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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000914616

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


2183241-74.2022.8.26.0000, da Comarca de Poá, em que é agravante
ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA VILA VARELA, são agravados CLEMILTON LOPES
ESTEVÃO e CLEMILTON LOPES ESTEVÃO 26055874783.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SALLES ROSSI


(Presidente) E PEDRO DE ALCÂNTARA DA SILVA LEME FILHO.

São Paulo, 7 de novembro de 2022.

CLARA MARIA ARAÚJO XAVIER


Relatora
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Agravo de Instrumento nº 2183241-74.2022.8.26.0000


Comarca: Poá (1ª Vara Cível)
Agravante: Associação Atlética Vila Varela
Agravados: Clemilton Lopes Estevão e Outro
Juiz de Direito: Henrique Berlofa Villaverde

Voto nº 13659

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE


SENTENÇA. ADOÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS
ATÍPICAS. SUSPENSÃO DE CNH. RETENÇÃO DE
PASSAPORTE. BLOQUIO DOS CARTÕES DE
CRÉDITO. POSSIBILIDADE. Decisão que indeferiu as
medidas coercitivas de suspensão de CNH, apreensão do
passaporte e bloqueio dos cartões de crédito do executado.
Inconformismo da exequente, insistindo na pretensão
deduzida. Cabimento. Execução que se dá no interesse do
exequente (art. 797, 'caput', do CPC). Diante da inércia do
executado, e esgotadas as tentativas de localização de bens
do devedor, incumbe ao juiz determinar todas as medidas
indutivas e coercitivas que assegurem o cumprimento da
ordem judicial, qual seja, a satisfação do crédito exequendo.
Credor que tem direito às providências que induzam ou
forcem o devedor a pagar a dívida, bem como que obstem a
prática de manobras fraudulentas, com nítida intenção de
furtar-se ao cumprimento de sua obrigação. Na aplicação do
ordenamento jurídico, deve o magistrado resguardar a
dignidade da pessoa humana, a razoabilidade e a eficiência.
Intelecção do art. 139, II, III e IV, do CPC. Requerimento
de bloqueio de cartões de crédito de titularidade do devedor
que se mostra cabível. Medidas de suspensão da CNH e de
retenção do passaporte que têm sido reconhecidas como
válidas. Precedentes do E. STJ. Decisão reformada.
RECURSO PROVIDO.

Vistos.

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela


ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA VILA VARELA contra a r. decisão copiada às fls.
21/23 que, nos autos do cumprimento de sentença manejado em face de
CLEMILTON LOPES ESTEVÃO e CLEMILTON LOPES ESTEVÃO

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26055874873, assim deliberou:

“Pretende o exequente, visando perseguir seu crédito e


efetivar o cumprimento da sentença/execução a imposição de
medidas coercitivas ao executado, consistentes em suspensão da
sua CNH, passaporte e de seus cartões de crédito.

Conquanto o pedido do credor tenha embasamento no


novo comando processual civil, previsto no artigo 139, inciso IV,
do CPC, impõe-se a interpretação da norma infraconstitucional de
acordo com a ordem constitucional e a restrição pretendida.

Impende mencionar que as medidas restritivas poderiam


acarretar, em tese, o cumprimento da sentença. Contudo, de outro
lado, o resultado causará impedimentos ao exercício de direitos
individuais assegurados pela Constituição Federal, dentre eles o
direito de ir e vir.

A medida é desarrazoada e não se mostra hábil à


persecução do crédito.

Pelo exposto, indefiro o pedido. (...)”

Inconformada, a agravante defende que todas as medidas


expropriatórias requeridas até então mostraram-se infrutíferas, aduzindo que a parte
agravada sequer esclarece ao juízo singular as razões de sua inércia em promover a
satisfação do débito, deixando de apresentar qualquer justificativa e se recusando a
entregar o veículo penhorado ao Oficial de Justiça. Aponta, ademais, que o agravado,
enquanto presidente executivo da agravante, valeu-se de seu cargo para desviar
recursos financeiros da associação, o que evidenciaria fundamentaria a adoção de
medidas coercitivas atípicas para compelir o devedor ao devido pagamento. Em
seguida, colaciona jurisprudência em abono à tese deduzida, pugnando, ao final, a
reforma da r. decisão agravada, a fim de que seja deferida a suspenção da CNH do
executado, a retenção de seu passaporte e os bloqueios de seus cartões de crédito.

Recurso regularmente processado, com recolhimento do

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preparo recursal (fls. 29/30), respondido (fls. 111/115) e sem oposição ao julgamento
virtual.

É, em síntese, o relatório.

Cuida-se de cumprimento de sentença em ação de exigir


contas, na qual o executado, ora agravado, figura como devedor da quantia de R$
294.130,06 (atualizado até outubro de 2022), além de custas, despesas processuais e
honorários advocatícios sucumbenciais. Intimado para o pagamento, o executado
permaneceu inerte, ensejando a realização de pesquisas pelo SISBAJUD, INFOJUD,
RENAJUD etc., as quais, por sua vez, restaram infrutíferas. Na sequência, a
exequente requereu a suspensão da CNH do executado, a apreensão do seu
passaporte, bem como o bloqueio de seus cartões de crédito. Adveio, então, a r.
decisão questionada, integrada pela decisão de fls. 576 dos autos de origem, as quais
indeferiram as medidas atípicas requeridas.

Isto posto, é preciso destacar que o princípio fundamental


da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, inciso III, da Constituição
Federal, deve ser analisado tanto sob a ótica do credor quanto do devedor.

Outrossim, a Carta Magna de 1988, em seu art. 5º inciso


XXXV, prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”, o que é replicado no art. 3º, caput, do CPC.

Nessa perspectiva, se está havendo lesão ao direito do


credor, marcadamente quando o devedor nem se digna a justificar a impossibilidade
de cumprir a sua obrigação, é dever do juiz resguardar e aplicar o princípio da
eficiência e efetividade do processo em prol do interesse do exequente (art. 8º c.c. art.
797, CPC), sendo que a efetividade da jurisdição se conjuga com o direito da parte de
obter “em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade
satisfativa” (art. 4º do CPC; art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88).

Como se sabe, é certo que a obrigação de pagar quantia


certa deve ser cumprida com os bens do devedor (art. 789 do CPC; art. 391 do

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Código Civil). Todavia, para forçar e estimular o devedor a pagar, é preciso que se
adotem técnicas que atuem sobre a sua vontade, para que cumpra a obrigação
original ou principal.

Nessa linha, consoante estabelece o art. 139, incisos II, III


e IV, do Estatuto Processual vigente:
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as
disposições deste Código, incumbindo-lhe:
II - velar pela duração razoável do processo;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à
dignidade da justiça e indeferir postulações meramente
protelatórias;
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham
por objeto prestação pecuniária”.

Dito isso, no que concerne à medida de bloqueio de


cartões de crédito, esta é plenamente compatível e pertinente com a obrigação de
pagar quantia e tem o condão de persuadir o executado a saldar sua dívida.

Tal providência constitui mecanismo indutivo ao


cumprimento da obrigação, uma vez que pode servir de estímulo ao devedor, para
que saia de sua cômoda situação de apatia e se digne a comparecer a juízo e cumprir
a sua obrigação.

A partir do momento em que a liberdade do devedor, de


gastar com outras coisas via cartão de crédito, se mostre limitada, tal restrição tende a
fazer com que ele se lembre de que tem dívida vencida a pagar.

Na medida em que o devedor paga as faturas do cartão de


crédito, pode estar desviando recursos para saldar as dívidas pretéritas, vencidas e
judicializadas, como ocorre no caso em apreço.

Ao que se entende, não é justo nem jurídico impor ao


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credor o ônus de suportar o descaso do devedor, sendo dever do Poder Judiciário, até
em obediência à garantia constitucional do acesso à Justiça, impor medidas indiretas,
de natureza coercitiva, que instiguem ou estimulem o demandado a atender ao
chamado judicial.

Como dito anteriormente, o princípio da dignidade da


pessoa humana é de ser observado, tanto para o credor como para o devedor,
compatibilizando-o com o princípio da proporcionalidade diante das peculiaridades
do caso concreto.

Na espécie, respeitado e preservado entendimento em


sentido diverso, não cabe cogitar o princípio da menor gravosidade ao devedor,
disposto no art. 805, caput, do CPC, que diz que:

“Quando por vários meios o exequente puder promover a


execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso
para o executado.”

Isso, porque, nos termos do parágrafo único do referido


artigo, é dever do executado indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos
para a promoção da execução.

Além disso, tal princípio visa proteger o devedor, de modo


a lhe assegurar condições mínimas de sobrevivência, resguardando a sua dignidade
como pessoa humana. Entretanto, não existe para proteger o devedor que procede
com menosprezo à justiça, com total pouco-caso às suas obrigações. Igualmente, não
pode ser invocado como manto protetor àquele que se vale de manobras ardilosas,
fraudulentas, escamoteando seus bens e, por vezes, levando um padrão de vida
incompatível com as suas obrigações pecuniárias.

Pode-se argumentar que é preciso garantir ao devedor seus


direitos fundamentais. No entanto, antes de se efetivar tal medida, nem se sabe ainda,
com precisão, se tais garantias, ditas “fundamentais”, estariam sendo ofendidas.

No tocante ao pedido de suspensão da Carteira Nacional

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de Habilitação e de retenção do passaporte do agravado, o Egrégio Superior


Tribunal de Justiça tem reconhecido a validade de tais medidas. É o que se observa
do julgado a seguir:

“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO


EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE
DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL.
DESCABIMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS
ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO.
DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM
OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. 1. Ação
distribuída em 1/4/2009. Recurso especial interposto em
21/9/2018. Autos conclusos à Relatora em 7/1/2019. 2. O
propósito recursal é definir se a suspensão da carteira
nacional de habilitação e a retenção do passaporte do
devedor de obrigação de pagar quantia são medidas
viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do
processo executivo. 3. A interposição de recurso especial
não é cabível com base em suposta violação de dispositivo
constitucional ou de qualquer ato normativo que não se
enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no
art. 105, III, "a" da CF/88. 4. O Código de Processo Civil
de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade
ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao
juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art.
139, IV). 5. A interpretação sistemática do ordenamento
jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza
a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva,
independentemente de balizas ou meios de controle
efetivos. 6. De acordo com o entendimento do STJ, as
modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca
da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância
poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas
sendo possível a implementação de comandos não
discricionários ou que restrinjam direitos individuais de
forma razoável. Precedente específico. 7. A adoção de
meios executivos atípicos é cabível desde que,
verificando-se a existência de indícios de que o devedor

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possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam


adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que
contenha fundamentação adequada às especificidades
da hipótese concreta, com observância do contraditório
substancial e do postulado da proporcionalidade. (...)”
(REsp 1788950/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe
26/04/2019).

Por oportuno, convém a transcrição de trecho do voto de


S. Exa., a Ministra Relatora, que esclarece, de forma impecável, a utilidade a que se
presta a aplicação das medidas executivas atípicas:

“(...) Trata-se das chamadas medidas executivas atípicas,


previstas no art. 139, IV, do novo Código, cláusula geral que conf
ere poder ao julgador para a adoção de meios necessários à
satisfação da obrigação não delineados previamente no diploma
legal.

O legislador optou, desse modo, por abandonar o


princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses
envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas
executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do
processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso
e com as exigências necessárias à tutela do direto material.

A atipicidade dos meios executivos, portanto, 'defere ao


juiz o poder-dever para determinar medidas de apoio tendentes a
assegurar o cumprimento de ordem judicial, independentemente do
objeto da ação processual' (ALVIM, Angélica Arruda (Coord.).
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,
2016, p. 214 - sem destaque no original). (...)”

Nesse mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM HABEAS

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CORPUS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA


MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. CABIMENTO.
RESTRIÇÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. SUSPENSÃO
DA CNH. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO.
VIOLAÇÃO DIRETA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS
DA RESOLUÇÃO INTEGRAL DO LITÍGIO, DA BOA-
FÉ PROCESSUAL E DA COOPERAÇÃO. ARTS. 4º, 5º
E 6º DO CPC/15. INOVAÇÃO DO NOVO CPC.
MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV,
DO CPC/15. COERÇÃO INDIRETA AO PAGAMENTO.
POSSIBILIDADE. SANÇÃO. PRINCÍPIO DA
PATRIMONIALIDADE. DISTINÇÃO.
CONTRADITÓRIO PRÉVIO. ART. 9º DO CPC/15.
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, § 1º, DO
CPC/15. COOPERAÇÃO CONCRETA. DEVER.
VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA MENOR
ONEROSIDADE. ART. 805, PARÁGRAFO ÚNICO, DO
CPC/15. ORDEM. DENEGAÇÃO. 1. Cuida-se de habeas
corpus por meio do qual se impugna ato supostamente
coator praticado pelo juízo do primeiro grau de jurisdição
que suspendeu a carteira nacional de habilitação e
condicionou o direito do paciente de deixar o país ao
oferecimento de garantia, como meios de coerção indireta
ao pagamento de dívida executada nos autos de
cumprimento de sentença. (...) 4. A suspensão da Cart eira
Nacional de Habilitação não configura dano ou risco
potencial direto e imediato à liberdade de locomoção do
paciente, devendo a questão ser, pois, enfrentada pelas
vias recursais próprias. Precedentes. (...) 6. O processo
civil moderno é informado pelo princípio da
instrumentalidade das formas, sendo o processo
considerado um meio para a realização de direitos que
deve ser capaz de entregar às partes resultados idênticos
aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo
das normas jurídicas. 7. O CPC/15 emprestou novas cores
ao princípio da instrumentalidade, ao prever o direito das
partes de obterem, em prazo razoável, a resolução integral
do litígio, inclusive com a atividade satisfativa, o que foi
instrumentalizado por meio dos princípios da boa-fé
processual e da cooperação (arts. 4º, 5º e 6º do CPC), que
também atuam na tutela executiva. 8. O princípio da boa-
fé processual impõe aos envolvidos na relação jurídica
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processual deveres de conduta, relacionados à noção de


ordem pública e à de função social de qualquer bem ou
atividade jurídica. 9. O princípio da cooperação é
desdobramento do princípio da boa-fé processual, que
consagrou a superação do modelo adversarial vigente no
modelo do anterior CPC, impondo aos litigantes e ao juiz
a busca da solução integral, harmônica, pacífica e que
melhor atenda aos interesses dos litigantes. 10. Uma das
materializações expressas do dever de cooperação está no
art. 805, parágrafo único, do CPC/15, a exigir do
executado que alegue violação ao princípio da menor
onerosidade a proposta de meio executivo menos gravoso
e mais eficaz à satisfação do direito do exequente. 11. O
juiz também tem atribuições ativas para a concretização da
razoável duração do processo, a entrega do direito
executado àquela parte cuja titularidade é reconhecida no
título executivo e a garantia do devido processo legal para
exequente e o executado, pois deve resolver de forma
plena o conflito de interesses. 12. Pode o magistrado,
assim, em vista do princípio da atipicidade dos meios
executivos, adotar medidas coercitivas indiretas para
induzir o executado a, de forma voluntária, ainda que não
espontânea, cumprir com o direito que lhe é exigido. 13.
Não se deve confundir a natureza jurídica das medidas de
coerção psicológica, que são apenas medidas executivas
indiretas, com sanções civis de natureza material, essas
sim capazes de ofender a garantia da patrimonialidade da
execução por configurarem punições ao não pagamento da
dívida. 14. Como forma de resolução plena do conflito de
interesses e do resguardo do devido processo legal, cabe
ao juiz, antes de adotar medidas atípicas, oferecer a
oportunidade de contraditório prévio ao executado,
justificando, na sequência, se for o caso, a eleição da
medida adotada de acordo com os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade. 15. Na hipótese em
exame, embora ausente o contraditório prévio e a
fundamentação para a adoção da medida impugnada, nem
o impetrante nem o paciente cumpriram com o dever que
lhes cabia de indicar meios executivos menos onerosos e
mais eficazes para a satisfação do direito executado,
atraindo, assim, a consequência prevista no art. 805,
parágrafo único, do CPC/15, de manutenção da medida
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questionada, ressalvada alteração posterior. 16. Recurso


em habeas corpus desprovido.” (RHC 99.606/SP, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 13/11/2018, DJe 20/11/2018).

Com isso, entende-se que, considerando as especificidades


do caso concreto, é perfeitamente cabível a suspensão da Carteira Nacional de
Habilitação e a retenção do passaporte do agravado, bem como o bloqueio de seus
cartões de crédito.

Daí porque, ante todo o exposto, pelo meu voto, nos


termos supraconsignados, DOU PROVIMENTO AO RECURSO.

Clara Maria Araújo Xavier


Relatora

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