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Finanças Públicas,

Direito Financeiro e
Direito Tributário em
TEMPOS DE PANDEMIA

Diálogos
Ibero-Americanos
Finanças Públicas,
Direito Financeiro e
Direito Tributário em
TEMPOS DE PANDEMIA
Diálogos
Ibero-Americanos

Organizadores
Carlos Palao Taboada • Germán Orón Moratal • João Ricardo Catarino
José Casalta Nabais • Juan Arrieta Martínez de Pisón • Marciano Seabra de Godoi
Belo Horizonte São Paulo
Av. Brasil, 1843, Av. Paulista, 2444,
Savassi, Belo Horizonte, MG 8º andar, cj 82
Tel.: 31 3261 2801 Bela Vista – São Paulo, SP
CEP 30140-007 CEP 01310-933
W W W. E D I TO R A D P L A C I D O. C O M . B R

Copyright © 2020, D’Plácido Editora.


Copyright © 2020, Os Autores.

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Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios,
sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

Editor Chefe Plácido Arraes

Editor Tales Leon de Marco

Produtora Editorial Bárbara Rodrigues

Capa, projeto gráfico Nathália Torres


(Imagens por Rawpixel e Unsplash)

Diagramação Bárbara Rodrigues

Catalogação na Publicação (CIP)

Bibliotecária responsável: Fernanda Gomes de Souza CRB-6/2472


Os Organizadores dedicam essa coletânea de estudos aos mais
de um milhão e duzentos mil mortos pela pandemia da co-
vid-19, especialmente aos profissionais da saúde que morreram
salvando vidas.
Sumário

Apresentação  11

1. A doença, o auxílio e as alternativas  13


Marciano Seabra de Godoi
Elisa Tocafundo Lages
Gabriela Luzia Dantas Lemos
Monique Araújo Malaquias Souza

2. Exceptional measures in a crisis environment in Portugal


facing COVID-19 - Rationality of public management on
financial, administrative leadership and education policies  45
João Ricardo Catarino
Miguel Pereira Lopes
Sónia P. Gonçalves
Ricardo Moraes Soares

3. Análise crítica das medidas tributárias vinculadas


à pandemia da Covid-19  59
Alessandro Mendes Cardoso

4. Covid-19, planejamento estatal e finanças públicas  75


Giovani Clark
Ícaro Moreira Ursine

5. Cuba y la covid-19. Medidas presupuestarias y tributarias en


tiempos de pandemia  97
Carlos A. Pérez Inclán
Orestes J. Díaz Legón
6. La incidencia en las garantías constitucionales de las
normas tributarias vigentes en españa durante el
estado de alarma decretado por la covid-19  121
Rosa Litago Lledó

7. Las modificaciones al presupuesto de Egresos de la


Federación. A propósito de las medidas excepcionales
adoptadas frente a la Pandemia Covid 19 en México  159
Oscar Nava Escudero

8. Imposto sobre as Grandes Fortunas: o caso português  181


Francisco Nicolau Domingos

9. A controvérsia constitucional na democracia da


desconfiança – cenário pandêmico e estado de
exceção nas finanças públicas brasileiras  195
Marcelo Arno Nerling

10. A pandemia e o agravamento do desafio brasileiro: reforma


tributária, miopia fiscal e complexidade econômica  223
Marco Túlio Fernandes Ibraim
Michel Barros Felippe Jabour

11. Nuevas tendencias en la tributación de


la economía digital  247
Begoña Pérez Bernabeu

12. Política de endividamento público no Brasil e


a pandemia da Covid-19  267
Antônio Carlos Lúcio Macedo de Castro

13. A crise neoliberal brasileira e a volta do Estado:


a propulsão das políticas públicas desenvolvimentistas
como agentes do desenvolvimento  287
Luiz César Fernandes da Silva
Rodrigo Mineiro Fernandes
14. The Role of International Institutions in tackling
the economic and social effects of the Pandemic  311
João Dácio Rolim
Lucca Rolim

15. Medidas adoptadas por los entes territoriales menores en


España ante la crisis financiera provocada por la pandemia  329
Juan Arrieta Martínez de Pisón

16. Princípio da seletividade tributária no ICMS:


a repartição constitucional de competências e
a essencialidade da energia elétrica  359
Luciana Goulart Ferreira
Fernanda de Oliveira Silveira

17. El impacto de la pandemia en la aplicación de los


convenios de doble imposición: Perspectiva española
de las consecuencias en la aplicación de las normas de
residencia fiscal de las personas jurídicas  381
Carlos Cabrera Carretero

18. O impacto sistêmico da pandemia no setor elétrico brasileiro:


análise da “Conta-Covid” como mecanismo regulatório
responsivo e emergencial  421
Maria João C. P. Rolim
Alice de S. Khouri

19. Os direitos humanos, o direito financeiro e a


pandemia da Covid-19 no Brasil: da austeridade
fiscal ao orçamento de guerra  439
Elisângela Inês Oliveira Silva de Rezende

20. Direito Financeiro em Tempos de


Pandemia: o caso de Portugal  463
José Casalta Nabais
Matilde Lavouras
21. O Direito Fiscal face à pandemia - medidas fiscais tomadas
em Portugal no contexto do Covid-19  499
Fernando Rocha Andrade
Teresa Almeida

22. Efeitos Imediatos e Estruturais da Crise Pandémica em


Portugal: que respostas para o futuro?  525
Nazaré da Costa Cabral

Autores  537
A p re s e n t a ç ã o

A pandemia da covid-19, que em 10 meses já ceifou a vida de mais


de 1 milhão e 200 mil pessoas mundo afora, vem sendo especialmente
implacável com a América Latina e com a Península Ibérica.
A população da América Latina representa menos de 9% da popu-
lação mundial, mas seu saldo de mortos pela covid-19 chega a 35% do
número total de óbitos no mundo.
A situação da Europa também é dramática: com 11% da população
mundial, o continente abriga aproximadamente 20% das mortes globais
pela pandemia, e enfrenta nos últimos meses do ano de 2020 uma segunda
onda de contaminação.
Peru, Espanha, Chile, Bolívia, Brasil, México, Equador e Argentina
estão entre os países com maior taxa de mortalidade pela covid-19 em
todo o mundo.
Num momento aflitivo como esse, cabe à academia ibero-americana
dar as mãos num movimento fraterno e abrir-se ao diálogo, trabalhando
de modo solidário e participativo em prol do conhecimento mútuo da
região, seus problemas, peculiaridades e potencialidades.
Com esse objetivo em mente, os organizadores da presente coletânea,
docentes em conceituadas universidades do Brasil, Portugal e Espanha,
convidaram 37 professores e pesquisadores em finanças públicas, direito
financeiro, direito tributário, direito econômico, direito regulatório e
relações internacionais para apresentar e discutir em linguagem aces-
sível os principais impactos socioeconômicos da pandemia, bem como
as medidas governamentais e providências jurídicas adotadas nacional e
regionalmente para o enfrentamento dessa dramática situação.

11
Docentes de 9 instituições de ensino superior localizadas em 5 países
ibero-americanos realizaram e enviaram estudos para a coletânea (Ponti-
fícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, Universidade
de São Paulo, Universidade Autônoma de Madri, Universidade de Ali-
cante, Universidade de Valência, Universidade de Havana, Universidade
de Lisboa, Universidade de Coimbra, Instituto Superior de Contabilidade
e Administração de Lisboa).
Doutorandos de 4 universidades luso-brasileiras participam do
volume com estudos desenvolvidos especialmente para essa obra (PUC
Minas, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade do Minho,
Universidade de Lisboa), que também conta com pesquisas produzidas no
âmbito de programas de pesquisa e iniciação científica no Brasil (CNPq)
e em Portugal (Fundação para a Ciência e a Tecnologia).
Os capítulos da coletânea refletem as pesquisas dos Autores em seus
respectivos programas de pós-graduação, especialmente vinculadas a linhas
e projetos de pesquisa sobre cidadania, desenvolvimento e políticas públicas
O livro contém estudos em português (14), espanhol (6) e inglês (2),
e foram escritos especialmente para esta obra, durante os meses de maio
a novembro de 2020, em pleno período da pandemia e seus dissabores.
Os Organizadores agradecem a confiança dos Editores, bem como
a disposição e o trabalho árduo dos Autores, que aceitaram o desafio de
produzir conhecimento científico num curto período de tempo e num
contexto social tão delicado e apreensivo para todos nós, habitantes de
um planeta que beira a exaustão e que mais uma vez dá sinais de que
não vem sendo cuidado e tratado como deveria ser.

Os Organizadores.

12
8
I m p o s t o s o b re a s G r a n d e s F o r t u n a s :
o caso português

Francisco Nicolau Domingos1

1. Palavras iniciais
Winston Churchill afirmava que “a desvantagem do capitalismo é
a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual
distribuição das misérias”. Um dado insofismável dos sistemas fiscais
consiste no aumento da desigualdade2 na tributação do rendimento, por
isso é legítimo questionar: a resposta adequada para o reforço da equi-
dade consiste na introdução de um imposto com um fim marcadamente
ideológico, como o Imposto sobre as Grandes Fortunas?
A finalidade da previsão deste imposto em tempos crise [financeira e
epidemiológica: Covid-19] é intuitiva – arrecadação adicional de receita
e tributação da capacidade contributiva adicional que a titularidade de
património representa. Mas de imediato se colocam questões: i) a opção
não é incompatível com a tributação das sucessões e doações? ii) devem os
titulares de grandes patrimónios realizar um esforço mais intenso que os
restantes cidadãos para promover a arrecadação de receita e, assim, garantir
a sustentabilidade das prestações públicas asseguradas pelo Estado social?
A difusão das novas tecnologias, a integração económica internacio-
nal e a liberalização da circulação de capitais são algumas das causas do
declínio dos impostos pessoais sobre o património, pois têm um efeito

1
Doutor em Direito Tributário pela Universidade de Extremadura – Espanha. Professor
do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa – Portugal.
2
OECD. The Role and Design of Net Wealth Taxes in the OECD: OECD Tax Policy
Studies, n. 26. Paris, OECD Publ., 2018. Disponível em [https://www.oecd.org/
tax/tax-policy/role-and-design-of-net-wealth-taxes-in-the-OECD-summary.pdf
]. Acesso em 3 de julho de 2020.

181
indutor da competição internacional entre países na deslocalização da
riqueza. Isto é, os sistemas fiscais começaram a ser utilizados enquanto
instrumentos de competitividade.
O legislador português durante a crise das “dívidas soberanas”, perante a
necessidade de receitas adicionais, consagrou na ordem jurídica um imposto
sobre os prédios urbanos de valor elevado: tributar com uma alíquota de 1%
os proprietários de prédios urbanos [para habitação e terrenos para cons-
trução de prédios a afetar a habitação] com um valor patrimonial tributário
superior a € 1 000 000,00 – verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Todavia, os múltiplos defeitos no seu design normativo conduziram a que o
referido imposto real não chegasse à adolescência e rapidamente tivesse sido
substituído pelo Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”).3
Impõe-se, assim, analisar as linhas estruturantes do AIMI, carateri-
zação e sustentabilidade normativa no pilar da tributação do património
do Sistema Fiscal português. É este o objeto do nosso labor.

2. AIMI: linhas estruturantes


O AIMI incide sobre a soma do valor patrimonial tributário dos
prédios situados no território português que uma pessoa singular ou
coletiva seja titular [propriedade, usufruto ou superfície], embora deva
ser destacado que ficam excluídos da sujeição: i) os prédios rústicos; ii)
os prédios [urbanos] classificados como comerciais, industriais ou para
serviços e “outros” 4 5e iii) os prédios isentos ou não sujeitos a Imposto
Municipal sobre Imóveis (“IMI”) no ano anterior.
Para a determinação da matéria tributável quando o sujeito passivo é
uma pessoa singular ou uma herança indivisa, o artigo 135.º-C, n.º 2 do
Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“CIMI”) determina que
deve ser deduzida a importância de € 600 000,00. Assim, por exemplo,
caso o sujeito passivo seja uma pessoa singular [solteiro ou casado que
não opte pela tributação conjunta] que na sua esfera jurídica detém, em
propriedade, três prédios, cada um deles com um valor patrimonial tri-
butário de € 300 000,00, a matéria tributável para a aplicação da alíquota
é de € 300 000,00 [€ 900 000,00 - € 600 000,00].
3
Revogado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.
4
CIMI, artigo 6.º, n.º 1, alíneas b) e d): “Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais; […] d) Outros”.
5
Um prédio urbano com a classificação de “outros” é, por exemplo, um estádio de
futebol.

182
Já se optasse pela tributação conjunta, por via do estado civil6 [ca-
samento ou união de facto], se o outro cônjuge não detivesse quaisquer
bens, não existiria tributação em AIMI, pois nesta hipótese é possível
multiplicar a dedução de € 600 000,00 por dois - € 1 200 000,00 – artigo
135.º-D, n.º 1 do CIMI.
A este respeito a doutrina7 sustenta que a opção legislativa de per-
mitir a tributação conjunta promove os casamentos por conveniência
e, por essa via, a evasão e fraude fiscais. Se em bom rigor, nada na letra
da lei determina que os sujeitos passivos separados de pessoas e bens
fiquem impedidos de optar pela tributação conjunta, questionamos
se: por interpretação extensiva do artigo 135.º-D, n.º 1 do CIMI não
devemos chegar a essa conclusão? Não se olvide que, por via de regra,
quem celebra um casamento por conveniência não utiliza os regimes da
comunhão conjugal – geral ou de adquiridos.
A alíquota é de 0,7% para pessoas singulares e heranças indivisas,
sempre que o valor tributável não seja superior a € 1 000 000,00, sendo
que, nos casos em que o valor tributável seja superior a € 1 000 000,00 e
igual ou inferior a € 2 000 000,00 é aplicável uma taxa de 1%, quando o
sujeito passivo seja uma pessoa singular.8 Se a matéria tributável apurada

6
A interpretação do artigo 135.º-D do CIMI com recurso ao elemento literal parece
permitir a conclusão de que o regime de bens do casamento – comunhão geral de
bens, comunhão de adquiridos e separação de bens - é inócuo para a opção pela
tributação conjunta.
7
PIRES, José Maria, O adicional ao IMI e a tributação pessoal do património. Lisboa:
Almedina, 2018. p. 65, nota de rodapé 74.
8
CIMI, artigo 135.º F: “1 - Ao valor tributável determinado nos termos do artigo
135.º-C e após aplicação das deduções aí previstas, quando existam, é aplicada a taxa
de 0,4 % às pessoas coletivas e de 0,7 % às pessoas singulares e heranças indivisas.
2 - Ao valor tributável, determinado nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-C, superior
a 1 000 000 € e igual ou inferior a 2 000 000 €, ou o dobro destes valores quando
seja exercida a opção prevista no n.º 1 do artigo 135.º-D, é aplicada a taxa marginal
de 1 %, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular.
3 - Ao valor tributável, determinado nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-C, superior
a 2 000 000 €, ou o dobro deste valor quando seja exercida a opção prevista no n.º
1 do artigo 135.º-D, é aplicada a taxa marginal de 1,5 %, quando o sujeito passivo
seja uma pessoa singular.
4 - O valor dos prédios detidos por pessoas coletivas afetos a uso pessoal dos titulares
do respetivo capital, dos membros dos órgãos sociais ou de quaisquer órgãos de ad-
ministração, direção, gerência ou fiscalização ou dos respetivos cônjuges, ascendentes
e descendentes, fica sujeito à taxa de 0,7 %, sendo sujeito à taxa marginal de 1 %
para a parcela do valor que exceda 1 000 000 € e seja igual ou inferior a 2 000 000
€, e à taxa marginal de 1,5 % para a parcela que exceda 2 000 000 €.

183
é superior a € 2 000 000,00 é ainda aplicada uma taxa marginal de 1,5%,
também caso o sujeito passivo seja uma pessoa singular.
A tributação em AIMI das pessoas coletivas é efetuada com uma
alíquota proporcional de 0,4% sobre a soma dos valores patrimoniais
tributários - artigo 135.º-F, n.º 1 do CIMI, embora quando estejamos
perante prédios afetos ao uso pessoal dos titulares do capital, dos membros
dos órgãos sociais ou de quaisquer órgãos da administração, gerência ou
fiscalização [ou dos cônjuges, ascendentes e descendentes], são aplicadas
as alíquotas previstas para as pessoas singulares. Destaca-se que a dedução
de € 600 000,00 não é aplicável às pessoas coletivas.
Contudo, a principal questão que os tribunais têm dirimido a
propósito da interpretação do corpo normativo que estabelece o regi-
me jurídico do AIMI consiste em determinar: se a exclusão objetiva à
sujeição – prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou
para serviços e “outros” se estende aos prédios urbanos – terrenos para
construção - em que a edificação prevista se subsuma a prédios urbanos
destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” e “outros”.
A jurisprudência dividiu-se relativamente à resposta a dar à ques-
tão . Se para uma linha deverão ser excluídos de tributação os “terrenos
9

para construção” sem afetação habitacional, ou seja, com fins comerciais,


industriais ou para serviços e “outros”, para outra, a circunstância de o
artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI ter definido uma cláusula de exclusão da
incidência por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios
urbanos [classificados como comerciais, industriais, ou para serviços e
“outros] que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é
possível efetuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras
tipologias que o legislador manifestamente não pretendeu considerar.
De igual modo, não seria possível sequer chegar-se a esse resultado in-
terpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou
de identidade teleológica.

5 - Para os prédios que sejam propriedade de entidades sujeitas a um regime fiscal


mais favorável, a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, a
taxa é de 7,5 %.
6 - O disposto no número anterior não se aplica aos prédios que sejam propriedade
de pessoas singulares.
7 - Os prédios referidos no n.º 4 devem ser identificados no anexo à declaração
periódica de rendimentos prevista no Código do Imposto sobre o Rendimento das
Pessoas Coletivas”.
9
Vide a título de exemplo, a decisão arbitral n.º 686/2017-T, de 7 de maio de 2018
e a decisão arbitral n.º 690/2017-T, de 6 de setembro de 2018.

184
Para a primeira linha jurisprudencial a unidade do sistema jurídi-
co legitimaria a interpretação extensiva da exclusão prevista no artigo
135.º-B, n.º 2 do CIMI, como manifestando uma intenção legislativa
de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção
desses prédios. Assim, se o facto tributário escolhido como índice de
capacidade contributiva é a titularidade de património imobiliário de
valor considerado elevado, seria destituído de fundamento não aplicar o
AIMI a edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços e “outros”
e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção.
Em sentido contrário, a segunda linha jurisprudencial defende que
se encontram abrangidos pela tributação em causa todos os prédios
urbanos classificados como “habitacionais” e todos os prédios [urbanos]
classificados como “terrenos para construção”, e não apenas alguns deles,
sendo que, caso o legislador, na sua norma de exclusão de tributação,
pretendesse excluir uma parte dos prédios referidos no artigo 6.º, n.º
1, alíneas a) e c) do CIMI, teria tido todas as possibilidades de o fazer.
O Tribunal Constitucional10, por diversas vezes, entendeu que a linha
interpretativa conforme ao princípio da igualdade vertido na Constituição
da República Portuguesa (“CRP”) é a segunda.
Nos fundamentos dos acórdãos proferidos relativamente à questão
em análise é possível isolar os seguintes argumentos:

i) se a norma que delimita negativamente a incidência exclui


os prédios urbanos (valor patrimonial tributário) classificados
pela lei fiscal como “comerciais, industriais ou para serviços”
e “outros” – introduzindo uma desigualdade de tratamento
entre sujeitos passivos, por outro, há que dizer que a relação
de igualdade ínsita na norma de incidência tem um conteúdo
distinto da relação de igualdade que se estabelece na norma de
não incidência, v.g. nesta deve atender-se ao critério gizado pelo
legislador. Como também o critério da igualdade nas normas de
delimitação negativa de incidência é o de aplicação a realidades
que se mostrem iguais11; e

10
A título de exemplo - acórdão n.º 299/2019, de 21 de maio de 2019 e acórdão n.º
307/2019, de 29 de maio de 2019.
11
O acórdão n.º 299/2019, de 21 de maio para sustentar a conformidade do artigo
135.º-B, n.º 2 do CIMI com o princípio da igualdade sustenta que: “Estas diferenças
projetam-se no parâmetro constitucional em face do qual deve ser aferida a justificação nor-
mativa. A norma de incidência, porque consubstancia uma onerosidade para o património dos
contribuintes, encontra-se vinculada a repartir o encargo tributário em função da capacidade

185
ii) o financiamento da Segurança Social justifica o critério
de exclusão da incidência relativamente aos prédios urbanos
destinados a comércio, indústria ou para serviços e “outros”,
tipologias necessárias ao funcionamento do tecido empresarial
e, de igual modo, são essas as categorias de prédios que maior
proximidade têm com o funcionamento da vida empresarial.

Por último, o AIMI é liquidado anualmente, no mês de junho, com


base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e
em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de janeiro
de cada ano – data do facto tributário, devendo o mesmo ser pago até
ao final do mês de setembro.
Em resumo, as alíquotas de AIMI não operam como um complemento
[adicional] à coleta de IMI [incide objetivamente sobre o valor patrimonial
tributário dos prédios urbanos para habitação e terrenos para construção
detidos em propriedade, usufruto ou superfície] do sujeito passivo, bem
pelo contrário, aplicam-se sobre uma matéria tributável autónoma apurada
pela soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados
em território português que o sujeito passivo detenha em propriedade. Por
conseguinte, é possível concluir: a sua natureza é de um imposto especial
sobre o património imobiliário, mas a questão será analisada infra.
Importa agora isolar as características estruturantes do AIMI.

3. Caraterização sistémica do AIMI


O AIMI é um verdadeiro imposto e não um mero adicional ao IMI,
pois tem uma normatividade específica, distinta do IMI, para a delimitação

que cada um tem para pagar o tributo – princípio da capacidade tributária; já a norma de
exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade
de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe
atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se
mostrem iguais à luz desse critério – princípio da igualdade. Assim, na primeira tipologia, a
relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz
do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade
estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium
comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais. Nesta última considerando
os efeitos de desoneração ou mitigação que a exclusão tributária provoca no património dos
contribuintes, não se coloca propriamente um problema de tributação sem correspondência na
capacidade contributiva do sujeito passivo; desse modo, por não eleger os factos sobre os quais
incide o tributo, o problema não reside na observância do princípio da capacidade contributiva,
enquanto pressuposto da tributação”.

186
da incidência, matéria tributável e alíquotas [de natureza progressiva em
relação às pessoas singulares].
Paralelamente, o tributo em estudo é um imposto, pois constitui
uma prestação pecuniária exigida pelo Estado aos sujeitos passivos pelo
facto de deterem património imobiliário afeto a habitação e terrenos
para construção. Ou, dito de outro modo, é pago pelos contribuintes
sem qualquer contrapartida.
O AIMI é um tributo de natureza pessoal. A incidência do imposto
modifica-se consoante a situação pessoal do titular do património imo-
biliário - prédios para habitação e terrenos para construção, v. g. incide
sobre o património imobiliário de uma pessoa; releva se o sujeito passivo
é pessoa singular ou coletiva, solteira ou casada e residente, ou não, em
país ou território com um regime de tributação claramente mais favorável
e prevê a não tributação das pessoas singulares que tenham património
imobiliário sujeito com um valor patrimonial tributário inferior a €
600 000,00.
Em terceiro lugar, o AIMI é um imposto parcelar, pois apenas se
aplica à riqueza imobiliária e, concomitantemente, tributa os prédios
urbanos, classificados como habitacionais e terrenos para construção.
Isto é, apesar de ser um imposto sobre a riqueza, no seu âmbito inclui-se
somente a imobiliária.
O legislador português assumiu que, se a deslocalização do capital é
uma inevitabilidade no quadro da competitividade fiscal internacional, o
mesmo não sucede relativamente aos prédios, pois se é verdade que o seu
valor de mercado pode ser realizado – transformado em capital, o prédio
continuará a localizar-se em território português, com o mesmo valor
patrimonial tributário, e detido em propriedade, usufruto ou superfície
por outro sujeito de direitos.12

4. I m p o s t o s s o b re a s G r a n d e s F o r t u n a s :
déjà vu?
A admissibilidade económica, jurídica e política de um imposto
pessoal sobre património não tem sido unânime ao longo da história. Se

12
Sobre a classificação do AIMI veja-se, de forma unânime, PIRES, ob. cit., 2018, p.
39-44 e FREITAS, Mariana Batista de. O novo adicional ao AIMI.Tese de mestrado em
Direito, na especialidade de Direito Fiscal. Universidade de Lisboa. 2020. p. 109-113.
Disponível em [https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37337/1/ulfd136421_tese.
pdf]. Acesso em 15 de julho de 2020.

187
no início do século XX o capitalismo tornou evidente as desigualdades
económicas e sociais e, sobretudo, a concentração de Grandes Fortunas
em poucas famílias, na década de noventa ficou evidente que a política
fiscal dever-se-ia adaptar aos novos cânones económicos e ideológicos
– redução da pressão fiscal [sobretudo] sobre o capital para incentivar
o investimento e o emprego, pois de tal modo efetuar-se-ia o ajuste à
integração e globalização económicas.13
Em bom rigor nos alvores do último século seria a aristocracia da
época quem herdava grandes patrimónios e cujos beneficiários, sem
qualquer esforço para os obter, teriam a possibilidade de viver a partir do
rendimento que os mesmos podiam gerar, quando ao seu lado, a maio-
ria da população vivia do seu trabalho e nada tinha herdado. Tal estado
de coisas conduziu a que as ideologias liberal e socialista afastassem o
instituto da herança por falta de suporte ético. Se para o liberalismo o
acento tónico era colocado no talento e não na circunstância de se ter
nascido numa família rica, para o socialismo constituiria um modo de
perpetuar um sistema de classes injusto. Assim, o imposto geral sobre o
património e o imposto sobre as sucessões progressivo serviriam para
corrigir o papel pernicioso da herança.
No auge do Estado social o imposto pessoal sobre o património
foi considerado como um instrumento redistributivo, até porque fo-
ram as tensões provocadas pelo liberalismo que conduziram à eclosão
da Segunda Guerra Mundial. Por isso, esta modalidade de imposto era
concebida como um instrumento para a diminuição da concentração de
patrimónios em poucas famílias.
Contudo, a ideia de um imposto pessoal sobre o património entrou
em decadência no final do século XX, pois a globalização económica
favorece a deslocalização dos sujeitos passivos do imposto e, por conse-
guinte, o dinamismo para a economia de um país através da exportação de
grandes contribuintes para países onde não existisse este tipo impositivo.
Ou, dito de outro modo, o incremento de receita obtido pelo Imposto
sobre as Grandes Fortunas seria diluído com a exportação de sujeitos

13
Vide sobre a evolução histórica - MARTÍNEZ-VAL, Pilar Navau. La tributación de
las grandes fortunas y la sostenibilidad económica del estado social en el ámbito europeo. In:
BLANCO, Cristina García-Herrera. Encuentro de Derecho Financiero y Tributa-
rio (1.a ed.). “Desafíos de la Hacienda Pública Española”. Justicia en el diseño del
sistema tributario español. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 2012. p. 183-185.
Disponível em: https://www.ief.es/docs/destacados/publicaciones/documentos_tra-
bajo/2012_10.pdf]. Acesso em 5 de julho de 2020.

188
passivos com substancial capacidade contributiva. Foi neste contexto
que vários países aboliram esta modalidade de imposto, como são disso
exemplo a Áustria e a Alemanha. 14
Sucede que esse estado de coisas sofreu um abalo com as crises
financeiras que nos últimos anos têm eclodido, v.g. sub-prime e “dívidas
soberanas”. Ou, dito de outro modo, esta sequência patológica rejuvenes-
ceu a ideia de tributação dos patrimónios de elevado valor, permitindo
não só o aumento de receitas, como também enquanto instrumento
que legitima estender a tributação até ao limite máximo da capacidade
contributiva [sem assumir natureza confiscatória] dos sujeitos passivos.
Vejamos agora alguns argumentos que a doutrina continua a enume-
rar e a analisar relativamente aos perigos e mais-valias da implementação
de um imposto que tribute os patrimónios de elevado valor.15
Quanto aos riscos, a tributação das Grandes Fortunas constitui um
obstáculo ao aforro e tem ínsita uma manifesta injustiça, pois constituiria
uma forma de censurar o esforço de quem obteve essa concentração de
património com a omissão da prática de atos de consumo. Ou, dito de
outro modo, destaca-se que nem toda a concentração patrimonial se
efetua pela aquisição gratuita por via sucessória.
Em segundo lugar, é assinalado o facto de a tributação dos grandes
patrimónios constituir um obstáculo à atração do investimento e do
empreendedorismo e, por essa via, do desenvolvimento, competiti-
vidade e eficiência económica no quadro da atual competitividade
fiscal internacional.
Já aqueles que pugnam pela repristinação desta modalidade de tri-
butação defendem que, para além da finalidade intuitiva – arrecadação
de receita, evitaria a concentração de riqueza em determinadas camadas
da sociedade, tributando-se os contribuintes com grandes patrimónios

14
MARTÍNEZ-VAL, ob. cit., p. 184.
15
PIRES, ob. cit., 2018, p. 18-38;VEIGA, Sara Ferreira. A tributação das grandes fortunas.
Dissertação de mestrado em Direito Tributário e Fiscal. Universidade do Minho. 2017.
Disponível em [http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/50271/1/
Sara%20Ferreira%20Veiga.pdf]. Acesso em 15 de julho de 2020; MARTÍNEZ-VAL,
Pilar Navau, ob. cit., p. 189-191 e PABLOS, Jesús Félix García de. La imposición personal
sobre la riqueza como forma de gravamen de los contribuyentes con rentas altas. In: BLANCO,
Cristina García-Herrera. Encuentro de Derecho Financiero y Tributario (1.a ed.).
“Desafíos de la Hacienda Pública Española”. Justicia en el diseño del sistema tributa-
rio español. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 2012. p. 108-112. Disponível em:
[https://www.ief.es/docs/destacados/publicaciones/documentos_trabajo/2012_10.
pdf]. Acesso em 5 de julho de 2020.

189
e, por conseguinte, alcançar-se-ia uma função redistributiva justa dos
rendimentos e da riqueza, promovendo-se a igualdade de oportunidades
na sociedade. Tal opção teria o valor acrescentado de perceber a origem
do rendimento que gerou a concentração de riqueza. Isto é, o imposto
constituiria um elemento de luta contra a evasão e fraude fiscais, com-
batendo os efeitos perniciosos que tais práticas têm na sociedade.
Em segundo lugar, referem que se a titularidade das Grandes For-
tunas evidencia um significativo acréscimo da capacidade contributiva
dos contribuintes, legitimada fica uma maior oneração fiscal. Ou, dito
de outro modo, a tributação da elevada concentração de património
constituiria um instrumento ao serviço da solidariedade entre os cidadãos.
Em terceiro lugar, defendem que permitiria acionar a responsabi-
lidade social que os titulares de Grandes Fortunas têm nas crises finan-
ceiras que assolaram muitos países nos últimos anos.16 Para além do mais,
a modalidade impositiva constituiria um meio adequado para diluir os
grupos de influência e pressão que com elevada concentração de riqueza
podem influenciar negativamente o mercado.
Acrescentam que, a tributação das Grandes Fortunas não deve
concentrar-se somente num único marco cronológico da vida dos
contribuintes – herança, a qual pode até ser evitada com a transmissão
do património em vida ou no momento da tributação do consumo, na
medida em que o acréscimo de capacidade contributiva não seria tribu-
tado. Paralelamente, existem bens de elevado valor que integram a esfera
jurídica dos contribuintes, mas escapam à tributação do património, como
são disso exemplo as joias ou as obras de arte.
A nosso juízo, se concordamos com a bondade jurídica da modalidade
impositiva, pois: i) há necessidade de arrecadação adicional de receita perante a
sucessão de crises financeiras, enquanto mecanismo para assegurar a sustentabi-
lidade das finanças públicas; ii) impõe-se reforçar a progressividade do sistema
fiscal e adotar uma política fiscal que promova o investimento. Inversamente
entendemos que são múltiplos os obstáculos de índole prática à previsão de
um Imposto sobre as Grandes Fortunas no século XXI, como a delimitação
e avaliação dos bens a incluir na incidência e as consequências económicas
que dele resultam – retração do investimento e empreendedorismo.

5. A I M I : U m i m p o s t o s o b re a s G r a n d e s
Fortunas?
16
MARTÍNEZ-VAL, ob. cit., p. 191.

190
O embrião do AIMI está na crise das finanças públicas portuguesas
e consequente necessidade de aumento da receita fiscal. Fundamento esse
idêntico àquele que esteve na origem do Imposto do Selo que incidia
sobre os prédios urbanos de elevado valor patrimonial tributário e que
em 2012 justificou a criação desse instrumento adicional para reforçar
a receita. Em bom rigor, a essa crise devemos aditar a crise do financia-
mento da Segurança Social, circunstância que determina que a receita de
AIMI se encontre consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da
Segurança Social – artigo 1.º, n.º 2 do CIMI17. Na verdade, o financia-
mento da Segurança Social cada vez mais depende da receita de impostos,
por isso é legítima a opção, visto que constitui uma fonte adicional de
financiamento sobre uma dimensão da capacidade contributiva que não
está associada a esse financiamento.18
O segundo motivo encontra-se na necessidade de fazer incidir o
esforço na contribuição para a satisfação das necessidades financeiras
relativamente àqueles sujeitos que manifestam índices de capacidade
contributiva mais elevados. Por isso, o AIMI prevê a aplicação de alíquotas
progressivas e a possibilidade de dedução de € 600 000,00 relativamente
às pessoas singulares.
O AIMI é um imposto que ao incidir sobre o valor patrimonial
tributário dos prédios urbanos para habitação e terrenos para constru-
ção de que os sujeitos passivos são titulares aproxima-se de um imposto
especial sobre o património imobiliário [apesar de existirem prédios
urbanos em que o valor patrimonial tributário se encontra excluído da
incidência, mormente para comércio, indústria ou serviços e “outros”],
embora com a dedução de € 600 000,00 para os sujeitos passivos pessoas
singulares e heranças indivisas.
Em segundo lugar, é um imposto progressivo sobre o património
imobiliário, pois tributa com maior intensidade as pessoas singulares em
que o valor tributável [da soma dos prédios sujeitos] é mais elevado –
superior a € 1 000 000,00 ou € 2 000 000,00, concretizando um dos seus
fundamentos – fazer incidir o esforço fiscal relativamente aos cidadãos
que manifestem maior capacidade contributiva.
Na nossa opinião, o relativo sucesso do AIMI encontra-se em duas
ordens de razões: i) desenho da incidência; e ii) na isenção prevista no
artigo 6.º, alínea e) do Código do Imposto do Selo (“CIS”).

17
Embora a regra geral consista na não consignação da receita de impostos.
18
Decisão arbitral n.º 420/2018-T, de 15 de janeiro de 2019.

191
Recorde-se que as transmissões gratuitas por via da celebração de
contrato de doação ou via sucessória – sujeitas e não isentas – são tributadas
com uma alíquota proporcional de 10%.19 Contudo, naquelas hipóteses
em que o objeto da transmissão é um prédio, acresce a alíquota de 0,8%,
relativamente às quais não se aplica a isenção de imposto quando os bene-
ficiários são o cônjuge, descendentes ou ascendentes.20 Ou, dito de outro
modo, pode verificar-se a aplicação cumulativa das referidas alíquotas21.
Em suma, o AIMI constitui um sucedâneo do Imposto sobre as
Grandes Fortunas, ao fazer incidir o esforço fiscal sobre os titulares
de avultados patrimónios imobiliários de natureza não produtiva [tri-
butando uma manifestação adicional de capacidade contributiva] 22,
transmitidos por via sucessória com isenção do Imposto do Selo. O
legislador foi sensível à circunstância de o capital poder ser deslocali-
zado, realidade que não é possível replicar relativamente aos prédios.
Assim, se é verdade, que, por um lado, o direito de propriedade pode
ser transformado em liquidez com a venda, por outro continuará a ser
possível lançar e cobrar o imposto sobre os imóveis. Em segundo lugar,
a transmissão gratuita por sucessão ou doação do direito de propriedade
sobre, nomeadamente, bens imóveis e móveis sujeitos a registo encon-
tra-se isenta do pagamento de Imposto do Selo quando os beneficiários
sejam os cônjuges, descendentes ou ascendentes.

6. Palavras finais
O AIMI não é um imposto geral sobre a riqueza, pois não só não
integra todos os prédios urbanos, como não tributa os bens móveis ou
direitos de crédito sobre depósitos bancários, ainda assim permite fazer
incidir o esforço fiscal sobre os sujeitos passivos que detenham índices
mais elevados de capacidade contributiva.
19
Tabela Geral do Imposto do Selo, verba 1.2: “Aquisição gratuita de bens, incluindo
por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor – 10%”.
20
Tabela Geral do Imposto do Selo, verba 1.1: “Aquisição onerosa ou por doação do
direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como
a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respetivos contratos -
sobre o valor – 0,8 %”.
21
Deve esclarecer-se que apenas as doações [e aquisições onerosas] são abrangidas
pela verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Ou, dito de outro modo, as
transmissões por via sucessória não estão sujeitas à aludida verba.
22
Os prédios urbanos que se destinem ao comércio, indústria ou para serviços e “ou-
tros” não concorrem para a determinação do valor tributável do AIMI.

192
É um imposto, de natureza pessoal e com natureza parcelar, na me-
dida em que o CIMI [na parte aplicável] estabelece regras próprias de
incidência e determinação da matéria tributável; prevê a não tributação
das pessoas singulares com património inferior a € 600 000,00 e incide
somente sobre o seguinte segmento do património imobiliário – prédios
urbanos classificados como habitacionais e terrenos para construção, mes-
mo aqueles que tenham uma afetação projetada para comércio, indústria,
serviços ou “outros”.
O sucesso do imposto encontra-se em parte na circunstância de o
legislador português ter optado por isentar as transmissões gratuitas por
via sucessória e por contrato de doação entre cônjuges, descendentes e
ascendentes, ultrapassando assim uma das limitações que a OCDE assi-
nala no Relatório sobre as finalidades e design normativo dos Impostos
sobre as Grandes Fortunas, v.g. a restrição de argumentos de um ponto de
vista da igualdade e eficiência para prever um Imposto sobre as Grandes
Fortunas em adição a um bem desenhado imposto sobre as Sucessões e
Doações, com alíquotas progressivas.
O AIMI constitui um sucedâneo do Imposto sobre as Grandes
Fortunas, ao fazer incidir o esforço fiscal sobre os titulares de avultados
patrimónios imobiliários de natureza não produtiva, transmitidos por via
sucessória com isenção do Imposto do Selo.

R e f e rê n c i a s
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Municipal de Imóveis (AIMI). Tese de mestrado em Ciências Jurídico-E-
conómicas. Universidade do Porto. 2019. Disponível em [https://repo-
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am/1822/50271/1/Sara%20Ferreira%20Veiga.pdf ]. Acesso em 15 de
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