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Agravo de Instrumento n. 0171142-78.2013.8.24.

0000
Relator: Desembargador Robson Luz Varella

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO


JUDICIAL – DECISÃO QUE AUTORIZOU A ALIENAÇÃO DE
ATIVO E HOMOLOGOU ACORDO REALIZADO COM UM
DOS CREDORES – RECURSO INTERPOSTO PELO
"PARQUET" ESTADUAL.
RECUPERAÇÃO DA EMPRESA – PROPÓSITOS DO
INSTITUTO DECLINADOS NO ART. 47 DA LEI N. 11.101/05
– SUPERAÇÃO DA CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA –
PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE – MANUTENÇÃO DAS
FONTES DE PRODUÇÃO E TRABALHO – VIÉS A SER
ADOTADO VISANDO AO SOERGUIMENTO DAS
RECUPERANDAS.
A recuperação judicial é instituto que tem como objetivo,
nos termos do art. 47 da Lei n. 11.101/05, "[...] viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do
devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora,
do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos
credores, promovendo, assim, a preservação da empresa,
sua função social e o estímulo à atividade econômica."
Dessarte, no procedimento recuperacional, devem-se
envidar esforços para, tanto quanto possível, permitir a
continuidade da atividade empresarial, conforme as medidas
aprovadas pela assembleia de credores, almejando o
alcance das metas previstas na legislação pátria.
INSURGÊNCIA RECURSAL QUANTO AO
TRATAMENTO OFERECIDO A CREDOR COM GARANTIA
REAL, À FORMA DE PAGAMENTO DE DETERMINADAS
DÍVIDAS E À DISPONIBILIZAÇÃO DE CAPITAL DE GIRO
ÀS RECUPERANDAS – IMPOSSIBILIDADE DE EXAME
DAS TEMÁTICAS PELO PODER JUDICIÁRIO, O QUAL
ESTÁ ADSTRITO, NOS TERMOS DA LEI N. 11.101/2005,
AO CONTROLE DE LEGALIDADE – SOBERANIA DAS
DELIBERAÇÕES REALIZADAS PELA ASSEMBLEIA-
GERAL DE CREDORES – PRECEDENTES DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE SODALÍCIO
– IRRESIGNAÇÃO DESPROVIDA NO PARTICULAR.
Consoante entendimento da Corte de Uniformização "A
jurisprudência das duas Turmas de Direito Privado do STJ
sedimentou que o juiz está autorizado a realizar o controle
de legalidade do plano de recuperação judicial, sem adentrar
no aspecto da sua viabilidade econômica, a qual constitui
mérito da soberana vontade da assembleia geral de
credores. [...] (REsp 1660195/PR, Rela. Mina. Nancy
Andrighi , j. em 4/4/2017).
Na hipótese, o Ministério Público insurge-se quanto ao
pagamento diferenciado de credor com garantia real, à
alteração pontual da ordem de pagamento das dívidas e à
disponibilização às recuperandas de elevado montante a
título de capital de giro.
No entanto, aludidas temáticas referem-se ao mérito do
plano aprovado pela assembleia-geral de credores e, sendo
assim, vedada a intervenção do Poder Judiciário, sob pena
de ofensa à soberania do conclave.
AVALIAÇÃO DO IMÓVEL – DESNECESSIDADE DE
RENOVAÇÃO DO ATO – PREÇO DE VENDA DO BEM
(APROXIMADAMENTE R$ 69 MILHÕES) ESTIPULADO
DENTRO DA MARGEM CALCULADA EM EXAME
REALIZADO POUCOS MESES ANTES DA PROPOSTA –
REALIDADE FÁTICA DAS RECUPERANDAS QUE NÃO
FAVORECE A OBTENÇÃO DE PROPOSTAS
EXTREMAMENTE VANTAJOSAS – REJEIÇÃO DO
NEGÓCIO JURÍDICO INADEQUADA – ADEMAIS,
EXISTÊNCIA DE APROVAÇÃO PELA ASSEMBLEIA DE
CREDORES – INSURGÊNCIA DESAGASALHADA NO
TÓPICO.
Consoante documentação acostada aos autos, em
avaliação do imóvel realizada em julho de 2012 – cinco
meses antes da proposta de compra e venda –, o valor do
bem foi estimado em R$ 76 milhões, sendo prevista uma
margem de 10% (dez por cento) acima ou abaixo de tal
montante.
Assim, encontrando-se o preço ajustado entre as partes
– pouco mais de R$ 69 milhões – dentro de tais parâmetros
e considerando o contexto em que se situam as
recuperandas, vislumbram-se atendidos os interesses das
devedoras, sendo desnecessária nova análise do imóvel.
Ademais, no caso concreto, houve aprovação da alienação
do bem pela assembleia-geral de credores, sendo
desaconselhável, pois, a invalidação da avença.
CORRETAGEM – CONTRATO CLASSIFICADO COMO

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INFORMAL – PRESCINDIBILIDADE DA EXISTÊNCIA DE
PACTO ESCRITO – VIABILIDADE DA CONTRATAÇÃO
VERBAL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, PELO
RECORRENTE, DE QUE A NEGOCIAÇÃO TENHA SIDO
CONSTRUÍDA POR SIMPLES CORRESPONDÊNCIAS
ELETRÔNICAS TROCADAS ENTRE O PRESIDENTE DA
TEKA E DIRETORIA DA ADQUIRENTE –
INTERMEDIADORA QUE INTEGRA GRUPO ECONÔMICO
DA COMPRADORA – CIRCUNSTÂNCIA INAPTA A
OBSTAR O PAGAMENTO DOS VALORES DEVIDOS NA
CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO – ATENDIMENTO DOS
INTERESSES DAS RECUPERANDAS – RAZOABILIDADE
DA COMISSÃO DE CORRETAGEM, ESTABELECIDA EM
6% (SEIS POR CENTO) – PATAMAR CONSENTÂNEO
COM TABELAS DISPONIBILIZADAS POR CONSELHOS
PROFISSIONAIS E SINDICATOS DE CORRETORES –
DESPROVIMENTO DO RECURSO NO PONTO.
No contrato de corretagem, uma pessoa se obriga,
mediante remuneração, a intermediar ou agenciar negócios
para outra, sem ligação proveniente de mandato, prestação
de serviços ou qualquer relação de dependência. Aludido
negócio jurídico é classificado pela doutrina como bilateral,
oneroso, consensual, acessório e, ainda, informal, porquanto
prescinde de forma escrita.
Desse modo, afigura-se desnecessária, no caso
concreto, a juntada de documento que comprove cabalmente
a contratação da SAMU pela Teka. Ainda, os e-mails
acostados pela recorrente não demonstram que a
negociação tenha sido construída integralmente pelas
comunicações realizadas entre o presidente da vendedora e
a Diretoria de Novos Negócios do Grupo Savoy.
Ademais, o fato de a Sociedade de Administração,
Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. – SAMU integrar
o Grupo Savoy – comprador do bem – não invalida a
intermediação, na medida em que verificado o atendimento
aos interesses das recuperandas.
Outrossim, a comissão de 6% (seis por cento) estipulada
em razão da aproximação entre os contratantes revela-se
razoável, observando tabela de preços disponibilizada pelo
Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo e
pelo Sindicato dos Corretores de Imóveis de Santa Catarina.
FORMALIZAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA QUANDO

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DO PAGAMENTO DA PRIMEIRA PARCELA DO PREÇO
AJUSTADO – AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL – FACULDADE
DOS CONTRATANTES – PRIMAZIA DA AUTONOMIA
PRIVADA – ALIENAÇÃO DE ATIVOS, APROVADA PELOS
CREDORES QUE VISA À PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E
À CONCRETIZAÇÃO DA SUA FUNÇÃO SOCIAL – PLEITO
RECURSAL DE INVALIDAÇÃO DO NEGÓCIO
RECHAÇADO.
Conforme dispõe o art. 491 do Código Civil, "Não sendo
a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a
coisa antes de receber o preço." Nessa linha, ao passo em
que inexiste compromisso do alienante de realizar a entrega
do bem previamente à quitação do valor pactuado, o
ordenamento jurídico tampouco lhe proíbe tal conduta.
Priorizando a autonomia privada das partes envolvidas, é
inoportuno ao Judiciário obstar a alienação de imóvel das
devedoras enquanto não se tenha demonstrado haver
afronta, pelos termos pactuados, à função social do contrato.
Além do mais, a venda do bem tem por intuito a
preservação da empresa, a fim de viabilizar o
prosseguimento da atividade empresarial, a manutenção de
empregos e o atendimento aos interesses dos credores.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento


n. 0171142-78.2013.8.24.0000, da comarca de Blumenau 2ª Vara Cível em que
é Agravante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Agravado Teka
Tecelagem Kuehnrich S/A e outros.
A Segunda Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação
unânime, afastar a preliminar de perda do objeto, suscitada pela recorrida, e
negar provimento ao recurso. Custas legais.
Do julgamento, realizado em 31 de outubro de 2017, participaram
os Exmos. Srs. Des. Newton Varella Júnior e Dinart Francisco Machado.
Florianópolis, 24 de novembro de 2017.

Desembargador Robson Luz Varella


Relator

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RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público


do Estado de Santa Catarina contra decisão que, nos autos da recuperação
judicial n. 008.12.023674-2, ajuizada por Teka Tecelagem Kuehnrich S/A e
outros, dentre outras coisas, homologou o acordo realizado entre as
recuperandas e o BADESC e autorizou a alienação do imóvel de matrícula n.
20.783.
Em suas razões (fls. 2/19), aduziu o agravante que o princípio da
preservação da empresa somente poderia ser aplicado a pessoas jurídicas
viáveis. Apontou, nesse tocante, não cumprirem as recuperandas sua função
social, tendo em vista a ausência de pagamento ou depósito dos encargos
sociais e dos tributos.
Sustentou que o acordo homologado pelo Magistrado "a quo" viola
o princípio da igualdade entre credores da mesma classe, porquanto autoriza
pagamento diferenciado ao BADESC. Mencionou, ainda, significarem as
cláusulas avençadas aditivo ao plano de soerguimento em relação àquele credor,
devendo ser submetidas à assembleia geral de credores.
Alegou, outrossim, que os valores obtidos com a venda do imóvel
deveriam ser utilizados para pagamento dos créditos trabalhistas, inclusive os
concursais, por gozarem de preferência legal.
Argumentou, ademais, a inviabilidade de disponibilização de R$
34.000.000,00 (trinta e quatro milhões de reais) para capital de giro das
devedoras enquanto não estejam claros os meios de recuperação que se
pretendem empregar. Nesse particular, suscitou haver excesso de confiança em
vagos meios de recuperação e apontou que dificilmente o ativo retornaria ao
patrimônio da Teka, razão pela qual os aludidos valores deveriam ficar
submetidos à fiscalização judicial.
Na sequência, argumentou o Ministério Público necessidade de
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reforma do "decisum" devido à inexistência de avaliação do imóvel logo antes da
venda e em virtude de aquele ter sido negociado por preço próximo ao limite
mínimo apurado, sem descontar, ainda, a retenção de quatro milhões de reais
direcionados ao intermediador do negócio jurídico.
Acerca da comissão de corretagem, aduziu o recorrente não haver
prova da efetiva intermediação da alienação. Nesse aspecto, sustentou que as
tratativas teriam sido realizadas diretamente entre o presidente da Teka e a
Diretoria de Novos Negócios do Grupo Savoy, sem o auxílio da Sociedade de
Administração, Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. – SAMU, a qual
integraria aquele Grupo. Repudiou, dessarte, a legalidade do pagamento da
comissão.
Por fim, irresignou-se o órgão ministerial quanto à formalização da
escritura pública de compra e venda quando do pagamento da primeira parcela
de R$ 17.325.300,00 (dezessete milhões trezentos e vinte e cinco mil e trezentos
reais), que representa 25% (vinte e cinco por cento) do valor do negócio. Alegou
não ter sido oferecida qualquer garantia em caso de ausência de pagamento e
asseverou a possibilidade de reabertura das negociações acerca da alienação do
imóvel, já que nenhum integrante do Grupo Savoy participou do acordo com o
BADESC.
Em decisão de fls. 227/235, o efeito suspensivo almejado foi
deferido.
Contrarrazões das agravadas às fls. 252/272, suscitando a perda
do objeto de parcela do reclamo e almejando o desprovimento da irresignação.
Por meio da manifestação de fls. 339/341, apontaram as recorridas
a superação das questões recusais pela aprovação do plano de recuperação
judicial pela assembleia geral de credores.
Contrapondo-se à alegação, o "Parquet" sustentou a subsistência
do interesse na análise da irresignação (fls. 433/436).

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Remetidos os autos à Procuradoria de Justiça, essa se manifestou
pelo conhecimento e desprovimento do recurso, a fim de que seja mantida a
decisão atacada (fls. 453/468).
Este é o relatório.

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VOTO

Versam os autos acerca de agravo de instrumento interposto pelo


Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra decisão proferida nos
autos da recuperação judicial n. 008.12.023674-2, ajuizada por Teka Tecelagem
Kuehnrich S/A e outros.
Insta salientar, inicialmente, que o presente recurso foi interposto
com fundamento no Código de Processo Civil de 1973, contra decisão publicada
antes do dia 18 de março de 2016, devendo ser exigidos, à luz do enunciado
administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça (disponível em
<http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not
%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/STJ-sai-na-frente-e-adequa-regimento-interno-
ao-novo-C%C3%B3digo-de-Processo-Civil>, os requisitos de admissibilidade na
forma prevista naquela codificação.
A propósito:
Enunciado administrativo número 2 Aos recursos interpostos com
fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de
2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele
prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça.
Perda do objeto
Aduzem as recorridas a superação das questões recusais pela
aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia geral de credores,
de modo a restar esvaziado o objeto deste recurso.
A preliminar não merece acolhida, todavia, porquanto a decisão que
homologou o plano aprovado foi igualmente recorrida pelo Ministério Público
(autos n. 2013.079064-2); de tal modo, no caso de eventual acolhimento daquela
insurgência, revela-se sobremaneira importante a liminar concedida às fls.
227/235, que impede a alienação do bem imóvel, circunstância apta a justificar a
análise meritória do presente agravo de instrumento.
Recuperação da empresa
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Imperioso esclarecer, inicialmente, que o propósito da recuperação
judicial, consoante delineado no art. 47 da Lei n. 11.101/05, é a superação da
situação de crise econômico-financeira, no intuito de viabilizar o prosseguimento
da atividade empresarial e a manutenção de empregos, além de atender os
interesses dos credores.
O instituto, como igualmente dispõe a legislação apontada, está
umbilicalmente relacionado à preservação da empresa e à função social dessa.
Colhe-se do mencionado dispositivo legal:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da
situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a
manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua
função social e o estímulo à atividade econômica.
A respeito do tema, leciona a doutrina:
Desde o início desta obra, destaca-se o princípio orientador básico do
Direito Empresarial: a preservação da empresa. A empresa não se confunde
com o empresário, seu titular. É o instrumento de trabalho dele e termina por
desempenhar relevante papel social e econômico, na medida em que gera
empregos, produz e faz circular bens e serviços, urbaniza seus arredores, gera
tributos, entre outras atribuições.
[...]
A recuperação judicial busca, então:
a) um objetivo: viabilizar a superação da situação de crise econômico-
financeira do devedor;
b) três estratégias de atuação: permitir a manutenção da fonte produtora,
permitir a manutenção do emprego dos trabalhadores e permitir a proteção dos
interesses dos credores;
c) três consequências: a preservação da empresa, sua função social e o
estímulo à atividade econômica.
Pode-se dizer, então, que são sete os objetivos, pois todos os comandos
do art. 47 estão relacionados à oportunidade que se confere ao empresário de
manter-se no mercado, superando a crise econômico-financeira pela qual está
passando [...] (CHAGAS, Edilson Enedino das; LENZA, Pedro (Coord.). Direito
empresarial esquematizado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1.065)
Na mesma linha:
Uma das metanormas que orienta o Direito Empresarial, viu-se no
primeiro volume desta coleção, é o princípio da preservação da empresa, cujos
alicerces estão fincados no reconhecimento da sua função social. [...]
A recuperação judicial de empresas tem por objetivo viabilizar a
superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a
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manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua
função social e o estímulo à atividade econômica (artigo 47 da Lei 11.101/05).
Essa definição legal positiva os princípios da função social da empresa e da
preservação da empresa: a recuperação visa a promover (1) a preservação da
empresa, (2) sua função social e (3) o estímulo à atividade econômica
(atendendo ao cânone constitucional inscrito no artigo 3º, II e III, que definem
como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil garantir o
desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais). (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial
brasileiro: volume 4 - falência e recuperação de empresas. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 122/123)
Observa-se, dessarte, a necessidade de se envidarem esforços na
recuperação judicial para, tanto quanto possível, viabilizar a continuidade da
atividade empresarial, a fim de atingir os objetivos previstos na legislação pátria.
A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO
DIRIGIDO CONTRA A DECISÃO QUE CONVOLOU A RECUPERAÇÃO
JUDICIAL EM FALÊNCIA. OBRIGATÓRIA CONVOCAÇÃO DE NOVA
ASSEMBLEIA DE CREDORES QUANDO ANULADA AQUELA QUE
APROVARA O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTENTE
QUALQUER UMA DAS CAUSAS TAXATIVAS DE CONVOLAÇÃO.
1. No processo recuperacional, são soberanas as decisões da
assembleia geral de credores sobre o conteúdo do plano de
reestruturação e sobre as objeções/oposições suscitadas, cabendo ao
magistrado apenas o controle de legalidade do ato jurídico, o que decorre,
principalmente, do interesse público consubstanciado no princípio da
preservação da empresa e consectária manutenção das fontes de
produção e de trabalho.
[...] (REsp 1587559/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 6/4/2017)
(grifou-se)

RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CUMPRIMENTO DE


SENTENÇA. ATOS DE CONSTRIÇÃO. FORNECEDOR EM
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA RECUPERAÇÃO.
PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
PRINCÍPIOS NÃO ABSOLUTOS. PONDERAÇÃO. MANUTENÇÃO DA
EMPRESA. TUTELA DE INTERESSES MÚLTIPLOS. PREVALÊNCIA.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICO-TELEOLÓGICA DA LEI Nº 11.101/2005.
1. A controvérsia dos autos consiste em definir a competência para
realizar atos de constrição destinados ao cumprimento de sentença proferida
por magistrado do juizado especial cível, em favor de consumidor, quando
o fornecedor já obteve o deferimento da recuperação na vara empresarial.

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2. O compromisso do Estado de promover o equilíbrio das
relações consumeristas não é uma garantia absoluta, estando a sua
realização sujeita à ponderação, na hipótese, quanto aos múltiplos
interesses protegidos pelo princípio da preservação da empresa.
3. A Segunda Seção já realizou a interpretação
sistemático-teleológica da Lei nº 11.101/2005, admitindo a
prevalência do princípio da preservação da empresa em detrimento de
interesses exclusivos de determinadas classes de credores, tendo
atestado que, após o deferimento da recuperação judicial, prevalece a
competência do Juízo desta para decidir sobre todas as medidas de
constrição e de venda de bens integrantes do patrimônio da
recuperanda. Precedentes.
[...] (REsp 1598130/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em
7/3/2017) (grifou-se)
Diante disso, deve-se primar pela manutenção das medidas,
especialmente as aprovadas pela assembleia de credores, que visem ao
soerguimento da empresa.
Autonomia da assembleia de credores
Acerca das atribuições da Assembleia-Geral de Credores
estabelece a Lei n. 11.101/2005:
Art. 41. A assembleia-geral será composta pelas seguintes classes
credoras:
I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes
de acidentes de trabalho;
II – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com
privilégio geral ou subordinados;
IV – titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa
de pequeno porte.
[...]
Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as
classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.
§ 1º Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41
desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais
da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e,
cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.
§ 2º Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a
proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes,
independentemente do valor de seu crédito.
[...]
Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a
recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor
nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral
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de credores na forma do art. 45 desta Lei.
§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano
que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma
assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I - o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor
de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes;
II - a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art.
45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a
aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
III - na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um
terço) dos credores, computados na forma dos §§1º e 2º do art. 45 desta Lei.
§ 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no §
1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os
credores da classe que o houver rejeitado.
A leitura dos mencionados dispositivos legais revela a autonomia
dos credores quando da votação do plano de recuperação judicial. A legislação
submeteu a vontade das pessoas físicas e jurídicas interessadas no
adimplemento das obrigações a possibilidade de manifestarem-se sobre as
estratégias a serem adotadas a fim de possibilitar o afastamento da crise em que
encontra-se submetida a sociedade empresária.
Assim, prevalece a soberania das deliberações do conclave,
competindo ao Poder Judiciário realizar apenas a análise da legalidade do plano
de soerguimento, nos moldes da aludida lei, analisando o preenchimento dos
requisitos legais para a concessão da recuperação judicial e examinando
eventuais fraudes e abusos de direitos cometidos. Alegações em face do valor,
modo ou forma de recebimento dos créditos, bem como tratamento não
isonômicos a credores com situações distintas, constituem mérito da soberana
vontade da assembleia-geral de credores refogem da alçada do Judiciário.
Neste diapasão, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça em
precedentes recentes:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
CONTROLE DO MAGISTRADO SOBRE O PLANO DE SOERGUIMENTO.
APROVAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. VIABILIDADE
ECONÔMICA. SOBERANIA DA AGC. LEGALIDADE. VERIFICAÇÃO PELO
JUDICIÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE.
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1. Processamento da recuperação judicial deferido em 24/05/2013.
Recurso especial interposto em 04/11/2014 e atribuído ao Gabinete em
25/08/2016.
2. A jurisprudência das duas Turmas de Direito Privado do STJ
sedimentou que o juiz está autorizado a realizar o controle de legalidade do
plano de recuperação judicial, sem adentrar no aspecto da sua viabilidade
econômica, a qual constitui mérito da soberana vontade da assembleia geral de
credores.
3. O reexame de fatos e provas e a interpretação de cláusulas contratuais
em recurso especial são inadmissíveis. 4. Recurso especial não provido (REsp
1660195/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi , j. em 4/4/2017)

RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973.


RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. EDITAL DE INTIMAÇÃO.
IRREGULARIDADE FORMAL.
INEXISTÊNCIA. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO. DESNECESSIDADE.
CREDOR FIDUCIÁRIO. RENÚNCIA. PLANO DE RECUPERAÇÃO.
RECONHECIMENTO DA VIABILIDADE ECONÔMICA.
1. Não procede a arguição de ofensa aos arts. 131 e 535, II, do CPC
quando o Tribunal a quo se pronuncia, de forma motivada e suficiente,
sobre os pontos relevantes e necessários ao deslinde da controvérsia.
2. Somente se pronuncia a nulidade do ato com a demonstração de
efetivo prejuízo, o que não ocorre quando descumprido o prazo exigido
para a realização de primeira convocação nem sequer instalada.
3. As deliberações a serem tomadas pela assembleia de credores
restringem-se a decisões nas esferas negocial e patrimonial, envolvendo,
pois, os destinos da empresa em recuperação. Inexiste ato judicial específico
que exija a participação do advogado de qualquer dos credores, razão pela
qual é desnecessário constar do edital intimação dirigida aos advogados
constituídos.
4. É possível ao credor fiduciário renunciar aos efeitos
privilegiados que seu crédito lhe garante por força de legislação específica.
Essa renúncia somente diz respeito ao próprio credor renunciante, pois o
ato prejudica a garantia a que tem direito, sendo desnecessária a prévia
anuência de todos os outros credores quirografários.
5. As decisões da assembleia de credores representam o veredito
final a respeito dos destinos do plano de recuperação. Ao Judiciário é
possível, sem adentrar a análise da viabilidade econômica, promover
o controle de legalidade dos atos do plano sem que isso signifique
restringir a soberania da assembleia geral de credores.
6. Não constatada nenhuma ilegalidade evidente, meras alegações
voltadas à alteração do entendimento do Tribunal de origem quanto à
viabilidade econômica do plano de recuperação da empresa não são
suficientes para reformar a homologação deferida.
7. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1513260/SP, Rel.
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Gabinete Desembargador Robson Luz Varella


Min. João Otávio de Noronha, j. em 5/5/2016) (sem grifos no original)

DIREITO EMPRESARIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


APROVAÇÃO EM ASSEMBLEIA. CONTROLE DE LEGALIDADE.
VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. CONTROLE JUDICIAL.
IMPOSSIBILIDADE.
1. Cumpridas as exigências legais, o juiz deve conceder a
recuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em
assembleia (art. 58, caput, da Lei n. 11.101/2005), não lhe sendo dado se
imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa, uma vez que tal
questão é de exclusiva apreciação assemblear.
2. O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de
recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -,
mas não o controle de sua viabilidade econômica. Nesse sentido,
Enunciados n. 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ. 3.
Recurso especial não provido." (REsp n. 1.359.311/SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, j. em 9/9/2014.) (sem grifos no original)
O entendimento deste Sodalício não diverge:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA QUE HOMOLOGOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO
JUDICIAL APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES.
INSURGÊNCIA DO BANCO BRADESCO. MÉRITO. NULIDADE DA
ASSEMBLEIA GERAL DOS CREDORES. INOCORRÊNCIA. ADITIVO AO
PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APRESENTADO SEIS DIAS ANTES
DA ASSEMBLEIA. MODIFICAÇÃO REFERENTE A ALIENAÇÃO DE DOIS
AUTOMÓVEIS. CIENTIFICAÇÃO DAS PARTES NAQUELE ATO. PREJUÍZO
AO BANCO OU AOS DEMAIS CREDORES NÃO PROVADA, SEQUER
ESPECIFICADA. PRETENSÃO GENÉRICA QUE NÃO PODE SER
ACOLHIDA. TESE RECHAÇADA. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
INCONSISTÊNCIA E INVIABILIDADE PARA SUPERAR A SITUAÇÃO DE
CRISE. MATÉRIAS NÃO SUJEITAS AO CONTROLE JUDICIAL, POIS NÃO
REFLETEM VÍCIOS ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS. CRITÉRIOS SUBJETIVOS
ADOTADOS NA ELABORAÇÃO E APROVAÇÃO DO PLANO QUE SÃO DE
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES.
TRATAMENTO DIFERENCIADO APLICADO AOS CREDORES
QUIROGRAFÁRIOS FACE A APLICAÇÃO DE DESÁGIO DE 35% E
DILAÇÃO DE PRAZO PARA PAGAMENTO. HIPÓTESE QUE NÃO VIOLA O
CONTIDO NO § 2º DO ARTIGO 58 DA LEI 11.101/2005. ILEGALIDADE NÃO
VERIFICADAS. DISPOSIÇÃO APROVADA PELA ASSEMBLEIA DOS
CREDORES VÁLIDA. PRECEDENTES DESTE RELATOR. RECURSO
IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 0154310-96.2015.8.24.0000, Rel. Des.
Guilherme Nunes Born, j. em 28/7/2016) (sem grifos no original).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DECISÃO


QUE HOMOLOGOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL -
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INCONFORMISMO DO CREDOR QUIROGRAFÁRIO - DELIBERAÇÃO
TOMADA EM ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES - SOBERANIA -
POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE CONTROLE JUDICIAL ACERCA DA
LEGALIDADE DE DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO PLANO - DESÁGIO,
CARÊNCIA, PRAZO DE PAGAMENTO, PREVISÃO DE TAXA DE JUROS,
ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E POSTERGAÇÃO DA
INCIDÊNCIA DESTA - QUESTÕES DE EXCLUSIVA APRECIAÇÃO
ASSEMBLEAR - AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE ILEGALIDADES NOS PONTOS -
DISPENSA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E DO COMITÊ DE CREDORES
PARA ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE ATIVOS - ILEGALIDADE
CONSTATADA - AFRONTA AO ART. 66 DA LEI N. 11.101/2005 -
SUSPENSÃO DE AÇÕES E EXECUÇÕES AJUIZADAS CONTRA OS
COOBRIGADOS - DETERMINAÇÃO INDEVIDA - EXEGESE DO § 1º DO ART.
49 DA LEI N. 11.101/2005 - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO -
DECISÃO REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - A
assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos
de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão
sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos
esses que estão sujeitos a controle judicial (STJ, REsp n. 1.314.209/SP,
rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 22.05.2012). II - De acordo com o art. 66 da
Lei n. 11.105/2005, depois de distribuído o pedido de recuperação judicial, o
devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente,
salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com
exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.
III - Consoante consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de
recurso repetitivo (CPC/1973, art. 543-C) (REsp n. 1.333.349/SP, rel. Min. Luis
Felipe Salomão, j. em 26.11.2014) a recuperação judicial do devedor principal
não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou
extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou
coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se
lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, III, ou a novação a
que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da
Lei n. 11.101/2005. (Agravo de Instrumento n. 2014.066809-4, Rel. Des. Luiz
Antônio Zanini Fornerolli, j. em 9/5/2016) (sem grifos no original)
"In casu", verifica-se que, na sessão de 2/10/2013, o plano de
recuperação judicial apresentado foi o mesmo exposto pela empresas que
compõem o Grupo Teka, ora recorridas, com as alterações promovidas pelos
próprios credores, o qual restou aprovado. Logo, em observância à soberania
das deliberações da assembleia-geral de credores e, não havendo elementos a
ensejar um controle de legalidade, não há falar em reconhecimento de nulidade
do ato.
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Dessarte, inviável a apreciação, pelo Poder Judiciário, das matérias
relacionadas à forma do pagamento dos créditos ou à estratégia de investimento
ou outras formas de utilização dos recursos financeiros da empresa, mormente
porque tais temáticas são de competência exclusiva da assembleia, não
podendo o Magistrado adentrar no mérito destas, sob pena de ofensa às
disposições contidas na Lei n. 11.101/2005 e ao entendimento jurisprudencial
acima colacionado.
No caso concreto, sustenta o "Parquet" que o acordo homologado
pelo Magistrado de Primeiro Grau viola o princípio da igualdade entre credores
da mesma classe, porquanto autoriza pagamento diferenciado ao BADESC.
Menciona, ainda, que as cláusulas avençadas significam aditivo ao plano de
soerguimento em relação àquele credor, razão pela qual deveriam ser
submetidas à assembleia geral de credores.
Alega, outrossim, que os valores obtidos com a venda do imóvel
deveriam ser utilizados para pagamento dos créditos trabalhistas, inclusive os
concursais, por gozarem de preferência legal.
Argumenta, ademais, a inviabilidade de disponibilização de trinta e
quatro milhões de reais para capital de giro das devedoras enquanto ainda não
estão claros os meios de recuperação que se pretendem empregar.
Referidas alegações, todavia, não podem ser objeto de análise por
esta Instância Revisora. Isso porque as teses suscitadas pelo Ministério Público
dizem respeito a aspectos econômico-financeiros do plano de recuperação
judicial aprovado pela assembleia geral de credores, consoante exposto.
Ressalte-se, nesse tocante, que houve aprovação no conclave do
pagamento da dívida existente com o BADESC, segundo registrado na cláusula
2.2.1 do plano modificativo consolidado (fls. 352/370), bem como se dispôs
acerca do direcionamento de parcela dos valores oriundos do negócio jurídico ao
adimplemento de créditos trabalhistas.

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Avaliação prévia do imóvel
Alega o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ser viciada
a venda do imóvel de matrícula n. 20.783, tendo em vista a inexistência de
recente avaliação do imóvel. Argumenta, ainda, ser inadequada a alienação por
preço próximo ao limite mínimo apurado.
Consoante afirma o órgão ministerial, caso mantida a decisão
agravada, o negócio jurídico será concretizado por R$ 69 milhões, enquanto a
avaliação do bem realizada em 2010 indicaria que aquele valeria R$ 76 milhões.
Outrossim, considerando a comissão de corretagem a ser paga (R$ 4 milhões), o
contrato seria celebrado com uma diferença de R$ 11 milhões entre o preço
estabelecido e a importância indicada na avaliação.
Compulsando os autos, observa-se, à fl. 108, que em análise
realizada em dezembro de 2010 o imóvel localizado em Blumenau foi avaliado
em R$ 56.922.771,67 (cinquenta e seis milhões novecentos e vinte e dois mil
setecentos e setenta e um reais e sessenta e sete centavos).
O documento de fls. 109/110, por sua vez, refere-se a exame
promovido em 5/7/2012 – poucos meses antes da proposta apresentada pelo
Grupo Savoy, datada de 14/12/2012 (fl. 77) –, por meio do qual se estipulou o
valor do bem em R$ 76 milhões, com margem de 10% (dez por cento) para mais
ou para menos, variando, assim de R$ 83,6 milhões a R$ 68,4 milhões.
Nesse contexto, a aludida oferta de fl. 77, em que se estipulou a
aquisição do imóvel no montante de R$ 69.300.300,00 (sessenta e nove milhões
trezentos mil e trezentos reais), encontra-se dentro dos parâmetros presentes no
caderno processual.
Outrossim, consoante registraram o Juiz de Primeiro Grau e o
Procurador de Justiça atuantes no feito, a realidade fática não favorece a
obtenção, pelas recuperandas, de proposta que lhe seja extremamente
vantajosa, de modo que determinada negociação na qual o valor de venda esteja

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dentro – ou próximo – dos patamares delimitados na avaliação goza de
reduzidas chances de rejeição.
Não é demais mencionar, ainda, que a assembleia geral de
credores, a qual é dotada dos poderes alhures mencionados, aprovou a
alienação pelo supracitado valor (cláusula 2.2.1.2 do plano modificativo
consolidado, fls. 352/370).
Assim, atendidos também os interesses da devedora, não há falar
em imprescindibilidade de nova avaliação do imóvel objeto da compra e venda,
razão por que se nega provimento ao recurso no ponto.
Comissão de corretagem
Aduz o "Parquet", no tocante à comissão de corretagem, inexistir
prova da efetiva intermediação da venda. Aponta, também, que as tratativas
teriam sido realizadas diretamente entre o presidente da Teka e a Diretoria de
Novos Negócios do Grupo Savoy, sem o auxílio da Sociedade de Administração,
Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. – SAMU, a qual integraria aquele
Grupo. Sustenta, por fim, a abusividade da importância devida.
A corretagem, espécie de contrato prevista nos arts. 722 e ss. do
Código Civil, é, segundo Arnaldo Rizzardo, "[...] o contrato através do qual uma
pessoa se obriga, mediante remuneração, a intermediar, ou agenciar, negócios
para outra, sem agir em virtude de mandato, de prestação de serviços ou de
qualquer relação de dependência." ("in" Contratos: Lei n. 10.406, de
10.01.2002. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 775).
E prossegue o doutrinador:
Para que a interferência de uma pessoa em negócios de outrem se
qualifique como corretagem, são necessários os seguintes requisitos:
a) Cometimento a uma pessoa de conseguir interessado para certo
negócio;
b) Aproximação, feita pelo corretor, entre o terceiro e o comitente;
c) Conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro, graças à atividade
do corretor. (obra citada, p. 775)
Acerca da classificação do aludido contrato, vale citar:
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Quanto à sua natureza jurídica, o contrato de comissão é bilateral
(sinalagmático), oneroso e consensual. O contrato é acessório, pois depende de
um outro negócio para existir, qual seja, um contrato principal celebrado no
interesse do comitente. É aleatório, pois envolve a álea, o risco, particularmente
a celebração desse negócio principal. O contrato é ainda informal, não sendo
exigida sequer a forma escrita. (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil:
volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2016. p. 834/835)
Passa-se, pois, ao exame do caso concreto.
A respeito da existência de efetiva contratação da SAMU para a
intermediação do negócio jurídico, cumpre afastar a necessidade da juntada de
prova escrita, porquanto o contrato de corretagem, como visto, é informal,
podendo ser pactuado até mesmo verbalmente.
Além do mais, não se demonstrou que a negociação, de elevado
porte, tenha sido construída somente pelos e-mails de fls. 78/80, trocados entre o
presidente da Teka e a Diretoria de Novos Negócios do Grupo Savoy.
Cabe elucidar, ainda, que o fato de a Sociedade de Administração,
Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. integrar o Grupo Savoy – comprador
do bem – não invalida a intermediação, na medida em que já verificado o
atendimento aos interesses das recuperandas na alienação do imóvel.
Saliente-se, por oportuno, a informação registrada pelo Juiz de
Direito na decisão agravada (fl. 49), de que no Estado de São Paulo, no qual
situada a SAMU, a tabela de preços de serviços de corretagem disponibilizada
pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis prevê honorários de 6% (seis
por cento) a 8% (oito por cento) em se tratando de vendas de imóveis industriais
(disponível em http://crecisp.gov.br/corretor/tabelareferencialdehonorarios). Da
mesma forma, nos termos constatados pelo Procurador de Justiça parecerista (fl.
466), é de 6% (seis por cento) o percentual mínimo recomendado pelo Sindicato
dos Corretores de Imóveis de Santa Catarina (tabela disponível em
http://www.sindimoveis-sc.org.br/index.php?cmd=honorários).
Destarte, revelando-se adequado o valor entabulado, bem como em
sendo concluído o negócio jurídico em virtude da aproximação realizada pela
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intermediadora, é devida a comissão de corretagem ajustada.
De acordo com o art. 724 do Código Civil, "A remuneração do
corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será
arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.". Assim, malgrado não
houvessem os contratantes pactuado o pagamento de qualquer comissão, tendo
esta restado ao arbítrio do juízo, tal patamar poderia ser facilmente observado,
uma vez demonstrada a razoabilidade do percentual de 6% (seis por cento).
Já decidiu este Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE
CORRETAGEM. ART. 722 DO CÓDIGO CIVIL. NEGOCIAÇÃO E VENDA DE
COTA SOCIETÁRIA DE EMPRESA DE PROJETO EÓLICO. INTERMEDIAÇÃO
NA NEGOCIATA. COMISSÃO AJUSTADA EM DOCUMENTO DENOMINADO
"AJUSTE DE COMISSÃO". OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PELO RÉU. VERBA
DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "Pelo contrato
de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de
prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a
obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas"
(art. 722 do Código Civil). "É devida a comissão de corretagem por
intermediação imobiliária se os trabalhos de aproximação realizados pelo
corretor resultarem, efetivamente, no consenso das partes quanto aos
elementos essenciais do negócio" (STJ, AgRg no REsp n. 1440053/MS, rel.
Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 28-3-2016). (Apelação Cível
n. 0316031-42.2015.8.24.0005, Rel. Des. Fernando Carioni, j. em 22/8/2017).
Cumpre relembrar, na linha exposta preliminarmente, que as
medidas adotadas em sede de recuperação judicial devem ter como norte a
preservação da empresa, o que se busca alcançar com a alienação do imóvel de
matrícula n. 20.783.
Escritura Pública
Por derradeiro, almeja o recorrente a reforma da decisão arguindo a
inviabilidade de formalização da escritura pública de compra e venda quando do
pagamento da primeira parcela de R$ 17.325.300,00 (dezessete milhões
trezentos e vinte e cinco mil e trezentos reais), que representa 25% (vinte e cinco
por cento) do valor do negócio.
Impugna, ainda, não ter sido oferecida qualquer garantia em caso
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de ausência de pagamento, e aventa a possibilidade de reabertura das
negociações acerca da alienação do imóvel, já que nenhum integrante do Grupo
Savoy participou do acordo com o BADESC.
Em se tratando o negócio jurídico ora em exame de compra e
venda, são aplicáveis ao caso as disposições dos arts. 481 e seguintes do
Código Civil, como bem elucidou o insurgente.
Nesse aspecto, prevê o art. 491 daquela codificação que "Não
sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de
receber o preço."
Assim, se é verdade que inexiste obrigação para entrega da coisa –
ou escrituração do imóvel – antes da ocorrência da quitação, também é certo
dizer que a lei não proíbe as partes contratantes de assim disporem.
Cabe mencionar, a respeito do tema, trecho da manifestação
ministerial de fls. 453/468:
Visto isso, resta claro que não sendo o vendedor obrigado a entregar a
coisa (e inclui-se aí a escritura do negócio) antes de receber o preço integral, tal
faculdade existe.
E com efeito, foi utilizada pelos negociantes da TEKA e SAVOY, posto
que foram os termos a que chegaram as negociações, de modo que se assim
entendem melhor as recuperandas, não há óbice legal a tal proceder.
Flávio Tartuce, ao discorrer sobre a liberdade de contratar,
relacionada à escolha da pessoa com quem o negócio será celebrado, e a
liberdade contratual, atinente ao conteúdo do negócio jurídico, ensina:
Dessa dupla liberdade da pessoa, sujeito contratual, é que decorre a
autonomia privada, que constitui a liberdade que a pessoa tem para regular os
próprios interesses. De qualquer forma, que fique claro que essa autonomia não
é absoluta, encontrando limitações em normas de ordem pública e nos
princípios sociais.
[...]
Entre os autores nacionais, quem observa muito bem o significado do
princípio da autonomia privada é Francisco Amaral, sendo interessante
transcrever as suas palavras:
"A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo
exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-
lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. Sinônimo de autonomia da

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vontade para grande parte da doutrina contemporânea, com ela porém não se
confunde, existindo entre ambas sensível diferença. A expressão ' autonomia
da vontade' tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia
privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e
real".
[...]
Não se pode esquecer que o principal campo de atuação do princípio da
autonomia privada é o patrimonial, onde se situam os contratos como ponto
central do Direito Privado. Esse princípio traz limitações claras, principalmente
relacionadas com a formação e reconhecimento da validade dos negócios
jurídicos. A eficácia social pode ser apontada como uma dessas limitações,
havendo clara relação entre o preceito aqui estudado e o princípio da função
social dos contratos .
Porém, é interessante deixar claro que a função social não elimina
totalmente a autonomia privada ou a liberdade contratual, mas apenas atenua
ou reduz o alcance desse princípio . Esse é o teor citado do Enunciado n. 23 do
CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, um dos mais importantes
enunciados entre todos os aprovados nas Jornadas de Direito Civil, que merece
mais uma vez transcrição:
"A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil,
não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana". (Manual de direito civil:
volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2016. p. 611/613)
Nesse particular, não cabe ao Judiciário limitar a autonomia privada
das recuperandas e do Grupo Savoy enquanto não se tenha demonstrado haver
afronta, pelos termos pactuados, à função social do contrato.
Frise-se, a propósito, que a alienação do imóvel, observada no
todo, tem por intuito justamente a preservação da empresa, princípio a ser
sempre rememorado, a fim de viabilizar o prosseguimento da atividade exercida
pelas devedoras, a manutenção de empregos e o atendimento dos interesses
dos credores, cumprindo, assim, a função social, nos termos do art. 421 do
Código Civil ("A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato.").
Ante o exposto, vota-se no sentido de afastar a preliminar de perda
do objeto, suscitada pela recorrida, e negar provimento ao recurso.

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