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ASTREINTES: QUESTÕES RELATIVAS À SUA

EXIGIBILIDADE E REVISÃO

ASTREINTES: QUESTÕES RELATIVAS À SUA EXIGIBILIDADE E REVISÃO


Pareceres - Wambier | vol. 1 | p. 21 | Set / 2012
DTR\2012\450757

Luiz Rodrigues Wambier

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: Este Parecer analisa a exigibilidade de multa fixada pelo descumprimento de obrigação de
fazer, em situação em que não houve intimação pessoal da parte para cumprimento, tampouco
sentença confirmatória desse provimento e, ainda, em que a obrigação tornou-se materialmente
impossível de ser cumprida. Aborda, também, a possibilidade de sua revisão, considerando-se a
finalidade desse mecanismo legal.

Palavras-chave: Direito Processual Civil - Astreintes - Exigibilidade - Ausência de intimação pessoal


- Inexistência de sentença confirmatória - Impossibilidade de cumprimento da obrigação - Conversão
em perdas e danos - Menor onerosidade do devedor.
Résumé: Este parecer analiza la exigibilidad de multa fijada por el incumplimiento de obligación de
hacer, en situación en que no hubo citación personal de la parte para el cumplimiento, ni sentencia
confirmatoria de esa provisión e, incluso, en la cual la obligación se volvió materialmente imposible
de ser cumplida. Trata, además, de la posibilidad de su revisión, teniendo en cuenta la finalidad de
ese mecanismo legal.

Mots-clés: Derecho Procesal Civil - Astreintes - Exigibilidad - Ausencia de citación personal -


Inexistencia de sentencia confirmatoria - Imposibilidad de cumplimiento de la obligación - Conversión
en daños y pérdidas - Menor onerosidad del deudor.
Sumário:

- 1.Síntese da situação jurídica e consulta - 2.Algumas considerações legais e doutrinárias -


3.Resposta aos quesitos

LEGISLAÇÃO E DISPOSITIVOS LEGAIS UTILIZADOS:

Código Civil (LGL\2002\400) de 2002: arts. 248 e 250.

Código de Processo Civil (LGL\1973\5): arts. 461, caput, §§ 1.º, 4.º e 5.º, 471, 572, 586, 614, III, 618,
I e III e 620.

Lei 7.347/1985: art. 12, § 2.º.


1. Síntese da situação jurídica e consulta

Segundo informa a Consulente X - instituição financeira que, segundo afirma, tem como principal
atividade o financiamento de máquinas e implementos agrícolas -, por meio de seu advogado, em
meados de agosto de 2002 ingressou em juízo com pedido de busca e apreensão de 10 tratores
adquiridos pela empresa Y, por meio de dez contratos de financiamento, com garantia de alienação
fiduciária, justamente em razão do inadimplemento de Y, que havia deixado de honrar os
pagamentos mensais e sucessivos.

Conforme se vê da farta documentação que nos foi oferecida para análise, o Juiz de primeiro grau
deferiu o pedido, determinando a expedição de mandado de busca e apreensão dos 10 tratores.
Desse total de máquinas, 9 foram efetivamente apreendidas, conforme se vê dos respectivos termos
de apreensão, lançados nos autos.

Com respeito à máquina não apreendida, a Consulente requereu desistência da ação, requerendo
seu prosseguimento em relação às demais, reiterando seu pedido de procedência do pedido.

Por se tratar de bens sujeitos a rápida depreciação, requereu ao Juízo de Direito sua venda
antecipada, com o depósito dos valores que viessem a ser obtidos em conta à ordem do Juízo. Esse
pedido foi deferido por meio da decisão interlocutória de f. Seguiu-se a venda, pela modalidade de
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leilão, e o valor obtido (R$ 987.000,00) foi depositado em Juízo, conforme bem o demonstra o
comprovante de f.

Ocorreu, todavia, interessante situação: cerca de dois anos depois de efetivada a busca e apreensão
dos bens objeto da ação, a ré Y compareceu aos autos para informar ao Juízo que, quando da
apreensão, teriam sido apreendidos alguns implementos agrícolas que, à época, estavam acoplados
a três dos tratores.

Houve, de pronto, decisão do Juízo de 1.º grau, em que se determinou a imediata expedição de
mandado de liberação dos bens, com sua imediata entrega à ré, sob pena de multa diária da ordem
de R$1.000,00.

Dessa decisão foi intimado o advogado da ora Consulente, não tendo havido intimação pessoal de
seu representante legal.

Alguns dias depois da intimação do advogado, a ré Y compareceu aos autos informando o


descumprimento da ordem pela autora, ora Consulente. Ao comunicar, a ré pediu também que fosse
a multa diária majorada. O MM. Juiz deferiu o pedido, fixando novo valor para a multa por
descumprimento, agora de R$ 5.000,00 por dia. Contra essa decisão a Consulente manejou recurso
de agravo de instrumento, obtendo relativo sucesso, eis que o E. Tribunal de Justiça reduziu a multa
pela metade.

Posteriormente, conforme atestam os documentos que nos foram trazidos pelo Ilustre advogado da
Consulente, a ré apresentou cálculo dos valores referentes à multa, requerendo a expedição de
ordem de penhora. O valor apresentado somava, à época, R$ 617.000,00. Esse pedido foi deferido
pelo Juízo de primeiro grau, por meio de decisão que determinou o pagamento da dívida no prazo de
15 dias, sob pena da incidência da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC (LGL\1973\5).

A Consulente compareceu aos autos, apresentando documento comprobatório da contratação de


seguro de garantia judicial, em valor superior ao que lhe havia sido imputado como devido.

Em petição juntada na mesma data, esclareceu que os implementos reclamados pela ré estavam
efetivamente acoplados aos tratores vendidos em leilão, e com eles haviam sido entregues aos
respectivos arrematantes.

Registrou, então, que a restituição desses bens era impossível, oferecendo como alternativa a
restituição de seu valor, em dinheiro, conforme faculdade prevista no parágrafo primeiro do art. 461
do CPC (LGL\1973\5). Estimou o valor dos implementos em R$ 103.000,00, louvando-se na média
de três avaliações de revendedoras de máquinas similares, postulando ao Juízo: a) a aceitação do
seguro garantia judicial; b) a conversão da obrigação em perdas e danos, na forma do art. 461, § 1.º,
do CPC (LGL\1973\5).

A ré Y, por petição, manifestou expressa discordância, alegando, em síntese, que tais bens -
indevidamente apreendidos e vendidos - valeriam cerca de R$ 430.000,00. Reiterou seu pedido de
penhora, com o acréscimo de 10% sobre o total, nos termos do art. 475-J.

Após esse embate, o Juiz de primeiro grau proferiu decisão convertendo a obrigação de fazer em
perdas e danos, na forma do art. 461, § 1.º, do CPC (LGL\1973\5) e suspendendo a multa imposta
para evitar danos irreparáveis. Ao fixar as perdas e danos, o Juiz de primeiro grau valeu-se de
parâmetro ligado ao valor da multa acumulada até aquele momento, ou seja, R$ 617.000,00.

A Consulente ofereceu impugnação ao cumprimento de sentença e opôs Embargos de Declaração,


sob o fundamento de que teria havido erro material na fixação do valor das perdas e danos,
querendo o Juiz se referir aos R$ 103.000,00 indicados na avaliação dos bens apresentada por ela,
e não no valor da multa. Esses Embargos, no entanto, foram rejeitados.

A ré Y, de sua parte, manejou recurso de agravo de instrumento diante dessa decisão, requerendo a
antecipação da tutela recursal para: 1) o indeferimento da garantia do juízo mediante o seguro
oferecido pela Consulente; 2) a determinação de penhora sobre o depósito vinculado ao juízo e, sua
diferença, por penhora on line em conta corrente bancária da Consulente; e 3) a manutenção da
cominação da multa até efetivo cumprimento da obrigação.
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O E. Tribunal, por meio do Desembargador Relator, decidiu com base no art. 557 do Código de
Processo Civil (LGL\1973\5), deferindo a penhora sobre os valores depositados em conta judicial e,
se insuficientes, sobre recursos existentes em contas correntes da Consulente, mediante bloqueio on
line, além de determinar a manutenção da multa anteriormente fixada, no valor de R$ 2.500,00, até
julgamento final do agravo.

Em cumprimento a essa decisão houve, pelo Juiz de primeiro grau de Jurisdição, a determinação de
penhora on line nas contas da Consulente, tendo havido o bloqueio da quantia determinada,
imediatamente transferida ao Banco do Brasil e lavrado termo de penhora do valor depositado em
conta judicial.

Houve pedido de reconsideração, que foi indeferido.

Essa é a situação presente, segundo nos informa a Consulente.

Indaga, então, se, diante desse cenário, a execução das astreintes poderá ter normal
prosseguimento, inclusive com o levantamento dos valores penhorados e com a continuação, por
tempo indeterminado, da incidência da multa para cumprimento de obrigação que se tornou
impossível.

Formula os seguintes quesitos:

1) A multa cominatória fixada nesse caso é exigível?

2) Qual a solução jurídica adequada quando a obrigação torna-se impossível de ser cumprida?

3) O valor que atingiu a multa, com o descumprimento da obrigação, pode ser revisto? Em quais
circunstâncias?
2. Algumas considerações legais e doutrinárias

2.1 A inexigibilidade da multa por ausência de intimação pessoal da parte

No atual regime da execução de sentença, os direitos de crédito são cumpridos [=executados] por
meio do procedimento previsto no art. 475-J do CPC (LGL\1973\5), enquanto as obrigações
específicas o são pela forma do art. 461 do CPC (LGL\1973\5). O surgimento do direito de crédito
depende do não cumprimento, consciente e inafastável, da obrigação de fazer, por parte daquele
que estava pessoalmente obrigado a fazê-lo. Não havendo descumprimento, consequentemente,
também não haverá crédito.

No caso em análise, como se viu, da r. Decisão que determinou a restituição dos bens e fixou o
pagamento da multa foi intimado apenas um advogado da Consulente, no endereço de seu
escritório.

Não é possível considerar, portanto, que tenha havido intimação pessoal da Consulente acerca da
decisão que fixou a obrigação de fazer.

A decisão que majorou o valor da multa, assim como aquela proferida no Agravo de Instrumento,
reduzindo-a parcialmente, foram apenas publicadas no Diário da Justiça em nome dos procuradores
das partes.

Não foi observada, portanto, exigência sem a qual não se pode falar em descumprimento de
qualquer obrigação judicial: a intimação pessoal daquele que estava obrigado a cumprir. Na lição de
Cândido Rangel Dinamarco, revela-se “óbvia a necessidade de estimular o devedor a cumprir, seja
porque esse estímulo é a primeira tentativa de fazê-lo sair do estado de inadimplemento, seja porque
as medidas enérgicas inerentes à execução específica têm como pressuposto elementar a renitência
de quem manifesta não querer adimplir” 1. Por isso, consequentemente, torna-se “imperioso que a
intimação seja feita ‘pessoalmente ao obrigado, não ao seu patrono’. Não se trata de intimar a
praticar atos de postulação, que são privativos do advogado, mas atos que dependem da atuação
pessoal da parte e são estranhos às atividades daquele (entregar, fazer, abster-se)”2.

O credor tem a obrigação de requerer, expressamente, não apenas o início da execução forçada da
decisão, como também, e principalmente, a intimação da pessoa do devedor (e não de seus
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procuradores através do Diário da Justiça).

A razão para isso é bastante singela e evidente, diga-se de passagem. Os atos que devam ser
cumpridos pela própria parte, isto é, com suas mãos, exigem sua intimação pessoal. Já aqueles que
devam ser cumpridos dentro do processo (como recorrer ou impugnar a execução) e, portanto, por
meio de representante com capacidade postulatória, exigem a intimação desse procurador.
Justamente por isso Moniz de Aragão anota “não se equivalerem para efeito de intimação a parte e
seu advogado. A intimação será dirigida a uma ou a outra, conforme seja, no caso, quem deve
recebê-la.”3

Esse é o ponto que se quer destacar: não há descumprimento da decisão [e, consequentemente,
incidência da multa], porque o devedor [isto é, a pessoa do obrigado] não foi intimado a fazê-lo.

Assim, a intimação do advogado [pessoalmente em seu escritório ou via Diário da Justiça], dá início
ao prazo para o cumprimento de atos que demandem capacidade postulatória. Todavia, não se pode
aceitar que essa espécie de intimação tenha o condão de também iniciar a contagem de prazo para
a prática de determinado ato cujo cumprimento dependa, exclusivamente, da conduta da parte.

O que se afirma aqui é posição absolutamente segura não apenas no plano doutrinário como no
jurisprudencial, a começar pelo E. Superior Tribunal de Justiça, no qual prevalece tranquilo o
entendimento de que “se o ato é pessoal da parte, a esta deve ser feita a intimação para praticá-lo.”4
Por essa razão, a “intimação da parte deve ser feita pessoalmente e não pelo Diário da Justiça” 5, o
que poderá ocorrer tanto “por oficial de justiça ou pelo correio”6 - grifos nossos.

Ainda no âmbito do E. STJ merece destaque a decisão de que “nas obrigações de fazer ou não
fazer, vale-se o juiz, com autorização legal, da imposição de meio coercitivo indireto, as chamadas
‘astreintes,’ para forçar o devedor a cumprir obrigação, nos termos em que foi condenado no
processo de cognição (…). Imprescindível, no entanto, a instauração do processo executivo, pela
citação para a sua exigência, mesmo que eventualmente tenha incidência anterior a essa citação,
por força do decidido na decisão que transita em julgado, no processo de conhecimento” 7 - grifos
nossos.

Mais recentemente e ainda sobre a necessidade de intimação [=cientificação] pessoal, esse mesmo
STJ assentou: “ (…) o cumprimento da sentença pressupõe ordem para fazer, o que arrasta a
necessidade de comunicação ‘in faciem’, insubstituível pela publicação no diário oficial. É que na
forma dos arts. 234 e 238 do CPC (LGL\1973\5), as intimações são pessoais quanto ao destinatário,
podendo à semelhança do art. 11 da lei do writ, operar-se pelo correio; tanto mais pela própria
citação que consubstancia o contraditório, admite esta modalidade que a receptiva de vontade. 5.
Deveras, as consequências cíveis e penais do descumprimento das decisões mandamentais exigem
segurança na comunicação da mesma, tornando imperiosa a necessidade de intimação pessoal. 6.
Recurso especial parcialmente provido para determinar a intimação pessoal da Caixa (…)” 8 - grifos
nossos.

Por essa razão, editou-se a Súmula 410 que enuncia: “A prévia intimação pessoal do devedor
constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer”.

Do mesmo modo, o E. TJRS: “A incidência da multa cominada para o caso de descumprimento de


obrigação de fazer, somente pode ser computada a partir da intimação pessoal do obrigado.
Hipótese em que não houve intimação pessoal da embargante para efetuar o complemento das
ações, mas, sim, citação para a ação de execução, momento em que houve o cumprimento
espontâneo da obrigação. Situação que afasta a incidência da multa”9 - grifos nossos.

Até mesmo em caso no qual o advogado litiga em causa própria, o E. TJRS já decidiu que: “é preciso
distinguir quando as intimações são feitas à parte ou ao mandatário judicial, situações que não se
confundem: a parte não pode ser intimada por publicação na imprensa oficial”.10

Isso quer dizer que a Consulente inexoravelmente deveria ter sido intimada pessoalmente (isto é, por
carta postal ou precatória dirigida aos seus representantes legais em seus endereços). Como isso
não aconteceu, não se pode falar em descumprimento da obrigação.

Não havendo descumprimento, não há incidência da multa. Logo, o crédito cobrado nesta execução
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sequer existe, motivo pelo qual se trata de execução nula, na medida em que não se pode exigir dos
oras Executados/Requeridos direito de crédito inexistente.

Como é sabido, preceitua o art. 614, III, do CPC (LGL\1973\5), que cumpre ao credor, ao requerer a
execução, instruir a petição inicial com prova de que se verificou a condição ou ocorreu o termo, a
que se refere o art. 572 do CPC (LGL\1973\5), assim: “quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a
condição ou termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição
ou que ocorreu o termo”.

No caso de multa fixada pelo descumprimento de obrigação de fazer, pelo sistema do art. 461 do
CPC (LGL\1973\5), incumbe ao credor, do mesmo modo, demonstrar a ocorrência do termo, isto é,
da exigibilidade da obrigação de dar ou de fazer; a fim de que possa ser configurada a recalcitrância
injustificada a autorizar a incidência da astreinte.

Esse entendimento advém, como se viu, da necessidade de se assegurar que o destinatário da


ordem, que é o ente capaz de executá-la, tenha plena ciência do comando, sob pena de sofrer grave
dano pela imposição de penalidades pelo seu descumprimento. Assim, a intimação pessoal da parte
é indispensável, como termo que o constitui em mora, tornando a obrigação exigível a partir de
então.

Como não houve, portanto, intimação pessoal da Consulente para cumprimento da decisão que fixou
a obrigação de fazer, não se pode falar em cominação de multa por descumprimento, faltando ao
título executado o requisito da exigibilidade, em literal afronta ao art. 572 e 618, III, do CPC
(LGL\1973\5).
2.2 A inexigibilidade da multa antes do trânsito em julgado da sentença que a confirma

A exigibilidade do crédito materializado no título executivo é tida como requisito essencial à


propositura de qualquer Execução forçada. No entanto, ela não se encontra presente no caso em
análise.

E isso ocorre porque a multa cominatória somente se torna exigível após o trânsito em julgado da
sentença que a confirma.

No entendimento de Luiz Guilherme Marinoni, “a multa, para exercer sua finalidade coercitiva, não
precisa ser cobrada antes do trânsito em julgado. A finalidade coercitiva não se relaciona com a
cobrança imediata da multa, mas apenas com a possibilidade de sua cobrança futura; essa
possibilidade pode atemorizar o demandado e, assim, convencê-lo a adimplir”.11

Com efeito, explica Severino Muniz que “pela própria natureza da pena cominada, semelhante às
astreintes do direito francês, esta não retrotrai. Isto porque sua função não é de ressarcimento pelos
danos causados pelo descumprimento da obrigação de não fazer ou de fazer infungível. Mas
objetiva, isto sim, constranger ou compelir o devedor a obedecer ao determinado pela sentença (art.
287). Desta forma, a cominação da pena só incide, é claro, após o trânsito em julgado da sentença”.
12

Esse posicionamento, é certo, também se justifica a partir do seguinte raciocínio: não se pode
descartar a possibilidade de o Executado ser vencedor na demanda, caso em que a decisão de
improcedência indiscutivelmente afastará a exigibilidade da multa cominada.13

Basta observar-se que a ação originária é medida cautelar de busca e apreensão de bens, na qual,
até o momento, não foi proferida sentença, seja para confirmar a correta apreensão dos tratores,
seja para reconhecer a apreensão indevida dos equipamentos agrícolas reclamados. E, assim, a
Consulente ainda não teve satisfeito seu direito de receber os valores do financiamento inadimplidos
por Y, que, em absurda inversão de valores e procedimentos, pretende realizar medidas gravosas
para satisfazer direito ainda controvertido ao recebimento de multa cominatória.

Neste sentido, ressalte-se a lição de Luiz Guilherme Marinoni: “Se o nosso sistema confere ao autor
o produto da multa, é completamente irracional admitir-se que o autor possa ser beneficiado quando
a própria jurisdição chega à conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao
executar (provisoriamente) a sentença ou tutela antecipatória. Se o processo não pode prejudicar o
autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo possa beneficiar quem não tem qualquerPágina 5
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razão, apenas porque o réu deixou de adimplir uma ordem do Estado-juiz”.14

Vê-se, então, por qualquer prisma que se analise a questão, ser inexigível a multa cominada, ao
menos no atual estágio do processo. Está ausente, portanto e a toda evidência, requisito de
exigibilidade do título, previsto no art. 586 do CPC (LGL\1973\5) ( “a execução para cobrança de
crédito, fundar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível”). Como consequência, a Execução é
nula, como dispõe o já citado art. 618, I, do CPC (LGL\1973\5)(“É nula a execução: I - se o título
executivo não for liquido, certo e exigível”).

A este respeito, atente-se para a recente decisão do E. TJPR: “A decisão que dá origem à multa
cominatória é de natureza antecipatória, fundada em juízo de cognição sumária, de caráter provisório
(arts. 273, § 4.º e 461, § 3.º, parte final), e, por isso, sua exigibilidade está vinculada ao trânsito em
julgado do provimento final, a que está instrumentalmente ligado até porque a finalidade da medida é
tutelar aquele que tem razão, e somente ele”.15

Do corpo de referido Acórdão, extrai-se o seguinte: “Na eventualidade da sentença final ser contrária
ao provimento concessivo da liminar, entendendo que a inscrição do agravado em cadastros de
proteção ao crédito não foi indevida, esta necessariamente não mais produzirá efeitos e, de
consequência, a multa não será mais exigível, eis que ‘o provimento antecipador tem sua eficácia
vinculada ao provimento final, a que está instrumentalmente ligado’ (Eduardo Talamini, in “Tutela
Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer”, RT, 2003, p. 362)”.

No mesmo sentido: “A execução da multa cominatória imposta por descumprimento de tutela


antecipada em sede de ação revisional, embora com incidência a partir do descumprimento, somente
pode ser exigida após o trânsito em julgado da sentença”.16

Esse entendimento também foi manifestado pelo E. STJ, em precedente que teve como relator o
Eminente Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira: “1. Nas obrigações de fazer ou não fazer, vale-se o juiz,
com autorização legal, da imposição de meio coercitivo indireto, as chamadas astreintes, para forçar
o devedor a cumprir obrigação, nos termos em que foi condenado no processo de cognição. 2. Essa
pena pecuniária deverá ser determinada no título judicial. Omissos a sentença e/ou acórdão do
processo de cognição em relação à unidade temporal dessa multa (dia, semana ou mês) e data a
partir de quando devida, caberá ao juiz da execução fixá-los (art. 644 do CPC (LGL\1973\5)).
Imprescindível, no entanto, a instauração do processo executivo, pela citação para a sua exigência,
mesmo que eventualmente tenha incidência anterior a essa citação, por força do decidido na decisão
que transita em julgado, no processo de conhecimento”.17

Constata-se a plausibilidade do entendimento ora sustentado, a partir do teor da regra do art. 12, §
2.º, da LACP, que prevê: “a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em
julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o
descumprimento”. Ora, a cominação de multa, em sede de ação civil pública, presta-se a tutelar, de
modo mais eficaz, as obrigações de fazer e não fazer, sendo também este, a toda evidência, o
objetivo das ditas “medidas de apoio”, previstas no art. 461 do CPC (LGL\1973\5). Portanto, é
absolutamente razoável sustentar a incidência, por analogia, da regra anteriormente citada,
constante da Lei 7.347/1985, para justificar a inexigibilidade da multa fixada por esse d. Juízo, na
ação em questão.

Por todas as razões mencionadas, vê-se a ilegalidade da determinação de penhora on line, pois o
processamento da execução sequer era possível [o que possivelmente levará a sua extinção, de
acordo com as regras dos arts. 586 e 618, I, do CPC (LGL\1973\5)] e não apenas se permitiu o seu
prosseguimento, como se deferiu que o valor do crédito fosse garantido por penhora em dinheiro.
2.3 A obrigação de restituição dos bens é impossível. Necessidade de resolução ou
conversão em perdas e danos

É cediço que os elementos constitutivos da obrigação podem ser classificados como pessoal,
material e vínculo jurídico. Importa aqui a análise do elemento material, que corresponde ao objeto
da obrigação, isto é, a prestação.

A prestação pode ser: 1) lícita [de acordo com a moral e os bons costumes e em respeito à ordem
pública]; 2) possível [pode ser realizada quando a natureza permitir e não ser proibida por lei]; 3)
determinada ou determinável e 4) patrimonial. Página 6
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No caso em análise, a obrigação fixada na decisão que deu origem a multa por descumprimento, é
impossível e, por isso mesmo, seu cumprimento não pode ser exigido.

Com efeito. A Consulente demonstrou nos autos de busca e apreensão que, como os implementos
agrícolas encontravam-se acoplados aos tratores objeto da ação, eles foram removidos na diligência
realizada pelo oficial de justiça no bojo dos autos e, em razão da autorização judicial dada para
venda dos bens, foram também vendidos como se os integrassem.

Evidentemente, esse acontecimento decorreu de equívoco, contudo, não somente atribuível à


Consulente. Esta nunca pediu a busca e apreensão desses bens. O oficial de justiça que realizou o
ato também não percebeu que estava removendo implementos que não integravam os tratores
objeto da ordem de apreensão e, o que é mais grave: a própria ré, proprietária dos bens, demorou
mais de 12 meses para noticiar nos autos esse incidente, contribuindo sobremaneira para o desfecho
do caso, em que se constatou que a restituição era impossível em face da venda realizada muito
tempo atrás.

Orlando Gomes esclarece o conceito de objeto impossível: “A regra ‘ad impossibilia neo tenetur’
esclarece suficientemente o requisito da possibilidade. Se o comportamento do devedor é
impossível, falta objeto à obrigação. (…) Impossibilidade originária é a existente ao tempo em que se
constitui a obrigação. (…) Impossibilidade objetiva é a que existe para todos (…). Quando a
prestação é totalmente impossível, a obrigação não nasce”.18

Uma vez demonstrada a impossibilidade fática de cumprimento da ordem de restituição desses bens,
descabe a aplicação e incidência de multa coercitiva, justamente porque seu único objetivo é
compelir a parte ao cumprimento de obrigação.

Têm aplicação, aqui, os arts. 248 e 250 do CC/2002 (LGL\2002\400), que ao tratarem das
obrigações de fazer e não fazer, determinam que a obrigação se resolve quando a prestação do fato
se tornar impossível, exatamente como demonstrado no presente caso. Esse entendimento, aliás, é
pacífico no plano da jurisprudência. Confira-se: “Agravo de instrumento. Decisão monocrática.
Apresentação de contrato de linha telefônica móvel. Desnecessidade. Na medida em que a ré alega
não ter logrado êxito encontrar o contrato firmado quando da celebração do negócio de prestação de
serviço de telefonia móvel, não há falar em imposição de multa para fazê-lo. Primeiro, porque
inviável condenar a ré a cumprir obrigação impossível; segundo, por ser ônus da ré fazer prova do
negócio, em virtude do autor negar sua própria existência (art. 333, II, do CPC (LGL\1973\5)). Não o
fazendo, presume-se que o autor nada contratou, prevalecendo a tese vazada na exordial. Agravo
provido de plano19.” - grifos nossos.

E ainda: “Apelação cível. Embargos do devedor. Preliminar de ofício. Acolhimento. Termo de


ajustamento celebrado pelo Ministério Público. Título executivo extrajudicial. Obrigação impossível.
Extinguiram a execução.20 - grifos nossos.

No mesmo sentido: “Embargos de declaração - Omissão e contradição inexistentes - Impossibilidade


de exibição dos documentos faltantes - Penalidades afastadas”.21 Do voto do Il. Relator, extrai-se o
seguinte: “É óbvio que, tratando os autos de Medida Cautelar de Exibição de Documentos, e tendo
sido reconhecida no acórdão a impossibilidade de o embargante exibir os documentos faltantes, fica
sem efeito a liminar anteriormente concedida pelo juízo a quo. Tanto é assim que às f. do acórdão
embargado constou: ‘conheço do apelo do requerido e dou-lhe provimento parcial, afastando a
complementação da documentação e as penalidades impostas’ (grifei). Ou seja, afastou-se toda e
qualquer penalidade decorrente da não apresentação dos documentos faltantes. E mais, a conclusão
foi a de que ‘se o banco requerido não possui os demais documentos reclamados e exibindo os que
tinha em sua posse, cumpriu satisfatoriamente a determinação judicial’ (grifei), de modo que não há
porque preocupar-se com a liminar anteriormente concedida, já que a cumpriu integralmente”. - grifos
nossos.

A impossibilidade de cumprimento da obrigação, portanto, afronta os dispositivos mencionados e


demonstra claramente a ilegalidade do ato impugnado, pois a Consulente não pode ser compelida a
cumprir obrigação impossível, quanto mais, sofrer penalidades indefinidamente por essa razão.

Assim, a obrigação deve ser considerada resolvida ou, quando menos, deve-se adotar o
procedimento previsto no §1º do art. 461 do CPC (LGL\1973\5), segundo o qual, quando se tornar
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EXIGIBILIDADE E REVISÃO

impossível a tutela específica ou o resultado prático equivalente, a obrigação se converterá em


perdas e danos.

Nesse sentido, aliás, a doutrina esclarece que as perdas e danos deverão ser apuradas em
liquidação, diante da necessidade de se provar fatos novos: “será necessário processo de liquidação
antes da execução, para que se defina o valor da indenização. (…) A definição da liquidação prévia
do quantum normalmente implicará o exame de fatos novos, não examinados no processo anterior
[art. 608], de modo que se adotará, em regra, o procedimento comum [sumário ou ordinário,
conforme o caso] do processo de conhecimento [609].”22

Esse procedimento colide, em tudo, com o que até aqui se determinou, seja pelo Juiz de 1.º grau,
que, apesar de corretamente converter a execução em perdas e danos, fixou como valor da
indenização o equivalente ao valor da multa, dispensando a quantificação real do dano; seja pelo
Relator que, de modo mais gravoso, entendeu que não seria o caso de realizar a conversão de
procedimento, determinando a continuidade da incidência da multa!

Como se verá no item seguinte, essa decisão colide totalmente com a finalidade da multa
cominatória, pois, se é impossível cumprir a obrigação, a incidência da multa de modo indefinido não
terá o efeito de compelir a Consulente ao seu cumprimento, ao contrário, exercerá função
reparatória, compensatória e punitiva, que não se admite.
2.4 A finalidade da multa cominatória e a possibilidade de revisão a qualquer momento

A ordem judicial que determina o adimplemento de uma obrigação de fazer ou não fazer pode ser
apoiada por medidas coercitivas, como a multa prevista no § 4.º do art. 461 do CPC (LGL\1973\5).23

Trata-se de um instrumento processual que visa a impelir o réu a satisfazer a obrigação, não tendo,
em absoluto, caráter reparatório, compensatório24 ou punitivo.25

Sua incidência pode ser determinada com periodicidade diária ou de acordo com outra unidade de
tempo, como permitem os §§ 4.º e 5.º do art. 461 do CPC (LGL\1973\5), o que deve ser definido de
acordo com o objeto da tutela e a eficácia coercitiva esperada da medida, levando-se em conta os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, expressos na letra da lei como “suficiência” e
“compatibilidade” da multa com a obrigação.

Nesse sentido, Eduardo Talamini explica que “a cominação de multa de periodicidade diária só é
adequada quando se está distante de deveres de fazer e de não fazer cuja violação não se exaure
em um único momento. Nos casos em que, inobservado o dever, torna-se, ato contínuo, impossível
sua consecução específica, não há que falar de multa por dia de descumprimento (mesmo porque o
meio coercitivo só pode incidir enquanto viável o cumprimento voluntário do dever). É o que se dá
com o dever de prestar fato que só é útil e eficaz - mantendo o interesse para o titular do direito - se,
devidamente cumprido em uma oportunidade exata (ex: obrigação de prestar um serviço em um
evento específico). Não havendo a sua observância nesse momento torna-se impossível por perda
de interesse objetivo (v. 13.2). Em hipóteses como essa, a cominação de multa por dia de
descumprimento carece de sentido, pois ou ocorre o cumprimento do dever de fazer, na exata
ocasião em que haveria de ocorrer, ou torna-se de imediato, impossível o resultado específico. O
mesmo se pode dizer dos deveres de não fazer cuja violação ocorra por ‘ato de eficácia instantânea’
(v. 7.4). Tome-se como exemplo o dever de não derrubar uma árvore de valor histórico e ambiental.
Em casos como esse, interessa evitar que se pratique a atividade vedada, de pouco adiantando
(nem sendo possível) a incidência diária de multa, depois que a violação, em um único instante, já
tiver ocorrido. Para tais situações, é necessária, em caráter preventivo, a imposição de multa de
valor fixo, que incidirá somente uma vez, se e quando houver a violação. Nessa hipótese, o que se
prestará a influenciar a conduta do réu não será a perspectiva de aumento progressivo da coerção
patrimonial em virtude de incidência diária, mas a ameaça da incidência única. Portanto, a
cominação haverá de ser estabelecida em valor significativo”26 - grifos nossos.

Para as obrigações consideradas pontuais, que se exaurem com uma única prestação ou abstenção
e, ainda, para aquelas em que mesmo havendo repetição, a obrigação não é de caráter continuativo,
é recomendável a aplicação da multa fixa - que consubstancia astreinte com momento único de
incidência: quando e se houver a violação.

Como se viu, a técnica tradicional de fixação de multa em periodicidade diária não é adequada para
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EXIGIBILIDADE E REVISÃO

diferentes tipos de fazeres ou não fazeres, que se objetiva sejam adimplidos pelo réu. Nas situações
em que a violação não tenha caráter continuado, a incidência da multa diária antes ou após o
momento em que a obrigação ou abstenção seria exigível leva apenas ao enriquecimento ilícito do
autor.27

Com efeito. É o que se verifica no caso em análise, em que, não obstante a busca e apreensão dos
bens tenha decorrido do exercício de direito da Consulente, que tem crédito em face da empresa Y,
ainda inadimplido, em razão da cominação equivocada de multa diária por descumprimento de
obrigação de fazer impossível, vê seu patrimônio injustamente atingido, em montante que supera R$
600.000!

Somente a inversão de procedimentos e o desvirtuamento de mecanismos processuais podem


justificar que, credor que venha a juízo buscar a satisfação de crédito contratual, veja-se compelido a
pagar, ao seu devedor originário, várias vezes esse valor, pelo descumprimento de obrigação
impossível - e o que é mais grave, criada a partir de equívocos de terceiros e omissão do proprietário
dos bens.

Os Tribunais, atentos a essa circunstância, têm adotado a cominação da multa fixa para eventos não
continuativos. Em caso em que a obrigação envolvia a exclusão de cobranças consideradas
indevidas de conta telefônica, entendeu-se que a incidência da multa em periodicidade diária era
inadequada (já que seria impossível o descumprimento diário da ordem!) e deveria, portanto, ser
fixada para cada evento: ”Cominação de multa diária. Impropriedade. Descumprimento que se
repete, isoladamente, apenas uma vez a cada trinta dias. Redução necessária, pois foi expedida
apenas uma fatura em desconformidade com a decisão liminar. Redução determinada pela sentença
compatível com a multa fixa por evento, ou seja, a cada fatura expedida em desconformidade com a
decisão, que deveria ter sido determinada”.28

Da íntegra desse julgado, colhe-se que: “A multa liminar foi cominada de forma atécnica, pois,
tratando-se de um evento fixo que se renova mensalmente, deveria ter sido cominada de forma fixa
com base na expedição de cada fatura em desconformidade com a decisão. Razoável, então, seria a
cominação de multa fixa de R$ 500,00 por cada fatura emitida em desconformidade com a decisão
judicial, ou seja, aquela fatura que computasse os serviços cuja cobrança fora vedada pela decisão.
A fixação da multa dessa forma obvia problemas como o ocorrido no caso em tela, em que é
impossível o descumprimento diário da decisão tendo em vista que o ato cuja proibição se pretende
ocorre uma vez a cada trinta dias”.

Além da periodicidade de incidência da multa, devem ser observados os princípios da


proporcionalidade e razoabilidade, de modo que o valor da multa, fixado unitariamente ou apurado
em sua totalidade (após incidência no caso concreto) se destine a coagir, e não a punir o devedor e,
tampouco, a compensar o credor pelo inadimplemento.29

A preocupação de que o valor da multa fixada seja adequado ao seu fim coercitivo é tão relevante,
que justificou a inserção do §6º ao art. 461 do CPC (LGL\1973\5), autorizando o juiz, de ofício, a
modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

Assim, o caráter mutável das astreintes é plenamente reconhecido pela doutrina30 e jurisprudência,31
considerando-se, ainda, que a imutabilidade da coisa julgada recai sobre a pretensão que foi
acolhida (para se obter determinado resultado específico), mas não sobre o valor da multa ou sua
imposição, ao contrário do que equivocadamente se entendeu na Decisão ora analisada.

Não se trata aqui de exceção à coisa julgada material, tampouco de coisa julgada submetida à
cláusula “rebus sic stantibus” (art. 471 do CPC (LGL\1973\5)),32 mas do fato de que a multa é
elemento acessório, isto é, medida de apoio ao cumprimento do comando judicial acobertado pela
coisa julgada. Desse modo, acolhendo o juiz pretensão formulada com base no art. 461 do CPC
(LGL\1973\5), fica desde logo autorizada a adoção de qualquer dos meios previstos na lei para
atuação desse comando.33

Por essa razão, a multa cobrada no caso subjacente a esta consulta sequer constitui crédito líquido,
certo e exigível, eis que ainda poderá ser objeto de redução pelo Juiz de 1.º grau quando do
julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença, para adequá-la aos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade, evitando o enriquecimento ilícito da parte.
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2.5 O princípio da menor onerosidade ao devedor

O art. 620 do CPC (LGL\1973\5) dispõe: “quando por vários meios o credor puder promover a
execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

O princípio expresso nesse dispositivo legal constitui também um limite político à execução e a
positivação do ideal de busca do equilíbrio entre os interesses das partes em conflito e dos valores
jurídicos muitas vezes contrapostos: de um lado, a necessidade de efetividade da ação executiva
como decorrência de um processo de resultados, para realizar o direito material, satisfazer as
pretensões justas dos litigantes ou obter a pacificação social; de outro, a preservação do patrimônio
do executado, com a adoção das medidas menos gravosas, o repúdio ao excesso de cobrança, a
justa avaliação dos bens penhorados, a rejeição de arrematações a preço vil, etc.

E, na verdade, ele nada mais é do que uma dimensão do princípio da proporcionalidade, que exige
uma ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido
ao bem respectivo na situação específica.34

Essa regra, de natureza ética, tem aplicação ao longo de todo processo executivo e pode ser
invocada sempre que se verifique que a execução forçada está ultrapassando os limites do que seria
indispensável à satisfação do direito do credor.35

O prestígio a esse princípio pode ser notado em diversas situações, em que, sopesando os valores e
as possibilidades em cada caso concreto, o julgador opta pela solução menos gravosa ao devedor.
Essa é a razão pela qual se entende como medida absolutamente excepcional a penhora sobre
faturamento de empresa [a que equivale a penhora de dinheiro pelo sistema Bacen-JUD], porque
capaz de prejudicar a continuidade do negócio, dependendo do montante em discussão.

Nesse sentido, o STJ registra que “na linha da jurisprudência firmada nesta Corte, a penhora sobre o
faturamento da empresa somente é admissível em hipóteses excepcionais, quando não há outros
meios para garantia da dívida, devendo a execução ser realizada da forma menos gravosa para o
devedor.36 Aliás, a mesma Corte foi ainda mais enfática em outra oportunidade, dispondo que “A
penhora sobre o faturamento de uma sociedade comercial deve ser a última alternativa a ser
adotada em um processo de execução, visto que implica verdadeiro óbice à existência da empresa”.
37

Também a partir da interpretação do art. 620 do CPC (LGL\1973\5)“firmou-se no STJ o entendimento


de que a ordem estabelecida no arts. 11 da Lei 6.830/1980 e 656 do CPC (LGL\1973\5) para a
nomeação de bens à penhora não tem caráter rígido, devendo sua aplicação atender às
circunstâncias do caso concreto, à potencialidade de satisfazer o crédito e à forma menos onerosa
para o devedor”.38

De tudo isso, fica a premissa de que a satisfação da prestação devida ao credor é um direito,
exercido, porém, na medida necessária à preservação de outros valores reputados mais relevantes
por sua repercussão social ou econômica.

No caso em apreciação, esses valores foram, sem sombra de dúvidas, ofendidos.

Veja-se que inexiste razão plausível - sequer declinada na decisão proferida no Agravo de
Instrumento - para se rejeitar a garantia do juízo ofertada pela Consulente por ‘seguro garantia
judicial’, substituindo-a por penhora em dinheiro, de montante superior a R$ 600.000!

Não se vislumbra qual o dano irreparável ou de difícil reparação sofrido pela empresa Y com a
aceitação dessa garantia, sobretudo porque é de fácil liquidação e não há nenhum indício de que a
Consulente não teria condições financeiras de saldar a dívida. Inexiste, ainda, urgência para a
empresa Y, eis que a impugnação ao cumprimento de sentença [na verdade, de decisão que fixou
astreintes] sequer foi apreciado pelo Juízo de 1.º grau, de modo que sequer houve, até o momento,
juízo positivo acerca da existência e exigibilidade do crédito pretendido.

Esse fato é reforçado, ainda, pela constatação de que a empresa Y somente reclamou a falta dos
bens mais de 12 meses após sua remoção reputada indevida.

Há, no entanto, periculum inverso, em favor da Consulente. Primeiro, porque a constrição de mais de
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R$ 600.000 em dinheiro, de sua conta corrente, limita sua disponibilidade financeira de modo
absolutamente desnecessário, impedindo a utilização dos recursos para outros relevantes fins
empresariais.

Segundo, porque a continuidade da incidência da multa - mesmo após ter restado incontroversa nos
autos a impossibilidade de restituição dos bens in natura - causará dano de dificílima reparação, pois
a cada dia o débito da Consulente crescerá, sem qualquer perspectiva de cessação, chegando a
valores absurdos e completamente desarrazoados.

Como se viu, admitir tal fato significa desconsiderar completamente o objetivo do instituto da tutela
específica expressa no art. 461 do CPC (LGL\1973\5), levando ao enriquecimento ilícito do credor.
3. Resposta aos quesitos

Analisados os dados que nos foram fornecidos, e alicerçado nos elementos jurídicos examinados
nos itens precedentes, aos quais nos reportamos, passo a manifestar minha opinião, em resposta
aos quesitos formulados.

1) A multa cominatória fixada nesse caso é exigível?

Não. Como se viu, a multa cominatória não pode ser cobrada, pois não houve intimação pessoal da
Consulente para cumprir a obrigação de fazer, em ofensa aos arts. 614, III e 572 do CPC
(LGL\1973\5) e a Súmula 410 (MIX\2010\1658) do STJ. Além disso, ela também é inexigível antes do
trânsito em julgado da Sentença que a confirma, nos termos dos arts. 586 e 618, I, do CPC
(LGL\1973\5).

2) Qual a solução jurídica adequada quando a obrigação torna-se impossível de ser cumprida?

A obrigação deve ser considerada resolvida ou, quando menos, convertida em perdas e danos, na
forma do art. 461, § 1.º do CPC (LGL\1973\5) e 248 e 250 do CC/2002 (LGL\2002\400). Nessas
circunstâncias, a sua aplicação não atende mais a finalidade do art. 461 do CPC (LGL\1973\5): coibir
a parte ao cumprimento da obrigação.

3) O valor que atingiu a multa, com o descumprimento da obrigação, pode ser revisto? Em quais
circunstâncias?

O valor da multa pode ser revisto a qualquer momento, até mesmo de ofício [não havendo que se
falar em coisa julgada quanto ao seu montante], em atenção aos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, sendo vedado o enriquecimento ilícito da parte adversa. Não se pode perder de
vista que a execução deve se dar de modo menos gravoso ao devedor, inexistindo razão para
justificar o indeferimento do ‘seguro garantia judicial’ e determinar a penhora de dinheiro.

Esse é o Parecer, s.m.j.

Curitiba, 10 de janeiro de 2011.

Luiz Rodrigues Wambier

1 Instituições de direito processual civil, 2. ed., vol. IV, n. 1623, p. 457.

2 Idem, op. cit., p. 457.

3 Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Forense, vol. 2, p. 256.

4 RSTJ 13/143, RT 494/157, 655/158, JTA 76/229.

5 REsp 1.815, 2.ª T., rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJ 05.03.1990, p. 1.406.

6 STJ, REsp 36.582-1/RS, 3.ª T., rel. Min. Cláudio Santos, DJ 18.10.1993, p. 877.

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7 STJ, REsp 115.064/MG, DJU 03.11.1999 (grifos nossos).

8 STJ, REsp 692.386/PB; REsp 2004/0131371-1, 1.ª T., j. 11.10.2005, rel. Min. Luiz Fux (1122), DJ
24.10.2005, p. 193.

9 TJRS, ApCiv 70017089152, 18.ª Câm. Civ, j. 26.10.2006, rel. Pedro Celso Dal Prá.

10 RJTJERGS 134/269.

11 MARINONI, Luiz Guilherme. Ação inibitória. São Paulo: Ed. RT, p. 181-182 (grifos nossos).

12 MUNIZ, Severino. Ações cominatórias. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 57 (grifos nossos).

13 ARRUDA ALVIM, Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) comentado, p. 402.

14 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000,
p. 181-182.

15 Processo 0181482-2, Ac 15588 6.ª Câm. Civ., j. 24.01.2006, rel. Des. Airvaldo Stela Alves, DJ
7062 (grifos nossos).

16 TAPR, ApCiv 232.320-8, j. 06.08.2003, rel. Juíza Dulce Maria Cecconi (grifos nossos).

17 STJ, REsp 115.064/MG, DJU 03.11.1999 (grifos nossos).

18 Orlando Gomes, Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 34.

19 TJRS, AgIn 70022186969, 5.ª Câm. Civ., j. 14.11.2007, rel. Paulo Sérgio Scarparo.

20 TJRS, ApCiv 70008036535, 1.ª Câm. Civ., j. 26.05.2004, rel. Niwton Carpes da Silva.

21 Processo 0277613-0/01, Ac 782, 10.ª Câm. Civ., j. 03.05.2005, rel. Antônio de Sá Ravagnani, DJ
6877.

22 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer. São Paulo: Ed. RT, 2001,
p. 337.

23 Art. 461, § 4.º do CPC (LGL\1973\5): “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação
de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (…) O
juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente do pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe
prazo razoável para o cumprimento do preceito.”

24 Como entende de modo consolidado a doutrina: WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela
específica das obrigações de fazer e não fazer. In: TEI-XEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.)
Reforma do Código de Processo Civil (LGL\1973\5). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 47; GRINOVER,
Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. In: TEIXEIRA, Sálvio de
Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil (LGL\1973\5). São Paulo: Saraiva, 1996,
p. 256; CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao CPC (LGL\1973\5). 6. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1991. vol. III, n. 145, p. 229; DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 3. ed.
São Paulo, 1993, p. 102.

25 Guilherme Rizzo Amaral, sobre o tema, comenta que “é evidente o desvirtuamento da função das
‘astreintes’, que deixam de assumir caráter coercitivo para adquirir feição punitiva. A multa, em
verdade, puniu o demandado pelo atraso que ocorreu anteriormente à decisão judicial, ou seja, pelo
fato de o réu ter iniciado o cumprimento da obrigação tão somente quando a decisão assim lhe
impôs, e não antes. Tratava-se de aplicação de medida punitiva e retroativa, o que não se coaduna
com a sistemática das ‘astreintes’ até aqui apresentada.” As astreintes e o processo civil brasileiro.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 133. Nesse sentido é o entendimento de Fabiano
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ASTREINTES: QUESTÕES RELATIVAS À SUA
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Carvalho, Execução da multa (astreintes) previstas no art. 461 do CPC (LGL\1973\5). Revista de
processo. n. 114. p. 211-219. São Paulo: Ed. RT, mar.-abr. 2004.

26 Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de
coisa (CPC (LGL\1973\5), arts. 461 e 461-A; CDC (LGL\1990\40), art. 84). 2. ed. São Paulo: Ed. RT,
2003. p. 242-243.

27 “Destaca-se que, como regra geral, as astreintes são fixadas pro dia de atraso. Mas nada obsta
que seja utilizada outra medida de tempo. O que não se pode perder de vista é que as astreintes têm
por finalidade atuar sobre o ânimo do requerimento, coagindo-o, para que ele cumpra a obrigação.
Pretende-se neste ensejo, realizar um estudo meticuloso das astreintes e o processo civil brasileiro,
procurando sistematizá-la à luz do nosso sistema processual. (…) As astreintes podem ser fixadas
para incidência diária ou para qualquer outra unidade de tempo, O magistrado, assim, poderá até
mesmo utilizar a hora como unidade para fins de incidência da multa. Ex.: o juiz determina que o
requerido retire da programação da TV um determinado programa, sob pena de, não o fazendo,
incidir multa de mil reais por hora de atraso. A cominação de astreintes, portanto, não está limitada a
unidade dia. Daí o porquê de, modernamente, certo segmento da doutrina se referir às astreintes
como multa periódica. (…) A legislação processual não prevê um critério para fixação do valor
astreintes. De qualquer modo, o critério a ser utilizado para mensuração do valor da multa é o da
proporcionalidade e da razoabilidade. Por outras palavras: o magistrado deve fixar a multa
valendo-se do critério do razoável e do proporcional, Isso significa dizer que o valor da mula não
pode ser nem muito exíguo e nem excessivo. A multa deve ser fixada em importe adequado ao caso
concreto. Daniel Roberto Hertel, Sistematização das astreintes à luz do processo civil brasileiro.
Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2007.vol. 51. p. 43.

28 Recurso Cível 71001773787, 2.ª Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, j. 26.11.2008, rel.
Maria José Schmitt Sant Anna.

29 “Contudo, embora a multa não tenha valor predeterminado ou definido, ela deve guarda certa
proporção com a obrigação inadimplida, que lhe permita desempenhar o papel de coercibilidade, em
consonância com os critérios de suficiência e compatibilidade. “Suficiente para induzir o devedor a
adimplir, pelo que variará em função da capacidade econômica do devedor, mais do que em função
da natureza da obrigação, mas essa correção não pode alcançar o excesso, devendo cingir-se ao
compatível”. Fabiano Carvalho, Execução da multa (astreintes) previstas no art. 461 do CPC
(LGL\1973\5). Revista de Processo. n. 114. p. 211-219. São Paulo: Ed. RT, mar.-abr. 2004.

30 “Ora, se a multa já assumiu valor despropositado, e assim não se constitui mais em meio de
pressão sobre a vontade do réu, não há razão para não admitir a redução do seu valor, tornando-o
compatível com a situação concreta posta em juízo. Reduzindo-se o valor da multa que se tornou
despropositado, e dando-se ao inadimplente nova oportunidade de adimplir a sua obrigação,
reafirma-se a função da multa, que é a de compelir o demandado a adimplir, e não de retirar
patrimônio do demandado para - o que é pior - permitir o enriquecimento sem justificativa do autor”
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Específica: arts. 461, CPC (LGL\1973\5) e 84, CDC (LGL\1990\40).
São Paulo: Ed. RT, 2001, p. 112-113. E ainda: “Indaga-se sobre a possibilidade de alteração do valor
da multa ex officio. Na verdade, como visto, as astreintes devem ser fixadas com base nos princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade. Se o valor da multa, de qualquer modo, não estiver
adequado ao caso concreto, nada obsta que o magistrado modifique o seu valor. A alteração do
valor da multa, então, pode ser feita de ofício pelo magistrado. Com efeito, havendo novos elementos
nos autos que conduzam o julgador à necessidade de modificação do valor da multa, posto que não
requerido pela parte, poderá o juiz ex officio modificá-lo. (…) Ademais, pode-se mesmo dizer que a
decisão que fixa as astreintes contém ínsita a cláusula rebus sic stantibus processual, de sorte que,
havendo modificações na situação fática, nada impede que o magistrado de ofício adapte o seu valor
às peculiaridades do caso concreto.” Daniel Roberto Hertel, Sistematização das astreintes à luz do
processo civil brasileiro. Revista Dialética de Direito Processual. vol. 51. p. 43. São Paulo: Dialética,
2007.

31 “Condenação que não tem natureza reparatória. A multa na obrigação de fazer se destina a
coagir o devedor da obrigação ao seu cumprimento, certo que a stipulatio poenae não se reveste de
caráter aere perennius, transmudando-se em fonte inesgotável de ganho sem justa causa, tanto mais
quando não tem natureza reparatória” (RT 685/200). O TJRS decidiu que: “A multa cominada para o
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atraso no cumprimento da prestação admite revisão a qualquer tempo, podendo o juiz aumentá-la ou
reduzi-la de ofício ou alterar sua peridiocidade, quando se tornar insuficiente ou excessiva, nos
termos do § 6.º do art. 461 do CPC (LGL\1973\5). 3. A possibilidade de redução das astreintes
encontra amparo no princípio da proporcionalidade e no § 6.º do art. 461 do CPC (LGL\1973\5). 4. O
valor das astreintes não pode superar o valor concedido na ação à parte autora, a título de
indenização, sob pena de representar onerosidade excessiva e desproporcional ao demandado, ora
agravante, em afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com o consequente
enriquecimento da parte contrária. Precedentes do STJ e do Tribunal de Justiça do Estado. Agravo a
que se dá parcial provimento nos termos do § 1.º-A do art. 557 do CPC (LGL\1973\5). TJRS, AgIn
70034625467, 20.ª Câm. Civ., j. 09.02.2010, rel. Carlos Cini Marchionatti.

32 “Nenhum juiz decidirá novamente questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I. se,
tratando de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso
em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença.”

33 Essa é a posição, por exemplo, de Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e não
fazer. São Paulo: Ed. RT, 2001, p. 250.

34 Esse é o raciocínio que desenvolvi, em outro espaço: “Ao lado da preocupação com a efetividade
da execução em prol do credor, deve-se buscar sempre o caminho menos oneroso para o devedor.
(…) O disposto no art. 620 não é mais do que desdobramento do princípio da proporcionalidade, que
permeia todo o direito (não só o processual). Pelo princípio da proporcionalidade, sempre que houver
a necessidade de sacrifício de um direito em prol de outro, esta oneração há de cingir-se aos limites
do estritamente necessário.” Curso avançado de processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2008. vol. 2, p.
152-153, em co-autoria com Eduardo Talamini.

35 Esse entendimento é encontradiço na doutrina que se debruça sobre o tema: “Este princípio - sim,
é um princípio - previsto no art. 620 do CPC (LGL\1973\5) é voltado francamente à proteção do
executado, e, não obstante o seu campo de incidência exigir sua análise de ofício pelo magistrado ao
longo de toda a execução civil, é claro que o devedor poderá invocá-lo sempre que a execução civil
estiver sendo realizada por meio mais gravoso ao executado, isto é, por meio dispensável ou que
ultrapasse os limites do indispensável. Portanto, ratificando, esse princípio (menor gravosidade
possível na execução) deve nortear a realização da tutela executiva justamente porque não é justo
nem legítimo submeter o executado (seu patrimônio) a uma situação de maior onerosidade do que a
que seria indispensável para a satisfação do direito do exequente. Por outro lado, é importante deixar
claro que esse princípio não autoriza que o executado possa dele se valer para trazer alegações
metajurídicas do tipo: a execução é absurda; ficará na penúria; o credor não precisa do dinheiro, etc.
Enfim, as mazelas da vida não devem ser suportadas pelo exequente.” Marcelo Abelha Rodrigues,
Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 55. E ainda: “A ninguém
será lícito negar os valores que estão à base da evolução dos sistemas executivos, que vieram da
execução corporal romana, passaram para a execução universal da missio in bona, tiveram
momentos de infâmia ao insolvente na Idade Média e chegaram ao pleno respeito à pessoa e
patrimônio do devedor, como hoje se vê (v. esp. A chamada lei do bem de família e art. 620 CPC
(LGL\1973\5)). Evitar execuções forçadas que sacrifiquem o devedor além do indispensável à plena
satisfação do credor.” Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
p. 99.

36 REsp 908.983/SP, rel. Min. Eliana Calmon, 2.ª T., j. 06.11.2008, DJe 26.11.2008. Também: “A
jurisprudência desta Corte admite que a penhora recaia sobre o faturamento de empresa somente
em hipóteses excepcionais, porquanto a execução deve ser feita do modo menos gravoso à
executada (art. 620 do CPC (LGL\1973\5)) AGA 297.918/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ
11.09.2000, p. 00249 e REsp 485.512/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª T., j. 04.12.2003, DJ
25.02.2004, p. 182. No mesmo sentido: “As Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal
têm admitido a penhora sobre o faturamento da empresa, desde que, cumuladamente: a) o devedor
não possua bens ou, se os possuir, sejam esses de difícil execução ou insuficientes a saldar o
crédito demandado, b) haja indicação de administrador e esquema de pagamento (art. 677 do CPC
(LGL\1973\5)) e c) o percentual fixado sobre o faturamento não torne inviável o exercício da atividade
empresarial. REsp 782.901/SP, 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.05.2008, DJe 20.06.2008. O
TJSP adota a mesma posição: “Em execução fiscal, quando a ordem da nomeação de bens à
penhora prevista no art. 11 da Lei 6.830/1980 é descumprida pelo devedor, submete-se à aceitação
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ASTREINTES: QUESTÕES RELATIVAS À SUA
EXIGIBILIDADE E REVISÃO

ou não da Fazenda Pública, que somente pode recusá-los havendo motivos razoáveis - Embora a
execução fiscal se processe no interesse do credor, em vista da satisfação do débito cobrado, não é
menos verdade, que a execução deve-se dar da forma menos gravosa para o executado, em nome
do princípio da preservação da empresa. TJSP, AgIn 5309685500, j. 17.08.2006, rel. Moreira de
Carvalho.

37 REsp 594.927/RS, 2.ª T., j. 04.03.2004, rel. Min. Franciulli Netto., DJ 30.06.2004, p. 320.

38 REsp 346.212/SP, 2.ª T., j. 15.12.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 20.02.2006, p. 260.

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