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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Direito internacional público: fundamento e relação com o direito


interno

1. Introdução ao direito internacional público

Na introdução ao direito internacional público (DIP), ao contrário do que


costuma ocorrer em outras matérias, há aspectos muito importantes a serem
estudados e que caem em prova. Inicialmente, serão expostas e respondidas
algumas questões sobre o DIP: O que ele é? Afinal de contas, o que
seria o direito internacional público? Qual é o fundamento do DIP? Por que o
DIP é obrigatório e vincula as pessoas de direito internacional? Como se dá a
relação entre o direito internacional e o direito interno?

2. Conceito de direito internacional

Consiste em um conjunto de normas jurídicas que rege a relação de Estados,


organizações internacionais e, subsidiariamente, indivíduos e outros entes no
seio da chamada sociedade internacional, como pessoas jurídicas.

2.1. Terminologia

Há algumas expressões doutrinárias, como direito das gentes, utilizada


especialmente nos séculos XVII e XVIII. O termo perdeu força depois disso,
tendo pertencido ao início do direito internacional e proveniente dos
gentium do direito romano, ou seja, o direito dos não cidadãos romanos;
portanto, estes (cidadãos) possuíam ius civilis. Hoje, a frase é utilizada com
um tom rebuscado, questão de estilo linguístico.

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O juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, um dos maiores internacionalistas
brasileiros, ex-membro da Corte Interamericana de Direitos Humanos (gestão
de 1994 a 2008) e juiz do Tribunal Internacional de Justiça (2009 a 2018),
nas suas últimas obras e votos, tem se referido ao novo ius gentium.

• International Law – Em 1789, o inglês Jeremy Bentham consagrou a expressão; outra,


mais adaptada aos países americanos, seria direito interestatal. Essa diferença ocorre porque
Nation está muito mais para Estado, numa tradução nossa, configurando uma visão
estatocêntrica. Todavia, internacionalmente prevalece essa expressão.

Clóvis Beviláqua, no início do século XX, que, além de civilista, era consultor
jurídico do Itamarati, usava a expressão direito público internacional.
Efetivamente, ninguém mais questiona a expressão direito internacional.

2.2. Conceito de direito internacional público

O que é o direito internacional público? A doutrina, quase


unânime, começa a conceituação do direito internacional público afirmando
que este pode ser definido a partir de três critérios:

a) Critério dos sujeitos: o DIP é o ramo do direito que estuda as normas que regulam
as relações entre os sujeitos de direito internacional.
b) Critério das matérias reguladas: o DIP é o ramo do direito que estuda as normas
que regulam as matérias que ultrapassam os limites estatais.
c) Critério das fontes: o DIP é o ramo do direito que estuda as normas oriundas das
fontes normativas internacionais.

A doutrina chama atenção para o fato de que esses critérios isolados são
insuficientes para definir o DIP. Por isso, sugerem que a conceituação deve
levar em consideração os três critérios em conjunto, pois, sozinhos, são
insuficientes para definir a matéria. Dessa forma, podemos dizer que o DIP é
o ramo do direito que estuda as normas oriundas das fontes normativas
internacionais, as quais regulam relações entre os sujeitos de direito
internacional nas matérias que ultrapassem limites estatais. O conceito
adiante exposto é utilizado pela maior parte da doutrina brasileira.

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3. Desenvolvimento histórico do direito internacional

O direito internacional na Antiguidade consistia das normas que regulavam


relações entre comunidades, desde a Antiguidade Oriental até a Idade
Moderna. Isso é um debate capitaneado pelo professor titular de direito
internacional público da USP Paulo Borba Casella (Largo São Francisco).

De acordo com lições de André de Carvalho Ramos, é importante que


se saiba o seguinte: esse direito internacional no tempo antigo consiste na
necessidade de regulação das relações entre as comunidades. Entretanto, o
DI, tal qual nós o conhecemos hoje, consagrou-se apenas com a emergência
do Estado Nacional, a partir da ideia de soberania. Assim, esse ramo do
direito se estabelece no final do século XVIII e no início do XIX, a depender da
região do mundo. É a gênese do Estado Nacional que marca o surgimento
do DI como o conhecemos hoje.

1ª Fase – Direito Internacional no Tempo Antigo:


homenageando o professor Paulo Borba Casella, vai tanto da Antiguidade
Oriental quanto Ocidental (tratado de extradição entre os hititas e o Egito, o
documento mais longevo de que se tem notícia).

Atenção!

Cooperação jurídica internacional, em matéria penal, é tema de


suma importância para o concurso do MPF atualmente,
especialmente com relação a extradição. Atenção ao tema,
portanto. O MPF possui uma Secretaria de Cooperação Jurídica
Internacional, visando combate ao crime organizado, à lavagem de
ativos etc. É interessante que se leia o material no site do MPF, que
explica como se dá essa cooperação e a diferença entre carta
rogatória e auxílio direto.

A extradição da Antiguidade era voltada ao inimigo do regime, sendo que o


criminoso comum poderia pedir asilo. Atualmente é o inverso, sendo vedada a
extradição do criminoso político, e voltada ao criminoso comum.

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2ª Fase – Afirmação Histórica do Direito Internacional (DI Clássico):
Leva-nos ao DI clássico, cujos marcos são duas datas que devem ser
lembradas:

• 1625 – Hugo Grocio, pai do DI, escreveu o primeiro manual. Não obstante, Francisco de
Vitória, junto com Hugo Grocio, compôs a escola de DI na Universidade de Salamanca
(primeira universidade na Espanha). O manual se chama Do Direito da Guerra e da Paz.
• 1648 – Paz de Westfália (ou Vestefália) : Tratados de Münster e Osnabrück
puseram fim à Guerra dos Trinta Anos.

Atenção!

A chamada Paz de Vestfália (ou de Vestefália,


ou ainda Westfália), também conhecida como os Tratados de
Münster e Osnabrück (ambas as cidades atualmente situadas na
Alemanha), designa uma série de tratados que encerraram a Guerra
dos Trinta Anos e reconheceram oficialmente as Províncias Unidas
e a Confederação Suíça. O Tratado Hispano-Holandês, que pôs fim
à Guerra dos Oitenta Anos, foi assinado no dia 30 de janeiro de
1648 (em Münster). Já o tratado de Vestfália, assinado em 24 de
outubro de 1648, em Osnabrück, entre Fernando III, Sacro
Imperador Romano-Germânico, entre França e Suécia, pôs fim ao
conflito entre estas duas últimas potências e o Sacro Império. O
Tratado dos Pirineus (1659) encerrou a guerra entre França e
Espanha, e também costuma ser considerado parte da Paz de
Vestfália.

Esse conjunto de diplomas inaugurou o Sistema Internacional moderno, ao


acatar consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o
de Estado Nação. Embora o imperativo da paz tenha surgido em decorrência
de uma longa série de conflitos generalizados, surgiu com eles a noção
embrionária de que uma paz duradoura derivava de um equilíbrio de poder,
noção essa que se aprofundou com o Congresso de Viena (1815) e com o
Tratado de Versalhes (1919). Por essa razão, a Paz de Vestfália costuma ser
o marco inicial nos currículos dos estudos de Relações Internacionais. Vale
lembrar que essas fases são aproximações, sendo importante entender a
temática da soberania.

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Soberania, na visão clássica, é o poder absoluto incontrastável, definição de
Jean Bodin (francês). Como temos Estados soberanos, todos com poder
absoluto incontrastável, como se relacionariam entre si se cada um é
absoluto? A única solução era a guerra. A partir dessa necessidade social,
surge o direito internacional.

Todo ramo do direito atende a uma necessidade social. Como conseguir uma
convivência pacífica entre Estados, sem destruição permanente, sendo
utilizada a guerra somente em casos extremos? Essa era a necessidade
social que fez surgir/evoluir o DI. Nasce o Estado Nacional por conta da crise
do sistema feudal, surgindo o capitalismo, o qual precisa de mercado,
destruição criativa, expansão, investimento, lucro, reinvestimento e mais lucro
etc., formando a espiral do capitalismo. O capitalismo comercial nos séculos
XV e XVI na Europa, passando pela Ásia, criou um fluxo que necessitava
eliminar os entraves, as moedas feudais, as barreiras entre os mercados,
enfatizando a necessidade de unificação. A partir dali, os burgueses apoiaram
determinado senhor feudal, que se tornava rei absoluto e unificava Estado e
atendia os interesses da burguesia da época.

Nasce, então, o dilema de relacionamento entre os soberanos absolutistas,


sendo inviáveis para os burgueses os conflitos permanentes. Era necessária a
guerra, mas não para sempre. Assim, como regular minimamente as relações
entre Estados soberanos? Duas respostas surgiram.

a) Objetivista – os Estados devem obedecer determinadas normas, como respeitar


tratados de fronteiras, podendo desconsiderá-las apenas em caso de “justo motivo”. Os
Estados devem obedecer a essas normas porque elas se impõem a eles. Por isso
chamamos essa resposta de objetivista, ou seja, relacionada ao objeto, que era o
próprio tratado, segundo Francisco de Vitória e Hugo Grocio (pai do DI contemporâneo,
direito natural de cunho racional, no qual a razão humana entende que aquelas normas
têm valor em si, devendo, portanto, ser observadas por todos).
b) Voluntarista – os Estados soberanos devem obediência às
normas internacionais porque a elas deram anuência prévia, voluntariamente. Essa
visão tem reflexos até hoje, embora predominem o jus cogens e as obrigações
erga omnes. Aqui surge o chamado paradoxo do direito internacional: o
Estado soberano é livre, inclusive para se submeter a normas internacionais que
restrinjam sua liberdade inicial. “Obedeço porque quero! O meu desejo me
vincula!”

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Em suma, o DI se desenvolve a partir de Hugo Grocio, da Paz de Vestefália, e rapidamente se
transformou em direito voluntarista, sendo esse DI clássico o regente das relações
internacionais até o começo do século XX, que tomou raízes e exerce influência até hoje.

Atenção!

Como a Europa colonizou o mundo, o DI era chamado de direito público europeu.

• Direito Internacional Clássico (DI do paradigma Grociano) e suas características

a) Igualdade soberana ou igualdade formal entre os Estados – do ponto de vista


estritamente formal, todos os Estados se consideram em igualdade de posição no que
tange à soberania (poder absoluto incontrastável), estando, repise-se, pelo menos do
ponto de vista formal, em pé de igualdade.
b) Integridade territorial – poder de regência sobre o seu território – auto-organização –
domínio reservado dos Estados, ou seja, poucos temas ligados ao DI, da paz e da guerra
basicamente;
c) Uso lícito da força para solucionar controvérsias – guerra justa (forte influência
católica – os Estados poderiam ir à guerra se houvesse um motivo justo, mas esse motivo
ficava a critério de cada Estado, ou seja, caso outra entidade não se submetesse, isso
configuraria motivo justo). Esse motivo justo limita o DI: a situação chegou ao ponto em
que era melhor investir em generais do que em diplomatas. Não obstante, houve
benefícios nesse período, como a imunidade de jurisdição, a disciplina da guerra e a
disciplina jurídica de tratados, nada comparado ao DI de hoje, que contamina todas as
facetas da vida social.

Assim, no final do século XIX termina o DI clássico, ou paradigma grociano (DI da coexistência),
iniciando-se o paradigma kantiano (DI de cooperação). O Tratado de Versalhes
foi o marco entre essas fases. Na coexistência dos Estados, eles simplesmente existiam ao
mesmo tempo; quando discordavam, iam à guerra, sem problemas para o DI, que emudecia
diante disso, o que, por sua vez, era considerado normal.

3ª Fase – Direito internacional da cooperação ou paradigma kantiano (homenagem a


Kant)

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Houve, então, fatores de mudança da fase histórica: o final do século XIX já mostra a
necessidade de cooperação e a necessidade de organismos internacionais de caráter técnico,
surgindo a união postal universal e a união universal de telecomunicações.

a) Necessidade de cooperação para o enfrentamento de fenômenos transfronteiriços – o


Estado isoladamente considerado não mais faz frente a esses fenômenos, como a
regulamentação do envio de uma carta, uma ligação telefônica etc.
b) Destruição crescente das guerras em face do uso de técnicas industriais, inviabilizando
o próprio capitalismo. A Primeira Guerra Mundial (choque de
imperialismos) coroa esse fator destrutivo, ao passo que em outras guerras já se
verificava isso, como na Guerra de Secessão Americana e na Guerra da Crimeia,
com o uso da metralhadora, o transporte rápido de tropas por trens, o que gerou uma
mortandade nunca antes vista. Na Primeira Guerra Mundial houve o uso do avião, do gás
venenoso, dos tanques e dos submarinos.

Em 1795 Kant escreve o opúsculo Da Paz Perpétua – expressão irônica colocada nos
cemitérios, aludindo à belicosidade do ser humano. Essa obra somente gerou reflexão no
século XX. Kant propôs artigos para a garantia da paz perpétua:

1) A Constituição deve ser republicana, vez que uma população participativa terá opinião apta a
trazer a paz.

2) O DI deve fundar-se em federalismo de Estados livres. Todos devem pactuar sobre uma linha
comum para os Códigos Civis. Somente uma Liga de Nações poderia assegurar a paz. Deve
haver um tribunal externo internacional como forma de evitar a guerra. Liga de Paz significa
livre federalismo!

3) O direito cosmopolita deve ser limitado às condições da hospitalidade universal. O


estrangeiro deve ser tratado bem por direito e não por mera cordialidade. Enquanto o
estrangeiro portar-se de forma amistosa, não poderá contra ele haver hostilidade.

4) Marco desta fase é o Tratado de Versalhes, tratado imenso, cujos pontos principais são:

a) Põe fim à Primeira Guerra Mundial.


b) Cria a Sociedade ou Liga das Nações, sociedade internacional com a finalidade de paz
e segurança internacional, uma solução pacífica das controvérsias, com sede em
Genebra (alguns autores pernósticos a chamam de Sociedade Genebrina).

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c) Cria a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existente até hoje, para olhar para
o indivíduo, influenciada pela Revolução Russa. Busca um tratamento melhor aos
trabalhadores.
d) Envidará esforços para a criação de uma corte permanente de justiça internacional, um
tribunal internacional, em um processo de institucionalização que acabou sendo criado
por estatuto em 1920 (Tribunal da ONU).

Características da fase:

a) busca da cooperação;
b) início da preocupação com os indivíduos;
c) solução pacífica de controvérsias, sendo conhecida como um grande esforço pelo
banimento do jus ad bellum (direito à guerra);
d) o século XX é conhecido como o século das organizações internacionais, possuindo
hoje abrangência em todos os setores sociais – saúde, trabalho, postal,
telecomunicações, penal, comercial etc. Nitidamente, os artigos de Kant foram seguidos!

4ª Fase – Perspectivas – “Novo Jus Gentium”, direito internacional da humanidade

A Liga das Nações fracassou, sendo substituída pela ONU. Hoje, a ONU é “A
Organização Internacional”, possuindo 193 Estados creditados; todos os outros querem entrar,
inclusive a Palestina.

O DI da cooperação estaria cedendo, cada vez mais, a fenômenos de afirmação da


humanidade como grande preocupação, deixando, assim, de ser estatocêntrico. Podemos ver
isso na União Europeia, no direito internacional de direitos humanos, no DI do meio ambiente,
do mar (como patrimônio comum da humanidade) etc.

Em suma, temos normas invasivas que tencionam regulamentar a conduta dos agentes dentro
de cada Estado, deixando de lado o caráter de mera cooperação. Isso se dá por conta da
dificuldade de os Estados assegurarem a própria sobrevivência da humanidade em diversas
questões, como a nuclear, a ambiental etc.

O jus cogens e a obrigação erga omnes provocam rupturas no voluntarismo. Os Estados


acabam obrigados a reconhecer determinados valores, tendo anuído ou não. Como exemplo,
temos o seguinte acontecimento do final do século XX que ainda influencia o XXI: a Queda do
Muro de Berlim (1989).

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Temos, então, expressões doutrinárias importantes na 4ª fase: a expansão quantitativa e a
qualitativa do DI.

a) A expansão quantitativa será retratada pela expressão doutrinária


“internacionalização do direito”. O que significa, então? Trata-se de uma expressão
doutrinária que retrata a expansão e existência de normas internacionais, regulando todas
as facetas da vida social.
b) A expansão qualitativa será retratada pela expressão constitucionalização do
direito. O que significa? Consiste em uma expressão doutrinária que retrata a existência
de institutos no DI outrora reservados ao direito interno.

Estamos na chamada era dos tribunais. Na era voluntarista, anos 1960, os tribunais eram
exceções, sendo a sociedade internacional paritária e descentralizada, ou seja, o Estado era o
produtor, o destinatário e o intérprete de suas normas. Porém, isso mudou.

Vários sub-ramos do DI interpretam normas, perdendo o Estado essa prerrogativa. Conforme


leciona André de Carvalho Ramos, isso evita o que se combate hoje – truque de ilusionista –,
que consiste em um Estado que firma um tratado, o descumpre com desfaçatez
(descaramento), mas alega que o está cumprindo de acordo com a sua peculiar ótica.

Temos vários tribunais internacionais: hoje, são mais de 20, diferentemente de 1990, quando
havia apenas seis. O poderoso órgão de resolução de controvérsias da Organização Mundial do
Comércio (OMC), por exemplo, é mais importante que muitos tribunais internacionais de direito
público, justamente porque envolve muito dinheiro e o comércio internacional.

3.1. Juridificação das relações internacionais

Consiste na expressão doutrinária que retrata a regulação das relações outrora regidas
por critérios de força ou econômicos, doravante reguladas por critérios jurídicos. O rule
of law é o termo que indica algo juridificado, transformado daquilo que era ao campo da
negociação, da discricionariedade, na gramática do direito. O Brasil na OMC é um grande
litigante, tendo, inclusive, contrato com escritório de advocacia nos EUA. Atualmente,
o Itamaraty contratou o escritório do professor Luiz Olavo Batista, que já foi membro do
órgão de apelação da OMC.

Quem faz o judicial review das resoluções vinculantes do Conselho de Segurança da


Organização das Nações Unidas (ONU/0? Há um debate, mas a Corte Internacional de Justiça,
que é o órgão judicial da ONU, tende a julgar esses casos.

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3.2. Soberania estatal – interna e externa

O DI é fruto da vontade dos Estados, pois eles o criam. Todavia, um DI mais invasivo, como
vemos atualmente, faz com que surjam denominações doutrinárias como flexibilização e
relativização da soberania.

a) Soberania Interna – Poder de regência sobre a conduta social realizada no seu


território.
b) Soberania Externa – Poder de atuar de maneira independente, como a Convenção de
Montevidéu sobre o Direito dos Estados de 1933, que denomina essa soberania como
uma característica de cada Estado, ou seja, cada um tem o direito de atuar
independentemente no plano internacional.
c) Soberania Relativizada – André de Carvalho Ramos entende que, para fins de banca
de concurso, é importante levar em consideração a CF/1988 em seu art. 1º,I,como
fundamento (soberania). A relativização, portanto, seria inconstitucional.

Atenção!

Como o Direito Interno vê o Direito Internacional é uma expressão criada pelo


professor André de Carvalho Ramos para designar como o direito interno vê o
direito internacional em seu livro, termo adotado pela banca do 28º e do 29º
(ponto 11.b) concursos para ingresso no MPF.

• Soberania Formal e Real

a) Formal – Poder inerente ao Estado de conduzir-se de acordo com a sua vontade no


plano internacional.
b) Real – Verdadeira possibilidade de agir sem constrangimentos econômicos ou políticos
no plano internacional. Por exemplo: um país que esteja dentro da União Europeia terá
soberania real muito mais facilmente, na medida em que não sofrerá um ataque
especulativo à sua moeda justamente porque ela não existe mais, sendo adotado o Euro.
Assim, atacar o Euro é atacar o Banco Central da Alemanha, contra uma zona que
congrega vários países centrais.

Esse tema ajuda muito o STF a interpretar os tratados de integração do Mercosul. Vários
tribunais constitucionais europeus, a partir desses conceitos, consideraram adequados tratados
de integração. O Tratado de Maastricht é um ótimo exemplo: formalmente chamado de Tratado

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da União Europeia (TUE), foi assinado em 7 de fevereiro de 1992 pelos membros da
comunidade europeia na vila de Maastricht, nos Países Baixos. No mês de dezembro de 1991,
a mesma cidade hospedou o conselho europeu, que elaborou o tratado.

4. Fundamento do direito internacional público

Qual é o fundamento de validade do DIP? Por que o DIP é obrigatório? Por qual razão o DIP
vincula os Estados e as pessoas internacionais? Existem duas teorias que tentam explicar o
fundamento do DIP: a escola voluntarista e a escola objetivista.

Para a escola voluntarista, o fundamento do DIP repousa na vontade dos Estados. Vale dizer
que o DIP somente é obrigatório, vincula e tem fundamento porque os Estados assim
consentiram. Logo, a validade do DIP depende do consentimento dos Estados. Se estes não
consentissem em criar, obedecer e se vincular ao DIP, ele não existiria ou não vincularia (não
passaria de meros conselhos).

A escola voluntarista é seguida no Brasil por Francisco Rezek. Esse autor faz uma
diferenciação entre o consentimento criativo e o consentimento perceptivo. Para ele, o
consentimento perceptivo diz respeito ao reconhecimento de normas sem as quais a vida em
sociedade internacional seria impossível. Por exemplo: pacta sunt servanda, que, para
Rezek, é uma norma oriunda do consentimento perceptivo. Se as partes não fossem obrigadas
a cumprir seus acordos, ou seja, se os Estados não fossem obrigados a cumprir as suas
manifestações de vontade, suas promessas, seus contratos e seus tratados, não haveria vida
possível na sociedade internacional (assim como também não haveria vida possível na
sociedade interna). Logo, o pacta sunt servanda seria oriundo desse consentimento
perceptivo.

Francisco Rezek também fala, no entanto, sobre consentimento criativo, que diz respeito a
normas que poderiam muito bem ser prescindíveis no cenário internacional – na medida em que
decorrem da criatividade dos Estados. Tais normas somente existem porque os Estados as
criaram expressamente. Por exemplo: uma norma pode fixar o tamanho do mar territorial. Não é
uma norma que decorre da razão humana e se impõe para fins de convivência internacional.
Trata-se de uma norma, reprise-se, que decorre da criatividade das pessoas.

Assim, ao lado da escola voluntarista, temos a escola objetivista. Para a escola objetivista,
nem todas as normas decorrem do consentimento dos Estados. Existem valores que se

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colocam acima da própria vontade dos Estados, como também existem normas que os Estados
são obrigados a cumprir ainda que se oponham, ainda que não tenham manifestado
consentimento. Os principais exemplos de normas que consubstanciam valores que se impõem
aos Estados mesmo sem o seu consentimento são as normas do direito internacional
humanitário (o direito que regula os conflitos armados) e as normas protetivas dos direitos
humanos.

Para alguns autores, como Valério Mazzuoli, direito humanitário e normas protetivas dos direitos
humanos se impõem aos Estados – que não têm como negar o seu cumprimento. Desse modo,
são essas duas escolas que tentam explicar o fundamento de validade do DIP: escola
voluntarista (fundamento: consentimento) e escola objetivista (fundamento: valores que
se impõem aos Estados independentemente da sua vontade). Hoje, podemos afirmar que
há uma tendência da doutrina em acolher a escola objetivista. Há, inclusive, um artigo muito
famoso do professor Jorge Miranda, no qual ele fala sobre as oito tendências evolutivas do
direito internacional, sendo que uma das tendências apontadas pelo professor é justamente o
objetivismo. Dessa forma, pode-se afirmar que o paradigma voluntarista vem sendo superado,
havendo uma caminhada rumo ao objetivismo, que preceitua que o direito internacional é uma
ordem jurídica que se impõe aos Estados independentemente de suas vontades.

5. Direito internacional e direito interno

Como se dá a relação entre o direito internacional e o direito interno? Aqui também existem
duas teorias que tentam explicar essa relação: a teoria dualista e a teoria monista.

A primeira teoria é a dualista, idealizada por Triepel. Para a teoria dualista, direito internacional
e direito interno são duas ordens jurídicas totalmente independentes. Para a teoria dualista, o
Estado pode estar vinculado a uma norma no âmbito internacional e não estar vinculado a ela
no âmbito interno (ou estar vinculado no âmbito interno e não estar no cenário internacional).
São duas coisas que não se comunicam.

Teríamos, assim, dois sistemas jurídicos, separados e independentes. De acordo com a teoria
dualista, para que uma norma internacional tenha validade no âmbito interno, é necessário que
ela seja reproduzida por uma norma de direito interno (aí, sim, terá validade no âmbito
doméstico). Em outras palavras, para que uma norma internacional tenha validade no âmbito
interno, o Estado precisaria iniciar um processo legislativo e aprovar uma lei com o mesmo
conteúdo do tratado internacional.

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Dentro da teoria dualista, foi desenvolvida, posteriormente, a teoria dualista moderada,
defendida pelo italiano Anzilotti. Essa teoria estabelece que não é necessária a aprovação de
uma lei com o mesmo conteúdo para que uma norma internacional tenha validade no âmbito
interno. Bastaria que a norma internacional fosse incorporada por meio de um procedimento
específico, o qual estabeleceria que, a partir de determinada data, a norma internacional foi
incorporada à ordem jurídica interna, razão pela qual faria parte também do direito interno.
Atualmente, prevalece que o Brasil adota a teoria dualista moderada.

Entretanto, ao lado da teoria dualista, existe a teoria monista – a segunda forma de explicar e
de enxergar o relacionamento entre o direito internacional e o direito interno. O principal
expoente da teoria monista é Kelsen. De acordo com a teoria monista, direito internacional e
direito interno formam apenas uma ordem jurídica. Se, para a teoria dualista, direito
internacional e direito interno formam duas ordens jurídicas separadas e independentes, para a
teoria monista, direito internacional e direito interno formam apenas uma ordem jurídica. Dentro
da teoria monista existem três subteorias:

a) Internacionalista: diz que o direito internacional e o direito interno são apenas uma
ordem jurídica, mas prevalece o direito internacional.
b) Nacionalista: para esta teoria, prevalece o direito interno.
c) Moderada: nenhuma das ordens deve prevalecer. Elas concorrem entre si, devendo
ser aplicados os critérios de solução de conflito de leis no tempo. Por exemplo: se o
tratado foi aprovado posteriormente, lei posterior revoga lei anterior (critério cronológico).
Se a norma interna for mais específica, norma especial prevalece sobre norma geral
(critério da especialidade). Aplicar-se-iam, portanto, os critérios da especialidade e do
tempo nesses conflitos, prevalecendo norma posterior e norma mais específica.

Como se dá no Brasil a relação entre direito internacional e direito interno? O Brasil adota o
dualismo moderado. Cabe salientar que, para que uma norma internacional tenha vigência na
ordem jurídica brasileira, é necessário que esse tratado internacional passe por um
procedimento de incorporação. Existe um procedimento especial, mas no Brasil basta que a
norma passe por esse processo de incorporação. Em outras palavras, as ordens jurídicas, no
Brasil, são separadas e, para que a norma internacional seja considerada também norma
interna, é necessário passar pelo processo de incorporação.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já reiterou isso em várias ocasiões, inclusive na ADI-MC nº
1.480 e na CR nº 8.279-AgR2. O Ministro Celso de Mello, nessas oportunidades, deu uma
verdadeira aula de direito internacional e afirmou, com todas as palavras, que a teoria adotada

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no Brasil é a dualista moderada, tratando de maneira pormenorizada a incorporação de tratados
internacionais. Tradicionalmente, os autores de direito internacional explicam a relação entre
direito internacional e direito interno a partir dessas duas teorias anteriormente expostas. Os
autores internacionalistas quase sempre defendem que a melhor teoria é o monismo
internacionalista. Eles afirmam isso com base no art. 27 da Convenção de Viena sobre Direito
dos Tratados (Decreto nº 7.030/2009):

Art. 27. Direito Interno e Observância de Tratados

Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para
justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo
46.

Com base nessa ideia, os internacionalistas afirmam que a teoria adotada no âmbito da
Convenção de Viena, e que todos os Estados-Partes devem adotar, é o monismo
internacionalista. Contudo, existem, hoje, novas abordagens (modernas) sobre esse debate,
que é um debate secular. O que se percebe é que essa forma de abordar o problema (embate
entre monismo e dualismo) é insuficiente para resolver os problemas da maior parte dos
Estados. Portanto, têm surgido várias teorias alternativas.

Uma teoria que vem ganhando destaque e que, em breve, será abordada em concursos
públicos, é a teoria do transconstitucionalismo. Essa teoria preceitua que existem questões
que interessam e são reguladas ao mesmo tempo a mais de uma ordem jurídica.

Isso acontece também, não raro, entre ordem jurídica internacional e interna. Tais questões,
que interessam a mais de uma ordem jurídica, podem ser consideradas transconstitucionais. A
solução desses problemas, para Marcelo Neves, não é uma solução hierárquica, de prevalência
de uma sobre a outra (ou de separação automática entre uma e outra), mas, sim, a solução
dialógica. Sendo assim, ele propõe um diálogo entre as ordens jurídicas. Nesse diálogo, não
haveria prevalência de uma visão sobre a outra, de uma ordem jurídica sobre a outra, mas
haveria, entre as ordens, um diálogo sobre o problema.

Essa solução pode ser considerada, por exemplo, com relação à Lei de Anistia. O STF declarou
a constitucionalidade da Lei de Anistia e afirmou que a anistia no Brasil foi ampla, geral e
irrestrita. Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou a inconvencionalidade/
nulidade de leis de anistia que anistiem pessoas que praticaram crimes contra a humanidade.
Aqui há um conflito, e é possível perceber que se trata de uma questão evidentemente

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transconstitucional, já que interessa não somente ao direito brasileiro (tanto que foi resolvida
por meio do STF), mas também ao direito internacional (tanto que foi resolvida pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos com base da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos/Pacto de San José da Costa Rica).

Como se resolve uma questão como essa? De acordo com a visão transconstitucionalista de
Marcelo Neves, a solução não seria a imposição da Corte Interamericana sobre a brasileira ou
da brasileira sobre a interamericana. As Cortes deveriam dialogar entre si, por meio de uma
aprendizagem recíproca, para chegar a uma solução. Portanto, a solução não se daria por
imposição ou pela separação das ordens jurídicas, mas por meio do diálogo, chegando-se,
portanto, a uma solução dialógica.

6. Rememorando alguns pontos essenciais

Direito internacional público é o ramo do direito que estuda as normas oriundas das fontes
normativas internacionais (critério das fontes), as quais regulam as relações entre os sujeitos de
direito internacional (critério dos sujeitos) nas matérias que ultrapassam os limites estatais
(critério das matérias reguladas).

– Fundamentos de Validade: escolas voluntarista (vontade) e objetivista (pacta sunt


servanda).

– Francisco Rezek (ex-ministro STF) – Voluntarista: consentimentos perceptivo e criativo:

a) Perceptivo – normas sem as quais a sociedade seria impossível – pacta sunt


servanda.
b) Criativo – só existe porque as normas foram criadas – limites do mar territorial.

– Objetivistas (atual tendência, Jorge Miranda): normas cogentes, impositivas, como as de


direito internacional humanitário (conflitos armados).

– Protetivas de direitos humanos (Valério Mazzuoli).

Direito Internacional versus Direito Interno:

• Dualismo (Triepel) – ordens jurídicas independentes, internaliza editando lei com o teor
do tratado (Argentina). Brasil – dualismo moderado (Anzilotti) – procedimento de
internalização – apenas incorporação. Min. Celso de Mello já explicitou a tendência.

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• Monismo (Kelsen) – apenas uma ordem jurídica.
• Monismo internacionalista – prevalece o direito internacional (Países Baixos e Holanda).
• Monismo nacionalista – prevalece o direito interno (Rússia – André Carvalho Ramos
entende isso como dualismo, na verdade).
• Monismo moderado – concorrem critérios da especialidade e cronológico.

Como o direito interno vê o internacional? No Brasil – Dualismo Moderado, incorporação (lei


ordinária em regra, emenda constitucional de direitos humanos, incorporado pelo art. 5º, § 3º,
da CF/1988, supralegal, se direitos humanos e não incorporado desse modo).

Como o direito internacional vê o direito interno? Monismo internacionalista – Convenção de


Viena sobre tratados, art. 27.

– Direito interno e observância de tratados – uma parte não pode invocar as disposições de seu
direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Essa regra não prejudica o art.
46.

Atualmente, essa discussão secular é insuficiente, surgindo o transconstitucionalismo deo


Professor Marcelo Neves.

– Problemas que interessam e tangenciam mais de uma ordem jurídica, devendo ser resolvidos
dialogicamente e não por hierarquia. Por exemplo: conflito da Lei de Anistia entre STF e Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José). STF: válida, Corte Interamericana:
inconvencional por anistiar crimes contra a humanidade.

Atenção!

André de Carvalho Ramos, Procurador do MPF, entende pelo duplo controle – a


lei deve ser constitucional e convencional, sob pena de não aplicação (se não
passar pelos dois filtros).

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência dos temas
em provas de concursos públicos.
A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts.
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