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1. Introdução
a. Identificação do problema
1
Doravante, salvo indicação em contrário, os artigos citados pertencem ao Código Civil aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, na versão em vigor.
A resolução é ainda caracterizada por ser motivada, ou seja, deve haver uma
razão justificativa para proceder à resolução dos contratos. Nesse sentido, diz-se
que é de exercício vinculado. Só pode resolver quem para tanto tiver funda-
mento o que, nas mais das vezes, se reporta a uma situação de incumprimento.
Ora, pode o declarante estar a resolver o contrato sem fundamento. Nessa
medida, colocam-se as seguintes questões: “O exercício da resolução sem fun-
damento produz o efeito extintivo?”, “Faz cessar o vínculo contratual?” ou
ainda “O que significa extinguir (ou não) o contrato?”.
Este ponto é tanto mais relevante se trouxermos para o nosso problema um
outro dado: a ilicitude da declaração de resolução é decretada pelo tribunal a
posteriori. E é justamente aqui que surge o problema da manutenção (ou não)
dos efeitos jurídicos da resolução (ilícita).
Há que ser preciso na colocação do problema, sob pena de se estar a res-
ponder a um problema que não aquele que se visa responder. Donde, per-
gunta-se: “A resolução ilícita de um contrato extingue o contrato ilicitamente
resolvido?”
A resposta tem de ser particularmente cautelosa uma vez que tem de aten-
der aos conceitos jurídicos em causa e, bem assim, aos dados práticos do pro-
blema e ao circunstancialismo em que ocorre. Por um lado, é verdade que não
parece fazer sentido que o resolvente consiga obter a ineficácia do contrato
quer tenha ou não fundamento [sob pena de se estar a admitir que se atinja o
mesmo objetivo (extinção do vínculo) quer se viole a lei ou não (quer a resolu-
ção seja ilícita ou lícita)]2. Por outro lado, também parece difícil sustentar que
as partes devem “reatar”, mesmo perante uma decisão judicial tardia.
b. Delimitação do tema
2
Sobre a aplicação do Direito e as suas consequências veja-se, por exemplo, MacCormick, Neil,
“Judging by Consequences”, in Neil MacCormick, Rhetoric and the Rule of Law – A theory of Legal
Reasoning, Oxford University Press, 2005, pp. 101-120.
ilícita, cuja ilicitude advenha do facto de o resolvente ter resolvido sem que
para tanto tivesse fundamento bastante3.
Portanto, interessa aqui ponderar os casos de resolução convencional fun-
damentada. Por falta de fundamento entende-se a (i) não invocação de qualquer
fundamento; ou (ii) invocação de fundamento que não conste do clausulado ou
da lei (pretenso fundamento).
c. Terminologia adotada
cados. Por exemplo, resolução do conselho de administração [artigo 297.º, n.º 1, al. b), do CSC],
resolução de litígio laboral (artigo 329.º, n.º 7, do CT), resolução de conflitos de competência
(artigo 116.º do CPC).
5 Guichard, Raúl, e Pais, Sofi a, “Contrato-promessa: recusa ilegítima e recusa terminante de
cumprir; mora como fundamento de resolução; perda de interesse do credor na prestação; des-
vinculação com fundamento em justa causa; concurso de culpas no incumprimento; redução da
indemnização pelo sinal”, in Direito e Justiça, vol. XIV, Tomo I, 2000, p. 316.
6 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato, 3.ª ed., Almedina, 2017, pp. 208-209.
bunal de Justiça”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 118.º Ano, n.º 3730-3741, 1985-1986,
p. 275, nota 2, e ainda p. 281.
8 Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 49-50.
dgsi.pt.
11 Por exemplo, o Acórdão do STJ (Hélder Roque) de 8 de maio de 2013, o Acórdão do Tribunal
a. Enquadramento
12
O problema é delicado e extenso. Mas a extinção de uma obrigação principal, por exemplo,
pode não comportar a extinção de outras obrigações secundárias ou acessórias, basta pensar na
manutenção dos deveres com origem na boa-fé relativos ao aproveitamento de informação tro-
cada aquando da vigência do contrato.
13 Apesar de não ser abordada a resolução veja-se, com interesse, Sá, Fernando Augusto Cunha
de, “Modos de extinção das obrigações”, in (org. António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Lei-
tão e Januário da Costa Gomes) Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles,
I, Almedina, 2003, pp. 171 e ss.
b. A resolução
14
Cfr. Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX, 3.º ed., 2017, pp. 454 e ss.
15
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 907.
16 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, pp. 907-908.
18 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, pp. 911 e ss.
19 Neste sentido, embora adote a terminologia consagrada na literatura especializada, i.e., Direito
Comparado vide, Vicente, Dário Moura, Direito Comparado, vol. I, 4.ª ed., Almedina, 2018.
20
Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 36-37.
21
Neste sentido, Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, p. 37.
22 Especificamente, no tocante à resolução, constituem obras fundamentais: Serra, Adriano Vaz,
“Resolução do Contrato”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, 1957 (Separata); Proença, José
Carlos Brandão, A Resolução do contrato no Direito Civil, Coimbra Ed., 2006; Machado, João Bap-
tista, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in João Baptista Machado, Obra Dispersa,
Vol. I, Scientia Iuridica, 1991, pp. 125-213; Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato, 3.ª
ed., Almedina, 2017.
(i) Extrajudicial;
(ii) Unilateral;
(iii) Retroativa; e
(iv) Motivada.
23
Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 68.
24
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 648.
25 Expressamente neste sentido pode-se ler no Acórdão de 8 de maio de 2013 do STJ (Hélder
Roque): “Porém, nada obsta a que se recorra a tribunal para apreciar a licitude da resolução, sendo
certo que a contraparte pode impugnar, judicialmente, esse ato, e se a decisão judicial confirmar a
validade da declaração, o contrato cessa no momento em que esta chegou ao poder do destinatário
e não em virtude da aludida intervenção judicial.” Disponível em www.dgsi.pt.
26 Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, p. 236.
27 Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumprimento…, pp. 130 e ss, especialmente
p. 132, onde se pode ler que “com a verificação de qualquer concreto inadimplemento que seja
suficientemente grave para fundar um direito de resolução, surge um concreto direito de resolução”.
28 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, pp. 928 e ss.
29 Vale a pena transcrever Menezes Cordeiro, quando defende: “a resolução depende da livre von-
tade de quem, dela, se queira prevalecer e, ainda, da verificação do facto que dê lugar ao direito
potestativo de o fazer”. In Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 929.
3. Os efeitos da resolução
Interessa agora olhar para os efeitos da resolução, uma vez que o tema em
análise versa, justamente, a suscetibilidade de uma resolução ilícita produzir
efeitos. Conforme se verá, apesar de o efeito extintivo ser aquele que se analisa
no presente trabalho, os outros efeitos não deixam de exigir uma ponderação
no desenho da resposta que se irá dar.
30
Fundamental no modo como se olha para o sistema são as seguintes obras: Canaris, Claus-Wi-
lhelm, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 4.ª ed., FCG, 2008 (tra-
dução da 2.ª ed. de 1983), e Engisch, Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico, 10.ª ed., FCG, 2008
(tradução do original de 1983).
31 Cfr. Machado, João Baptista, “Comentário ao acórdão de 8 de Novembro de 1983 do Supremo
Tribunal de Justiça”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 118.º Ano, n.º 3730-3741, 1985-1986,
p. 281.
32 Cfr. Machado, João Baptista, “Comentário ao acórdão…”, pp. 281 e ss.
a. Efeito extintivo
Autores como Vaz Serra33 defenderam que a resolução provoca uma extin-
ção total e global do vínculo34. Com efeito, entende o Autor que a resolução “é
uma declaração dirigida à parte contrária no sentido de que o contrato se con-
sidera como não celebrado. A parte que resolve o contrato, declara que tudo
se passa como se ele não tivesse sido realizado”35 e, mais à frente, defende que
a resolução corresponde a uma “extinção completa da relação contratual”36 o
que se materializa (também) na restituição do que houver sido prestado. Mene-
zes Cordeiro refere que a “resolução do contrato implica a supressão das presta-
ções principais. Mantém-se, todavia, uma relação entre as partes, parcialmente
decalcada do contrato existente”37, para depois enunciar os deveres acessórios e
os deveres de indemnizar. A resolução consiste assim na destruição da relação
contratual, validamente constituída, operada por um ato posterior de vontade
de um dos contraentes38. Diz-se, por vezes, que a extinção vai além da resti-
tuição, querendo com isto significar que o efeito extintivo não se basta com a
restituição do que foi prestado, antes configura o fim do vínculo contratual e
dos deveres a que as partes estavam adstritas e, eventualmente, pode ainda haver
lugar ao surgimento de novos deveres39-40.
Este efeito extintivo dá-se, tipicamente, no momento em que a declaração
de resolução chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida, ao abrigo
do disposto no artigo 224.º, n.º 1. Simplesmente, fica dependente de existir
fundamento, conforme se defende no presente trabalho. Ou seja, caso estejam
37
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 261.
38 Vide, sobre este ponto, Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, pp. 175-179.
39 Neste sentido, embora sem desenvolvimento, veja-se Serra, Adriano Vaz, Resolução do Con-
trato…, p. 50, onde se pode ler: “ter a resolução a eficácia de extinguir a resolução contratual, e
não somente a de criar para as partes a obrigação de restituir as prestações efetuadas”.
40 Aliás, sendo a relação obrigacional uma relação particularmente complexa composta por deveres
principais, secundários e acessórios, dificilmente poderia ser correta uma afirmação tão apriorís-
tica e definitiva como aquela que aqui se critica. O facto de haver lugar à extinção do vínculo não
significa que não nasçam obrigações pós-contratuais, o que aliás sucede em virtude da boa-fé ou
do facto de se constituir uma relação de liquidação entre resolvente e resolvido.
b. Efeito retroativo
41 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 176. O Autor tem o cuidado de distin-
guir os casos em que a resolução depende de intervenção judicial. Aqui haveria que distinguir dois
grupos de casos. No primeiro grupo estariam os casos em que a resolução carece de ser decretada
pelo tribunal, termos em que o efeito extintivo se daria apenas aquando do trânsito em julgado
da sentença. No segundo grupo estariam os casos em que a intervenção judicial configura um
pressuposto da resolução. Aqui, conforme se pode ler em Romano Martinez, “a necessidade de
prévia intervenção judicial não condiciona a produção de efeitos da resolução, valendo as regras
gerais […]”, in Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 177.
42 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 924.
43 Esta restituição afasta-se do que vigora para o enriquecimento sem causa. Melhor: o modelo
restitutório vigente nos casos de resolução dos contratos por incumprimento é diferente daquele
que vigora para os casos de enriquecimento sem causa. Dando conta deste ponto ver Pires, Cata-
rina Monteiro, “A prestação restitutória em valor na resolução do contrato por incumprimento”,
in AAVV, Estudo em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Vol. II, Almedina, 2012, p. 707.
44 Por isso refere Romano Martinez que se está diante de uma ficção jurídica de que o contrato
não existiu.
45 Vide, por todos, Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 44-45.
46 Cfr. Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, pp. 62 ss especialmente a pp. 62 e 63 onde,
referindo-se ao caso italiano, acaba por concluir que o “Código italiano ressalva o caso de con-
trato de execução continuada ou periódica, caso em que o efeito da resolução se não estende às
prestações já efetuadas. Esta doutrina parece aceitável”.
resolução só produz efeitos para o futuro. Há, no entanto, uma exceção à exceção,
para empregar a terminologia de Romano Martinez47, na medida em que se
estabelece que se houver um vínculo de legitimação entre a causa da resolução
e as prestações já efetuadas48, aqui operaria a retroatividade. Por fim, não serão
prejudicados os direitos de terceiros (artigo 435.º, n.º 1).
c. Efeito restitutório
47
Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, p. 925.
48
Vale a pena transcrever os exemplos dados por Menezes Cordeiro: “Assim, um serviço que
passe a ser mal prestado pode justificar a resolução do contrato: sem devolução das importâncias
anteriormente pagas. Mas se a causa de resolução for o ter-se apurado que, de todo, não foi pres-
tado qualquer serviço, já se justifica que abranja as prestações efetuadas”, in Cordeiro, António
Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 925.
49 Cfr. Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, pp. 48 ss, e Cordeiro, António Menezes, Tra-
O tema sub judice tem relevância teórica e prática. Teórica porque se cru-
zam neste tema conceitos civis fundamentais (v.g., resolução, ilicitude, inefi-
cácia, invalidade, efeito extintivo) e porque – com exceção da dissertação de
doutoramento de Joana Farrajota – não se encontra na doutrina nacional um
tratamento desenvolvido do tema. Do ponto de vista prático, a relevância está
no simples facto de em tribunais judiciais e arbitrais surgirem casos em que uma
das partes resolveu o contrato, tendo o tribunal proferido sentença que decla-
rava a ilicitude da resolução (por exemplo, em empreitadas).
Recolocando o problema uma vez mais: no caso não é invocado funda-
mento ou o fundamento invocado não é idóneo. Ora, o desvio à lei ou ao
programa contratual é um facto (no binómio facto/norma, factualidade que não
respeita o dever-ser). O problema está aqui e corresponde, no fundo, a saber se
o efeito extintivo – ainda assim – se dá. Donde, importa saber se a ausência de
fundamento “bloqueia” a produção de efeitos. Assim, conseguem-se discernir
dois planos: licitude e eficácia.
50
Serra, Adriano Vaz, Resolução do Contrato…, p. 71.
51
Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 47-48.
52 Veja-se, por todos, Cordeiro, António Menezes, Da Ineficácia Civil: Reflexões Críticas, in (org.
António Menezes Cordeiro; Pedro Pais de Vasconcelos; Paula Costa e Silva) Estudos em Honra do
Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Vol. I, Almedina, 2008, pp. 233-265. Veja-se, também,
o recente artigo de Ferreira de Almeida denominado “Invalidade, inexistência e ineficácia”, in
Católica Law Review, vol. I, n.º 2, maio 2017, pp. 9-33, e ainda Alarcão, Rui, “Sobre a invalidade
do negócio jurídico”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, III, Iuridica,
V, ed., 1983, pp. 609-629.
53 Deixa-se propositadamente de fora o tema da inexistência enquanto modalidade de ineficácia.
54 Neste sentido, Almeida, Carlos Ferreira de, Invalidade, inexistência e inefi cácia…, p.12, onde se
pode ler – num estilo típico do Autor – que “invalidade é uma das fontes da ineficácia, por ser
fator impeditivo da conformidade dos efeitos do ato com o seu significado. Invalidade significa
não valer, não ter força jurídica, por desconformidade com um valor jurídico”.
55 Por exemplo: artigo 220.º (falta de forma legal), artigo 240.º/2 (simulação) e artigo 280.º/2 (con-
Isto dito:
Viu-se que a resolução carece de fundamento. Donde, uma resolução cuja
ausência ou insuficiência de fundamento que venha mais tarde a ser declarada
pelo tribunal, configura uma relação em desconformidade com o Direito. Com
efeito, ao abrigo do disposto no artigo 432.º, n.º 1, a existência do direito a
resolver o contrato apenas é admitido – logo, os seus efeitos só se verificam –
quando esta esteja “fundada na lei ou em convenção”. Não estando preenchi-
dos os pressupostos da resolução, então, a resolução é ilícita e atenta a violação
de uma norma que prescreve determinados requisitos58. De forma elucidativa,
escreve Baptista Machado que “precisa de se verificar um facto que crie este
direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a
constituição (o surgimento) desse direito potestativo”59, que é o direito de
resolver.
Importa agora perguntar se o juízo de ineficácia vai acoplado com o de
ilicitude, o que é dizer que sendo o ato ilícito então ele é, também (e automa-
ticamente), ineficaz. Em Direito Privado, faz sentido que perante uma violação
da lei (ou de contrato) – logo, ilícito – a ordem jurídica comine de ineficácia
esse mesmo ato60. É que se assim não fosse, os sujeitos destinatários das normas
conseguiriam a produção dos efeitos independentemente da conformidade ao
57
Almeida, Carlos Ferreira de, Invalidade, inexistência e ineficácia…, p. 26.
58
Vide de forma clara e sucinta Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumpri-
mento…, pp. 130 e ss.
59 Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumprimento…, p. 131.
60 O artigo 280.º é um elemento normativo que claramente aponta neste sentido, uma vez que
prescreve a nulidade como o desvalor típico perante, designadamente, a violação de normas legais.
Já se manifestam algumas dúvidas quanto à possibilidade de esta conclusão ser aplicável ao Direito
Administrativo, por exemplo. Aqui, vale a regra da anulabilidade e, portanto, o ato é válido e
eficaz até que seja demonstrada a sua desconformidade ao “bloco legal”, nos termos do disposto
nos n.os 1 e 2 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, também aplicável
ao regime de invalidade dos contratos administrativos, ex vi artigo 283.º e 284.º do Código dos
Contratos Públicos.
Direito. A regra geral apenas poderia ser esta61-62. Nas certeiras palavras de
Oliveira Ascensão, “é natural que haja uma ligação entre o defeito do ato e a
ineficácia”63, ainda que, como o Autor reconhece, “a correspondência [entre
ineficácia e defeito/desvalor] não é perfeita”64. Em suma, a primeira resposta
– dada pelo sistema em termos gerais – é a de que havendo ilicitude o ato é
ineficaz.
Sendo o ato ilícito e ineficaz, cumpre perguntar se ele é inválido ou tão-
-somente se verifica uma ineficácia em sentido estrito. Conforme se viu supra,
traçar a bissetriz entre invalidade e ineficácia stricto sensu é responder à seguinte
pergunta65: a ineficácia resulta de elemento interno ou externo ao ato? Ou seja:
o elemento que “bloqueia” a produção de efeito está intra muros ou extra muros?
Ora, a ausência de fundamento bastante é um elemento interno, inserido no
próprio ato de resolver e nessa medida seria uma invalidade. O fundamento
(ou a ausência dele) é um pressuposto da resolução e nessa medida trata-se de
um elemento interno. Resta, agora, aferir qual a invalidade em causa. Segue-se
61 Vale a pena transcrever o seguinte trecho (certeiro) de Carneiro da Frada: “Em geral, perante
um inadimplemento contratual, a ordem jurídica reage procurando apagar, na medida do possí-
vel, todas as consequências desse incumprimento, e dota para isso a parte fiel dos meios adequa-
dos para tal efeito. Deste modo, se o incumprimento se traduziu na prática de um ato jurídico
(desencadeador de consequências jurídicas), esse ato não vale (ao menos enquanto tudo for inter
partes). Ele não surte, portanto, os efeitos a que tendia ou que poderia produzir na esfera do con-
traente inocente, visto que consubstancia um inadimplemento que o Direito reprova e a que,
nessa medida, se opõe”, in Frada, Manuel Carneiro da, “Acordos parassociais ‘omnilaterais’: um
novo caso de ‘desconsideração’ da personalidade jurídica?”, in (org. José Lebre de Freitas; Rui
Pinto Duarte et alia) Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. IV,
Almedina, 2011, p. 149.
62 Já não cabe no âmbito do presente trabalho mas não deixa de ser uma via a explorar num futuro
próximo: será que o juízo de invalidade ou ineficácia se prende com a categoria de norma violada?
Trata-se, portanto, de uma análise a partir da teoria da norma. Resumidamente, caso a norma
violada fosse uma norma constitutiva, então haveria uma invalidade. Caso a norma violada fosse
uma norma regulativa, então haveria ineficácia. Ver, Reis, Nuno Trigo dos, “As obrigações de
votar segundo instruções de terceiro do direito das sociedades”, in Revista de Direito das Socieda-
des, Ano 3, n.º 2, Almedina, 2011, pp. 532-544; Almeida, Carlos Ferreira de, Texto e Enunciado na
teoria do negócio jurídico, Almedina, 1992, pp. 127 e ss. Para uma crítica no tocante à divisão entre
normas regulativas e constitutivas veja-se Raz, Joseph, Pratical Reason and Norms, Oxford Uni-
versity Press, 1975, pp. 108 e ss.
63 Ascensão, José de Oliveira, Teoria Geral do Direito Civil – Acções e Factos Jurídicos, Vol. III, Titulo
há em que (i) o ato padece de um defeito (é antijurídico) e não há ineficácia; e (ii) o ato é ineficaz
mesmo não havendo qualquer defeito (e.g., O ato sujeito a uma condição suspensiva).
65 Vide, Almeida, Carlos Ferreira de, Invalidade, inexistência e ineficácia…, pp. 11 e ss e ainda pp. 26-28.
i) Ponto prévio
Interessa agora aferir os casos em que o legislador previu que um ato ilí-
cito produzisse, ainda assim, efeitos jurídicos. Tentar-se-á perceber se as razões
justificativas para os referidos casos especiais67 permitem desenhar uma outra
solução, ou seja, inverter o sentido do regime geral vigente.
ilicitude do despedimento”.
69 Não se ignora que o Direito do Trabalho possui especificidades significativas face ao Direito
Civil. Por todos, Ramalho, Maria do Rosário Palma, Da Autonomia Dogmática do Direito do Tra-
balho, Almedina, 2000.
70 Desde logo, o princípio constitucional de segurança no emprego constante do artigo 53.º da
Constituição da República Portuguesa, cujo sentido e alcance não se esgota na proibição de des-
pedimentos sem justa causa. Vide Xavier, Bernardo Lobo, “A Extinção do Contrato de Trabalho”,
in Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1989, n.ºs 3-4, 1989, pp. 399-480.
71 Veja-se, a este propósito, os desenvolvimentos feitos por Joana Farrajota em Farrajota, Joana, A
Resolução sem Fundamento…, pp. 128-146.
72 Vide, Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho, 8.ª ed., Almedina, 2017, pp. 981 e ss; Leitão,
Luís Menezes, Direito do Trabalho, 5.º ed., Almedina, 2016, pp. 477-479, e ainda Martins, Pedro
Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed, Princípia, 2017, pp. 571 e ss.
73
Em primeiro lugar porque a resolução sem justa causa constitui uma violação da norma legal
ínsita no artigo 394.º Em segundo lugar porque se pode ler no artigo 399.º ‒ que contém na sua
epígrafe o termo “resolução ilícita” – a seguinte expressão: “Não se provando a justa causa de reso-
lução do contrato [...].” Palma Ramalho refere o seguinte: “a ilicitude da resolução do contrato
pode ter um de dois fundamentos: um fundamento substancial de ausência ou a insubsistência da
justa causa invocada pelo trabalhador; e um fundamento procedimental [...]”, in Ramalho, Maria
do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed.,
Almedina, 2016, p. 1101.
74 Vide Vasconcelos, Joana, “Anotação ao art. 399.º”, in Martinez, Pedro Romano et alia, Código
isso afirmar, com Furtado Martins76, que há aqui uma manifestação clara do
princípio da liberdade de trabalho na medida em que se permite a manutenção
da eficácia extintiva mesmo que não haja fundamento para resolução. A justa
causa não funciona como requisito de validade ou de eficácia para a cessação
do contrato. Não havendo justa causa apenas surge uma obrigação de indem-
nização77. É que, se assim não fosse, então, como refere Furtado Martins, “se
a falta ou a improcedência da justa causa de resolução conduzisse à invalidade
da cessação declarada pelo trabalhador, chegar-se-ia a uma situação em que o
vínculo laboral se manteria contra a vontade do trabalhador, sendo certo que
os princípios e regras que imperam neste domínio contrariam tal resultado”78.
Este ponto, aliás, contrasta com o regime da resolução pelo empregador
que veremos infra. De facto, como refere Romano Martinez, a “falta de justa
causa de resolução, contrariamente ao que pode ocorrer em caso de despedi-
mento, não invalida a cessação do vínculo, mas, como é ilícita, determina a
responsabilização do trabalhador”79.
De referir ainda um ponto que será retomado a propósito do regime do
contrato de agência: o regime jurídico-laboral da resolução aproxima-se do
regime da denúncia. A aproximação à figura não resulta apenas do facto de a
produção de efeitos não depender de fundamento (a denúncia é uma modali-
dade de cessação das obrigações imotivada). Resulta, também, do artigo 399.º
do CT, ou seja, a indemnização a pagar pelo trabalhador que resolve ilicita-
mente não pode ser inferior ao montante devido em causa de denúncia sem
aviso prévio. É, portanto, clara a proximidade entre as duas figuras.
Em suma, pode-se concluir – com Furtado Martins – que “mantém-se a
eficácia extintiva da declaração [de resolução] do trabalhador, ficando o traba-
76
Expressamente neste sentido, cfr. Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…,
pp. 572-573. Joana Farrajota entende que, neste caso, o legislador valorizou mais à possibilidade
de desvinculação do trabalhador do que a manutenção do vínculo e a estabilização dos contratos
uma vez que se admite a extinção do vínculo (em homenagem à liberdade de desvinculação), in
Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, pp. 128-130 em especial a p. 129. No tocante
aos princípios do Direito de Trabalho e em particular ao princípio da liberdade de desvincula-
ção veja-se, entre outros, Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, pp. 11-15.
77 Lê-se em Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, pp. 572-573: “Se, depois
80 Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, p. 573. Já não se pode acompanhar
o Autor quando refere que “A justa causa de resolução não é um requisito de validade da cessação
do contrato”. Com efeito, esta é precisamente um caso de ato inválido (porque ilícito) e eficaz
(na medida em que extingue o contrato). No tocante à confusão dos planos da invalidade e da
eficácia remetemos para o que vai dito supra.
81 Fernandes, António Monteiro, Direito do Trabalho, 18.ª ed., Almedina, 2017, p. 552. O Autor
tem o cuidado de expressamente referir que não há qualquer ineficácia da declaração extintiva,
havendo, isso sim, lugar a indemnização, caso o prazo do aviso prévio não tenha ainda decorrido.
In pp. 552-554 da obra citada.
82 Vide Martins, Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, p. 573.
83
Vide, por todos, Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, pp. 991 e ss; Ramalho, Maria
do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II…, pp. 949-1020, em especial pp. 992-
1020. Pode ver-se, com interesse para esta matéria, o sentido do conceito de justa causa e a evolu-
ção do regime da cessação do contrato de trabalho, tudo sob o prisma da proteção do trabalhador
in Dray, Guilherme, O princípio da proteção do trabalhador, Almedina, 2015, pp. 775 e ss.
84
Quanto ao conceito de justa causa remete-se para a bibliografia referida em Martinez, Pedro
Romano, Direito do Trabalho…, pp. 993 e ss.
85 Para maiores desenvolvimentos, vide Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1027
onde se pode ler: “Os quatro tipos de despedimento serão ilícitos, para além de hipóteses espe-
cíficas, em três casos: se o despedimento não tiver sido precedido de um procedimento ou este
for nulo; se o despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos; se
forem declarados improcedentes os motivos de justificação invocados para o despedimento [artigo
381.º, alínea b), do CT]. A estas três situações comuns importa acrescentar as causas de ilicitude
específicas dos diferentes tipos de despedimento.”
86 Refere Menezes Leitão: “A ilicitude corresponde ao valor negativo que afeta o despedimento,
quando o mesmo é decretado fora dos pressupostos estabelecidos na lei, ou em desrespeito dos
procedimentos nela estabelecidos, e que se concretiza no direito atribuído ao trabalhador de pro-
mover a suspensão e a impugnação judicial desse despedimento”, in Leitão, Luís Menezes, Direito
do Trabalho…, p. 467.
87 Vide Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1033. Pode-se mesmo ler que “O des-
pedimento ilícito não é inválido, pelo que, mesmo injustificado, produz efeitos; ou seja, determina
a imediata cessação do contrato de trabalho, podendo contudo, em determinados casos, restabe-
lecer-se retroativamente o vínculo.” Todavia, acaba por referir que “[a] declaração de ilicitude do
despedimento e a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria implica a manuten-
ção do contrato de trabalho”. Trata-se de uma posição cujo sentido não é inteiramente percetível.
88 Martinez, Pedro Romano, Direito do Trabalho…, p. 1034.
90 Martinez, Pedro Romano, “Anotação ao art. 389.º”, in Martinez, Pedro Romano et alia, Código
em que o ato anulável produz efeitos até que seja declarada a sua invalidade, consolidando-se a
eficácia extintiva se o trabalhador não impugnar judicialmente o despedimento”. In Martins,
Pedro Furtado, Cessação do Contrato de Trabalho…, p. 478.
92 Amado, João Leal, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2014, p. 407.
94 Ramalho, Maria do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II…, p. 1006.
95 Note-se que a indemnização em alternativa à reintegração pode ser requerida pelo próprio tra-
balhador (cfr. artigo 391.º do CT), caso em que se forma como que uma espécie de acordo entre
trabalhador e empregador, uma vez que ambos pretendem à destruição do vínculo e não a rein-
tegração ou reposição. Pode, contudo, ser o empregador a solicitar a indemnização em alternativa
à reintegração, quando não haja despedimento cuja ilicitude provenha do seu carácter político,
ideológico, étnico ou religioso, ou ainda quando o fundamento para a oposição à reintegração
seja criado culposamente pelo empregador. Nos outros casos, poderá não haver reintegração, mas
aí pela confiança e repercussão irreversível que teria o “retorno” daquele trabalhador (vide artigo
392.º do CT).
96
Elucidativo é o seguinte trecho: “se o ato que extingue o contrato vem, afinal, a revelar-se
antijurídico, a única reação adequada do ordenamento jurídico compatível com o sistema de
estabilidade é a de privar aquele ato da sua consequência normal, determinando a sua invalidade
e consequente subsistência do vínculo contratual”, in Canotilho, J. J. Gomes; Leite, Jorge, “A
Inconstitucionalidade da Lei dos Despedimentos”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer
Correia, Volume III, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Número Especial,
Coimbra, 1991, Apêndice – Comentário ao Acórdão n.º 107/88, pp. 552 e ss.
97 Uma vez que haverá que atender às exceções constantes dos artigos 391.º e 392.º do CT.
excluída, ficando a revogação do mandato dependente de justa causa”, in Leitão, Luís de Menezes,
Direito das Obrigações, vol. III, 9.ª ed., Almedina, 2014, p. 428.
103
Expressamente neste sentido Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, p. 102, e Leitão,
Luís de Menezes, Direito das Obrigações…, pp. 428 e ss, e Leitão, Adelaide Menezes, Revogação
unilateral do Mandato…, p. 323. Em particular, pode-se ler em Leitão, Luís de Menezes, Direito das
Obrigações…, p. 429 o seguinte: “a justa causa aparece como um facto constitutivo do direito de
revogação unilateral pelo mandante, o qual deixa de poder ser exercido sem que esta se verifique.
Assim, na ausência de justa causa, a revogação pelo mandante não constituirá um mero caso de
indemnização, nos termos do art. 1172.º b), mas antes será ineficaz para determinar a extinção do
mandato, salvo se o contrário tiver sido estipulado”.
104 Leitão, Adelaide Menezes, Revogação unilateral do Mandato…, p. 324.
105 Vale a pena ler as seguintes palavras de Joana Farrajota: “Apenas quando a lei expressamente (e
Nos outros casos, isto é, em regra, o efeito extintivo não se produzirá, tendo a contraparte direito
não só à indemnização pelos danos sofridos como o ato ilícito de resolução (ato de incumprimento
contratual), mas também ao cumprimento do contrato – porque não se extinguiu. É o que sucede
quando o contrato de mandato tenha sido resolvido pelo mandante sem justa causa, isto é, sem
fundamento.” In Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…, p. 103.
106 Trata-se de um regime particularmente relevante atendendo à aplicação analógica a outros
Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II…, p. 1676, e Farrajota, Joana,
A Resolução sem Fundamento…, pp. 159-160.
108 Expressamente o diz: “A primeira alternativa seria, no plano dos princípios, a mais indicada,
visto que a resolução sem fundamento traduz um exercício ilícito do respetivo direito. De outro
modo, poderá dizer-se que se consegue obter o resultado pretendido, em violação da lei”, in Mon-
teiro, António Pinto, Contrato de Agência…, p. 138.
109 Cfr. Monteiro, António Pinto, Contrato de Agência..., pp. 138-139.
110
Basta pensar que, por exemplo, num contrato de empreitada, ante uma resolução ilícita o
empreiteiro fará deslocar a sua mão de obra e bens para outras obras. Irá, seguramente, contratar
com novas pessoas. Neste cenário, uma declaração ilícita da resolução iria trazer inconvenientes
significativos.
111 Monteiro, António Pinto, Contrato de Agência…, p. 138.
112 Pinto, Paulo Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II, Coimbra Ed.,
de resolução sem fundamento em denúncia. É que o sujeito que resolve pode não querer denun-
ciar o contrato. Pense-se, por exemplo, nos casos em que o resolvente se encontra em erro sobre
os pressupostos. Será que se deve “converter” esta resolução em denúncia na situação em que
o resolvente julgava ter fundamento para provocar a resolução do contrato? Dir-se-ia que não.
nos contratos que não sejam por tempo indeterminado), defende o Autor que
a resolução seria ineficaz por não possuir fundamento, não sendo o resolvente
titular de qualquer direito de resolver o contrato.
Lacerda Barata114, por sua vez, entende que a declaração de resolução é
ineficaz, logo o vínculo mantém-se.
Regra geral às sociedades anónimas está vedada a aquisição das suas próprias
ações, nos termos do artigo 316.º, n.º 1, do CSC, regra geral que, claro está,
permite exceções115.
Ora, do artigo 323.º, n.º 2, do CSC resulta o dever de alienar as ações ili-
citamente adquiridas116 no prazo de um ano117. Significa, portanto, que o dever
de alienar só faz sentido se o alienante for, de facto e de jure, o proprietário das
ações (ilicitamente) adquiridas. E se assim é – e assim parece ser – então está-se
diante de um ato ilícito eficaz: a aquisição das ações próprias. Este ponto é,
114 Defende Lacerda Barata que “A declaração de resolução, aqui como em geral, terá de conter
os fundamentos que a legitimam (artigo 31.º). A ausência destes, ou a sua insuficiência, acarretará
a ineficácia da declaração e consequente subsistência do vínculo contratual”, in Barata, Carlos
Lacerda, Sobre o Contrato de Agência, Almedina, 1991, p. 89.
115 Veja-se, designadamente, a permissão do negócio aquisitivo das ações da sociedade cuja soma do
valor nominal não ultrapasse 10% do capital social (artigo 317.º, n.º 2) e ainda os casos referidos no
n.º 3 do artigo 317.º onde se permite a aquisição de ações próprias (sem o limite quantitativo fi xado
pelo n.º 2 do mesmo preceito) para os casos em que “a) A aquisição resulte do cumprimento pela
sociedade de disposições da lei; b) A aquisição vise executar uma deliberação de redução de capital;
c) Seja adquirido um património, a título universal; d) A aquisição seja feita a título gratuito; e) A
aquisição seja feita em processo executivo para cobrança de dívidas de terceiros ou por transação
em ação declarativa proposta para o mesmo fim; f ) A aquisição decorra de processo estabelecido
na lei ou no contrato de sociedade para a falta de liberação de ações pelos seus subscritores”.
116 Vide Albuquerque, Pedro de, “Anotação ao art. 323.º”, in Cordeiro, António Menezes, Código
das Sociedades Comerciais Anotado: e regime dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação
de entidades comerciais, DLA, 2.ª ed., Almedina, 2012, pp. 889-890, e ainda Andrade, Margarida
Costa, “Anotação ao art. 323.º”, in Abreu, Jorge M. Coutinho de (coord.), Código das Sociedades
em Comentário, Almedina, 2012, pp. 457-464.
117 Trata-se da transposição da Diretriz n.º 77/91/CE que, no seu artigo 21.º dispõe o seguinte:
“As ações adquiridas com violação dos artigos 19.° e 20.º devem ser alienadas no prazo de um
ano, a contar da data da sua aquisição. Se não forem alienadas nesse prazo, aplicar-se-á o n.º 3
do artigo 20.°”
diga-se, aceite com alguma bonomia pela doutrina nacional e internacional que
sobre este ponto se tem pronunciado118.
Conforme refere Margarida Costa Andrade é na articulação do n.º 2 com o
n.º 3 do artigo 323.º do CSC que se descortina o regime sancionatório da aqui-
sição ilícita de ações próprias119 e é neste regime que encontramos um “micros-
sistema”, nas palavras de Aldo Dolmetta120, uma vez que o desvalor cominado à
violação de uma norma jurídica não é a nulidade ou a anulabilidade.
Nessa medida, o legislador pressupõe que a sociedade que adquire ações
próprias é efetivamente a titular das ações, ainda que as tenha adquirido em
violação da lei, in casu, do artigo 316.º do CSC. Ora, esta obrigatoriedade de
alienação posterior visa desfazer os efeitos do ato ilícito, mas que – há que
dizê-lo – produziu os seus efeitos independentemente da sua ilicitude. Como
dá conta Miguel Brito Bastos121, na linha de alguma doutrina italiana, o regime
legal desfaz os efeitos da aquisição ilícita não através do impedimento do efeito
translativo (ou seja, não através da ineficácia do ato aquisitivo), mas sim através
da adstrição a “atos de sinal contrário”, ou seja, a alienação das ações ilicita-
mente adquiridas. Portanto, como refere Miguel Brito Bastos este regime tem
a virtualidade de “permitir distinguir com maior clareza os planos da validade
(ou da competência) e da ilicitude (ou da permissão)”122-123.
118 Por exemplo, na doutrina nacional Raul Ventura escrevia que “é de elementar lógica que,
sendo as ações licitamente detidas durante um ano e devendo ser alienadas, sob pena de serem
anuladas, o ato de aquisição é válido, pois se fosse nulo, a sociedade não as teria adquirido, não
poderia possuí-las nem aliená-las e a anulação seria despropositada”, in Ventura, Raul, Estudos
vários sobre sociedades anónimas, 1992, p. 384. Margarida Costa Andrade escreve que “fora dos casos
previstos na lei [...] a ilicitude da aquisição não determina a nulidade do negócio jurídico (como
decorreria da regra de violação de normas injuntivas – artigo 294.º do CCiv.), antes faz nascer na
esfera jurídica da sociedade a obrigação de alienar as ações ilicitamente adquiridas”, in Andrade,
Margarida Costa, Anotação ao art. 323.º…, p. 458. Veja-se, ainda, Carbonetti, Francesco, L’acquisto
di azioni proprie, Giuffrè, 1988, p. 105.
119 Cfr. Andrade, Margarida Costa, Anotação ao art. 323.º…, p. 458.
120 Dolmetta, Aldo, “Sulle conseguenze civilistiche dell’acquisto di azioni proprie in violazione
dei divieti di legge”, in Rivista delle Societá, Ano 4, n.ºs 2-3, março-junho 1996, p. 342.
121
Cfr. Bastos, Miguel Brito, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas socie-
dades anónimas”, in (dir. António Menezes Cordeiro) Revista de Direito das Sociedades, Ano I,
vol. I, 2009, pp. 197 e ss, onde se encontram as referências à doutrina italiana que o Autor segue.
122 Bastos, Miguel Brito, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias…”, pp. 185-224.
Aliás, o Autor refere explicitamente que ilicitude e eficácia não são sinónimos, ao dizer, a pp. 197
e 198, que “[e]sta produção de efeitos pelo negócio translativo não significa que a sua celebração
seja lícita: se em contrariedade com [a] proibição de aquisição de ações próprias, e não sendo esta
excecionada pela permissão de aquisição, a celebração do contrato consubstanciará um compor-
tamento contrário à proibição legal [...] e portanto ilícito”.
123 O Autor usa a terminologia de Eugenio Bulygin que faz uma análise sob o prisma da teoria da
Eis, portanto, um caso em que o ato ilícito é, ainda assim, eficaz124. Mas
é-o a título de exceção125 e na estrita medida em que se pretendeu em primeiro
lugar tutelar a segurança na transmissão e circulação de ações e, em particular,
a posição do alienante. Em segundo lugar porque se trata de um (micro)sistema
mais eficaz do que aquele que seria caso a aquisição não fosse suscetível de
produzir efeitos. Tanto mais que é o regime menos dispendioso para a socie-
dade e mais favorável para os terceiros, como referem alguns Autores126. Em
terceiro lugar, note-se que a lei desfaz os efeitos da aquisição ilícita ao prever
a obrigação de alienação das ações em causa. Embora se trate de um regime
excecional e que obedece a uma teleologia própria, a lei prevê uma obrigação
que – a final – aproxima esta situação da exceção ao regime geral da ineficácia
dos atos ilícitos.
a. Ponto prévio
norma. Vide, com grande interesse, Bulygin, Eugenio, “On norms of competence”, in Law and
Philosophy, Vol. 11, n.º 3, 1992, pp. 201-216.
124 É, portanto, com surpresa, que se constata que este exemplo não surge referido na dissertação
de Joana Farrajota.
125 Veja-se, por exemplo, o seguinte trecho de João Gomes da Silva: “A originalidade do regime
assenta em dois fundamentos” (itálico no original), in Silva, João Gomes da, “Acções Próprias e
interesses dos accionistas”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2000, dezembro, p. 1261.
126 Silva, João Gomes da, “Acções Próprias…”, pp. 1260-1266; Rocha, Maria Victoria Rodrigues
Vaz Ferreira da, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1994,
pp. 286 ss; Cueto, José Carlos Vázquez, Régimen jurídico de la autocartera, Marcial Pons, 1995, pp.
389-391.
127 Relativamente a esta posição, veja-se o interessante artigo de Squilacce, Adriano; Pinto, Ale-
xandre Mota, A Resolução Ilícita: Uma contradição nos termos? Disponível em http://www.uria.com/
documentos/publicaciones/2915/documento/articuloUM.pdf?id=3276.
Os citados Autores defendem que se trata de um contradição nos termos, uma vez que a resolu-
ção (e os seus efeitos) seria imposta a uma pessoa que não cometeu qualquer ilícito ou censurável.
128 Que não surgia na versão anterior do manual do Autor.
129 Próxima, de certo modo, da posição de Pinto Monteiro para os casos de agência. É que tam-
bém este Autor defendia que a resolução ilícita é ineficaz na pureza dos princípios. Na prática,
defende, impõe-se outra solução.
130 Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935.
131
Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935.
132 É interessante ver o que Menezes Cordeiro escrevia em 1991 no tocante ao despedimento pelo
empregador: “de iure condendo a reintegração poderá suscitar problemas insolúveis em pequenas
empresas de tipo familiar, onde as relações humanas tenham ficado definitivamente degradadas
pelos acontecimentos e pelo próprio despedimento, que poderá, inclusive, ter sido declarado ilí-
cito por razões formais. No limite, o abuso do direito e a boa-fé poderão exigir outras soluções”,
in Cordeiro, António Menezes, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, p. 844.
133 Martinez, Pedro Romano, Da Cessação do Contrato…, pp. 208-211.
134 Dando nota desta aparente confusão vide Farrajota, Joana, A Resolução sem Fundamento…,
pp. 50-51.
139 Note-se, contudo, que o Autor admite que a solução que na pureza dos princípios faria sentido
era a da manutenção do negócio, na medida em que o ato ilícito é ineficaz. Concorda-se com o
Autor mas o modo de acautelar as implicações práticas é que se afigura errada. Uma solução dog-
maticamente robusta tem de ser conforme ao sistema e tem de ser, a partir dele, que se desenha
uma resposta teórica e praticamente exequível, conforme se procura sustentar no presente trabalho.
140 As aspas inseridas são intencionais atendendo ao potencial de aplicação analógica do regime
jurídico da agência.
141 Remete-se para o que vai dito supra, onde se desenvolvem os argumentos do Autor.
142 Pinto, Paulo Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II…, p. 1676.
denação de Carlos Ferreira de Almeida, Diogo Freitas do Amaral, Marta Tavares de Almeida)
“Por outro lado, não foi alegada nem demonstrada qualquer causa resolutiva
com suporte na lei, como exigido no art. 432.º-1 do C. Civil.
A resolução não assentou, portanto, em qualquer fundamento atendível.
Revela-se, assim, a todos os títulos – por se fundar em convenção inválida e
por não ter sido invocado e demonstrado outro fundamento legalmente relevante
‒, ilícita.
Mas, incontornável é o facto de a declaração resolutiva ter efetivamente
existido.
Foi ilícita, por infundada, mas consumou-se e, como tal, produz efeitos.
De notar, antes de avançar, que a invalidade da cláusula não afeta a validade
da declaração resolutiva; torna-a injustificada e ilícita, mas não ineficaz ou nula.”145
Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Vol. II,
Almedina, 2008, p. 63.
144 Disponível em www.dgsi.pt.
“Em resumo, e porque nos parece ser mais consistente o entendimento que
considera a resolução operada, cuja falta de fundamento vem a ser verificado, não
146
Machado, João Baptista, Pressupostos da Resolução por Incumprimento…, pp. 130-131.
147
Pinto, Paulo Mota, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II…, pp. 1675-
1676. Vide, por exemplo, no tocante à empreitada, Mariano, João Cura, Responsabilidade Contra-
tual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª ed., 2008, p. 138, para os casos de resolução pelo dono
da obra sem fundamento refere que não produz o efeito extintivo. Vale a pena transcrever ainda
o seguinte trecho da pena de Raúl Guichard e Sofia Pais, onde se pode ler o seguinte: “Certa-
mente que, quanto à declaração de resolução da Autora, ela não surtiu os efeitos pretendidos, por
não se verificarem os respetivos pressupostos, conforme constatação judicial – desse ponto de
vista, foi absolutamente irrelevante. Contudo, isso não significa que possa assumir importância,
não enquanto declaração negocial de extinção do contrato, mas como facto revelador de uma
vontade de não cumprir”, in Guichard, Raúl; Pais, Sofia, Contrato-promessa: recusa ilegítima e recusa
terminante de cumprir…, p. 319.
148 Disponível em www.dgsi.pt.
d. Tese defendida
Eis a tese que se defende e que passa por uma resposta a dois níveis. Num
primeiro nível de resposta haverá que aferir da ilicitude e da ineficácia da reso-
lução. Num segundo nível – atentas as consequências práticas – haverá que
equacionar os diversos grupos de casos que podem surgir.
i) Ilicitude e ineficácia
Conforme se viu supra, mesmo nestes casos não parece haver uma disciplina
diametralmente oposta àquela que resultaria em termos gerais.
Na resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, mesmo
que não haja justa causa, o ato preserva a sua eficácia, ainda que ilícito. Essa
eficácia justifica-se atendendo ao princípio da liberdade de trabalho e ao facto
de não ser admissível que fique vinculado a uma relação que não mais pretende.
Ao invés, no caso do despedimento do trabalhador, viu-se que os efeitos que
o legislador estabelece em matéria de efeitos da ilicitude – maxime, através do
149
Disponível em www.dgsi.pt.
150 Com exceção dos poucos casos em que é o empregador que não pretende a reintegração do
trabalhador.
151 Até porque, se assim não fosse, seriam alcançados os mesmos efeitos independentemente do
“[n]a pureza dos princípios, a resolução indevida é ineficaz”. Não se subscreve, contudo, as obser-
vações que o Autor faz de seguida, conforme se verá infra, designadamente quando refere “[a]té
que haja uma sentença com trânsito em julgado, a resolução deve produzir os seus efeitos: ou seria
inútil”. Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935.
efeitos que tinha em vista. Portanto, não se deu o efeito extintivo. Donde, o
contrato “nunca” foi extinto, sempre permaneceu em vigor (porque válido e
eficaz) na ordem jurídica.
Mas é também não poucas vezes frequente que, após a resolução do con-
trato (e enquanto a ação com vista à declaração de nulidade da resolução corre
nos tribunais), as partes afastam-se, baixam os investimentos, deslocam mão de
obra. No fundo, comportam-se em termos que faticamente representam um
abandono da relação.
Disto mesmo dão conta os Autores153. Aliás, uma das objeções para a comi-
nação de ineficácia à resolução ilícita seria a dificuldade prática que envolve
tal ineficácia. Em suma, o tribunal ao declarar a ilicitude da resolução obriga
– também – as partes a reporem faticamente o contrato. Note-se que juridi-
camente nada há a repor. O contrato permaneceu válido e eficaz mesmo na
pendência da decisão judicial ou arbitral.
Donde, atendendo às dificuldades práticas da reposição fáctica do vínculo,
há que – para responder de frente ao problema – equacionar vários grupos de
casos. Estes grupos de casos que aglomeram situações imagéticas pretendem
aferir qual a solução dogmática e prática para as situações em que a reposição
do vínculo – ordenada pelo tribunal – não é querida pelas partes. Ou seja,
tendo o tribunal declarado a ilicitude, podem, ainda assim, a(s) parte(s) obviar
à reposição do vínculo? No fundo: como manter faticamente os efeitos de uma
resolução ilícita e ineficaz?
153 Vide Cordeiro, António Menezes, Tratado de Direito Civil, Vol. IX…, p. 935. No seu ensino
oral, Menezes Cordeiro chamou justamente à atenção para este dado prático que não é – de todo!
– despiciendo.
154 Claro está que podem surgir questões delicadas, mas que escapam ao objeto do presente tra-
balho. Por exemplo: como lidar com as obrigações incumpridas aquando da pendência da ação?
Quais os critérios para determinar o quantum indemnizatório? A reposição é, ainda assim, possível?
155
Poder-se-ia pensar se um terceiro à relação entre resolvente e resolvido teria legitimidade
processual para intentar um ação com vista à declaração de nulidade da declaração de resolução
do contrato. Face ao artigo 30.º do CPC, haveria que descortinar uma qualquer “utilidade deri-
vada da procedência da ação”. Havendo essa utilidade, nada haveria a opor em que um terceiro
quisesse atacar essa resolução. Mais, atacando-a e tendo obtido uma sentença favorável, caberia
perguntar se poderia agora o resolvido resolver o contrato com base no incumprimento daquele
que (em primeiro lugar) resolveu ilicitamente o contrato. Caso a caso se analisaria qual o âmbito
do incumprimento e quais os deveres que, in concreto, foram violados. Um dado parece claro: a
confiança está ferida por aquele que quis (e tentou) a desvinculação total. Seria outro tema que
não o dos efeitos da resolução ilícita e que escapa por completo ao escopo e limites do presente
estudo. À partida, parece que não poderia lançar mão daquele fundamento, sobretudo se o (novo)
resolvente for a juízo, caso em que se estará a bater pela manutenção do contrato. Aliás, não se
percebe por que razão o momento do ferimento da confiança e da inexigibilidade da manutenção
do vínculo seria o do proferimento da sentença.
6. Conclusões