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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos

DR. DAVID NUNES DOS REIS

Sumário: 1. Introdução: a. Identificação do problema; b. Delimitação do tema; c. Termino-


logia adotada. 2. A extinção das obrigações: a resolução: a. Enquadramento; b. A resolução.
3. Os efeitos da resolução: a. Efeito extintivo; b. Efeito retroativo; c. Efeito restitutório;
d. Em especial: a indemnização pelos danos sofridos. 4. A resolução ilícita no sistema:
a. Enquadramento e recolocação do problema; b. Ilicitude e Ineficácia: regime geral; c. Ilici-
tude e Ineficácia: regimes especiais. 5. A resolução ilícita: a ineficácia como regra: a. Ponto
prévio; b. Argumentos a favor da eficácia da resolução ilícita enquanto modo de extinção do
vínculo contratual; c. Argumentos contra a eficácia da resolução ilícita enquanto modo de
extinção do vínculo contratual; d. Tese defendida. 6. Conclusões.

1. Introdução

a. Identificação do problema

A resolução – enquanto modalidade de cessação dos contratos – opera por


mera declaração das partes (artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil1). Significa,
portanto, que produz os seus efeitos quando chega à esfera jurídica do decla-
ratário, i.e., da pessoa que recebe a declaração de resolução do contrato. Além
disso, esta declaração pode até ser verbal (artigo 219.º). Assim sendo, dir-se-ia
que os efeitos típicos da resolução se dão no momento em que chegam à esfera
do declaratário, o que significa que o efeito extintivo do vínculo jurídico-obri-
gacional se dá nesse momento.

1
Doravante, salvo indicação em contrário, os artigos citados pertencem ao Código Civil aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, na versão em vigor.

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A resolução é ainda caracterizada por ser motivada, ou seja, deve haver uma
razão justificativa para proceder à resolução dos contratos. Nesse sentido, diz-se
que é de exercício vinculado. Só pode resolver quem para tanto tiver funda-
mento o que, nas mais das vezes, se reporta a uma situação de incumprimento.
Ora, pode o declarante estar a resolver o contrato sem fundamento. Nessa
medida, colocam-se as seguintes questões: “O exercício da resolução sem fun-
damento produz o efeito extintivo?”, “Faz cessar o vínculo contratual?” ou
ainda “O que significa extinguir (ou não) o contrato?”.
Este ponto é tanto mais relevante se trouxermos para o nosso problema um
outro dado: a ilicitude da declaração de resolução é decretada pelo tribunal a
posteriori. E é justamente aqui que surge o problema da manutenção (ou não)
dos efeitos jurídicos da resolução (ilícita).
Há que ser preciso na colocação do problema, sob pena de se estar a res-
ponder a um problema que não aquele que se visa responder. Donde, per-
gunta-se: “A resolução ilícita de um contrato extingue o contrato ilicitamente
resolvido?”
A resposta tem de ser particularmente cautelosa uma vez que tem de aten-
der aos conceitos jurídicos em causa e, bem assim, aos dados práticos do pro-
blema e ao circunstancialismo em que ocorre. Por um lado, é verdade que não
parece fazer sentido que o resolvente consiga obter a ineficácia do contrato
quer tenha ou não fundamento [sob pena de se estar a admitir que se atinja o
mesmo objetivo (extinção do vínculo) quer se viole a lei ou não (quer a resolu-
ção seja ilícita ou lícita)]2. Por outro lado, também parece difícil sustentar que
as partes devem “reatar”, mesmo perante uma decisão judicial tardia.

b. Delimitação do tema

Importa referir que a ilicitude da resolução que aqui se pretende analisar


advém da falta de fundamento aquando da declaração de resolução do contrato.
Não se irá, portanto, aferir de outras causas, como, por exemplo, a insolvência
de uma das partes, vícios de procedimento, designadamente a resolução pré-
via à expiração de interpelação admonitória. No presente trabalho apenas será
abordada a questão da eventual produção do efeito extintivo por uma resolução

2
Sobre a aplicação do Direito e as suas consequências veja-se, por exemplo, MacCormick, Neil,
“Judging by Consequences”, in Neil MacCormick, Rhetoric and the Rule of Law – A theory of Legal
Reasoning, Oxford University Press, 2005, pp. 101-120.

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ilícita, cuja ilicitude advenha do facto de o resolvente ter resolvido sem que
para tanto tivesse fundamento bastante3.
Portanto, interessa aqui ponderar os casos de resolução convencional fun-
damentada. Por falta de fundamento entende-se a (i) não invocação de qualquer
fundamento; ou (ii) invocação de fundamento que não conste do clausulado ou
da lei (pretenso fundamento).

c. Terminologia adotada

Em Direito os conceitos têm cargas conceptuais próprias. Se abandonarmos


o sentido normativo das palavras abandonamos também o Direito4. Ora, veri-
fica-se na doutrina e na jurisprudência alguma flutuação terminológica. Raúl
Guichard e Sofia Pais optam por usar “resolução ilegítima”5 para os casos de
falta de fundamento. Outros, como por exemplo Romano Martinez, adotam o
termo “resolução ilícita”6. Baptista Machado usam as expressões “justa causa”
e “desvinculação arbitrária”7. Por sua vez, Joana Farrajota8 prefere os termos
“resolução sem fundamento” ou “resolução infundada”.
Na jurisprudência nacional dos tribunais superiores encontramos referên-
cia a “resolução ilegal”9, “resolução injusta”10 e, recentemente, “resolução
ilícita”11.

3 Para um tratamento aprofundado deste tema veja-se a dissertação de doutoramento de Joana


Farrajota, A Resolução sem Fundamento, Almedina, 2015.
4 O termo resolução é polissémico o que significa que um mesmo significante tem vários signifi-

cados. Por exemplo, resolução do conselho de administração [artigo 297.º, n.º 1, al. b), do CSC],
resolução de litígio laboral (artigo 329.º, n.º 7, do CT), resolução de conflitos de competência
(artigo 116.º do CPC).
5 Guichard, Raúl, e Pais, Sofi a, “Contrato-promessa: recusa ilegítima e recusa terminante de

cumprir; mora como fundamento de resolução; perda de interesse do credor na prestação; des-
vinculação com fundamento em justa causa; concurso de culpas no incumprimento; redução da
indemnização pelo sinal”, in Direito e Justiça, vol. XIV, Tomo I, 2000, p. 316.
6 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato, 3.ª ed., Almedina, 2017, pp. 208-209.

7 Machado, João Baptista, “Comentário ao acórdão de 8 de Novembro de 1983 do Supremo Tri-

bunal de Justiça”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 118.º Ano, n.º 3730-3741, 1985-1986,
p. 275, nota 2, e ainda p. 281.
8 Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 49-50.

9 “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Joaquim Figueiredo) de 19 de Março de 1985”, in

Boletim do Ministério da Justiça, n.º 345, 1985, pp. 400-404.


10 Por exemplo, o Acórdão do STJ (Serra Baptista) de 20 de junho de 2013, disponível em www.

dgsi.pt.
11 Por exemplo, o Acórdão do STJ (Hélder Roque) de 8 de maio de 2013, o Acórdão do Tribunal

da Relação de Lisboa (Olindo Geraldes) de 1 de outubro de 2015, disponível em www.dgsi.pt.

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Opta-se por usar a terminologia adotada por Romano Martinez. Se bem


se pensa, o que está em causa é o exercício de um direito sem fundamento ou
com base num pretenso fundamento. Assim, configura uma resolução ilícita,
na medida em que há uma contrariedade ao plano. Quanto às outras propostas,
entende-se que não são de acolher. A referência a legitimidade está incorreta
e gera confusão. Legitimidade é uma característica das pessoas. A referência
a ilegalidade é ampla e vaga. Quanto ao termo “resolução sem fundamento”
também não merece acolhimento. Isto porque a resolução sem fundamento
é ilícita e, portanto, a ilicitude é o qualificativo da resolução. O problema
da produção ou não de efeitos põe-se em virtude da ilicitude do ato e, por-
tanto, é a expressão “resolução ilícita” que melhor capta o problema em causa.
O ponto é justamente esse: a produção de efeito de um ato ilícito. Além do
mais, a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores tem optado de
modo significativo por esta terminologia, conforme se refere supra.

2. A extinção das obrigações: a resolução

a. Enquadramento

No Título I do Livro II do Código Civil consta o capítulo VIII intitu-


lado “Causas da extinção das obrigações além do cumprimento”. Aí se podem
encontrar as seguintes modalidades: (i) dação em cumprimento; (ii) consigna-
ção em depósito; (iii) compensação; (iv) novação; (v) remissão; e (vi) confusão.
Claro está que haverá que adicionar ainda o cumprimento enquanto modali-
dade extintiva.
Assim, o que une todas estas figuras é a sua capacidade extintiva, ou seja,
quando verificados os seus pressupostos dá-se, tipicamente, a extinção da obri-
gação em causa12-13. Esta extinção pode dar-se por substituição de prestação,
por mero acerto de contas ou, simplesmente, por renúncia à prestação. Em
todos os casos permanece um elemento extintivo das obrigações.

12
O problema é delicado e extenso. Mas a extinção de uma obrigação principal, por exemplo,
pode não comportar a extinção de outras obrigações secundárias ou acessórias, basta pensar na
manutenção dos deveres com origem na boa-fé relativos ao aproveitamento de informação tro-
cada aquando da vigência do contrato.
13 Apesar de não ser abordada a resolução veja-se, com interesse, Sá, Fernando Augusto Cunha

de, “Modos de extinção das obrigações”, in (org. António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Lei-
tão e Januário da Costa Gomes) Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles,
I, Almedina, 2003, pp. 171 e ss.

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Mas há outras modalidades de extinção das obrigações14, designadamente:


(i) a supressão da fonte da obrigação; (ii) a impossibilidade superveniente; (iii) a
revogação; (iv) a resolução; (v) a denúncia; e (vi) a caducidade.

b. A resolução

Menezes Cordeiro apresenta uma primeira noção de resolução definindo-a


como uma “cessação de um contrato por decisão unilateral de uma das par-
tes, quando justificada em certos factos e desde que permitida pela lei e pelo
contrato”15.

i) Evolução histórica e comparação de Direitos

No Direito Romano não havia um conceito claro e preciso de resolução,


muito embora houvesse já algumas figuras que permitiam pôr cobro – unila-
teralmente – a contratos de compra e venda16. Apenas mais tarde, em França,
se foi desenvolvendo e consolidando a ideia de que perante um determinado
incumprimento a outra parte podia resolver (unilateralmente) o contrato.
Coube à canonística sedimentar esta ideia através da justificação com base na
quebra da fides, conforme dá conta Menezes Cordeiro17. O humanismo repre-
sentou um retrocesso uma vez que se apontou o remédio indemnizatório como
solução. No Código de Napoleão, a resolução estava assente na conditio, uma
condição resolutiva tácita correspondente ao cumprimento do contrato pela
outra parte, conforme refere Menezes Cordeiro18. Quando violada, então,
poderia haver lugar à resolução, muito embora o seu exercício tivesse de ser
feito em juízo. A pandectística, esta, foi mais favorável à resolução.
Olhando agora para outros ordenamentos jurídicos, num exercício de
direito comparado, rectius, comparação de Direitos19, resulta claro que há uma
tendência para “aligeirar” o exercício da resolução, designadamente através da
possibilidade de o exercer fora de juízo.

14
Cfr. Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX, 3.º ed., 2017, pp. 454 e ss.
15
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 907.
16 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, pp. 907-908.

17 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 908.

18 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, pp. 911 e ss.

19 Neste sentido, embora adote a terminologia consagrada na literatura especializada, i.e., Direito

Comparado vide, Vicente, Dário Moura, Direito Comparado, vol. I, 4.ª ed., Almedina, 2018.

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Em França, após uma longa tradição de exigibilidade de intervenção judi-


cial, foi consagrado no artigo 1224.º do Code Civil a possibilidade de a resolu-
ção operar em virtude de cláusula contratual, incumprimento grave, notifica-
ção do credor ou ainda por decisão judicial. Um esquema resolutório generoso,
portanto. No direito alemão, a cláusula geral consta do § 323 e o exercício
deste direito é extrajudicial. No direito italiano afiguram-se centrais os artigos
1453.º e ss. Em particular, nos artigos 1453.º a 1462.º do Código Civil de
1942 – subordinados à temática da resolução por incumprimento – surge a
disciplina jurídica que mais releva para o problema em causa. Conforme refere
Joana Farrajota20, muito embora a regra constante seja a do exercício judi-
cial da resolução, a verdade é que as exceções existentes consomem a regra,
podendo, por isso, dizer-se que a regra é a do exercício extrajudicial. Por fim,
em Espanha, a situação é semelhante ao caso italiano: apesar do artigo 1124.º,
§§ 2 e 3, do Código Civil prever o exercício judicial, o Tribunal Supremo já
entendeu, por diversas vezes, que a resolução pode operar por mera declaração
à contraparte21.

ii) Regime português: traços caracterizadores e pressupostos

O regime português22 inspira-se no BGB na medida em que a resolução


opera extrajudicialmente. Significa, portanto, que para a resolução produzir
os seus efeitos bastaria a mera declaração à contraparte (artigo 436.º/1). Nessa
medida, não é necessária a intervenção do tribunal para que a resolução pro-
duza os seus efeitos, sendo, por isso, apelidada de resolução extrajudicial.
Isto não significa, claro está, que a resolução possa ocorrer de modo livre,
ou seja, que a desvinculação ocorra por mera vontade do declarante. Com
efeito, a lei exige que se possa resolver o contrato se tal estiver convencionado
pelas partes ou resultar da lei. Contudo, a possibilidade de lançar mão da reso-
lução tem de constar do clausulado ou da lei. Conforme refere Romano Mar-
tinez, a “resolução do contrato é um meio de extinção do vínculo contratual

20
Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 36-37.
21
Neste sentido, Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, p. 37.
22 Especificamente, no tocante à resolução, constituem obras fundamentais: Serra, Adriano Vaz,

“Resolução do Contrato”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, 1957 (Separata); Proença, José
Carlos Brandão, A Resolução do contrato no Direito Civil, Coimbra Ed., 2006; Machado, João Bap-
tista, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in João Baptista Machado, Obra Dispersa,
Vol. I, Scientia Iuridica, 1991, pp. 125-213; Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato, 3.ª
ed., Almedina, 2017.

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por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto


na lei ou depende de convenção das partes”23.
O regime geral da resolução dos contratos vem previsto nos artigos 432.º a
436.º do CC. Pela análise destas cinco normas podemos retirar as características
típicas da resolução que, na sistematização proposta por Menezes Cordeiro24,
correspondem às seguintes:

(i) Condicionada: fundada na lei ou em convenção (artigo 432.º, n.º 1);


(ii) Tendencialmente vinculada: haverá que alegar e demonstrar funda-
mento para a resolução; e
(iii) Retroativa: extingue, ab initio, as relações contratuais (artigo 434.º).

Partindo desta sistematização e olhando para o regime geral, cumpre des-


tacar quatro traços fundamentais da resolução que permitem perceber e dar
resposta ao problema em causa:

(i) Extrajudicial;
(ii) Unilateral;
(iii) Retroativa; e
(iv) Motivada.

Estes traços são fundamentais para a colocação do problema. Porquê?


Repare-se: aquilo que se pretende responder é se uma declaração de resolu-
ção do contrato sem fundamento produz o efeito extintivo. Nessa medida,
pergunta-se se uma declaração resolutiva de uma das partes (extrajudicial e
unilateral), assente em pretenso fundamento (motivada), extingue o contrato
(retroatividade).
Voltemos então aos principais traços:
Em primeiro lugar, a resolução é extrajudicial. Trata-se de uma caracterís-
tica típica e, por si só, nenhum problema levanta. Ora, havendo intervenção
do tribunal, esta será sempre após a declaração de resolução e após a rece-
ção da declaração pela contraparte. Donde, à partida, os efeitos da resolução
extrajudicial dão-se antes do tribunal, eventualmente, se pronunciar sobre a
resolução em causa. Razão pela qual se A resolver o contrato e B vier, mais
tarde, a impugnar a referida resolução e o Tribunal der razão a A, ou seja, man-
tendo a validade e eficácia da resolução, então os efeitos da resolução dão-se

23
Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 68.
24
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 648.

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no momento em que a declaração de A chegou a B e não no momento de


proferimento da sentença25.
Em segundo lugar, a resolução é unilateral, isto é, trata-se de uma decla-
ração de uma das partes que produz efeitos nos termos gerais das declarações
(artigo 224.º). Trata-se de um ato jurídico unilateral que opera através de mera
decisão de uma das partes e que não carece de consentimento da outra parte26.
Em terceiro lugar, a resolução é retroativa quanto aos seus efeitos. Tal
significa que, à semelhança do que acontece com a nulidade e a anulabilidade
(relativamente às quais é equiparada), a resolução extingue o contrato resolvido,
muito embora haja importantes exceções que mais à frente irão ser detalhadas.
Por fim, e em quarto lugar, a resolução é motivada, o que significa que a
resolução tem de assentar num fundamento, num motivo. Baptista Machado27,
por exemplo, é claro ao defender que o direito a resolver o contrato ape-
nas se constitui se verificada determinada situação ou facto que a lei ligue ao
direito potestativo em causa. Tal factualidade é, segundo o referido Autor, o
incumprimento. Nessa medida, só há direito a resolver o contrato se houver
incumprimento.
No tocante à natureza da resolução, a razão parece estar com Menezes
Cordeiro28 que entende que se trata de um direito potestativo que assiste a
uma das partes perante – no caso – o incumprimento da contraparte. Direito
este que depende de fundamento ou da ocorrência de um facto justificante, mas
que apenas é acionado por livre vontade do seu titular, tratando-se, por isso,
de uma posição ativa29. Tecnicamente, está-se diante de um ato jurídico stricto
sensu não havendo liberdade de estipulação.

25 Expressamente neste sentido pode-se ler no Acórdão de 8 de maio de 2013 do STJ (Hélder

Roque): “Porém, nada obsta a que se recorra a tribunal para apreciar a licitude da resolução, sendo
certo que a contraparte pode impugnar, judicialmente, esse ato, e se a decisão judicial confirmar a
validade da declaração, o contrato cessa no momento em que esta chegou ao poder do destinatário
e não em virtude da aludida intervenção judicial.” Disponível em www.dgsi.pt.
26 Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, p. 236.

27 Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumprimento…, pp. 130 e ss, especialmente

p. 132, onde se pode ler que “com a verificação de qualquer concreto inadimplemento que seja
suficientemente grave para fundar um direito de resolução, surge um concreto direito de resolução”.
28 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, pp. 928 e ss.

29 Vale a pena transcrever Menezes Cordeiro, quando defende: “a resolução depende da livre von-

tade de quem, dela, se queira prevalecer e, ainda, da verificação do facto que dê lugar ao direito
potestativo de o fazer”. In Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 929.

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iii) A resolução no sistema jurídico português

Se atentarmos no regime de cessação dos contratos com prestações dura-


douras constante do Código Civil30, resulta que o referido diploma enuncia
os casos em que essa cessação pode ocorrer, ou seja, quando exista fundamento
para a desvinculação unilateral31. Chama-se a atenção para os seguintes casos:

(i) Artigo 1002.º e artigo 1003.º (sociedade)


(ii) Artigos 1047.º ss (locação)
(iii) Artigo 1222.º, n.º 2 (pareceria)
(iv) Artigo 1140.º (comodado)
(v) Artigo 1150.º (mútuo)
(vi) Artigo 1170.º e artigo 1172.º (mandato)
(vii) Artigo 1194.º e artigo 1201.º (depósito)
(viii) Artigo 1235.º e artigo 1242.º (renda perpétua e renda vitalícia)

Ou melhor, o sistema permite a resolução (com fundamento) em diferentes


lugares normativos. Mas esta desvinculação exige – de facto – a existência de
um motivo, sendo por isso uma cessação motivada ou fundamentada32.

3. Os efeitos da resolução

Interessa agora olhar para os efeitos da resolução, uma vez que o tema em
análise versa, justamente, a suscetibilidade de uma resolução ilícita produzir
efeitos. Conforme se verá, apesar de o efeito extintivo ser aquele que se analisa
no presente trabalho, os outros efeitos não deixam de exigir uma ponderação
no desenho da resposta que se irá dar.

30
Fundamental no modo como se olha para o sistema são as seguintes obras: Canaris, Claus-Wi-
lhelm, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 4.ª ed., FCG, 2008 (tra-
dução da 2.ª ed. de 1983), e Engisch, Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico, 10.ª ed., FCG, 2008
(tradução do original de 1983).
31 Cfr. Machado, João Baptista, “Comentário ao acórdão de 8 de Novembro de 1983 do Supremo

Tribunal de Justiça”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 118.º Ano, n.º 3730-3741, 1985-1986,
p. 281.
32 Cfr. Machado, João Baptista, “Comentário ao acórdão…”, pp. 281 e ss.

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a. Efeito extintivo

Autores como Vaz Serra33 defenderam que a resolução provoca uma extin-
ção total e global do vínculo34. Com efeito, entende o Autor que a resolução “é
uma declaração dirigida à parte contrária no sentido de que o contrato se con-
sidera como não celebrado. A parte que resolve o contrato, declara que tudo
se passa como se ele não tivesse sido realizado”35 e, mais à frente, defende que
a resolução corresponde a uma “extinção completa da relação contratual”36 o
que se materializa (também) na restituição do que houver sido prestado. Mene-
zes Cordeiro refere que a “resolução do contrato implica a supressão das presta-
ções principais. Mantém-se, todavia, uma relação entre as partes, parcialmente
decalcada do contrato existente”37, para depois enunciar os deveres acessórios e
os deveres de indemnizar. A resolução consiste assim na destruição da relação
contratual, validamente constituída, operada por um ato posterior de vontade
de um dos contraentes38. Diz-se, por vezes, que a extinção vai além da resti-
tuição, querendo com isto significar que o efeito extintivo não se basta com a
restituição do que foi prestado, antes configura o fim do vínculo contratual e
dos deveres a que as partes estavam adstritas e, eventualmente, pode ainda haver
lugar ao surgimento de novos deveres39-40.
Este efeito extintivo dá-se, tipicamente, no momento em que a declaração
de resolução chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida, ao abrigo
do disposto no artigo 224.º, n.º 1. Simplesmente, fica dependente de existir
fundamento, conforme se defende no presente trabalho. Ou seja, caso estejam

33 Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, p. 47.


34 Caso seja, claro está, uma resolução total. Admite-se, evidentemente, a resolução parcial. Além
disso, ainda que a resolução seja total permanecem (ou surgem) determinados deveres, designa-
damente deveres pós-contratuais.
35 Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, p. 47.

36 Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, p. 48.

37
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 261.
38 Vide, sobre este ponto, Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, pp. 175-179.

39 Neste sentido, embora sem desenvolvimento, veja-se Serra, Adriano Vaz, Resolução do Con-

trato…, p. 50, onde se pode ler: “ter a resolução a eficácia de extinguir a resolução contratual, e
não somente a de criar para as partes a obrigação de restituir as prestações efetuadas”.
40 Aliás, sendo a relação obrigacional uma relação particularmente complexa composta por deveres

principais, secundários e acessórios, dificilmente poderia ser correta uma afirmação tão apriorís-
tica e definitiva como aquela que aqui se critica. O facto de haver lugar à extinção do vínculo não
significa que não nasçam obrigações pós-contratuais, o que aliás sucede em virtude da boa-fé ou
do facto de se constituir uma relação de liquidação entre resolvente e resolvido.

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preenchidos os pressupostos da resolução, então, esta produz efeitos quando


chega ao destinatário ou quando por ele é conhecida41.

b. Efeito retroativo

No tocante aos efeitos da resolução, importa aqui convocar o artigo 433.º


onde se remete para o regime da nulidade e da anulabilidade, com exceções.
Ora, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, a declaração de nulidade e a anula-
ção do negócio têm efeitos retroativos. O que significa a retroatividade em sede
de resolução? Significa que, regra geral, deve ser “restituído tudo o que tiver
sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor corres-
pondente”42-43, conforme refere Menezes Cordeiro. Significa, portanto, que se
procura obter o status quo ante, i.e., a situação existente caso não tenha havido
(sequer) contrato44.
Há, contudo, quatro exceções45 ao princípio geral, i.e., exceção à retroati-
vidade ex tunc. Em primeiro lugar, se tal retroatividade contrariar a vontade das
partes (artigo 434.º, n.º 1, segunda parte). Em segundo lugar, se a retroativi-
dade contrariar a finalidade da resolução (artigo 434.º, n.º 1, última parte). Em
terceiro lugar, nos casos de contratos de execução continuada ficam ressalvadas
as prestações já efetuadas (n.º 2 do artigo 434.º)46. Nestes casos, em regra, a

41 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 176. O Autor tem o cuidado de distin-
guir os casos em que a resolução depende de intervenção judicial. Aqui haveria que distinguir dois
grupos de casos. No primeiro grupo estariam os casos em que a resolução carece de ser decretada
pelo tribunal, termos em que o efeito extintivo se daria apenas aquando do trânsito em julgado
da sentença. No segundo grupo estariam os casos em que a intervenção judicial configura um
pressuposto da resolução. Aqui, conforme se pode ler em Romano Martinez, “a necessidade de
prévia intervenção judicial não condiciona a produção de efeitos da resolução, valendo as regras
gerais […]”, in Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 177.
42 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 924.

43 Esta restituição afasta-se do que vigora para o enriquecimento sem causa. Melhor: o modelo

restitutório vigente nos casos de resolução dos contratos por incumprimento é diferente daquele
que vigora para os casos de enriquecimento sem causa. Dando conta deste ponto ver Pires, Cata-
rina Monteiro, “A prestação restitutória em valor na resolução do contrato por incumprimento”,
in AAVV, Estudo em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Vol. II, Almedina, 2012, p. 707.
44 Por isso refere Romano Martinez que se está diante de uma ficção jurídica de que o contrato

não existiu.
45 Vide, por todos, Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 44-45.

46 Cfr. Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, pp. 62 ss especialmente a pp. 62 e 63 onde,

referindo-se ao caso italiano, acaba por concluir que o “Código italiano ressalva o caso de con-
trato de execução continuada ou periódica, caso em que o efeito da resolução se não estende às
prestações já efetuadas. Esta doutrina parece aceitável”.

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resolução só produz efeitos para o futuro. Há, no entanto, uma exceção à exceção,
para empregar a terminologia de Romano Martinez47, na medida em que se
estabelece que se houver um vínculo de legitimação entre a causa da resolução
e as prestações já efetuadas48, aqui operaria a retroatividade. Por fim, não serão
prejudicados os direitos de terceiros (artigo 435.º, n.º 1).

c. Efeito restitutório

Conforme se aludiu acima, por força do disposto no artigo 289.º, as partes


ficam obrigadas à devolução das prestações que tenham recebido, devolução
em espécie ou, quando esta não seja possível, prevê-se a obrigatoriedade de
devolução do valor correspondente às prestações recebidas49.
Cumpre invocar o artigo 289.º, n.º 2, onde se prevê que se “alguma das
partes [tiver] alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo
tornar-se efetiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente
obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento”.
Caso uma das partes não consiga efetuar a restituição por causa não impu-
tável e estiver de boa-fé, então, não responde pelo prejuízo (artigo 1269.º).
Igualmente, apenas há lugar a ressarcimento da outra parte relativamente ao
valor correspondente ao uso que uma das partes tenha feito caso a coisa se tenha
deteriorado em virtude de ação culposa.
No tocante aos frutos, havendo boa-fé, considera-se que os frutos percebi-
dos até ao momento da declaração de resolução não são parte do conteúdo da
obrigação de restituição, conforme dispõe o artigo 1270.º Refira-se ainda que
os encargos havidos com o objeto da prestação são repartidos proporcional-
mente aos direitos de cada uma das partes relativos aos frutos da prestação, ao
abrigo do disposto no artigo 1272.º

d. Em especial: a indemnização pelos danos sofridos

Assiste-se, por vezes, a alguma confusão relativamente à possibilidade de


resolver o contrato e de cumular este pedido com um pedido indemnizatório.

47
Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 925.
48
Vale a pena transcrever os exemplos dados por Menezes Cordeiro: “Assim, um serviço que
passe a ser mal prestado pode justificar a resolução do contrato: sem devolução das importâncias
anteriormente pagas. Mas se a causa de resolução for o ter-se apurado que, de todo, não foi pres-
tado qualquer serviço, já se justifica que abranja as prestações efetuadas”, in Cordeiro, António
Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 925.
49 Cfr. Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, pp. 48 ss, e Cordeiro, António Menezes, Tra-

tado de Direito Civil, Vol. IX…, pp. 924-925.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 627

Nada a opor quanto a esta cumulação de pedidos. A resolução (com funda-


mento) não pode conduzir à perda de um direito de indemnização de que o
resolvente fosse titular. Com efeito, e como bem refere Vaz Serra, a “indemni-
zação resulta de uma circunstância, que a resolução não abrange. Esta não apaga
o dano causado, devendo, por conseguinte, perdurar a obrigação e o crédito
de indemnização”50.
Como dá conta Joana Farrajota51, há uma parte muito significativa da
doutrina – que tem vindo a merecer o acolhimento recente da jurisprudência
nacional – no sentido de permitir a cumulação do pedido indemnizatório pelo
interesse contratual positivo com a resolução do contrato.

4. A resolução ilícita no sistema

a. Enquadramento e recolocação do problema

O tema sub judice tem relevância teórica e prática. Teórica porque se cru-
zam neste tema conceitos civis fundamentais (v.g., resolução, ilicitude, inefi-
cácia, invalidade, efeito extintivo) e porque – com exceção da dissertação de
doutoramento de Joana Farrajota – não se encontra na doutrina nacional um
tratamento desenvolvido do tema. Do ponto de vista prático, a relevância está
no simples facto de em tribunais judiciais e arbitrais surgirem casos em que uma
das partes resolveu o contrato, tendo o tribunal proferido sentença que decla-
rava a ilicitude da resolução (por exemplo, em empreitadas).
Recolocando o problema uma vez mais: no caso não é invocado funda-
mento ou o fundamento invocado não é idóneo. Ora, o desvio à lei ou ao
programa contratual é um facto (no binómio facto/norma, factualidade que não
respeita o dever-ser). O problema está aqui e corresponde, no fundo, a saber se
o efeito extintivo – ainda assim – se dá. Donde, importa saber se a ausência de
fundamento “bloqueia” a produção de efeitos. Assim, conseguem-se discernir
dois planos: licitude e eficácia.

b. Ilicitude e Ineficácia: regime geral

O que aqui se pretende aferir é se um ato ilícito é suscetível de produzir


efeitos (o efeito extintivo). Portanto, haverá que lidar com conceitos como a

50
Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, p. 71.
51
Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 47-48.

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invalidade, ineficácia e ilicitude, separando-os e distinguindo-os naquilo que


têm de particular. Caso assim não fosse – e, portanto, caso fossem tratados em
sinonímia – aplicar-se-iam regimes distintos como se fossem o mesmo.
Ora, na sequência da sistematização e desenvolvimentos feitos por Savigny,
chegou-se a um quadro clássico que tem sido usado por uma parte significativa
da doutrina52-53.

(a) Ineficácia em sentido amplo: abrange os casos em que o negócio não


produz os efeitos a que se destinava:
a. Invalidade: a não produção de efeitos deve-se à existência de vícios
ou de uma desconformidade com a ordem jurídica por parte do
negócio jurídico. Esta desconformidade traduz-se na violação de
valores ínsitos em norma imperativa54.
i. Nulidade55: verifica-se a ausência de elemento essencial do
negócio (v.g., vontade) e/ou contrariedade a disposições injun-
tivas. A nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer inte-
ressado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, salvo
exceções.
ii. Anulabilidade56: os valores relativos a uma determinada pessoa
não terão sido suficientemente atingidos aquando da celebração
do negócio. Só pode ser invocado pelo interessado num deter-
minado lapso temporal admitindo-se a confirmação.
iii. Invalidades mistas ou atípicas.
b. Ineficácia em sentido estrito: fatores extrínsecos levam à não produção
de efeitos desejados. O negócio, em si, não padece de qualquer vício

52 Veja-se, por todos, Cordeiro, António Menezes, Da Ineficácia Civil: Reflexões Críticas, in (org.
António Menezes Cordeiro; Pedro Pais de Vasconcelos; Paula Costa e Silva) Estudos em Honra do
Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Vol. I, Almedina, 2008, pp. 233-265. Veja-se, também,
o recente artigo de Ferreira de Almeida denominado “Invalidade, inexistência e ineficácia”, in
Católica Law Review, vol. I, n.º 2, maio 2017, pp. 9-33, e ainda Alarcão, Rui, “Sobre a invalidade
do negócio jurídico”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, III, Iuridica,
V, ed., 1983, pp. 609-629.
53 Deixa-se propositadamente de fora o tema da inexistência enquanto modalidade de ineficácia.

54 Neste sentido, Almeida, Carlos Ferreira de, Invalidade, inexistência e inefi cácia…, p.12, onde se

pode ler – num estilo típico do Autor – que “invalidade é uma das fontes da ineficácia, por ser
fator impeditivo da conformidade dos efeitos do ato com o seu significado. Invalidade significa
não valer, não ter força jurídica, por desconformidade com um valor jurídico”.
55 Por exemplo: artigo 220.º (falta de forma legal), artigo 240.º/2 (simulação) e artigo 280.º/2 (con-

trariedade à ordem pública e bons costumes).


56 Por exemplo: artigo 148.º (Atos do interdito posteriores ao registo da sentença), artigo 250.º

(Erro na transmissão da declaração) e artigo 877.º (Venda a fi lhos ou netos).

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 629

ou desconformidade à ordem jurídica. Para usar as palavras de Ferreira


de Almeida, “a ineficácia em sentido estrito resulta de um facto extrín-
seco ao ato e, por isso, não valorativo deste”57.

Isto dito:
Viu-se que a resolução carece de fundamento. Donde, uma resolução cuja
ausência ou insuficiência de fundamento que venha mais tarde a ser declarada
pelo tribunal, configura uma relação em desconformidade com o Direito. Com
efeito, ao abrigo do disposto no artigo 432.º, n.º 1, a existência do direito a
resolver o contrato apenas é admitido – logo, os seus efeitos só se verificam –
quando esta esteja “fundada na lei ou em convenção”. Não estando preenchi-
dos os pressupostos da resolução, então, a resolução é ilícita e atenta a violação
de uma norma que prescreve determinados requisitos58. De forma elucidativa,
escreve Baptista Machado que “precisa de se verificar um facto que crie este
direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a
constituição (o surgimento) desse direito potestativo”59, que é o direito de
resolver.
Importa agora perguntar se o juízo de ineficácia vai acoplado com o de
ilicitude, o que é dizer que sendo o ato ilícito então ele é, também (e automa-
ticamente), ineficaz. Em Direito Privado, faz sentido que perante uma violação
da lei (ou de contrato) – logo, ilícito – a ordem jurídica comine de ineficácia
esse mesmo ato60. É que se assim não fosse, os sujeitos destinatários das normas
conseguiriam a produção dos efeitos independentemente da conformidade ao

57
Almeida, Carlos Ferreira de, Invalidade, inexistência e ineficácia…, p. 26.
58
Vide de forma clara e sucinta Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumpri-
mento…, pp. 130 e ss.
59 Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumprimento…, p. 131.

60 O artigo 280.º é um elemento normativo que claramente aponta neste sentido, uma vez que

prescreve a nulidade como o desvalor típico perante, designadamente, a violação de normas legais.
Já se manifestam algumas dúvidas quanto à possibilidade de esta conclusão ser aplicável ao Direito
Administrativo, por exemplo. Aqui, vale a regra da anulabilidade e, portanto, o ato é válido e
eficaz até que seja demonstrada a sua desconformidade ao “bloco legal”, nos termos do disposto
nos n.os 1 e 2 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, também aplicável
ao regime de invalidade dos contratos administrativos, ex vi artigo 283.º e 284.º do Código dos
Contratos Públicos.

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Direito. A regra geral apenas poderia ser esta61-62. Nas certeiras palavras de
Oliveira Ascensão, “é natural que haja uma ligação entre o defeito do ato e a
ineficácia”63, ainda que, como o Autor reconhece, “a correspondência [entre
ineficácia e defeito/desvalor] não é perfeita”64. Em suma, a primeira resposta
– dada pelo sistema em termos gerais – é a de que havendo ilicitude o ato é
ineficaz.
Sendo o ato ilícito e ineficaz, cumpre perguntar se ele é inválido ou tão-
-somente se verifica uma ineficácia em sentido estrito. Conforme se viu supra,
traçar a bissetriz entre invalidade e ineficácia stricto sensu é responder à seguinte
pergunta65: a ineficácia resulta de elemento interno ou externo ao ato? Ou seja:
o elemento que “bloqueia” a produção de efeito está intra muros ou extra muros?
Ora, a ausência de fundamento bastante é um elemento interno, inserido no
próprio ato de resolver e nessa medida seria uma invalidade. O fundamento
(ou a ausência dele) é um pressuposto da resolução e nessa medida trata-se de
um elemento interno. Resta, agora, aferir qual a invalidade em causa. Segue-se

61 Vale a pena transcrever o seguinte trecho (certeiro) de Carneiro da Frada: “Em geral, perante
um inadimplemento contratual, a ordem jurídica reage procurando apagar, na medida do possí-
vel, todas as consequências desse incumprimento, e dota para isso a parte fiel dos meios adequa-
dos para tal efeito. Deste modo, se o incumprimento se traduziu na prática de um ato jurídico
(desencadeador de consequências jurídicas), esse ato não vale (ao menos enquanto tudo for inter
partes). Ele não surte, portanto, os efeitos a que tendia ou que poderia produzir na esfera do con-
traente inocente, visto que consubstancia um inadimplemento que o Direito reprova e a que,
nessa medida, se opõe”, in Frada, Manuel Carneiro da, “Acordos parassociais ‘omnilaterais’: um
novo caso de ‘desconsideração’ da personalidade jurídica?”, in (org. José Lebre de Freitas; Rui
Pinto Duarte et alia) Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. IV,
Almedina, 2011, p. 149.
62 Já não cabe no âmbito do presente trabalho mas não deixa de ser uma via a explorar num futuro

próximo: será que o juízo de invalidade ou ineficácia se prende com a categoria de norma violada?
Trata-se, portanto, de uma análise a partir da teoria da norma. Resumidamente, caso a norma
violada fosse uma norma constitutiva, então haveria uma invalidade. Caso a norma violada fosse
uma norma regulativa, então haveria ineficácia. Ver, Reis, Nuno Trigo dos, “As obrigações de
votar segundo instruções de terceiro do direito das sociedades”, in Revista de Direito das Socieda-
des, Ano 3, n.º 2, Almedina, 2011, pp. 532-544; Almeida, Carlos Ferreira de, Texto e Enunciado na
teoria do negócio jurídico, Almedina, 1992, pp. 127 e ss. Para uma crítica no tocante à divisão entre
normas regulativas e constitutivas veja-se Raz, Joseph, Pratical Reason and Norms, Oxford Uni-
versity Press, 1975, pp. 108 e ss.
63 Ascensão, José de Oliveira, Teoria Geral do Direito Civil – Acções e Factos Jurídicos, Vol. III, Titulo

IV, Lisboa, 1991/1992, p. 423.


64 Ascensão, José de Oliveira, Teoria Geral…, Vol. III, p. 424. O Autor refere – e bem – que caso

há em que (i) o ato padece de um defeito (é antijurídico) e não há ineficácia; e (ii) o ato é ineficaz
mesmo não havendo qualquer defeito (e.g., O ato sujeito a uma condição suspensiva).
65 Vide, Almeida, Carlos Ferreira de, Invalidade, inexistência e ineficácia…, pp. 11 e ss e ainda pp. 26-28.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 631

a posição de Joana Farrajota66 no sentido de considerar que se está diante de


uma nulidade por força da aplicação conjunta do artigo 280.º, n.º 1, e do artigo
432.º, n.º 1. Isto porque não tendo sido o contrato resolvido com fundamento,
então, está-se diante de um contrato contrário à lei. Nessa medida, o contrato
seria nulo, podendo ainda, a título suplementar, invocar-se o artigo 294.º
De novo: a primeira resposta – dada pelo sistema em termos gerais – é de
que se está diante de um ato ilícito, ineficaz e inválido (nulo).

c. Ilicitude e Ineficácia: regimes especiais

i) Ponto prévio

Interessa agora aferir os casos em que o legislador previu que um ato ilí-
cito produzisse, ainda assim, efeitos jurídicos. Tentar-se-á perceber se as razões
justificativas para os referidos casos especiais67 permitem desenhar uma outra
solução, ou seja, inverter o sentido do regime geral vigente.

ii) Contrato de trabalho

A resolução ilícita do contrato de trabalho tem expressa consagração legal,


razão pela qual se afigura particularmente relevante começar por este caso68.
Com efeito, muito embora se reconheçam as especificidades do Direito do
Trabalho69-70 também se reconhece que nestes lugares normativos o legislador
expressamente consagrou que um ato ilícito é idóneo a produzir efeitos jurí-

66 Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 184-186, sobretudo p. 185.


67 Casos especiais porque, regra geral, a ilicitude surge acompanhada de ineficácia. Neste sentido,
por exemplo, Frada, Manuel Carneiro da, Acordos parassociais…, p. 149.
68 É particularmente impressiva a epígrafe do artigo 389.º do CT, onde se pode ler “Efeitos da

ilicitude do despedimento”.
69 Não se ignora que o Direito do Trabalho possui especificidades significativas face ao Direito

Civil. Por todos, Ramalho, Maria do Rosário Palma, Da Autonomia Dogmática do Direito do Tra-
balho, Almedina, 2000.
70 Desde logo, o princípio constitucional de segurança no emprego constante do artigo 53.º da

Constituição da República Portuguesa, cujo sentido e alcance não se esgota na proibição de des-
pedimentos sem justa causa. Vide Xavier, Bernardo Lobo, “A Extinção do Contrato de Trabalho”,
in Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1989, n.ºs 3-4, 1989, pp. 399-480.

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632 David Nunes dos Reis

dicos, designadamente, o efeito extintivo do vínculo contratual. Cumpre, por


isso, aferir por que razão assim foi71.
Olhando em primeiro lugar para a resolução por iniciativa do trabalha-
dor72, deve-se desde já referir que, nos termos do artigo 394.º, n.º 1, do CT
“[o]correndo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o con-
trato”, sendo densificado o conceito de justa causa logo nos n.ºs 2 e 3 do
referido preceito. Nesse sentido, a pergunta que se coloca é evidente: será
que a resolução por iniciativa do trabalhador sem fundamento produz o efeito
extintivo do contrato de trabalho? Esta é a pergunta que se aproxima ao caso
sub judice e para a qual se tentará perceber se a resposta também é procedente
para a resolução ilícita em geral.
Nos casos em que a resolução carece de fundamento (logo, sem justa causa)
estamos perante uma resolução ilícita73. Esta ilicitude carece de ser declarada
pelo tribunal em ação a intentar pelo empregador, nos termos do artigo 398.º,
n.º 1, do CT. O problema surge justamente aqui: proferida que tenha sido a
sentença do tribunal declarando ilícita a resolução (porque não fundada em
justa causa), resta saber se – ainda assim – o contrato de trabalho foi extinto.
Ora, resulta do disposto no artigo 399.º do CT que a ilicitude da resolução
(v.g., decorrente da falta de fundamento)74 do contrato de trabalho pelo traba-
lhador não bloqueia ou impede a produção de efeitos, ou seja, a resolução ilícita
extingue o contrato de trabalho, muito embora o trabalhador-resolvente fique
adstrito ao pagamento de uma indemnização ao empregador. É justamente
por esta razão que Palma Ramalho75 defende que da ilicitude em causa apenas
decorrem efeitos indemnizatórios e não a nulidade da cessação. Poder-se-á por

71 Veja-se, a este propósito, os desenvolvimentos feitos por Joana Farrajota em Farrajota, Joana, A
Resolução sem Fundamento…, pp. 128-146.
72 Vide, Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho, 8.ª ed., Almedina, 2017, pp. 981 e ss; Leitão,

Luís Menezes, Direito do Trabalho, 5.º ed., Almedina, 2016, pp. 477-479, e ainda Martins, Pedro
Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed, Princípia, 2017, pp. 571 e ss.
73
Em primeiro lugar porque a resolução sem justa causa constitui uma violação da norma legal
ínsita no artigo 394.º Em segundo lugar porque se pode ler no artigo 399.º ‒ que contém na sua
epígrafe o termo “resolução ilícita” – a seguinte expressão: “Não se provando a justa causa de reso-
lução do contrato [...].” Palma Ramalho refere o seguinte: “a ilicitude da resolução do contrato
pode ter um de dois fundamentos: um fundamento substancial de ausência ou a insubsistência da
justa causa invocada pelo trabalhador; e um fundamento procedimental [...]”, in Ramalho, Maria
do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed.,
Almedina, 2016, p. 1101.
74 Vide Vasconcelos, Joana, “Anotação ao art. 399.º”, in Martinez, Pedro Romano et alia, Código

do Trabalho Anotado, 10.ª ed., 2016, pp. 895-896.


75 Ramalho, Maria do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II…, p. 1102.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 633

isso afirmar, com Furtado Martins76, que há aqui uma manifestação clara do
princípio da liberdade de trabalho na medida em que se permite a manutenção
da eficácia extintiva mesmo que não haja fundamento para resolução. A justa
causa não funciona como requisito de validade ou de eficácia para a cessação
do contrato. Não havendo justa causa apenas surge uma obrigação de indem-
nização77. É que, se assim não fosse, então, como refere Furtado Martins, “se
a falta ou a improcedência da justa causa de resolução conduzisse à invalidade
da cessação declarada pelo trabalhador, chegar-se-ia a uma situação em que o
vínculo laboral se manteria contra a vontade do trabalhador, sendo certo que
os princípios e regras que imperam neste domínio contrariam tal resultado”78.
Este ponto, aliás, contrasta com o regime da resolução pelo empregador
que veremos infra. De facto, como refere Romano Martinez, a “falta de justa
causa de resolução, contrariamente ao que pode ocorrer em caso de despedi-
mento, não invalida a cessação do vínculo, mas, como é ilícita, determina a
responsabilização do trabalhador”79.
De referir ainda um ponto que será retomado a propósito do regime do
contrato de agência: o regime jurídico-laboral da resolução aproxima-se do
regime da denúncia. A aproximação à figura não resulta apenas do facto de a
produção de efeitos não depender de fundamento (a denúncia é uma modali-
dade de cessação das obrigações imotivada). Resulta, também, do artigo 399.º
do CT, ou seja, a indemnização a pagar pelo trabalhador que resolve ilicita-
mente não pode ser inferior ao montante devido em causa de denúncia sem
aviso prévio. É, portanto, clara a proximidade entre as duas figuras.
Em suma, pode-se concluir – com Furtado Martins – que “mantém-se a
eficácia extintiva da declaração [de resolução] do trabalhador, ficando o traba-

76
Expressamente neste sentido, cfr. Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…,
pp. 572-573. Joana Farrajota entende que, neste caso, o legislador valorizou mais à possibilidade
de desvinculação do trabalhador do que a manutenção do vínculo e a estabilização dos contratos
uma vez que se admite a extinção do vínculo (em homenagem à liberdade de desvinculação), in
Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 128-130 em especial a p. 129. No tocante
aos princípios do Direito de Trabalho e em particular ao princípio da liberdade de desvincula-
ção veja-se, entre outros, Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, pp. 11-15.
77 Lê-se em Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, pp. 572-573: “Se, depois

de invocada, o tribunal declarar inexistente ou improcedente, a consequência é a obrigação de o


trabalhador indemnizar o empregador como se tivesse denunciado o contrato sem aviso prévio.
[...] Em todos estes casos mantém-se a eficácia extintiva da declaração [de resolução do contrato
de] trabalho, ficando o trabalhador obrigado ao pagamento de uma indemnização.”
78 Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, pp. 572-573.

79 Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1064.

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634 David Nunes dos Reis

lhador obrigado ao pagamento de uma indemnização”80, uma vez que se pri-


vilegia o princípio da liberdade de trabalho. Com efeito, este princípio é abso-
lutamente central no direito do trabalho e leva mesmo alguns Autores – como
seja Monteiro Fernandes – a afirmar que a “liberdade de desvinculação do
trabalhador é e deve ser absoluta, em certo sentido: justamente no de que não
pode ser-lhe imposta a subsistência de um vínculo por ele não mais querido”81.
Nesta sede, a justa causa tem uma função de tão-somente isentar o trabalhador
de cumprir com o aviso prévio82.
No tocante à resolução por iniciativa do empregador83 (designado por
despedimento) por facto imputável ao trabalhador, importa referir que se trata de
um exercício vinculado na medida em que se exige fundamento, nos termos
do disposto nos artigos 351.º e ss do CT (o que, diga-se, sempre, decorreria do
regime geral da resolução dos contratos (artigo 432.º do CC) e do princípio
constitucional da segurança no emprego (artigo 53.º da CRP)84.
Ora, o legislador regulou expressamente a produção de efeitos do despe-
dimento ilícito, ou seja, despedimentos que ocorreram em violação de nor-
mas juslaborais85-86, designadamente por falta de fundamento (logo, sem justa

80 Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, p. 573. Já não se pode acompanhar

o Autor quando refere que “A justa causa de resolução não é um requisito de validade da cessação
do contrato”. Com efeito, esta é precisamente um caso de ato inválido (porque ilícito) e eficaz
(na medida em que extingue o contrato). No tocante à confusão dos planos da invalidade e da
eficácia remetemos para o que vai dito supra.
81 Fernandes, António Monteiro, Direito do Trabalho, 18.ª ed., Almedina, 2017, p. 552. O Autor

tem o cuidado de expressamente referir que não há qualquer ineficácia da declaração extintiva,
havendo, isso sim, lugar a indemnização, caso o prazo do aviso prévio não tenha ainda decorrido.
In pp. 552-554 da obra citada.
82 Vide Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, p. 573.

83
Vide, por todos, Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, pp. 991 e ss; Ramalho, Maria
do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II…, pp. 949-1020, em especial pp. 992-
1020. Pode ver-se, com interesse para esta matéria, o sentido do conceito de justa causa e a evolu-
ção do regime da cessação do contrato de trabalho, tudo sob o prisma da proteção do trabalhador
in Dray, Guilherme, O princípio da proteção do trabalhador, Almedina, 2015, pp. 775 e ss.
84
Quanto ao conceito de justa causa remete-se para a bibliografia referida em Martinez, Pedro
Romano, Direito do Trabalho…, pp. 993 e ss.
85 Para maiores desenvolvimentos, vide Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1027

onde se pode ler: “Os quatro tipos de despedimento serão ilícitos, para além de hipóteses espe-
cíficas, em três casos: se o despedimento não tiver sido precedido de um procedimento ou este
for nulo; se o despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos; se
forem declarados improcedentes os motivos de justificação invocados para o despedimento [artigo
381.º, alínea b), do CT]. A estas três situações comuns importa acrescentar as causas de ilicitude
específicas dos diferentes tipos de despedimento.”
86 Refere Menezes Leitão: “A ilicitude corresponde ao valor negativo que afeta o despedimento,

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 635

causa). De facto, mesmo que o despedimento em causa seja violador de normas


injuntivas [entre as quais a exigência de fundamento, ao abrigo do artigo 351.º
e do artigo 381.º, al. b), ambos do CT], o legislador parece consagrar a manu-
tenção dos efeitos originados pela declaração de despedimento.
Recorda-se que o despedimento produz efeito por mera declaração, uma
vez que se trata de declaração unilateral receptícia. Significa, portanto, que se o
trabalhador entender não haver fundamento para o despedimento, então, tem o
ónus de se opor a esta resolução do contrato de trabalho através dos meios que
a lei lhe concede como seja lançando mão da providência cautelar de suspensão
do despedimento (artigo 386.º do CT) ou da ação judicial com vista à aprecia-
ção da regularidade e licitude do despedimento (artigo 387.º do CT).
Ora, uma vez mais é aqui que surge o problema: quid juris se o tribunal
declarar que a resolução foi ilícita porque carecida de fundamento? Melhor: o
despedimento ilícito extingue o contrato de trabalho?
Romano Martinez parece defender, por um lado, que o despedimento ilí-
cito extingue o contrato de trabalho, na medida em que apesar de ilícito o des-
pedimento em causa não é inválido87. Donde, o despedimento não impugnado
(mesmo que, summo rigore, seja ilícito) extingue o contrato uma vez que o efeito
se dá aquando da receção da declaração pelo trabalhador. Mas se o contrato for
impugnado – e o tribunal der provimento à pretensão do impugnante – então,
Romano Martinez entende que, nestes casos, “a declaração de ilicitude do
despedimento e a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria
implica a manutenção do contrato”88. Mais adiante o Autor refere mesmo que
“da ilicitude do despedimento pode resultar que o contrato não cessou, tendo
continuado em vigor, apesar de, durante um certo lapso, não ter sido cum-
prido”89. Contudo, noutro lugar, Romano Martinez defende que “[a]lém da
indemnização, a ilicitude determina a reintegração, pois, verdadeiramente, se
o despedimento é ilícito o contrato não cessou e vale o princípio de segurança

quando o mesmo é decretado fora dos pressupostos estabelecidos na lei, ou em desrespeito dos
procedimentos nela estabelecidos, e que se concretiza no direito atribuído ao trabalhador de pro-
mover a suspensão e a impugnação judicial desse despedimento”, in Leitão, Luís Menezes, Direito
do Trabalho…, p. 467.
87 Vide Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1033. Pode-se mesmo ler que “O des-

pedimento ilícito não é inválido, pelo que, mesmo injustificado, produz efeitos; ou seja, determina
a imediata cessação do contrato de trabalho, podendo contudo, em determinados casos, restabe-
lecer-se retroativamente o vínculo.” Todavia, acaba por referir que “[a] declaração de ilicitude do
despedimento e a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria implica a manuten-
ção do contrato de trabalho”. Trata-se de uma posição cujo sentido não é inteiramente percetível.
88 Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1034.

89 Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1035.

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636 David Nunes dos Reis

no emprego”90. Em suma: não se consegue descortinar com clareza qual seja


a posição do Autor.
Furtado Martins91 apresenta uma visão particular. Diz o referido Autor que
antes da declaração judicial de ilicitude do despedimento este produziu efeito
extintivo. Com a declaração judicial o despedimento é anulado o que implica
a subsistência do vínculo.
Diferentemente, Leal Amado refere que “o atual CT continua a configurar
o despedimento contra legem como um despedimento ilícito e inválido: porque
pratica um ato ilícito, o empregador terá de indemnizar o trabalhador [...], por-
que o ato extintivo é inválido, o empregador, será, em princípio, condenado a
reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua cate-
goria e antiguidade”92.
Ora, dir-se-á que a chave para a solução do problema está no artigo 389.º
do CT. Monteiro Fernandes, por exemplo, refere-se expressamente à ineficácia
do despedimento nos seguintes termos: “Esses efeitos [da declaração judicial]
são indicados pelo artigo 389.º do CT e correspondem ao tratamento normal
da ineficácia do negócio jurídico (artigo 289.º/1 do CCiv): recomposição do
estado de coisas que se teria verificado sem a prática do ato.”93
Nos artigos 389.º a 392.º do CT estão regulados os efeitos do despedi-
mento ilícito. É, portanto, nestas normas que se procurará saber se o despe-
dimento ilícito extingue o contrato. Ora, nos termos do disposto nos artigos
389.º e seguintes, é possível, com Palma Ramalho94, identificar os efeitos que
se apresentam:

(i) Direito à reintegração do trabalhador ou o direito a uma indemnização


[artigo 389.º, n.º 1, als. a) e b); artigo 391.º do CT];
(ii) Manutenção da eficácia do despedimento, mas com o direito do tra-
balhador a uma indemnização mais reduzida, caso a ilicitude se prenda
com questões de processo do despedimento (artigo 389.º, n.º 2);
(iii) Direito a receber as retribuições intercalares (artigo 390.º).

90 Martinez, Pedro Romano, “Anotação ao art. 389.º”, in Martinez, Pedro Romano et alia, Código

do Trabalho Anotado, 10.ª ed., 2016, p. 867.


91 O Autor defende que “a invalidade do despedimento ilícito equivale à figura da anulabilidade,

em que o ato anulável produz efeitos até que seja declarada a sua invalidade, consolidando-se a
eficácia extintiva se o trabalhador não impugnar judicialmente o despedimento”. In Martins,
Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, p. 478.
92 Amado, João Leal, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2014, p. 407.

93 Fernandes, António Monteiro, Direito do Trabalho…, p. 524.

94 Ramalho, Maria do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II…, p. 1006.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 637

Ou seja, os remédios fixados pelo legislador deixam intocável a eficácia


extintiva do despedimento (ilícito). Mas será mesmo assim? De facto, não deixa
de impressionar alguma injustiça desta aparente solução do legislador, sobre-
tudo atendendo ao disposto no artigo 53.º da CRP. O sistema, dir-se-ia, apon-
taria para uma outra solução.
Há que olhar de perto: no tocante às indemnizações nada a dizer, havendo
dano há que indemnizar. A solução do legislador é evidente e não coloca dúvi-
das. Mas a pedra de toque para a manutenção dos efeitos do despedimento
ilícito não está aí. Eis a hipótese proposta: o legislador apenas mantém a eficácia
do despedimento porque lhe destrói os efeitos fácticos95. Ou seja, com a obriga-
toriedade de reintegração o legislador destrói os efeitos do despedimento. No
fundo, consagra-se aqui uma extinção da própria extinção do contrato na medida
em que se obriga à reposição da situação que existiria se não tem havido des-
pedimento. Esta é, aliás, na senda do que defendem Gomes Canotilho e Jorge
Leite96, a única saída verdadeiramente compatível com a garantia constitucional
de segurança no emprego consagrada no artigo 53.º da CRP. Donde, do ponto
de vista prático, o problema está (parcialmente) resolvido97. Através da obriga-
ção de reintegração anula-se o efeito extintivo. Há como que uma repristinação
fáctica do vínculo juridicamente dissolvido.
Em suma98, como bem refere Monteiro Fernandes, os remédios previstos
no artigo 389.º do CT “correspondem ao tratamento normal da ineficácia do

95 Note-se que a indemnização em alternativa à reintegração pode ser requerida pelo próprio tra-
balhador (cfr. artigo 391.º do CT), caso em que se forma como que uma espécie de acordo entre
trabalhador e empregador, uma vez que ambos pretendem à destruição do vínculo e não a rein-
tegração ou reposição. Pode, contudo, ser o empregador a solicitar a indemnização em alternativa
à reintegração, quando não haja despedimento cuja ilicitude provenha do seu carácter político,
ideológico, étnico ou religioso, ou ainda quando o fundamento para a oposição à reintegração
seja criado culposamente pelo empregador. Nos outros casos, poderá não haver reintegração, mas
aí pela confiança e repercussão irreversível que teria o “retorno” daquele trabalhador (vide artigo
392.º do CT).
96
Elucidativo é o seguinte trecho: “se o ato que extingue o contrato vem, afinal, a revelar-se
antijurídico, a única reação adequada do ordenamento jurídico compatível com o sistema de
estabilidade é a de privar aquele ato da sua consequência normal, determinando a sua invalidade
e consequente subsistência do vínculo contratual”, in Canotilho, J. J. Gomes; Leite, Jorge, “A
Inconstitucionalidade da Lei dos Despedimentos”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer
Correia, Volume III, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Número Especial,
Coimbra, 1991, Apêndice – Comentário ao Acórdão n.º 107/88, pp. 552 e ss.
97 Uma vez que haverá que atender às exceções constantes dos artigos 391.º e 392.º do CT.

98 Para uma análise do despedimento no regime do contrato de serviço doméstico e do praticante

desportivo vide Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 146-153.

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638 David Nunes dos Reis

negócio jurídico (artigo 289.º/1 do CCiv.): recomposição do estado de coisas


que se teria verificado sem a prática do ato”99.

iii) Contrato de mandato

O regime do mandato é particularmente relevante porque se aplica a outros


contratos ex vi artigo 1156.º
Interessa aqui olhar para o caso em que a lei exige fundamento ou justa
causa100 para a extinção do contrato101. Trata-se, portanto, do caso da revogação
unilateral do mandato celebrado (também) no interesse do mandatário ou de
terceiro, ou seja, a revogação de mandato de interesse comum.
Com efeito, dispõe o n.º 2 do artigo 1170.º que, no caso em que o man-
dato tenha sido celebrado no interesse do mandatário ou terceiro, então, exi-
ge-se o acordo dessa pessoa. Exceciona-se, no entanto, um caso: mesmo que o
mandato tenha sido estabelecido no interesse do mandatário ou terceiro e este
não tenha dado o seu consentimento à revogação, pode o mandato cessar ex vi
revogação unilateral se houver justa causa102.
Portanto, com justa causa o contrato de mandato pode cessar unilateral-
mente. Pergunta-se: e se não houver justa causa? O artigo 1172.º é essencial.

“Artigo 1172.º (Obrigação de indemnização)


A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta
sofrer:

99 Fernandes, António Monteiro, Direito do Trabalho…, p. 572.


100 A exigibilidade de justa causa é um regime distinto do regime-regra que vigora no mandato
comum. Sobre a regra da livre revogabilidade vide, por todos, Leitão, Adelaide Menezes, “Revo-
gação unilateral do Mandato, Pós Eficácia e Responsabilidade pela Confiança”, in (org. António
Menezes Cordeiro; Luís de Menezes Leitão; Januário da Costa Gomes) Estudos em Homenagem ao
Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. I, pp. 310-318.
101
Parece que a revogação com fundamento consagrada no artigo 1170.º, n.º 2, se aproxima da
figura da resolução atenta a exigência de motivo e, portanto, a falta de liberdade e discriciona-
riedade na desvinculação. Vale a pena transcrever o seguinte trecho de Maria Raquel Rei: “Ora
no art. 1170/2 não existe liberdade nem discricionariedade [.] [O] mandante só pode pôr fim ao
mandato quando ocorra uma situação de justa causa e por causa dela. Estamos perante uma des-
vinculação condicionada e vinculada, o que nos aproxima da figura da resolução”, in Rei, Maria
Raquel, A justa causa para a revogação do mandato, 1994 (polic.), p. 41. Neste sentido, também, Lei-
tão, Adelaide Menezes, Revogação unilateral do Mandato…, pp. 323-324.
102 Em suma, citando Luís de Menezes Leitão: “já essa livre revogabilidade teria que se ter por

excluída, ficando a revogação do mandato dependente de justa causa”, in Leitão, Luís de Menezes,
Direito das Obrigações, vol. III, 9.ª ed., Almedina, 2014, p. 428.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 639

a) Se assim tiver sido convencionado;


b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao
direito de revogação;
c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso,
sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para
determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência
conveniente;
d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a
antecedência conveniente.”

Diz-se que quem revoga deve indemnizar o prejuízo para a contraparte


causado pela revogação se estiver verificada alguma das situações descritas nas
alíneas a) a d) do referido artigo. Mas este elenco deixa intuir uma natureza
excecional que é confirmada pelo artigo 1170.º, n.º 2.
Repare-se:
Uma leitura a contrario do n.º 2 do artigo 1170.º permite concluir que a
revogação do contrato pelo mandante sem acordo da contraparte num caso
de mandato conferido também no interesse do mandatário/terceiro é ineficaz,
salvo se houver justa causa103. Donde, a inexistência de fundamento – i.e., de
justa causa para a revogação do mandato – fere de ilicitude e ineficácia. Com
efeito, na linha do que defende Adelaide Menezes Leitão, a justa causa é um
verdadeiro “pressuposto constitutivo do direito de resolução”104, razão pela
qual não poderá produzir os efeitos para os quais o ato de resolver tende.
A manutenção dos efeitos da revogação do contrato de mandato em vio-
lação da lei apenas se dá a título excecional, conforme depõe o artigo 1172.º
Nestes casos, a revogação é eficaz muito embora surja também um dever de
indemnizar. Mas é-o, repete-se, a título excecional105.

103
Expressamente neste sentido Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, p. 102, e Leitão,
Luís de Menezes, Direito das Obrigações…, pp. 428 e ss, e Leitão, Adelaide Menezes, Revogação
unilateral do Mandato…, p. 323. Em particular, pode-se ler em Leitão, Luís de Menezes, Direito das
Obrigações…, p. 429 o seguinte: “a justa causa aparece como um facto constitutivo do direito de
revogação unilateral pelo mandante, o qual deixa de poder ser exercido sem que esta se verifique.
Assim, na ausência de justa causa, a revogação pelo mandante não constituirá um mero caso de
indemnização, nos termos do art. 1172.º b), mas antes será ineficaz para determinar a extinção do
mandato, salvo se o contrário tiver sido estipulado”.
104 Leitão, Adelaide Menezes, Revogação unilateral do Mandato…, p. 324.

105 Vale a pena ler as seguintes palavras de Joana Farrajota: “Apenas quando a lei expressamente (e

excecionalmente) tolere a extinção do contrato realizada em violação da lei ou do estipulado entre


as partes – casos previstos no artigo 1172.º do CC, em que a extinção do contrato não é posta em
causa, indemnizando-se apenas o lesado pelo prejuízo sofrido – é que o contrato se deverá dar por
extinto. Apenas nesses casos – excecionais, repita-se – o efeito extintivo do ato resolutivo se dá.

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640 David Nunes dos Reis

iv) Contrato de agência

A agência corresponde ao “contrato pelo qual uma das partes se obriga a


promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e
estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou deter-
minado círculo de clientes” conforme resulta do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-
-Lei n.º 178/86, de 3 de julho106.
Da aplicação conjugada dos artigos 30.º e 31.º do referido diploma
resulta que a resolução do contrato de agência é (i) motivada e (ii) opera
extrajudicialmente.
Pinto Monteiro pronunciou-se relativamente ao caso em que uma das par-
tes resolve sem fundamento o contrato de agência. Note-se que a situação é
semelhante àquela que é abordada no presente trabalho: a lei nada diz quanto à
produção de efeitos de resolução sem fundamento.
Há, em suma, duas visões possíveis107:

(a) A manutenção do contrato ilicitamente resolvido:


O contrato de agência (ilicitamente) resolvido sem fundamento mantém-se
havendo lugar a indemnização a favor da parte contra quem o contrato terá sido
suspenso, em virtude da pendência da decisão por parte do tribunal (ou seja, a
parte relativamente a quem o contrato foi resolvido);

(b) A extinção do contrato ilicitamente resolvido:


O contrato de agência (ilicitamente) resolvido sem fundamento é extinto
havendo lugar a responsabilidade do resolvente por incumprimento do contrato.
Embora Pinto Monteiro admita que no plano dos princípios a solu-
ção a defender seria a primeira (manutenção do contrato)108, acaba por sus-

Nos outros casos, isto é, em regra, o efeito extintivo não se produzirá, tendo a contraparte direito
não só à indemnização pelos danos sofridos como o ato ilícito de resolução (ato de incumprimento
contratual), mas também ao cumprimento do contrato – porque não se extinguiu. É o que sucede
quando o contrato de mandato tenha sido resolvido pelo mandante sem justa causa, isto é, sem
fundamento.” In Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, p. 103.
106 Trata-se de um regime particularmente relevante atendendo à aplicação analógica a outros

contratos de distribuição, como seja a franquia, a concessão ou a comissão.


107 Cfr. Monteiro, António Pinto, Contrato de Agência..., pp. 137 e ss. Vide, ainda, Pinto, Paulo

Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II…, p. 1676, e Farrajota, Joana,
A Resolução sem Fundamento…, pp. 159-160.
108 Expressamente o diz: “A primeira alternativa seria, no plano dos princípios, a mais indicada,

visto que a resolução sem fundamento traduz um exercício ilícito do respetivo direito. De outro

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 641

tentar a segunda posição. Fá-lo, fundamentalmente, com base nos seguintes


argumentos109:
Em primeiro lugar, porque entre a declaração resolutiva e o proferimento
da sentença judicial as partes cessaram as suas relações, de facto. Ou seja, impor
a manutenção do contrato seria obrigar as partes a reatar uma relação que em
termos práticos já teria sido abandonada110. Tratar-se-ia, portanto, de uma obri-
gação dificilmente compaginável com o carácter extrajudicial da resolução e a
natureza declarativa da ação judicial.
Em segundo lugar, tratando-se de contrato de agência por tempo indeter-
minado, sempre poderia o resolvente denunciar o contrato (sendo, neste caso,
uma modalidade da extinção das obrigações imotivada). Assim sendo, uma
resolução sem fundamento é equiparável a uma denúncia sem pré-aviso. Ora, a
denúncia sem pré-aviso extingue o contrato ainda que faça nascer a obrigação
de indemnizar a contraparte. Nesse sentido, defende Pinto Monteiro que “do
artigo 29.º pode mesmo retirar-se um argumento ‘a pari’ ou por identidade de
razão: também a denúncia ilícita, porque sem pré-aviso, não obsta à extinção do
contrato, dando apenas direito à indemnização”111.
Em terceiro lugar, o Autor defende que o carácter intuitu personae deste
contrato justifica que a ilicitude da resolução não obstaculize a extinção do
contrato.
Já Paulo Mota Pinto112 vem sustentar uma posição híbrida. Haverá que,
numa primeira fase, aferir se o resolvente tinha direito à cessação do contrato
ex vi denúncia ad nutum. Se tiver direito à denúncia ad nutum e decidir resolver
sem fundamento deve ser, na maior parte dos casos, equiparada à denúncia
sem pré-aviso, logo é eficaz113. Caso não haja possibilidade de denúncia (v.g.,

modo, poderá dizer-se que se consegue obter o resultado pretendido, em violação da lei”, in Mon-
teiro, António Pinto, Contrato de Agência…, p. 138.
109 Cfr. Monteiro, António Pinto, Contrato de Agência..., pp. 138-139.

110
Basta pensar que, por exemplo, num contrato de empreitada, ante uma resolução ilícita o
empreiteiro fará deslocar a sua mão de obra e bens para outras obras. Irá, seguramente, contratar
com novas pessoas. Neste cenário, uma declaração ilícita da resolução iria trazer inconvenientes
significativos.
111 Monteiro, António Pinto, Contrato de Agência…, p. 138.

112 Pinto, Paulo Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II, Coimbra Ed.,

2008, pp. 1674-1676. Em particular, os desenvolvimentos feitos pelo A. relativos à argumentação


de Pinto Monteiro.
113 Não parece inteiramente procedente a tese do Autor de que haveria uma conversão automática

de resolução sem fundamento em denúncia. É que o sujeito que resolve pode não querer denun-
ciar o contrato. Pense-se, por exemplo, nos casos em que o resolvente se encontra em erro sobre
os pressupostos. Será que se deve “converter” esta resolução em denúncia na situação em que
o resolvente julgava ter fundamento para provocar a resolução do contrato? Dir-se-ia que não.

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642 David Nunes dos Reis

nos contratos que não sejam por tempo indeterminado), defende o Autor que
a resolução seria ineficaz por não possuir fundamento, não sendo o resolvente
titular de qualquer direito de resolver o contrato.
Lacerda Barata114, por sua vez, entende que a declaração de resolução é
ineficaz, logo o vínculo mantém-se.

v) A aquisição de ações próprias

Regra geral às sociedades anónimas está vedada a aquisição das suas próprias
ações, nos termos do artigo 316.º, n.º 1, do CSC, regra geral que, claro está,
permite exceções115.
Ora, do artigo 323.º, n.º 2, do CSC resulta o dever de alienar as ações ili-
citamente adquiridas116 no prazo de um ano117. Significa, portanto, que o dever
de alienar só faz sentido se o alienante for, de facto e de jure, o proprietário das
ações (ilicitamente) adquiridas. E se assim é – e assim parece ser – então está-se
diante de um ato ilícito eficaz: a aquisição das ações próprias. Este ponto é,

114 Defende Lacerda Barata que “A declaração de resolução, aqui como em geral, terá de conter

os fundamentos que a legitimam (artigo 31.º). A ausência destes, ou a sua insuficiência, acarretará
a ineficácia da declaração e consequente subsistência do vínculo contratual”, in Barata, Carlos
Lacerda, Sobre o Contrato de Agência, Almedina, 1991, p. 89.
115 Veja-se, designadamente, a permissão do negócio aquisitivo das ações da sociedade cuja soma do

valor nominal não ultrapasse 10% do capital social (artigo 317.º, n.º 2) e ainda os casos referidos no
n.º 3 do artigo 317.º onde se permite a aquisição de ações próprias (sem o limite quantitativo fi xado
pelo n.º 2 do mesmo preceito) para os casos em que “a) A aquisição resulte do cumprimento pela
sociedade de disposições da lei; b) A aquisição vise executar uma deliberação de redução de capital;
c) Seja adquirido um património, a título universal; d) A aquisição seja feita a título gratuito; e) A
aquisição seja feita em processo executivo para cobrança de dívidas de terceiros ou por transação
em ação declarativa proposta para o mesmo fim; f ) A aquisição decorra de processo estabelecido
na lei ou no contrato de sociedade para a falta de liberação de ações pelos seus subscritores”.
116 Vide Albuquerque, Pedro de, “Anotação ao art. 323.º”, in Cordeiro, António Menezes, Código

das Sociedades Comerciais Anotado: e regime dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação
de entidades comerciais, DLA, 2.ª ed., Almedina, 2012, pp. 889-890, e ainda Andrade, Margarida
Costa, “Anotação ao art. 323.º”, in Abreu, Jorge M. Coutinho de (coord.), Código das Sociedades
em Comentário, Almedina, 2012, pp. 457-464.
117 Trata-se da transposição da Diretriz n.º 77/91/CE que, no seu artigo 21.º dispõe o seguinte:

“As ações adquiridas com violação dos artigos 19.° e 20.º devem ser alienadas no prazo de um
ano, a contar da data da sua aquisição. Se não forem alienadas nesse prazo, aplicar-se-á o n.º 3
do artigo 20.°”

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 643

diga-se, aceite com alguma bonomia pela doutrina nacional e internacional que
sobre este ponto se tem pronunciado118.
Conforme refere Margarida Costa Andrade é na articulação do n.º 2 com o
n.º 3 do artigo 323.º do CSC que se descortina o regime sancionatório da aqui-
sição ilícita de ações próprias119 e é neste regime que encontramos um “micros-
sistema”, nas palavras de Aldo Dolmetta120, uma vez que o desvalor cominado à
violação de uma norma jurídica não é a nulidade ou a anulabilidade.
Nessa medida, o legislador pressupõe que a sociedade que adquire ações
próprias é efetivamente a titular das ações, ainda que as tenha adquirido em
violação da lei, in casu, do artigo 316.º do CSC. Ora, esta obrigatoriedade de
alienação posterior visa desfazer os efeitos do ato ilícito, mas que – há que
dizê-lo – produziu os seus efeitos independentemente da sua ilicitude. Como
dá conta Miguel Brito Bastos121, na linha de alguma doutrina italiana, o regime
legal desfaz os efeitos da aquisição ilícita não através do impedimento do efeito
translativo (ou seja, não através da ineficácia do ato aquisitivo), mas sim através
da adstrição a “atos de sinal contrário”, ou seja, a alienação das ações ilicita-
mente adquiridas. Portanto, como refere Miguel Brito Bastos este regime tem
a virtualidade de “permitir distinguir com maior clareza os planos da validade
(ou da competência) e da ilicitude (ou da permissão)”122-123.

118 Por exemplo, na doutrina nacional Raul Ventura escrevia que “é de elementar lógica que,
sendo as ações licitamente detidas durante um ano e devendo ser alienadas, sob pena de serem
anuladas, o ato de aquisição é válido, pois se fosse nulo, a sociedade não as teria adquirido, não
poderia possuí-las nem aliená-las e a anulação seria despropositada”, in Ventura, Raul, Estudos
vários sobre sociedades anónimas, 1992, p. 384. Margarida Costa Andrade escreve que “fora dos casos
previstos na lei [...] a ilicitude da aquisição não determina a nulidade do negócio jurídico (como
decorreria da regra de violação de normas injuntivas – artigo 294.º do CCiv.), antes faz nascer na
esfera jurídica da sociedade a obrigação de alienar as ações ilicitamente adquiridas”, in Andrade,
Margarida Costa, Anotação ao art. 323.º…, p. 458. Veja-se, ainda, Carbonetti, Francesco, L’acquisto
di azioni proprie, Giuffrè, 1988, p. 105.
119 Cfr. Andrade, Margarida Costa, Anotação ao art. 323.º…, p. 458.

120 Dolmetta, Aldo, “Sulle conseguenze civilistiche dell’acquisto di azioni proprie in violazione

dei divieti di legge”, in Rivista delle Societá, Ano 4, n.ºs 2-3, março-junho 1996, p. 342.
121
Cfr. Bastos, Miguel Brito, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas socie-
dades anónimas”, in (dir. António Menezes Cordeiro) Revista de Direito das Sociedades, Ano I,
vol. I, 2009, pp. 197 e ss, onde se encontram as referências à doutrina italiana que o Autor segue.
122 Bastos, Miguel Brito, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias…”, pp. 185-224.

Aliás, o Autor refere explicitamente que ilicitude e eficácia não são sinónimos, ao dizer, a pp. 197
e 198, que “[e]sta produção de efeitos pelo negócio translativo não significa que a sua celebração
seja lícita: se em contrariedade com [a] proibição de aquisição de ações próprias, e não sendo esta
excecionada pela permissão de aquisição, a celebração do contrato consubstanciará um compor-
tamento contrário à proibição legal [...] e portanto ilícito”.
123 O Autor usa a terminologia de Eugenio Bulygin que faz uma análise sob o prisma da teoria da

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644 David Nunes dos Reis

Eis, portanto, um caso em que o ato ilícito é, ainda assim, eficaz124. Mas
é-o a título de exceção125 e na estrita medida em que se pretendeu em primeiro
lugar tutelar a segurança na transmissão e circulação de ações e, em particular,
a posição do alienante. Em segundo lugar porque se trata de um (micro)sistema
mais eficaz do que aquele que seria caso a aquisição não fosse suscetível de
produzir efeitos. Tanto mais que é o regime menos dispendioso para a socie-
dade e mais favorável para os terceiros, como referem alguns Autores126. Em
terceiro lugar, note-se que a lei desfaz os efeitos da aquisição ilícita ao prever
a obrigação de alienação das ações em causa. Embora se trate de um regime
excecional e que obedece a uma teleologia própria, a lei prevê uma obrigação
que – a final – aproxima esta situação da exceção ao regime geral da ineficácia
dos atos ilícitos.

5. A resolução ilícita: a ineficácia como regra

a. Ponto prévio

Muito embora este tema não tenha merecido desenvolvimentos aprofun-


dados, podem sistematizar-se duas correntes. De um lado, há quem defenda a
eficácia da resolução ilícita, sobretudo com base na sua natureza extrajudicial.
Do outro lado, erguem-se importantes vozes pela ineficácia de uma resolução
que foi feita sem fundamento e, portanto, contra o Direito.

b. Argumentos a favor da eficácia da resolução ilícita enquanto modo de


extinção do vínculo contratual

A resolução opera extrajudicial e unilateralmente, razão pela qual o con-


trato se extinguiria logo que conhecido pela contraparte. Sem prejuízo de a

norma. Vide, com grande interesse, Bulygin, Eugenio, “On norms of competence”, in Law and
Philosophy, Vol. 11, n.º 3, 1992, pp. 201-216.
124 É, portanto, com surpresa, que se constata que este exemplo não surge referido na dissertação

de Joana Farrajota.
125 Veja-se, por exemplo, o seguinte trecho de João Gomes da Silva: “A originalidade do regime

assenta em dois fundamentos” (itálico no original), in Silva, João Gomes da, “Acções Próprias e
interesses dos accionistas”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2000, dezembro, p. 1261.
126 Silva, João Gomes da, “Acções Próprias…”, pp. 1260-1266; Rocha, Maria Victoria Rodrigues

Vaz Ferreira da, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1994,
pp. 286 ss; Cueto, José Carlos Vázquez, Régimen jurídico de la autocartera, Marcial Pons, 1995, pp.
389-391.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 645

posteriori se vir a discutir a responsabilidade daquele que resolveu o contrato


sem fundamento (não havendo, portanto, qualquer comportamento ilícito
e/ou censurável da contraparte) a questão dos efeitos da resolução dar-se-iam a
montante. Seriam, portanto, planos distintos127.
Menezes Cordeiro128 tem uma posição curiosa129 e que consiste no con-
fronto entre a prática e a pureza dos princípios. Entende o Autor que na
“pureza dos princípios, a resolução indevida é ineficaz. Não se verificando os
pressupostos – legais ou contratuais – de que ela dependa, o resolvente não é
titular do direito potestativo de que se arroga”130. Este ponto merece uma total
concordância. Seguidamente, o Autor refere que, ao se permitir a resolução
extrajudicial, “o Código Civil dá uma mensagem normativa que não pode
ser passada em claro. Com efeito, ao permitir uma resolução extrajudicial, a
lei deixa à apreciação do resolvente a ponderação dos requisitos em jogo. […]
Até que haja uma sentença com trânsito em julgado, a resolução deve produ-
zir os seus efeitos: ou seria inútil”131. Ou seja, seria inútil uma resolução que
visse os seus efeitos “pendentes” de uma sentença judicial132. Trata-se de um
argumento de peso mas que, salvo o devido respeito, não procede. Com efeito,
conforme se irá sustentar, as constelações de casos permitem manter a resposta
do Direito na pureza dos princípios e, ainda assim, útil.
Romano Martinez133 tem uma posição algo confusa134. Se, por um lado,
começa por defender que a resolução ilícita “não é inválida, pelo que, mesmo

127 Relativamente a esta posição, veja-se o interessante artigo de Squilacce, Adriano; Pinto, Ale-
xandre Mota, A Resolução Ilícita: Uma contradição nos termos? Disponível em http://www.uria.com/
documentos/publicaciones/2915/documento/articuloUM.pdf?id=3276.
Os citados Autores defendem que se trata de um contradição nos termos, uma vez que a resolu-
ção (e os seus efeitos) seria imposta a uma pessoa que não cometeu qualquer ilícito ou censurável.
128 Que não surgia na versão anterior do manual do Autor.

129 Próxima, de certo modo, da posição de Pinto Monteiro para os casos de agência. É que tam-

bém este Autor defendia que a resolução ilícita é ineficaz na pureza dos princípios. Na prática,
defende, impõe-se outra solução.
130 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935.

131
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935.
132 É interessante ver o que Menezes Cordeiro escrevia em 1991 no tocante ao despedimento pelo

empregador: “de iure condendo a reintegração poderá suscitar problemas insolúveis em pequenas
empresas de tipo familiar, onde as relações humanas tenham ficado definitivamente degradadas
pelos acontecimentos e pelo próprio despedimento, que poderá, inclusive, ter sido declarado ilí-
cito por razões formais. No limite, o abuso do direito e a boa-fé poderão exigir outras soluções”,
in Cordeiro, António Menezes, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, p. 844.
133 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, pp. 208-211.

134 Dando nota desta aparente confusão vide Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…,

pp. 50-51.

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646 David Nunes dos Reis

que injustificada, produz efeitos, ou seja, determina a cessação do vínculo”135,


por outro lado reconhece que a resolução ilícita é nula. O Autor – se bem se
interpreta – parece sustentar a manutenção do efeito extintivo uma vez que
perspetiva a resolução sem fundamento como um incumprimento do contrato.
Donde, não haveria invalidade mas antes incumprimento. Mais, deveriam veri-
ficar-se três requisitos136, a saber: o cumprimento das prestações contratuais
teria de ser possível; a parte lesada teria de manter interesse na manutenção
e execução do contrato; e ainda se deveria concluir pela natureza não exces-
sivamente onerosa para o resolvente. Parece uma posição difícil de acolher.
Desde logo, não se vislumbra – nem o Autor explica – como vencer o óbice
da aplicação do artigo 280.º, e, portanto, da afirmação da nulidade em causa.
Mais, surge uma aparente contradição, uma vez que o Autor parece sustentar o
efeito extintivo como regra e depois defender a sua subsistência com base numa
“certa reconstituição natural”137.
António Pinto Monteiro138-139 pronunciou-se “apenas”140 no tocante à
agência conforme referido supra. Fá-lo invocando sobretudo argumentos prá-
ticos (relativos à morosidade do sistema judiciários nacional) e ainda o regime
da livre denúncia dos contratos de agência por tempo indeterminado141.
A estes argumentos respondeu de forma particularmente lúcida e feliz Paulo
Mota Pinto142 que reafirma a ineficácia da resolução ilícita pugnando contudo
pela aplicação do regime da denúncia sem pré-aviso no caso em que o resol-
vente tenha direito à denúncia ad nutum.
Também Assunção Cristas143 pugna pela eficácia extintiva da resolução ilí-
cita, com fundamento no carácter extrajudicial da resolução e na simplicidade
da solução que defenda a eficácia extintiva com a natureza de incumprimento.

135 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 209.


136 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 210.
137 Nestes termos vide Squilacce, Adriano; Pinto, Alexandre Mota, A Resolução Ilícita: Uma contra-

dição nos termos?…, p. 115.


138 Monteiro, António Pinto, Contrato de Agência…, pp. 138-139.

139 Note-se, contudo, que o Autor admite que a solução que na pureza dos princípios faria sentido

era a da manutenção do negócio, na medida em que o ato ilícito é ineficaz. Concorda-se com o
Autor mas o modo de acautelar as implicações práticas é que se afigura errada. Uma solução dog-
maticamente robusta tem de ser conforme ao sistema e tem de ser, a partir dele, que se desenha
uma resposta teórica e praticamente exequível, conforme se procura sustentar no presente trabalho.
140 As aspas inseridas são intencionais atendendo ao potencial de aplicação analógica do regime

jurídico da agência.
141 Remete-se para o que vai dito supra, onde se desenvolvem os argumentos do Autor.

142 Pinto, Paulo Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II…, p. 1676.

143 Cristas, Assunção, “É possível impedir judicialmente a resolução de um contrato?”, in (Coor-

denação de Carlos Ferreira de Almeida, Diogo Freitas do Amaral, Marta Tavares de Almeida)

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 647

Na jurisprudência encontramos algumas decisões em que, apesar de inexis-


tir um tratamento dogmático intenso do tema, o tribunal defende – de forma
mais ou menos conclusiva – a produção de efeitos.
Por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Hélder Roque)
com data de 8 de maio de 2013, onde se pode ler:

“Quando a declaração resolutória não preenche os respetivos pressupostos


legais consubstancia uma resolução ilícita, a qual, muito embora fora dos parâme-
tros em que é admitida, não é inválida ou ineficaz, pelo que, mesmo injustificada,
produz efeitos, ou seja, determina a cessação do vínculo, representando o incum-
primento do contrato, com a consequente responsabilidade do seu autor pelo pre-
juízo causado à contraparte […].”144

Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Alves Velho) de


12 de outubro de 2010, onde se pode ler o seguinte:

“Por outro lado, não foi alegada nem demonstrada qualquer causa resolutiva
com suporte na lei, como exigido no art. 432.º-1 do C. Civil.
A resolução não assentou, portanto, em qualquer fundamento atendível.
Revela-se, assim, a todos os títulos – por se fundar em convenção inválida e
por não ter sido invocado e demonstrado outro fundamento legalmente relevante
‒, ilícita.
Mas, incontornável é o facto de a declaração resolutiva ter efetivamente
existido.
Foi ilícita, por infundada, mas consumou-se e, como tal, produz efeitos.
De notar, antes de avançar, que a invalidade da cláusula não afeta a validade
da declaração resolutiva; torna-a injustificada e ilícita, mas não ineficaz ou nula.”145

c. Argumentos contra a eficácia da resolução ilícita enquanto modo de extin-


ção do vínculo contratual

Embora se trate de um direito potestativo, é um direito que só surge se


reunidos os seus pressupostos. Logo, se não estão verificados os seus pressupos-
tos então não se produz qualquer efeito, maxime, o efeito extintivo. Em bom
rigor, perante a falta de fundamento, não se constitui qualquer direito a resolver

Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Vol. II,
Almedina, 2008, p. 63.
144 Disponível em www.dgsi.pt.

145 Disponível em www.dgsi.pt.

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648 David Nunes dos Reis

o contrato. Esta é, grosso modo, a tese de Baptista Machado146 e, em parte, de


Paulo Mota Pinto147.
Trata-se de um argumento que não tem sido negado de frente. Ou seja, o
que se lhe opõe é a sua implicação prática.
Na jurisprudência encontram-se poucas decisões no sentido da ineficácia da
resolução sem fundamento. Ainda assim, chama-se a atenção para os seguintes
acórdãos.
O primeiro, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (Salvador da
Costa) de 7 de fevereiro de 2008, onde se pode ler:

“Todavia, a recorrente comunicou à recorrida resolução do contrato de


subempreitada em causa, visando, assim, por sua exclusiva iniciativa, destruir aquela
da relação contratual. Mas o referido direito de resolução dependia de se verificar,
para o efeito, fundamento legal bastante, seja de origem contratual ou legal (artigo
432.º, n.º 1, do Código Civil). Nem há fundamento convencional nem legal que
sustente a referida declaração imputável à recorrente em termos de ser suscetível de
implicar a destruição da mencionada relação jurídica contratual.
Por isso, está a referida declaração de resolução que a recorrente dirigiu à
recorrida afetada de nulidade (artigos 280.º, n.º 1, 295.º e 432.º, n.º 1, do Código
Civil). Em consequência, não pode relevar, em termos de produção do efeito de
destruição do contrato de subempreitada, a declaração de resolução que a recor-
rente dirigiu à recorrida.”148

E ainda, com interesse, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra


(Manuel Capelo) de 17 de março de 2015, em que se lê:

“Em resumo, e porque nos parece ser mais consistente o entendimento que
considera a resolução operada, cuja falta de fundamento vem a ser verificado, não

146
Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumprimento…, pp. 130-131.
147
Pinto, Paulo Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II…, pp. 1675-
1676. Vide, por exemplo, no tocante à empreitada, Mariano, João Cura, Responsabilidade Contra-
tual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª ed., 2008, p. 138, para os casos de resolução pelo dono
da obra sem fundamento refere que não produz o efeito extintivo. Vale a pena transcrever ainda
o seguinte trecho da pena de Raúl Guichard e Sofia Pais, onde se pode ler o seguinte: “Certa-
mente que, quanto à declaração de resolução da Autora, ela não surtiu os efeitos pretendidos, por
não se verificarem os respetivos pressupostos, conforme constatação judicial – desse ponto de
vista, foi absolutamente irrelevante. Contudo, isso não significa que possa assumir importância,
não enquanto declaração negocial de extinção do contrato, mas como facto revelador de uma
vontade de não cumprir”, in Guichard, Raúl; Pais, Sofia, Contrato-promessa: recusa ilegítima e recusa
terminante de cumprir…, p. 319.
148 Disponível em www.dgsi.pt.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 649

faz cessar o contrato automaticamente, no âmbito da presente Apelação concluí-


mos que não pode ser o réu condenado nos pedidos que contra si foram formula-
dos impondo-se a sua absolvição e a procedência do recurso.”149

d. Tese defendida

Eis a tese que se defende e que passa por uma resposta a dois níveis. Num
primeiro nível de resposta haverá que aferir da ilicitude e da ineficácia da reso-
lução. Num segundo nível – atentas as consequências práticas – haverá que
equacionar os diversos grupos de casos que podem surgir.

i) Ilicitude e ineficácia

A resolução sem fundamento é um ato ilícito na medida em que os pres-


supostos da figura não estão preenchidos. Regra geral, dir-se-ia, resulta que
havendo ilicitude haveria também ineficácia. Contudo, a existência de exce-
ções não permite a dedução automática desta conclusão.
Com efeito, casos há em que a ilicitude não surge acoplada de ineficácia
uma vez que o legislador optou por manter a eficácia do ato ilícito em prol de
um valor mais “valioso”.
É assim nos seguintes casos:

(i) Resolução do contrato de trabalho;


(ii) Aquisição ilícita de ações.

Conforme se viu supra, mesmo nestes casos não parece haver uma disciplina
diametralmente oposta àquela que resultaria em termos gerais.
Na resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, mesmo
que não haja justa causa, o ato preserva a sua eficácia, ainda que ilícito. Essa
eficácia justifica-se atendendo ao princípio da liberdade de trabalho e ao facto
de não ser admissível que fique vinculado a uma relação que não mais pretende.
Ao invés, no caso do despedimento do trabalhador, viu-se que os efeitos que
o legislador estabelece em matéria de efeitos da ilicitude – maxime, através do

149
Disponível em www.dgsi.pt.

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dever de reintegração – correspondem a uma extinção da extinção na medida em


que se suprimem os efeitos da extinção do contrato de trabalho150.
No caso da aquisição ilícita de ações, a manutenção da eficácia obedece a
uma lógica de proteção da transmissão das ações e de tutela do alienante e de
terceiros. Mas a pedra de toque está no facto de o legislador prever a obrigação
de alienação. Ou seja, no fundo, prescreve a abolição dos efeitos da aquisição
ilícita. Em suma, não obstante se tratar de um regime excecional, é bastante
“temperado” por esta obrigação e obedece a uma lógica própria do domínio
jus-societário.
Nos restantes casos, o legislador confirma aquilo que já resulta da teoria
geral: um ato ilícito é, por regra, ineficaz151. Donde, a resolução ilícita não
extingue o contrato152.
Mas esta afirmação – de que a resolução não extingue o contrato – signi-
fica que as partes estão obrigadas ao clausulado. Ambas mantêm os direitos de
que eram titulares (rectius: sempre foram), e ambas estão adstritas às obrigações
das quais eram (rectius: sempre foram) destinatários. Significa que após a reso-
lução (e antes da declaração da sua ilicitude) as partes, tipicamente, afastam-se
e deixam de cumprir o contrato. Tempos mais tarde, o tribunal ao declarar a
ilicitude da resolução vem, portanto, obrigar à manutenção do vínculo. Ora, o
“reatar” das obrigações da cada parte pode não ser do interesse de uma ou de
ambas as partes. Sendo o Direito uma ciência prática há que lidar com os dados
do terreno e aí dar uma resposta dogmaticamente robusta. Entra-se assim no
segundo nível da resposta à pergunta que responde às objeções de teor prático
que são lançadas pela doutrina e jurisprudência, tendo como figura de proa
Menezes Cordeiro.

ii) O (des)interesse na manutenção do contrato

A declaração da ilicitude de certa resolução consubstancia a confirmação de


que a dita resolução foi ineficaz. Sendo ineficaz, a resolução não produziu os

150 Com exceção dos poucos casos em que é o empregador que não pretende a reintegração do

trabalhador.
151 Até porque, se assim não fosse, seriam alcançados os mesmos efeitos independentemente do

ato praticado ser ou não conforme ao Direito.


152 Até certo ponto, acompanha-se a posição de António Menezes Cordeiro. O Autor refere que

“[n]a pureza dos princípios, a resolução indevida é ineficaz”. Não se subscreve, contudo, as obser-
vações que o Autor faz de seguida, conforme se verá infra, designadamente quando refere “[a]té
que haja uma sentença com trânsito em julgado, a resolução deve produzir os seus efeitos: ou seria
inútil”. Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935.

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A (in)eficácia extintiva da resolução ilícita dos contratos 651

efeitos que tinha em vista. Portanto, não se deu o efeito extintivo. Donde, o
contrato “nunca” foi extinto, sempre permaneceu em vigor (porque válido e
eficaz) na ordem jurídica.
Mas é também não poucas vezes frequente que, após a resolução do con-
trato (e enquanto a ação com vista à declaração de nulidade da resolução corre
nos tribunais), as partes afastam-se, baixam os investimentos, deslocam mão de
obra. No fundo, comportam-se em termos que faticamente representam um
abandono da relação.
Disto mesmo dão conta os Autores153. Aliás, uma das objeções para a comi-
nação de ineficácia à resolução ilícita seria a dificuldade prática que envolve
tal ineficácia. Em suma, o tribunal ao declarar a ilicitude da resolução obriga
– também – as partes a reporem faticamente o contrato. Note-se que juridi-
camente nada há a repor. O contrato permaneceu válido e eficaz mesmo na
pendência da decisão judicial ou arbitral.
Donde, atendendo às dificuldades práticas da reposição fáctica do vínculo,
há que – para responder de frente ao problema – equacionar vários grupos de
casos. Estes grupos de casos que aglomeram situações imagéticas pretendem
aferir qual a solução dogmática e prática para as situações em que a reposição
do vínculo – ordenada pelo tribunal – não é querida pelas partes. Ou seja,
tendo o tribunal declarado a ilicitude, podem, ainda assim, a(s) parte(s) obviar
à reposição do vínculo? No fundo: como manter faticamente os efeitos de uma
resolução ilícita e ineficaz?

A) Resolvente e resolvido pretendem a reposição (fáctica) do contrato


Neste caso, o resolvente resolve o contrato no momento 1. No momento
2 o tribunal declara a ilicitude da resolução obrigando, portanto, à manutenção
do contrato. Se o resolvente acatar a ordem do tribunal e o resolvido também
tiver interesse na manutenção do contrato – o que se presume, se tiver sido
ele a intentar a ação – então, havendo acordo entre resolvido e resolvente na
manutenção do contrato ordenada pelo tribunal, nada há a opor154.
Em suma, não há tema: tribunal, autor e réu estão alinhados na reposição
do contrato.

153 Vide Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935. No seu ensino
oral, Menezes Cordeiro chamou justamente à atenção para este dado prático que não é – de todo!
– despiciendo.
154 Claro está que podem surgir questões delicadas, mas que escapam ao objeto do presente tra-

balho. Por exemplo: como lidar com as obrigações incumpridas aquando da pendência da ação?
Quais os critérios para determinar o quantum indemnizatório? A reposição é, ainda assim, possível?

RDC III (2018), 3, 615-655

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652 David Nunes dos Reis

B) Apenas o resolvente pretende a reposição (fáctica) do contrato


Esta segunda situação imagética é a seguinte: após a sentença do tribunal,
o resolvido (e autor)155 – a parte fiel – não tem interesse na manutenção do
contrato, ao contrário do resolvente que, agora, pretende dar cumprimento ao
ordenado pelo tribunal.
Desde logo, ressalta uma aparente contradição. O resolvente foi quem quis
a extinção do contrato e após a sentença pretende a sua manutenção. Não
parece haver venire contra factum proprium uma vez que este deve dar cumpri-
mento à sentença do tribunal e, portanto, nessa medida, não parece ser abusivo
ou censurável o acatamento da ordem do tribunal. Ora, o problema está no
outro polo: o resolvido, afinal, não pretende a reposição do contrato.
Repare-se:
O resolvido é o autor da ação com vista ao proferimento de sentença,
declarando a ilicitude e ineficácia da resolução. Ou seja, aquele que considerou
ilícita a resolução e que, portanto, se dirigiu aos tribunais para ver tutelado o
seu interesse, não mais mantém interesse na manutenção do contrato. Sendo o
responsável pelo impulso processual não pode agora querer furtar-se às conse-
quências ditadas pela sentença do tribunal em ação por ele intentada. Se per-
deu o interesse na declaração de ilicitude da resolução (obviando, portanto, à
manutenção do vínculo) deveria ter – em sede da ação judicial – desistido da
instância ou transigido [artigo 277.º, al. d), e artigos 283.º ss do CPC]. Esse era
o momento processual para obviar aos eventuais efeitos decorrentes da declara-
ção de ilicitude da resolução.

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Poder-se-ia pensar se um terceiro à relação entre resolvente e resolvido teria legitimidade
processual para intentar um ação com vista à declaração de nulidade da declaração de resolução
do contrato. Face ao artigo 30.º do CPC, haveria que descortinar uma qualquer “utilidade deri-
vada da procedência da ação”. Havendo essa utilidade, nada haveria a opor em que um terceiro
quisesse atacar essa resolução. Mais, atacando-a e tendo obtido uma sentença favorável, caberia
perguntar se poderia agora o resolvido resolver o contrato com base no incumprimento daquele
que (em primeiro lugar) resolveu ilicitamente o contrato. Caso a caso se analisaria qual o âmbito
do incumprimento e quais os deveres que, in concreto, foram violados. Um dado parece claro: a
confiança está ferida por aquele que quis (e tentou) a desvinculação total. Seria outro tema que
não o dos efeitos da resolução ilícita e que escapa por completo ao escopo e limites do presente
estudo. À partida, parece que não poderia lançar mão daquele fundamento, sobretudo se o (novo)
resolvente for a juízo, caso em que se estará a bater pela manutenção do contrato. Aliás, não se
percebe por que razão o momento do ferimento da confiança e da inexigibilidade da manutenção
do vínculo seria o do proferimento da sentença.

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C) Apenas o resolvido pretende a reposição (fáctica) do contrato


Repare-se nos dados do problema: a parte fiel quer dar cumprimento à sen-
tença do tribunal. A parte faltosa pretende manter os efeitos de um ato ilícito.
À partida, a questão parece simples e não coloca grandes dúvidas: haverá que
dar cumprimento à sentença. Não poderia ser a parte faltosa a ver o seu inte-
resse privilegiado, em detrimento do resolvido. Mas esta solução apriorística
pode ser incorreta.
É que a reposição do vínculo pode ser desproporcional ou excessivamente
onerosa face aos proveitos que geraria à parte fiel. Para tanto, poder-se-ia invo-
car o disposto no artigo 1221.º, n.º 2, onde expressamente se prevê que o dono
da obra não tem o direito de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos,
caso as despesas com essa eliminação forem desproporcionais face ao proveito
gerado para o dono de obra. Ou ainda, o princípio da materialidade subjacente
(abuso de direito) ou a boa-fé podem, justamente, apontar num outro sentido.

D) Resolvente e resolvido não pretendem a reposição (fáctica) do contrato


Basta pensar, por exemplo, nos casos em que a reposição seria excessi-
vamente onerosa para ambas as partes. Pode não fazer sentido estar a desviar
fundos, pessoas, ativos para um contrato que esteve “adormecido” em virtude
da pendência da ação. Nestes casos, pode ser do interesse das partes a não repo-
sição do vínculo. Assim, haveria que ter sido celebrada uma transação ao abrigo
do disposto nos artigos 283.º e ss do CPC.

6. Conclusões

Procurou-se aferir se uma declaração de resolução do contrato sem funda-


mento produz o efeito extintivo.
Em primeiro lugar, a resolução é extrajudicial. Trata-se de uma caracterís-
tica típica e, por si só, nenhum problema levanta. A intervenção do tribunal
pode (se e quando) vir a surgir após a declaração de resolução e após a rece-
ção da declaração pela contraparte. Donde, à partida, os efeitos da resolução
extrajudicial dão-se antes do tribunal, eventualmente, se pronunciar sobre a
resolução em causa. Razão pela qual se A resolver o contrato e B vier, mais
tarde, a impugnar a referida resolução e o Tribunal der razão a A, ou seja,
mantendo a validade e eficácia da resolução, então os efeitos da resolução dão-
-se no momento em que a declaração de A chegou a B e não no momento
de proferimento da sentença. Em segundo lugar, a resolução é unilateral, isto
é, trata-se de uma declaração de uma das partes que produz efeitos nos termos
gerais das declarações (artigo 224.º). Ato jurídico unilateral que opera através

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654 David Nunes dos Reis

de mera decisão de uma das partes e que não carece de consentimento da


outra parte. Em terceiro lugar, a resolução é retroativa quanto aos seus efeitos.
Significa que, tal como a nulidade e a anulabilidade (relativamente às quais é
equiparada), a resolução extingue o contrato resolvido, muito embora haja
importantes exceções que mais à frente se irão detalhar.
Ora, sendo a resolução sem fundamento um ato ilícito, então, dir-se-ia
também que é ato ineficaz. Sendo ineficaz haveria que repor o contrato que
ilicitamente foi resolvido. Esta seria a solução pelas regras gerais. Contudo,
casos há em que o legislador excecionou este regime atribuindo eficácia a atos
ilícitos. É o que sucede na resolução do contrato de trabalho e nos casos de
aquisição ilícita de ações. Aqui, a ilicitude não surge acoplada de ineficácia uma
vez que o legislador optou por manter a eficácia do ato ilícito em prol de um
valor mais “valioso”. Todavia, olhando de perto estas duas aparentes exceções,
conclui-se que na resolução do contrato de trabalho por iniciativa do traba-
lhador sem justa causa o ato preserva a sua eficácia, ainda que ilícito, uma vez
que o princípio jusconstitucional da liberdade de trabalho não permite que o
trabalhador fique vinculado a uma relação que não mais pretende. Já no caso
do despedimento do trabalhador, o legislador ao prever o dever de reintegração
vem, no fundo, extinguir a extinção, uma vez que se deverá repor a situação ante-
rior ao ato ilícito. Também no caso da aquisição ilícita de ações é curioso notar
que o legislador prevê a obrigação de alienação. Ou seja, no fundo, prescreve a
abolição dos efeitos da aquisição ilícita. Donde, estes regimes excecionais obe-
decem a lógicas estritamente excecionais insuscetíveis de permitir uma dedução
para o plano geral.
Sucede que a conclusão de que a resolução ilícita não extingue o contrato
pode bulir com os dados práticos do problema. Repare-se: tipicamente, depois
da declaração de resolução (e antes da declaração da sua ilicitude) as partes afas-
tam-se e deixam de cumprir o contrato. Mais tarde, vem o tribunal declarar a
ilicitude da resolução. Ora, pode não ser do interesse das partes “retomar” (em
termos fácticos) o contrato e as obrigações a que estavam adstritos.
Desenharam-se vários grupos de casos que permitem responder a esta obje-
ção de teor mais prático. Primeiro, caso o resolvente e resolvido estejam de
acordo na reposição do contrato, nenhum problema parece haver, uma vez que
estariam a dar pleno cumprimento à sentença proferida pelo tribunal. Segundo,
caso apenas o resolvente pretenda a manutenção do contrato, i.e., o resolvido
(e autor) perdeu – mercê do decurso do tempo, por exemplo – o interesse na
manutenção do contrato, então deveria ter desistido da instância ou transigido
[artigo 277.º, al. d), e artigos 283.º ss do CPC]. Esse era o momento processual
para obviar aos eventuais efeitos decorrentes da declaração de ilicitude da reso-
lução. Terceiro, caso apenas o resolvido (e autor) pretenda a reposição, haverá

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que, em princípio, dar cumprimento à sentença. Contudo, sendo a reposição


do contrato desproporcionada ou contrária à boa-fé, admite-se que in concreto
a solução possa ser outra. Quarto, caso ambos estejam em desacordo quanto à
reposição do vínculo, então, dir-se-ia que, uma vez mais, deveria ter-se cele-
brado uma transação judicial ao abrigo do disposto nos artigos 283.º e ss do
CPC.
Em suma, a resolução ilícita é ineficaz e obriga – tipicamente – à reposição
do vínculo. Contudo, caso esta reposição seja desproporcional, admite-se que
não haja lugar a esta reposição.

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