Você está na página 1de 51

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

1. A sociedade internacional

Desde os primórdios de sua existência, o homem se agrupa em sociedade. Sociedade são grupos
de seres humanos que se identificam por uma série de características comuns: origem
hereditária, etnia, localização geográfica, idioma, religião, cultura, etc., sendo a família a sua
expressão mínima.

Uma vez reunido em sociedade, necessário se faz a criação de regras capazes de regular a
coexistência ordenada e pacífica entre os seres humanos que a integram.

Os agrupamentos sociais vão assim surgindo e se desenvolvendo nas mais diversas partes do
planeta. E à medida que esses conjuntos sociais vão se desenvolvendo (até se tornarem os
Estados atuais) e se intercomunicando (sobretudo na era das descobertas marítimas) surge a
necessidade de disciplinar as relações entre eles.

O Direito Internacional surge justamente da necessidade de se regulamentar essa nova realidade


social, que surge da interação entre Estados, organismos internacionais intergovernamentais e
indivíduos, o que se convencionou chamar de sociedade internacional.

2. Conceito de Direito Internacional Público

O Direito Internacional pode ser conceituado como o conjunto de princípios e regras jurídicas
que disciplinam a sociedade internacional, visando alcançar metas comuns da humanidade e, em
última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais.

O conceito visto, é bastante completo, tendo em vista abranger os três critérios historicamente
utilizados na conceituação do Direito Internacional, quais sejam:

a. critério dos sujeitos intervenientes: o Direito Internacional Público disciplina a atuação e a


conduta da sociedade internacional (conjunto formado por Estados, organizações internacionais
e indivíduos);
b. critério das matérias reguladas: o Direito Internacional Público visa alcançar as metas
comuns da sociedade internacional, quais sejam, a paz, a segurança e estabilidade das relações
internacionais; etc.;

c. critério das fontes normativas: o Direito Internacional Público consubstancias-se num


conjunto de princípios e regras jurídicas, costumeiras e convencionais.

3. Objeto do Direito Internacional Público

Do exposto até aqui, podemos concluir que o objeto do Direito Internacional Público consiste
no relacionamento entre os sujeitos da sociedade internacional.

Em torno deste objeto nuclear, orbitam temas de grande envergadura, os quais compete ao
Direito Internacional Público enfrentar, como por exemplo: a delimitação das competências de
cada Estado; a limitação do uso da força pelos sujeitos internacionais; a proteção de interesses
universais, como os direitos humanos e o meio ambiente) e a instituição de mecanismos de
apuração de responsabilidade no âmbito internacional.

4. Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado

Partindo da análise do objeto supra, podemos traçar uma linha distintiva entre o Direito
Internacional Público e o Direito Internacional Privado. Afinal, para que se possa conferir
autonomia a uma disciplina jurídica é essencial que tal disciplina possua um objeto próprio,
distinto daqueles dos quais se ocupam as demais disciplinas jurídicas.

Assim, focando no objeto, podemos dizer que o Direito Internacional Público é a disciplina
jurídica que se ocupa do relacionamento entre os sujeitos da sociedade internacional, enquanto o
Direito Internacional Privado, por seu turno é a disciplina jurídica que se ocupa da resolução das
questões que envolvem o conflito de leis no espaço. Destarte, o Direito Internacional Privado,
como aprofundaremos mais adiante, entre em cena quando, sobre uma mesma relação jurídica,
com conexão internacional, possam aparentemente incidir normas de mais de um Estado.

5. Evolução histórica
Não obstante autores como o Barão Serge Korff, insistirem na tese de que o Direito
Internacional é tão antigo quanto a civilização em geral, a grande maioria dos doutrinadores da
área concordam que suas manifestações mais singelas surgiram durante a Idade Média, quando
os feudos passaram a intercambiar mercadorias e a celebrar, entre si, alianças relacionadas,
sobretudo, às questões relacionadas à segurança, muitas vezes intermediado pela Igreja.

Todavia, o Direito Internacional como hoje conhecemos surge no final do século XIV, com o
surgimento dos Estados. Neste período foi de extrema relevância a obra do Holandês de Delft,
Hugo Grotius (1586-1645), que conferiu status científico à disciplina jurídica. Assim, temos
como elemento inicial e primordial do Direito Internacional o surgimento do Estado, que até o
século XX era considerando o único sujeito desta modalidade de Direito (esta concepção,
todavia, é superada a partir da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento das chamadas
organizações internacionais intergovernamentais).

São considerados marcos históricos do surgimento do Direito Internacional, Os Tratados de


Westfália e o fim da Guerra dos 30 anos. Os Tratados de Vestfália ( o de Münster, assinado por
Estados católicos; e o de Osnabrück, assinado por Estados protestantes) colocaram fim à
Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) onde Estados europeus católicos e protestantes se
digladiaram, com a vitória destes, desencadeando substancial declínio do poder e influência da
Igreja Católica sobre os Estados, que passaram a se condicionar exclusivamente à autoridade
civil de seus governantes, donde advém a idéia de soberania nacional e de igualdade formal
entre os Estados. A partir da soberania estatal, passa a ganhar ênfase o Direito Internacional
Público, como conjunto de regras voltadas a disciplinar a relação entre os Estados soberanos –
até então, sujeitos únicos dessa modalidade jurídica.

6. A questão da soberania

Antes de tratarmos dos fundamentos do Direito Internacional Público, cumpre esclarecer um


pressuposto fundamental, qual seja, a questão da soberania.
O grande jurista Miguel REALE conceitua a soberania estatal como o "poder de organizar-se
juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos
limites dos fins éticos de convivência"

Do conceito acima exposto percebe-se que a soberania consiste num poder de auto-
determinação voltado para dentro do território estatal. Neste sentido é plenamente aceito que
nenhum Estado pode interferir na esfera de atuação interna de outro Estado, sob pena de ferir-
lhe a soberania. Assim, um Estado faz valer as suas leis, as suas decisões nos limites de seu
território. Mas, e no âmbito internacional? Como trabalhar o conceito de soberania nas relações
entre Estados igualmente soberanos, mas adstritos a uma ordem internacional?

Com certeza não se pode conceber a soberania como um poder absoluto quando analisada sob o
seu aspecto externo. O condicionamento de um Estado soberano a uma ordem jurídica
internacional está condicionado à aceitação deste Estado, que, por vontade sua, faz concessões
em favor do bom andamento das relações internacionais.

Destarte, para falarmos da existência de uma ordem jurídica internacional, temos que partir do
ponto de que sua existência se deve ao fato dos Estados aceitarem se vincular a elas,
submetendo-se às suas regras, sem que isso signifique abrir mão de sua soberania interna.

Assim sendo, é possível concluir que a soberania, no aspecto interno, relaciona-se à ideia de
poder absoluto de um Estado nos limites de seu território, enquanto que o conceito de soberania,
no aspecto externo (ou internacional) mais se aproxima da ideia de autonomia, posto que não se
trata de um poder absoluto, mas condicionado, tendo em vista a aceitação, o consentimento dos
Estados em atuarem nos estritos limites do regramento internacional (que se sobrepõe aos
Estados), como forma única possível de se estabelecer uma relação harmônica universal.

Como ensina Mazzuoli, "à medida que os Estados assumem compromissos mútuos em
convenções internacionais, que diminuem a competência discricionária de cada contratante, eles
restringem sua soberania", não sendo possível, então, falarmos em soberania como um poder
ilimitado sob o aspecto internacional.

7. Fundamentos do Direito Internacional Público

Sendo os Estados entes dotados de soberania e não havendo um poder central que se sobreponha
a eles nas relações internacionais, impondo a observância de normas jurídicas, o que justificaria
a existência de uma ordem jurídica internacional?

No sentido de responder a este questionamento, justificando a submissão dos Estados à ordem


jurídica internacional, surgem três doutrinas.

A primeira delas é a doutrina voluntarista. Por essa doutrina, o que justifica a submissão dos
Estados à ordem jurídica internacional é a própria manifestação de vontade por estes externada
quando aderem a um tratado ou convenção internacional, ou mesmo quando se sujeitam a
costumes internacionalmente estabelecidos. Critica-se esta doutrina por conferir prevalência à
vontade, em detrimento da segurança jurídica. Afinal a mesma manifestação de vontade que
vincula o Estado a determinada obrigação, poderia desvinculá-lo da mesma, caso não fosse mais
de sua vontade permanecer-se vinculado.

Já a doutrina objetivista defende que o que vincula um Estado às normas de Direito


Internacional são os princípios e regras superiores inerentes ao direito internacional, que
prevalecem sobre os ordenamentos jurídicos internos ou às vontades estatais. Uma espécie de
direito natural a pairar sobre a as relações internacionais.

Por fim, temos a teoria mista ou objetivista temperada, para a qual a obrigatoriedade da
observância das normas de direito internacional público pelos Estados se fundamenta no
princípio do pacta sunt servanda, pelo qual cada Estado, conforme a sua vontade, estaria livre
para celebrar ou aderir a tratados ou convenções internacionais, todavia, uma vez vinculados a
estas normas, teriam, em nome da boa-fé, obrigação de observá-las. Essa doutrina foi
consagrada no art. 26, da Convenção de Viena sobre tratados: “Todo tratado em vigor obriga as
partes e deve ser cumprido de boa-fé.”

8. Fontes do Direito Internacional Público

O Direito Internacional Público emana de diversas fontes, que a doutrina clássica em materiais e
formais.

Fontes materiais são circunstâncias ou fatos surgidos no âmbito da sociedade internacional e


que culminam na elaboração de normas jurídicas internacionais. Fontes formais, por seu turno,
são as maneiras como essas normas se exteriorizam.

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), em seu artigo 38, relaciona como fontes
formais do direito internacional público: as convenções internacionais, os costumes
internacionais, os princípios gerais do Direito reconhecidos pelas nações civilizadas e as
decisões e as doutrinas dos publicitários consagrados. Este rol, todavia, não é exaustivo.

As fontes formais do Direito Internacional são comumente classificadas:

a. em relação à aplicação do direito:


a.1. fontes primárias ou principais: são aquelas diretamente aplicáveis aos casos concretos, quais
sejam: os tratados e convenções internacionais, os costumes internacionais e os princípios gerais
do Direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
a.2. fontes secundárias: meios auxiliares, que indicam as fontes as regras jurídicas (fontes
primárias) a serem aplicadas aos casos concretos. São elas as decisões e as doutrinas dos juristas
consagrados, a equidade, as decisões das organizações internacionais e os atos jurídicos
unilaterais dos Estados.

b. em relação à existência de acordo de vontades entre os sujeitos de Direito Internacional


Público:
b.1. fontes convencionais: aquelas para as quais houve acordo de vontades (tratados,
convenções e acordos internacionais);
b.2. fontes extraconvencionais: aquelas não atreladas a um acordo de vontades (os costumes
internacionais, os princípios gerais do Direito reconhecidos pelas nações civilizadas e as
decisões e as doutrinas dos publicitários consagrados).

c. em relação à previsão no art. 38, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça:


c.1. fontes estatutárias ou catalogas: aquelas que constam do art. 38, do Estatuto da CIJ;
c.2. fontes extraestatutárias ou não catalogadas: aquelas não previstas no art. 38, do Estatuto da
CIJ.

Vistos o conceito e a classificação das fontes do Direito Internacional Público, passemos a falar
sobre cada uma delas isoladamente.

8.1. Tratados internacionais

A Convenção de Viena de 1969, conceitua o tratado internacional como: “um acordo


internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer esteja
consignado em um instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer
que seja sua denominação particular.”

Tratado internacional é, portanto, um acordo de vontades firmado por escrito entre pessoas
jurídicas de direito internacional. Não importa a nomenclatura utilizada. Tratando-se de um
acordo entre pessoas jurídicas de direito internacional, estaremos diante de um tratado. E não
são poucas as nomenclaturas utilizadas para caracterizar este tipo de acerto. Conforme leciona
Emerson Penha Malheiro: “Existem mais de trinta denominações diferentes para um tratado.
Pode ele ser um acordo, ajuste, arranjo, ata, carta, compromisso, constituição, convenção,
convênio, declaração, estatuto, liga, memorando, pacto, protocolo, etc.” E como ensina
Francisco Resek, “o que a realidade mostra é o uso livre, indiscriminado, e muitas vezes ilógico,
dos termos variantes.”.

Assim, podemos concluir que tratado é gênero, que comporta diversas espécies, sendo certo
que, como regra, a designação terminológica não determina a característica do compromisso
firmado.

Mais adiante, em tópico específico, falaremos mais sobre os tratados internacionais.

8.2. Costume internacional

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em seu art. 38, define o costume internacional
“como prova de uma prática geral aceita como direito”.

Por definição, o costume jurídico consiste na prática, geral, uniforme e reiterada de uma conduta
aceita como correta e obrigatória. O costume internacional tem a mesma estrutura conceitual,
todavia, os sujeitos envolvidos são sujeitos de direito internacional.

Assim, o costume internacional, a exemplo do que ocorre com o costume em geral, é composto
por dois elementos:

a. elemento objetivo: consistente na prática geral, uniforme e reiterada de uma conduta;

b. elemento subjetivo: convicção acerca da correção e obrigatoriedade da desta conduta.

Como não existe um órgão central a editar normas gerais e abstratas no âmbito das relações
internacionais, o costume acaba adquirindo grande importância enquanto fonte do Direito
Internacional Público.

Como exemplo de costume internacional podemos citar a antiga prática de se conferir


imunidade do imposto aduaneiro sobre os bens dos diplomatas. Mas isto não era uma obrigação.
Era uma espécie de “cortesia internacional” que acabou se tornando uma prática geral e
reiterada, fezendo com que isto se tornasse um Costume Internacional, sendo posteriormente
codificado pelos artigos 36 e 37 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.
Por fim, cabe trazer à baila a chamada “Teoria do objetor persistente”, segundo a qual o Estado
que reiteradamente se opõe à aceitação de um costume, estaria desonerado de observá-lo nas
relações internacionais.

8.3. Princípios Gerais do Direito Internacional

Ao tratar da integração das normas jurídicas no direito brasileiro, Carlos Roberto Gonçalves se
refere aos princípios gerais do direito como “regras que se encontram na consciência dos povos
e são universalmente aceitas, ainda que não escritas.”

O conceito traçado pelo eminente civilista pode ser perfeitamente aproveitado para os princípios
de gerais de direito internacional público, com o cuidado de se destacar que, neste caso, está-se
a referir a um conjunto de preceitos conscientemente aceitos pelas pessoas jurídicas de direito
internacional. Em relação à definição do Direito Civil, o que muda são os sujeitos envolvidos.

Os princípios gerais de direito encontram-se previstos no art. 38 do Estatuto da corte


Internacional de Justiça e como exemplo deles podemos citar: a boa-fé no cumprimento das
obrigações internacionais; o pacta sunt servanda; a não-agressão; a não-interferência nos
negócios internos dos Estados; o primado da dignidade humana; o respeito ao devido processo
legal e à coisa julgada internacional, etc.

8.4. Decisões judiciárias e doutrina

O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, também prevê como fontes do direito
internacional público, as decisões judiciárias e a doutrina.

Por decisões judiciárias entenda-se a jurisprudência formada pelas Cortes e Tribunais


Internacionais. Já a doutrina, no caso, diz respeito às obras de destaque no âmbito do direito
internacional público, publicadas por juristas reconhecidamente qualificados.

8.5. Equidade
O Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em seu art. 38, admite que o referido órgão
judicante, decida “ex aequo et Bono, se convier às partes.”

Equidade, na concepção aristotélica, consiste na “justiça do caso concreto”. Via de regra, o


julgador decidirá por equidade quando expressamente autorizado a fazê-lo ou quando da
ausência de norma jurídica que se aplique à solução do caso sob judice.

8.6. Atos unilaterais dos Estados

Também previstos pelo Estatuto da corte Internacional de Justiça, trata-se de atos


unilateralmente produzidos por um determinado Estado, que não dependem da aceitação de
outros Estados para que adquiram validade. Como exemplos destes atos, podemos citar: o
reconhecimento de Estados e governos; a ruptura de relações diplomáticas; etc.

8.7. Atos e decisões das organizações internacionais

A doutrina majoritária atual considera os atos e decisões das organizações internacionais como
fontes do direito internacional, apesar dos mesmos não constarem do rol do art. 38, do Estatuto
da Corte Internacional de Justiça, o que de fato se justifica tendo em vista que o
desenvolvimento de tais organizações se intensifica a partir da criação da Organização das
Nações Unidas, em 1945, enquanto que o referido Estatuto é de 1920.

Como exemplos dessas fontes podemos citar as resoluções da Assembleia-Geral da ONU, as


decisões do Conselho de Segurança da ONU, os regulamentos da Organização Mundial de
Saúde, etc.

8.8. Jus cogens e soft law

A exemplo das fontes anteriormente tratadas, o jus cogens e o soft law também são classificadas
como fontes extraestatutárias, tendo em vista não integrarem o Estatuto da Corte Internacional
de Justiça.

As normas do jus cogens não se encontram previstas em nenhum documento internacional. São
normas definidas pelo processo histórico-social, situadas em plano superior às demais normas
de Direito Internacional, posto que traduzem valores fundamentais sobre os quais se
consubstancia a ordem pública internacional, como, por exemplo: os direitos humanos, a paz
entre as nações e o meio ambiente mundial.

Já o soft law consiste num conjunto de normas desprovidas de caráter jurídico vinculante, mas
que orientam condutas no plano do Direito Internacional. Constituem verdadeiros programas de
ação, nas mais diversas áreas, como, por exemplo, saúde, meio ambiente, educação e
erradicação da pobreza, aos quais os entes internacionais aderem.

9. Sujeitos de Direito Internacional Público

É considerado sujeito de direito internacional público aquele que possui personalidade jurídica
internacional, ou seja, o ente dotado de aptidão para assumir e exercer direitos e obrigações no
âmbito da sociedade internacional, submetendo-se, por conseguinte, às normas de Direito
Internacional.

Quando do reconhecimento do Direito Internacional como disciplina autônoma, apenas os


Estados eram considerados sujeitos de Direito Internacional. Todavia, com o passar do tempo e
o aumento da dinâmica das relações internacionais o rol de sujeitos do Direito Internacional se
ampliou consideravelmente. Não obstante existam divergências, encontramos na doutrina
referência aos seguintes entes, como sendo sujeitos de Direito Internacional:

a. os Estados: Brasil, Portugal, Itália, Estados Unidos, etc.;


b. as Organizações Internacionais: ONU, OEA, OIT, etc.;
c. os Blocos Regionais: MERCOSUL, UNIÃO EUROPEIA, etc.;
d. a Santa Sé;
e. as Empresas Transnacionais (ou Multinacionais): Coca-Cola, Nestlé, Sansung, etc.;
f. as Organizações não-governamentais: Cruz Vermelha, Greenpeace, Anistia Internacional,
etc.;
g. os insurgentes, beligerantes e movimentos de libertação nacional: Organização para a
libertação da Palestina – OLP (Israel), Movimento de Libertação Nacional Basco (Espanha),
IRA (Irlanda), etc.;
h. os indivíduos: refugiados, exilados, etc.

9.1. Estados
Os Estados possuem personalidade internacional do tipo primária (ou originária) pois
independem da manifestação de vontade de qualquer outro ente para existirem legalmente
perante a sociedade internacional. São compostos por: território, povo e governo soberano.

9.2. Organizações Internacionais

São entidades que possuem personalidade jurídica internacional do tipo derivada, uma vez que
são compostas por outros entes internacionais, quais sejam, os Estados (então chamados
Estados-membros) ou Estados e outras organizações internacionais.

9.3. Blocos regionais

São coletividades de Estados que se unem para obterem vantagens no relacionamento comum
entre eles ou com outros países ou blocos. Como exemplo de blocos regionais temos: a UNIÃO
EUROPÉIA e o MERCOSUL.

9.4. Santa Sé

Trata-se da expressão jurídica internacional da Igreja Católica, chefiada pelo Papa, que possui
status de Chefe de Estado.

Cidade Estado do Vaticano é a base territorial da Santa Sé, também chefiado pelo Papa, criada
em 1929, através do Tratado de Latrão, celebrado entre a Itália e a Santa Sé.

Como sujeito de Direito Internacional, a Santa Sé pode celebrar tratados internacionais, exercer
direito de legação (enviar e receber agentes diplomáticos) entre outras atividades.

9.5. Empresas transnacionais (ou multinacionais)

Não obstante haja considerável divergência a respeito, parte da doutrina moderna considera que
as empresas transnacionais são sujeito de Direito Internacional, tendo em vista que vários
Estados estabelecem acordos e contratos com as mesmas. Além disso, há várias normas
internacionais prevendo direitos e deveres para tais empresas.
Os que negam personalidade jurídica de direito internacional a tais empresas, argumentam que
as mesmas não podem celebrar tratados ou acordos internacionais, nem integrar organizações
internacionais.

9.6. Organizações não governamentais (ONG´s)

São entidades jurídicas privadas com finalidades específicas (políticas, sociais, econômicas,
etc.), que participam ativamente da cena global.

A maioria dos autores não considera as Organizações Internacionais como sujeitos de Direito
Internacional, tendo em vista que se encontram impedidas de celebrar tratados ou acordos
internacionais, bem como não podem integrar organizações internacionais (algumas
organizações internacionais admitem a participação de ONGs como “observadoras”).

9.7. Insurgentes, beligerantes e movimentos de libertação nacional

Insurgentes são grupos que confrontam o Estado, gerando conflitos armados ou não, que não
tomam grandes proporções. O reconhecimento de movimentos insurgentes como sujeitos de
direito internacional depende do juízo discricionário de cada Estado. A doutrina não é pacífica
quanto a tal possibilidade, embora não ignore a importância destes no cenário mundial.

Beligerantes são grupos organizados e armados, que afrontam o Estado em movimentos de


grande proporção. Assim como os insurgentes, o reconhecimento dos movimentos beligerantes
como sujeitos de Direito Internacional depende de ato discricionários dos Estados. De qualquer
modo, sempre é cobrado de tais movimentos a observância das regras internacionais relativas a
conflitos bélicos.

Os movimentos de libertação nacional são grupos que buscam a independência política e


econômica de um determinado território e sua população, com base no direito de
autodeterminação dos povos. Caso obtenham do reconhecimento dos Estados, estes movimentos
ganham capacidade de representação do povo em questão, passando a atuar como sujeitos de
Direito Internacional.

10, Integrações Regionais

10.1 Direito da Integração e Direito Comunitário


Antes de tratarmos propriamente dos blocos de integração regionais cumpre distinguir o que a
doutrina chama de Direito da Integração e Direito Comunitário.

Direito da Integração consiste em um ramo do Direito Internacional que regulamenta a


formação e o funcionamento dos sistemas de integração socioeconômica regional, com o
objetivo de promover o fortalecimento frente aos demais Estados e organismos internacionais.

O processo de integração se pauta pela intergovernabilidade e coordenação de soberanias, tanto


que as regras produzidas pelo bloco regional só passam a vigorar nacionalmente após suprirem
as exigências internas de aprovação de cada Estado.

Já o Direito Comunitário pode-se dizer que se trata de um estágio posterior, mais avançado, do
Direito da Integração. Nesse estágio a integração nacional atinge a supranacionalidade, com
capacidade para estabelecer limitações ao exercício da soberania por parte dos países membros.
Quando se alcança esse grau de evolução, as normas aprovadas pelo bloco ganham
aplicabilidade imediata perante o ordenamento jurídico de cada Estado-membro, colocando-se,
inclusive em posição de preponderância perante as normas internas.

A Constituição Federal aponta no sentido de buscarmos a integração regional com os países da


América Latina, constando do parágrafo único de seu art. 4º, que “A República Federativa do
Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”

Hoje temos como exemplo de integração regional o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA,


sobre os quais passaremos a tratar.

10.2 O MERCOSUL

O MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) foi criado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai,
através do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, tendo como objetivos principais:
a. a eliminação de barreiras alfandegárias;
b. a instituição de um imposto de importação comum (Taxa Externa Comum – TEC);
c. a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais de comércio exterior, fiscal, cambial,
monetária, industrial e agrícola, dentre outras;
d. a harmonização da legislação interna de cada Estado com as diretrizes regionais do bloco;
Em dezembro de 1994, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, o MERCOSUL foi dotado
de personalidade jurídica de ente público internacional.

10.2.1 Membros

O MERCOSUL atualmente é formado por: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela.


Todavia, a Venezuela, que passou a integrar o MERCOSUL em 2012, encontra-se, desde 2017,
suspensa do exercício de direitos inerentes aos países do bloco. Isso porque, de acordo com o
Protocolo de Ushuaia, somente países democráticos podem ser aceitos como membros plenos
do bloco. E de acordo com os demais membros do MERCOSUL a República Bolivariana da
Venezuela rompeu com a ordem democrática (https://www.mercosur.int/pt-br/decisao-sobre-a-
suspensao-da-republica-bolivariana-da-venezuela-no-mercosul/). O Paraguai também esteve
suspenso do bloco em julho de 2012, quando da remoção do presidente Fernando Lugo,
classificada pelos demais integrantes como “golpe de Estado” atentatório à democracia.
Todavia, em julho de 2013 foi revogada a suspensão e o Paraguai retornou ao bloco, com a
posse de novo presidente paraguaio, Horácio Cortes.

Chile, Colômbia, Peru e Equador são Estados associados, por serem integrantes da ALADI.
Destarte, podem participar das reuniões do MERCOSUL.

Guiana e Suriname também são associados, mas por conta do Tratado de Motevidéu, de 1980.

México e Nova Zelândia são considerados países observadores, uma vez que, embora não
possam integrar o bloco como membros, manifestaram interesse em criar uma zona de livre
comércio com o bloco. Nesta condição, também podem participar das reuniões do bloco.

10.2.2 Principais diplomas normativos

Os principais diplomas normativos estabelecidos pelo MERCOSUL são:

a. Tratado de Assunção: estabelecido em 26 de março, de 1991, criou o bloco econômico,


instituindo normas programáticas e para a consecução de seus objetivos, pactuando uma união
aduaneira pautada na livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, prevendo uma
Tarifa Externa Comum. Também estabeleceu um sistema provisório de solução de controvérsias
no âmbito do bloco.

b. Protocolo de Ouro Preto: atribuiu ao MERCOSUL personalidade jurídica de direito


internacional, além de instituir uma estrutura institucional definitiva para o bloco.

c. Protocolo de Brasília: instituiu um sistema definitivo de solução de conflitos no âmbito do


bloco, aprimorando o sistema provisório previsto pelo Tratado de Assunção.

d. Protocolo de Olivos: derrogou o sistema de solução de conflitos previsto pelo Protocolo de


Brasília, instituindo o Tribunal Permanente de Revisão, como instância superior aos Tribunais
Arbitrais.

e. Protocolo de Ushuaia: reafirmou o compromisso democrático do MERCOSUL.

10.2.3 Sistema de soluções do controvérsias no MERCOSUL

Atualmente o sistema de soluções de controvérsias no MERCOSUL compreende as seguintes


fases:

1ª fase: Política: negociação política, diretamente estabelecida entre os Estados litigantes (art. 4º
do Protocolo de Olivos). Inicia-se quando um Estado comunica ao outro a intenção de iniciar
um procedimento de solução de conflitos. Possui o prazo de 15 dias para conclusão.

2ª fase: Opcional: frustradas as negociações, os Estados poderão submeter o litígio ao Grupo


Mercado Comum (GMC), que apresentará recomendações para a solução consensual do conflito
(art. 6º do Protocolo de Olivos).

3ª fase: Arbitral: não se obtendo sucesso nas fases anteriores, passa-se para a instância arbitral
com a constituição de um Tribunal Arbitral Ad Hoc, composto por 3 membros, o qual elaborará
um laudo arbitral propondo uma solução.

4ª fase. Tribunal Permanente de Revisão (TPR): qualquer Estado descontente com a solução
apresentada pelo Tribuna Arbitral, poderá apresentar recurso ao Tribunal Permanente de
Revisão, no prazo máximo de 15 dias, a contar da notificação do laudo arbitral. O TPR, no
entanto, apenas apreciará questões de direito argüidas na controvérsia.
Obs.: é facultado aos Estados-membros suprimirem a 3ª fase, passando diretamente para a 4º
fase, passando então o TPR a ter as mesmas atribuições do Tribunal Arbitral Ad Hoc.

10.3 União Europeia

Trata-se de um bloco de integração política e econômica, criado em novembro de 1993, através


do Tratado de Maastricht, com o propósito principal de criar um mercado comum entre seus
membros, livre de barreiras comerciais, viabilizando a instituição de uma moeda única (o Euro),
bem como a livre circulação de pessoas, mercadorias e fatores de produção.

Além da finalidade fundamental de integração política e econômica, a União Europeia atua


também em diversos outros temas de interesse dos seus Estados-membros, como direitos
humanos, políticas ambientais, educação, saúde, etc.

Uma da principais características da União Europeia é a supranacionalidade, que consiste na


delegação voluntária pelos Estados-membros de parcela de sua soberania, de modo que as
regras produzidas pelo Direito Comunitário venham a ser aplicadas direta, imediata e
prevalecentemente sobre o direito interno de cada país integrante do bloco. Esta competência
supranacional não é, todavia, irrestrita, só podendo ser exercida no tocante a determinados
temas como: funcionamento do mercado comum, regulação da união aduaneira, questões
relativas à cidadania européia, política monetária e comercial, etc.

10.3.1 Membros

Em sua composição atual, a União Europeia conta com 27 países, quais sejam (em ordem
alfabética): Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia,
Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália,
Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, República Tcheca, Romênia, Suécia
(https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/uniao-europeia-bloco-politico-e-economico-
reune-27-paises.htm?cmpid=copiaecola).

Encontram-se em negociação, para ingresso no grupo a República da Macedônia e a Turquia.


Para ingresso na União Europeia o Estado interessado deve observar as seguintes critérios,
impostas pelo chamado “Critério de Copanhagen”:

a. Critério Político: existência de instituições estáveis que garantam: a manutenção da


Democracia, o Estado de Direito, os Direitos Humanos e a proteção das minorias;

b. Critério Econômico: existência de uma economia de mercado efetiva, com capacidade de


fazer frente forças de mercado e à concorrência do bloco;

c. Critério do Acervo Comunitário: a capacidade para assumir as obrigações decorrentes da


adesão, como os objetivos de união política, econômica e monetária.

10.3.2 Principais diplomas normativos

a. Tratado de Maastricht: deu origem à União Europeia (EU), em substituição ao Comunidade


Econômica Europeia (CEE). Os principais objetivos do Tratado consistiam na implementação
de uma unidade política, econômica e monetária, criando um mercado comum entre os
membros e uma unidade no tocante à política externa, segurança e assuntos jurídicos (como a
questão da cidadania européia).

b. Tratado de Amsterdã: eliminou os últimos obstáculos concernentes à livre circulação de


pessoas, bens, serviços e capitais entre os países integrantes do bloco. Colocou o pleno
emprego, os direitos humanos e os direitos fundamentais como objetivos nucleares do bloco.
Instituiu a Política Estrangeira de Segurança Comum.

c. Tratado de Nice: adaptou os órgãos integram a estrutura organizacional da União Europeia,


de modo a melhor permitir o ingresso de novos membros. Dentre as adaptações realizadas pode-
se destacar a nova composição da Comissão Europeia e a redefinição do modo de votação no
Conselho da união Europeia, passando-se a adotar o critério da maioria qualificada.

d. Tratado de Lisboa: criou a figura do Presidente do Conselho Europeu e contribuiu para a


democratização da União Europeia, estabelecendo a uma espécie de iniciativa popular, pela qual
os cidadãos, através do quórum de um milhão de assinaturas pode apresentar proposta
legislativa perante a Comissão Europeia.
10.3.3 Sistema de tomada de decisões

Não obstante o Parlamento Europeu, tenha deixado de ser um órgão meramente consultivo,
passando também a tomar decisões no âmbito da União Europeia, o órgão de maior importância
decisória continua sendo o Conselho da União Europeia.

O sistema de tomada de decisões atualmente adotado é o instituído pelo Tratado de Lisboa (que
alterou o previsto no Tratado de Nice). Este tratado prevê o critério da dupla maioria, segundo o
qual o quórum de aprovação é atingido quando se obtém a concordância de 55% dos Estados-
membros da União Europeia e ao mesmo tempo 65% da população abrangida pelo bloco.

11. Organizações Internacionais

11.1 Conceito

Nas palavras de Valério de Oliveira Mazzuoli, organização internacional consiste numa


“associação voluntária de sujeitos de Direito Internacional, criada mediante tratado
internacional (nominado de convênio constitutivo) e com finalidades predeterminadas,
regidas pelas normas do Direito Internacional, dotada de personalidade jurídica distinta da
dos seus membros, que se realiza em um organismo próprio e estável, dotado de autonomia e
especificidade, possuindo ordenamento jurídico interno e órgãos auxiliares, por meio dos
quais se realiza os propósitos comuns dos seus membros, mediante os poderes próprios que
lhes são atribuídos por estes.”

Importante não confundir as organizações internacionais (ou interestatais ou


intergovernamentais) com as organizações não governamentais internacionais (ONG´s
internacionais). As primeiras são associações de Estados. As segundas são formadas por
particulares, sendo, portanto, entidades internacionais privadas (ainda que voltadas para
finalidades de interesse coletivo).

As organizações internacionais ganharam importância e relevo no cenário internacional


sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, não obstante já existissem antes desta (a OIT, por
exemplo, é de 1.919), diante da reconhecida incapacidade dos Estados de alcançarem,
isoladamente, a consecução de determinados objetivos, como a manutenção da paz mundial.

11.2 Imunidades
Enquanto a imunidade dos Estados (ou seja a não submissão de um Estado ao ordenamento
jurídico de outro) se sustenta sobre uma regra principiológica, de aceitação costumeira, a
imunidade das Organizações Internacionais encontra respaldo em seus próprios tratados
constitutivos, voluntariamente aceitos pelos Estados que as integram.

Justamente por isso, o STF, em seu posicionamento atual, considera que a imunidade das
organizações internacionais é absoluta, nos termos previstos no nos tratados internacionais que
as constituíram. Assim sendo, uma vez previstas as imunidades de jurisdição e execução das
organizações internacionais em seus respectivos tratados, a sua não observância pelos Estados
que livremente aderiram a elas implicaria em flagrante violação ao pacto associativo,
submetendo o Estado faltoso às sanções previstas nos estatutos constitutivos, podendo chegar à
própria exclusão do Estado da respectiva organização.

Esta atual posição do STF encontra-se muito bem assentada nos Recursos Extraordinários nº
578.542 e nº 597.368, ambos relatados pela Min. Ellen Gracie. Tais recursos discutem a
submissão ou não da ONU à jurisdição brasileira em matéria trabalhista, concluindo pela não-
submissão, tendo em vista a existência de regramento próprio desta modalidade de relação
jurídica no bojo dos acordos internacionais firmados entre a organização e seus respectivos
Estados-membros. A respeito, temos os Decretos nº 27.784/50 e nº 52.288/63, por meio dos
quais o Brasil regulou os privilégios da ONU de suas agências especializadas, estabelecendo,
em favor da mesma, imunidade de jurisdição e de execução.

Cumpre por fim destacar, que os limites da imunidade conferida à organização internacional são
aqueles expressos no próprio tratado. Vale dizer, em tese é possível conceber a hipótese de uma
organização internacional cujo instrumento constitutivo aceite sua obediência à jurisdição
interna dos países signitários. Tal hipótese, embora possível, é pouco provável, tendo em vista
que as imunidades são, em regra, essenciais para que as organizações internacionais possam
melhor trabalhar em prol de suas finalidades institucionais, o que, por vezes, significa ir de
encontro aos interesses locais deste ou daquele Estado.

11.3 A Organização Internacional do Trabalho (OIT)

11.3.1 Histórico
O custo humano da Revolução Industrial e o advento da Primeira Guerra Mundial (1914 a
1918), levaram as nações mundiais a se unirem no propósito de constituírem uma organização
comprometida com a reconstrução da paz mundial e de um mundo mais justo. Neste contexto é
criada, em 1919, como uma agência da Liga das Nações (antecessora da ONU) a Organização
Internacional do Trabalho, com a finalidade específica de promover o trabalho compatível com
a dignidade humana.

Atualmente a OIT é uma agência especializada da ONU. A única com estrutura tripartite, ou
seja, composta por representantes de governos, de organizações de empregadores e de
trabalhadores. Qualquer país integrante da ONU pode também fazer parte da OIT, desde que
aceita as condições constantes da Constituição da mesma.

A OIT, encontra-se sediada em Genebra, na Suíça e conta, atualmente, com 187 países-
membros, possuindo escritório em cerca de 40 países. O Brasil está entre os membros
fundadores da OIT . O escritório do órgão no Brasil fica localizado em Brasília.

11.3.2 Convenções fundamentais

A OIT é responsável pela elaboração e aplicação das normas internacionais do direito do


trabalho. Suas convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana dos Estados que a
integram, passam a fazer parte do ordenamento jurídico deste Estado.

“Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho, na sua 87ª Sessão, adota a Declaração dos
Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, que constitui uma
reafirmação universal do compromisso dos Estados-Membros da Organização, e da comunidade
internacional em geral, de respeitar, promover e aplicar um patamar mínimo de princípios e
direitos no trabalho, reconhecidos como fundamentais que abrangem a liberdade sindical, o
reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas
de trabalho forçado ou obrigatório, a eliminação efetiva do trabalho infantil e a eliminação
da discriminação em matéria de emprego e profissão.”1

A OIT associa aos quatro direitos supra, oito convenções que passam a ser consideradas
fundamentais:

1
GONÇALVES, Maria Beatriz Ribeiro. Direito Internacional Público e Privado. 5ª ed. Salvador: Juspodivm.
2019. P. 70.
- Convenção nº 29: Convenção sobre o Trabalho Forçado, de 1930;
- Convenção nº 87: Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito Sindical, de
1948;
- Convenção nº 98: Convenção sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, de
1949;
- Convenção nº 100: Convenção sobre a Igualdade de Remuneração, de 1951;
- Convenção nº 105: Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado, de 1957;
- Convenção nº 111: Convenção sobre a Discriminação (Emprego e Profissão), de 1958;
- Convenção nº 138: Convenção sobre a Idade Mínima para Admissão e Emprego, de 1973;
- Convenção nº 182: Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a
Ação Imediata para a sua Eliminação, de 1999.

O Brasil ratificou 82 das 189 convenções da OIT, dentre elas as oito convenções fundamentais
acima, exceto a de nº 87.

11.3.3 Funcionamento

A OIT é composta por vários órgãos, que juntos compõem um sistema de controle da aplicação
de suas normas. Dentre esses órgãos, cumpre destacar:

a. a Comissão de Peritos para a Aplicação das Convenções e das Recomendações (CE-ACR):


examina os relatórios emitidos pelos Estados-Membros sobre a observância das convenções por
eles ratificadas;

b. a Comissão de Aplicação das Normas da Conferência: onde o relatório anual da Comissão de


Peritos é examinado por ocasião da Conferência Internacional do Trabalho;

c. o Comitê de Liberdade Sindical: examina as denúncias relativas às violações dos princípios


da liberdade sindical e da negociação coletiva (convenções 87 e 98), ainda que o Estado-
Membro acusado de infrações não tenha ratificado tais convenções.

Além do sistema de controle acima, a OIT, por meio de atividades de assistência técnica,
pesquisa, formação e fortalecimento institucional, apoia seus Estados integrantes no sentido da
promoção e garantia da efetiva aplicação das Normas Internacionais do Trabalho.
11.4 Organização das Nações Unidas (ONU)

11.4.1 Nascimento

A ONU nasceu após a Segunda Guerra Mundial, como uma iniciativa do países vencedores no
intuito de promover a manutenção da paz, evitando o surgimento de novos conflitos armados,
bem como garantir a observância dos direitos fundamentais. Pode-se dizer que a ONU sucedeu
a Liga das Nações (ou Sociedade das Nações), entidade que possuía o mesmo propósito.

O ato constitutivo da ONU (Carta da ONU) foi assinado em 24 de junho de 1945, tendo entrado
em vigor em 24 de outubro do mesmo ano. Sua sede foi fixada na cidade americana de Nova
Iorque, onde se encontra até hoje.

11.4.2 Estrutura

A estrutura atual da ONU encontra-se constituída por seis órgãos fundamentais: Assembleia-
Geral, Conselho de Segurança, Secretariado, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela
e Corte Internacional de Justiça (Corte de Haia). Vejamos sucintamente cada um destes órgãos:

a. Assembleia-Geral: formada por todos os Estados integrantes da Organização, competindo-lhe


deliberar sobre todos os temas relacionados à finalidade da ONU. A Assembleia-Geral se reúne
ordinariamente em sessões anuais, podendo, eventualmente, serem convocadas reuniões
extraordinárias pelo Secretário-Geral. Via de regra, as deliberações da Assembleia-Geral são
tomadas por maioria simples de voto, podendo eventualmente ser exigido quórum especial de
2/3. Qualquer que seja o quorum, cada Estado-Membro tem direito a um voto na Assemblei-
Geral;

b. Conselho de Segurança: tem como finalidade precípua a manutenção da paz e da segurança


internacionais. Nos termos do art. 23 da Carta da ONU, o Conselho de Segurança será
constituído por quinze membros, sendo cinco permanentes e dez não permanentes. Estes, serão
eleitos pela Assembléia-Geral da ONU para um mandato de dois anos, sendo admitida a
reeleição. O Conselho se reúne em qualquer hipótese de necessidade imperiosa, em que se
encontrem ameaçadas a paz ou a segurança dos Estados. As decisões do Conselho de Segurança
são tomadas por voto favorável de pelo menos nove membros, dentre os quais o permanentes,
que possuem poder de veto. Dentre as principais funções desenvolvidas pelo Conselho de
Segurança da ONU estão: pacificar os litígios entre os Estados-membros; regulamentar a
construção e o uso de armamentos e atuar nas hipóteses de ameaça à paz e de agressão
internacional.

c. Secretariado: é o órgão encarregado da administração da ONU. É integrado pelo Secretário-


Geral e por um corpo burocrático por ele nomeado, conforme as regras da Organização. O
Secretário-Geral é nomeado pela Assembleia-Geral, mediante recomendação do Conselho de
Segurança, para um mandato de cinco anos, podendo ser renovado por igual período.

d. Conselho Econômico e Social: é composto por 54 membros, eleitos pela Assembleia-Geral


para um mandato de três anos, permitida a reeleição. Tem por função elaborar estudos,
relatórios e formular recomendações sobre questões de caráter econômico, social, cultural,
educacional e correlatas;

e. Conselho de Tutela: suspenso desde 1994, sua finalidade era promover o desenvolvimento
econômico, político, social e educacional de territórios não independentes, ainda existentes nos
primórdios da organização. A meta era buscar o alcance progressivo da independência destes
territórios. O último território sob tutela da ONU foi o arquipélago de Palau, no Oceano
Pacífico. Com a independência deste território, o Conselho de Tutela acabou perdendo sua
finalidade, razão pela qual acabou ficando suspenso;

f. Corte Internacional de Justiça (Corte de Haia): localizada na cidade Holandesa de Haia, é um


órgão essencialmente judicial, com competência consultiva e contenciosa, admitindo como
litigantes apenas Estados soberanos. Sua competência contenciosa, contudo, não é obrigatória,
carecendo da aceitação por parte do Estado litigante. A Corte é composta por 15 julgadores,
eleitos pela Assembléia-Geral e pelo Conselho de Segurança, para um mandato de nove anos,
admitida a reeleição e renovando-se, a cada três anos, 1/3 dos membros.

Atualmente a Organização das Nações Unidas conta com 193 Estados-membros, dos quais 51
são considerados membros originários, haja vista terem aderido à Carta da ONU, por ocasião da
criação da Organização em 1945, na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos.

11.5 Organização dos Estados Americanos (OEA)

11.5. 1 Criação e finalidade


A OEA é uma organização internacional, de cunho regional, cujos objetivos, em linhas gerais,
consistem na manutenção da paz entre os seus integrantes, à promoção da democracia e do
desenvolvimento econômico, além da proteção da soberania e integridade territorial dos seus
países-membros.

Fruto de uma evolução natural da “União Internacional das Repúblicas Americanas”, a OEA
nasceu em 1948, com a assinatura de seu tratado constitutivo na cidade de Bogotá, na
Colômbia. Este tratado constitutivo experimentou, ao longo de sua existência, quatro
modificações: o Protocolo de Buenos Aires (de 1967), de Cartagena das Índias (de 1985), de
Washington (de 1992) e de Manágua (de 1993). Cumpre destacar que apenas o documento
originário, de 1948, foi assinado por todos os países membros. Isso acaba fazendo com que as
regras da Organização incidam de forma assimétrica sobre os Estados-membros, tendo em vista
que estes só se submetem aos acordos que firmaram.

A OEA foi originalmente fundada por 21 Estados, possuindo atualmente 35 países-membros.

11.5.2 Estrutura organizacional

A estrutura organizacional da Organização dos Estados Americanos é constituída pelos


seguintes órgãos:

a. Assembléia-Geral: órgão máximo da Organização, integrado por todos os Estados-membros.


Suas decisões, em regra, são tomadas por maioria absoluta, salvo hipóteses excepcionais em que
se dois terços dos membros (art. 59, da Carta da OEA);

b. Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores: convocada em casos


excepcionais, com a finalidade de deliberar sobre questões urgentes e de interesse geral dos
Estados-membros;

c. Conselhos: os conselhos constituídos pela OEA têm por finalidade precípua a realização de
estudos e apresentação de propostas junto à Assembléia-Geral em temas de interesse da
organização. Via de regra, são integrados por representantes de todos os países membros;

d. Comissão Jurídica Interamericana: trata-se de órgão de assessoramento jurídico da entidade,


tendo por objetivo realizar estudos e apresentar propostas em matéria jurídica junto aos demais
órgãos da OEA, inclusive no sentido de correlacionar ou uniformizar as legislações dos
Estados-membros no tocante a temas específicos;
e. Comissão (ou Corte) Interamericana de Direitos Humanos: criada em 1959, funciona como
foro para a promoção e proteção dos direitos humanos dos cidadãos do continente americano.
Conduz procedimentos de responsabilização internacional dos países-membros, em caso de
violação dos direitos humanos. A Corte possui atuação própria e independente, não se
submetendo à vontade Estados que constituem a OEA. Sua autoridade sobre os Estados-
membros advém do fato de que estes, inclusive o Brasil, aceitaram sua jurisdição;

f. Secretaria-Geral: situada em Washington, trata-se de órgão permanente da OEA, responsável


pelas atividades administrativas da Organização. É chefiada por Secretário-Geral, eleito pela
Assembléia-Geral, para um mandato de cinco anos, com direito a uma única reeleição, não
podendo ser sucedido por alguém de mesma nacionalidade.

12. Relacionamento entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno

Com o surgimento das primeiras normas de Direito Internacional, passamos a observar a


coexistência de duas ordens jurídicas distintas:

a. o já existente ordenamento jurídico interno, fruto do exercício do poder soberano por cada
Estado constituído;

b. e o ordenamento jurídico internacional, fruto da adesão voluntária dos Estados, com as


obrigações decorrentes desta liberalidade.

A coexistência destas duas ordens suscita uma série de questões no que tange à aplicabilidade
das mesmas. Na tentativa de solucionar estas questões, surgem as teorias abaixo, cujas
características fundamentais passamos a estudar.

11.1 Teoria dualista

Defendida por Dionísio Anzilotti e Heinrich Triepel, a teoria dualista defende a existência de
duas ordens jurídicas distintas, que não se relacionam nem se interpenetram.

Segundo essa teoria, “os sistemas normativos nacional e internacional teriam fundamentos e
fontes de produção diferentes, por isso seriam independentes. Assim, a validade de uma norma
internacional não dependeria de sua harmonia com a ordem interna e vice-versa. Para que uma
norma internacional pudesse viger na ordem interna, deveria haver alguma espécie de
‘incorporação’ desta norma no quadro jurídico interno”. 2

Esta teoria se divide em teoria dualista radical e teoria dualista modera. Vejamos cada uma
delas.

11.1.1 Teoria dualista radical

A teoria dualista radical leva a idéia de independência entre as ordens interna e internacional ao
extremo. Segundo essa teoria a independência entre as referidas ordens seria tão grande que
para que uma norma de direito internacional pudesse produzir eficácia no âmbito de um
ordenamento jurídico interno, haveria a necessidade de uma lei nacional admitindo a sua
incorporação.

11.1.2 Teoria dualista moderada

A teoria dualista moderada também defende a idéia de independência entre as ordens interna e
internacional, todavia admite que a incorporação da norma internacional pelo ordenamento
jurídico interno dispensa a edição de lei nacional a respeito, embora seja necessário um
procedimento interno específico, com a participação dos Poderes Legislativo e Executivo. É a
teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, que não admite a validação direta das
normas internacionais junto ao ordenamento jurídico interno, exigindo, para tanto, um
procedimento formal específico de incorporação, que prevê a edição de um Decreto (pelo Chefe
do Poder Executivo Federal) após a aprovação pelo Congresso Nacional (através de Decreto
Legislativo).

11.2. Teoria monista

A teoria monista teve origem com Hans Kelsen e segundo ela o ordenamento jurídico interno de
cada Estado e o ordenamento jurídico internacional se interpenetrariam, formando um
ordenamento único. Assim o sistema normativo interno e o internacional convergiriam para

2
GONÇALVES, Maria Beatriz Ribeiro. Direito Internacional Público e Privado. 5ª ed. Salvador: Juspodivm. 2019.
P. 22.
formar um só sistema normativo, onde normas internas e internacionais coexistiriam. Desta
coexistência certamente adviriam conflitos normativos, sendo necessário fixar a norma
prevalecente (interna ou internacional?) diante destes casos. Da resposta para esta pergunta
nascem duas teorias derivadas da monista, as quais passaremos a estudar.

11.2.1 Teoria Monista Internacionalista

Conforme a Teoria Monista Internacionalista, existe um sistema jurídico único, constituído de


normas nacionais e internacionais, sendo que, no conflito entre elas, a norma internacional deve
prevalecer. É a posição que costuma constar dos acordos e tratados internacionais, com destaque
para o art. 27, da Convenção de Viena, sobre tratadas, de 1969, segundo o qual: “uma parte não
pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um
tratado.” Também foi a posição adotada pela Corte Permanente de Justiça e ratificada pela sua
sucessora, a Corte Internacional de Justiça.

Como desdobramentos da Teoria Monista Internacionalista, temos:

a. a Teoria Monista Internacionalista Radical: segundo a qual, no conflito entre a norma


internacional e a norma interna, aquela deve prevalecer e esta deve ser declarada inválida;

b. a Teoria Monista Internacionalista moderada: segundo a qual, no conflito entre a norma


internacional e a norma interna, aquela deve prevalecer e esta ser tão somente afastada do
caso concreto.

11.2.2 Teoria Monista Nacionalista

Assim como a Teoria Monista Internacionalista, a Teoria Monista Nacionalista também defende
a coexistência das normas internacionais e nacionais em um sistema jurídico único. Todavia,
para a Teoria Monista Nacionalista, no conflito entre uma norma internacional e uma norma
nacional, esta deverá prevalecer, privilegiando-se, assim, o ordenamento jurídico interno.

11.2.3 Teoria Monista Mitigada (ou Dialógica)


Essa teoria leva em consideração, para a solução dos conflitos entre normas internacionais e
nacionais, a proteção do direitos humanos. Segundo ela, havendo conflito entre normas
internacionais e nacionais, deverá sempre prevalecer aquela que ofereça o maior grau de
proteção aos direitos humanos. Observa-se, no caso, não uma hierarquia formal de normas,
mas uma hierarquia de valores, com a prevalência dos direitos humanos.

12. Tratados Internacionais

12.1. Terminologia

Tema tratado no iten 8.1.

12.2. Processo de elaboração

A elaboração e a entrada em vigor de um tratado internacional pressupõe a superação de um


processo solene e complexo, composto pelas seguintes etapas: negociações preliminares;
celebração ou assinatura; aprovação parlamentar; ratificação; promulgação; publicação e
registro.

Vejamos cada uma dessas etapas.

12.2.1 Negociações preliminares

Tratas-se de etapa prévia, onde as autoridades governamentais apresentam seus pontos


concordantes e discordantes a respeito da matéria objeto do tratado, buscando chegarem a um
denominador comum.

A CF/88, em seu artigo 84, VIII, diz que compete privativamente ao Presidente da República,
celebrar tratados, convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional.
Tal competência, todavia, pode ser por ele delegada, através da chamada carta de pleno poderes,
que capacita o delegatário a realizar a negociação.

Concluídas as negociações preliminares, passa-se para a fase da celebração ou assinatura.

12.2.2. Celebração/assinatura
Na lição de Maria Beatriz Ribeiro Gonçalves, “a assinatura é um aceite formal e precário do
texto do tratado, cujos efeitos são: autenticar o texto, atestar a concordância dos negociadores e
dar início ao prazo para ratificação.”

Importante destacar que a mera assinatura do tratado não é suficiente para gerar vínculo
obrigacional no plano internacional. Para tanto, será necessário superar também as próximas
fases do processo de elaboração.

12.2.3. Aprovação parlamentar

Trata-se de ato de soberania interna de cada país signatário do tratado em elaboração.

No Brasil, a Constituição Federal, no artigo 49, I, estabelece ser de competência exclusiva do


Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.” Essa manifestação
congressual se materializa por instrumento legislativo próprio, qual seja, o decreto legislativo.

12.2.4. Ratificação

Consiste no ato jurídico por meio do qual o Chefe de Estado do país signatário declara a
aceitação definitiva daquilo que foi convencionado.

Trata-se de ato discricionário, irretratável, expresso e irretroativo, que se materializa pelo


depósito da carta de retificação perante o órgão internacional competente, por meio do qual o
Estado se vincula ao tratado no plano internacional.

12.2.5. Promulgação

Ato jurídico por meio do qual o Chefe de Estado confere executoriedade interna ao tratado e
declara sua conformidade com o processo constitucional de elaboração.

Entre nós a promulgação do tratado pelo Chefe de Estado se materializa através de um decreto
do Presidente da República.
12.2.6. Publicação

Tanto o decreto legislativo, que aprova o tratado no âmbito interno, quanto o decreto do
Presidente da República, que o promulga, devem ser devidamente publicados na Imprensa
Oficial, para que possam ser, enfim, aplicados.

12.2.7. Registro

O registro é o ato pelo qual se torna público o conteúdo de um tratado e os integrantes que o
celebraram. Afinal, em pleno século XXI, não se pode considerar válidas relações internacionais
estabelecidas de forma secreta. Além do que, isso comprometeria a própria executoriedade do
mesmo e a segurança jurídica entre as partes.

Como ensina Emerson Penha Malheiro, “não existe um ‘cartório mundial’ onde devem ser
registrados todos os tratados”3.

Via de regra, nos dias atuais, os tratados são registrados nas Organizações Internacionais das
quais os acordantes participam, levando-se em consideração, sobretudo, a pertinência temática.
Todavia, a Convenção de Viena sobre Tratados, estabelece que todo e qualquer tratado ou
acordo internacional, assinado por qualquer membro da ONU, deverá ser por ele registrado no
Secretariado da referida organização e por este publicado.

A ausência de registro, impede a invocação de qualquer dispositivo do tratado perante a


Organização Internacional.

12.3. Incorporação ao Direito Internacional Brasileiro

Para a doutrina majoritária, no que tange à incorporação dos tratados ao direito interno, o Brasil
adotou a teoria dualista moderada. Afinal, a incorporação de um tratado ao direito pátrio e a sua
conseqüente executoriedade, depende da aprovação do mesmo pelo Congresso Nacional,
através de Decreto Legislativo e a conseqüente edição de um Decreto Presidencial
promulgando-o.

3
MALHEIRO, Emerson Penha. Manual de Direito Internacional Público. 2ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 85.
Importante destacar que os tratados ou acordos internacionais só ganham executoriedade no
direito interno pátrio, com a edição do Decreto do Presidente da República, não bastando, para
tanto, a aprovação do Congresso Nacional.

12.4 Extinção dos tratados

A extinção de um tratado internacional pode se dar das seguintes formas:

a. Condição resolutiva: consiste numa cláusula que impõe a extinção do tratado na ocorrência
de determinado evento futuro e incerto. Assim, observada a ocorrência de tal evento, extinto
estará o tratado.

b. Denúncia: consiste em ato unilateral por meio do qual um Estado manifesta sua vontade de
deixar de ser parte em um tratado internacional. Em regra, os tratados só poderão ser
denunciados quando preverem explicitamente tal possibilidade. Nossa Constituição prevê (art.
84, VII) que a denúncia é ato discricionário do Chefe de Estado, sendo desnecessária a prévia
autorização legislativa.

c. Distrato: consiste na dissolução do tratado por ato de comum acordo entre as partes
signatárias. Trata-se de verdadeiro ajuste entre as partes, com o propósito de extinguir o pacto
entre elas estabelecido.

d. Expiração do termo: ocorre pela expiração do prazo estabelecido para a vigência do tratado.
Trata-se, obviamente, de hipótese possível somente em caso de tratado com prazo determinado.

e. Perda do objeto: trata-se de hipótese de destruição ou desaparecimento definitivo do objeto


que levou à celebração do pacto.

f. Execução integral do objeto: ocorre quando os objetivos que levaram à celebração do tratado
foram integralmente alcançados.

g. Tratado posterior: também é possível a extinção de um tratado por conta de estipulação


posterior, que faça com que aquele que a antecede perca a eficácia, por tratar do mesmo assunto
de forma integral ou incompatível.
12.5. Hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro

Incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, os tratados internacionais, em regra, se


posicionam no mesmo patamar hierárquico das leis ordinárias. Essa regra, todavia, comporta
tratamento diferenciado nos casos que passaremos a analisar.

12.5.1 Hierarquia do tratados internacionais sobre direitos humanos

A questão da posição hierárquica, no ordenamento jurídico brasileiro, dos tratados


internacionais sobre direitos humanos, sofreu significativas alterações desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988.

À época da promulgação da Constituição Federal de 1988, o STF entendia que os tratados


internacionais (qualquer que fosse a matéria por eles vinculada), uma vez incorporados ao
ordenamento jurídico brasileiro, teriam a mesma hierarquia das leis ordinárias. Ou seja, tratados
internacionais e leis ordinárias estariam no mesmo patamar de hierarquia normativa, não
havendo que se falar do sobreposição de um em relação ao outro.

Todavia, no ano 2000, surge uma nova posição na Suprema Corte. Ao proferir seu voto no RHC
nº 79.785, o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence sustentou a tese de que os tratados
internacionais sobre direitos humanos teriam status hierárquico de norma supralegal, ou seja,
norma superior às leis, embora inferior à Constituição. Uma espécie normativa situada entre a
Constituição Federal e as leis infracontitucionais.

Em 2004, a Emenda Constitucional nº 45, ao introduzir o § 3º, ao artigo 5º, da Constituição


Federal, trouxe nova luz à questão. Do referido dispositivo lê-se:

3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos


que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais. 

Nota-se que o precitado dispositivo reproduz o processo legislativo para a aprovação de emenda
constitucional (três quintos, em dois turnos, em cada uma das Casas do Congresso Nacional -
vide art. 60, § 2º, CF). Assim, pode-se dizer que os tratados internacionais sobre direitos
humanos que ingressarem no ordenamento jurídico brasileiro pelo mesmo processo de
aprovação de emendas constitucionais serão equivalentes a estas, ou seja, terão o mesmo status
hierárquico destas.

Diante desta nova realidade legislativa, podemos afirmar que os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos terão status hierárquico de:

a. emenda constitucional: se ingressarem no ordenamento jurídico nacional pelo rito especial do


§ 3º, do art. 5º, da CF;

b. norma supralegal: se ingressarem no ordenamento jurídico nacional pelo rito comum


(Decreto Legislativo + Decreto Presidencial).

12.5.2 Hierarquia dos tratados internacionais sobre transporte internacional

Ao tratar dos transportes aéreo, aquático e terrestre, a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 179, dispõe que:

Art. 179. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes


aéreo, aquático e terrestre, devendo quanto à ordenação do
transporte internacional, observar os acordos firmados pela
União, atendido o princípio da reciprocidade.

A partir do precitado dispositivo a doutrina vinha entendendo que os tratados internacionais


sobre transporte internacional se sobrepõem às leis ordinárias que regulamentam a matéria no
ordenamento jurídico brasileiro. Essa posição foi recentemente pacificada no STF, que, em sede
de repercussão geral, decidiu que:

“Nos termos do art.178 da Constituição da República, as


normas e os tratados internacionais limitadores da
responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros,
especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm
prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.”
(STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e
ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em
25.05.2017) – (repercussão geral) – (Info 866).
12.5.2 Hierarquia dos tratados internacionais sobre Direito Tributário

Decisões recentes e reiteradas vêm reconhecendo status supralegal aos tratados internacionais
sobre direito tributário. Tais decisões se pautam pelo constante do artigo 98, do Código
Tributário Nacional, que prevê:

Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam


ou modificam a legislação tributária interna, e serão
observados pela que lhes sobrevenha.

Todavia, não obstante a referida previsão e as recentes e reiteradas decisões a reconhecer status
supralegal aos tratados internacionais sobre direito tributário, o entendimento predominante,
sobretudo nas Cortes Superiores, se mantém no sentido de considerá-los incorporados ao direito
pátrio com status de lei ordinária.

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1. Conceito
Direito Internacional Privado é o ramo do direito interno que regula normativamente as relações
jurídicas com “conexão internacional”, apresentando soluções para o concurso de leis no
espaço.

Em regra, aos fatos ocorridos dentro de um determinado Estado, aplica-se a lei nacional deste
Estado. Todavia, pode ocorrer de um determinado repercutir em mais de um Estado, gerando
dúvida sobre qual ordenamento jurídico se deva aplicar ao caso concreto. Nesses casos diz-se
haver um “conflito (ou concurso) de leis no espaço, ou seja, uma hipótese de aplicação
simultânea das normas de dois ou mais ordenamentos jurídicos, a respeito de um mesmo caso
concreto, posto o mesmo apresentar uma conexão internacional. É o que ocorre, por exemplo,
nas hipóteses de um contrato celebrado por pessoas que vivem em países diferentes, de um
casamento celebrado no exterior com cônjuges de domicílios diversos, da sucessão de bens de
estrangeiro que possua imóvel no exterior, etc.

Pois bem, diante de situações como essas compete ao Direito Internacional Privado indicar qual
norma deverá ser aplicada. Para tanto, vale-se do que eu chamo de regra parâmetro (a doutrina
fala em “elementos de conexão”), como: a regra (ou “lei”) do domicílio, regra (ou “lei”) do
local onde se constituiu a obrigação, regra (ou “lei”) do foro, a regra (ou “lei”)da nacionalidade,
etc.

Importante ressaltar, todavia, que a norma de Direito Internacional Privado limitar-se-á a


indicar, na hipótese de conflito de lei no espaço, qual norma aplicar para a solução do caso
concreto. A norma de Direito Internacional Privado não incidirá diretamente sobre o caso em
concreto. Ela dirá qual norma, de qual ordenamento jurídico interno, deverá ser aplicada na
solução daquele caso.

2. Objeto

O objeto precípuo do Direito Internacional Privado é o conflito (ou concurso) de leis no espaço.
Todavia, seguindo a tradição jurídica francesa, a doutrina brasileira também admite como parte
do Direito Internacional Privado a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro e o
concurso de jurisdição.

3. Fontes
Ao tratarmos das fontes do Direito Internacional Privado é preciso, antes de mais nada, deixar
claro que o mesmo constitui um ramo do direito privado interno. Portanto, produzido pelo poder
competente (via de regra, o Poder Legislativo) de cada país.

Destarte, é a norma interna de cada país que definirá, diante de uma situação de conflito de
normas no espaço, qual norma deverá ser aplicada na solução do mesmo: a norma nacional ou a
estrangeira. É também a norma interna de cada país que definirá quem são os nacionais daquele
país, que disciplinará a situação dos estrangeiros daquele país, entre outras situações.

Diante da observação supra, não resta dúvida de que a principal fonte do Direito Internacional
Privado é a lei, merecendo destaque a respeito:

a. a Constituição Federal;

b. a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Lei 12.376/2010, antiga Lei
de Introdução ao Código Civil – Decreto-lei 4.657/1942);

c. o Código de Processo Civil;

d. o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) e a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017);

e. a Lei do Refúgio (Lei nº 9.747/94);

Não obstante seja a lei nacional a principal fonte do Direito Internacional Privado, há também
normas sobre a disciplina em tratados internacionais.

4. Conflito de leis e norma aplicável

4.1. Introdução

Conforme já foi visto, como regra geral aplica-se o direito interno de um determinado Estado às
relações jurídicas ocorridas no território deste Estado. Todavia, em caráter excepcional podem
ocorrer hipóteses geradoras de dúvidas quanto ao ordenamento jurídico que deva incidir diante
de uma questão jurídica em concreto. Isso ocorre quando se observa na relação em questão o
que a doutrina chama de elemento de “conexão internacional”.
Nestes casos, vê-se diante de um “concurso (ou conflito) de leis”, sendo necessário identificar
qual o ordenamento jurídico (de qual Estado) será aplicado. As normas de Direito Internacional
Privado surgem neste contexto justamente para indicarem (normas indicativas), através dos
elementos e objetos de conexão, qual lei, de qual ordenamento jurídico, deve ser aplicada àquela
situação.

4.2. Objetos e elementos de conexão

No Brasil, é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro quem traz a quase totalidade
das normas de Direito Internacional Privado, a regularem os conflitos (ou concursos) de lei no
espaço.

O referido diploma legal adotou como regra o princípio da territorialidade moderada, que faz
com que na maioria dos casos de conflito no espaço seja aplicada a lei brasileira, mas
admitindo, em hipóteses excepcionais, a aplicação da lei de outro Estado.

As normas indicativas da LINDB apresentam em sua estrutura duas partes fundamentais: o


objeto de conexão e o elemento de conexão.

Por objeto de conexão, entenda-se a matéria a que se refere a norma. Já por elemento de
conexão deve-se entender a indicação do direito aplicável. Para uma melhor compreensão,
analisemos o seguinte exemplo:

Art. 9º (da LINDB). Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem.

Objeto de conexão: qualificação e regência das obrigações. Esta é a matéria de que trata o
dispositivo legal.

Elemento de conexão: leis do pais em que a obrigação foi constituída. Este o direito aplicável.

4.3. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Neste tópico analisaremos os principais dispositivos integrantes da Lei de Introdução às Normas


do Direito Brasileiro, apontando seu objeto de conexão e seu elemento de conexão.
Previsão da LINDB Objeto de conexão Elem. de conexão Lei aplicável
Art. 7º, caput. A lei do país Personalidade, nome, Domicílio da pessoa. Aplica-se a lei do domicílio da
em que domiciliada a pessoa capacidade e direitos de Princípio do “Lex pessoa.
determina as regras sobre o família domicilii”.
começo e o fim da
personalidade, o nome, a
capacidade e os direitos de
família.

Art. 7º, §1º. Realizando-se o Impedimentos Lei do local da Aplica-se a lei brasileira caso
casamento no Brasil, será dirimentes e às celebração do o casamento seja realizado no
aplicada a lei brasileira formalidades da casamento. Brasil.
quanto aos impedimentos celebração.
dirimentes e às formalidades
da celebração.

Art. 7º, §3º. Tendo os Invalidade do Lei do primeiro Aplica-se a lei do primeiro
nubentes domicílios diversos, matrimônio domicílio conjugal, domicílio conjugal, caso
regerá os casos de invalidade caso tenham os tenham os nubentes
do matrimônio a lei do nubentes domicílios domicílios diversos
primeiro domicílio conjugal. diversos

Art. 7º, § 4º. O regime de Regime de bens. Lei do país de Aplica-se a lei do país de
bens, legal ou convencional, domicílio dos domicílio dos nubentes ou lei
obedece à lei do país em que nubentes ou lei do do primeiro domicílio
tiverem os nubentes primeiro domicílio conjugal, caso tenham os
domicílio,e, se este for conjugal, caso tenham nubentes domicílios diversos.
diverso, a do primeiro os nubentes domicílios
domicílio conjugal. diversos.
Princípio do “Lex
domicilii”.

Art. 8º, caput. Para qualificar Qualificação de bens Lei do país em que Aplicar-se a lei do país em
os bens e regular as relações móveis e imóveis e estiverem situados. que os bens estiverem
a eles concernentes, aplicar- regulamento de Princípio da “Lex rei situados.
se-á a lei do país em que relações a eles sitae”.
estiverem situados. concernentes.

Art. 8º, § 2º. O penhor Penhor. Lei do país do Aplica-se a lei do país do
regula-se pela lei do domicílio da pessoa domicílio da pessoa em cuja
domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse estiver a posse estiver a coisa
em cuja posse se encontre a coisa apenhada. apenhada.
coisa apenhada.

Art. 9º, “caput”. Para Qualificação e regência Lei do país em que se Aplica-se a lei do país em que
qualificar e reger as das obrigações. constituírem as se constituírem as obrigações.
obrigações, aplicar-se-á a lei obrigações.
do país em que se Princípio do “locus
constituírem. regit actum”

Art. 10, caput. A sucessão Sucessão por morte ou Lei do país em que Aplica-se a lei do país em que
por morte ou por ausência ausência. domiciliado o de cujus domiciliado o de cujus ou
obedece à lei do país em que ou desaparecido, desaparecido, qualquer que
domiciliado o defunto ou qualquer que seja a seja a natureza e situação dos
desaparecido, qualquer que natureza e situação dos bens.
seja a natureza e a situação bens.
dos bens.

Art. 10, § 1º. A sucessão de Sucessão de bens de Lei mais favorável ao Aplica-se a lei mais favorável
bens de estrangeiros, situados estrangeiros, situados cônjuge ou filhos ao cônjuge ou filhos
no País, será regulada pela lei no Brasil. brasileiros, seja a brasileiros, seja a brasileira ou
brasileira em benefício do brasileira ou a pessoal a pessoal do de cujus.
cônjuge ou dos filhos do de cujus.
brasileiros, ou de que os
represente, sempre que não
lhes seja mais favorável a lei
pessoal do de cujus.

Art. 10, § 2º. A lei do Capacidade para Lei do local do Aplica-se a lei do local do
domicílio do herdeiro ou suceder. domicílio do herdeiro domicílio do herdeiro ou
legatário regula a capacidade ou legatário. legatário.
para suceder. Princípio da “Lex
domicilii”.

5. Condição jurídica do estrangeiro

5.1. Introdução

Estrangeiro é aquele que não detém vínculo de nacionalidade (originária ou derivada) com
determinado país.

No Brasil, a situação jurídica do estrangeiro era tratada pela Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do
Estrangeiro), produzida durante o período de ditadura militar e com nítido viés nacionalista,
como se percebe da leitura de seu artigo 2º:

Art. 2º. Na aplicação desta lei atender-se-á precipuamente à


segurança nacional, à organização institucional, aos interesses
políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa
do trabalhador nacional.

A matéria, todavia recebeu novo tratamento com a entrada em vigor da Lei nº 13.445/2017 (Lei
de Migração), regulamentada pelo Decreto nº 9.199/2017, que modernizou o tratamento jurídico
dispensado à matéria, abandonando, por exemplo, a idéia o migrante como uma ameaça à
segurança nacional e ao trabalhador brasileiro.

5.2. Princípios e diretrizes da Lei de Migração

Como já foi dito acima, a Lei de Migração abandona a idéia do migrante como alguém que põe
em risco a segurança nacional e o trabalhador brasileiro. E passa a tratá-lo como pessoa capaz
de contribuir para o desenvolvimento nacional e agente de diversidade e pluralidade cultural.
Com a edição desta lei, a política migratório nacional passa a ser regida por novos princípios e
diretrizes (art. 3º), como, por exemplo:

a. universalidade dos direitos humanos;


b. repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer forma de discriminação;
c. não criminalização da migração;
d. promoção da entrada regular e da regularização documental;
e. garantia do direito à reunião familiar;
f. proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante;
g. inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas;
h. acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens
públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e
seguridade social;
i. repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas.

5.3. Entrada do estrangeiro

A autorização de entrada ou permanência de estrangeiro em outro país constitui ato


discricionário de cada Estado.

Via de regra, a admissão da entrada de estrangeiro em determinado país está ligada à existência
de:

a. visto;
b. documentação oficial de viagem e identificação.
5.3.1. Visto

Visto é o documento que confere ao seu titular a expectativa de ingresso em território de um


país do qual não é nacional.

O visto pode ser das seguintes espécies:

a. de visita;
b. temporário;
c. oficial;
d. diplomático;
e. de cortesia.

O visto de visita é concedido ao visitante que venha ao Brasil para estada de curta duração, sem
intenção de estabelecer residência, como, por exemplo, nos casos de:

a. turismo;
b. negócios;
c. atividades esportivas.

O visto temporário é concedido ao estrangeiro que venha ao Brasil com o intuito de estabelecer
residência temporária, como, por exemplo, nos casos de:

a. estudo;
b. pesquisa;
c. trabalho (por prazo determinado);
d. prática de atividade religiosa ou serviço voluntário;
e. atividade desportiva (com contrato por prazo determinado).

Os vistos diplomático e oficial poderão ser concedidos a autoridades ou funcionários


estrangeiros que viajem ao Brasil em missão oficial, de caráter transitório ou permanente,
representando Estado estrangeiro ou organismo internacional.

O visto de cortesia é concedido aos empregados dos titulares de vistos oficiais ou diplomáticos.
O titular do visto de cortesia, enquanto permanecer no território brasileiro, só poderá exercer
atividade remunerada para o titular do visto oficial ou diplomático.

5.3.2. Documentos oficiais de viagem:

Segundo a Lei de Migração, são documentos oficiais de viagem, por exemplo:

a. o passaporte;
b. a carteira de identidade de marítimo;
c. a carteira de matrícula consular;
d. o certificado de membro de tripulação de transporte aéreo.
5.4. Saída de estrangeiro

São três as formas de saída compulsória de estrangeiro do território brasileiro 4:

a. repatriação;
b. deportação; e
c. expulsão.

5.4.1. Repatriação

Conforme a Lei de Migração, a repatriação consiste em medida administrativa de devolução de


pessoa em situação de impedimento de ingresso, ao país de procedência ou de nacionalidade
(art. 49).

Este impedimento ocorre quando o estrangeiro, migrante ou visitante, não obtém autorização
para ultrapassar as barreiras alfandegárias em porto, aeroporto ou fronteira a fim de entrar no
Brasil. Ou seja, ele sequer chegou a ingressar no território brasileiro.

O art. 45, da Lei de Migração prevê as hipóteses de impedimento de ingresso, dentre as quais
destacamos aquelas de ter sido a pessoa:

a. anteriormente expulsa do País, enquanto os efeitos da expulsão vigorarem;

b. condenada por crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de
agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional;

c. que tenha o nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso
assumido pelo Brasil perante organismo internacional;

d. que apresente documento de viagem que:


d.1. não seja válido no Brasil;
d.2. esteja com prazo de validade vencido;
d.3. esteja com rasura ou indício de falsificação.

4
A extradição também acarreta a saída compulsória do território brasileiro, mas será estuda como “medida de cooperação”, pois
assim é tratada pela legislação.
e. que não apresente documento de viagem ou documento de identidade, quando admitido;

f. cuja razão da viagem não seja condizente com o visto;

g. que fraudado documentação ou prestado informação falsa por ocasião da solicitação de visto.

O parágrafo único do referido dispositivo prevê, ainda, que ninguém será impedido de ingressar
no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião
política.

Não será repatriada a pessoa em situação de refúgio ou apatridia, bem como o menor de dezoito
anos desacompanhado ou separado de sua família.

5.4.2. Deportação

A deportação é medida decorrente de procedimento administrativo que consiste na retirada


compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional
(art. 50, da Lei de Migração).

A deportação deverá ser precedida de notificação pessoal ao deportando, da qual deverá constar
expressamente as irregularidades verificadas e o prazo para a regularização, não inferior a
sessenta dias, podendo ser renovado mediante despacho fundamentado e compromisso de a
pessoa manter atualizadas suas informações domiciliares (art. 50, §1º). Também deverão ser
respeitados o contraditório e a ampla defesa, bem como a garantia de recurso, com efeito
suspensivo (art. 51).

O deportado poderá retornar ao Brasil, tão logo regularize sua situação.

Não poderá haver deportação quando esta configurar extradição inadmitida pela lei brasileira
(art. 53), ou quando o estrangeiro puder ser enquadrado como asilado ou refugiado.

O fato do estrangeiro ser casado com cônjuge brasileiro ou ter filho brasileiro sob sua guarda e
dependência econômica não impede a deportação.
5.4.3. Expulsão

A expulsão consiste em medida administrativa discricionária, consistente na retirada


compulsória de estrangeiro do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso
por prazo determinado tendo em vista a prática de ato criminoso específico.

Pode ensejar a expulsão a condenação transitada em julgada pela prática de:

a. crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos
termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional;

b. crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as


possibilidades de ressocialização em território nacional.

O procedimento de expulsão encontra-se regulado nos arts. 54 e seguintes da Lei de Migração.

Atualmente o procedimento de expulsão tramita pelo Ministério da Justiça, atribuindo-se ao


respectivo Ministro, decidir discricionariamente a respeito da expulsão, garantindo-se ao
expulsando o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Expulso, o estrangeiro deverá deixar o território nacional e não poderá retornar enquanto
perdurar o impedimento de reingresso, salvo se houver suspensão ou revogação dos efeitos da
expulsão.

O reingresso de estrangeiro expulso configura crime previsto no art. 338, do CP.

Não será admitida a expulsão (art. 55, da Lei de Migração):

a. Quando a expulsão configure extradição inadmitida pelas leis brasileiras;

b. Quando o expulsando:
b.1. tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva
ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;
b.2. tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido
judicial ou legalmente;
b.3. tiver ingressado no Brasil até os doze anos de idade, residindo desde então no país;
b.4. for pessoa com mais de setenta anos que resida no País há mais de dez anos, considerados a
gravidade e o fundamento da expulsão.

A respeito, o STF editou a Súmula 1: É vedada a expulsão de estrangeiro casado com


brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna.

6. Extradição

6.1. Conceito

A Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração) refomulou o estudo da estradição, modernizando o


tratamento conferido ao instituto pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A referida Lei, em seu artigo 81, conceitua a estradição como medida de cooperação
internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado, através da qual se concede ou solicita a
entrega e pessoa sobre quem recais condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de
processo penal em curso.

Nas palavras de Francisco Rezek, “extradição é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido
deste, de indivíduo que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena.”

6.2. Espécies

A extradição pode ser de duas espécies:

a. extradição ativa: hipótese em que o Estado Brasileiro solicita a outro país a entrega de um
indivíduo, a fim de julgá-lo ou puni-lo pela prática de um crime praticado no Brasil;

b. extradição passiva: hipótese em que outro Estado estrangeiro solicita ao Brasil a entrega de


um indivíduo que se encontre no território brasileiro. (exemplo: a Itália solicita ao Brasil a
extradição de Cesare Battisti)

6.3. Condições
A Lei de Migração, em seu art. 83, determina que são condições para a extradição:

I – ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao


extraditando as leis penais desse Estado; e

II – estar o extraditando respondendo a processo investigatório ou a processo penal ou ter sido


condenado pelas autoridades judiciárias do Estado requerente a pena privativa de liberdade.

Além disso, para que a extradição se efetive, é necessária a existência de Tratado de Extradição
ou promessa de reciprocidade entre os países envolvidos.

6.4. Impedimentos

Mesmo que presentes os requisitos da extradição, a mesma não será deferida quando (art. 82, da
Lei de Migração):

I – o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato;

II – o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;

III – o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;

IV – a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos;

V – o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no


Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;

VI – a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado


requerente;

VII – o fato constituir crime político ou de opinião;

VIII – o extraditando tiver de responder, Estado requerente, perante tribunal ou juízo de


exceção;
IX – o extraditando for beneficiário de refúgio, nos termos da Lei nº 9.747, de 22 de julho de
1997, ou de asilo territorial.

O brasileiro nato não será extraditado. Todavia, caso tenha perdido a nacionalidade originária
brasileira, por conta, por exemplo, da aquisição voluntária de outra nacionalidade, a extradição
poderá ser levada a efeito (STF, ETX 1462).

A extradição de brasileiro naturalizado poderá ser efetivada caso:

a. se trate de crime comum, praticado antes da naturalização; ou

b. de comprovado envolvimento, a qualquer tempo, em tráfico ilícito de entorpecentes ou


drogas afins, na forma da lei.

6.5. Procedimento

Via de regra, o pedido de extradição é encaminhado ao Brasil pela via diplomática, sendo
recebido pelo Ministério das Relações Exteriores, que o encaminhará ao Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça.
Caso o país requerente não tenha representação diplomática no Brasil, o pedido poderá ser
encaminhado diretamente ao Ministério da Justiça.

Recebido o pedido pelo Ministério de Relações Exteriores, este o encaminhará ao Ministério da


Justiça que, por sua vez, o encaminhará ao Supremo Tribunal Federal, a quem compete analisar
se presentes os requisitos e ausentes os impedimentos da extradição. Se entender que o caso não
comporta extradição, o STF arquivará o processo e esta decisão vinculará o Presidente da
República. Caso entenda que o caso comporta extradição, o STF encaminhará o processo ao
Presidente da República, que não estará vinculado a esta decisão, podendo, a juízo
discricionário seu, determinar ou não a extradição.

7. Asilo

7.1 Conceito
O asilo consiste numa proteção dada por um Estado a um indivíduo em face de perseguição
sofrida em outro Estado, por razões políticas, religiosas ou de opinião. É comumente chamado
de “asilo político”.

7.2. Espécies

A doutrina identifica duas espécies de asilo:

a. asilo territorial: aquele que é requerido por quem já se encontra no território do Estado
asilante. Trata-se de ato definitivo;

b. asilo diplomático: aquele que é requerido por quem ainda se encontra no território do Estado
onde sofre a perseguição. Neste caso, o requerente será acolhido em local imune à jurisdição
deste Estado (ex. numa Embaixada), até sua trasnferência para o território do Estado asilante.
Diz-se, por conta disto, que o asilo diplomático possui caráter transitório, convertendo-se em
asilo territorial definitivo.

7.3. Diretrizes e impedimento

Além da Lei de Migração, o instituto do asilo também é regido por normas de Direito
Internacional, em especial a Convenção sobre Asilo Territorial de Caracas (1954) e a Resolução
nº 3.212 da Assembléia Geral da ONU, que estabelece como diretrizes principais sobre a
matéria:

a. a concessão de asilo é deicisão discricionária do Estado concedente;

b. o asilo deve ser concedido a pessoas que sofrem perseguição;

c. os demais Estados devem respeitar a outorga do asilo e este não será considerado ato
inamistoso por parte de nenhuma nação;
d. as pessoas que recebem asilo não poderão ser enviadas aos Estados em cujo território sofram
perseguição (regra do non-refoulement – não-devolução);

e. cabe ao Estado asilante a qualificação do ato que motiva a perseguição ao indivíduo comum
ou político.

A Lei de Migração, em seu artigo 28, estabelece que não se concederá asilo a quem tenha
cometido crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de
agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional,
de 1998, promulgado pelo Decreto nº 4.388/2002.

8. Refúgio

8.1. Conceito

O refúgio consiste em instituto de direito internacional que tem por fim a proteção da pessoa
humana, individual ou coletivamente considerada, que em razão de fundados temores de
perseguição, por motivo de raça, crença, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas,
encontre-se fora de seu país de origem.

8.2. Legislação

Trata-se, o refúgio, de assunto de interesse global, regulamentado sobretudo pela Convenção


Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 (promulgada pelo Decreto 50.215/61) e pela
Declaração da Organização dos Estados Americanos de Cartagena sobre os Refugiados, de
1984.

Para e editar e acompanhar as normas que tratam do tema, a ONU criou um órgão próprio: o
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
No Brasil a matéria encotra-se regulamentada na Lei nº 9474/1997 (Lei do Refúgio), que criou o
Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE).

8.3. O refugiado na legislação brasileira

No Brasil, considera-se refugiado todo indivíduo que:

a. devido a fundado temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não
queira acolher-se à proteção de tal país;

b. não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não
possa ou não queira regressa a ele, em função das circunstâncias descritas no item anterior;

c. Devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de
nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

O reconhecimento, no Brasil, da condição de refugiado, fica a cargo do Comitê Nacional para


os Refugiados (CONARE), órgão colegiado federal vinculado ao Ministério da Justiça.

A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição


pendente.

Também se aplica ao refúgio a regra do non-refoulement (não-devolução).

8.4. Impedimento
O candidato a refugiado no Brasil não pode:

- desfrutar de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição da ONU;

- ser residente no território nacional;

- ter direitos ou obrigações relativas à condição de nacional brasileiro;

- ter cometido crime contra a paz, crime de guerra, contra a humanidade, crime hediondo, atos
terroristas, tráfico de drogas ou ser considerado culpado de atos contrários aos fins e princípios
das Nações Unidas.

Você também pode gostar