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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 6ª Turma Cível

Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0700810-95.2019.8.07.0001


APELANTE(S) BANCO DO BRASIL SA e BITSELLER SERVICOS DIGITAIS LTDA
APELADO(S) BITSELLER SERVICOS DIGITAIS LTDA e BANCO DO BRASIL SA
Relator Desembargador ALFEU MACHADO

Acórdão Nº 1222936

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE


FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA ATINENTE À FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
REJEIÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE CONTA CORRENTE.
ENCERRAMENTO UNILATERAL E IMOTIVADO. IMPOSSIBILIDADE. EMPRESA
REGULAR, SOLVENTE E COM OBJETO LÍCITO. ABUSO DE DIREITO (CC, ART. 187).
VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA E AO ART. 39, II E IX, DO CDC. RESTAURAÇÃO DA
CONTA. IMPERATIVIDADE. AUSÊNCIA DO AUTOR EM AUDIÊNCIA DE
CONCILIAÇÃO. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DE JUSTIÇA. INOVAÇÃO.
VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO. NÃO CONHECIMENTO.

1. Não tendo sido impugnada em modo e tempo oportuno e que as decisões proferidas no curso do
processo acerca da imposição de multa para garantir o cumprimento da obrigação fixada pelo
deferimento da tutela antecipada, a controvérsia sobre se houve ou não observância do prazo deve ser
objeto de contraditório oportuno, em sede de cumprimento de sentença, ainda que provisório (arts. 537,
§3º e 525, III e V, do CPC).

2. A relação obrigacional é pautada pela autonomia de vontade, mas integrada pela boa-fé,
resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a imposição de deveres de
conduta a ambos os contratantes, de modo que a quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações
estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato
seria realizado de determinada maneira.

2.1. A ruptura abrupta de contratos de conta corrente, sem motivo justo, ainda que notificada, não pode
ser considerada como legítima, diante da natureza relacional e cativa da avença, da regular
movimentação financeira e das expectativas criadas nos consumidores quanto à continuidade do
serviço, configurando abuso de direito (CC, art. 187; CDC, art. 39, II e IX).

2.2. Na hipótese, merece reforma a sentença, com o acolhimento da pretensão inicial, pois, de fato, o
que se extrai dos autos é que houve cancelamento imotivado da conta corrente da autora, empresa que
possui objeto lícito, e que comprovou ser solvente e depender da utilização da conta bancária para
gestão de seus negócios. A motivação de desinteresse comercial é de conteúdo jurídico impreciso e não
pode ser utilizada pelas Instituições Financeiras, a justificar o cancelamento unilateral de conta
corrente bancária de Consumidor, mesmo sob a pseudo legalidade da Notificação ou comunicação.

3. Não tendo havido impugnação da ausência da autora em audiência de conciliação, de modo a lhe
possibilitar oportuna justificativa, como permite o art. 334, § 8º, do CPC, trata-se de questão sobre a
qual não se estabeleceu o contraditório legal, e a respeito da qual não houve provocação judicial para
manifestação em sentença, representando inovação inadmissível em sede de apelação.

4. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada, recurso de apelação do réu desprovido. Apelo da


autora provido.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, ALFEU MACHADO - Relator, ARQUIBALDO CARNEIRO - 1º Vogal e
JOSÉ DIVINO - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador JOSÉ DIVINO, em proferir a
seguinte decisão: RECURSOS CONHECIDOS. DESPROVIDO O RECURSO DA RÉ. PROVIDO O
RECURSO DA AUTORA. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 11 de Dezembro de 2019

Desembargador ALFEU MACHADO


Relator

RELATÓRIO

Cuidam-se de apelações interpostas pela autora BITSELLER SERVICOS DIGITAIS LTDA e pelo
réu BANCO DO BRASIL S/A em face da sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível de Brasília,
que julgou procedente a ação movida pela primeira apelante em razão do enceramento unilateral de
sua conta bancária pela instituição financeira ré.

Adoto, em parte, o relatório lançado na sentença recorrida:

" Trata-se de ação de conhecimento sob o rito ordinário ajuizada porBITSELLER SERVIÇOS
DIGITAIS LTDAem desfavor doBANCO DO BRASIL S/A, partes qualificadas nos autos.

Narra a autora que mantinha com a parte ré contrato da conta-corrente n.º 60600-0, agência 4534-9.
Contudo, sem qualquer aviso ou motivação, o réu rescindiu o contrato de conta-corrente da parte
autora, lhe causando grande transtorno no exercício de suas atividades.

Postulou a autora, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, ordem para “determinar que o Banco
do Brasil promova o imediato restabelecimento e/ou manutenção do contrato de conta corrente da
Autora (Agência n.º 4534-9 conta corrente n.º 60600-0) sob pena de multa diária no importe de R$
20.000,00 (vinte mil reais).
Ao final, postula seja julgada procedente a presente pretensão para declarar ilegal, abusiva e
desmotivada a rescisão do contrato de conta-corrente, e confirmar a tutela de urgência requerida
determinando o definitivo restabelecimento e/ou manutenção da conta corrente de titularidade da
autora (Agência n.º 4534-9 conta corrente n.º 60600-0), sob pena de multa diária;

Foi deferido o pedido de tutela antecipada de urgência para determinar que a instituição financeira
mantenha a conta corrente com a requerente, ou a reestabeleça em caso de já ter se efetivado o
encerramento (ID 27680400).

Citado, o réu apresentou contestação (id 30347582), na qual alega, em preliminar, inépcia da inicial.
No mérito sustenta que o encerramento de conta-corrente pode ocorrer de forma manual, pela
plataforma do banco ou de forma automática. Realça que não cometeu qualquer ato ilícito ao
encerrar a conta.

O autor se manifestou em réplica (ID 32213299).

Decisão saneadora constante no ID nº 33793412."

A sentença julgou procedentes os pedidos iniciais, destacando que apesar de reputar legítimo o
encerramento da conta bancária em razão de suspeita de operação irregular, é abusiva a rescisão
unilateral pelo banco réu na hipótese dos autos, pois não comprovada a existência de comunicação
prévia ao correntista.

Ao final resolveu o processo com resolução do mérito, de acordo com o que consta no dispositivo do
julgado:

"Diante do exposto, julgoPROCEDENTES OS PEDIDOS, confirmando a tutela antecipada requerida,


e assim o faço com resolução do mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Novo Código de
Processo Civil, para determinar que o Banco do Brasil promova o imediato restabelecimento e/ou
manutenção do contrato de conta corrente da Autora (Agência n.º 4534-9 conta corrente n.º 60600-0),
de forma provisória, na forma da fundamentação, mantidas as astreintes já fixadas na decisão
concessiva da tutela de urgência.

Em razão da sucumbência, arcará a parte ré com o pagamento das custas, despesas processuais e dos
honorários advocatícios que fixo em 10% do valor atualizado da causa."

O réu suscita preliminar de nulidade da sentença por falta de fundamentação, pois o Juízo de origem
não teria apreciado os argumentos sustentados em sua defesa e os documentos juntados aos autos, no
que se refere ao cumprimento da liminar deferida no curso do processo, para fins de exclusão das
astreintes fixadas em seu desfavor.

No mérito, defende a legalidade da rescisão unilateral do contrato bancário, e a regularidade da


iniciativa tomada pelo banco apelante, pois o encerramento da conta foi precedido de prévia e regular
comunicação do correntista.

Defende que, ao contrário do que restou exarado na sentença, houve notificação prévia da autora, o que
é reconhecido pela própria em sua inicial, onde colaciona cópia da missiva que lhe foi direcionada, de
modo que a existência de notificação prévia é matéria incontroversa.

Requer a fixação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, na forma do art. 334, § 8º, do
CPC, por não ter a autora comparecido à audiência de conciliação, tema sobre o qual silenciou a
sentença recorrida.

Com esses argumentos, requer a cassação ou a reforma da sentença recorrida, além da fixação da
sanção processual preconizada no art. 334, § 8º, do CPC.
Preparo regular no ID 12242356 .

Apesar da proclamação do julgamento de procedência dos pedidos inicial, a autora também apela,
impugnando os fundamentos da sentença resistida, por ter considerado lícita a possibilidade de
encerramento unilateral da conta bancária pelo réu, acolhendo o pedido apenas em razão da
inexistência de comunicação prévia da rescisão contratual.

Requer a declaração dos efeitos da revelia da parte adversa, com a reforma da sentença e o acolhimento
integral da pretensão inicial, tal qual formulada, declarando-se a ilegalidade da rescisão imotivada do
contrato bancário.

Preparo regular no ID 12242364.

Contrarrazões da autora no ID 12242382 e do réu no ID 12242384, ambas pelo desprovimento do


recurso da parte adversa.

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador ALFEU MACHADO - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, eis que tempestivo, cabível e dispensado de preparo,


conheço do apelo.

Consoante relatado, trata-se de apelações interpostas pela autora BITSELLER SERVICOS


DIGITAIS LTDA e pelo réu BANCO DO BRASIL S/A em face da sentença proferida pelo Juízo da
4ª Vara Cível de Brasília, que julgou procedente a ação movida pela primeira apelante em razão do
enceramento unilateral de sua conta bancária pela instituição financeira ré.

A sentença julgou procedentes os pedidos iniciais, destacando que apesar de reputar legítimo o
encerramento da conta bancária em razão de suspeita de operação irregular, é abusiva a rescisão
unilateral pelo banco réu na hipótese dos autos, pois não comprovada a existência de comunicação
prévia ao correntista.

Apela o réu pela cassação da sentença por falta de fundamentação ou pela reforma do julgado com a
improcedência dos pedidos iniciais, reconhecendo-se a legalidade da rescisão unilateral do contrato
bancário.

A autora recorre contra os fundamentos da sentença, postulando o acolhimento integral da pretensão


inicial, a fim de que seja declarada a ilegalidade do cancelamento imotivado de sua conta corrente.

Aprecio a insurgência por capítulos.

I - DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE


FUNDAMENTAÇÃO

O réu suscita preliminar de nulidade da sentença por falta de fundamentação, pois o Juízo de origem
não teria apreciado os argumentos sustentados em sua defesa e os documentos juntados aos autos, no
que se refere ao cumprimento da liminar deferida no curso do processo, para fins de exclusão das
astreintes fixadas em seu desfavor.

A questão suscitada não comporta acolhimento.

A primeira questão a ser destacada quanto ao alegado é que a fixação e disposições sobre a forma de
incidência das astreintes fixadas para garantir o cumprimento da liminar que ordenou o
restabelecimento da conta bancária do autor foram resolvidas em decisões interlocutórias, consta as
quais não houve interposição de oportuno recurso, como admite o art. 1.015, I, do CPC.

Além de não ter havido impugnação oportuna quanto ao deferimento da antecipação de tutela
vindicada pela autora, com a fixação de astreintes, não se verifica qualquer irregularidade na fixação
do encargo e na reiteração de sua incidência em razão de comprovado descumprimento da ordem pelo
banco réu.

Com efeito, consumada em 21 de janeiro de 2019 a intimação da liminar concedida para que o réu
restabelecesse a conta bancária do autor, sob pena de incidir em multa diária (ID 12242239), o banco
recorrente peticionou informando que a conta bancária havia sido imediatamente cadastrada como
ativa em seu banco de dados (ID 12242251).

Contudo, a autora peticionou nos autos comprovando com a apresentação de documentos que, apesar
cadastrada como ativa, a conta bancária não havia sido disponibilizada para movimentação ou acesso
pelos representantes da empresa (ID 12242255).

Instado a se manifestar, o Banco réu se limitou a reiterar a informação anteriormente deduzida, de que
a conta bancária se encontrava ativa no sistema da instituição financeira, nada esclarecendo sobre a
impossibilidade de acesso e movimentação comprovada pela autora (ID 12242271).

Sobreveio, então, petição da autora noticiando que apesar de plena liberação da conta bancária em 31
de janeiro 2019, foram novamente impostas restrições de acesso e movimentação a partir de 1º de
fevereiro de 2019, juntando documentos para comprovar o alegado (ID 12242275).

Foi, então, proferida a decisão reiterando a antecipação de tutela anteriormente deferida, determinando
a incidência da multa e nova intimação para que o banco réu desse pleno acesso à autora para
movimentação de sua conta corrente.

Observa-se claramente a intenção clara do Banco recorrente em não cumprir a ordem judicial, apesar
de que processualmente falando disse que cumpriu, mas não prática não cumpriu.

O banco recorrido não agravou da referida decisão liminar, como lhe era permitido pelo art. 1.015, I,
do CPC, limitando-se a peticionar nos autos para defender que houve cumprimento da ordem judicial
em tempo oportuno, juntando, para tanto, prova de movimentação da conta bancária pela autora a
partir de 1º de fevereiro de 2019 (ID 12242289).

Nesse contexto, afere-se que não foram impugnada em modo e tempo oportuno e que as decisões
proferidas no curso do processo acerca da imposição de multa para garantir o cumprimento da
obrigação imposta à re em razão do deferimento da tutela antecipada vindicada pela autora.

A controvérsia sobre se houve ou não observância do prazo para fins de incidência da multa
cominatória é matéria processual independente da análise do mérito, e deve ser objeto de contraditório
oportuno, em sede de cumprimento de sentença, ainda que provisório, com admite o art. 537, §3º, do
CPC.

Com efeito, apresentado requerimento de execução das astreintes, será instaurado o contraditório legal
a respeito do tema, já que é possibilitado ao réu impugnar a execução mediante alegação de excesso
de execução e inexigibilidade do título como lhe assegura o art. 525, III e V, do CPC.
Diante do exposto, não havendo omissão na análise do objeto da causa, não há nulidade na sentença
recorrida, impondo-se a rejeição da preliminar suscitada pelo réu em apelação.

II - DO MÉRITO

A análise do mérito cinge-se em aferir acerca da possibilidade de rescisão de contrato bancário, pelo
encerramento compulsório de conta corrente, além dos pressupostos necessários para que a instituição
financeira adote tal providência de forma unilateral.

É certo que, em função do princípio da autonomia da vontade, as partes podem de forma livre e
consensual, mediante prévia comunicação, contratar, gerir e encerrar seus negócios jurídicos.

Ainda assim, não se pode olvidar que o conteúdo da relação obrigacional é pautado pela vontade e
integrado pela boa-fé, resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a
imposição de deveres de conduta (cooperação, confiança, lealdade etc.) a ambos os contratantes e que,
inclusive, são nortes interpretativos de qualquer avença, ex vi do art. 422 do CC.

Restam implícitos nesse preceptivo legal os deveres de conduta relacionados ao cumprimento honesto
e leal da obrigação e que também se aplicam às negociações preliminares e sobre aquilo que se passa
depois do contrato (dever de proteção dos riscos de danos à sua pessoa e a do outro e ao patrimônio
envolvido, a abstenção de qualquer conduta capaz de falsear o objetivo do negócio jurídico ou
desequilibrar o jogo das prestações, a imposição do dever de esclarecimento/informação).

"A quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi
induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado de determinada maneira,
constituindo ilícito passível de reparação, conforme art. 187 do CC." (FARIAS, Cristiano Chaves de.;
ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito dos contratos. v. 4. 3. ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2013, pp. 174-181).

Ressalte-se, também, que o próprio Código de Defesa do Consumidor, aplicável à espécie, veda
expressamente a recusa às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades, e à
prestação de serviços diretamente a quem se disponha adquiri-los mediante pronto pagamento,
conforme art. 39, incisos II e IX.

Em outros termos: existindo a possibilidade de fornecimento, o serviço não pode ser recusado sem
justa causa pelo fornecedor, que se dispôs a enfrentar os riscos da atividade negocial no mercado de
consumo.

"Há uma obrigação inerente de atendimento a todos os consumidores que pretenderem contratar, nos
termos da atividade desenvolvida, sob pena de incorrer em prática abusiva (vedação à discriminação
de consumidores." (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 242).

Sob esse panorama, ainda que o contrato e a Resolução nº 2.025 do Banco Central permitam o
encerramento unilateral da conta bancária pela instituição financeira mediante prévia comunicação, há
entendimento jurisprudencial sedimentado de que a rescisão deve ser motivada.

Afinal, reconhece-se que o contrato de abertura de conta corrente possui natureza relacional e cativa,
cuja execução, na espécie, já se protraía no tempo. Assim, a ruptura abrupta, sem motivo justo, ainda
que devidamente notificada, sendo configuradora de abuso de direito.

Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CONTACORRENTE EM INSTITUIÇÃO


FINANCEIRA. ENCERRAMENTO UNILATERAL E IMOTIVADO DA CONTA. IMPOSSIBILIDADE.
1.- Não pode o banco, por simples notificação unilateral imotivada, sem apresentar motivo justo,
encerrar conta-corrente antiga de longo tempo, ativa e em que mantida movimentação financeira
razoável. 2.- Configurand

o contrato relacional ou cativo, o contrato de conta-corrente bancária de longo tempo não pode ser
encerrado unilateralmente pelo banco, ainda que após notificação, sem motivação razoável, por
contrariar o preceituado no art. 39, IX, do Cód. de Defesa do Consumidor. (REsp 1277762/SP, Rel.
Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 13/08/2013)

Sobre o tema, confiram-se os seguintes precedentes deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA CAUTELAR DE


URGÊNCIA. ENCERRAMENTO DE CONTA CORRENTE DA PESSOA JURÍDICA DE FORMA
UNILATERIAL E IMOTIVADA. BOA-FÉ CONTRAÍDA. MANUTENÇÃO. PERIGO DE DANO
IRREVERSÍVEL. 1. Nos termos do art. 297 do Código de processo Civil, o juiz poderá determinar as
medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Para concessão da medida é
necessário analisar se estão presentes, os requisitos fundamentais às tutelas cautelares, quais sejam,
a ocorrência do fumus boni iuris e do periculum in mora. 2. O encerramento unilateral e imotivado
da conta corrente vai de encontro com os princípios da boa-fé e da confiança legítima, sob pena de
imperar a insegurança nas relações comerciais. 3. Não haverá qualquer prejuízo ao Banco agravado
em aguardar o julgamento final da demanda principal, enquanto que, para os agravantes, o dano
será irreversível, em razão da empresa ficar impedida em cumprir com as suas obrigações por
intermédio dos serviços anteriormente prestados pela instituição bancária. 4. Recurso conhecido e
provido.
(Acórdão 1000730, 07000935720178070000, Relator: GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de
julgamento: 8/3/2017, publicado no DJE: 14/3/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ENCERRAMENTO UNILATERAL DE


CONTA CORRENTE. AUSÊNCIA DE MOTIVO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA INVÁLIDA. ARTS. 10, 12
E 13 DA RESOLUÇÃO N. 2025/93 DO BACEN. INOBSERVÂNCIA. ART. 39, INCISOS II E IX, DO
CDC. VIOLAÇÃO. 1. Apesar da instituição bancária não ser impedida de rescindir os contratos
existentes com os seus clientes, a rescisão deve seguir as regras previstas na Resolução do Banco
Central nº 2025/93, além, da observância dos princípios norteadores das relações consumeristas, a
fim de não colocar o usuário do serviço em situação de extrema desvantagem. 2. Não atendidas as
disposições da citada Resolução, o encerramento unilateral e sem justo motivo de conta corrente,
ainda que após notificação, configura abuso por parte da instituição bancária, vedado pelo CDC,
além de contrariar o princípio da boa-fé objetiva. 3. Recurso improvido. (Acórdão 1065444,
07137428920178070000, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 7ª Turma Cível, data de
julgamento: 6/12/2017, publicado no DJE: 23/1/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

CIVIL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO


POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ENCERRAMENTO ABRUPTO DE CONTA CORRENTE SEM
MOTIVO JUSTO. RESTAURAÇÃO DA CONTA E SERVIÇOS RELACIONADOS. DANOS MORAIS.
NÃO OCORRÊNCIA. 1. Não pode o banco, de forma unilateral e sem apresentar motivo justo, ainda
que após notificação, encerrar conta corrente antiga, ativa e em que se mantinha razoável
movimentação financeira, por afronta ao preceito estampado no artigo 39, inciso IX, do Código de
Defesa do Consumidor. 2. O dano moral deve estar lastreado em um ato ilícito ou abusivo que tenha
a potencialidade de causar abalo à reputação, a boa-fama e/ou o sentimento de auto-estima. 3. A
reparação civil, sobretudo no que tange os danos morais, não deve ser banalizada, tampouco
utilizada de forma não razoável e desproporcional, como forma de propiciar o locupletamento do
indivíduo que se diz ofendido. 4. Deu-se parcial provimento ao apelo, para julgar improcedentes os
pedidos de condenação ao pagamento de danos morais. Em razão da sucumbência recíproca, as
partes foram condenadas ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, a
serem suportados na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada parte. (Acórdão 858319,
20130111906977APC, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, , Revisor: ALFEU MACHADO, 3ª TURMA
CÍVEL, data de julgamento: 25/3/2015, publicado no DJE: 31/3/2015. Pág.: 240)

Na hipótese, merece reforma a sentença, com o acolhimento integral da pretensão inicial, pois, de
fato, o que se extrai dos autos é que houve cancelamento imotivado da conta corrente da autora,
empresa que possui objeto lícito, e que comprovou ser solvente e depender da utilização da conta
bancária para gestão de seus negócios.

A primeira ressalva a ser feita com relação à sentença apelada, é que não houve inobservância quanto
ao dever de comunicação prévia pela instituição financeira, como exige o art. 12, da Resolução nº
2.025 do Banco Central, e essa questão sequer restou controvertida nos autos.

Com efeito, a causa de pedir exposta na inicial não é a falta de comunicação prévia do encerramento
da conta corrente, sendo que a própria autora juntou aos autos a correspondência que lhe foi remetida
pelo banco réu, como se afere no ID 12242208.

A causa de pedir da pretensão volvida ao restabelecimento da conta corrente da autora foi descrita
especificamente na inicial como a falta de indicação de motivo pelo qual o banco réu impôs a
interrupção da relação jurídica.

Assim, é insustentável a conclusão exarada na sentença resistida.

Mas ainda que enviada comunicação prévia ao encerramento da conta corrente, é procedente a
pretensão inicial, na esteira dos entendimentos jurisprudenciais acima colacionados, pois abusiva a
rescisão unilateral do contrato bancário pela instituição financeira de forma imotivada.

A autora tem objeto lícito, volvido à representação empresarial, desenvolvimento de softwares e


conteúdos de internet (ID 12242206), comprovou ser solvente com apresentação de balanço financeiro
(ID 12242216) e que mantinha intensa movimentação bancária no exercício de suas atividades (ID
12242291).

Não se vislumbra, portanto, razões plausíveis para legitimar a rescisão unilateral do contrato bancário.

E o banco réu não justificou, em momento algum as razões que o levaram ao encerramento da conta
corrente da autora.

Na notificação que lhe foi enviada para comunicar a rescisão contratual justificou o encerramento da
conta apenas por "desinteresse comercial" (ID 12242208). Data venia maxima, é uma expressão vazia
de conteúdo jurídico, a justificar o cancelamento de forma unilateral, revestida de pseudo legalidade
via Notificação ou comunicação para a Empresa Correntista ora apelante.

Em contestação e em apelação nada justificou sobre a motivação da rescisão da avença, de modo que
não elidiu a alegação de abusividade sustentada na inicial e constatada pelos documentos que instruem
os autos.

Diante do exposto, revela-se procedente pretensão reformatória deduzida pela autora, para reformar a
sentença e julgar totalmente procedente a pretensão deduzia em Juízo.

III - DA CONDENAÇÃO DA AUTORA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA


JUSTIÇA

Postula o réu a fixação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, na forma do art. 334, § 8º,
do CPC, por não ter a autora comparecido à audiência de conciliação, tema sobre o qual silenciou a
sentença recorrida.

A alegação não comporta conhecimento, pois trata-se de requerimento novo formulado razões de
apelação, não suscitado em primeiro grau e sobre o qual nada decidiu a sentença.

Com efeito, não tendo havido impugnação da ausência da autora em audiência de conciliação, de
modo a lhe possibilitar oportuna justificativa, como permite o art. 334, § 8º, do CPC, trata-se de
questão sobre a qual não se estabeleceu o contraditório legal, e a respeito da qual não houve
provocação judicial para manifestação em sentença.

.Assim trata-se de inovação inadmissível em sede de apelação.

No direito brasileiro vige a proibição, em regra, do ius novorum em sede recursal. O ius novorum é a
possibilidade de inovar em segunda instância. A alegação de questão de fato nova não pode acarretar
alteração da causa de pedir, nem do pedido.

As novas questões fáticas suscitadas na apelação só devem ser levadas em conta pelo tribunal ad
quem, se a parte demonstrar o motivo de força maior que impediu de apresentá-las em juízo
anteriormente. É o que o artigo 1.014 do CPC corrobora, in verbis: “As questões de fato não propostas
no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por
motivo de força maior.”

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes deste egrégio Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO


CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA HABITE-SE. INOVAÇÃO
RECURSAL. PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE RESCISÃO.
PARCELAS DO FINANCIAMENTO. SUSPENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
PAGAMENTO. INSCRIÇÃO DO NOME DO AUTOR. DEVIDA. DANOS MORAIS.
INOCORRENTES. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA
MANTIDA. 1. Dispõe o art. 1.014, do CPC, que as questões de fato não formuladas no juízo de
primeiro grau não podem ser suscitadas perante a segunda instância, salvo em caso de comprovada
impossibilidade, por motivo de força maior, que não ocorreu na hipótese vertente. Preliminar
suscitada de ofício. Recurso parcialmente conhecido. (...) (Acórdão n.1172960,
07154183520188070001, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES 1ª Turma Cível, Data de
Julgamento: 22/05/2019, Publicado no DJE: 29/05/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

APELAÇÃO CÍVEL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DEFERIMENTO. EFEITOS EX NUNC.


RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO. REVEL. PRECLUSÃO. INOVAÇÃO RECURSAL.
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AFASTADA. (...)3. Configura inovação recursal a
arguição de matéria não ventilada na instância de origem e que tampouco foi discutida ou decidida
na sentença, razão pela qual não deve ser conhecida, sob pena de supressão de instância e violação
ao princípio do duplo grau de jurisdição, com fulcro nos artigos 141 e 1.014 do CPC. (Acórdão
n.1174024, 07082453320188070009, Relator: ANA CANTARINO 8ª Turma Cível, Data de
Julgamento: 29/05/2019, Publicado no DJE: 03/06/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (g.n.)

PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. INOVAÇÃO RECURSAL.


IMPOSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CUMULAÇÃO COM OUTROS
ENCARGOS. IMPOSSIBILIDADE. TAXA EM ABERTO. ILEGALIDADE. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA. 1 - É defeso ao Magistrado apreciar, em sede recursal, alegação
que não foi objeto de controvérsia na instância a quo, uma vez que não foi submetida ao crivo do
contraditório, não sendo admitido à parte inovar a lide em sede recursal (art. 1.014 do CPC), nem ao
Juiz conhecer de questões não suscitadas no curso da instrução processual (art. 141 do CPC). (REsp
1058114/RS e Súmula 472 do STJ) (...). Apelação Cível parcialmente provida. (Acórdão n.1172303,
07154694620188070001, Relator: ANGELO PASSARELI 5ª Turma Cível, Data de Julgamento:
22/05/2019, Publicado no PJe: 24/05/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Diante do exposto, nada a prover com relação ao pedido de condenação da autora por ato atentatório à
dignidade da justiça.

Diante do exposto, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso da ré e dou provimento ao


recurso da autora, para julgar totalmente procedente a pretensão inicial, reconhecendo a abusividade
no encerramento imotivado da conta bancária pela instituição bancária.

Já tendo sido imputado o ônus de sucumbência à ré, fixo os honorários advocatícios recursais, na
forma do art. 85, § 11, do CPC, majorando de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre o
valor atualizado da causa.

É como voto.

O Senhor Desembargador ARQUIBALDO CARNEIRO - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador JOSÉ DIVINO - 2º Vogal
Com o relator

DECISÃO

RECURSOS CONHECIDOS. DESPROVIDO O RECURSO DA RÉ. PROVIDO O RECURSO DA


AUTORA. UNÂNIME.

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