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2º ano, Turma A

Patrícia Carneiro da Silva

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO


Professora Doutora Ana Guerra Martins
Manuais: Professora Maria Luísa Duarte, Jorge Miranda e Eduardo Correia Baptista

INTRODUÇÃO
Constitucionalismo Multinível e a globalização
O Constitucionalismo Multinível – ou Direito Constitucional Global – tem por base a
ideia de que, hoje em dia, há vários centros de decisão política, que vão para além do
Estado e que, muitas vezes, se lhe sobrepõem.
Na sua origem, o Direito Internacional começa por se direccionar muito para as relações
entre Estados, contribuindo para a afirmação dos mesmos. Evolui, depois, no sentido
de influenciar e fazer parte do Direito dos Estados, deixando-se também influenciar a
si por esse mesmo Direito. A interligação dos Estados leva à criação de uma regra
comum de Direito Internacional. O Direito Internacional tem por base um princípio que
nunca pode ser contrariado: o princípio da dignidade da pessoa humana 1. Desta
maneira, todas as entidades internacionais aceitam a paz e a segurança como objectivos
a atingir.
Após a Segunda Guerra Mundial, dá-se uma forte intensificação das relações entre os
vários estados, pois que estes entendem que existem vários aspectos que não
conseguem combater isoladamente, p.e. terrorismo, criminalidade organizada. Mais
tarde, o fenómeno da globalização, gerado nos finais do século XX, tem um forte
impacto a nível jurídico. Esta globalização, que começa por ser essencialmente
económica, tem elevada influência nos direitos humanos. Foi devido a este processo
que se criaram diversos centros de decisão, que vieram dar a algumas entidades
poderes que eram, há 30 anos, inimagináveis (p.e. agências de rating).
O Direito Constitucional Global aceita em si os poderes normativo, executivo e judicial.
A Professora Ana Guerra Martins aponta, como factores que fazem do Direito
Constitucional Global menos desenvolvido: a existência de vários legisladores, a
existência de vários juízes e a dificuldade em dar efectividade ao Direito Internacional.

Direito Internacional, economia global e política internacional


O Direito Internacional está, desde sempre, ligado à questão das trocas comerciais entre
os diversos povos. Até ao século XVI, o mar encontrava-se dividido pelo Tratado de
Tordesilhas, que dividia o mundo entre território português e território espanhol. Este
tratado dificultava a entrada de outros países no comércio, pelo que Grócio2 desenvolve
a teoria do Mare Liberum – o mar é livre, por ser um bem comum, pelo que também o
comércio que por ele se faz o deve ser. É após este fenómeno que se dá o
desenvolvimento do Direito Internacional, sendo que este precisou do Estado Moderno

1
Nenhum Estado nega a dignidade da pessoa humana, mas podem variar as ideias do que é, na realidade,
necessário garantir para que se trate uma pessoa de forma digna
2
Há que ter em conta que um dos países com anseio de entrar no comércio marítimo era a Holanda e que
Grócio é holandês – Grócio é tido como um dos “pais do Direito Internacional”.

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para se poder, depois, afirmar. Desta maneira, diz a Professora, só podemos falar em
acordo de regras para regular relações entre entidades internacionais após 1945.
No que toca à política internacional, a Professora Ana Guerra Martins diz-nos que a
política é muito influenciada pelo Direito, o que leva a que, quando os Estados
negoceiam, também esteja envolvida uma necessidade política. Há autores que
defendem que é Direito Internacional aquilo que é a política internacional do
momento. Esta é uma posição essencialmente desenvolvida pelos Estados Unidos da
América. Dizem estes autores que os Estados só respeitam o Direito Internacional
porque tal lhes é benéfico, com base na concepção política que têm.
Apesar de o Direito Internacional Público ser feito com base em decisões políticas, este
não deixa (nem pode deixar) de ser jurídico.

I – O DIREITO INTERNACIONAL E A SUA EVOLUÇÃO


Noção de Direito Internacional
O Direito Internacional tem sido definido de diversas maneiras, com base em critérios
distintos e insuficientes.
o Quem tenta seguir o critério dos sujeitos, diz-nos que o Direito Internacional é
o Direito que regula as relações entre Estados. Esta definição mostra-se
claramente insuficiente: há sujeitos de Direito Internacional para lá dos Estados,
pois que o Direito Internacional regula hoje em dia áreas como a Economia ou
os Direitos Humanos, sem que estes estejam ligados aos Estados.
o Há ainda quem diga que o Direito Internacional é aquele que vai surgindo, sem
ser criado por um legislador único, ligado à criação de tratados internacionais.
Esta é também uma ideia errada, uma vez que o Direito Internacional ultrapassa
largamente aquilo que são os tratados internacionais.
o Alguns autores seguem ainda o critério do objecto, dizendo-nos que o Direito
Internacional é a quele que regula as matérias internacionais. Também esta é
uma definição redutora, pois que as matérias do Direito Internacional são as
matérias do Direito interno, pelo que são poucas as matérias que não dizem
respeito ao Direito Internacional.
(outros poderiam ser enunciados)
Conclui-se, desta maneira, que não é possível chegar a uma definição através de
qualquer critério isolado. A Professora Ana Guerra Martins define Direito Internacional
como o ordenamento jurídico da comunidade internacional, inserido no
constitucionalismo multinível, sendo fonte do Direito da União Europeia e influenciado
pelo Direito dos Estados. A Professora Maria Luísa Duarte, por sua vez, define Direito
Internacional como o conjunto de normas e princípios gerais definidos no quadro da
ordem jurídica global que visam regular a existência e o funcionamento da
comunidade internacional. O Professor Eduardo Correia Baptista diz que o Direito
Internacional deve ser entendido como um sistema constituído pelas normas
originárias (costumeiras) criadas pelos Estados conjuntamente e ainda por todas as
normas que aqueles qualifiquem como internacionais públicas.

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Formação e evolução do Direito Internacional – da Antiguidade à


Actualidade
Aquilo que é tido como origem do Direito Internacional vai variar consoante a definição
de Direito Internacional que adoptarmos.
Já na altura da Grécia Antiga e do Império Romano encontramos práticas de Direito
Internacional. Remonta à Grécia Antiga a origem das relações internacionais, os
primeiros tratados internacionais (todos eles em matéria de guerra3) e o surgimento da
arbitragem. Estas ideias vão mais tarde influenciar o Império Romano. A divisão do
Direito Romano em ius civile e ius gentinum teve uma grande influência no Direito
Internacional – é o ius gentium que evolui para Direito Internacional.
Com a queda do Império Romano, tem início a Idade Média. Esta é marcada pela
disputa entre o Papa e os Imperadores – o desafio do poder temporal é também um
dos factores que influencia o Direito Internacional. No século XI, com a Respublica
Christiana, o poder espiritual é entregue ao Papa e o poder temporal entregue os
Imperadores. Como resposta ao poder papal, o poder temporal tende a aglutinar-se à
volta de certos territórios, surgindo assim o Estado Moderno. Os conflitos religiosos só
acabarão, no entanto, em 1648, com a assinatura de dois tratados internacionais.
No século XVI é reteorizado o pensamento da guerra injusta. Grócio é o primeiro a
escrever um tratado internacional – Tratado da Paz e da Guerra. O jurista já não
fundamenta o Direito Internacional em Deus (como haviam feito as anteriores gerações
justnaturalistas), mas sim na razão humana4. Surge, nesta altura, o princípio da
soberania dos Estados.
Em 1648, com a Paz da Vestfália, é posto fim à Guerra dos Trinta Anos. Esta é atingida
com a assinatura de diversos tratados, nos quais se define:
o Respeito pelas fronteiras dos Estados;
o Autoridade administrativa, executiva e judicial dos Estados;
o Igualdade soberana dos Estados;
o Tolerância religiosa;
o Não intervenção na política interna;
o Pacta sunt servanda;
o Resolução de conflitos por via diplomática.
Entre 1648 e 1815, o Direito Internacional Público é influenciado por dois principais
factores: a independência dos Estados Unidos da América (1776), que vem sustentar o
princípio da autodeterminação dos povos e o princípio das nacionalidades; a Revolução
Francesa (1789-1799), que vem influenciar os Direitos Humanos. À Revolução Francesa
seguem-se as Invasões Napoleónicas (1777-1834), que acabam com a derrota de
Napoleão e com a assinatura de dois tratados plurilaterais que permitem um acordo
de paz. Com o Congresso de Viena (1815), o Direito Internacional desenvolve-se
bastante: procurava-se neste tempo justificar o fundamento deste Direito, antigamente
jusnaturalista e voluntarista. Resulta deste Congresso a política de alianças – contactos

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Surge a ideia de guerra injusta
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Este factor tem por base a diferente maneira de ver o Direito Natural – este deixa de ser a vontade de
Deus, para passar a ser derivado da razão humana

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periódicos entre as potências da época. Surge a Comissão Internacional do Reno e a


Comissão Internacional do Danúbio, que mostram ser precedentes do que hoje temos
como organizações internacionais.
A Paz de Vestfália aguenta politicamente a Europa durante cerca de uma década. No
ano de 1899 dá-se a criação do primeiro Tribunal Internacional.
Aquela que antes era apenas uma comunidade europeia (Direito Internacional era
essencialmente europeu), com a independência de Estados da América Latina e com a
crescente importância de Estados como a China e o Japão, alarga-se. É agora
verdadeiramente internacional.
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) dá-se o desmembrar de vários impérios.
É assinado o Tratado de Versalhes, através do qual se cria a Comunidade das Nações.
É também assinado o primeiro Pacto de renúncia à guerra – os Estados comprometem-
se a só utilizar a força em caso de legítima defesa.
No ano de 1921 é criado o Tribunal Permanente de Justiça Internacional, antecedente
do Tribunal Internacional de Justiça. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), dá-
se o grande desenvolvimento do Direito Internacional. Um dos principais marcos após
a Segunda Grande Guerra é a criação da Organização das Nações Unidas (1945). Esta
estabelece, através da Carta das Nações Unidas (1945), o princípio da segurança
internacional – dá-se também o desenvolvimento dos Direitos Humanos.
A Organização das Nações Unidas vem a sofrer com a Guerra Fria (1947-1953): A ONU
tem em si um Conselho de Segurança, no qual existem cinco membros permanentes:
Estados Unidos da América, China, Rússia, Reino Unido e França. Estando os EUA e a
Rússia em guerra, dificilmente votavam de maneira igual dentro deste conselho. Apesar
disso, pode dizer-se que havia um equilíbrio. Com a queda do muro de Berlim (1989) e
com a desagregação do Bloco Soviético (1991), os Estados Unidos tornam-se maiores,
gerando agora um desequilíbrio entre as duas potências em causa. A China emerge
como potência internacional. A França e o Reino Unido perdem a sua importância.

Características do Direito Internacional


Como principais características do Direito Internacional Contemporâneo, a Professora
Ana Guerra Martins assinala:
o Pluralidade de fontes (elevada quantidade de tratados a nível internacional). O
costume internacional continua a ser fonte de Direito e há diversos actos
jurídicos plurilaterais;
o Maior institucionalização – organizações internacionais, dentro das quais há
agências, órgãos, etc.;
o Criação de vários tribunais internacionais, incluindo tribunais regionais e
parciais (aqueles que tratam apenas de determinada matéria);
o Maior relevância dada à sociedade civil a nível internacional – as ONG têm uma
posição cada vez mais afirmativas a nível internacional;
o Aplicabilidade transversal;
o Articulação quer com o Direito da União Europeia, quer com o Direito Nacional
(Direito Constitucional);

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o Elevada importância dos Direitos Humanos, sendo a base do Direito


Internacional Público, hoje em dia, o princípio da dignidade da pessoa humana;
o Ser um Direito Global – aplica-se a todos e procura responder a necessidades às
quais os estados, sozinhos ou em pequenos grupos, não conseguem fazer face.
Vivemos numa sociedade de risco (p.e terrorismo);
o A existência de uma relação unilateralismo/regionalismo – há regras universais,
mas há também muitas regras especiais, que atendem às especificidades dos
Estados. Daqui surge a necessidade de criar organizações regionais;
A forma como os Estados encaram o Direito Internacional é, hoje em dia, distinta.

Afirmação e fundamento do Direito Internacional


O fundamento do Direito Internacional é, na realidade, o mesmo que o do Direito
Nacional – é, por isso, um problema da Filosofia do Direito e não do Direito
Internacional.
Antigamente, o Direito Internacional fundava-se no jusnaturalismo, que equivalia à
vontade de Deus. Grócio contribui para a alteração desse factor, passando o conceito
de Direito Natural a dizer respeito à razão humana. Com isto, altera-se o sentido das
correntes jusnaturalistas, agora fundando o Direito Internacional na razão humana.
Aparecem mais tarde as correntes positivistas voluntaristas, que tentam explicar o
Direito Internacional com base na vontade dos Estados – o Direito Internacional Púbico
obriga porque o Estado quer que obrigue. Este adquire força jurídica quando se torna
Direito interno. A Professora Ana Guerra Martins critica esta corrente, dizendo que esta
torna impossível o Direito Internacional – “a vontade do Estado não é suficiente para
obrigar o Estado e, se o Direito Internacional tem de integrar o Direito interno para se
tornar vinculativo, então deixa de ser Direito Internacional”.
Surge depois quem diga que o fundamento do Direito Internacional é a vontade do
Estado, mas é o Estado que se aceita vincular. Também esta é muito criticada e, em
resposta a isso, surge a teoria da vontade conjunta – o Direito Internacional obriga por
causa da vontade conjunta de todos os Estados. Esta teoria, no entanto, não explica
como é que se mantém uma das vontades dentro do acordo, com a saída de uma outra.
Kelsen cria a teoria normativista – as normas retiram a sua base de juridicidade de uma
norma jurídica superior. No topo da pirâmide está uma norma jurídica hipotética. Esta
teoria foi, também ela, muito criticada.
É ainda criada a teoria sociológica, que tem como um dos seus expoentes George Ritzer:
os principais sujeitos do Direito são indivíduos e não os Estados. O Direito Internacional
é para cumprir porque se gera quase expontaneamente.
O racionalismo axiológico, por sua vez, defende que há valores suprapositivos que
fundamentam o Direito. Esta tese foi muito defendida pelos alemães após a Segunda
Guerra Mundial. Também após a Segunda Grande Guerra surge o jusnaturalismo
axiológico – há um grande desconfiar do positivismo (devido ao que se verificou durante
a Segunda Guerra Mundial) e daí resulta o renascer do jusnaturalismo.
A posição da Professora Ana Guerra Martins encontra-se muito próxima do
jusnaturalismo axiológico. Diz a Professora que não acredita que seja Deus o
fundamento de todas as coisas e que não é positivista.

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Os fundamentos do Direito Internacional Público são, essencialmente, a paz e


segurança internacional, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana. Aqui
se encontra a máxima “Onde existe homem, há sociedade; onde existe sociedade, há
direito”. O Direito Internacional funda-se então na necessidade de construir um vínculo
de subsistência da Comunidade Internacional.

II – O EXERCÍCIO DO PODER PÚBLICO NO ÂMBITO DO DIREITO


INTERNACIONAL
O ius cogens em Direito Internacional
A determinação do que é o ius cogens não é fácil nem inequívoca. A Convenção de
Viena sobre Direito dos Tratados define norma imperativa de direito internacional
geral como norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no
seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por
uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza – art 53º CVDT.
Este mesmo artigo define a nulidade – originária – de um tratado que viole estas normas
imperativas de direito internacional geral. A esta modalidade junta-se a nulidade
superveniente – art 64º CVDT– que não surge no momento de celebração do tratado,
mas sim posteriormente. As consequências da nulidade estão expressas no art 71º
CVDT, dedicando-se o nº 1 à nulidade originária e o nº 2 à nulidade superveniente. Este
artigo pretende regular os efeitos fácticos, pois que se a convenção é nula não produz
efeitos jurídicos. Pode, anda assim, ter efeitos na vida dos Estados.
Foi desenvolvida pelo Professor Afonso Queiró a ideia de que o ius cogens vale no
Direito Internacional como, no Direito interno, vale a Constituição. A jurisprudência
do Tribunal Internacional de Justiça tem vindo a ajudar muito na delimitação de ius
cogens. Têm sido identificadas como normas de ius cogens:
o Princípio da dignidade da pessoa humana;
o Princípio da responsabilidade (direito à queixa);
o Princípio da resolução pacífica de conflitos;
o Princípio da igualdade soberana (art 2º CNU);
o Princípio da boa-fé (art 31º CVDT)
o Princípio do pacta sunt servanda

Professor Jorge Miranda: Princípios que estão para além da vontade ou do acordo de
vontades dos sujeitos de Direito Internacional; que desempenham uma função
eminente no confronte de dos os outros princípios e regras; e que têm uma força jurídica
própria, com os inerentes efeitos na subsistência de normas e actos contrários.

O poder normativo internacional - fontes


O conceito de fontes de Direito Internacional pode ser entendido como modo de
produção das normas de Direito Internacional, ou como modo de revelação dessas
mesmas normas.
As fontes podem ser, de acordo com o reconhecimento – ou falta dele – por parte do
sistema jurídico:

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o Fontes em sentido formal – se esse reconhecimento existe e, assim, lhes é


reconhecida a propriedade de criar Direito (p.e. tratados);
o Fontes em sentido material – se esse reconhecimento não lhes é concedido, mas
ainda assim estas acabam por influenciar e modelar o sentido da norma jurídica
(p.e. jurisprudência ou doutrina jurídica)
Quanto à vontade dos sujeitos internacionais, as fontes de Direito Internacional
dividem-se em:
o Fontes espontâneas – são, p.e., o costume e os princípios gerais de Direito;
o Fontes convencionais ou pactícias – são as convenções internacionais;
o Fontes autoritárias ou unilaterais – são os actos do Estado e, em especial, das
organizações internacionais.
A procura pelas fontes de Direito Internacional leva-nos ao Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça. Este é parte integrante (anexo) da Carta das Nações Unidas,
sendo o TIJ um órgão das Nações Unidas. É do artigo 38º deste Estatuto que retiramos
as fontes que o Tribunal aplica. A Professora Ana Guerra Martins adverte desde logo
para o facto de este artigo não ter carácter taxativo, pelo que podem existir – e existem
– outras que não as expressas.
ART 38 ETIJ
1 - O Tribunal, cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as
controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:
a) As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam
regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) O costume internacional como prova de uma prática geral aceite como direito;
c) Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) Com ressalva das disposições do artigo 59 as decisões judiciais e a doutrina dos
publicistas mais qualificados das diferentes nações como meio auxiliar para a
determinação das regras de direito.
2 - A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal de decidir uma
questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem.

São elencadas pelo Professor Jorge Miranda quatro principais críticas a este artigo:
o Como é que podemos distinguir convenções internacionais gerais e convenções
internacionais especiais? Para além disso, a alínea a) fala-nos de convenções
“reconhecidas pelo Estado”, quando na realidade a convecção é elaborada por
um Estado e não reconhecida por ele. A Professora Ana Guerra Martins diz que,
na realidade, o que existe são regimes gerais e regimes especiais.
o O costume não é uma prova, mas sim uma prática geral a que o Direito cede
relevância. Esta posição é também suportada pela Professora Maria Luísa
Duarte e pelo Professor Eduardo Correia Baptista. A Professora Ana Guerra
Martins diz que o costume não é a prova da regra, mas sim a própria regra.
o No âmbito do Direito Internacional, não podemos falar em nações civilizadas,
dado que tal contraria o princípio da igualdade dos Estados.
o Se a decisão do tribunal só obriga as partes em litígio no caso concreto, como
é que as decisões jurisprudenciais podem ser fontes de Direito Internacional?

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Deve entender-se que estas fontes são mediadas – são fontes de revelação e não
de produção do Direito Internacional. A Professora Ana Guerra Martins refere-
se-lhes como fontes subsidiárias.
A Professora Regente diz-nos que este artigo deve ser visto num sentido mais geral,
defendendo que o nº 1 é um elenco meramente exemplificativo, pelo que devemos
reconhecer outras fontes de Direito Internacional para além das nele presentes.
Relativamente ao nº 2 – que nos diz que o Tribunal não pode não decidir, pelo que é
incumbido de criar a norma que o intérprete criaria com base num juízo de equidade –
a Professora afirma que isto não é uma fonte, mas sim um modo de decisão.
Ao contrário do que defende o Professor Eduardo Correia Baptista, tando a Professora
Ana Guerra Martins como a Professora Maria Luísa Duarte afirmam que este artigo não
estabelece uma hierarquia de fontes. O artigo tem de ser visto de uma perspectiva
actualista.
O Estatuto permite que o Tribunal decida de acordo com o caso concreto, se as partes
assim o acordarem.

RELAÇÕES ENTRE AS VÁRIAS FONTES


O costume, o tratado e decisão da organização internacional são as fontes tidas como
mais relevantes. A estas acresce a jurisprudência, com um papel mais reduzido, através
da qual se pode ainda criar um costume jurisprudencial.
De uma perspectiva abstrata, podemos concluir que todas estas fontes são dotadas de
autonomia. No entanto, analisando-as de forma concreta, entendemos que todas elas
são interdependentes, relacionando-se entre si as normas que delas resultam. Essa
interdependência de fontes aponta para a precedência do costume. Vendo que a
jurisprudência pressupõe uma norma jurídica anterior e que a decisão de qualquer
organização internacional obtém a relevância que lhe é dada pelo tratado constitutivo,
a verdade é que o processo de conclusão de tratados assentava – até à Convenção de
Viena – no costume (ainda assim é para os Estados que não ratificaram a Convenção).
Cabe analisar que, com isto, o Professor Jorge Miranda não diz que é no costume que
reside a obrigatoriedade de todas as normas de Direito Internacional – esta resulta de
princípios objectivos.

Costume internacional
Podemos definir costume como uma prática constante e uniforme com convicção de
obrigatoriedade. O art 38º ETIJ fala, a seguir à convenção internacional, do costume
internacional. É através do costume que se exprime o consenso historicamente
assumido pela comunidade internacional sobre o conteúdo dos direitos e deveres dos
seus membros. Enquanto fonte de Direito Internacional, o costume tem a vantagem de
ter uma eficácia erga omnes – ao contrário dos tratados, o costume vincula os Estados
sem necessidade de procedimentos de aceitação.
Como explicado pela teoria dos dois elementos (decorrente do art 38º, nº 1, al b) ETIJ),
o costume é constituído por dois elementos:
o Elemento material – prática continuada;
o Elemento psicológico – convicção de juridicidade.

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Um dos precedentes desta teoria é o caso Plataforma Continental do Mar do Norte, do


TJI, de 20 de Fevereiro de 1969. Apesar de criticada, a teoria dos dois elementos foi
confirmada em jurisprudência recente. Esta gera a dúvida de como pode avaliar-se a
convicção da obrigatoriedade. A prova pode passar por documentos diplomáticos,
parlamentares e legislativos, pela tomada de posição dos Estados em conferências e
cimeiras, entre outros. Esta prática reiterada não obedece a um período mínimo ou
máximo de repetição dos actos, mas é incompatível com uma formação instantânea.
Para que se gere um costume, não é necessário que todos os Estados revelem um
comportamento de sentido concordante. Existem Estados que, pelas suas
características objectivas, não estão em condições de participar na formação da norma
costumeira – um Estado desprovido de costa marítima não conta para aferir normas
costumeiras sobre o Direito do mar. Para além disso, é mais relevante o tipo de Estado
que contribui para a geração do costume do que propriamente a quantidade de
Estados envolvidos.
Cabe saber se a oposição expressa e consistente de um Estado em relação a um
costume pode afectar a sua vinculação. A resposta a isso é dada pela teoria do objector
consistente:
É A OPOSIÇÃO ANTERIOR À FORMAÇÃO DO COSTUME INTERNACIONAL?

NÃO SIM
A oposição é tida como uma Podemos ter um de dois cenários:
violação do Direito Internacional.  a oposição é de tal ordem que
Case concerning the militar and impede a criação deste
paromilitary activities in and against costume. Não havendo
Nicaragua. costume, não há norma de
Direito Internacional, pelo que
não há vinculação;
Se sim: A Professora Ana Guerra Martins
 a oposição não impede a
diz, nestes casos, que a norma de Direito
formação do costume.
internacional existe, mas o Estado que se
opõe não fica vinculado, a menos que essa
norma costumeira seja de ius cogens. A Professora Maria Luísa Duarte, por sua vez,
defende que é necessário averiguar se a norma é ou não de ius cogens, indo de
encontro à posição da Regência. O Professor Eduardo Correia Baptista, por contrário,
defende que mesmo que a norma costumeira não seja de ius cogens, esta tem uma
hierarquia superior – tal advém da sua própria definição de Direito Internacional
Público.

COSTUME UNIVERSAL E REGIONAL


A maioria das normas costumeiras tem carácter universal – vincula todos os sujeitos de
Direito Internacional com capacidade para as cumprir ou violar. Apesar disso, existem
normas costumeiras que não são universais. Estas são normas que não atingiram uma
prática generalizada, reiterada e consistente a nível universal. Contudo, conseguiram-

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no a nível regional – forma-se o costume regional, a menos que pelo objecto da norma
seja imposta a sua universalidade (p.e. costumes ligados a recursos ambientais).
A questão do costume regional levanta a necessidade de definir região, no âmbito do
Direito Internacional. Para o DIP, região é uma noção cultural – trata-se de um conjunto
de Estados com uma cultura jurídica idêntica, independentemente de fazerem ou não
parte da mesma região geográfica. Também a pertença ao menos continente pode
relevar para a determinação deste espaço regional. Cabe assinalar que a delimitação
de região não tem por base – nem poderia ter – o consentimento dos Estados. Esse
consentimento só poderá vir a ter alguma importância em caso de dificuldade na
delimitação da região.
Relativamente à oponibilidade do costume regional a terceiros, a resposta parece
óbvia: o costume regional não vincula terceiros. No entanto, existem excepções. No
caso de normas costumeiras de âmbito territorial – p.e exercício do direito de
passagem inofensiva pelo mar territorial – estes Estados poderão, ao que parece,
invocar as normas costumeiras regionais. Fora isso, essa invocação não pode ocorrer.
Há ainda autores que falam de normas costumeiras locais ou até mesmo bilaterais. No
entanto, sendo o costume uma realidade cultural, mostra-se difícil aceitar a existência
de tais normas – o Professor Eduardo Correia Baptista diz, quanto ao costume local,
que na maioria dos casos estaremos apenas perante acordos tácitos entre os Estados
ou ainda no âmbito de um costume regional. No que toca ao costume bilateral, não lhe
parece existir na Comunidade Internacional comunhões que sustentem a sua existência.

Princípios gerais de Direito


A seguir ao costume, o art 38º ETIJ adiciona à lista das fontes os princípios gerais de
direito. A definição do que se inclui nestes princípios não é consensual.
Alguns autores jusnaturalistas, sendo autores para os quais o Direito Natural é mais do
que mera ética, consideram que estes princípios gerais de Direito são os princípios de
Direito Natural. No entanto, o facto de ser exigido o reconhecimento pelos Estados
afasta esta teoria – se os princípios têm de ser reconhecidos, é irrelevante que sejam de
Direito Natural: sejam ou não, têm de estar positivados pelos Estados.
Outra teoria defende que estes princípios compreendem o Direito Internacional
originário, fundamento das restantes fontes internacionais. Seriam os princípios
imperativos quer de natureza material, quer de natureza estrutural, indispensáveis para
a vigência do DIP. Havia ainda quem dissesse que estes princípios eram um mero poder
processual, servindo simplesmente para evitar que o juiz não decidisse por não ter uma
norma clara para aplicar.
A posição dominante considera que os Princípios Gerais de Direito são, simplesmente,
princípios comuns aos diversos sistemas jurídicos internos dos Estados. São, assim,
normas reconhecidas pela maioria dos Direitos internos. Cabe, sabendo isto, perguntar
se esta fonte terá autonomia em relação às restantes. O Professor Eduardo Correia
Baptista assume que não, pois que não se deve classificar como fonte formal de Direito
uma figura que funciona como mera recepção de outras ordens jurídicas.

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A jurisprudência e a doutrina
O artigo 38 nº 1 d) ETIJ fala da jurisprudência e da doutrina como meios auxiliares de
determinação das regras de direito. Estas não são tidas como fontes de direito
internacional – não podem criar nem recriar normas internacionais – mas podem ajudar
no processo de determinação e prova sobre normas contidas em tratados, normas
costumeiras ou princípios gerais de direito.
As sentenças têm valor obrigatório inter partes (art 59º ETIJ e art 94º CNU). Estas são
tidas como precedentes atípicos (Maria Luísa Duarte), passíveis de invocação em
processos futuros materialmente idênticos. Este precedente não obriga o juiz em
processos futuros, mas pode ser um instrumento principal de determinação da norma
aplicável em caso de analogia. Na União Europeia o papel da jurisprudência é distinto.
Em matérias, por exemplo, relacionadas com os direitos fundamentais, o Tribunal de
Justiça segue uma orientação voluntarista sobre o papel do juiz na determinação e
interpretação da norma aplicável.
Relativamente à doutrina, o seu contributo é individual, resultando de autores
publicistas qualificados vindos das diferentes nações. O desenvolvimento do Direito
Internacional, em parte através da jurisprudência, limitou a relevância das opiniões dos
autores consagrados.

O Direito dos tratados nas Convenções de Viena


NOÇÃO DE TRATADO
A matéria complexa de Direito dos Tratados foi codificada na Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados entre Estados e na Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações
Internacionais.
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) define tratado, no seu artigo
2º, como “acordo internacional concluído por escrito entre os Estados e regido pelo
Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou
mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular”. Desta
definição mostram-se excluídos os tratados orais e os tratados sobre a sucessão de
Estados, bem como os tratados sobre efeitos da guerra (matéria sobre a qual, à data,
não havia acordo). Também não se aplica aos tratados em matéria de responsabilidade
internacional. A Convenção tem uma aplicação subsidiária, dado que só se aplica
quando não houver acordo entre os Estados.
A Professora Ana Guerra Martins define tratado como um acordo internacional
(manifestação de vontades coincidentes), configurado por dois ou mais Estados. Estes
acordos implicam o consentimento dos Estados e, para que se aplique a Convenção de
Viena, terá de ser um acordo escrito. É na Convenção de Viena que residem as principais
regras de nacimento, vida e morte dos tratados. Apesar disso, não deixam de existir
questões não reguladas, sendo essas lacunas sanadas pelas normas costumeiras e pelo
Direito interno do Direito dos Tratados.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

ESPÉCIES DE TRATADOS
Escritos Orais
Bilaterais – duas partes Multilaterais – três ou mais
Em forma solene – exigem ratificação como meio Em forma simplificada – vinculação pode ser feita
de vinculação por mera assinatura
Expressos Tácitos

1 – NEGOCIAÇÃO, ADOPÇÃO E AUTENTICAÇÃ DO TEXTO DOS TRATADOS


Todos os Estados têm capacidade para celebrar tratados – art 6º CVDT. O direito de
negociar e de concluir acordos internacionais faz parte dos atributos clássicos da
personalidade jurídica internacional do Estado soberano, sendo este limitado apenas
pelas obrigações decorrentes do Direito Internacional e do Direito Constitucional.
A representação do Estado no processo de celebração do tratado é assegurando pelo
plenipotenciário – aquele a favor do qual é emitido um documento de plenos poderes
(art 7º, nº 1 CVDT) ou, como define o nº 2, por aqueles cujo estatuto de representante
se presume em virtude das funções que exerce:

“a) os chefes de Estado, os chefes de governo e os ministros dos negócios estrangeiros,


para a prática de todos os actos relativos à conclusão de um tratado;
b) os chefes de missão diplomática, para a adopção do texto de um tratado entre o
Estado acreditante e o Estado receptor;
c) os representantes acreditados dos Estados numa conferência internacional ou junto
de uma organização internacional ou de um dos seus órgãos, para a adopção do texto
de um tratado nessa conferência, organização ou órgão.”

É do Direito Constitucional de cada Estado que resulta a nomeação do responsável para


a elaboração de tratados. Independentemente disto, retira-se deste art 7º que esse
representante tem de estar munido de plenos poderes.
A celebração de um tratado internacional é um procedimento de carácter mais ou
menos solene, consoante o número de Estados que nele participam, a necessidade de
aprovação pelos órgãos internos, bem como consoante a natureza das matérias
reguladas. O procedimento-padrão divide-se nas seguintes fases:
o Negociação, adopção e autenticação do texto – arts 9º e 10º CVDT
o Manifestação do consentimento – arts 11º-17º CVDT
o Entrada em vigor – arts 24º-25º CVDT
o Depósito, registo e publicação – arts 76º-80 CVDT
A negociação tem início após a iniciativa e é sempre feita por via diplomática. O
processo de iniciativa vai depender da espécie de tratado que esteja em causa. Nos
tratados bilaterais e multilaterais, a iniciativa tem carácter informal. Qualquer um dos
Estados interessados pode sugerir a razão de ser e o objecto do tratado. Nos acordos
orais, a iniciativa é totalmente informal. No tratado bilateral, a negociação é realizada
entre a missão diplomática e os órgãos do Estado acreditador ou, em caso de cimeiras
bilaterais, entre representantes dos Estados. Nos tratados multilaterais, a negociação
acontece em conferências diplomáticas expressamente convocadas para o efeito ou

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no seio de organizações internacionais. O objectivo da negociação é chegar a um acordo


formal quanto ao texto.
O acto que põe termo às negociações é a adopção do texto. A partir deste momento, é
fixado o texto. A adopção não tem efeitos vinculativos para os Estados em relação ao
conteúdo do tratado. Tem, no entanto, efeitos vinculativos respeitantes à sua forma,
ou seja, à natureza jurídica do acto. A regra é a do acordo de todos os Estados que
participaram na elaboração do texto – art 9º, nº 1 CVDT – mas em caso de convenções
internacionais, o nº2 prevê a maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes.
Após a aprovação do texto, dá-se a sua autenticação – art 10º CVDT. Este artigo contém
simplesmente uma regra subsidiária, que consiste na escolha de uma de três
modalidades possíveis:
o Assinatura – é a simples assinatura pelo plenipotenciário no final do texto do
tratado. Se esse texto constar da acta final de uma conferência, a assinatura da
acta vale como assinatura do tratado. A assinatura não impõe qualquer dever de
vinculação ao tratado, mas resulta da boa-fé que as partes assinantes não irão
(mesmo antes da entrada em vigor do mesmo) desrespeitar os seus preceitos
(art 18º CVDT). Esse dever de boa-fé cessa se a entidade assinante declarar que
não se quer vincular ao tratado. Através da assinatura, as partes ganham o
direito de se tornar partes originárias, evitando a necessidade de recorrer à
adesão. Assinando um tratado, as partes ganham o direito de se pronunciarem
sobre questões com ele relacionadas – art 77º, nº 2 CVDT). Estes são os efeitos
que decorrem da rubrica se tal for acordado pelas partes e que decorrerão da
assinatura ad referendum quando essa for confirmada.
o Assinatura ad referendum – é um acto cujo efeito imediato é a autenticação do
texto – art 10, al b) CVDT. Para que tenha os restantes efeitos associados à
assinatura, é necessário que seja confirmado. Quando o for, os seus efeitos
suplementares retroagem à data da sua aposição – art 12º, nº 2, al b) CVDT.
o Rubrica – consubstancia-se na aposição das iniciais ou outra forma de assinatura
informal nas páginas do tratado. Esta não se equipara à assinatura, mas pode
desencadear os mesmos efeitos se as partes assim o acordarem – art 12, nº 2, al
a) CVDT. Na falta desse acordo, a rubrica apenas autenticará o texto.
Há ainda a assinatura sob reserva: esta é já uma assinatura, tendo todos os seus efeitos,
mas o Estado estabelece que a mesma assinatura por si só não o vinculará, sendo
necessário um acto posterior. É a esta figura que um Estado deve recorrer quando o
tratado estipula que a mera assinatura vinculará imediatamente as partes – acordo em
forma simplificada – mas, por exigência da Constituição interna, não se pode o Estado
assim vincular. Nas restantes situações, esta figura mostra-se desnecessária.
A assinatura ad referendum e a rubrica têm um efeito de autenticação provisório, pois
que exigem confirmação do órgão estadual competente para o efeito ou assinatura a
realizar posteriormente. Depois de autenticado, o texto só pode ser alterado por
acordo entre as partes ou, em caso de erro ou gralha, por rectificação (art 79º CVDT).
A estrutura de um tratado é muito variável, mas o formato mais comum implica
preâmbulo, corpo dispositivo e anexos.

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2 – MANIFESTAÇAO DO CONSENTIMENTO
Esta manifestação é o momento mais importante que antecede a entrada em vigor do
tratado. Este acordo tem de se manifestar de um modo juridicamente adequado,
definindo a CVDT a livre forma de manifestação do consentimento. As formas
presentes no art 11º CVDT estão expressas apenas a título indicativo:
o Assinatura – nos acordos em forma simplificada (tratado informal), tem o efeito
de vincular o Estado (art 12º CVDT)
o Troca de instrumentos constitutivos de um tratado – consiste na entrega
recíproca dos textos, sendo usada no procedimento de acordos bilaterais (art
13º CVDT)
o Ratificação – é o acto através do qual a autoridade do Estado que é titular da
competência de conclusão dos tratados internacionais manifesta, de forma
solene, que o Estado se considera vinculado e se compromete, através do
princípio pacta sunt servanda, a dar execução ao tratado. É a forma mais solene
e tradicional de vinculação a um tratado. Relativamente às organizações
internacionais, o art 11º, nº 2 CVDT II substitui o termo ratificação por “acto de
confirmação formal”
o Adesão – processo de aceitação de tratados multilaterais vigentes
o Aceitação
o Aprovação
O acto de manifestação de consentimento produz efeitos no momento da troca de
instrumentos entre os Estados, do depósito junto do depositário ou da sua notificação
aos outros Estados Contratantes ou ao depositário – art 16º CVDT. Este consentimento,
por força do princípio da unidade material, refere-se ao tratado no conjunto das suas
cláusulas. Como excepções a este princípio existem a possibilidade de os Estados se
vincularem de forma selectiva – art 17º CVDT) e as reservas – arts 19º a 23º CVDT.

3 – ENTRADA EM VIGOR
Geralmente, o momento da entrada em vigor de um tratado é definido por ele próprio,
como presente no art 24º, nº 1 CVDT. Na ausência de determinação, o tratado entra
em vigor depois da ratificação por parte de todos os Estados integrantes da negociação
– art 24º, nº 2 CVDT. Este é um requisito muito exigente, especialmente se estivermos
perante tratados multilaterais alargados.
Nos tratados bilaterais, a entrada em vigor costuma coincidir com a data em que se
concluiu a troca de notas. Nos tratados multilaterais, a vigência pode ficar dependente
de uma condição5 ou de um termo6.
É ainda possível uma aplicação provisória do tratado – art 25º CVDT. Este regime é de
uso frequente (por razões ligadas à urgência na aplicação do acordo), permitindo
determinar que o tratado entra provisoriamente em vigor antes da entrada em vigor
formal. Esta aplicação provisória pode acontecer quer entre o período do acto de
vinculação e a entrada em vigor do tratado, quer mesmo antes do tratado de

5
Facto futuro incerto quanto à ocorrência;
6
Facto futuro certo quanto à ocorrência, mas incerto quanto ao momento

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vinculação. Tudo depende da vontade das partes. A Constituição da República


Portuguesa, no seu art 8º, nº 2, proíbe a aplicação a título provisório de tratados. No
entanto, a oposição expressa do representante do Estado pode não ser suficiente para
impedir a aplicação provisória se esta resultar de uma disposição transitória do próprio
tratado, adoptado por maioria de dois terços (art 9º, nº 2 CVDT + art 24º, nº 4 in fine
CVDT).

4 – DEPÓSITO, REGISTO E PUBLICAÇÃO


A obrigação genérica de registo e publicação dos tratados resulta, antes de mais, do art
102º da Carta das Nações Unidas. Esta obrigatoriedade é acolhida pela Convenção de
Viena, que trata da matéria na sua Parte VII.
O depósito, o registo e a publicação são três acções distintas, todas com o propósito de
dar ao tratado a publicidade merecida. Nos tratados multilaterais, é usual nomear-se
um depositário7 – geralmente o Estado em cujo território foi negociado o tratado, uma
organização internacional ou o seu secretário-geral (art 76º CVDT). A disposição relativa
ao depositário é uma daquelas que entra em vigor com a mera adopção do tratado –
art 24º, nº 4 CVDT. As suas funções têm carácter internacional e imparcial – art 76º, nº
2 CVDT – e estão explanadas no art 77º CVDT (tendo este carácter exemplificativo). Nos
tratados bilaterais entre dois Estados, não é necessária a figura do depositário, pois
que estes trocam os instrumentos de vinculação e contactam directamente entre si.
O momento do registo não é claro para a Carta das Nações Unidas, mas as CVDT
estabelecem-no a partir da entrada em vigor do tratado (art 80º, nº 1 CVDT) – os
tratados são enviados para o Secretariado das Nações Unidas, para efeitos de registo e
publicação. Apesar da importância do registo, a falta do mesmo não leva à invalidade
do tratado. O art 102º, nº 2 CNU determina apenas que, nestes casos, o tratado não
pode ser invocado perante qualquer órgão das Nações Unidas.

RESERVAS AOS TRATADOS


A definição de reserva é feita no art 2º, nº 1, al d) da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados.
d) «Reserva» designa uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou
a sua denominação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um
tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas
disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado;
A reserva não tem autonomia jurídica, sendo assim parte integrante do tratado, por
ser incluída no seu processo de formação. Este instituto apenas se adequa aos tratados
multilaterais, pois que a sua eventual aplicação a tratados bilaterais inviabilizaria a
aplicação do tratado – a reserva seria neste caso entendida como uma nova proposta.
A admissibilidade da reserva está sujeita a variados limites:
o Limites materiais – art 19º CVDT, cuja violação leva à ineficácia da reserva ou à
sua nulidade, caso estejamos perante a tentativa de excluir ou modificar uma
norma de ius cogens. É também nulo um tratado que tenha uma reserva que

7
A figura do depositário também existe no caso de tratados bilaterais com partes complexas

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contrarie normas de ius cogens – art 53º CVDT. Em matéria de Direitos Humanos,
são inaceitáveis as reservas de carácter geral – art 57º da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem – e pelo mesmo artigo são condicionadas as reservas
relacionadas com a existência de uma lei interna que esteja em discordância com
determinada disposição do tratado.
o Limites temporais – a reserva deve ser comunicada no momento da assinatura,
da ratificação, da aceitação, da aprovação ou da adesão – art 19º CVDT.
o Limites procedimentais – a reserva exige forma escrita e deve ser comunicada
aos Estados Contratantes e aos que possam a vir ser Partes no tratado – art
23ºCVDT. Se a reserva é expressamente aceite por um tratado, então esta não
precisa de ser aceite pelos Estados – art 20º, nº 1 CVDT. Nos restantes casos, o
princípio é o da aceitação ou rejeição através da objecção – art 20, nºs 2, 3 e 4
CVDT.
A reserva não pode criar uma nova disposição, apenas pode excluir ou modificar os
seus efeitos. A questão, de acordo com o Professor Eduardo Correia Baptista, está em
saber se uma reserva pode modificar uma disposição através do seu alargamento –
reserva extensiva. O Professor conclui que tal possibilidade se revela demasiado
perigosa, pois que estas nunca poderão incidir sobre aspectos politicamente
importantes ou polémicos.
Os efeitos jurídicos da reserva vão depender da resposta dos outros Estados – uma
reserva só prossegue quando é aceite por outro Estado Contratante – art 20, nº 4, c)
CVDT. Estes efeitos são relativos, uma vez que apenas se projectam na relação entre o
Estado autor da reserva e os Estados que a aceitaram ou rejeitaram – art 21º, nº 2
CVDT. Se a reserva exclui a aplicação de uma disposição a um Estado, os Estados que
aceitaram essa reserva não podem, sob pena de agirem em abuso de direito, depois
exigir ao Estado que cumpra as obrigações que dessa disposição derivam.

APLICAÇÃO DOS TRATADOS


A aplicação dos tratados rege-se pelo princípio pacta sunt servanda – art 26º CVDT. A
este princípio associa-se ainda o princípio da boa-fé – o cumprimento de um tratado
pelas partes deve ser feito de boa-fé. O Professor Eduardo Correia Baptista defende
que, apesar do pacta sunt servanda ser um princípio jurídico da maior importância, este
não é o fundamento do Direito Internacional. Para além disso, diz que é através do
costume (e não da Convenção de Viena) que este princípio é vinculativo – se este
princípio vigorasse apenas por força do art 26º CVDT, esta Convenção não seria
obrigatória, pois que não poderia fundar-se a si mesma e levando a que o mesmo artigo
não fosse também ele obrigatório.
No que toca à eficácia temporal dos tratados, a regra é a da não retroactividade – art
28º CVDT. Esta disposição pode, no entanto, ser afastada pelas partes. Disto resulta que
um Estado não pode ser condenado por um acto que desrespeite um direito individual
praticado antes da sua vinculação ao tratado que o garante.
Relativamente à eficácia espacial dos tratados, a Convenção de Viena diz no seu artigo
29º que a aplicação de um tratado se estende à totalidade do território de cada uma

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das Partes, excepto se o contrário for acordado entre as mesmas. Antes do período de
descolonização, era muito tratada a questão acerca da aplicação de tratados aos
territórios não autónomos. Para evitar essa aplicação, existia uma cláusula colonial ou
a possibilidade de elaborar uma reserva que excluísse as colónias do âmbito do tratado,
sem ser esta dependente de aceitação por outro Estado. Apesar de esta questão, hoje
em dia, já não se mostrar de grande relevância, a regra geral costumeira será a de que
os tratados, salvo se expresso o contrário, também se aplicam aos territórios coloniais.
Certos tratados, por força do seu objecto, apenas se aplicam a uma parte específica do
território – é o caso, p.e., de todos os tratados relativos a direitos territoriais.
Podemos falar ainda na eficácia pessoal dos tratados – a eficácia dos tratados perante
terceiros. A regra geral, neste âmbito, é a de que os tratados não produzem efeitos em
relação a terceiros – art 34º CVDT8. A regra faz sentido: se o tratado é um acto
plurilateral cujo fundamento é a vontade das partes, juridificada pelo princípio pacta
sunt servanda, então não pode produzir efeitos em relação a um terceiro9.
Apesar de no Direito Internacional Público, o princípio da relatividade dos tratados ser
vito como um corolário do princípio da soberania dos Estados, pode dizer-se que este
comporta limitações e condições. Algumas delas estão inclusivamente previstas na
Convenção de Viena, enquanto outras advêm do costume internacional ou de
discussões doutrinárias. É neste contexto que se fala da figura do consentimento: se
através de um tratado, as partes atribuem um direito a um terceiro, então presume-se
o consentimento desse se nada for indicado em contrário – art 36º CVDT. Se, porém, for
através do tratado atribuída a terceiros uma obrigação, então exige-se por força do art
35º CVDT o consentimento por escrito do terceiro Estado. Associada a isto está a teoria
do acordo colateral entre Estados Partes no tratado principal e os Estados terceiros. Diz,
esta, que o consentimento de terceiros gera uma espécie de acordo triangular, que faz
com que direitos e obrigações passem a integrar a área de actuação jurídica do terceiro.
Há quem assinale, também como excepção à teoria relativa dos tratados, aqueles que,
p.e., estabelecem fronteiras territoriais. No entanto, diz a Professora Ana Guerra
Martins, tal não acontece: nestes casos, o que temos é uma eficácia erga omnes do
tratado, e não propriamente a sua aplicação a terceiros.

INTERPRETAÇÃO DOS TRATADO

NOTA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO - INTERPRETAÇÃO:


Actualismo – o que conta é o significado actual da lei;
Historicismo – o que conta é o significado que a lei tinha no momento da sua criação.
Orientação subjectivista – a finalidade é a reconstrução da intenção do legislador;
Orientação objectivista – a finalidade é a determinação do significado objectivo da lei

8
Em Direito Civil, res inter alios acta, art 406º, nº 2 CC
9
O Professor Eduardo Correia Baptista refere que se um tratado criar uma obrigação relativamente a
terceiro e este for obrigado a cumpri-la, então deixamos de ter um tratado e passamos a ter um acto
unilateral vinculatório.

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O processo de interpretação dos tratados não difere em grande escala do processo


geralmente adoptado. O objectivo do processo interpretativo é determinar o sentido
da norma para que se possa, daí, retirar aquilo que é exigido às Partes Contratantes.
A Convenção de Viena determina, no seu art 31º, que o processo interpretativo deve
passar pelos quatro elementos comuns: literal, histórico, sistemático e teleológico. A
interpretação deve ser feita de boa-fé e, independentemente da intenção dos Estados
aquando da feitura das normas, o primeiro aspecto do processo deve prender-se com o
sentido comum das expressões.
O resultado deste processo – a interpretação – deve ter um significado objectivista e
ser de acordo com o fim e o objecto do tratado. O elemento sistemático e o elemento
teleológico são tidos como os mais importantes do processo de interpretação, pois que
é através deles que o resultado tem por base o contexto e o objecto e o fim do tratado.
O art 32º CVDT estabelece meios complementares de interpretação, servindo estes
apenas para confirmar o sentido aportado pelo processo resultante do artigo 31º. A
única excepção a esta realidade verifica-se quando o resultado da interpretação se
mostra manifestamente absurdo ou incoerente, devendo nesses casos os meios
complementares servir para corrigir a situação. Estes meios complementares podem,
p.e., ser trabalhos preparatórios ou a análise das circunstâncias em que o tratado foi
concluído. A Professora Ana Guerra Martins defende que a interpretação deve sempre
ser actualista – o que conta não é o sentido que o tratado tinha no momento da sua
feitura, mas sim o sentido que este tem, ou deve ter, no momento em que está a ser
interpretado. Do princípio da boa-fé pode retirar-se a necessidade de da interpretação
resultar uma norma útil – art 32º - pois que se presume que os autores do tratado não
desejavam incluir nele uma norma de sentido ilusório ou incoerente.
O principal problema a verificar durante a interpretação do tratado é o facto de estes
serem escritos em várias línguas, o que pode levar a divergências de interpretação10.
Para esta questão, presume-se o valor equivalente dos textos dos tratados nas várias
línguas – art 33º, nº 3 CVDT. Esta presunção pode ser afastada se a comparação dos
textos mostrar uma diferença de sentidos inultrapassável através dos arts 31º e 32º
CVDT. Nesta situação, deve adoptar-se o sentido que melhor concilie esses textos,
tendo em conta o objecto e o fim do tratado – art 33º, nº 4 CVDT.

INVALIDADE DOS TRATADOS

NOTA DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL - DESVALORES:


Invalidade - traduz-se na não vigência, não alcançando assim vigor jurídico. Tal, no entanto, não
significa que esses actos não existam e não tenham consequências.
 Nulidade
 anulabilidade

10
A Professora Ana Guerra Martins aponta o facto de, por vezes, estas divergências serem propositadas:
as Partes tentam utilizar determinada expressão na sua língua, de modo a tentar alterar o significado da
norma para seu proveito.

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As Convenções de Viena determinam oito causas de invalidade, sendo sete delas


relativas a vícios de consentimento (violação de regras internas de competência,
violação de restrições dos poderes, erro, dolo, corrupção, coacção sobre o
representante e coacção sobre o Estado). Este elenco não é, diz o Professor Correia
Baptista, exaustivo. O Professor refere ainda a incapacidade do sujeito para celebrar o
tratado e a incapacidade intelectual do representante do Estado participante nas
negociações quando o seu acto vincule o Estado. No entanto, estas não podem ser
utilizadas, por força do disposto no art 42º, nº 1 CVDT. Se estivermos perante um
tratado multilateral, em princípio, a invalidade do consentimento não afecta a eficácia
do tratado entre as restantes partes.
As condições para a validade do tratado passam, assim, pela capacidade das partes, a
regularidade do consentimento e a licitude do objecto.
Vícios de consentimento:
o Competência para concluir tratados – art 46º CVDT
o Restrição especial ao poder de manifestar consentimento – art 47º CVDT
o Erro – art 48º CVDT – a Parte que fez com que a outra Parte ficasse em erro, não
pode depois invocar esse erro;
o Dolo – art 49º CVDT
o Corrupção do representante de um Estado – art 50º CVDT
o Coacção do Representante do Estado – art 51º CVDT – coloca o problema de
saber se, por exemplo, a coacção económica e política estão incluídas. Diz a
Professora Regente que a imposição económica e política tem de ser ilícita para
que seja causa de nulidade absoluta por corrupção do Representante do Estado.
Estes vícios não levam obrigatoriamente à nulidade, mas produzem na Parte objecto do
erro, do dolo, (…) o direito de o invocar (a menos que tenha previamente aceite a
decisão).
Licitude do objecto:
Está relacionado com normas de ius cogens – art 53º CVDT. É consensual a:
o Proibição do genocídio;
o Proibição da pirataria;
o Proibição da tortura
Fala-se depois de outros, como a:
o Proibição da escravatura;
o Direito à vida – a Professora Ana Guerra Martins defende que deve ser, mas diz
que tal não acontece enquanto Estados como os Estados Unidos tiverem e
executarem a pena de morte.
A nulidade por violação de normas de ius cogens pode ser invocada a todo o tempo.

MODIFICAÇÃO DOS TRATADOS


Está regulada nos arts 39º a 41º da Convenção. A regra geral é a de que se pode
modificar os tratados por acordo entre as partes - art 39º CVDT. Esta modificação pode
incidir sobre todo o tratado – tornando difícil distinguir a modificação dos tratados e a
extinção de um tratado e a criação de um novo – ou sobre certas normas. Quanto mais
Partes constituem o tratado, mais difícil será a sua modificação. As Partes Contratantes

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que não aceitarem as modificações não fica a elas vinculadas – o tratado passa a vigorar
com um texto para uns e com texto diferente para outros.
Cabe perguntar: há limites materiais à revisão dos tratados? A verdade é que a maioria
das convenções preveem elas próprias os limites à revisão dos tratados. Exemplo disso
é a Convenção de Montego Bay. A Professora Ana Guerra Martins diz achar que seria
desejável que tais limites existissem, mas que o mesmo não acontece. A Professora diz,
no entanto, que se há normas do tratado que acabam por se tornar normas de ius
cogens, então essas não podem ser alteradas. Temos, assim, um limite material.

CESSAÇÃO DE VIGÊNCIA DOS TRATADOS


A cessação de vigência pode acontecer por suspensão ou por extinção. Pode, esta,
verificar-se por
o Acordo entre as partes – art 39º CVDT
o Denúncia ou saída de um Estado – art 56º CVDT
o Ocorrência de uma das situações que o próprio tratado define como sendo causa
de cessação
o Violação de um tratado (que pode fazê-lo cessar para esse Estado se a violação
for recorrente) – art 60º CVDT. O art 60º não se aplica a todos os tratados, até
porque é tido por muitos como sendo premiar o delator. Este não se aplica, por
exemplo, a tratados referentes a matérias de Direitos Fundamentais (nestes não
há relação de reciprocidade, mas sim verdadeiras imposições aos Estados para
protecção dos indivíduos);
o Alteração fundamental das circunstâncias – art 62º CVDT;
o Impossibilidade superveniente de cumprimento
 Se provisória – leva à suspensão;
 Se definitiva – leva à cessação
Fora da Convenção, podemos ainda falar da responsabilidade internacional, da
sucessão de Estados e do corte de relações diplomáticas. Quanto a este último ponto,
a Convenção não determina se esse corte leva ou não à cessação dos tratados, mas
grande parte da doutrina defende que, em caso de guerra, sendo esta contrária ao
Direito, põe termo à vigência dos tratados.

Processo de vinculação internacional do Estado Português


A Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da abertura da
Constituição ao Direito da União Europeia e ao Direito internacional. Este princípio é,
para a Professora Ana Guerra Martins, o princípio da amizade da CRP em relação ao
Direito Internacional. A Professora diz que este princípio está presente ao longo de toda
a Constituição, dando destaque aos artigos 7º e 8º, que considera serem a base do
princípio. Diz que este também está muito vincado em matérias de Direitos
Fundamentais. Em relação ao art 7º CRP, o artigo que versa sobre as relações
internacionais, a Professora diz-nos que parte dele se encontra já ultrapassado, mas que
confere uma grande abertura quer ao Direito da ONU, quer ao direito internacional em
geral. No que toca ao art 8º CRP, a Regência defende que o princípio da amizade está

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aqui tão presente, que até se consagra o primado do Direito da União sobre o Direito
Constitucional interno.
O Estado Português distingue entre tratados solenes e acordos em forma simplificada,
estando estes vinculados a procedimentos distintos.

ACORDOS EM FORMA
TRATADOS ARTIGO ARTIGO
SIMPLIFICADA
161, i) Pode ser feita pela Assembleia
Feita obrigatoriamente pela NÃO HÁ
APROVAÇÃO ou pelo Governo, consoante a 197, nº 1, c)
Assembleia da República AUTORIZAÇÕES matéria
LEGISLATIVAS
Vinculação ocorre com a 134, b)
135, b) aprovação, certificada pela É um acto
Exigem ratificação como livre ou
RATIFICAÇÃO É um acto assinatura do PR aposta nas
acto de vinculação livre vinculado?
resoluções da AR ou nos
decretos do Governo DEVE SER
LIVRE11
Após pronúncia pela Se aprovados pelo Governo, 279, nº 1 +
FISCALIZAÇÃO não há possibilidade de 136, 2
inconstitucionalidade, AR
PREVENTIVA DA 279, nº 4 confirmação, exigindo-se o
pode confirmar por maioria
CONSTITUCIONALIDADE veto do PR VER NOTA
qualificada
Se aprovados pela AR, a CRP é INFRA
omissa

NOTA: em relação à omissão relativa à Assembleia poder ou não confirmar o acordo se


este versar sobre matéria da sua competência:
o Grande parte dos Professores assume a aplicação analógica (Maria Luísa
Duarte) ou a interpretação extensiva da solução adoptada para os tratados,
defendendo assim que estes diplomas poderão ser confirmados por maioria
qualificada. Tal tem por sustentação o facto de estarmos perante o mesmo órgão
de soberania – a Assembleia da República;
o Outros, como o Professor Eduardo Correia Baptista, defendem a
impossibilidade da aplicação analógica. O Professor diz que o art 279º, nº 4 CRP
é uma norma excepcional, pelo que não é possível a sua aplicação analógica.
Quanto às dúvidas sobre a delimitação material entre tratado e acordo (que surgem
com a expressão “bem como” presente no art 161º, al i) CRP), é de analisar a posição
do Professor Jorge Miranda. O Professor começa desde logo por dizer que há matérias
que devem ser alvo de uma reserva de tratado – arts 4º; 7º, nº 6; 16º; 33º; e 102º CRP.
Através desta reserva, arreda-se a competência do Governo, que deixa de poder fazer
acordos acerca destas matérias. Sendo necessário retirar desta afirmação um efeito
prático, conclui-se que, então, há uma impossibilidade de confirmação de acordos por
parte da Assembleia.

A competência para negociar é entregue de forma exclusiva ao Governo – art 197º, nº


1, al b) CRP – ao abrigo da sua função de “condução da política geral do país” (art 182º
CRP). Esta competência recai sobre o Ministro dos Negócios Estrangeiros que,

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SE O VECTO FOR JURÍDICO, O ACTO É VINCULADO – PR NÃO PODE ASSINAR NEM RATIFICAR

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

consoante a matéria, podem chamar outros Ministérios. A demissão do Governo activa


o princípio da continuidade do Estado nas relações internacionais.
Art 2º, nº 1, al j) conduzir as negociações internacionais e os processos de vinculação
internacional do Estado Português, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a
outras entidades públicas;
LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS

Cabe, com tudo isto, perguntar: há diferença material entre tratados e acordos?
Para os Professores Jorge Miranda e Reis Novais, há reserva de tratados com base num
argumento literal: a utilização da expressão “designadamente” no art 161º CRP. O
Professor Jorge Miranda diz ainda que devem ser matéria de tratados as presentes em
artigos que falem em convenções. A Professora Regente confessa que este argumento
não lhe faz qualquer sentido, dizendo que o mesmo valeria, se tanto, para a acepção
contrária.
Tanto os acordos como os tratados podem ser sujeitos a referendo – art 115º, nº 3 e 5
CRP12. Todos eles carecem de publicação – art 119º, nº1, al b) – sob pena de ineficácia.
A forma dos actos é tratada no art 166º CRP.

Actos jurídicos unilaterais


Os actos jurídicos unilaterais são declarações de vontade do sujeito jurídico do qual
emanam que, por referência a princípios e regras de Direito Internacional, produzem
efeitos jurídicos, de âmbito geral, de modo autónomo.
o Sujeitos jurídicos – entidades dotadas de personalidade jurídica internacional;
o Carácter unilateral – o acto é adoptado por um só sujeito e apenas a esse deve
ser imputado;
o Efeitos jurídicos – são vinculativos para os autores e, eventualmente, ara
terceiros (se tiverem conteúdo geral e abstracto.
A jurisprudência internacional reconheceu já que declarações feitas pelas autoridades
de um Estado podem criar obrigações jurídicas para esse Estado. Os efeitos jurídicos
produzidos por estes actos podem tanto resultar de actos unilaterais externos, como
de actos unilaterais internos.
A Doutrina distingue entre actos unilaterais autónomos e actos unilaterais não
autónomos, consoante o acto em causa esteja ou não integrado no processo de
formação de um outro acto jurídico internacional. Assim, temos como exemplo de um
acto unilateral não autónomo a assinatura ou a aprovação de um tratado. Os actos
jurídicos autónomos provêm de um só sujeito de DIP, são expressão da sua própria
capacidade e não estão dependentes de qualquer requisito formal.

Soft law no Direito Internacional


Para tentar enquadrar alguns actos jurídicos, formalmente desprovidos de efeitos
jurídicos, parte da Doutrina avançou com a ideia da soft law – esta seria constituída por

12
Até hoje: referendo acerca do Tratado de Amesterdão e referendo sobre a Constituição europeia.

22
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

actos de obrigatoriedade reduzida, pelo que a sua violação não implicaria


responsabilidade internacional, salvo se fosse sistemática e grave.
O Professor Eduardo Correia Baptista nega a ideia desta soft law, dizendo que não fará
sentido integrar no seio do Direito efeitos não obrigatórios. Diferente desta situação,
ressalva, é a que se verifica quando as disposições são tão gerais que criam obrigações
de tal modo fluido que se poderia discutir o efeito vinculatório. A Professora Maria Luísa
Duarte também mostra reservas quanto à utilidade desta figura.
Este conceito de soft law costuma abarcar situações como resoluções dos órgãos
deliberativos de uma organização internacional, declarações ou moções finais de
remate dos trabalhos de uma conferência internacional, (…)

III – A RELAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA GLOBAL COM O DIREITO INTERNO


DOS ESTADOS
Monismo, dualismo e pluralismo
Desde finais do século XIX que se debate a relação entre o Direito Internacional e o
Direito interno. Para tentar solucionar este problema, surgiram no século XX várias
abordagens teóricas através das quais se tentou responder a várias questões práticas.
Estas teorias surgem por força de vários factores, que se intensificaram após o Tratado
de Versalhes: reservada aos tribunais a interpretação e aplicação do Direito13, deve este
incluir ou excluir as normas internacionais? Podem os indivíduos invocar os direitos que
lhes são conferidos por normas internacionais junto dos tribunais nacionais? Em caso de
violação das normas internacionais, incorrem os Estados em responsabilidade perante
a outra parte?
A resposta a tudo isto dependerá da concepção adoptada:
o Dualismo – reclama-se uma separação rígida entre Direito Internacional e
Direito interno. A norma que vigora num sistema não poderá vigorar no outro
sem ser por ele aceite. Esta perspectiva implica um mecanismo de recepção e
transformação das normas de Direito Internacional em normas de Direito
interno, sendo que só nesse caso poderá a norma passar a vigorar internamente.
O Direito Internacional não tem autonomia, dando-se a prevalência da vontade
soberana dos Estados. Seguindo este raciocínio, um acto de Direito interno
apenas pode ser inválido quando em contradição com uma norma de DIP se tal
consequência estiver estabelecida no próprio Direito interno. Tudo isto põe em
causa o fundamento autónomo e heterovinculativo do Direito Internacional.
o Monismo – há uma unidade sistemática dos dois ordenamentos, o que implica
a existência de regras que relacionem os dois sistemas jurídicos.
 Monismo com primado do Direito interno – já tendo caído fortemente
em desuso, esta corrente acabava por ter um efeito prático idêntico ao
do dualismo. A Professora Ana Guerra Martins afirma que esta corrente
conduz à negação do Direito Internacional, sendo inclusivamente por ele
rejeitada (arts 27º e 46º CVDT)

13
Por via da separação de poderes

23
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

 Monismo com primado do Direito Internacional – se as normas


internacionais visam regular as relações entre Estados juridicamente
iguais, faz sentido que estas se sobreponham ao Direito interno. Associa-
se a esta corrente, como defensor de um monismo radical, Hans Kelsen:
para o autor, o Direito Internacional estaria sempre acima do Direito
interno. A perspectiva hoje adoptada é, em comparação, mais mitigada:
eventuais situações de conflito entre normas não geram a nulidade da
norma subordinada. Apesar de este primado do DIP ser de aceitação
difícil por parte dos Estados, a verdade é que o monismo tem hoje base
de sustentação no Direito Internacional e é aceite pelos tribunais.
A Professora Ana Guerra Martins aponta ainda para a teoria do pluralismo
constitucional: esta nasce com o Direito da União Europeia, para afastar o primado
desse direito sobre o Direito interno dos Estados. Esta ideia foi rejeitada por todos os
tribunais, pelo que urgia encontrar uma teoria que fizesse cessar os problemas
conflituais. A Professora Regente afirma que o afastar destes conflitos é imperativo e
que não há entre estes dois ordenamentos uma hierarquia, mas que tudo isto cai por
terra assim que surja conflito.
Adoptando a concepção dualista, é necessário fixar um mecanismo de transformação,
que possibilite que a norma de DIP passe a vigorar também no ordenamento interno.
Essa transformação pode ser implícita – se as normas internacionais têm também de ser
objecto de acto interno para vigorar internamente, mas basta que seja um acto de
natureza idêntica à de um acto legislativo – ou explícita -as normas internacionais têm
de ser conteúdo de lei ou de outro acto normativo interno. Se, por contrário,
adoptarmos uma concepção monista, então urge fixar um mecanismo de recepção das
normas de DIP pelo Direito interno. A norma de DIP vigorará, no sistema jurídico
nacional, como norma de DIP. A cláusula de recepção pode ser:
o Automática plena – permite a vigência interna da regra internacional por força
do simples instrumento normativo ou fonte de onde resulta.
o Automática semi-plena ou parcial – o campo de aplicação na cláusula de
repecção é limitado a um determinado sector material, como os Direitos
Humanos.

Aplicabilidade directa e efeito directo do Direito Internacional


No âmbito do Direito da União Europeia, é habitual a distinção entre aplicabilidade
directa e efeito directo do Direito internacional:
o Aplicabilidade directa – uma norma de Direito Internacional vigora no
ordenamento interno sem necessidade de assegurar a sua transformação ou
transposição para o Direito nacional.
o Efeito directo - possibilidade de invocação de norma internacional perante os
tribunais de Direito interno, seja contra o Estado e as entidades públicas (efeito
directo vertical), seja frente a particulares (efeito directo horizontal)
O Professor Jorge Miranda considera as duas noções sinónimos.

Incorporação do Direito Internacional no Direito interno


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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

ARTIGO 7º ARTIGO 8º ARTIGO 16


Afirmação implícita do respeito Representa uma cláusula Trata de um dos mais
pelo Direito Internacional. Há de recepção do Direito importantes aspectos da CRP –
uma recepção de princípios Internacional no Direito direitos fundamentais. Exige a
oriundos da Carta das Nações interno interpretação da CRP em
Unidas harmonia com a DUDH

Art 8º CRP
o Nº 1 - tem em si uma cláusula de recepção automática plena – o Direito
Internacional vigora na ordem jurídica portuguesa como DIP. Isto engloba a
recepção plena de costume, princípios gerais de direito e costume regional
(aspecto que levantou alguma discussão doutrinária e que implica uma
interpretação extensiva do preceito).
o Nº 2 – trata das convenções internacionais – a ratificação, a aprovação e a
publicação não são pressupostos necessários de validade das convenções, mas
sem elas o Estado Português não fica vinculado internamente (está-o em termos
internacionais). As convenções internacionais não têm posição
supraconstitucional, mas estão acima da lei ordinária.
o Nº 3 – aborda o Direito das organizações internacionais – foi introduzido na
revisão de 1982, com vista à adesão de Portugal nas então Comunidades
Europeias. O preceito acabou por ser retocado com a revisão de 1989. Por
existência no nº4, esta disposição já não é necessária para possibilitar a vigência
do Direito da UE na ordem jurídica interna, mas é-o para possibilitar a vigência
de normas self-executing.

Art 16º CRP


Cabe saber se há um primado da DUDH sobre os direitos fundamentais presentes na
Constituição. Seguindo a orientação do Ac nº 122/2010, de 8 de Abril, a prevalência da
Declaração só ocorre quando a norma é mais protectora. A Professora Regente
concorda com esta orientação – diz-nos que as normas relativas a Direitos Humanos
devem prevalecer sempre, qualquer que seja a sua origem.
É consensual a ideia de que, se a norma de Direito Internacional for uma norma de ius
cogens, então esta prevalece sobre o Direito Interno. Assinala a Professora Regente
que até o Professor Jorge Miranda – que defende não haver primado do Direito
Internacional sobre o Direito Constitucional - segue esta posição.

O caso especial do Direito da União Europeia


No caso do Direito da União Europeia, estão em causa os arts 8º, nº 4 e 7º, n 5 e 6 CRP:
5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados
europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.
6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado
de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão
económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a definição e execução
de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o exercício, em comum, em

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da


união europeia. (ART 7º)

4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições,
no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo
direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático. (ART 8º)

A Professora Ana Guerra Martins afirma que o primado do direito da UE sobre a CRP
existiria mesmo que tal não estivesse previsto na Constituição. Há hoje uma habilitação
constitucional clara para que o Direito da União Europeia tenha a prevalência que ele
deseja ter. Esta realidade é, no entanto, limitada: as normas de Direito da UE têm de
respeitar as normas de competência da UE, sob pena de caírem no âmbito dos actos
ultra vires.

IV – SUBJECTIVIDADE INTERNACIONAL
Personalidade jurídica internacional
A personalidade jurídica internacional é tida como a susceptibilidade de se ser titular
de direitos e obrigações internacionais. É o próprio Direito Internacional quem
determina os sujeitos em causa, sendo que também ele determina a maneira como
esses sujeitos o são. Ter personalidade internacional não implica ter capacidade
internacional – esta segunda implica uma capacidade de gozo e de exercício, que não
resulta apenas de ter personalidade jurídica.
Os sujeitos com capacidade plena por excelência são os Estados. Com a Segunda Guerra
Mundial, surgem aquilo que mais tarde se tornariam organizações internacionais. Da
discussão que daí resulta sobre se estas entidades são ou não dotadas de personalidade
internacional, retira-se a conclusão de que efectivamente o são. A Professora Ana
Guerra Martins alerta para o facto de, se considerarmos os movimentos de libertação
como sujeitos de DIP, então qual será o critério que nos permitirá afastar a
personalidade jurídica em relação às organizações terroristas?

O Estado
O Estado é tido como o sujeito de Direito Internacional mais importante. Este surge na
Idade Moderna, para fazer face à proliferação de pequenos poderes da Idade Média,
surgindo com uma grande tendência centralizadora (ligada à vontade de pôr termo aos
poderes feudais).
o PROFESSOR EDUARDO CORREIA BAPTISTA – O Estado é, no fundo, a
personalização do poder efectivo que existe numa comunidade territorial, pelo
que o mesmo não se confunde com a sua população e menos ainda com o seu
território – estes são pressupostos e não elementos do Estado.
o PROFESSOR CARLOS BLANCO DE MORAIS – O conceito de Estado equivale, hoje,
ao conceito de Estado-Ordenamento – colectividade territorial na qual está
fixado um povo e instituído um poder político soberano que visa a satisfação dos
interesses gerais. Aos três pressupostos (para o Professor Blanco de Morais,
elementos) já citados, o Professor acresce um quarto: a existência de um
ordenamento jurídico.

26
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Enquanto estrutura normativa, o Estado é caracterizado, desde logo, pelo monopólio


sobre o uso legítimo da força num determinado território. Falamos, assim, de uma
organização armada. Sendo muito mais que isso, os Estados são sujeitos de direitos e
obrigações de Direito Internacional, constituindo uma pessoa jurídica colectiva. É o
sujeito internacional por excelência, por ser dotado de capacidade plena14.
Na óptica do Professor Eduardo Correia Baptista, já não são claras as condições de
facto e de Direito que têm de estar reunidas para que possamos falar em Estado. Diz-
nos que resulta do Direito Internacional Costumeiro a exigência de algumas condições
de facto: existir um Povo, um território e um Governo efecivo, que tenha capacidade
para conduzir as suas relações internacionais. No entanto, afirma o Professor, nem
sempre é claro que sejam suficientes estes elementos, bem como se eles estão ou não
reunidos.
Actualmente, os Estados tendem a nascer através de uma de três formas:
o Separação
o Dissolução
o Fusão

RECONHECIMENTO DO ESTADO
Para facilitar a identificação dos sujeitos de Direito Internacional, surgiu a prática do
reconhecimento – acto jurídico unilateral pelo qual um sujeito capaz declara considerar
uma entidade como sujeito internacional. O reconhecimento pode ainda identificar-se
com a declaração de legitimidade dos novos governantes de um Estado que o
adquiriram de forma contrária ao estipulado pelo Direito interno.
Em relação à personalidade de um Estado, o reconhecimento é o acto unilateral pelo
qual os restantes Estados manifestam o seu entendimento de que uma determinada
entidade é um Estado. Quanto a identificar os efeitos que este acto unilateral acarreta,
surgem as teorias da eficácia declarativa e da eficácia constitutiva:
o Teoria da eficácia declarativa – assume-se que a entidade que se vai reconhecer
já existe enquanto tal, não passando o reconhecimento de um atestado
subjectivo da parte de outro Estado. Assim, diz-se que o Direito Internacional
regula minuciosamente os pressupostos de formação de um novo sujeito
internacional e que, em termos jurídicos, a sua formação é automática: decorre
directamente do DIP, sem ser necessário qualquer acto.
o Teoria da eficácia constitutiva – assume-se que é o acto de reconhecimento que
atribui à entidade o seu estatuto de Estado ou a legitimidade para vincular um
Estado como seu Governo perante o autor do reconhecimento. Isto significa que
a personalidade jurídica de entidades colectivas depende sempre do
reconhecimento, nunca decorrendo directamente do Direito Internacional.
Apesar disso, entende-se que o Direito Internacional estabelece alguns limites
perante o reconhecimento, p.e. proibindo os reconhecimentos prematuros. Há

14
Esta não implica que o Estado possa ser titular de todos os direitos e deveres estabelecidos – basta
olhar para os Direitos Humanos

27
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

autores que, atendendo às consequências resultantes do não reconhecimento,


falam de um dever de reconhecer quer Estados, quer Governos.
Defensores de ambas as teorias assumem que o reconhecimento é um acto individual
que cria relações entre o Estado autor e a entidade reconhecida. Relativamente a
sujeitos menores, estes assumem que o seu reconhecimento teria carácter constitutivo.
Através do reconhecimento de um Estado, é alargada a sua capacidade de gozo. Isto
significa que, em regra, o reconhecimento torna Estado aquilo que antes era um
aparelho de poder do movimento armado. A questão está em saber se este
reconhecimento tem, ainda assim, efeitos constitutivos. A resposta depende dos casos.

Casos de eficácia declarativa


Não podemos assumir que o reconhecimento tem sempre efeitos constitutivos, pois isso
seria dizer que não pode existir qualquer direito à independência e que, assim, um Povo
nunca teria direito a constituir um Estado, mesmo que houvesse para isso
consentimento por parte do Estado com jurisdição sobre si. Não sendo tal solução lógica,
o reconhecimento – nestes casos – será declarativo15. Esta solução impede a ideia de
que os Estados teriam um direito de veto sobre todo o surgimento de novos Estados,
o que mostraria ser um retrocesso para o DIP. Neste tipo de situações, o
reconhecimento torna-se irrelevante – opera a aplicação automática. Também não é
necessário reconhecimento se estivermos perante a dissolução de um Estado federal
(quer por decisão do mesmo quer por decisão dos Estados federados). Para lá destas
situações, podemos falar de aplicação automática sempre que haja acordo entre as
entidades interessadas.
Existindo efectividade e consentimento, só não se formará um novo Estado se tal
resultar na violação de uma norma de ius cogens – situação em que a sua constituição
seria nula. Dado o reconhecimento, este retroage até à data em que se verificaram
preenchidos todos os respectivos requisitos. O Estado deixa de ser uma organização
armada efectiva, passando a gozar de um título jurídico relativamente ao território
que controla. Esse título pode ser baseado num direito atribuído pelo Direito
Internacional ou baseado no consentimento do Estado titular de direitos em relação ao
território em causa.

Casos de eficácia constitutiva


O reconhecimento também pode ter efeitos constitutivos. É o que se verifica nos casos
de uma entidade com direito de secessão (máxime, um Povo colonizado), de um
território ocupado cujo Povo é titular do direito de autodeterminação ou perante a
dissolução do Estado preexistente.
Este reconhecimento pode ser isolado – advém de um único Estado – ou comunitário –
advém da grande maioria dos Estados da Comunidade Internacional. Este
reconhecimento colectivo pode resultar de uma acto colectivo (resultado da actividade
de um órgão como a Assembleia Geral das Nações Unidas) ou por meio de uma
conferência internacional. Neste segundo caso, exige-se o apoio de mais de dois terços

15
Dissolução da Checoslováquia, 1 de Janeiro de 1993

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

dos Estados presentes. O reconhecimento não ocorre se a ele se opuser uma grande
potência – um dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações
Unidas. Cabe assinalar que o reconhecimento de um Estado é da competência da
Comunidade Internacional – o conjunto dos Estados – e não das Nações Unidas. Isto
não impede obter o reconhecimento geral por via de reconhecimentos individuais. A
relevância do reconhecimento comunitário resulta de este ser um poder público,
vinculativo mesmo perante os Estados que nele não participaram ou a ele se opuseram.
Este admite relevância erga omnes, ao contrário do que acontece com o
reconhecimento isolado: apenas é vinculativo para os seus autores. Esta realidade é
suportada pela jurisprudência e pela prática internacional. Havendo um
reconhecimento comunitário, o reconhecimento isolado posterior torna-se irrelevante,
sendo meramente declarativo.

RECONHECIMENTO DO GOVERNO
Tem-se por Governo o sistema de órgãos políticos e o respectivo título jurídico de um
e
Estado. Esses órgãos representam os indivíduos cujos actos são automaticamente
imputáveis ao Estado. Essa imputação acontecerá mesmo que o órgão abuse das suas
competências. Disso resulta que, quando o indivíduo em causa é substituído, a mudança
do órgão não faz mudar a sua competência. Nesses casos muda apenas o indivíduo
investido das suas competências. Conclui-se, assim, que o Direito Internacional não
distingue entre órgãos e agentes – todos os actos de indivíduos ao serviço de um Estado
são a ele mesmo imputáveis. Assim faz sentido ser, visto que os órgãos do Estado são o
próprio Estado e que só a partir do momento em que estes órgãos estão constituídos
é que o Estado passa a existir e a ter uma personalidade oponível erga omnes. O
desaparecimento dos órgãos do Estado faz com que este se resuma a uma ficção de
continuidade jurídica – dá-se a suspensão da sua personalidade internacional.
Distintos dos órgãos são os meros representantes – as suas acções só vincularão o
Estado se estiverem enquadradas no âmbito dos seus poderes. Isto implica que haja
uma comunicação expressa aos interessados e que seja claro o estatuto de
representante – é este raciocínio que subjaz ao regime do plenipotenciário.
A questão de reconhecimento do Governo é uma questão de legitimidade
internacional. O fundamento do poder dos governantes de um Estado começou por ser
tido como uma questão interna. Hoje em dia, esta questão sofre limites ao nível
internacional. Esta é a questão de fundo do reconhecimento do Governo, que só se
coloca quando há uma ruptura na Ordem Constitucional do Estado. Curiosamente, o
esclarecimento desta temática tem levado ao desaparecimento desta figura de
reconhecimento do Governo.
Da prática da Sociedade das Nações e das Nações Unidas resultava que o elemento
essencial tradicional da constituição de um Governo era a efectividade do seu poder
sobre o território e o Povo que compunham o Estado de que pretendia ser órgão. Foi
este o raciocínio subjacente à Doutrina Estrada – defensora da legitimidade automática
dos Governos efectivos, independentemente do modo como adquiriram o poder. O
reconhecimento do Governo é por esta Doutrina tido como uma ingerência nos

29
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

assuntos internos, sendo qualquer outro Estado obrigado a aceitar os Governos


efectivos de outros. A posição dominante atingia as mesmas conclusões: falava-se do
carácter declarativo do reconhecimento do Governo, baseado na sua efectividade.
Desde os anos 80 que a Doutrina Estada é dominante na prática internacional. Parece
que, desde finais dos anos 70, os Estados deixaram de reconhecer expressamente
Governos, limitando-se a reconhecer Estados. Só em específicas situações de conflitos
armados ou de necessidade de esclarecimento tem o reconhecimento do Governo
mostrado utilidade. De resto, os Estados limitam-se a manter relações diplomáticas
com o novo Governo, o que quanto muito pode mostrar-se como um reconhecimento
tácito.
Apesar de a efectividade ser hoje tida como critério para converter automaticamente
um grupo de indivíduos ao Governo de um determinado Estado, há limitações feitas a
este critério que assumem natureza de normas de Direito Internacional. Um Governo
não será reconhecido se a sua efectividade tiver por base a violação de normas de ius
cogens – a sua efectividade será desconsiderada.
o Situações em que o Governo foi instituído com intervenção bélica ilícita;
o Situações em que há administração por um Estado de um território enquanto
potência colonial (o que inclui territórios ocupados);
o Situações em que a manutenção do Governo por via de um sistema de
descriminação racial sistemática.
A partir da década de 90, com o fim da Guerra Fria, fala-se de um não reconhecimento
democrático, que passa pela legitimação dos Governos por via do voto popular.
Enquanto o Governo efectivo detiver o controlo sobre uma significativa parte do
território, qualquer reconhecimento de um outro Governo será considerada uma
ingerência nos assuntos internos. No caso de Governos impostos através do racismo
ou por intervenção colonial fala-se hoje num dever de não reconhecimento. Se se nega
o reconhecimento a ambas as delegações, o Estado não tem representação
internacional até que se altere politicamente. Apesar de não ser possível revogar
reconhecimentos, é possível que um Governo perca o seu título jurídico como tal, sem
que haja uma ruptura constitucional. se o não reconhecimento tem por base normas
de ius cogens, os actos do Governo em causa são inválidos.

DIREITOS E PRERROGATIVAS ESTADO


O Direito Internacional tem procurado definir direitos e deveres fundamentais dos
Estados (na óptica do Professor Jorge Miranda, equivalentes ao que em Direito
Constitucional chamamos direitos, liberdades e garantias).
Temos, por um lado, princípios e regras relacionadas com a existência, independência
e participação jurídico-internacional dos Estados. Estes são os que constam da Carta
das Nações Unidas. Por outro, existem ainda princípios e regras que procuram
estabelecer condições concretas dessa existência, do seu desenvolvimento e do seu
acesso ao progresso material e cultural. Estes, por sua vez, contam da Carta de Direitos
e Deveres Económicos dos Estados, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas
em 1974.

30
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Retiramos desde logo do art 2º CNU três direitos essenciais: direito à igualdade jurídica
(nº1), direito à independência política (nº2) e direito à integridade territorial (nº4).
Destes princípios retiram-se vários corolários:
o Direito de definição das regras de atribuição de cidadania;
o Direito exclusivo de execução autoritária das leis no seu território;
o Direito de aplicação de sanções aos infractores das suas leis;
o Direito de definição das formas de vinculação internacional por tratado;
o Direito de escolha de forma de organização política, económica e social interna;
o Direito à presunção da regularidade dos seus actos e documentos;
o Direito à imunidade internacional dos órgãos e representantes diplomáticos;
o Direito de protecção diplomática dos seus cidadãos no estrangeiro;
o Direito de participar no reconhecimento de outros sujeitos de Direito
Internacional
Também do art 2º CNU se retiram vários deveres dos Estados:
o Dever de agir de boa-fé nas relações internacionais;
o Dever de solução pacifica de conflitos;
o Dever de se abster do uso da força;
o Dever de respeitar a independência e a integridade territorial dos outros
Estados;
o Dever de não assumir obrigações contrárias à Carta;
o Dever de respeitar as imunidades dos outros Estados;
o Dever de protecção das pessoas e dos bens dos estrangeiros no seu território
Actualmente, a soberania dos Estados precisa de ser garantida não só face aos outros
Cabe referir a existência de uma imunidade jurisdicional – um Estado (tal como os seus
representantes) não pode ser julgado por um órgão de soberania de Estado diferente.
Tal seria entendido como um acto de represália. Esta imunidade resulta de norma
costumeira, tendo em 2004 sido integrada na Convenção das Nações Unidas sobre as
Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens. O Professor Eduardo Correia
Baptista diz que esta imunidade tem sido, por vezes, derrogada. A própria Convenção,
no seu art 8º, inclui algumas excepções.

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO


A responsabilidade do Estado, tal como acontece no resto do sector jurídico, envolve
quatro elementos: comportamento, imputação, dano e nexo de causalidade. Assim,
diz-se que só activa a responsabilidade uma acção ou omissão, imputável (neste caso)
ao Estado, que cause prejuízo moral ou patrimonial a outro e que tenha relação com o
dano. A conduta, no caso da responsabilidade do Estado, pode assumir diferentes
configurações:
Por acção Por omissão
Directa – deriva do comportamento dos próprios órgãos Indirecta – deriva do comportamento de agentes
ou agentes do Estado de outras entidades públicas e até de particulares
Por actos de Direito Internacional ou por ele regulados Por actos de Direito interno
Por actos no interior do território Por actos verificados no território de outro Estado
Em tempo de paz Em tempo de guerra

31
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Também particulares podem praticar actos que acarretem responsabilidade do Estado


a que pertencem. É o que se verifica, p.e., no caso de perturbações públicas que afetem
a representação ou cidadãos de Estados estrangeiros. O mesmo se aplica a grupos
armados que actuem no interior do Estado. A responsabilidade indirecta pode também
dizer respeito a danos ambientais graves.
O lesado pode também ser um particular. Não gozando ele de subjectividade
internacional, é necessário obter a mediação do Estado por via da protecção
diplomática. No entanto, se estivermos no âmbito da protecção internacional dos
direitos do homem, o Estado fica obrigado a indemnizar o seu cidadão.
A legítima defesa, o consentimento da vítima, a força maior e o estado de necessidade
são causas de exclusão de ilicitude, mas não exoneram o Estado do dever de indemnizar.

EXTINÇÃO DO ESTADO
A extinção de um Estado verificar-se-á quando ocorrerem determinadas alterações que
o afectem e que impliquem, à luz do Direito Internacional, o fim da sua personalidade
e a consequente extinção de pelo menos parte dos seus direitos e obrigações,
passando a restante parte para a titularidade de um outro Estado que o Direito
Internacional considere como distinto (sucessão do Estado).
As alterações que levam ao fim do Estado não recaem sobre o Estado em si, mas sim
sobre o poder do mesmo sobre os seus dois pressupostos – o território e o Povo. São
causas normais de extinção de um Estado a sua integração voluntária no seu de um
outro, a sua fusão com outro estado ou a sua dissolução em vários Estados novos.
A grande dúvida está na definição de continuidade ou sucessão: cabe saber se os
direitos e obrigações que eram imputáveis ao Estado continuam ou não a vigorar. Se
estivermos no âmbito de extinção e continuidade, todos os direitos e obrigações se
mantêm inalterados. Por contrário, se estiver em causa a extinção e sucessão em
relação a um Estado distinto, várias das situações jurídicas que integravam a esfera do
Estado predecessor extinguem-se com este.
Pode ainda verificar-se a suspensão da existência do Estado: não é provocada qualquer
alteração definitiva na sua situação jurídica, mas os direitos e obrigações do Estado, tal
como a sua personalidade jurídica, ficam suspensos. No que toca às obrigações, o
Estado poderá depois invocar a sua suspensão como causa do incumprimento.
Terminada a situação de suspensão, o Estado retoma a sua existência jurídica normal,
mantendo todos os seus direitos e todas as suas obrigações. Constitui causa de
suspensão a ocupação total do seu território por outra entidade sem que seja
constituído um Governo no exílio bem como o colapso da sua administração por força
de um conflito armado interno – Estados falhados. Durante a suspensão, regra geral,
os direitos desse Estado não são exercíveis, salvo os que possam ser invocados pela
própria população a qualquer momento. O seu Povo mantém o princípio de
autodeterminação.

SUCESSÃO DO ESTADO

32
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

A sucessão do Estado pode ter origem na cessação da soberania ou administração de


um Estado relativamente a certo território ou na cessação da própria soberania do
Estado. Esta vem a assumir maior importância a partir do século XX, com a
desagregação dos impérios marítimos e continentais. A questão é a de saber quais as
consequências da mudança de estatuto jurídico-político do território e da comunidade
que nele habita.
A questão da sucessão do Estado levanta inevitáveis tensões entre o princípio da
soberania e a segurança jurídica, entre vontade de transformação e exigência de
conservação. Há, apesar disso, alguns pontos assentes:
o A mudança de soberania implica a mudança da cidadania dos habitantes desse
território;
o As fronteiras em relação a territórios exteriores não são alteradas;
o O Estado sucessor adquire de forma automática a propriedade dos bens públicos
presentes no território de titularidade do estado predecessor;
o O Estado sucessor é livre de revogar ou modificar as leis internas. As novas leis
não podem, no entanto, violar o Direito Internacional.
A grande questão que se coloca é relativa aos tratados: fica o Estado sucessor vinculado
aos tratados já vigentes que abrangem o território em causa? A resposta é dada pela
Convenção de Viena de 1978, através de princípios de carácter geral e de princípios
aplicáveis em determinadas situações.

PRINCÍPIOS DE CARÁCTER GERAL PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS


- Em caso de mudança de soberania dá-se a cessação da
vigência de tratados do Estado predecessor e extensão da
- Subsistência das obrigações enunciadas em qualquer
vigência do Estado sucessor (art 15º CVDT);
tratado que decorram do DIP (art 5º CVDT);
- Havendo formação de novo Estado por independência,
- Continuidade de tratados territoriais (arts 11º e 12º
não há continuidade dos tratados vigentes (art 16º CVDT);
CVDT);
- Dando-se a fusão de dois ou mais Estados, há a
- Possibilidade de, por tratado, conceder ao Estado
continuidade dos tratados vigentes nos respectivos
sucessor direito de opção quanto à eventual participação
territórios (art 31º CVDT);
nesse tratado (art 4º CVDT)
- Em caso de desmembramento, há também continuidade
em relação a cada Estado sucessor (art 34º CVDT);

É raro, mas possível, o efeito de reversão – o Estado predecessor recupera o seu antigo
território, transformando-se em Estado sucessor daquele que antes lhe havia sucedido.

Organizações internacionais
Cedo surgiu a necessidade de criar instituições internacionais com vista a dar tornar
permanentes certas formas de cooperação entre os Estados fora do âmbito das
associações. Assim surgem as primeiras organizações internacionais. O movimento
acaba por se alargar, multiplicando-se ao longo do século XX as organizações
existentes. O Direito Internacional move-se pela equiparação da personalidade das
organizações internacionais à personalidade dos Estados, pelo que estas se têm como
autónomas perante os Estados que as constituem. Para além disso, não são os Estados
responsáveis pelas dívidas destas organizações, nem mesmo quando há uma total
impossibilidade de as pagar.

33
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Uma organização internacional constitui uma associação intergovernamental criada


por Estados ou por outras entidades criadas por Estados, por meio de tratado, dotada
de personalidade internacional e regulada pelo DIP ou por direito criado no seu
tratado constitutivo. Distinguem-se:
o Das organizações não governamentais – estas são criadas por meros
particulares, tal como acontece com as empresas multinacionais;
o Das organizações criadas por Estados, mas que se sujeitam ao Direito interno
de um deles – estas são tidas como sujeitos menores de Direito Internacional;
o Das conferências internacionais – estas não têm personalidade internacional;
o Das associações de Estados - ?
As organizações internacionais podem ser universais16 – compreendem todos os
Estados – ou regionais17 – apenas compreendem parte dos Estados, determinados em
função de critérios geográficos, políticos, culturais, etc.

ATRIBUIÇÕES, PODERES E IMUNIDADES


Atribuições
São as atribuições das organizações internacionais que, em rigor, definem os seus
poderes. Decorre do princípio da especialidade que as organizações internacionais são
criadas para prosseguir atribuições estabelecidas pelos seus membros. Assim, os
poderes das organizações só podem ser utilizados para prossecução das suas
atribuições, sob pena de estarmos perante actos ultra vires – inválidos entre as partes,
mas cuja invalidade é inoponível a terceiros.
A determinação das atribuições é exclusivamente feita pelas partes do tratado
constitutivo, pelo que o Direito Internacional Costumeiro não estabelece limites a essas
atribuições. Estabelece, sim, um regime próprio para as organizações internacionais –
o ultrapassar das atribuições e poderes próprios das organizações leva a que se altere a
sua classificação e, assim, o seu regime jurídico. Os únicos limites impostos pelo Direito
Internacional são impostos ao nível da autodeterminação dos Povos.
A título exemplificativo:
o Atribuições de manutenção política da paz - ONU
o Atribuições de carácter militar - NATO
o Atribuições de domínio humanitário – Conselho da Europa
o Atribuições de domínio económico - FMI
o Atribuições de domínios técnicos, científicos e culturais – OMS e UNESCO

Poderes
Os poderes, tal como as atribuições, dependem do tratado constitutivo da organização
e, assim, das Partes que o elaboraram. Ao contrário do que se passa com os Estados, as
organizações internacionais são dotadas de poderes meramente funcionais, dado que
estas são criadas par prosseguir os interesses dos Estados que as constituem. Desta
feita, estas não dispõem de verdadeiros direitos e não têm interesses seus.

16
Exemplo paradigmático (ECB) – Nações Unidas
17
Exemplo paradigmático (ECB) – Conselho da Europa

34
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Das normas internacionais relevantes para a interpretação de um tratado constitutivo


no âmbito da interpretação dos tratados constitutivos, destaca-se o princípio dos
poderes implícitos – se um tratado constitutivo de uma dada organização estabelece
uma atribuição para sua prossecução, deve entender-se que a teleologia desse
estabelecimento impõe que lhe seja reconhecido tal poder. É de notar que este princípio
não permite reconhecer novos poderes – existe para isso a possibilidade de emenda do
tratado constitutivo.

Imunidades
No que toca às imunidades, estas são baseadas na ideia de necessidade funcional, pelo
que são reconhecidas as imunidades que se revelem necessárias ao eficaz desempenho
das funções da organização. Está consagrada, em relação às Nações Unidas e às
organizações de atribuições especiais do seu sistema nas convenções multilaterais de
46/47, uma concepção absoluta de imunidades – a personalidade e bens destas
organizações são imunes perante qualquer tribunal de um Estado parte, a menos que a
organização tenha consentido no exercício da jurisdição. As suas instalações são
invioláveis. A dúvida coloca-se quanto ao regime aplicável a organizações internacionais
perante os Estados não membros. A solução passa pelo Direito Internacional
Costumeiro: as organizações internacionais de carácter universal gozam de imunidades
e esta concepção deve ser alargada às organizações internacionais regionais (ECB). Estas
imunidades decorrem da personalidade internacional da organização e, de forma mais
ampla ou mais restrita, têm sido consagradas nos tratados constitutivos.
Cabe saber se há actos que se excepcionem destas imunidades. Apesar de os
precedentes destas apontarem para o seu carácter absoluto, a verdade é que o
decorrer do tempo fez dessa uma má solução – o contínuo aumento do número de
organizações internacionais bem como o constante alargar das suas actividades faz com
que, adoptando esse preceito, as organizações deixem de responder normalmente
pelos seus actos perante verdadeiros tribunais.
Em conclusão: na falta de tratado em contrário, as organizações que possam por a sua
personalidade a um Estado gozam de imunidades relativas à luz do Direito Internacional
Costumeiro, bem como de alguns privilégios.

EXTINÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


A mais lógica causa de extinção de uma organização internacional será qualquer factor
que impeça a vigência do seu tratado constitutivo. O modo mais frequente é, por isso,
a revogação do tratado pelas partes. Na falta de disposição em contrário, esta
revogação é feita mediante voto de unanimidade. Outra das causas para a extinção de
uma organização internacional é a caducidade – decorrência do tempo durante o qual
era suposto a organização internacional subsistir. Também é caso para a extinção da
organização a impossibilidade superveniente de prossecução das atribuições da
organização, seja por extinção do objecto ou por alteração das circunstâncias.
Ao contrário do que sucede em relação aos Estados, não parece que o Direito
Internacional estabeleça qualquer efeito sucessório automático a favor de outra
entidade aquando da extinção de uma organização internacional. O candidato mais

35
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

lógico seria uma outra organização que prosseguisse um fim idêntico ao da que agora
se extingue, mas não é possível considerar que esta segunda adquira o património ou
outros direitos da primeira. Assim sendo, devem os activos ser distribuídos pelos
membros nos termos previstos no tratado ou, em falta deste, com atenção às
contribuições anuais por eles feitas para a organização.
Mesmo se uma interpretação actualista do tratado constitutivo se concluir que os
activos deverão ser entregues a uma nova organização com as mesmas atribuições e
com os mesmos membros, não poderemos falar em efeito sucessório.

As principais organizações internacionais


(…)

EM ESPECIAL – A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)


Tal como havia acontecido com a Sociedade das Nações, a ONU é marcada por
circunstâncias de guerra. Na preparação do projecto da Carta das Nações Unidas (seu
tratado constitutivo) tiveram especial importância os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e
a antiga URSS. A mesma foi aprovada a 26 de Junho de 1945 – ainda antes do fim da
Segunda Guerra Mundial – tendo entrado em vigor a 25 de Outubro do mesmo ano.
Foram considerados membros originários apenas os Estados signatários da Declaração
das Nações Unidas (1942); declaração na qual se proclamaram os princípios da
Organização). Vivíamos, em termos históricos, o momento de afirmação dos EUA e da
URSS como potências dominantes.
A ONU foi desde logo investida de poderes jurídicos que lhe permitiam tratar todos os
problemas mundiais, tendo uma estrutura orgânica mais aperfeiçoada que a da
Sociedade das Nações. A Carta que a constitui foi desde logo concebida como conjunto
de valores orientadores das relações entre os Estados.
Só os Estados podem ser membros das Nações Unidas e esta organização tem primazia
sobre todas as outras. Entre os membros da Organização, cabe distinguir os originários
dos admitidos (aqueles que, aos olhos da Organização, são capazes de cumprir as
obrigações a que se propõem). A admissão dos Estados, tal como a sua extinção em
caso de violação de um dos valores presentes na Carta, compete à Assembleia Geral
(sendo o processo precedido de recomendação por parte do Conselho de Segurança).
Os Estados que não cumprirem com as obrigações impostas pela Organização perdem o
seu direito de voto. É através dos seus representantes diplomáticos que os Estados se
fazem representar na ONU, integrando os seus órgãos deliberativos.
São órgãos da Organização das Nações Unidas: a Assembleia Geral, o Conselho de
Segurança, o Conselho Económico e Social, o Conselho de Tutela, o Tribunal
Internacional de Justiça e o Secretário-Geral.
Assembleia Geral
É o órgão de participação de todos os Estados em pé de igualdade, sendo
essencialmente um local de debate. É, nas palavras do Professor Jorge Miranda, o
“órgão orientador de toda a vida da Organização”. Esta dispõe de competências
genéricas – relações internacionais em geral, não sendo os actos praticados ao seu

36
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

abrigo dotados de força jurídica vinculativa – e de competências específicas – vida


interna da Organização.
A Assembleia Geral pode discutir quaisquer assuntos que caibam nas finalidades da
ONU, como resultado do art 10º da Carta, estando essas finalidades elencadas nos
artigos seguintes. São suas competências específicas – e exclusivas – as destacadas nos
arts 15º; 17º; 23º; 61º; 63º; 96º; nº 2; 101º e 108º da Carta das Nações Unidas. Esta
detém ainda competências específicas que partilha com o Conselho de Segurança,
sendo estas as presentes nos arts 4º; 5º; 6º; 97º; 93º, nº 2 da Carta e no art 4º do
estatuto do TIJ.
Cada Estado tem na Assembleia direito a um voto – art 18º, nº 1. As deliberações mais
importantes (enunciadas pela Carta) são tomadas por 2/3 dos membros presentes e
votantes. As restantes são-no por maioria simples.

Conselho de Segurança
É o órgão ao qual cabe a responsabilidade principal na manutenção da paz e da
segurança internacionais – art 24º CNU – estando os membros da Organização adstritos
a aceitar e aplicar as suas decisões. Este Conselho é composto por 15 membros, dos
quais 5 são membros permanentes – China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e
Rússia. Os restantes são escolhidos de dois em dois anos. Este Conselho tem
funcionamento permanente.
Sobre questões processuais, exige-se o voto afirmativo de 9 dos 15 membros (art 27º
CNU); sobre questões não processuais, é também exigido o voto favorável de 9
membros, incluindo os votos dos membros permanentes. Esses membros
permanentes dispõem do poder de veto – voto contrário - que só não existe nos casos
exceptuados pela Carta – art 109º, nº 3 + art 10º ETIJ. Na prática, este veto é um duplo
veto, uma vez que a qualificação de uma questão como processual ou não processual é,
ela própria, considerada uma questão não processual sujeita a veto.
Prevalece, neste Conselho, o princípio da supremacia dos membros permanentes.

Conselho Económico e Social


Este Conselho é composto por 54 Estados-membros, eleitos pela Assembleia Geral por
um período de três anos, com renovação anual de um terço desses membros – art 61º
CNU. Cada membro tem um voto e as deliberações são tomadas por maioria dos
membros presentes e votantes – art 67º CNU. Representantes de organizações
internacionais podem participar, sem voto, nas reuniões do Conselho.
As tarefas do Conselho Económico e Social estão presentes nos arts 62º e seguintes da
Carta das Nações Unidas.

Tribunal Internacional de Justiça


O Tribunal Internacional de Justiça não é o único órgão jurisdicional parauniversal18,
até porque a Carta prevê a celebração de acordos que permitam que se confie matéria

18
Tribunal Internacional de Direito do Mar, Tribunal Penal Internacional

37
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

a outros tribunais. Seja como for, é clara a predominância do TIJ na Comunidade


Internacional.
O Tribunal em análise tem dois tipos de competência: contenciosa – que lhe permite a
decisão de litígios – e consultiva – associada à possibilidade de emitir pareceres a pedido
de outros órgãos. Este é composto por 15 juízes, eleitos pela Assembleia Geral e pelo
Conselho de Segurança por um período de 9 anos. A sua eleição exige maioria absoluta
em ambos os órgãos mencionados. Geralmente, o funcionamento do tribunal ocorre
em plenário, mas pode também funcionar em câmaras. Sendo os litígios problemas
entre Estados, apenas estes têm acesso ao Tribunal. No entanto, não precisam de ser
membros integrantes da ONU para que tal aconteça.
A jurisdição do TIJ é facultativa, o que significa que o Tribunal só analisará questões que
a ele são trazidas. Pode, no entanto, tornar-se obrigatória – qualquer Estado parte no
estatuto pode reconhecer como obrigatória em relação a outro Estado que aceite a
obrigação a jurisdição do Tribunal. Fala-se da cláusula facultativa de jurisdição
obrigatória, que se mostra uma excepção aos arts 18º e 27º CNU. Portugal aceitou em
1955 esta jurisdição obrigatória, tendo a sua amplitude sido restringida em 2005. Hoje,
podemos dizer que o Estado Português só aceita jurisdição obrigatória perante os
Estados que também a aceitem.
O processo do Tribunal é feito de uma parte escrita e de uma parte oral, sendo as
audiências públicas (a menos que o Tribunal decida o contrário). As decisões proferidas
pelo TIJ são inalteráveis e inapeláveis, pelo que o pedido de revisão da decisão apenas
pode ser feito se se houver descoberto factos que sejam decisivos para o litígio. Se uma
das partes do litígio deixar de cumprir com as obrigações que lhe cabem por sentença
do Tribunal, pode a outra parte recorrer ao Conselho de Segurança para que este tome
medidas.
A competência consultiva do Tribunal versa sobre quaisquer questões jurídicas, sendo
exercida a pedido da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança. Se a Assembleia
assim autorizada, pode também ser exercida a pedido de outros órgãos da ONU – é uma
competência interna, circunscrita à “família das Nações Unidas”. Estes pareceres são de
extrema importância. Em caso de conflitos entre Estados e organizações internacionais
no âmbito de Tratados, o parecer que o TIJ poderá elaborar (parecer a solicitar o
respeito pelos princípios gerais da Carta) terá carácter decisivo, ou seja, vinculativo. O
TIJ detém ainda uma função específica na interpretação e aplicação do ius cogens, que
lhe é atribuída por via das Convenções de Viena.

O indivíduo como sujeito de Direito Internacional


O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Se em Direito constitucional falamos em direitos fundamentais, em Direito Internacional
falamos em direitos do homem ou em direitos da pessoa humana. Procura-se através
destes, estabelecer um conjunto de Direito comum da humanidade.
A protecção internacional dos Direitos do Homem é uma das modalidades de protecção
das pessoas através do Direito Internacional. É nela que hoje se enquadra a protecção

38
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

das minorias19. A seu lado, porém, subsistem a protecção diplomática, a protecção


humanitária e a protecção dos refugiados.
o Protecção internacional dos direitos do homem – associa-se essencialmente ao
papel da Cruz Vermelha, que surge para proteger militares postos fora de
combate e populações civis. Os seus princípios aplicam-se hoje não só a conflitos
armados, mas também a catástrofes naturais e tecnológicos;
o Protecção diplomática – destina-se a permitir a cada Estado defender as pessoas
e os bens dos cidadãos relativamente aos Estados estrangeiros em que eles se
encontram. Esta protecção implica relações entre Estados;
o Protecção humanitária – refere-se a situações de extrema necessidade, em que
está em causa a sobrevivência das pessoas. Ao contrário da protecção
diplomática, caracteriza-se pelo ultrapassar dos elementos políticos e pela
consideração das pessoas independentemente de quaisquer outros factores.
Está em causa a solidariedade humana;
o Protecção dos refugiados – está em causa uma relação fortíssima entre Estados,
com vista à liberdade de deslocação, à possibilidade de acolhimento e às
garantias contra o arbítrio. A ONU dispõe de um Alto Comissário para os
Refugiados.
A protecção dos direitos do homem começou por ser feita através de uma merda
declaração de direitos, sem concretização prática. Com o tempo, estes direitos
passaram a estar consagrados em tratados, aplicáveis nas ordens jurídicas internas.
Evoluiu-se depois para a possibilidade de invocação destes direitos perante os
tribunais dos Estados, chegando depois a possibilidade de invocação perante instâncias
internacionais. Hoje, temos já a criminalização internacional das violações mais graves
aos direitos da pessoa humana.
A nível internacional, a intervenção da ONU tem sido decisiva para a evolução desta
protecção internacional. A esta juntam-se a OIT e a UNESCO, bem como a OMS e a
UNICEF.
o OIT - contém uma verdadeira declaração dos direitos dos trabalhadores. Fala-se
na fixação de um limite máximo de horas de trabalho, na luta contra o
desemprego, na garantia de um salário justo e na protecção dos trabalhadores.
A concretização destes princípios é feita por via de convenções e por via de
recomendações.
o UNESCO – associa-se à construção da paz, sendo a sua actividade intimamente
ligada com o progresso da educação, da ciência e da cultura.
Já a nível regional, destacam-se:
o As acções do Conselho da Europa;

19
A necessidade de proteger as minorias vem de muito longe, bastando para isso relembrar o tratamento
dos judeus na Idade Média. Apesar disso, só a partir da Primeira Guerra Mundial se começou a atribuir-
lhe importância. Está em causa a necessidade de reconhecer aos cidadãos integrantes destas maiorias os
mesmos direitos e as mesmas condições que são reconhecidas a todos os outros. A competência para
esta protecção costumava caber ao Conselho, mas a partir da Segunda Guerra Mundial passa a falar-se
da criação de regras multilaterais gerais.

39
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o A Carta da Organização dos Estados Americanos e a Convenção Interamericana


dos Direitos do Homem de 1969;
o A protecção dos direitos do homem no âmbito das Comunidades Europeias e a
Carta de Direitos Fundamentais da UE;
o A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981;
o A Declaração dos Direitos do Homem do Islão
Há uma grande dificuldade de efectivização dos instrumentos de carácter geral das
Nações Unidas, devido à grande disparidade filosófica, ideológica e cultural, bem como
aos conflitos políticos internacionais.

NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS DO HOMEM


Estas normas têm por objecto não as relações interestatais, mas as relações entre os
Estados e os respectivos cidadãos ou outras pessoas sujeitas ao seu poder. Em termos
gerais, podemos distinguir uma função de garantia e de reforço das normas já
consagradas no Direito interno e uma função directiva.
Aos tratados de direitos do homem aplicam-se os princípios gerais, falando-se p.e. da
interpretação à luz do princípio do tratamento mais favorável e à luz de um princípio de
progressividade, bem como da proibição ou admissibilidade muito restrita de reservas
nos tratados que versem sobre esta matéria. Acrescenta-se o facto de algumas
Constituições – como a nossa – contemplarem cláusulas abertas (art 16º, nº 1) que
permitem uma maior protecção.
Também estes direitos podem ser suspensos em caso de estado de necessidade, mas
essas derrogações estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade e não podem
atingir certos direitos fundamentais, dado que estes integram já o ius cogens. Conclui-
se que o Direito internacional dos direitos do homem se vai automatizando do Direito
Internacional, transformando-se num sistema marcadamente objectivo, dominado pelo
direito multilateral, através do qual se procura um “mínimo ético”.

INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM


Dentro destas formas internacionais de protecção cabe distinguir as formas
institucionais das formas não institucionais:

FORMAS INSTITUCIONAIS FORMAS NÃO INSTITUCIONAIS


- Apreciação de relatórios dos Estados sobre o - Informações recíprocas dos Estados
cumprimento das suas obrigações - Processos diplomáticos de comunicação
- Inquéritos - Processos relacionais de solução de conflitos
- Conhecimento de queixas de Estados
- Conhecimento de petições, comunicações ou
queixas de indivíduos o

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