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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2023.0000543764

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de


Instrumento nº 2085020-22.2023.8.26.0000, da Comarca de Salto, em
que é agravante MARCONDES E DURAN ADVOGADOS ASSOCIADOS e
agravada AUDILAB INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ALTO FALANTES LTDA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara


Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso, decretando,
de ofício, a falência da recuperanda, com determinação. V. U.", de
conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO


NEGRÃO (Presidente) E NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA.

São Paulo, 30 de junho de 2023.

GRAVA BRAZIL
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 2085020-22.2023.8.26.0000


AGRAVANTE: MARCONDES E DURAN ADVOGADOS ASSOCIADOS
AGRAVADA: AUDILAB INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ALTO
FALANTES LTDA.
INTERESSADO: CAPITAL ADMINISTRADORA JUDICIAL
COMARCA: SALTO
JUIZ PROLATOR: CLAUDIO CAMPOS DA SILVA

Agravo de Instrumento. Recuperação Judicial. Decisão que


negou penhora, ordenada pelo Juízo da execução de
crédito extraconcursal. Inconformismo do credor. Não
acolhimento. Embora tenha ficado claro, após a última
reforma legislativa, que a competência do Juízo da
recuperação suspender constrições sobre o patrimônio da
devedora, inclusive quando se trate de “bem de capital”,
não deve ultrapassar o período de vigência do “stay
period”, a situação peculiar exige a intervenção. Isso
porque, o próprio credor extraconcursal admite que
pretende o levantamento de numerário fruto da venda de
ativos da recuperanda, com destinação prevista no plano,
como meio de liquidação dos credores concursais.
Estranha o fato de tal valor ainda permanecer nos autos,
depois de quase 2 (dois) anos, sem destinação aos
concursais, mas a falha não permite a apropriação pelo
extraconcursal. A rejeição do pedido recursal também se
justifica diante da necessária intervenção, de ofício, desta
C. Câmara, para decretar a convolação da recuperação
judicial em falência, diante da constatação de que o plano
está descumprido e da paralisação, há muito, da atividade
empresarial. Recuperação judicial distribuída há 10 (dez)
anos, plano aprovado no final do ano de 2015 e
homologado em julho de 2016, sem que se verifique, até
agora, sequer o pagamento da Classe I, marcada para o
primeiro ano pós-homologatório. Convolação da
recuperação em falência, nos termos dos arts. 54, 73, IV,
e 94, III, “f”, da Lei n. 11.101/2005. As providências do
art. 99, da lei de regência, deverão ser tomadas pelo i.
Juízo de primeira instância. Recurso desprovido,

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convolando-se, de ofício, a recuperação judicial em


falência, com determinação.

VOTO Nº 36738

1. Trata-se de agravo de instrumento tirado de r.


decisão que, na recuperação judicial de Audilab Indústria e
Comércio de Alto Falantes Ltda., indeferiu o pedido de fls.
4.915/4.918, de origem, formulado por Marcondes e Duran
Advogados Associados, que, intitulando-se credora
extraconcursal e titular de penhora na recuperação, visava o
levantamento da quantia de R$200.000,00, depositada nos
autos. Confira-se fls. 5.054, item 2, de origem.

Inconformada, a casa de advogados argumenta,


em suma, que, tratando-se de crédito extraconcursal (tal
classificação teria sido reconhecida nos autos dos ED n.
2223228-54.2021.8.26.0000/50000, acolhidos em 05.05.2022,
pela C. 25ª Câm. de Dir. Privado desta C. Corte, sob a rel. do
Des. Hugo Crepaldi), de natureza alimentar (Súmula n. 47, do
C. STJ) e que autorizou penhora no rosto dos autos da
recuperação, não há o que impeça o imediato levantamento.
Diz, no mais, que tal quantia, depositada a fls. 4.344/4.353, de
origem e advinda da venda de maquinários da recuperanda,
sequer foi pleiteada por ela, razão por que não deve ser
considerada essencial.

Requer, por tais argumentos, seja autorizado o

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levantamento, em seu favor, do aludido valor, ou,


alternativamente, que se determine a remessa ao Juízo da
execução (processo n. 0002069-47.2017.8.26.0248).

O recurso foi processado sem tutela antecipada


recursal, não pleiteada (fls. 124/125). A contraminuta foi
juntada a fls. 133/135. Manifestação da administradora judicial
a fls. 128/131, opinando pelo desprovimento do recurso.

A r. decisão agravada e a prova da intimação


encontram-se a fls. 41 e 42. O preparo foi recolhido (fls.
12/13).

Ouvido, o Ministério Público posicionou-se pelo


desprovimento do recurso (fls. 139/143).

A agravada foi concitada, por este Relator, a se


manifestar sobre eventual convolação da recuperação em
falência (fls. 146), tendo informado, a fls. 149/150, que o
dinheiro que o agravante pretende deve ser destinado ao
pagamento dos credores habilitados. Ademais, considera que
não se deve cogitar em convolação em falência, pois está se
esforçando para liquidar os credores, tanto que apresentou,
recentemente, aditivo ao plano.

É o relatório do necessário.

2. A r. decisão recorrida foi proferida no seguinte


contexto.

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O crédito detido pela agravante é dividido em


duas porções: primeira, no valor de R$1.467.808,25, oriundo
de cessão de crédito recebida de EBF Vaz Indústria e Comércio
Ltda., em 12.01.2017; segunda, no importe de R$146.780,82,
com origem nos honorários de sucumbência, ora fixados no
cumprimento de sentença em 10% sobre o crédito cedido.

No julgamento do AI n.
2223228-54.2021.8.26.0000, a C. 25ª Câm. de Dir. Priv., sob a
relatoria do Des. Hugo Crepaldi, da execução do aludido
crédito, foi definido que seria integralmente concursal, o que
levou ao não conhecimento, por esta C. Turma Julgadora, sob
esta Relatoria, em 07.04.2022, do AI n.
2002569-71.2022.8.26.0000, que versava sobre pedido de
reserva na recuperação judicial. Mais tarde, porém, em
05.05.2022, aquela C. Câmara acolheu embargos de declaração
para determinar “que o cumprimento de sentença prossiga tão
somente quanto à verba honorária, tendo em vista o seu caráter
extraconcursal. Quanto às demais verbas exequendas, fica mantido o
provimento do recurso para extinguir parcialmente o cumprimento de
sentença e determinar que a credora se valha da habilitação do crédito

novado perante o Juízo da Recuperação Judicial” (v. aresto a fls.

4.737/4.742, de origem, destaque não original).

Daí, então, o i. Juízo da execução ordenou que


fosse retificada a penhora no rosto dos autos da recuperação,
até o limite de R$304.718,83, valor correspondente aos

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honorários de sucumbência. O ofício correspondente está a fls.


4.736, de origem.

Concitada a se manifestar, a agravante pleiteou,


logo, a liberação, em seu favor, de R$200 mil, “decorrente da
venda de um equipamento da recuperanda” (fls. 4.915/4.918, de

origem).

O pleito foi indeferido pela r. decisão recorrida,


que vislumbrou prejuízos à recuperação da empresa e aos
próprios credores.

Pois bem.

Sedimentou-se, após a reforma legislativa,


advinda da Lei n. 14.112/2020, que inseriu o § 7º-A, no art. 6º,
da Lei n. 11.101/2005, que a competência do Juízo da
recuperação suspender (termo que leva à provisoriedade da
intervenção) as constrições sobre o patrimônio da devedora só
deve vigorar enquanto perdurar o stay period , que, nos termos
do § 4º, do referido art. 6º, nunca deve ultrapassar 360
(trezentos e sessenta) dias do deferimento do processamento
da recuperação.

A única exceção é quando a constrição emanar de


execução fiscal. Nesse caso, a competência, do Juízo da
recuperação, em cooperação com o Juízo da execução fiscal, de
substituir o ato constritivo, perdura até o encerramento da

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recuperação (art. 6º, § 7º-B, da LRJF).

Portanto, visto com maior rigor e a considerar


que, na hipótese, a processamento da recuperação judicial está
prestes a completar a primeira década, sequer haveria
competência, do Juízo da recuperação, para interferir na ordem
emanada do Juízo da execução.

Nesse sentido, recente julgado do C. STJ:

“RECURSO ESPECIAL. 1. INCLUSÃO INDEVIDA DE


CRÉDITO EXTRANCONCURSAL NA LISTA DE CREDORES
PELA RECUPERANDA. SUBSISTÊNCIA DE SUA NATUREZA,
INDEPENDENTEMENTE DA NÃO APRESENTAÇÃO DE
IMPUGNAÇÃO. 2. CONTROVÉRSIA POSTA. 3. STAY
PERIOD. NOVO TRATAMENTO CONFERIDO PELA LEI N.
14.112/2020. OBSERVÂNCIA. 4. DELIMITAÇÃO DA
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
PARA DELIBERAR A RESPEITO DAS CONSTRIÇÕES
REALIZADAS NO BOJO DAS EXECUÇÕES INDIVIDUAIS DE
CRÉDITO EXTRACONCURSAL, SEJA QUANTO AO SEU
CONTEÚDO, SEJA QUANTO AO ESPAÇO TEMPORAL.
AFASTAMENTO, POR COMPLETO, DA IDEIA DE JUÍZO
UNIVERSAL. 5. DECURSO DO STAY PERIOD (NO CASO,
INCLUSIVE, COM A PROLAÇÃO DE SENTENÇA DE
CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL).
EQUALIZAÇÃO DO CRÉDITO EXTRACONCURSAL.
INDISPENSABILIDADE. 6. RECURSO IMPROVIDO,
CASSANDO-SE A LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA.

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[...]

4. Com o advento da Lei n. 14.112/2020, tem-se não mais


haver espaço - diante de seus termos resolutivos - para a
interpretação que confere ao Juízo da recuperação judicial
o status de competente universal para deliberar sobre
toda e qualquer constrição judicial efetivada no âmbito da
execuções de crédito extraconcursal, a pretexto de sua
essencialidade ao desenvolvimento de sua atividade,
exercida, inclusive, depois do decurso do stay period. A
partir da vigência da Lei n. 14.112/2020, com
aplicação imediata aos processos em trâmite
(afinal se trata de regra processual que cuida de
questão afeta à própria competência), o Juízo da
recuperação judicial tem a competência específica
para determinar o sobrestamento dos atos de
constrição exarados no bojo de execução de crédito
extraconcursal que recaíam sobre bens de capital
essenciais à manutenção da atividade empresarial
durante o período de blindagem. Em se tratando de
execuções fiscais, a competência do Juízo recuperacional
restringe-se a substituir os atos de constrição que recaíam
sobre bens de capital essenciais à manutenção da
atividade empresarial até o encerramento da recuperação
judicial.

[...]

4.2 A competência do Juízo recuperacional para


sobrestar o ato constritivo realizado no bojo de

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execução de crédito extraconcursal restringe-se


àquele que recai unicamente sobre bem de capital
essencial à manutenção da atividade empresarial -
a incidir, para a sua caracterização, todas as
considerações acima efetuadas -, a ser exercida
apenas durante o período de blindagem.

5. Uma vez exaurido o período de blindagem -


sobretudo nos casos em que sobrevém sentença de
concessão da recuperação judicial, a ensejar a novação de
todas as obrigações sujeitas ao plano de recuperação
judicial - é absolutamente necessário que o credor
extraconcursal tenha seu crédito devidamente
equalizado no âmbito da execução individual, não
se mostrando possível que o Juízo da recuperação
continue, após tal interregno, a obstar a satisfação
de seu crédito, com suporte no princípio da
preservação da empresa, o qual não se tem por
absoluto. Naturalmente, remanesce incólume o dever do
Juízo em que se processa a execução individual de crédito
extraconcursal de bem observar o princípio da menor
onerosidade, a fim de que a satisfação do débito
exequendo se dê na forma menos gravosa ao devedor,
podendo obter, em cooperação do Juízo da recuperação
judicial, as informações que reputar relevantes e
necessárias.

5.1 Deveras, se mesmo com o decurso do stay period (e,


uma vez concedida a recuperação judicial), a manutenção
da atividade empresarial depende da utilização de bem - o

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qual, em verdade, não é propriamente de sua titularidade


- e o correlato credor proprietário, por outro lado, não tem
seu débito devidamente equalizado por qualquer outra
forma, esta circunstância fática, além de evidenciar um
sério indicativo a respeito da própria inviabilidade de
soerguimento da empresa, distorce por completo o modo
como o processo recuperacional foi projetado, esvaziando
o privilégio legal conferido aos credores extraconcursais,
em benefício desmedido à recuperanda e aos credores
sujeitos à recuperação judicial. O privilégio legal - registra-
se - é conferido não apenas aos chamados 'credores-
proprietários', mas também a todos os credores que,
mesmo após o pedido de recuperação judicial, em
valoroso voto de confiança à empresa em dificuldade
financeira, manteve ou com ela estabeleceu relações
jurídicas creditícias indispensáveis à continuidade da
atividade empresarial (aqui incluídos os trabalhadores,
fornecedores, etc), sendo, pois, de rigor, sua tempestiva
equalização.

6. Recurso especial improvido, cassando-se a liminar

deferida.” (REsp n. 1.991.103/MT, Rel. Min. Marco

Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. em


11.04.2023, destaques não originais)

Não obstante, a peculiaridade do caso recomenda


solução igualmente peculiar, pois, como se verá no item
seguinte, a recuperação judicial deve ser convolada em
falência, o que se fará de ofício, diante do indiscutível

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descumprimento do plano e da ausência de atividade


empresarial atual, apta à preservação.

Como destacado, o próprio agravante reconhece


que pretende o levantamento de numerário que é fruto da
alienação de linhas de produção da agravada, elencados, no
plano, como meio de pagamento dos credores concursais (cl.
12.1, letra b, cujo excerto está a fls. 130, do instrumento). A
informação é confirmada pela administradora judicial, que, ao
se manifestar nesta instância, “[salientou] que o valor depositado aos
autos principais é originado do auto de arrematação, o qual é elemento
essencial para o cumprimento das obrigações assumidas com os credores,

conforme disposto no Plano de Recuperação Judicial original” (fls. 131).

É de se questionar por que, então, encontrando-


se depositada nos autos desde setembro de 2021 (fls.
4.346/4.347, de origem), a relevante quantia de R$200 mil
ainda não foi distribuída entre os credores trabalhistas
concursais, que, como se confirma da leitura das petições de
fls. 5.069/5.071 e 5.266/5.267, de origem, aguardam, sem
nada receber, há mais de dez anos.

A segunda parcela do crédito detido pela


agravante (honorários de sucumbência) é, de fato, alimentar
(equiparado), mas não é adequado, sobretudo diante do
quadro atual deste processo recuperacional, agraciá-la com
quantia que, se não tem força para liquidar, substancialmente,

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o seu crédito, terá o condão de satisfazer, de forma


proporcional e relevante, credores igualmente titulares de
crédito alimentar. No último RMA, informa-se passivo
trabalhista de R$451.594,00 (item 8.2, fls. 5.252/5.253, de
origem).

Na esteira do parecer do d. Procurador de Justiça


oficiante, “há, na recuperação judicial, dentre outros, créditos
reconhecidamente de natureza alimentar, pelo que se pode concluir com
segurança que a natureza do crédito perseguido em execução individual

neste caso não faz preponderar os interesses do credor extraconcursal”

(fls. 142).

É ainda mais importante manter o valor


depositado nos autos, se se observar a questão sob o enfoque
da convolação em falência. Em tal concurso, não se deve
permitir a satisfação individual do credor extraconcursal,
devendo-se respeitar a ordem de pagamento prevista nos arts.
83 e 84, da Lei n. 11.101/2005.

3. Ao examinar o pedido contido neste agravo, de


levantamento de numerário relevante, que, estranhamente,
encontrava-se há anos esquecido, foi necessário esmiuçar os
autos da recuperação judicial, deparando-se, infelizmente, com
situação lamentável.

Trata-se de recuperação judicial com poucos


credores, distribuídos entre as Classes I e III (vide fls. 831/832,

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de origem), proposta em 18.06.2013 e cujo deferimento do


processamento deu-se em 13.08.2013 (fls. 132/133, de
origem).

Constata-se que o plano foi aprovado pelos


credores reunidos em assembleia realizada em 09.11.2015 e
homologado, sem ressalvas, por r. decisão de 25.07.2016 (fls.
1.726, item 5, de origem), alvo de recurso interposto pelo
Banco do Brasil S.A. (AI n. 2189074-83.2016.8.26.0000,
julgado em 13.07.2017, sob a Rel. do Des. Carlos Alberto Garbi,
quando integrante desta C. 2ª CRDE), provido em parte para
determinar a correção monetária do crédito. Embora tenha
mantido a previsão de que a UPI seria vendida em 5 (cinco)
anos - essa era a condição para o pagamento dos credores -,
observou-se, no aludido julgado, que “se a venda não ocorrer no
prazo ajustado e aprovado pelos credores, tem-se que o plano não foi
cumprido e caberá ao credor levar a pretensão que tiver ao Juiz e não à
Assembleia. A anulação desta cláusula não implica em negar homologação

ao plano”.

Verifica-se, ao compulsar os autos de origem,


desordenado processamento do feito, com incidentes de
habilitação/impugnação de crédito que foram julgados no
processo principal, ao menos até julho de 2019 (fls. 3.175, de
origem) e requerimento de convolação em falência (de
setembro de 2018, cf. fls. 2.869/2.870, de origem) e de
constatação, por oficial de justiça, da existência de atividade

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empresarial (fls. 3.091, de origem), que sequer foram


examinados pelo i. Juiz. A conversão do processo físico em
digital, de seu turno, só ocorreu em fevereiro de 2021.

Em que pese tais problemas, o que chama a


atenção, no caso, é que o plano previu que o pagamento dos
credores só ocorreria após a venda da UPI, mas, apesar do
prazo elástico, de 5 (cinco) anos, esgotado em 25.07.2021,
como a administradora judicial afirmou a fls. 5.153/5.162, de
origem, a alienação não ocorreu.

Ora, se a UPI deveria ser vendida até 25.07.2021


(há quase dois anos, portanto) e não foi, o plano está
descumprido, o que conduz à convolação em falência (art. 73,
IV, da Lei n. 11.101/2005). Essa, inclusive, a ordem emanada
do AI n. 2189074-83.2016.8.26.0000, j. em 13.07.2017.

Nota-se que o leiloeiro apresentou proposta de


aquisição da aludida UPI por R$2.625.000,00 (fls. 4.777/4.778
e 4.781, de origem). A administradora judicial, de seu turno,
informou que tal valor não seria suficiente para solver os
credores concursais (últ. par. fls. 5.154, de origem). Todavia,
com intento procrastinatório - isso porque, como dito, a
agravada teve 5 (cinco) anos para vender a UPI e o prazo
esgotou há quase 2 (dois) anos -, a agravada afirmou, sem
detalhes, que estaria em negociação com outro interessado e
que pretendia exibir um aditivo ao plano, pleiteando, para

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tanto, prazo de 90 (noventa) dias (fls. 4.881/4.882, de origem).

A administradora judicial concordou, ressalvando,


apenas, que o aditivo deveria ser exibido em 60 (sessenta) dias
(fls. 4.920/4.922, de origem).

O aditivo foi apresentado em 18.01.2023 e consta


das fls. 4.987/4.993, de origem, extraindo-se, dele, que os
trabalhistas só seriam pagos 10 (dez) dias após a venda da
UPI, que poderia ocorrer em até três anos (inequívoca, aqui, a
violação ao art. 54, da lei de regência) e, os quirografários, em
15 (quinze) dias daquele evento, suportando, ainda, deságio de
90%.

Outro aditivo foi juntado recentemente, em


13.06.2023 (fls. 5.270/5.277, de origem). A situação dos
trabalhistas foi alterada, aparentemente, para atender ao
comando do art. 54, da lei de regência, com previsão de que o
pagamento ocorreria em 12 (doze) meses da homologação do
aditivo, sem correção monetária ou juros. O numerário
necessário para tanto seria angariado com a venda da UPI da
matrícula n. 10.722, do CRI de Salto ou, se frustrada a
alienação, com os valores constritos no processo n.
3001705-05.2013.8.26.0526. Se insuficiente, o acervo de
maquinários da agravada seria vendido.

Quanto aos quirografários, o pagamento, com


deságio de 90%, seria em 15 (quinze) dias úteis da venda da

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UPI, marcada para acontecer em até 3 (três) anos. Em caso de


não alienação da UPI, tais credores seriam pagos com o fruto
da venda dos referidos maquinários.

Ora, além de não ser possível admitir aditivo ao


plano descumprido (conforme orienta o C. STJ, no REsp n.
1.853.34-RJ, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em
05.05.2020, "[a] apresentação de aditivos ao plano de recuperação
judicial pressupõe que o plano estava sendo cumprido e, por situações

que somente se mostraram depois, teve que ser modificado"), não é

dado conferir, à agravada, outros 3 (três) anos para vender a


UPI.

Ademais, os credores trabalhistas, que, nos


termos do art. 54, da LRJF, deveriam ter sido pagos em até 1
(um) ano da homologação do plano, ou seja, até julho de 2017,
só receberiam o seu crédito em 2024, após 11 (onze) anos da
distribuição da recuperação, correndo o risco de ter que
aguardar ainda mais, se, eventualmente, a UPI não for vendida.

A situação dos quirografários é ainda pior, sendo


evidente a iliquidez da proposta, pois os meios alternativos de
pagamento (venda da UPI e venda dos maquinários), além de
incertos, deveriam vir acompanhados, ao menos, do valor e
vencimento das parcelas, para garantir eventual e futura
execução do plano.

Estranha-se a ausência de resistência da

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administradora judicial, pois, ao elaborar os Relatórios Mensais


de Atividade, atestou, categoricamente e por inúmeras vezes,
que há muito a agravada não tem receita, tampouco atividade
operacional, encontrando-se, ainda, sob o ultrapassado
argumento dos impactos da Covid, em regime de home-office
(item 15.1, fls. 5.190, de origem).

Eis o teor dos itens 15.2 e 16 (conclusão), que se


repetiram, mês a mês, nos RMA`s (fls. 4.848/4.870,
4.887/4.909, 4.923/4.945, 4.961/4.982, 4.999/5.020,
5.029/5.049, 5.102/5.124 e 5.169/5.191, de origem):

“15.2. Sobre a operação da empresa

As despesas seguem sendo pagas pela conta pessoal da


sócia Sra. Ann, e a empresa informa que a conta
bancária empresarial segue bloqueada devido a
inadimplências. Esta prática fere o princípio contábil da
entidade, ou seja, o patrimônio de uma pessoa física não
se confunde, nem se mistura com o patrimônio da pessoa
jurídica em que fizer parte, assim, a Recuperanda
necessita ter uma conta jurídica em nome da empresa, a
Recuperanda foi informada e encontra-se ciente da
irregularidade. Desta forma, por tratar-se de conta pessoa
física, esta Administradora Judicial não recebe os extratos
bancários, apenas os comprovantes de pagamentos das
obrigações tributárias, trabalhistas e demais pagamentos
efetuados da empresa.

A Recuperanda não vem contabilizando a

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depreciação/amortização de seus bens, pois o imobilizado


não está operando e a Recuperanda seguiu orientação da
contabilidade à não contabilizar a depreciação, seguindo
Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que no
CPC27 Ativo Imobilizado, no item 55 do pronunciamento
técnico, informa: ' de acordo com os métodos de
depreciação pelo uso, a despesa de depreciação pode ser

zero enquanto não houver produção '”.

“16 Conclusão

Diante do exposto acima, verifica-se que a Recuperanda,


ao longo do período, apresentou situação de prejuízo em
todos os meses, pois não apresentou atividade
operacional e, consequentemente no período analisado,
não apresentou registro de receita.

Contabilmente e financeiramente, a empresa não


apresentou lucro no período analisado, demonstrando
incapacidade para continuar as suas atividades
operacionais. É indispensável a retomada das atividades
operacionais para geração de faturamento para arcar com
todos os custos, despesas mensais e para que o passivo
com a sócia da empresa não aumente, visto que, as
despesas mensais estão sendo pagas pela mesma.

É importante enfatizar que a situação de inatividade


ocorre há um longo período e, o quadro de
funcionários está reduzido a 1 colaborador trabalhando
home office em serviço administrativo, estando

presencialmente na empresa 2 vezes na semana.”

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(destaques não originais)

O RMA mais recente, com referência no mês de


março de 2023 (fls. 5.240/5.261, de origem), retratou a mesma
situação.

Enfim, pelo que se infere dos autos, a agravada


sequer tem conta bancária e realiza a movimentação financeira
em conta da sócia, que ficou responsável por saldar os custos
da operação. Isso tudo para manter atividade empresarial que
não existe faz tempo. A existência de apenas um funcionário,
com idas, ao estabelecimento, apenas 2 (duas) vezes por
semana, só confirma a ausência de atividade empresarial.

Apesar da oportunidade, conferida por este


Relator, para que a agravada justificasse o descumprimento do
plano ou, mesmo, a iminência da retomada da atividade
empresarial, limitou-se a dizer que pretende sujeitar, aos
credores, outro plano, que, como visto, não se sustenta em pé.

O relato é bastante não só para reforçar a


necessidade de se manter, nos autos da recuperação judicial, o
valor da arrematação dos ativos, ora pretendido pela
agravante, mas, também e sobretudo, para servir de
fundamento para o imediato decreto da quebra, diante do
indiscutível descumprimento do plano (art. 73, IV, da LRJF), do
não pagamento, no lapso legal, dos credores trabalhistas (art.
54, da LRJF) e, ainda, do abandono do estabelecimento

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empresarial (art. 93, III, f, do mesmo diploma legal).

Por tais fundamentos, correta a r. decisão de que


se recorre, é caso de desprovimento do recurso, convolando-
se, de ofício, a recuperação judicial em falência, com fulcro nos
arts. 54, 73, IV e 94, III, f, da Lei n. 11.101/2005.

Em arremate, determina-se o retorno dos autos à


origem, para a adoção das providências previstas no art. 99, da
Lei n. 11.101/2005.

4. Ante o exposto, nega-se provimento ao


recurso, decretando-se, de ofício, a falência da recuperanda,
com determinação. É o voto.
DES. GRAVA BRAZIL - Relator

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