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Parecer

Parecer – Arbitragem: Ação


Anulatória e Embargos do Devedor

Ada Pellegrini Grinover


Professora Titular da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo.

A CONSULTA
Honra-me o Dr. x.x.x.x.x. encaminhando consulta acompanhada de
documentos, com pedido de parecer, em nome de x.x.x.x.x.x., relativamente
à arbitragem que se estabeleceu entre a Consulente e a empresa x.x.x.x..
Narra a Consulente que, com o objetivo de terceirizar sua atividade
comercial, a parte contrária, em x.x.x., demitiu seus funcionários da área para
que fosse criada a empresa Consulente, com quem foi firmado contrato que,
embora denominado de “prestação de serviços”, regulava relação jurídica de
representação comercial. Referido contrato teve seu prazo inicial prorrogado
indeterminadamente.
Relata ainda a Consulente que, não obstante tivesse, mercê de seus
esforços, assegurado valiosa clientela à representada, esta, em julho de x.x.x.,
enviou notificação denunciando imotivadamente o contrato e afirmando não
ser devida qualquer indenização, exceto os valores relativos à remuneração
fixa até o fim do prazo do aviso de trinta dias e a remuneração variável de-
corrente das vendas feitas durante o que alegou ser a vigência do contrato.
Vencidos os trinta dias, obstou-se o exercício da representação.
Tendo as partes firmado cláusula compromissória, a Consulente pro-
vocou a instauração do processo arbitral perante a Câmara de Mediação e
Arbitragem de São Paulo, firmando-se termo de arbitragem no qual foram
arroladas as seguintes questões a serem dirimidas: (i) início e fim da vigên-
cia do contrato, inclusive eventual prorrogação; (ii) validade da cláusula de
renúncia a qualquer indenização prevista pela Lei nº 4.886/1965; (iii) exigi-
bilidade das indenizações previstas no art. 27, j, da referida lei; (iv) fixação
do montante da indenização prevista no art. 34 do mesmo diploma; (v) re-
tribuição pendente gerada por pedidos em carteira ou em fase de execução
e recebimento; (vi) correção monetária dos valores das comissões; e (vii)
composição das verbas devidas.
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Após desenvolvimento do processo arbitral, sobreveio, em setembro


de x.x.x.x., sentença que enfrentou referidas questões, decidindo, por una-
nimidade, que: (i) o vínculo contratual teve início em fevereiro de x.x.x.x e
fim em julho de x.x.x.x; (ii) houve contrato de representação comercial; (iii)
era nula e ineficaz a cláusula de renúncia, prevalecendo a regra de ordem
pública do art. 27, j, da já mencionada lei; (iv) a consulente fazia jus ao rece-
bimento de verba correspondente a um terço das comissões auferidas nos
três meses anteriores à extinção do contrato, reduzindo-se a verba em vinte
e cinco por cento (25%), tendo em vista que a parte contrária havia cumprido
parte do prazo estabelecido como aviso da rescisão; (v) a Consulente tem
direito ao recebimento de retribuição gerada por pedidos em carteira ou
em fase de execução e recebimento; (vi) os valores de comissão devem ser
corrigidos; e (iv) o valor total da condenação era de R$ x.x.x.x., na data da
sentença arbitral.
Houve embargos de declaração manifestados por ambas as partes,
acolhidos em parte aqueles interpostos pela Consulente.
Diante do não-cumprimento espontâneo, a Consulente deu início ao
processo de execução fundada em título judicial, perante a x.x.x.Vara Cível
do Foro Central da Capital. De sua parte, a parte contrária aforou deman-
da pretendendo o reconhecimento da invalidade da sentença arbitral, aos
fundamentos de que (i) a arbitragem teria tratado de direitos indisponíveis;
(ii) não teriam sido apreciadas as questões de fato e de direito ligadas à
controvérsia; (iii) não haveria correlação entre a pretensão da Consulente e
a decisão arbitral.
Referida demanda foi devidamente contestada pela Consulente e, em
primeiro grau, julgada improcedente.
Além da referida demanda, a parte contrária também aforou embargos
do devedor, nos quais alegou: (i) ausência de pagamento de custas iniciais,
donde a necessária extinção do processo de execução; (ii) ausência de peças
necessárias à instauração da execução, sendo insuficiente a juntada de cópia
da sentença arbitral; (iii) ter a sentença arbitral resolvido matéria relativa
a direitos indisponíveis; (iv) não ter referida sentença apreciado questões
de fato e de direito abrangidas pela controvérsia; (v) ausência de correlação
entre a pretensão deduzida pela ali embargada e a condenação – e respectiva
motivação – imposta à ali embargante; (vi) excesso de execução em razão
de pagamento parcial que havia sido feito no curso do processo arbitral; (vii)
extinção da obrigação por confusão, ao argumento de que a ali embargante
detém parte do capital social da ali embargada (a Consulente); (viii) nulida-
de da penhora, por ter incidido sobre capital de giro da ali embargante; (ix)
prejudicialidade externa, tendo em vista a pendência do julgamento, em grau
recursal, da já referida ação de nulidade da sentença arbitral.
Tendo havido impugnação aos embargos do devedor, sobreveio decisão
que, ao argumento de conexão entre referida demanda e ação de nulidade,
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determinou a suspensão do processo até julgamento perante o Tribunal do


recurso interposto no processo relativo à demanda anulatória da sentença
arbitral.
Contra essa decisão foi interposto agravo de instrumento, que pende
de julgamento.
Assim relatada a questão, a consulente formula os quesitos que se-
guem, que versam exclusivamente sobre as questões processuais postas
nos autos.

QUESITOS
1. Existe identidade entre a ação declaratória de nulidade ou de anu-
lação da sentença arbitral e a ação de embargos do devedor?
2. Suposto haver identidade entre as duas referidas demandas, quais
as repercussões para cada um dos referidos processos?
3. É possível pleitear, em embargos do devedor propostos após o
prazo de 90 dias previsto no § 1º do art. 33 da Lei de Arbitragem,
a anulação ou a declaração da nulidade de Sentença Arbitral, com
base nos fundamentos do art. 32 daquele diploma legal?
4. A controvérsia submetida à arbitragem versa sobre direitos indis-
poníveis?
5. É possível, no processo de embargos, o exame de alegações refe-
rentes a fatos anteriores à formação do título executivo?
6. As alegações de pagamento parcial e confusão estão cobertas pela
eficácia preclusiva de que é portadora a sentença arbitral?
7. Para instauração do processo de execução, basta apresentar cópia
da sentença arbitral?
Bem examinada a questão, inclusive pelos documentos que a instruem,
passo a proferir meu parecer, que se cingirá, tanto quanto as indagações
formuladas, às questões processuais suscitadas nos autos.

PARECER

1 A ARBITRAGEM COMO MEIO ALTERNATIVO DE SOLUÇÃO DE


CONTROVÉRSIAS
Ganha renovado fôlego, em nosso meio, o estudo e adoção de meios
alternativos de solução de disputas, inclusive mediante iniciativa do próprio
Poder Judiciário, assoberbado que está. Como já me manifestei anteriormen-
te, “visando à superação da crise estrutural do Judiciário, abre-se caminho,
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na vertente extrajudicial, para a revisitação de equivalentes jurisdicionais,


como a auto e a heterocomposição, na busca de meios alternativos ao pro-
cesso, capazes de evitá-lo”1.
Conforme observou Humberto Theodoro Júnior, com referências, tam-
bém, da doutrina alemã, “nem sempre se pode esperar da decisão judicial
a verdadeira e efetiva pacificação dos conflitos. Daí a importância do papel
reservado às soluções alternativas de litígios, antes do processo ou em seu
curso”2.
Tratando da experiência portuguesa, Carlos Manuel Ferreira da Silva
relata:
“O maior problema com que a Justiça portuguesa se debate desde há
alguns anos é certamente o da morosidade causado pelo incremento
exponencial do número de processos que são introduzidos nos tribu-
nais. Neste contexto, muitos vêm entendendo – e nesse sentido acaba
de pronunciar-se, p.ex., a Associação Sindical dos Juízes Portugueses
– que a única solução está em retirar da jurisdição comum um número
substancial dos assuntos que lhe são confiados, configurando-se a
conciliação e a arbitragem como meios de obter este desideratum.”3
Acerca dos denominados meios alternativos de solução de disputas4,
identificou-os Joel Dias Figueira Júnior como “instrumentos legais à dispo-
sição daqueles interessados em evitar a intervenção estatal no campo da
realização da justiça”5. Dentre as diversas formas alternativas de solução de
conflitos6, destacam-se a conciliação, a mediação e a arbitragem. Em breve
síntese, pode-se diferenciar as técnicas mencionadas de acordo com a atua­
ção do terceiro (em relação às partes) na resolução do litígio.
A arbitragem consiste em submeter a decisão de determinada ques-
tão a um terceiro imparcial que não o Estado-juiz, sendo que as partes se
vinculam à decisão assim proferida. Como bem esclarece Carlos Alberto

1 Cf. A crise do poder judiciário. In: O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.
p. 22.
2 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. A arbitragem como meio de solução de controvérsias. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 97, n. 353, p. 109, jan./fev. 2001.
3 Cf. Arbitragem e conciliação. Presente e futuro. A situação em Portugal. Revista de Processo, a. 27, v.
107, p. 204, jul./set. 2002.
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Considerando como meios alternativos de solução de litígios também as inovações na tutela dos inte-
resses difusos e coletivos, veja-se LAGRASTA NETO, Caetano. Meios alternativos – uma interpretação
política (RT 665/40) e Meios alternativos de solução de litígios (RT 635/22).
5 Cf. Manual da arbitragem. São Paulo: RT, 1997. p. 62.
6 Além de outras soluções criativas e igualmente utilizadas, especialmente nos Estados Unidos da
América, para solução de controvérsias, como mini-trial, rent-a-judge, basebal arbitration, entre outras.
Veja-se, a respeito, FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem, p. 61 e ss.; CARMONA, Carlos
Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 45; e COOLEY, John W.; LUBET, Steven.
Advocacia de arbitragem. Trad. René Loncan. Brasília: Universidade de Brasília, e São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado, 2001.
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Carmona, “a arbitragem, de forma ampla, é uma técnica para solução de


controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem
seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta con-
venção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir a
eficácia de sentença judicial”7.
Consoante já tive oportunidade de observar em âmbito doutrinário,
a evolução dos meios de solução de controvérsias, até que se chegasse ao
exercício da jurisdição pelo Estado, passou (após a limitação imposta à
autotutela) pela “solução amigável e imparcial, através de árbitros”, isto é,
pessoas de confiança dos indivíduos em conflito. Historicamente, portanto, a
arbitragem precedeu ao próprio Estado e sua respectiva atividade legislativa
e judiciária8. E ainda:
“As considerações mostram que, antes de o Estado conquistar para
si o poder de declarar qual o direito no caso concreto e promover a
sua realização prática (jurisdição), houve três fases distintas: a) a
autotutela; b) arbitragem facultativa; c) arbitragem obrigatória. A
autocomposição, forma de solução parcial dos conflitos, é tão antiga
quanto a autotutela. O processo surgiu com a arbitragem obrigatória.
A jurisdição, só depois (no sentido que a entendemos hoje).”9

2 DA INCOMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA


APRECIAR QUESTÕES SUBMETIDAS À ARBITRAGEM
Ante a inovação introduzida no sistema pela nova disciplina do institu-
to da arbitragem dada pela Lei nº 9.307/1996, foram necessárias adaptações
no Código de Processo Civil, tendo o legislador incluído, entre as causas de
extinção do feito sem julgamento do mérito, a existência de convenção de
arbitragem (art. 267, VII). Mais ainda, incluiu-se, no rol do art. 301 do CPC,
a convenção de arbitragem como matéria a ser alegada pelo réu preliminar-
mente, em sede de contestação. O § 4º do citado dispositivo legal, por sua
vez, não foi alterado, permanecendo como única exceção à possibilidade de
conhecimento de ofício, pelo juiz, do compromisso arbitral.
Comentando as repercussões jurisprudenciais da arbitragem, Pedro A.
Batista Martins assevera: “Exterioriza-se da eficácia negativa (confirmada
pela decisão singular em apreço) o direito da parte em afastar a jurisdição
estatal que vier a ser buscada ilegitimamente, e a sua revelia, pelo inadim-
plente. A regra processual é clara: a existência de convenção de arbitragem

7 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p.
19.
8 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.
Teoria geral do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 22.
9 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Ob.
cit., p. 24.
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acarreta a extinção do processo, sem julgamento do mérito (art. 267, VII,


CPC)”10 (grifei). Esse o efeito negativo da cláusula compromissória que,
como afirmou Luís Caballol Angelats, “hace referencia al deber de absten-
ción de los tribunales consistente en no continuar la tramitación del proceso
de declaración pendiente ante ellos para dejar que sea resuelto por medio de
arbitraje”11 (grifei).
Conforme afirmou Antonio de Pádua Soubhie Nogueira, “o princípio
do pacta sunt servanda – juntamente com o da boa-fé – guarda, no direito
arbitral, máxima importância, devendo ser observado dentro de seu maior
rigor. Logo, em virtude de a arbitragem – tanto no Brasil como no exterior
– apoiar-se com rigidez na regra da autonomia da vontade, uma vez contra-
tada pelas partes, adquire caráter obrigatório e efeito vinculante. Ou seja,
‘não pode uma parte, após ter eleito espontaneamente a instância arbitral,
deixar de honrar o compromisso assumido’”. Portanto, “os contratantes
que houverem validamente optado pela arbitragem não poderão, sem con-
sentimento mútuo, recorrer ao Poder Judiciário para instaurar litígio, sob
pena de extinção do processo judicial (art. 267, VII, c/c o art. 301, IX, § 4º,
CPC)”12 (grifei).
No dizer de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery:
“A simples existência de cláusula compromissória pode ensejar a
argüição da preliminar. O réu pode alegar que a demanda não pode
ser submetida ao juízo estatal, quer diante apenas da cláusula, quer
esteja em curso o procedimento arbitral. A conseqüência do acolhi-
mento desta preliminar é a extinção do processo sem julgamento do
mérito (CPC, art. 267, VII), já que a lide será julgada pelo árbitro, isto
é, pelo juízo não estatal.” 13
E, mais adiante, afirmam: “Havendo convenção de arbitragem (Larb 3º
ss.), as partes renunciam à jurisdição estatal, preferindo nomear um árbitro
que resolva a lide eventualmente existente entre elas. Neste caso, a denúncia
da existência de convenção acarreta a extinção do processo sem julgamento
do mérito”14 (grifei).
Conforme Eduardo Gleber:
“O importante é relembrar que, em face da nova lei, a estipulação
da cláusula arbitral no contrato obriga as partes a se submeterem à

10 Cf. MARTINS, Pedro A. Batista. O Poder Judiciário e a arbitragem: quatro anos da Lei nº 9.307/1996 – 1ª
parte. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 97, n. 357, p. 116, set./out. 2001.
11 Cf. El tratamiento procesal de la excepción de arbitraje. Barcelona: José Maria Bosch, 1997. p. 38.
12 Cf. Considerações sobre os limites da vinculação da Arbitragem. RT, São Paulo, v. 780, a. 89, p. 77, out.
2000.
13 Cf. Código de processo civil e legislação processual extravagante em vigor. 5. ed. São Paulo: RT, nota 13
ao art. 301. p. 777.
14 Ob. cit., nota 16 ao art. 267, VII, p. 711.
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arbitragem das controvérsias surgidas dele, e elimina a possibilidade


de que uma das partes recorra diretamente ao Judiciário para decisão
de seu direito material. É o que resulta da nova redação dos arts. 267,
VII, e 301, IX, do CPC, dada pela Lei de Arbitragem, segundo os quais a
existência da convenção de arbitragem é causa de extinção do processo,
quando argüida pelo réu em sua contestação.”15 (grifei)
Segundo Adriana Noemi Pucci, na nova lei sobre arbitragem no Brasil:
“A cláusula arbitral goza de força vinculante. Quer dizer: pactuada a
arbitragem mediante uma cláusula arbitral ou mediante um compro-
misso, caso uma das partes, acontecido o conflito, recusar-se à sub-
missão à arbitragem e optar por socorrer-se do Judiciário para resolver
a pendência, os tribunais desses países declarar-se-ão incompetentes
para conhecer da referida controvérsia. Os efeitos que ambas as figuras
têm nestes países é que elas afastam o Judiciário do conhecimento da
controvérsia e podem ser apresentadas como exceção, quando uma
das partes se recusa à submissão da arbitragem e tenta valer-se da
justiça togada.”16 (grifei)
Desde o advento da Lei nº 9.307/1996, os Tribunais pátrios têm reco-
nhecido a prevalência da convenção de arbitragem, com a impossibilidade
de solução do litígio pelo Poder Judiciário. Veja-se:
“A simples existência de qualquer das formas de convenção de arbi-
tragem estabelecidas pela Lei nº 9.307/1996 – cláusula compromissó-
ria ou compromisso arbitral – conduz, desde que alegada pela parte
contrária, à extinção do processo sem julgamento de mérito, visto que
nenhum dos contratantes, sem a concordância do adversus, poderá
arrepender-se de opção anterior, voluntária e livremente estabelecida
no sentido de que eventuais conflitos sejam dirimidos através do juízo
arbitral. Inteligência dos arts. 4º e 9º da Lei nº 9.307/1996 c/c os arts.
267, VII, 301, IX, ambos do CPC.” (TAMG, AC 254.852-9, 3ª C., Relª
Juíza Jurema Brasil Martins, v.u., J. 03.06.1998) (grifei)
“JUÍZO ARBITRAL – CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA – Havendo
convenção das partes para solução dos eventuais conflitos através
de arbitragem, e em sendo as mesmas capazes e o direito disponível,
exclui-se a participação do Poder Judiciário na solução de qualquer
controvérsia. Recurso provido.” (TJDF, AI 1999.00.2.001609-5, 1ª T.Cív.,
Relª Vera Andrighi, v.u., J. 25.10.1999)
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – CON-
TRATO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
– CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ELEIÇÃO DA VIA ARBITRAL

15 Cf. Arbitragem nos contratos firmados. RT 745, p. 64, 1997.


16 PUCCI, Adriana Noemi. A arbitragem nos países do Mercosul. RT 738, p. 43, 1997.
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– DECISÃO DA CORTE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM – LEI Nº


9.307/1996 – APLICAÇÃO DO ART. 267, INCISO VII, DO CPC – 1.
Ao elegerem a via arbitral para solução de questões originadas de
contrato, as partes lançam mão da via do Poder Judiciário, ou seja, o
compromisso arbitral implica em uma renúncia ao conhecimento de
uma controvérsia por obra da autoridade judiciária. 2. Conforme pre-
visão do art. 31 da Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), a sentença
arbitral produz entre as partes os mesmos efeitos da sentença proferida
pelos órgãos do Poder Judiciário e sendo condenatória constitui título
executivo. 3. De acordo com o art. 267, inciso VII, do CPC, o presente
processo deve ser extinto sem o julgamento do mérito. O Tribunal, à
unanimidade de votos, conheceu, mas decretou a extinção do proces-
so.” (TJGO, Ap. 61254-1/188, 3ª C.Cív., Rel. Gercino Carlos Alves da
Costa, J. 23.04.2002)

3 CONTINUAÇÃO: ARBITRAGEM LIMITADA A CONTROVÉRSIAS


QUE VERSEM SOBRE DIREITOS DISPONÍVEIS. INTELIGÊNCIA
DO DISPOSTO NO ARTIGO 1º DA LEI DE ARBITRAGEM
É certo, de outro lado, que a arbitragem, como forma de solução
de controvérsias, quando menos equiparada à jurisdicional (isto é, à es-
tatal), encontra limite na natureza da controvérsia, sendo apta a “dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (Lei nº 9.307/1996,
art. 1º).
Na precisa lição de Carlos Alberto Carmona, são disponíveis “aqueles
bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se
desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto”.
Mais adiante, asseverou Carmona que:
“São arbitráveis, portanto, as causas de matérias a respeito das quais
o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo dos inte-
resses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam
livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem. Pode-se
continuar a dizer, na esteira do que dispunha o Código de Processo
Civil (art. 1072, revogado), que são arbitráveis as controvérsias a cujo
respeito os litigantes podem transigir.”17 (grifei)
Consoante observação de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “o impor-
tante é ter-se patenteado um reconhecimento inequívoco da lei, este sim, bem
definido, de que há sempre um campo de interesses patrimoniais disponíveis
dentro do qual a arbitragem não é apenas aceitável, porém, mais que isso,
recomendável como alternativa ao litígio judicial”18 (grifei). Dessa forma,

17 Cf. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 56/57.


18 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 209,
p. 88, jul./set. 1997.
162 RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER

prosseguiu: “São disponíveis, nesta linha, todos os interesses e os direitos


deles derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam ser
quantificados monetariamente e estejam no comércio”19 (grifei).
Convém lembrar, a propósito, que a mais autorizada doutrina, com
base nessas premissas, tem admitido inclusive a arbitragem envolvendo pes-
soas jurídicas cujo capital tenha participação pública. Com efeito, consoante
lembrança de Selma Ferreira Lemes:
“Em decorrência das peculiaridades presentes nas novas formas de
parcerias firmadas entre a Administração e os particulares, notada-
mente o vulto e envergadura dos empreendimentos aos quais o Es-
tado não pode dispensar a colaboração e o aporte de capital privado,
procura-se flexibilizar a relação contratual, priorizando o equilíbrio de
interesses das partes.”
Assim:
“A Administração é conduzida a perfilhar novos caminhos que bus-
quem a solução de controvérsias de modo mais rápido e eficaz para
as divergências que envolvam direitos patrimoniais disponíveis nos
contratos administrativos e que gravitam em torno das cláusulas eco-
nômicas e financeiras (equilíbrio econômico-financeiro).”20
Reportando-se aos ensinamentos de Rafael Bielsa, precursor no estudo
desta questão, referida autora observou ser necessário distinguir os “atos admi-
nistrativos de autoridade” e os “atos de simples gestão” (gestão patrimonial).
Assim, diz ela, “a sentença arbitral nunca poderia versar sobre matéria de
‘poder’ de autoridade e vigilância, mas poderia se manifestar sobre questões
pactuadas”, indagando: “Qual é o princípio que se oporia a que o preço de
um serviço prestado ao Estado ou o valor de uma indenização fossem fixados
por árbitros?”. O que não se pode confiar a árbitros, concluiu acertadamente
a autora, “são matérias ou atribuições que importem no exercício de um poder
de autoridade ou de império e dos quais não se pode transigir” (grifei).
Segundo oportuna lembrança de Carlos Pinto Coelho Motta:
“O princípio da legalidade não conflita, de fato, com o princípio te-
leológico do interesse público; tampouco pode inibir o princípio da
economicidade previsto no art. 70 da Carta Magna, ou o da eficácia
consagrado no art. 73 da carta do Estado de Minas Gerais. Tais princí-
pios orientam efetivamente a aplicação do juízo arbitral em contratos
administrativos, superando o argumento que sustenta a impossibilidade

19 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 209,
p. 85-86, jul./set. 1997.
20 Cf. Arbitragem na concessão de serviços públicos – Arbitrabilidade objetiva. Confidencialidade ou
publicidade processual? Os novos paradigmas do direito administrativo. Palestra proferida na reunião
do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAR, São Paulo, maio 2003, p. 2.
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da transação tendo como objeto o bem público, de natureza indispo-


nível.” 21 (grifei)
Nesse mesmo sentido, Maria D’Assunção C. Menezello observou
que:
“Em nenhum momento, com a inclusão de cláusula de solução amigável
de conflitos, olvida-se do princípio da indisponibilidade do interesse
público. Muito ao contrário, ele se faz presente quando o administrador
público, na iminência de um conflito contratual o resolve tendo por ba-
lizas os princípios da economicidade, da razoabilidade, da motivação
e principalmente da continuidade do serviço público, que vem a ser:
resolver motivadamente o problema contratual da maneira mais eco-
nômica, sem deixar que os serviços públicos prestados à comunidade
tenham qualquer solução de continuidade.”22 (grifei)
Em suma, a presença do interesse público ou a existência de regras
cogentes acerca da matéria objeto da controvérsia, a toda evidência, não
impedem, por si sós, a solução de eventual disputa pela arbitragem.

4 CONTROLE JURISDICIONAL (ESTATAL) DAS DECISÕES


ARBITRAIS: AÇÃO ANULATÓRIA DA SENTENÇA ARBITRAL E
EMBARGOS DO DEVEDOR
Conquanto a sentença arbitral esteja equiparada àquela proferida
pelo juiz investido de jurisdição, é certo que o ordenamento abre espaço
para alguma forma de controle estatal das decisões proferidas no seio da
arbitragem. Tal controle, contudo, há desde logo que ser entendido à luz das
considerações já feitas, no sentido de que, sendo firmada a convenção de
arbitragem, fica subtraído ao Poder Judiciário o conhecimento do mérito – e
respectivas questões de fato e de direito – da controvérsia.
Nesse contexto, o primeiro dos canais abertos para referido controle é
o da ação anulatória de que trata o art. 33 da Lei de Arbitragem. Conforme
palavras de Joel Dias Figueira Júnior:
“As sentenças arbitrais não estão imunes ao controle do Poder Judiciário,
diante do que dispõe o art. 33, ao conferir expressamente direito ao inte-
ressado de demandar perante o Estado-juiz a declaração de nulidade (ação
anulatória) da decisão que lhe causou gravame por inobservância dos requi-
sitos estatuídos nos arts. 32, 26, 21, § 2º, ou art. 10 da Lei nº 9.307/1996.”
Nesse contexto:

21 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos. BDA – Boletim de Direito Administrativo, p. 673, out.
1997.
22 Cf. O conciliador/mediador e o árbitro nos contratos administrativos. BDA – Boletim de Direito Admi-
nistrativo, p. 825, dez. 1997.
164 RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER

“O fundamento jurídico da demanda (causa de pedir próxima) repousa-


rá na demonstração de alguma das hipóteses elencadas no art. 32 da
Lei de Arbitragem e o objeto imediato (pedido) será a desconstituição
da sentença arbitral através do comando declaratório a ser obtido da
sentença judicial de procedência.”23
A propósito, disse Carmona:
“O legislador estruturou o mecanismo impugnativo ao laudo arbitral
como ação de anulação (ou ação declaratória de nulidade, a seguir a
terminologia criticável, da lei), sendo único objetivo da demanda o de
destruir o laudo arbitral com a possibilidade, em algumas hipóteses,
de encaminhar ao árbitro a causa para novo julgamento (casos dos
incisos II, IV e V do art. 32).”
Dessa forma, anulado o laudo, não pode o juiz togado passar ao exame
da causa. No mesmo sentido, Antônio Corrêa asseverou que a sentença de
acolhimento da demanda anulatória “não irá compor o litígio potencial ou
latente que a via arbitral mesmo viciada atingiu. Irá, em verdade, alcançar
os atos ordenados do juízo arbitral, que não obedeceram a lei especial e estão
em desconformidade com a ordem jurídica”24 (grifei). Desse modo, segundo
explica Carlos Alberto Carmona, se a nulidade afetar apenas o laudo, e não
a convenção arbitral, devolver-se-á ao árbitro (ou aos árbitros) a causa para
nova decisão; se a nulidade afetar a convenção de arbitragem, estará des-
truída a própria arbitragem, cabendo ao interessado, livremente, procurar a
tutela judicial de seus direitos25.
Referida demanda, conforme resulta da lei, há que observar o prazo
decadencial de noventa (90) dias. Nas palavras de Joel Dias Figueira, se
decorrido tal lapso, “incidirá o interessado na decadência, cujo efeito é o
perecimento do seu direito de demandar a parte contrária em pleito dirigido
do Estado-Juiz à obtenção da tutela declaratória de nulidade da sentença ar-
bitral”26 (grifei). Tais palavras encontram eco na lição de Fernando da Fonseca
Gajardoni, segundo quem, tratando-se de demanda de natureza constitutiva
negativa, está submetida a prazo decadencial, “não sujeito à suspensão ou
interrupção. Não é dotada de efeito suspensivo (salvo se concedido em sede
de cautelar), podendo perfeitamente a parte vencedora do processo arbitral
da início ao processo de execução de sentença”27 (grifei).

23 Cf. FIGUEIREDO JÚNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
192/193.
24 Cf. CORRÊA, Antonio. Arbitragem no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 150/151.
25 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 338/339.
26 Cf. FIGUEIREDO JÚNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 192/193,
1997.
27 Cf. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos Fundamentais de Processo Arbitral e pontos de contato
com a Jurisdição Estatal. Publicada no Juris Síntese, n. 41, maio/jun. 2003.
RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 165

A segunda das formas que podem conduzir ao controle estatal da sen-


tença arbitral – ou daquilo que nela se contém – são os embargos do devedor,
opostos, nesse caso, à execução fundada em título judicial e, portanto, com
fundamento em alguma das hipóteses do art. 741 do CPC.
Consoante palavras de Cândido Rangel Dinamarco, “os embargos à
execução constituem a mais ampla e vigorosa das vias defensivas permiti-
das ao executado, no sistema do processo civil. Eles são estruturados como
um processo incidente ao executivo”. Lembrando tratar-se de processo de
conhecimento, Dinamarco observou que o respectivo mérito “é a pretensão
oposta pelo executado como resistência à execução [...], a qual nem sempre
coincide com o mérito da própria execução”. Assim, o “mérito dos embargos
pode consistir na pretensão do embargante a uma sentença declarando que
o exeqüente não tem o direito a receber o bem postulado, sendo esses os
embargos de mérito [...]; mas também pode consistir em pretensão a uma
sentença que simplesmente extinga o processo executivo, sem se pronunciar
sobre a existência, inexistência ou valor do crédito do exeqüente”28.
Segundo Luiz Fux, “objetivam os embargos desconstituir a causa hábil
de execução, relevando índole preponderante constitutiva, posto apagar os atos
executivos em geral”29 (grifei). De forma semelhante, Vicente Greco Filho obser-
vou serem os embargos uma ação que, “dependendo da matéria alegada, tem a
natureza de ação constitutiva negativa (desfaz o título) ou declaratória negativa
(declara a inexistência da relação jurídica que o título aparenta documentar)”30
(grifei). Também assim Humberto Theodoro Júnior, para quem constituem os
embargos “ação de cognição incidental, de caráter constitutivo”, vez que:
“O embargante toma uma posição ativa ou de ataque, exercitando
contra o credor o direito de ação à procura de uma sentença que possa
extinguir o processo ou desconstituir a eficácia do título executivo.
Por visar a desconstituição da relação jurídica líquida e certa retrata-
da no título é que se diz que os embargos são uma ação constitutiva,
uma nova relação processual, em que o devedor é o autor e o credor
o réu.”31 (grifei)
Para Paulo Henrique dos Santos Lucon, “embora exista uma limitação
da cognição no que se refere à amplitude das matérias a serem conhecidas
pelo juiz e debatidas pelas partes (cognição parcial no plano horizontal), a
cognição será exauriente, isto é, ela será completa relativamente à profundi-
dade das matérias passíveis de serem conhecidas e debatidas. As sentenças

28 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, v. IV,
2004. p. 637/639.
29 Cf. FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 1182/1183.
30 Cf. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1985. p.
106/107.
31 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. São Paulo: Universitária de Direito Ltda.,
1985. p. 344/345.
166 RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER

que julgam embargos opostos em execuções fundadas em título executivo


judicial e em título executivo extrajudicial de natureza cambiária têm apti-
dão para produzir coisa julgada material nos limites da matéria levada ao
conhecimento do juiz e decidida”32 (grifei).

5 CONTINUAÇÃO: RELAÇÃO – E EVENTUAL IDENTIDADE


– ENTRE A AÇÃO ANULATÓRIA E OS EMBARGOS DO
DEVEDOR. A POSSIBILIDADE DE OCORRER O FENÔMENO DA
LITISPENDÊNCIA
Estabelecidas as duas vias processuais que o ordenamento bra-
sileiro abre para o controle jurisdicional estatal da sentença arbitral,
é preciso determinar qual a relação que entre elas se estabelece e,
assim, se – e em que medida – pode haver identidade entre referidas
demandas.
A esse respeito, e como visto, ambas as vias processuais têm
natureza de ação de conhecimento e, portanto, desencadeiam processo
tendente à prolação de sentença de mérito. Mais ainda, ambas têm por
escopo, em última análise, o reconhecimento de óbice à efetivação da
sentença arbitral. Nessa medida, portanto, parece lícito afirmar que o
objeto de ambas é o mesmo, quando menos sob a ótica do bem da vida
que se pretende tutelar.
É certo, de outro lado, que os dois referidos remédios têm fundamentos
jurídicos (causas de pedir) diversos. Como visto, enquanto a dita ação anula-
tória deve estar fundada em alguma das hipóteses arroladas pelo art. 32 da
Lei de Arbitragem, os embargos do devedor – aí opostos à execução fundada
em título judicial – têm como fundamento aqueles constantes do art. 741 do
CPC. A partir dessa constatação, a rigor, seria impossível estabelecer perfeita
identidade entre as duas referidas demandas que, conquanto identificadas
pelo objeto, seriam sempre distintas por sua causa de pedir.
Contudo, essa constatação parece não esgotar o problema. É que,
conforme reconhece a doutrina, sendo possível a convivência de ambas as
demandas, não se pode descartar que, em dada situação concreta, elas sejam
total ou parcialmente idênticas. A propósito, Flávio Luiz Yarshell observou
que “não parece lícito limitar o âmbito dos embargos do devedor, negando-lhe
a aptidão de impugnar diretamente a sentença arbitral e não apenas atacar
o processo de execução que, com base naquela, instaurou-se”. Admitindo a
eventual convivência das duas referidas demandas, Yarshell ressalvou, con-
tudo, que “isso dependerá do confronto dos respectivos objetos e não se deve

32 Cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Embargos à execução. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 80, 84 e
117/118.
RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 167

descartar a possibilidade de perfeita identidade, a justificar o descabimento


de uma ou de outra”33 (grifei).
A reconhecer de certa forma a possível identidade entre ação anulatória
e embargos do devedor, Tereza Arruda Alvim Wambier lembra jurisprudên-
cia segundo a qual “tem-se decidido pela desnecessidade de o devedor opor
Embargos à Execução, quando já em curso ação de conhecimento anterior, em
que se discute o débito”. Referida processualista cita julgamento do Superior
Tribunal de Justiça, do qual se extrai:
“Não se coloca em dúvida que o ajuizamento de ação, objetivando
desconstituir, total ou parcialmente, título executivo não impede
seja intentada execução. Ocorre que, iniciada e feita a penhora,
abrir-se-ia ensejo para a apresentação de embargos. Ora, tais em-
bargos que, como de pacífico entendimento, têm natureza de ação,
constituiriam em repetição mesmo da causa que já está em curso.
Não seriam de se admitir, em virtude mesmo da litispendência. Con-
sidera, então, a jurisprudência desta 3ª Turma que à ação proposta
deve-se emprestar o tratamento de embargos. A execução ficará
paralisada, aguardando seu julgamento. Não se pode exigir seja
repetida a ação já ajuizada.”34 (grifei)
Nas palavras da mencionada processualista:
“Nessa decisão – que não é isolada – o Superior Tribunal de Justiça
confirma que o fato de existir qualquer ação anterior sobre o crédito,
proposta pelo devedor, não impede o ajuizamento da ação de execução
daquele mesmo crédito, pelo credor. No entanto, o Superior Tribunal de
Justiça admite que, na medida em que se estenda a ação declaratória
anterior como substitutiva dos embargos à execução, porque idênticas,
poder-se-á atribuir à tal ação o efeito de suspender a execução, após
ter sido realizada a penhora.”
Assim:
“O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, naqueles casos em
que já existia ação anterior proposta pelo devedor, não é necessário
que o devedor, uma vez citado na ação de execução proposta pelo
credor, oponha embargos à execução. Aliás, rigorosamente, não só não
é necessário, como seria vedado pelo sistema, por se tratar, quase que
invariavelmente, de litispendência.”35 (grifei)
A litispendência, como sabido, é fenômeno ligado à identidade de
demandas. Embora sua caracterização dependa da tríplice identidade, é

33 Cf. Ação rescisória. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 206, nota n. 4.


34 Cf. WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Processo de execução. Coordenado por Tereza Arruda Alvim Wam-
bier e Sérgio Shimura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 727/729.
35 Cf. WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Ob. cit., p. 727/729
168 RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER

preciso entendê-la sob um ângulo substancial e não meramente formal. A


propósito, colhe-se, na clássica lição de Chiovenda, que:
“A identidade da pessoa física nem sempre produz identidade subjetiva
de ações: a mesma pessoa pode ter diversas qualidades, e duas ações
só são subjetivamente idênticas quando as partes se apresentam na
mesma qualidade. Vice-versa, a mudança da pessoa física como sujeito
de uma ação não tem como conseqüência que o direito trate a ação
como diversa.”
Quanto ao objeto, prosseguiu o mestre: “Tendo-se em vista o objeto
mediato da ação, pode dizer-se que a identidade objetiva significa identidade
do bem garantido pela lei cuja atuação se requer”, lembrando, também, que
“a indicação da causa petendi deve servir, em concurso com a do objeto, para
identificar o bem da vida que é objeto da contestação”36 (grifei).
Na doutrina italiana, Andrea Proto Pisani observou que:
“La litispendenza si ha quando una stessa causa è proposta davanti
a giudici diversi. Perché si abbia litispendenza occorre che lo stesso
diritto sia fatto valere in giudizio, tra le stesse parti, innanzi a due
giudici diversi. In ipotesi di tale specie, se entrambi i giudici potessero
conoscere della stessa controversia, oltre ad aversi un inutile dispen-
dio di attività processuale, si aprirebbe la strada al formarsi di due
giudicati praticamente contraddittori (rectius: il giudicato formatosi
per primo precluderebbe la prosecuzione del secondo giudizio). Di qui
la necessità di eliminare uno dei due processi, cosa che realizza la dis-
ciplina dell’art. 39 là dove dispone che il giudice successivamente adito,
in qualunque stato e grado del processo, anche d’ufficio, dichiara con
sentenza (definitiva ai sensi dell’art. 279, 2º comma, n. 2) la litispen-
denza e dispone con ordinanza la cancellazione della causa dal ruolo
indipendentemente da qualsiasi verifica circa la competenza del primo
giudice.”37 (grifei)
Ainda entre os italianos, Francesco P. Luiso assinalou que:
“Litispendenza significa pendenza della lite. In senso ampio, con tale
termine si fa riferimento alla situazione che si verifica tra la proposizio-
ne della domanda giudiziale ed il passaggio in giudicato formale della
sentenza che chiude il processo. In senso ristretto, con tale termine
si connota il fenomeno, in virtù del quale, di fronte a uffici giudiziari
diversi, sono pendenti due processi che hanno lo stesso oggetto. Le
esigenze che sottostanno alla litispendenza sono due: da un lato im-

36 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução da 2ª edição italiana por
J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, v. I, 1965. p. 354/360.
37 Cf. PISANI, Andrea Proto. Lezioni di diritto processuale civile. Seconda edizione. Napoli: Jovene Editore,
1996. p. 350.
RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 169

pedire che lo stesso oggetto del processo abbia una duplice fonte di
disciplina (cioè, che ci siano due sentenze – di contenuto potenzialmente
diverso – che disciplinano la stessa situazione sostanziale); dall’altro
lato, evitare attività processuali inutili, per un principio in senso lato
di economia processuale.”38 (grifei)
Na doutrina brasileira, José Joaquim Calmon de Passos afirmou:
“A proibição do bis in idem importa em tornar inválido o processo,
cujo objeto é uma lide já objeto de outro processo pendente, ou de-
finitivamente encerrado com julgamento de mérito. Se há processo
em curso, cujo objeto (mérito) é idêntico ao que se pretende formar,
diz-se que há litispendência, no sentido de que a lide, objeto do novo
processo, já é lide de outro processo ainda em curso (pendente). Se
há processo já definitivamente concluído e pelo qual já foi composta
a lide que se quer reproduzir como objeto do novo processo, diz-se
que há coisa julgada, no sentido de que a lide, objeto do novo pro-
cesso, já foi lide em outro processo, concluído com exame de mérito
(findo).”39 (grifei)
Sobre o tema, Cândido Rangel Dinamarco observou que:
“A pessoa que toma a iniciativa de vir a juízo e provocar a instauração
de um processo é sempre portadora de uma pretensão que por algum
motivo está insatisfeita [...] e sempre o demandante postula que ela
se satisfaça à custa de uma outra pessoa determinada ou em relação
a ela. Toda pretensão tem por objeto um bem da vida, ou seja, uma
coisa material a obter ou uma situação a criar, modificar ou extinguir.
Toda pretensão apóia-se em fundamentos de fato e de direito. As pes-
soas, o bem da vida pretendido e os fundamentos da pretensão estão
sempre presentes em uma demanda válida. Cada uma das pretensões
insatisfeitas que o sujeito alimenta no espírito e traz ao juiz em busca
de solução caracteriza-se, em concreto, pelas partes envolvidas, pela
causa de pedir e pelo pedido. Mas a promessa constitucional de controle
jurisdicional e acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV) não chega ao ponto
de permitir que uma pretensão seja trazida ao Poder Judiciário mais
de uma vez. O bis in idem é tradicionalmente repudiado pelo direito,
mediante a chamada exceção de litispendência.”40 (grifei)
Ainda na lição de Dinamarco:
“A chamada teoria dos três eadem (mesmas partes, mesma causa pe-
tendi, mesmo petitum), conquanto muito prestigiosa e realmente útil,

38 Cf. LUISO, Francesco P. Diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, v. I, 1997. p. 179/180.
39 Cf. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao código de processo civil. Rio de janeiro: Forense,
v. III, p. 258/261.
40 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
v. II, 2002. p. 49 e 61/64.
170 RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER

não é suficiente em si mesma para delimitar com precisão o âmbito de


incidência do impedimento causado pela litispendência. Considerado
o objetivo do instituto (evitar o bis in idem), o que importa é evitar dois
processos instaurados com o fim de produzir o mesmo resultado prático.
Por isso, impõe-se a extinção do segundo processo sempre que o mesmo
resultado seja postulado pelos mesmos sujeitos.”41 (grifei)
É certo que, particularmente em tema de arbitragem, colhe-se na
doutrina a tese segundo a qual os fundamentos da ação anulatória e dos
embargos somente poderiam ser somados e veiculados no bojo desse se-
gundo remédio se deduzidos estes no prazo de noventa dias previsto para o
ajuizamento daquela. A propósito, Carlos Alberto Carmona asseverou que:
“Não proposta a demanda anulatória no prazo legal, resta ainda ao
vencido outra possibilidade – limitada, é verdade – de impugnar a
sentença arbitral (desde que condenatória): havendo execução, restará
aberta ao vencido a via dos embargos do devedor, onde poderá este
agarrar-se a alguma das matérias do art. 741 do Código de Processo
Civil com o fito de livrar-se do processo de execução.”42
Retificando posição anterior, Carmona – antes admitindo que as
matérias do art. 32 da lei se somariam àquelas estabelecidas no art. 741
do Código de Processo Civil (“o que ampliaria consideravelmente os temas
sobre os quais poderia versar a defesa do credor, o que estimularia a inércia
da parte vencida na arbitragem quando a decisão dependesse de execução
civil”) – passou a entender que:
“Não parece conveniente estimular o estado de incerteza em que cairiam as
partes com a possibilidade, em sede de sentenças arbitrais condenatórias,
de somarem-se os motivos de nulidade. Se o objetivo da lei foi – e de fato foi!
– o de estabelecer um prazo peremptório para ataque ao laudo arbitral, não
parece conveniente, para dizer o mínimo, interpretar de modo extensivo e
isolado o § 3º do art. 33. Uma visão sistemática do tema sugere, portanto,
nova reflexão para admitir que as hipóteses do art. 32 não se misturam e
não se confundem com as do art. 741 do Código de Processo Civil.”43
Dessa forma, referido processualista figurou duas hipóteses. Na pri-
meira, aventou a “possibilidade de cumulação de motivos de nulidade em
sede de embargos, desde que o embargante oponha defesa dentro do prazo
de 90 (noventa) dias a contar da notificação da sentença arbitral”; na segun-
da, cogitou do “manejo dos embargos após o prazo decadencial de 90 dias
previsto na Lei de Arbitragem”. Quanto à primeira situação, disse Carmona,
“percebe-se que o legislador privilegiou o princípio da economia processual,

41 Idem.
42 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 344/345.
43 Idem.
RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 171

permitindo que todos os motivos de revolta do devedor sejam manifestados


numa única oportunidade”; no outro caso, disse o autor:
“[...] o legislador reservou ao embargante a possibilidade de alegar
todas as matérias relativas ao ataque dos títulos executivos, nada
mais: terá o embargante, em tal hipótese, perdido, por inércia, o direito
de levar ao conhecimento do juiz togado qualquer uma das matérias
enumeradas no art. 32 da Lei. Enfrentará o embargante as mesmas
limitações impostas ao executado que, em sede de embargos, ataca a
sentença judicial condenatória.”44 (grifei)
Tal entendimento, contudo, não desmente a possível identidade entre
ação anulatória e embargos do devedor; tanto que admite a dedução, em
embargos – interpostos no prazo decadencial para a ação anulatória – tanto
dos fundamentos do art. 33 da Lei de Arbitragem, quanto do art. 741 do CPC.
O que desse entendimento se extrai é apenas uma limitação à alegação, em
embargos, dos fundamentos próprios da ação anulatória. Tanto mais, diríamos
nós, quando nos embargos se pretende aduzir novamente fundamentos já
articulados na ação anulatória.

6 SENTENÇA ARBITRAL: EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA


JULGADA E LIMITAÇÃO ÀS MATÉRIAS ARTICULÁVEIS EM
EMBARGOS DO DEVEDOR
Sendo a sentença arbitral equiparada à judicial, é preciso examinar como
opera, em relação a ela, a eficácia preclusiva relativamente às alegações dedu-
zidas ou dedutíveis pelas partes no processo arbitral. Impõe-se determinar,
portanto, o que é coberto pela preclusão e, nessa medida, não comporta reexame
em momentos posteriores. Isso é fundamental porque determina a extensão das
matérias passíveis de alegação em eventuais embargos do devedor.
Desde logo, convém partir da premissa, já exposta, de que ao Judiciário
é vedado o exame do mérito da controvérsia e, portanto, das questões – de
fato e de direito – daí decorrentes. Nessa medida, o que for decidido – no
tocante ao mérito (pedido à luz da respectiva causa de pedir) – pelo árbitro
é intangível para o Judiciário, por qualquer das formas de controle estatal
já mencionadas. Nas palavras de Flávio Yarshell, com amplas referências
doutrinárias, “a sentença do árbitro só está sujeita a controle jurisdicional
estatal por vícios que configurem error in procedendo, ficando excluídas as
hipóteses de controle sobre eventual error in iudicando”45 (grifei).

44 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 344/345.
45 Cf. Ação rescisória. São Paulo:, Malheiros, 2005. p. 207. No mesmo sentido, indica: VIGORITI, Vicenzo.
Em busca de um direito comum arbitral: notas sobre o laudo arbitral e a sua impugnação, p. 21. RICCI,
Edoardo. Reflexões sobre o art. 33 da lei de arbitragem, p. 53 (falando da impossibilidade de se corrigir
a sentença arbitral, na forma do art. 33 da lei brasileira, por sua “simples injustiça”); e CARMONA,
Carlos Alberto. Arbitragem e processo, p. 272.
172 RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER

Mas, para além desse tema, é preciso determinar se incide no proces-


so arbitral a regra do art. 474 do CPC. Partindo-se da premissa de que as
partes – no processo judicial e, com maior razão (por sua origem contratual),
no processo da arbitragem – têm o ônus de alegação, daí decorre o tema da
preclusão e da coisa julgada: se a parte tem o encargo processual de alegar
e se, deixando de alegar, fica sujeita a situação menos favorável, resta saber
em que medida isso se relaciona com a extinção de direitos e faculdades
processuais, com o impedimento ao retrocesso para apreciação de questões já
resolvidas e com a imutabilidade das decisões e das respectivas eficácias.
Nessa linha de raciocínio, portanto, um primeiro tema a ser enfrentado
diz com os limites objetivos da coisa julgada, que, como sabido, determinam
quais partes da sentença ficam cobertas pela imutabilidade. De fato, para
saber qual o alcance dos efeitos da sentença de mérito, é preciso determinar
com exatidão o que transita em julgado e, portanto, o que adquire contornos
de imutabilidade.
De início, cumpre lembrar, com Cândido Rangel Dinamarco, que a coisa
julgada material “tem acima de tudo o significado político-institucional de
assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia
constitucional”. Segundo Dinamarco:
“Por força da coisa julgada, não só o legislador carece de poderes para
dar nova disciplina a uma situação concreta já definitivamente regra-
da em sentença irrecorrível, como também os juízes são proibidos de
exercer a jurisdição outra vez sobre o caso e as partes não dispõem do
direito de ação ou de defesa como meios de voltar a veicular em juízo
a matéria já decidida.”46
Nas palavras de Juan C. Hitters, o princípio da coisa julgada é:
“Una cierta estabilidad o estabilización en los derechos otorgados por
un fallo, de suerte que la resolución recaída no puede ser reexamina-
da. Motivaciones de certeza prohíben la reiteración de lo decidido por
causa de seguridad y no directamente de justicia, aunque nada tienen
de opuestas a éstai.”47
Sob essa perspectiva, portanto, a coisa julgada se apresenta como
verdadeira garantia que se incorpora ao patrimônio das pessoas; ou, nas
palavras um pouco diversas de Celso Bastos, na coisa julgada “o direito
incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe
da imutabilidade da decisão judicial”48.
Dito isso, impõe-se, como antes afirmado, determinar quais os limites
objetivos dessa garantia. No âmbito doutrinário, Liebman, em clássica e

46 Relativizar a coisa julgada material. Informativo Incijur, n. 29, Joinvile, Santa Catarina, p. 4 e ss., dez.
2001.
47 Revisión de la cosa juzgada. La Plata: Platense, 1977, p. 169.
48 Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 20.
RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 173

festejada obra sobre o tema, ensinou que “é só o comando pronunciado pelo


juiz que se torna imutável, não a atividade lógica exercida pelo juiz para pre-
parar e justificar a decisão”49; o que, de resto, coincide com a regra do nosso
direito positivo, de cujo texto resulta, conforme já tivemos oportunidade de
asseverar no âmbito doutrinário:
“Que apenas o dispositivo da sentença, entendido como a parte que
contém a norma concreta, ou preceito enunciado pelo juiz, é apto a
revestir-se da autoridade da coisa julgada material. Excluem-se os
motivos, ou seja, a solução dada às questões lógicas ou prejudiciais
necessariamente enfrentadas para chegar à definição do resultado
da causa.”50
Ainda na doutrina nacional, José Frederico Marques também já ob-
servara que “a coisa julgada material tem como limites objetivos a lide e as
questões pertinentes a esta, que foram decididas no processo. A situação
litigiosa, que foi composta, constitui a área em que incidem os efeitos imu-
táveis do julgamento”. Assim, prossegue o mestre, “o que individualiza a
lide, objetivamente, são o pedido e a causa petendi, isto é, o pedido e o fato
constitutivo que fundamenta a pretensão. Portanto, a limitação objetiva da
coisa julgada está subordinada aos princípios que regem a identificação dos
elementos objetivos da lide”. E concluiu:
“De tudo se deduz que a coisa julgada alcança a parte dispositiva da
sentença ou acórdão, e ainda o fato constitutivo do pedido (a causa
petendi). As questões que se situam no âmbito da causa petendi
igualmente se tornam imutáveis, no tocante à solução que lhes deu o
julgamento, quando essas questões se integram no fato constitutivo
do pedido.”51 (grifei)
No mesmo sentido, entre nós, mais uma vez manifestou-se Barbosa
Moreira, agora ao comentar o art. 468 do vigente CPC e os limites objetivos
da coisa julgada, lembrando que:
“Apenas a lide é julgada; e como a lide se submete à apreciação do
órgão judicial por meio do pedido, não podendo ele decidi-la senão
‘nos limites em que foi proposta’ (art. 128), segue-se que a área sujeita
à autoridade da coisa julgada não pode jamais exceder os contornos
do petitum.”52

49 Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada.
Trad. Alfredo Buzaid, Benvindo Aires e da subscritora deste parecer. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, n.
16, 1984. p. 55.
50 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.
Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 312.
51 Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 3, n. 686 e 687, 1982. p. 238/239.
52 Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do novo código de processo civil. In: Temas de direito
processual civil. São Paulo: Saraiva, Primeira Série, 1988. p. 91.
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A esse propósito, são lapidares as palavras de Liebman, já invocado,


ao dizer que:
“E para identificar o objeto (sentido técnico) do processo e, em con-
seqüência, da coisa julgada, é necessário considerar que a sentença
representa a resposta do juiz aos pedidos das partes e que por isso [...]
tem ela os mesmos limites desses pedidos, que ministram, assim, o
mais seguro critério para estabelecer os limites da coisa julgada.”53
(grifei)
Nessa mesma linha de raciocínio, lembre-se, a propósito, que o art.
468 do CPC brasileiro estabelece que “a sentença, que julgar total ou parcial-
mente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
A “lide”, para esses fins, conforme observou Ernane Fidélis dos Santos,
“encontra seus limites objetivos no pedido e na causa de pedir”54. Em suma,
os limites objetivos da coisa julgada são estabelecidos a partir do objeto do
processo, isto é, da pretensão deduzida pelo autor – abrangente do pedido
e à luz da causa de pedir – e apreciada pela sentença.
Da coisa julgada se chega, como dito, à chamada eficácia preclusiva da
coisa julgada, segundo a qual a imutabilidade estende-se a todas as ques-
tões decididas e, bem ainda, a toda matéria que poderia ser oposta tanto ao
acolhimento quanto à rejeição do pedido (CPC, art. 474).
O tema, mais uma vez, foi enfrentado, com absoluta maestria, por Lieb-
man, que bem soube fixar os limites do aludido princípio. Conforme lembrou
o mestre, a assertiva segundo a qual a coisa julgada se estende a todas as
questões debatidas e decididas não é exata. Em primeiro lugar, “porque se
estende também a questões não debatidas nem decididas: se uma questão
pudesse ser discutida no processo, mas de fato não o foi, também a ela se
estende, não obstante, a coisa julgada, no sentido de que aquela questão não
poderia ser utilizada para negar ou contestar o resultado a que se chegou
naquele processo” (grifei).
Além disso, “em segundo lugar, pelo contrário, não se abrangem na
coisa julgada, ainda que discutidas e decididas, as questões que, sem consti-
tuir objeto do processo em sentido estrito, o juiz deverá examinar, como pre-
missa da questão principal (questões prejudiciais em sentido estrito): foram
elas conhecidas, mas não decididas, porque sobre elas o juiz não sentenciou,
e por isso podem ser julgadas livremente em outro processo, mas para fim
diverso do objetivado no processo anterior; e o resultado desse processo deve
permanecer intangível, mas para qualquer outro efeito subsistem intactas
as questões prejudiciais”55.

53 Cf. LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade. Cit., p. 57, nota i.


54 Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1997. p. 529.
55 Cf. LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade. Cit., p. 56, nota i.
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E mais ainda:
“A finalidade prática do instituto exige que a coisa julgada permaneça
firme, embora a discussão das questões relevantes tenha sido even-
tualmente incompleta; absorve ela, desse modo, necessariamente,
tanto as questões que foram discutidas como as que poderiam ser.”56
(grifei)
Mais recentemente, Sergio Menchini, anteriormente citado, lembrou
que:
“Per mezzo della efficacia preclusiva è impedito alle parti di tornare a
discutere delle questioni di merito e di rito, già proposte nel corso del
precedente giudizio, oppure di dedurre per la prima volta questioni, che
si sarebbero potute far valere per vedere accolta o respinta la domanda
ormai decisa, ove, così facendo, si finisca col rimettere in discussione il
contenuto del precedente accertamento.”
Dessa forma, lembra o autor italiano:
“l’efficacia preclusiva rappresenta lo strumento indispensabile per
impedire attentato all’integrità della precedente decisione in futuri
processi, e, dall’altro lato, essa non si risolve in un vincolo positivo, che
colpisce direttamente la questione, impedendone il riesame ad ogni
effeto, ma in un vincolo negativo indiretto, che la investe in via soltanto
mediata, ‘al fine di garantire al vincitore il godimento del risultato del
processo’.”57 (grifei)
Entre nós, Moacyr Amaral Santos, partindo exatamente do ônus de
alegação das partes (matéria aqui já examinada), afirmou que é com o ma-
terial fornecido pelas partes “e mais alegações em torno do mesmo (que)
se forma a sentença de primeiro grau, em relação à qual se fazem preclusas
todas as alegações e defesas que as partes poderiam ter oposto, e não opuse-
ram, assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”, de tal modo que “a
imutabilidade e indiscutibilidade da sentença passada em julgado tornam
preclusas todas as alegações e defesas, que a parte poderia ter oposto, e não
opôs, assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”58 (grifei).
Nas palavras de Ernani Fidélis dos Santos, “a garantia do bem da
vida, estabelecida pela coisa julgada, é de tamanha importância que, após o
trânsito, alegações e defesas que as partes poderiam deduzir e não o fizeram
são tidas por deduzidas e repelidas (art. 474). Nesta classificação se incluem
os fatos simples, bem como as questões de defesa não expostas [...]”59.

56 Cf. LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade. Cit., p. 56, nota i.


57 Cf., op. cit., p. 25.
58 Cf. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 1976. p. 497.
59 Cf. op. cit., p. 537.
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A matéria, como dito, está ligada ao instituto da preclusão que, além


de representar fenômeno extintivo de direitos ou faculdades processuais
para as partes, significa – objetivamente falando – um impedimento ao
retrocesso, em regra válida inclusive para o órgão julgador. Dessa maneira,
estabelece o art. 473 do CPC brasileiro ser “defeso à parte discutir, no curso
do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclu-
são” (grifei). Desse dispositivo resulta, nas palavras sempre autorizadas de
Moacyr Amaral Santos, que, “em relação às questões já decididas, a cujo
respeito se operou a preclusão, as decisões fazem coisa julgada formal, no
sentido de que, no mesmo processo, não mais poderão ser discutidas ou
reexaminadas”60 (grifei).
Em relação ao órgão judicial, a doutrina, nesse particular, fala em
uma preclusão pro iudicato, para designar, conforme oportuna lembrança
de João Batista Lopes, “uma espécie particular e imprópria de preclusão,
que consistiria no impedimento ou barreira antepostos ao juiz, a fim de que
ele não decida u’a mesma questão mais de uma vez”. A regra, como disse o
aludido processualista, é que “só se decidem uma questão ou um incidente
uma vez”61 (grifei).
Nas palavras de Pontes de Miranda:
“Se houve decisão do juiz sobre algum ponto de direito ou de fato e para
que se chegasse a esse ponto houve prazo, a preclusão afasta qualquer
reexame e julgamento pelo juiz. O que se teve por fito no art. 473 foi
evitar que, após o sim, ou não, que o juiz proferiu, possa ele passar a
dizer não, ou sim.”62 (grifei)
Em suma, a coisa julgada traz consigo, inclusive como forma de se
assegurar o resultado prático e concreto do processo, o impedimento à re-
discussão do que foi discutido na fase cognitiva.
Por sua vez, a eficácia preclusiva da coisa julgada cobre não só o que
foi discutido, mas também o que poderia ter sido discutido na fase cognitiva,
de modo que o impedimento à rediscussão cobre o que foi ou o que poderia
ter sido discutido.
Ora, na exata medida em que a sentença arbitral é equiparada à ju-
dicial, destinando-se, tanto quanto esta, a atuar o direito em concreto para
eliminar uma dada controvérsia, também em relação a ela há que operar a
chamada eficácia preclusiva: proferida a sentença arbitral, é vedado – tanto
no processo da arbitragem quanto em sede de processo jurisdicional estatal
– reabrir debate sobre questões de mérito que foram ou que poderiam ter

60 Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 1976. p. 495/496.
61 Breves considerações sobre o instituto da preclusão. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, n. 23, p. 49, jun./set. 1981.
62 Cf. op. cit., p. 211.
RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 177

sido suscitadas pelas partes. Pensar contrariamente seria permitir indefini-


damente a revisão do quanto se julgou e, no caso da arbitragem, dar eventual
margem para reexame do mérito da decisão arbitral.
É certamente em função disso que as matérias previstas pelo legisla-
dor no art. 741 do CPC, à exceção da hipótese contida no respectivo inciso
I, são todas elas posteriores à formação do título executivo, conforme parti-
cularmente fica claro pela dicção do inciso VI do art. 741 do CPC (“qualquer
causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento,
novação, compensação com execução aparelhada, transação ou prescrição,
desde que supervenientes à sentença”).

7 EXECUÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL: REGIME


DA EXECUÇÃO DEFINITIVA. DESNECESSIDADE DE
APRESENTAÇÃO DE ORIGINAL
Por expressa disposição legal, a sentença arbitral é título executivo
judicial (art. 584, VI) e, como tal, apta a permitir ao credor a instauração do
processo de execução, este perante o Poder Judiciário; o que, de resto, é
confirmado pela regra inserta no art. 31 da Lei de Arbitragem. De outro lado,
o art. 18 desse último diploma legal é igualmente taxativo ao estatuir que
a sentença arbitral “não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder
Judiciário”.
A conjugação desses dispositivos permite concluir que a execução
fundada em sentença arbitral se submete aos cânones da execução definiti-
va, dado que, nos termos do art. 587 do CPC, esse é o regime a ser adotado
em se tratando de “sentença transitada em julgado”. Portanto, não há que
se cogitar da instauração de execução provisória e, portanto, não há que se
falar em “carta de sentença” (CPC, art. 589) e, menos ainda, na apresentação
das peças destinadas à respectiva formação (CPC, art. 590).
Embora não seja usual falar-se em trânsito em julgado em relação à
sentença arbitral, é certo que, uma vez proferida e não cabendo contra ela
recurso, tecnicamente se opera fenômeno aí que em tudo corresponde ao
da autoridade da coisa julgada. O que nem é infirmado pela possibilidade
de posterior controle jurisdicional, dada a limitação dos meios colocados à
disposição do interessado (que, ademais, não são e não podem ser consi-
derados “recursos”), pelo sistema, para a finalidade de barrar a execução
fundada na sentença arbitral.
De outro lado, conforme autorizada lição de Carlos Alberto Carmona:
“Nos órgãos arbitrais institucionais, normalmente, será arquivado
o exemplar do original da sentença arbitral, fornecendo-se às partes
uma cópia, que terá o mesmo valor que o original (e, para evitar inútil
burocracia, pode a parte fazer atestar pelo órgão arbitral institucional
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que a cópia confere com o original), sendo desnecessária autenticação


notarial.”63 (grifei)
Nesse particular, parece rigorosamente certo que a nenhuma das
partes envolvidas na arbitragem – e que obviamente não ponha em dúvida
a existência do respectivo processo – será dado reclamar formalidade que vá
além do quanto exposto. Presumindo-se seja enviada cópia da sentença arbi-
tral às partes, trata-se de documento comum a elas e, nessa medida, inviável
a refutação, por uma delas, da apresentação de simples cópia, aplicando-se,
quando menos por analogia, o disposto no art. 358, III, do CPC.
Ademais, a eficácia probatória de cópias – eficácia aqui invocada
também por analogia, vez que não se trata de processo de conhecimento
– é dado que decorre do sistema, conforme resulta da regra inserta nos arts.
383 do Código de Processo Civil e 225 do Código Civil.

8 O EXAME DO CASO SUBMETIDO A CONSULTA


Aplicados os princípios e postulados anteriormente expostos e exami-
nados, é possível afirmar, no caso submetido a consulta, que existe identidade
entre o objeto e os fundamentos da ação anulatória de sentença arbitral, de
um lado, e dos embargos do devedor, de outro lado.
Com efeito, uma comparação atenta entre as duas referidas demandas
revela que rigorosamente todos os fundamentos expostos na ação anulató-
ria foram repetidos nos embargos do devedor. Para tanto, basta ver que em
ambos os processos a ali autora alegou que (i) a arbitragem teria tratado de
direitos indisponíveis; (ii) não teriam sido apreciadas as questões de fato e
de direito ligadas à controvérsia; (iii) não haveria correlação entre a pretensão
da Consulente e a decisão arbitral.
Essa correspondência é exata quanto aos fundamentos e quanto ao
objeto, pois, pelas duas medidas, o que se busca é rigorosamente o mesmo
resultado, isto é, a tutela do mesmo bem jurídico. Portanto, nessa medida,
não há apenas conexão entre as duas referidas demandas. O que há rigo-
rosamente é situação de litispendência, que impede que tais matérias, por-
que já resolvidas na ação anulatória, sejam reapreciadas em embargos. Os
ensinamentos anteriormente colacionados confirmam, com largueza, essa
conclusão: o que se quer por ambas as vias é o mesmo resultado, exatamente
pelos mesmos fundamentos.
Os embargos do devedor, na medida exposta, devem ser rejeitados
de pronto, não sendo despropositado inclusive sancionar-se o embargante
como litigante de má-fé, por repetir demanda já aforada e julgada. Portanto,
não é caso de suspender o julgamento dos embargos a pretexto de esperar

63 Cf. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 315.


RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 179

o julgamento da apelação interposta no processo da ação anulatória. Não


se trata de prejudicialidade externa, mas de litispendência. Suspensão
como a determinada em primeiro grau é de ser descartada não apenas pela
ocorrência da litispendência, mas também porque, sendo os fundamentos
jurídicos acima mencionados aptos a embasar ação anulatória, não são eles
aptos a fundamentar embargos do devedor; tanto mais quando vindos depois
de noventa dias e repetindo razões já constantes de demanda precedente,
conforme judiciosa doutrina já invocada. Sendo assim, nos termos do art.
739, II, do CPC, é caso inclusive de rejeição liminar dos embargos.
Eventualmente, no Tribunal, poderá até haver a prevenção de uma
dada Câmara, a determinar competência para julgar a apelação interposta no
processo da anulatória e eventual apelação a ser interposta contra a sentença
nos embargos do devedor. Mas o que não se pode admitir é que a parte seja
privada de dar andamento à execução ao argumento de se ter que aguardar
o julgamento, no Tribunal, de recurso interposto em outro processo. Por tudo
isso, enfim, e para que não haja denegação de justiça, com ofensa inclusive
à garantia constitucional de duração razoável do processo.
Por oportuno, pode se afirmar que os fundamentos da anulatória, ora em
fase de recurso, são improcedentes, e a sentença proferida deve ser mantida
em todos os seus termos. Como demonstrado, não se trata de direito indispo-
nível, comportando, por seus claros aspectos patrimoniais, transação entre
as partes. Se, como visto, até em relação a pessoas jurídicas, que têm capital
público, tem se admitido a arbitragem, o que dizer de uma controvérsia sobre
representação comercial entre empresas? Aliás, mais uma vez se evidencia
a má-fé da adversária da Consulente, ao firmar a convenção de arbitragem
e depois invocar uma suposta indisponibilidade do direito discutido. Pior: a
regra cogente invocada pela autora da ação anulatória estabelece posição de
vantagem não em favor dela demandante, mas sim da Consulente... Portanto,
também por isso não vinga a alegação de ser indisponível o direito em tela;
assim como não vingam as alegações de falta de fundamentação – as ques-
tões suscitadas foram devidamente apreciadas pela sentença arbitral – e de
falta de correlação entre demanda e sentença – que se conteve estritamente
nos limites do objeto do processo arbitral.
É certo que os embargos do devedor pretenderam ter objeto mais am-
plo que a ação anulatória. Assim, além das matérias acima mencionadas, a ali
embargante alegou (i) ausência de pagamento de custas iniciais; (ii) ausência
de peças necessárias à instauração da execução; (iii) excesso de execução
em razão de pagamento parcial que havia sido feito no curso do processo
arbitral; (iv) extinção da obrigação por confusão, ao argumento de que a ali
embargante detém parte do capital social da ali embargada; (v) nulidade da
penhora, por ter incidido sobre capital de giro da ali embargante.
Isso, contudo, não afasta a conclusão de que os embargos do devedor
devem ser julgados imediatamente. Essas outras matérias devem ser enfren-
180 RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER

tadas, julgando-se os embargos como o juízo de primeiro grau entender de


direito. A esse respeito, aliás, cumpre assinalar que tais outras alegações
deduzidas nos embargos – não coincidentes com os fundamentos da ação
anulatória – merecem ser também rechaçadas.
É que o alegado pagamento (que geraria suposto excesso de execu-
ção) é confessadamente anterior à sentença arbitral; assim como é anterior à
sentença a questão da suposta confusão. Portanto, pelas razões largamente
expostas, matérias deduzidas ou dedutíveis no processo, ficam cobertas pela
eficácia preclusiva, conforme regra do art. 474 do CPC. Não pode o Judiciário
apreciá-las, quer porque ao fazê-lo invadiria o mérito da controvérsia, quer
porque tais questões estão abrangidas pela mencionada eficácia preclusiva,
quer porque embargos do devedor só podem dizer respeito a fatos posteriores
à sentença – o que é absolutamente claro na hipótese, diante dos termos
taxativos do inciso VI do art. 741 do CPC.
Ademais, custas, se devidas, podem ser recolhidas a qualquer momen-
to, não se exigindo para a execução mais do que demonstração do próprio
título executivo; tanto mais quando não se põe em dúvida sua existência.
Nesse particular, conforme visto anteriormente, basta a apresentação de
cópia da sentença arbitral que, no caso sob exame, é inequivocamente um
documento comum às partes; tanto que a adversária da Consulente ajuizou
duas demandas tendentes a combater a sentença, cujos termos, portanto,
conhece perfeitamente.

RESPOSTAS AOS QUESITOS


1. Existe identidade entre a ação declaratória de nulidade ou de anu-
lação da sentença arbitral e a ação de embargos do devedor?
Resposta: Sim. Conforme razões expostas no parecer, os fundamentos
da ação anulatória foram integralmente repetidos nos embargos do devedor. E,
sendo idêntico o objeto, impõe-se reconhecer o fenômeno da litispendência.
2. Suposto haver identidade entre as duas referidas demandas, quais
as repercussões para cada um dos referidos processos?
Resposta: Como exposto no corpo do parecer, não é caso de se sobres-
tar o julgamento dos embargos, que devem ser julgados imediatamente.
Quanto aos fundamentos repetidos, o juízo deve se abster de julgar o mérito,
já julgado na ação anulatória, em face da litispendência. Quanto aos funda-
mentos diversos, deve o juízo julgar como entender de direito. No tribunal,
eventualmente, se houver apelação nos embargos, os recursos poderão até
ser julgados por um mesmo órgão.
3. É possível pleitear, em embargos do devedor propostos após o prazo
de 90 dias previsto no § 1º do art. 33 da Lei de Arbitragem, a anulação ou a
declaração da nulidade de Sentença Arbitral, com base nos fundamentos do
art. 32 daquele diploma legal?
RBAr Nº 18 – Abr-Jun/2008 – PARECER 181

Resposta: Na linha de prestigiosa doutrina, entende-se que não é


possível.
4. A controvérsia submetida à arbitragem versa sobre direitos indis-
poníveis?
Resposta: Não, conforme razões expostas no corpo do parecer.
5. É possível, no processo de embargos, o exame de alegações refe-
rentes a fatos anteriores à formação do título executivo?
Resposta: Não. Os embargos, exceto na hipótese do inciso I do art.
741 do CPC, somente podem articular matérias supervenientes à formação
do título. O mais estará coberto pela coisa julgada e especialmente pela
eficácia preclusiva de que trata o art. 474 do CPC.
6. As alegações de pagamento parcial e confusão estão cobertas pela
eficácia preclusiva de que é portadora a sentença arbitral?
Resposta: Sim. Trata-se de matérias dedutíveis no processo arbitral,
anteriores à sentença. Portanto, tais matérias estão cobertas pela eficácia
preclusiva e não podem ser reapreciadas em embargos do devedor.
7. Para instauração do processo de execução, basta apresentar cópia
da sentença arbitral?
Resposta: Sim, conforme fundamentos indicados no corpo do parecer.
No caso, trata-se de documento comum, o que reforça a desnecessidade de
apresentação do original.
É o parecer.
São Paulo, x.x.x.x..
Ada Pellegrini Grinover
Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo

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