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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000134898

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


2281523-84.2021.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante
GUARANÁ VIAGENS E TURISMO LTDA., é agravado ROBSON RODRIGUES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 34ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CRISTINA


ZUCCHI (Presidente) E GOMES VARJÃO.

São Paulo, 25 de fevereiro de 2022.

L. G. COSTA WAGNER
Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto nº 14.729
Agravo de instrumento nº 2281523-84.2021.8.26.0000
Agravante: Guaraná Viagens e Turismo Ltda.
Agravado: Robson Rodrigues
Comarca: São Paulo 1ª Vara Cível do Foro Reg. XV Butantã Proc. n.
Juiz(a) prolator(a) da decisão: Dr(a). Mônica de Cassia Thomaz Perez Reis Lobo

Agravo de Instrumento. Execução de título extrajudicial.


Decisão que indeferiu pedido de proibição de uso de CNH e
constrição do passaporte. Restrições que não podem ser
vistas como ilegais. Necessidade de se atingir um ponto de
real equilíbrio entre a satisfação do crédito e a garantia dos
direitos fundamentais do devedor. Processo em que o credor
busca receber o que tem por direito desde o ano de 2016,
tentando se valer de inúmeras medidas para reaver o que é
devido, porém sem êxito. Devedor que demonstra postura,
ao longo de todo esse tempo, de inércia, com total descaso
em honrar o que é devido. Se é verdade que os direitos
fundamentais do devedor são prestigiados em nossa
legislação, não é menos verdade que também a lei pretendeu
garantir aos jurisdicionados a eficácia das decisões judiciais
condenatórias, de forma a tornar efetivo o cumprimento de
sentença. Execução que deve ser realizada no interesse do
credor (art. 797 do CPC). Inércia do executado em oferecer
propostas/alternativas para quitação de sua dívida que
autoriza o juiz, fundado no art. 139, IV, do CPC, se servir de
medidas atípicas como, in casu, o a proibição de uso de
CNH e constrição do passaporte. Deturpação do Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento do Estado
Democrático de Direito, que deve tutelar tanto o devedor
como o credor. Decisão agravada que deve ser reformada
não por espírito emulativo ou revanchismo, mas, sim, como
forma de retirar a devedor de sua cômoda zona de conforto
e o compelir ao cumprimento da obrigação, sob pena de
descrédito do Poder Judiciário. Decisão reformada.
RECURSO PROVIDO.

I - Relatório

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão de fls. 239


que, nos autos da execução de título extrajudicial, indeferiu o pleito de cassação da
carteira nacional de habilitação (CNH) e apreensão do passaporte.

Agravo de Instrumento nº 2281523-84.2021.8.26.0000 -Voto nº 14729 2


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Afirma a Agravante que foram realizadas diversas tentativas de


constrição de bens do executado que restaram infrutíferas, estando tolhida de seu
capital de giro, em razão de prática espúria do Agravado.

Sustenta que o art. 139, IV, do CPC teve como escopo a efetividade das
decisões judiciais, ressaltando a desdenha do Agravado.

Alega, ainda, que a medida coercitiva impedirá que o devedor assuma


novas despesas, preservando o patrimônio para viabilizar o pagamento do débito,
observando que será mantida a sua liberdade de locomoção

Requereu o provimento do recurso para que fosse cassada a carteira


nacional de habilitação do devedor, bem como a apreensão do seu passaporte,
mediante depósito em juízo e comunicação à Polícia Federal.

Recurso tempestivo e preparado (fls. 15/16).

Ausente a contraminuta, diante da renúncia ao mandato (fls. 24/26).

É a síntese do necessário.

II Fundamentação

O recurso comporta provimento.

Insurge a Agravante contra a seguinte decisão:

“Vistos. Respeitadas as decisões em contrário, indefiro


o pedido. É direito do credor receber por aquilo estabelecido na
coisa julgada material, definitiva, lhe garantiu; em outra via, surge o
princípio da Menor Onerosidade ao Devedor, considerando que os
meios coercitivos só devem ser utilizados quando absolutamente
imperativos a satisfação do credor, ou seja, espécie de coação com
nítida intenção de obrigar o devedor ao pagamento voluntário. Deve-
se observar a adequação e a proporcionalidade da medida. Por outro
lado, há o Principio da Patrimonialidade, em que a execução deve
recair sobre o patrimônio do devedor, sobre seus bens, não sobre sua
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pessoa. E o que dispõe o artigo 789do CPC: “O devedor responde


com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de
suas obrigações, salvo restrições estabelecida em lei”. No caso em
tela, não vejo utilidade na medida requerida pelo exequente, porque
análise do processo revela que não foram encontrados bens em nome
da parte executada, tampouco houve a comprovação de que há
indícios de ocultação patrimonial. A apreensão da CNH ou do
passaporte do executado na realidade impede o direito fundamental
de liberdade de ir e vir, não sendo este o objetivo da execução. Intime-
se”.

A leitura do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, que trata


dos poderes do juiz, permite a adoção das medidas colocadas em discussão no
presente caso, como, por exemplo, a proibição de dirigir (utilização da CNH), o
bloqueio do passaporte e de cartão de crédito.

No caso em tela, o recurso deve ser provido em nome de louvável


esforço de harmonização da proteção de garantia de condições mínimas de
subsistências para o devedor com o direito do credor de ver satisfeito seu crédito.

É cômoda a posição do devedor. Não paga, não apresenta bens,


demonstrando não ter nenhuma preocupação de arcar com suas obrigações
financeiras perante o credor que já buscou das várias maneiras dispostas no Código
de Processo Civil tentar reaver o seu crédito, sem êxito.

Em que pese a credora tenha demonstrado esforço homérico,


valendo-se de inúmeras medidas típicas permitidas pelo ordenamento jurídico como
forma de compelir o devedor a honrar sua dívida, infelizmente, não obteve êxito.

A situação fática encontrada nos autos demonstra, em verdade, que


as medidas atípicas disposta no art. 139, IV, do Código de Processo Civil, são mais
que necessárias em situações onde o credor, após exaustiva perseguição patrimonial
sem sucesso, possa encontrar um meio de retirar o devedor de sua cômoda zona de
conforto como forma de compeli-lo a honrar aquilo que é devido.

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É importante que seja recordado ao devedor contumaz de que a


legislação garante, no artigo 797, que a execução realize-se no interesse do credor, de
forma que o magistrado, quando esgotadas alternativas para viabilizar o
cumprimento da obrigação pelo devedor, terá à sua disposição, consoante lhe faculta
o artigo 139, IV do CPC, a possibilidade de se servir de “medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto
prestação pecuniária”.

Como muito bem observado pelo Prof. Luiz Rodrigues Wambier,


“contribui sensivelmente para o descrédito do processo de execução e, portanto,
para o incremento de sua crise, o saudável (e imprescindível, para o Estado de
Direito) crescimento de mecanismos de defesa dos direitos fundamentais. Talvez de
modo desequilibrado, muito provavelmente em razão da grande novidade que ainda
representa entre nós (vitimados por sucessivas quebras de estabilidade institucional,
ao longo do século XX), a defesa dos direitos fundamentais trouxe 'efeitos
colaterais', como, por exemplo, o da intangibilidade cada vez mais acentuada (e, a
nosso ver, exagerada) do patrimônio do devedor”1.

É preciso que se atinja um ponto de real equilíbrio entre a


satisfação do crédito e a garantia dos direitos fundamentais do devedor.

Se é verdade que os direitos fundamentais são prestigiados em


nossa legislação, não é menos verdade que também a lei pretendeu garantir aos
jurisdicionados a eficácia das decisões judiciais condenatórias, de forma a tornar
efetivo o cumprimento de sentença.

Nesse sentido, nunca é demais lembrar a promessa contida no


artigo 8º. do CPC/15 no sentido de que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz
atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

1
A crise da execução e alguns fatores que contribuem para a sua intensificação propostas para
minimizá-la. Repro 109/138.
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Não é sem razão que o Novo CPC brada, logo em seu artigo 1º, que
“o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e
as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do
Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Dito em outras palavras, o fenômeno da “Constitucionalização do


Processo” exige que se faça a interpretação sistêmica do CPC a partir dos princípios
constitucionais que balizam o processo civil moderno.

Corroborando o exposto, é imperioso destacar que o Superior


Tribunal de Justiça já se debruçou sobre o tema, tendo reconhecido a validade da
medida.

Insta ressaltar os seguintes trechos do Habeas Corpus nº 97.876, da


lavra da Quarta Turma, sob relatoria do ilustre Ministro Luis Felipe Salomão:
“Nessa linha, a adoção de medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias apresenta-se como instrumento
importante a viabilizar a satisfação da obrigação exequenda,
homenageando o princípio do resultado na execução, exteriorizada,
agora, de forma mais evidente e, inquestionavelmente, alargada pelo
Código vigente, alcançando, inclusive, as obrigações de pagar quantia
certa.
É que, como sabido, as medidas executivas atípicas não são absoluta
novidade, presentes que já se faziam no Código de 1973, no art. 461,
§ 5º, aplicadas, todavia, às obrigações de fazer, não fazer e entregar
coisa, como se percebe da partir da leitura dos arts. 461 e 461-A, § 3º.
No caso do art. 139 do CPC de 2015, cumpre anotar que, atenta à
inovação legislativa, a Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), quando da realização do
Seminário O Poder Judiciário e o Novo Código de Processo Civil
(agosto/2015), debateu a questão e tratou de apresentá-la em
enunciado próprio (n. 48). Igual providência fora tomada pelo Fórum
Permanente de Processualistas Civis (maio/2015), por meio dos
enunciados n. 12 e n. 396. Confira-se o teor das proposições:
Enunciado 48, ENFAM. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um
poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas
para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no
âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução
baseado em títulos extrajudiciais.
Enunciado 12, FPPC. (arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das
medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer
obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título
executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de
forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do
contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art.
489, § 1º, I e II.

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Enunciado 396, FPPC. (art. 139, IV; art. 8º) As medidas do inciso IV
do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º.
(Grupo: Poderes do juiz)
Art. 8º, CPC/2015. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá
aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a
eficiência.
(...)
Noutro ponto, vale frisar que o reconhecido do mérito da inovação e
fato de as regras modernas de processo, instituídas pelo código de
2015, preocuparem-se, primordialmente, com a efetividade da tutela
jurisdicional, não é menos certo que essas novas diretrizes, em
nenhuma circunstância, se dissociarão dos ditames constitucionais,
constatação que remete à ideia de "possibilidades de implementação
de direitos (cumprimento) que não sejam discricionárias (ou
verdadeiramente autoritárias), por objetivos meramente pragmáticos,
de restrição de direitos individuais".
(...)
Na Jornada de Direito Processual Civil, em Recife, setembro de 2016,
sobre técnicas coercitivas da execução de obrigação de pagar,
Marcelo Abelha Rodrigues ponderou que os incisos III e IV do art.
139 do CPC/2015 estão diretamente atrelados às medidas processuais
punitivas e às medidas processuais executivas e observou que,
"embora muito próximos os incisos, neles estão separadas duas
modalidades de atuações distintas do magistrado brasileiro",
esclarecendo que, no modelo anglo-americano, essas duas atuações do
juiz não são consideradas distintas e se amalgamam num só poder
(contempt of power), para, então concluir, que "aqui no Brasil não
temos essa mesma amplitude até mesmo pelas nossas raízes culturais
atreladas ao privatismo do civil law".
(...)
Noutro ponto, no que respeita à determinação judicial de suspensão da
carteira de habilitação nacional, anoto que a jurisprudência do STJ já
se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa
ao direito de ir e vir do paciente, portanto, neste ponto o writ não
poderia mesmo ser conhecido.
Isso porque, inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue
o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e
qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo.
(...)
Por fim, anoto que o reconhecimento da ilegalidade da medida
consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em
apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade
dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A
medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o
contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada
também a proporcionalidade da providência.
(...)
Cumpre mencionar, ainda, por dever de lealdade, que no âmbito da
Segunda Seção a questão enfrentada fora decidida, monocraticamente,
em três oportunidades, não tendo sido concedida a ordem em
nenhuma delas. São elas: HC nº 428.553 - SP, Relator (a) Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino; RHC nº 88.490 - DF, Relator (a)
Ministra Maria Isabel Gallotti, HC nº 439.214 - RJ, Relator (a)
Ministra Maria Isabel Gallotti.” (STJ - RHC 97.876/SP, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
05/06/2018, DJe 09/08/2018)
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Imperioso destacar que o entendimento acima não se dá em


decisões isoladas, sendo cada vez mais recorrentes os casos em que são aplicadas as
restrições em apreço, como no recente acórdão da Terceira Turma do STJ, cuja
relatoria coube a Ministra Nancy Andrighi:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO


EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO
CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. MEDIDAS
EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15.
CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM
OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO.

1. Ação distribuída em 1/4/2009. Recurso especial interposto em


21/9/2018. Autos conclusos à Relatora em 7/1/2019.

2. O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de


habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de
pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz
condutor do processo executivo.

3. A interposição de recurso especial não é cabível com base em


suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato
normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme
disposto no art. 105, III, "a" da CF/88.

4. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior


celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual
incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por
objeto prestação pecuniária (art. 139, IV).

5. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela,


todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada
de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou
meios de controle efetivos.

6. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de


processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional,
em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames
constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos
não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma
razoável. Precedente específico.

7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que,


verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua
patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo
subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação
adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do
contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade.

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8. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido do


recorrente de adoção de medidas executivas atípicas sob o
fundamento de que não há sinais de que o devedor esteja ocultando
patrimônio, mas sim de que não possui, de fato, bens aptos a serem
expropriados.

9. Como essa circunstância se coaduna com o entendimento


propugnado neste julgamento, é de rigor - à vista da impossibilidade
de esta Corte revolver o conteúdo fático-probatório dos autos - a
manutenção do aresto combatido. RECURSO ESPECIAL
PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (REsp
1788950/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019)

É oportuna a transcrição de trecho do voto de S. Exa., a Ministra


relatora, que esclarece de forma impecável a utilidade a que se presta a aplicação das
medidas executivas atípicas:

2. DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO CPC/15 O


Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior
celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a
qual incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações
que tenham por objeto prestação pecuniária”. Trata-se das
chamadas medidas executivas atípicas, previstas no art. 139, IV,
do novo Código, cláusula geral que confere poder ao julgador para
a adoção de meios necessários à satisfação da obrigação não
delineados previamente no diploma legal. O legislador optou,
desse modo, por abandonar o princípio até então vigente (ao
menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia),
da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade
ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as
circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à
tutela do direto material. A atipicidade dos meios executivos,
portanto, “defere ao juiz o poder-dever para determinar medidas
de apoio tendentes a assegurar o cumprimento de ordem judicial,
independentemente do objeto da ação processual” (ALVIM,
Angélica Arruda (Coord.). Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 214 - sem destaque no
original).

E, ainda, no mesmo sentido:


“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM HABEAS CORPUS.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS
ATÍPICAS. CABIMENTO. RESTRIÇÃO DO DIREITO DE
DIRIGIR. SUSPENSÃO DA CNH. LIBERDADE DE
LOCOMOÇÃO. VIOLAÇÃO DIRETA. INOCORRÊNCIA.
PRINCÍPIOS DA RESOLUÇÃO INTEGRAL DO LITÍGIO, DA
BOA-FÉ PROCESSUAL E DA COOPERAÇÃO. ARTS. 4º, 5º E 6º
DO CPC/15. INOVAÇÃO DO NOVO CPC. MEDIDAS
EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. COERÇÃO

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INDIRETA AO PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. SANÇÃO.


PRINCÍPIO DA PATRIMONIALIDADE. DISTINÇÃO.
CONTRADITÓRIO PRÉVIO. ART. 9º DO CPC/15. DEVER DE
FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, § 1º, DO CPC/15. COOPERAÇÃO
CONCRETA. DEVER. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA MENOR
ONEROSIDADE. ART. 805, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15.
ORDEM. DENEGAÇÃO.
1. Cuida-se de habeas corpus por meio do qual se impugna ato
supostamente coator praticado pelo juízo do primeiro grau de
jurisdição que suspendeu a carteira nacional de habilitação e
condicionou o direito do paciente de deixar o país ao oferecimento de
garantia, como meios de coerção indireta ao pagamento de dívida
executada nos autos de cumprimento de sentença.
(...)
4. A suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura
dano ou risco potencial direto e imediato à liberdade de locomoção do
paciente, devendo a questão ser, pois, enfrentada pelas vias recursais
próprias. Precedentes.
(...)
6. O processo civil moderno é informado pelo princípio da
instrumentalidade das formas, sendo o processo considerado um meio
para a realização de direitos que deve ser capaz de entregar às partes
resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e
espontâneo das normas jurídicas.
7. O CPC/15 emprestou novas cores ao princípio da
instrumentalidade, ao prever o direito das partes de obterem, em prazo
razoável, a resolução integral do litígio, inclusive com a atividade
satisfativa, o que foi instrumentalizado por meio dos princípios da boa-
fé processual e da cooperação (arts. 4º, 5º e 6º do CPC), que também
atuam na tutela executiva.
8. O princípio da boa-fé processual impõe aos envolvidos na relação
jurídica processual deveres de conduta, relacionados à noção de
ordem pública e à de função social de qualquer bem ou atividade
jurídica.
9. O princípio da cooperação é desdobramento do princípio da boa-fé
processual, que consagrou a superação do modelo adversarial vigente
no modelo do anterior CPC, impondo aos litigantes e ao juiz a busca
da solução integral, harmônica, pacífica e que melhor atenda aos
interesses dos litigantes.
10. Uma das materializações expressas do dever de cooperação está
no art. 805, parágrafo único, do CPC/15, a exigir do executado que
alegue violação ao princípio da menor onerosidade a proposta de meio
executivo menos gravoso e mais eficaz à satisfação do direito do
exequente.
11. O juiz também tem atribuições ativas para a concretização da
razoável duração do processo, a entrega do direito executado àquela
parte cuja titularidade é reconhecida no título executivo e a garantia
do devido processo legal para exequente e o executado, pois deve
resolver de forma plena o conflito de interesses.
12. Pode o magistrado, assim, em vista do princípio da atipicidade dos
meios executivos, adotar medidas coercitivas indiretas para induzir o
executado a, de forma voluntária, ainda que não espontânea, cumprir
com o direito que lhe é exigido.
13. Não se deve confundir a natureza jurídica das medidas de coerção
psicológica, que são apenas medidas executivas indiretas, com
sanções civis de natureza material, essas sim capazes de ofender a
garantia da patrimonialidade da execução por configurarem punições
ao não pagamento da dívida.
Agravo de Instrumento nº 2281523-84.2021.8.26.0000 -Voto nº 14729 10
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14. Como forma de resolução plena do conflito de interesses e do


resguardo do devido processo legal, cabe ao juiz, antes de adotar
medidas atípicas, oferecer a oportunidade de contraditório prévio ao
executado, justificando, na sequência, se for o caso, a eleição da
medida adotada de acordo com os princípios da proporcionalidade e
da razoabilidade.
15. Na hipótese em exame, embora ausente o contraditório prévio e a
fundamentação para a adoção da medida impugnada, nem o
impetrante nem o paciente cumpriram com o dever que lhes cabia de
indicar meios executivos menos onerosos e mais eficazes para a
satisfação do direito executado, atraindo, assim, a consequência
prevista no art. 805, parágrafo único, do CPC/15, de manutenção da
medida questionada, ressalvada alteração posterior.
16. Recurso em habeas corpus desprovido.” (RHC 99.606/SP, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
13/11/2018, DJe 20/11/2018)

Também o Tribunal de Justiça de São Paulo tem diversos julgados


que sustentam o cabimento da decisão de retenção de passaporte e proibição de
utilização de CNH como medidas excepcionais e autorizadas quando diante de
situações peculiares em que o magistrado tenha esgotado as tentativas de compelir o
devedor ao pagamento.

Nesse sentido:
“CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Ação indenizatória em fase de
execução que perdura há anos sem a completa satisfação da credora -
Decisão que deferiu o bloqueio dos cartões de crédito do devedor,
bem como a retenção de seu passaporte, além da requisição de
informações sobre suas movimentações bancárias mais recentes
Inconformismo do executado Não acolhimento - Medidas atípicas
pleiteadas determináveis com fulcro no art. 139, IV, do CPC/2015,
que ampliou as providências à disposição dos magistrados para além
da penhora e da expropriação de bens como meios de cobrança
Situação processual que justifica a adoção das indigitadas
providências, em razão do insucesso de todas as medidas
anteriormente tomadas. Decisão interlocutória mantida por seus
próprios fundamentos, conforme art. 252 do Regimento Interno do
TJSP Recurso não provido” (TJSP, 1ª. Câmara de Direito Privado,
Agravo de Instrumento nº 2196977-38.2017.8.26.0000, rel. Des. Rui
Cascaldi, j. 29.01.18)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação Civil Pública por


improbidade administrativa. Sentença condenatória em fase de
execução. Frustração no cumprimento da obrigação pecuniária.
Determinada a suspensão da CNH do executado até o pagamento da
dívida, com base na regra trazida pelo art. 139, IV, do CPC.
Cabimento da medida. Utilizados os meios típicos de execução, como
penhora on line, pesquisas junto à REDE INFORSEG e CIRETRAN,

Agravo de Instrumento nº 2281523-84.2021.8.26.0000 -Voto nº 14729 11


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tendo sido os resultados absolutamente infrutíferos. Ademais,


respeitados os princípios norteadores do direito processual, como a
razoabilidade, proporcionalidade e menor onerosidade da execução.
Necessário observar o princípio da efetividade do processo. Não
demonstrada irregularidade ou arbitrariedade na providência
determinada pelo D. Juízo de primeiro grau. Decisão mantida.
Recurso não provido.” (TJSP, 6ª. Câmara de Direito Público, Agravo
de Instrumento nº 2064687-59.2017.8.26.0000, rel. Des. Evaristo
Santos, j. 21.08.17)

“Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Determinação de


suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) da executada,
bem como de cartões de débito e crédito e passaporte. Possibilidade,
desde que exauridas outras tentativas de localização de bens e
satisfação do crédito. Art. 139, IV, do NCPC. Diploma legal que
autoriza o magistrado a tomar medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial. Providências que contribuem para o
pagamento do valor devido desde que relacionadas à obrigação
inadimplida. Restrições que induzem ao pagamento tendo em vista
que cabe à devedora o ônus de comprovar as razões pelas quais
custeia despesas relacionadas a cartões e viagem sem pagar seu
débito. Violação da dignidade humana não caracterizada. Decisão
mantida. Recurso improvido.” (2045271-08.2017.8.26.0000 -
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Responsabilidade Civil -
Relator: Hamid Bdine - Comarca: Mogi das Cruzes - Órgão julgador:
4ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 06/04/2017 -
Data de publicação: 19/04/2017).

No mesmo sentido, colaciono decisões desta Colenda 34ª de


Direito Privado:
“Agravo de Instrumento. Execução de título extrajudicial. Decisão
que indeferiu pedido de suspensão e apreensão da CNH. Restrição que
não pode ser vista como ilegal. Necessidade de se atingir um ponto de
real equilíbrio entre a satisfação do crédito e a garantia dos direitos
fundamentais do devedor. Se é verdade que os direitos fundamentais
são prestigiados em nossa legislação, não é menos verdade que
também a lei pretendeu garantir aos jurisdicionados a eficácia das
decisões judiciais condenatórias, de forma a tornar efetivo o
cumprimento de sentença. Ademais, a execução deve ser realizada no
interesse do credor (art. 797 do CPC). Inércia do executado que
autoriza o juiz, fundado no art. 139, IV, do CPC, se servir de medidas
atípicas como a proibição de dirigir (utilização da CNH) e bloqueio de
cartões de crédito, para retirar o devedor da sua cômoda zona de
conforto e o compelir ao cumprimento da obrigação, sob pena de
descrédito do Poder Judiciário. Precedentes da jurisprudência do STJ
e TJSP. RECURSO PROVIDO.” (TJSP; Agravo de Instrumento
2206730-82.2018.8.26.0000; Relator (a): L. G. Costa Wagner; Órgão
Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Atibaia - 1ª Vara
Cível; Data do Julgamento: 14/02/2019; Data de Registro:
14/02/2019)

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“Agravo de Instrumento. Despejo por falta de pagamento.


Cumprimento da sentença. Indeferimento do pleito de suspensão da
Carteira Nacional de Habilitação - CNH. Possibilidade. Precedente do
STJ. Inteligência do art. 139, IV, do CPC. Execução que deve ser
realizada no interesse do exequente, a teor do disposto no art. 797,
caput, do CPC. Crédito perseguido há mais de 4 (quatro) anos.
Harmonização entre a satisfação do crédito e a garantia dos direitos
fundamentais do devedor. Se é verdade que os direitos fundamentais
são prestigiados em nossa legislação, não é menos verdade que
também a lei pretendeu garantir aos jurisdicionados a eficiência das
decisões judiciais condenatórias, de forma a tornar efetivo o
cumprimento de sentença. Decisão reformada. Recurso
PROVIDO.” (TJSP; Agravo de Instrumento
2145072-57.2018.8.26.0000; Relator (a): L. G. Costa Wagner; Órgão
Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Taubaté - 5ª Vara
Cível; Data do Julgamento: 03/12/2018; Data de Registro:
11/12/2018)

No caso em apreço, não há como se inferir que haja, por parte do


recorrido, qualquer intenção de honrar o pagamento do crédito perseguido, não
havendo por parte do executado nem ao menos a apresentação de um plano de
pagamento, o que poderia demostrar boa vontade em honrar aquilo que é devido.

Não se pode admitir que o legislador constituinte, ao insculpir o


Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como fundamento do Estado Democrático
de Direito (art.1., III, CF), o tenha feito com o intuito de permitir que seja utilizado
como verdadeiro escudo para maus pagadores, colocando-os a salvo de medidas
judiciais coercitivas que tenham o intuito de os estimular a honrar suas obrigações
patrimoniais.

Interpretar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é admitir


que o credor também direito à sua dignidade, pois, assim como o devedor, necessita
de recursos para se manter.

A pergunta a ser respondida pelo aplicador do Direito é: Por que a


dignidade da pessoa humana do devedor vale mais do que a dignidade da pessoa
humana do credor?

Dito em outras palavras: A Constituição tutela o Princípio da


Dignidade da Pessoa Humana do Credor?

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Por que o devedor, que em última análise fora quem deu causa a
dívida, in casu por não ter adimplido sua obrigação condominial, merece integral
proteção patrimonial, quando a constrição de bens se mostrar a ele prejudicial, não
merecendo igual atenção o credor, nas hipóteses em que, desprovido de alcançar o
patrimônio daquele que lhe deve, também for vítima de irreparável prejuízo?

Por detrás de discussões como a aqui travada, está a credibilidade


do Poder Judiciário e a mensagem de qual tipo de sociedade queremos deixar para o
futuro: Comodismo, inadimplência, irresponsabilidade, prestígio aos devedores
contumazes, ou seriedade, honradez e culto ao cumprimento de obrigações.

Como muito bem observado por Cassio Scarpinella Bueno, “a


efetividade do processo mede-se pela sua capacidade de tornar reais (concretizados)
os direitos controvertidos, ameaçados ou lesionados”. (In: Manual de Direito
Processual Civil. Saraiva, 2015 p. 50/51).

Decisões como a aqui combatidas, longe de serem ato emulativo ou


conterem espírito de revanchismo, não objetivam deixar o devedor em situação
penosa; ao contrário, emitem mensagem no sentido de que antes de pensar em
possuir e conduzir veículo automotor, em passear ou viajar, deveria se preocupar em
pagar as dívidas contraídas.

III Conclusão

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO a este recurso, nos


termos constantes do voto.

L. G. Costa Wagner

Relator

Agravo de Instrumento nº 2281523-84.2021.8.26.0000 -Voto nº 14729 14

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