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XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ESPAÇO ESCOLAR:


UMA PROPOSTA PARA VALORIZAR AS AULAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA
Luci Ana Besminoff Roman 1

Resumo: O presente artigo tem por finalidade propor atividades para alunos do Ensino
Fundamental, valorizando a variação linguística. Para isso, duas crônicas de Luis Fernando
Verissimo, que com frequência apresentam usos de variedades distintas, são analisadas para
elaboração desta proposta. Para a abordagem do tema, são utilizados conceitos de William
Labov, Carlos Alberto Faraco e Marcos Bagno. Uma nova perspectiva de ensino da variação
linguística, em concordância com a disciplina de Língua Portuguesa, que deve propiciar aos
alunos o acesso a formas linguísticas mais prestigiadas, provocando no educando uma reflexão
crítica sobre o uso da língua nos diferentes contextos sociais. A escola deve orientar os
estudantes sobre as culturas dominantes e a prevalência da mesma em grupos sociais com maior
prestígio. Ao mesmo tempo, ponderar que as variedades linguísticas com menor conceito,
geralmente, estão associadas a reações sociais preconceituosas.

Palavras-chave: Variação Linguística. Ensino. Língua Portuguesa.

1. Introdução

Segundo o Livro Linguística Histórica (FARACO, 1991), as línguas mudam com o


passar dos anos. Os falantes geralmente não têm consciência de que essas mudanças
ocorrem. Só conseguem se dar conta quando, por exemplo, convivem com pessoas bem
mais jovens ou bem mais velhas ou interagem com falantes de classes sociais excluídas da
experiência escolar ou sentem dificuldade de comunicação ou mesmo de escrita. A escrita
se diferencia da fala, pois a língua escrita é mais conservadora que a língua falada. As
atividades escritas, em sua maioria, estão ligadas a contextos sociais marcados pela
formalidade, e os estudos sociolinguísticos mostram que há uma forte correlação entre
situações formais e o uso preferencial de formas linguística mais conservadoras, por isso o
falante, para satisfazer as expectativas sociais, procura evitar nesses contextos formas com
maior prestígio social.
Essas evidências entram no estudo das variações linguísticas, que têm sido fonte de
pesquisa por vários teóricos, entretanto não há tanta preocupação com atividades sobre
variação linguística no espaço escolar. É necessário considerar que a sala de aula é um
dos melhores lugares para trabalhar atividades que conduzam os estudantes as diferenças
entre a norma culta e outras variedades da língua, fazendo com que criem uma consciência
crítica sobre a importância de ter acesso às variedades linguísticas com maior prestígio
1
Mestranda em Letras – Uniritter-Centro Universitário Ritter dos Reis - E-mail:
luciroman2010@hotmail.com

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social. O professor de Língua Portuguesa deve permitir aos educandos uma reflexão sobre
outras maneiras de falar e escrever. O aluno necessita perceber que, quando fala, deve
adequar o seu discurso ao público, isso é deveras importante para que desenvolvam sua
competência linguística. O ensino de Língua Portuguesa deve conduzir o aluno à
compreensão da sociedade, saber o que ela espera dele linguisticamente.
Este artigo tem como objetivo central propor atividades voltadas para alunos do
Ensino Fundamental, valorizando a variação linguística. Para tal finalidade, são abordadas
aspectos de teorias sobre Variação Linguística, Variação e ensino. O artigo também
apresenta uma análise de duas crônicas do escritor Luis Fernando Verissimo. Essas
crônicas tornam a leitura prazerosa, porque são espirituosas e trazem fatos do cotidiano,
assim especiais para abordagem de questões a respeito de variedade linguística na escola.
Por sua vez, Luis Fernando Verissimo é um escritor prolífero, possui vários livros de contos,
crônicas e romances. “Pronomes” e “Aí, Galera” foram escolhidas para essa apreciação,
considerando a variedade linguística nelas presentes e situações diárias que envolvem
fatores sociais de relevância para este estudo. Quanto à metodologia a ser empregada, a
proposta seria ler as crônicas em aula para os alunos, fazendo com que os estudantes
observem as distintas variedades da língua. O professor deve explicar o que é variedade
linguística, fazendo o aluno perceber a importância de usar uma ou outra variedade.
Também, mostrar para o estudante que a adequação de seu discurso ao contexto é
fundamental.

2. Conceitos teóricos sobre variação linguística

Falar em variação significa dizer que a língua é heterogênea, múltipla e inconstante. A


língua é empregada por seres humanos que vivem em sociedade, que é constituída por
distintos grupos sociais, que sofrem transformações e conflitos constantes. Pensando em
termos de Brasil, é possível verificar uma diversidade linguística imensa, por isso que
existem diferenças de sexo, de classes sociais, de faixas etárias, graus de escolaridade e
diferentes orientações políticas etc. Então, não seria possível uma língua homogênea.
José Saramago (2004) diz que “Quase me apetece dizer que não há uma língua
portuguesa, há línguas em português.”
De acordo com Faraco (1991), os grupos de falantes socioeconômicos mais
elevados, normalmente não são os iniciadores de processos de mudança, já que acreditam
que as formas inovadoras são negativas, erradas, incorretas e feias. Os grupos
implementadores de mudanças têm geralmente baixo prestígio social e sua fala, aquilo que
nela é inovação costuma ser marcada de forma negativa pelos grupos econômico, social,
culturalmente mais privilegiados. De tal maneira, só com quebra desse estigma é que as
formas inovadoras adquirem condições de se expandirem para outras variedades de língua.

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Uma comunidade pode desencadear um processo de mudança para marcar sua diferença
em relação a grupos falantes de outras.
William Labov é criador da teoria da variação. Na ilha de Martha’s Vineyard
(costa do Estado de Massachutes, EUA), Labov observou os falantes na utilização dos
ditongos /ay/ e /aw/, em especial falantes que têm uma atitude positiva em relação à ilha.
Nos anos 60, Labov mostrou a existência de uma clara correlação entre atitude positiva com
a ilha e a pronúncia centralizada dos ditongos: os jovens, por exemplo, com plano de
deixarem a ilha centralizavam menos que aqueles que planejam permanecer. Pode ser
observado que a mudança linguística está associada a valores sociais que podem bloquear
retardar ou acelerar sua expansão de uma para outra variedade da língua. A proposição de
Labov tem como finalidade descrever a língua e seus determinantes sociais e linguísticos,
observando o seu uso variável . Sua teoria opõe-se as dos linguistas estruturalistas e
gerativistas, que excluíam os aspectos variáveis e sociais da língua. Sua suposição básica
da teoria da variação linguística é que a heterogeneidade, ou variação, é inerente a todo
sistema linguístico e não é aleatória, mas ordenada por restrições linguísticas e
extralinguísticas. E são estas restrições que levam o falante a usar certas formas e não
outras quando faz uso da língua falada.
Segundo Faraco (2007), cada variedade é decorrência das particularidades
das experiências históricas e socioculturais do grupo que usa a língua: como ele se
constitui como é sua posição na estrutura socioeconômica, como esse grupo se constitui
socialmente, quais seus valores e visão de mundo, quais suas possibilidades de acesso à
escola, aos meios de informação, e assim por diante. A proposição da variação foca a
relação de língua e sociedade, analisando a variedade decorrente dos fatores internos,
próprios do sistema linguístico e dos fatores sociais que interagem no ato da comunicação.
A variação da língua constitui, portanto, um dado relevante da teoria e da descrição
sociolinguística. Faraco afirma que a diferença de valoração das variedades se cria
socialmente: algumas variedades, por razões políticas, sociais e culturais, adquirem uma
marca de maior prestígio que outras.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, as variedades do interior do estado não
possuem prestígio social, sendo que somente algumas variedades urbanas é que têm valor.
As variedades bem-conceituadas representam um ideal cultivado pela elite intelectual.
Essas formas mais prestigiadas são cobradas na escrita, pois é um dever das escolas
ensinarem a norma culta da língua. O português que é falado no Norte do país não é o
mesmo falado no Sul, pois o princípio fundamental da língua é a comunicação, sendo
compreensível que o homem crie várias formas para estabelecer este diálogo em seu grupo
social. A linguística atual revela que a língua não é homogênea e deve ser entendida
justamente pela diversidade.
Levar a refletir sobre as diversidades linguísticas é papel do professor de Língua
Português. Para isto, o docente precisa ter formação adequada a respeito da concepção de
língua. Em suas aulas, deve incorporar a análise linguística e possibilitar ao aluno uma
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reflexão a propósito dos usos das diversas variedades. A escola deve orientar os
estudantes sobre as culturas dominantes e a prevalência da mesma em grupos sociais com
maior prestígio.

3. Variação linguística e ensino

Os estudos sobre variação linguística e ensino são recentes, pois só a partir de 1997,
quando o Ministério da Educação publicou uma coleção de documentos intitulados
Parâmetros Curriculares Nacionais, é que algumas disciplinas foram contempladas e
começaram a surgir expressões que definiam essa mudança: letramento, gênero
discursivo, coesão e coerência, variação linguística, intertextualidade etc. Bagno(2002)
sustenta que são poucos os títulos que abordam especificamente a variação linguística no
ensino. O resultado disso é que a variedade linguística sempre fica em segundo plano na
prática docente ou é abordada de maneira insuficiente, superficial, quando não distorcida.
Então, para que a variação linguística seja valorizada em sala de aula, é preciso vencer a
resistência das pessoas apegadas às concepções antigas e às práticas convencionais de
ensino.
Os alunos, ao chegarem às escolas, já sabem a língua. Levando em consideração
esse pressuposto, a disciplina de Língua Portuguesa deve dar enfoque para o fator
comunicativo da língua, com atividades que utilizem suas formas orais e escritas,
despertando uma reflexão sobre o seu uso nos diferentes contextos sociais. Desta forma, o
professor de Língua Portuguesa deve levar o aluno a utilizar-se de formas com maior
prestígio da língua. Para isso, o docente precisa ter conhecimento das teorias da variação
linguística e do funcionamento da língua, com a finalidade de possibilitar aos estudantes um
discernimento sobre uso da língua, que vai além das regras gramaticais.
Segundo Faraco (2007), o estudante tem de acostumar-se a submeter à crítica
rigorosa e constante dos juízos sociais sobre a língua, procurando se livrar dos
preconceitos e respaldando sempre suas próprias afirmações com dados empíricos. Em
linguística, uma das maneiras de fazer isso é acostumar-se a ver a língua como um fato
heterogêneo, buscando compreender as bases dessa heterogeneidade, assim como é
justamente a variedade da língua no espaço geográfico, na estrutura social e no tempo uma
das realidades que mais reações sociais preconceituosas gera.
Ainda conforme Faraco (2007), os professores de português e pesquisadores da
língua têm feito críticas ao do ensino tradicional de português. Houve e continua havendo
esforços para construir alternativas a esse ensino. Não obstante, o quadro pedagógico tem
mudado pouco. Talvez porque ainda não tenhamos conseguido disseminar uma crítica
radical ao normativo e à gramatiquice. Essa não é uma tarefa fácil, porque o normativismo
e o gramatiques não são concepções e atitudes ligadas à língua e a seu ensino. Pelo seu
caráter conservador, impositivo e excludente, o normativismo e o gramatiques são parte

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intrínseca de todo um conjunto de conceitos, atitudes e valores fundamental e


profundamente marcados pela divisão social. Nesse sentido, o ensino da Língua não está
separado da sociedade; agir para mudar é também agir para transformar a sociedade. Não
cabe, no ensino do português, apenas agir no sentido de os alunos ampliarem seu domínio
em relação a atividades de fala e escrita. Junto com esse trabalho, é necessário realizar
sempre uma ação reflexiva sobre a própria língua, integrando as atividades verbais e o
refletir sobre elas.
Carlos Alberto Faraco, Marcos Bagno e Ricardo-Bortoni estudam a relação entre
variação linguística e escola. Eles apontam que a escola é conduzida para ensinar a língua
da cultura dominante, tudo o que se afasta dela é incorreto e deve ser eliminado. Os alunos
que chegam à escola falando “nóis fomo” ou “a gente fomos”, por exemplo, têm de ser
respeitado e o professor deve ensinar que a língua possui variedades linguísticas e essas
devem ser valorizadas. No entanto,eles têm o direito de aprender as variantes de maior
prestígio, não podendo ser negado a esses alunos o conhecimento dessas normas. Como
vimos não se trata, portanto, de substituir uma variedade por outra, mas reconhecer as
outras variedades expressivas e conseguir diminuir as atitudes preconceituosas resultantes
de se considerar a variedade culta como única, correta. Uma possibilidade de fazer isso
seria com o uso de crônicas de Luís Fernando Verissimo.

4. Análise de crônicas de Luis Fernando Verissimo

De acordo com Bortoni-Ricardo (2005), a estratégia do professor deve incluir dois


componentes: a identificação da diferença e a conscientização da diferença. A identificação
muitas vezes fica prejudicada pela falta de atenção ou pelo desconhecimento da regra. A
conscientização provoca mais dificuldades que a identificação, porque é preciso
conscientizar o aluno quanto às diferenças para que ele possa começar a observar seu
próprio estilo, contudo esta conscientização tem de dar-se sem prejuízo do processo de
ensino-aprendizagem.
As variações linguísticas podem ser trabalhadas no espaço escolar, por meio de
atividades que enriqueçam as aulas de Língua Portuguesa, por isso as crônicas de Luis
Fernando Verissimo contribuem para essa proposta. De acordo com o Dicionário
Aurélio(2003), crônica é uma narrativa histórica que exibe os fatos seguindo uma ordem
cronológica. A palavra crônica deriva do grego “chronos” que significa “tempo”. Nos jornais
e revistas, a crônica é uma narração curta escrita pelo mesmo autor e publicada em uma
seção habitual do periódico, na qual são relatados fatos do cotidiano e outros assuntos
relacionados à arte, esporte, ciência, linguagem etc. Os textos são curtos de linguagem
simples, contém um conteúdo humorístico, capaz de fazer o educando se divertir e
entender que existem reações preconceituosas a respeito da fala em determinados
contextos sociais. Por meio desses textos é possível fazer o estudante refletir sobre o uso

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das línguas e suas variações, compreender a língua como heterogênea, identificar os


contextos sociais e as adequações necessárias a ele e, principalmente, distinguir a língua
escrita da falada. Consequentemente, essa proposta por meio de crônicas visa levar os
estudantes a perceberem o uso da língua materna e as modalidades na sua forma oral e
escrita, apresentando um ensino eficaz de variações da língua. Como exemplo ou
possibilidade, apresentam-se dois textos em anexo, I e II, os quais são apreciados com o
intento de mostrar a diversidade linguística e o preconceito linguístico que ocorre em
situações diversas.
Distinguir grupos sociais a partir de ideias preconcebidas, os estereótipos
sociais são comuns em nossa sociedade. Estereótipo significa “impressão sólida”, ou seja,
fazer generalizações sobre o comportamento ou características de outros. No Brasil temos
vários estereótipos sociais como, por exemplo: “Baianos são preguiçosos” e “Cariocas são
malandros”. Outro estereótipo está marcado pela figura dos jogadores de futebol que são
conhecidos por possuírem muita desenvoltura com o futebol, porém suas habilidades com
linguagem são alvo de críticas. Grande marca dessa dificuldade com a linguagem está
presente nas entrevistas em jornais, comumente, falas monossilábicas carregadas de gírias.
É o tema da crônica “Aí, galera”, de Luis Fernando Verissimo (anexo I). Imediatamente
pode-se observar que se trata de uma entrevista que cria uma situação ideal para provocar
no leitor o riso. O humor é aqui relacionado por meio do inesperado, em que cada
expressão culta do jogador soa como algo fora do contexto. Um jogador que fala
rebuscadamente e possui desenvoltura, considerando as diferenças entre língua oral e
língua escrita. No próprio texto é afirmada a sabotagem à estereotipação, já que se espera
que um jogador seja primitivo e possua uma fala grotesca. A habilidade do autor consiste
em explorar com inteligência uma situação improvável de inadequação linguística para
provocar humor.
Na crônica “Pronomes” (anexo II) é observado o preconceito sobre a forma de
falar utilizando os pronomes perfeitamente. Em duas ocasiões do texto, o personagem
Carlinhos, namorado de Carolina, usa os pronomes corretamente. Em um desses
momentos é corrigido pela namorada, que deixa claro o que espera em uma situação de
informalidade. Carolina pede ao namorado que não fale “certo demais” porque a “turma
repara”. Ainda, Carolina pede para o namorado não dizer certas palavras como: “soberba”,
“todavia” e “outrossim”. É possível afirmar que, segundo a namorada, a maneira de
Carlinhos falar poderia parecer esnobe aos amigos dela, uma demonstração de
“competência linguística”. Esse juízo sobre a maneira de falar de Carlinhos pode ser
considerado um preconceito linguístico ao contrário. Preconceito linguístico é um julgamento
depreciativo, ou até desrespeitoso sobre a fala do outro, comumente, existe quando alguém
não sabe falar corretamente, porque usa uma variedade de menor prestígio social, ou seja,
quando não se aceita uma diferença na pronúncia das pessoas. No episódio da Crônica
aparece o preconceito às avessas, ou seja, a crítica é feita pela forma assertiva de falar. É
importante que os alunos saibam que todas as variedades linguísticas devem ser
respeitadas. O caso de Carlinhos, que usava formas mais prestigiadas como: “usá-lo” ao
invés de “usar ele”, também deve ser aceito, pois essa é sua variedade linguística.
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As duas crônicas podem contribuir para as aulas de Língua Portuguesa,


valorizando a variação linguística, já que possuem um conteúdo humorístico e expõem fatos
relacionados ao cotidiano. Assuntos esses que podem ser aprofundados e relacionados a
outros, fazendo com que os discentes façam uma reflexão a propósito da importância do
caráter da linguagem e a sua adequação ao contexto social.

5. Considerações finais

A elaboração de uma proposta com crônicas de Luis Fernando Verissimo visa


valorizar a variação linguística. Essa é uma das formas de aproximar os alunos das
mudanças que ocorrem na língua portuguesa, por meio de textos que consigam traduzir o
valor da linguagem. A língua é heterogênea, ou seja, dinâmica e inconstante, não pode ser
estudada sem levar em conta a sociedade, uma vez que as duas andam juntas. O ensino da
Língua Portuguesa passou por muitas mudanças nas últimas décadas e até hoje é
observada a ideia de usar e estudar a norma culta da língua, contudo o ensino deve atentar
para as mudanças que acontecem na sociedade e respeitar o diferente e, a partir dele,
investigar as variações da língua, evitando o preconceito linguístico.
De acordo com Bagno (2002), a falha está nas pessoas não compreenderem que é o
contexto que determina o grau de formalidade na linguagem. Não pensando em exclusões,
mas sim sabendo diferenciar as variedades existentes de modo eficiente, longe de
quaisquer preconceitos linguísticos. Esse raciocínio se baseia na ideia de que temos que
entender que o fenômeno de mudança da língua é uma razão de estudo e não de exclusão
social.
Por fim, para que as variedades da língua sejam valorizadas, é preciso que o
professor compreenda que o ensino de Língua Portuguesa só será concretizado com
sucesso quando a escola estimular o desenvolvimento de habilidades cognitivas e
linguísticas por meio de atividades que envolvem tanto o uso oral quanto escrito da língua.

Referências

AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Dicionário da Língua Portuguesa, 4ª. Edição,


2003.

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.
São Paulo: Parábola, 2007.

BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola,
2002.
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BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? - Sociolinguística &


educação. São Paulo: Parábola, 2005.

BRASIL – SEMTEC. Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa: ensino médio. Parte II:
Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Média e Tecnológica, 1999.

FARACO, Carlos Alberto. Linguística Histórica. São Paulo. Ática, 1991.

FARACO, Carlos Alberto. Por Uma Pedagogia da Variação Linguística. São Paulo:
Parábola, 2007.

LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução de Marcos Bagno, Maria Marta P.


Scherre e Caroline Rua Cardoso. São Paulo: Parábola, 2008.

SARAMAGO, José. Filme vidas em português. Dirigido por Victor Lopes. Brasil, 2004

VERISSIMO, Luis Fernando. Contos de Verão. O Estado de São Paulo, 2000.

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ANEXOS

Anexo I - Crônica utilizada para análise

Aí, galera

Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode
imaginar um jogador de futebol dizendo “esteriotipação”?E, no entanto, por que não?
-Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera.
-Minha saudação aos aficionados do clube e aos aficionados do clube e aos demais
esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares.
-Como é?
-Aí, galera.
-Quais são as instruções do técnico?
-Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com
energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as possibilidades de
recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de
maios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do
sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação.
-Ahn?
-E pra dividir no meio e ir pra cima pega eles sem calça.
-Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?
-Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo
previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas?
-Pode.
-Uma saudação para a minha genitora.
-Como é?
-Alô, mamãe!
-Estou vendo você é um, um...
-Um jogador que confunde o entrevistador, pois corresponde à expectativa de que o
atleta seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a
estereotipação?
-Estereoquê?

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-Um chato?
-Isso.

Anexo II – Crônica utilizada para análise

Pronomes

Antes de apresentar o Carlinhos para a turma, Carolina pediu:


— Me faz um favor?
—O quê?
— Você não vai ficar chateado?
—O que é?
— Não fala tão certo?
— Como assim?
— Você fala certo demais. Fica esquisito.
—Por quê?
— É que a turma repara. Sei lá, parece…
— Soberba?
— Olha aí, ‘soberba’. Se você falar ‘soberba’ ninguém vai saber o que é. Não fala
‘soberba’. Nem ‘todavia’. Nem ‘outrossim’. E cuidado com os pronomes.
— Os pronomes? Não posso usá-los corretamente?
— Está vendo? Usar eles. Usar eles!
O Carlinhos ficou tão chateado que, junto com a turma, não falou nem certo nem
errado. Não falou nada. Até comentaram:
— O Carol, teu namorado é mudo?
Ele ia dizer ‘Não, é que, falando, sentir-me-ia vexado’, mas se conteve a tempo.
Depois, quando estavam sozinhos, a Carolina agradeceu, com aquela voz que ele
gostava:
— Comigo você pode botar os pronomes onde quiser, Carlinhos.
Aquela voz de cobertura de caramelo.

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