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A CONSULTA
Honra-me o Dr. x.x.x.x.x. encaminhando consulta acompanhada de
documentos, com pedido de parecer, em nome de x.x.x.x.x.x., relativamente
à arbitragem que se estabeleceu entre a Consulente e a empresa x.x.x.x..
Narra a Consulente que, com o objetivo de terceirizar sua atividade
comercial, a parte contrária, em x.x.x., demitiu seus funcionários da área para
que fosse criada a empresa Consulente, com quem foi firmado contrato que,
embora denominado de “prestação de serviços”, regulava relação jurídica de
representação comercial. Referido contrato teve seu prazo inicial prorrogado
indeterminadamente.
Relata ainda a Consulente que, não obstante tivesse, mercê de seus
esforços, assegurado valiosa clientela à representada, esta, em julho de x.x.x.,
enviou notificação denunciando imotivadamente o contrato e afirmando não
ser devida qualquer indenização, exceto os valores relativos à remuneração
fixa até o fim do prazo do aviso de trinta dias e a remuneração variável de-
corrente das vendas feitas durante o que alegou ser a vigência do contrato.
Vencidos os trinta dias, obstou-se o exercício da representação.
Tendo as partes firmado cláusula compromissória, a Consulente pro-
vocou a instauração do processo arbitral perante a Câmara de Mediação e
Arbitragem de São Paulo, firmando-se termo de arbitragem no qual foram
arroladas as seguintes questões a serem dirimidas: (i) início e fim da vigên-
cia do contrato, inclusive eventual prorrogação; (ii) validade da cláusula de
renúncia a qualquer indenização prevista pela Lei nº 4.886/1965; (iii) exigi-
bilidade das indenizações previstas no art. 27, j, da referida lei; (iv) fixação
do montante da indenização prevista no art. 34 do mesmo diploma; (v) re-
tribuição pendente gerada por pedidos em carteira ou em fase de execução
e recebimento; (vi) correção monetária dos valores das comissões; e (vii)
composição das verbas devidas.
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QUESITOS
1. Existe identidade entre a ação declaratória de nulidade ou de anu-
lação da sentença arbitral e a ação de embargos do devedor?
2. Suposto haver identidade entre as duas referidas demandas, quais
as repercussões para cada um dos referidos processos?
3. É possível pleitear, em embargos do devedor propostos após o
prazo de 90 dias previsto no § 1º do art. 33 da Lei de Arbitragem,
a anulação ou a declaração da nulidade de Sentença Arbitral, com
base nos fundamentos do art. 32 daquele diploma legal?
4. A controvérsia submetida à arbitragem versa sobre direitos indis-
poníveis?
5. É possível, no processo de embargos, o exame de alegações refe-
rentes a fatos anteriores à formação do título executivo?
6. As alegações de pagamento parcial e confusão estão cobertas pela
eficácia preclusiva de que é portadora a sentença arbitral?
7. Para instauração do processo de execução, basta apresentar cópia
da sentença arbitral?
Bem examinada a questão, inclusive pelos documentos que a instruem,
passo a proferir meu parecer, que se cingirá, tanto quanto as indagações
formuladas, às questões processuais suscitadas nos autos.
PARECER
1 Cf. A crise do poder judiciário. In: O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.
p. 22.
2 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. A arbitragem como meio de solução de controvérsias. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 97, n. 353, p. 109, jan./fev. 2001.
3 Cf. Arbitragem e conciliação. Presente e futuro. A situação em Portugal. Revista de Processo, a. 27, v.
107, p. 204, jul./set. 2002.
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Considerando como meios alternativos de solução de litígios também as inovações na tutela dos inte-
resses difusos e coletivos, veja-se LAGRASTA NETO, Caetano. Meios alternativos – uma interpretação
política (RT 665/40) e Meios alternativos de solução de litígios (RT 635/22).
5 Cf. Manual da arbitragem. São Paulo: RT, 1997. p. 62.
6 Além de outras soluções criativas e igualmente utilizadas, especialmente nos Estados Unidos da
América, para solução de controvérsias, como mini-trial, rent-a-judge, basebal arbitration, entre outras.
Veja-se, a respeito, FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem, p. 61 e ss.; CARMONA, Carlos
Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 45; e COOLEY, John W.; LUBET, Steven.
Advocacia de arbitragem. Trad. René Loncan. Brasília: Universidade de Brasília, e São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado, 2001.
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7 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p.
19.
8 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.
Teoria geral do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 22.
9 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Ob.
cit., p. 24.
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10 Cf. MARTINS, Pedro A. Batista. O Poder Judiciário e a arbitragem: quatro anos da Lei nº 9.307/1996 – 1ª
parte. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 97, n. 357, p. 116, set./out. 2001.
11 Cf. El tratamiento procesal de la excepción de arbitraje. Barcelona: José Maria Bosch, 1997. p. 38.
12 Cf. Considerações sobre os limites da vinculação da Arbitragem. RT, São Paulo, v. 780, a. 89, p. 77, out.
2000.
13 Cf. Código de processo civil e legislação processual extravagante em vigor. 5. ed. São Paulo: RT, nota 13
ao art. 301. p. 777.
14 Ob. cit., nota 16 ao art. 267, VII, p. 711.
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19 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 209,
p. 85-86, jul./set. 1997.
20 Cf. Arbitragem na concessão de serviços públicos – Arbitrabilidade objetiva. Confidencialidade ou
publicidade processual? Os novos paradigmas do direito administrativo. Palestra proferida na reunião
do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAR, São Paulo, maio 2003, p. 2.
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21 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos. BDA – Boletim de Direito Administrativo, p. 673, out.
1997.
22 Cf. O conciliador/mediador e o árbitro nos contratos administrativos. BDA – Boletim de Direito Admi-
nistrativo, p. 825, dez. 1997.
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23 Cf. FIGUEIREDO JÚNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
192/193.
24 Cf. CORRÊA, Antonio. Arbitragem no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 150/151.
25 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 338/339.
26 Cf. FIGUEIREDO JÚNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 192/193,
1997.
27 Cf. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos Fundamentais de Processo Arbitral e pontos de contato
com a Jurisdição Estatal. Publicada no Juris Síntese, n. 41, maio/jun. 2003.
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28 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, v. IV,
2004. p. 637/639.
29 Cf. FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 1182/1183.
30 Cf. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1985. p.
106/107.
31 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. São Paulo: Universitária de Direito Ltda.,
1985. p. 344/345.
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32 Cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Embargos à execução. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 80, 84 e
117/118.
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36 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução da 2ª edição italiana por
J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, v. I, 1965. p. 354/360.
37 Cf. PISANI, Andrea Proto. Lezioni di diritto processuale civile. Seconda edizione. Napoli: Jovene Editore,
1996. p. 350.
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pedire che lo stesso oggetto del processo abbia una duplice fonte di
disciplina (cioè, che ci siano due sentenze – di contenuto potenzialmente
diverso – che disciplinano la stessa situazione sostanziale); dall’altro
lato, evitare attività processuali inutili, per un principio in senso lato
di economia processuale.”38 (grifei)
Na doutrina brasileira, José Joaquim Calmon de Passos afirmou:
“A proibição do bis in idem importa em tornar inválido o processo,
cujo objeto é uma lide já objeto de outro processo pendente, ou de-
finitivamente encerrado com julgamento de mérito. Se há processo
em curso, cujo objeto (mérito) é idêntico ao que se pretende formar,
diz-se que há litispendência, no sentido de que a lide, objeto do novo
processo, já é lide de outro processo ainda em curso (pendente). Se
há processo já definitivamente concluído e pelo qual já foi composta
a lide que se quer reproduzir como objeto do novo processo, diz-se
que há coisa julgada, no sentido de que a lide, objeto do novo pro-
cesso, já foi lide em outro processo, concluído com exame de mérito
(findo).”39 (grifei)
Sobre o tema, Cândido Rangel Dinamarco observou que:
“A pessoa que toma a iniciativa de vir a juízo e provocar a instauração
de um processo é sempre portadora de uma pretensão que por algum
motivo está insatisfeita [...] e sempre o demandante postula que ela
se satisfaça à custa de uma outra pessoa determinada ou em relação
a ela. Toda pretensão tem por objeto um bem da vida, ou seja, uma
coisa material a obter ou uma situação a criar, modificar ou extinguir.
Toda pretensão apóia-se em fundamentos de fato e de direito. As pes-
soas, o bem da vida pretendido e os fundamentos da pretensão estão
sempre presentes em uma demanda válida. Cada uma das pretensões
insatisfeitas que o sujeito alimenta no espírito e traz ao juiz em busca
de solução caracteriza-se, em concreto, pelas partes envolvidas, pela
causa de pedir e pelo pedido. Mas a promessa constitucional de controle
jurisdicional e acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV) não chega ao ponto
de permitir que uma pretensão seja trazida ao Poder Judiciário mais
de uma vez. O bis in idem é tradicionalmente repudiado pelo direito,
mediante a chamada exceção de litispendência.”40 (grifei)
Ainda na lição de Dinamarco:
“A chamada teoria dos três eadem (mesmas partes, mesma causa pe-
tendi, mesmo petitum), conquanto muito prestigiosa e realmente útil,
38 Cf. LUISO, Francesco P. Diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, v. I, 1997. p. 179/180.
39 Cf. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao código de processo civil. Rio de janeiro: Forense,
v. III, p. 258/261.
40 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
v. II, 2002. p. 49 e 61/64.
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41 Idem.
42 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 344/345.
43 Idem.
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44 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 344/345.
45 Cf. Ação rescisória. São Paulo:, Malheiros, 2005. p. 207. No mesmo sentido, indica: VIGORITI, Vicenzo.
Em busca de um direito comum arbitral: notas sobre o laudo arbitral e a sua impugnação, p. 21. RICCI,
Edoardo. Reflexões sobre o art. 33 da lei de arbitragem, p. 53 (falando da impossibilidade de se corrigir
a sentença arbitral, na forma do art. 33 da lei brasileira, por sua “simples injustiça”); e CARMONA,
Carlos Alberto. Arbitragem e processo, p. 272.
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46 Relativizar a coisa julgada material. Informativo Incijur, n. 29, Joinvile, Santa Catarina, p. 4 e ss., dez.
2001.
47 Revisión de la cosa juzgada. La Plata: Platense, 1977, p. 169.
48 Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 20.
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49 Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada.
Trad. Alfredo Buzaid, Benvindo Aires e da subscritora deste parecer. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, n.
16, 1984. p. 55.
50 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.
Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 312.
51 Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 3, n. 686 e 687, 1982. p. 238/239.
52 Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do novo código de processo civil. In: Temas de direito
processual civil. São Paulo: Saraiva, Primeira Série, 1988. p. 91.
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E mais ainda:
“A finalidade prática do instituto exige que a coisa julgada permaneça
firme, embora a discussão das questões relevantes tenha sido even-
tualmente incompleta; absorve ela, desse modo, necessariamente,
tanto as questões que foram discutidas como as que poderiam ser.”56
(grifei)
Mais recentemente, Sergio Menchini, anteriormente citado, lembrou
que:
“Per mezzo della efficacia preclusiva è impedito alle parti di tornare a
discutere delle questioni di merito e di rito, già proposte nel corso del
precedente giudizio, oppure di dedurre per la prima volta questioni, che
si sarebbero potute far valere per vedere accolta o respinta la domanda
ormai decisa, ove, così facendo, si finisca col rimettere in discussione il
contenuto del precedente accertamento.”
Dessa forma, lembra o autor italiano:
“l’efficacia preclusiva rappresenta lo strumento indispensabile per
impedire attentato all’integrità della precedente decisione in futuri
processi, e, dall’altro lato, essa non si risolve in un vincolo positivo, che
colpisce direttamente la questione, impedendone il riesame ad ogni
effeto, ma in un vincolo negativo indiretto, che la investe in via soltanto
mediata, ‘al fine di garantire al vincitore il godimento del risultato del
processo’.”57 (grifei)
Entre nós, Moacyr Amaral Santos, partindo exatamente do ônus de
alegação das partes (matéria aqui já examinada), afirmou que é com o ma-
terial fornecido pelas partes “e mais alegações em torno do mesmo (que)
se forma a sentença de primeiro grau, em relação à qual se fazem preclusas
todas as alegações e defesas que as partes poderiam ter oposto, e não opuse-
ram, assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”, de tal modo que “a
imutabilidade e indiscutibilidade da sentença passada em julgado tornam
preclusas todas as alegações e defesas, que a parte poderia ter oposto, e não
opôs, assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”58 (grifei).
Nas palavras de Ernani Fidélis dos Santos, “a garantia do bem da
vida, estabelecida pela coisa julgada, é de tamanha importância que, após o
trânsito, alegações e defesas que as partes poderiam deduzir e não o fizeram
são tidas por deduzidas e repelidas (art. 474). Nesta classificação se incluem
os fatos simples, bem como as questões de defesa não expostas [...]”59.
60 Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 1976. p. 495/496.
61 Breves considerações sobre o instituto da preclusão. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, n. 23, p. 49, jun./set. 1981.
62 Cf. op. cit., p. 211.
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