JUDICIAL – DECISÃO QUE AUTORIZOU A ALIENAÇÃO DE ATIVO E HOMOLOGOU ACORDO REALIZADO COM UM DOS CREDORES – RECURSO INTERPOSTO PELO "PARQUET" ESTADUAL. RECUPERAÇÃO DA EMPRESA – PROPÓSITOS DO INSTITUTO DECLINADOS NO ART. 47 DA LEI N. 11.101/05 – SUPERAÇÃO DA CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA – PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE – MANUTENÇÃO DAS FONTES DE PRODUÇÃO E TRABALHO – VIÉS A SER ADOTADO VISANDO AO SOERGUIMENTO DAS RECUPERANDAS. A recuperação judicial é instituto que tem como objetivo, nos termos do art. 47 da Lei n. 11.101/05, "[...] viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica." Dessarte, no procedimento recuperacional, devem-se envidar esforços para, tanto quanto possível, permitir a continuidade da atividade empresarial, conforme as medidas aprovadas pela assembleia de credores, almejando o alcance das metas previstas na legislação pátria. INSURGÊNCIA RECURSAL QUANTO AO TRATAMENTO OFERECIDO A CREDOR COM GARANTIA REAL, À FORMA DE PAGAMENTO DE DETERMINADAS DÍVIDAS E À DISPONIBILIZAÇÃO DE CAPITAL DE GIRO ÀS RECUPERANDAS – IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DAS TEMÁTICAS PELO PODER JUDICIÁRIO, O QUAL ESTÁ ADSTRITO, NOS TERMOS DA LEI N. 11.101/2005, AO CONTROLE DE LEGALIDADE – SOBERANIA DAS DELIBERAÇÕES REALIZADAS PELA ASSEMBLEIA- GERAL DE CREDORES – PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE SODALÍCIO – IRRESIGNAÇÃO DESPROVIDA NO PARTICULAR. Consoante entendimento da Corte de Uniformização "A jurisprudência das duas Turmas de Direito Privado do STJ sedimentou que o juiz está autorizado a realizar o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, sem adentrar no aspecto da sua viabilidade econômica, a qual constitui mérito da soberana vontade da assembleia geral de credores. [...] (REsp 1660195/PR, Rela. Mina. Nancy Andrighi , j. em 4/4/2017). Na hipótese, o Ministério Público insurge-se quanto ao pagamento diferenciado de credor com garantia real, à alteração pontual da ordem de pagamento das dívidas e à disponibilização às recuperandas de elevado montante a título de capital de giro. No entanto, aludidas temáticas referem-se ao mérito do plano aprovado pela assembleia-geral de credores e, sendo assim, vedada a intervenção do Poder Judiciário, sob pena de ofensa à soberania do conclave. AVALIAÇÃO DO IMÓVEL – DESNECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DO ATO – PREÇO DE VENDA DO BEM (APROXIMADAMENTE R$ 69 MILHÕES) ESTIPULADO DENTRO DA MARGEM CALCULADA EM EXAME REALIZADO POUCOS MESES ANTES DA PROPOSTA – REALIDADE FÁTICA DAS RECUPERANDAS QUE NÃO FAVORECE A OBTENÇÃO DE PROPOSTAS EXTREMAMENTE VANTAJOSAS – REJEIÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO INADEQUADA – ADEMAIS, EXISTÊNCIA DE APROVAÇÃO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES – INSURGÊNCIA DESAGASALHADA NO TÓPICO. Consoante documentação acostada aos autos, em avaliação do imóvel realizada em julho de 2012 – cinco meses antes da proposta de compra e venda –, o valor do bem foi estimado em R$ 76 milhões, sendo prevista uma margem de 10% (dez por cento) acima ou abaixo de tal montante. Assim, encontrando-se o preço ajustado entre as partes – pouco mais de R$ 69 milhões – dentro de tais parâmetros e considerando o contexto em que se situam as recuperandas, vislumbram-se atendidos os interesses das devedoras, sendo desnecessária nova análise do imóvel. Ademais, no caso concreto, houve aprovação da alienação do bem pela assembleia-geral de credores, sendo desaconselhável, pois, a invalidação da avença. CORRETAGEM – CONTRATO CLASSIFICADO COMO
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INFORMAL – PRESCINDIBILIDADE DA EXISTÊNCIA DE PACTO ESCRITO – VIABILIDADE DA CONTRATAÇÃO VERBAL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, PELO RECORRENTE, DE QUE A NEGOCIAÇÃO TENHA SIDO CONSTRUÍDA POR SIMPLES CORRESPONDÊNCIAS ELETRÔNICAS TROCADAS ENTRE O PRESIDENTE DA TEKA E DIRETORIA DA ADQUIRENTE – INTERMEDIADORA QUE INTEGRA GRUPO ECONÔMICO DA COMPRADORA – CIRCUNSTÂNCIA INAPTA A OBSTAR O PAGAMENTO DOS VALORES DEVIDOS NA CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO – ATENDIMENTO DOS INTERESSES DAS RECUPERANDAS – RAZOABILIDADE DA COMISSÃO DE CORRETAGEM, ESTABELECIDA EM 6% (SEIS POR CENTO) – PATAMAR CONSENTÂNEO COM TABELAS DISPONIBILIZADAS POR CONSELHOS PROFISSIONAIS E SINDICATOS DE CORRETORES – DESPROVIMENTO DO RECURSO NO PONTO. No contrato de corretagem, uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a intermediar ou agenciar negócios para outra, sem ligação proveniente de mandato, prestação de serviços ou qualquer relação de dependência. Aludido negócio jurídico é classificado pela doutrina como bilateral, oneroso, consensual, acessório e, ainda, informal, porquanto prescinde de forma escrita. Desse modo, afigura-se desnecessária, no caso concreto, a juntada de documento que comprove cabalmente a contratação da SAMU pela Teka. Ainda, os e-mails acostados pela recorrente não demonstram que a negociação tenha sido construída integralmente pelas comunicações realizadas entre o presidente da vendedora e a Diretoria de Novos Negócios do Grupo Savoy. Ademais, o fato de a Sociedade de Administração, Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. – SAMU integrar o Grupo Savoy – comprador do bem – não invalida a intermediação, na medida em que verificado o atendimento aos interesses das recuperandas. Outrossim, a comissão de 6% (seis por cento) estipulada em razão da aproximação entre os contratantes revela-se razoável, observando tabela de preços disponibilizada pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo e pelo Sindicato dos Corretores de Imóveis de Santa Catarina. FORMALIZAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA QUANDO
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DO PAGAMENTO DA PRIMEIRA PARCELA DO PREÇO AJUSTADO – AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL – FACULDADE DOS CONTRATANTES – PRIMAZIA DA AUTONOMIA PRIVADA – ALIENAÇÃO DE ATIVOS, APROVADA PELOS CREDORES QUE VISA À PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E À CONCRETIZAÇÃO DA SUA FUNÇÃO SOCIAL – PLEITO RECURSAL DE INVALIDAÇÃO DO NEGÓCIO RECHAÇADO. Conforme dispõe o art. 491 do Código Civil, "Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço." Nessa linha, ao passo em que inexiste compromisso do alienante de realizar a entrega do bem previamente à quitação do valor pactuado, o ordenamento jurídico tampouco lhe proíbe tal conduta. Priorizando a autonomia privada das partes envolvidas, é inoportuno ao Judiciário obstar a alienação de imóvel das devedoras enquanto não se tenha demonstrado haver afronta, pelos termos pactuados, à função social do contrato. Além do mais, a venda do bem tem por intuito a preservação da empresa, a fim de viabilizar o prosseguimento da atividade empresarial, a manutenção de empregos e o atendimento aos interesses dos credores.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento
n. 0171142-78.2013.8.24.0000, da comarca de Blumenau 2ª Vara Cível em que é Agravante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Agravado Teka Tecelagem Kuehnrich S/A e outros. A Segunda Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, afastar a preliminar de perda do objeto, suscitada pela recorrida, e negar provimento ao recurso. Custas legais. Do julgamento, realizado em 31 de outubro de 2017, participaram os Exmos. Srs. Des. Newton Varella Júnior e Dinart Francisco Machado. Florianópolis, 24 de novembro de 2017.
Desembargador Robson Luz Varella
Relator
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RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público
do Estado de Santa Catarina contra decisão que, nos autos da recuperação judicial n. 008.12.023674-2, ajuizada por Teka Tecelagem Kuehnrich S/A e outros, dentre outras coisas, homologou o acordo realizado entre as recuperandas e o BADESC e autorizou a alienação do imóvel de matrícula n. 20.783. Em suas razões (fls. 2/19), aduziu o agravante que o princípio da preservação da empresa somente poderia ser aplicado a pessoas jurídicas viáveis. Apontou, nesse tocante, não cumprirem as recuperandas sua função social, tendo em vista a ausência de pagamento ou depósito dos encargos sociais e dos tributos. Sustentou que o acordo homologado pelo Magistrado "a quo" viola o princípio da igualdade entre credores da mesma classe, porquanto autoriza pagamento diferenciado ao BADESC. Mencionou, ainda, significarem as cláusulas avençadas aditivo ao plano de soerguimento em relação àquele credor, devendo ser submetidas à assembleia geral de credores. Alegou, outrossim, que os valores obtidos com a venda do imóvel deveriam ser utilizados para pagamento dos créditos trabalhistas, inclusive os concursais, por gozarem de preferência legal. Argumentou, ademais, a inviabilidade de disponibilização de R$ 34.000.000,00 (trinta e quatro milhões de reais) para capital de giro das devedoras enquanto não estejam claros os meios de recuperação que se pretendem empregar. Nesse particular, suscitou haver excesso de confiança em vagos meios de recuperação e apontou que dificilmente o ativo retornaria ao patrimônio da Teka, razão pela qual os aludidos valores deveriam ficar submetidos à fiscalização judicial. Na sequência, argumentou o Ministério Público necessidade de 5
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reforma do "decisum" devido à inexistência de avaliação do imóvel logo antes da venda e em virtude de aquele ter sido negociado por preço próximo ao limite mínimo apurado, sem descontar, ainda, a retenção de quatro milhões de reais direcionados ao intermediador do negócio jurídico. Acerca da comissão de corretagem, aduziu o recorrente não haver prova da efetiva intermediação da alienação. Nesse aspecto, sustentou que as tratativas teriam sido realizadas diretamente entre o presidente da Teka e a Diretoria de Novos Negócios do Grupo Savoy, sem o auxílio da Sociedade de Administração, Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. – SAMU, a qual integraria aquele Grupo. Repudiou, dessarte, a legalidade do pagamento da comissão. Por fim, irresignou-se o órgão ministerial quanto à formalização da escritura pública de compra e venda quando do pagamento da primeira parcela de R$ 17.325.300,00 (dezessete milhões trezentos e vinte e cinco mil e trezentos reais), que representa 25% (vinte e cinco por cento) do valor do negócio. Alegou não ter sido oferecida qualquer garantia em caso de ausência de pagamento e asseverou a possibilidade de reabertura das negociações acerca da alienação do imóvel, já que nenhum integrante do Grupo Savoy participou do acordo com o BADESC. Em decisão de fls. 227/235, o efeito suspensivo almejado foi deferido. Contrarrazões das agravadas às fls. 252/272, suscitando a perda do objeto de parcela do reclamo e almejando o desprovimento da irresignação. Por meio da manifestação de fls. 339/341, apontaram as recorridas a superação das questões recusais pela aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia geral de credores. Contrapondo-se à alegação, o "Parquet" sustentou a subsistência do interesse na análise da irresignação (fls. 433/436).
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Remetidos os autos à Procuradoria de Justiça, essa se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, a fim de que seja mantida a decisão atacada (fls. 453/468). Este é o relatório.
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VOTO
Versam os autos acerca de agravo de instrumento interposto pelo
Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra decisão proferida nos autos da recuperação judicial n. 008.12.023674-2, ajuizada por Teka Tecelagem Kuehnrich S/A e outros. Insta salientar, inicialmente, que o presente recurso foi interposto com fundamento no Código de Processo Civil de 1973, contra decisão publicada antes do dia 18 de março de 2016, devendo ser exigidos, à luz do enunciado administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça (disponível em <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not %C3%ADcias/Not%C3%ADcias/STJ-sai-na-frente-e-adequa-regimento-interno- ao-novo-C%C3%B3digo-de-Processo-Civil>, os requisitos de admissibilidade na forma prevista naquela codificação. A propósito: Enunciado administrativo número 2 Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Perda do objeto Aduzem as recorridas a superação das questões recusais pela aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia geral de credores, de modo a restar esvaziado o objeto deste recurso. A preliminar não merece acolhida, todavia, porquanto a decisão que homologou o plano aprovado foi igualmente recorrida pelo Ministério Público (autos n. 2013.079064-2); de tal modo, no caso de eventual acolhimento daquela insurgência, revela-se sobremaneira importante a liminar concedida às fls. 227/235, que impede a alienação do bem imóvel, circunstância apta a justificar a análise meritória do presente agravo de instrumento. Recuperação da empresa 8
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Imperioso esclarecer, inicialmente, que o propósito da recuperação judicial, consoante delineado no art. 47 da Lei n. 11.101/05, é a superação da situação de crise econômico-financeira, no intuito de viabilizar o prosseguimento da atividade empresarial e a manutenção de empregos, além de atender os interesses dos credores. O instituto, como igualmente dispõe a legislação apontada, está umbilicalmente relacionado à preservação da empresa e à função social dessa. Colhe-se do mencionado dispositivo legal: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. A respeito do tema, leciona a doutrina: Desde o início desta obra, destaca-se o princípio orientador básico do Direito Empresarial: a preservação da empresa. A empresa não se confunde com o empresário, seu titular. É o instrumento de trabalho dele e termina por desempenhar relevante papel social e econômico, na medida em que gera empregos, produz e faz circular bens e serviços, urbaniza seus arredores, gera tributos, entre outras atribuições. [...] A recuperação judicial busca, então: a) um objetivo: viabilizar a superação da situação de crise econômico- financeira do devedor; b) três estratégias de atuação: permitir a manutenção da fonte produtora, permitir a manutenção do emprego dos trabalhadores e permitir a proteção dos interesses dos credores; c) três consequências: a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Pode-se dizer, então, que são sete os objetivos, pois todos os comandos do art. 47 estão relacionados à oportunidade que se confere ao empresário de manter-se no mercado, superando a crise econômico-financeira pela qual está passando [...] (CHAGAS, Edilson Enedino das; LENZA, Pedro (Coord.). Direito empresarial esquematizado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1.065) Na mesma linha: Uma das metanormas que orienta o Direito Empresarial, viu-se no primeiro volume desta coleção, é o princípio da preservação da empresa, cujos alicerces estão fincados no reconhecimento da sua função social. [...] A recuperação judicial de empresas tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a 9
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manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (artigo 47 da Lei 11.101/05). Essa definição legal positiva os princípios da função social da empresa e da preservação da empresa: a recuperação visa a promover (1) a preservação da empresa, (2) sua função social e (3) o estímulo à atividade econômica (atendendo ao cânone constitucional inscrito no artigo 3º, II e III, que definem como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais). (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: volume 4 - falência e recuperação de empresas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 122/123) Observa-se, dessarte, a necessidade de se envidarem esforços na recuperação judicial para, tanto quanto possível, viabilizar a continuidade da atividade empresarial, a fim de atingir os objetivos previstos na legislação pátria. A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO DIRIGIDO CONTRA A DECISÃO QUE CONVOLOU A RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA. OBRIGATÓRIA CONVOCAÇÃO DE NOVA ASSEMBLEIA DE CREDORES QUANDO ANULADA AQUELA QUE APROVARA O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTENTE QUALQUER UMA DAS CAUSAS TAXATIVAS DE CONVOLAÇÃO. 1. No processo recuperacional, são soberanas as decisões da assembleia geral de credores sobre o conteúdo do plano de reestruturação e sobre as objeções/oposições suscitadas, cabendo ao magistrado apenas o controle de legalidade do ato jurídico, o que decorre, principalmente, do interesse público consubstanciado no princípio da preservação da empresa e consectária manutenção das fontes de produção e de trabalho. [...] (REsp 1587559/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 6/4/2017) (grifou-se)
RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. ATOS DE CONSTRIÇÃO. FORNECEDOR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. PRINCÍPIOS NÃO ABSOLUTOS. PONDERAÇÃO. MANUTENÇÃO DA EMPRESA. TUTELA DE INTERESSES MÚLTIPLOS. PREVALÊNCIA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICO-TELEOLÓGICA DA LEI Nº 11.101/2005. 1. A controvérsia dos autos consiste em definir a competência para realizar atos de constrição destinados ao cumprimento de sentença proferida por magistrado do juizado especial cível, em favor de consumidor, quando o fornecedor já obteve o deferimento da recuperação na vara empresarial.
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2. O compromisso do Estado de promover o equilíbrio das relações consumeristas não é uma garantia absoluta, estando a sua realização sujeita à ponderação, na hipótese, quanto aos múltiplos interesses protegidos pelo princípio da preservação da empresa. 3. A Segunda Seção já realizou a interpretação sistemático-teleológica da Lei nº 11.101/2005, admitindo a prevalência do princípio da preservação da empresa em detrimento de interesses exclusivos de determinadas classes de credores, tendo atestado que, após o deferimento da recuperação judicial, prevalece a competência do Juízo desta para decidir sobre todas as medidas de constrição e de venda de bens integrantes do patrimônio da recuperanda. Precedentes. [...] (REsp 1598130/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 7/3/2017) (grifou-se) Diante disso, deve-se primar pela manutenção das medidas, especialmente as aprovadas pela assembleia de credores, que visem ao soerguimento da empresa. Autonomia da assembleia de credores Acerca das atribuições da Assembleia-Geral de Credores estabelece a Lei n. 11.101/2005: Art. 41. A assembleia-geral será composta pelas seguintes classes credoras: I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; IV – titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. [...] Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. § 1º Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. § 2º Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. [...] Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral 11
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de credores na forma do art. 45 desta Lei. § 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa: I - o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; II - a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III - na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§1º e 2º do art. 45 desta Lei. § 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado. A leitura dos mencionados dispositivos legais revela a autonomia dos credores quando da votação do plano de recuperação judicial. A legislação submeteu a vontade das pessoas físicas e jurídicas interessadas no adimplemento das obrigações a possibilidade de manifestarem-se sobre as estratégias a serem adotadas a fim de possibilitar o afastamento da crise em que encontra-se submetida a sociedade empresária. Assim, prevalece a soberania das deliberações do conclave, competindo ao Poder Judiciário realizar apenas a análise da legalidade do plano de soerguimento, nos moldes da aludida lei, analisando o preenchimento dos requisitos legais para a concessão da recuperação judicial e examinando eventuais fraudes e abusos de direitos cometidos. Alegações em face do valor, modo ou forma de recebimento dos créditos, bem como tratamento não isonômicos a credores com situações distintas, constituem mérito da soberana vontade da assembleia-geral de credores refogem da alçada do Judiciário. Neste diapasão, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça em precedentes recentes: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONTROLE DO MAGISTRADO SOBRE O PLANO DE SOERGUIMENTO. APROVAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. VIABILIDADE ECONÔMICA. SOBERANIA DA AGC. LEGALIDADE. VERIFICAÇÃO PELO JUDICIÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. 12
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1. Processamento da recuperação judicial deferido em 24/05/2013. Recurso especial interposto em 04/11/2014 e atribuído ao Gabinete em 25/08/2016. 2. A jurisprudência das duas Turmas de Direito Privado do STJ sedimentou que o juiz está autorizado a realizar o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, sem adentrar no aspecto da sua viabilidade econômica, a qual constitui mérito da soberana vontade da assembleia geral de credores. 3. O reexame de fatos e provas e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. 4. Recurso especial não provido (REsp 1660195/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi , j. em 4/4/2017)
RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. EDITAL DE INTIMAÇÃO. IRREGULARIDADE FORMAL. INEXISTÊNCIA. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO. DESNECESSIDADE. CREDOR FIDUCIÁRIO. RENÚNCIA. PLANO DE RECUPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DA VIABILIDADE ECONÔMICA. 1. Não procede a arguição de ofensa aos arts. 131 e 535, II, do CPC quando o Tribunal a quo se pronuncia, de forma motivada e suficiente, sobre os pontos relevantes e necessários ao deslinde da controvérsia. 2. Somente se pronuncia a nulidade do ato com a demonstração de efetivo prejuízo, o que não ocorre quando descumprido o prazo exigido para a realização de primeira convocação nem sequer instalada. 3. As deliberações a serem tomadas pela assembleia de credores restringem-se a decisões nas esferas negocial e patrimonial, envolvendo, pois, os destinos da empresa em recuperação. Inexiste ato judicial específico que exija a participação do advogado de qualquer dos credores, razão pela qual é desnecessário constar do edital intimação dirigida aos advogados constituídos. 4. É possível ao credor fiduciário renunciar aos efeitos privilegiados que seu crédito lhe garante por força de legislação específica. Essa renúncia somente diz respeito ao próprio credor renunciante, pois o ato prejudica a garantia a que tem direito, sendo desnecessária a prévia anuência de todos os outros credores quirografários. 5. As decisões da assembleia de credores representam o veredito final a respeito dos destinos do plano de recuperação. Ao Judiciário é possível, sem adentrar a análise da viabilidade econômica, promover o controle de legalidade dos atos do plano sem que isso signifique restringir a soberania da assembleia geral de credores. 6. Não constatada nenhuma ilegalidade evidente, meras alegações voltadas à alteração do entendimento do Tribunal de origem quanto à viabilidade econômica do plano de recuperação da empresa não são suficientes para reformar a homologação deferida. 7. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1513260/SP, Rel. 13
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Min. João Otávio de Noronha, j. em 5/5/2016) (sem grifos no original)
DIREITO EMPRESARIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
APROVAÇÃO EM ASSEMBLEIA. CONTROLE DE LEGALIDADE. VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. CONTROLE JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cumpridas as exigências legais, o juiz deve conceder a recuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em assembleia (art. 58, caput, da Lei n. 11.101/2005), não lhe sendo dado se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa, uma vez que tal questão é de exclusiva apreciação assemblear. 2. O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica. Nesse sentido, Enunciados n. 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ. 3. Recurso especial não provido." (REsp n. 1.359.311/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 9/9/2014.) (sem grifos no original) O entendimento deste Sodalício não diverge: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE HOMOLOGOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. INSURGÊNCIA DO BANCO BRADESCO. MÉRITO. NULIDADE DA ASSEMBLEIA GERAL DOS CREDORES. INOCORRÊNCIA. ADITIVO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APRESENTADO SEIS DIAS ANTES DA ASSEMBLEIA. MODIFICAÇÃO REFERENTE A ALIENAÇÃO DE DOIS AUTOMÓVEIS. CIENTIFICAÇÃO DAS PARTES NAQUELE ATO. PREJUÍZO AO BANCO OU AOS DEMAIS CREDORES NÃO PROVADA, SEQUER ESPECIFICADA. PRETENSÃO GENÉRICA QUE NÃO PODE SER ACOLHIDA. TESE RECHAÇADA. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCONSISTÊNCIA E INVIABILIDADE PARA SUPERAR A SITUAÇÃO DE CRISE. MATÉRIAS NÃO SUJEITAS AO CONTROLE JUDICIAL, POIS NÃO REFLETEM VÍCIOS ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS. CRITÉRIOS SUBJETIVOS ADOTADOS NA ELABORAÇÃO E APROVAÇÃO DO PLANO QUE SÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. TRATAMENTO DIFERENCIADO APLICADO AOS CREDORES QUIROGRAFÁRIOS FACE A APLICAÇÃO DE DESÁGIO DE 35% E DILAÇÃO DE PRAZO PARA PAGAMENTO. HIPÓTESE QUE NÃO VIOLA O CONTIDO NO § 2º DO ARTIGO 58 DA LEI 11.101/2005. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADAS. DISPOSIÇÃO APROVADA PELA ASSEMBLEIA DOS CREDORES VÁLIDA. PRECEDENTES DESTE RELATOR. RECURSO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 0154310-96.2015.8.24.0000, Rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. em 28/7/2016) (sem grifos no original).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DECISÃO
QUE HOMOLOGOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - 14
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INCONFORMISMO DO CREDOR QUIROGRAFÁRIO - DELIBERAÇÃO TOMADA EM ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES - SOBERANIA - POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE CONTROLE JUDICIAL ACERCA DA LEGALIDADE DE DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO PLANO - DESÁGIO, CARÊNCIA, PRAZO DE PAGAMENTO, PREVISÃO DE TAXA DE JUROS, ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E POSTERGAÇÃO DA INCIDÊNCIA DESTA - QUESTÕES DE EXCLUSIVA APRECIAÇÃO ASSEMBLEAR - AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE ILEGALIDADES NOS PONTOS - DISPENSA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E DO COMITÊ DE CREDORES PARA ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE ATIVOS - ILEGALIDADE CONSTATADA - AFRONTA AO ART. 66 DA LEI N. 11.101/2005 - SUSPENSÃO DE AÇÕES E EXECUÇÕES AJUIZADAS CONTRA OS COOBRIGADOS - DETERMINAÇÃO INDEVIDA - EXEGESE DO § 1º DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005 - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial (STJ, REsp n. 1.314.209/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 22.05.2012). II - De acordo com o art. 66 da Lei n. 11.105/2005, depois de distribuído o pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial. III - Consoante consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (CPC/1973, art. 543-C) (REsp n. 1.333.349/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 26.11.2014) a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005. (Agravo de Instrumento n. 2014.066809-4, Rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. em 9/5/2016) (sem grifos no original) "In casu", verifica-se que, na sessão de 2/10/2013, o plano de recuperação judicial apresentado foi o mesmo exposto pela empresas que compõem o Grupo Teka, ora recorridas, com as alterações promovidas pelos próprios credores, o qual restou aprovado. Logo, em observância à soberania das deliberações da assembleia-geral de credores e, não havendo elementos a ensejar um controle de legalidade, não há falar em reconhecimento de nulidade do ato. 15
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Dessarte, inviável a apreciação, pelo Poder Judiciário, das matérias relacionadas à forma do pagamento dos créditos ou à estratégia de investimento ou outras formas de utilização dos recursos financeiros da empresa, mormente porque tais temáticas são de competência exclusiva da assembleia, não podendo o Magistrado adentrar no mérito destas, sob pena de ofensa às disposições contidas na Lei n. 11.101/2005 e ao entendimento jurisprudencial acima colacionado. No caso concreto, sustenta o "Parquet" que o acordo homologado pelo Magistrado de Primeiro Grau viola o princípio da igualdade entre credores da mesma classe, porquanto autoriza pagamento diferenciado ao BADESC. Menciona, ainda, que as cláusulas avençadas significam aditivo ao plano de soerguimento em relação àquele credor, razão pela qual deveriam ser submetidas à assembleia geral de credores. Alega, outrossim, que os valores obtidos com a venda do imóvel deveriam ser utilizados para pagamento dos créditos trabalhistas, inclusive os concursais, por gozarem de preferência legal. Argumenta, ademais, a inviabilidade de disponibilização de trinta e quatro milhões de reais para capital de giro das devedoras enquanto ainda não estão claros os meios de recuperação que se pretendem empregar. Referidas alegações, todavia, não podem ser objeto de análise por esta Instância Revisora. Isso porque as teses suscitadas pelo Ministério Público dizem respeito a aspectos econômico-financeiros do plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia geral de credores, consoante exposto. Ressalte-se, nesse tocante, que houve aprovação no conclave do pagamento da dívida existente com o BADESC, segundo registrado na cláusula 2.2.1 do plano modificativo consolidado (fls. 352/370), bem como se dispôs acerca do direcionamento de parcela dos valores oriundos do negócio jurídico ao adimplemento de créditos trabalhistas.
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Avaliação prévia do imóvel Alega o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ser viciada a venda do imóvel de matrícula n. 20.783, tendo em vista a inexistência de recente avaliação do imóvel. Argumenta, ainda, ser inadequada a alienação por preço próximo ao limite mínimo apurado. Consoante afirma o órgão ministerial, caso mantida a decisão agravada, o negócio jurídico será concretizado por R$ 69 milhões, enquanto a avaliação do bem realizada em 2010 indicaria que aquele valeria R$ 76 milhões. Outrossim, considerando a comissão de corretagem a ser paga (R$ 4 milhões), o contrato seria celebrado com uma diferença de R$ 11 milhões entre o preço estabelecido e a importância indicada na avaliação. Compulsando os autos, observa-se, à fl. 108, que em análise realizada em dezembro de 2010 o imóvel localizado em Blumenau foi avaliado em R$ 56.922.771,67 (cinquenta e seis milhões novecentos e vinte e dois mil setecentos e setenta e um reais e sessenta e sete centavos). O documento de fls. 109/110, por sua vez, refere-se a exame promovido em 5/7/2012 – poucos meses antes da proposta apresentada pelo Grupo Savoy, datada de 14/12/2012 (fl. 77) –, por meio do qual se estipulou o valor do bem em R$ 76 milhões, com margem de 10% (dez por cento) para mais ou para menos, variando, assim de R$ 83,6 milhões a R$ 68,4 milhões. Nesse contexto, a aludida oferta de fl. 77, em que se estipulou a aquisição do imóvel no montante de R$ 69.300.300,00 (sessenta e nove milhões trezentos mil e trezentos reais), encontra-se dentro dos parâmetros presentes no caderno processual. Outrossim, consoante registraram o Juiz de Primeiro Grau e o Procurador de Justiça atuantes no feito, a realidade fática não favorece a obtenção, pelas recuperandas, de proposta que lhe seja extremamente vantajosa, de modo que determinada negociação na qual o valor de venda esteja
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dentro – ou próximo – dos patamares delimitados na avaliação goza de reduzidas chances de rejeição. Não é demais mencionar, ainda, que a assembleia geral de credores, a qual é dotada dos poderes alhures mencionados, aprovou a alienação pelo supracitado valor (cláusula 2.2.1.2 do plano modificativo consolidado, fls. 352/370). Assim, atendidos também os interesses da devedora, não há falar em imprescindibilidade de nova avaliação do imóvel objeto da compra e venda, razão por que se nega provimento ao recurso no ponto. Comissão de corretagem Aduz o "Parquet", no tocante à comissão de corretagem, inexistir prova da efetiva intermediação da venda. Aponta, também, que as tratativas teriam sido realizadas diretamente entre o presidente da Teka e a Diretoria de Novos Negócios do Grupo Savoy, sem o auxílio da Sociedade de Administração, Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. – SAMU, a qual integraria aquele Grupo. Sustenta, por fim, a abusividade da importância devida. A corretagem, espécie de contrato prevista nos arts. 722 e ss. do Código Civil, é, segundo Arnaldo Rizzardo, "[...] o contrato através do qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a intermediar, ou agenciar, negócios para outra, sem agir em virtude de mandato, de prestação de serviços ou de qualquer relação de dependência." ("in" Contratos: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 775). E prossegue o doutrinador: Para que a interferência de uma pessoa em negócios de outrem se qualifique como corretagem, são necessários os seguintes requisitos: a) Cometimento a uma pessoa de conseguir interessado para certo negócio; b) Aproximação, feita pelo corretor, entre o terceiro e o comitente; c) Conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro, graças à atividade do corretor. (obra citada, p. 775) Acerca da classificação do aludido contrato, vale citar: 18
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Quanto à sua natureza jurídica, o contrato de comissão é bilateral (sinalagmático), oneroso e consensual. O contrato é acessório, pois depende de um outro negócio para existir, qual seja, um contrato principal celebrado no interesse do comitente. É aleatório, pois envolve a álea, o risco, particularmente a celebração desse negócio principal. O contrato é ainda informal, não sendo exigida sequer a forma escrita. (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2016. p. 834/835) Passa-se, pois, ao exame do caso concreto. A respeito da existência de efetiva contratação da SAMU para a intermediação do negócio jurídico, cumpre afastar a necessidade da juntada de prova escrita, porquanto o contrato de corretagem, como visto, é informal, podendo ser pactuado até mesmo verbalmente. Além do mais, não se demonstrou que a negociação, de elevado porte, tenha sido construída somente pelos e-mails de fls. 78/80, trocados entre o presidente da Teka e a Diretoria de Novos Negócios do Grupo Savoy. Cabe elucidar, ainda, que o fato de a Sociedade de Administração, Melhoramentos Urbanos e Comércio Ltda. integrar o Grupo Savoy – comprador do bem – não invalida a intermediação, na medida em que já verificado o atendimento aos interesses das recuperandas na alienação do imóvel. Saliente-se, por oportuno, a informação registrada pelo Juiz de Direito na decisão agravada (fl. 49), de que no Estado de São Paulo, no qual situada a SAMU, a tabela de preços de serviços de corretagem disponibilizada pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis prevê honorários de 6% (seis por cento) a 8% (oito por cento) em se tratando de vendas de imóveis industriais (disponível em http://crecisp.gov.br/corretor/tabelareferencialdehonorarios). Da mesma forma, nos termos constatados pelo Procurador de Justiça parecerista (fl. 466), é de 6% (seis por cento) o percentual mínimo recomendado pelo Sindicato dos Corretores de Imóveis de Santa Catarina (tabela disponível em http://www.sindimoveis-sc.org.br/index.php?cmd=honorários). Destarte, revelando-se adequado o valor entabulado, bem como em sendo concluído o negócio jurídico em virtude da aproximação realizada pela 19
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intermediadora, é devida a comissão de corretagem ajustada. De acordo com o art. 724 do Código Civil, "A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.". Assim, malgrado não houvessem os contratantes pactuado o pagamento de qualquer comissão, tendo esta restado ao arbítrio do juízo, tal patamar poderia ser facilmente observado, uma vez demonstrada a razoabilidade do percentual de 6% (seis por cento). Já decidiu este Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. ART. 722 DO CÓDIGO CIVIL. NEGOCIAÇÃO E VENDA DE COTA SOCIETÁRIA DE EMPRESA DE PROJETO EÓLICO. INTERMEDIAÇÃO NA NEGOCIATA. COMISSÃO AJUSTADA EM DOCUMENTO DENOMINADO "AJUSTE DE COMISSÃO". OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PELO RÉU. VERBA DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas" (art. 722 do Código Civil). "É devida a comissão de corretagem por intermediação imobiliária se os trabalhos de aproximação realizados pelo corretor resultarem, efetivamente, no consenso das partes quanto aos elementos essenciais do negócio" (STJ, AgRg no REsp n. 1440053/MS, rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 28-3-2016). (Apelação Cível n. 0316031-42.2015.8.24.0005, Rel. Des. Fernando Carioni, j. em 22/8/2017). Cumpre relembrar, na linha exposta preliminarmente, que as medidas adotadas em sede de recuperação judicial devem ter como norte a preservação da empresa, o que se busca alcançar com a alienação do imóvel de matrícula n. 20.783. Escritura Pública Por derradeiro, almeja o recorrente a reforma da decisão arguindo a inviabilidade de formalização da escritura pública de compra e venda quando do pagamento da primeira parcela de R$ 17.325.300,00 (dezessete milhões trezentos e vinte e cinco mil e trezentos reais), que representa 25% (vinte e cinco por cento) do valor do negócio. Impugna, ainda, não ter sido oferecida qualquer garantia em caso 20
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de ausência de pagamento, e aventa a possibilidade de reabertura das negociações acerca da alienação do imóvel, já que nenhum integrante do Grupo Savoy participou do acordo com o BADESC. Em se tratando o negócio jurídico ora em exame de compra e venda, são aplicáveis ao caso as disposições dos arts. 481 e seguintes do Código Civil, como bem elucidou o insurgente. Nesse aspecto, prevê o art. 491 daquela codificação que "Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço." Assim, se é verdade que inexiste obrigação para entrega da coisa – ou escrituração do imóvel – antes da ocorrência da quitação, também é certo dizer que a lei não proíbe as partes contratantes de assim disporem. Cabe mencionar, a respeito do tema, trecho da manifestação ministerial de fls. 453/468: Visto isso, resta claro que não sendo o vendedor obrigado a entregar a coisa (e inclui-se aí a escritura do negócio) antes de receber o preço integral, tal faculdade existe. E com efeito, foi utilizada pelos negociantes da TEKA e SAVOY, posto que foram os termos a que chegaram as negociações, de modo que se assim entendem melhor as recuperandas, não há óbice legal a tal proceder. Flávio Tartuce, ao discorrer sobre a liberdade de contratar, relacionada à escolha da pessoa com quem o negócio será celebrado, e a liberdade contratual, atinente ao conteúdo do negócio jurídico, ensina: Dessa dupla liberdade da pessoa, sujeito contratual, é que decorre a autonomia privada, que constitui a liberdade que a pessoa tem para regular os próprios interesses. De qualquer forma, que fique claro que essa autonomia não é absoluta, encontrando limitações em normas de ordem pública e nos princípios sociais. [...] Entre os autores nacionais, quem observa muito bem o significado do princípio da autonomia privada é Francisco Amaral, sendo interessante transcrever as suas palavras: "A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo- lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. Sinônimo de autonomia da
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vontade para grande parte da doutrina contemporânea, com ela porém não se confunde, existindo entre ambas sensível diferença. A expressão ' autonomia da vontade' tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real". [...] Não se pode esquecer que o principal campo de atuação do princípio da autonomia privada é o patrimonial, onde se situam os contratos como ponto central do Direito Privado. Esse princípio traz limitações claras, principalmente relacionadas com a formação e reconhecimento da validade dos negócios jurídicos. A eficácia social pode ser apontada como uma dessas limitações, havendo clara relação entre o preceito aqui estudado e o princípio da função social dos contratos . Porém, é interessante deixar claro que a função social não elimina totalmente a autonomia privada ou a liberdade contratual, mas apenas atenua ou reduz o alcance desse princípio . Esse é o teor citado do Enunciado n. 23 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, um dos mais importantes enunciados entre todos os aprovados nas Jornadas de Direito Civil, que merece mais uma vez transcrição: "A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana". (Manual de direito civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2016. p. 611/613) Nesse particular, não cabe ao Judiciário limitar a autonomia privada das recuperandas e do Grupo Savoy enquanto não se tenha demonstrado haver afronta, pelos termos pactuados, à função social do contrato. Frise-se, a propósito, que a alienação do imóvel, observada no todo, tem por intuito justamente a preservação da empresa, princípio a ser sempre rememorado, a fim de viabilizar o prosseguimento da atividade exercida pelas devedoras, a manutenção de empregos e o atendimento dos interesses dos credores, cumprindo, assim, a função social, nos termos do art. 421 do Código Civil ("A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."). Ante o exposto, vota-se no sentido de afastar a preliminar de perda do objeto, suscitada pela recorrida, e negar provimento ao recurso.