empreiteiro, construiu uma coisa para B, mas com defeito. A procede a uma
intervenção destinada a corrigir os defeitos detetados ou à realização de obra nova, mas
estes mesmo assim subsistem ou aparecem novos defeitos. O que pode o dono da obra
fazer? Poderá recorrer a terceiro para eliminar os defeitos que A não consegue ou não
pretende eliminar? (4 valores)

- A entrega da obra com defeitos pelo empreiteiro ao dono da obra confere a este o direito
à eliminação dos defeitos ou à construção de nova obra, se essa eliminação não for
possível (art.º 1221.º/1 CC) e, no limite, não sendo eliminados os defeitos ou construída
obra nova, à redução do preço ou à resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra
inadequada ao fim a que se destina (art.º 1222.º/1 CC).

- Tradicionalmente, entende-se que o dono da obra apenas poderia socorrer-se de terceiro


para eliminar os defeitos, havendo incumprimento definitivo da obrigação de eliminação
dos defeitos por parte do empreiteiro e a consequente resolução do contrato pelo dono da
obra. Seria, pois, necessário, que o dono da obra procedesse à interpelação admonitória
após o empreiteiro entrar em mora, nos termos do art.º 808.º/1 CC, e esperasse pelo
decurso do prazo nela concedido ao empreiteiro.

- Porém, o dono da obra dispõe ainda, para além dos direitos já referidos, do direito à
indemnização (cumulável com os seus demais direitos, nos termos do art.º 1223.º CC),
pelo que alguma doutrina, como CURA MARIANO, MENEZES LEITÃO e PEDRO DE
ALBUQUERQUE, admitem o recurso a terceiro para a eliminação dos defeitos e
consequente pedido de ressarcimento ao empreiteiro do custo inerente, o que se pode
configurar como uma forma de indemnização.

- A jurisprudência tem também entendido que, nos casos em que a eliminação dos defeitos
se afigure urgente, pode o dono da obra recorrer a terceiro antes de haver incumprimento
definitivo, invocando, por exemplo, a figura do estado de necessidade.

- É ainda defensável que, de acordo com os pressupostos gerais do direito de resolução


contratual por incumprimento, o dono da obra possa resolver o contrato, sem ter de dar
ao empreiteiro a oportunidade de eliminar ele próprio os defeitos conferida pela
interpelação admonitória, nos casos em que tal seja inexigível ao dono da obra (por
exemplo, por perda de confiança, em virtude do caráter ostensivamente negligente ou até
doloso dos defeitos).
Faculdade de Direito da Universidade de lisboa

Exame de coincidências de Direito dos Contratos I

3.º Ano – Turma da Noite – 26.02.2016

Grupo I

Alberto, estudante da FDL, é comproprietário com Bernardo de um manual de Direito das Obrigações,
decidindo vender o mesmo a Carlos, em virtude da sua débil situação económica. Foi fixado o preço de €
10,00, sendo o livro entregue de imediato a Carlos, e o preço pago. As partes estabeleceram ainda que
Alberto poderia readquirir o livro na eventualidade de Carlos o pretender vender nos próximos 10 (dez)
anos, tendo denominado tal acordo como “retrovenda” (terminologia a respeito do qual Alberto não
estava muito seguro).

a) Qual a natureza jurídica do(s) acordo(s) celebrados entre as partes (3 valores)


Contrato de compra e venda de coisa móvel parcialmente alheia – arts. 874.º, 892.º e 902.º
(eventual redução do negócio), a que é acoplado um pacto de preferência (distinção das figuras
da venda a retro e da retrovenda).
b) Que direitos pode Carlos, que desconhecia a situação jurídica da coisa, exercer contra Alberto? E
se Carlos a conhecesse? (3 valores)
Venda de bem alheio encontrando-se o comprador de boa fé: oponibilidade da nulidade do
contrato, restituição integral do preço, exigência da obrigação de convalidação a cargo do
vendedor (com eventual responsabilidade civil pelo incumpriumento desta obrigação), obrigação
de indemnização nos termos gerais – arts. 892.º, 893.º, n.º 1, 897.º, n.º 1, 900.º, 898.º. Exclusão
dos direitos de convalidação do contrato (e respectiva indemnização), bem como de
indemnização, em caso de má-fé do comprador (por aplicação das mesmas normas jurídicas,
devidamente adaptadas).
c) Carlos decidiu encadernar o manual, gastando para o efeito € 20,00. Existe protecção legal para
o seu “investimento”? Em que termos? (2 valores)
Benfeitoria útil – art. 216.º, n.º 3. Garantia do seu pagamento por parte do vendedor ex vi o art.
901.º.

Grupo II

Alberto acordou com Bernardino a construção de uma nova moradia num terreno em Azeitão. Como
sabia que Bernardino tinha um belo terreno em Azeitão, Alberto questionou se a obra poderia ser feita no
seu terreno, ao que o primeiro anuiu. Por tudo, Alberto pagaria 200.000,00 €.

a) A partir de que momento é que Alberto se torna proprietário do prédio? Imaginando que o preço
seria pago em prestações, seria lícito convencionar-se que Alberto só se tornava proprietário
quando pagasse a totalidade do preço? (2 valores)
Qualificação deste contrato como contrato miso (obrigação de realizar a obra e promessa de
venda), sendo o momento relevante para a transmissão da propriedade da obra o ca celebração
do contrato prometido, isto é, a propriedade da obra só se transmite com a transmissão da
propriedade do solo. Até esse momento, a obra pertence ao empreiteiro. A estipulação de uma
cláusula de reserva de propriedade é perfeitamente admissível (409.º).
b) A meio da obra Alberto entendeu que afinal queria também uma piscina. Bernardino achou que
seria uma “obra faraónica” e disse que não o faria porque a não tinha competências para o fazer.
Pode Alberto impor a sua vontade? (2 valores)
Regime das alterações exigidas pelo dono da obra (1216.º) e identificação dos limites
quantitativos e qualitativos a estas alterações. Consequências, nomeadamente no que respeita à
obrigação de pagamento do preço.
c) Depois de concluída a obra e de feita a sua entrega, Bernardino decidiu introduzir alterações na
obra. Decidiu substituir as paredes em pladur que delimitavam as divisões por paredes de tijolo.
António não se sentiu incomodado e decidiu aceitar estas alterações. No entanto, Bernardo exige
agora que António lhe pague, sendo que este nega a sua pretensão. Quid juris? E se, neste caso,
fosse António a exigir as alterações, Bernardino estava obrigado a agir em conformidade? (3
valores)
Identificação, de alterações posteriores à entrega, sendo que a sua colocação fora da relação
contratual deriva de um critério cronológico. Como o dono da obra as aceitou, deve entender-se
existir uma causa para a sua realização, estando este obrigado a compensar o empreiteiro pela
sua realização. Caso fosse o dono da obra a exigi-las, o empreiteiro não estava obrigado a
efectuar as alterações. Seria livre de o fazer, ao abrigo do princípio da autonomia privada
(406.º).
d) Bernardino terminou a obra em Janeiro de 2016. As janelas foram mal colocadas e em função
disso o frio no imóvel é insuportável. No entanto, Alberto tinha acabado de vender a sua casa e
precisava de ocupar de imediato o seu novo lar. Notificou Bernardino dos defeitos, mas não
obteve qualquer resposta. Como naquela altura do ano o frio era insuportável e face à não
pronúncia de Bernardino, Alberto decidiu fazer as reparações por sua conta. Contratou Carlos
que lhe fez as reparações e gastou 50.000,00€. Exige agora o dinheiro a Bernardino. Este diz que
nada deve. Quid juris? (3 valores)
Admissibilidade do recurso a terreiros para efectuar reparações em situações de urgência que
não consinta dilação ou numa situação em que se verifique um incumprimento definitivo da
obrigação de efectuar reparações por parte do empreiteiro. Nestas situações, o custo de recursa
a terceiro será somente apenas mais um dano indemnizável decorrente do cumprimento
defeituoso do empreiteiro. Admissibilidade de posições diversas, desde que devidamente
identificadas e fundamentadas.
e) Imagine agora que Bernardino decidiu alterar a disposição das divisões da casa, sem antes
perguntar a Alberto se o podia fazer. Alberto ficou furioso e quer resolver o contrato. Pode? A
sua resposta seria a mesma se Bernardino fosse dono da Casas&Casinhas, Lda., que realizou a
obra? (2 valores)
Identificação dos limites dos artigos 1221.º e 1222.º na primeira hipótese. E identificação de um
regime de alternativo no que respeita ao exercício de direitos, estando sujeito aos limites do
artigo 4.º/5 do DL 67/2003.
Faculdade de Direito da Universidade de lisboa

Exame de recurso de Direito dos Contratos I

3.º Ano – Turma da Noite – 16.02.2016

Grupo I

Alberto, estudante da FDL de escassas posses, ama profundamente a sua namorada Francisca.
Pretendendo surpreende-la no dia de São Valentim, adquiriu na Telemóvel Ideal, Lda., um
telemóvel em formato de coração, em segunda mão, com garantia de 6 (seis) meses, ficando
acordado entre as partes que, se o mesmo não satisfizesse a sua namorada, o contrato deixaria de
produzir quaisquer efeitos. O preço de € 100,00 seria pago por Alberto em 10 prestações,
levando este o telemóvel consigo, que ofereceu a Francisca como culminar do seu jantar
romântico do último Domingo.

a) Qualifique juridicamente o contrato celebrado entre Alberto e a Telemóvel Ideal, Lda.


(2 valores)
Contrato de compra e venda a contento, na modalidade condicional – cfr. o art. 924.º,
n.º 1, CC, sendo o preço pago a prestações – cfr. o art. 934.º CC, e constituindo, ainda,
uma venda de consumo (de bem em segunda mão) – cfr. o art. 1.º-A, n.º 1, e 1.º-B,
alínea b), do Decreto-Lei n.º 67/2003, alterado.
b) Francisca achou o telemóvel que lhe foi oferecido por Alberto absolutamente
abominável, pretendendo que este o devolva. Todavia, esqueceu-se do telemóvel no
restaurante, tendo este desaparecido. É Alberto obrigado a pagar as restantes prestações
do telemóvel? (3 valores)
Questão do risco, associada à natureza do contrato, e tendo presente a entrega da
coisa ao comprador – aplicação do art. 796.º, n.º 3, 1.ª parte, CC. Alusão eventual a
uma regra de transmissão de risco com a entrega da coisa, deduzida do art. 3.º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 67/2003. O risco (da contraprestação) corre, em qualquer das
alternativas, pelo comprador, sendo então devidas as fracções do preço que se
encontrem por pagar. Distinta (rectius, oposta) seria a solução se fosse aplicável o art.
923.º CC (que, todavia, não encontra aplicação).
c) Se telemóvel deixar de funcionar por alturas do Natal de 2016 pode Francisca exigir a
sua reparação à Telemóvel Ideal, Lda.? E poderá renunciar aos seus direitos no mesmo
âmbito? (3 valores)
Aplicação do art. 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, com consequente nulidade da
estipulação da garantia de 6 meses e vinculação, ainda, do vendedor. Possibilidade de
exercício dos direitos por terceiro, ex vi o disposto no art. 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º
67/2003. Nulidade da renúncia a direitos, atento o disposto no art. 10.º, n.º 1, do
mesmo normativo.
d) Havendo incumprimento definitivo de duas prestações do preço pode a Telemóvel
Ideal, Lda. resolver o contrato? (2 valores)
Atento o disposto no art. 934.º, a verificação do incumprimento de duas prestações
viabilizaria a resolução contratual . Porém, não existe reserva de propriedade na
alienação, razão pela qual será aplicável o disposto no art. 886.º, que veda a resolução
contratual (sem prejuízo do vencimento da totalidade do preço e hipotética acção
judicial de cumprimento).
e) Sendo o telemóvel da titularidade, não da Telemóvel Ideal, Lda., mas antes de Bruno,
sujeito que lhe havia alienado o telemóvel com reserva de propriedade, pode o contrato
celebrado pela primeira com Alberto ser válido? (2 valores)
Enquadramento jurídico da alienação por parte do adquirente com reserva de
propriedade (detentor de uma expectativa jurídico-real de aquisição do bem,
negociável enquanto tal). Questão da legitimidade da venda, sendo certo que a
propriedade não pertence ao vendedor – art. 892.º CC. A concluir-se pela ilegimitidade
(solução não preferível), consideração da sanação do vício ex vi o disposto no art.
895.º CC.

Grupo II

António, proprietário de uma bela herdade com inestimável valor histórico, decidiu fazer
reparações na capela que se encontrava um pouco degradada. Em especial, nos arcos ogivais
estavam em condições bastante degradadas. Nesse sentido, contratou Bento, empreiteiro (e o
maior especialista em arquitectura histórica em Portugal), para efectuar a reparação. Finda a
obra, António nada disse.

i) Afinal Bento não tinha em dia as suas lições de história da arquitectura. Confundiu
o estilo gótico com o estilo românico e em vez de arcos ogivais alterou a estrutura
para arcos de meia circunferência. António só se apercebeu um mês depois, quando
voltou à sua herdade. Quid juris? (3 valores)
Falta de verificação e de aceitação da obra. Art. 1218.º/5 e valor declarativo do
silêncio (importa a aceitação). Funcionamento do art. 1218.º/5 apenas com o
incumprimento definitivo do ónus material de verificar e de comunicar o resultado
dessa verificação. Consideração da obra como defeituosa e consequências.
ii) Como Bento era um especialista em arquitectura histórica disse a António que só
aceitava realizar a obra se ele estivesse afastado da mesma, não podendo fiscalizar o
seu trabalho. Podem fazê-lo? Quais as consequências? (2 valores)
Possibilidade de afastamento do poder de fiscalização da obra. Entendimento
maioritário no sentido de que a fiscalização respeita ao conteúdo essencial do
contrato de empreitada, sem o qual este fica descaracterizado. Apesar de poder ser
regulada a forma como esta fiscalização é feita, a fiscalização é um elemento
tipológico caracterizador do contrato. As partes podem afastá-la, mas nessa
medida teremos um contrato atípico, ao qual se aplicaria o regime da empreitada.
iii) Bento não estava com paciência para fazer os acabamentos e decidiu contratar
Carlos para o fazer. Como Bento não pagou, Carlos exige o pagamento do preço a
António. António diz que nada deve. Quem tem razão? (3 valores)
Explicação dos termos em que é admitida a subempreitada, que é impedida pelo
caracter infungível desta empreitada. Admissibilidade de uma eventual acção
directa do subempreiteiro relativamente ao dono da obra, que é afastada pela
inoponibilidade em relação ao dono da obra da subempreitada. Responsabilidade
do empreiteiro pela realização de qualquer parte da obra pelo subempreiteiro.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Coincidências de Direito dos Contratos I

3.º Ano – Turma da Noite – 21-1-2016

Grupo I

Américo, comerciante do ramo imobiliário, celebrou com Bernardino um contrato de compra e venda de
um bem imóvel relativo a uma fracção autónoma de um prédio sito em Lisboa, declarando o primeiro que
o vendia pelo “preço justo”. Bernardino, feliz pela sua compra e pelo facto poder abrir finalmente o seu
consultório médico, ficou surpreendido pelo facto de encontrar Carlos instalado no prédio. Este justificou-
se dizendo que o tinha arrendado anteriormente e que tinha todo o direito em estar ali.

Bernardino começou por ficar fulo com a situação. Ainda assim, após de dois dedos de conversa e um
café, percebeu que Carlos tinha todo o direito em estar ali. Apesar disso, Bernardino lamentou-se por ter
já adquirido um novo computador topo de gama, que apesar de lhe servir também para uso pessoal, tinha
sido adquirido a pensar no seu consultório. Chegaram então a acordo e Carlos acabou por comprar a
Bernardino o computador (pelo preço de 4.000,00€ fraccionados em 10 prestações mensais no valor de
400,00€) que este tinha adquirido na Loja X, acabando por mitigar os efeitos nefastos desse investimento.
A entrega só aconteceria dali a 3 meses, sendo que Carlos deveria começar a pagar imediatamente.

Passados 3 meses Carlos, satisfeito com a sua nova compra e com o seu novo amigo, decidiu utilizar o
novo computador. Para seu espanto, o monitor tinha problemas de imagem. Ligou a Bernardino e
reportou-lhe a situação. Bernardino foi ter com Carlos para se explicar, mas este não ficou satisfeito e
quer ver a situação resolvida.

Nessa mesma oportunidade, Bernardino ficou impressionado com o automóvel de Carlos, que era igual ao
da nova coqueluche do Benfica e tinha a matrícula 19-04-CD (numa clara alusão histórica à sua paixão de
infância). Bernardino decidiu então fazer uma proposta de compra do automóvel por 250.000,00€. Carlos
aceitou de imediato. No entanto, acabaram por condicionar a produção de efeitos do contrato à
circunstância de a coisa vir a agradar a Bernardino. Para azar deste último, o automóvel foi destruído por
relâmpago numa noite de trovoada mesmo antes de o aceitar.

a) É válida a convenção das partes ao referirem-se ao “preço justo”? E seria possível remeterem a
determinação do preço para Daniel, amigo comum de Américo e Bernardino? (2 valores)
Aplicação do artigo 883.º/2, aplicando os critérios de determinação do preço n.º 1. Aplicação
do artigo 400.º/1 no que respeita à determinação por terceiro.
b) O que pode fazer Bernardino relativamente à fracção autónoma que adquiriu? E contra quem
deve reagir? (3 valores)
Enquadramento da situação como uma venda de bem onerado (905.º) e das respectivas
consequências (907.º, 908.º, 910).
c) Imagine que Carlos não pagou uma das prestações a Bernardino. Atendendo a que ainda não
beneficiou da entrega do bem, pode exigir antecipadamente as restantes prestações? E se faltasse
ao pagamento de duas das prestações? (3 valores)
Discussão relativa à aplicação da 2ª parte do artigo 934.º não havendo entrega da coisa.
Aplicação do artigo 934.º ao caso. O não pagamento de uma das prestações não excede 1/8 do
preço, não podendo o vendedor exigir antecipadamente as prestações ainda não vencidas. A
falta de pagamento de duas prestações independentemente do seu valor possibilita a
exigibilidade antecipada.
d) Carlos quer resolver a situação relativa aos problemas de imagem dos monitores. Como o
aconselhava relativamente aos direitos que pode fazer valer e contra quem os pode efectivar? (2
valores)
Aplicação do DL 67/2003, havendo transmissibilidade dos direitos de Bernardino a Carlos
(4.º/6). Carlos poderá reagir contra o vendedor profissional ou contra o produtor (6.º),
excluindo-se nesta hipótese a redução do preço ou a resolução do contrato.
e) Carlos recusa-se a pagar o automóvel. Pode fazê-lo? (2 valores)
Enquadramento da situação como venda na primeira modalidade de venda a contento (923.º).
Não produzindo a compra e venda os respectivos efeitos típicos antes da aceitação, a atribuição
do risco ao comprador só se verificará com o decurso do prazo estabelecido no artigo 923.º/2
ou com a aceitação expressa ou tácita.

Grupo II

Alberto, conhecido adepto sportinguista, acordou com Berta que esta lhe faria um casaco novo, com dois
bolsos e um forro interior, exclusivamente com pele exterior de Leão. A pele seria adquirida por Berta,
sendo-lhe desde logo dito por Alberto que, atenta a sua mestria na costura, culinária e outras ciências
ocultas, “nem sequer preciso de experimentar o casaco! Tem é que mo entregar a tempo no próximo jogo
da equipa em Alvalade!”.

Considere individualmente as seguintes questões:

a) Tendo já Berta realizado a estrutura do casaco, é proibida por Decreto-Lei a comercialização de


pele de leão. Quid iuris? E se a proibição legal fosse anterior à celebração do contrato? (3
valores).
Enquadramento da situação como sendo um caso de impossibilidade superveniente da
prestação, com as consequências previstas no artigo 1227.º. Caso a proibição fosse anterior,
estaríamos perante uma impossibilidade originária da prestação, com a consequente nulidade
(401.º).
b) Desolado com o resultado obtido pela sua equipa em Portimão, Alberto comunica a Berta – que
tem a estrutura do casaco concluída – que já não possui interesse no mesmo. Quid iuris? (2
valores).
Possibilidade de desistência da obra nos termos do artigo 1229.º, com as consequências aí
previstas.
c) Alguns meses após usar o casaco, Alberto descobre que o mesmo foi feito com pele de lince.
Como pode reagir? O facto de nunca se ter preocupado em experimentar previamente o casaco
impede-o de exercer qualquer faculdade? (3 valores)
Entrega de coisa diferente da que é objecto do contrato de empreitada. Eventual aplicação
analógica das regras da empreitada. Falta de verificação importa a aceitação (1218.º/5). Caso
de irresponsabilidade do empreiteiro (1219.º).

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