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COMISSÃO CIENTÍFICA
DIRETOR
M. Januário da costa Gomes
COMISSÃO DE REDAÇÃO
Pedro infante Mota
catarina Monteiro Pires
Rui tavares lanceiro
Francisco Rodrigues Rocha
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Guilherme Grillo
PROPRIEDADE E SECRETARIADO
Faculdade de direito da universidade de lisboa
alameda da universidade – 1649-014 lisboa – Portugal
ÍNDICE 2020
ESTUDOS DE ABERTURA
Jorge Miranda
45-62 constituição e pandemia – breve nota
Constitution and pandemic – a brief note
ESTUDOS DOUTRINAIS
Catarina Salgado
117-148 o impacto da pandemia na aviação civil – um novo 11/9?
The impact of the pandemic on civil aviation – a new 9/11?
Eduardo Vera-Cruz
187-205 o direito após a pandemia de covid-19: os binómios fundamentais
Law after the COVID-19 pandemic: the fundamental binomials
3
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Isabel Alexandre
261-289 audiências à distância em processo civil e princípio da publicidade das audiências
Remote hearings in civil proceedings and principle of publicity of hearings
Isabel Graes
291-320 breves notas sobre as soluções de política sanitária em Portugal nos séculos Xvi-XiX
Brief notes about the Portuguese sanitary policy in the 16th-19th centuries
Judith Martins-Costa
391-427 impossibilidade de prestar e excessiva onerosidade superveniente na relação entre shopping
center e seus lojistas
Impossibility to perform and excessive burden in shopping center lease agreements
4
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Rui Pinto
717-727 a suspensão dos atos de penhora no quadro das medidas extraordinárias aprovadas pela
lei nº 1-a/2020, de 19 de março, alterada pela lei nº 4-a/2020, de 6 de abril e pela
lei nº 20/2020, de 29 de maio. notas breves
The suspension of attachment acts in the context of the extraordinary measures approved by Law No.
1-A/2020, of March 19, amended by Law No. 4-A/2020, of April 6 and Law No. 20/2020, of May
29. Brief notes
Rute Saraiva
747-792 uma leitura de economia comportamental da crise covidiana
A Behavioural Economics approach to the covidian crisis
Tiago Serrão
793-804 uma epidemia anunciada: a epidemia da litigância em matéria de execução contratual pública
An announced epidemic: the epidemic of public contract enforcement litigation
Vitalino Canas
813-827 o império da exceção: a inevitabilidade do autoritarismo em democracia?
The empire of exception: the inevitability of authoritarianism in democracy?
Christian Baldus
855-866 arguição da tese de doutoramento do Mestre Jorge silva santos sobre “teoria geral do
direito civil, cripto-justificações e performatividade da decisão jurídica. Historiografia
jurídica e ciência do direito como invenção agonística de discursos. Para uma arqueologia
do autor Guilherme Moreira”
6
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Resumo: propomo- nos refletir sobre as Abstract: this paper offers a reflection on the
consequências da Pandemia atual sobre os consequences of the current Pandemic on the
direitos das crianças e os direitos de Género Rights of children and Gender Rights within
no âmbito do direito da Família e apresentar the scope of Family law and to present some
algumas fragilidades do regime de administração weaknesses in the regime of administration
de bens do casal e de responsabilidade por of the couple’s assets and responsibility for debts
dívidas dos cônjuges também no contexto atual. of the spouses also in the current context.
Palavras-chave: responsabilidades parentais; Keywords: parental responsabilities,
convenção sobre os direitos da criança; convention convention on the Rights of
convenção de istambul; estatuto patrimonial the child; istambul convention; patrimonial
dos cônjuges. status of spouses.
Sumário: 1. consequências recorrentes das pandemias sobre os direitos das crianças, sobre
os direitos de Género e os seus reflexos no direito da Família. 1.1. Pandemia em perspetiva
jurídica. 1.2. as implicações da natureza institucional do direito da Família. 1.3. continuação.
as especificidades do direito da Família como direito institucional nos problemas e nas
respostas. 2. temas que se selecionam a partir do estudo já realizado sobre o impacto da
pandemia. 2.1. os problemas em geral. 2.2. a pandemia e os seus reflexos sobre os direitos
dos jovens. 2.2.1. alimentos devidos a filhos maiores: um problema jurídico cuja necessidade
*
estudo concluído em 15 de Junho de 2020. teve como base o estudo sociológico O Impacto Social
da Pandemia. Estudo ICS/ISCTE Covid-19 abril 2020. disponível em iscte-iul.pt/assets/files/
2020/04/10/1586516062657_o_impacto_social_da_Pandemia___Relat_rio_geral_final.pdf
**
Professora associada da Faculdade de direito da universidade de lisboa
1
assim, GRaciela Medina, Derecho de Familia, Género y Coronavirus, webninar de 7 de abril
de 2020 para thomson Reuters. cf. também El impacto de la pandemia en el Derecho de Familia:
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das relações jurídicas, com efeitos imprevisíveis. É, portanto, daqui – ou seja, sob
o prisma do conceito de alteração de circunstâncias – que importa partir, ao
averiguar as consequências jusfamiliares da covid-19.
“(...) esta situação de impossibilidade económica tem vindo a ser tratada há muitos
anos no âmbito do Direito das Obrigações, chamando a atenção para o facto de o risco
da onerosidade excessiva superveniente correr sempre por conta do devedor, a não ser que
verificasse o circunstancialismo previsto na alteração de circunstâncias. Eu gostava de
referir apenas o seguinte: essa solução, que é uma solução razoável enquanto solução geral
porque, de facto, não há forma de evitar que o risco geral da vida se possa reflectir na
esfera jurídica de cada um de nós, embora seja uma solução razoável enquanto solução
geral, não quer dizer que não possa ser melhorada para conjunturas especiais em que os
devedores se encontram numa situação de impossibilidade económica de cumprimento. E
para estas conjunturas parecia-me adequado pensar-se na viabilidade de um mecanismo,
conforme referi, de suspensão temporária dos vínculos contratuais”.
2
cf. O Direito dos Contratos Privados Face à Crise Pandémica, cidP, 2.º videocast novo coronavírus
e gestão da crise contratual, p. 81.
disponível em cidp.pt/archive/docs/f956034234341.pdf
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“A rutura [com o regime] em 1974 foi “uma festa de alegria, de liberdade” na rua, com
as ruas cheias, as pessoas a abraçarem-se, a sentirem-se próximas fisicamente umas das outras”.
e acrescentou:
3
disponível em cmjornal.pt/sociedade/detalhe/sociologa-diz-que-pandemia-de-coronavirus-e-a-
rutura-mais-extraordinaria-desde-o-25-de-abril
“(...) não se baseia numa contraposição entre sector público v. sector privado, mas
na cooperação entre ambos, uma vez que as finalidades essenciais se obterão por meio da
4
adotada pela assembleia Geral das nações unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por
Portugal em 21 de setembro de 1990.
5
convenção do conselho da europa para a Prevenção e o combate à violência contra as Mulheres
e a violência doméstica, adotada em istambul, a 11 de maio de 2011; aprovada pelo Governo
português a 16 de novembro de 2012, ratificada pela assembleia da República a 21 de janeiro de
2013e entrada em vigor em Portugal a 1 de agosto de 2014.
6
cf. Curso de Direito da Família, volume i, Introdução. Direito Matrimonial, 5.ª ed., coimbra,
imprensa da universidade de coimbra, 2016, p. 171.
7
Familia y Cambio Social (De la ‘casa’ a la persona), Madrid, cuadernos civitas, 1999, p. 33.
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atribuição a cada um deles de funções específicas (...). E a base de tudo isto é hoje muito
clara: a proteção dos direitos fundamentais do indivíduo. O Direito da Família é rígido,
porque também o é um sistema que tem como teto a princípios que devem aplicar-se em
cada situação e cuja exclusão requer ser demonstrada sobre a base da diferença. Por isso,
aqui argumenta-se partindo da premissa fundamental de que a personalidade consiste na
titularidade dos direitos fundamentais dos cidadãos”.
“Nesta perspetiva, que é rigorosamente jurídica, a pessoa, cada pessoa, sai reafirmada,
recrescida e aquilo que há nas instituições perpassado pela filosofia hegeliana ou objetivado,
fica diminuído”8.
8
“Prólogo” a encaRna Roca, Familia y Cambio Social. (De la ‘casa’a la persona)..., p. 25.
envolve apenas os direitos individuais dos sujeitos da relação, nem olvidar os aspetos
culturais e nacionais e as questões de política nacional de cada país”9.
“As alterações verificadas no direito da família têm a sua base indiscutível nas
mudanças sociais que tiveram lugar no mesmo período e se nalgum âmbito esta questão
é evidente é precisamente no estudo do direito da família, Por isso, considerei que a
metodologia a utilizar deveria corresponder ao que se denomina de funcionalismo, segundo
o qual a família deve cumprir três funções importantes: a de protecção, a de adaptação
às novas circunstâncias que possam ocorrer e a de ajuda”10.
9
Ensinar Direito da Família, Porto, Publicações universidade católica, 2008, p. 88.
10
cf. Familia y Cambio Social..., pp. 31-32.
11
cf. O Impacto Social da Pandemia. Estudo ICS/ISCTE Covid-19 abril 2020. disponível em iscte-
iul.pt/assets/files/2020/04/10/1586516062657_o_impacto_social_da_Pandemia___Relat_
rio_geral_final.pdf
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I – o primeiro foco deste ensaio olha os jovens – entre eles, os nossos alunos
universitários – que se viram a braços com o teleestudo, com o qual jamais haviam
sido confrontados em Faculdades como a Faculdade de direito de lisboa.
Foram ou podem ser afetados na sua situação jurídica familiar?
o estudo sobre o impacto da pandemia olha-os na privação de direitos, também
de acesso à progressão no ensino, em razão de circunstâncias a que a vida familiar
não é alheia.
a análise elaborada sobre a situação profissional dos que mais dificuldades
apresentam revela que quem não trabalha ou está reformado expressa menor
dificuldade em lidar com a atual situação. e que as maiores dificuldades são sentidas
por quem estava desempregado antes do início da pandemia, por quem estuda ou
por quem sofre de doença ou invalidez13.
os estudantes estão, pois, entre os que acusam a verificação de maiores dificuldades.
“Primeiro a saúde de todos nós. O ingresso da minha filha no ensino superior. A continuidade
do curso do meu filho na Faculdade de Direito” (M, 60, casada, ensino superior)14.
do lado dos filhos, as franjas mais jovens de inquiridos, esse receio é igualmente
expresso. Qualificação escolar, realização de estágios profissionais estão em suspenso.
12
cf. p. 2.
13
cf. p. 32.
14
cf. p. 49.
“Esta situação poderá impor alta instabilidade laboral aos meus pais, ao meu trabalho
e ao desenvolvimento da minha atividade educacional (estudante de doutoramento, H,
30 anos, união de facto, ensino superior)”.
“Como é que vou fazer exames na Universidade?” (M, 21, união de facto, secundário).
“Não conseguir acabar o curso da faculdade” (M, 21, união de facto, ensino superior).
Mas importa dizer que está muito – arriscaria afirmar, está tudo – por aferir
ainda, juridicamente, em relação aos jovens, no novo plano familiar que os confronta.
“2 – Para efeitos do disposto no artigo 1880.º entende-se que se mantém, para depois
da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu
benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação
profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido
ou ainda se, em qualquer caso, o brigado à prestação de alimentos fizer prova da
irrazoabilidade da sua exigência”.
15
cf. p. 50.
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16
cf. J. P. ReMÉdio MaRQues, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» o
Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), coimbra, coimbra
editora, 2000, pp. 300 e ss.
III – o titular do direito aos alimentos educacionais é, sem dúvida, sempre, o filho,
tal como sucede antes da maioridade. Mas, na prática, evidencia-se desde há muito a
necessidade de conferir legitimidade ao progenitor com o filho maior coabita para
prosseguir a ação destinada à fixação de pensão que tenha sido iniciada ainda durante a
menoridade. e também a legitimidade para, atingida a maioridade do filho, intentar a
ação ou recorrer a outros procedimentos necessários à efetivação do direito a alimentos.
Pois, tratando-se de uma situação judicial que confronta o outro progenitor,
nem sempre os filhos manifestam disponibilidade pessoal, reúnem condições
psicológicas para assumir este embate, sem dúvida muito complexo.
17
cf. Gonçalo oliveiRa MaGalHães, A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos
filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional, Julgar online. disponível em
julgar.pt/wp-content/uploads/2018/03/20180329-aRtiGo-JulGaR-direito-a-alimentos-dos-filhos-
maiores-que-ainda-n%c3%a3o-conclu%c3%adram-forma%c3%a7%c3%a3o-profissional-
Gon%c3%a7alo-oliveira-Magalh%c3%a3es.pdf
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a questão é aqui aflorada, porque a ação para fazer valer o direito a prestação de
alimentos a filhos maiores se revela sempre muito complexa, reiteramos, e deveras
melindrosa no plano familiar. convoca tantas vezes, e em contraponto, a necessidade
financeira e as sequelas emocionais, também do progenitor que convive com o filho
maior e que tem de voltar a relacionar-se para este este efeito com o outro progenitor,
no interesse do filho; e a relutância, já referida, do filho maior em envolver-se
num litígio com o progenitor obrigado aos alimentos que não cumpre.
“A sentença que fixou alimentos devidos a menores vale como título executivo após
a sua maioridade, considerando que aquela prestação alimentar se mantém nos casos
18
cf. Rita lobo XavieR, Falta de autonomia de vida e dependência económica dos jovens: uma
carga para as mães separadas ou divorciadas?, lex Familiae, ano 6.º, n.º 12, Jul./dez. 2009, pp.
15-21.
previstos no artigo 1880.º do Código Civil, sem que tal assuma a natureza de uma nova
obrigação”19.
19
disponível em www.dgsi.pt
20
cf. ecija.com/sala-de-prensa/webinar-derecho-de-familia-y-el-covid-19/
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Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e ad-
ministrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo
adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional”.
com efeito, só a audição das crianças permite entender os riscos que correm junto
de progenitores agressivos ou das suas famílias, situação que o fechamento social em que
as pessoas se encontram potencia, em parte, por potenciar sentimentos de impunidade.
“A criança tem direito a ser ouvida e a sua opinião deve ser tida em consideração
nos processos que lhe digam respeito e a afectem. Este é um direito que (...) deve ser tido
em conta na interpretação de todos os outros direitos.”.
acrescentando:
“(...) se antes da entrada em vigor da Lei nº. 141/2015 (que aprovou o atual RGPTC)
se exigia que o tribunal ouvisse as crianças com mais de 12 anos e, quanto àquelas que tivessem
idade inferior, ponderasse a sua maturidade e justificasse a decisão de não as ouvir – salvo se a
criança tivesse uma idade em que é notória essa falta de maturidade, naturalmente –, após a
sua entrada em vigor essa ponderação não pode deixar de se revelar na decisão – continuando
a ser dispensada quando for notório que a baixa idade da criança não a permite ou aconselha”.
e ainda:
“(...) a audição da criança num processo que lhe diz respeito não pode ser encarada apenas
como um meio de prova, com o qual se pretende fazer prova de um facto relevante no processo.
É muito mais vasta a finalidade da audição. Trata-se antes de mais de um direito da criança
a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta.
(...). E daí que não seja “(...) “adequado aplicar o regime das nulidades processuais à falta de
audição. Entende-se antes que essa falta afecta a validade das decisões finais dos correspondentes
processos ( por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva...).”
“I – O fim legal supremo que deve presidir à regulação do exercício das responsabilidades
parentais é o superior interesse da criança.
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como evoluirá a situação face a menor acesso das crianças aos infantários,
escolas, atl, bem como às vicissitudes de famílias a cuja falta de estruturação
acrescem dificuldades súbitas de ordem social, de ordem laboral?
Qual a resposta dos decisores do direito?
aplicação de mecanismos (indesejados) de tolerância?
implementação das decisões de inibição do exercício das responsabilidades
parentais e aumento do recurso à institucionalização?
“(...) agora que todos os pais são professores e toda a casa se transforma numa escola” 21.
21
cf. organização das nações unidas, Igualdad de género en tiempos del COVID-19. disponível
em un.org/es/coronavirus/articles/igualdad-genero-covid-19
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III – entre os atuais temas mais abordados está a violência doméstica exercida
sobre o cônjuge ou o unido de facto: o perigo acrescido de colocar sob o mesmo
teto vítima e agressor, num ambiente fechado e mais permeável tanto à violência
psicológica como à violência física. bem se compreende que assim aconteça no
primeiro quartel do século XXi e estando em vigor a convenção de istambul e os
reflexos normativos que já teve no ordenamento jurídico português.
citam-se, pela indeclinável importância que revestem, excertos da convenção
de istambul:
“Preâmbulo:
Os Estados membros
(...) Reconhecendo que a natureza estrutural da violência contra as mulheres é baseada
no género, e que a violência contra as mulheres é um dos mecanismos sociais cruciais
através dos quais as mulheres são mantidas numa posição de subordinação em relação aos
homens;
(...)
Reconhecendo que as mulheres e as raparigas estão expostas a um maior risco de
violência baseada no género que os homens; Reconhecendo que a violência doméstica afecta
desproporcionalmente as mulheres e que os homens podem também ser vítimas de violência
doméstica; Reconhecendo que as crianças são vítimas da violência doméstica, inclusivamente
como testemunhas de violência no seio da família; Aspirando a criar uma Europa livre
de violência contra as mulheres e de violência doméstica (...)”.
(...)
Acordaram o seguinte:
Capítulo I – Objetivos, definições, igualdade e não-discriminação, obrigações gerais
“Artigo 3º – Definições Para os efeitos da presente Convenção: a “violência contra
as mulheres” é entendida como uma violação dos direitos humanos e como uma forma de
discriminação contra as mulheres e significa todos os actos de violência baseada no género que
resultem, ou sejam passíveis de resultar, em danos ou sofrimento de natureza física, sexual,
psicológica ou económica para as mulheres, incluindo a ameaça do cometimento de tais
actos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, quer na vida pública quer na vida
privada; b “violência doméstica” designa todos os actos de violência física, sexual, psicológica
ou económica que ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os actuais ou ex-cônjuges
ou parceiros, quer o infrator partilhe ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que
a vítima; c “género” designa os papéis, os comportamentos, as atividades e as atribuições
socialmente construídos que uma sociedade considera apropriados para as mulheres e os
homens; d “violência contra as mulheres baseada no género” designa toda a violência dirigida
contra uma mulher por ela ser mulher ou que afete desproporcionalmente as mulheres; e
“vítima” designa toda a pessoa física que esteja submetida aos comportamentos especificados
nos pontos a) e b); f “mulheres” inclui as raparigas com menos de 18 anos de idade”.
“...a família é, certamente, uma ficção, um artefacto social, uma ilusão no sentido
mais vulgar do termo”. Significa, sim, ter em conta que a intervenção jurídica do Direito
da Família sobre as relações pessoais, reconhecendo formas familiares, implementando os
direitos atribuídos a outras e sublinhando a ilicitude de comportamentos que, na esfera
privada, atentam contra a dignidade e a liberdade das pessoas, tem uma evidente repercussão
no imaginário coletivo sobre o bem e o mal, o certo e o errado na vida familiar” 22.
Mas significa reconhecer que os direitos das pessoas na família devem ser
muito sublinhados, porque tal reforça a obrigação de compromisso que se impõe.
a tutela da sua dimensão afetiva não deverá nunca ser descurada.
não é de considerar que juscientificamente a violência doméstica está no seu
seio. não está: as patologias que determinam situam-se na esfera criminal.
Mas os seus reflexos fazem-se sentir no direito da Família: quer no acesso ao
divórcio por evidente rutura da vida conjugal, quer pela imediata inibição do
exercício das responsabilidades parentais que origina.
22
cf. PieRRe bouRdieu, Espíritu de familia, Antropología Social y Política. Hegemonía y poder:
el mundo en movimento, coord. de M.R. neufeld, M. Grinberg, s. tiscornia, e s. Wallace, buenos
aires, eudeba, 1998, p. 64
23
Publicada por Michael o’Mara books limited em londres, nos finais de 2018.
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“Em muitos países não havia homens jovens para prosseguirem os negócios familiares,
para dirigir a agricultura, para exercer profissões e ofícios, casar e criar os filhos, substituindo-se
àqueles que haviam morrido. E a falta de trabalhadores causada pela gripe permitiu às
mulheres acederem ao mercado de trabalho”.
II – está ainda obnubilada, nos dados disponíveis acerca dos efeitos da atual
pandemia, a desigualdade que a situação pode ter gerado entre mulheres mais
diferenciadas não só cientificamente, mas também económica e socialmente, e as
outras. as pandemias são, é sabido, profundamente discriminatórias também em
razão do estatuto social que se detém.
Há, mercê da democratização da sociedade e em particular do ensino, cada
vez mais mulheres na ciência24 que emergem de famílias menos diferenciadas.
24
no entanto, as mulheres representam ainda, de acordo com os dados disponíveis, apenas 30%
dos cientistas a nível mundial. cf. Women in Science, disponível em uis.unesco.org/sites/default/
files/documents/fs55-women-in-science-2019-en.pdf
III – e quanto às mulheres que têm vida familiar, casadas, em união de facto,
ou que têm famílias monoparentais com filhos a seu cargo?
de uma forma mais geral, que dizer dos casos em que todas as mulheres, mesmo
as mais diferenciadas, em teletrabalho, dispõem de menos tempo para cuidar dos
filhos, numa tentativa altamente complexa de conciliação familiar e profissional?
o estudo supra citado revela:
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o impacto da Pandemia por covid-19: direito da Família, direitos das crianças e direitos de Género
“O mais difícil é ter de trabalhar e ter de dar apoio aos miúdos nas tarefas que os
professores enviam e também dar-lhes aulas em casa com os materiais que podemos” (M,
40, casada, a viver com marido e 3 filhos, em teletrabalho).
“(o mais difícil é) A família em casa. Uma jovem a estudar, uma idosa com patologias
várias, muito ansiosa com tudo o que se passa, o marido com doença crónica e que continua a
trabalhar e faz as compras, eu também com várias patologias, professora em exercício. No conjunto
tudo muito difícil de articular (...) Faço tarefas domésticas, trato da mãe dependente, dou aulas
usando plataformas digitais, corrijo as tarefas propostas aos alunos, dou feedback aos directores
de turma, elaboro docs vários, faço as refeições (M, 61, casada, a viver com marido, mãe e filha)”25.
“1. A alienação parental, não tendo sido cientificamente reconhecida como uma síndrome,
consubstancia uma prática social, de afastamento emocional do filho face a um dos progenitores,
25
cf. pp. 43-44.
26
disponível em www.dgsi.pt.
27
cf. nota 1.
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“...a análise económica do Direito não pode constituir ‘Ciência do Direito’, uma vez que
não tem em conta a justiça como princípio regulativo do Direito (...) mas apenas a eficiência»28.
4.2. Responsabilidade dos cônjuges pelas dívidas para ocorrer aos encargos normais
da vida familiar e em proveito comum do casal: a perceção dos conceitos legais
abertos que originam iniquidade por isso
28
Ensinar Direito da Família..., p. 90.
29
cf. sobre a questão cf. GuilHeRMe de oliveiRa, Notas sobre a Lei n.º 23/2010, de 30 de
Agosto (alteração à Lei das Uniões de Facto), Revista Portuguesa de direito da Família, ano 7, n.º 14,
coimbra, coimbra editora, Julho/dezembro de 2010, p. 139.
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o impacto da Pandemia por covid-19: direito da Família, direitos das crianças e direitos de Género
dificuldades com as restrições do que todos os restantes escalões etários (à exceção das pessoas
com 35 a 44 anos)” 30.
com efeito, o estudo mostra-as mais motivadas com o cuidado do que com
as carreiras:
vivemos num país em que o salário é por regra bem comum (é-o no regime
legal supletivo vigente, de comunhão de adquiridos, nos termos do artigo 1724.º,
alínea a), do código civil) e responde pelas dívidas próprias e comuns, por esse
facto. com efeito, o salário do cônjuge contraiu dívida da sua responsabilidade
responde ao mesmo tempo que os seus bens próprios, nos termos do artigo 1696.º,
n.º 2, alínea b), do código civil.
independentemente de saber algo que tanto importa, concretamente, a quem
mais afetou a perda de rendimentos, a preocupação com o cuidado, o apego aos encargos
da vida familiar e as responsabilidades patrimoniais resultantes avultam naqueles pontos
em que o seu regime mais se mostra desadaptado, pouco equitativo.
II – vale, logo por isso, muito a pena retomar o ponto que se pretende abordar
sobre o regime jurídico da administração dos bens do casal.
o referente da casa como local de trabalho, ainda que subsidiário, parece ter
vindo para se prolongar. e mesmo que tenda para a simetria entre os sexos no
desempenho em teletrabalho, as perceções do que é mais importante consumir,
ou daquilo em que é mais importante investir, que já divergiam de forma acentuada,
divergirão, talvez, ainda mais.
a administração dos bens na conjugalidade não tem como ficar indiferente
a este circunstancialismo.
como respondem as normas do direito da Família ao problema?
nos termos do artigo 1691.º, n.º 1, alínea b), do código civil, responsabilizam
ambos os cônjuges as dívidas contraídas para ocorrer aos encargos normais da vida
familiar (contraídas antes ou depois da celebração do casamento).
Por outro lado, retira-se da alínea c) do mesmo n.º 1 do artigo 1691.º do
código civil que responsabilizam também ambos os cônjuges «as dívidas contraídas
30
cf. p. 34.
31
cf. p. 47.
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dos filhos – o que estabelece um nexo de sintonia entre o regime destas dívidas e o
regime das dívidas para ocorrer aos encargos da vida familiar – o certo é que a
densificação do conceito de proveito comum, que não se presume, se revela complexo.
“... decerto que não basta, para que uma dívida se considere aplicada em proveito
comum dos cônjuges, a intenção subjetiva do agente: exige-se uma intenção objetiva de
proveito comum, ou seja, é necessário que a dívida se possa considerar aplicada em proveito
comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à luz das regras da experiência e das
probabilidades normais. Assim, por exemplo, uma dívida que um dos cônjuges contraia
para fazer em Coimbra uma plantação de bananeiras nunca poderá considerar-se aplicada
em proveito comum, ainda que ele a tenha contraído nesse intuito” 33.
33
Curso de Direito da Família..., p. 484.
34
cf. p. 49.
484
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“Há assim proveito comum do casal, sempre que a dívida é contraída, tendo em vista
um interesse de ambos os cônjuges ou da sociedade familiar em geral (...).
Do que fundamentalmente se trata, portanto, é de saber se o cônjuge administrador, ao
contrair a dívida, agiu em vista de um fim comum (ainda que precipitada ou desastrosamente)
ou procurou, pelo contrário, realizar um interesse exclusivamente seu, satisfazendo uma
necessidade apenas sua.
No primeiro caso, a dívida responsabiliza ambos, seja qual for o regime de bens
vigente; no segundo é da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraia (art.1692.º,
al. a)”.
35
cf. Código Civil Anotado, vol. iv, 2.ª edição Revista e actualizada, coimbra, Wolters Kluwer e
coimbra editora, 2010, p. 331.
de ensino, facto que, na perspetiva do progenitor que contraiu a dívida, são fun-
damentais. numa palavra: a dívida foi contraída para ocorrer a encargos normais
da vida familiar.
Mas não resulta inequivocamente da lei que uma dívida desta natureza se
subsuma ao horizonte normativo dos encargos normais da vida familiar. o conceito
sugere, à primeira vista, despesas diretas do agregado familiar; a dívida contraída
tem uma distância algo apreciável relativamente a estas despesas.
e, riposta o outro cônjuge, descontente, que se tratou de uma dívida sem a
finalidade invocada.
o dissenso dos cônjuges gera atrito, é fonte de efeitos deseducativos sobre as
crianças.
I –a qualificação das dívidas e a definição dos bens que por elas respondem
terão reflexos, uma vez dissolvida a sociedade conjugal, ao nível da compensação
vertida no artigo 1676.º, n.º 2, do código civil.
basta pensar numa dívida contraída pelo cônjuge que angaria os bens de maior
relevo para a subsistência da família, tendo em conta o seu horizonte de rendimentos,
que pode ser também um horizonte de ganhos e perdas a pensar no médio ou longo
prazo. e importa pensar, a este propósito, naqueles casos em que a vida comum se dissolve
abruptamente por divórcio, algo não antevisível por ambos os membros do casal.
como haverá, em situação de divórcio e sua potencial conflitualidade, acordo
sobre o que tenha sido ocorrer aos encargos normais da vida familiar, ou sobre o
proveito comum do casal, previsto no art.º 1691.º, n.º 1, alínea c), do código
civil, olhando a este entendimento tradicional?
e sendo assim, como aferir com rigor o critério da compensação ao cônjuge
que sobretudo se devotou à vida familiar em detrimento da sua progressão profissional,
no contexto de uma ordem jurídica que não esclarece rigorosamente a delimitação
das dívidas que se contraíram, durante o casamento, no interesse da família e, con-
sequentemente, coloca sobre os tribunais a dificuldade de determinar o cômputo
dos ganhos e perdas de cada cônjuge?
É sabido que o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges pode, nos
termos do artigo 1781.º, alínea d), do código civil, obter-se, em ação intentada
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por um cônjuge contra o outro, sempre que, entre outras razões, se comprove que
se verificam “factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a
rutura definitiva do casamento”: é um divórcio ágil, cujas consequências patrimoniais,
sempre evidentes, se adensam.
“(...) não devem considerar-se abrangidos na sanção prescrita (...) os donativos usuais
que o cônjuge inocente ou terceiro hajam feito ao cônjuge culpado”. Os termos da lei,
pouco claros a este respeito, geram uma enorme incerteza sobre aquilo que será objeto de
caducidade uma vez dissolvido o casamento por divórcio” 36.
36
cf. Código Civil Anotado..., p. 564.
III – tal como determina o divórcio uma partilha dos bens em regime, por
regra, menos vantajoso do que aquele que vigorou na constância do casamento.
assim, nos termos do artigo 1790.º do código civil, “em caso de divórcio nenhum
dos cônjuges pode receber mais na partilha do que receberia se o casamento tivesse
sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”.
este regime contribui para desequilibrar a perceção do horizonte de perdas e
danos no enquadramento da vida familiar, sem uma abertura expedita, com será
o ainda assim muito estreito, e a percorrer, caminho do enriquecimento sem causa
do artigo 473.º do código civil em matérias de direito da Família.
“Daqui decorre, pois, que é à aqui autora que, relativamente à ré, pretensamente
devedora, incumbe alegar e provar a existência do proveito comum do casal ou de qualquer
outro dos requisitos de comunicabilidade da dívida previstos no referido art.º 1691.º –
neste sentido, podem ver-se, os Acórdãos do STJ, de 07/12/2005 e de 22/10/2009, acima
já citados e, mais recentemente, no seu Acórdão de 10 de Dezembro de 2015, Processo
n.º 2943/13.2.TBLRA.C1.S1, disponível no respectivo sítio do itij e, onde se refere que
“cabe ao credor o ónus da prova dos factos de que possa resultar a qualificação do proveito
comum 37.
37
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4.6. O muito amplo acervo de bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade
de um dos cônjuges e os seus efeitos no adensamento das dificuldades equacionadas
“Embora os bens referidos possam ser comuns por força do regime matrimonial em
vigor, e os bens comuns não respondam senão subsidiariamente por dívidas próprias, a lei
sacrificou neste caso o património comum do casal em favor das expectativas do credor
que confiara na solvabilidade do devedor tendo em conta os bens que ele levara para o
casamento, os que adquirira mais tarde por herança ou doação ou os proventos, porventura
muito elevados, que auferia do seu trabalho ou de 2 direitos de autor” 38.
“... pois é perfeitamente justo que os credores não fiquem prejudicados com o facto de,
pelo casamento, se comunicarem os bens levados pelos cônjuges para o casal, mantendo-se
incomunicáveis as dívidas”.
38
cf. Curso de Direito da Família..., pp. 500-501.
39
cf. Capacidade patrimonial dos cônjuges. Anteprojecto de um título do futuro Código Civil
(articulado e exposição dos motivos), boletim do Ministério da Justiça, n.º 69.º, 1957, pp. 353-429,
p. 408.
cônjuge não devedor face a uma eventual responsabilidade pela devolução do preço recebido
poderá a vir a ser salvaguardada nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1697º do
Código Civil”40.
40
citando PedRo RoMano MaRtineZ e PedRo FuZeta da Ponte, Garantias de
Cumprimento, coimbra, almedina, 2006,5.ª ed., p. 35
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próprios, os bens levados pelo cônjuge responsável pela dívida para o casal ou
posteriormente adquiridos a título gratuito, bem como os respetivos rendimentos
(n.º 2, alínea a)), e ainda o salário (n.º 2, alínea b)), que será, na maioria dos casos,
um bem comum, é deveras onerosa.
“O n.º 2 do art. 1696.º dispõe que esses bens respondem ao mesmo tempo que os bens
próprios do cônjuge devedor. Significa, portanto, que o credor poderá no requerimento
executivo requerer a penhora dos bens próprios do devedor e desses bens comuns. Mas se os
bens próprios forem suficientes não faz sentido sujeitar os bens comuns à penhora. Por isso,
apesar de não se tratar da subsidariedade prevista no n.º 1 do art. 1696.º para a meação
do cônjuge devedor nos bens comuns, esta responsabilidade dos bens comuns previstos no
n.º 2 do mesmo artigo não deixa de ser subsidiária, entrando num segundo nível. O facto
de se referir que estes últimos não estão sujeitos à subsidariedade do n.º 1 do art. 1696.º
apenas significa que pode requerer-se imediatamente a sua penhora juntamente com os
bens próprios, mas não necessariamente que respondem como os próprios” 41.
41
Do Regime Da Responsabilidade (Pessoal e Patrimonial) Por Dívidas Dos Cônjuges (Problemas, Críticas
e Sugestões), 2007, p. 257.
disponível em repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/8132/1/tese_doutoramento_
cristina_dias.pdf
“É uma abertura excessiva, que pode representar um golpe grave na estabilidade económica
da sociedade conjugal. Mas há uma visível simetria, embora sem grandes razões de fundo que
a apoiem, entre as novas alíneas com que a Reforma de 77 preencheu o espaço do n.º 2 e
os casos em que o artigo 1678.º, n.º 2, confia a administração dos bens ao cônjuge por cuja
mão esses bens ingressam no património do casal (artigo 1678.º, n.º 2, als. a), b) e c))”42.
42
cf. Código Civil Anotado..., vol. iv, p. 350.
admite-se que os autores verberem contra o deferimento da administração à mulher titular dos
bens em questão: antes da Reforma de 77, era o chefe de família o administrador dos bens comuns.
o problema parece residir muito mais na falta de um novo e adequado ao tempo contemporâneo
sistema de definição dos bens que respondem pelas dívidas que são da exclusiva responsabilidade
de um dos cônjuges e também, de uma clarificação de conceitos fundamentais que determinam a
responsabilidade comum dos cônjuges por dívidas contraídas, como são os conceitos de proveito
comum do casal e encargos normais da vida familiar.
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