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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO E GRADUAÇÃO


CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PONTES E LACERDA
COORDENAÇÃO DO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

MILADY ALMEIDA BASSI

OS MECANISMOS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS DE REPRESSÃO


AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO E
SUA APLICAÇÃO NO CASO DO MUNICÍPIO DE BENTO
GONÇALVES/RS

PONTES E LACERDA - MT
2023
MILADY ALMEIDA BASSI

OS MECANISMOS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS DE REPRESSÃO


AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO E
SUA APLICAÇÃO NO CASO DO MUNICÍPIO DE BENTO
GONÇALVES/RS

Monografia apresentada ao Curso de


Bacharelado em Direito da Faculdade de
Linguagem, Ciências Agrárias e Sociais
Aplicadas da Universidade do Estado de Mato
Grosso (UNEMAT), como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Mestre Lincoln Michel
Pilquevitch

PONTES E LACERDA-MT
2023
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pela resiliência concedida frente às diversas


dificuldades enfrentadas durante cinco longos anos de dedicação e esforço. À minha família,
agradeço o suporte emocional e financeiro para que nunca pensasse em desistir do curso,
pessoas queridas que amo muito, sempre ao meu lado em todos os momentos.
Agradeço também aos professores que contribuíram não só para minha formação
acadêmica, mas para o meu crescimento como pessoa e como cidadã mais consciente, e, por
fim, agradeço aos momentos de divertimento e leveza compartilhados com amigos e colegas,
momentos especiais que levarei na memória.
RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar os mecanismos institucionais de atuação no


combate ao trabalho em condições análogas à de escravo e os principais problemas que
dificultam a convergência de ações eficazes para a erradicação do trabalho escravo
contemporâneo no Brasil. As mudanças na conceituação para a caracterização do trabalho
escravo e sua concepção atual possibilitou a ampliação da proteção dada ao trabalhador
vulnerável, contudo, as divergências jurisprudenciais constituem ainda um obstáculo para a
viabilização da condenação tipificada no art.149 do Código Penal. Diante de tal obstáculo,
somado à morosidade do judiciário quando da judicialização da causa, embora independentes,
os mecanismos extrajudiciais de atuação e o papel dado ao Ministério Público através dos
planos para a erradicação do trabalho análogo à escravidão se fizeram alternativas
preponderantes no combate ao trabalho escravo contemporâneo, conforme será demonstrado
nas medidas adotadas às ações fiscais deflagradas no caso dos trabalhadores recentemente
encontrados no Município de Bento Gonçalves/RS. A pesquisa se justifica pela relevância
acadêmica e política do assunto. A metodologia utilizada durante o desenvolvimento foi a
descritiva, tendo como base um estudo bibliográfico, utilizando-se de doutrinas, artigos,
revistas científicas e o caso paradigmático de trabalho análogo à escravidão no município de
Bento Gonçalves/RS que possibilitou a identificação dos principais problemas governamentais
enfrentados pelos estados brasileiros na erradicação do trabalho escravo. Portanto, concluímos
que é necessária uma atualização dos planos para erradicação do trabalho escravo, uma vez que
tal plano consiste numa referência de ação aos entes federativos, todavia, o mesmo encontra-se
defasado diante das mudanças promovidas pela Reforma Trabalhista.

Palavras-chave: Trabalho escravo. Mecanismos de combate. Ministério Público. Caso


Município Bento Gonçalves/RS.
ABSTRACT

The present work purpose to analyze the institutional mechanisms of proceeding in the fight
against work in conditions similar to slavery and the main problems make it difficult the
convergence of effective actions for the eradication of contemporary slave labor in Brazil. The
changes in the conceptualization for the characterization of slave labor and its current
conception enabled the expansion of the protection given to the vulnerable worker, however,
the jurisprudential divergences still constitute an obstacle for the viability of the condemnation
typified in the article 149 of the Penal Code. Before such an obstacle, added to the slowness of
the judiciary when the case was judicialized, although independent, the extrajudicial
mechanisms of action and the role given to the Public Ministry through the plans for the
eradication of work analogous to slavery became preponderant alternatives in the fight against
work contemporary slave, as will be demonstrated in the measures adopted in the fiscal actions
triggered in the case of workers recently found in the County of Bento Gonçalves/RS. The
research is justified by the academic and political relevance of the subject, as well as the author's
interest in deepening into this specific topic. As for the methodology used, through the
bibliographical research it was possible to make deductive inferences, in other words, the
approach of the paradigmatic case of Bento Gonçalves made it possible to identify the main
governmental problems faced by the Brazilian states in the eradication of slave labor, at the end
was possible to conclude that an update of plans to eradicate slave labor is needed. Such a plan
consists of a reference of action to the federative entities, and was outdated in the face of the
changes promoted by the Labor Reform.

Keywords: Slave labor. Combat mechanisms. Ministry of Labor. Case city Bento
Gonçalves/RS
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8

CAPÍTULO 1 - ANTECEDENTES HISTÓRICOS E A CARACTERIZAÇÃO DO


TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO .............................................................. 10

1.1 - O TRABALHO ESCRAVO NA ÉPOCA OITOCENTISTA..............................................10

1.2 - A FORMAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO................................. 12

1.3 - A EXPANSÃO INDUSTRIAL............................................................................................... 14

1.4 - DEFINIÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO................................. 15

CAPÍTULO 2 - MECANISMOS NACIONAIS DE ATUAÇÃO PARA ERRADICAÇÃO


DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO............................................................... 19

2.1 - TUTELA ADMINISTRATIVA.............................................................................................. 20

2.2 - AÇÕES FISCAIS...................................................................................................................... 20

2.3 - INQUÉRITO CIVIL..................................................................................................................22

2.4 - CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM MANTIDO TRABALHADORES


EM SITUAÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO - “LISTA SUJA”........................................... 22

2.5 - TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA.................................................................................. 23

2.6 - PROJETO AÇÃO INTEGRADA NO MATO GROSSO.................................................... 24

2.7 - AÇÃO CIVIL PUBLICA......................................................................................................... 26

2.8 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS................................................... 27

2.9 - AÇÃO CIVIL COLETIVA PARA PROTEÇÃO DOS INTERESSES INDIVIDUAIS


HOMEGÊNEOS................................................................................................................................. 29

2.9.1 - As controvérsias que envolvem a destinação das indenizações por dano moral coletivo
...................................................................................................................................................29

2.10 - TUTELA PENAL....................................................................................................................31

2.11 - EXPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS........................................................................................ 33


CAPÍTULO 3 - O CASO PARADIGMÁTICO DE TRABALHO ANÁLOGO À
ESCRAVIDÃO NO MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES/RS E SUAS
REPERCUSSÕES ..................................................................................................................35

3.1 - APRESENTAÇÃO GERAL DO CASO................................................................................ 35

3.2 - O TAC FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E AS


EMPRESAS ENVOLVIDAS........................................................................................................... 37

3.3 - PROJETO DE LEI N.º 859, DE 2023.....................................................................................38

3.4 - OS PROBLEMAS NO SISTEMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO


ESCRAVO................................................................................................................................39

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 40

REFERÊNCIAS......................................................................................................................41
8

INTRODUÇÃO

Desde a antiguidade o trabalho esteve ligado à cidadania, de modo que a escravização


do indivíduo significava também a retirada de sua condição de cidadão, assim, para a construção
de um Estado democrático de direito o trabalho deve atuar como fator de promoção da
dignidade da pessoa humana, tendo como finalidade precípua o bem estar social. Pensando
nisso, o constituinte originário de 1988 adotou como princípio fundamental da república
brasileira a cidadania, que em sua plenitude comporta os direitos individuais, sociais e políticos
e, ainda no mesmo artigo, menciona os valores socias do trabalho e da livre iniciativa como
iguais fundamentos da República, mostrando a necessidade de equilíbrio entre a proteção dos
interesses dos trabalhadores e os avanços neoliberais do mercado.
No contexto brasileiro, a escravidão colonial procurou se justificar por questões étnicas
e raciais e perdurou até o século VIII quando foi paulatinamente abolido. Todavia, a abolição
do modelo econômico escravista significava apenas a libertação da força de trabalho de sua até
então condição de não mercadoria, sem considerar que o insucesso na inserção do recém-liberto
na condição de cidadão provocaria novas formas de dominação caracterizadas pela
descartabilidade do indivíduo. Enquanto que o a supressão do tráfico seguido da proibição das
práticas escravagistas significou a escassez de mão de obra disponível, o processo de
industrialização brasileiro se caracterizou pelo excedente de mão de obra pauperizado dado a
ausência de regulação trabalhista e frágeis organizações sindicais.
O seguinte trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica e documental,
tendo por objetivo explanar os mecanismos judiciais e extrajudiciais disponíveis no Brasil para
o enfrentamento do problema da submissão do trabalhador a condições de trabalho análogas à
de escravo e a aplicação dessas medidas aos empregadores autuados no Município de Bento
Gonçalves/RS.
Insta salientar, que o primeiro capítulo tratou da definição hodierna de trabalho escravo,
que ao considerar as novas roupagens de exploração, indo além da supressão da liberdade,
adotou o conceito de trabalho análogo ao de escravo para se referir às práticas de submissão do
indivíduo a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou sujeição a condições degradantes de
trabalho, independentemente da comprovação de coação física ou do cerceamento da liberdade
de locomoção do trabalhador, visto que a escravização moderna é marcada principalmente pelo
constrangimento econômico. A ampliação da proteção ao trabalhador possibilitada pela adoção
dessa conceituação larga de trabalho análogo ao de escravo adotado pelo Brasil, somada ao
desenvolvimento de políticas por parte de todos os entes da administração fez com que o país
9

se tornasse exemplo no que se refere à atuação institucional no combate ao trabalho escravo,


apesar do longo caminho a ser percorrido para uma promoção efetiva de justiça social.
No segundo capítulo foi abordado os instrumentos institucionais disponíveis no
ordenamento jurídico brasileiro como mecanismos de repressão ao trabalho análogo à
escravidão. A atuação extrajudicial constitui a tutela administrativa através da atuação do
Ministério do Trabalho e Emprego, órgão ministerial do governo responsável pela elaboração
de políticas de geração de emprego e renda, que atua conjuntamente ao Ministério Público do
Trabalho, responsável pela proteção dos direitos individuais e coletivos das relações de trabalho
no âmbito judicial. As ações fiscais coordenadas por esses órgãos têm discricionariedade para
a utilização de medidas coercitivas como o termo de ajuste de conduta e a publicização dos
dados do empregador na chamada “lista suja” como alternativas à judicialização imediata dos
casos. No que se refere à atuação do judiciário, como garantia conferida ao jurisdicionado de ir
a juízo deduzir sua pretensão, destaca-se as ações civis públicas e as ações civis coletivas como
principais medidas conferidas ao Ministério Público do Trabalho para a proteção dos direitos
difusos e coletivos, através da cominação de multas com o objetivo de cessar a perpetuação da
conduta ou a título de indenização ao interesse transindividual lesado, quando não for possível
a restituição do bem lesado.
Por sua vez, no terceiro capítulo foi apresentado o recente caso ocorrido no Município
de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, como paradigma para denotar a atuação do
Ministério Púbico do Trabalho através do compromisso de ajuste de conduta firmado com as
empresas controladoras envolvidas na exploração dos trabalhadores. O incidente teve grande
repercussão na mídia e trouxe à debate os problemas institucionais de atuação e possíveis
medidas de enfrentamento para o problema. Dentre as mudanças sugeridas, o Projeto de Lei n.º
859 de 2023 propõe a alteração dos dispositivos que possibilitaram a terceirização das
atividades principais das empresas quando da Reforma Trabalhista (Lei n.º 13.467 de 2017), a
alteração da responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços, além de
modificações no Código Penal para fins de agravamento da pena.
10

CAPÍTULO 1 - ANTECEDENTES HISTÓRICOS E A CARACTERIZAÇÃO DO


TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

Nesse tópico será feito um breve levantamento histórico da dinâmica escravista no


Brasil colonial e o processo de transição para o trabalho assalariado no contexto da
industrialização e formação do mercado liberal. O objetivo é mostrar que apesar da
incompatibilidade com o estado democrático de direito, as mudanças nos paradigmas de
exploração do trabalho permitiram a subsistência da exploração de mão de obra ao longo do
tempo, fazendo com que o problema assumisse contornos variados e de difícil coibição.

1.1 - O TRABALHO ESCRAVO NA ÉPOCA OITOCENTISTA

À Medida em que o modelo econômico de servidão feudal europeu migra para o trabalho
assalariado, a utilização de mão de obra escrava e o tráfico negreiro configuram a organização
do sistema de exploração colonial a fim de promover a acumulação de capital na metrópole. No
início do séc. XIX, depois de abolir o tráfico em suas colônias, a Inglaterra inicia o movimento
abolicionista ao exercer pressão diplomática e militar na luta contra ele. Mas apesar da
condenação moral ao sistema servil, tanto pela opinião comum quanto nos círculos
conservadores, todas as atividades econômicas do Brasil gravitavam em função do modelo
escravista, o qual paradoxalmente se reforçou após a independência, quando da ascensão dos
latifundiários à direção política do novo Estado (PRADO JR., 2012).
Nesse momento aportavam-se cerca de 40.000 escravos anualmente no Brasil, contudo
o crescimento vegetativo de sua população era diminuto, ao passo que a importação de mulheres
era consideravelmente inferior à de homens, bem como as condições precárias as quais eram
submetidos impediam sua multiplicação. Após a proibição do tráfico tomar-se-ão várias
medidas para assegurar a conservação e crescimento vegetativo da população de escravos em
solo brasileiro, como o incentivo ao casamento e a proibição da separação das famílias, mas
nada surtiu efeitos frente a extinção da exportação de escravos em 1850 (PRADO JR., 2012).
As primeiras medidas contingenciais brasileiras com relação ao tráfico de pessoas foram
consubstanciadas num tratado assinado em 1826, através do qual o país se comprometia a
proibir totalmente o tráfico de pessoas em três anos, após esse prazo o comércio humano seria
considerado “pirataria”, e também tratado como tal. Desse modo, a fim de cumprir com sua
promessa, o Brasil promulga a Lei Feijó de 7 de novembro de 1831 que ficou com conhecida
11

como “lei para inglês ver” devido ao desinteresse do Estado em promover o seu cumprimento.
A lei sancionada por D. Pedro II, declarava livre todos os escravos vindos de fora do país e
imputava pena aos seus importadores, mas essencialmente significou apenas uma convenção
assumida frente aos interesses internacionais , quando nunca se teve a real intenção de aplica-la.
Diante desse cenário, a Inglaterra decide intervir por conta própria para resolver o
problema definitivamente. Para tanto, em agosto de 1845 foi aprovado o ato Bill Aberdeen no
Parlamento Inglês, o qual tornaria lícita a prisão de qualquer embarcação empregada no tráfico
africano, com autorização para atear fogo e invadir praias e portos, onde quer que se refugiasse
um navio traficante. Tal medida configurava uma afronta à soberania brasileira e levou a um
estado de quase guerra até o efetivo empenho do Brasil na reação contra o tráfico. Nesse
momento foram adotadas não só Leis eficientes, mas uma repressão ostensiva e contínua que
diminuiu gradualmente o tráfico até a sua completa extinção por volta de 1855 (PRADO JR.,
2012).
O encerramento desse ciclo foi de grande importância para a consolidação da liberdade
e soberania do Estado brasileiro, aberto à livre concorrência internacional. A abolição do tráfico
africano afetou a própria estrutura de base da colônia, e o processo de decomposição de tal
sistema se perpetuará ao longo do tempo, ainda não completo nos dias de hoje. Importante
lembrar que suprimida a importação de escravos é resolvida apenas a primeira etapa do
problema escravista, visto que o trabalho servil se conserva enquanto as forças conservadoras
preferem calar-se e evitar repercussões em torno do assunto (BARBOSA, 2008).
Nesse ínterim, aparecem no parlamento várias propostas emancipacionistas que nem
chegaram a ser objeto de deliberações. Logo também aparecerá o problema da falta de mão de
obra, ao passo que o crescimento vegetativo da classe trabalhadora não será suficiente para
suprir a expansão da cultura do café. Aqui a solução para tal situação seria a de desviar os
escravos para as regiões mais prósperas, que migrarão consideravelmente para o centro-sul do
país. Diante dessa situação desfavorável para o Norte, os senhores de engenho da Bahia e
Pernambuco proporão inclusive projeto de lei para barrar o tráfico interprovincial de escravos.
Esse desequilíbrio demográfico fez com o que o Norte amadurecesse ideais emancipacionistas
mais rapidamente, nesse sentido:

[…] Aliás a transferência de escravos do Norte para o Sul, se prejudicava grandemente


aquele, não resolvia senão muito precariamente as dificuldades do último. Era preciso
uma solução mais ampla e radical. Ela será procurada na imigração européia. Já no
auge da campanha contra o tráfico, e na previsão do que brevemente ia acontecer,
começara-se a apelar para este recurso. A corrente imigratória se intensifica depois de
12

1850; e veremos coexistir, nas lavouras de café, trabalhadores escravos e europeus


livres (PRADO JR., 2012, p. 129).

Segundo o autor, a coexistência entre escravizados e mão de obra livre representada


pela imigração europeia na agricultura do café resultou impraticável num primeiro momento
devido ao choque cultural e incompatibilidade das duas formas de trabalho. Igualmente, outro
fator que levou ao descrédito da escravidão é o não emprego de mão de obra servil nas indústrias
manufatureiras que acabavam de surgir. O trabalho complexo da manufatura exigia mão de
obra qualificada e o pagamento de salários representava uma vantagem frente ao preço pago na
aquisição de escravos, desse modo, a mão de obra escrava era empregada apenas nas atividades
secundárias.
As mencionadas contradições do regime escravista fazem surgir debates midiáticos
publicados em folhetins, artigos de imprensa, livros, os quais intensificam o assunto, e somado
à pressão externa impulsionaram as primeiras reformas. Outro fator decisivo na causa
libertadora diz respeito a guerra do Paraguai, ao expor as debilidades orgânicas do país quando
a massa da população era constituída por escravos e estes tiveram de ser convocados para
integrar as tropas brasileiras, desapropriando-os de seus senhores. Nesse momento, a abolição
do regime servil se tornará questão de honra nacional.
Dessa forma, por meio da proposta do Visconde do Rio Branco é aprovada na Câmara
a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871, que declarava livre os nascituros de escravos
daquela data em diante. No entanto a criança permanecia sob regime de tutela exercida pelos
proprietários de seus pais até que atingisse a maioridade, período de tempo pelo qual poderiam
se utilizar de seus serviços. Semelhante à Lei do Ventre Livre, a Lei dos Sexagenários
promulgada quinze anos depois faz parte da tríade de reformas graduais promovidas pelo estado
brasileiro na tentativa de abafar o movimento libertador e os desafios sociais que vinham se
constituindo há décadas, sem modificar fundamentalmente a situação de poder vigente, ao passo
que demoraria uma geração inteira para que todos os escravizados atingissem a liberdade.

1.2 - A FORMAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO

A abolição paulatina do trabalho escravo libertava a força de trabalho de sua condição


de não-mercadoria, imprescindível para a criação de um mercado de trabalho com mão de obra
disponível para o capital, contudo, apesar do igualitarismo formal criou-se novas possibilidades
13

de dominação caracterizada pelas relações de trabalho compostas por imigrantes, trabalhadores


nacionais e ex-escravos (MATOS, 2009).
As políticas de expansão dos chamados núcleos coloniais contavam com a vinda de
imigrantes através de subsídios de incentivo financiados pelo Estado. Os então chamados
“parceiros” trabalhariam para o grande agricultor, coexistindo com outros escravos, mas
obteriam uma contrapartida de 50% do lucro líquido do café colhido, sendo metade do referido
lucro utilizado para a amortização da dívida contraída com o patrão pelos custos despendidos
na remoção e acomodação desse imigrante. O endividamento assegurava a sua disponibilidade
para o trabalho, vez que só podiam deixar a fazenda quando saldadas as dívidas e mediante
aviso prévio de um ano. Ademais, para vender novamente sua força de trabalho era necessário
apresentar uma certidão de seu antigo empregador comprovando a quitação da dívida quando
de nova contratação, por sua vez, aquele que empregasse um endividado seria punido com o
pagamento da dívida em dobro ao antigo patrão, situação que configurava um semi-monopólio
da contratação da mão de obra, limitando a livre concorrência (BARBOSA, 2008).
O referido sistema ainda era típico de uma sociedade adversa ao trabalho assalariado.
Prova disso são os mecanismos de coação, juros, multas, restrições à liberdade ou até
espancamento, a fim de assegurar uma rotina de trabalho. O fato é que os fazendeiros não
conheciam as potencialidades do trabalho livre e ainda consideravam o trabalho escravo como
a melhor opção, no mais, a lógica capitalista já se impunha.
A situação do imigrante tratava-se de um quase-campesinato1, consubstanciado na
exploração de culturas delimitadas como o arroz, o feijão e o milho, apenas para a
autossubsistência e cuja época de colheita não coincidisse com o trabalho na lavoura de café. O
salário in natura representava cerca de 70% de sua renda e além de diversificar a produção a
concessão de terras se mostrava vantajosa ao empregador, porquanto eram abundantes e com
isso diminuía-se o dispêndio com pagamento de salários.
Existem especificidades regionais marcantes na formação da estrutura industrial
brasileira, mas o paradigma predominantemente encontrado em todas as regiões é o de
substituição do trabalho escravo pela mão de obra do imigrante europeu, a qual passou a integrar
todos os níveis da hierarquia econômica e social do país, restando aos trabalhadores livres
nacionais e aos escravos recém libertos uma posição marginal e de reserva, ou seja, as tarefas
mais penosas e desvalorizadas. Os escravos recém libertos geralmente voltavam a trabalhar no

1 O campesinato consiste na produção agrícola de base familiar e social de subsistência onde predomina a
cooperação entre seus membros através de trocas de produtos
14

campo por salários baixíssimos, enquanto que nas cidades a tendência era a marginalização e o
ócio forçado (BARBOSA, 2008).
No entanto, embora a massa de imigrantes seja constantemente identificada como a
classe operária brasileira, que iniciaria os primeiros sindicatos, a formação da classe
trabalhadora foi um processo longo e contínuo que teve início ainda durante a vigência da
escravidão, a partir do compartilhamento de experiencias entre trabalhadores escravizados e
livres com expectativas comuns. Um exemplo disso é a organização dos trabalhadores do porto
no Rio de Janeiro, formada por carregadores e estivadores escravizados que criaram um vínculo
de solidariedade no qual economizavam recursos para a compra da liberdade. Os seus
descendentes continuaram no setor, dando origem aos primeiros sindicatos dos trabalhadores
do porto (MATOS, 2009).

1.3 - A EXPANSÃO INDUSTRIAL

A acumulação financeira do complexo cafeeiro, o baixo custo da mão de obra somado


a isenções tarifárias e incentivos por parte do Estado, bem como a demanda por bens de
consumo faltosos, são fatores que incentivaram a diversificação do mercado capitalista.
Inicialmente, a expansão industrial se deu através de “surtos” e era restrita a produtos feitos
com matéria prima local até a década de vinte, mas destacava-se por sua heterogeneidade.
Contudo, a inexistência de um sistema financeiro interno fez com que as classes burguesas se
convertessem em oligarquias regionais, perpetuando a coerção extraeconômica, extraindo
mais-valia, indiretamente, por meio do monopólio comercial e bloqueando a divisão do trabalho
(BARBOSA, 2008).
Se o período pós proibição do tráfico escravista significou a carência de mão de obra, a
formação do mercado industrial caracteriza-se pelo contínuo excedente de oferta, instabilidade
de emprego e jornadas extenuantes. As primeiras fábricas de tecido contavam com um exército
de reserva de mão de obra, composto por mulheres e crianças que ganhavam menos e cumpriam
a mesma jornada de trabalho comum aos homens. Geralmente as pequenas e médias empresas
produziam sob encomenda e quando atingiam estoques expressivos a mão de obra era
flexibilizada pela supressão dos dias trabalhados e redução de salários. Tal era a instabilidade
que a remuneração se dava por tarefa, não existindo uma data fixa para pagamento de salários.
A existência de hierarquias sociais também influenciava os critérios de remuneração, de modo
que homens jovens recebiam melhores salários (MATOS, 2009).
15

A Ausência de regulamentação trabalhista e a frágil organização sindical no contexto


da industrialização brasileira importou a urbanização das antigas formas de exploração e
dependência. O trabalho doméstico em troca de moradia e sobras de consumo era comumente
procurado pelas elites e segmentos da classe média. Essa busca por serviçais refletia um falso
liberalismo com relações predominantes do período escravista.
Nessa época o povo politicamente ativo, o “povo da rua” sequer mantinha vínculos
trabalhistas e o operariado industrial até meados de 1920 representava apenas 5% dos
empregados do país. Por outro lado, as atividades ligadas ao setor doméstico contavam com
grande número de trabalhadores informais. Além das diferenças étnicas, essas características
dificultavam a formação de uma identidade de classe comum, mas apesar das diferenças, as
condições adversas de trabalho partilhadas por todos os segmentos fizeram surgir uma tradição
de auxílio mútuo que se dava através de entidades assistenciais e religiosas (MATOS, 2009).

1.4 - DEFINIÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

O modelo de escravidão oitocentista comumente conhecido está proibido desde maio


de 1888, quando da Lei Áurea, no entanto o que existe hodiernamente são formas dissimuladas
da prática. Na concepção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - da qual também
compartilhava o Ministério Público do Trabalho - o termo apropriado para designar a
escravização contemporânea seria “trabalho forçado ou obrigatório”, conforme definição da
convenção OIT n. 29, ratificada pelo Brasil em 1957: “Para fins desta Convenção, a expressão
“trabalho forçado ou obrigatório” compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma
pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.” (Dec.
n.41.721, 1957, art. 2º)
O trabalho escravo guarda relação íntima com formas degradantes de trabalho já que na
maioria das vezes ambos coexistem, mas péssimas condições de trabalho e remuneração não
eram elementos suficientes para a caracterização do trabalho em condições análogas a de
escravo, dependendo este último do cerceamento da liberdade e autodeterminação da vítima.
Entretanto, segundo o manual de combate ao trabalho em condições análogas à de escravo 2-
publicado pelo Ministério Público do Trabalho em 2011, independentemente das diversas
denominações, qualquer trabalho que não garanta direitos básicos ao trabalhador há que ser

2 O manual publicado pelo MTE é fruto da reflexão e experiência de Auditores-Fiscais do Trabalho no combate
ao trabalho análogo ao de escravo, sendo sua finalidade orientar esse profissional através de um acervo
diversificado de procedimentos.
16

considerado trabalho escravo, não devendo a sua caracterização se sujeitar aos estereótipos do
trabalhador acorrentado, açoitado e ameaçado constantemente, portanto, as más condições de
trabalho, independente do cerceamento da liberdade também tipificam a conduta.
À vista disso, a conceituação brasileira acerca do trabalho escravo, assim como sua
nomenclatura, sofreu modificações desde a ratificação da Convenção n.º 29, ou seja,
diferentemente da terminologia internacional dada pela OIT – trabalho forçado ou obrigatório
– no ordenamento jurídico brasileiro o trabalho forçado constitui somente um dos elementos
para a configuração do trabalho em condições análogas à de escravo – terminologia adotada
pelo Brasil. Essa ampliação conceitual contemporânea com relação ao trabalho escravo
representa um avanço social e evidencia que sua caracterização vai além da privação da
liberdade, incluindo também a submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, bem
como a sujeição a condições degradantes de trabalho, conforme alteração legislativa de 2003
que modificou a redação do art. 149 do Código Penal3.
A sujeição do trabalhador a jornadas exaustivas se refere não somente ao tempo de
duração da jornada, mas também ao esforço excessivo que o leve ao limite de sua capacidade.
A exigência de produtividade mínima, a indução à competitividade para se atingir determinada
meta que o leve ao esgotamento físico para conseguir determinado prêmio, são características
comumente presentes nas atividades remuneradas por produção e configura sujeição à jornada
exaustiva de trabalho, prevista no caput do art. 149. Ressalte-se que os limites impostos pelas
legislações às jornadas de trabalho têm por finalidade a proteção da saúde e segurança do
trabalhador, posto que o descanso é essencialmente importante para restabelecer as forças
físicas e mentais, de modo a evitar inclusive os acidentes de trabalho.
A privação do trabalhador ao acesso à direitos básicos de segurança e saúde configuram
sujeição a formas degradantes de trabalho. A jurisprudência entende que a prestação de serviço
em instalações inadequadas e capazes de agredir a intimidade, a saúde e a segurança, como por
exemplo, a precariedade e falta de higiene dos abrigos, o acesso insuficiente à alimentação e
água potável, são considerados elementos que caracterizam o trabalho degradante. Segundo
Sagaz (2017, p. 99) a referida conduta “fomenta a indignidade do trabalhador, acentuando a
pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais, desvalorizando humanitária e socialmente
o trabalho”.

3 “Art.149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada
exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e
multa, além da pena correspondente à violência”.
17

Os dois elementos controvertidos: o trabalho em condições degradantes e a jornada


exaustiva de trabalho foram omitidos de projetos de lei que visavam regulamentar a EC. n.
81/2014, a qual deu nova redação ao art. 243 da CF, dispondo sobre a expropriação das
propriedades rurais e urbanas onde se localizem a exploração de trabalho escravo, pelo fato de
não existir uma definição clara de jornada exaustiva e condição degradante de trabalho no atual
Código Penal. No entanto, embora exista controvérsias quanto aos parâmetros para a
caracterização da jornada exaustiva, a doutrina e a jurisprudência têm bases sólidas para a sua
definição. Nesse sentido, o conceito de jornada extenuante compreende também as horas extras
laboradas, de modo que a sobrejornada necessária para caracterizar o trabalho em condições
análogas à de escravo seria aquela capaz de afetar a saúde física ou mental do trabalhador.
Portanto a mera extrapolação da jornada de trabalho não configura jornada exaustiva, devendo
para tanto, acompanhar outros requisitos de diminuição dos direitos trabalhistas. (MIRAGLIA;
FINELLI, 2014)
A coação como elemento na caracterização do trabalho em condições análogas à de
escravo poderá ser de ordem física, moral ou psicológica. A coação moral, preponderantemente
utilizada atualmente como mecanismo de intimidação, se consubstancia quando o tomador de
serviços se aproveita do senso de honradez ou da baixa instrução do trabalhador para submetê-lo
a dívidas de quitação impossível. Segundo o Ministério Púbico do Trabalho, esse tipo de coação
é extremamente eficaz com relação a grupos indígenas de países andinos, devido a modelos
elásticos de parentesco e sentimento de gratidão oriundos da própria cultura desses povos. Por
sua vez, a intimidação psicológica refere-se à ameaças de qualquer tipo, como a ameaça à
integridade física, ameaça de abandono à própria sorte ou a vigilância ostensiva. No que diz
respeito à coação física, esta é dispensável conforme jurisprudência do STF:

EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO.


ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA
CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para
configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a
coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de
locomoção, bastando a submissão da vítima a trabalhos forçados ou a jornada
exaustiva ou a condições degradantes de trabalho , condutas alternativas
previstas no tipo penal. A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX
e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos
e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade
tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só
mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos
básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno
impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação.
Isso também significa reduzir alguém a condição análoga à de escravo . Não é
qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a
violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se
18

os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a


condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do
art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo
ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida
pela presença dos requisitos legais. (STF - Inq: 3412 AL, Relator: Min. MARCO
AURÉLIO, Data de Julgamento: 29/03/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação:
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012)

Importante mencionar que o consentimento prévio é irrelevante para a caracterização


do trabalho em condições análogas à de escravo, uma vez que geralmente são usadas falsas
promessas para criar expectativas de ótimas condições de trabalho e salário. Na maioria das
vezes a própria condição de vida da vítima configura o elemento coercitivo. A condição de
miséria do trabalhador é estímulo para a aceitação de relações contratuais de trabalho que virão
a ser desproporcionais, como a escravização por dívidas, na qual existe inicialmente um
adiantamento de dinheiro, moradia ou alimentação que suprirão minimamente as necessidades
da família do obreiro, enquanto este permanece à espera de trabalho (truck system).
Posteriormente essa dívida será o fator impeditivo para o desligamento da relação de emprego
(coação moral), cerceamento da liberdade de locomoção e ameaça à integridade física.
Em suma, a interpretação ampla de trabalho em condições análogas à de escravo adotada
pelo entendimento jurisprudencial majoritário, ao considerar a submissão da vítima a trabalhos
forçados, jornadas extenuantes e condições degradantes de trabalho, independentemente da
comprovação de coação física ou do cerceamento da liberdade de locomoção do trabalhador,
como definição de trabalho escravo contemporâneo importou na ampliação da proteção dada
ao trabalhador.
Por fim, insta salientar que no próximo capítulo serão apresentados os mecanismos
nacionais de atuação, disponíveis no ordenamento jurídico para erradicação do trabalho análogo
à escravidão.
19

CAPÍTULO 2 - MECANISMOS NACIONAIS DE ATUAÇÃO PARA ERRADICAÇÃO


DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

Neste capítulo serão apresentadas as principais ferramentas extrajudiciais e judiciais


disponíveis no ordenamento jurídico pátrio para repressão ao trabalho análogo à escravidão. A
atuação administrativa através dos instrumentos pré-processuais como o inquérito civil e as
operações de fiscalização promovidas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel permite a
averiguação in loco e consiste no instrumento extrajudicial que dará origem a eventual ação
civil púbica por parte do Ministério Público do Trabalho. Das ações fiscais também poderão
resultar o compromisso de ajustamento de conduta como alternativa extrajudicial para fazer
cessar a conduta lesiva, além da reparação do dano aos direitos coletivos e indenização
pecuniária das vítimas.
Com a edição das portarias interministeriais 540/2004 e n.º 1.150/2003 pelo Ministério
do Trabalho e Emprego a administração poderá ainda promover sanções aos empregadores
envolvidos na submissão de trabalhadores à escravidão, quais sejam, a publicização da
identidade da pessoa física ou jurídica na chamada lista suja do trabalho escravo e a consequente
restrição de créditos e incentivos fiscais. Tal discricionariedade deriva do compromisso
brasileiro com a OIT em adequar a legislação nacional às circunstâncias da prática do trabalho
forçado, a depender da realidade social e econômica do contexto em que se insere, de modo
que as medidas deverão ser realmente eficazes pelo empenho conjunto de todos os entes.
A nível estadual a atuação integrada entre órgãos públicos, instituições privadas e
membros da sociedade civil, como o projeto Ação Integrada no Estado do Mato Grosso para o
acolhimento das vítimas e qualificação profissional, embora exista entraves à nacionalização
dessas estratégias devido às especificidades que a exploração do trabalho assume nas diferentes
regiões do país, o sucesso do projeto através das parcerias institucionais fez dele um exemplo
a ser implantado também nos outros estados.
Dentre as medidas judicias, a ação civil pública promovida pelo Ministério Público do
Trabalho como guardião dos interesses transindividuais, representa o principal mecanismo
tanto preventivo, quanto repressivo da lesão perpetrada. Insta salientar que a referida ação
coletiva não obsta a eventual proposição de ação individual por parte das vítimas. O capítulo
também trata da expropriação de terras como medida de combate ao trabalho escravo,
considerado mecanismo híbrido, porquanto, embora seja uma prorrogativa da administração
Pública prevista na Constituição Federal de 1988, a expropriação será prescindível de decisão
judicial transitada em julgado.
20

2.1 - TUTELA ADMINISTRATIVA

Através das convenções internacionais ratificadas ao longo do século XX, e com status
normativo de lei, o Brasil se comprometeu em adotar todas as medidas necessárias, legislativas
ou de outra natureza, para a erradicação do trabalho escravo. Conquanto exista elementos
comuns ao tipo penal, a administração pública adotou conceituação mais ampla para repressão
do trabalho escravo, bem como a possibilidade de edição de medidas pelo Poder Executivo.

[…] o conceito de trabalho escravo para fins administrativos é mais amplo do que
aquele previsto no Código Penal. E nem poderia ser diferente, haja vista que a política
criminal garantista em vigor no país volta-se – em especial – para a proteção do status
libertatis do réu. No caso concreto sob análise, não estamos a cuidar de processo penal.
Ao contrário, a ação administrativa volta-se para o atendimento do interesse público,
daí decorrendo todas as prerrogativas de que dispõe a Administração, inclusive as
presunções de legitimidade e veracidade que recaem sobre seus atos. (BRASIL, 2011,
p. 19).

Portanto, a instância administrava e penal são independentes entre si, de modo que a
mesma conduta poderá ser objeto de repressão após decisão decorrente de auto de infração
lavrado em decorrência de ação fiscal onde haja identificação de trabalhadores em condições
análogas à de escravo, independentemente da existência de ação penal como pressuposto para
a responsabilização administrativa, porquanto em atenção ao princípio da prevalência do
interesse público, a sociedade e os trabalhadores não poderão ter seus interesses paralisados ao
aguardar decisão de processo penal em curso.

2.2 - AÇÕES FISCAIS

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) atua conjuntamente ao Ministério Público


do Trabalho (MPT) no desenvolvimento de atividades combativas ao trabalho em condições
análogas à de escravo. O primeiro, enquanto Ministério do Governo é responsável pela
elaboração de políticas públicas para a geração de emprego e renda, bem como a fiscalização
das relações de trabalho no que concerne à segurança e saúde. Por sua vez, o Ministério Público
do Trabalho é o ramo do Ministério Público cuja principal função é promover ações civis
públicas no âmbito da justiça do trabalho, a fim de efetivar a defesa dos direitos individuais e
coletivos. Suas atribuições também estão relacionadas à fiscalização do cumprimento da
legislação trabalhista e à mediação das relações entre empregados e empregadores.
(BRASIL,2011)
21

O Ministério do Trabalho e Emprego, composto pelas Superintendências Regionais do


Trabalho, é responsável por fornecer subsídios, organizar os planos de ação e comunicá-los à
Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) – órgão subordinado. A SIT compreende o trabalho
dos auditores fiscais que têm à disposição um sistema informatizado de dados e estatísticas
referentes à atuação da Inspeção do trabalho no Brasil, onde são lançados e divulgados os autos
de infração lavrados, dentre outras informações.
Os coordenadores e chefias de fiscalização que integram o MTE formarão grupos de
operação compostos por auditores fiscais do trabalho juntamente com representantes de
quaisquer órgãos públicos cuja atuação for necessária, como a Polícia Federal, Polícia
rodoviária Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público do Trabalho e Ministério
Público Federal. Caberá à autoridade policial a abordagem inicial da área fiscalizada e a
elaboração de estratégias de segurança para salvaguardar os envolvidos. (BRASIL, 2011)
Todos os encarregados ficarão responsáveis pela verificação e registro – através de
fotografias e filmagens – para exposição de quaisquer ilícitos, não somente os quais dizem
respeito à seara trabalhista, mas também o descumprimento da legislação ambiental, fundiária,
penal, sonegação fiscal etc. O detalhamento da situação fática instruirá a investigação
conduzida pelo Ministério Público e os autos de eventual ação cabível. Das investigações
poderão resultar a celebração de termo de compromisso de ajustamento de conduta, o
ajuizamento de ação civil pública ou outra medida judicial necessária.
Caso verificada a submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo, o
empregador ou preposto serão comunicados da obrigatoriedade de registro e assinatura das
carteiras de trabalho. A numeração das CTPs deverá ser solicitada a Divisão para Erradicação
do Trabalho Escravo (DETRAE) - Departamento do Ministério da Economia – e conterá a sigla
“SIT”, seguida da série “00200” correspondente às CTPs provisórias. As atividades exercidas
pelos trabalhadores serão imediatamente sobrestadas e estes serão instalados em locais que
ofereçam condições dignas, às expensas do empregador, até que seja possível o retorno aos
seus respectivos locais de origem. Por vezes, quando inviável o retorno ao local de origem, os
núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas ou a própria DETRAE deverão ser contatados
para que seja viabilizado o acolhimento da vítima em abrigos do Estado. (BRASIL, 2011)
Deste modo, a rescisão do contrato de trabalho observará como base de cálculo a
remuneração pactuada no ato da contratação e garantirá ao trabalhador todos os direitos que
seriam devidos em caso de rescisão indireta, com fundamento no art. 483 da CLT. O auditor
fiscal competente ficará responsável pela subscrição das guias de seguro-desemprego, ao qual
22

fará jus o trabalhador resgatado, independentemente do reconhecimento de vínculo


empregatício.

2.3 - INQUÉRITO CIVIL

A Carta magna de 1988, no seu art. 129, inciso III atribuiu ao Ministério Público a
legitimidade para promover o inquérito civil, instrumento pré-processual investigatório que
juntamente à ação civil pública (Lei n.º 7.347/85) ampliaram o acesso à justiça, viabilizando a
proteção para quaisquer espécies de direito lesado, como a proteção ao patrimônio público e
social, ao meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Por sua vez, a Lei
Complementar n.º 75/93 conferiu ao Ministério Público do Trabalho papel importante no
combate ao trabalho análogo ao de escravo, enquanto órgão especializado para instaurar o
inquérito civil e promover a ação civil pública em caráter preventivo ou repressivo, à defesa
dos direitos sociais indisponíveis das relações de trabalho.
O Ministério Público enquanto responsável pela promoção da ação civil pública, possui
poderes instrutórios conferidos ao Procurador do Trabalho que ao presidi-lo poderá conduzir
diligencias investigatórias, requisitar exames, perícias e documentos de entidades públicas e
privadas, adentar quaisquer espaços desde que respeitados os direitos constitucionais de
inviolabilidade de domicílio, efetuar a condução coercitiva de testemunhas quando necessária,
requisitar o auxílio de servidores e os subsídios materiais necessários para conduzir suas
diligências, dentre outras competências.
Embora importante, o inquérito civil é dispensável para a propositura da ação civil
pública, bastando para tanto, a existência de elementos que constituam a convicção do MP

2.4 - CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM MANTIDO


TRABALHADORES EM SITUAÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO - “LISTA SUJA”

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) possibilitou a edição das Portarias n.º


540/2004 e n.º 1.150/2003 através do Plano nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, e
apesar das objeções, são medidas potencialmente efetivas por utilizarem de elementos da
própria globalização para tornar pública a identidade de pessoas físicas e jurídicas que
submeteram seus empregados ao trabalho escravo ou degradante, a chamada “Lista Suja”. A
divulgação dos nomes no Cadastro de Empregadores encontra respaldo no princípio
23

constitucional da publicidade e acesso a informações de interesse público por parte da


sociedade, e tem sido considerada eficaz ao obstar a concessão de créditos públicos ou de
incentivos fiscais aos empregadores autuados, evitando o fomento dessa atividade ilícita.
Outrossim, a sociedade de consumo atual é cada vez mais exigente no que diz respeito aos
parâmetros de sustentabilidade dos produtos disponíveis no mercado. A medida perdura por
dois anos e inclui contínuas fiscalizações nesse interim, transcorrido o período a lista é
atualizada. Por conseguinte, a portaria n.º 1.150/2003 determina a comunicação da lista aos
bancos administradores de Fundos Constitucionais de Financiamento, incentivando a não
concessão de créditos ou assistência com recursos às referidas empresas.
No ano de 2016 o Ministério do Trabalho e Previdência Social alterou o conceito de
trabalho escravo para fins de concessão de seguro-desemprego, bem como a exigência de
autorização do ministro do trabalho para divulgação da “lista suja” das empresas autuadas. A
constitucionalidade da Portaria Interministerial n.º 4 de 11/05/2016 e sua congênere supracitada
são alvos recorrentes de questionamento. Entre os argumentos de objeção estão a violação ao
contraditório e à ampla defesa dos empregadores inclusos na lista, a incompetência do
Ministério do trabalho para legislar sobre o tema e ainda a violação ao princípio da reserva
legal devido ao caráter sancionatório da medida. (ALCANTARA, 2017)
O ministro Marco Aurélio, então relator da ADPF 509, votou pela constitucionalidade
do ato administrativo, ao considerar que o princípio da reserva legal não foi violado, pois
encontra respaldo infraconstitucional na Lei de Acesso à Informação, a qual obriga aos órgãos
e entidades a promoção da chamada “transparência ativa”, que se consubstancia na divulgação
de informações de interesse público independentemente da solicitação dos administrados.
Ademais, o ministro também entendeu que o referido cadastro não tem caráter sancionatório e
objetiva somente a publicização de decisões administrativas, após o devido procedimento de
ação fiscal quando constatada relações abusivas de trabalho.
Em manifestação à ADI 3347, a AGU utilizou-se do argumento de que as portarias apenas
estabelecem atribuições internas para efetivação de políticas previstas nas leis ordinárias,
tratados, resoluções e convenções internacionais, as quais dão legitimidade à administração
para atuação na erradicação do trabalho escravo. Em suma, o STF tem se posicionado pela
constitucionalidade de tais portarias, ao ampliar os meios para efetivação dos planos Nacionais
e Internacionais convencionados para impedir violações à dignidade da pessoa humana.

2.5 - TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA


24

O termo de ajuste de conduta consiste no instrumento através do qual são celebrados


compromissos entre os legitimados para a sua propositura e o particular violador dos interesses
transindividuais, a fim de adequar as atitudes deste às exigências legais. Previsto nos arts. 626-
A4da CLT e 8765 da CLT, tal mecanismo criado inicialmente pela Lei 7.244/84, que
regulamentava os juizados especiais, surgiu para o aperfeiçoamento da tutela metaindividual
no âmbito administrativo, de forma mais célere e sem a judicialização da matéria.
Os legitimados para a proposição da ação civil pública poderão firmar o TAC no curso
do inquérito civil, mediante cominações com eficácia de título executivo extrajudicial àquele
que praticou conduta violadora dos interesses transindividuais, como forma de evitar a
propositura da ação civil pública. Poderão figurar como legitimados passivos: as pessoas
naturais, as pessoas jurídicas de direito privado e as de direito público, bem como os órgãos
públicos. A economia dos atos processuais configura a principal vantagem do compromisso de
adequação, porquanto uma vez descumpridos os termos pactuados, o órgão compromissado
poderá ajuizar diretamente a ação de execução do título extrajudicial perante o juízo de primeiro
grau na Justiça do Trabalho, pleiteando as astreintes devidas pelo descumprimento da
obrigação. (FERREIRA, 2011)
A finalidade do termo de ajuste de conduta consiste no compromisso de adequação de
conduta afetas ao direito do trabalho por parte do violador da norma, através da estipulação de
obrigações de fazer e não fazer sob pena de cominação de multa pecuniária, ou ainda, a
compensação ou indenização pelos danos causados quando não passíveis de reparação,
conforme previsão do art. 14 da Resolução 69/2007 do Conselho Superior do Ministério Público
do Trabalho. Apesar das inúmeras vantagens ao causador do dano, a assinatura do termo de
compromisso é facultativa, e, na hipótese de discordância com o teor do TAC ou recusa na
transação, restará ao Ministério público o ajuizamento da ação civil pública para cessar a lesão
aos direitos transindividuais.

2.6 - PROJETO AÇÃO INTEGRADA NO MATO GROSSO

4 “Art. 627-A CLT. Poderá ser instaurado procedimento especial para a ação fiscal, objetivando a orientação sobre
o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação
mediante Termo de Compromisso, na forma a ser disciplinada no Regulamento da Inspeção do Trabalho”.
5 “Art. 876 CLT - As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo;

os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do
Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executadas pela
forma estabelecida neste Capítulo”.
25

O projeto Ação Integrada foi criado em 2008 pela auditoria fiscal do trabalho do Mato
Grosso e consiste num programa de atuação integrada de órgãos públicos, instituições privadas
e membros da sociedade civil para a oferta de cursos de qualificação profissional e o
acolhimento das vítimas em programas de assistência social como o CREAS e o
encaminhamento a oportunidades de trabalho formalizado. As articulações entre o Ministério
do Trabalho e Emprego, a Procuradoria Regional do Trabalho e a Universidade Federal do Mato
Grosso deram origem a uma equipe multidisciplinar de acompanhamento das vítimas.
Através dos dados dos beneficiários do seguro-resgatado é possível a localização das
vítimas de trabalho análogo ao de escravo. Localizada a residência, será feita a primeira
abordagem através de entrevistas pelas quais a equipe tomará conhecimento do perfil do
trabalhador, seus relatos pessoais e suas aspirações de trabalho. A partir daí será possível o
estabelecimento de parcerias institucionais que melhor atendam as necessidades das vítimas.
Para além da inclusão profissional, também é possível a “formação cidadã” através de palestras
sobre direitos humanos e trabalhistas que o habilite a identificar violações de direitos.
O sucesso da inserção profissional dos resgatados é consequência direta da
individualização da assistência prestada. Segundo Costa (2020) as necessidades de qualificação
refletem as origens dos trabalhadores, por exemplo, aqueles que estão inseridos no meio rural
demandam por cursos relacionados a área agrícola, como cursos de operação de máquinas
agrícolas, quando será possível o estabelecimento de parcerias com o Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (Senar).
Os resultados positivos do projeto de reinserção do trabalhador que foi vítima de
trabalho análogo à escravidão fizeram da estratégia empreendida no estado do Mato Grosso um
modelo nacional de atuação interinstitucional integrada para a prevenção do recorrente
problema da reincidência das vítimas ao recrutamento fraudulento de trabalho, que as
submetem novamente a condições indignas de subsistência. Ocorre que o perfil de baixa
escolaridade e formação profissional das vítimas contribui para a manutenção da situação de
vulnerabilidade, e não raras as vezes mais de um membro da família está inserido no contexto
de exploração. Outra característica comum consiste no deslocamento constante para o interior
do estado em busca de oportunidades de emprego.
Costa (2020) em sua análise antropológica dos entraves à nacionalização do plano de
ação integrada, cita as opiniões de auditores ficais do trabalho ao lidarem diariamente com a
reincidência dos trabalhadores resgatados em situações análogas à escravidão: “É como
enxugar gelo!”. A afirmação diz respeito à inefetividade das medidas de auxílio como o seguro
desemprego, que sozinho não é capaz de promover a reinserção do indivíduo no mercado de
26

trabalho formal. O seguro resgatado consiste numa modalidade especial de seguro desemprego,
no qual são concedidas três parcelas mensais no valor de um salário mínimo às vítimas
resgatadas nas ações fiscais de trabalho.

2.7 - AÇÃO CIVIL PUBLICA

A Lei nº 9.008, de 21.3.1995 classifica os direitos transindividuais ou metaindividuais


como interesses a serem tutelados pela ação civil pública, dos quais são espécies os direitos
difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos. Segundo o dispositivo, os
direitos difusos têm natureza indivisível, cuja titularidade pertence a pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato. O meio ambiente representa o seu principal exemplo, uma
vez que a violação do bem interessa a toda coletividade envolvida e a satisfação do interesse de
um dos lesados importa no atendimento do interesse de todos.
Semelhante aos direitos difusos, os direitos coletivos também têm natureza indivisível,
mas sua titularidade pertence ao grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com
a parte contrária por uma relação jurídica base. Essa categoria de pessoas é passível de
determinação por estarem ligadas entre si à despeito de uma relação de trabalho, por exemplo.
A tutela dos direitos individuais homogêneos foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro
pelo Código de Defesa do Consumidor e consiste na defesa de interesses individuais
pertencente a pessoas determinadas ou determináveis que compartilham do mesmo prejuízo
(SILVA, 2010).
Diferentemente ao que acontece nos direitos difusos e coletivos, o objeto de interesse
individual homogêneo é passível de divisão, sendo conferido a cada indivíduo sua cota parte.
Entretanto, o fato de seus titulares estarem ligados por circunstâncias fáticas de origem comum
possibilita ao Ministério Público ou aos legitimados para a proposição da ação civil pública, a
tutela judicial na qualidade de substituto processual das vítimas, o que também não inviabiliza
a tutela individual à cada interessado. Nesse sentido, o manejo da referida ação evita a
proliferação de demandas individuais, prestigiando a atividade jurisdicional, além de
democratizar o acesso ao Poder Judiciário e evitar decisões contraditórias sobre matérias de
origem comum (LEITE, 2005).
Embora não previsto expressamente entre os incisos do art. 1 da Lei 7.347/1985 – lei
que disciplina as atribuições da ação civil pública – a Constituição Federal de 1988 tornou o
seu rol meramente exemplificativo, a fim de ampliar as hipóteses de cabimento da ação civil
pública de responsabilidade à tutela das relações de trabalho, dentre outras (CF, art. 129, III).
27

Ao violar a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, princípios


fundamentais da república, a proibição do trabalho em condições análogas à de escravo é
classificado como de interesse difuso. A classificação decorre do fato de a erradicação do
trabalho escravo ter como titulares de direito sujeitos indeterminados, ao passo que acarreta
prejuízos a toda a sociedade, outrossim o seu objeto é indivisível, porquanto a satisfação do
interesse de uma das vítimas importa a satisfação do interesse de toda a coletividade. (SILVA,
2010)
Todavia, a classificação dos interesses não deve ser tomada a partir da matéria abstrata
a qual pertencem, de modo que o trabalho escravo dá ensejo à tutela de interesses difusos e
também à tutela de interesses individuais homogêneos, variando a sua classificação conforme
a pretensão jurisdicional. Haverá a tutela de interesses difusos nas hipóteses de condenações
que almejam a prevenção da conduta lesiva e nas hipóteses de reparação do dano, caso no qual
a ação civil pública buscará a indenização pelos danos morais coletivos perpetrados. Por outro
lado, a defesa dos interesses individuais homogêneos ocorre quando a ação tiver por objetivo a
reparação aos danos individuais dos trabalhadores envolvidos, sendo a “ação civil coletiva” o
instrumento hábil à tutela dos interesses individuais homogêneos. Em todas as hipóteses
supracitadas, as pretensões serão demandadas perante a Justiça do Trabalho. (SILVA, 2010)

2.8 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS

Como visto anteriormente, entre os instrumentos de atuação do Ministério Público do


trabalho no âmbito judicial se inclui a ação civil pública, cuja tutela pleiteada poderá ter caráter
preventivo ou repressivo da lesão perpetrada ao interesse transindividual. A defesa dos
interesses difusos através da ação civil pública classificados como de caráter jurisdicional
preventivo, ou seja, no sentido de evitar a perpetuação da conduta, consiste na condenação do
réu ao cumprimento das obrigações de fazer ou de não fazer. Igualmente, quando não for
possível a reparação e do dano material ou moral do interesse difuso tutelado, a ação civil
pública assumirá caráter repressivo ao buscar a condenação do réu à indenização pelos danos
morais coletivos.
O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, sofrimento ou de
abalo psicológico. Esses elementos identificados na esfera do indivíduo, não se aplicam para
interesses difusos e coletivos. Trata-se de dano aferível in re ipsa, ou seja, decorrente da mera
constatação da conduta. Ademais, embora a Lei nº 7.347/1985 não mencione o regime de
responsabilização adotado para a violação dos interesses difusos e coletivos, vem sendo adotada
28

a teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva como mecanismo de proteção mais


eficiente a esses interesses, visto que independem da culpabilidade do agente envolvido,
bastando que se demonstre a conduta antijurídica e o nexo direto com o dano provocado
(PONTES, 2018)
Nesse sentido, respaldado na Lei Complementar n. 75/93 que possibilitou a proposição
da ação civil pública à defesa dos interesses coletivos trabalhistas, a partir de 2001 o Ministério
público passou a exigir dos exploradores do trabalho em condições análogas à de escravo a
indenização pelos danos morais coletivos nas ações civis públicas trabalhistas, sempre que não
for possível o retorno ao status quo ante através da reparação do bem jurídico lesado. As
primeiras indenizações consistiam em valores modestos que foram aumentando gradativamente
conforme a gravidade da conduta e a reincidência do infrator.

EMENTA. “I – TRABALHO EM CONDIÇÕES SUBUMANAS. DANO MORAL


COLETIVO PROVADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Uma vez provadas as
irregularidades constatadas pela Delegacia Regional do Trabalho e consubstanciadas
em Autos de Infração aos quais é atribuída fé pública (art. 364 do CPC), como também
pelo próprio depoimento da testemunha do recorrente, é devida indenização por dano
moral coletivo, vez que a só notícia da existência de trabalho escravo ou em condições
subumanas no Estado do Pará e no Brasil faz com que todos os cidadãos se
envergonhem e sofram abalo moral, que deve ser reparado, com o principal objetivo
de inibir condutas semelhantes. Recurso improvido. II – TRABALHO ESCRAVO.
PRÁTICA REITERADA. AGRAVAMENTO DA CONDENAÇÃO. Comprovado
que as empresas do grupo econômico integrado pelas reclamadas já foram autuadas
diversas vezes pelas mesmas razões, sem que cessem a conduta, há que se agravar a
condenação. Recurso do Ministério Público parcialmente provido”. CONCLUSÃO:
Acordam os desembargadores da Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional do
Trabalho da Oitava Região, unanimemente [...] negar provimento ao recurso dos réus
e dar parcial provimento ao do Ministério Público do Trabalho para, reformando
parcialmente a decisão a quo, majorar a indenização por dano moral coletivo para R$
5.000.000,00 (cinco milhões de reais), mantendo a decisão em seus demais termos
[...]” (Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. 1ª Turma, Recurso Ordinário nº
01780-2003-117-08-00-02, Rel. Juíza Suzy Elizabeth Cavalcante Koury. Belém, 21
de fevereiro de 2006).

No recurso ordinário acima, o Ministério Público do Trabalho requereu a reforma


parcial da sentença para que fosse majorado o valor da indenização por dano moral coletivo,
pelo motivo de não adequação de sua conduta às exigências legais, pelas irregularidades
trabalhistas constatadas no curso das ações fiscais nos anos de 1998, 2002 e 2003 em fazenda
situada no estado do Pará. Na fundamentação do acórdão o relator recorda que a empresa fora
condenada ao pagamento de indenizações por danos morais coletivos no valor de R$30.000,00
no ano de 2002, e continuou a descumprir as obrigações fixadas, demonstrando ser irrisória tal
importância para que cessasse a prática, diante disso, o entendimento foi de que a condenação
deveria ser agravada face à reiteração da conduta.
29

2.9 - AÇÃO CIVIL COLETIVA PARA PROTEÇÃO DOS INTERESSES INDIVIDUAIS


HOMEGÊNEOS

A ação civil coletiva foi introduzida no ordenamento jurídico pelo Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/1990) e constitui alternativa judicial adequada à proteção dos direitos
individuais homogêneos, que ao contrário dos direitos difusos, são divisíveis e passíveis de ser
atribuídos individual e proporcionalmente a cada um dos indivíduos interessados. As
indenizações a título de dano extrapatrimonial sofrido poderão ser pleiteadas em juízo,
individualmente pela vítima, bem como pelos legitimados expressos no art. 82 do CDC. Dentre
o rol de legitimados encontra-se o Ministério Público que no exercício de suas funções, poderá
propor a ação civil coletiva no interesse das vítimas e de seus sucessores por danos
individualmente sofridos, igualmente, a referida ação também será exercida pelo Ministério
Público do Trabalho perante a Justiça Especializada para a indenização pelos danos morais
individuais oriundo das relações de emprego e do trabalho em condições análogas à de escravo.
Por muito tempo perdurou a controvérsia doutrinária a respeito do cabimento da ação
civil pública também para a proteção dos direitos individuais homogêneos. De fato, a
Constituição Federal atribuiu à ação civil pública somente a proteção dos interesses difusos e
coletivos, enquanto que a defesa dos interesses individuais tratados circunstancialmente de
forma coletiva através da ação coletiva foi introduzida pelo CDC, com o objetivo evitar a
proliferação de demandas individuais e decisões contraditórias. No entanto, após a promulgação
da LC n.º 75/1993 não há mais óbice à possibilidade de o MP promover a ação civil pública
para a tutela de qualquer interesse individual indisponível e homogêneo.

2.9.1 - As controvérsias que envolvem a destinação das indenizações por dano moral coletivo

A destinação dos valores decorrentes de indenização por dano moral coletivo em ação
civil pública trabalhista ou provenientes de termos de ajustamento de conduta é fruto de
controvérsias. O art. 13 da Lei n.º 7.347/85 prevê a reversão do dinheiro proveniente das
condenações pecuniárias a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos
Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da
comunidade. Como resposta à lei que regulamenta a ação civil pública, a Medida Provisória
913/1995 criou o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos-CFDD,
30

cuja finalidade dos recursos será a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por
infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos, conforme expresso no art.
1º da referida norma.
A reparação consistirá na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de
material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano
causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela
execução das políticas. No entanto, essa centralização de recursos provenientes de condenações
aos direitos difusos não é plenamente atendida no contexto juslaboral pelo fato de ainda não
existir um fundo específico que conte com a participação do ministério Público do Trabalho,
como exigido pela Lei n.º 7.347/85.
Embora as causas trabalhistas sejam responsáveis por grande aporte de recursos
provenientes das multas previstas nos artigos 11 e 13 da Lei de Ação Civil Pública, o Fundo de
Amparo do Trabalhador (FAT) também não seria contemplado com esses recursos, se não fosse
a previsão jurisprudencial diante da omissão normativa. Mas existem outros problemas
decorrentes de os objetivos do FAT não guardar correspondência adequada com a reparação
dos danos causados aos trabalhadores, nesse sentido:

[...] o FAT efetivamente possui papel de extrema relevância no mundo do trabalho,


mas financia também o desenvolvimento econômico, por meio do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com recursos de grande monta
direcionados a empreendimentos, sem que haja, para a concessão de financiamentos,
qualquer verificação acerca de histórico de descumprimento do ordenamento jurídico
trabalhista ou mecanismos de controle para exigir o seu cumprimento”. É nesse
sentido que o autor vislumbra como ideal a criação de um fundo trabalhista, com
participação do Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho e da
sociedade civil, a exemplo de entidades sindicais de trabalhadores e empregadores
(PEREIRA, 2016, p. 347).

Os projetos contemplados pelo FAT são destinados à microempreendedores ou à


agricultura familiar, os quais não alcançam diretamente a população atingida pelo trabalho
escravo, pelo fato de estarem inseridos em contextos diferentes. O trabalhador resgatado vive
em condições de vulnerabilidade econômica e na maioria das vezes nunca teve formalizada a
relação de emprego.
À vista disso, o enunciado n.12 da I Jornada de Direito Material e Processual do
Trabalho contempla a possibilidade de o Magistrado reverter os montantes condenatórios das
ações civis públicas em que se discute o trabalho escravo à promoção de políticas de inclusão
que sejam capazes de romper com o ciclo que leva ao trabalho degradante, através de
31

benfeitorias sociais como a construção de escolas, postos de saúde e áreas de lazer. Nesse caso,
os montantes serão revertidos à coletividade apenas quando o autor demandar pela tutela
diferenciada, ou seja, realizado um consenso entre o MPT e o Magistrado, os valores são
destinados à proteção dos interesses dos trabalhadores, como forma de assegurar o resultado
prático do processo.

2.10 - TUTELA PENAL

O crime de redução à condição análoga à de escravo está contido no capítulo VI do


Código Penal, cujo bem jurídico tutelado é a liberdade individual. A redação originária do art.
149 era tida como um tipo aberto, visto que não havia definição dos elementos que
configurariam o crime, cabendo tal tarefa à doutrina e jurisprudência mediante a análise do caso
concreto. Tendo em vista as dificuldades da aplicação da norma, devido a essa amplitude do
tipo penal, a Lei n. 10.803 de 2003 alterou o dispositivo, conferindo-lhe concretude conceitual.

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a


trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes
de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim
de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos


ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (BRASIL,


1943).

A alteração legislativa, embora tenha proporcionado segurança jurídica à atividade


jurisdicional, fez surgir dúvidas no que diz respeito à taxatividade do rol de condutas elencadas.
A enumeração exaustiva das condutas restringiu as hipóteses que caracterizam a infração penal,
cuja consequência é o impedimento da aplicação da norma a outras condutas que traduzam a
redução do trabalhador a condições análogas à de escravo por não estarem previstas no rol do
artigo 149.
32

Inicialmente, a jurisprudência se consolidou no sentido de que a submissão do


trabalhador a condições degradantes não seria suficiente para a configuração do tipo penal, pelo
fato de a liberdade individual ser o objeto imediato da tutela penal, o cerceamento da liberdade
seria imprescindível para a caracterização do crime. No entanto, decisões do STF têm defendido
a dignidade da pessoa humana como sendo o principal bem jurídico tutelado pelo artigo, diante
disso, o delito não se configura apenas com a liberdade de locomoção, mas em decorrência de
outros meios de dominação que não sejam necessariamente físicos. (ALVES, 2008)
Quanto a competência para julgar o crime previsto no art. 149, a Constituição Federal
de 1988 atribuiu à Justiça Federal comum a prerrogativa para julgar os crimes contra a
organização do trabalho. Anteriormente, essa competência não abarcava casos de lesão
individual a empregado específico ou número determinado de trabalhadores, os quais seriam
de competência da Justiça Estadual comum. Contudo, embora o art. 149 do CP esteja inserido
na parte do Código que tipifica os crimes contra pessoa, o STF reconheceu, no Recurso
Extraordinário nº 3980416 que o crime tipificado nesse artigo representa afronta aos direitos
fundamentais do trabalhador e também constitui ilícito contra a organização do trabalho - rol
previsto nos arts.197 ao 207 - sendo sua competência da Justiça Federal.
A efetividade das ações judiciais penais na repressão ao trabalho escravo deixa a desejar
no sentido de não existirem condenações suficientes por parte do Poder Judiciário, pelo motivo
de o entendimento jurisprudencial conservador mantido por muitos magistrados impedir a
aplicação da condenação à parcela considerável dos casos, ao considerarem a restrição da
liberdade de locomoção fator determinante para a configuração do tipo penal (AZEVEDO,
2022)
Do mesmo modo, a não previsão da possibilidade de responsabilização penal da pessoa
jurídica no ordenamento pátrio, estando esta adstrita à pessoa natural, impede o alcance dos
verdadeiros beneficiários da exploração do trabalho. Essa limitação na responsabilização dos
envolvidos permite somente o alcance da pessoa física do empregador imediato, que muitas
das vezes está em igual situação de vulnerabilidade. Nesse sentido, a fiscalização de toda a
cadeia produtiva para a responsabilização das empresas tomadoras de serviço na pessoa dos
sócios, são alternativas defendidas para a consecução da condenação dos verdadeiros
beneficiários do trabalho escravo.

6 BRASIL. STF. Recurso Extraordinário nº 398041. Rel. Ministro Joaquim Barbosa


33

2.11 - EXPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS

A emenda constitucional n. 81 de 2014 atribuiu nova redação ao art. 243 da Constituição


Federal, ampliando as possibilidades de expropriação de imóveis, para incluir a possibilidade
do confisco de terras onde localizada exploração de mão de obra e sua consequente destinação
à reforma agrária ou à programas sociais de habitação popular. A discussão a respeito do
assunto começou ainda em 2001 com a polêmica PEC 438, a qual caiu em ostracismo por
longos anos e voltou a ser rediscutida em 2012 graças ao empenho do Poder Executivo na
implementação do compromisso assumido com a OIT através do Plano Nacional para
Erradicação do Trabalho Escravo. O plano tinha como uma de suas metas a priorização da
reforma agrária em municípios onde existam trabalhadores escravizados e aliciados.
A tramitação da PEC fora envolta de conflitos de interesses partidários entre
representantes de organizações da sociedade civil e representantes da Frente Parlamentar da
Agricultura. As objeções se davam pela conceituação de trabalho escravo adotada pelo art. 149
do Código Penal e uma consequente insegurança jurídica aos produtores rurais. Para tanto, cita-
se:

De forma sucinta, o que propõem é que sejam considerados casos de trabalho análogo
ao de escravo apenas as situações comprovadas de manutenção de trabalhadores em
cárcere privado. Outros aspectos que hoje são considerados para a caracterização do
crime, como a servidão por dívidas e as jornadas exaustivas de trabalho, por exemplo,
ficariam fora dessa conceituação. Alguns parlamentares defendem que existe um
exagero na atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho e no ativismo de organizações
da sociedade civil que utilizariam a “bandeira” da luta contra o trabalho escravo para
denegrir a imagem do agronegócio e ameaçar o direito à propriedade privada
(BRANDÃO; ROCHA, 2013, p. 202).

Finalmente, no ano de 2023 o projeto de lei n. 5.970/2019 que regulamenta o então


artigo 243 da Constituição está às vistas de aprovação pelo Senado Federal e representará um
grande avanço na efetivação do enfrentamento ao trabalho escravo. O texto inicialmente
apresentado consiste na proposta de regulamentação da expropriação das propriedades rurais e
urbanas onde forem localizadas a exploração do trabalho em condições análogas à escravidão,
que se darão sem qualquer direito à indenização e independente de outras sanções previstas em
lei, bem como a caracterização do trabalho escravo e condições degradantes para sua aplicação.
A redação do projeto considera como trabalho em condições análogas à de escravo a
submissão ao trabalho forçado mediante coação ou restrição da liberdade pessoal; o isolamento
geográfico ou o cerceamento do uso de qualquer meio de locomoção; a manutenção de
vigilância ostensiva no local de trabalho ou a retenção de documentos e objetos pessoais com a
34

finalidade de retenção do trabalhador no local de trabalho; a restrição de liberdade em razão de


dívida contraída com o empregador; a submissão à condições degradantes de trabalho; a
sujeição a jornada exaustiva, entendida como aquela que, cause sobrecargas físicas e mentais
ao trabalhador, expondo-o a elevado risco para a saúde ou risco de ocorrência de acidente do
trabalho.
O parágrafo 1º do art. 2º também conceitua as condições degradantes de trabalho e exige
a cumulação de no mínimo três das seguintes situações para sua caracterização: impossibilidade
de acesso à água potável; a não disponibilização de condições higiênicas ou de preservação da
privacidade; alojamentos impróprios quando o seu fornecimento for obrigatório; armazenagem
de alimentos ou preparo de refeições em locais inadequados e sem higiene; moradia coletiva de
famílias ou alojamento coletivo de homens e mulheres; sistemas remuneratórios que resultem
no pagamento do salário base inferior ao mínimo legal; o pagamento de salário com álcool ou
drogas; a não avaliação dos riscos ambientais ou inerentes à atividade e a não adoção de
medidas para a sua neutralização; agressão física, psicológica ou assédio sexual perpetrados
por superior hierárquico.
Tal projeto de lei assegura que a expropriação somente ocorrerá após o trânsito em
julgado de sentença condenatória de natureza penal ou trabalhista. Contanto que assegurado o
devido processo legal, a regulamentação não representa risco à segurança jurídica do produtor
rural, pelo contrário, segundo especialistas da Comissão de Direitos Humanos a lei ordinária
ajudará no combate à concorrência desleal devido ao desincentivo da prática de atividades
ilegais, que colocam em risco a vida de trabalhadores e a própria segurança econômica do país.
Nesse capítulo foram demonstradas as medidas de enfrentamento do problema do
trabalho em condições análogas à de escravo, bem como os problemas e objeções às suas
aplicações e eficácia. No próximo capítulo será feito breve estudo de caso a fim de acompanhar
o pragmatismo das medidas perpetradas pelo Ministério Público no decorrer das ações fiscais,
como o compromisso com os empregadores através do termo de ajustamento de conduta, além
das repercussões legislativas que provocaram a proposição de projeto de lei e atualização das
estratégias de atuação estatal. Insta salientar que se trata de caso recente, e apesar de interpostas
algumas ações individuais pelas próprias vítimas, com vistas a indenizações pecuniárias pelos
danos decorrentes das condições trabalho degradantes as quais foram submetidas, não será
possível acompanhar o desfecho do caso, visto que não existe ainda qualquer decisão judicial
transitada em julgado, ou mesmo fora proposta ação civil pública na justiça do trabalho.
35

CAPÍTULO 3 - O CASO PARADIGMÁTICO DE TRABALHO ANÁLOGO À


ESCRAVIDÃO NO MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES/RS E SUAS
REPERCUSSÕES

A intensificação da fome e da condição de hipossuficiência dos trabalhadores frente aos


aliciadores e empregadores faz com que o trabalho em condições análogas a de escravo seja
comum no Brasil, especialmente nas zonas rurais e nos sertões, onde são facilmente encontradas
situação de trabalho desregulamentado, precário e indigno. Não à toa, o TRF da 5ª Região, que
abrange o território composto pelo sertão nordestino, por vezes, adota entendimento divergente
quanto a caracterização do trabalho análogo ao de escravo, sendo comum o trancamento de
ações penais pela necessidade de se demonstrar o cerceamento da liberdade de locomoção para
configurar a tipicidade do delito previsto do art. 149 do Código Penal. O argumento muito
utilizado pelo Ministério Público e também pelo magistrado é de que as condições precárias
presentes na dura realidade da zona rural, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-oeste são comuns a todos os trabalhadores e agricultores em regime de economia
familiar. (SEVERO, 2021)
O caso mais recentemente encontrado de aliciamento de trabalhadores em situação de
vulnerabilidade econômica para prestar serviços a grandes cooperativas, diz respeito aos
trabalhadores baianos resgatados no município de Bento Gonçalves/RS, onde foram
encontrados centenas de homens mantidos em cárcere privado, que através de uma empresa
intermediadora de mão de obra foram contratados para trabalhar na colheita de uva, cadeia de
produção do vinho para as grandes empresas Aurora, Garibaldi, Salton e similares. O caso
envolvendo manifestações xenofóbicas teve grande repercussão midiática e trouxe à pauta
parlamentar discussões sobre falhas na legislação pós-reforma trabalhista e medidas a serem
tomadas a fim de coibir a prática do submetimento de trabalhadores a condições degradantes
de trabalho.

3.1 - APRESENTAÇÃO GERAL DO CASO

No dia 22 de fevereiro de 2022 foi feita uma denúncia à Polícia Rodoviária Federal de
Caxias do Sul, por três trabalhadores que conseguiram fugir de alojamento onde haviam sofrido
agressões físicas, espancamento e até mesmo eletrochoques. De igual forma, a polícia de Porto
Alegre também foi contatada por outros três trabalhadores que alegavam terem passado por
36

igual situação. Após averiguações da Polícia Rodoviária Federal, foi possível a organização de
uma ação fiscal composta por Auditores Fiscais do Trabalho, juntamente com o Ministério
Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF), iniciada às 18 horas do dia 22 de abril. No
local foram encontrados 207 trabalhadores mantidos em alojamento pertencente à empresa de
mão de obra terceirizada - Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão da Saúde Ltda -
onde eram submetidos a jornadas de trabalho extenuantes sob vigilância armada e tortura. O
alojamento não comportava tamanha quantidade de trabalhadores, e segundo relatos de várias
das vítimas, por vezes, eram fornecidas comidas estragadas nas refeições. Outra situação
perturbadora registrada foi o relato de tortura com eletrochoques e descontos de até um salário
mínimo vigente por dia não trabalhado, quando do acometimento de doenças.
A maior parte dos trabalhadores eram originários do estado da Bahia e tiveram de
custear o próprio transporte até o município de Bento Gonçalves/RS, onde trabalhavam na
colheita e no descarregamento das uvas. As vítimas também adquiriam os próprios
equipamentos de proteção individuais (EPI’s) e eram compelidas a efetuar compras de produtos
de necessidades básicas em mercadinho com preços superfaturados, sendo levados ao
endividamento antes mesmo de receber qualquer pagamento. A empresa terceirizada era
contratada das vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora e recebia cerca de R$ 6.500,00 por
trabalhador, sendo que repassaria aos empregados o valor correspondente ao salário acordado
apenas ao final da safra, quando executado todo o serviço.
As vítimas foram resgatadas e instaladas temporariamente em alojamento cedido pela
prefeitura do município de Bento Gonçalves, onde receberam alimentação adequada, roupas
limpas e atendimento médico clínico e psicológico, enquanto era articulado o retorno para suas
cidades de origem. O Ministério do Trabalho juntamente com o Ministério Público do Trabalho
foram responsáveis pela articulação com a empresa Fênix para o depósito dos vencimentos e
custeio das despesas com a viagem, além da regularização dos documentos pessoais dos
trabalhadores, necessários ao recebimento do seguro-desemprego.
Assim como as verbas rescisórias, as obrigações com hospedagem e atendimento pós-
resgate das vítimas é responsabilidade do empregador direto, no entanto, Pedro Augusto
Oliveira de Santana foi preso em flagrante durante as operações. O administrador da empresa
Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão da Saúde Ltda atua há mais de dez anos
arregimentando trabalhadores safristas, que inicialmente eram levados para trabalhar nos
abatedouros de frango do Rio Grande do Sul, depois passou a fornecer mão de obra para o
segmento do vinho na serra gaúcha. Santana já era reclamado em ação trabalhista envolvendo
o trabalho análogo ao de escravo referente à outra empresa de sua propriedade, em tal processo,
37

o empregado alegou ter sido submetido a jornadas de trabalho extenuantes, entre 12 e 16 horas
diárias.

3.2 - O TAC FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E AS


EMPRESAS ENVOLVIDAS

O Termo de Ajuste de Conduta tem natureza de negócio jurídico com eficácia de título
executivo extrajudicial e consiste no recurso utilizado no Direito Coletivo do Trabalho para
que o empregador direto e as beneficiárias da cadeia produtiva assumam as obrigações com o
pagamento de multa, bem como as indenizações individuais e coletivas. As vinícolas envolvidas
no caso de Bento Gonçalves se comprometeram em pagar indenizações a título de danos morais
individuais no valor de R$ 2.000.000,00, valor que será repartido entre as vítimas que foram
submetidas ao trabalho análogo ao de escravo e R$ 5.000.000,00 a título de danos morais
coletivos revertidos a fundo indicado pelo Ministério Público do Trabalho para a recomposição
dos impactos perpetrados aos direitos difusos.
As cláusulas previstas no TAC abrangem todos os empreendimentos atuais e futuros
das compromissárias e preveem a observância de obrigações de não fazer como: a abstenção de
recrutar trabalhadores mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia, a fim de submete-los à
servidão ou utilizar-se de serviços de empresa interposta para a mesma finalidade; a abstenção
de manter trabalhadores em condições contrárias às disposições de proteção ao trabalho e não
assegurar as condições de retorno ao seu lugar de origem. As cláusulas compromissárias que
tem por objeto obrigações positivas requerem a disponibilização de alojamentos em condições
adequadas de utilização; o fornecimento de alimentação farta e sadia e água potável; ou a
contratação de empresas com capacidade técnica para a execução do serviço contratado, que
garanta segurança, higiene e salubridade.
As empresas controladoras também se comprometeram com a fiscalização das empresas
contratadas para a prestação de serviços que ative em seu proveito e as diligencias a serem
tomadas no momento da contratação, a fim de garantir o cumprimento das normas trabalhistas
durante todo o contrato de trabalho. O dever de fiscalização também se estende para com os
produtores rurais de uva com quem mantenham relações comerciais, através de visitas de
averiguação das quais será feito relatório de qualquer irregularidade trabalhista encontrada.
Também serão realizados eventos que abordem temas pertinentes aos direitos humanos e
direitos trabalhistas para promover a conscientização de seus parceiros comerciais.
38

O instrumento de ajustamento de conduta leva em consideração os tratados


internacionais ratificados pelo Governo brasileiro, dentre as quais são citados os Princípios
Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos; os princípios do trabalho decente
reconhecidos pela OIT; e a Agenda Nacional do Trabalho Decente assinada em 2006.
Importante destacar que a assinatura do TAC por parte dos envolvidos não significa a assunção
da culpa ou da responsabilidade pelas irregularidades constatadas no curso da ação fiscal, e
também não prejudica as várias ações individuais interpostas pelos trabalhadores.

3.3 - PROJETO DE LEI N.º 859, DE 2023

A descoberta de trabalhadores em condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves


trouxe à pauta parlamentar discussões acerca dos contratos de terceirização da atividade
principal por pessoas jurídicas de direito privado, situação viabilizada pela Reforma Trabalhista
que contribuiu para a precarização das relações de emprego e fez com que aumentasse
significativamente o número de casos relacionados ao trabalho análogo ao de escravo nos
últimos anos. O senador Paulo Paim, do Rio Grande do Sul afirma que nove entre dez casos de
trabalho escravo contemporâneo descobertos no Brasil ocorrem pela possibilidade de
terceirização da atividade fim por empresa subsidiária. À vista disso, o Projeto de Lei n.º 859/
2023 de iniciativa do senador, busca alterar o conceito de terceirização, para que seja possível
somente a transferência das atividades meio, assim consideradas as atividades que não integrem
o objeto social ou a essência econômica da empresa.
O projeto de lei também prevê a alteração da responsabilização da empresa tomadora
de serviços e as diligencias a serem tomadas no momento da celebração do contrato de
terceirização, como a prévia comunicação à entidade sindical representativa da categoria
profissional. A responsabilidade subsidiária da empresa contratante atualmente adotada pela
CLT obriga que seja observada uma ordem de cobrança, impedindo que o tomador de serviços
seja acionado diretamente para o adimplemento das verbas trabalhistas e previdenciárias
decorrentes do contrato de trabalho, nesse sentido, o artigo 17 prevê a responsabilização
solidaria dos responsáveis. Do mesmo modo, na seara penal, o projeto procura alterar o art. 149
do Código Penal, para prever o agravamento da pena, no caso de redução de trabalhador à
condição análoga à de escravo praticada por intermédio de empresa terceirizada.
39

3.4 - OS PROBLEMAS NO SISTEMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO

À nível estadual os problemas apontados pelo relatório final da Comissão de


Representação Externa da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul demonstram a
necessidade de uma atualização do Plano para Erradicação do Trabalho Escravo. A comissão
criada logo após o incidente de Bento Gonçalves, teve por objetivo analisar a efetividade do
Sistema Estadual de Combate à Escravidão para a elaboração de propostas de aperfeiçoamento.
Ao final dos debates e oitivas foram constatados problemas como a defasagem de 50% na
ocupação dos cargos para auditores fiscais do trabalho. A categoria de servidores relata que a
falta de pessoal influencia quantitativamente na possibilidade de deflagração de ações de
resgate e fiscalizações eficazes.
O Plano Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo remonta do ano de 2013 e
consiste numa referência de atuação para o Governo do Rio Grande do Sul e para a Assembleia
Legislativa do estado, no entanto, a grande maioria das propostas de responsabilidade desses
entes não foram cumpridas, sendo necessária uma atualização desse plano, visto que a realidade
das relações de trabalho se transformou sobremaneira após à reforma trabalhista de 2017. A
generalização das terceirizações aumentou os índices de trabalhadores resgatados em condições
análogas à escravidão, sendo eles, quase que em sua totalidade contratados por empresas
interpostas, situação idêntica ao acontecido no Munícipio de Bento Gonçalves (ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2023).
Assim, a demonstração do incidente de Bento Gonçalves torna evidente a necessidade
de uma reforma sistêmica nos planos de atuação nacionais e estaduais para o combate ao
trabalho escravo, sendo possível constatar a falta de convergências de ações entre os órgãos
responsáveis, a precariedade no funcionamento dos sistemas estaduais (COETRAE) e a
incapacidade do poder público em cumprir com as responsabilidades previstas nos planos de
ações, como problemas comuns a todos os estados e que dificultam a efetividade das medidas
de combate com relação ao trabalho análogo à escravidão.
40

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de uma análise sócio-histórica foi possível compreender a escravidão


contemporânea como um problema estrutural apoiado na discriminação e desigualdade social.
Embora a formalização da abolição escravocrata ocorrida ainda no século XIX, o estado
democrático de direito não ofereceu subsídios à liberdade plena de alguns grupos sociais.
Respeitadas a especificidades regionais na formação do mercado brasileiro, o problema comum
da escassez de recursos faz desses grupos vulneráveis a propostas de trabalho fraudulentas, em
que são submetidos a situações dramáticas de trabalho extenuante e condições insalubres de
subsistência, coagidos a permanecerem trabalhando sem receber o mísero salário.
Ao longo dos capítulos, a pesquisa buscou compreender a efetividade dos mecanismos
nacionais empreendidos no combate ao trabalho análogo à escravidão, bem como as principais
discussões acerca da atuação institucional no âmbito judicial e extrajudicial. Os planos
nacionais para erradicação do trabalho em condições análogas à de escravo, inspirados nos
compromissos firmados com organismos internacionais através de instrumentos normativos,
conferiram autonomia aos entes federativos para articulação e executoriedade de políticas
próprias, considerando as especificidades de cada estado.
Nesse sentido, o protagonismo das medidas extrajudiciais, através da cominação de
multas, a imposição de restrições de crédito e outras sanções, conforme apresentado no termo
de ajuste de conduta firmado entre o Ministério Público e as empresas tomadoras de serviço,
no caso do Município de Bento Gonçalves, acontece diante a morosidade do judiciário e muitas
tentativas frustradas de penalização dos culpados. A divergência jurisprudencial adotada pelos
TRF’s para a caracterização do crime previsto no art. 149 do Código Penal contribui para o
trancamento da ação penal em grande parte dos casos levados ao judiciário. Além disso,
eventuais sentenças condenatórias não são capazes de alcançar todos os beneficiários da cadeia
produtiva de bens e serviços para os quais são empregados mão de obra escrava.
Desse modo, o trabalho alcançou o objetivo estabelecido ao demonstrar as ferramentas
governamentais disponíveis, a responsabilidade atribuída aos entes federativos e a seus
respectivos órgãos no combate e prevenção ao trabalho análogo à escravidão. A demonstração
do caso ocorrido no Município de Bento Gonçalves contribuiu para a visualização da aplicação
dos instrumentos extrajudiciais de atuação disponíveis ao Ministério Público e dos problemas
referentes à defasagem dos planos para erradicação do trabalho escravo frente à Reforma
Trabalhista, além da falta de integração das ações institucionais para a promoção do trabalho
decente.
41

REFERÊNCIAS

ALVES, Rejane de Barros Meireles. Escravidão por dívidas nas relações de trabalho rural
no brasil contemporâneo: forma aviltante de exploração do ser humano e violadora de
sua dignidade. Dissertação de Mestrado em direito - Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-11112011-
110351/publico/Dissertacao_PDF.pdf. Acesso em 14 de março de 2023.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (Porto


Alegre/RS). Comissão de Representação Externa. Relatório final dos trabalhos da
Comissão De Representação Externa com o objetivo de avaliar as condições de
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