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6 Capítulo VI

Fraude de Execução
(Polêmicas)

Gilberto Gomes Bruschi


Advogado. Mestre e doutorando em Processo Civil pela PUC - SP. Professor da
cadeira de Direito Processual Civil da UniCapital, em São Paulo. Membro do
corpo docente do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil
do Instituto Brasiliense de Ensino e Pesquisa – IBEP.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Natureza jurídica. 4. Distinção com relação


à fraude contra credores. 5. Litispendência. 6. Necessidade ou não de averbação
da penhora. 7. Boa-fé do terceiro adquirente. 8. A ação de embargos de terceiro
e a suspensão do processo de execução: 8.1. Citação pessoal obrigatória do em-
bargado. 9. Conclusão. 10. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

O instituto da fraude de execução, expressamente previsto


no art. 593, do CPC, acaba por gerar certa polêmica no que
tange a sua aplicabilidade, ou seja: o momento de incidência,
a suspensão do processo de execução em que se configura a
fraude, a necessidade de ação autônoma para vê-la declarada,
a obrigatoriedade ou não da averbação da penhora e ainda a
discussão sobre a boa-fé do terceiro adquirente.
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A intenção do presente estudo não é dirimir todas as dúvidas que Convém, nesse passo, antes de adentrarmos as questões mais
possam surgir sobre estes pontos controvertidos, mas a de trazer nossa discutidas na doutrina, esclarecer o que quis dizer o legislador quando
modesta contribuição a respeito de cada uma das questões, abordando- elaborou o inciso III, do art. 593, do CPC, ou seja, “dos demais casos
as sempre com respaldo em opiniões de renomados juristas e nos mais previstos em lei”.
recentes entendimentos dos tribunais pátrios.
Para MOACYR AMARAL SANTOS,3 que sistematizou essa hipótese,
a fraude de execução também se presume nas seguintes situações:
2. CONCEITO I) na penhora de crédito contemplada pelo art. 672, do CPC, mais
especificamente em seu § 3º, ao prever que se considera em fraude de
Dá-se a fraus executionis quando o devedor aliena, hipoteca ou execução a quitação dada pelo devedor em conluio com terceiro que
grava seus bens em prejuízo dos seus credores em meio ao processo nega o débito; II) na hipoteca judicial prevista no art. 466 do CPC, pois
de execução. Arranha pois o conceito macro insculpido no art. 591, do se tratando de direito real provido de seqüela que contamina o imóvel,
CPC, de que para cumprimento de suas obrigações o devedor responde pode ele ser penhorado em poder de quem o tenha adquirido; III) no
com todos os seus bens, tanto presentes como futuros. Tem-se assim âmbito do direito tributário, consoante dispõe o art. 185, do CTN.4
que tudo aquilo que o devedor fizer, no sentido de desfazer-se de seus Dentre as espécies de fraude existentes no direito pátrio, a fraude
bens, ou ainda ocultá-los para frustrar a execução, a lei considera de execução é a forma mais grave e se constitui em verdadeiro ato
fraude. atentatório à função jurisdicional, pois, é praticada depois de iniciado
O conceito está estabelecido no art. 593, do CPC, ou seja, considera- o processo condenatório ou de execução contra o devedor.5
se em fraude a alienação ou oneração quando: Na fraude de execução ocorre a alienação de bem do devedor,
a) sobre a coisa pender ação fundada em direito real;1 ou seja, o executado, ao efetivar a venda, simplesmente “subtrai o
b) quando ao tempo da alienação corria contra o devedor demanda
capaz de reduzi-lo a insolvência;2 e
c) nos demais casos previstos em lei. 3
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 21ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 260 e 261.
4
Art. 185, do CTN: “Presume-se fraudulenta a alienação ou a oneração de bens ou
rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública
1
As alienações ou onerações de bens, tanto móveis quanto imóveis, no curso de por crédito regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução”.
ação fundada em direito real, caracterizam-se como em fraude de execução, pelo Parágrafo único: “O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido
simples fato do inciso I, do art. 592, do CPC, estabelecer que ficam sujeitos à exe- reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em
cução os bens “do sucessor singular, tratando-se de sentença proferida em ação de fase de execução”.
direito real”. 5
Nesse sentido: MENDONÇA, Jacy de Souza. Introdução ao estudo do direito.
2
Importante se destacar que, ao contrário do que entendem ou pretendem al- São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163, que esclarece: “O proprietário de um bem tem o
guns, é qualquer ação e não somente a execução. Nesse rol se incluem, conforme direito de aliená-lo, mas não pode exercer esse direito em prejuízo de terceiro, no
Moacyr Amaral Santos (in Primeiras Linhas de Direito Processual Civil), além, caso o seu credor – é o que se denomina fraude contra credores. Mais grave ainda a
naturalmente, das condenatórias ou executórias que, invariavelmente, conduzem situação quando a venda se dá depois que o credor ajuizou ação de cobrança, porque,
o devedor à insolvência, mas também, em circunstâncias especiais, as ações de- então, o exercício abusivo do direito de vender impede ou prejudica, também, a
claratórias e constitutivas. atuação do Poder Judiciário – é a chamada fraude à execução”.
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objeto sobre o qual a execução deverá recair”.6 Para caracterização 3. NATUREZA JURÍDICA
da fraude de execução, basta, assim, a ocorrência de um dos suportes
fáticos. PONTES DE MIRANDA entende que caso se trate “da espécie do Os negócios jurídicos que contemplam bens em execução, ou
art. 592, V, o que importa é que a alienação ou o gravame - dissemos seja, sujeitos a penhora ou qualquer outra medida constritiva são
de propósito, gravame e não ônus – tenha sido após a propositura de considerados ineficazes. Não há que se falar em nulidade e nem mesmo
ação que possa determinar a insolvência do devedor”.7 “O conceito em inexistência. A fraude de execução passa-se no plano do direito
de fraude à execução é mais largo do que o de alienação ou simples processual e o instituto não pode ser confundido com a fraude contra
gravame da coisa litigiosa”.8 credores, fundamentalmente de direito material. Na fraude de execução
Comungamos da opinião de HUMBERTO THEODORO JUNIOR, no que não se discute o consilium fraudis, isto é, a intenção deliberada de
diz respeito à evolução do indivíduo ser diretamente proporcional à fraudar. Suficiente, portanto, que ocorra a alienação ou gravame, não
sofisticação e requinte dos expedientes por ele utilizados para a fraude, se exigindo também a má-fé ou culpa do adquirente ou possuidor.
para quem: Tem-se, assim, que a alienação ou oneração do bem em fraude
“A lei, então, procura aperfeiçoar-se e a sofisticar-se para detectar e de execução não é inexistente, nula ou anulável, mas ineficaz, pois,
reprimir a fraude” (...) “O campo da repressão à fraude é, na realidade, apesar de válida entre alienante e adquirente, não produz efeitos em
o da batalha entre a verdade e a mentira, o bem e o mal, o justo e o relação ao credor, não se exigindo o consilium fraudis, tendo em vista
injusto. E é a vitória do bem, da verdade e do justo que nele se intenta que a intenção fraudulenta está in re ipsa, posto que a ordem jurídica,
alcançar”.9 enquanto pendente o processo, não permite que se altere o patrimônio
do executado, o que dificultaria a realização da função jurisdicional.11
Na fraude de execução o bem fica desde logo passível de constrição
judicial, independente de sentença ou de decisão judicial declaratória ou A lei não se preocupa em considerar nulos os atos de alienação,
constitutiva, posto que o negócio jurídico em que se deu a alienação ou apenas submete os bens à responsabilidade da execução. Evidencia-
a instituição do gravame, não opera seus efeitos perante a execução. A se, dessa forma, que a ordem jurídica reage com extremo rigor em
ineficácia da alienação ou oneração originária pode até ser reconhecida resposta ao ato fraudulento perpetrado. A lei nesse caso destrói os efeitos
de ofício, quando não provocada pelo exeqüente, tanto na execução nefastos do ato alienado em fraude de execução, isto é, nega-lhes o
como em embargos.10 reconhecimento. Muito embora válida a transação feita entre as partes,
os bens alienados em fraude continuam a responder pelas dívidas do
executado que os alienou.
O ato de alienação ou oneração é apenas ineficaz em relação ao
6
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, processo de execução em que se cogitou de tal fraude. Tanto assim
1980, p. 108. que, se a fraude não vier a ser comprovada e deixar de existir, ou, se os
7
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de embargos opostos pelo terceiro em defesa de seu bem forem julgados
Processo Civil. Tomo IX, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 447.
8
Op. cit., p. 449.
procedentes, ou ainda, se o devedor lograr êxito nos seus embargos
9
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A fraude de execução e o regime de sua visando à extinção da execução ou quitar a obrigação constante do
declaração em juízo. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 102, abr./jun., 2001, p.
68.
10
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed.
São Paulo: RT, 2003, v. 8, p. 264. 11
LIEBMAN, Enrico Tullio. op. cit., p. 108.
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título, o ato que transferiu o bem do executado para o terceiro adquire Na fraude contra credores, mercê da anulabilidade do ato
plena eficácia.12 fraudulento, o bem alienado retorna ao patrimônio do devedor,
Isto significa dizer que, se o ato for considerado meramente beneficiando todos os credores e só pode ser declarada a anulação
ineficaz, é plena e perfeitamente válido entre alienante e adquirente, mediante sentença proferida em ação pauliana.13
desde que não venha a prejudicar os direitos do credor vítima da Já na fraude de execução, ocorre apenas a decretação da ineficácia
fraude. da alienação ou oneração, permanecendo o bem na esfera patrimonial
do terceiro adquirente, devendo ser argüida em meio ao processo
A fraude de execução é muito mais grave que a fraude contra
de execução, na forma de incidente processual, cabendo ao terceiro
credores, na medida em que além de lesar o credor, afronta contra a
adquirente o ajuizamento da ação autônoma de embargos de terceiro
dignidade da justiça, razão por que se exige que seja reprimida com
com a intenção de exercer o direito de defesa, tal e qual ocorre com a
maior rigor. Dito isto, cumpre-nos destacar as principais diferenças e as
desconsideração da personalidade jurídica.14
conseqüências de tratamento ao ato praticado em fraude contra credores
e em fraude de execução. Nesse passo, oportunos os sábios ensinamentos de NELSON NERY
JUNIOR e ROSA MARIA NERY:
4. DISTINÇÃO COM RELAÇÃO À FRAUDE CONTRA “A existência de fraude de execução enseja a declaração, pura
CREDORES e simples, da ineficácia do negócio jurídico fraudulento, em face da
execução. (...) Não há necessidade de ação autônoma nem de qualquer
A fraude contra credores é instituto de direito material e não se
confunde com a fraude de execução, que pertence ao direito processual,
apesar de haver muitos pontos coincidentes entre elas. 13
Ap. Civ. 70005402227, 9ª Câm. Cível, TJRS, Rel. Des. Adão Sérgio do Nasci-
mento Cassiano, v.u., j. 17.12.2003, cuja ementa é a seguinte:
A fraude contra credores atinge os interesses particulares dos
“Apelação Cível. Ação revocatória ou pauliana. Doação com reserva de usufruto.
credores pré-existentes, enquanto que na fraude de execução dá-se, por Redução dos devedores à insolvência. Anulação do ato jurídico praticado em frau-
parte do devedor, a violação da atividade jurisdicional do Estado e se de contra credores. Nos termos do art. 106 do CCB/16, verifica-se a fraude contra
acha prevista no art. 593, do CPC. credores quando o devedor pratica atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão
de dívida, estando já insolvente ou quando por esses atos o devedor seja reduzido à
Na fraude de execução há a necessidade de existência de lide insolvência. Restando demonstrado que os devedores ficaram insolventes em decor-
pendente, seja ação fundada em direito real (art. 593, I); ou de demanda rência da doação com reserva de usufruto realizada a seus filhos, o credor que já o
capaz de conduzir o devedor à insolvência (art. 593, II), sendo que era ao tempo da doação, pode pleitear a anulação do ato jurídico, por meio da ação
essa ação pode ser de conhecimento ou de execução, bastando que pauliana. Incumbe ao devedor provar a própria solvência. Constatada a fraude con-
o devedor tenha a ciência inequívoca do ajuizamento da ação (como tra credores, o ato jurídico realizado nessa condição é anulado, restabelecendo-se o
status quo ante, ao contrário do que acontece na fraude de execução (CPC, art. 593),
veremos no próximo tópico), para ensejar o direito do credor de requerer
em que o ato é apenas ineficaz e não produz nenhum efeito em relação ao credor.
a decretação de fraude. Precedentes do E. STJ. Existindo a presunção de que havia interesse na prestação
da garantia, bem como que esta foi dada em benefício da sociedade mercantil e do
patrimônio familiar, não se considera nula a garantia prestada em contrato de mútuo,
sem a outorga uxória. Negaram provimento ao apelo”.
12
CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 14
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos Processuais da Desconsideração da Per-
475. sonalidade Jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 33-37.
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outra providência mais formal para que se decrete a ineficácia de ato Na verdade, quando se pautar em alienação de bem a título
havido em fraude de execução. Basta ao credor noticiar na execução, oneroso, o autor da ação pauliana deve trazer aos autos, indícios da
por petição simples, que houve fraude de execução, comprovando-a, insolvência do devedor, cabendo ao alienante/réu comprovar não
para que o juiz possa decretar a ineficácia do ato fraudulento. (...) O estarem presentes os pressupostos para a ação intentada pelo credor,
bem continua na posse ou propriedade do terceiro, mas para a execução isto é, sua solvabilidade.18
a oneração ou alienação é ineficaz. O bem, no patrimônio do terceiro, Ressalte-se que nas duas espécies de fraude, o momento em que
responde pela execução: o produto de sua alienação em hasta pública elas ocorrem é bastante diferente. Veja-se que na fraude contra credores
é revertido para satisfazer o crédito e o que sobejar retorna ao terceiro, o devedor insolvente antecipa-se à ação dos credores e aliena ou onera
proprietário do bem. Ao contrário do que ocorre na fraude pauliana, a seus bens em detrimento dos credores, antes mesmo de ser intentada
fraude de execução pode ser alegada e reconhecida nos embargos de qualquer ação. Já na fraude de execução a situação do devedor é mais
terceiro”.15 grave, na medida em que há violação de normas de ordem pública, pois,
Na fraude de execução, diferentemente do que ocorre na fraude o devedor tem pendente contra si, processo judicial capaz de reduzi-lo
contra credores, o ônus de provar a insolvência do devedor não é à insolvência, e, apesar disso, age, ilicitamente, alienando ou onerando
do exeqüente. Isto significa dizer que, na fraude de execução, é o os bens integrantes do seu patrimônio, prejudicando não só os credores
executado que deve provar que a alienação reputada como fraudulenta que perdem a garantia da solvabilidade de seus créditos, mas do próprio
não acarretou a sua insolvência.16 Na fraude contra credores, o autor da processo, em atitude reprovável de total desrespeito à Justiça.
ação revocatória deve provar que o adquirente tinha condições de saber Ainda no terreno da diferenciação dos dois institutos, cumpre
acerca da insolvência do alienante, isto é, que não existem outros bens elucidar posicionamento da doutrina no que se refere à possibilidade, ou
penhoráveis na esfera patrimonial do devedor, apenas quando a ação não, da fraude contra credores ser reconhecida em meio aos embargos
pauliana for fundada no art. 159 do CC, o que se dispensa quando a de terceiro, como ocorre com a fraude de execução.
fraude for perpetrada com base no art. 158 do mesmo Estatuto.17 JOSÉ LUIZ BAYEX FILHO,19 apesar de entender que o meio adequado
é a ação pauliana, não descarta a possibilidade, em caráter excepcional,
desde que indiscutivelmente comprovada a fraude contra credores nos
embargos de terceiro, de ser ela pronunciada, rejeitados os embargos
15
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado.
2ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 223.
16
CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3ª ed. São Paulo: RT, 2002, p.
676:
“Com efeito, hoje está definitivamente assentado que se presume, até prova em A determinação da anterioridade do crédito é feita na data da constituição da dívi-
contrário, a insolvabilidade daquele contra quem está correndo a execução; a prova da, e não na data de transmissão, pouco importando que ao tempo do ato fraudulento
de que a alienação fraudulenta leva o devedor à insolvência não compete ao credor já tivesse sido instaurada ação ou execução para a cobrança do crédito.(...)
demandante, sendo, no caso, de inteiro ônus do terceiro embargante ou do próprio A prova da solvência deve ser feita pelo devedor apontado como insolvente”.
devedor a demonstração da existência de outros bens capazes de responder pela 18
RT 698/180 – TAPR: “Procede a ação pauliana se o devedor, sabendo da exis-
execução”. tência do débito, desfaz-se de seus bens em curto espaço de tempo, sem demonstrar
17
RT 672/178 – TJMG (trecho da ementa oficial): posteriormente sua solvabilidade, ciente de que assim o fazendo, prejudicaria o cre-
“A fraude pressupõe, lógica e fundamentalmente, prejuízo a direitos já firmados, dor, frustrando o recebimento de seu crédito. Decisão mantida. Apelo improvido.”
ou seja, já existentes antes do ato de transmissão que torna o devedor insolvente. O 19
BAYEX FILHO, José Luiz. Fraude contra credores e fraude de execução. Re-
crédito, pois, há de ser anterior ao ato para a legitimação da ação pauliana. vista de Processo, São Paulo: RT, n. 61, jan./mar., 1991, p. 250-256.
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e mantida a penhora, a não ser que se queira “pôr a Justiça ao lado da Partindo da idéia de sistematização das diferenças entre os dois
fraude, mas não contra ela”. tipos de fraude, elaborada por PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO
Na mesma esteira, o Egrégio 1º TACivSP, em acórdão relatado PAMPLONA FILHO,26 com o intuito de facilitar a compreensão, criamos
pelo Juiz Carlos Alberto Bittar, assim entendeu: o quadro abaixo, trazendo as principais características de cada uma
delas:
“É admissível o reconhecimento de fraude contra credores em
embargos de terceiro e não somente em sede de ação específica. A busca FRAUDE DE EXECUÇÃO FRAUDE CONTRA CREDORES
da verdade e a realização da justiça são os objetivos últimos do processo, Instituto de Direito Processual. Instituto de Direito Material.
de sorte que, se as partes se servem de expedientes destinados a burlar O credor tem o ônus de provar ou de
trazer indícios ao ajuizar a ação pau-
a lei, não deve o juiz ficar preso a limites meramente procedimentais, Presume-se a má-fé e a insolvência. liana sobre a insolvência e a intenção
deixando, em conseqüência, de aplicar a solução de mérito cabível à fraudulenta.
espécie”.20 Interesse do credor e do Estado, pois, os Interesse somente do credor como parti-
atos praticados serão considerados aten- cular prejudicado, porém beneficiará os
Contudo, inobstante o peso dos argumentos expostos, de não tatórios à dignidade da Justiça (art. 600, demais credores.
I, do CPC).
se perder de vista que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em
Atos declarados ineficazes. Atos anuláveis.
01.10.1997, houve por bem em editar a Súmula 195, publicada no DJU
Objeto de ação anulatória autônoma e
de 09.10.1997, segundo a qual: “Em embargos de terceiro não se anula Declarável mediante incidente. específica, com natureza desconstitu-
ato jurídico, por fraude contra credores”. tiva.
Tipifica ilícito penal (art. 179, do CP). Interesse particular.
Ao que parece, a jurisprudência teria se inclinado ao entendimento
de que é necessária a desconstituição do ato fraudulento por meio de
sentença,21 apoiada na doutrina de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,22 5. LITISPENDÊNCIA
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,23 MÁRIO AGUIAR MOURA24 e NELSON NERY
JUNIOR,25 pacificando a controvérsia até então existente. De se pôr em destaque, ainda, por relevante, o fato de que a demanda
capaz de reduzi-lo à insolvência, aludida no art. 593, II, do CPC, não
necessariamente trata-se de execução, pois a fraude de execução dá-se
em qualquer procedimento judicial, que tem o condão de conduzir à
20
Ap. n. 528.215-9, j. 25.8.1993. insolvabilidade, bastando para tanto que o devedor aliene bens após
21
Ag. In. n. 538.237, 9ª Câm., 2º TACivSP, Rel. Juiz Francisco Casconi, j.
29.07.1998: “A fraude contra credores não justifica a realização de constrição sobre ter a ciência inequívoca do ajuizamento da ação de conhecimento que
bem que não mais pertence ao executado. O ato fraudulento é anulável e sua anula- acarrete na formação de título executivo judicial, v. g. citação, mesmo
ção há de ser pleiteada, se assim interessar ao credor, através de ação revocatória ou que anteriormente à fase executiva propriamente dita.27
pauliana. A venda prevalece enquanto não for desconstituída.”
22
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fraude contra credores alegada nos embar-
gos de terceiro. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: Malhei-
ros, 2000, t. I.
23
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 30ª ed. 26
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de
Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 3, p. 281. Direito Civil. V. 1, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 393.
24
MOURA, Mario Aguiar. Fraude contra credores e embargos de terceiro. Revista 27
Nesse sentido, WAMBIER, Luiz Rodrigues; CORREIA DE ALMEIDA, Flávio
dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 617, p. 25, mar, 1987. Renato; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 6ª ed. São Paulo:
25
Op. cit., p. 225. RT, 2004, v. 2, p. 122 e 123:
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Alguns mais desavisados poderiam interpretar equivocadamente de execução, seja em processo de conhecimento (no caso concreto a
o art. 593, II, do CPC, e concluir pela necessidade do ajuizamento de alienação do veículo ocorreu durante o processo de conhecimento).
execução contra o alienante do bem. Portanto, mesmo que a alienação do veículo tenha ocorrido em
Até mesmo alguns magistrados têm incorrido nesse equivocado 14.9.2000 (fls. 26), antes da citação da execução de título judicial ora
entendimento do dispositivo legal, como se pode ver da decisão em curso (concretizada em novembro de 2002 – fls. 71/2 – item 6),
interlocutória que indeferiu o pedido de fraude de execução, em resta evidente que a anterior ação de conhecimento já estava em curso
processo que tramitou na Comarca de São Paulo, formulado pelo e dela poderia evidentemente ter o adquirente tomado ciência através
exeqüente, que ao notar não existirem bens passíveis de constrição, do Distribuidor Forense da Comarca.
requereu que fosse penhorado um automóvel alienado pelo executado Desse modo, a alienação do veículo é ineficaz em relação à
antes da citação na execução de título judicial, porém posteriormente execução, podendo tal bem ser penhorado”.29
à citação no processo de conhecimento de cunho condenatório que
ensejou o direito à execução, in verbis:
“A citação para a execução foi posterior a alienação do veículo. 6. NECESSIDADE OU NÃO DE AVERBAÇÃO DA PENHORA
Assim, não houve fraude, de onde fica indeferido o requerimento de
fls. 271. Int.”.28 Como se viu no tópico anterior, para que se declare a fraude
de execução, faz-se necessário apenas e tão-somente a demanda
Tal decisão felizmente foi reformada pelo 2º TACivSP, em preexistente capaz de conduzir o alienante do bem à insolvência, bem
julgamento de agravo de instrumento contra ela interposto, no seguinte como a ciência inequívoca de que esta demanda foi ajuizada.
sentido:
A questão que traz discussão, nesse passo, é a de ser ou não
“Embora respeite a tese da r. Decisão agravada, entendo que o imprescindível o registro da constrição, quando se tratar de bem imóvel,
Magistrado do feito não decidiu com acerto já que ficou configurada a para que se configure a fraude de execução.
fraude à execução, nos moldes do art. 593, II, do CPC (...)
Muito se discutiu se a averbação da penhora era necessária para
Ora, da análise das peças aqui carreadas constato que o credor fez torná-la plenamente válida, após a criação do § 4º, do art. 659, do CPC,
prova da insolvência do devedor (v. fls. 33 e 37/38). pela Lei n. 8.053/94, posteriormente alterada pela Lei n. 10.444/2002,
No tocante à questão da alienação ter sido feita antes da citação que estabeleceu sua atual disposição.
nesta execução de título judicial, vale lembrar que o inciso II faz Pela redação anterior, estabelecia-se que “a penhora de bens
alusão a “... corria contra o devedor demanda ...”, de modo que, imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, e inscrição no
por “demanda”, deve ser entendido qualquer ação, seja em processo

29
Ag. In. n. 825.190-0/9, 6ª Câm., 2º TACivSP, Rel. Juiz Luiz de Lorenzi, maioria
“... na hipótese do art. 593, II, a pendência da demanda e que a alienação ou de votos, j. 17.12.2003. No mesmo sentido: TJSP, 4ª Câm. de Direito Privado, Ap.
oneração efetivada reduzam o devedor à insolvência. Em ambos os casos, para que Cível n. 37.973-4, Rel. Des. Barbosa Pereira, j. 7.05.1998, v.u. - JTJ 206/63: “Fraude
haja a fraude à execução, não é preciso que já esteja em curso o processo executivo: à execução. Alienação ou oneração pelo devedor. Caracterizada desde a propositura
é suficiente que esteja pendente ação de conhecimento”. da ação, independentemente de ser ação de conhecimento ou de execução. Bem alie-
28
Decisão proferida às fls. 273, Processo n. 000.98.605426-9, que tramitou pela 2ª nado após sentença de processo de conhecimento transitada em julgado. Ocorrência.
Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital de São Paulo. Recurso não provido”.
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respectivo registro”, podendo chegar, como de fato alguns, como SÉRGIO Na verdade, não se faz necessária, de forma alguma, a averbação da
BERMUDES,30 chegaram à interpretação de que não se tornava perfeita a penhora na matrícula do imóvel penhorado, pois não é pelo fato de estar
penhora, senão antes de devidamente inscrita no registro imobiliário. ou não registrado o ato constritivo que ele se torna existente e válido. A
simples existência de ação condenatória ou executiva, desde que haja
Já a nova redação, dada pela Lei n. 10.444/2002, é suficientemente
ciência inequívoca por parte do executado (v.g. pela citação), por si só
clara e prevê que o registro da penhora no ofício imobiliário serve
é suficiente à caracterização da fraude ao processo de execução.33
apenas para presunção absoluta do conhecimento de terceiros
estranhos ao processo. Eliminaram-se, portanto, dúvidas doutrinárias Não há que se falar em registro da penhora e nem mesmo na
e jurisprudenciais até então existentes, pacificando-se, de uma vez por própria penhora, pois a alienação de bem quando já havia demanda
todas, o entendimento de que a penhora de bens imóveis, para ser válida capaz de tornar insuficiente o patrimônio do executado para solver suas
e eficaz, independe, no que diz respeito ao executado ou qualquer outro dívidas, já a torna ineficaz perante o credor naquela execução em que
responsável, da inscrição no registro de imóveis.31 foi requerida a decretação de fraude. Permanece, portanto, válida em
relação aos demais credores.
A nova redação do art. 659, § 4º, do CPC, como bem asseveram
LUIZ RODRIGUES WAMBIER e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER32 resolveu Basta que tenha sido ajuizada ação, e que o executado tenha
a polêmica, “restando claro que não se trata de ato integrativo da total ciência desta demanda, ou seja, de acordo com o entendimento
penhora”, e que a averbação da constrição na matrícula do imóvel é majoritário, que tenha sido ele devidamente citado, sendo, portanto,
apenas um “ato destinado a criar presunção absoluta de publicidade desnecessária a constrição e, por isso mesmo, totalmente despicienda
quanto à vinculação do bem ao processo de execução”. a averbação.
Pode ser considerado importante o registro da penhora, apenas para
que, posteriormente, não tenha êxito possível alegação de boa-fé por
parte do adquirente, em meio à ação de embargos de terceiro.34
30
BERMUDES, Sergio. A reforma do Código de Processo Civil. 2ª ed. São Pau-
lo: Saraiva, 1996, p. 142: “O § 4º, acrescentado ao art. 659, faz da penhora de bens
imóveis um ato processual, composto do auto de penhora, lavrado pelo oficial, ou
do termo de penhora, lavrado nos autos por serventuário, e também da inscrição da 33
“Fraude à execução – Alienação de veículos na pendência de execução de pres-
penhora no respectivo registro. Sem a inscrição, a penhora de imóvel não se tem
tação alimentícia – Inexistência de outros bens para garantir o juízo – Pressupostos
por concluída. Sem essa inscrição, a aquisição do imóvel por terceiro o tornará ad-
legais configurados – Agravo desprovido.
quirente de boa-fé, sem que a ele se possam opor os efeitos da penhora. Em outras
palavras, só há ambulatoriedade da penhora se ela for inscrita no registro do imóvel I – Para que se configura fraude de execução, basta a existência de lide pendente
penhorado”. e a situação de insolvência do devedor. Não se requer que em tal demanda haja pe-
No mesmo sentido entendia NERY JUNIOR, Nelson. Atualidades sobre o Pro- nhora e muito menos que tenha sido inscrita.
cesso Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 1996, p. 206: “Para que se tenha por perfeita e II – Não há necessidade, por igual, de se demonstrar que o devedor agiu dolosa-
acabada a penhora de bens imóveis, além do auto ou termo de penhora nos autos da mente. A intenção fraudulenta está in re ipsa, não dependendo pois de apuração do
execução, deve ser levada a registro à margem da matrícula do imóvel no cartório consilium fraudis entre o alienante e o terceiro adquirente.” (TJPR, 1ª C. Cív., Ag.
imobiliário”. In. n. 052231-8, Rel. Des. Munir Karam, j. 25.02.1997, v. u.).
31
PUOLI, José Carlos. Código de Processo Civil interpretado (Antonio Carlos 34
Nesse sentido: José Carlos Puoli, op. cit., p. 1914, item 14:
Marcato – coordenador). São Paulo: Atlas, 2004, p. 1914. “Caso o exeqüente queira eliminar a possibilidade de terceiros argüirem em relação
32
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comen- ao imóvel penhorado eventual aquisição e/ou oneração por eles praticada de boa-fé,
tários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2002, ou seja, na ignorância da existência da execução e/ou ato de penhora, deverá o interes-
p. 243 e 244. sado providenciar a inscrição da penhora no registro imobiliário eis que este, por sua
158 PROCESSO DE EXECUÇÃO - TEMAS POLÊMICOS E ATUAIS GILBERTO GOMES BRUSCHI 159

Portanto, como se pôde observar, a alteração legislativa imposta erro seja escusável, e não a conseqüência de uma negligência, de um
ao § 4º, do art. 659, do CPC, veio em boa hora, trazendo solução às descuido, de um juízo apressado”.37
dúvidas anteriormente existentes sobre a função do registro da penhora.
O Código Civil brasileiro, em vigor desde 10.01.2003, contempla
Para por uma “pá de cal” na discussão, trazemos os ensinamentos de
a boa-fé em diversas passagens, como por exemplo, nos arts. 309, 637,
NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY:
1201, 1257, 1268, 1561 e 1564. No mais das vezes, muito embora o
“O registro da penhora no registro de imóveis caracteriza legislador não tenha se valido expressamente do vocábulo, indiretamente
presunção absoluta (iuris et de iure) de que o ato da penhora chegou ao o interprete versado em regras de hermenêutica, depara-se com outras
conhecimento de terceiros, dada a publicidade dos registros imobiliários. formas de aplicação do princípio. De não se perder de vista, também,
Esse registro não é condição para existência, validade e eficácia do ato de que no âmbito do direito de empresa, a boa-fé poderá estar evidenciada
penhora. Sua finalidade é dar conhecimento da penhora a terceiros”.35 na aplicação da teoria da aparência.38
A boa-fé, no que diz respeito ao tema objeto deste trabalho, deve
7. BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE ser interpretada em relação ao terceiro adquirente do bem alienado em
fraude de execução. A questão da boa-fé na fraude de execução sofreu
Antes de adentrarmos à polêmica acerca da boa-fé do terceiro algumas alterações de ordem doutrinária, após a entrada em vigor da Lei
adquirente do bem litigioso, aquele alienado em fraude de execução, n. 10.444/2002, que tornou expressamente desnecessária a averbação
convém fazer uma breve explanação sobre o que na verdade significa da penhora, para que esta tenha validade.39
boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro.
PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON nos ensina com sabedoria que
Traz-se à colação dois conceitos, que se completam, de renomados o fato de não haver o registro da penhora, em nada impede a alegação
estudiosos da ciência jurídica. in executivis, por parte do exeqüente, de que se perpetrou a fraude de
Para DE PLÁCIDO E SILVA, a boa-fé nada mais é do que “a intenção execução, mas que o descumprimento deste encargo somente acarreta
pura, isenta de dolo ou engano, com que a pessoa realiza o negócio em ônus ao requerente/prejudicado pela alienação, quando do momento
ou executa o ato, certa de que está agindo na conformidade do direito,
conseqüentemente protegida pelos preceitos legais”.36
Já para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: 37
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo:
“...procede de boa-fé quem age norteado por uma noção inexata Saraiva, 1977, p. 488.
38
Nesse sentido Orlando Gomes, Transformações gerais do direito das obri-
da verdade mas convicto de que está certo. É preciso, porém, que o gações, São Paulo: RT, 1967, p. 64: “O reconhecimento de efeitos jurídicos a si-
tuações aparentes pode justificar-se doutrinariamente pela aplicação do princípio
geral que protege a boa-fé”.- apud. Carlos Augusto de Assis, Fraude à execução
e boa-fé do terceiro adquirente. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 105, jan./
eficácia erga omnes, dará presunção de conhecimento geral do ato, impedindo que, a mar., 2002, p. 223.
partir da efetivação do registro público, seja alegada a posição de boa-fé.” 39
CAHALI, Yussef Said. op.cit., p. 601: “A alienação do bem penhorado (arresta-
35
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo do ou seqüestrado) considerava-se ineficaz em relação ao credor-exeqüente, à força
Civil comentado. 7ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 1053. do próprio vínculo que resulta da constrição judicial, sem qualquer consideração, fos-
36
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, se da boa-fé do adquirente ou beneficiário, fosse da existência de bens remanescentes
1998, p. 131. no patrimônio do devedor-executado; e estivesse ou não inscrita a penhora”.
160 PROCESSO DE EXECUÇÃO - TEMAS POLÊMICOS E ATUAIS GILBERTO GOMES BRUSCHI 161

em que impugnar os embargos de terceiro, desde que tenham sido “a alienação dos direitos de uso de linha telefônica penhorada
opostos, de que não se tratou de aquisição com boa-fé. Assim sintetiza é ineficaz, tenha a constrição sido ou não comunicada à empresa de
o professor: telefonia, não se cogitando de investigar a boa ou má-fé do adquirente,
“O exeqüente, sem o registro da penhora, tem o encargo de provar visto que é da própria natureza da fraude à execução a dispensa da prova
a má-fé do adquirente como imperativo de seu interesse. Ou seja, do consilium fraudis”.43
competirá ao exeqüente provar que o adquirente tinha conhecimento Há duas situações que devem ser suscitadas e discutidas no que
de que estava sendo movida em face do alienante demanda capaz de tange à boa-fé daquele terceiro, que é surpreendido com a decretação
provocar substancial desequilíbrio patrimonial de tal modo que ficaria da fraude em meio ao processo de execução.
insolvente”.40 A primeira se dá quando a alienação ocorreu entre o próprio
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, discorrendo sobre a problemática executado e o terceiro adquirente, após o ajuizamento e a citação
que envolve a ciência do adquirente, adverte: daquele, em ação fundada em direito real ou capaz de conduzi-lo à
“A penhora é ato público, integrante de um processo jurisdicional, insolvência.
que é público, razão por que constitui ônus do adquirente perquirir a Nessa primeira situação a alienação é feita no curso de ação
respeito, correndo os riscos de eventual imprudência ou erro. A visão de conhecimento ou de execução, diretamente entre executado e
dessas alienações como modalidade particularmente agravada de fraude terceiro, que poderá defender sua propriedade em ação de embargos
de execução autoriza optar pelo eventual prejuízo de quem adquiriu e de terceiro.
preservar a situação do credor exeqüente, com igual zelo pela autoridade Ao ser ajuizada a ação pelo terceiro adquirente, após ter sido
do juiz sob cujo poder está o bem”.41 decretada a fraude de execução, figurando do pólo passivo o exeqüente,
Para DINAMARCO, não há que se falar em boa-fé na alienação dificilmente não será deduzida e provada em juízo a ausência de boa-fé,
direta entre o executado e o terceiro, pois se assim fosse, bastaria que ou pelo menos a falta de cautela, por parte do adquirente, posto que,
o executado fosse cuidadosamente cauteloso e alienasse seus bens para era perfeitamente possível que ele tivesse plena ciência da demanda
pessoas sabidamente desinformadas de que ocorrera a constrição.42 pendente contra o alienante, o que fará com que os embargos sejam
Para elucidar seu raciocínio, traz à colação acórdão proferido pelo 1º julgados improcedentes, sendo, portanto, mantida a fraude de execução,
TACivSP, relatado pelo Juiz Pinheiro Franco: tornando dita alienação ineficaz.44

40
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fraude de Execução, Responsabilidade 43
RT 669/120.
Processual Civil e Registro da Penhora. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 98, 44
No mesmo sentido está o julgado proferido pelo TJRS, em sua 15ª Câm. Cível,
abr./jun., 2000, p. 170. no recurso de apelação n. 70003380243, em 3.04.2002, relatado pelo Des. Otávio
41
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, Augusto de Freitas Barcellos:
2000, p. 293 e 294. “Embargos de terceiro. Alienação do bem pelo devedor após procedida a sua pe-
42
Ap. Cível n. 598320190, 18ª Câm. Cível, TJRS, Rel. José Francisco Pellegrini, nhora nos autos da execução. Irrelevância da ausência de registro da penhora. Fraude
j. 9.05.2002: “Fraude à execução. Desconstituição de penhora. Alegação de boa-fé à execução caracterizada, independentemente do registro da constrição e da boa-fé
e, do embargado de fraude à execução. Insolvência presumida. Livre convencimento do adquirente. Ineficácia da transação frente ao credor. Manutenção do embargante
do magistrado. Não sendo ônus exclusivo do credor à sua comprovação. Desnecessi- na posse do bem até sua alienação judicial. Procedência parcial dos embargos. De-
dade do registro da penhora. Apelo Provido.” ram parcial provimento. Unânime”.
162 PROCESSO DE EXECUÇÃO - TEMAS POLÊMICOS E ATUAIS GILBERTO GOMES BRUSCHI 163

O adquirente tem a facilidade de verificar e constatar se, Nesse caso específico, o magistrado que tiver que julgar o processo
eventualmente, há ou não ação pendente, ou ainda se o nome do de embargos de terceiro, ajuizado por aquele que estiver na posse do
alienante está ou não no rol dos inadimplentes, de maneira bastante bem, que em função de sua alienação se originou o pedido incidental
simples, tirando certidão dos distribuidores forenses – cível, execuções (ao processo de execução) de declaração de fraude, deverá examinar
fiscais, fazendas estadual e municipal, família e sucessões, justiça do cuidadosamente a questão e ponderar todos os fatos, avaliando se houve
trabalho e justiça federal (para o caso de ser o alienante pessoa jurídica, é ou não má-fé por parte do embargante, isto é, aquele que adquiriu o
necessário também ser obtida a certidão de falências e concordatas). bem, mas não diretamente do executado.
Outra cautela que deve ter o comprador é a de providenciar a Diferentemente do que ocorre na primeira situação, quando houver
certidão negativa de protestos, que para o caso da Capital de São Paulo, uma ou mais alienações sucessivas, àquela feita entre o fraudador e o
há necessidade de se percorrer os dez (10) cartórios de protesto. Pode, primeiro adquirente, fica mais difícil de se presumir a má-fé ou a desídia
também, utilizando o C.P.F. ou o C.N.P.J. (caso seja pessoa jurídica), do terceiro embargante.
requisitar informações na Serasa. A jurisprudência do S.T.J. é no sentido de que não há fraude de
Caso haja alguma restrição, em qualquer dessas buscas execução quando se tratar de “aquisição feita por terceiro de boa-fé,
(distribuidores forenses, protestos ou Serasa), deve o comprador que compra o bem de outro que não o executado, antes da penhora,
desistir da aquisição ou, no mínimo, solicitar mais informações sobre sem que houvesse inscrição da distribuição do processo de execução e
as pendências existentes contra o vendedor, de forma a avaliar os riscos sem prova de que o adquirente sabia da existência da demanda capaz
que poderá correr. de levar o primitivo proprietário à insolvência”.46
Este, aliás, o entendimento de nossos tribunais, de onde destacamos Ainda sobre a questão da boa-fé do terceiro e se ela exclui ou não
julgado proferido pela 5ª Câmara Cível do TJPR: a fraude de execução, de se colacionar o trecho final de brilhante voto
proferido pelo Min. Carlos Alberto Menezes Direito:
“Embargos de terceiro. Fraude à execução caracterizada. Art. 593,
“De fato, se a compra é feita diretamente do executado, as certidões
II, do CPC. Alienação de bem imóvel pelo devedor, acarretando sua
necessárias para a realização da transferência da propriedade indicarão
insolvência, quando já havia pendência de demanda contra si. Terceiro
a existência da ação de execução distribuída, autorizando o comprador
adquirente que alega boa-fé, mas que não demonstrou ter tomado as
a apurar melhor a situação do bem a ser adquirido. Quando a venda
cautelas necessárias para a realização do negócio, tendo em vista que,
não é feita diretamente do executado, mas, sim, de terceira pessoa, é
mesmo que efetivamente não tivesse ciência daquela demanda, poderia
evidente que as certidões de distribuição não registrarão aquela ação
tê-la tido, bastando para tal consultar o cartório distribuidor cível da
em que figura como réu o antecedente na cadeia sucessória, deixando
comarca da situação do bem”.45
o adquirente na impossibilidade de constatar a presença de pendência
A segunda hipótese possível é a de ocorrer a alienação após executiva contra o devedor”.47
o ajuizamento da demanda, mas somente ser requerida ao juízo A questão da boa-fé será sempre apreciada em embargos de terceiro
da execução a decretação de fraude, quando já tiver ocorrido uma e não na própria execução.
nova alienação, ou seja, quando se tratar de duas ou mais alienações
sucessivas.

46
REsp. n. 246.625/MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ. 28.08.2000.
47
Voto vencido proferido no REsp. n. 442.583/MS, Segunda Seção do STJ, j.
45
Ap. Cível n. 130274-1, Rel. Des. Domingos Ramina, j. 12.11.2002, v.u. 27.11.2002, DJ. 16.02.2004.
164 PROCESSO DE EXECUÇÃO - TEMAS POLÊMICOS E ATUAIS GILBERTO GOMES BRUSCHI 165

8. A AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO E A SUSPENSÃO julgamento de plano. Não oferecida a contestação opera-se a revelia do
DO PROCESSO DE EXECUÇÃO embargado e neste caso poderá ser proferido o julgamento antecipado.

A ação de embargos de terceiro apesar de propiciar um processo 8.1. Citação pessoal obrigatória do embargado
incidente, é totalmente autônoma em relação ao processo do qual
é derivada. É distribuída por dependência ao processo principal e
Muito embora haja acirrada divergência na jurisprudência acerca da
processada em autos apartados. A petição inicial deve preencher
citação nos embargos de terceiro, filiamo-nos à corrente que entende ser
todos os requisitos previstos no art. 282 e ser instruída com os
necessária a citação pessoal do embargado, por mandado a ser cumprido
documentos comprobatórios da posse ou propriedade do embargante
por oficial de justiça, ou até mesmo por carta que a lei processual, após
e de sua qualidade de terceiro, oferecendo, também, desde logo, o as sucessivas reformas, elegeu como regra geral.
rol de suas testemunhas. Caso a condição de possuidor não puder
ser documentalmente comprovada, a prova poderá ser produzida em Na ação autônoma e incidental de embargos de terceiro o adquirente
audiência prévia designada pelo juiz. Se, entretanto, o embargante for do bem alienado em fraude de execução pode exercer sua defesa,
apenas possuidor e não proprietário do bem devendo declinar o domínio mas deve requerer que seja feita a citação do exeqüente/embargado
alheio, fazendo menção de quem faz jus à condição de senhor. pessoalmente, e não na pessoa de seu advogado constituído nos autos
da execução.
Despachada a inicial, poderá o juiz rejeitá-la liminarmente, ou
deferir de plano os embargos, se restar suficientemente comprovada a Tal citação deve ser feita pessoalmente pelo simples fato de existir
posse, determinando, então, a expedição de mandado de manutenção ou a autonomia dos embargos de terceiro em relação à execução, pois é
inclusive autuada em separado, tendo andamento totalmente apartado
restituição. Para isso, deverá, entretanto, o embargante prestar caução
desta; além disso as partes são diferentes, pois o terceiro embargante
em juízo, para o caso dos embargos serem julgados improcedentes.48
não faz parte da execução.
Caberá agravo de instrumento a ser interposto pelo embargado
ARAKEN DE ASSIS, com muita propriedade, assevera no sentido de
caso seja deferida a liminar nos embargos de terceiro. Se for indeferida
ser imprescindível ao processo de embargos, a devida citação pessoal
a petição inicial, caberá apelação.
e jamais a citação ou até mesmo a singela intimação em nome do
Quando os embargos versarem sobre todos os bens sujeitos à advogado pré-constituído na ação principal, seja ela de execução ou
constrição judicial, o processo principal ficará suspenso até julgamento de conhecimento:
em definitivo dos embargos. Se, entretanto, versarem sobre apenas parte “Uma vez deferida (e executada), ou não, a liminar, citar-se-á o
desses bens, o processo principal prosseguirá quanto aos demais. réu pessoalmente. Em outras palavras, não se admite o chamamento
Uma vez citado, poderá o embargado oferecer contestação no prazo através de intimação na pessoa do advogado.
de dez dias. Havendo necessidade de outras provas, poderá ser designada O motivo desta exigência reside no caráter autônomo e incidental
audiência de instrução e julgamento, caso contrário será proferido dos embargos, inexistindo regra similar ao art. 740, caput, aplicável aos
embargos do devedor, excepcionando as formas ordinárias de citação
(art. 221).
48
Caso não seja prestada a caução, o bem objeto do litígio ficará seqüestrado até Exato, pois, o julgado da 4ª Turma do S.T.J. que apontou a
final julgamento. ‘insuficiência, para instaurar a relação processual, de simples intimação
166 PROCESSO DE EXECUÇÃO - TEMAS POLÊMICOS E ATUAIS GILBERTO GOMES BRUSCHI 167

do advogado, deduzida na mera publicação do despacho ordenatório o que importa é que se faça a citação do embargado na forma solene
de citação’, nos embargos de terceiro”.49 estabelecida em lei, inclusive, porque de todo evidente com a expressa
No mesmo sentido adverte JOSÉ HORÁCIO CINTRA GONÇALVES advertência contida no art. 285, do Código de Processo Civil”.50
PEREIRA: A jurisprudência, por seu turno, também tem entendido que a
“A lei (art. 1.053 do CPC), como se vê, não regula a forma do citação em ação de embargos de terceiro deve ser feita pessoalmente
chamamento do embargado. Discute-se o cabimento de citação ou de ao embargado e não por mera intimação ao advogado constituído nos
intimação; mesmo assim, em qualquer caso, seria exigido endereçamento autos da ação principal. Dentre os acórdão proferidos pelos tribunais
‘pessoalmente ao réu’, ou poderia permitir-se que a diligência fosse estaduais que comungam desse raciocínio, apenas como ilustração,
cumprida na pessoa do advogado. pinçaremos alguns deles:
A matéria é controvertida, prevalecendo, no entanto, em que pese “Embargos de terceiro – Citação pela imprensa na pessoa de
o mencionado art. 1.053 do Código de Processo Civil, não ser explícita advogado da exeqüente – Necessidade de citação pessoal da parte, com
a necessidade de citação, aliás, pessoal do embargado, conforme a advertência do artigo 285 do Código de Processo Civil – Recurso
orientação que vem sendo firmada pelo Superior Tribunal de Justiça. provido para anular o processo desde a citação a ser renovada”.51
(...) “Embargos de terceiro – Citação – Necessidade de realização na
Por seu turno, PONTES DE MIRANDA, embora não ingresse nessa pessoa do embargado para possibilitar a contestação – Sentença anulada
discussão, ressalta que ‘o embargante terceiro tem de pedir a – Recurso provido”.52
citação’.
Sem dúvida, cuidando-se de ação autônoma, a citação deve ser feita
ao embargado e não a seu advogado (salvo, à evidência, instrumento 50
PEREIRA, José Horácio Cintra G. Dos embargos de terceiro. São Paulo: Atlas,
de procuração com poderes especiais). Com efeito, é princípio geral de 2002, p. 60 e 61.
direito que a citação seja feita na pessoa do réu, isso porque a inaplicação Na mesma senda Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p.
desse princípio só ocorre quando expressamente autoriza a lei (v.g., na 1191, professoram: “embora não mencionado expressamente no CPC 1050, da peti-
oposição, art. 57, 2ª parte; na reconvenção, art. 316; na liquidação de ção inicial deverá contar, necessariamente, o requerimento de citação do embargado
sentença, art. 603, par. único; na habilitação, art. 1.057, par. único). (CPC 282 VII)”.
51
JTACSP – LEX 138/142. No mesmo sentido RT 736/265.
Portanto, se nos embargos de terceiro não se fez exceção, é porque o 52
JTACSP – LEX 189/206.
legislador considerou de aplicar ao caso a regra geral da citação, para a Decidiu-se também de forma semelhante no TJSP, destacando-se o voto a seguir
formação de qualquer processo, em perfeita consonância com a técnica transcrito, elaborado pelo Des. Guimarães e Souza, em 09.04.2002, extraído de jul-
do Código. gado em recurso de apelação n. 122.745-4/4:
“(...) Acolhe-se a preliminar de cerceamento de defesa alegada pelo apelante.
Nada impede, porém, que a citação do embargado se efetive Com efeito, verifica-se que não houve citação pessoal do embargado, mas somen-
por via postal; aliás, trata-se de regra legal (arts. 221, I e 222, do CPC); te, na pessoa do seu advogado, através da publicação do despacho de fls. 14.
Todavia, sendo os embargos de terceiro ação autônoma, necessária se faz a cita-
ção pessoal do embargado. (...)
Assim sendo, não há que falar em revelia do embargado.
49
ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 8ª ed. São Paulo: RT, 2002, Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, para afastar a R. Sentença a quo e deter-
p. 1316. minar a citação pessoal do embargado, como o conseqüente prosseguimento do feito.”
168 PROCESSO DE EXECUÇÃO - TEMAS POLÊMICOS E ATUAIS GILBERTO GOMES BRUSCHI 169

Seguindo a mesma linha de orientação está o acórdão do Egrégio Tem-se assim, como pressupostos da fraude de execução: a)
S.T.J., proferido por sua 3ª Turma, sendo Relator o Ministro Cláudio qualquer ação pendente contra o devedor por ocasião da alienação ou
Santos, cuja ementa é a seguinte: oneração; b) a demanda conduza o devedor à insolvência. Cumpre,
“Embargos de terceiro. Citação. Indispensável a citação do entretanto, ao exeqüente a prova do dano sofrido com a alienação ou
embargado para responder à inicial dos embargos de terceiro”.53 oneração e, diante da inexistência de bens, o devedor ter se tornado
insolvente.
De se destacar o voto proferido pelo Ministro Eduardo Ribeiro, no
julgamento do recurso especial acima ementado, onde demonstrou todo A fraude de execução dispensa a formalidade da prova do consilium
seu conhecimento jurídico e poder de concisão, pois, sem se alongar fraudis, que se presume, mas não se pode simplesmente descartar a
demasiadamente, demonstrou a importância e o real motivo pelo qual idéia de que a boa-fé tem relevância no estudo da fraude, até porque
não se pode prescindir da citação pessoal do embargado: o nosso sistema jurídico repousa no princípio da boa-fé e, quem atua
com cautela, não pode ser prejudicado.
“Com a vênia do Ministro Nilson Naves acompanho o eminente
Relator. Nota-se assim, que a questão da boa-fé, contraposta à fraude de
execução, é sumamente subjetiva e toma contornos especialíssimos,
Se do sistema do Código resulta, como demonstrou V. Exa., que devendo, portanto ser analisada caso a caso. De qualquer forma, o
há que se fazer citação e a citação, como regra, se efetua na pessoa terceiro adquirente ao alegar boa-fé como forma da não caracterização
do citando ou do seu representante, não é possível, apenas porque se da fraude, deve prová-la, pois a presunção legal é de que o ato praticado
pretenda simplificar o serviço judiciário, dela prescindir. Trata-se de em fraude foi de má-fé, até prova em contrário, presunção, portanto,
exercício do direito de defesa que seria, a meu sentir, sacrificado, com iuris tantum.
violência às normas processuais”.
Caso tenha havido registro da constrição do bem imóvel pertencente
ao executado e, posteriormente ocorrer a alienação, não há como se
9. CONCLUSÃO comprovar que não estava presente a má-fé do terceiro adquirente,
tratando-se de presunção iuris et de iure.
Os atos praticados em fraude contra credores são anuláveis, Para que se evite a alienação fraudulenta, o adquirente sempre
podendo ser revogados pela ação pauliana ou revocatória, enquanto deverá tomar certos cuidados, com o fito de não ser prejudicado pela
que os atos praticados em fraude à execução são apenas ineficazes. Os posterior declaração de ineficácia do ato de alienação.
atos praticados em fraude contra credores prejudicam apenas o credor
individualmente, como único interessado na anulação do ato, já na Assim, por exemplo, ao fazer a filiação vintenária de determinado
fraude de execução, a alienação do bem do devedor, tem por objetivo imóvel a ser adquirido, além de certificar-se de que a cadeia sucessória foi
fraudar uma execução iniciada (ou ação condenatória), prejudicando rigorosamente observada, sem falhas ou omissões, o provável e diligente
além do credor, a administração da própria justiça, na sua função comprador, ad cautelam, deverá obter as certidões de todas as pessoas
jurisdicional. físicas ou jurídicas cujos nomes figuraram na sucessão dominial, ou que
de alguma forma, ainda que indiretamente, detiveram a propriedade nos
últimos vinte anos, muito embora o Código Civil vigente tenha reduzido
o prazo da prescrição aquisitiva para dez (10) anos (art. 205), pois ele
53
REsp. n. 23352-9/SP, j. 16.12.1992, DJU 19.04.1993, maioria de votos. passou somente a vigorar em janeiro de 2003.
170 PROCESSO DE EXECUÇÃO - TEMAS POLÊMICOS E ATUAIS GILBERTO GOMES BRUSCHI 171

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