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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Aula 1 – 15/09/2020
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Aula 2 – 21/09/2020
Sumário: Análise genética e conceptual de DIP; distinção entre DIP e Direito Internacional
privado
Nascimento do DIP
Facto de haver uma sociedade internacional > onde há uma comunidade/um conjunto de
pessoas há a necessidade de fazer regras que disciplinem as suas relações
A partir do momento em que haja uma sociedade internacional composta por sujeitos de
direito internacional, os primeiros foram os Estados (estado clássico/ de
Vestefália/oriental/ estamental da Idade Média), impérios que constituíram um pré-
Estado, sendo entidades que eram comunidades humanas que se relacionavam entre si na
paz e na guerra, a partir do momento em que foram estabelecidas regras, muitas delas
orais, em tratados verbais ou escritos, em convenções, surgiram as premissas do DIP.
A sociedade internacional, sendo interestadual, a noção de Estado aqui falada é uma noção
no sentido histórico, antes do Tratado de Vestefália.
Depois de Vestefália, o Estado afirma-se de uma forma diferente: passa a ser uma
coletividade politicamente organizada, com um povo em sentido jurídico – população
agregada num território pelo vínculo da nacionalidade - , com um território delimitado e
com fronteiras precisas e com um pode político soberano, no interior dessa parcela
territorial.
Assim, os vínculos que existiam anteriormente ao Império, à Igreja e ao Papado
desaparecem e surge uma nova ordem internacional, uma ordem essencialmente
interestadual, e é nesse momento que se afirma o DIP com mais vigor.
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Mais tarde, depois da II Guerra Mundial, passamos a ter uma situação diferentes, em que
os Estados continuam, como unidades primárias e decisivas da sociedade internacional,
mas os Estados passam-se a agrupar muitas vezes em organizações internacionais,
associações de Estado que prosseguem fins de natureza comum.
Hoje em dia não temos já um único sujeito de DIP, que é o Estado, temos também as
organizações internacionais, para além de outros sujeitos de capacidade limitada, como
movimentos de libertação, movimentos emancipalistas, movimentos insurretos e
governos de exilio. Contudo, o Estado continua a ser componente indispensável daquilo
que é hoje em dia o DIP e a sociedade internacional, que é regida por esse direito, porque
as próprias organizações internacionais são associações de Estados. Mesmo que mais
tarde possa haver organizações que se transforem em federações, o DIP regeria normas
entre essas macro entidades e outros agrupamentos de Estado.
O elemento estadual está sempre subjacente à génese do DIP e é inseparável do mesmo.
Podemos conceber dois grandes períodos de evolução do DIP, estando cada um subdivido
em várias fases.
1. Período de formação do DIP:
a. Vai desde a Antiguidade Clássica ás Revoluções Norte-Americanas e
Francesas (período particularmente longo);
b. Neste período o DIP está num “limbo” entre o que será direito em sentido
próprio (regras jurídicas com força imperativa) e uma espécie de moral
pública (conjunto de convenções que os Estados deveriam seguir);
c. Primeira fase: A Antiguidade Clássica é um período mais incerto, em que
havia relações entre as comunidades pré-estaduais/Estados em sentido
histórico (ex.- os impérios, como Roma e os povos bárbaros), durante o
qual emerge, particularmente em Roma, a noção de jus gentium – Direito
das Gentes - , como primícia histórica daquilo que é o direito internacional.
d. Jus Gentium era algo confuso, porque abarcava várias coisas: direito
aplicado a estrangeiros; convecções, tratados ou acordos estabelecidos
com outros povos; mesmo dentro do Império Romano, relativamente a
fortalezas que se encontravam nas fronteiras com os povos bárbaros –
ideia de direito aplicável a estrangeiros, a relações externas ou a zonas
militares, fora do perímetro central de Roma, nas periferias imperiais.
e. Segunda fase diz respeito à Idade Média e à Idade Moderna, antes do
Tratado de Vestefália. Durante este período tínhamos um direito muito
eurocêntrico – centrada nos povos europeus. A comunidade de sujeitos de
Direito Internacional era essencialmente europeia, sem prejuízo de
integrar também outros povos poderosos, muitas vezes adversários da
Europa, como era o Império Persa ou Otomano. Há uma noção de que os
Estados cristão, formariam aquilo que era chamado a República Cristã,
onde emergia o papel relevante do Papado e também do Imperador,
embora o Sacro Império Romano-Germânico tivesse uma força muito
variada. O Papado funcionava na Europa como espécie de Organização das
Nações Unidas, porque determinava através das suas ramificações eclesiais
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pelo único membro competente, como braço armado, os EUA: uma ordem
internacional com um braço secular armado que seria a única
superpotência. Contudo, esta nova ordem internacional foi efémera: houve
várias intervenções das Nações Unidas em Estados que estavam a
desintegrar (ex. - Somália) e intervenção de tropas americanas. A partir daí
a ideia dos EUA serem um braço secular desinteressado da ONU não
funcionou. Com o fenómeno do terrorismo internacional – 2001: ataque às
torres gémeas, intervencionismo americano nas áreas Afeganistão, Iraque e
Estados Árabes – deu origem a uma realidade diferente: deixou de haver
nem bipolarismo, nem unipolarismo, passando a haver um mundo
multipolar. A Rússia reafirmou os seus direitos regionais e anexou a
Crimeia, fazendo a sua própria política na Síria que se desintegrava. Os EUA
fizeram a sua própria política, bem como a Europa, no mediterrâneo, com
intervenções várias. A Turquia está a atuar no mediterrâneo atualmente
para consagrar um mar turco, com o apoio da Líbia e de outros movimentos
numa parte da Síria. O Irão e a Arábia Saudita degladiam-se numa série de
conflitos.
Esta terceira fase do segundo período representa um certo enfraquecimento do DIP geral
ou comum, tendo como contraponto o reforço do Direito Internacional Público Especial,
fortalecendo-se organizações internacionais de tipo regional: a organização dos Estados
americanos, a União Europeia, a Organização de Segurança e Cooperação na Europa, o
Conselho da Europa, a ASEANE, o Mercosul. Criam-se fundamentos para que os Estados se
grupem em função de interesses geográficos e económicos, sendo que estas organizações
em que eles se agrupam, passam a relacionar-se entre si como sujeitos de direito
internacional – fenómeno do regionalismo internacional (regionalismo ligado a
organizações internacionais defensoras de interesses comuns, muitos dos quais têm uma
base geográfica).
Esta terceira fase é uma fase de blocos regionais, onde o DIP de facto é importante, porque
parte destes blocos tem os seus próprios tribunais (Organização dos Estados americanos,
Conselho da Europa, tribunais da ONU), havendo uma maior intervenção de um direito
internacional público especial. É nesta fase que nos encontramos.
• Sujeitos – O DIP seria definido como o conjunto de normas jurídicas que regulariam
as relações entre Estados (o DIP é um direito um pouco estatocrático). Hoje em dia
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não o podemos definir assim, uma vez que atualmente o DIP envolve relações entre
sujeitos de DIP que não são apenas os Estados (ex. – organizações internacionais).
O critério subjetivista que atende essencialmente aos sujeitos poderia definir DIP, já
não como o direito que regula relações entre Estados, mas o direito que regula
relações entre sujeitos de direito internacional. Contudo, esta definição presente no
caso Lótus, no TJI, é insuficiente, porque a pergunta que se faz é “quem são esses
sujeitos?”. É uma definição que claudica na identificação do elemento subjetivo, que
afinal é o epicentro da mesma. Esta definição foi confrontada com outras, por
exemplo, com uma, também já superada, que atende ao critério do objeto.
• Objeto – O DIP seria o conjunto de normas jurídicas que regularia questões ou
matérias especificas da sociedade internacional, matérias intrinsecamente
internacionais (caso Nottenbohm, do TIJ). É uma definição considerada insuficiente,
pois questiona-se quais são hoje em dia as matérias intrinsecamente e naturalmente
internacionais. Temos visto ultimamente que matérias que eram próprias do direito
interno, como é o caso do direito penal (direito internacional penal), matéria
financeira (tratado orçamental europeu), matéria de segurança (tratados de
cooperação). Esta definição é ainda menos relavante do que a anterior.
• Fontes – Critério formalista defendido pelo professor André Gonçalves Pereira. O
DIP seria o conjunto das normas jurídicas que são produzidas e reveladas pelos
processos próprios da sociedade internacional. Há efetivamente fontes que são
especificas e próprias da sociedade internacional, com um processo de revelação
diferente daquilo que acontece com as normas de direito interno. Sendo verdade,
falta aqui qualquer coisa para CBM. Estas normas destinam-se a regular o quê? Falta
um objeto. Pegando em subsídios dados pelo professor André Gonçalves Pereira,
aditamos a esta definição um outro critério: o critério estrutural.
• Estrutural – O DIP é o conjunto de normas de direito, produzidas por fontes próprias
de direito internacional (processos próprios de produção e revelação
intrínsecos/inerentes á sociedade internacional) e que se destinam a reger as
relações jurídicas internacionais, as quais são de três tipos.
• Sociedade internacional – Não é uma noção fácil, na medida em que muitas vezes se
usa indiferenciadamente as expressões sociedade e comunidade internacional. Em
termos rigorosos, Tunisse, por exemplo, disse que a sociedade internacional era
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uma realidade mais ampla do que comunidade – a comunidade seria uma espécie
integrada no género mais amplo que é a sociedade. A sociedade faz parte de uma
associação inorgânica de pessoas coletivas internacionais, ou seja, pessoas jurídico-
públicas que estabelecem entre si relações jurídicas de natureza comum –
organizações internacionais constituídas no seu âmbito onde esses Estados se
encontram agrupados, para tratar de assuntos que, no fundo, são de interesse geral
da comunidade internacional, ex. : ONU (Estados adversários ou, por vezes,
inimigos, mas que acabam por estabelecer entre si relações de cooperação ou não-
agressão num contexto dessa mesma sociedade), OMS. Uma comunidade é uma
realidade distinta, significando que os estados que integram uma comunidade têm
uma relação de pertença, bem como elementos identitários que os aproximam num
projeto não só de cooperação, mas de valorização e promoção daquilo que é o seu
tronco político, cultura, económico ou outro de natureza comum. É algo de mais
coesivo do que uma sociedade internacional, veja-se o caso da União Europeia:
começou como Comunidade Económica Europeia, mas é efetivamente uma
comunidade de polos europeus que têm elementos aglutinadores que projetam
aquilo que é um programa coletivo. a noção que nos interessa mais é a de sociedade.
Muitas vezes – aconteceu no parecer no TIJ, no parecer sobre a Namíbia, em 1971 –
são as próprias organizações internacionais que usam indiferenciadamente os dois
conceitos, utilizando o conceito de comunidade internacional querendo referir-se à
sociedade internacional – em rigor distinguem-se, mas é comum haver uma
indiferenciação na denominação destes dois conceitos. Diz-nos particularmente
importância o conceito de sociedade, que diz respeitos aos sujeitos de direito
internacional público existentes no âmbito das suas relações, mesmo que estas
sejam conflituais e antagónicas.
• Relações jurídicas internacionais – Elemento muito importante, sendo estranho que
o professor AGP não o tenha integrado na sua definição, tendo sido ele pioneiro. O
DIP visa estabelecer normas que regem as relações jurídico-internacionais de
carácter público, que envolve as relações estabelecidas entre os diferentes sujeitos
de direito internacional, ou seja, que têm capacidade para estabelecer relações
jurídicas internacionais (tese consta no manual do professor André Gonçalves
Pereira), as quais se dividem em três tipos:
o Relações de subordinação – Há um sujeito de direito internacional que se
encontra posicionado numa plataforma supra-ordenada em relação a outro,
ou seja, um sujeito encontra-se numa posição de domínio em relação a
outros sujeitos. As relações jurídicas internacionais são relações que se
estabelecem entre sujeitos de direito internacional. Relações típicas de
subordinação, em sentido histórico, eram os Estados vassalos (ex. - Turquia)
e os protetorados de direito internacional (o estado protetor é um Estado
que exerce um certo domínio sobre o Estado protegido, que se traduz no
facto do Estado protegido, no âmbito das relações internacionais e da defesa,
necessitar, muitas vezes, de autorização ou ratificação do Estado protetor
para a prática de certo tipo de atos atinentes - esfera de segurança, entre
outros). Protetorados em sentido próprio em sentido próprio, geralmente
havia tratados de protetorado, a permuta desta intervenção era o facto do
Estado protetor, em caso de agressão ao Estado protegido, assumia o
compromisso de proteger este último (ex. – protetorado espanhol e francês
em Marrocos; protetorados britânicos nos Estados Árabes do Golfo, que já
terminaram; até 1985, sultanato do Brunei na ilha do Brunei; protetorados
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que não são chamados como tal, mas que o são juridicamente, como a Bósnia
Herzegovina)
o Relações de reciprocidade – Não tem uma posição diferencial de supra
ordenação ou infra ordenação. São relações horizontais, equiordenadas
entre sujeitos de direito internacional, em regra, Estados ou organizações
internacionais, que visam satisfazer os seus interesses recíprocos. O direito
internacional serve para os Estados defenderem os seus interesses próprios,
sendo que os interesses do Estado por vezes são diferentes, pelo que não é
comum existir aquilo a que se chamam “trade offs”, ou seja, compensações
mútuas. Tratados bilaterais, ou seja, tratados bilaterais celebrados entre
dois Estados, acomodam estas relações (podia originar situações de
assimetria de domínio).
o Relações de coordenação – Relações horizontais entre Estados, que visam
satisfazer interesses coletivos. Por vezes, os Estados têm os seus interesses
próprios e têm que abdicar deles para salvaguardar os interesses
comuns/coletivos, tais como a cooperação económica, tratamento
humanitário de presos de guerra, questões relacionadas com a criação de
tribunais internacionais para a Comissão de crimes de guerra, crimes contra
a paz e crimes contra a humanidade (fins inerentes à própria sociedade
internacional e que são regidos por tratados multilaterais).
Por vezes, existem situações duvidosas em que nos perguntamos, perante um tratado, se as
relações dominantes são de cooperação ou de reciprocidade? Na dúvida, se o objeto da
relação for comum àquilo que são os interesses gerais da comunidade internacional,
diremos que estamos a tutelar relações jurídicas de coordenação. Veja-se o caso sobre o
tratamento de prisioneiros de guerra (regras de Direito Humanitário, que pode ser
considerado direito imperativo), defesa dos direitos do Homem e salvaguarda do Direito
Humanitário, nessa base prevalece uma relação jurídica de cooperação, embora se possam
acomodar os interesses específicos de cada um dos Estados envolvidos.
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Sistema de fontes
Fontes do DIP – Modos de produção, revelação e justificação das normas de Direito
Internacional
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Art. 38.º:
1. Convenções internacionais
2. Costume
3. Princípios de DIP
4. Jurisprudência e doutrina
5. Menção à equidade
1. Menção à equidade
O art. 38.º do estatuto do TIJ é norma de referência para a enumeração daquilo que são as
fontes do direito internacional, sendo objeto de diversas críticas, nomeadamente. pelos
professores André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros:
1. A linguagem estaria obsoleta - A propósito dos princípios de DIP fala-se em
princípios das Nações Civilizadas, que é uma expressão anterior à descolonização,
sendo que hoje em dia todas as nações são consideradas civilizadas. Esta expressão
é uma noção de uma comunidade internacional anterior, extremamente
eurocêntrica, que, entretanto, despareceu. Para CBM não é o argumento mais forte,
porque nos devemos focar nos princípios de DIP e não nesta expressão.
2. Mistura entre fontes formais, materiais, diretas e indiretas - CBM não o acha, sendo
que mistura haveria se na mesma alínea ou número se falasse simultaneamente em
costume e jurisprudência, o que não é feito, porque cada inciso é dedicado a uma
coisa distinta.
3. Ambiguidade quanto à hierarquia entre as fontes - Não há supostamente nenhuma
hierarquia entre fontes, sendo este um dos ensinamentos do DIP. Pode haver uma
hierarquia entre certas normas de direito internacional, mas não entre fontes (ex. –
o costume não tem hierarquia superior ao tratado). Por vezes, chega a haver
transições entre fontes: uma regra começa por ser um princípio, depois converte-se
num costume e acaba por ser plasmada num tratado. O que se pode dizer é que há
uma precedência aplicativa entre as fontes que são imediatas e as fontes mediatas,
que são a jurisprudência e a doutrina (o que parece resultar do próprio artigo).
4. Há uma lacuna – Preenche-se com os atos jurídicos unilaterais.
5. Elevação indevida da equidade a fonte de Direito – A equidade é uma medida de
valor que visa temperar o rigor do Direito. Muitas vezes ajusta a norma ao caso
concreto: a aplicação pura e dura de uma determinada regra, por vezes, cria uma
injustiça maior do que a sua não aplicação. É uma medida ligada ao valor de justiça
que tempera o Direito. A equidade poderá não ser fonte de Direito em sentido
próprio quando atua interpretativamente – equidade secundum legem. CBM tem
dúvidas, mas entende que poderá não ser fontes quando tenha um papel integrativo
para integrar lacunas. A equidade contra legem, ou seja, uma equidade que derrogue
ou revogue normas de tratados ou costumes obviamente que cria uma regra de
Direito contrária, gerando Direito, pelo que é uma fonte de Direito. Aí CBM não está
de acordo com o entendimento de que a equidade nunca seria fonte de Direito: pelo
menos a equidade derrogatória de uma convenção ou de um costume é fonte de
Direito
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As fontes não têm qualquer hierarquia. Todavia, há um enunciado que nos permite dizer
que havendo regras escritas num tratado, estas devem ter precedência aplicativa. Há um
litígio, havendo um tratado, aquilo que se deve aplicar, em primeiro lugar, é o Direito mais
certo. O costume tem vindo a diminuir a sua extensão e o seu alcance, porque muitas das
suas regras têm vindo a ser positivadas em tratado e algumas alteradas (ex. – costume do
direito do mar não desapareceu, mas é subsidiário à convenção de Montego Bay sobre o
direito do mar).
Em regra, dá-se uma precedência aplicativa aos tratados ou convenções, depois ao costume,
que cria critérios de decisões estáveis, e depois aos princípios. Contudo, isto não significa
que não possa haver um costume que contraria a regra de um tratado e a derrogue ou um
princípio que leve a um afastamento de certo tipo de normas de um tratado ou de uma regra
consuetudinária.
Aula 3 – 29/09/2020
Princípios de DIP
Os princípios de DIP são fontes materiais percetíveis, ou seja, são enunciados jurídicos de
valores dotados de uma grande indeterminação (gerais e abstratos, mas fortemente
indeterminados) que acabam por justificar certos comandos jurídicos (princípios justificam
normas), sendo algumas delas próprias do DIP e outras comuns ao direito interno.
É uma fonte de formação espontânea. Os princípios são normas, têm caracter normativo, ou
seja, são mandatos de otimização e conceberam-se na esfera do direito internacional de
duas formas:
1. Foram transplantados na sua grande maioria a partir do Direito Interno dos Estados
– veja-se o caso, a nível de princípios comuns, o princípio da boa fé, muito evidente
na ideia do pacto sum cervante (os tratados celebrados validamente devem ser
cumpridos, sendo que esse cumprimento implica que as partes o façam de uma
forma consciente e intelectualmente honesta), o princípio da proporcionalidade, o
princípio do respeito pelo caso julgado, o princípio do abuso de direito (presente em
sede de responsabilidade internacional), o princípio do ónus da prova, o princípio
da segurança jurídica (muito importante) e o princípio da Kompetenz, como dizem
os alemães, que atribui aos tribunais superiores a possibilidade de definirem, em
caso de dúvida, a sua própria competência (tal encontra-se previsto no estatuto do
TJI).
2. Há princípios originários do próprio DIP, que derivam das relações internacionais,
da estabilização dessas relações na base de critérios especiais de decisão.
a. Respeito pela integridade territorial e pela soberania dos Estados – Com a
paz de Vestefália, as fronteiras passaram a ser definidas, o soberano deixou
de ser apenas o monarca e passou a ser também o Estado. Nem sempre é
verdadeiramente observado (iniciada uma guerra entre a Arménia e o
Azerbaijão por haver uma disputa em relação a um enclave).
b. Princípio da não agressão – Os conflitos internacionais resolvem-se, em
regra, por via diplomática e não através do abuso do mundo da força. Com a
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Carta das Nações Unidas, a guerra passou a ser proibida, apenas é legitimada
ou aceite juridicamente como válida a legitima defesa.
c. Princípio da não interferência nos assuntos internos dos outros Estados –
Embaixador norte-americano em Lisboa veio dar indicações, seguidas de um
quase “ultimato”, isto é, um conjunto de considerações agressivas, relativas
aos negócios com a China sobre o 5G e sobre o Porto de Sines. Há ingerências
muito mais significativas, tais como a dos EUA na Ucrânia e na Rússia e da
Rússia nas eleições americanas. É um princípio que é sempre proclamado,
mas que é muitas vezes derrogado e não cumprido.
d. Princípio da autodeterminação dos povos sobre ocupação estrangeira ou
domínio colonial – Foi equacionado no século XIX aquando da
independência das colónias espanholas e do Brasil em relação a Portugal,
mas que ressurgiu em força no período da descolonização, nos anos 60 e 70
do século XX. É a ideia de que os povos têm a faculdade de disporem de si
próprios e de escolherem o seu próprio destino. Claro que este pode
consistir na continuação da ligação com uma mãe-pátria.
e. Princípio do uti possidetis juris – Se há territórios que anteriormente eram
colónias ou que faziam parte mesma república e se separaram, essa
separação e antigos Estados federados/territórios/colónias que tinham
fronteiras coloniais, a partir do momento em acedem à independência, essas
mesmas fronteiras coloniais passam a ser as fronteiras dos Estados (ex.:
Angola e Moçambique). Este princípio nasceu com a independência das
colónias espanholas no século XIX e, mais tarde, marcou as independências
africanas. Foi consagrado para evitar guerras fronteiriças e pela posse de
territórios de outro Estado, ou seja, disputas territoriais (ex.: caso da
Arménia). Tem funcionado como um apaziguador de relações
internacionais, mas ás vezes não é respeitado por razões de política real,
havendo comunidades humanas que não querem pertencer a outro Estado.
Aqui o princípio da autodeterminação interna acaba por contrapor-se a este.
f. Princípio da especialidade das organizações internacionais – As
organizações internacionais têm um conjunto de critérios estruturantes
próprios (princípio da especialidade – a organização exerce diversas
competências que dizem respeito aos seus fins estatutários previstos em
convenções internacionais).
Os atos jurídicos unilaterais tanto podem ser dos Estados como das organizações
internacionais.
É uma decisão tomada por um só sujeito de Direito Internacional e cuja produtividade, em
termos de efeitos, validade e eficácia, acabam por operar si próprias, não dependendo de
qualquer outro ato jurídico concorrente, ou seja, basta que um só sujeito de direito
internacional emita o ato para que ele tenha consequências jurídicas ou políticas.
No que toca aos atos jurídicos unilaterais dos Estados, eles podem ser:
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Existe hierarquia entre fontes? Não há hierarquia entre fontes imediatas, ou seja, não há
hierarquia entre o tratado como fonte, o costume como fonte e os princípios de DIP ou
relativamente aos atos jurídicos unilaterais de carácter autónomo, que esses não dependem
de outras fontes. Já é mais duvidoso que não se possa falar de hierarquia entre as restantes
fontes imediatas – tratado, costume e princípios – e os chamados atos jurídicos unilaterais
não autónomos, que como o nome indica estão dependentes de outro tipo de normas
oriundas de outras fontes.
Entre as principais fontes – tratado, costume e princípios – não existe hierarquia, mas há
um primado das chamadas fontes imediatas sobre as fontes mediatas (jurisprudência e
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doutrina). A jurisprudência deve de alguma forma aplicar o direito a litígios, ou seja, tem
que tomar em consideração e não deve decidir, exceto na equidade contra legem e por
acordo entre as partes, contra aquilo que são as disposições normativas em vigor,
produzidas através de fontes consuetudinárias, convencionais ou justificadas através de
princípios. Há um primado das fontes imediatas e das fontes formais, sob as fontes mediatas.
Mas se não há uma hierarquia entre fontes imediatas não quer dizer que não exista uma
hierarquia entre as normas produzidas por essas mesmas fontes, em certas circunstâncias.
Um tratado como norma tem uma hierarquia superior ao costume como norma, a uma
norma consuetudinária? Um princípio prevalece sobre um costume ou um tratado?
(estamos a falar não das fontes, mas das normas produzidas por essas fontes)
Não há um tratado como norma, uma norma consuetudinária e um princípio de DIP, têm,
por regra, a mesma hierarquia, mas há exceções. Há situações entre normas com certas
características existes:
1. Ius cogens – Previsto no art. 53.º da Convenção de Viena sobre os Tratados, que diz
que é nulo todo o tratado que no momento da sua conclusão é incompatível com
uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Uma norma de direito
internacional geral é uma norma de hierarquia superior, chamada ius cogens ou
direito cogente, ou seja, direito imperativo e de patamar superior. Para os efeitos da
presente convenção, uma norma imperativa de direito internacional é aquela que
for aceite pela comunidade internacional em geral, pelos Estados, o que significa que
tem que haver um larguíssimo assentimento, isto é, a unanimidade entre os Estados
de como aquela norma esteja presente num tratado, costume ou princípio de DIP,
os Estados têm que reconhecer que aquela norma tem prevalência sobre todas as
outras, ou seja, tem precedência sobre todas as outras e é reconhecida como direito
cogente. Isto não significa que, por exemplo, se a Venezuela, a Coreia do Norte não
reconhecerem a natureza dessa norma, ela não possa ser direito cogente. Esta
norma só pode ser modificada por uma norma de idêntica natureza. Isto implica que
à norma de idêntica natureza também seja reconhecida pela comunidade dos
Estados em geral, essa superioridade. Há quem diga que o direito cogente é um
“fantasma sem sangue”, porque até agora os Estados não consensualizaram nada
como tal. Há Estados que entendem que a democracia é direito cogente, não o sendo
para o regente. Outros entendem que os direitos humanos são direito cogente, não
o sendo, no sentido global do termo, para o regente, na medida que há estados que
não aceitam a convenção global sobre direitos fundamentais. Aquilo que é direito
cogente é aquilo que é aceite tacitamente como tal, reduzindo-se a muito pouca
coisa, nomeadamente as Convenções de Genebra de 1949 sobre direito maritário
dado aos prisoneiros de guerra é considerado direito cogente, nem que seja pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas, que mandou aplicar essas convenções,
não só aos Estados que as não assinaram, mas também a outros sujeitos de direito
internacional, como movimentos de libertação ou insurretos. Há também outros
princípios, que tanto podem estar em costumes ou em tratados como podem ser
princípios gerais de direito internacional, desde que sejam aceites pela generalidade
dos Estados temos aqui este tal direito imperativo ou cogente. Qual é a consequência
da violação de uma norma de direito imperativo? A nulidade absoluta dessa
disposição normativa que violar uma regra de direito internacional presente noutro
tratado ou costume, que seja reconhecida como tal.
2. Tratados internacionais – Há tratados internacionais que acabam por determinar
que as suas disposições não podem ser contrariadas pelos Estados membros dessa
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As relações entre normas não se estabelecem apenas num quadro hierárquico. Também as
relações de cronologia e especialidade pautam o quadro de tensão entre as relações entre
normas internacionais. Por exemplo, um tratado posterior celebrado pelo número de
Estados, ou seja, um acordo administrativo, revoga um tratado anterior ou modifica-o,
derrogando algumas das suas normas. Significa também que existem tratados gerais e os
mesmo Estados ou parte deles podem estabelecer tratados especiais, sendo que aí a norma
especial prevalece sobre a norma consuetudinária ou do tratado com carácter mais geral.
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O costume aqui define-se nos mesmo termos que aprendemos em termos conceptuais na
disciplina de IED: é uma prática reiterada efetuada com a convicção da sua obrigatoriedade
por sujeitos de DIP.
É uma fonte que produz normas e que tem certo tipo de características no aspeto genético-
formativo dessa mesma norma.
2. Não basta uma prática para que se forme o costume. Uma mera prática, ou seja, a
repetição de uma determinada conduta, enquadra-se nas chamadas praxes
diplomáticas, que não são costumes, mas usos, que as chancelarias de alguma forma
adotam nas suas relações recíprocas tendo em vista uma boa convivência e
relacionamento entre Estados.
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continuar a assumir a mesma conduta. Passa-se do ser para o dever ser de uma determinada
prática, ou seja, a convicção de que essa prática se vai transformando em regra. É a chamada
opinio juris, o elemento psicológico que tem algo de voluntarismo aqui, mas não totalmente.
Muitas vezes há Estados que se limitam a consciencializar que aquela prática é seguida por
um número considerável de outros Estados e que deve ser mantida, pelo que passivamente
ou ativamente acabam por acatar e integrar esse elemento psicológico.
Qual é a mais importantes: o uso ou o elemento psicológico? Há várias teorias sobre a
matéria:
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Por uma questão de comodidade, a regência adota a teoria objetivista, porque é uma
doutrina e teoria que nos pode de alguma forma confortar.
Como é que o costume se forma? Qual é a prova da formação do costume? É difícil
apresentar provas formativas do costume, mas há vários elementos formatórios;
1. O requerente num determinado processo que invoque um costume, tem o ónus em
provar a sua existência - Tem a obrigação de provar em juízo a sua existência
2. Outros meios de prova podem ser leis – Há leis que incorporam na ordem jurídica
interna, normas consuetudinárias. Há tratados que fazem referência a costumes e
há tratados que substituem costumes fazendo-os referência ou que se aplicam
como legislação mais especial relativamente ao costume que continuará como
normação geral. Há decisões de tribunais ou de jurisprudenciais que aludem e
aplicam regras consuetudinárias.
3. Outros meios de prova podem ser a correspondência diplomática – Troca de cartas
entre as chancelarias nas quais uma das partes pode consciencializar que na outra
chancelaria ou ministério das relações externas, nesta comunicação, reconheceu a
existência de um determinado costume que agora está a tentar negar e que no
passado reconhecia. São elementos probatórios concretos, como atos de execução
ou regulamentos, atos administrativos em que se faça alusão ou que se dê
cumprimento a uma regra consuetudinária; declarações de responsáveis políticos;
atuações passivas e ativas; votações em órgãos internacionais que tenham por
base ou sejam feitas em cumprimento de uma norma consuetudinária .
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Uma outra realidade que vale a pena focar relativamente às fontes de DIP tem que ver com
a transição entre fontes. Muitas vezes há uma norma que nasce de uma determinada fonte
que depois se transforma e é incorporada por uma outra fonte, acabando por ser ainda
incorporada e revelada por outra fonte. Uma delas tem que ver com a competência dos
tribunais superiores, nomeadamente internacionais, definirem os seus próprios poderes
em caso de incerteza. Começou por ser um princípio de direito interno, que passou depois
para a esfera do direito internacional, como um princípio de DIP; depois converteu-se num
costume internacional e finalmente foi positivado num estatuto do TIJ, que é um tratado
internacional, verificamos que existem situações de transição entre fontes de DIP, no
sentido de transição entre normas originárias de uma fonte que depois, mais tarde,
passam a ser reveladas por uma outra fonte.
Convenção internacional
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Um tratado é uma fonte de direito internacional que não existe a nível do direito interno.
Seguindo aquilo que a alínea a), do n.º 1 do artigo 2º da Convenção de Viena, acaba por ser
um acordo de vontades concluído entre dois ou mais sujeitos de DIP, que devem ter
capacidade para celebrar contratos, têm que ter jus tractum, ou seja, capacidade de
celebrar entre si convenções internacionais, e que se destina a produzir eficácia jurídica ou
efeitos jurídicos na ordem jurídica internacional, ou seja, efeitos jurídicos regidos pelo DIP.
Seguimos a alínea a) com derrogações, na medida que esta diz que é um “acordo
internacional concluído por escrito entre Estados”.
Porque damos esta definição tão ampla? Pela simples razão de que há convenções
celebradas entre Estados, entre Estados e organizações internacionais, entre Estados e
movimentos de libertação nacional, entre Estados e movimentos insurretos, entre Estados
e governos de exílio e também entre organizações internacionais. Ou seja, não só os
Estados mas muitos outros sujeitos de DIP podem celebrar tratados. Neste sentido, não
podemos reduzir os sujeitos que detenham jus tractum aos Estados.
Em segundo lugar, os sujeitos devem ter capacidade para celebrar tratados e nem todos os
sujeitos de direito internacional o podem fazer. Por exemplo, o individuo não pode
celebrar tratados, bem como certas organizações internacionais, depende do que estiver
estabelecido na sua convenção constitutiva. Os movimentos de libertação, os governos do
exílio podem apenas celebrar certo tipo de tratados que têm que ver essencialmente com o
uso da força e a independência de determinados Estados, não têm uma capacidade
genérica para celebrar todo o tipo de tratados. É necessário verificar qual é a capacidade
do sujeito para poder exercer esta faculdade de jus tractum.
São acordos celebrados no plano internacional que visam produzir efeitos na ordem
jurídica internacional.
As convenções de tratados internacionais tanto pode ser por escrito como podem ser
orais, isto na generalidade. Mas para a Convenção de Viena, de acordo com o artigo
2º/n.º1/a), a situação é diferente. A convenção só regula tratados celebrados entre
Estados, regidos pelo direito internacional, podem estar consagrados num instrumento
único ou podem fazer parte de diversos documentos e têm de ser celebrados por escrito.
Não pode haver tratados orais regidos pela Convenção de Viena, sendo que esta só se
aplica a certo tipo específico de tratados.
Para efeitos desta mesma convenção, são tratados, estes acordos de vontade por escrito,
independentemente da sua designação. De facto, há convenções internacionais que são
designados por tratado; outros são designados por constituições; outros por cartas; outros
por acordos internacionais. Há uma pluralidade vasta de designações. Independentemente
da designação, desde que estejam presentes estes elementos constitutivos do artigo
2º/n.º1/a), aplica-se a Convenção de Viena a estes mesmos acordos de vontade.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Os Estados que podem celebrar convenções não são quaisquer Estados, mas apenas
Estados soberanos. Por exemplo, o tratado celebrado entre Portugal e as autoridades
gentílicas nativas de Cabinda, o famoso tratado de Simulambuco, deu um reconhecimento
da autoridade portuguesa interna sobre o território de Cabinda, não foi um tratado
internacional, foi um tratado protetorado colonial que não vale como convenção
internacional, assim como convenção celebrado entre potentados e Estado e por vezes
mesmo tratados de protetorado havia algumas dúvidas, mas os tratados para serem
considerados como tal, têm que ser estipulados entre Estados soberanos. Para a
Convenção de Viena de 1969 não são considerados tratados aqueles que muitas vezes são
formalizados como tal, como o caso de acordos entre casas reais, nomeadamente relativos
a casamentos de famílias reais diferentes, isto nos termos desta convenção, o que não quer
dizer que não valham noutras circunstâncias.
Da mesma forma, os Estados federados podem celebrar tratados entre si – ex.: os Estados
federados norte-americanos podem celebrar tratados como os Estados federados de
outros países. Não são Estados soberanos, são Estados com autonomia constitucional, pelo
que não se lhes aplica a Convenção de Viena de 1969, mas aplica-se, por exemplo, o direito
consuetudinário dos tratados que existia antes desta convenção, sendo certo que estes
tratados que estamos a falar, entre entidades federadas, no fundo, para serem válidos
internacionalmente têm que ser ratificados/autorizados pelas autoridades federais, se não
era uma situação incontrolável.
Os tratados que podem ser estabelecidos entre um Estado soberano e sujeitos de direito
internacional não soberano, como o caso dos movimentos de libertação e de movimentos
insurretos, obviamente que se lhes aplica o direito consuetudinário internacional, mas não
se aplica a Convenção de Viena de 1969.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Aula 4 – 06/10/2020
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
As convenções internacionais muitas vezes têm disposições ou normas com uma certa
ambiguidade, alguns conceitos indeterminados (uns estão definidos, outros não estão),
existem lacunas e, portanto, é necessário entender qual é o contexto da celebração do
tratado ou convenção bilateral, os objetivos que presidiram fundamentalmente à sua
conclusão, bem como o objeto (sobre o que é que trata especificamente). Muitos dos
considerandos, por vezes, até excessivamente extensos, acabam por elucidar precisamente
esses aspetos se eles não ficam perfeitamente determinados no preceituado, ou seja, nos
artigos, e que são a parte jurídica propriamente dita da convenção.
Os preâmbulos são extensos e relevantes. Não se pode dizer que tem valor normativo, pois
valor normativo não tem, mas tem valor interpretativo e se houver um litígio, em tribunal,
sobre o sentido de certas normas ou o fim da convenção, o preâmbulo pode ser convocado
pelos tribunais e até pelas partes em litígio, em abono de certo tipo de posicionamentos.
No fundo refere-se aos artigos e às normas que a convenção contém a título principal.
Aquilo que ocorre com frequência é que um primeiro artigo geralmente define o objeto da
convenção, mas geralmente também na parte inicial do preceituado da convenção – e, hoje
em dia, isso é muito comum – existe um artigo de definições, ou seja, um artigo que
procura explicitar o que é que certo tipo de expressões ou de conceitos que são de alguma
forma utilizados nas disposições normativas da convenção efetivamente significam. Isso é
importante porque há conceito polissémicos, os Estados podem atribuir significados
diferentes ao mesmo instituto e alo há um conjunto de definições unívocas e que são
adotadas pelo próprio tratado.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Noutras circunstâncias, os anexos têm que ver com listagens. Imagine-se uma convenção
que visa banir certos medicamentos ou certos produtos perigosos, enunciando quais são
os mesmos. Não faz sentido que estas listagens figurem no corpo do tratado, sendo
remetidas para anexos. Convenções que tenham símbolos, também vêm os seus elementos
simbológicos constarem de anexos. Muitas vezes não são normas em sentido próprio, mas
têm uma conexão com as normas, figurando, por isso, em anexo.
Os anexos têm um valor jurídico variável. Podem ter um valor quase idêntico ao do tratado
ou das normas do tratado, nomeadamente, a nível de definições. Podem ter um valor
pararregulamentar, mas é vinculante, que executam ou concretizam aspetos do tratado.
Podem ainda ter um valor já mais subsidiário de normas técnicas. Uma coisa é uma
convenção, outra coisa são disposições que, por exemplo, tenham que ver com
medicamentos, produtos, substâncias e em que existem não normas jurídicas, mas normas
propriamente da ciência ou da técnica que está a ser adjetivamente envolvida no
preceituado da convenção. Nessas circunstâncias, há quem entenda que se trata de
normação puramente técnica, pelo que não terá o mesmo valor jurídico que uma
convenção internacional, sendo remetida também para os anexos.
A pressa é uma semelhante conselheira. Se uma das parte tem pressa em celebrar a
convenção, sobretudo por razões que não são essenciais, tende a sacrificar alguns dos
interesses importantes para o próprio país, sobretudo em quadros de detalhe. Também
psicologicamente, se a outra parte que não tem pressa notar que a parte contrária está
apressada e nervosa por concluir a negociação, tenderá a arrastá-la e a colocar problemas
relativamente a certos detalhes e a propiciar cedências que numa situação normal não
deveriam de todo em todo ocorrer.
Também exibições, sobretudo pela parte do plenipotenciário, de nervosismo são captadas
com facilidade por diplomatas experientes da contraparte, se eles se situam num quadro
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
de frieza absoluta e de análise facial dos diplomatas que se encontram precisamente como
negociadores do outro lado. Este é um aspeto importante que deve ser acautelado.
O que acontece quando ele efetivamente pratica atos negociais sem competência para o
efeito? O art. 8º da Convenção de Viena dá-nos a resposta: um ato relativo à conclusão de
um tratado, praticado por pessoa que não tenha competência ou não estava autorizada a
representar o Estado nessa negociação, para esse fim, faz com que os atos que ele tenha
praticado não produzam efeitos jurídicos, salvo se forem posteriormente confirmados.
As consequências desta situação podem ser as seguintes:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Se no meio destas questões todas que estão previstas no tratado, houver um problema de
incompetência de alguém que assina atos e pratica condutas relacionadas com o processo
negocial, há sempre a hipótese desses atos poderem ser posteriormente ratificados.
Se houver uma situação de embuste, em que alguém decidiu representar o Estado sem ter
qualquer tipo de mandato, o governo tem sempre a possibilidade de não ratificar e dizer
que aqueles atos não produzem efeitos jurídicos, porque não foram autorizados.
A negociação conclui-se, em regra, com o momento de autenticação da convenção
internacional. A autenticação de uma convenção bilateral opera, em regra, através da
assinatura.
2. Fase da autenticação
Nos tratados solenes, a autenticação é sempre uma fase de conclusão do tratado que é
diferente da vinculação. Primeiro fixa-se o texto do tratado, posteriormente a convenção é
objeto de apreciação pelos órgãos constitucionais competentes e estes procedem ou não à
outorga do seu consentimento através de vários instrumentos – aprovação, ratificação –
pelo que temos dois momentos jurídicos: fixação do texto e vinculação e expressão
definitiva do consentimento do Estado.
Há também os acordos sob forma simplificada que não existem na ordem jurídica
portuguesa, mas existem em ordem jurídicas de países estrangeiros anglo-saxónicos, em
que o momento da assinatura vale quer como autenticação, quer como expressão
definitiva do consentimento. Isto significa que, na conclusão de um acordo internacional,
quando o plenipotenciário assina o acordo, ele não só fixa o texto, mas exprime
definitivamente o consentimento do Estado relativamente a esse mesmo acordo.
Um Estado que define uma determinada convenção internacional está para todos os
efeitos vinculado a exprimir o seu consentimento? Não estão obrigados. Esta situação tem
ocorrido frequentemente nos EUA, em que muitos tratados têm sido autenticado, mas
mais tarde o Senado não os ratifica.
Há um conjunto de condutas, ligadas ao princípio da boa fé, que é um princípio de DIP
além de ser um princípio de direito interno, diz-nos que, de acordo com o art. 18º da
Convenção de Viena, um Estado deve abster-se de praticar atos que privem o tratado do
seu objeto ou do seu fim. Isto evita situações em que um Estado que tem muito vontade, o
plenipotenciário assina a convenção para se vincular definitivamente, começa a praticar
atos cujo objetivo é uma justificação coxa para mais tarde não se vincular, praticando atos
que privem a convenção do seu fim ou objeto.
Estão aqui dois aspetos em que o artigo 18º fixa um conjunto de obrigações:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
A autenticação muitas vezes não ocorre num só momento. O instituto mais comum que
envolve precisamente o processo das ratificações tem que ver com a assinatura. Mas
também há outros instrumentos que estão previstos no art. 12º:
• Rubrica – A rubrica de uma convenção tanto vale como uma aceitação provisória
do texto da convenção, como pode funcionar como assinatura. A rubrica é uma
assinatura simplificada. Portanto, se for estabelecido previamente que a rubrica
tem o valor de assinatura ela vale como tal, se não valerá um pouco como
aquiescência provisória do texto da convenção.
• Assinatura ad referendum – Muitas vezes chega-se numa determinada
negociação a um acordo sobre o texto final, mas com reservas e com dúvidas sobre
um ou outro preceito, mas, no fundo, aquilo que os plenipotenciários pretendem é
dizer que acabaram na essência o seu trabalho, têm dúvidas sobre estas questões,
pelo que não podem dizer que a negociação esteja plenamente concluída, porque
este texto necessita, até para se tornar definitivo, de aquiescência/acordo
relativamente aos órgãos políticos do Estado, nomeadamente os Ministérios das
Relações Exteriores, então fazem uma assinatura ad referendum: assinam, o texto é
um texto pré-final, mas está sujeito a confirmação por parte dos órgãos políticos
competentes e se estes não confirmarem, a negociação pode reabrir-se. Pelo
contrário, a assinatura ad referendum é aposta no texto e, mais tarde, os órgãos
políticos competentes confirma o texto. A partir daí a assinatura ad referendum,
depois da confirmação, vale como assinatura.
• Troca de instrumentos – Por vezes a fixação do texto pode ser feita por troca de
instrumentos. As duas partes, cada uma tem um texto e depois permutam os textos
entre si. Tanto pode valer como autenticação, como pode valer, como se vê no art.
13º, como expressão definitiva de consentimento. Nesta troca de instrumentos, os
mesmos estão efetivamente assinados. Hoje em dia não é muito comum, mas ainda
existe esta figura – ex. : EUA.
3. Vinculação
Estádio mais importante em termos jurídicos. Mesmo que fixado o texto não significa que
os Estados se encontrem vinculados juridicamente, sendo necessária a existência de atos,
aos quais as constituições se reportam, de vinculação do Estado á convenção.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
A ratificação, que a ordem jurídica portuguesa prevê para os tratados, é efetivamente uma
forma de expressão definitiva de consentimento
Ratificações imperfeitas
Uma questão que geralmente ocorre e que tem impacto na segurança jurídica, é o
problema das ratificações imperfeitas. Isto é uma expressão que quer essencialmente dar
nota que, muitas vezes, existem situações em que a convenção internacional, sendo para
todos os efeitos objeto de assinatura e depois de vinculação (expressão definitiva do
consentimento do Estado), se verifica mais tarde que essa convenção é, por exemplo,
inconstitucional, isto é, é contrária a disposições fundamentais de direito interno.
A inconstitucionalidade pode ser muito variada:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Era uma solução excessivamente rígida e o art. 46º da Convenção de Viena passou a
aplicar-se a esta problemática das invalidades internas das convenções numa solução que
é menos rígida, mas não deixa de o ser. No fundo, o que resulta deste artigo que está
escrito de uma forma muito arrevesada, é o seguinte: só as inconstitucionalidades ou as
invalidades orgânicas relevam em termos de se projetarem na invalidade de toda a
convenção. Portanto, vícios de competência – ex. : se em Portugal um tratado não for
objeto de ratificação pelo PR ou se nomeadamente um tratado internacional for aprovado
pelo governo e não pela AR.
Vícios de natureza competencial são os únicos que relavam para que um Estado onde
revelou o vício possa alegar junto do outro Estado a invalidade de uma parte ou de toda a
convenção internacional, por vício interno. Tem legitimidade para o fazer apenas neste
caso e contando que, a disposição em causa, que está afetada pelo vício de competência,
seja uma disposição fundamental. Portanto, situações ambíguas e não evidentes, não
relevam para que esse Estado possa invocar a invalidade da convenção devido à sua
inconstitucionalidade orgânica, sendo nomeadamente o que nos diz o n.º2 (“manifesta”).
Em suma, vício orgânico, que recai sobre uma disposição fundamental da ordem interna
do Estado e com carácter ostensivo e evidente.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Isto são regras de eficácia quer quanto à entrada em vigor do tratado, quer quanto ao
problema da produção de efeitos jurídicos junto de órgãos ou instituições importantes,
como é o caso, em termos de organizações internacionais, da ONU.
Fase da negociação
O primeiro estádio, a fase negocial ocorre através de órgãos específicos da organização
internacional ou, em regra, de uma conferência internacional. Aqui, a conferência tem
várias rondas/sessões e importa perceber que, entre cada ronda negocial, os
plenipotenciários não ficam parados, há muita troca de correspondência diplomática e
geralmente quando há uma ronda negocial ou uma sessão da conferência internacional,
muita “pedra” está partida, ou seja, muitos escolhos evitáveis que podiam causar grande
controvérsia e pequenas coisas também que fazem perder tempo na ronda negocial,
39
Direito Internacional Público Mariana Esteves
obviamente que essa matéria entretanto já foi desbravada através de consultas bilaterais
ou multilaterais entre os Estados.
Designa-se por adoção do texto quando se trata de uma convenção multilateral (e não de
assinatura) e está prevista no art. 9º da Convenção de Viena.
Claro que a adoção implica assinatura. Os Estados ao adotarem uma constituição, adotam
por uma maioria, mas obviamente também assinam depois os instrumentos formais
atinentes a esse mesmo processo.
Todavia, podem os Estados acordar necessariamente por 2/3 que a adoção se faça por
maioria diferente, mais ou menos exigente. Previamente, os Estados por uma questão de
agilidade estipulam que vão exigir uma maioria mais exigente do que os 2/3 (ex. – 4/5) ou
uma maioria menos exigente (ex. – maioria absoluta). Essa maioria diferente deve ela
própria ser tomada por 2/3 dos Estados participantes.
Diversamente, se estivermos perante uma convenção que seja apenas e tão só negociada
no âmbito de uma organização internacional, o ato constitutivo dessa organização, que em
regra é um tratado, pode estipular maiorias de natureza distinta, maiorias específicas para
a adoção das convenções no âmbito da organização. Isto é o que resulta do art. 9º da
Convenção de Viena.
Adotado o texto, entende-se que restará aos Estados que participaram na negociação,
decidir ou não, em momento posterior, vincular-se ao mesmo. Claro que pode haver uma
situação diferente. Pode acontecer que, para alguns Estados, a convenção que se esteja a
negociar seja um acordo sob forma simplificada. Sendo um acordo sob forma simplificada,
a assinatura aposta no quadro da adoção pode valer como expressão definitiva do
consentimento, isto apenas para alguns Estados. Em Portugal isso não poderia nunca
suceder, terá de haver sempre um processo posterior de aprovação, de ratificação, de
assinatura (no caso dos acordos).
Estamos, todavia, a falar ainda da fase do termo das negociações e da autenticação por via
de adoção.
Vinculação
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Instituto do depósito
Função que é atribuída ou a um Estado ou a um órgão de organização internacional (ex. –
Secretariado Geral muitas vezes tem funções de depósito) que é uma função de
guardião/custódio dos tratados, dos seus originais, e de responsabilidade pela recolha das
ratificações e, se for o caso, de adesões.
O regime do depositário está previsto no art. 76º, faz sentido nas convenções multilaterais
e, muitas vezes, essa função fora do contexto das organizações internacionais é atribuída a
um determinado Estado, que depois fica com muitas incumbências: para lá da recolha de
ratificações, dos instrumentos de adesão, de verificação se as ratificações estão corretas e
se o Estado que adere à convenção o faz de uma forma regular, cumprindo um conjunto de
critérios exigíveis pela convenção para que se possa tornar parte nela a posteriori, também
tem outras funções, nomeadamente, relacionadas com a disponibilidade de instrumentos
de tradução da convenção para diversas línguas e esclarecimentos sobre o conteúdo da
mesma.
Em caso de divergência entre um Estado e o depositário pode haver mais tarde uma
conferência com os restantes Estados para dirimir esse eventual litígio.
Reservas
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Podemos classificar a reserva com um ato jurídico unilateral não autónomo. É unilateral
porque depende de uma decisão que emana do Estado. É não autónomo porque o regime
das reservas consta de um tratado, neste caso da Convenção de Viena que regula toda esta
problemática, nomeadamente, no art. 19º e seguintes. Assim, o regime das reservas está
previamente estabelecido.
Embora em certos caso a reserva, esse ato unilateral, possa ser totalmente ineficaz em
caso de objeções, que são prática de outros atos unilaterais, na maioria dos casos, ele
produz efeitos jurídicos, de natureza diversa, em função da existência ou não de objeções,
mas tende a produzir, caso não seja proibido ou condicionado pelo tratado, efeitos
jurídicos relativamente às outras partes.
Existem figuras afins da reserva, isto é, figuras próximas das reservas, mas que não são
iguais tendo algumas afinidades:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
A Convenção de Viena veio em boa parte suprir esta rigidez do direito consuetudinário dos
tratados. Portanto, dá-se uma ampla liberdade às altas partes contratantes quanto à
aceitação e formulação da reserva.
Aquilo que se extrai do art. 19º e seguintes não é propriamente uma regra, mas, para o
regente, estes artigos são redigidos de uma forma um pouco arrevesada. A ideia é, no
fundo, liberdade das partes contratantes em proibirem, admitirem ou admitirem
condicionadamente reservas em razão da matéria.
Se porventura o tratado for totalmente silencioso (tratados silentes) sobre toda esta
questão, isto é, sobre a admissibilidade ou não de reserva, o art. 19º da convenção, na sua
alínea c), estipula que em caso de silêncio, não são admissíveis as reservas que sejam
contrárias ao objeto e ao fim da convenção, porque poriam em causa a razão de ser pela
qual foi celebrada essa mesma convenção – proibição de sentenças incompatíveis, caso
Bellior sentença do TEDH de 1 de abril de 1988 .
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
• Regra da unanimidade – O art. 20º acaba por implicar muitas dúvidas, mas há
uma dúvida que pelo menos não existe relativamente ao seu n.º1. As reservas são
admissíveis num tratado que tenha um número restrito de Estado? Só são
admissíveis se forem aprovadas por unanimidade, isto é, se todos os Estados
estiverem de acordo. Aqui repristina-se um pouco o regime do direito
consuetudinário dos tratados, que exigia a unanimidade, mas para todo o tipo de
reservas e de convenções fossem elas com número extenso ou número restrito de
Estados.
Perguntar-se-á o que é um número restrito de Estados. Aí não há uma clarificação total da
convenção, sendo que há quem fala que até cinco Estados é um número restrito de
Estados. A partir daí será um número mais vasto, mas isso é algo que devia ter ficado
preciso/clarificado na convenção e não ficou.
Uma outra questão mais complicada tem que ver com tratados constitutivos de uma
organização internacional. O que resulta do n.º3 da Convenção é que quando isso ocorre,
isto é, quando se está a discutir a celebração de um tratado multilateral constitutivo de
uma organização internacional, a questão das reservas dependem essencialmente da sua
aceitação pelo órgão competente da organização. Pelos vistos ficará a situação pendente
até que a convenção entre em vigor e haja um órgão que será competente pela aceitação
ou não aceitação das reservas, o que para o regente é um pouco esdrúxulo, porque toda a
problemática das reservas deve em tese ficar completa até o tratado entrar em vigor. Aqui
tal não acontecesse, dando-se a ideia de que o tratado entra em vigor, as reservas ficam
numa situação de pendência e, mais tarde, haverá um órgão com efeitos retroativos que as
aceitará ou não. Para o regente isto parece ser uma solução francamente má, bem como a
muitos autores, assim como, imaginemos que a reserva formulada respeita às
competências do próprio órgão que depois mais tarde vai decidir sobre a aceitação ou não
aceitação das mesmas reservas. Temos aqui uma situação circular. Há quem diga que
reservas relativas a uma organização internacional deveriam seguir o mesmo critério das
reservas apostas num tratado celebrado ou negociado por um número restrito de tratados,
ou seja, a regra da unanimidade. Não ficou, todavia, esta situação minimamente e
adequadamente clarificada.
Se houver um tratado que em função do número restrito de Estados que entende que a
aceitação do tratado por todas as partes é condição essencial para o consentimento de
cada uma, então aí a reserva também será, nos termos do n.º2 do art. 20.º terá de ser
aceite por todas elas. No fundo, há uma liberdade dada aos Estados, mas existe depois um
conjunto de regras.
Síntese:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Aula 5 – 13/10/2020
Figura das reservas – Ato jurídico unilateral não autónomo com pretensões de não
aplicação ou modificação de certos preceitos de uma convenção internacional.
Convém examinar a propósito do regime de aceitação e objeção, os artigos 20.º e 23.º da
Convenção de Viena de 1969.
As reservas podem ser aceites pelos outros Estados, podem ser parte de um tratado
multilateral, ou podem ser objetadas, isto é, há Estados-parte que podem não concordar
com a reserva formulada.
Nos outros casos, não sucede assim, e, no fundo, há um limite temporal de 12 meses
contados da data de notificação de uma reserva – as reservas têm que ser notificadas por
escrito aos outros Estados ou a Estados que podem vir a aderir à convenção ou estejam em
condições de aderir à convenção internacional - , ou seja, quem formula uma reserva,
notifica as restantes partes, e de entre essas mesmas partes, aquelas que pretendam
objetar terão um prazo de 12 meses contando dessa data da notificação para o fazer.
A objeção também observa a forma escrita e há dois tipos de objeções que têm efeitos
jurídicos distintos:
1. Pode-se objetar de uma forma simples
2. Pode-se proceder a uma objeção qualificada – efeitos jurídicos mais drásticos
Os artigos 20.º e 21.º regulam esta matéria, embora a sua conexão e o modo como estão
estes mesmos preceitos formulados não sejam simples no plano da sua apreensão.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Três cenários que podem ocorrer na base da formulação de uma reserva e da formulação
de objeções a essa reserva:
Revogação da reserva
Às vezes os Estados formulam uma reserva, nos termos do art. 22.º da Convenção de Viena
e, mais tarde, vêm-se arrepender:
1. Foram pressionados a levantar a reserva;
2. Houve uma mudança do Governo e, por isso, da maioria política, sendo que a
reserva antes formulada deixa de ter sentido face àquilo que são as opções
jurídicas de fundo da nova maioria política;
3. Há uma alteração de circunstâncias e aquela reserva, antes formulada, que implica
a não aplicação de uma norma da convenção, passa a prejudicar os próprios
interesses do Estado;
4. Situações em que a constituição dos Estados se altera, em que a reserva depende
de uma antinomia entre uma norma da convenção e uma norma constitucional,
gerando um quadro de inconstitucionalidade; há uma alteração na constituição,
deixa de haver inconstitucionalidade e não há razão de ser para que a reserve
continue a produzir os seus efeitos.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Os Estados podem revogar as suas reservas, mas ao fazê-lo têm a obrigação de notificar
expressamente e por escrito, os restantes Estados, de que revogaram essa mesma reserva,
porque isto significa uma alteração dos efeitos jurídicos da convenção internacional, em
virtude de uma norma que não se aplicava ou que se aplicava de uma determinada
maneira, passar a aplicar-se de uma forma, de um modo uniforme em relação a todos os
Estados – obrigação de notificação para que os efeitos revogatórios de uma reserva
possam produzir a sua eficácia.
Essa invalidade decorre de vícios nos seus pressupostos ou nos seus elementos e também
do seu conteúdo poder violar normas de hierarquia superior às quais a convenção deve
conformidade.
Muitos dos vícios, bem como quadros de ilicitude, não são muito distintos daqueles que
afetam o negócio jurídico. Um tratado tem algo de negócio jurídico, é um negócio jurídico
público e internacional, entre Estados. É um acordo plurilateral de vontades, pelo que
muitos dos vícios da vontade que se colocam nos contratos, acabam por se propagar aos
tratados.
O objeto tem de ser lícito, a vontade tem que ser livre e não viciada e as partes têm que ter
capacidade para a celebração de convenções.
Capacidade
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Art. 48.º da Convenção de Viena – Erro (também existe no negócio jurídico) é uma
dissintonia entre o conhecimento e a vontade, ou seja, há uma falsa representação de uma
determinada realidade. Nas convenções internacionais o que está em causa é um erro de
facto e não um erro de direito, ou seja, não é um erro sobre o regime jurídico aplicável,
mas é um erro sobre um facto que é relevante para a celebração da convenção, podendo
mesmo ser um pressuposto desta. Para que um Estado possa invocar um erro como
fundamento da invalidade da convenção internacional é necessário que erro seja sobre
uma matéria essencial (matéria fundamental para a celebração da convenção), que o
Estado, ele próprio, não tenha contribuído para a prática desse mesmo erro (o Estado deu
origem a essa situação de invalidade da convenção) e que o erro não seja de uma evidencia
absoluta (o erro é de tal modo ostensivo, que o próprio Estado se devia ter apercebido
dessa circunstância), isto é, erros também que afetem a redação do texto não relevam para
a sua invocabilidade (ex. - Caso Highlands, entre EUA e Reino Unido, em 1783; tratado
entre o Cambodja e Tailândia, com erro de direito, que não releva).
Art. 50.º da Convenção de Viena – Corrupção (alguns acreditam que este vício não deveria
ter autonomia, devendo estar assimilado ao dolo) do representante de Estado e por partes
de outros Estados. Corromper significa atribuir vantagens de diversa ordem: patrimoniais
(depósitos em dinheiro ou espécie de objeto e quantias de valor significativo),
compromisso com garantias de dar uma vantagem posterior. Muitas vezes, em plano
diplomático, é difícil saber o que é um ato de corrupção e um ato de cortesia (ex. – Caso do
Imperador Bocaça): uma coisa são as vantagens de cortesia e outra coisa são atos de
corrupção. Por vezes, as fronteiras não são claras, sendo que aquilo que os Estados de
Direito fazem é o seguinte: ofertas diplomáticas até um determinado valor, até podem ser
guardadas pelo plenipotenciário ou pelo titular do poder politico de um Estado, a partir de
um valor mais levando revertem para o Estado, que os colocará em museus ou, de alguma
forma, incorporará esses mesmos valores.
Art. 51.º da Convenção de Viena - Coação é o uso da força ou a ameaça do uso da força
física, de forma a levar alguém a assumir uma conduta que sem essa ameaça ou uso da
força, essa pessoa não assumiria (ex. – Inexistência de atos de tumulto). No quadro de uma
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
situação desta natureza, a vontade dos titulares dos órgãos não é efetivamente livre, eles
não deliberam em liberdade, decidindo por medo, em função do uso ou ameaça do uso da
força. Num quadro em que alguém celebra um tratado num cenário de não liberdade e sob
ameaça, existirá um quadro coação e a coação, nomeadamente sobre representantes do
Estado, implica necessariamente a invalidade da convenção internacional (ex. - Tratado de
Madrid de 1526; Acordo de 1939 entre a Alemanha e a Checoslováquia)
Art. 52.º da Convenção de Viena – Coação sobre o próprio Estado: o uso da força ou a
ameaça do uso da força contra um Estado de forma a compelir esse mesmo Estado a
vincular-se num tratado (ex. - Ocupação de todo ou parte de um Estado; Caso França vs.
Kuwait em 1982). Muitas vezes não é necessário o uso da força, pode acontecer um
bloqueio que prive um Estado de se abastecer, gerando uma crise económica e social, o
que também é considerado um quadro de coação indevida(ex. – África do Sul vs. Lesoto).
Já a coação económica simples, a aplicação de sanções ou interrupção de relações
comerciais, não pode ser equiparada ao uso da força, ainda que alguns autores queiram
equiparar esta situação ao uso da força.
Ilicitude do objeto
Quando é que o conteúdo de um tratado internacional pode ser considerado inválido por
violação ou desconformidade com um parâmetro ao qual deve observância?
Uma norma imperativa de direito internacional será uma norma que for como tal
reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, no sentido de
serem uma norma à qual nenhuma derrogação é possível, a não ser uma derrogação feita
por uma norma de natureza distinta.
O regente, como positivista, sempre teve alguma dificuldade em aceitar sem mais que uma
determinada disposição normativa seja uma norma de ius cogens, porque não uma
identificação dessas normas, isto é, não há uma listagem de normas de ius cogens na
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
convenção, como deveria ter havido. Serão princípios gerais de DIP os princípios da não
agressão, da coexistência pacifica, da não ingerência dos assuntos internos dos outros
Estados? Todos os dias há invalidades destas. Serão as disposições relacionadas com o
genocídio? O regente admite que nesse aspeto a Convenção sobre o Genocídio de 1948
seja uma norma de ius cogens, mas como tal deveria ter sido uma norma que devia constar
de uma convenção relativamente à qual todos os Estados deveriam subscrever, o que não
aconteceu e o facto é que Portugal, durante muito tempo, não se vinculou a essa
convenção. Será a condenação dos crimes de guerra, crimes contra a paz ou humanidade,
bem como os princípios gerais do DIP? Eles constam da Convenção de Roma que conforma
os estatuto do Tribunal Penal Internacional, só que os principais Estados não subscrevem
a convenção, pelo que não se pode dizer que sejam normas aceites por toda a comunidade
internacional no seu conjunto.
Não basta que uma norma seja uma norma de ordem pública internacional, isto é, um
conjunto de normas, princípios e regras, sem as quais a sociedade internacional não pode
subsistir. O problema é se moralmente/eticamente faria sentido que essas disposições
conformasse ius cogens, o facto é que não conforma, porque, no concreto, há um número
significativo de Estados que não quer reconhecer a qualidade a essas normas.
Há quem diga que as normas de ius cogens são como as leis penais em branco, sendo uma
espécie de “fantasma sem sangue”. O Professor Jorge Miranda faz uma longa listagem do
ius cogens, outros autores dizem que o princípio da autodeterminação é um princípio de
ius cogens, mas que, muitas vezes, não é respeitado. Há ius cogens para todos os sabores,
vontade e filosofias, daí a grande dificuldade em definir estas normas.
Neste sentido, poderíamos afirmar que a Carta das Nações Unidas é ius cogens, na medida
em que é subscrita por todos os Estados do mundo. Contudo, as suas disposições são
frequentemente violadas e ninguém invoca a violação de ius cogens. Para o regente, às
vezes há valores da humanidade de tal modo intangíveis, que têm que ser impostos não só
aos Estados, mas também a todos os sujeitos de direito internacional. Por exemplo, das
quatro convenções de Genebra sobre o tratamento humanitário de presos de guerra
consta que o Conselho de Segurança, mediante uma resolução, mandou aplicar a todos os
Estados membros, mesmo os que não fazem parte da convenção, e a todo o tipo de
beligerantes, mesmo insurretos e movimentos de libertação. Pode haver tribunais
internacionais até criados ad oque, pelas Nações Unidas, para julgar pessoas que violem
estas mesmas convenções. Pode haver situações dessas nos tribunais especiais que o
Conselho das Nações Unidas criou para os crimes cometidos na guerra da ex-Jugoslávia e
também nos grandes largos a propósito no confronto de duas etnias rivais no Ruanda e
Gurundi. Assim, o regente entende que a Convenção do Genocídio e as quatro Convenções
de Genebra dizem respeito à tutela mínima de aspetos essenciais da dignidade e da vida
humana, possam ser consideradas direito imperativo, na medida que o Conselho de
Segurança determina a sua aplicação coativa e cria tribunais ad oque para julgar as
pessoas que violaram pelo menos essas disposições e esses princípios humanitários.
Art. 64.º da Convenção de Viena - Violação superveniente de uma norma de ius cogens. Se
houver uma convenção que na sua origem seja plenamente válida sobre uma determinada
matéria e, posteriormente, essa convenção passa a ser desconforme a uma norma de
direito imperativo que entretanto foi criada, então a norma é nula e cessa vigência.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
As normas de ius cogens podem estar presentes em diversas fontes: princípios geras de
DIP, tratados internacionais, regras consuetudinárias.
A consequência jurídica dos tratados inválidos é, regra geral, a nulidade. Há dois tipos de
nulidades, embora a Convenção de Viena não fale nelas nestes termos, a doutrina e a
jurisprudência assentam num regime diferencial da nulidade que é, no fundo, a nulidade
absoluta e a nulidade relativa.
O TIJ, por exemplo, em 1960, colocou algumas objeções à figura das nulidades absolutas, o
facto é que aquelas acabam por decorrer um pouco do regime sancionatório da convenção,
sem que esta nomeadamente enuncie com clareza entre as duas figuras.
Nulidade relativa
Haverá nulidade relativa – há aqui lacunas da convenção – num conjunto de situações:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
6. Ilicitude do objeto por violação de tratado de hierarquia superior que não seja
direito cogente.
A nulidades relativa tem um regime menos intenso do que a nulidade absoluta, que se
traduz na possibilidade da convenção apesar de ser nula poder, em certas circunstancias,
produzir efeitos jurídicos ou mais concretamente de efeitos jurídicos passados que foram
libertados peça convenção nula puderem ser salvaguardados e que também limites quanto
à sua invocabilidade e a admissibilidade, em certas circunstâncias, não da invalidade total
da convenção, mas da invalidade parcial. Outras situações têm que ver com a invalidade
apenas respeitar a alguns Estados-parte e ao seu processo de expressão de consentimento,
e não necessariamente a todos os Estados-parte, o que significa que, em certas
circunstâncias, a convenção pode continuar em vigor a apenas a invalidade afeta alguns
dos Estados (ex. – violação do direito interno no que toca a tratados multilaterais).
O que podemos retirar em termos de invocabilidade, no âmbito das nulidades relativas?
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
jurídico, então não faz sentido estar a aproveitar atos de boa-fé e haja a
impossibilidade do Estado que coagiu tentar invocar essa salvaguarda. Para o
regente há aqui uma contradição que lhe parece evidente, pelo que CBM tende a
não aplicar esta disposição do n.º3 do art. 60.º, ao fenómeno da coação – efeitos
quanto à eliminação de alguns atos e à salvaguarda de outros e impossibilidade de
alguns Estados invocarem a salvaguarda de certos efeitos se tiverem incorrido em
dolo ou corrupção.
2. Por outro lado, no que concerne àquilo que são os efeitos, há aqui uma situação,
outra consequência das nulidades relativas, que diz respeito à divisibilidade das
convenções, isto é, saber se toda a convenção é afetada pela declaração da nulidade
ou apenas uma parte dela – invalidades gerais e parciais/invalidades totais e
invalidades parcelares.
a. No caso de vícios de determinada natureza, por exemplo, vícios que não
tenham que ver com intenções enganosas e fraudulentas (dolo ou
corrupção), a regra geral é que, para estes vícios menores, o Estado-vítima
pode invocar a nulidade da convenção, ou seja, a regra geral é a da
nulidade parcial. Apenas as normas que estão viciadas ou afetadas por
estas patologias é que deverão ser eliminadas, salvaguardando-se a
restante parte da convenção. Esta invalidade parcial está sujeita a conjunto
de condicionantes, sendo que o n.º3 do art 44.º diz-nos “se uma causa de
nulidade apenas visar certas disposições, só relativamente a elas pode ser
invocado”. Na medida em que haja uma patologia que apenas afeta
determinadas disposições, apenas essas deverão ser eliminadas e
consideradas nulas; não haverá nulidade parcial, salvo se as clausulas
forem inseparáveis do resto tratado (relação de dependência entre
normas; a convenção não poderá ser executada sem essas normas nulas,
pelo que a invalidade terá de ser total); que também resulte do tratado que
a aceitação dessas cláusulas que forem consideradas nulas são condição
essencial para o consentimento dos Estados; não for injusto continuar a
executar o que subsiste do tratado,
b. Já no caso do erro e da corrupção, o Estado que tem direito a alegar estes
vícios tem a possibilidade de o fazer no plano da divisibilidade da
convenção, quer em relação a certas normas, quer em relação a todo o
tratado.
Nulidade absoluta
A nulidade absoluta significa que o tratado em princípio não produzirá qualquer efeito
jurídico. Já tínhamos visto, que no caso da coação exercida sobre representante de um
Estado, a convenção é desprovida de qualquer efeito jurídico, ou seja, não produzirá
efeitos futuros e os efeitos passados não serão aproveitados (semelhante à inexistência
jurídica), sendo o que resulta do art. 51.º (é direito especial, pelo que prevalece sobre
outras disposições, nomeadamente o art. 69.º, que tem carácter mais geral).
Relativamente ao art 52.º, sobre coação exercida sobre um Estado pela ameaça ou
emprego da força, não se fala na improdutividade total de efeitos, mas é nulo todo o
tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou emprego da força com violação á
Carta das Nações Unidas, pelo que embora não se fale aqui em improdutividade total de
efeitos ou nulidade absoluta, aplica-se aqui, por analogia, o art. 51.º que também fala em
coação, mas sobre o representante do Estado.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Em relação às normas de ius cogens, o art. 53.º diz-nos que todo o tratado é nulo, mas não
nos fala no regime da nulidade em todos os seus efeitos, pelo que concluímos que no caso
da nulidade absoluta, temos aqui várias disposições, como o art- 71.º que nos diz que
sempre que um tratado seja nulo em virtude do art. 53.º, as partes são obrigadas a
eliminar dentro da medida do possível todas as consequências jurídicas que advenham
dessa mesma convenção incompatível com o direito internacional e a tornar as suas
relações mútuas conformes à norma imperativa internacional – não há atos de boa fé a
serem salvaguardados; qualquer Estado, mesmo que não seja parte da convenção pode
invocar a sua validade; não há qualquer tipo de efeito jurídico que se produza (regra ligada
á putatividade: eliminar na medida do possível as consequência de todo o ato praticado
com base na disposição incompatível com direito internacional – ex. : obras públicas;
prestações financeiras, etc); as relações jurídicas entre os Estados são tornadas conformes
a norma imperativa de direito internacional.
Uma convenção que seja contrária a uma norma de ius cogens ou afetada pelo vício da
coação, não produzirá efeitos jurídicos, porque a regra é da invalidade total, inexistindo
invalidades parciais.
Aula 6 – 20/10/2020
Vicissitudes na vigência das convenções internacionais - Formas de modificação,
cessação, suspensão da eficácia das convenções internacionais
Como é que as convenções internacionais podem mudar? Podem ser modificadas ou têm
uma vigência permanente? As convenções tal como as leis podem ser objeto de
modificações, como podem ser objeto de revogações que façam cessar no todo ou em parte
a sua eficácia.
Modificação das convenções internacionais
Muitos designam este processo como revisão dos tratados. O art. 39.º da CVDT diz-nos que
as convenções podem ser sempre revistas por acordo entre as partes (tratado bilateral –
revisto pelas duas partes; tratado multilateral – revisto, em regra, por todas as partes que
celebraram a convenção).
Temos aqui uma regra geral relativa à modificação das convenções multilaterais que é a de
todas as partes que de alguma forma se vincularem à convenção, acordarem em alterá-la.
Contudo, pode haver situações em que a convenção é apenas alterada no contexto das
relações jurídicas entre alguma partes.
O primeiro critério específico em relação à mordicação de convenções multilaterais é de
que a convenção muitas vezes regula os termos da sua modificação – ex.: há convenções
que determinam limites temporais, substanciais ou de ordem formal para a sua alteração.
Diz o n. º1 do art. 40.º “quando o tratado não disponha de outro modo” – a convenção pode
sempre dispor especificamente de regras para a sua modificação – “a revisão dos tratados
multilaterais tem um conjunto de disposições que deve:
Quando a modificação respeita a todas as partes, toda a proposta que alguns dos Estado
coloquem relativamente à modificação, essa proposta deve ser enviada a todas as partes
da convenção, isto é, deve haver uma notificação expressa e formal a todas as partes da
convenção. Todos os Estados contratantes terão sempre o direito de participar nesse
processo modificativo. Todavia para lá das várias regras que constam deste artigo, pode o
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
acordo de modificação dizer apenas respeito a alguns Estados, havendo Estados que
decidem não participar nesse acordo de alteração de uma convenção internacional. Os
Estados que já são parte do tratado e que não participarem no acordo de modificação, não
se vincularão às modificações que tiverem sido estabelecidas, mas às disposições
anteriores – o que é algo de muito comum.
Há um outro processo de alteração das convenções que diz respeito apenas a alguns
Estados parte que decidem entre si estabelecer um acordo modificativo de um tratado
multilateral, que, todavia, vigora nas suas relações recíprocas, não produzindo, em regra,
efeitos relativamente às outras partes que não participam no acordo modificativo. Diz o
art. 41.º que “acordos que alterem tratados multilaterais apenas nas relações
estabelecidas entre algumas partes, podem ser celebrados desde que”:
Existe esta flexibilidade das convenções jurídicas multilaterais, de as poder alterar apenas
na relação de algumas das partes, desde que se reúna estas exigências enumeradas.
Um tratado pode cessar a sua vigência, pode extinguir-se se as partes que o celebraram
decidirem revogá-lo sem substituição, ou seja, revogá-lo supressivamente. Celebram uma
outra convenção internacional que extingue o tratado.
Há convenções que, logo à partida, têm cláusulas de caducidade, o que implica a cessação
de vigência de um ato jurídico em razão de vários fatores, um dos quais pode estar
relacionado com a ocorrência de um determinado facto que obstará a essa vigência ou
pode até ser estabelecida uma data limite para a vigência do contrato. Isto acontece num
negócio jurídico privado (nos contratos), bem como nas convenções internacionais, que
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Por vezes, não existem cláusulas de caducidade temporais, mas existem cláusulas de
caducidade ligadas à ocorrência de determinados eventos. No período da Guerra Fria, os
EUA e os seus aliados criaram o Tratado do Atlântico Norte – NATO - , sendo que a união
dos países comunistas criou, como resposta, o Pacto de Varsóvia. Estes são dois pactos
militares, com armas nucleares e forças militares de um lado e de outro, que poderiam ter
feito insurgir uma III Guerra Mundial, se não fossem as armas nucleares, que serviram de
elemento dissuasor(os conflitos entre os dois blocos resolviam-se fundamentalmente
através de pequenos movimentos de peças de xadrez no Terceiro Mundo – intervenções
em Estados limítrofes). No Pacto de Varsóvia existia uma cláusula que determinava que o
Pacto de Varsóvia seria dissolvido e o tratado em causa, designado por pacto, cessaria a
sua vigência se fosse criada uma organização de segurança e cooperação na Europa que
estabelecesse pressupostos de paz e o fim dos blocos. Sucede que, com a queda do muro
de Berlim e com o surgimento dos movimentos emancipalistas do leste europeu, houve um
desmoronamento interno do Pacto de Varsóvia, mas ele continuava a existir, havendo
inclusivamente, depois de transições para a democracia, Estados que continuavam ligados
a este pacto mas que não queria a ele continuar vinculados. O pretexto para acabar com
um pacto que já estava moribundo foi invocar-se que já existia uma organização de
segurança e cooperação na Europa, a OSCE, a que pertenciam os Estados de leste, bem
como os Estados ocidentais, nas quais se discutiram perspetivas de cooperação e
manutenção da paz. Obviamente que essa organização não implicou a dissolução
automática dos blocos, a NATO continuou a existir, mas o Pacto de Varsóvia que já estava
moribundo, sobretudo a partir da União Soviética, encontrou-se uma resposta diplomática
sem perda de face para dissolver o pacto, que foi dizer que já se tinha tal organização a
funcionar devidamente. Contudo, o Pacto de Varsóvia não continuou porque os Estados
que faziam parte dele não queriam que ele continuasse (caso da Federação Russa).
A explicação airosa dada foi uma cláusula de caducidade ligada ao aparecimento de uma
organização de segurança e cooperação na Europa.
Não só existem cláusulas explicitas de caducidade – como a anteriormente referida - , tal
como existem cláusulas implícitas. Muitas vezes existem em tratados contrato(tratados
bilaterais entre dois Estados, com prestações e contra prestações), sendo um conjunto de
obrigações que as partes devem realizar e quando essas obrigações são executadas e são
totalmente executadas, pode não haver razão para que a convenção subsista – ex: tratados
que envolvam fornecimento de armas ou assistência durante um conflito militar específico
- , designando-se por caducidade por execução da obrigação e extinção do objeto da
convenção.
Nos tratados internacionais a figura da renúncia, que é um ato unilateral não autónomo
através do qual uma das partes decide desvincular-se de uma convenção internacional,
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
aplicando-se aos tratados bilaterais, pode ter como consequência o fim da própria
convenção.
Se for num tratado multilateral, a figura em causa designa-se por recesso, ou seja, é uma
renúncia num tratado multilateral, mas que tem consequências diferentes: por regra, não
envolve o fim da
Qualquer convenção é livre de estabelecer que em caso de recesso se
extinga. Se nada disser, o recesso implica apenas a desvinculação do
Estado em causa no que toca à convenção internacional
convenção internacional, envolvendo apenas a desvinculação de um dos Estados – aquele
que entra em recesso – relativamente a essa convenção. Ela pode continuar a subsistir com
os restantes Estados. Existe depois um conjunto de especialidades:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
são inválidos porque é dada uma liberdade que decorre do n.º1 do art. 56.º, no sentido dos
Estados estipularem regras no tratado, regras específicas sobre a cessação de vigência
desse tratado mediante os atos unilaterais de renúncia ou recesso.
Esta figura também vale para cessação da vigência das convenções, na medida em que as
partes, por vezes as partes não querem denunciá-las, mas querem suspender
temporariamente a convenção.
Há uma outra situação que está prevista no art. 55.º sobre a entrada em vigência e a
cessação de vigência das convenções, na seguinte circunstância: há convenções que
determinam que elas próprias entrarão em vigor depois de serem ratificadas ou aprovada
por um determinado número de tratados. Imagine-se que é necessário que quinze Estados
ratifiquem a convenção. Ultrapassa-se os quinze Estados vinculados à convenção e esta
entra em vigor. Imagine-se que o número cresce, mas depois existem vicissitudes e
acontecimentos supervenientes que levam muitos Estados a repensar a utilidade de
continuar vinculados à convenção, começando a “chover” recessos – Estados a
desvincularem-se – e o número de Estados depois vinculados à convenção cai para menos
de quinze (número estabelecido para que esta convenção entrasse em vigor). Segundo o
art. 55.º da Convenção de Viena, a convenção não cessa vigência – por essa razão – por
razões de segurança jurídica (a não ser que a própria convenção diga o contrário, dando-
se sempre liberdade para que as partes contraentes estabeleçam regras especificas nesta
matéria).
A convenção pode cessar também vigência por vontade superveniente das partes,
nomeadamente pela celebração, pelas mesmas partes, de um tratado posterior que
revogue o anterior expressa ou tacitamente.
Se for celebrado um tratado com o mesmo objeto que o anterior, pelas mesmas partes e
com disposições idênticas, mas que também estabeleça outras disposições jurídicas
diferentes e incompatíveis com as disposições anteriores, entende-se que o tratado
antecedente foi tacitamente revogado.
A revogação também pode ser expressa. Pode dar-se o caso de celebrado um tratado
posterior que substitui o tratado anterior e o revoga expressamente, bem como pode
haver um tratado de artigo único que se limite a revogar um tratado anterior
supressivamente.
Depois existem outro tipo de revogações, nomeadamente no quadro da relação entre
normas gerais e normas especiais. Pode haver um tratado-quadro, com normas de
carácter geral, e depois pode aparecer um tratado posterior com disposições específicas
ou particulares, sendo que aqui a relação entre as duas normas não é derrogatória, mas de
generalidade/especialidade, podendo dizer-se que o tratado com disposições especiais
depois pode prevalecer sobre o tratado antecedente com disposições de carácter mais
geral.
Pode também haver cessação da vigência das convenções em razão de circunstâncias que
não estejam previstas no tratado. Algumas delas ligam-se ao comportamento das partes:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Há circunstâncias que sendo independentes da vontade das partes acabam por ter
consequências jurídicas na vigência ou na aplicação das convenções internacionais.
Diz o n.º2 do art. 61.º que a impossibilidade de execução não pode ser invocada por uma
parte com motivo para por termo à vigência do tratado – ou para se retirar de um tratado
se for um tratado bilateral – se essa impossibilidade resultar de uma atitude dolosa, de
uma violação pela parte que invoca essa cessação de vigência de uma obrigação constante
do tratado ou de uma obrigação internacional que a parte que se retira teria relativamente
a outra parte. Não pode, à luz do princípio da boa-fé, a parte que invoca a destruição
temporária ou permanente do objeto como fundamento para se retirar ou suspender a
convenção, essa parte não pode ter ela própria assumido uma conduta que tenha causado
ela própria a destruição do objeto indispensável à execução da convenção, nem violado
disposições da convenção. Terá de haver um quadro de normalidade e não um quadro
litigioso em que a parte que invoca tenha ela própria violado a convenção ou afetado
obrigações que teria relativamente à outra parte.
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O mesmo sucede com os tratados internacionais. Eles são celebrados num determinado
contexto, há pressupostos fundamentais que justificam a celebração, se essas realidades
mudam poderá haver situações de desequilíbrio, de desproporção e injustiça que
permitem a um dos Estados, aquele que ficar mais diretamente afetado por essa alteração
de circunstâncias, de exigir ou a suspensão ou a cessação da convenção. A expressão latina
para qualificar esta alteração de circunstâncias como fundamento de cessação ou de
desvinculação ou ainda de suspensão de uma convenção chama-se rebus sic stantibus.
O que é dito no art. 62.º é que uma alteração fundamental de circunstâncias relativamente
àquelas que existiam no momento em que se celebrou um tratado (circunstâncias não
previstas pelas partes, na medida em que as partes podem prever certo tipo de situações
extraordinárias como possíveis de ocorrer e passíveis de terem consequências negativas e
mesmo assim celebram a convenção), ou seja, terá de haver um conjunto de alterações de
circunstâncias que o tratado não preveja ou que as partes não tenham previsto em
declarações feitas no contexto da outorga ou celebração do tratado, não podem em regra
ser invocadas como razão para pôr termo ao tratado ou para uma ou mais partes se
poderem desvincular das mesmas, “salvo se” - artigo é formulado pela negativa – a
existência dessas circunstâncias tiver constituído uma base essencial para o
consentimento das partes, ou seja, se tiver sido claro que essas circunstâncias que não
foram previstas no tratado existiam à época e que as partes só se teriam vinculado à
convenção na medida em que essas circunstâncias permanecessem no futuro, se não
existissem as partes não se vinculariam. A questão é: se estas circunstâncias tiverem
existido à época da celebração do contrato e tiverem constituído base-essencial do
consentimento das partes a obrigarem-se ao tratado, as partes, caso haja uma alteração
dessas circunstâncias, podem invocar a cessação do contrato ou a sua própria
desvinculação de um tratado multilateral.
Para que isto possa acontecer, para que haja esta desvinculação, também é necessário que
a alteração das circunstâncias não seja uma alteração qualquer, é necessário que essa
alteração circunstancial possa produzir uma transformação ou uma modificação radical na
natureza das obrigações (impacto relevante na execução do tratado pelas partes). Se essa
alteração circunstancial gerar cenários em que passa a ser injusta a execução do tratado,
modificando radicalmente as obrigações entre as partes do tratado, então as partes podem
invocar a sua desvinculação ou a cessação do tratado (se for um tratado bilateral).
Todavia no n.º2 ainda habita um conjunto de regras que obstam ou que procludem a que a
alteração de circunstâncias possa ser invocada como motivo de por fim à vigência de um
tratado, ou seja, em que não se pode invocar o rebus sic stantibus:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
A parte que invoca a cessação da vigência, diz o n.º 3, pode também invocar apenas a
suspensão da aplicação deste mesmo tratado.
Figura mista que tem que ver com a cessação da vigência e com a nulidade. É uma
disposição que tem sido objeto de muitas críticas.
Existe a situação de que uma convenção internacional que se encontra em vigor que
quando foi concluída não violava nenhuma norma de ius cogens (direito imperativo), mas
posteriormente forma-se uma norma de direito imperativo de natureza consuetudinária
ou convencional à qual é reconhecida essa hierarquia superior. O que sucede a uma
convenção com estas característica, desconforme com uma norma de ius cogens
superveniente?
Diz o art. 64.º que se sobrevier uma norma imperativa de direito internacional todo o
tratado existente que seja incompatível com a norma torna-se nulo e cessa a sua vigência.
Isto parece ser uma disposição que não é única, existem também disposições de direito
europeu que se referem a esta ideia mista de cessação de vigência e de nulidade, mas em
termos técnicos/termos dogmáticos a expressão parece infeliz, porque todos os tratados
nulos cessam vigência – se uma norma é nula, ela cessa vigência.
Para que haja um sentido racional dado a esta disposição aparentemente redundante, é
preciso entende-la da seguinte forma: se um tratado se encontra em vigor e se sobrevem
um outro tratado ao qual é reconhecida posteriormente a natureza de direito imperativo,
ou seja, de ius cogens, a partir do momento em que esse tratado entra em vigor, a
convenção/tratado anteriormente celebrado, que era plenamente válido quando fora
concluído, mas que mais tarde por causa da superveniência desse outro tratado de direito
imperativo se torna desconforme com ele, ele cessa vigência. A primeira convenção é como
que revogada, cessando a sua vigência. As partes têm que acordar entre si que essa
convenção deixou de produzir efeitos jurídicos, como que uma revogação tácita.
Imagine-se que as partes por má-fé ou por desatenção ou por não concordarem com a
circunstância da nova convenção de ius cogens ser efetivamente de ius cogens, as duas
partes continuam depois da entrada em vigor da norma de direito imperativo a executar e
a aplicar a convenção que é desconforme com o mesmo direito imperativo. Imagine-se que
essa execução se prolonga durante um período superior a 2/3 anos e que a questão sobe
ao TIJ, em que por razões de ordem pública internacional algum Estado decide impugnar
esse tratado por violação superveniente de uma norma de ius cogens. Nessas
circunstâncias, o TIJ declara a invalidade da norma do tratado que violou a norma de ius
cogens, declara a sua nulidade e a sua invalidade, o que implica que a convenção deixa de
vigorar para o futuro e a decisão de invalidade retroage desde o momento em que é
proferida a decisão até à data da superveniência da norma de ius cogens. É semelhante ao
64
Direito Internacional Público Mariana Esteves
Ainda que o professor não diga que norma jurídica é norma interpretada, porque a norma
é sobretudo direito decidido por um decisor legitimado para o efeito, a relação de sentido
dos preceitos. Os elementos savignyanos referidos previamente encontram-se previstos
no art. 31.º e 32.º, só que se encontram “esfumados” e totalmente desordenados.
Obviamente que vemos nestes artigos o elemento textual, quando se diz “para os fins de
interpretação do tratado, o contexto compreende o preâmbulo e os anexos incluídos”. Para
o regente isto parece absurdo, na medida em que o contexto é uma realidade
completamente diferente, é o circunstancialismo que rodeou para todos os efeitos a
celebração da convenção. Assim, os anexos são textos da convenção; o preâmbulo é texto
da convenção. Tem uma parte indiscutivelmente normativa que é o preceituado e os
anexos podem ou não ter uma componente normativa – há anexos que não têm sentido
normativo (ex. – compostos por figuras, normas técnicas, listagens), mas há anexos que
têm efetivamente uma componente jurídica, pelo que não faz sentido dizer que faze parte
do contexto. Por outro lado, os preâmbulos não tendo sido normativo são absolutamente
essenciais para ajudar a elucidar a interpretação textual e até teleológica dos diversos
preceitos. Texto normativo, preâmbulo e anexos fazem parte da base da própria
convenção e relevam para a interpretação textual. Tem que haver uma relação de
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
significado extraída da leitura quer dos anexos, quer do preceituado, quer do próprio
preâmbulo.
Dá-se aqui, sem dúvida, valor especial ao texto. Diz-se também que se deve tomar em
consideração juntamente com todos estes elementos – que designam por ser o “contexto”
– tratado ulteriores estabelecidos entre as partes sobre a interpretação de uma convenção
(pode ter por objetivo a descodificação da relação de sentido do primeiro tratado; um
tratado interpretativo de outro releva para efeitos da interpretação do primeiro),releva
também toda a prática ulterior de execução da convenção (estudar o modo como ela foi
executada é importante para a sua interpretação), bem como outras práticas e até
costumes (mesmo os derrogatórios) que possam ter surgido da convenção, bem como
disposições pertinentes de direito internacional que podem relevar para a interpretação
da convenção(declarações feitas no âmbito de organizações internacionais).
O elemento teleológico como fase interpretativa também se encontra presente no art. 33.º,
mas desgarrado. Tem-se necessariamente em conta, quando se fala do fim, do elemento
teleológico, que é a ideia de que o texto é este, mas o que é que as partes pretendiam
quando celebraram a convenção? Este é um elemento relevante.
Aqueles que são elementos principais, nos termos do art. 31.º, são:
O elemento histórico também tem outras componentes, sendo que uma delas é as
circunstâncias em que o tratado foi celebrado. Pode ter sido celebrado num quadro de
tensão ou normalidade entre dois Estados, num quadro em que um dos Estados estava
numa situação claramente de desvantagem em relação a outro e um quadro de
necessidade, pelo que são aspetos que podem elucidar o circunstancialismo que rodeou o
tratado.
Para o regente o verdadeiro contexto é a ocasio leges, mas não são estas disposições, como
o preâmbulo ou os anexos, pelo que estes artigos foram mal elaborados e não elaborados
de acordo com a metodologia interpretativa que se utiliza na Europa romanística, pelo que
o regente prevê que tenha havido aqui uma intervenção anglo-saxónica.
Há outros elementos importante do elemento histórico que não estão aqui presentes e que
são tão importantes e tão relevantes como os trabalhos preparatórios e a ocasio leges, que
é a existência ou não de decisões de tribunais internacionais que tenham interpretado ou a
mesma convenção ou convenções de natureza idêntica. Se alguma coisa que releva hoje em
dia é a jurisprudência internacional, quer de tribunais arbitrais quer de tribunais
internacionais com competências genéricas (ex. - TIJ), e se há definições, conceitos, modos
de revelação no sentido de normas semelhantes ou análogas ou das próprias normas feitas
anteriormente pelos tribunais, esse elemento interpretativo que integra a fase histórica de
66
Direito Internacional Público Mariana Esteves
interpretação (estamos a examinar algo que está para trás). Não há aqui uma menção à
jurisprudência, mas é de facto uma componente do elemento histórico.
Na alínea b) faz-se uma menção também desgarrada a outro elemento interpretativo que é
extraordinariamente importante – atirado aqui como elemento complementar – que é o
elemento lógico-sistemático, porque uma norma não pode ser interpretada isoladamente,
nem pode ser interpretada em termos de conduzir a um resultado que seja o ilógico ou
desrazoável. A interpretação lógica significa a proibição do absurdo, daquilo que não tem
fundamento silogístico, em última instância.
Aula 7 – 27/10/2020
Saber como é que as normas de DIP podem produzir os seus efeitos jurídicos no
ordenamento dos Estados: como podem produzir os seus efeitos? Com que hierarquia ou
força essas mesmas normas produzem as suas consequências? Com prevalência sobre a
constituição? Com prevalência sobre a lei? Com prevalência sobre os regulamentos
administrativos? É um problema subsequente ao modo como entram em vigor – questão
da potência de valor.
Aplicabilidade
Aplicam-se na ordem interna como convenções internacionais. Aplicam-se na ordem
interna como normas internacionais não convencionais, como é o caso do costume, dos
princípios e atos normativos das organizações internacionais. Aplicam-se na ordem
interna apenas depois de serem reconhecidos ou transformados em direito interno. Para
isto há varias conceções doutrinárias.
Há uma conceção muito germânica defendida por Triple, que também teve impacto e
adesões doutrinais e constitucionais em Itália, que é a teoria dualista. A teoria dualista diz-
nos que ordem interna e ordem internacional são realidades diferentes, são dois
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
ordenamentos distintos, com normas distintas e princípios distintos, bem como que com
âmbitos de aplicação diferentes. Esta conceção defende uma separação estanque entre
essas duas ordens normativas. Daí que para um ato jurídico internacional, seja ele
consuetudinário, uma convenção internacional ou um ato jurídico unilateral, produza
efeito na ordem interna de um Estado, necessário será que seja convertido em ato interno,
que seja reconhecido como ato interno ou transformado mesmo num valor legislativo. A
partir do momento em que seja reconhecido ou transformado de ato internacional em ato
interno, ele poderá produzir efeitos jurídicos na ordem interna com a hierarquia que lhe
for atribuída pelo ato de transformação.
Há uma outra conceção que se subdivide em teses distintas, que é a conceção monista. Esta
conceção diz-nos que - há varias formas de a entender – que ordenamento interno e
ordenamento internacional conformam o mesmo sistema jurídico, são sistemas
concêntricos que estabelecem mecanismos de comunicação entre si. Portanto, não há um
ordenamento internacional separado de um ordenamento interno: há um ordenamento
interno e internacional e, depois, no âmbito do ordenamento internacional, temos também
os ordenamentos internos dos Estado.
Há, todavia, quem entenda diversamente, sendo que o professor considera esta a tese mais
correta, que dentro do monismo, isto é, para quem aceitar as conceções monistas e nos
Estados que incorporam no seu ordenamento constitucional uma forma monista de
aplicação do direito internacional, há uma outra conceção que é a do monismo que separa
o ordenamento jurídico internacional do ordenamento jurídico interno, sendo realidades
distintas, os ordenamentos internos têm como norma de referência a constituição e o
ordenamento internacional terá um conjunto de princípios e regras de ordem pública (é
um ordenamento muito descentralizado), mas que numa cúpula desse ordenamento
estarão normas de ius cogens e princípios gerais de ordem pública internacional. Ainda
que sejam realidades distintas, isso não significa que não estabeleçam entre si relações
diretas. Há quem entenda que se tratam de ordenamentos homomórficos, ou seja,
ordenamentos onde existe uma via de comunicação entre as normas de um deles
relativamente àquilo que é a normação do outro. Esta ideia da intercomunicabilidade
entre ordenamentos diferentes é a construção que atualmente prevalece.
Mesmo que se entenda que não é necessário um ato de transformação na generalidade,
para que uma norma de direito internacional – um tratado ou costume – possa produzir
efeitos na ordem interna de um Estado, temos que tentar apercebermo-nos com que valor,
com que hierarquia, com que força é que a norma internacional irá produzir os seus
efeitos jurídicos. Ela é aplicável, mas com que força?
Há uma corrente estatocrática, um pouco estatista, de um grande jurista alemão, Jelineck,
que nos dizia que o monismo implica a aplicação de normas de direito internacional na
ordem dos Estados, mas com prevalência do Direito interno, de todo o Direito interno.
Portanto, as convenções vigoram, mas fazem-no num quadro de supremacia do Direito
interno, seja ele da constituição, seja das leis, seja eventualmente até de regulamentos,
sobre o ato jurídico internacional, nomeadamente, um tratado, um acordo ou uma norma
consuetudinária. Esta conceção, hoje em dia, já se encontra quase superada porque ela
teria como consequência a possibilidade dos Estados não cumprirem as convenções
internacionais – um tratado estaria em vigor, entraria em vigor uma lei ordinária ou uma
norma regulamentar, iria estabelecer-se entre estas normas uma antinomia e os tribunais
ou a administração resolveriam sempre essa antinomia dando prevalência ao direito
interno; consequência jurídica: a convenção seria inaplicável e o Estado deixaria de
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Há quem entenda, sendo esta uma conceção que tem tido um acolhimento maioritário,
para quem adota os sistemas monistas, que é a do monismo com primado do Direito
Internacional, sobretudo no que toca ao Direito ordinário. Entrando em vigor um tratado
internacional na ordem de um Estado e entrando esse tratado com leis internas ou
regulamentos, entende-se que, no quadro do pacto sunt servanda, sendo que esse princípio
é aceite por todas as ordens jurídicas estaduais, então o Estado terá de dar, em caso de
antinomia com Direito ordinário interno, prevalência ao DIP, às convenções
internacionais, tendo estas, assim, prioridade aplicativa em caso de conflito.
O professor diria que a diferença rígidas destas conceções, no que toca aos ordenamentos
constitucionais dos Estados, tem sido superada, se não total, pelo menos parcialmente,
porque a maioria dos ordenamentos acabar por incorporar sistemas mistos, que têm uma
componente monista e uma componente dualista, sendo que o problema é saber qual
delas é a componente dominante. Mesmo sistemas dualistas, em que se requer uma ato de
reconhecimento, de consentimento ou de transformação e uma convenção internacional
por um ato jurídico interno – caso da Alemanha e Itália - , acabam por mitigar um pouco
esta separação e até afastá-la relativamente a princípios gerais de Direito internacional ou
a regulamentos da União Europeia, que são atos normativos unilaterais do Direito
derivado, aprovado pela União, que nos Estados produzem a sua eficácia e os seus efeitos
internos sem necessidade de transformação ou incorporação por ato jurídico dos Estados,
contrariamente com o que acontece com as diretivas.
Os sistemas hoje em dia têm uma componente mais eclética, que não deixa de afastar o
entendimento de que há sistemas predominantemente dualistas e sistemas
constitucionais predominantemente monistas. Por exemplo, há sistemas mistos de pendor
dualista, que é o caso do ordenamento alemão e italiano. Isto significa que no que toca aos
tratados, pelo menos, eles vigoram nas respetivas ordens internas ou depois da
transformação em lei ou através de um ato interno com força de lei com assentimento da
aplicação dessas convenções na ordem interna ou de atos internos de reconhecimento. Na
Alemanha, verificamos no art. 59.º da Constituição que regula esta matéria, que havia
originariamente uma tese, fundada em Triple, que o TC alemão aceitou durante algum
tempo, segundo a qual as convenções internacionais valeriam na ordem interna alemã
apenas depois de serem transformadas em lei interna. Só que esta conceção sofreu
modificações que são reconhecidas hoje em dia pelo TC. Entende-se que todas as
convenções internacionais que respeitem a matéria de competência legislativa do
parlamento, devem ser objeto de um ato interno de consentimento, que tem a força de
uma lei interna estatutária que adota a convenção internacional, não tendo que a
reproduzir. O ato do consentimento tem o duplo efeito de autorizar o PR a ratificar a
convenção e também estabelece regras de como é que essa convenção deve ser aplicada
no Direito interno. Pode declarar em que termos o tratado se aplica, a quem é vincula e os
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
termos dessa vinculação. O ato do consentimento também diz em que termos é que uma
convenção internacional poderá ter ou não ter primado sobre normas de direito interno. A
convenção vale na ordem interna, pode até produzir os seus efeitos jurídicos diretos nos
termos que forem definidos e habilitados pelo ato de consentimento, que é um ato com
valor de lei. Não há transformação, no sentido da conversão de todas as normas do tratado
em lei interna, mas há necessariamente e obrigatoriamente uma lei interna que equivale a
uma forma de transformação, que reconhece o tratado, autoriza a produzir efeitos na
ordem alemã, mas determina em quer termos esses efeitos se produzem, com que
hierarquia e eficácia. É um sistema que dá mais peso à vontade do Estado, relativamente
ao modo como as convenções internacionais se aplicam. Em Itália existem também
mecanismos de transformação, alguns deles em ato legislativo interno outros num quadro
de reconhecimento.
Depois há sistemas mistos de pendor monista, que é o caso sistema francês. Misto porque
apesar dos princípios e do costume se aplicarem diretamente na ordem interna, mas
quanto aos tratados internacionais, alguns tratados, relativamente a matérias
consideradas essenciais no âmbito de matéria legislativa do parlamento, algumas matérias
(que estão elencadas na constituição), carecem de incorporação e transformação na ordem
jurídica francesa através de um ato de direito interno. Todavia, na maioria das convenções,
nomeadamente nos acordos internacionais, eles podem produzir na ordem francesa
diretamente os seus efeitos jurídicos. A França no que toca ao Direito da União Europeia
regula-se nos termos do art. 288.º do Tratado de Lisboa – tratado relativamente à
organização da União, neste momento – e, portanto, as diretivas necessitam de
incorporação e de ato legislativo interno, já os regulamento da União podem produzir
efeitos internos, assim como as decisões, pelo que aí há um reenvio receptício para o
Tratado da União Europeia. Temos aqui um sistema tipicamente misto, embora com algum
pendor monista.
Sendo um sistema monista, é um sistema que receciona o DIP como DIP, pelo que não
carece esse mesmo Direito, em regra, de ser incorporado e transformado por ato interno
na ordem jurídica portuguesa.
Todavia, verifica-se que, no que toca, em primeiro lugar, aos princípios de DIP e ao
costume internacional geral, o n.º1 do art. 8.º da CRP diz-nos que são normas que se
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Este preceito tem uma lacuna evidente porque não se refere àquilo que são os costumes
regionais e os costumes locais. Em face a esta referência sucede-se o seguinte: apesar do
costume regional e local não ser geral ou comum, não se aplica na ordem interna
portuguesa. Será que, como defendeu o Professor Silva Cunha, estes dois tipos de costume
para valerem na ordem interna, carecem de transformação legislativa?
Por uma questão de agilidade, havendo uma lacuna, o regente entende, que a mesma deve
ser resolvida por analogia e através de um apelo aos lugares paralelos, fazendo-se uma
transposição daquilo que ocorre com o Direito geral ou comum para o costume local e
para o costume regional.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
E o Direito Europeu e o Direito das Nações Unidas? Há aqui uma situação relativamente
ambígua. Até 2004, tínhamos apenas o n. º3 do art.8.º e era através dele que, no fundo,
produziam diretamente os seus efeitos; as resoluções do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, destinadas a garantir a paz internacional, eram emitidas ao abrigo do
capítulo VII e reprimir atos contrários à carta. Era também por esta via que havia uma
aplicação direta e imediata de regulamentos e decisões da União Europeia e haveria uma
aplicação já por via de transposição – incorporação por ato jurídico interno – das diretivas
da União.
Na União Europeia, o art, 288.º e os artigos que precederam nos tratados de Roma, de
Amsterdão e Nice, dispõem que as diretivas, para valerem internamente nos Estados,
necessitam de serem transformadas, ou seja, em ato jurídico interno com eficácia jurídica
intersubjetiva, enquanto os regulamentos e as decisões produzem imediatamente os seus
efeitos jurídicos sem carecerem de ato interno.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Esta disposição é uma disposição ambígua, que a apareceu porque se estava a discutir na
altura, algo que se dava por adquirido, que era o tratado constitucional europeu, que
precedeu o tratado de Lisboa. O tratado constitucional europeu nunca viu a luz do dia,
porque foi rejeitado em referendo pela França e Holanda, sendo um tratado com recorte
fortemente federalista. A ideia era iniciar-se algo semelhante à Convenção de Filadélfia,
com a constituição preliminar, premissial dos Estados Unidos da Europa. O tratado estava
quase que concebido em termos de se afirmar como uma espécie de constituição, havendo
um art. 6º/1 que dizia que todo o direito da União Europeia prevaleceria sobre todo o
direito interno dos Estados, uma cláusula de supremacia federal semelhante àquela que
existe na constituição americana (supremacy clause)e alemã (bundesrecht bricht
landesrecht). Era esta cláusula suscitou uma grande reação jurídica por parte de muitos
autores mais soberanistas, bem como em setores do eleitorado. Não foi apenas por causa
desta cláusula, mas ela contribuiu, para que a França e a Holanda recusassem ratificar este
tratado.
Mas, hoje em dia, não existe uma cláusula semelhante e aquilo que faz o n.4º é aquilo que
faz o n.3º: reenvia para o tratado da União Europeia, e este, no art. 288.º, para além das
disposições sobre a aplicabilidade dos tratados, que nos define e determina como é que se
aplica uma diretiva, como se aplica um regulamento e como é que aplica uma decisão. Este
envio reptício não envolve por parte dos tratados da União nenhuma regra de prevalência
desses atos de Direito Europeu sobre a constituição.
O que é que podemos extrair daqui? Que o n.º4 é uma norma especial relativamente ao
n.º3 e que aquilo que está consagrado é um regime misto, em que, como se reenvia para os
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Este é o nosso modelo, predominantemente misto, sabemos como é que o direito se aplica
na ordem interna, mas uma coisa é a aplicação do direito – a produção imediata ou
mediata dos seus efeitos jurídicos – outra coisa será a força jurídica – com que hierarquia,
com que força é que se aplica? Com ou sem prevalência sobre a constituição? Com ou sem
prevalência sobre a lei ordinária? Com prevalência sobre os regulamentos?
Existe uma doutrina que entende que existe prevalência ou precedência do DIP cogente, o
ius cogens, sobre o direito interno de valor constitucional, ou seja, sobre a CRP. Este
posicionamento foi sustentado, por exemplo, pelo Professor Jorge Miranda. Portanto, o
Direito imperativo impor-se-ia em qualquer ordenamento jurídico, impor-se-ia na ordem
internacional de acordo com Convenção de Viena e, assim, também se imporia no Direito
interno, sendo um conjunto de normas aceites por todos ou quase todos os Estados da
comunidade internacional, diriam respeito a valores estruturantes da ordem internacional
e esta teria uma prevalência sobre a ordem interna. Podemos até dizer que existe alguma
reminiscência em toda esta problemática na construção de Kelsen, muito atacada por
positivas mais consequentes, desde Schmit a Merkl, que entendiam que havia uma
fragilidade na construção de Kelsen, na medida em que fazia assentar o vértice da sua
pirâmide normativa numa norma aparente de Direito Cogente, numa norma de Direito
internacional geral, que alguns identificaram como ius cogens. Essa norma pressuposta
nunca foi plenamente clarificada por Kelsen e é o elemento mais débil da sua construção,
tendo depois aspetos que são aceites e perfeitamente racionais que dizem respeito à
construção hierárquica entre atos normativos.
O Professor Jorge Miranda entende, no que toca ao Direito cogente, que ele se imporia à
nossa própria constituição, pela essência que o mesmo tem para a ordem jurídica
internacional, sendo princípios civilizacionais que teriam uma hierarquia natural.
Teríamos segundo alguns autores, incluindo o Professor Jorge Miranda, o problema da
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aí o Professor Jorge Miranda já é menos
claro quando à questão hierárquica. De facto, a constituição no art. 16.º/2 diz-nos que as
disposições da própria constituição devem ser interpretadas e integradas à luz da DUDH,
que é um documento político das Nações Unidas, que está anexo à Carta das Nações
Unidas, mas não vale como norma jurídica internacional per si, vale como declaração
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
política. Isto não inibiu vários Estados, entre os quais Portugal, de proceder a uma receção
integral e plena da DUDH na sua ordem interna, pelo que na ordem interna portuguesa a
DUDH vale como direito constitucional, não sendo um direito constitucional qualquer, mas
antes um direito constitucional em que não se afirma inequivocamente uma prevalência
sobre as normas constitucionais da lei fundamental originária, mas a DUDH é entendida
pelo art. 16.º/2 como um parâmetro jurídico de interpretação, portanto, de descodificação
do sentido normativo das normas da CRP que tratem dos mesmos direitos ou de
integração de lacunas.
Há quem entenda, sendo que praticamente todos os professores de Direito europeu, talvez
com algumas exceções no âmbito da Professora Maria Luísa Duarte, que o Direito europeu,
quer originário (constante dos tratados da União Europeia, nomeadamente o tratado de
Lisboa), quer o derivado (diretivas, regulamentos, decisões – art. 288.º do Tratado de
Lisboa), teriam uma força jurídica superior à da própria constituição, porque decorreria
talvez não do texto dos tratados, mas decorreria da jurisprudência do TJUE, que há muito
tempo veio entendendo que a verdadeira carta constitucional europeia estaria a ser
construída pelos tratados e também, nessa base, por um conjunto de critérios de
prevalência onde figuravam as normas de Direito europeu e haveria, portanto, uma
prevalência dessa constituição europeia e das normas regidas pela sobredita constituição
sobre o direito ordinário dos Estados, daí o art. 6º/1 do defunto tratado constitucional
europeu falasse nesta prevalência total do Direito da União Europeia sobre o direito
interno dos Estados, incluindo as constituições. Não figurou no Tratado de Lisboa, figurou
numa declaração política que não tem valor jurídico-normativo e que foi subscrita por
alguns Estados, sendo isto mesmo confirmado pelo TC alemão, nomeadamente no seu
acórdão sobre o Tratado de Lisboa, pelo que, de qualquer forma, declaração política ou
não, a jurisprudência do TJUE iria no sentido dessa hierarquia, havendo várias
contribuições doutrinárias para sustentar a mesma hierarquia, nomeadamente o
Professor Fausto Quadros convoca um doutrinador de Direito Europeu, Pescatore, na base
do seguinte raciocínio: se os Estados educassem as suas constituições para incumprir o
Direito Europeu, verificar-se-ia que o Direito Europeu deixaria de existir, pois passaria a
ser incumprindo pelas constituições e perderia a sua eficácia, pondo em causa a
subsistência da União Europeia.
Outros autores, nomeadamente da Escola de Coimbra, o Professor Jónatas Machado, numa
apreciação crítica às posições que o regente assumiu, entendia que o entendimento do
regente nesta matéria se encontrava ultrapassado. Não são apenas quando o n.º4 do art. 8º
prevê que o Direito da União Europeia se aplica na ordem interna, de acordo com o
estabelecido no Direito Europeu, ele entende que o facto dos tratados não estarem a
prever uma hierarquia explícita do Direito Europeu sobre a constituição não significa que
não haja Direito Europeu que reconheça essa hierarquia, que seria o caso, segundo o
Professor Jónatas Machado, da jurisprudência. Essa prevê essa hierarquia. O mesmo tem
75
Direito Internacional Público Mariana Esteves
defendido o Professor Poiares Maduro, talvez com menos enfase, e o professor Rui
Medeiros.
Temos então três eixos de aparentes regras de DIP sobre o Direito interno.:
É inequívoco que essa declaração foi rececionada como Direito Constitucional português,
por uma norma de Direito Constitucional que é o art. 16.º/2 .
Originariamente a DUDH não tem valor de DIP, não é um tratado internacional, nem é
produto de qualquer outra fonte de DIP, sendo uma declaração política. Essa declaração
política, acoplada na convenção internacional é certo, não tem valor jurídico-normativo
por si própria, sendo que este é lhe dado pela CRP. Ela vale como Direito Constitucional e
com alguns aspetos de precedência sobre normas da constituição originária, porque,
através de um ato de livre vontade, o constituinte português resolveu incorporá-la como
Direito Constitucional através de uma receção com eficácia plena e que implica que até as
normas da CRP e as normas originárias devam ser interpretadas, e se for necessário
integradas, no respeito por esse mesmo Direito Constitucional rececionado, em que se
recebe uma declaração puramente política que passa, por via dessa receção, na nossa
constituição a ter valor normativo constitucional e paramétrico inclusivamente no plano
interpretativo e integrativo de normas constitucionais originárias.
Não estamos perante uma hétero limitação, uma limitação imposta por fora à nossa
constituição, mas uma autolimitação do próprio constituinte português. Como dizia
Jelineck, uma autolimitação não é uma verdadeira limitação. O constituinte decidiu limitar-
se porque quis, decidindo nesse sentido e tinha razões para o fazer. Portugal atravessava
um período pós-revolucionário incerto, ainda sob tutela militar, com forças políticas
extremistas, nomeadamente na área da extrema-esquerda e outras forças marxistas, que
entendiam colocar Portugal com um modelo político em trânsito para uma sociedade
socialista não democrática (semelhante a alguns ordenamentos jurídicos do leste europeu
e revolucionários do Terceiro Mundo), pelo que era necessário face à incerta do plano
militar consagrar na CRP a ideia de que qualquer interpretação dada aos direitos
fundamentais constitucionalizados deveria ser conforme a um documento importante sob
o ponto de vista da tutela universal desses direitos, que é a DUDH.
Concluindo:
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
2. Ius cogens
Será ou não que o Direito imperativo, como defende o Professor Jorge Miranda e Paulo
Otero, prevalece sobre a própria constituição do Estado?
É a própria constituição que determina quais são as normas que podem eventualmente
prevalecer, não só em relação a ela, mas também aos outros atos normativos. O art. 112º e
8º, entre outros, são efetivamente normas constitucionais sobre a normação, ou seja, meta
normas constitucionais que regulam a hierarquia, o valor, a força e, por vezes, o modo de
produção e revelação das normas jurídicas que se aplicam no ordenamento português.
Primeiramente, também não sabemos como é que podemos identificar o bloco normativo
de ius cogens, na medida em que há uma pluralidade de interpretações sobre a matéria –
núcleo mínimo aceitável de regras de Direito imperativo anteriormente referido.
Não só as normas da CRP não contrariam, antes pelo contrário, essas disposições, como, se
houvesse alguma discrepância, essas convenções não teriam uma norma ou credencial
habilitante para poder prevalecer sobre a constituição portuguesa.
Em segundo lugar, as normas de ius cogens são reveladas através de fontes muito precisas:
princípios gerais de DIP que podem ser ius cogens, costumes internacionais que podem
conter critérios de ius cogens e convenções internacionais. Quer o costume, quer atos
unilaterais, quer as convenções internacionais, todas elas estão subordinadas à
constituição. Se houver uma norma de ius cogens, contida num tratado internacional, esse
tratado pode ser julgado inconstitucional, por fiscalização expressa logo à partida na
fiscalização preventiva. A fiscalização sucessiva diz que qualquer norma vigente na ordem
interna, norma jurídica internacional ou interna, pode ser julgada inconstitucional se
violar a constituição. Não é feita aqui nenhuma atenção em relação ao Direito imperativo.
Portanto, não há arrimo jurídico positivo para defender esta prevalência do ius cogens
sobre a constituição portuguesa. Todos nós podemos defender filosofias ou tese favoráveis
àquilo que devia ser o dever-ser, mas isso são conceções políticas ou filosóficas, não têm
uma base normativa, e nós como juristas aprendemos que o Direito advém da norma e
sem norma não há Direito.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Esta questão é mais complexa, estando na base de uma controvérsia que ainda não acabou.
Esse primado é defendido, há muito tempo, pelo TJUE, antes designado por Tribunal
Justiça das Comunidades Europeias. Em acórdãos como o do PEV, de 1986; de alguma
maneira, no caso Cimental; numa sentença de julho de 2005, entre vários acórdãos, há
uma jurisprudência consolidada do TJUE que nos diz que os Estados são obrigados a
cumprir o Direito Europeu, logo isto significa uma prevalência das normas de Direito
Europeu, quer tratados quer Direito derivado, sobre todo o Direito interno incluindo a
constituição. Esta regra da vinculação dos Estados ao cumprimento do Direito Europeu,
implicaria a aceitação deste primado.
Este entendimento e o entendimento que foi refletido por Pescatore e sustentado pelo
Professor Fausto Quadros, naquilo que é o Direito Constitucional positivo português e no
plano do DIP não parece ter uma sustentação inequívoca, em primeiro lugar.
A tese sobre a qual os Estados europeus estão vinculados ao cumprimento do Direito
europeu é inequívoco e, inclusivamente, o Tratado de Lisboa prevê a aplicação de sanções
a todos os Estado que, por exemplo, não transpuserem diretivas ou não derem
cumprimento aos regulamentos e às decisões. Existe um processo aberto pela Comissão
Europeia que pode redundar na aplicação de sanções, nomeadamente pecuniárias, aos
Estados. Contudo, esta realidade não pressupõe a hierarquia do Direito Europeu sobre as
constituições, porque também no Direito Internacional Público geral os Estados estão
obrigados ao cumprimento dos tratados pelo princípio do pacta sum servanda, e se os
Estados não cumprirem com as obrigações dos tratados internacionais e esse
incumprimento gere, nomeadamente, prejuízos para a outra parte, o Estado incorre em
responsabilidade internacional, havendo penalidades que podem ser aplicadas por
tribunais internacionais. Muitas vezes, os próprios tratados contêm normas remissivas
dos conflitos que possam emergir da aplicação dos mesmos, para tribunais arbitrais, para
o TIJ ou para tribunais intervencionais de natureza regional. Portanto, a responsabilidade
dos Estados pelo incumprimento do Direito não significa hierarquia, significa
obrigatoriedade do cumprimento.
Há Estados que podem entender que há normas de Direito Europeu que são
inconstitucionais, por violação das suas constituições – é o caso da Alemanha, Itália,
Dinamarca e Polónia. Estas normas podem ser julgadas inconstitucionais pelos respetivos
tribunais constitucionais, sendo que, nesse caso, não se aplicam na ordem jurídica interna
ou no quadro de uma determinada interpretação, sendo que os Estados podem optar por
preferir manter a integridade da sua constituição e não aplicar essas mesmas normas e,
consequentemente, assumirem as penalidades derivadas desse incumprimento, que é
pagar uma indemnização. Esta é uma opção dos Estados, sendo algo muito diferente do
que os tribunais e a Administração Pública derrogarem ou desaplicarem a constituição,
aplicando Direito Europeu.
78
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Este problema não foi resolvido porque aquilo que o regente refere é o que diz, de forma
mais branda e mitigada, o TC alemão. A tensão entre o TJUE e o TC alemão é antiga e tem
uma história, na medida em que o problema da prevalência do Direito sempre se colocou.
O TC alemão começou por ter uma atitude branda, mas clara sobre um determinado ponto
de vista, aquilo que chamam os princípios ou regras estruturantes da constituição alemã
são inderrogáveis pelo Direito Europeu, tendo por este que ser respeitados. Nos chamados
casos, duas decisões, Solange I e Solange II, o TC alemão disse o seguinte: muitos dos
Direitos Fundamentais que estão previstos na constituição alemã, onde os Direitos
Fundamentais constituem uma parte do núcleo estruturante da mesma, são aceites pela
União Europeia, nomeadamente pelos direitos que consagram nos tratados e pelo facto de
ter recebido na ordem interna europeia toda Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
que é rececionada, pelo que não há aqui um tratamento muito diferente, mas adverte o TC
que se porventura se verificar que o sistema de garantia e proteção dos direitos constante
da constituição alemã é mais eficaz do que aquele que é concedido pela União Europeia, e
se houver uma norma europeia que não assegure devidamente a proteção desses direitos,
colidindo com a constituição alemã, então, nesse caso, o TC é competente para julgar a
inconstitucionalidade dessa regra de Direito Europeu ou a norma interna que transponha
a regra de Direito Europeu. Quando o dito tratado constitucional europeu, com aquele art.
6º, foi reprovado nas urnas, em referendo, em França e na Holanda, o TC alemão sentiu-se
mais poderoso para em cheque aquilo que disse o TJUE, que continua a afirmar a
prevalência absoluta de todo o Direito Europeu. A propósito de uma decisão-quadro, sobre
o mandado de segurança europeu, que implicava certo tipo de restrições a Direitos
Fundamentais, na ordem criminal, o TC alemão julgou a inconstitucionalidade da lei
interna que transpunha essa decisão-quadro (regime próximo das diretivas). O ST de
Chipre e o TC polaco, este numa interpretação conforma à constituição deixava pendente
uma orientação inconstitucional, reagiram no sentido de apreciarem e julgaram a
inconstitucionalidade desta decisão-quadro, que deu origem a um grande furor: o TJUE
reafirmou os seus poderes, muitos autores reagiram contra esta decisão, que não foi
devidamente levada a sério como devia ter sido levado. Vários autores de Direito Europeu
começaram a dizer que isto tinha sido uma decisão-quadro e não uma diretiva, tendo o
tribunal, nesse caso, feito uma advertência, na medida que nunca julgaria uma diretiva ou
de um regulamento. Anos depois o TC alemão julgou precisamente a inconstitucionalidade
de uma lei que transpunha uma diretiva que tinha que ver com a proteção de dados por
companhias telefónicas. Foi a segunda vez que o TC alemão resolveu mostrar a sua força,
não tendo nada feito o TJUE. Mas não se ficou por aqui. Quando o Tratado de Lisboa foi
objeto de um controlo de constitucionalidade, o TC alemão não julgou o Tratado de Lisboa
inconstitucional, mas fez uma passagem brilhante, no entendimento do regente, sobre
aquilo que eram os limites da aceitabilidade da prevalência do Direito Europeu sobre a
constituição alemã, dizendo que sobre algumas matérias que não sejam o núcleo
estruturante e fundamentais da constituição, ate pode haver essa precedência ou
prevalência, agora sobre aquilo que é a componente estruturante da constituição alemã, aí
não há prevalência de espécie nenhuma e o TC é competente para julgar a
inconstitucionalidade de Direito Europeu que contrariar a componente normativa da
constituição. O TC lembrou ainda que a União Europeia não era um Estado, não era uma
federação, que não havia nenhuma cláusula normativa de prevalência porque a declaração
que consta no Tratado de Lisboa sobre esta matéria, não é uma norma, mas antes uma
declaração política sem valor normativo, subscrita por vários Estados que seguem o TJUE
(infelizmente, Portugal também), que não nos vincula. Mais tarde, noutras decisões, o TC
alemão dentro da sua lógica moderadora aceitou que Direitos Humanos com igual
capacidade ou aptidão de proteção, tratados à luz do Tratado de Lisboa, cuja proteção seja
80
Direito Internacional Público Mariana Esteves
equiparada àquela que é concedida pela constituição alemã, podem continuar a ser
tutelados pelo TJUE, mas o TC alemão reserva sua última palavra. Na ordem jurídica
portuguesa, vários autores, nomeadamente o antigo presidente do TC, o Professor Cardoso
da Costa, de Coimbra, tem uma posição idêntica neste quadro, mesmo o Professor Jorge
Miranda tem uma posição próxima. O regente defende, ainda mais estritamente, face à
atual redação do n.º4 que remete para os tratados, a impossibilidade da CRP poder ser
contrariada, desaplicada ou derrogada por normas de Direito Europeu.
O regente foi criticado pelos Professores Rui Medeiros e Jónatas Machados quando, no art.
7/n. º6, reduz às convenções internacionais aquilo que é o Direito Europeu, não serão
princípios metafísicos, nem jurisprudência do TJUE (não assenta num sistema
jurisprudencialista de natureza constitucional, aplicando o Direito Europeu na ordem
europeia). Apesar da conceção do regente ser pouco cosmopolita, de acordo com que
dizem os professores de Coimbra, segue sensivelmente o que diz o TC alemão, que é de
facto o mais relevante e apurado de todos os tribunais constitucionais europeus.
Como é que se extrai? Não será o n.2º apenas uma regra que estipula os simples termos da
recção do Direito internacional convencional na ordem interna? Não, irá além disso,
sobretudo atento o disposto no segmento normativo final do n.2º. Se um tratado
internacional entrou em vigor, foi regularmente ratificado, produz os seus efeitos jurídicos
e o Estado português não o invalidou, não o denunciou, nem entrou em recesso, o tratado
continua a vincular internacionalmente o Estado português. Assim sendo, ele aplica-se
plenamente na ordem interna. Essa aplicação plena na ordem interna, imposta pelo n.º2
do art. 8º, deixaria de ter lugar se se admitisse que uma lei superveniente pudesse
contrariar esse mesmo tratado. Uma lei aprovada posteriormente à entrada em vigor do
tratado e que o tentasse tacitamente revogar ou desaplicar, violaria o n.2º, porque essa
precedência de lei poria em causa a aplicação interna do mesmo tratado, a qual deve
ocorrer enquanto este mesmo tratado vincular internacionalmente o Estado português, ou
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
seja, enquanto o Estado português não invocar a sua caducidade ou denunciar essa mesma
convenção. Isto significa que enquanto o Estado estiver vinculado ao tratado, ele deve-se
aplicar na ordem interna, logo não se aplicarão disposições de Direito ordinário que
contrariem o mesmo tratado.
• As diretivas são normas de resultado, ou seja, são, por regra, normas de Direito
Europeu, que, nos termos do art. 288º, carecem de ser transpostas para a ordem
interna dos Estados por ato de Direito interno, sendo que se verifica, pela
jurisprudência do tribunal, que esse ato de direito interno tem de ter eficácia
intersubjetiva externa. As diretivas para valerem carecem desta incorporação em
Direito interno, que equivale a uma transformação, é a componente dualista dos
sistemas dos Estados da União Europeia relativamente a uma norma da diretiva. A
diretiva, por regra, para valer no interior dos Estados carece de transposição, não
tem aplicabilidade direta. Aplica-se desde que seja convertida em norma interna e
é a norma interna que produz os seus efeitos jurídicos. A diretiva também não
deveria ser pormenorizada ao ponto de retirar ao Estado a competência para a
desenvolver e a integrar. Esta, por regra, não pretende fazer valer sem mais o seu
preceituado, ela deixa espaço a um suplemento normativo de Direito interno, que
ajusta as suas normas-fim às especificidades de cada ordem jurídica dos Estados-
membros, tendo, por isso, cada um uma margem de liberdade cofiadora
minimamente relevante para adaptar, ajustar, complementar e concretizar as
disposições da diretiva. Aquilo que esta determina são obrigações de resultado,
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
não impõe especificidades quanto aos meios de atingir esse resultado, que são
deixados ao Direito interno.
• O regulamento é uma norma mais poderosa do que a diretiva, que tem não só uma
aplicabilidade direta, ou seja, vigora no ordenamento dos Estados-membros sem
necessidade de transposição (incorporação num ato de Direito interno), vale como
regulamento na ordem interna dos Estados, como tem ainda efeitos jurídicos
diretos, que tem que ver com a hierarquia ou com a força, ou seja, o regulamento é
aplicável em todos os seus elementos e imediatamente tem eficácia intersubjetiva
e tem um primado que lhe permite afastar ou desbancar toda a legislação ordinária
contrária e, por maioria de razão, a regulamento administrativa interna que lhe for
contrária. Os tribunais têm de dar prevalência ao regulamento, assim como a
Administração Pública dos Estados. O regulamento é obrigatório em todos os
elementos. Claro que pode haver Direito interno de execução dos regulamentos,
sendo que, muitas vezes, para a aplicação de um regulamento de Direito Europeu,
são emitidas leis internas que criam órgãos de monotorização e aplicação, uma
estrutura administrativa, que permita a aplicação do regulamento. Pode até haver
regulamentos que difiram para o Direito interno normas complementares, mas
isso não é muito comum. Assim, o regulamento vale em todos os seus elementos e
com prevalência ou primado sobre o Direito ordinário. Os regulamentos aplicam-
se a todos os Estados.
• Quanto às decisões, não se sabe muito bem se configuram uma norma ou não. As
decisões são atos jurídicos unilaterais emitidos pela União Europeia, que não são
emitidas para todos os Estados europeus, mas sim para alguns Estados e, portanto,
houve quem entendesse que, por isso, não teriam carácter normativo, equivalendo
a atos administrativos – entendimento pouco apurado: não é exatamente assim.
Uma decisão pode ou não ter carácter normativo conforme seja ou não geral e
abstrata. Se uma decisão que se aplica a um, dois ou três Estados e não a todos,
tiver um conteúdo geral e abstrato (se pelo menos, a generalidade estiver
presente), será norma e, como tal, pode ser impugnada como norma junto da
Justiça Constitucional dos Estados-membros. Mas pode ser um ato individual e
concreto, não tendo assim natureza jurídica. As decisões são ou não são normas
em razão do seu conteúdo, de terem ou não um conteúdo geral e tendencialmente
abstrato. As decisões operam juridicamente como os regulamentos, ou seja, têm
aplicabilidade direta e produzem feitos jurídicos diretos. Estes podem ser verticais
ou horizontais: são verticais quando incidem apenas sob o Direito concreto ou
Direito interno; são horizontais se interferirem também com Direitos dos
particulares. Em regra, os efeitos que são ordinariamente produzidos por
regulamentos e decisões são efeitos diretos verticais.
Aula 8 – 03/11/2020
83
Direito Internacional Público Mariana Esteves
O mesmo deve suceder com as decisões da União Europeia, pelo que se estas tiverem
carácter normativo têm prevalência sobre a legislação interna, dado que o seu regime
jurídico em termos de aplicabilidade direta e efeitos diretos é análogo ao dos
regulamentos, nos termos do art. 288.º do Tratado de Lisboa.
Quanto às diretivas, para estas operarem, devem ser incorporadas em Direito interno,
tendo de ser transpostas em norma jurídica interna. São normas de resultado, nos termos
do art. 288º, a União Europeia não determina regras sobre os meios de incorporação da
diretiva, interessando apenas que os resultados sejam atingidos pela legislação interna.
Se estivermos perante uma situação em que uma diretiva é transposta para a ordem
interna através dos atos que a CRP qualifica como atos de transposição, no n. º8 do art.
112º (lei, decreto-lei, decreto legislativo regional), ou seja, só por ato legislativo (atos com
forma específica de lei). Se houver uma lei que transpõe a diretiva e depois há uma lei
sucessiva que revoga ou derroga essa mesma lei que assegura a transposição, e essa
derrogação põe em causa o cumprimento da diretiva. Neste campo, não há nada a fazer. A
lei de transposição é derrogada; a obrigação do resultado da diretiva pode ser posta em
causa pela lei nova e o que pode acontecer é o Estado incorrer em responsabilidade por
não dar execução devida às diretivas da União Europeia e não cumprir com as suas
obrigações.
Há uma outra situação que deve ser tomada em consideração, que não deriva do art. 288.º
do Tratado de Lisboa, nem das normas que o antecederam, mas que deriva de uma prática
e jurisprudência do TJUE. Há certas diretivas que são qualificadas como diretivas auto-
aplicativas (self-executing) ou diretivas regulamentares, porque o seu conteúdo
pormenorizado é análogo ao de um regulamento da União Europeia, há diretivas que são
de tal modo pormenorizadas que deixam muito pouco espaço para o suplemento
legislativo da ordem interna adicionar regras relativas ao respetivo regime, ou seja, o ato
de transposição em lei ordinária interna tem pouca margem de manobra em termos de
complementação daquilo que é o conteúdo da diretiva. A liberdade de conformação ou a
discricionariedade legislativa do Parlamento ou do Governo é muito menor do que numa
diretiva normal.
Portanto, há quem entenda, entendo assim o TJUE (tendo sido confirmado por um tribunal
judicial português), que se uma diretiva self-executing não for transporta durante os dois
anos que, em regra, são dados para que a diretiva possa ser transposta, se o Estado não
assegurar essa transposição ou a transposição completa, a diretiva poderá aplicar-se na
ordem interna do Estado, produzindo efeitos diretos como um regulamento e, portanto, se
a Administração Pública estiver perante uma lei ordinária e uma diretiva self-executing ou
regulamentar, deverá dar preferência direta à diretiva.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
1. Fase negocial
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
internacionais, tanto tratados como acordos, e, em regra, o órgão com a competência para
essa negociação, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências do Conselho
de Ministros noutro órgão, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, sem prejuízo de
outros ministérios em coordenação e em articulação com este, poderem assumir
protagonismo num determinado processo negocial.
2. Fase instrutória
Coloca-se o problema de saber se há convenções internacionais que exigem intervenção de
outras entidades ou a formulação de pareceres obrigatórios. Há quem entende, e
prudencialmente isso deve ocorrer, que se há leis – nomeadamente laborais e sobre
Segurança Social – que exigem intervenção de sindicatos e associações profissionais, no
sentido da elaboração de pareceres, entende-se ser, por identidade de razão (embora isso
não decorra da CRP), que essas mesmas entidades devem ser ouvidas previamente à ao
juízo de consentimento dos órgãos do Estado português relativamente a essa convenção.
Onde a CRP exige a intervenção de certa entidades externas tem que ver com as RA’s, que
devem inclusivamente participar nas negociações de convenções internacionais que se
repercutam nessas mesmas regiões, em que haja um interesse relevante da região no
quadro da celebração dessa convenção – nexo de conexão entre a convenção e aquilo que é
o âmbito regional ou, fora do âmbito regional, aquilo que diga respeito diretamente à
região. Desta forma, a região não se limita a dar um parecer, mas deve poder participar na
negociação, que, em regra, far-se-á através da designação de um técnico que integre a
delegação portuguesa e que proceda a essa mesma negociação internacional. A falta de
participação da RA pode envolver a inconstitucionalidade formal da convenção, embora
sem prejuízo do n.2º do art.277º.
3. Fase constitutiva
Envolve uma modificação do status jurídico da convenção na ordem interna, ou seja, diz
respeito ao processo de vinculação do Estado a essa convenção.
No que toca aos tratados internacionais, o órgão competente para aprovar os tratados
internacionais, atualmente, é exclusivamente a AR. Há matéria que são reserva necessária
de tratado, ou seja, se as convenções negociadas, a sua aprovação pela AR deve revestir a
forma de tratado, sendo as matérias que constam do art.161º/i) da CRP (áreas essenciais
de soberania: retificação de fronteiras, questões de natureza militar, organizações
internacionais), não podem revestir a forma de acordo internacional e são da reserva
exclusiva de competência da AR.
A AR também pode aprovar tratados sobre outras matérias, nomeadamente sobre as
matérias que correspondem á sua reserva de competência legislativa, ou seja, as matérias
que estão elencadas para o exercício da função legislativa, nos art. 164.º e 165.º, podem
assumir a forma de tratado internacional, mas isso não é obrigatório. A AR pode aprová-
las (só a AR), mas pode conferir-lhes a forma de acordo internacional.
A regra geral é que a aprovação ocorre por maioria simples, que é a maioria estipulada
para as deliberações em órgãos colegiais.
Coloca-se um problema que nunca foi devidamente solucionado: saber no que toca à
aprovação de convenções internacionais que integrem a reserva de lei orgânica ou de lei
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
aprovada por maioria de 2/3 , se a AR deverá aprovar essas convenções por idêntica
maioria. A CRP não diz nada sobre a matéria, pelo que dir-se-ia, numa interpretação literal,
que a AR pode aprovar uma matéria respeitante à temática de uma lei orgânica por
maioria simples.
Todavia, há quem entenda que a maioria deve ser a mesma, porque senão há uma situação
muito paradoxal. Na situação anterior, uma minoria na AR pode contornar as regras de
maiorias qualificadas. O regente entende que, por uma questão de coerência lógica, estas
convenções que incidem sobre reserva de lei orgânica e reserva de lei aprovada de 2/3,
devem ser aprovados pela mesma maioria. Isto é uma matéria controvertida e não
resolvida ainda.
Aprovados os tratados internacionais, os mesmo são submetidos ao PR, nos termos do art.
135.º/b), para serem ratificados. A ratificação é um ato livre do PR, pelo que este é livre de
não ratificar uma convenção internacional, por razoes políticas e mérito, pelo que isso
equivale a um “veto absoluto” não superável por maioria qualificada. Todavia, a prática
demonstra que os PR’s, todos eles têm praticamente, desde o início da III República,
ratificado as convenções internacionais aprovadas sob a forma de tratado internacional.
Volvida a ratificação, a convenção estará apta para produzir os seus efeitos jurídicos
relativos à vinculação do Estado português. Se se tratar de um tratado multilateral,
subsequentemente à ratificação, o Estado português apresenta no depositário os
instrumentos de adesão a essa convenção; se for uma convenção bilateral, a convenção
entrará em vigor depois da data nela prevista e depois da sua publicação.
No que toca aos acordos internacionais, a AR tem competência para aprovar convenções
internacionais sobre as matérias da sua reserva legislativa relativa e absoluta (arts. 164º e
165º) sob a forma de acordo internacional, excetuando-se as matérias do art. 161/i), na
primeira norma. Para lá da competência da AR para a aprovação de acordos, temos a
também a competência do governo para os poder aprovar. O art. 197º/1/c) da CRP
confere ao Governo a possibilidade de aprovar acordos internacionais sobre as matérias
que não são da reserva da competência da AR (todas as matérias que estão elencadas na i)
do art. 161º). Isto corresponde, no plano legislativo, às matérias da esfera concorrencial,
isto é, todas as matérias que não são reserva de competência da AR (matérias
remanescentes).
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Se o PR não apuser a sua assinatura isso equivale a uma não ratificação, o ato nunca
poderia ter inexistência jurídica. Desta forma, o PR não é obrigado a assinar, sendo livre de
assinar ou não assinar. O regime da assinatura é um regime idêntico ao da ratificação,
sendo que uma não assinatura equivale a um veto absoluto.
Quanto a prazos para a assinatura e a ratificação, apesar de haver várias teses,
nomeadamente a do Professor Jorge Miranda (no que toca à AR, o prazo deve ser de vinte
dias, porque é aquele fixado para as leis), o facto é que, como diz o Professor Gomes
Canotilho e o Professor Vital Moreira, não existem prazos para o PR poder assinar acordos
ou para ratificar tratados. Pode exceder este prazo, sendo que a prática é que os
Presidentes excedem esse prazo: há acordos que já foram assinados depois de quarenta
dias (Governo) e 20 dias (AR).
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
A querela deve lugar a propósito de uma convenção internacional entre Portugal e o Chile,
sobre segurança social. O PR entendeu que essa convenção internacional era uma
convenção que não deveria ser aprovada por acordo internacional pelo Governo e deveria
integrar a reserva do tratado, porque havia uma disciplina inovadora em matéria de
segurança social, constante da Convenção, pelo que deveria constar de tratado e,
consequentemente, ser aprovada pela AR.
A questão foi levada ao TC, que “atirou para o lado”, com o Acórdão 494/99, tendo como
presidente o TC, o Professor Mota Pinto, em que há páginas e páginas sobre o regime da
celebração de tratados e de acordos internacionais, antes e depois da CRP de 1976 – é um
verdadeiro tratado. Quando se chega à parte mais decisiva, o relator do acórdão dá razão à
Presidência do Conselho, mas por um argumento lateral: mesmo que houvesse essa
primariedade, ela não se aplicaria no caso concreto, porque esta disciplina do acordo entre
Portugal e o Chile, não é inovadora, mas sim secundária e concretizadora. Não deu razão à
Presidência da República, mas não respondeu à questão principal.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Assim, o costume é passível de controlo e, sendo o costume norma, é clara a CRP no âmbito
da fiscalização sucessiva abstrata e concreta que todas as normas que integram a ordem
jurídica portuguesa, podem ser objeto de fiscalização, quer concreta, quer abstrata
sucessiva. O costume não é uma exceção. Isto não significa que seja normal que o costume
seja objeto da fiscalização da constitucionalidade (pode ter acontecido num caso pontual).
Mas o que não é possível dizer, em tese, é que o costume está excluído da garantia da
constituição e da ação da justiça constitucional.
No que toca às diretivas, para serem controladas elas necessitam de ser incorporadas em
tese no Direito interno. Claro que se tivermos uma diretiva self executing, ou seja, uma
diretiva regulamentar que volvido o prazo dado para a sua transposição se verifica que
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
esse prazo não foi observado e não houve transposição, na medida em que se entenda,
como já entenderam tribunais portugueses, que a diretiva se for demasiado detalha ou
pormenorizada produzir efeitos diretos verticais (obrigar o ordenamento interno,
desbancando leis ordinárias portuguesas contrárias), então, nessa circunstância, a diretiva
será passível de fiscalização da constitucionalidade. Conforme os artigos 280.º e 281.º,
trata-se de uma norma que se aplica na ordem interna portuguesa e, como tal, pode ser
objeto de controlo.
Mesmo uma leitura exagerada do n.º 4 do art. 8º da CRP, que nos diga que o Direito da
União Europeia só é suscetível de ser objeto de controlo de constitucionalidade, se colocar
em causa os princípios fundamentais de um Estado de Direito, obviamente que, mesmo
nessa leitura restritiva, haveria sempre a intervenção do TC se alguém invocasse a
violação desses princípios fundamentais do Estado de Direito. Como essa limitação não
ocorre, dir-se-á que todos os atos de Direito comunitário derivado, que violem ou não
princípios do Estado de Direito democrático, se forem contrários à constituição, podem ser
julgados inconstitucionais.
No que toca à fiscalização preventiva, o n.1º do art. 278º, diz-nos que o PR pode requerer
ao TC fiscalização preventiva de qualquer norma constante de tratado internacional que
lhe tenha sido submetido para ratificação e também de decreto que lhe tenha sido enviado
para ser assinado sob a forma de acordo internacional. Aquilo que se pode dizer é que a
norma que estamos a examinar é uma norma completa e isenta de dúvidas, mas não é
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
totalmente isenta de dúvidas. Parece claro que os tratados internacionais que podem ser
objeto de fiscalização preventiva, como consta do artigo anterior, bem como acordos
internacionais aprovados pelo Governo, sucede, todavia, que os acordos internacionais
que são aprovados pela AR são aprovado sob a forma de resolução e não sob a forma de
decreto, como está previsto no mesmo artigo, portanto, falta aqui qualquer coisa.
Os acordos internacionais aprovados pela AR, que também os pode aprovar de acordo com
o art. 161.º, eles são aprovados sob a forma de resolução parlamentar e não sob a forma de
decreto, então dir-se-ia numa interpretação literal que o PR pode fiscalizar tratados
(enviados para ratificação), acordos aprovados pelo Governo e sob a forma de decreto
(que o PR deve assinar), mas não poderia exercer a fiscalização preventiva sobre
resoluções da AR que aprovem acordos internacionais, na medida em que não há aqui
menção às resoluções. Haveria aqui uma situação em que o PR estaria precludido de o
fazer, mas não é assim.
É claramente uma lacuna, devido a uma falha regulatória do legislador constitucional, não
faria nenhum sentido, seria irracional, que podendo ser fiscalizados os tratados aprovados
por resolução da AR, não pudessem ser fiscalizados os acordos, sendo fiscalizáveis os
acordos aprovados por decreto por parte do governo, não pudessem ser fiscalizados os
acordos aprovados por resolução parlamentar.
Portanto, faz-se aqui uma interpretação extensiva, com um retoque no elemento literal, em
que a doutrina coincide toda, no sentido de entender que a expressão “decreto” não
significa textualmente e apenas um decreto formal do governo, mas decreto em sentido
amplo, ou seja, sinónimo de diploma, um diploma que lhe tenha sido enviado para
assinatura, diploma esse que contém um acordo internacional. Portanto, valerá quer para
os acordos do Governo, quer para os acordos da AR, que tenham sido aprovados por um e
por outro, pelo que, aqui, a forma de resolução é de desconsiderar porque senão teríamos
uma lacuna, que conduziria a um resultado desigualitário e até absurdo.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
com uma outra interpretação diferente e vinculativa para depois o Estado português
poder consentir ou formular o seu consentimento relativamente à convenção, portanto,
uma reserva modificativa, uma reserva de conteúdo interpretativo sem ser uma mera
declaração interpretativa ou uma reserva de pura e simples não aplicabilidade dessa
mesma norma na ordem interna.
Relativamente aos acordos internacionais, os acordos que são aprovados pelo Governo, se
houver uma pronúncia no sentido da sua inconstitucionalidade, aquilo que pode acontecer
é:
Outra querela que se coloca tem que ver com os acordos internacionais aprovados pela
AR. De facto, eles estão amalgamados juntamente com os atos legislativos, quanto aos
efeitos da decisão, no n.2º do art.269.º da CRP: “o decreto não poderá ser promulgado ou
assinado – tratando-se de um acordo, vale a assinatura – sem que o órgão que o tiver
aprovado expurgue a norma inconstitucional – não é fácil num acordo internacional, não
se podendo expurgar unilateralmente, pelo que o expurgo deve ser entendido como uma
renegociação do tratado ou como a formulação de uma reserva”. Dir-se-ia que tratando-se
de um acordo internacional aprovado pela AR, tal como sucede nos tratados, poderia a
haver a opção de o diploma, depois de ter sido julgado inconstitucional, ser reaprovado
pela AR, depois desta maioria qualificada.
Há um setor na doutrina, onde milita o professor Jorge Miranda – o professor desconfia ser
este o setor maioritário, que entende que esta disposição (possibilidade de
reaprovação)não se aplica aos acordos aprovados pela AR, porque o preceito fala em
“decreto” e os acordos aprovados pela AR são-no pela forma de resolução e não sob a
forma de decreto. Neste caso, a AR não poderia usar o instituto da reaprovação, para
superar a decisão de inconstitucional do TC.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Torna-se complicado o facto deste regime, cada vez mais, esmaecer a distinção entre
acordos e tratados. Isso deve-se a sucessivas revisões constitucionais feitas, por vezes, a
eito que foram fazendo esbater a distinção entre estes dois tipos de convenção
internacional e foram fazendo essa aproximação, por vezes, sem consciência, daquilo que
estavam a fazer.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
1. Se for uma convenção internacional que exigiria por identidade de razão com as
leis correspondentes, em tese, audiência obrigatória de sindicatos (por dizer
respeito a matéria laboral ou da Segurança Social) e os sindicatos não forem
ouvidos, podemos entender que esta é uma violação de uma disposição não
fundamental.
2. O professor entende que, se houver violação da regra que impõe a participação das
RA’s relativamente a convenções que lhes respeitem, essa participação que não
implica poderes de decisão, mas poderes de intervenção, de proposta ou de
auscultação, também não constitui a violação de uma disposição fundamental, pelo
que justifica a aplicação do regime da irregularidade e que a norma, apesar de
viciada, produza os seus efeitos jurídicos.
3. Situações mais graves, como a falta absoluta de forma ou preterição de regras
fundamentais de procedimento, por exemplo, a convenção é aprovada na
generalidade e enviada para o PR para assinatura ou ratificação, sem ser aprovada
em votação final global, isso implica uma violação grave de uma regra de forma,
porque não há uma deliberação constitutiva da AR; da mesma forma, se a matéria
for da competência da AR e tiver sido aprovada por acordo internacional
tramitado pelo Governo, temos uma inconstitucionalidade orgânica que põe em
causa uma disposição fundamental, pois o Governo apropriou-se de competências
normativas constitucionalmente atribuídas à AR e vice-versa, embora aqui possa
haver uma nova tramitação.
Aula 9 – 10/11/2020
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Não se adotou a visão, por exemplo, dos autores da escola sociológica, que afirma o
fundamento da responsabilidade deve ser o risco, isto é, o risco das atividades cometidas
na esfera internacional. Esta questão tem sido debatida, nomeadamente pela Comissão de
Direito Internacional, mas não é esse o fundamento principal.
O facto gerador é o facto internacionalmente ilícito que gera a responsabilidade.
Antes desse facto podemos ainda identificar uma questão prévia, que é a existência de uma
obrigação internacional.
Melcom Shaw não inicia a responsabilidade com o facto ilícito, entendo que há uma ligação
necessária entre a irresponsabilidade de um direito, pelo que começa pela existência desse
mesmo direito, citando o caso da zona espanhola de Marrocos.
Nota: consultar apontamentos avulsos
Aula 10 – 17/11/2020
Sujeitos de DIP
O que é um sujeito de DIP? É toda a entidade que nos termos de normas do direito
internacional seja titular de direitos e se encontre também submetido a deveres ou
obrigações.
No tempo que corre, o Estado Soberano não é exatamente o Estado Moderno que nasceu
depois da paz de Vestefália. Com o termo da Guerra dos Trinta Anos, o Papado perdeu a
sua influência como uma espécie de Organização das Nações Unidas, no âmbito das
Repúblicas Cristãs, portanto, os Estados afirmaram a sua separação à Igreja, reafirmaram
nesses dois tratados, conforme a Paz de Vestefália, que a soberania para além de estar
agregada ao príncipe é uma qualidade do poder do próprio Estado (a soberania passa a
ficar ligada ao Estado em sentido próprio), o território fica definido através de fronteiras
98
Direito Internacional Público Mariana Esteves
determinadas e os Estados são considerados formalmente como entidades iguais nas suas
prerrogativas e não devem poder interferir/imiscuir-se nos assuntos internos uns dos
outros, caiem os últimos elementos residuais do feudalismo, que implicavam relações
cruzadas de dependência – de vassalagem – entre Estados.
Os Estados têm a soberania plena, mas esta não significa que possam, de alguma forma,
desenvolver no plano internacional as ações que muito bem entenderem.
Quer o Estado soberano, quer certas organizações internacionais são entidades com
soberania plena, são sujeitos de DIP com soberania plena.
Claro que relativamente a Estados, nem todos se encontram nesta situação: existem
Estados com soberania limitada.
Também nem todas as organizações internacionais são sujeitos de DIP com características
de plenitude, sendo que isto dependerá daquilo que dispuser o tratado constitutivo dessa
organização internacional. Obviamente que se falarmos da OMS, ela não tem a faculdade
de exercer o direito de guerra. Outras organizações, aliás a sua maioria, não dispõem dessa
faculdade, havendo, ainda assim, algumas que têm, tais como a ONU, a União Europeia, a
CEI, NATO tendo um pilar de defesa, podendo exercer atividades no domínio militar.
Se uma organização internacional reúne estas três características é um sujeito de DIP com
capacidades plenas. Outras que reúnam apenas alguns atributos, o Conselho da Europa,
por exemplo, são organizações de capacidade limitada.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Para além dos sujeitos de DIP com capacidade plena, temos também um pluralidade de
sujeitos com capacidade limitada, logo à partida, as organizações internacional como
acabamos de examinar, mas também outras figura, como é o caso de Estados de soberania
diminuída, veja-se o caso dos protetorados: figura antiga que sucedeu aos Estados
vassalos, sendo que o Império Otomano tinha-os no século XVIII e XIX, significando que
um Estado suserano que tinha um poder vinculante de supraordenação em relação a
Estados que dele dependiam, os Estados vassalos; neste regime subsequente há um Estado
protetor e um Estado protegido, o primeiro garante que o Estado protegido em caso de
ameaça será defendido pelas suas forças militares, que também lhe poderá dar assistência
no plano da segurança., mas em contrapartida o segundo assume perante o anterior
algumas obrigações, nomeadamente a possibilidade de facultar bases militares e a sua
política externa e de defesa serão condicionadas por orientações ou mesmo injunções por
parte da entidade protetora; o regime internacional do protetorado é muito vaso, tendo o
último sido o regime britânico sobre o sultanato do Brunei, em 1985, se tornou
plenamente independente, sendo este um protetorado de Direito; houve vários
protetorados célebres, como o caso do Egipto que assumiu uma relação de dependência
em relação ao Reino Unido, o caso do protetorado espanhol e francês sobre Marrocos, bem
como vários protetorados britânicos no Golfo Pérsico. O regime formal de protetorado,
hoje em dia, é pouco comum, mas há um regime material de protetorado, ou seja, Estados
que sem serem designados protetorados operam juridicamente como Estados protegidos.
É o caso, por exemplo, da Bósnia Herzegovina, que é um Estado dos Balcãs que fazia parte
da antiga República comunista da Jugoslávia, que era constituída por três comunidades
ético-culturais – muçulmana, croata e sérvia – sendo que a quando da sua desintegração e
de declarações de independência de algumas Repúblicas, sucede que a República da
Bósnia Herzegovina, depois de ter declarado independência, viu-se a braços com uma
guerra civil entre estas comunidades, que terminou com uma convenção internacional da
NATO, da ONU, da Organização de Segurança e de Cooperação da Europa, da Organização
Russa, uma intervenção internacional liderada pelos EUA. Que terminou com um conflito
militar, impôs uma paz forçada que envolveu o envio de forças militares e daqui resultou
um Estado regido por uma constituição que, todavia, foi uma constituição outorgada por
sujeitos de DIP exteriores ao Estado – Acordos de Daten, estabeleceram u conjunto de
obrigações e em anexo constava uma lei fundamental, uma constituição que passou a reger
os destinos da Bósnia, criando uma situação jurídica de protetorado.
Há outras situações em que certos Estados, por tratado, confiam a sua defesa ou
componentes da sua defesa e aspetos da sua política externo a outros Estado, como é o
caso do Mónaco que tem um tratado com França, havendo situações desta natureza com
microestados, os chamados Estados exíguos, como é o caso do Liechtenstein.
Há ainda terceiras situações, que são situações de facto e não de direito, em que um
determinado Estado não é um protetorado, mas opera quase como um protetorado, com
sucede com o Kosovo, cuja independência ocorreu por grande pressão da União Europeia.
Além destes Estados com soberania limitada ou diminuída, temos também a considerar os
beligerantes e insurretos. A figura do beligerante perdeu-se, há muito tempo, quase
completamente. O beligerante era uma entidade composta por forças que procuravam,
num determinado Estado, derrubar o poder político e, não conseguindo, dominavam uma
parte do território desse Estado e desencadeavam ações armadas contra o poder central. O
reconhecimento desse força político-militar que dominava alguma parte do território
como beligerante, significava que essa entidade era considerada um sujeito de Direito
100
Direito Internacional Público Mariana Esteves
Esta figura, todavia, extinguia-se no insurreto. O insurreto consiste numa força armada,
que podemos identificar como uma força de guerrilha, que podendo ou não dominar
parcelas de um determinado território de um Estado, desencadeava ações armadas num
quadro de um conflito político ou separatista. Os insurretos não eram considerados
propriamente sujeito de DIP, embora houvesse uma tentativa de que as suas condutas
pudessem ser objeto de uma vinculação pelo menos às Convenções de Genebra sobre o
Direito Humanitário da Guerra, sobretudo depois de uma decisão do Conselho de
Segurança nesse sentido.
O tempo e a evolução, independentemente do que digam os manuais, da comunidade
internacional levou a que a figura do beligerante entrasse em obsolescência. Embora haja
pontualmente fenómenos que possam ser mais recentes no século XX, as últimas situações
em que uma determinada entidade foi reconhecida como beligerante ocorreram até à II
Guerra Mundial. Por exemplo, no sul de Espanha, vários Estados europeus reconheceram
às forças militares e à junta presidida pelo General Franco, que em Espanha se revoltou
contra o governo republicano e passou a dominar uma parte do território espanhol até ao
final da guerra, representava um poder militar muito relevante, pelo que houve o
reconhecimento, por parte de diversos governos, dessa parcela de Espanha dominada pela
Junta a qualidade de beligerante, tendo um conjunto de consequências relevantes em
termos de atos jurídicos que foram decididos por esses mesmo poder militar e que
impactaram em cidadãos e bens de terceiros Estados. A partir dessa data, o
reconhecimento como beligerante passou a ser raro ou quase inexistente, mesmo em
situações que uma força militar/rebelde dominava até a maioria do território de um
determinado Estado – ex.: Ásia do Sudeste, guerras do Vietname, do Camboja e do Laos – o
estatuto de beligerante não era claro, porque um Estado que reconhece aos rebeldes a
natureza de beligerante exime-se de responsabilidade de atos relativamente a crimes ou
danos que ocorram no território dominados por aqueles, mas esse reconhecimento está a
legitimar o inimigo, chegando a considerar que terceiros Estados que reconheçam essa
natureza de beligerante estão a legitimar o adversário e estão a interferir nos assuntos
internos.
Pelo contrário, a figura do insurreto ganhou força. Atualmente um insurreto que domine
parte do território de um determinado Estado ou mesmo que não domine, mas faça
incursões relevantes, pode ser reconhecido como sujeito de DIP. Logo à partida, tem um
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Por outro lado, foi reconhecido, muitas vezes, a movimentos insurgentes, rebeldes ou
insurretos a possibilidade de se sentarem à mesa de conferencias internacionais
destinadas a por termos ao conflito e também a assinarem e rubricarem tratados de paz
destinados a por termo precisamente a esse tipo de guerras ou de conflitos armados. Por
exemplo, durante os anos 50/60/70/80 – mais de 40 anos – a América Latina foi assolada
por movimentos de revolta essencialmente patrocinados por forças comunistas, a União
Soviética e Cuba em particular, depois dos anos 60, contra os governos que eram apoiados
pelos EUA. As guerrilhas duraram muito tempo, estando espalhada nas Honduras, na
Guatemala, em El Salvador, na Nicarágua (onde passou a haver uma guerrilha de direita –
a Contra) e a América Central transformou-se numa zona intermitente de conflitos e de
violações serias de parte em parte dos direitos humanos.
Com o termo da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim, criaram-se condições para
que houvesse uma paz na América Central. Fizeram-se as conferencias de Esquípulas –
Esquípulas I e Esquípulas II – que juntaram os Estados da região, além de organizações
internacionais, juntando também elementos de guerrilha das diversas tendências. Muitos
desses de movimentos de guerrilha transforam-se em partidos, os governos aceitaram
legitimar a legalização desses novos partidos, como apor termo a algumas unidades mais
violentas do exército que anteriormente combatiam a guerrilha. Esses movimentos
exerceram o seu poder de assinatura ou vinculação a convenções internacionais, ou seja,
numa palavra, exerceram o chamado ius tractum. Verificou-se mais tarde, há alguns anos,
que na Colômbia mediante uma mediação cubana, o Governo colombiano e a SPAR, que
era a mais poderosa força guerrilha marxista, assinaram também um tratado de paz que
deu origem ao termo da luta armada e à legalização da SPAR. Quando esta se legalizou
num partido, sendo uma formação de força marxista dominista que cometeu crimes da
pior espécie durante a guerra travada na Colômbia, sendo forças governamentais
conservadoras que, muitas vezes, desenvolvem crimes e violações sérias de Direitos
Humanos, a par da guerrilha, cometendo crimes abomináveis: colocação de bombas em
lugares públicos que mataram civis inocentes; raptos de empresários e pessoas de classe
média que, mais tarde, eram detidos pelas forças de guerrilha, exigindo-se o resgate para a
sua libertação, que quando não ocorria resultava na execução e tortura dessas mesmas
pessoas. Não passavam de malfeitores ideológicos, que quando foram convertidos em
partido político tiveram uma votação ridícula e, de acordo com o tratado de paz,
independentemente da votação teriam sempre uma quota de deputados, porque se
tivessem obtido mandatos parlamentares apenas em função da votação que obtiveram,
provavelmente elegeriam um ou dois deputados. Aí a Colômbia acabou por mostrar o que
achava claramente desse seu movimento libertador. Este acordo foi recente e mostrou que
as SPAR efetivamente se converteram num sujeito de direito internacional com
capacidade para a celebração de tratados, mostrando também que os movimentos ditos
insurretos são, de facto, hoje em dia, sujeitos de direito internacional, ocupando o antigo
lugar do beligerante.
Também temos governos de exílio e movimentos de libertação nacional.
os movimentos de libertação nacional são essencialmente movimentos políticos ou
político-militares que defendem a independência de uma parcela de um território de um
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Estado em relação a esse mesmo Estado, por razões, muitas vezes, ligadas a entidades
étnicas, linguísticas ou culturais. Não basta haver um partido separatista, ou seja, forças
políticas legais separatistas, como é, por exemplo, o Partido Nacionalista Escocês ou várias
forças politicas da Catalunha, como a Convergência e União e a Esquerda Republicana
Catalã, para que eles possam ser considerados movimentos de libertação. Estes, pelo
contrário, são movimentos que atuam na ilegalidade, defendem a independência através
de um processo de luta e, ainda que não seja necessário em todas as situações, mas na
maior parte delas recorre à ação armada e à guerrilha para defender as causas que
reivindica, nomeadamente a independência de um território.
Estes movimentos ditos de libertação tornaram-se conhecidos sobretudo durante o
movimento de descolonização, a partir dos anos 50/60 e da Conferência de Bandung que
reconheceu aos povos ditos dominados colonialmente a possibilidade de se emanciparem
e autodeterminarem, escolhendo a independência, várias potências coloniais, entre as
quais se encontrava Portugal, que entendia que os seus territórios do Ultramar não eram
colonias, mas províncias ultramarinas, e França, na Argélia. Surgiram, então, estes
movimentos separatistas armados que desencadearam lutas que envolveram, mais tarde,
as Nações Unidas. Os movimentos de guerrilha passaram a alcançar um estatuto superior a
partir do momento em que uma parte da comunidade internacional e, nalguns casos, as
Nações Unidas lhes reconheceu o estatuto de movimentos de libertação.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
independência da Guiné e de São Tomé e Príncipe, os acordos de Argel, sendo que em São
Tomé e Príncipe o movimento de libertação em causa nem sequer podia recorrer à luta
armada, não tinha possibilidade, sendo um movimento de libertação sem a dimensão
militar mas houve outros acordos, como os que deram origem à independência de Angola,
o acordo do Alvor, e a independência de Moçambique, que foi o acordo de Moussaka,
celebrados entre o Estado português e esses ditos movimentos de libertação.
Conclusão: os movimentos de libertação são movimentos com capacidade limitada, que
têm um ius tractum limitado, um ius bellis efetivo; quanto ao poder de criação de missões
diplomáticas isso depende, sendo que a partir do momento que a ONU passou a dar algum
palco a esses movimentos, alguns deles criaram pequenas representações.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
também ao processo criminal, mas que tem uma debilidade resultante do facto dos EUA,
da Rússia, da China, de Israel e vários Estados árabes não terem assinado a convenção. Os
EUA, a Rússia e Israel temeram sempre que políticos seus, comandantes militares ou até
militares individualmente considerados, pudessem ser sujeitos a julgamento num tribunal
internacional. A convenção tem um alcance limitado, mas é um primeiro passo para a
efetivação da responsabilização do indivíduo pela prática de crimes que relevam para o
DIP – direito penal internacional.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Estes condicionamentos que foram colocados, acabaram por ser um filtro, pelo que a UE,
com base nestes condicionantes, não reconheceu, por exemplo, a independência
Transnístria, por ter posto em causa o princípio do utopocidet juris, bem como a
independência da Chechénia.
Mesmo antes das Nações Unidas, houve sempre orientações diplomáticas de certos
Estados – o caso dos EUA –, no sentido de criar critérios para o não reconhecimento de um
Estado que nasce em condições determinadas. Foi chamada a doutrina Stimson, criada a
propósito da Manchúria. Stimson estabeleceu um conjunto de condições, em que os EUA
não reconheceram a Manchúria, na base de um conjunto de critérios:
O critério dominante era que não se deve reconhecer um Estado que tenha sido criado
ficcionalmente ou artificialmente, num quadro de separatismo relativamente a outro
Estado no qual este território se incluía, desde que essa independência tenha sido
objeto de um ato de força de um terceiro Estado. Assim, o movimento de
autodeterminação de um Estado tem de ser um movimento genuíno, independentemente
de ser apoiado ou não, deve resultar de uma força espontânea de uma determinada
comunidade populacional no interior de um Estado. Isto significa que certo tipo de
potencias não podem criar protetorados, ou seja, forçar através de uma intervenção
militar, num outro Estado, o separatismo de uma determinada região.
Esta doutrina foi aceite por muitos Estados e deu origem a uma prática internacional.
Os EUA não são, todavia, o melhor ordenamento jurídico para sustentar ou defender uma
doutrina desta natureza, porque eles próprios criaram, por exemplo, no Panamá, Estados-
fictícios através de movimentos separatistas, apoiando um outro lado na situação da
Manchúria, havendo uma situação de dois pesos e duas medidas.
A doutrina Stimson foi discutida, bem como esta ideia que pontifica na EU, bem como na
ONU, que é o não reconhecer a independência de territórios não coloniais
(autodeterminação interna) – reconhecimento proibido. Para haver o reconhecimento da
independência de um novo território dentro de um Estado, perfeitamente reconhecido
como tal nas Nações Unidas, é necessário que haja um critério que é a aceitação do próprio
governo central do quadro de independência do novo território que fazia parte desse
mesmo Estado – exemplo: território da Eritreia, na Etiópia, reconhecido na ONU, depois da
Etiópia reconhecer a sua independência; “Divórcio de veludo” na República
Checoslováquia; referendos no caso da Escócia e do Canadá, cujo resultado foi “não”;
declarações de independência na Catalunha.
107
Direito Internacional Público Mariana Esteves
Temos também a questão da doutrina Stimson, de Estados que intervêm noutros para
potenciarem a independência de parcelas do seu território – questão colocada
recentemente a propósito do território do Kosovo, antiga província de um dos Estados da
Jugoslávia, que nasceu faticamente debaixo das baionetas da NATO.
Esta questão subiu ao TIJ, mas aí, numa perspetiva um pouco farisaica, este disse que nada
no DIP proibia declarações de independência, pelo que a questão da doutrina de Stimson,
que é o pressuposto de tudo isso, morreu aí.
Esta decisão do TIJ, que foi, no entendimento de CBM, infeliz e mal fundamentada, acabou
por ser uma espada de dois gumes, porque mais tarde, quando a Federação Russa
interveio na Crimeia, invocou esta decisão como fundamento para a independência e
depois incorporação da Crimeia no território russo.
Esta desconsideração por parte do TIJ em relação à doutrina Stimson, fez com que outros
Estados imitassem a NATO, em defesa dos seus próprios interesses, fazendo intervenções
que geraram a independência fictícia de outros territórios.
Esta são situações excecionais de proibição de reconhecimento ou de condicionamento ao
reconhecimento de novos Estados independentes
Aula 11 – 24/11/2020
Reconhecimento de Governos
Reconhecimento de governo- ato usualmente livre dos Estados, mas com resoluções das
organizações internacionais que proíbem o reconhecimento de certos governos, passa a
assumir um caráter condicional e constitutivo relativamente àquilo que os Estados-
membros dessas organizações podem ou não reconhecer. Por outro lado, mesmo sem esse
caráter imperativo, se uma organização internacional como a ONU reconhece um dado
Governo e não reconhece outro, isso não pode deixar de ter peso na legitimação desse
mesmo poder.
108
Direito Internacional Público Mariana Esteves
Ato jurídico unilateral, em regra livre, dotado de conteúdo político, e com carácter
autónomo pois por regra não depende de prévia convenção internacional que estipule
critérios de reconhecimento, isto sem prejuízo de ter de respeitar um ato jurídico
unilateral e ai deixar de ser autónomo. EX: nações unidas estabelecerem critérios
proibitivos de reconhecimento; mas nenhum estado é obrigado a reconhecer. Linguagem
utilizada relevante quanto ao facto de se entender que o governo de um estado reconhece
o governo de outro estado- linguagem decisiva.
Formas de reconhecimento implícito: como troca de embaixador, que pode ter um peso
considerável e ser interpretada como uma forma de reconhecimento, embora nem todos
entendam que assim seja.
A prática diz-nos que os atos de reconhecimento não têm de ser atos de simples
reconhecimento. Pode haver reconhecimentos condicionados: sujeitos a condição e com a
possibilidade da sua retirada. A doutrina divide-se muito, mas o REGENTE acha que há
reconhecimentos condicionados e sujeitos ou a alterações fundamentais de circunstâncias
ou outro tipo de modificações que podem justificar a sua revogação, a sua retirada e
muitas vezes reconhecimentos sujeitos a uma condição.
Mais tarde nasceu a Doutrina Tobar- só se deveriam nascer governos nascidos de eleições
democráticas. Esta doutrina Tobar foi seguida por outra doutrina defendida nos EUA-
doutrina Wilson, também favorável ao reconhecimento baseada na legitimidade
democrática.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
O reconhecimento pode ser relevante nos dias de hoje. Mas pode não ser bem assim, o
regente acha que o reconhecimento ainda tem relevância.
Países continentais como Portugal e frança- doutrina da efetividade quanto à ação dos
tribunais- têm em conta o reconhecimento ou não dos Estado onde os tribunais decidiam,
mas os tribunais podem atender a outros fatores como a efetividade- quando há
controvérsias como sobre titularidade de patrimónios, os tribunais podem atender sobre
quem tem o domínio efetivo e comprovado sobre o território de um determinado estado,
qual dos Governos é que tem, havendo 2 governos rivais. Se as declarações de
reconhecimento do Governo do próprio Estado coincidiram com essa mesma efetividade,
tudo se tornará mais fácil.
Matéria semiadormecida e que passou a ter relevância mais recente devido à problemática
da existência de Governos rivais.
Domínio de sujeitos de DIP analisados na especialidade
Estados – Sujeitos de DIP com capacidade plena. Outros sujeitos de DIP como
protetorados, movimentos insurretos, etc., tinham capacidade limitada. Em relação às
organizações internacionais, algumas têm capacidade plena, aquelas que tivessem: direito
de celebrar tratados- ius tractum, direito de defesa- ius belum; e direito de representação
diplomática – ius legations. Enquanto outras, não tendo estas três capacidades, não teriam
essa capacidade plena.
O que é uma organização internacional? Consiste num sujeito de DIP que resulta da
associação de sujeitos de DIP, em regra Estados. Portanto, estados associam-se, para
constituir um outro sujeito de DIP que visa prosseguir objetivos comuns a todos eles. Para
esse efeito, teriam uma entidade personalizada- com personalidade jurídica e capacidade
de exercício-, com instituições própria- órgãos específicos, e que se encontra regida por
normas internacionais, logo à partida o tratado institutivo da organização.
Como nasceram? No séc. XIX, através de comissões administrativas para a gestão de bens
comuns, nomeadamente as comissões fluviais no Reno e no Danúbio, formados por vários
Estados que se associaram para criar órgãos destinados a regular a navegabilidade em rios
que cruzassem diversos estados. Também as uniões administrativas e aduaneiras, uniões
alfandegárias entre Estados para que se pudesses reduzir as tarifas na circulação de
mercadorias, envolveram muitas vezes a génese dessas entidades, com órgãos próprios.
Estas associações desenvolveram-se, começaram a proliferar na passagem do séc. XIX para
o séc. XX, criaram-se organizações relevantes como a união postal internacional, Estados
que se associaram para o uso de telégrafo como meio de comunicação, e sociedade das
nações- criada na sequência da vitória dos Aliados na I guerra mundial, destinada a
imepdir eclosão de novos conflitos, o que fracassou porque não conseguiu impedir a
ocorrência da II guerra mundial; funcionava por unanimidade. Estados como URSS e EUA
não ratificaram o tratado da sociedade das nações.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Critério do objeto
ONU
A expressão Nações Unidas muitos pensaram que poderia significar todos os membros da
Sociedade internacional, mas não- principais aliados que combateram eixo durante a II
Guerra Mundial- EUA, União soviética, reino unido frança e china eram as nações unidas.
Criada por estes estados através da assinatura da Carta das Nações Unidas em 1945 e os
objetivos da carta- preservar os povos do flagelo da guerra, reafirmar a fé nos direitos
fundamentais, criar condições de justiça e de respeito pelos tratados fundamentais e
promover o progresso social e as condições devidas das pessoas em liberdade: preâmbulo,
com 2 princípios ligados à paz e proibição do uso da força como forma de resolução dos
conflitos.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Depois de assinada, outros Estados aderiram. Atualmente, integra quase todos os estados
soberanos da Sociedade Internacional. Houve um alargamento.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Todos os membros devem dar assistência necessária às nações unidas e devem abster-se
de dar auxílio a qualquer estado contra o qual as nações unidas agirem.
Membros da organização:
- Membros originários: 5 estados que assinaram a carta se s. Francisco em 1945
Admissibilidade dos estados- art. 4º/1: a admissão como membro da ONU fica aberta a
todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações. Convenção aberta e que
aceitarem obrigações dela constantes.
Assembleia delibera por maioria de 2/3, por proposta do Conselho de Segurança.
Os membros que entram, também podem ser suspensos ou expulsos- art. 5º. Se houver
sanções, ações preventivas tomadas pelo Conselho de Segurança, há possibilidade dos
membros da assembleia geral poderem ser alvo de sanções- como retirada de certos
direitos, por exemplo direito de voto na assembleia geral- esta suspensão dos direitos no
todo ou em parte que decorre por proposta do conselho de segurança, e de uma
deliberação favorável da Assembleia Geral também tomada por 2/3. Estas situações são
extremas.
Com ações coercitivas ou com sanções pode haver situações em que um membro das
nações unidas viola persistentemente os princípios e obrigações da carta- se isso suceder
esse membro pode ser expulso: situação extrema. A mesma maioria.
•Assembleia Geral: constituída por todos os membros das nações unidos, órgão plenário e
colegial; cada membro não deve ter mais do que 5 representantes na assembleia e cada
membro só tem direito a 1 voto. Quais as atribuições das nações unidas? É o órgão
principal da ONU? Não. Embora segundo o 10º possa discutir quaisquer questões ou
assuntos que estiverem no fim da carta, com exceção do art. 12º, que é muito importante-
se a assembleia geral estiver a discutir determinada matéria e o conselho segurança
resolver intervir, a assembleia geral suspende a sua intervenção nessa mesma questão.
Art. 10º- assembleia geral pode fazer recomendações aos membros das nações unidas e ao
conselho de segurança- órgão limitada pois não se trata de deliberações com efeitos
jurídicos constitutivos, mas sim recomendações- não têm efeito vinculativo. Mas não é
bem assim por existem recomendações sucessivas. Criação de um direito consuetudinário
de descolonização baseado na ideia de que as recomendações criaram princípios e regras
que passaram a ser assumidas por muitos estados com a convicção de obrigatoriedade no
futuro. Art. 11º- manutenção da paz. Art. 12º- enquanto o conselho de segurança estiver a
114
Direito Internacional Público Mariana Esteves
exercer as funções que a carta que atribui, a assembleia geral não pode fazer nenhuma
recomendação a esse respeito. art. 3º- elenco das recomendações que a assembleia geral
pode fazer.
Critérios de deliberação e de votação: art. 18º/2- as decisões da assembleia geral de
questões importantes são tomadas por maioria de 2/3. Há um elenco que parece ser
exemplificativo. Estas questões compreenderão- para la da lista apresentada, poderá
haver outras questões. As elencadas são recomendações relativas à manutenção da paz,
eleição dos membros não permanentes do conselho de segurança. Art. 17º- a assembleia
geral aprovará o orçamento da organização. Decisões sobre outras questões- aprovadas
por maioria dos membros presentes e votantes, isto é, maioria simples. Pode haver outros
assuntos, e daí a lista exemplificativa do nº2, passíveis de ser aprovadas por maioria de
2/3 e a assembleia assim decide fazê-lo. Os restantes, tomados à pluralidade de votos. Ter
em conta o art. 19º da carta das nações unidas, que não parece ser muito aplicado.
Quanto às suas reuniões: a assembleia reúne-se em sessões anuais regulares e depois em
sessões especiais para os quais pode ser convocado, que são exigidas pelas circunstâncias.
Estas sessões especiais, em função de problema emergente, serão convocadas pelo
secretário geral ou a pedido do Conselho de segurança ou a pedido de uma maioria de
membros. Cada sessão anual terá o seu Presidente- art. 21º.
•Conselho de Segurança: composto por 15 membros, dos quais 5 permanentes e 10
eleitos- art. 13º. 5 membros: EUA, federação russa, china, reino unido e frança- membros
permanentes, potenciais vitoriosas na II guerra mundial. Depois a assembleia geral das
nações unidas elege os outros 10 membros. Necessidade de distribuição geográfica
equitativa destes membros não permanentes, que são eleitos por períodos de 2 anos.
Nenhum membro não permanente que termine o seu mandato pode ser reeleito para o
período subsequente. Cada membro do conselho de segurança terá 1 representante. Art.
24º- visa assegurar a ação por parte das nações unidas relativamente a controvérsias e
litígios essenciais- função na manutenção da paz e agirá de acordo com os princípios e
obrigações da carta. os membros das nações unidas devem concordar e aceitar as
resoluções do conselho de segurança, especialmente as tomadas ao abrigo co Cap. VII.
Aqui não é veto se for uma questão fundamental. Maioria de 9 membros em 15. Em todos
os outros assuntos que não sejam procedimentais, diz o nº3 do art. 27º, são tomadas pelo
voto afirmativo de 9 membros, incluindo o voto de todos os membros permanentes.
Literalmente, se um dos membros permanentes não votar favoravelmente, isso equivalerá
a um veto- nº3. Mas as coisas não são exatamente assim. A prática tem revelado que eles
se podem abster, não necessitante de voto positivo. A abstenção não vale como veto-
costume derrogatório de uma convenção internacional.
O que é uma questão procedimental e o que são as outras questões todas que exigem que
nenhum dos membros permanentes veto? Isto depende de uma deliberação do conselho,
que não pode ter veto dos membros permanentes. Poderíamos chegar ao ponto de
considerar uma questão procedimental só para “fugir” ao veto. Logo a deliberação que
identifica uma questão como procedimental ou não, pode ser objeto ela própria de um
veto dos membros permanentes. A sua vontade pesa porque têm possibilidade de vetar
essa deliberação inclusiva da matéria como sendo meramente procedimental. Temos um
duplo veto: os membros permanentes vetam primeiro em caso de dúvida se uma questão é
ou não procedimental e não o sendo, na medida em que haja uma deliberação sobre as
mesmas, os membros permanentes exercerão o seu voto, que se for negativo redondeará
num veto.
115
Direito Internacional Público Mariana Esteves
•Secretariado geral, sem prejuízo da criação de outros atos órgãos subsidiários- por vezes
existem práticas que geram costume e que passa a ter efeito integrativo e complementar
dos tratados, menção a um secretariado: dá ideia que se trata de um órgão puramente
administrativo e gestionário da ONU. Mas não é assim. A pratica demonstrou o surgimento
de um órgão que já esta presente na Carta mas não está aqui enumerado: secretário geral
das nações unidas- gere a administração das nações unidas mas papel relevante como
mediador de conflitos internacional e órgão que coloca assuntos na agenda de outos
órgãos da ONU. A expressão secretariado que aqui está deve ser substituída pela
expressão secretário geral.
Legítima defesa – Única possibilidade de uso da força, no âmbito da carta das nações
unidas.
Aula 12 – 01/12/2020
Conselho de Segurança e as suas competências
Verificamos que de acordo com o art. 24.º da Carta das Nações Unidas, o Conselho de
Segurança tem a principal responsabilidade da manutenção da paz e da segurança
internacionais.
Pela comparação entre o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral, pelo pretexto das
competências que são atribuídas a um e outros órgãos, verificamos também que nalgumas
matérias mais sensíveis foi atribuído ao Conselho de Segurança alguma preponderância,
veja-se, por exemplo, a posição do Conselho de Segurança na definição do estatuto, seja de
novos membros, seja na suspensão de direitos de membros da organização, seja mesmo na
expulsão de membros da Organização das Nações Unidas, nos arts.º 4.º a 6.º da Carta é
notória a posição privilegiada do Conselho de Segurança também no que diz respeito à
revisão da Carta das Nações Unidas. Aí, nos arts. 108.º a 109.º da Carta é especialmente
notória a prevalência do Conselho de Segurança exigindo-se voto favorável dos membros
permanentes do Conselho de Segurança para as revisões à Carta.
Uma outra solução normativa da Carta que diz respeito à introdução de uma posição de
salvaguarda do Conselho de Segurança face à Assembleia Geral, é a que se encontra no art.
12.º da Carta. De acordo com este artigo, enquanto o Conselho de Segurança estiver a
exercer a relação a qualquer controvérsia ou situação as funções que lhe são atribuídas na
presente carta, a Assembleia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa
controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança o solicite (n.º1). Esta
solução obviamente visa salvaguardar a liberdade de discussão e deliberação do Conselho
de Segurança, mas conheceu em 1950, na célebre resolução “Unidos para a paz”, na
resolução 377 da Assembleia Geral, uma restrição, permitindo-se à Assembleia Geral, caso
o Conselho de Segurança não consiga exercer as responsabilidades em matéria da
manutenção da paz e da segurança internacionais, devido, designadamente, à falta de
116
Direito Internacional Público Mariana Esteves
unanimidade entre os membros permanentes, sempre que pareça existir uma ameaça à paz
ou ato de agressão, a Assembleia Geral encarregar-se-á imediatamente da questão, tendo
em vista a adoção de recomendações adequadas aos membros para a adoção de medida
coletivas incluindo o uso da força, quando necessária, para manter ou reestabelecer a paz e
a segurança internacionais.
No que diz respeito, no entanto, à ação do Conselho de Segurança no âmbito do capítulo VI,
no que diz respeito á solução pacífica de conflitos, temos no art. 33.º que há um
compromisso das partes dos Estados-membros da Organização das Nações Unidas, em
recorrerem aos meios de resolução pacífica das controvérsias, indicando-se no art. 33.º
designadamente a negociação, a mediação, a conciliação, a arbitragem, a via judicial e outros
117
Direito Internacional Público Mariana Esteves
mecanismos, e que, nos termos do n.º2 deste mesmo artigo 33.º, o Conselho de Segurança
pode recomendar às partes que recorram/adotem qualquer um desses mecanismos para
resolver a controvérsia em causa.
Nos termos do art. 34.º, são atribuídos poderes de inquérito ao Conselho de Segurança, que
são particularmente importantes para que possa aferir designadamente se a controvérsia
em causa implica eventualmente a existência de uma ameaça à paz ou uma rutura da paz e
da segurança internacionais, permitindo, por essa via, que o poder de apreciação de
controvérsias por parte do Conselho de Segurança possa determinar uma ação também no
âmbito do capítulo VII, caso se verifiquem os pressupostos dessa atuação.
De acordo com o art. 36.º e, portanto, ainda no âmbito do capítulo VI, o Conselho de
Segurança pode recomendar os processos ou métodos de solução mais adequados às partes
e pode mesmo, nos termos dos arts. 37.º e 38.º, fazer recomendações às partes sobre a
solução da controvérsia ela mesma, adotando aqui ou adquirindo aqui, se quisermos,
funções de mediador e conciliador. Já no que respeita ao capítulo VII, isto é, á manutenção
da paz e às situações de ameaça à paz, rutura da paz ou a atos de agressão, o que
encontramos é uma posição diferente do Conselho de Segurança ou pelo menos uma posição
assumidamente distinta da atuação do Conselho de Segurança, não só no âmbito do regime
da Carta, mas também comparando com o que decorria do anterior regime vigente no
âmbito do Pacto da Sociedade das Nações.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
acordo com os arts. 41.º e 42.º, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança
internacionais. Aqui, temos, desde logo, que a determinação da ameaça à paz, da rutura da
paz ou de um ato de agressão constitui essencialmente este poder que é atribuído ao
Conselho de Segurança, este poder de definir o pressuposto que é a existência de uma
situação, ameaça à paz ou um ato de agressão.
Convém ter em conta, mais uma vez, a praxis do Conselho de Segurança, porque o Conselho
de Segurança é extremamente cauteloso na identificação de situações de agressão, mesmo
quando elas parecem mais óbvias, ao contrário de um uso mais alargado, mais extensivo das
situações de ameaça à paz. Portanto, há uma maior reserva do Conselho de Segurança em
identificar situações de agressão, por contraposição à situação que dá também maior
margem de apreciação e de decisão, que é a de uma situação de ameaça à paz. Este
comportamento não é alheio às consequências jurídicas da identificação de um ato de
agressão. O art. 39.º distingue também o tipo de atuação que o Conselho de Segurança
adotará na sequência desta constatação, em que se distingue as recomendações da decisão
de medidas, nos termos ou do art. 41.º ou do art. 42.º.
Importa ainda, antes de passarmos aos artigos subsequentes, referir que esta atuação do
Conselho de Segurança, da constatação destas situações de ameaça à paz, rutura da paz ou
ato de agressão e a decisão de adotar medidas ou de fazer recomendações às partes, não se
esgota no âmbito dos Estados-membros da Organização das Nações Unidas. Há que ter em
conta aqui o disposto no n.º 6 do art. 2.º, portanto, a responsabilidade das Nações Unidas
nesta matéria e, muito particularmente, do Conselho de Segurança de acordo com a
distribuição de competências e poderes que a Carta determina efeitos externos ao próprio
núcleo dos membros das Nações Unidas.
Os artigos 41.º e 42.º distinguem-se essencialmente pela natureza das medidas: medidas
que não impliquem o uso da força, no caso do art. 41.º, medidas que impliquem o uso da
força, no caso do art. 42.º.
O art. 40.º estabelece a possibilidade para a adoção de medidas provisórias, sendo que nesse
caso se refere que o Conselho de Segurança poderá instar as partes interessadas a aceitar
as medidas provisórias. Isto não significa que a natureza jurídica destas decisões não seja
também vinculativa e, portanto, há aqui esta definição no art. 40.º de uma maior latitude e
de uma maior possibilidade daquilo que é recomendado à partes interessadas
designadamente aceitar as medidas provisórias que pareçam necessárias ao Conselho de
Segurança ou aconselháveis de serem adotadas, sendo que tais medidas provisórias não
prejudicarão os direitos ou pretensões, nem a situação das partes interessadas e, portanto,
mais uma vez, temos a dualidade que também encontramos no art. 39.º, a fim de evitar que
a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes de fazer as recomendações ou
decidir recomendar às partes a adoção de medidas provisorias, e aqui, neste caso, temos
uma natureza distinta do tipo de decisão de imposição que está prevista no art. 39.º, a par
da possibilidade de fazer recomendações.
No art. 41.º temos medidas que, sem envolver o emprego das forças armadas, deverão ser
tomadas para tornar efetivas as decisões do Conselho de Segurança. Este artigo deve ser
lido em conjugação com o art. 25.º e, designadamente, com o art. 43.º, que estabelece o
compromisso dos Estados contribuírem para a manutenção da paz e da segurança
internacionais, proporcionando ao Conselho de Segurança os meios mais necessários,
designadamente, os meios que dizem respeito á disponibilidade de forças armadas,
assistência e inclusive direitos de passagem necessário para a manutenção da paz e da
segurança internacionais. No âmbito do capítulo VII há um conjunto de disposições que
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
devem ser articuladas com o art. 25.º e donde se retira a natureza impositiva/vinculativa
das resoluções do Conselho de Segurança. Característico do ar. 41.º, destas medidas que não
envolvem o emprego das forças armadas, é a noção de rompimento das relações, seja das
relações económicas, seja o rompimento das comunicações/telecomunicações, prevendo-
se aqui a interrupção dos meios de ligação ferroviários, marítimos, aéreos, postais,
telegráficos ou de outra qualquer espécie, o que está em causa é o corte das comunicações,
e o rompimento das relações diplomáticas.
No art. 42.º temos essa medida diferenciada que demonstra a possibilidade do recurso à
força e, designadamente, a meios militares para manter ou reestabelecer a paz e a segurança
internacionais. A título não taxativo é enunciado no final do art. 42.º o tipo de ação que pode
estar em causa e, portanto, que poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras
operações por meio de forças aéreas, navais ou terrestes dos membros das Nações Unidas.
O art. 43.º é importante porque estabelece esta obrigação de os Estados-membros
contribuírem para a efetividade das medidas que são decididas pelo Conselho de Segurança
e devem contribuir, como foi anteriormente referido, com a disponibilização de forças
armadas, assistência, facilidades incluindo os direitos de passagem, mas isso é feito de
acordo com convenções e, portanto, está previsto que essa disponibilização seja feita a
pedido do Conselho de Segurança e, por outro lado, em conformidade com um acordo ou
acordos especiais.
Esta solução implica um avanço importante face ao regime da Sociedade das Nações, é
precisamente um dos problemas de efetividade da ação do Conselho no âmbito do Pacto da
Sociedade das Nações e, portanto, agora há não só a possibilidade da adoção ou da decisão
de medidas de natureza militar, mas ao contrário do que acontecia no Pacto da Sociedade
das Nações em que a adoção das medidas militares era exclusivamente facultativa para os
Estados, aqui, a Carta avança na possibilidade da organização, não só recomendar, mas
também decidir este tipo de medidas, mas ela própria ela aplicar a força neste caso por via
das forças e dos meios que são disponibilizados pelos Estados, como previsto no art. 43.º.
Ainda assim, o que ficou estabelecido, representa também um compromisso em relação à
posição dos Estados face à Organização das Nações Unidas, porque é necessário que haja
aqui este acordo ou acordos especiais com os Estados, de forma a definir os termos em que
a disponibilização destes meios é feita.
Refira-se também que, nos termos do art. 45.º, ou seja, naquilo que diz respeito à
necessidade de assegurar a efetividade das medidas urgentes, ou seja, para assegurar que é
possível a adoção imediata de medidas militares urgentes que os Estados devem manter
contingentes miliares que possam ser utilizados imediatamente, sendo que, no entanto, a
definição desses contingentes, bem como os termos dos planos de ação combinada, devem
ser também definidos e são definidos pelo Conselho de Segurança e pelo Comité do Estado
Maior, mas também deverão ser feitos dentro dos limites estabelecidos no acordo ou
acordos especiais a que se refere o art. 43.º, portanto, há sempre aqui esta remissão a asre
feita.
Importa também olhar para a salvaguarda que é feita no art. 50.º, que respeita à salvaguarda
de Estados terceiros que possam ser afetados pelas medidas preventivas ou coercivas
decididas pelo Conselho de Segurança. Está em causa designadamente Estados que sofram
no plano económico com as medidas que sejam adotadas. Interessante aqui também é que
esta salvaguarda prevista no art. 50.º, destina-se a Estados-membros ou a Estados não
membros das Nações Unidas, portanto, qualquer Estado incluindo um Estado não-membro
das Nações Unidas, tem esta posição aqui relativamente salvaguardada quanto aos efeitos
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Já no que respeita à conclusão do capítulo VII, um capítulo que diz respeito à atividade/ação
atribuída ou prevista ao Conselho de Segurança, no que diz respeito à manutenção da paz
em circunstâncias de ameaça à paz, rutura da paz ou atos de agressão, é interessante que
tenha ficado aqui, nesta posição sistemática, este resquício último do ius belli dos Estados,
ou seja, o capítulo VII encerra com esta formulação no art. 51.º de que nada na presente
carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de
ocorre um ataque aramado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de
Segurança tenho tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança
internacionais.
A versão portuguesa deste artigo da Carta das Nações Unidas refere-se aqui a um “direito
inerente de legítima defesa”. Aqui, a versão portuguesa acompanha mais de perto a versão
inglesa em que se fala de “inherent right of self-defense”, ao contrário do texto francês da
Carta que se refere a um “direito natural da legítima defesa”. A opção aqui pela qualificação
deste direito não é inocente, talvez a preferência pelo termo “direito inerente de legítima
defesa”, pareça menos complicado ou comprometedor, pelo menos do ponto de vista
jusfilosófico face a esta referência que encontramos na versão francesa a um “direito natural
de legítima defesa”, mas, seja como for, ele remete nesta qualificação que é feita do direito
de legítima defesa para a perceção de que a figura é anterior ao texto da carta, mas
sobretudo que a natureza do art. 51.º poderá estar condicionada precisamente pelo
reconhecimento da construção jurídica de natureza costumeira da figura da legítima defesa.
O art. 51.º é entendido como uma exceção designadamente ao princípio enunciado no art.
2.º/n.º4 que corresponde a este compromisso ou obrigação de abstenção do uso da força
nas relações internacionais. Portanto, este art. 51.º austa de ser o direito de legítima defesa
individual ou coletiva está-se sempre a referir ao uso da força por parte dos Estados a título
individual, ou seja, a referência à legítima defesa coletiva não deve ser confundida com o
uso da força em termos coletivos pela Organização das Nações Unidas. O que está em causa
nesta referência à legítima defesa coletiva é a chamada legítima defesa de terceiro e,
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
portanto, este mecanismo do art. 51.º está aqui colocado e colocado nestes termos
precisamente para diferenciar a utilização da força por parte dos Estados a título individual
distinto da utilização da força por mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas e,
portanto, no exercício da força por decisão da organização aplicada pela organização por
via dos Estados.
Este direito inerente de legítima defesa representa aquilo que no Direito vigente será a
manifestação admissível do ius belli do direito do uso da força nas relações internacionais
que é historicamente construído como uma prerrogativa de soberania do Estado,
juntamente com o ius tractum, o direito de celebrar convenções internacionais, e o ius
legation, o direito de estabelecer ligação diplomática.
Não significa que do ponto de vista filosófico, do ponto de vista doutrinário do DIP, não
houvesse uma tradição histórica mais longa de condenação do uso da força e de tentativa
de limitação do uso da força nas relações internacionais, mas no Direito Internacional, na
ordem jurídica vigente, é com o Pacto da Sociedade das Nações que temos uma primeira
experiência, embora muito limitada no alcance dos efeitos, de rejeição do uso da força. Essa
disposição encontra-se essencialmente no art. 10.º do Pacto da Sociedade das Nações que
estabelece esta rejeição da guerra de agressão.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
quase procedimental que leve à dilação temporal e, pela dilação temporal, tentar dissuadir
do uso da força, mas não há claramente uma restrição jurídica, nem a imposição através de
mecanismos coercivos da proibição do uso da força.
Designadamente o art. 12.º que estabelecia a obrigação das partes de subterem a um litígio
ou a um processo de arbitragem ou a um exame do Conselho da Sociedade das Nações, mas
que previa também a célebre moratória, ou seja, previa que em nenhum caso deverão
recorrer à guerra antes de expirar o prazo de três meses após sentença arbitral ou parecer
do Conselho, o que a contrario implica que se permitia, passados esses três meses, se previa
a possibilidade de haver um recurso à força nas relações internacionais como forma de
tentativa de solução de controvérsias.
Fora do regime do Pacto da Sociedade das Nações, mas no âmbito da vigência da Sociedade
das Nações que encontramos uma primeira prescrição de origem convencional, que se
traduziu no chamado pacto Briand-Kellogg, de 1928. Este pacto, cujo nome se prende com
a associação aos responsáveis pela diplomacia pelos negócios estrangeiros da França e dos
EUA, tem como origem a renovação, em 1927, de um tratado de arbitragem bilateral entre
estes dois países, há uma proposta, no âmbito da renovação deste tratado de arbitragem, de
se incluir uma cláusula de renúncia à guerra nas relações mútuas e, na sequência dessa
proposta, o responsável norte-americano vai propor o alargamento a outros Estados dessa
solução e a celebração de um tratado multilateral de interdição da guerra.
Neste tratado que vai entrar em vigor a 24 de julho de 1929, fica estabelecido o seguinte: as
altas partes contratantes declararam solenemente que condenam o recurso à guerra para a
resolução dos conflitos internacionais, por um lado, e renunciam a ela enquanto
instrumento de política nacional nas suas relações jurídicas mútuas. Esta declaração é
especialmente interessante: por um lado, a condenação do recurso à guerra é feita em
termos muito genéricos, portanto, não há uma distinção do tipo de guerra que estaria aqui
em causa, não há uma limitação da guerra de agressão, a condenação da guerra é genérica e
pode considerar-se, em última instância, poderia estar aqui incluída a guerra defensiva,
porque estamos perante uma declaração dos Estados e uma renúncia mútua à guerra
enquanto instrumento de política nacional nas relações mútuas entre os Estados parte desta
convenção.
Esta renúncia por parte dos Estados dá-nos ainda uma nota voluntarista, tão típica do
direito internacional clássico, muito marcado por esta posição não só do Estado-soberano,
como sujeito de direito internacional e a sua posição não só da teoria das fontes, mas
também no próprio exercício das prerrogativas clássicas da soberania, mas também implica
esta afirmação muito clara de que o que está em causa é ainda uma renúncia voluntária dos
Estados ao recurso à guerra nas relações mútuas.
Este pacto teve uma grande adesão e pode dizer-se que tem efetivamente um alcance
universal, tendo em conta o número de Estados existente à época e, do ponto de vista do
princípio enunciado e da renúncia mútua dos Estados partes à guerra, e à guerra em sentido
genérico como ele é aqui enunciado, é importante como um primeiro momento de
prescrição para lá do que estava previsto no art. 10.º do Pacto da Sociedade das Nações. No
entanto, esta nota muito característica desta posição soberana do Estado na conceção no
direito internacional clássico também se traduz no reverso, que é o não serem estabelecidos
mecanismos de coerção coletiva, que não existiam em termos eficazes no Pacto da
Sociedade das Nações e que também não estão previstos no Pacto Briand-Kellogg, que não
estabelece mecanismos de coerção coletiva para a repressão da violação deste
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Quando chegamos à Carta das Nações Unidas há uma perceção clara de que a limitação do
uso da força, que é já assumida historicamente na história recente como um compromisso
internacional de natureza universal, reunindo algum consenso do ponto de vista dos
princípios, é percebido que é necessário criar um mecanismo diferenciado que assegure a
efetividade da solução do princípio que já recolhe consenso na ordem internacional. Isso é
muito visível num mecanismo que é estabelecido, nomeadamente do ponto de vista político,
dos principais atores no conflito mundial e no pós-guerra, garantindo a posição dos
membros permanentes no âmbito do Conselho de Segurança, mas isso é também, a
diferenciação do estatuto dos Estado, o elemento de contrapartida para o estabelecimento
deste sistema novo e que implica uma restrição muito substancial daquilo que são as
prerrogativas do Estado-soberano. Basta ver a dificuldade que tinha sido encontrar, no
âmbito da Sociedade das Nações, para partir de um consenso relativamente ao princípio
para a aplicação de mecanismos efetivamente limitadores da ação do Estado. Por isso, a
solução que se encontra na Carta da Organização das Nações Unidas, leva muito longe esta
restrição do uso da força que se traduz, não só na enunciação dos princípios,
designadamente no art. 2.º/n.º4 e n.º6, mas que conhece estas exceções. Uma delas, que têm
um carácter mais alargado, é o uso da força pela Organização das Nações Unidas, decidida
pelo Conselho de Segurança, no âmbito do capítulo VII, na prossecução dos fins aqui
previstos, e aquilo que está previsto no art. 51.º, que é a legítima defesa, o direito inerente
de legítima defesa, individual ou coletiva.
Foi precisamente esse entendimento que o TIJ, no acórdão sobre as atividades militares e
paramilitares no Nicarágua, de 27 de julho de 1986, considerou que esta expressão no art.
51.º, a referência ao direito inerente de legítima defesa, implicava o reconhecimento da
existência de um direito costumeiro do qual tem origem a figura da legítima defesa e,
portanto, este entendimento afirmado pelo TIJ tem como efeito afastar uma interpretação
mais restritiva da legítima defesa que resultaria de um entendimento do art. 51.º, como
tendo uma natureza constitutiva, e que, portanto, restringiria, por um lado, a construção
costumeira da figura, por outro lado, subordinaria a interpretação da legítima defesa e dos
seus pressupostos previsto no art. 51.º à lógica mais restritiva de um mero sistema de
segurança coletiva. É também esse o entendimento que parece resultar do parecer
consultivo do TIJ, de 27 de julho de 1996, sobre a ilicitude da ameaça e do emprego da arma
nuclear de 1926, que reconhece o direito fundamental que tem todo o Estado de sobreviver
e, como tal, o direito de recorrer à legítima defesa, em conformidade com o art. 51.º, quando
essa sobrevivência está em causa.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
Portanto, este de parecer de 1996, o TIJ utiliza o termo direito fundamental do Estado para
caracterizar este direito de legítima defesa e, portanto, embora haja esta remissão para a
conformidade do art. 51.º, o reconhecimento constante e, tal como já resultava do acórdão
de 1986, este reconhecimento de um direito costumeiro no qual é originado esta figura da
legítima defesa e depois é reconhecida/declarada no art. 51.º da Carta, levaria aqui a um
entendimento menos restritivo do direito de legítima defesa do que aquele que resultaria
dum carácter constitutivo do art. 51.º.
Quais são os pressupostos da legítima defesa? Olhando para o art. 51.º, desde logo a
ocorrência de um ataque armado – note-se que esta referência ao ataque armado é mais
restritiva do que a referência à ameaça à paz, uma rutura da paz ou mesmo às referências
que são feitas no art. 2.º/n.º4. portanto, o pressuposto designadamente do ato ilícito em
relação ao qual se vai usar a força em legítima defesa, é já aqui restringindo. Não há uma
definição na carta do que se entendeu por ataque armado, sendo que uma tentativa de
definição de ataque armado vai surgir apenas na resolução da Assembleia Geral 3314, de 14
de dezembro de 1974, que tem como principal formalidade a definição do termo “proibição”
para efeitos de identificação do que se entenda por ataque armado, designadamente como
está aqui previsto no art. 51.º.
Esta definição do art. 1.º da resolução da Assembleia Geral 3314 remete, por um lado, para
este entendimento restritivo do emprego da força armada, e remete, depois, para a ilicitude
dessa força armada de acordo com os critérios do n.º 4 do art. 2.º, portanto, uma ação por
um Estado e contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro
Estado, de forma incompatível com a Carta das Nações Unidas.
O art. 3.º deste anexo à resolução 3314, é interessante porque estabelece uma lista de atos
considerados atos de agressão, sendo que a mesma não é exaustiva ou taxativa, e o art. 4.º
estabelece isso de forma muito clara. De qualquer forma, a lista, ainda que não taxativa, é
útil no sentido de permitir a apreciação de critérios de determinação de um ato de agressão.
A primeira alínea prevê a invasão ou ataque do território de um Estado por parte de outro
Estado, bem como a ocupação ou anexação que deles resultem. A alínea b) prevê como ato
de agressão o bombardeamento ou utilização de quaisquer armas por um Estado contra o
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
território de outro Estado. Também na alínea seguinte, como ato de agressão está previsto
o bloqueio naval, o bloqueio de portos ou das costas de um Estado por parte de outro Estado.
O ataque a forças terrestres, navais ou aéreas ou às frotas navais ou aéreas de um Estado
por parte de um outro Estado. A alínea seguinte prevê o uso de forças armadas de um Estado
que se encontrem no território de outro Estado, na sequência de um acordo com esse
mesmo Estado, mas em que o uso dessas forças armadas se faça em violação das condições
estabelecidas nesse acordo ou para lá do termo da vigência desse mesmo acordo, portanto,
está aqui em causa uma situação em que a presença das forças armadas de um Estado no
território de um outro, decorre de um ato lícito ou de uma situação, à partida lícita,
designadamente por força de um acordo, mas cuja execução se afaste dos termos desse
mesmo acordo e em que a presença e o uso das forças armadas de um Estado no território
de outro Estado, passe a ser feito em violação desse acordo ou para lá da vigência do acordo.
Também a ação de um Estado que permita que o seu território seja usado por um outro
Estado, para perpetrar atos de agressão contra um Estado terceiro e, por fim, o envio por
um Estado ou de grupos armados irregulares ou mercenários para exercer o uso da força
contra um outro Estado, e cujas ações revistam gravidade semelhante aos atos previstos nos
números anteriores deste art. 3.º ou em que haja um envolvimento substancial de um
Estado nas ações desses grupos , no território de um outro Estado.
Como anteriormente se referiu, esta lista não é exaustiva e a própria interpretação desta
descrição de atos que estão aqui previstos também foi objeto de uma interpretação mais
fina. Por exemplo, relativamente à última situação descrita, do envio por parte de um Estado
de grupos armados irregulares ou mercenários para ações no território de um outro Estado
e que tem uma gravidade semelhante à dos números anteriores ou o envolvimento
substancial de um Estado nas atividades desses grupos, o TIJ no acórdão de 1986, relativo
às atividades militares ou paramilitares no Nicarágua, entendeu que o mero envio de
dinheiro, armamento ou apenas algumas manobras militares ou simples existência de
rebeldes, não implicava automaticamente, nem necessariamente, a associação a um ato de
agressão ou qualificação desses atos como atos de agressão, por força desta última alínea.
Portanto, há uma modelação e uma interpretação por parte do TIJ que nos dá uma nota mais
clara, não só da natureza indicativa e não taxativa deste elenco, mas também da necessidade
de, em função de cada caso, aferir o grau de envolvimento de um Estado, nas atividades de
grupos irregulares no território de um outro Estado. Há aqui uma intenção de, mais uma
vez, fazer uma interpretação, mais limitadora, mais restritiva do pressuposto da legítima
defesa que é o ataque armado, neste caso o ato de agressão.
Olhando para os restantes pressupostos da legítima defesa, nos termos do art. 51.º, importa
aferir o carácter provisório que é atribuído aqui ao exercício da legítima defesa, ou seja, nos
termos do art. 51.º, nada prejudica o direito inerente de legítima defesa, no caso de ocorrer
um ataque armado, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
para a manutenção da paz e da segurança internacionais. Decorre do art. 51.º, por um lado,
esta obrigação de comunicar ao Conselho de Segurança as medidas tomadas pelos membros
no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho
de Segurança, e há também uma ressalva da própria posição do Conselho de Segurança e
das duas suas competências, porque essas medidas também não deverão atingir a
autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho, para levar em
efeito em qualquer momento a ação que julgar necessária à manutenção ou ao
restabelecimento da paz e da segurança internacionais.
Um outro pressuposto da legítima defesa que não está expresso no art. 51.º é o da
proporcionalidade das medidas e, portanto, a proporcionalidade da atuação em legítima
defesa. Mais uma vez estamos perante um pressuposto que decorre da construção
costumeira da legítima defesa, sendo a construção deste princípio escolástica medieval e
muito particularmente no caso da legítima defesa e do uso da força, este é um dos critérios
que encontramos desde muito cedo neste princípio da proporcionalidade no uso da força
designadamente face à agressão que se pretende evitar, reprimir ou reparar deve ser tido
em conta, pelo que apesar de não estar previsto expressamente no art. 51º, este é um
pressuposto do direito de legítima defesa no uso da força que decorre do direito costumeiro
e da construção costumeira do direito de legítima defesa.
Um outro pressuposto que está mais diretamente ligado à primeira formulação, portanto à
ocorrência de um ataque armado, e que suscita bastante discussão, sobretudo atendendo às
circunstâncias sempre em mutação da tecnologia da guerra, tem que ver com a definição do
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
momento, ou seja, o art. 51.º refere que o direito de legítima defesa tem como pressuposto
ocorrer um taque armado e, portanto, isto coloca aqui alguma discussão sobre o que é que
se deve entender como a ocorrência de um ataque armado. Sem dúvida, um ataque armado
em curso, pelo que se estivermos perante um ato de agressão que implique designadamente
um complexo de atos que se prolongam no tempo é mais fácil perceber como nessa situação
haverá indubitavelmente, estando reunidos os outros pressupostos, o legítimo exercício do
direito de legítima de força e o legítimo uso da força com este carácter defensivo. No entanto,
mais dificuldade se coloca na interpretação da antecipação da perceção do perigo,
designadamente do ataque armado, e perceber qual é o critério da antecipação.
Esta distinção leva-nos para uma discussão relativamente mais recente sobre a
admissibilidade ou não da legítima defesa preventiva por contraposição à legítima defesa
preemptiva. Esta construção, designadamente esta construção no direito internacional
contemporâneo e o no direito internacional clássico, decorre essencialmente de uma
construção que resulta de um caso que acontece no século XIX, uma situação que vai pôr em
discussão o conceito de legítima defesa e muito particularmente a definição da antecipação
do ataque para agir legitimamente no uso da força, invocando então a legítima defesa, é o
chamado caso Caroline, por referência ao nome de um navio que está envolvido em
atividades de rebelião, designadamente no Canadá, mas havendo aqui uma intervenção de
civis norte-americanos, numa rebelião canadiana contra um navio britânico, e o caso que
ocorre em 1837 vai levar a uma discussão diplomática e a uma troca diplomática entre os
responsáveis norte-americanos e britânicos, que vai prolongar-se durante alguns anos,
dando origem e terminando com o tratado Webster-Ashburton, em 1842. Assim, nesta troca
de correspondência afina-se o critério da legítima defesa e os seus pressupostos, bem como
o que se deve entender por legítima defesa e, sobretudo, para esta definição da possibilidade
de antecipação do juízo e identificação de um ataque iminente, vais estabelecer os critérios
de definição do direito de legítima defesa, no século XIX, no direito internacional clássico,
que são usados no direito internacional no século XX e do século XXI para aferir esta
admissibilidade da antecipação da reação.
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Direito Internacional Público Mariana Esteves
entende-se que o Estado não pode estar obrigado a sofrer a agressão, designadamente a não
proteger os seus cidadãos de uma agressão externa, apenas para acomodar esse
entendimento extremamente restritivo e até contrário à teleologia da legítima defesa, parar
esperar pela ocorrência do ataque e depois, então, poder reagir, sobretudo porque,
atendendo à evolução tecnológica, o momento de dilação entre a preparação do ataque e a
concretização do ataque e o termo do ataque, ser cada vez mais curto e, portanto, a própria
identificação de momentos diferenciados que permitem designadamente a identificação do
ataque em curso vai sendo restringido. Desta forma, a discussão que se colocou sobre uma
interpretação mais alargada da legítima defesa, por forma a incluir também aquilo que não
seria já apenas uma legítima defesa preemptiva, ou seja, uma legítima defesa que se destina
a impedir uma agressão iminente quando há verificação de atos preparatórios, que podem
ser eles próprios impedidos, e quando se verifica que não há já outra forma, senão o uso de
impedir, de impedir que pela consecução dos atos preparatórios se concretize a agressão.
Outra coisa distinta é um entendimento mais alargado deste momento de antecipação para
o uso da força, que invocando a dificuldade cada vez maior em identificar momentos
diferenciados e alargar, de início os atos preparatórios, concretização da agressão e termo
da agressão, possam deixar o Estado, através de uma interpretação restritiva da legítima
defesa, sobretudo deste pressuposto que é o momento da verificação da agressão, pudessem
deixar o Estado sem qualquer possibilidade de reação, porque se o ataque ou se a
preparação da agressão e a concretização da agressão for de tal forma imediata que a partir
do momento em que são iniciados os atos preparatórios, já não pode ser impedida a
agressão e esta uma vez realizada tem um efeito importante e ao mesmo tempo imediato, já
não permitirá depois uma atuação em legítima defesa, sob pena de se poder cair numa
situação de apenas pura retaliação que não seria também permitida à luz do direito vigente
e, designadamente, do direito da Carta. Portanto, a discussão sobre a antecipação desta
verificação do pressuposto da iminência do ataque colocar-nos-ia aqui perante algumas
opções de interpretação.
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Relativamente ainda à definição da legítima defesa, nos termos do art. 51.º, enquanto
legítima defesa coletiva, como foi anteriormente referido não está em causa a atuação ou o
uso da força coletivo no sentido do uso da força pela Organização das Nações Unidas. O que
está em causa é a atuação em legítima defesa pelos Estados, a título individual, em defesa de
terceiro. Aplicam-se os pressupostos que estão previstos para a legítima defesa, em termos
genéricos no art. 51.º, a necessidade de se verificar um ataque armado, em curso ou
iminente. Neste caso, atendendo à especificidade e à delicadeza desta intervenção, porque
estamos a falar de uma intervenção de um Estado, num território designadamente ou em
relação a um outro Estado que se considera atacado, estando aqui, de facto, em causa a
legítima defesa de terceiro. Aqui relativamente à determinação da ocorrência do ataque
armado é necessário que esse ataque armado corresponda efetivamente a um ataque
armado de natureza internacional. Portanto, não se utilize esta figura para uma intervenção
de um Estado, num conflito que tem uma natureza interna – ex.: rebeliões internas. O que
está em causa, para poder ser invocado a legítima defesa de terceiro, tem de ser um ataque
armado de natureza internacional.
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âmbito dos movimentos de libertação há uma tomada de posição por parte da Assembleia
Geral, no sentido de não considerar ilícito o uso da força por parte de movimentos que
assumissem o exercício da autodeterminação dos povos e que, portanto, usassem da força
em circunstâncias em que não fosse dado outra possibilidade no exercício da
autodeterminação dos povos, considerando a Assembleia Geral que nessas circunstâncias o
uso da força não seria ilícito, decorrendo isto de algumas soluções interessantes do ponto
de vista jurídico.
Uma delas é, por um lado, considerar que o conflito armado, nestes casos, tem um carácter
internacional e não meramente interno, portanto, no caso do uso da força, por parte desta
rebelião colonial, para o exercício do direito à autodeterminação, estaria em causa não um
conflito de natureza interna, mas sim é reconhecida, pela Assembleia Geral, a natureza
internacional desse conflito. Isto é importante, na medida em que implica que o apoio
fornecido a esses movimentos por Estados terceiros não seja considerado ilícito por
violação do n.º7 do art. 2.º, designadamente por violação do princípio da não ingerência nos
assuntos internos. Com esta solução, internacionalizando esse conflito, reconhecendo a
dimensão internacional do conflito por estar em causa o princípio da autodeterminação dos
povos, permite-se aqui também considerar lícita a participação, o apoio de Estados terceiros
a esses movimentos, sem que essa atuação fosse considerada uma ingerência no domínio
interno do Estado – neste caso, do Estado colonizador. Estes dois elementos conjugados,
permitiriam também que, por sua vez, o Estado colonizador não pudesse invocar, contra os
Estados terceiros que auxiliassem esses movimentos, a legítima defesa designadamente por
haver esse tipo de atuação de um Estado através do auxílio a movimentos internos que
agora não são considerados mais movimentos internos, mas sim movimentos com carácter
internacional e, portanto, bloqueia a reação por uma via, permitindo/considerando lícita a
atuação de Estados terceiros que apoiassem esses movimentos e, por outro lado, se atuação
do Estado terceiro é lícita então não há uma agressão ilícita a que o Estado colonizador
possa reagir em legítima defesa.
Nesta resolução 2625, de 1970, há uma construção que tenta limitar a atuação jurídica dos
Estados colonizadores – isto numa primeira fase.
Posteriormente, a atuação da Assembleia Geral vai ser dirigida à limitação dos apoios ao
Estados colonizadores. Há aqui, por um lado, uma limitação muito grande da atuação
internacional destes Estados, que vêm internacionalizado o conflito, permitindo isso a
atuação de terceiros, e não permite a atuação em legítima defesa desse Estado contra a
atuação dos terceiros, mas há também a consideração como ilícita da atuação de apoio de
assistência por terceiros ao Estado colonizador, isso vai ser considerado uma assistência à
agressão. Há aqui uma evolução na Assembleia Geral relativamente ao contexto e ao
exercício da autodeterminação que tem esta dupla vertente.
Portanto, numa primeira fase dirigida ao estatuto, por um lado, à licitude do uso da força
neste contexto de exercício do direito de autodeterminação, por outro lado,
consequentemente considerar lícita a atuação de terceiros de apoio a esses movimentos,
impedindo a invocação da legítima defesa ou da ingerência como pressuposto de uma
atuação em legítima defesa contra esses Estados terceiros. Mais tarde, uma atuação aos
Estados que apoiem a ação dos Estados colonizadores contra esses movimentos de
libertação. Portanto, nesse contexto e afetando especificamente o caso português, no
contexto histórico, veja-se a resolução 312 do Conselho de Segurança, de 1972, que recusou
a assistência militar do Conselho nos territórios africanos sob administração portuguesa,
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Há formas mistas: muitas vezes, a mediação e o inquérito encontram-se ligadas entre si.
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