Você está na página 1de 53

CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA

PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010

MATERIAL DIDÁTICO

FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS


POLÍTICAS

Impressão
e
Editoração

0800 283 8380


www.ucamprominas.com.br
2

SUMÁRIO

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ..................................................................................... 3


UNIDADE 2 – CIÊNCIA POLÍTICA............................................................................. 5
2.1 CONCEITOS, OBJETIVOS E CAMPOS DE ATUAÇÃO ..................................................... 5
2.2 EPISTEMOLOGIA E OS MÉTODOS EM CIÊNCIAS POLÍTICAS ......................................... 8
2.3 OS PRISMAS FILOSÓFICO, SOCIOLÓGICO E JURÍDICO PROPOSTOS POR BONAVIDES ... 11
2.4 TEORIA POLÍTICA ................................................................................................ 16
UNIDADE 3 – CONCEITO DE POLÍTICA: REFLEXÕES DE SCHMITTER ............. 19
UNIDADE 4 – FILOSOFIA POLÍTICA – A ANTIGUIDADE ...................................... 28
4.1 PLATÃO ............................................................................................................ 29
4.2 ARISTÓTELES.................................................................................................... 32
4.3 POLÍBIO ............................................................................................................ 34
4.4 CÍCERO ............................................................................................................ 35
UNIDADE 5 – SANTO AGOSTINHO E SANTO TOMÁS DE AQUINO – FILOSOFIA
POLÍTICA NA IDADE MEDIEVAL ............................................................................ 38
UNIDADE 6 – THOMAS MORUS E MAQUIAVEL – O RENASCIMENTO ............... 42
6.1 THOMAS MORUS ............................................................................................... 42
6.2 MAQUIAVEL ...................................................................................................... 45
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50
3

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO

Em linhas muito gerais e de maneira bem ampla, Ciência Política se reporta


ao estudo da política, dos sistemas políticos, das organizações políticas e dos
processos políticos. Por trás dessa definição temos um mundo, uma gama de outros
conceitos envolvidos, de pretensões, de cientistas que se debruçam em teorias e
divagações que nem sempre agradam a todos.
Começaremos nosso curso perseguindo conceitos e outras delimitações da
disciplina como a filosofia política, as políticas públicas, ideologia, partidos políticos,
movimentos sociais e educação.
Reservamos espaços para tratar do pensamento político em época moderna
e contemporânea e alguns tópicos especiais ou temas emergentes na disciplina
como, por exemplo, a ciberdemocracia e a teoria dos jogos.
“Ao idealismo dos que sonham com o Estado perfeito; ao realismo dos que
se contentam com o Estado possível. Sem essas duas forças, a balança das
relações políticas jamais poderia se equilibrar” (ALMEIDA FILHO; BARROS, 2013).
Creio que chegaremos ao final do curso concordando com essa máxima,
alguns um pouco desalentados, revoltados, outros esperançosos, mas nunca
apáticos. O que não podemos é chegar ao final do curso odiando “entender de
política” por motivos muitos óbvios, mas sintetizados aqui por ninguém menos que
Bertold Brecht:

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo


que odeia a política. Não sabe o imbecil, que da sua ignorância política,
nasce [...] o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaios das empresas
nacionais e multinacionais.

Enfim, desejamos que estimulem o pensamento crítico, principalmente num


momento tão delicado pelo qual passa nosso país.
Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como
premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um
pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados
cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar,
deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores,
incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma
4

redação original e tendo em vista o caráter didático da obra, não serão expressas
opiniões pessoais.
Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se
outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas, mas que, de todo modo,
podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao longo dos
estudos.
5

UNIDADE 2 – CIÊNCIA POLÍTICA

De maneira bem simplificada, mas não menos importante, temos que a


ciência política encontra-se embasada em dois suportes de extrema importância
para nossos dias: a ciência como forma de conhecimento e estudo e a política,
forma e maneira de administrar o Estado.
O certo é que os seres humanos necessitam do diálogo, de negociar pactos
sociais, precisam refletir sobre os problemas reais que atormentam os Estados, os
quais nos deixam sempre em clima de insegurança, isso desde a Antiguidade, tanto
é verdade que desde Platão e Aristóteles vemos a necessidade de teorizar sobre os
problemas vivenciados pelas sociedades em sua virtude da convivência.
Nesse sentido, política é isso: o reflexo do existir em comunidade; é um
fenômeno que nasce a partir dos conflitos humanos, da busca da harmonia social,
das pretensões individuais e coletivas de exercer o domínio.
Filosoficamente, Almeida Filho e Barros (2013) pontuam que entender
política é entender a própria vida. Mas vamos a concepções mais práticas!

2.1 Conceitos, objetivos e campos de atuação


Para Azambuja (2008), numa visão modesta e realista, o objeto da Ciência
Política é o poder político e na atualidade esse poder praticamente está concentrado
nas mãos do Estado.
Ora, na fase atual da civilização, só existe um poder que disponha da
capacidade de se impor, se necessário, pelo emprego da força, só existe um poder
político: é o poder do Estado. Para muitos pensadores, o Estado é o poder político.
Logo, chegaríamos a esta equação: ciência política = ciência do poder político =
ciência do Estado.
Todavia, cumpre advertir se não há um pouco de metonímia na expressão “o
Estado é o poder político”. Não se identificam totalmente. Em última análise, o poder
é uma vontade humana, e o Estado não o é. O poder político, por muito extenso que
seja, não é ainda mundial: tem limites geográficos, o território em que se exerce. Há
homens que exercem o poder e homens que o obedecem, isto é, uma sociedade
organizada hierarquicamente. Tudo isso constitui o Estado, e não o poder político
em si, mas é, sem dúvida, o quadro sociológico em que ele existe. E há outros
fenômenos ou fatos sociais que estão dentro do Estado e não dentro do poder;
6

partidos políticos, opinião pública, forças e fatores de várias espécies (AZAMBUJA,


2008, p. 32).
Para De Cicco (2011, p. 180), a Ciência Política não é mera divagação para
satisfazer a curiosidade ou dar largas asas à imaginação. O objetivo da Ciência
Política, em última análise, é fornecer uma visão clara do que seja um bom governo,
que promova o bem comum. Mesmo que na análise da história tenhamos um mau
governo retratado, é a Ciência Política que apresentará críticas e modelos que
devam ser seguidos a fim de buscar o já citado bem comum.
O papel estabelecido pela Ciência Política é ter uma visão crítica para
analisar qual papel o governo está exercendo junto à população, e se está buscando
em sua governabilidade, o bem comum tão importante para o sucesso do modelo de
governo proposto. Caso assim não esteja agindo, fazer-se-á necessária uma
mudança de paradigma, a releitura do modelo proposto e a reavaliação dos
pressupostos necessários para que tudo possa ser contornado e a população que
oferece ao governante uma procuração com tempo determinado, e não com plenos
poderes para usar e abusar do que não seja do interesse do povo, devolva esse
poder a quem direito, a todos que compõe a nação e este ofereça a quem possa
trazer o que se espera de um governante (SILVA, 2014).
Ao se tratar de Estado em sua formação, que é seu objetivo, urge à
necessidade de tratar do tema política, e para tanto, utiliza a forma de se conduzir o
governo como contraponto para melhor entendimento da política. Isso suscita,
inicialmente, um aparente desabafo de Foucault (2008, p. 4):

[...] o governo dos homens na medida em que, e somente na medida em


que, ele se apresenta como exercício da soberania política. ‘Governo’
portanto no sentido estrito, mas ‘arte’ também, ‘arte de governar’ no sentido
estrito, pois por ‘arte de governar’ eu não entendia a maneira como
efetivamente os governantes governam. Não estudei nem quero estudar a
prática governamental real, tal como se desenvolveu, determinando aqui e
ali a situação que tratamos os problemas postos, as táticas escolhidas, os
instrumentos utilizados, forjados ou remodelados, entre outros. Quis estudar
a arte de governar, isto é, a maneira pensada de governar o melhor
possível, e também, ao mesmo tempo, a reflexão sobre a melhor maneira
possível de governar.

Como diz Duarte (2014, p. 23-4), há de se observar os movimentos


construídos em torno do Estado, demonstrações de manutenção do poder, o
alcance das medidas produzidas nessa concepção e sua forma mais impertinente de
sobreviver mesmo diante de situações adversas. Nas palavras de Foucault, flui
7

quase um sentimento de quem observou a política de forma mais densa, e viu nela,
algo que foge a sua natureza primal. Há um quase desdém nesta afirmativa
foucaultiana, asseverando ser a prática governamental, algo do não desejo, de
visitar, de estudar, de conhecer. Aponta como seu objeto de estudo a arte de
governar. Qual diferença se é buscada? No texto, a resposta aparece de forma
ímpar: a melhor maneira de governar. Olhando de fora desta pretensiosa afirmativa,
há de se pensar ser um intento irreal, um devaneio ou algo do gênero. Mas Foucault,
longe de ser um idealista, nessa sua proposta vê a possibilidade real de mudar o
cenário político governante, compondo uma forma de governar diferente daquelas
vistas e estudadas (DUARTE, 2014, p. 23 e 24).
A verdade é que, concordando com Bonavides (2009), a ciência política é
indiscutivelmente aquela em que as incertezas mais afligem o estudioso, por
decorrência de razões que a crítica de abalizados publicistas tem apontado à
reflexão dos investigadores, levando alguns a duvidar se se trata aqui realmente de
ciência.
Mesmo assim, a política é uma dimensão essencial da vida humana, então
podemos inferir que sua finalidade consiste em organizar a sociedade de tal modo
que nela seja possível a cada cidadão viver uma vida virtuosa e feliz e não apenas
materialmente confortável.
Nesse sentido, a existência humana é essencialmente política porque o
homem é dotado não só de linguagem, mas principalmente de razão (AZAMBUJA,
2008).
O mesmo autor acima nos oferece cinco sentidos para política, sendo que a
primeira é de significação popular e comum; a quinta, científica; mas ambas estão
muito próximas no sentido; as três outras são eruditas, aceitas por alguns escritores,
conforme pontos de vista doutrinários ou empíricos.
Vejamos:
a) No uso trivial, vago e às vezes um tanto pejorativo, “política”, como
substantivo ou adjetivo, compreende as ações, comportamentos, intuitos, manobras,
entendimentos e desentendimentos dos homens (os políticos) para conquistar o
poder, ou uma parcela dele, ou um lugar nele: eleições, campanhas eleitorais,
comícios, lutas de partidos, entre outros.
8

b) Conceituação erudita, no fundo, síntese da anterior, considera política a


arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo. É a noção dada por
Maquiavel, em ‘O príncipe’.
c) Política denomina-se a orientação ou a atitude de um governo em relação
a certos assuntos e problemas de interesse público: política financeira, política
educacional, política social, política do café, entre outras.
d) Para muitos pensadores, política é a ciência moral normativa do governo
da sociedade civil (Alceu Amoroso Lima, Política, Rio de Janeiro, 1932, p. 136).
e) Outros a delineiam como conhecimento ou estudo “das relações de
regularidade e concordância dos fatos com os motivos que inspiram as lutas em
torno do poder do Estado e entre os listados” (Wolf Von Eckardt, Fundamentos de la
política, s.d. Labor, p. 14).
Azambuja (2008) ainda nos lembra que mesmo na atualidade, a maioria dos
tratadistas e escritores se divide em duas correntes. Para uns, política é a ciência do
Estado; para outros, é a ciência do poder como já o dissemos anteriormente.
Como se vê, mesmo os que querem fazê-la uma ciência “positiva”,
“concreta”, divergem; e, ainda no interior dos dois grupos citados, há discrepâncias
de conceituação, quanto à compreensão e à extensão do objeto e quanto à
metodologia, além de outras. O que não é de estranhar, pois se trata de uma ciência
em formação, a mais recente entre as ciências sociais, e está atravessando fase
preparatória em que há bem pouco tempo estava, por exemplo, a sociologia.

2.2 Epistemologia e os métodos em Ciências Políticas


A ciência política é a teoria e prática da política, a descrição e análise dos
sistemas políticos, das organizações, dos processos e do comportamento político,
entre outros. Se, por um lado, o estudo da ciência política contemporânea, em certo
sentido, ainda é o mesmo daquele de Aristóteles, por outro lado, é preciso levar em
consideração toda a complexidade das organizações político-sociais
contemporâneas e pressupor uma orientação metodológica e objetividade de
pesquisa compatível com as exigências da ciência atual. Como toda pesquisa
científica que busca a construção do conhecimento científico, a pesquisa em Ciência
Política deve levar em consideração que toda investigação ocorre por meio de uma
relação entre o sujeito (cognoscível) e o fenômeno a ser investigado (cognoscente)
9

(FERRARI, 2008, p. 25), de onde decorre uma importância fundamental em se


considerar os aspectos epistemológicos de toda e qualquer pesquisa científica.
Fazendo uma breve observação, vejamos o que significa um estudo
epistemológico.
Significa um estudo crítico dos princípios, das hipóteses, dos resultados, da
problemática da pesquisa das diversas ciências, incluindo aí as Ciências Sociais,
discutir sobre a natureza e o valor da ciência pura e aplicada, de pressupostos e/ou
problemas filosóficos que se apresentam no curso da investigação científica e possui
elementos que, aplicados à pesquisa científica, favorecem a análise dessas
produções e dá subsídios para o aprimoramento da pesquisa, além de propiciar os
instrumentos necessários à reflexão e à crítica propriamente dita (BUNGE, 1980;
FERRARI, 2008; SÁNCHEZ GAMBOA, 1998).
O termo “epistemologia”, do grego antigo significa episteme (conhecimento,
ciência) + logos (discurso, teoria, tratado, estudo de), literalmente significa Teoria da
ciência ou Teoria do Conhecimento científico. A epistemologia geralmente é
entendida como um ramo da Filosofia das ciências, que “estuda a investigação
científica e seu produto e conhecimento científico” (BUNGE, 1980, p. 05).

O termo ‘epistemologia’ ganhou a acepção de teoria do conhecimento


científico, utilizado tanto para compreender as ciências, como para estudar
seus principais problemas e implicações. Por isso tornou-se muito mais
difundido e aceito na literatura científica (FERRARI, 2008, p. 17).

A discussão sobre os métodos de pesquisa na Ciência Política e,


naturalmente, nas demais Ciências Sociais envolve uma ampla discussão sobre
epistemologias que norteiam a pesquisa científica, sendo as mais conhecidas: o
positivismo, a fenomenologia e a dialética. De alguma forma, podemos dizer que
temos estes três grandes paradigmas de interpretação da realidade, resultantes de
três grandes correntes do pensamento ocidental:
 o positivismo de Auguste Comte;
 a fenomenologia husserliana (referente ao filósofo Edmund Husserl); e,
 a dialética marxista que, como o próprio nome indica, toma como base o
pensamento de Karl Marx
(http://www.portalconscienciapolitica.com.br/autores-e-obras/).
Em momento oportuno cada uma delas será discutida.
10

Em linhas gerais, os métodos de pesquisa em ciência política são os


mesmos das outras ciências sociais, notadamente da sociologia. Entretanto, devido
sua complexidade, vamos falar de maneira bem concisa.
Segundo Azambuja (2008), a maior parte das obras a respeito é americana;
no entanto, a do prof. Maurice Duverger — Méthodes de la science politique
(tradução em português, Ed. Zahar) — dá um excelente tratamento ao assunto.
O método de observação documental que utiliza como material livros,
jornais, arquivos, filmes, fotografias, insígnias de partidos, entre outros, é ainda de
uso limitado e, por isso, os resultados são exíguos.
No método de observação direta, podendo ser extensiva ou intensiva. Em
resumo:
 a observação direta extensiva é uma pesquisa por sondagem; do estudo
de uma “amostra”, de um pequeno número de pessoas pertencentes a
uma comunidade, e do seu estudo se tiram conclusões extensivas à
comunidade;
 a observação direta intensiva dirige-se a grupos menores, até a uma só
pessoa, por meio de entrevistas, testes, determinação de atitudes e até
experimentalmente, em que o “sociodrama” é dos tipos mais
interessantes.
Outros processos, desde a estatística até o gráfico, procuram empregar a
matemática para o conhecimento de fatos e relações. Há entusiastas e adversários
dos métodos quantitativos.
Azambuja (2008) cita o prof. James Pollock (1959), presidente da
Associação Internacional de Ciência Política, o qual pondera que a experiência
comprovou que o método quantitativo, embora útil e mesmo indispensável para
estudar certos tipos de procedimento político, que se prestam mais para a avaliação
da medida, não é muito útil para se tratar com relações vitais, como a estrutura do
poder. Parece também claro que a recente tendência metodológica conduz seus
defensores, do mundo prático, para uma atmosfera de abstrações autossuficientes.

Até o momento seria interessante guardar...


 A ciência política abrange diversos campos, como a teoria e a filosofia
políticas, os sistemas políticos, ideologia, teoria dos jogos, economia política,
geopolítica, geografia política, análise de políticas públicas, política
11

comparada, relações internacionais, análise de relações exteriores, política e


direito internacionais, estudos de administração pública e governo, processo
legislativo, direito público (como o direito constitucional) e outros.
 A ciência política usa métodos e técnicas que podem envolver tanto fontes
primárias (documentos históricos, registros oficiais) quanto secundárias
(artigos acadêmicos, pesquisas, análise estatística, estudos de caso e
construção de modelos).
 Existe no interior da Ciência Política uma discussão acerca do objeto de
estudo desta ciência, que, para alguns, é o Estado e, para outros, o poder. A
primeira posição restringe o objeto de estudo da ciência política; a segunda
amplia.
 Os cientistas políticos podem estudar instituições como corporações (ou
empresas, no Brasil), uniões (ou sindicatos, no Brasil), igrejas, ou outras
organizações cujas estruturas e processos de ação se aproximem de um
governo, em complexidade e interconexão (PEREIRA JUNIOR, 2008).

2.3 Os prismas filosófico, sociológico e jurídico propostos por Bonavides


Bonavides (2009, p.12) fala em prismas e/ou perspectivas analíticas para a
ciência política que merecem destaque, justificando que:

Onde entram atos e sentimentos humanos, só a consideração


despretensiosa dos aspectos históricos, jurídicos, sociológicos e filosóficos,
ontem e hoje, neste ou naquele Estado, dará à problemática política da
sociedade o aproximado teor de certeza que virá um dia galardoar
(compensar) o esforço do cientista social, honesto e incansável, cujo
trabalho, antes da frutificação, sempre tomou em conta a medida
contingente das verdades que se extraem do comportamento dos grupos e
da dinâmica das relações sociais.

a) Prisma filosófico:
A filosofia conduz discussões no que se refere à origem, à essência, à
justificação e aos fins do Estado (PAES; MOROSSINI, 2013).
Pelo prisma filosófico, os fatos, as instituições e as ideias são matérias do
conhecimento de ciência política, podendo ser tomadas das seguintes maneiras:
i. Consideração do passado – como foram ou deveriam ter sido.
ii. Compreensão do presente – como são ou devem ser.
iii. Horizontes do futuro – como serão ou deverão ser.
12

A Filosofia conduz para os livros de Ciência Política a discussão de


proposições respeitantes à origem, à essência, à justificação e aos fins do Estado,
como das demais instituições sociais geradoras do fenômeno do poder, visto que
nem todos aceitam circunscrevê-lo apenas à célula mater, embriogênica, que no
caso seria naturalmente o Estado, acrescentando-lhe os partidos, os sindicatos, a
igreja, as associações internacionais, os grupos econômicos, entre outros.
Convive o debate filosófico ademais com a investigação sociológica e com a
fixação jurídica dos fatos, normas e instituições políticas, arredando assim a
possibilidade de ousadamente afirmarmos a existência de um monismo filosófico
entre autores políticos de nosso século, que rotulam seus livros com o nome de
Ciência Política ou Teoria Geral do Estado (BONAVIDES, 2009).
b) Prisma sociológico:
A sociologia explica a política a partir de condicionantes sociais.
No prisma sociológico, ciência política é a teoria geral do Estado, pois o
Estado é fenômeno jurídico por excelência. Max Weber diz que o Estado consiste no
tratamento autônomo (PAES; MOROSSINI, 2013).
O estudo do Estado, fenômeno político por excelência, se constitui um dos
pontos altos e culminantes da obra genial de Max Weber, e com efeito, na sua
sociologia política, abre-se o capítulo de fecundos estudos pertinentes à política
científica, à racionalização do poder, à legitimação das bases sociais em que o
poder repousa: inquire-se ali da influência e da natureza do aparelho burocrático;
investiga-se o regime político, a essência dos partidos, sua organização, sua técnica
de combate e proselitismo, sua liderança, seus programas; interrogam-se as formas
legítimas de autoridade, como autoridade legal, tradicional e carismática; indaga-se
da administração pública, como nela influem os atos legislativos, ou como a força
dos parlamentos, sob a égide de grupos socioeconômicos poderosíssimos,
empresta à democracia algumas de suas peculiaridades mais flagrantes
(BONAVIDES, 2009).
A Ciência Política, na sua constante sociologia, não pode tampouco ignorar
as raízes históricas da evolução política.
Esse retrato retrospectivo, esse mergulho no passado das instituições,
devem-se com mais nitidez e originalidade a Gumplowicz e Oppenheimer (BAUER,
1914 apud BONAVIDES, 2009).
13

Oppenheimer (1954 apud BONAVIDES, 2009) traçou penoso roteiro que se


estende, através dos mais agudos transes e das mais amargas vicissitudes, do
Estado de conquista ao Estado de cidadania livre. Como forma de coação sobre os
homens, o Estado se acha fadado a desaparecer, desde que a escravidão antiga e a
escravidão capitalista, outrora forçosas, se tornavam doravante supérfluas.
Se em Atenas, observa Oppenheimer, ao lado de cada cidadão livre
trabalhavam cinco homens escravos, na sociedade contemporânea a cada cidadão
livre corresponde o dobro de escravos, mas escravos doutra espécie, doutro
cativeiro, escravos de aço que não têm de padecer ou suar quando trabalham!
E o fim do Estado, segundo o mesmo sociólogo, inspirado decerto na
profecia marxista, será sua diluição no automatismo da sociedade futura.
Bonavides (2009) cita outro escritor político, não menos digno e autorizado
pela excelência de sua orientação sociológica, que é Vierkandt (1959), o qual
contribui à fixação dos quadros da Ciência Política, em seus vínculos com a
sociologia, ao estudar principalmente o moderno Estado nacional.
Acentua ele o caráter classista do Estado e da sociedade, a dinâmica da luta
pelo poder na sociedade moderna, os partidos como representação de interesses e
as tendências e movimentos reformistas que se operam este século, com respeito
às relações de trabalho, à educação, à saúde espiritual da juventude, e o papel da
igreja, entre outros. (BONAVIDES, 2009).
c) Prisma jurídico:
A perspectiva jurídica abandona as implicações de ordem ética, histórica,
sociológica, em prol de uma análise formal, estritamente jurídica. O Estado se
resume a um conjunto de leis e instituições (PAES; MOROSSINI, 2013).
Pelo prisma jurídico, a ciência política tem seu objeto de estudo reduzido ao
Direito Político, a simples corpo de norma.
Tendência de cunho exclusivamente jurídico vem representada por Kelsen,
que constrói uma Teoria Geral do Estado, a qual leva às últimas consequências, no
estudo da principal instituição geradora de fenômenos políticos, o seu formalismo de
inspiração kantista e funda em bases estritamente monistas, de feição jurídica, a
nova teoria que assimilou o Estado ao Direito e tantos protestos arrancou de
filósofos e pensadores durante as últimas décadas (BONAVIDES, 2009).
O Estado, segundo Kelsen, pertencendo ao mundo do dever ser, do sollen,
explica-se pela unidade das normas de direito de determinado sistema, do qual ele é
14

apenas nome ou sinônimo. Quem elucidar o direito como norma elucidará o Estado.
A força coercitiva deste nada mais significa que o grau de eficácia da regra de
direito, ou seja, da norma jurídica.
O Estado, organização de poder, para Kelsen, esvazia-se de toda a
substantividade. Os elementos materiais que o compõem — território e população —
se convertem, respectivamente, na típica e revolucionária linguagem do antigo
professor vienense, em âmbito espacial e âmbito pessoal de validade do
ordenamento jurídico.
A doutrina de Kelsen tem sua originalidade em banir do Estado todas as
implicações de ordem moral, ética, histórica, sociológica, criando o Estado como
puro conceito, agigantando-lhe o aspecto formal, retintamente jurídico, escurecendo
a realidade estatal com seus elementos constitutivos, materiais. Chega à hipertrofia,
já descomunal, do elemento formal — o poder, posto que dissimulado este na
santidade inviolável de normas concebidas como direito puro.
Essa teoria, que faz de todo Estado “Estado de Direito”, por situar Direito e
Estado em relação de identidade, uma vez aceita, apagaria na consciência do jurista
o sentido dos valores e na sentença do magistrado os escrúpulos normais de
equidade, do mesmo modo que favoreceria o despotismo das ditaduras totalitárias,
por emprestar base jurídica a todos os atos do poder, até mesmo os mais
inconcebíveis contra a vida e a moral dos povos. O exemplo e experiência da
Alemanha nazista são recentes para mostrar até onde podem chegar as
consequências de um positivismo normativista, à maneira kelseniana (BONAVIDES,
2009).
Criticou-se a Kelsen, e com razão, o haver criado uma Teoria do Estado sem
Estado e uma Teoria do Direito sem Direito.
Entre os publicistas célebres da França, no século XX, encontramos autores
mais preocupados com o aspecto jurídico da Ciência Política do que propriamente
com as suas raízes na filosofia e nos estudos sociais.
Não são tão radicais quanto Kelsen, que reduziu o Estado a considerações
exclusivamente jurídicas. Mas fazem da Teoria Geral do Estado um apêndice ou
introdução ao Direito Público, nomeadamente ao Direito Constitucional, não
hesitando em versar temas pertinentes ao Estado em livros de Direito Constitucional,
segundo velha tradição, ilustrada, dentre outros, por Duguit, com o seu monumental
15

tratado, cuja primeira parte, votada ao Estado, abrange certas análises onde a cada
passo toma o sociólogo o lugar do jurista (BONAVIDES, 2009).
Paes e Morossini (2013) lembram que durante a segunda metade do século
XIX até a primeira metade do século XX na Europa, os franceses, por exemplo,
afirmavam que a adoção de apenas uma perspectiva pela ciência política teria uma
análise muito limitada da política. Assim, os estudos sobre o Estado deveriam ser
pautados pelo tridimensionalismo, isto é, estudar o Estado enquanto ideia, dentro da
perspectiva filosófica, enquanto fato social, dentro perspectiva sociológica e
enquanto fenômeno jurídico, dentro da perspectiva jurídica.
A Ciência Política ampliou seus horizontes, sustentando-se em outras áreas
do conhecimento: história, direito constitucional, economia e psicologia. Até então, a
ciência política não era um campo científico autônomo, pois sua metodologia, teoria
e epistemologia encontravam legitimidade em outras áreas do conhecimento.
A Ciência Política nos Estados Unidos tem uma história peculiar. A
expressão ciência política já era usada naquele país desde o século XVIII, quando
os federalistas americanos buscavam na ciência política as condições científicas
para construir instituições políticas liberais democráticas representativas.
Enfim, a Ciência Política como cadeira acadêmica de fato nasce nos
Estados Unidos, em meados do século XIX. Neste contexto, a ciência política se
profissionalizou e foi acusada por autores e políticos da época de não ser mais uma
ciência engajada na construção das instituições políticas norte-americanas, isto é,
de estar mais preocupada com a realidade política, com a política concreta.
Feres Junior (2000) explica que a institucionalização da Ciência Política
americana, na prática, correspondeu à criação de empregos, cursos, departamentos,
programas, centros de pesquisa, revistas especializadas, associações e linhas de
financiamento de pesquisa sob o mesmo rótulo disciplinar da Ciência Política.
Paralelo a esse processo de desenvolvimento institucional ocorreu um movimento
de especialização. A estrutura institucional da Ciência Política americana é hoje
dividida em cinco subáreas: política americana, política comparada, relações
internacionais, políticas públicas e teoria política. Cada subárea apresenta um alto
grau de autonomia disciplinar e endogenia. Consequentemente, um professor de
política comparada, por exemplo, só ensina cursos de política comparada, publica
em periódicos especializados em política comparada, e participa de conferências
nas mesas e painéis da mesma subárea.
16

Em parte, por ter sido vanguarda na criação da Ciência Política, a academia


americana tornou-se modelo para os departamentos de Ciência Política em outros
países e polo exportador de tendências teóricas e temáticas. A influência da Ciência
Política americana no mundo também se dá por meio da formação de acadêmicos
de outros países nos inúmeros programas de doutorado em Ciência Política dos
EUA. O fato de a maioria dos bolsistas brasileiros no exterior que fazem doutorado
em Ciência Política estarem alocados em universidades americanas é evidência
clara dessa influência. Ou seja, o contribuinte brasileiro tem financiado essa
“importação” de “conhecimento”. Nada mais razoável, portanto, do que
aperfeiçoarmos nossa apreciação crítica da história e papel político desse produto
no seu lugar de produção original, acentua Feres Junior (2000).

2.4 Teoria política


Para falar de teoria política, Feres Junior e Pogrebinschi (2010) dão os
seguintes exemplos:
 “presidente Lula veta restrições a debate eleitoral na Internet”;
 “Supremo Tribunal Federal decide pela demarcação contínua da reserva
indígena Raposa/Serra do Sol”;
 “esboço de acordo climático prevê limitar aquecimento global”;
 “estudantes invadem reitoria da USP”.
Pois bem, todos os dias somos chamados a tomar posição, a tecer opiniões
sobre questões que dizem respeito à vida em sociedade, seja ela a cidade, o estado,
o país ou mesmo o mundo, como no caso dos conflitos e disputas de poder no plano
internacional. É interessante notar que, para formarmos uma opinião sobre esse tipo
de questão, não bastam os conhecimentos produzidos pelas ciências naturais ou
exatas. Por mais que esses conhecimentos sejam mais ou menos úteis,
dependendo do assunto discutido, a formação da opinião sempre requer que
façamos distinções entre escolhas racionais ou irrazoáveis, justas ou injustas,
expedientes ou contraproducentes. Na história da humanidade, a razão tem sido
usada para muitos fins – conhecimento dos fenômenos naturais, criação de
processos e instrumentos artificiais, produção artística em suas mais variadas
formas e conhecimento das coisas que dizem respeito à vida em sociedade.
17

Então: a teoria política se ocupa do estudo das instituições e normas que


organizam essa vida coletiva, da maneira como são, como devem ser ou como
podem vir a ser.
Os mesmos autores justificam a ausência da expressão ‘teoria política’ no
dicionário devido à diferença de nomenclatura de tradições do pensamento político
em diferentes línguas de cultura europeias. “Teoria política” é uma expressão que
remete à tradição de língua inglesa, isto é, aparece em português como tradução de
political theory. Já nas tradições italiana e francesa, e na academia brasileira até
algumas décadas atrás, a expressão mais corrente é “filosofia política”. Só para se
ter uma ideia, no “Dicionário de Política do Bobbio”, como ele é conhecido
popularmente, o verbete “filosofia da política” ocupa oito páginas, um dos mais
longos do livro.
A diferença entre as duas expressões não reside na diferença de significado
entre as palavras “filosofia” e “teoria”, que, a despeito de sua origem etimológica
diversa, hoje têm sentidos muito similares. Isto é, essa não é uma questão
meramente terminológica. A opção por uma ou outra nomenclatura revela muito do
enfoque que cada autor ou comentador adota. Ainda que as tradições europeia
continental e anglófona possam ser entendidas como variantes do pensamento
ocidental, há diferenças importantes de ênfase e enfoque entre elas.
Em resumo: o que mais diferencia a teoria política da ciência política não é o
interesse empírico da segunda, mas sua suposta posição epistemológica de
neutralidade axiológica (ausência de juízos de valor). A teoria política em grande
medida preocupa-se em discutir valores e, não raro, seus autores tomam posições
explícitas acerca de como a sociedade deve se organizar, que critérios de justiça as
instituições devem adotar, como a representação e a participação política devem se
dar, entre outros. (FERES JUNIOR; POGREBINSCHI, 2010).

Guarde...
A área temática de teoria política é um ramo da ciência política que agrega
contribuições de variadas disciplinas, mas, especialmente, da filosofia política e da
história das ideias políticas. No panorama acadêmico contemporâneo, essa área
temática vem sendo compreendida de duas maneiras distintas, mas não
inconciliáveis: como teoria política normativa e como teoria política histórica.
18

A primeira envolve o esforço de reflexão crítica sobre realidade e a projeção


do dever ser da ordem política, ao passo que a segunda elabora narrativas sobre o
desenvolvimento da própria tradição do pensamento político, tomando como objetos
de investigação as ideias de autores clássicos, os conceitos políticos centrais (e as
mudanças conceituais) em dada época ou sociedade e os embates ideológicos
situados em contextos históricos específicos.
A teoria política é um empreendimento intelectual que percorre toda a
trajetória das sociedades ocidentais e é indissociável da construção histórica dessas
sociedades como comunidades propriamente políticas. Por fim, a teoria política
abriga ilimitado pluralismo de perspectivas ideológicas e visões de mundo.
A área temática de teoria política é parte constitutiva da organização da
ciência política como campo disciplinar autônomo. Isso é facilmente constatável
quando observamos tanto a composição dos departamentos de ciência política das
principais universidades pelo mundo, como a organização temática das associações
de ciência política nos mais diversos países. Em qualquer área de investigação, os
cientistas políticos precisam lidar com categorias e conceitos políticos que tendem a
adquirir maiores graus de refinamento e precisão a partir das contribuições da teoria
política (ABCP, 2013).
19

UNIDADE 3 – CONCEITO DE POLÍTICA: REFLEXÕES DE


SCHMITTER

Em “Reflexões sobre o conceito de Política” no módulo I do Curso


Introdutório à Ciência Política da Universidade de Brasília, o professor Philippe C.
Schmitter (2001) divide a política em quatro conceitos que linhas gerais podem ser
assim definidos:
a) Suas “instituições”, pelo quadro social concreto e estabelecido dentro do
qual participam os atores.
b) Seus “recursos”, pelos meios utilizados pelos atores.
c) Seus “processos” pela atividade principal à qual se consagram os atores.
d) Sua “função” pelas consequências da sua atividade para a sociedade
global de que faz parte.
Para essa tipologia geral corresponderiam quatro definições específicas de
campo de investigação da política.
Vejamos:
a) Instituição – “Estado ou Governo”
A definição que predominava no sec. XIX e que ainda predomina nos
dicionários e em muitas faculdades é da política como “a arte e a ciência do Estado
ou do governo”. Marcel Prélot (1964 apud SCHMITTER, 2001) a define como o
“conhecimento sistemático e ordenado dos fenômenos concernentes ao Estado”.
Com a descoberta da importância política de instituições não-constitucionais,
esta delimitação parecia estrita demais. Então, os políticos ampliaram-na para incluir
algumas organizações anexas que intervêm regularmente ou mesmo
ocasionalmente na atividade estatal; órgãos como partidos, facções, grupos de
pressão, ligas conspiratórias, sociedades de economia mista, cliques militares e
grupos informais. Por exemplo, o próprio Prélot afirma que: a politologia que
considera, como se acaba de ver, a instituição estatal em sua totalidade, não se
limita, entretanto, a ela. Toma-se como ponto de partida e como referência para o
estudo dos fenômenos que se ligam ao Estado na qualidade pré-estatais e
supraestatais.
Muitos politistas contemporâneos, dentre os quais o suíço Jean Meynaud
(1960), relutam em abandonar este foco tradicional, concreto e aparentemente bem
delimitado, por outras definições mais abstratas e difusas.
20

b) Recurso – “Poder, influência ou Autoridade”


Sob essa rubrica, segundo Duverger, abriga-se a grande maioria dos
politistas contemporâneos, inclusive ele próprio. Infelizmente, essa maioria está
longe de ser unânime na utilização desses termos: “poder” para alguns significa
“influência”; para outros, “autoridades”. Não obstante, Schimitter acha possível
distinguir entre três “escolas” e “subescolas” — todas tomando meios e recursos
utilizados como foco principal da ciência política.
b.1) “Poder”: aqui podemos incluir todos os politistas que lembrando a
afirmação de Max Weber de que “o meio decisivo na política é a violência”, dão
ênfase ao fenômeno da coesão (contrainte), a dominação ou a monopolização da
violência ou de força física. Friedrich Engels, por exemplo, afirmou:

A sociedade até agora, baseada nos antagonismos de classe, teve a


necessidade do Estado. Quer dizer, da organização de uma classe
particular que era a classe exploradora [...] especialmente com a intenção
de conservar com a (força) as classes exploradas na condição de opressão
correspondente a um modo dado de produção.

Um antropólogo se expressou de maneira semelhante (sem a suposição de


dominância de classe): “A organização política de uma sociedade é o aspecto de
sua organização total que interessa ao controle e à regulamentação da força física”
(RADECLIFFE-BROWN, 1962 apud SCHMITTER, 2001).
Finalmente, um politista inglês, baseando-se em um inquérito internacional
sobre a natureza da ciência política, chegou à seguinte conclusão: “O foco de
interesse do politista é claro e não ambíguo: ele se concentra sobre a luta para obter
ou reter o poder, para exercer poder ou influência sobre os outros ou para resistir a
esse exercício” (WILLIAM ROBSON, 1964 apud SCHMITTER, 2001). Com esta
última definição, aproximamos-nos à segunda “escola”, a da influencia.
b.2 “Influência”: muitos estudiosos da política norte-americana rejeitam esta
ênfase na força e põem-na na variedade e na sutileza dos meios e recursos
utilizados pelos atores políticos. Para eles, não se poderia reduzir a política a um só
tipo de relação de dominância. Esta é o produto da interação de uma pluralidade de
tipos de dominância, dentro dos quais estão a força ou a coação. Eles preferem o
termo influência por ser o mais abrangente.
Segundo a célebre fórmula do livro de Harold Lasswell, “Politics: Who Gets
What. When and How”, o estudo da política é o estudo da influência e dos que têm
21

influência. Outro norte-americano, Quincy Wright, define a política de modo


semelhante como “a arte de influenciar, manipular ou controlar grupos com a
intenção de avançar os propósitos de alguns contra a oposição de outros”.
Provavelmente, o mais destacado representante desta escola nos Estados
Unidos é Robert Dahl. No seu livro “Who Governs”, ele não apenas oferece uma
tipologia dos diferentes recursos que são a base de diferentes tipos de influência,
mas faz a importante observação de que o grau de influência depende dos recursos
disponíveis e da vontade de utilizá-los. Nesse livro, ele estuda empiricamente a
distribuição de ambos os elementos de influência (mensurada como capacidade de
iniciar ou vetar uma “policy”) na cidade de New Havan, Connecticut. Ele concluiu que
em um sistema político pluralista (caso de New Haven, e, por extensão, dos EUA) a
influência apresenta um padrão de “desigualdades dispersas” e não “desigualdades
cumulativas”, o que parece estar implícito no modelo que utilizam os teoristas de
poder ou força física acima mencionados.
b.3 “Autoridade”: nesta terceira subcategoria para os politistas que tomam
como foco a disciplina, nem a ultimaratio do poder, nem as formas vagas e múltiplas
de influência, mas um tipo específico de relação social que combina os dois: a
autoridade, poder legítimo ou herrschaft em alemão. Uma autoridade, conforme
Weber, é um poder que se faz obedecer voluntariamente. Haveria vários tipos, mas
o elemento comum é essa capacidade de criar e manter a crença de que as
repartições de poder e influência existentes são as mais apropriadas, “justas” e
“naturais” para essa sociedade. Como diz a feliz expressão francesa: Gouverner
c'est faire croire (Governar é acreditar).
Sendo assim, aceita essa noção como foco principal, o estudo da política
seria o estudo das relações de autoridade entre os indivíduos e os grupos, da
hierarquia de forças que estabelecem no interior de todas as comunidades
numerosas e complexas. A cúpula desta estrutura é o Estado ou governo, a
instituição que tem a autoridade última e o “direito” de utilizar a força física para se
fazer respeitar; mas a tarefa da ciência política seria a de analisar e explicar toda
essa estrutura e as forças e influências respectivas que a compõem.
Duverger, quando afirma que a ciência política é a ciência do poder, quer
dizer, a “ciência da autoridade”, porque anteriormente declarou que o poder é
reconhecido como poder; sua autoridade é admitida. O sociólogo norte-americano,
22

Talcott Parsons também prestou o seu imenso prestígio intelectual a uma


delimitação da ciência política em termos de “poder”.
Como foi o caso de Duverger, o seu conceito de poder é equivalente ao
fenômeno que aqui chamamos de autoridade.
Não são raros os estudiosos da política que combinam todos ou alguns
desses meios de ação nas suas tentativas de definir a política. O mais conhecido
exemplo deste ecletismo é provavelmente o de Max Weber, que acentuou poder e
influência na sua definição formal: política significa, para nós, elevação para a
participação no (poder) ou para a (influência) na sua repartição, seja entre Estados,
seja no interior de um Estado, e que concentrou a sua atenção empírica sobre tipos
ideais de autoridades. Recentemente, um destacado politista norte-americano,
Robert Dahl (falecido em 2014), optou por um ecletismo semelhante.
c) Decision-Making (formulação de decisões sobre linhas de conduta
coletivas)
Surgiu por volta dos anos 70, 80 uma nova tentativa de situar campos de
investigação da política, desta vez em termos de um processo social — processo
que evidentemente utilizaria os meios de ação social acima mencionados.
Esta tentativa destaca a formulação de decisões ou de “policies” como foco
de análise. A tarefa de uma ciência da política seria, a de explicar e
presumivelmente predizer, porque uma determinada linha de conduta foi, é ou será
adotada. Como foi formulada? Quem participou? Quais foram os determinantes
desta atividade? Qual foi o resultado e seu impado sobre decisões posteriores?
Essas são algumas das perguntas implícitas nesta definição.
O intérprete mais conhecido desta linha é o cientista político da Universidade
de Chicago, David Easton. Numa definição que deve ser a mais citada e comentada
da ciência política contemporânea, ele afirma que esta deve se aplicar ao estudo da
alocação autoritária ou imperiosa dos valores, de maneira que essa alocação seja
influenciada pela distribuição e utilização do poder. A ênfase é sobre o fenômeno da
repartição — da administração de decisões sobre bens escassos na sociedade; mas
Easton chega a incluir na definição todos os meios acima citados: autoridade,
influência e poder.
Numa outra definição, menos conhecida, embora no entendimento de
Schmitter mais clara, ele fixa os limites do sistema político como todas as ações
23

mais ou menos relacionadas com a formulação de decisões autoritárias ou


imperiosas para uma sociedade: “the making of binding decisons for a society”.
O emprego do qualificativo “autoritário” ou “imperioso” implica que o autor
limitaria a ciência política ao estudo do órgão que toma e implementa as decisões
que são authoriative ou binding para toda a sociedade, o que chega a voltar a definir
a política em termos de Estado — Estado sendo desta vez definido como processo e
não como instituição.
Outros politistas que utilizam o decision making approach estão na linha da
flexibilidade, na possibilidade de aplicá-la a vários níveis da sociedade nos quais
decisões parciais ou parcialmente imperiosas são tomadas. Um importante foco de
análise seria precisamente o de fazer comparações entre esse processo social nos
diferentes níveis. Somente assim podemos verificar a macro-hipótese da nossa
disciplina — hipótese que data de Platão e Aristóteles, que decisões aplicáveis à
sociedade inteira, decisões públicas têm características e padrões diversos das
decisões tomadas em sociedades menos globais, i.e., decisões privadas. Se a
definição da política pelo Estado foi formulada especialmente pelos politistas que
utilizaram métodos jurídico-formais, se a definição em termos de poder parece mais
utilizada pelos marxistas e behavioristas, se a definição em termos de influência
parece especialmente compatível com a “teoria política dos grupos”, em termos e
autoridade com a sociologia histórica, a definição de política pelo decision making
vai de acordo com a teoria dos sistemas políticos. A última hipótese abordada por
Schmitter acompanha essencialmente uma abordagem funcionalista do estudo da
política.
d) A Resolução não-violenta dos Conflitos
A última novidade em termos de definição é o funcionalismo. No seu sentido
mais amplo, definir algo pela sua função quer dizer considerá-lo sob o aspecto da
sua consequência ou consequências no sistema global do qual faz parte. O algo
pode ser concebido como “requisito”, isto é, atividade necessária ao bom
funcionamento do sistema global, ou como “tarefa”, isto é, padrão de atividade
geralmente encontrado em qualquer sociedade. Utilizando o primeiro e mais rigoroso
conceito de função como “requisito”, Talcott Parsons sugeriu que o subsistema
político se aplica principalmente à “realização de objetivos coletivos” “goal
attainment”.
24

O politista David Apter define a função da política como a manutenção do


sistema do qual faz parte. A tentativa de Schmitter de delimitar o campo da
investigação política se inspira na segunda tradição. Ele não afirma que a seguinte
função é um requisito para a manutenção do sistema existente; afirma simplesmente
que o padrão de atividade que chamamos política se encontra em muitas
sociedades com vários graus de complexidade.
Para ele, a função da política é a de resolver conflitos entre indivíduos e
grupos, sem que este conflito destrua um dos partidos em conflito. Talvez resolução
não seja a melhor expressão porque implica (falsamente) que a atividade política
põe fim ao conflito. Ao contrário, existem conflitos permanentes dentro de qualquer
sociedade que a política não pode extinguir, embora a sociedade sem conflito seja
um antigo sonho de muitos filósofos políticos. A política pode simplesmente
“desarmar” o conflito, canalizá-lo, transformá-lo em formas não destrutivas para os
partidos e a coletividade em geral. Dentro dessa perspectiva, para que um ato social
seja político, precisa satisfazer duas condições:
1ª. A condição necessária é que o ato deva ser controverso, indique um
conflito, um antagonismo entre interesses ou atitudes expressas por diferentes
indivíduos ou grupos. Isto implica que muitos atos governamentais não sejam
políticos por não serem controversos, tal como a publicação de documentos, a
vacinação de cães, entre outros. Mas, Schmitter insiste que qualquer acontecimento
social é potencialmente político.
2ª. A condição suficiente para que os conflitos sejam políticos é a de que os
atores reconheçam reciprocamente suas limitações nas reivindicações das suas
exigências. Isto quer dizer que os conflitos políticos acontecem dentro de um quadro
(framework) de restrições mútuas, o que implica que o conflito político exige um
certo grau de integração, de cooperação entre os combatentes, “integração” ou
“cooperação” entre indivíduos e grupos, é, então, o segundo elemento da equação
política. Essa qualidade de autolimitação ou restrição mútua pode ser baseada em
uma crença comum nos atores em conflitos (então haveria uma estrutura de
autoridade entre eles) ou pode ser simplesmente prudencial baseada no medo e na
antecipação do poder de retaliação do oponente. Mas a partir do momento em que
os combatentes decidem limitar reciprocamente os seus esforços competitivos em
vez de se destruírem, estão, no entendimento de Schmitter, numa situação política.
A primeira expressão dessa qualidade “dualista” da atividade política é encontrada
25

na Política de Aristóteles. Argumentando com a de Platão, o ‘Stagirito’ nega que a


sociedade política (a cidade-estado) possa ser governada por uma família.
A sociedade política, à medida que se forma e se torna mais una deixa de
ser sociedade política; porque, naturalmente, a sociedade política é a multidão. Se
for levada à unidade, tornar-se-á família; de família, indivíduo, porque a palavra “um”
deve ser aplicada mais à família que à sociedade política, e ao indivíduo, de
preferência a família.
A sociedade política não se compõe apenas de indivíduos reunidos em
maior ou menor número; ela se forma de homens especificamente diferentes; os
elementos que a constituem não são absolutamente semelhantes. O importante a
reter é a última frase. Os elementos-componentes de uma sociedade política são
heterogêneos, isto é, estão ao mesmo tempo em conflito e em interdependência. A
natureza da dominância política, contrariamente a outras formas de dominância, é a
de reconhecer os conflitos e a variedade de interesse e atitudes que dão base a
esses conflitos e a de tratar de contê-los dentro de um quadro social comum.
A dominância do tipo político não destrói essa heterogeneidade natural para
fazer uma sociedade mais unificada — o que implicaria um tipo de dominância mais
repressiva.
Segundo essa concepção, o estudo da política compreenderá dois focos
distintos, mas altamente relacionados. De um lado o estudo do “conflito”: tipos,
fontes, padrões e intensidades; e de outro lado, o estudo da “integração”:
autoridade, estruturas, formulação de decisões e crenças comuns.
Como afirma Duverger, quando os homens pensam na política, eles oscilam
entre duas interpretações completamente opostas. Para alguns, a política é
essencialmente uma luta, um combate em que o poder permite a alguns, que o têm,
assegurar a sua dominância sobre a sociedade e desta tirar partido. Para outros, a
política é um esforço para fazer governar a ordem e a justiça em que o poder
permite a proteção do interesse geral e do bem comum contra a pressão das
reivindicações particulares.
O Estado é, mais geralmente, o poder institucionalizado de uma sociedade;
é sempre, em toda parte, tanto o instrumento da dominância de certas classes sobre
outras como o meio de assegurar uma certa ordem social, uma certa integração de
todos na coletividade para o bem comum.
26

Schmitter nos mostra que é interessante observar que alguns,


especialmente os marxistas oposicionistas e revolucionários nacionalistas, tendem a
ver unicamente a face “conflito”, enquanto outros, especialmente muitos politistas
norte-americanos e marxistas situacionalistas tendem a ver somente a face
“integração”.
Uma disciplina completa de ciência política deve incluir a ambas. Ela deve
também distinguir cuidadosamente entre processos e acontecimentos que são
propriamente políticos e os que não o são. De um lado, atos puramente de controle
administrativo cometidos num ambiente de abundância, sem qualquer manifestação
antagonista, não podem ser qualificados de política. De outro lado, atos de
dominância violenta ou repressiva, que sejam cometidos por autoridades públicas ou
não, tampouco são políticos, são a evidência da falta de resolução política ou do seu
fracasso.
Schmitter não quer afirmar que estes atos não tenham interesse para o
politista. Ao contrário, ele deve estar altamente interessado nas condições que
permitem por um lado a “despolitização” de atividades sociais ou que indicam, de
outro lado, os limites de uma solução política dos conflitos.
Ambos os tipos de atividades são relevantes para o politista porque fixam a
fronteira da sua disciplina — e essa fronteira flutua muito entre sociedades e entre
os períodos históricos da mesma sociedade. O que implica a delimitação da política
de Schmitter é que atos de dominância administrativa e de dominância violenta ou
repressiva merecem análises distintas e base de conceitos e hipóteses distintos.

Guarde...
A política é o conflito entre atores para a determinação de linhas de conduta
(policies) coletivas dentro de um quadro de cooperação-integração reciprocamente
reconhecido. Tradicionalmente, os politistas focalizaram a determinação de linhas de
conduta pública – quer dizer, comuns a toda sociedade — formuladas dentro de um
quadro social essencialmente autoritário que é o Estado.
A definição de Schmitter não limitaria o estudo da política à atividade dessa
instituição de cúpula. Procuraria o desempenho de uma função — a de resolver
conflitos sem distinguir um dos partidos — a qualquer nível da sociedade.
O fundamento intelectual da sua concepção de política é disperso, como se
deduz da variedade de autores citados ao longo do tópico. Ele ainda não tem uma
27

formulação definida. É ao mesmo tempo uma concepção tradicional e


contemporânea do que deve ser o foco desta disciplina.
Ao preparar este ensaio, Schmitter se deparou com uma formulação muito
semelhante – não de um outro politista, mas de um economista brasileiro:

A partir do momento em que uma sociedade cresce o suficiente para que


seus membros necessitem pautar seu comportamento por normas gerais,
cuja aplicação deve ser imposta por uma autoridade que não deriva a sua
legitimidade de vínculos de parentesco, está-se em face de um embrião de
organização política, sendo irrelevante que o chamemos de sociedade civil
ou de Estado. O que importa é reconhecer que qualquer estrutura social
que haja alcançado um certo grau de diferenciação, necessitará organizar-
se politicamente a fim de que os seus conflitos internos não a tornem
inviável.
Um ponto importante a ter em conta é o caráter sui generis da organização
política, instrumento que a própria sociedade utiliza para autodisciplinar-se,
cabendo-lhe o monopólio de uso de força em nome de coletividade como
um todo (FURTADO, 1964).

Para Schmitter, nenhum outro cientista social definiu a essência da atividade


política tão concisa e claramente como essa citação de Celso Furtado em a Dialética
do Desenvolvimento (1964).
28

UNIDADE 4 – FILOSOFIA POLÍTICA – A ANTIGUIDADE

Desde tempos imemoriáveis ou desde a antiguidade, pois é lá que o homem


começa o exercício do pensar e refletir, temos as primeiras formulações acerca da
política. Podemos, assim, inferir que a Filosofia Política foi o começo de tudo.
Desde a mais alta antiguidade clássica, principalmente desde Sócrates,
Platão e Aristóteles, os assuntos políticos impressionam o gênero humano, sequioso
de conhecê-los e aprofundá-los (BONAVIDES, 2009, p. 43).
Celeti (2011) nos explica que entre as diversas questões que a filosofia visa
investigar, pode-se perguntar sobre como é e como deveria ser o convívio em
sociedade. Se for investigada, a palavra política, que vem do grego, será
compreendido que politika refere-se aos assuntos da cidade (polis). É neste sentido
que, em filosofia política, pergunta-se sobre:
 a natureza das leis;
 a natureza do governo;
 a origem da organização social; e,
 sobre qual seria a melhor forma de convívio entre os indivíduos.
Todos estes temas nos levam a pensar sobre o espaço público, que é o
espaço da política.
No dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano (1998) encontramos
Filosofia política como parte da filosofia que tem como objetivo específico de
indagação o âmbito dos fenômenos políticos. Através dos tempos, a filosofia Política
foi entendida de modos diferentes e às vezes opostos. Seguindo as indicações de N.
Bobbio e de A. Passerin d’Entrèves, podemos distinguir quatro acepções principais:
1) A filosofia Política como busca da melhor forma de governo, ou seja,
como determinação da república ótima.
2) A filosofia Política como identificação do fundamento último do poder, ou
seja, como determinação do critério de legitimidade da obrigação política.
3) A filosofia política como explicitação do conceito geral de Política, ou seja,
como determinação da categoria do fenômeno político.
4) A filosofia Política como análise reflexa dos mapas linguísticos e
conceituais da linguagem política, ou seja, como metodologia da ciência Política.
29

O primeiro significado compreende todos os pensadores que, de Platão aos


modernos utopistas, formularam o problema do Estado Ideal, ou seja, de um modelo
perfeito (ou o menos imperfeito possível) de comunidade humana.
O segundo significado compreende todos os pensadores que formularam o
problema de origem do poder e dos seus títulos de legitimidade (são emblemáticos
os casos de Hobbes, Locke e Rousseau).
O terceiro significado compreende todos os pensadores (são emblemáticos
os casos de Croce e Schmitt) que se interrogaram sobre características peculiares
da Política, ou seja, sobre o que caracteriza e “distingue” o fenômeno político em
relação às outras atividades (por exemplo, a moral).
O quarto significado compreende os estudiosos do século XX que
conceberam a filosofia Política como uma disciplina de “segundo grau”, destinada à
elucidação das linguagens e dos métodos da ciência política.
Vamos começar, evidentemente por Platão.

4.1 Platão
O primeiro filósofo a sistematizar uma ideia política foi Platão (428-7 – 348-7
a.C.).
É com pesar que faremos um recorte para tratar somente a política em
Platão e não sua filosofia, seu mundo ideal e sua concepção de homem, mas o que
nos interessa no momento passa realmente por suas observações acerca das ações
das pessoas no cenário de sua época que já envolvia uma administração complexa
da polis.
Platão, mestre de Aristóteles, relata a teoria política de Sócrates no livro ‘A
República’, em que se posiciona criticamente frente à democracia direta grega, e
propõe um regime no qual “os reis fossem sábios e os sábios fossem reis”
(PEREIRA JUNIOR, 2008).
Ele escreveu sobre o assunto, principalmente, em dois livros: ‘A república’ e
‘As leis’. Nesses livros, ele apresenta a ideia de que uma sociedade bem ordenada é
aquela em que cada indivíduo desempenha a função na qual é mais habilidoso. Os
hábeis com as mãos deveriam ser artesãos, os fortes devem proteger a cidade e os
sábios devem governá-la (CELETI, 2011).
Platão pensa também sobre como deve ser a educação nesta cidade ideal,
para conseguir desenvolver em cada criança o seu potencial a fim de que possa
30

executar melhor a sua função. Cada indivíduo, para ele, será livre enquanto estiver
cumprindo as leis, criadas com o intuito de melhor conduzir a cidade.
Segundo Platão, o estado ideal deveria ser dividido em classes sociais.
Seriam três classes: a dos filósofos, a dos guerreiros, a dos produtores, as
quais, no organismo do estado, corresponderiam respectivamente às almas racional,
irascível e concupiscível no organismo humano.
a) À classe dos filósofos cabe dirigir a república. Com efeito, contemplam
eles o mundo das ideias, conhecem a realidade das coisas, a ordem ideal do mundo
e, por conseguinte, a ordem da sociedade humana, e estão, portanto, à altura de
orientar racionalmente o homem e a sociedade para o fim verdadeiro. Tal atividade
política constitui um dever para o filósofo, não, porém, o fim supremo, pois este fim
supremo é unicamente a contemplação das ideias.
b) À classe dos guerreiros cabe a defesa interna e externa do estado, de
conformidade com a ordem estabelecida pelos filósofos, dos quais e juntamente com
os quais, os guerreiros receberam a educação. Os guerreiros representam a força a
serviço do direito, representado pelos filósofos.
c) À classe dos produtores, enfim – agricultores e artesãos –, submetida às
duas precedentes, cabe a conservação econômica do estado, e, consequentemente,
também das outras duas classes, inteiramente entregues à conservação moral e
física do estado. Na hierarquia das classes, a dos trabalhadores ocupa o ínfimo
lugar, pelo desprezo com que era considerado por Platão – e pelos gregos em geral
– o trabalho material (MADJAROF, 1997).
Na concepção ideal, espiritual, ética, ascética do estado platônico, pode
causar impressão, à primeira vista, o comunismo dos bens, das mulheres e dos
filhos, que Platão propugna para as classes superiores. Entretanto, Platão foi levado
a esta concepção política – tornada depois sinônimo de imanentismo, materialismo,
ateísmo – não certamente por estes motivos, mas pela grande importância e função
moral por ele atribuída ao estado, como veículo dos valores transcendentais da
Ideia.
Naqueles tempos, ele já conseguira ter uma boa compreensão de que os
interesses particulares, privados, econômicos e, especialmente, domésticos, estão
efetivamente em contraste com os interesses coletivos, sociais, estatais, sendo
estes naturalmente superiores àqueles – eticamente considerados. E não hesita em
sacrificar totalmente os interesses inferiores aos superiores, à riqueza, à família, ao
31

indivíduo ao estado, porquanto, representa precisamente – consoante ao seu


pensamento – um altíssimo valor moral terreno, político-religioso, como única e total
expressão da eticidade transcendente.
Se a natureza do estado é, essencialmente, a de organismo ético-
transcendente, a sua finalidade primordial é pedagógico-espiritual; a educação deve,
por isso, estar substancialmente nas mãos do estado. O estado deve, então,
promover, antes de tudo, o bem espiritual dos cidadãos, educá-los para a virtude, e
ocupar-se com o seu bem-estar material apenas secundária e instrumentalmente.
Platão também tende a desvalorizar a grandeza militar e comercial, a
dominação e a riqueza, idolatrando a grandeza moral. O grande, o verdadeiro
político não é – diz Platão – o homem prático e empírico, mas o sábio, o pensador;
não realiza tanto as obras exteriores, mas, sobretudo, se preocupa com espiritualizar
os homens. Dessa maneira, é concebido o estado educador de homens virtuosos,
segundo as virtudes que se referem a cada classe, respectivamente. Esta educação
é dispensada essencialmente às classes superiores – especialmente aos filósofos, a
quem cabem as virtudes mais elevadas, e, portanto, a direção da república. Ao
contrário, o estado em nada se interessa – ao menos positivamente – pelo povo,
pelo vulgo, pela plebe, cuja formação é inteiramente material e subordinada,
consistindo sua virtude apenas na obediência, visto a alma concupiscível estar
sujeita à alma racional (MADJAROF, 1997).
Segundo Gallo (2013), Platão – que escreveu suas obras em forma de
diálogo, e não em prosa – dedicou parte do livro VIII de ‘A República’ para tratar das
formas de governo. Neste documento há um debate sobre as constituições entre
filósofos como Sócrates, Glauco, Polemarco e outros, a respeito da natureza política
do Estado. De acordo com a análise do filósofo grego, existem, a princípio, quatro
formas de governo possíveis. Ele as chamam de constituições inferiores: timocracia,
oligarquia, democracia e tirania.
Etimologicamente, identifica-se que o primeiro dos governos mencionados
por Platão, como sendo a constituição adotada em Creta e Esparta, é baseado em
um arranjo político-militar que forma o governo.
Bobbio (1985, p. 47) ressalta que o filósofo via Esparta como a República
ideal, embora tivesse uma falha inerente: o fato de honrar o guerreiro mais do que
os sábios. A segunda forma de governo mencionada por Platão seria a oligarquia,
um governo formado por poucos. A democracia provém da soberania popular,
32

portanto, seria uma constituição baseada na participação do cidadão nas decisões


políticas. Por fim, Platão cita a tirania, governo no qual o poder está concentrado nas
mãos do tirano – um governante único que não segue necessariamente a
constituição e que normalmente governa para obter benefícios pessoais. É por essa
razão que o filósofo menciona a tirania de forma tão sarcástica, ao classificá-la como
“nobre” (GALLO, 2013).
Além das quatro formas consideradas inferiores (timocracia, oligarquia,
democracia e tirania), o filósofo também considera a existência de uma quinta forma
de governo, a aristocracia, que fica de fora da análise por ser considerado um
governo superior aos outros, “bom e justo” (Rep., VIII, 544 e). Este seria,
teoricamente, o governo dos melhores – motivo pelo qual é colocado na relação de
Platão como uma constituição positiva.
Segundo Bobbio (1985, p. 47), Platão defendia que a aristocracia era a
constituição mais próxima do ideal. Já as outras quatro seriam as degenerações:
delas, a timocracia seria o governo de transição entre essa constituição ideal e as
três piores de fato.

4.2 Aristóteles
Ainda no mundo grego, Aristóteles (384 – 322 a.C.) vai discordar de Platão.
Na obra Política, Aristóteles pensa que a cidade ideal de Platão, onde há prioridade
daquilo que é público sobre aquilo que é privado, não funcionaria muito bem. Para
ele, as pessoas dão mais valor ao que pertence a si mesmo, do que ao que pertence
a todos.
Aristóteles se preocupou menos com hipóteses de uma sociedade perfeita e
mais em compreender a realidade política de seu tempo, estudando as leis de
diferentes cidades e as formas de governo existentes. A melhor forma de
organização política, defendida por ele, é um sistema misto de democracia e
aristocracia, chamado politia, para evitar os conflitos de interesses entre os ricos e
pobres. É dele também a ideia de que o homem é um animal político, isto é, que faz
parte da natureza humana se organizar politicamente.
Na Grécia Antiga, para Aristóteles, a política deveria estudar a pólis e as
suas estruturas e instituições (a sua constituição e conduta). (PEREIRA JUNIOR,
2008).
33

Aristóteles é considerado o pai da Ciência Política, porque considerou a


política a ciência “maior”, ou mais importante do seu tempo. Criou, ainda, um método
de observação que permitiu uma sistematização e explicação dos fenômenos
sociais. Preocupava-se com um governo capaz de garantir o bem-estar geral (o bom
governo) (PEREIRA JUNIOR, 2008).
Na obra ‘Política’, Aristóteles argumenta que governar é um exercício de
magistratura, portanto, como o governo detém a autoridade suprema na cidade,
esse governo se torna a própria constituição (Pol., III, VI, 1). Sendo assim, o filósofo
grego afirma que toda constituição (logo, todo governo) que visa ao bem comum é
correto; por outro lado, todas as constituições cujo objetivo seja atender aos
interesses pessoais dos governantes são defeituosas e podem ser consideradas
formas de despotismo (Pol., III, VI, 11).
Assim, Aristóteles define que todo Estado pode ser governado por uma
pessoa, por uma parcela selecionada de cidadãos, ou pela maioria das pessoas
residentes naquela cidade, e mesmo assim ser justa ou injusta, dependendo do
objetivo desse governo (Pol., III, VII, 1).
Deste modo, o filósofo tipificou em sua obra seis formas de governo, três
delas qualificadas como sendo justas, e outras três como sendo injustas. Na visão
de Aristóteles, as formas de governo constitucionais seriam a monarquia (ou
realeza), a aristocracia e a politeia, que são contrapostas pela tirania (desvio da
monarquia), pela oligarquia (forma degenerada da aristocracia) e pela democracia (a
versão deformada da politeia) (GALLO, 2013).
É possível notar, basicamente que Aristóteles trabalha com as mesmas
tipologias utilizadas por Platão. Porém, a inovação aristotélica é o ordenamento das
formas de governo em dois blocos: as formas justas e as desviadas.
Segundo Bobbio (1985, p. 55), Aristóteles formulou sua teoria usando dois
critérios: “quem” governa e “como” governa. Sendo assim, o filósofo considerou que
as formas justas eram aquelas destinadas a sempre objetivar o bem comum da
sociedade, enquanto as derivações tinham como único e exclusivo objetivo atender
as demandas dos próprios governantes: da tirania, os interesses do tirano; da
oligarquia, os interesses do pequeno grupo que compõe o quadro de governo; e da
democracia, atender os desejos do povo – normalmente, de acordo com Aristóteles,
a vontade de expropriar os bens dos homens de posse.
34

É importante ressaltar que o uso do termo genérico “politeia” para se referir


ao governo justo da maioria causa uma nova confusão ao leitor em Ética a
Nicômaco, na passagem na qual Aristóteles volta a falar das formas de governo. Na
obra, o filósofo cita que há três constituições justas, a realeza, a aristocracia e a
timocracia, “chamada pela maioria apenas de politeia”. E os desvios seriam a tirania,
a oligarquia e a democracia, respectivamente. Aristóteles, portanto, utiliza para
designar o governo da maioria o mesmo termo empregado por Platão em outro
contexto (GALLO, 2013).
Segundo Bobbio (1985, p. 57), isso indica que apenas a monarquia e a
aristocracia, e seus desvios correspondentes (tirania e oligarquia), tinham uma
tipologia realmente definida na Antiguidade. A sugestão de Bobbio é que os autores
ainda não tinham encontrado um termo apropriado para se referir ao governo da
maioria. Além disso, Bobbio ressalta que, na Ética, Aristóteles também cria uma
qualificação mais direta das formas de governo, mostrando que o pior dos desvios é
a tirania, e o menos nocivo é a democracia.

4.3 Políbio
Apesar de Políbio não ser um filósofo e sim um historiador, cabe lembrar que
foi considerado o “pai” da teoria do governo misto (LEVORIN, 2001), analisando as
constituições em um período posterior, no século II a.C.. Era a época da gradual
dominação romana na Grécia.
Bobbio (1995) lembra que, para Políbio, a constituição adotada era o motivo
de êxito ou fracasso de uma sociedade. Sendo assim, seria importante escolher
corretamente a forma de governo a ser usada naquele Estado. Políbio, em sua obra,
explica que seu objetivo era estudar as causas e consequências de se escolher
determinada forma de governo para reger uma cidade (Hist., VI, I, 2).
Políbio adotou uma metodologia similar a de Aristóteles para tipificar as
constituições e identificou inicialmente a existência de seis formas de governo. As
formas simples seriam a realeza, a aristocracia e a democracia; enquanto os modos
degenerados correspondentes seriam, respectivamente, a tirania, a oligarquia e a
oclocracia (GALLO, 2013).
35

4.4 Cícero
Outro pensador que trabalhou a teoria das formas de governo foi o filósofo e
orador romano Marco Túlio Cícero – que viveu os turbulentos anos de guerra civil
entre Pompeu e Júlio Cesar, no primeiro século antes de Cristo. Ele se encarregou
de dar continuidade à análise do melhor sistema constitucional defendendo a
existência de três regimes políticos, a monarquia, a aristocracia e a democracia, e,
além disso, seus desvios respectivos (GALLO, 2013).
Logo, é de se observar que ele utiliza uma metodologia bastante semelhante
à dos outros pensadores da Antiguidade. A obra de Cícero, a exemplo do trabalho
de Platão, também foi escrita em forma de diálogo – no caso da passagem sobre as
formas de governo, é um diálogo entre os romanos Cipião e Lélio. A primeira
consideração importante a ser feita é que, para Cícero, toda comunidade é
propriedade de um povo. Contudo, povo não se trata de um aglomerado qualquer de
pessoas, mas sim um grupo numeroso de cidadãos em comum acordo de respeito
às leis e orientado ao bem comum (De Re Publica I, XXV, 39). Como essa
comunidade é propriedade do povo, ela precisa, na análise do pensador, ser
governada por um corpo deliberativo permanente, seja ele formado por um homem,
por um número seleto de cidadãos, ou por todo o corpo de cidadãos da cidade (I,
XXV, 41). Essa análise corrobora a afirmação de que a teoria das formas de governo
gira em torno de responder a pergunta de quantos indivíduos compõem o governo.
A tipologia empregada por Cícero é a mesma usada pelos filósofos gregos.
Assim, as formas simples de governo seriam a monarquia (regnum), a aristocracia
(optimatium) e o governo popular (civitas popularis).
Cícero também deixa claro, por meio de uma frase de Cipião, que a melhor
das constituições seria uma quarta forma, que comb ina elementos das três
anteriores (De Re Publica De Legibus, I, XXIX, 45). É, portanto, uma teoria que vai
na mesma direção do que já havia sido dito por Políbio. Isso ocorre porque Políbio
também analisou a constituição romana em sua obra, na qual era possível verificar
na prática a existência desse regime misto (GALLO, 2013).
Segundo Pinto (2003), a república de Cícero pode ser considerada quase-
democrática, pois Cícero parece estar dividido entre um governo dos melhores
visando o bem comum – representado pelo senado, de uma certa forma incapaz de
governar e uma profunda suspeita quanto às capacidades de virtude do homem
comum – o governo de todos para todos visando o bem comum.
36

A república de Cícero, aquela que visa o bem comum, mas só é governada


por alguns, pode-se definir/justificar em três pontos:
1º. Pessoas sensatas e conhecedoras devem governar. Já Platão aduzia
que o “povo” nunca é sensato. Os senadores são os mais sensatos.
2º. Os deveres específicos das funções dos magistrados exigem que seja
instituída uma longa formação que os prepare para o exercício desses deveres.
Parte desta formação ou educação, nomeadamente aquela que melhor se aprende
através de modelos, é obtida na família ou através de relações com os pares –
começa no nascimento. Isto implica uma continuidade de ancestralidade e de
geração e laços familiares fortes.
3º. A outra face da moeda é que a “igualdade de todas as coisas” se levada
a sério, é desastre social. Sem as estruturas múltiplas, desiguais nos corpos
intermediários, surge a anarquia e é mais fácil aos tiranos comandar as massas. Se
as instituições sociais não forem prevalecentes, diferenciadas e fortemente
estruturadas, há um colapso da vida social e a política controla tudo.
Há uma faceta de Cicero que não pode deixar de aparecer, o seu elitismo,
de certo modo é lamentável, pois neste aspecto o seu modo de pensar acaba por se
revelar frágil, ora, por tudo o que o “povo” possa ser, não se pode dizer que os
aristocratas, como classe, detêm preferencialmente a boa-fé (PINTO, 2003).

Para fixar...
PLATÃO COMENTÁRIO
FORMA DE GOVERNO
Aristocracia Governo bom e justo, único não considerado inferior.
Constituição adotada por Creta e Esparta, baseada na honra
Timocracia
guerreira.
Oligarquia Governo com incontáveis vícios.
Democracia Forma precedente à oligarquia.
Tirania Pior das formas de governo.

ARISTÓTELES COMENTÁRIO
FORMA DE GOVERNO
Realeza Governo de um homem, orientado para o bem comum.
Governo formado por poucos homens, orientado para o bem
Aristocracia
comum.
Politeia Governo da maioria, orientado para o bem comum.
37

Governo de um homem, cujo objetivo é beneficiar o próprio


Tirania
governante.
Governo formado por poucos homens, cujo objetivo é beneficiar o
Oligarquia
grupo no poder.
Governo da maioria, cujo objetivo é beneficiar as massas em
Democracia
detrimento das outras classes.

POLÍBIO COMENTÁRIO
FORMA DE GOVERNO
Realeza Primeira forma de governo, que surge naturalmente.
Tirania Forma degenerada associada à realeza.
Surge após a queda da tirania, distribuindo o poder para um grupo
Aristocracia
de pessoas.
Oligarquia Degeneração da aristocracia, cujo grupo busca o benefício próprio.
Resultado da evolução da oligarquia, deixando o poder nas mãos
Democracia
da maioria.
Degeneração da democracia, quando a turba passa a cuidar da
Oclocracia
vida política com ilegalidade.
Forma de governo que é uma junção da realeza, aristocracia e
Governo misto
democracia.

CÍCERO COMENTÁRIO
FORMA DE GOVERNO
Monarquia Autoridade suprema nas mãos de um governante.
Aristocracia Autoridade suprema imbuída a um grupo selecionado.
Governo popular Governo no qual as decisões dependem do povo.
Despotismo Degeneração da monarquia.
Oligarquia Degeneração da aristocracia.
Turba Degeneração do governo popular.
Forma de governo que é uma junção da monarquia, aristocracia e
Governo misto
governo popular.
Fonte: Gallo (2013).
38

UNIDADE 5 – SANTO AGOSTINHO E SANTO TOMÁS DE


AQUINO – FILOSOFIA POLÍTICA NA IDADE MEDIEVAL

A civilização romana foi, sem qualquer sombra de dúvida, de imensurável


importância para a configuração das sociedades atuais, notadamente as do
Ocidente, uma vez que a grande maioria dos institutos jurídicos e instituições
políticas e até mesmo culturais que conhecemos e cultivamos hodiernamente, têm
suas raízes na antiga sociedade romana (ALMEIDA, 2005).
Mas vamos para a Idade Medieval que os historiadores costumam demarcar
como o período que vai de aproximadamente de 476 com a queda do Império
romano até a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 1453.
Uma das características fundamentais do feudalismo, regime vigente nesta
época, é a reclusão e a autossuficiência dos feudos. As invasões bárbaras criavam
um grande clima de insegurança, e as pessoas buscavam a segurança dos muros
feudais.
O trabalho, naquele período, era predominantemente agrícola, e a terra tinha
um valor tão alto que era fator de prestígio econômico e social, determinante do
poder político.
Para utilizar a terra, os camponeses pagavam ao senhor feudal com parte de
sua produção, além de cultivar as terras deste e prestar-lhe serviços militares, em
caso de invasões ou ataques externos. As famílias camponesas produziam seus
próprios móveis, roupas, alimentos e, eventualmente, trocavam o excedente entre si.
Oprimidos pela estrutura do sistema feudal, os camponeses eram facilmente
manipulados pela Igreja Católica, que através da cobrança do dízimo, de doações
de terras e de jogadas políticas, tornou-se o maior e mais poderoso “senhor feudal”
do período. A Igreja controlava toda a produção teórica e filosófica do período
clássico, e manipulava a produção científica daquele tempo, publicando o que
convinha, e excomungando, julgando e queimando os pensadores divergentes. A
Igreja era, em verdade, quem mais lutava para conservar o modo de produção
feudal, na perspectiva de manter o seu poder político indefinidamente (ALMEIDA,
2005).
O período medieval foi chamado por muitos pesquisadores/historiadores, de
Idade das Trevas e havemos de concordar que a ideologia moralista da Igreja
Católica acabou por contribuir e reduzir a produção do pensamento humano, tanto
39

que toda a produção teórica acerca da política buscava a formulação de um sistema


de governo calcado na moral cristã.
É nesse período que encontramos Santo Agostinho (354-430), o qual
escreveu o livro ‘A Cidade de Deus’, em que afirmava que a cidade humana era
essencialmente imperfeita, e que aqueles que vivessem em conformidade com os
preceitos cristãos habitariam, após a morte, na Cidade de Deus, onde tudo era justo
e perfeito.
Em Santo Agostinho, observamos a inexistência de uma síntese filosófica
fora do contexto teológico. Ele considera a importância da filosofia, porém submete-
a como base secundária em relação à superioridade da revelação religiosa. Isto,
evidentemente, não implica em que Santo Agostinho não tenha se debruçado
seriamente nos estudos filosóficos. Em razão disso, familiarizou-se com o
pensamento da antiguidade, sobretudo com os neoplatônicos, neopitagóricos e
estóicos, com os epicureos e acadêmicos.
Além de Platão, conhecia as obras de Virgílio, Terêncio e Cícero, entre
muitos outros. Em suas linhas mestras considera-se, porém, que Santo Agostinho
fundamentou-se filosoficamente no pensamento socrático-platônico. O cristianismo,
de modo geral, buscou nesta escola filosófica respaldo para a sua visão de desprezo
do mundo, na qual sobressaem dualidades conflitantes (espírito e matéria, corpo e
alma, temporalidade e eternidade, Deus e Satanás, anjos e demônios, entre outros)
(CONCEIÇÃO, 2008).
Podemos dizer que ao Estado caberia, segundo Santo Agostinho e Santo
Tomas de Aquino, o papel de intimidação para que todos agissem corretamente.
Acredita-se que Santo Tomas de Aquino (1224/25 – 1274) nasceu no
Castelo de Roccasecca, próximo de Nápoles na Itália, sendo enviado aos cinco anos
para um mosteiro a fim de ser educado pelos beneditinos.
O pensamento filosófico de Santo Tomás tem a sua fonte ou origem em
Aristóteles. Muitos dos conceitos ou ideias que utiliza são aristotélicos. Os temas
mais importantes do ponto de vista filosófico são os seguintes: Teoria do
conhecimento, Metafísica e Ética.
Santo Tomás divide a filosofia em três grandes áreas: a filosofia natural que
trata da ordem das coisas da natureza e do ser real; a filosofia racional ou lógica que
tem por objeto o pensamento e a filosofia moral ou ética que estuda a moral e as
suas relações com o Estado, a política e a economia.
40

Tomás, que segue de perto Aristóteles, reconhece três formas de governo:


monarquia, aristocracia e república ou politeia. Essas formas legítimas dão origem
respectivamente a três formas desvirtuadas: tirania, oligarquia e democracia.
Convém esclarecer que democracia não tinha o mesmo sentido que hoje se lhe dá e
significava populismo ou demagogia. Em teoria, o regime preferido por S. Tomás era
a monarquia. Essa preferência assenta em três ordens de razão:
 teológica – porque se aproxima mais do governo do Mundo por Deus;
 filosófica – é o regime que mais se aproxima da natureza em que há uma
unidade e tudo regressa à unidade;
 histórica – o passado prova que o país onde não há rei vive da discórdia e
anda à deriva.
Acontece que o governo de um só, apesar de ser o melhor, pode degenerar
e desviar-se do seu fim. Por isso, a monarquia, teoricamente, pode ser o sistema
ideal, mas na prática é preferível o regime misto.
Regime misto – é o regime perfeito, bem combinado de monarquia pela
preferência de um só, de aristocracia pela multiplicidade de chefes virtuosamente
qualificados, de democracia ou poder popular pelo fato de que cidadãos simples
podem ser escolhidos como chefes e que a escolha dos chefes pertence ao povo
(S.T. I, II, q 105 a.1).
Do ponto de vista político, S. Tomás diz que pertence ao povo a escolha dos
governantes e a feitura das leis. E daí a fórmula que lhe é atribuída “Omnia potesta a
deo per populum” (todo o poder vem de Deus através do povo) Não admira que
Jacques Maritain considere a filosofia de S. Tomás como a primeira filosofia
autêntica da democracia.
Como diz Wolkmer (2001), Santo Tomás de Aquino foi um competente
pensador político, que ao seguir e trazer para o cristianismo as formulações
aristotélicas da natureza política do homem, discorre com profundidade sobre uma
teoria do poder, do Estado e do bem comum, uma teoria da natureza das leis, uma
teoria da resistência à injustiça e, por fim, uma teoria das formas de governo. Nesse
ponto, suas principais ideias políticas aparecem com destaque na monumental
Suma Teológica e no ensaio inacabado Do Reino ou do Governo dos Príncipes ao
Rei de Chipre.
Na verdade, sua obra é numerosa, mas a Suma Teológica (Summa
Theologica) expressa a sistematicidade de uma ciência filosófica e teológica, fonte
41

inspiradora de grande parte da Idade Média cristã e do início dos tempos modernos.
Com acuidade e rigor, trata metodologicamente de matérias como lógica, metafísica,
antropologia, ética, teologia e política (em que examina e expõe com riqueza de
conhecimento questões sobre a natureza das leis).
Santo Tomás constrói uma doutrina teológica do poder e do Estado.
Primeiramente, compreende que a natureza humana tem fins terrenos e necessita
de uma autoridade social. Se o poder em sua essência tem uma origem divina, é
captado e se realiza através da própria natureza do homem, capaz de seu exercício
e sua aplicação.
Certamente, tanto o poder temporal quanto o poder espiritual foram
instituídos por Deus. Deus é o criador da natureza humana e, como o Estado e a
Sociedade são coisas naturalmente necessárias, Deus é também o autor e a fonte
do poder do Estado. [...] o Estado não é uma necessidade do pecado original.
Enquanto o homem necessita do Estado, este deve servir a comunidade dos
cidadãos, promovendo a moralidade e o bem-estar públicos, efetivando sua plena
missão de incentivar uma vida verdadeiramente boa e virtuosa, e criando as
condições satisfatórias do bem-comum. Por consequência, os fins do Estado são
fins morais (o bem-estar de toda comunidade), sendo que os cidadãos estão
comprometidos com um fim temporal (representado pela autoridade estatal) e com
um fim espiritual (corporificado pela Igreja, que atua como instância maior). O poder
do Estado não fica subordinado de forma absoluta ao poder da Igreja (como
defendia Santo Agostinho), mas sim de modo relativo; a autoridade da Igreja é
superior em matéria espiritual (WOLKMER, 2001).
42

UNIDADE 6 – THOMAS MORUS E MAQUIAVEL – O


RENASCIMENTO

Podemos resumir o período medieval como aquele em que a vida era


essencialmente cíclica, contemplativa, estando de acordo com os preceitos
religiosos vigentes. Nesse ponto, temos a contraposição entre o ócio e sua negação,
o negócio. Essa diferença ia ocupar um papel de destaque no final da Idade Média,
compreendido no século XIV, quando os nascentes burgueses discutiriam com
alguns humanistas qual era a vida mais nobre a ser seguida. As cidades, apesar de
diminuídas durante a Idade Média, devido à intensa agricultura, permaneceram
vivas. Nelas predominava o trabalho corporativo. De fato, na sociedade medieval,
um indivíduo não podia ser compreendido fora da sua condição na esfera social. Foi
nos burgos ou cidades que o poder passou a mudar de mãos (DUCLÓS, 1998).
Segundo o mesmo autor, os humanistas passam a questionar o
teocentrismo, até então predominante. Acreditavam que o homem devia ser o centro
das investigações filosóficas por ele ser o único capaz de conhecer.
Por acharem que nessa época houve um retrocesso da humanidade, esses
‘humanistas’ voltaram aos modelos clássicos e começaram a colocar o homem como
centro das artes e das ciências. Era o homem dominando a natureza.
Esse período ficou conhecido como Renascimento e compreende o fim da
Idade Média e o início da Idade Moderna, entre os séculos XIV e XVI, mas ainda não
era o “moderno”, e sim um período de transição, embora alguns pensadores como
Foucault o considerem um período completo.
O que nos interessa nesse período é conhecer um pouco de Thomas Morus
e Nicolau Maquiavel para darmos continuidade ao desenvolvimento do nosso estudo
acerca da filosofia política ao longo dos tempos.

6.1 Thomas Morus


Inglês, diplomata, “homem das leis”, Thomas More ou Morus é considerado
um dos grandes humanistas do renascimento. Foi canonizado como mártir, daí ser
conhecido também como São Thomas Morus.
Em linhas gerais, foi condenado à pena capital por se negar a reconhecer
Henrique VIII como cabeça da Igreja da Inglaterra, sendo também por isso,
43

considerado pela Igreja Católica como modelo de fidelidade à Igreja e à própria


consciência, e representante da luta da liberdade individual contra o poder arbitrário.
Deixou vários escritos de profunda espiritualidade e de defesa do magistério
da Igreja. Mas, de interesse para nossos estudos temos a sua “Utopia”. Morus
apresentou em seu livro, um modelo de sociedade ideal, na qual havia justiça e
igualdade para todos os cidadãos, uma vez que viviam, naquela sociedade, de
acordo com a “Santa Fé Católica”. Entende-se comumente por utopia algo que não
seja realizável, longe da realidade experienciável, irreal.
Morus utilizou esse termo pela primeira vez e de maneira bem filosófica ao
relatar a organização social de uma ilha chamada pelo mesmo nome: Utopia. Depois
disso, esse termo passou a designar não só qualquer tentativa análoga, tanto
anterior, como posterior (como ‘A República de Platão’ ou ‘A cidade do Sol’, de
Campanella), mas também todo ideal político, social ou religioso de realização difícil
ou impossível.
Supõe-se que Thomas Morus, ficou tão maravilhado após ter lido uma carta
de Américo Vespúcio narrando sobre a ilha Fernando de Noronha (Brasil), que
escreveu as notícias de “um lugar que não existe”, isto no período renascentista, em
um momento em que o autor vivia um contexto social repleto de mudanças, como a
Reforma Religiosa (PAULA, 2008).
É muito comum encontrarmos para o termo utopia o significado de “fantasia,
ilusão, sonho e seu antônimo, o real” (POLITO, 2005). Entretanto, a Filosofia não
encerra simplesmente um assunto, nós podemos buscar na história a base para
fundamentar ideias complexas sobre utopia.
A Filosofia surge das ideias ao serem sistematizadas logicamente. Para
Paula (2008), utopia pode ser uma ideia que não requer sistematização, nem
necessita da lógica, mas tem o potencial de ser filosófica quando na perspectiva das
possibilidades.
O que é utopia então? Uma das hipóteses é que, para algumas pessoas,
trata-se de buscar o bom e o bem em comum ao homem. Procurar algo, planejar,
sonhar muitas vezes é fator motivador da existência para algumas pessoas (PAULA,
2008).
Duclós (1998) descreve que o sistema de “loteamento” do céu funcionava de
maneira tão forte na Idade Medieval e a autoridade dos eclesiásticos era de tal
forma exagerada, que esses abusos acabaram por gerar as reformas protestantes.
44

No livro ‘A Utopia’, percebemos o quanto a ironia de Morus ataca o luxo


desnecessário em que estava envolvida a Igreja. Na figura de Rafael Hitlodeu,
Morus mostra o quanto a massa de camponeses tem que trabalhar a mais para
sustentar aqueles que nada fazem, como é o caso de grande parte dos clérigos e
dos nobres. Na utopia de Morus, todos cumprem a sua parte para que a ilha tenha
superabundância de produção. Ainda no tocante à religião, os sacerdotes utopianos
tem verdadeira autoridade espiritual e o prazer é tido como um grande bem, que traz
a felicidade. O ascetismo na ilha é uma opção, mas pergunta Morus: se o objetivo do
asceta é melhorar a vida do mais próximo, porque não começar pela nossa própria
casa e melhorar nossa própria vida?
No entendimento de Miguel (2007), Morus talvez tenha sido o moralista mais
importante ao destacar uma sociedade em que o bem comum fosse a principal
preocupação; ele buscava resolver o principal problema do renascimento do Norte
referente ao individualismo desenfreado e a queda do interesse em comum. Morus,
ao criar sua utopia, tinha em mente um lugar em que problemas do seu próprio país
pudessem acabar: “As instituições da Utopia apresentam-se como soluções para
problemas que são os graves problemas ingleses indicados no inicio do livro: fome,
miséria, ociosidade, desigualdade”.
Problemas ainda hoje e como nunca, perseguidos, (ou que pelo menos
deveriam ser) pelos governantes.
Para Modelli (2012), o interessante é que Morus foi um radical justamente no
lugar em que a maioria dos seus contemporâneos optou por neutralizar suas
críticas: a nobreza. Ele leva a sério a crítica de que as virtudes do bem comum junto
com a crítica do individualismo criam uma sociedade justa: a desigualdade cria o
pecado de orgulho impedindo com que a verdadeira virtude possa ser alcançada.
Por isso é tão importante no seu esquema de sociedade que a propriedade não
exista e que a ostentação seja completamente renegada; tanto de roupas quanto de
ouro.
Morus inovou na teoria política por seguir os mesmos pressupostos, porém
com maior radicalidade:

O que é singular na Utopia de Morus é, simplesmente, que ele extrai as


consequências da sua descoberta com um rigor que nenhum de seus
contemporâneos igualou. Se a propriedade privada constitui a origem do
mal-estar em que vivemos, e se nossa ambição básica está em instituir uma
45

boa sociedade, parece inegável, a Morus, que a propriedade privada terá


que ser suprimida (SKINNER, 1996, p. 280).

6.2 Maquiavel
No século XVI, Maquiavel e a sua obra dão origem à modernidade política. A
sua preocupação era a criação de um governo eficaz que unificasse e secularizasse
a Itália.
De Aristóteles e Cícero, Bonavides (2009) nos apresenta Maquiavel, o
secretário florentino, que tanto se imortalizou na ciência política, e que abre o
capítulo primeiro de O Príncipe, sua obra-prima, com aquela afirmativa de que
“todos os Estados, todos os domínios que exerceram e exercem poder sobre os
homens, foram e são ou Repúblicas ou Principados”.
Nicolau Maquiavel (1469-1527) é um dos mais importantes pensadores de
todos os tempos, especialmente para o campo da política, por um motivo bastante
simples: ele foi o primeiro a dissociar a política da moral.
A inovação de Maquiavel foi a tentativa de ver o mundo como ele é e não
como ele deveria ser:

Não importa como seria o mundo justo, e sim o mundo concreto (...) Ele
mudou a forma de refletir sobre a política porque mudou o local para onde
deveria ser dirigido o olhar: em vez das normas morais, das sagradas
escrituras ou dos sistemas éticos, o jogo de relações dos poderes (MIGUEL,
2007, p. 59).

Isso levou muitos a considerar Maquiavel como um escritor sem ética e a


favor da monarquia; perspectiva que merece ser criticada para situar melhor a
inovação de Maquiavel para a teoria política. Apesar de ter outros livros como
“Discursos sobre a segunda década de Titio Lívio”, vamos nos centrar no “O
Príncipe”, já que o primeiro tem um caráter claramente republicano e se vê a
necessidade de destacar no próprio O Príncipe uma leitura ética e republicana.
Nas críticas, Modelli (2012) coloca como primeiro ponto que se deve
ressaltar é o contexto violento e de dominação de déspotas em que Maquiavel vivia:
até que ponto “O Príncipe” não é um livro escrito na necessidade de unificar o país e
manter a paz? O republicanismo seria um segundo passo num país já pacificado.
O verdadeiro príncipe de Maquiavel, aquele que está capacitado a alcançar
a glória, não age em benefício próprio, mas pelo bem do estado (MIGUEL, 2007, p.
47).
46

Skinner chega a conceder a interpretações tradicionais de Maquiavel em que


o autor tem: “Um tom conscientemente frio e amoral” (SKINNER, 1996, p. 157). No
entanto, o autor florentino no fundo da sua teoria ética deseja o mesmo que seus
contemporâneos: a paz e a conquista da glória.
O problema principal do autor florentino é que ao destacar o papel da
violência, ele percebe que não serão os sistemas éticos tradicionais que permitiram
tais objetivos. Em um contexto de violência e guiado por uma antropologia negativa
do comportamento humano, a ética de Maquiavel tem um significado específico: a
exortação patriótica de um homem que deseja a unificação de seu país como
mostrado no capítulo XXVI do O Príncipe.
Maquiavel defende a dominação da fortuna como os humanistas clássicos e
tem no seu rol de objetivos a glória, a fama e a honra. Porém, ele se sente
condicionado pelo meio em que vive e seu pessimismo antropológico para dizer que
para tal formulação de valores tradicionais não é suficiente. Pode-se formular até
mesmo que existe um republicanismo velado no “O Príncipe”:

Maquiavel é um republicano e patriota que admira a ideia de um estado


livre, porém – a fim de alcançá-lo – constrói em O Príncipe a figura de um
ditador de transição – do príncipe novo – capaz de unificar sua pátria, dotá-
la de leis justas e preparar o porvir republicano (SOARES, 2011, p.119).

A figura do ditador vem da antiguidade clássica e é inspirada em um homem


que em tempo de emergência poderia por lei usar o poder sozinho para solucionar o
problema; talvez da mesma forma como Maquiavel desejava que o príncipe
solucionasse os problemas de guerras em seu país:

Maquiavel é um fomentador do governo da lei, mas percebe que, em


situações extremas, quando a república tem de perpetuar a sua própria
sobrevivência, os remédios tem que ser extremos e, portanto, recorre-se à
ditadura (SOARES, 2011, p.108).

A principal contribuição de Maquiavel está na sua originalidade com a


quebra dos valores éticos tradicionais e, principalmente, com a mudança de foco no
seu estudo: o problema do olhar está nas relações de poderes para o autor
florentino. O que não quer dizer que ele tenha se tornado um homem amoral, mas
que sim, ele tenha limitado o otimismo humanista tradicional dos quatrocentos. O
homem ainda deveria conquistar a virtude e o republicanismo, desde que limitado
47

por uma antropologia negativa do ser humano e a condição natural da violência nos
jogos políticos (MODELLI, 2012).
Almeida (2005) também entende que a característica mais marcante da obra
maquiaveliana reside justamente no fato de que Maquiavel, ao pensar e escrever
sobre política, rejeitou completamente o idealismo dos clássicos e rompeu
definitivamente com a velha moral católica.
Enquanto Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Thomas Morus, por
exemplo, procuraram estabelecer as características de um Estado ideal, Maquiavel
seguiu no sentido oposto: ao invés de se preocupar com o que o Estado deveria ser,
procurou desenvolver uma teoria a partir do que o Estado era de fato.
O pensamento maquiaveliano se baseia na análise da história, uma vez que
Maquiavel procurou aprender com as ações dos grandes homens nos grandes
momentos da história, bem como na psicologia, já que quis compreender a natureza
do homem na história, e como este se comportou ao longo dela.
Essa “análise retrospectiva” dos fatos históricos levou Maquiavel à
constatação de que, ao longo de toda ela, os homens mostraram-se sempre os
mesmos: ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos por lucro. Por essa
razão, um governante (“príncipe”, na terminologia maquiaveliana) que pretendesse
comandar o Estado deveria possuir duas características imprescindíveis: força e
inteligência. A primeira, para conquistar o poder; a Segunda, para mantê-lo
(ALMEIDA, 2005).
Os expedientes utilizados pelo príncipe para a manutenção da ordem no
Estado, ao contrário do que haviam preconizado todos os pensadores anteriores a
Maquiavel, não deveriam ser previstos em nenhuma lei ou norma moral; ao
contrário, era cada situação que determinaria o que seria certo ou errado, moral ou
imoral, bom ou mal. Maquiavel inaugura, assim, a “moral de circunstância”, que era
completamente avessa à velha moral católica.
Por conta disso, até os tempos atuais vemos o uso do termo “maquiavélico”
para designar as pessoas malevolentes, astutas e impiedosas: a própria Igreja
incumbiu-se de conspurcar a imagem de Maquiavel, pelo fato deste ir de encontro a
seus interesses (ALMEIDA, 2005).
Para Maquiavel, toda sociedade poderia passar por três estados: (“estado”
com letra minúscula, querendo significar “situação”): anarquia, principado e
república. A Itália, naquele momento, estava gravada pela anarquia; precisava de
48

um príncipe virtuoso, que reorganizasse e unificasse o Estado Italiano, e depois


deixasse o governo e instaurasse a República.
Pelo fato de ter atribuído ao estudo da política um caráter de independência,
Maquiavel é considerado por muitos o “Pai da Ciência Política”, embora esta
somente tenha se firmado efetivamente como a concebemos hoje, a partir do século
XIX (ALMEIDA, 2005).
Maquiavel também introduziu um método comparativo-histórico, fazendo
comparação entre dirigentes da sua época e de épocas anteriores através de
exemplos. Introduziu, também, e reforçou a importância do Estado e da Instituição
Estatal (PEREIRA, JUNIOR, 2008).
Duclós (1998) aponta muitas diferenças entre Morus e Maquiavel no campo
de vista político e social. Vejamos algumas delas:
 Maquiavel, por exemplo, considerava o homem mau por natureza, como já foi
dito. Morus não compartilha essa crença. Para ele, o homem é capaz do
verdadeiro bem e de uma vida com virtudes, desde que seja submetido à
educação de leis e costumes justos;
 para Morus, a Mãe natureza ama a todos por igual, e deseja ela igual bem
estar para todos. A terra é mais que suficiente para garantir o sustento de
todos, e eliminando a mesquinharia, as disputas e desavenças tão comuns na
Itália de Maquiavel, somem por completo. Maquiavel enobrecia a arte da
guerra ao máximo, enquanto Morus procura evitá-la a todo custo;
 Maquiavel aceitava conselheiros sábios do lado do príncipe, Morus achava
inútil reunir conselheiros e advogados ao redor de si;
 Morus era contra qualquer tipo de crueldade e vício humanos, inclusive a
caça, admirada por Platão, abolida de Utopia. A função de matar animais
nessa ilha é relegada a escravos.
O fato de haver essa brusca desigualdade social numa sociedade
pretensamente ideal, dá margem a críticas. Mas devemos lembrar que os Utopianos
são muito nacionalistas, e preferem qualquer um dos seus ao maior dos reis
estrangeiros. Os escravos geralmente são estrangeiros ou criminosos, e muitas
vezes sua ocupação é dignificada. O fato de haver um príncipe em Utopia está muito
mais ligado à necessidade de um controle interno, pois mesmo numa perfeita
organização é natural alguns quererem escapar das leis. E mesmo o príncipe se
chama Ademos, ou seja, sem povo.
49

Quanto à semelhança mais importante aos dois, Miguel (2007, p. 62) cita o
papel de criação humana: “Já se encontra, aí, um insuspeito ponto de contato entre
o realismo de Maquiavel e o utopismo: para ambos, o mundo social é aquilo que
seus habitantes fazem dele”.
Seguindo a tradição humanista dos quatrocentos, ambos têm muito a dizer
sobre o papel humano na criação de uma boa sociedade. Seja na perspectiva do
Maquiavel em criticar os espelhos do príncipe na sua visão claramente cristã de
virtude em oposição a um olhar do autor florentino, realista das relações de poderes
e, por outro lado, a força de Morus em enxergar nos próprios humanos a capacidade
de criar uma sociedade perfeita sem a ação direta de deus (MODELLI, 2012).
Maquiavel criticou as ideias cristãs em oposição a uma vida política que era
violenta. No entanto, ele manteve as preocupações dos seus contemporâneos: a
busca da virtude, da fama e da glória. Morus criticou a falta de consequência no
pensamento dos seus contemporâneos: ele levou até o fim a ideia de que o bem
comum decaia por causa da propriedade e da nobreza.
Ele criou uma sociedade sem classes e sem ostentação porque assim ele
possibilitaria a verdadeira nobreza: a virtude. Morus e Maquiavel têm com o
humanismo dos quatrocentos uma herança sobre a capacidade humana de moldar
seu futuro contra um acaso destruidor; a utopia é feita por homens e a república de
Maquiavel pelo príncipe. As ressalvas de radicalismo no caráter de violência e no
idealismo da utopia podem ser relativizadas: Maquiavel era um republicano em
busca de paz e Morus simplesmente levou a consequência final algo já dito na sua
época pelos seus contemporâneos.
50

REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS BÁSICAS
AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. São Paulo: Editora Globo, 2008.
BONAVIDES, Paulo. Ciências políticas. São Paulo: Malheiros, 2009.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ABCP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA (2013). Disponível em:
http://www.cienciapolitica.org.br/areas-tematicas/teoria-politica/
ALMEIDA FILHO, Agassiz; BARROS, Vinícius Soares de Campos (orgs). Novo
manual de ciência política. São Paulo: Malheiros, 2013.
ALMEIDA, Rodrigo Andrade de. Panorama histórico da filosofia política, da
antiguidade ao período pós-revolucionário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10,
n. 835, 16 out. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7417
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BOBBIO, N. (org.) Dicionário de Política. 2 vols. Brasília: Ed. UnB, 1993.
BOBBIO, N. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos.
Organizado por Michelângelo Bovero. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 4 ed. Brasília: editora UnB,
1985.
BUENO, Roberto. Manual de Ciência Política. V.1. Belo Horizonte: Editora Del Rey,
2001.
BUNGE, Mario Augusto. Epistemologia: curso de atualização. 2 ed. São Paulo: T. A.
Queiroz , Univ. de São Paulo, 1980.
CELETI, Filipe Rangel. Filosofia política (2011). Disponível em:
http://www.mundoeducacao.com/filosofia/filosofia-politica.htm
COLLINS, Mark Ian. A filosofia moral e política na utopia de Thomas Morus.
Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2010.
COLLINSON, Diané. 50 grandes filósofos: da Grécia antiga ao século XX. Tradução
Maurício Waldman e Bia Costa. 3 ed. São Paulo: contexto, 2006.
CONCEIÇÃO, Gilmar Henrique da. A filosofia política de Santo Agostinho: algumas
aproximações. Tempo da Ciência (15) 30: 89-106, 2º semestre 2008. Disponível em:
file:///C:/Users/Usuario/Downloads/1984-7167-1-PB.pdf
51

DE CICCO, Cláudio; Alvaro de Azevedo Gonzaga. Ciência Política e Teoria Geral do


Estado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
DIAS, Reinaldo. Ciência política. São Paulo: Atlas, 2008.
DUARTE, Marcos. Breve Ensaio sobre a Biopolítica de Foucault. São Paulo: Max
Limonad, 2014.
DUCLÓS, Miguel. Thomas More e Maquiavel: teoria social e política no
Renascimento (1998). Disponível em:
http://www.consciencia.org/maquiavel_more.shtml
FARIAS NETO, Pedro Sabino. Ciência política: enfoque integral avançado. São
Paulo: Atlas, 2011.
FERES JUNIOR, João. Aprendendo com os erros dos outros: o que a história da
ciência política americana tem para nos contar. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2000,
n.15, pp. 97-110. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n15/a07n15.pdf
FERES JUNIOR, João; POGREBINSCHI, Thamy. Teoria política contemporânea.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
FERRARI, Pedro. A dinâmica da pesquisa na área de filosofia e educação no
programa de pós-graduação em educação da FE/Unicamp: teses de doutoramento
defendidas no grupo de estudos e pesquisas em filosofia e educação paidéia (1985
– 2002). Campinas-SP: Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas, 2008.
FERREIRA, Lier Pires; GUANABARA, Ricardo; Valdimyr Lombardo (orgs.). Curso de
ciência política: grandes autores do pensamento político e contemporâneo. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. Lisboa: Edições 70, 2008.
GALLO, Rodrigo Fernando. A teoria das formas de governo na Antiguidade. RÓNAI:
revista de estudos clássicos e tradutórios – 2013 V1. N2. Disponível em:
http://www.ufjf.br/revistaronai/files/2014/04/Rodrigo.pdf
GAMA, Ricardo Rodrigues. Ciência política. Curitiba: LZN, 2005.
HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Tradução, apresentação e notas de Renato Janine
Ribeiro. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LEVORIN, Paulo. A república dos antigos e a república dos modernos. São Paulo:
USP, 2001.
MAAR, Wolfgang Leo. O que é política. São Paulo: Brasiliense, 2001. Coleção
Primeiros Passos.
52

MADJAROF, Rosana. Platão: política, academia e religião (1997). Disponível em:


http://www.mundodafilosofia.com.br/page5b.html
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Tradução de Lívio Xavier; Prefácio de Isaiah Berlin. São
Paulo: Ediouro, 2002.
MIGUEL, Luis Felipe. O nascimento da Política Moderna. Brasília: Editora
Universidade de Brasília: Finatec, 2007.
MODELLI, Fernando dos Santos. Maquiavel e Morus: inovações e contextos (2012).
Disponível em:
http://revistatempodeconquista.com.br/documents/RTC12/FERNANDOMODELLI.pdf
MORE, Thomas. A utopia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
MOREIRA, Adriano. Ciência política. Coimbra: Almedina, 2014.
PAES, Maycon Renato Silva; MOROSSINI, Miriam. A construção do campo ciêntifico
da ciência política no Brasil (2013). Disponível em:
http://www.forumcienciapolitica.com.br/edicoesanteriores/2013/especific_files/papers
/6N46.pdf
PAULA, Carla Silene Oliveira de. A evolução da Utopia (2008). Disponível em:
http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/edicoes/25/imprime97876.asp
PAULA, Jónatas Luiz Moreira de. Ciência política: Estado e Justiça. Leme (SP): J H
Mizuno, 2007.
PEREIRA JUNIOR, Alfredo. Ciência Política (2008). Disponível em:
www.ibb.unesp.br/Home/Departamentos/Educacao/Ciencia_Politica.ppt
PINTO, Leonor Ramires. O pensamento político de Cícero (2003). Disponível em:
http://duckfeet.planetaclix.pt/2semestre/pdf/Cicero.pdf
POLITO, André Guilherme. Dicionário de sinônimos e antônimos. São Paulo:
Melhoramentos, 2005.
SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de
virtù. In: WEFFORT, Francisco C (org.). Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes,
Locke, Montesquieu, Rousseau, “o federalista”. São Paulo: Atlas, 2003.
SÁNCHEZ GAMBOA, Sílvio. Fundamentos para la investigación educativa:
pressupostos epistemológicos que orientam al investigador. Santa Fé de Bogotá:
Cooperativa Editorial Magisterio, 1998.
SCHMITTER, Philippe C. Reflexões sobre o conceito de Política. módulo I do Curso
Introdutório à Ciência Política da Universidade de Brasília, mimeografado, 2001.
53

SILVA, Marcos Antônio Duarte. A ciência política e a forma do estado. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 128, set 2014. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15202
SILVA, Michel Goulart da. Ensaios de teoria política. Clube de autores, 2013.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
SOARES, Vinicius. 10 lições sobre Maquiavel. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
SOUZA, Nelson Rozário de. Fundamentos da ciência política. Curitiba: IESDE Brasil,
2010.
TOCQUEVILLE, A. de. A Democracia na América. Tradução de Eduardo Brandão;
Prefácio de François Furet. 2 vols. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VITA, Álvaro de; BORON, Atilio A. (Orgs.) Teoria e filosofia política. São Paulo:
EDUSP; Buenos Aires: Claeso, 2004.
WEBER, M. A instituição estatal racional e os partidos políticos e parlamentos
modernos (Sociologia do Estado). In: _____ Economia e Sociedade. Vol. 2. Brasília:
Ed. UnB, 1992.
WEFFORT, Francisco C (org.). Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke,
Montesquieu, Rousseau, “o federalista”. São Paulo: Atlas, 2003.
WOLKMER, Antonio Carlos. O pensamento político medieval: Santo Agostinho e
Santo Tomás de Aquino. Revista crítica jurídica, n. 19. 2001. Disponível em:
http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/critica/cont/19/teo/teo2.pdf
Sites interessantes:
http://www.revistas.usp.br/cefp/issue/view/6778/showToc
http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/
https://sites.google.com/site/filosofiapopular/filosofia-politica-e-educacao
http://criticanarede.com/politica.html
http://www.infoescola.com/filosofia/filosofia-politica/
http://www.portalconscienciapolitica.com.br/ci%C3%AAncia-politica/
http://www.portalconscienciapolitica.com.br/ciber-democracia/
http://www.ime.usp.br/~rvicente/IntroTeoriaDosJogos.pdf
http://www.ceap.br/material/MAT1911201200802.pdf

Você também pode gostar