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Impossibilidade
da Prestação e
a Alteração das
Circunstâncias
em Contexto da
Pandemia de
Covid‑19
DIRECÇÃO‑REGIONAL
NORTE DA ASJP
Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
Entre a
Impossibilidade
da Prestação e
a Alteração das
Circunstâncias
em Contexto da
Pandemia de
Covid‑19
DIRECÇÃO‑REGIONAL
NORTE DA ASJP
Título
Entre a Impossibilidade da Prestação e a
Alteração das Circunstâncias em Contexto da
Pandemia de Covid‑19
Design
Fábrica Mutante
Edição
Ciclo de webinars da DRNorte
ISBN 978-989-755-550-3
1.ª edição: Outubro de 2020
← →
Índice
Introdução II.
5 Covid‑19 e Alteração Superveniente
das Circunstâncias
I. 22
Perturbações na Prestação Mariana Fontes da Costa
Contratual em Tempos Virulentos Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da
– Enquadramento Geral Universidade do Porto; Investigadora do CIJE –
Centro de Investigação Jurídico‑Económica
6
Catarina Monteiro Pires III.
Advogada; Professora Auxiliar da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa Covid‑19 e Alteração Superveniente
das Circunstâncias: Critérios
Orientadores de Decisão em
Situações Tipicamente Previsíveis
39
Lina Castro Baptista
Juíza Desembargadora no Tribunal da Relação
do Porto
Introdução
Saudações associativas,
A DRN da ASJP
Índice
← 5 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
← →
I
Perturbações na
Prestação Contratual
em Tempos Virulentos –
Enquadramento geral
Índice
← 6 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
← →
I
Perturbações na
Prestação Contratual
em Tempos Virulentos –
Enquadramento geral
Catarina Monteiro Pires
Advogada; Professora Auxiliar da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa
1. Esquema de base
1 O presente texto surge na sequência de uma conferência, conservando-se, por isso, um estilo simples.
Retomo várias ideias e passagens de textos de anteriores, uns publicados, outros disponibilizados na internet,
dos quais consta ampla bibliografia. Indico os seguintes: Catarina Monteiro Pires, Impossibilidade da prestação,
2017, em particular p. 236 ss, Contratos I – Perturbações na execução, Almedina, 2019, p. 78 ss, Novocoronavírus
e Crise Contratual, AAFDL, 2020, Anotação aos artigos 790.º e ss, disponível em https://aafdl.cld.bz/Novo-
Corona-virus-e-Crise-Contratual/78/, Cláusulas de preço fixo, de ajustamento de preço e de alteração material
adversa e cláusulas de força maior, ROA 2020, disponível em https://portal.oa.pt/media/131416/catarina-
monteiro-pires.pdf e Limites dos esforços e dispêndios exigíveis ao devedor para cumprir, ROA 2016, disponível
em https://portal.oa.pt/media/130278/catarina-monteiro-pires_revista-da-ordem-dos-advogados-2016-8.pdf,
Quatro proposições em torno da vinculação debitória, revisitando o Código Civil de 1966”, Revista de Direito
Civil, n.º 4, 2018 e Efeitos da alteração das circunstâncias, em O Direito, 2013 I-II, p. 181 ss.
Índice
← 7 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 1. Esquema de base
Contratual em Tempos Virulentos
Enquadramento Geral
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Índice
← 8 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 1. Esquema de base
Contratual em Tempos Virulentos
Enquadramento Geral
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Índice
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das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 1. Esquema de base
Contratual em Tempos Virulentos
Enquadramento Geral
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2 Sobre estas cláusulas, pode ver-se o nosso artigo disponível on-line na ROA: Cláusulas de preço fixo,
de ajustamento de preço e de alteração material adversa e cláusulas de força maior, https://portal.oa.pt/
media/131416/catarina-monteiro-pires.pdf.
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← 10 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 1. Esquema de base
Contratual em Tempos Virulentos
Enquadramento Geral
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Índice
← 11 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 2. Os potenciais regimes, sua interpretação
Contratual em Tempos Virulentos e delimitação
Enquadramento Geral
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Índice
← 12 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 2. Os potenciais regimes, sua interpretação
Contratual em Tempos Virulentos e delimitação
Enquadramento Geral
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6 Catarina Monteiro Pires, Impossibilidade da Prestação, p. 131 ss e anotação ao artigo 790.º, Novo Coronavírus
e crise contratual. Anotação ao Código Civil, 2020, pp. 86-87.
7 Retomamos a ideia que sustentámos em Catarina Monteiro Pires, Contratos I, Perturbações na Execução,
pp. 44-45 e anteriormente em Catarina Monteiro Pires, Impossibilidade da Prestação, 733 ss.
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← 13 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 2. Os potenciais regimes, sua interpretação
Contratual em Tempos Virulentos e delimitação
Enquadramento Geral
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Índice
← 14 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 2. Os potenciais regimes, sua interpretação
Contratual em Tempos Virulentos e delimitação
Enquadramento Geral
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B. Mora do credor
Índice
← 15 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 2. Os potenciais regimes, sua interpretação
Contratual em Tempos Virulentos e delimitação
Enquadramento Geral
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Índice
← 16 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 2. Os potenciais regimes, sua interpretação
Contratual em Tempos Virulentos e delimitação
Enquadramento Geral
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← 17 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 2. Os potenciais regimes, sua interpretação
Contratual em Tempos Virulentos e delimitação
Enquadramento Geral
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← 18 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 3. Possíveis dúvidas quanto ao regime a aplicar a
Contratual em Tempos Virulentos certos problemas: alguns exemplos
Enquadramento Geral
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12. Na minha opinião, o contrato pode ser resolvido ou modificado por alte‑
ração de circunstâncias de forma extrajudicial.
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← 19 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 3. Possíveis dúvidas quanto ao regime a aplicar a
Contratual em Tempos Virulentos certos problemas: alguns exemplos
Enquadramento Geral
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aqui a existência de danos, a não ser que haja investimentos feitos por
causa de negociações chicaneiras ou com propósitos fraudulentos.
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← 20 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
I. Perturbações na Prestação 3. Possíveis dúvidas quanto ao regime a aplicar a
Contratual em Tempos Virulentos certos problemas: alguns exemplos
Enquadramento Geral
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das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
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II
Covid‑19 e alteração
superveniente das
circunstâncias
Índice
← 22 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
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II
Covid‑19 e alteração
superveniente das
circunstâncias
Mariana Fontes da Costa
Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto;
Investigadora do CIJE – Centro de Investigação Jurídico‑Económica
Sumário
1. Considerações introdutórias.
2. O problema prévio da qualificação.
3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º do Código Civil.
4. O direito à resolução do contrato ou à sua modificação segundo juízos
de equidade.
Índice
← 23 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 1. Considerações introdutórias
das circunstâncias
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1. Considerações introdutórias(1)
Índice
← 24 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 1. Considerações introdutórias
das circunstâncias
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sem mais, este instituto a mecanismo primeiro de eleição na solução das inú‑
meras dificuldades com que os operadores negociais se têm deparado no
cumprimento das suas obrigações.
Quando se fala de alteração superveniente das circunstâncias, é impor‑
tante ter presente que estamos a falar de um instituto de natureza tendencial‑
mente subsidiária, com requisitos de aplicação profundamente exigentes e de
muito difícil prova, caracterizado por uma inevitável insegurança ao nível das
consequências da sua aplicação(4).
Estas dificuldades exigem, de facto, uma especial cautela na invocação
e recurso ao instituto da alteração superveniente das circunstâncias, mas não
devem ser impeditivas da aplicação dos artigos 437.º a 439.º às situações que
efetivamente neles cabem.
E, não obstante reconhecermos a maior adequação tendencial de uma
intervenção legislativa específica em fenómenos com repercussões alargadas
sobre diversas relações contratuais, como é o caso da presente pandemia(5),
este não pode ser um argumento suficiente para eximir os tribunais da apre‑
ciação casuística da possível aplicação do regime da alteração superveniente
das circunstâncias a cada contrato individual que perante eles é suscitada.
Não só é impossível ao legislador assegurar uma intervenção legislativa
exaustiva na regulação de todos os possíveis impactos da pandemia sobre os
contratos em curso, como deve prevalecer sobre as preocupações de insta‑
bilidade económica e social que uma decisão judicial possa gerar – veja‑se o
exemplo paradigmático da recente jurisprudência em matéria de swaps na
sequência da crise económico‑financeira de 2007 – a tarefa de assegurar a
cada cidadão o acesso à justiça no seu caso particular, para o qual o legis‑
lador não forneceu, à data em que o problema se coloca e o afeta, soluções
especialmente ajustadas. E se for necessário assegurar a revisibilidade de um
número significativo de contratos por via judicial, devem os tribunais cumprir
sem reservas esse papel que o instituto da alteração das circunstâncias os
chama a desempenhar(6).
4 Sublinhámos já esta ideia em MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias
cit., p. 370.
5 Neste sentido, por todos, A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil. Vol. IX. Direito das obrigações.
Cumprimento e não cumprimento. Transmissão. Modificação e extinção, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2017,
p. 693, nota 2509.
6 No mesmo sentido, A. ALMEIDA SANTOS, A teoria da imprevisão ou da superveniência contratual e o novo
Código Civil, Minerva Central, Lourenço Marques, 1972, pp. 97-98 e M. CARNEIRO DA FRADA, A alteração das
circunstâncias à luz do Covid-19 cit., p. 159.
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← 25 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 2. O problema prévio da qualificação
das circunstâncias
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7 Sobre a figura da frustração do fim da prestação, em especial em obrigações ditas finalizadas, por todos,
J. BAPTISTA MACHADO, Risco Contratual e Mora do Credor (Risco da perda do valor-utilidade ou do rendi‑
mento da prestação e de desperdício da capacidade de prestar vinculada), in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia
Iuridica, Braga, 1991, pp. 269 ss. e anteriormente, também abordando este tópico, Pressupostos da resolução
por incumprimento, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, pp. 145 ss.
8 A distinção e delimitação de fronteiras entre estas figuras e o instituto da alteração das circunstâncias é
objeto de análise no nosso, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., pp. 210 ss. e passim.
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← 26 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 2. O problema prévio da qualificação
das circunstâncias
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artigo 437.º, n.º 1 entendemos que deve ser dada precedência à modificação
do contrato, sempre que esta tenha sido requerida em juízo por alguma das
partes e seja possível e adequada. Nos restantes casos, consideramos que
deve ser dada prioridade à resolução por justa causa objetiva, consagrada no
artigo 30.º, b) do Decreto‑Lei n.º 178/86, dado se tratar de norma especial face
ao artigo 437.º, n.º 1(9).
Note‑se que, dada a natureza subsidiária, mas também complemen‑
tar do instituto da alteração das circunstâncias, não é descabido pensar em
situações em que a solução resultante da aplicação de algum dos institutos
supramencionados conduz a uma situação de inexigibilidade potencialmente
coberta pelo regime da alteração superveniente das circunstâncias. Pensemos,
por exemplo, nos custos em que incorreram inúmeros devedores presos a vín‑
culos negociais que não podiam extinguir por cumprimento, devido a proibi‑
ções legais ao exercício das atividades envolvidas na execução das prestações
a que se encontravam vinculados, mas que igualmente se não extinguiram por
impossibilidade, por se tratar de impedimentos meramente temporários.
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← 27 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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10 D. MEDICUS, Bürgerliches Recht, 19.ª ed., Carl Heymanns, Köln/Berlin/Bonn/München, 2002, pp. 108-109.
11 Sobre este elemento, de forma desenvolvida, MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente
das Circunstâncias cit., pp. 329 ss.
12 Parafraseamos aqui a expressão de KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, Erster Band: Allgemeiner
Teil, 14.ª ed., C. H. Beck, München, 1987, p. 329.
13 Por todos, J. SINDE MONTEIRO, Venda CIF, contrato de transporte marítimo e seguro de carga; sobre
a qualidade de “segurado”. Anotação ao acórdão do STJ de 22 de junho de 2004, Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 141.º, 2011, p. 110 e J. CALVÃO DA SILVA, Contratos coligados, venda em garantia e promessa
de revenda. Anotação ao acórdão do STJ, de 16 de maio de 2000, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano
133.º, 2000, p. 85.
14 Sobre este elemento, de forma desenvolvida, MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente
das Circunstâncias cit., pp. 337 ss.
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← 28 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
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II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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Nos termos do disposto no artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil, apenas são
relevantes as alterações supervenientes que incidam sobre as “circunstâncias
em que as partes fundaram a sua decisão de contratar”.
Ora, esta exigência remete o intérprete para uma vontade que não é pos‑
sível identificar a partir das declarações negociais (caso contrário estaríamos
perante um problema de interpretação e não de alteração das circunstâncias),
podendo essa vontade nem sequer existir, porque as partes não previram a
hipótese da ocorrência.
À semelhança da técnica legislativa utilizada no artigo 2187.º, n.º 1 do
Código Civil, respeitante à interpretação do testamento, julgamos defensável
admitir que o artigo 437.º, n.º 1 consagra uma remissão implícita para a von‑
tade hipotética das partes. Contudo, essa vontade hipotética é, neste contexto,
chamada a desempenhar uma função sindicante e não uma função integra‑
dora, a formular pela negativa: a alteração superveniente das circunstâncias
não afeta a força vinculativa do contrato, exceto nos casos em que resulte que
o mesmo não teria sido concluído nos termos adotados se as partes tivessem
representado a possibilidade daquela alteração(15).
Tendo presente esta premissa, a natureza bilateral (ou plurilateral) do
contrato impõe um juízo dúplice (ou plúrimo) na aferição da vontade hipotética
das partes em contexto de base do negócio.
Por conseguinte, e colhendo influências diretas de Manuel de Andrade(16),
quanto à parte lesada deve aferir‑se se esta teria recusado a celebração do
contrato nos termos originais, caso tivesse representado possível a ocorrência
da perturbação. Diferentemente, o juízo relativo à vontade da contraparte tem
como função inquirir se esta conhecia ou devia conhecer a essencialidade
daquelas circunstâncias para a parte lesada e se haveria concordado com um
condicionamento do contrato à não ocorrência da alteração. A resposta nega‑
tiva a qualquer uma destas questões implica o não preenchimento da exigência
respeitante à essencialidade das circunstâncias afetadas pela alteração super‑
veniente, afastando, deste modo, a aplicação do instituto ao caso concreto.
Ora, será de admitir que quando a perturbação da grande base do negó‑
cio afeta a própria prestação contratual, será mais facilmente comprovável
o preenchimento do requisito da base do negócio, na medida em que, pela
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← 29 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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17 Veja-se o acórdão do STJ de 23-jan-2014 (processo n.º 1117/10.9TVLSB.P1.S1), disponível online em <www.
dgsi.pt>.
18 Em sentido distinto quanto ao peso a atribuir à vontade hipotética das partes, ainda que com resultados
não necessariamente incompatíveis, sublinhando o papel de promoção da justiça contratual objetiva do ins‑
tituto da alteração superveniente das circunstâncias, sobretudo em cenários sociais como o correspondente
à atual pandemia, M. CARNEIRO DA FRADA, A alteração das circunstâncias à luz do Covid-19 cit., p. 155.
19 THOMAS FINKENAUER, in Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, vol 2, Schuldrecht –
Allgemeiner Teil, §§241-432, 7.ª ed., C. H. Beck, München, 2016, §313, para. 16.
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← 30 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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25 A este propósito, defende A. Barreto Menezes Cordeiro que a resposta depende de as medidas legisla‑
tivas efetivamente conseguirem repor o equilíbrio das posições contratuais ou não. – A. BARRETO MENEZES
CORDEIRO, Alteração das circunstâncias cit., p. 33.
26 Neste sentido, também, M. CARNEIRO DA FRADA, A alteração das circunstâncias à luz do Covid-19 cit.,
pp. 159-160.
27 MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., p. 434.
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II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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Nesta matéria poderão surgir questões muito relevantes, como, por exem‑
plo, a de avaliar se o lesado poderá recorrer à alteração das circunstâncias,
requerendo a modificação ou extinção de um dado contrato, quando tinha
acesso a linhas de crédito a que voluntariamente não recorreu, assim con‑
tribuindo para o grau de esforço financeiro a que está sujeito; ou ainda a de
saber se o lesado tinha o dever de adaptar a atividade empresarial em função
das limitações legais, como no caso da permissão da atividade de take away
por parte dos estabelecimentos de restauração.
Nos casos regra em que a aferição subjetiva do preenchimento dos requi‑
sitos da imprevisibilidade e inimputabilidade é impossível ou inconclusiva,
deve o intérprete recorrer ao critério do bom de pai de família, tendo por base
a capacidade de previsão e a conduta que adotaria um sujeito razoavelmente
diligente, colocado nas circunstâncias concretas do contraente lesado(32).
Por fim, a imposição de que a exigência das obrigações assumidas afete
gravemente os princípios da boa fé parece remeter o intérprete para um critério
de inexigibilidade(33).
Na determinação do juízo de inexigibilidade, o intérprete tem de ter em
consideração todas as circunstâncias que foram relevantes para as partes na
fixação do equilíbrio prestacional associado ao contrato.
O primeiro elemento a ter em consideração é o acréscimo do grau de
esforço no cumprimento, que recai sobre o contraente que foi lesado com
a alteração.
Se estiver em causa um contrato de longa duração, a avaliação do pre‑
juízo do lesado tem de ter em consideração a relação jurídica integral e não
apenas os contornos que a mesma assume após a ocorrência da perturba‑
ção(34). Deste modo, não haverá prejuízo relevante resultante da alteração das
circunstâncias se os lucros já alcançados anteriormente forem a ele superiores.
Para que o dano seja relevante, é ainda necessário que atinja uma intensidade
suficiente para concluir pela oposição grave da exigência de cumprimento à boa fé
e que a alteração das circunstâncias verificada tenha para com ele uma relação de
causalidade.
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← 34 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 3. Os três elementos subjacentes ao artigo 437.º
das circunstâncias do Código Civil
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35 MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., pp. 467-468. Vide, a
este propósito, o acórdão do STJ de 10-jan-2013 (processo n.º 187/10.4TVLSB.L2.S1) cit.
36 Este artigo é objeto de uma importante exceção em matéria de execução específica do contrato-pro‑
messa, nos termos do artigo 830.º, n.º 3, in fine do Código Civil. Sobre o fundamento e críticas a esta solução
legislativa, por todos, J. ANTUNES VARELA, Sobre o contrato-promessa, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,
1989, pp. 165 ss. e JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e contrato-promessa, 14.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p.
144.
37 Conforme defende J. Oliveira Ascensão, a letra do artigo 438.º é excessivamente ampla, pelo que a norma
deve ser objeto de interpretação restritiva, tendo em consideração a sua teleologia. – J. OLIVEIRA ASCENSÃO,
Direito Civil. Teoria Geral, Vol. III, Relações e situações jurídicas, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 206.
38 Por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora,
Coimbra, 1987, p. 416.
39 Em sentido distinto, defendendo que o artigo 438.º diz respeito exclusivamente à mora imputável ao
devedor, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, A teoria da imprevisão no direito civil português, reimpressão com
nota de actualização, Quid Juris, Lisboa, 2001, p. 292.
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← 35 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 4. O direito à resolução do contrato ou à sua modificação
das circunstâncias segundo juízos de equidade
← →
40 No mesmo sentido, A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, Anotação ao artigo 437.º cit., p. 66.
41 Neste sentido, por todos, I. GALVÃO TELLES, Manual dos contratos em geral, 4.ª ed., Coimbra Editora,
Coimbra, 2002, p. 346, nota 316 e A. ALMEIDA SANTOS, A teoria da imprevisão cit., p. 110. Em sentido oposto,
J. OLIVEIRA ASCENSÃO, Onerosidade excessiva por “alteração das circunstâncias”, in Estudos em Memória
do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina, Coimbra, 2007, p. 529.
42 Nas palavras de J. Ribeiro de Faria, a escolha das consequências da alteração superveniente das circuns‑
tâncias não poderá ser livre, dependendo sempre da sua adequação para neutralizar a oposição à boa fé. – J.
RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1990, p. 350, nota 1.
Sobre os contornos da impossibilidade e desadequação da modificação, o nosso Da Alteração Superveniente
das Circunstâncias cit., pp. 491-492.
43 No mesmo sentido, por todos, NUNO PINTO OLIVEIRA, Cláusulas acessórias ao contrato. Cláusulas de
exclusão e de limitação do dever de indemnizar e cláusulas penais, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 165
e CATARINA MONTEIRO PIRES, Efeitos da alteração das circunstâncias, O Direito, I/II, 2013, p. 196.
44 A possibilidade e contornos da modificação extrajudicial do contrato será objeto de tratamento autó‑
nomo, em texto a publicar brevemente.
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← 36 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 4. O direito à resolução do contrato ou à sua modificação
das circunstâncias segundo juízos de equidade
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45 WERNER FLUME, Rechtsgeschäft und Privatautonomie cit., p. 208 e Allgemeiner Teil, II cit., p. 500.
46 Sobre o alcance deste juízo equitativo, vide M. CARNEIRO DA FRADA e MARIANA FONTES DA COSTA,
Sobre os efeitos de crises financeiras na força vinculativa dos contratos, in Estudos Comemorativos dos 20
anos da FDUP, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2017, p. 200, nota 51, bem como as indicações bibliográficas aí
constantes.
47 MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., pp. 501 ss.
48 M. CARNEIRO DA FRADA, A alteração das circunstâncias à luz do Covid-19 cit., p. 158.
49 MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., p. 505.
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← 37 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
II. Covid-19 e alteração superveniente 4. O direito à resolução do contrato ou à sua modificação
das circunstâncias segundo juízos de equidade
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50 IDEM, ibidem.
51 Sobre os argumentos que nos parecem decisivos para a admissibilidade da resolução extrajudicial, Idem,
ibidem, pp. 508 ss.
52 No mesmo sentido, M. CARNEIRO DA FRADA e MARIANA FONTES DA COSTA, Sobre os efeitos de crises
financeiras cit., p. 201.
53 J. OLIVEIRA ASCENSÃO, Onerosidade excessiva por “alteração das circunstâncias” cit., p. 529.
54 MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., pp. 512 ss.
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← 38 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
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III
Covid‑19 e Alteração
Superveniente das Circunstâncias:
Critérios Orientadores de Decisão
em Situações Tipicamente
Previsíveis
Índice
← 39 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
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III
Covid‑19 e Alteração
Superveniente das Circunstâncias:
Critérios Orientadores de Decisão
em Situações Tipicamente
Previsíveis
Lina Castro Baptista
Juíza Desembargadora no Tribunal da Relação do Porto
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← 40 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 1. Introdução
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão
em Situações Tipicamente Previsíveis
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1. Introdução
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← 41 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 1. Introdução
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão
em Situações Tipicamente Previsíveis
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2 Refere, a este propósito, Carla Amado Gomes (in “Legalidade em tempos atípicos: notas sobre as medi‑
das de polícia sanitária no âmbito da pandemia” in Revista do Ministério Público – Número Especial Covid-19,
Ano 41, Junho de 2020, pág. 43) que “A pandemia provocada pelo Coronavírus tem sido consensualmente
caracterizada como a maior emergência sanitária que o mundo enfrentou desde a gripe espanhola de 1918 e
a maior crise global desde a II Guerra Mundial. É, inquestionavelmente, uma prova de fogo para os governos
e um desafio social sem precedentes.”
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← 42 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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3 Estas relações obrigacionais duradouras servem esquematicamente para suprir necessidades de natureza
contínua ou periódica e são juridicamente reguladas através de um “contrato-quadro” ou contrato organi‑
zatório, com função de previsão das directrizes gerais do projecto a desenvolver no futuro, e de sucessivos
contratos de execução, ou através de um contrato obrigacional unitário, mas tendencialmente com um modelo
de regulamentação pouco denso ou incluindo mecanismos de adaptação.
4 Pedro Romano Martinez (in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição, 2006, Almedina, pág. 157).
5 Refere, a este propósito, Manuel Carneiro da Frada (In “Crise Mundial e Alteração das Circunstâncias”
in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, Julho/Dezembro de 2009, pág. 678) que “(…) o querido pelas
partes, foi-o tendo em conta um determinado “ambiente” do contrato. Pelo que a inalterabilidade das obriga‑
ções assumidas – quando o seu contexto se encontra anormalmente alterado, para além de qualquer razoável
previsibilidade – não pode deixar de ser uma desconsideração, do ponto de vista substancial-valorativo, da
vontade negocial.”, concluindo, mais à frente, que a dimensão axiológica essencial do art.º 437.º do Código
Civil é a da justiça objectiva na relação entre os agentes jurídicos.
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← 43 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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6 Anote-se que o direito europeu e internacional dos contratos tem tido uma evolução paralela à da legis‑
lação portuguesa. Assim, os Princípios Unidroit relativos aos Contratos Comerciais Internacionais determinam
que “Há hardship quando surgem acontecimentos que alteram fundamentalmente o equilíbrio das prestações,
quer por aumento do custo do cumprimento das obrigações, quer por diminuição do valor da contrapresta‑
ção e: a) esses acontecimentos se verificaram ou chegaram ao conhecimento da parte lesada depois da con‑
clusão do contrato; b) esses acontecimentos não podiam razoavelmente ser tomados em consideração pela
parte lesada no momento da conclusão do contrato; c) esses acontecimentos escapam ao controlo da parte
lesada; d) o risco desses acontecimentos não foi assumido pela parte lesada.” (Art. 6.2.2.). Bem como que os
Principles os European Contract Law dispõem que “(1) A parte permanece obrigada mesmo se o cumprimento
se tornou mais oneroso, seja porque aumentou o custo do cumprimento, seja porque diminuiu o valor da con‑
traprestação. (2) Se, porém, uma alteração de circunstâncias onerou excessivamente o cumprimento de uma
obrigação, as partes estão vinculadas ao dever de negociar a modificação ou a extinção do contrato, desde
que: (a) a alteração das circunstâncias tenha ocorrido em momento posterior à celebração do contrato; (b)
ao tempo da celebração do contrato, não fosse razoável prever a possibilidade de uma alteração de circuns‑
tâncias; (c) a parte lesada não deva, segundo o contrato, suportar o risco da alteração das circunstâncias; (3)
Se as partes não chegarem a acordo num prazo razoável, o tribunal pode: (a) extinguir o contrato, definindo a
data e os termos da cessação; ou (b) modificar o contrato, de modo a distribuir pelas partes, de forma justa e
equitativa, as vantagens e desvantagens resultantes da alteração das circunstâncias. Em qualquer dos casos,
o tribunal pode condenar a parte faltosa no dever de indemnizar os danos causados pela recusa em negociar
ou pela ruptura das negociações devidas, se esse comportamento contrariar a boa fé e o dever de lealdade
contratual.” Ainda que o Draft Commom Frame of Reference (DCFR) – esboço para um futuro Código Europeu
das Obrigações – dispõe, também de forma paralela, que: “1 – [u]ma obrigação deve ser cumprida, mesmo se
o cumprimento se tornou mais oneroso, seja porque aumentou o custo do cumprimento, seja porque diminuiu
o valor da contraprestação; 2 – Se, porém, uma alteração excepcional de circunstâncias onerou de tal modo
o cumprimento de uma obrigação contratual, ou com fonte num negócio jurídico unilateral, que é manifesta‑
mente injusto manter o dever de prestar do devedor, o tribunal pode: (a) modificar a obrigação, tornando-a
adequada e equitativa em função das novas circunstâncias; ou (b) extinguir a obrigação em data e termos
a definir pelo tribunal. 3 – O parágrafo 2 apenas se aplica se; (a) a alteração das circunstâncias ocorreu em
momento posterior ao nascimento da obrigação; (b) ao tempo da constituição da obrigação, o devedor não
previu, nem seria razoável que tivesse previsto, a possibilidade ou a dimensão daquela alteração de circunstân‑
cias; (c) o devedor não assumiu, nem é razoável considerar que tenha assumido, o risco daquela alteração de
circunstâncias; e(d) o devedor tentou, com razoabilidade e de boa fé, alcançar, por negociação, uma revisão
razoável e equitativa das condições da obrigação.”
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← 44 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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7 As quais são definidas por Engrácia Antunes (in Direito dos Contratos Comerciais, 2009, Almedina,
pág. 313) como “aquelas que estabelecem a renegociação do contrato quando a execução das obrigações
contratuais se tornou excessivamente onerosa para uma das partes devido a uma alteração substancial das
circunstâncias susceptível de afectar o equilíbrio global do contrato.”
8 Para maior desenvolvimento veja-se Diogo Pereira Duarte (in “A regulação contratual do risco e a alteração
das circunstâncias, a propósito dos swaps” in Revista do Direito das Sociedades, 2015, n.º 1, pág. 189 e ss.
9 Tal como refere Menezes Cordeiro (in Tratado de Direito Civil IX – Cumprimento e Não-cumprimento,
Transmissão, Modificação e Extinção, 3.ª Edição, 2017, Almedina, pág. 671): “Quando, no contrato, tenham
sido incluídas cláusulas desse tipo, as partes não ficam à mercê de todos os azares do destino; ultrapassada
uma certa medida, pode verificar-se que o clausulado não pretendeu ir mais além, no domínio da regulação
de superveniência.”
10 Ob. Cit. Tratado de Direito Civil IX, pág. 696.
11 Ob. Cit. pág. 721.
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III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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12 Veja-se, a este propósito, designadamente o Acórdão da Relação de Lisboa de 07/04/16, tendo como
Relator Ilídio Sacarrão Martins (proferido no Processo n.º 635/13.1TVLSB-L1-8 e disponível em www.dgsi.pt
no dia 31/07/20).
13 Aliás, estas leis assumem expressamente, nos respectivos sumários, preâmbulos e texto de lei o seu
carácter excepcional e temporário. Veja-se, designadamente, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (com várias
alterações, sendo a mais recente a operada pela Lei n.º 16/2020, de 29/05) que, de forma que se nos afigura
exemplificativa do espírito de todas as demais leis, determina expressamente, no respectivo art.º 9.º que
“Sem prejuízo das competências atribuídas pela Constituição e pela lei a órgãos de soberania de carácter
electivo, o disposto na presente lei, bem como no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, prevalece sobre
normas legais, gerais e especiais que disponham em sentido contrário, designadamente as contantes da Lei
do Orçamento do Estado.”
14 Um caso paradigmático é o art.º 1040.º, n.º 2, do Código Civil que, apesar da respectiva aplicação poder
ser, em concreto, mais benéfica para o arrendatário, se deve considerar prejudicado pela entrada em vigor da
Lei n.º 4-C/2020, de 06/04, entretanto alterada pela Lei n.º 17/2020, de 29/05, atinente à mora no pagamento
das rendas. Deve, pois, entender-se que esta lei excepcional, ponderando simultaneamente os interesses de
locador e locatário em sede de pandemia, alterou a forma de disciplina do contrato de locação.
15 In “Legislação de emergência e contratos. O regime excepcional dos contratos de arrendamento e ban‑
cários” in Revista do Ministério Público – Número Especial COVID-19, Ano 41, Junho de 2020, pág. 260-261.
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III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
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16 In “O arrendamento urbano nas leis temporárias de 2020” in Revista do Ministério Público – Número
Especial COVID-19, Ano 41, Junho de 2020, pág. 351.
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III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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17 Veja-se, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/14, tendo como Relator Pinto de
Almeida (proferido no Processo n.º 11291/10.9TBVNG.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt em 31/07/20), Acórdão
da Relação de Lisboa de 24/11/16, tendo como Relatora Fátima Galante (in Colectânea de Jurisprudência Ano
XLI, Tomo V, pág. 289), Código Civil Anotado com coordenação de Ana Prata (Volume I, 2017, Almedina, pág.
559), Oliveira Ascensão (in “Onerosidade excessiva por “alteração das circunstâncias” in Revista da Ordem
dos Advogados, Ano 65, Vol. III, Dez. de 2005, versão online in www.ordemdosadvogados.pt), Pedro Romano
Martinez (in Da Cessação do Contrato, ob. cit., pág.157 e ss.), Antunes Varela (in “Resolução ou modificação
do Contrato por Alteração de Circunstâncias in Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, 1982, Tomo 2, pág. 9 e
ss.) e Vaz Serra (in “Resolução ou Modificação dos Contratos por Alteração das Circunstâncias” in Boletim do
Ministério da Justiça, n.º 68, Julho de 1957, pág. 311 e ss.). Nos últimos anos, começa a integrar-se a alteração
superveniente das circunstâncias por apelo a outras construções jurídicas, designadamente à teoria do risco
e ao princípio da tutela da confiança, como realça Menezes Cordeiro (in “Da alteração das circunstâncias” in
Estudos em Memória do Professor Doutor Paulo Cunha, 2012, Almedina, pág. 315 e ss.). Não é, contudo, este
o local próprio para aprofundar esta questão.
18 Proferido no Processo n.º 187/10.4TVLSB.L2.S1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 31/07/20.
19 In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/05/09, tendo como Relator Oliveira Vasconcelos (pro‑
ferido no Processo n.º 197/06.6TCFUN.S1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 31/07/20).
20 Ao longo dos anos, a doutrina tem oscilado entre leituras subjectivas e objectivas deste instituto,
Actualmente, ainda há autores que continuam a defender que a alteração das circunstâncias tem uma “clara
perspectiva subjectivista”, designadamente Henrique Sousa Antunes (in “A alteração das circunstâncias no
direito europeu dos contratos” in Cadernos de Direito Privado, n.º 47 Julho/Setembro 2014, pág. 4).
21 In Da Alteração Superveniente das Circunstâncias (em especial à luz dos contratos comerciais), 2017,
Almedina, pág. 343.
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Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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22 É pacífico que, com excepção de casos de contornos muito especiais, “(...) a alteração das circunstân‑
cias não pode ser aplicada a contratos já executados, uma vez que após a troca das prestações, já passa
a ser um risco do receptor da prestação as alteração de valor que ela venha a sofrer.”, tal como se decidiu
designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/15, tendo como Relator Fonseca Ramos
(proferido no Processo n.º 876/12.9TBBNV-A.L1.S1). No mesmo sentido, vejam-se igualmente os Acórdãos do
mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/10, tendo como Relator Sousa Peixoto (proferido no Processo
n.º 7/06.4TTAVR.C1.S1) e de 23/10/86, tendo como Relator Almeida Ribeiro (proferido no Processo n.º 073015),
bem como o Acórdão da Relação do Porto de 15/02/12, tendo como Relator Augusto de Carvalho (proferido
no Processo n.º 1971/06.9TVPRT.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt no dia 31/07/20.
23 Refere, a este propósito, Mafalda Miranda Barbosa (in “Entre a impossibilidade e a alteração superve‑
niente das circunstâncias: reflexões a propósito da pandemia de COVID-19” in Revista do Ministério Público
– Número Especial COVID-19, Ano 41, Junho de 2020, pág. 252) que “A alteração do contexto socioeconómico
e jurídico, por força da pandemia de COVID-19 – e, mais intensamente, por força das medidas de excepção
adoptadas para conter a progressão do vírus – , não pode deixar de ser vista como uma alteração anormal
das circunstâncias, atento o seu carácter inesperado (pelo menos do ponto de vista do homem médio, não
especialista em saúde pública e em epidemiologia).”
24 À luz desta mesma configuração jurídica, já não poderemos considerar aplicável a disciplina do instituto
da alteração das circunstâncias à situação de uma qualquer pessoa singular que sofra, em consequência
das medidas legais decretadas devido à pandemia por Covid-19, uma redução significativa dos respectivos
rendimentos decorrentes do trabalho, designadamente em função de despedimento ou da aplicabilidade
do regime do lay-off da sua entidade patronal e, por via disso, se tenha tornado bastante mais gravoso o
cumprimento de um certo contrato para si. Com efeito, a mera dificuldade financeira no cumprimento das
obrigações não se trata, em tese, de uma qualquer alteração dos condicionalismos concretos que rodearam
a celebração do negócio jurídico mas, ao invés, de uma mera alteração das condições de vida subjectivas de
um dos contraentes. Assim, deve entender-se que todas estas situações ficam fora do perímetro de aplicação
do instituto.
25 Seguindo uma nomenclatura de Kegel.
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26 Refere, a este propósito, Menezes Cordeiro (in ob. cit. Tratado de Direito Civil IX, pág. 692 e 693) que as
grandes alterações das circunstâncias são as “modificações estruturais que venham bulir com a generalidade
das variáveis económico-sociais que caracterizam uma sociedade.”
27 Veja-se na doutrina, em termos exemplificativos, Manuel Carneiro da Frada (in Ob. Cit., pág. 683) que
justifica concretamente que “(…) a forma, inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa
de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido. Entre os factores a pon‑
derar, há que considerar a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de
radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores
económicos singulares (por mais poderosos que sejam) e se projectam mesmo, como crise global, para além
dos limites dos países e das várias zonas económicas do planeta.”
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III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
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28 Veja-se, no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/18, tendo como Relator
Pinto de Almeida (proferido no Processo n.º 16/14.0TVLSB.L1.S1) e de 14/06/12, tendo como Relator Sérgio
Almeida (proferido no Processo n.º 187/10.4TVLSB.L2-2), o Acórdão da Relação do Porto de 06/06/16, tendo
como Relator Carlos Querido (proferido no Processo n.º 4463/14.9TBVNG-A.P1) e os Acórdãos da Relação de
Lisboa de 19/02/15, tendo como Relatora Isoleta Costa (proferido no Processo n.º 1320/11.4TVLSB.L1.8) e de
14/06/12, tendo como Relator Sérgio Almeida (proferido no Processo n.º 187/10.4TVLSB.L2-2, todos disponí‑
veis em www.dgsi.pt em 31/07/20).
29 Proferido no Processo n.º 187/10.4TVLSB.L2-2 e disponível em www.dgsi.pt em 31/07/20.
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30 No mesmo sentido, refere Mariana Fontes da Costa in “A actual pandemia no contexto das perturbação da
grande base do negócio”, in https://observatorio.almedina.net/index.php/2020/04/01/a-atual-pandemia-no‑
-contexto-dasperturbacoes-da-grande-base-do-negocio/.: “Dir-se-á que, num juízo abstracto, para os contratos
celebrados até ao final de 2019 poucas dúvidas restarão da natureza imprevisível da pandemia de Covid-19,
bem como da dimensão dos seus efeitos. Com o agravamento da situação em Itália, a partir de meados de
Fevereiro de 2020, começa a ser duvidoso o preenchimento do requisito da imprevisibilidade da pandemia
nos contratos celebrados em data posterior, sendo que dificilmente se poderá fazer este juízo afirmativo
quanto aos contratos celebrados depois do dia 11 de marco, data em que a OMS declara a pandemia.”
31 Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/16, tendo como Relatora Ana
Luísa Geraldes (proferido no Processo n.º 2528/13.3TTLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 31/07/20).
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32 Tal como refere Joana Farajota (in A Resolução do Contrato sem Fundamento, Colecção Teses, 2015,
Almedina, pág. 312) deverá reconhecer‑se no art.º 570.º do Código Civil “(…) a manifestação de um verda‑
deiro dever acessório de mitigar os danos resultantes do incumprimento, emergente do artigo 762.º. Dever
acessório, na medida em que o comportamento imposto não visa o cumprimento do dever principal, nem a
protecção do interesse no cumprimento, mas a protecção do património de cada uma das partes que, em
virtude da relação contratual, se tornou particularmente vulnerável à actuação da contraparte.”
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negligente do devedor. Contudo, caso se entenda que apenas parte deles serão
causalmente imputados a tal conduta, quanto aos demais deverá equacionar‑se,
num segundo momento, o eventual preenchimento dos requisitos consagrados
no art.º 437.º do Código Civil.
No que concerne aos danos, é inquestionável a necessidade de que os
mesmos existam.
Ou seja, uma alteração superveniente das circunstâncias que não
provoque prejuízos de monta será irrelevante em termos jurídicos.
A maior dificuldade de subsunção prende‑se, não com estes propriamente
ditos, mas com a prova de uma ligação causal entre os danos e as circunstâncias
externas que produziram alterações na base do negócio(33).
Para além disso, como já alertava Vaz Serra(34), “A perturbação do equilíbrio
contratual, que a resolução ou modificação do contrato se destinam a evitar,
deve estar para com o acontecimento imprevisível em relação de causalidade.
Portanto, se, para essa perturbação, contribuem, além do acontecimento
imprevisível, outras causas, devem estar ser tidas em atenção para o efeito de
apreciar os limites dentro dos quais será de admitir a resolução ou modificação
do contrato.”
Nestas situações de existência de causas concorrentes, deverá sempre
recorrer‑se à aplicação da estatuição do art.º 563.º do Código Civil, a qual
– como se sabe – consagra a teoria da causalidade adequada (cuja forma
concreta de aplicação excede o âmbito de análise deste estudo).
Noutras situações, justificar‑se‑á ainda ponderar se, ainda que não se
tivessem verificado as circunstâncias externas, o devedor teria, da mesma
forma e com toda a probabilidade, sofrido os mesmos danos. Ou seja, casos
há em que terá que se apreciar da eventual relevância de uma causa virtual.
33 Decidiu-se designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/13, acima referido, que
“Não resultando provado nos presentes autos que a degradação da capacidade económica da autora – e
que a conduziu à impossibilidade de satisfazer as obrigações assumidas com o réu – se tenha ficado a dever
à crise económica internacional, não está configurada a previsão do n.º 1 do art.º 437.º do CC.”. Bem como
no Acórdão da Relação de Lisboa de 18/09/14, tendo como Relatora Ondina Alves (proferido no Processo
n.º 400/14.9YRLSB-L1-2 e disponível em www.dgsi.pt no dia 31/07/20) que “Não obstante a crise económi‑
co-financeira possa criar desequilíbrios económicos susceptíveis de provocarem alterações anormais das
circunstâncias, nem todos os incumprimentos em tempos de crise se ficam a dever a essa alteração das cir‑
cunstâncias, pelo que a doutrina da resolução ou modificação dos contratos ínsita no n.º 1 do artigo 4237.º
do Código Civil, implica a demonstração factual da correlação entre a crise económico-financeira, anormal
e inesperada, e o não cumprimento do contrato.”
34 In Ob. Cit., pág. 330.
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em Situações Tipicamente Previsíveis
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38 Veja-se, a este propósito e, em concreto, quanto aos swaps de taxa de juro, João Calvão da Silva (in
“Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias” in Boletim da Faculdade de Direito, Vol. XC, Tomo II, 2014,
Coimbra, pág. 556). Na jurisprudência, decidindo-se pela inaplicabilidade do regime do art.º 427.º do Código
Civil com base na análise dos riscos contratuais, veja-se, a título exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 10/04/14, tendo como Relator Silva Gonçalves (in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do
Supremo Tribunal de Justiça, Ano XXII, Tomo II, pág. 64 e ss.).
39 Diogo Pereira Duarte (in ob.cit. “A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias”, pág.
225) refere a seguinte possibilidade excepcional: “Na realidade, deve admitir‑se que, mesmo havendo cláu‑
sulas contratuais que têm em vista regular a alteração das circunstâncias, eventos subsequentes podem
ocorrer, ainda assim, fora da intenção ou âmbitos regulatórios da referida cláusula. Nesse caso a alteração
das circunstâncias excedeu os riscos próprios do contrato, não obstante a regulação contratual do risco, e
o artigo 437.º, n.º 1, terá plena aplicação.”
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← 56 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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40 In A Teoria da Imprevisão no Direito Civil português, Quid Juris, 2001, pág. 268 e ss. Veja-se, no mesmo
sentido, Oliveira Ascensão (ob. cit.),Manuel Carneiro da Frada (in Ob. Cit; pág. 668), Pedro Pais de Vasconcelos
(in Teoria Geral do Direito Civil, 7.ª Edição, 2012, Almedina, pág. 570) e Vaz Serra (ob. cit., pág. 333) e, em
sentido contrário, Menezes Cordeiro (Ob. Cit. Tratado de Direito Civil-IX, pág. 721), onde refere: “Nos contratos
de risco, que exemplificámos com os swaps, com os seguros e com investimentos em fundos de capitais de
risco ou similares, a alteração das circunstâncias é inaplicável”.
41 Proferido no Processo n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1. Vejam-se, no mesmo sentido, os Acórdãos da Relação
de Lisboa de 15/01/15, tendo como Relatora Maria Manuela Gomes (proferido no Processo n.º 876/12.9TVLSB.
L1-6) e de 08/05/14, tendo como Relator Ilídio Sacarrão Martins (proferido no Processo n.º 531/11.7TVLSB-L1-8)
e ainda o Acórdão da Relação de Guimarães de 31/03/13, tendo como Relatora Conceição Bucho (proferido
no Processo n.º 1387/11.5TBBCL.G1) e, em sentido contrário, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
28/03/06, tendo como Relator Azevedo Ramos (proferido no Processo n.º 06A301) onde, em sede de defini‑
ção dos requisitos da figura, se refere: “Em segundo lugar, é necessário que a exigência da obrigação à parte
contrária afecte gravemente os princípios da boa-fé contratual e não esteja coberta pelos riscos próprios do
negócio, como acontece no caso de se tratar de um negócio aleatório.”, bem como o Acórdão da Relação
de Guimarães de 14/05/14, tendo como Relator Jorge Teixeira (proferido no Processo n.º 1726/11.9TBVRL.G1),
todos eles disponíveis em www.dgsi.pt na data de 31/07/20.
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← 57 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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42 Ob. Cit.
43 Ob. Cit.. Veja-se, no mesmo sentido, Mariana Fontes da Costa (in ob. cit. Da Alteração Superveniente das
Circunstâncias (em especial à luz dos contratos comerciais, pág. 445.)
44 Aliás, no sentido desta tese militam as disposições legais já existentes no Código Civil que apelam pre‑
cisamente aos conceitos de onerosidade excessiva e proporcionalidade, designadamente dos art.º 829.º,
n.º 2, 1149.º e 1221.º, n.º 2.
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← 58 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
em Situações Tipicamente Previsíveis
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contrato poderá, nos termos resultantes do art.º 437.º, n.º 1, do Código Civil,
ser dissolvido ou modificado segundo juízos de equidade.
Julgar segundo a equidade será, no que respeita à aplicação deste instituto
jurídico, ponderar exaustivamente as circunstâncias específicas do caso concreto;
apelar à ideia de justiça comutativa, com os seus corolários de equivalência das
prestações, equilíbrio financeiro e justa repartição de riscos e responsabilidades
e maior atenção à consideração de argumentos de razoabilidade das soluções
e de confiança nas legítimas expectativas das partes(45).
Tratando‑se de um direito potestativo, a escolha entre a dissolução e
a modificação do contrato cabe, evidentemente, à parte lesado, em sede de
pedido formulado judicialmente, com a certeza de que, tendo esta pedido
a resolução, a parte contrária pode opor‑se, propondo alternativamente a
modificação do contrato.
Neste particular, e em face do princípio da conservação ou aproveitamento
dos negócios jurídicos(46), acompanhamos a opinião de Almeida Costa(47)
“Quando o tribunal (…) se encontre em face da alternativa da resolução ou da
revisão, caberá optar pelo primeiro caminho, sempre que, diante da alteração
das circunstâncias, o contrato tenha perdido a sua razão de ser ou não possa
restabelecer‑se um equilíbrio justo. Se possível, porém, deverá salvar‑se o
contrato, através da revisão do seu conteúdo com base em juízos de equidade.”
Não obstante esta preferência legal pela modificação do contrato,
afigura‑se‑nos admissível a hipótese de, perante um pedido de modificação
do contrato, a parte contrária pedir a dissolução do mesmo.
Damos como nossas, a este propósito, as palavras de Oliveira Ascensão(48):
“O art. 437/2 não o contempla. Mas temos de entender que é admitido. Não
pode ser imposto a ninguém um contrato alterado que esteja substancialmente
fora daquilo que aceitou. Nem sendo o contrato inválido isso seria possível:
a lei baseia‑se então na vontade tendencial das partes, nos arts. 292 e 293.
Também aqui, se a outra parte não aceitar uma modificação substancial, terá
de ser decretada a resolução.”
45 Veja-se, de forma mais desenvolvida, Freitas do Amaral (in Código Civil Anotado, ob. cit. pág. 17).
46 Princípio este patente designadamente nas disposições legais dos art.º 292.º e 293.º do Código Civil
atinentes à redução e conversão do negócio jurídico.
47 In Direito das Obrigações, 12.ª Edição, 2016, Almedina, pág. 348.
48 In Ob. Cit.
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III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 2. Situações tipicamente previsíveis à luz do
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão regime geral do instituto
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das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 3. Situações tipicamente previsíveis à luz da
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão legislação especial
em Situações Tipicamente Previsíveis
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das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 3. Situações tipicamente previsíveis à luz da
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão legislação especial
em Situações Tipicamente Previsíveis
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das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 3. Situações tipicamente previsíveis à luz da
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão legislação especial
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56 O Governo Federal da Alemanha propôs e o Parlamento aprovou, logo no dia 26/03/20, um conjunto de
leis para adaptar a legislação vigente aos efeitos da pandemia por COVID-19. Com particular relevo, em sede
de direito das obrigações, determinou-se que, relativamente às obrigações pecuniárias decorrentes de con‑
tratos outorgados anteriormente a 08/03/20, o devedor, sendo pessoa singular ou pessoa colectiva, poderia
alegar impossibilidade temporária de cumprimento da prestação, por razões relacionadas com a pandemia,
obtendo uma dilatação do cumprimento da respectiva obrigação até 30/09/20.
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← 63 Entre a Impossibilidade da Prestação e a Alteração
das Circunstâncias em Contexto da Pandemia de Covid-19
III. Covid-19 e Alteração Superveniente das 3. Situações tipicamente previsíveis à luz da
Circunstâncias: Critérios Orientadores de Decisão legislação especial
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Como refere Catarina Serra (57), “(…) a crise actual configura uma
“modificação brusca das condicionantes estruturais da coexistência social”,
isto é, uma “grande” alteração das circunstâncias – e uma em grau superlativo,
que escapa às categorias dogmáticas habituais. Por isso, mais do que consentir
intervenções pontuais, por iniciativa das partes, no domínio dos contratos,
ela exige uma verdadeira reconformação legislativa do quadro em que se
desenvolvem todas as relações jurídicas.” .(58)
Esta intervenção legislativa alargada permitiria uniformizar respostas,
repartir os danos entre as partes de forma equitativa e até minorar ou resolver
situações excluídas do âmbito de aplicação dos institutos jurídicos gerais,
como a acima referida das pessoas singulares que sofram, em consequência
das medidas legais decretadas devido à pandemia por Covid-19, uma redução
significativa dos respectivos rendimentos decorrentes do trabalho.
No entanto, como relembra Carneiro da Frada, ainda que por referência
à crise financeira mundial passada(59), “(...) se uma exigência de justiça conduz
à revisibilidade de um número considerável de contratos, os tribunais devem
reconhecê‑la nos contratos sobre os que sejam chamados a pronunciar‑se,
sem poderem endossar a sua responsabilidade (a incertos) a pretexto da
conveniência de uma resposta legislativa mais abrangente.”
Mudando agora o nosso enfoque para os casos potencialmente previsíveis,
equacionamos como uma situação deste tipo a de sociedades comerciais
ou empresários individuais pretenderem a dissolução ou modificação de um
certo contrato duradouro, ao abrigo do disposto no art.º 437.º do Código
Civil, invocando que as consequências das medidas aplicadas em resposta à
pandemia frustraram o fim negocial ou tornaram o cumprimento do contrato
mais gravoso pelo menos para si, essencialmente por terem encerrado o
seu estabelecimento comercial ou instalações ou suspendido as respectivas
actividades comerciais ou industriais no momento da decretação do primeiro
estado de emergência por receio de exposição ao risco da doença, apesar de
a actividade por si desenvolvida não ter sido suspensa por lei.
57 In “Covid-19/Para uma legislação para a crise das empresas em tempos de “crise total” in https://obser‑
vatorio.almedina.net/index.php/2020/04/03/covid-19-para-uam-legislacao-para-a-crise-das-empresas-em‑
-tempos-de-crise-total/ disponível em 20/06/20.
58 Para mais esclarecimentos, veja-se Menezes Cordeiro (ob. cit. Tratado de Direito Civil, pág. 693 e ss.) que,
em síntese, defende que a ocorrência de acontecimentos catastróficos deve dar lugar a juízos políticos de
solidariedade, sendo esta assumida por toda a comunidade organizada e repartindo-se os danos não apenas
pelas partes contratuais, mas por todos, através do Estado.
59 In Ob. Cit., pág. 690.
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62 Em casos paralelos.
63 In O direito geral de personalidade, 2011, Coimbra Editora, pág. 547.
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64 In “Metodologia Fuzzy e Camaleões Normativos na problemática actual dos direitos económicos, sociais
e culturais” in Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 107.
65 Recorrendo à definição dada por Jorge Reis Novais (in Direitos Sociais – Teoria Jurídica dos Direitos
Sociais enquanto Direitos Fundamentais, Wolters Kluwer – Coimbra Editora, 2010, pág. 255) “Os direitos
fundamentais garantem juridicamente o acesso individual a bens que, pela sua importância para a dignidade
da pessoa humana, o desenvolvimento da personalidade, a autonomia, a liberdade e o bem-estar das pessoas,
a Constituição entendeu merecedores de protecção máxima, forte e estável.”
66 Aliás, refere-se expressamente no Relatório elaborado pelo Ministério da Administração Interna, de
27/04/20, sob a epígrafe “Relatório sobre a aplicação da 2.ª declaração do estado de emergência 03 de Abril
de 2020 a 17 de Abril de 2020”, que através da criação deste regime do lay-off simplificado, se pretendeu
“preservar postos de trabalho e mitigar situação de crise empresarial.”
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