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Brasília-DF
2021
ÁLVARO GONÇALVES DOS SANTOS
Brasília-DF
2021
ÁLVARO GONÇALVES DOS SANTOS
Banca Examinadora
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Marlon Tomazette
Orientador
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Morishita Wada
Examinador
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Washington Carlos de Almeida
Examinador
Dedico este trabalho à Júlia, minha querida
filha, que veio ao mundo há tão pouco tempo,
mas já me inspira a ser o melhor que posso.
AGRADECIMENTOS
Gratidão a Deus, acima de tudo, pelo dom da vida, pela saúde e pela curiosidade inata,
que alimenta o anseio contínuo pelo conhecimento.
À minha esposa, amiga e companheira, Michele, que sempre esteve ao meu lado, me
apoiando nos momentos bons e nos difíceis. A você e a Júlia, minha filha, todo o meu amor,
carinho e apreço.
Não poderia deixar de externar meus agradecimentos aos meus pais, Edneves e Nilva, e
ao meu irmão, Kayo. Sem o suporte familiar de vocês, conferido desde a infância e ao longo da
minha jornada existencial, jamais teria chegado aqui. Vocês impregnaram em mim a
importância de zelar da família, da educação e do trabalho. Sou e serei eternamente grato por
isso.
Agradeço, ainda, aos meus amigos e colegas de trabalho, integrantes da Álvaro Santos
Advocacia. Sebastião, Karina, Iago, Nassim, Júlia e Weslley, muito obrigado por terem
conduzido nosso escritório nas minhas ausências e também pelas revisões essenciais que
fizeram neste trabalho.
Um agradecimento especial ao professor Marlon Tomazette, meu orientador, por ter
aceitado essa difícil missão. Para mim, foi uma grande honra receber seus preciosos conselhos.
Aprendi com você não apenas sobre Direito Societário; mais do que isso, compreendi que a
sabedoria está indissociavelmente ligada a humildade, generosidade e disciplina.
Enfim, agradeço a todos que, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau,
contribuíram para a finalização do presente trabalho.
RESUMO
The main objective of this work is to discuss the main societal aspects of the rural
holding, an important asset planning tool for rural producers inserted in agribusiness. In Brazil,
the transition from post-imperial rural production, marked by an archaic, centralizing and
paternalistic form of organization, to its introduction as the central engine of agro-industrial
systems, directly impacted productivity and land prices. This new scenario attracted the need
to manage valued rural assets, especially real estate, through corporate structures such as
holding companies. This organizational model brings new challenges, including possible
conflicts between partners and their impacts on production chains. The main problem of the
research concerns the limits of the freedom of the partners in fixing the methodology and
criteria for calculating assets in case of partial dissolution, whether in relation to the valuation
of the shareholding or the establishment of a deadline for payment. Based on the current
regulatory framework and the theory of systemic analysis of agribusiness, a context in which
the rural holding company is immersed, it is understood that the broad autonomy of the partners
needs to be preserved, not only in compliance with the provisions of the Civil Code and
reaffirmed in the Code of Civil Procedure, but also because it is the best solution from the point
of view of the integrity of the production chains, which requires the preservation of the rural
holding in any conflict between its members.
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11
2.8 Holding rural no contexto jurídico do agronegócio: uma análise sistêmica ................... 40
4.6 Regramento processual da dissolução parcial: morte, retirada, exclusão e penhora de cotas
94
4.8 Exame jurisprudencial da apuração de haveres: decisões do STF até as primeiras decisões
do STJ ..................................................................................................................................... 101
4.10 Prevalência ou não das disposições contratuais sobre apuração de haveres? ............... 108
4.12 Peculiaridades da holding rural na formação do capital social: valor histórico dos ativos
e a finalidade integrativa do planejamento patrimonial.......................................................... 115
1 INTRODUÇÃO
Palavras e expressões estrangeiras são cada vez mais frequentes no estudo do Direito
em nosso país. Em alguns casos a própria lei traz o termo e internaliza-o no Sistema Jurídico,
mas, em outros, a disseminação decorre da sua utilização paulatina pela doutrina ou pelos
magistrados. Foi assim com termos em latim e, atualmente, com aqueles importados da língua
inglesa. Um signo alienígena, às vezes, é utilizado como mero ornamento em peças que prezam
pela prolixidade. Raramente, tais vocábulos são assimilados pelo seu destinatário final, o
cidadão brasileiro.
A holding foge a esta regra. A palavra tem sido utilizada diretamente pelo próprio
usuário, o qual a remete, ainda que sem muito rigor técnico, a ideia de um planejamento
sucessório ou tributário. Aliás, muitos já conhecem a sua derivação, tão difundida nas obras
que abordam o assunto, advinda do verbo inglês no infinitivo to hold, traduzido, livremente,
como, “segurar, deter, controlar ou sustentar”. Tais significantes estiveram bem presentes na
origem desse instituto e, ainda hoje, são facilmente perceptíveis nele.
Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (2014, p. 170) fizeram importante
levantamento histórico sobre esse modelo societário. De acordo com eles, sua origem se deu
nos Estados Unidos, remontando ao ano de 1780, na Pensilvânia, como fruto de uma
autorização legal específica para que algumas sociedades assumissem, livremente,
participações no capital de outras. Posteriormente, em 1888 no estado de New Jersey, foi
editada a primeira lei geral, pela qual se abriu a possibilidade de aquisição de ações de uma
companhia por outra.
Depois disso, as holdings logo se difundiram pela Europa, principalmente na Alemanha,
tanto que, segundo aqueles autores, por volta de 1914, a sociedade Allgemeine
Elektrizitäsgesellschaft – A.E.G. – controlava 174 outras companhias. De acordo com Martha
Gallardo (2016, p. 80), a permissão legal de uma sociedade deter parcela do capital social em
outra, foi gradativamente regulada em diversos países do velho continente, como na Inglaterra,
através do Companies Act, de 1948, na Itália pelo Código Civil e na Alemanha pela Lei de
1965.
Roberta Nioac Prado (2011, p. 263), citando o jurista Bernadino Libonati, aborda o
instituto à luz do Direito Italiano, mostrando que ali a sua delimitação remete a sociedade que
integra outras sociedades, investindo total ou parcialmente seus ativos em participações
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societárias. Percebe-se, então, que o instituto, desde a sua criação, possui a ideia de detenção e
gerenciamento de ativos, os quais, inicialmente, se limitavam a participações societárias.
No Direito brasileiro, cumpre pontuar que a Lei 556/1850, também conhecida como
Código Comercial, não trazia regras tão minuciosas acerca do objeto social das companhias.
Em seu artigo 287, apenas estipulava que “o objeto e fim a que se propõe seja lícito”. Ao tratar
especificamente dos requisitos do ato de constituição das sociedades comerciais, em seu artigo
302, inciso 4, prescrevia que o mesmo deveria trazer “designação específica do objeto da
sociedade”. Diante dessa indiferença, infere-se que não havia uma preocupação do legislador
em permitir ou proibir a participação de uma sociedade em outra.
Diante do disposto no artigo 180, da Constituição de 1937, caberia ao Presidente da
República expedir decretos-leis sobre quaisquer matérias legais, enquanto não se reunisse o
Parlamento. Com base nesse permissivo, foi editado o Decreto-lei 2627/1940, tendo por
finalidade a regulação das sociedades por ações. O artigo 135, §2º, dispondo sobre regras do
balanço social, suscitava, indiretamente, a possibilidade de uma companhia titularizar
participações societárias, ao prever o seguinte: “Se a sociedade participar de uma ou mais
sociedades, ou delas possuir ações, do balanço deverão constar, sob rubricas distintas, o valor
da participação ou das ações [...]”. Waldemar Ferreira dá a entender que a mera participação
seria vedada, quando afirma o seguinte:
De acordo com Fran Martins (2010, p. 15), a menção indireta trazia discussões nos foros
doutrinários. As questões mais comuns giravam ao redor da extensão dessa participação.
Poderia uma sociedade anônima ser constituída exclusivamente para tal fim? A lei não trazia
uma resposta definitiva. Pela importância de quem as profere, incumbe transcrever as lições do
renomado autor: “assunto polêmico no que diz respeito não somente a participação das
anônimas em outras sociedades como na extensão dessa participação”.
Encerrando toda a celeuma, a Lei 6404, de 15 de dezembro de 1976, revogou o referido
Decreto-lei e disciplinou a matéria de forma expressa. Em seu artigo 3º, §3º, preconizou, sem
rodeios, ou seja, já na parte inicial, que a “companhia pode ter por objeto participar de outras
sociedades”. Com efeito, restou assente a possibilidade legal do objeto social da sociedade
anônima consistir exclusivamente na participação em outras sociedades. Além disso, ficou
15
consignado que essa finalidade é uma faculdade deferida a qualquer companhia, ainda que não
esteja prevista expressamente no estatuto, desde que exercida em duas hipóteses específicas:
como meio de realização do objeto social ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. Como será
visto mais adiante, outros tipos societários podem se enquadrar como uma holding.
Por conta dessa redação eloquente, a holding foi, definitivamente, incorporada ao
Sistema Jurídico pátrio. Pela norma extraída daquele dispositivo, dessume-se que a participação
em outras companhias pode estar expressamente prevista no ato constitutivo, a qual poderá ser
o único objeto social ou conciliada a outras atividades, ou, ainda, simplesmente ser omitida.
Nesse último caso, só poderá ser exercida como veículo para a realização do objeto social ou
para gozo de benefícios tributários, como bem preleciona o professor Marlon Tomazette:
Como visto, a holding mantém, em sua essência atual, as notas características que a
acompanham desde a sua criação, qual seja, o intuito de titular e gerenciar ativos através de
uma estrutura societária. Essa é, afinal, a principal particularidade da holding: o espírito gestor.
Bem verdade que, originalmente, esses ativos administrados cingiam-se a participações
societárias em outras companhias. Todavia, como será melhor analisado no próximo tópico,
essa finalidade gerencial se ampliou para abranger também outras espécies de bens, sem que
isso afastasse aquela peculiaridade inata ao instituto.
2.2 Classificações
holding operacional. Seria aquela cujo o objeto social não prevê a participação em outras
sociedades, mas, ainda, assim, exerce essa finalidade como atividade-meio para o alcance do
seu fim? Qual seria a sua diferenciação com a holding mista? O fato desta última trazer um
objeto social híbrido, de forma expressa?
Tais questionamentos levam a crer que o critério da referida classificação consiste no
grau de exclusividade e publicidade, no ato constitutivo, da participação em outras sociedades.
Quer dizer, se esse for o único fim, tratar-se-á de uma holding pura; se tal fim não estiver
expresso, mas for exercido como atividade-meio, estar-se-ia diante de uma holding operacional;
por último, trazendo o contrato ou estatuto social, tanto uma atividade operacional, como o
comércio, quanto a finalidade participativa, configurada estaria a modalidade mista.
Outro critério trazido constantemente diz respeito ao tipo de bens que compõem o ativo
da holding (FLEISCHMANN; GRAEFF apud TEIXEIRA, 2021, p. 683). Diante dele, esse
instituto é subdividido geralmente em participações ou patrimoniais. Às primeiras estariam
reservadas aquelas estruturas societárias que detêm exclusivamente parcelas societárias de
outras pessoas jurídicas, mais próxima, portanto, do desenho original trazido na Lei 6404/1976.
Já as segundas seriam utilizadas para designar aquelas cujo ativo é formado por imóveis, móveis
e outros bens, como investimentos financeiros e obras de arte, por exemplo. A crítica maior que
se dirige a essa classificação é a distorção no conceito de patrimônio. Afinal, as participações
societárias não se incluiriam nele?
Para evitar esse obstáculo conceitual, propõe-se inovar no assunto, discriminando o
instituto sob análise de acordo com a preponderância dos bens que integram o ativo, da seguinte
forma: a) de participações (quotas ou ações); b) imobiliárias (imóveis rurais ou urbanos); c)
mobiliárias (veículos, máquinas e obras de arte), d) de intangíveis (patentes e marcas) e e) de
investimentos (ativos financeiros). Essa proposta, ora sugerida por este trabalho, traz a
vantagem de identificar o interesse e a vocação de cada holding, sem desvirtuar o conceito de
patrimônio, o qual pressupõe todos os tipos de ativos e passivos de uma pessoa, física ou
jurídica.
Por sua vez, não se pode olvidar as chamadas holdings familiares, o que já traz a ideia
de que existiriam também as não-familiares. Mas, nesse caso, qual seria o fator de especificação
para se considerá-la familiar ou não? Aliás, a própria noção de família está em constante
ebulição, tomando preponderância mais o aspecto afetivo do que biológico na atualidade. Na
busca de uma conceituação jurídica da “empresa familiar”, Eduardo Pimenta e Maíra Abreu
(2014, p. 49) fazem um importante estudo doutrinário, o qual merece ser mencionado com mais
vagar.
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De acordo com eles, João Bosco Lodi teria sido um dos primeiros doutrinadores a se
dedicar ao assunto, identificando a sociedade familiar como aquela composta por uma família
“há pelo menos duas gerações e quando essa ligação resulta numa influência recíproca” (apud
PIMENTA; ABREU, 2014, p. 56). A presente classificação excluiria parcela considerável das
pessoas jurídicas existentes, já que, como se sabe, poucas sobrevivem a sucessão entre gerações.
Já Nilva Maria Leone (apud PIMENTA; ABREU, 2014, p. 56) arrola quatro fatores
para enquadrar uma sociedade como familiar. O primeiro seria a sua constituição por um
membro daquele grupo; o segundo, a participação da família na propriedade e/ ou direção; o
terceiro consistiria nos valores institucionais, representados pelo sobrenome comum; o quarto,
a hereditariedade. Em contrapartida, Modesto Carvalhosa (apud PIMENTA; ABREU, 2014, p.
57) ressaltaria dois fatos que seriam determinantes: a) detenção acionária total ou familiar pelos
membros da mesma família; b) ao menos algum membro atue na presidência.
Em contraposição a todos esses delineamentos, Eduardo Pimenta e Maíra Abreu
sustentam que tais fatores, embora recorrentes, não seriam imprescindíveis a sua caracterização.
Independentemente da existência deles, o aspecto mais importante, para classificar uma
sociedade como familiar, é o grupo que possui o seu controle. Nas palavras deles, “é familiar a
sociedade que possui pessoas da mesma família determinando as deliberações sociais, as
diretrizes a serem seguidas pela sociedade, bem como a composição e atividade da
administração” (PIMENTA; ABREU, 2014, p. 58).
A grande vantagem desse aspecto é que evidencia o impacto dos laços e valores
familiares na gestão da pessoa jurídica, o que, no final das contas, é o que as individualiza,
chamando a atenção para a importância da implementação de normas de governança
corporativa. Assimilando esse critério, infere-se que a holding familiar é aquela pessoa jurídica
instituída com a finalidade de deter e gerenciar ativos, cujo controle é exercitado por grupos de
pessoas que se unem afetivamente, ainda que composta ou administrada por pessoas estranhas
ao seio familiar.
Em síntese, percebe-se que existem várias possibilidades de classificação do instituto
em análise, a depender do critério. Sob a perspectiva da extensão do objeto social, pode ser
dividida em pura, operacional ou mista. De acordo com a natureza dos bens que a compõe, a
holding pode ser discriminada em: participações, imobiliárias, mobiliárias, de intangíveis e de
investimentos financeiros. Por último, pode ser enxergada sob a ótica do poder de controle
familiar, resultando na holding familiar ou não-familiar.
Resulta daí uma outra grande vantagem para a constituição de uma holding familiar,
na medida em que a submissão de familiares ao ambiente societário acaba por atribuir
regras mínimas à convivência familiar, no que se refere aos seus aspectos patrimoniais
e negociais: ao menos em relação aos bens e aos negócios, os parentes terão que atuar
como sócios, respeitando as balizas erigidas não apenas pela lei, mas igualmente pelo
contrato social ou estatuto social. Mais do que isso, a eclosão de conflitos familiares,
no alusivo àqueles temas (bens e negócios), terão que se resolver pelas regras do
Direito Empresarial, nas quais estão definidos não apenas procedimentos, mas até
instrumentos de prevenção e solução.
Como bem ressaltado por Marlon Tomazette (in COELHO; FÉRES, 2014, p. 294), esses
círculos são úteis para detectar os epicentros dos “conflitos interpessoais, os dilemas, as
prioridades e as fronteiras” do núcleo familiar. Um exemplo marcante se refere a posição
número sete, onde há o enlace dos três círculos, na qual está inserido o titular original do
patrimônio, fundador da sociedade familiar e, também, gestor. Observa-se que a condição de
provedor primário dos bens pode gerar nele um perfil conservador. Na condição de patriarca da
família, algumas decisões estratégicas podem ser afetadas pela proximidade. Como principal
gestor deveria, mas nem sempre o faz, priorizar os interesses sociais. Não raramente, tais
perspectivas entrarão em rota de colisão ou, no mínimo, atrairão divergências com os demais
stakeholders.
Esse exemplo confirma a relevância do modelo dos três círculos para a identificação do
tipo de conflito e dos interesses por trás deste. A partir desse diagnóstico inicial, mostra-se mais
eficiente a escolha do tratamento para extirpar, amenizar ou até prevenir determinado impasse,
em prol da longevidade da estrutura societária. Infere-se, portanto, que existem vários
instrumentos, os quais serão, mais ou menos recomendados, para cada espécie de choque entre
os integrantes do grupo. Ao conjunto dessas ferramentas dá-se o nome de governança
corporativa, um conceito em permanente construção, dada a multiplicidade de conflitos
societários.
A palavra “governança” remete a ideia de “dirigir”, “conduzir” ou “administrar”. O
adjetivo “corporativa” provém de corporação, a qual denota a associação de pessoas em torno
de um fim comum. De acordo com Marlon Tomazette (in COELHO; FÉRES, 2014, p. 297), o
termo é uma internalização equivocada da expressão corporate governance. A expressão,
porém, ultrapassa a literalidade. Isto, porque, toda sociedade pressupõe a existência de alguém
que a conduza, mas, isso por si só, não significa que os métodos utilizados sejam os melhores.
Atualmente, falar em governança corporativa engloba em sua definição as práticas mais
eficientes na condução do negócio.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2015, p. 20) delimita esse instituto
como o “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e
incentivadas, envolvendo relacionamento entre sócios, conselho de administração, diretoria,
órgão de fiscalização e controle e demais partes interessadas”. Através do “Código de Melhores
Práticas”, o IBGC (2015, p. 21) arrola seus principais pilares: a) transparência – o dever de
informar exige proatividade; b) equidade – tratamento justo a todos os envolvidos; c) prestação
de contas – informações claras e d) responsabilidade corporativa – agentes da governança
devem prezar pela integridade da organização.
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Segundo Roberta Nioac (2011, p. 34), várias são as motivações para implementação de
boas práticas gerenciais, como, por exemplo: a) tornar a estrutura menos dependente de
determinadas pessoas; b) formação de sucessores; c) viabilizar o crescimento da organização;
d) otimizar a credibilidade da sociedade. Além disso, a referida autora traz uma importante
afirmação sobre o principal motor para o emprego dessas ferramentas: a busca por crédito. Em
outras palavras, a necessidade de recursos, seja dos sócios antigos ou de novos, no mercado
financeiro ou no mercado de capitais, exige que a firma se organize de uma forma que atenda
ao interesse por transparência e perenidade dos possíveis credores ou investidores.
Dentro do contexto das empresas familiares, diversas são as ferramentas para
implementação de boas práticas de governança. A primeira que pode ser mencionada consiste
na assembleia familiar, como foro pré-definido de deliberação entre os familiares na definição
de questões pessoais que podem impactar a organização. Em alguns casos, se a família for
demasiada grande, se recomenda a instituição de um conselho de família, com número limitado
de membros. Outro instrumento consiste nos comitês, responsáveis pela discussão de temas
específicos, como, por exemplo, para o desenvolvimento de futuras lideranças. Além disso,
pode-se destacar o protocolo familiar, também nominado de código de ética, de caráter
orientativo e principiológico.
Como se viu, a preponderância da empresa familiar, entendida aqui como atividade
desenvolvida por dois ou mais entes socioafetivos, no cenário socioeconômico mundial atrai
muita atenção para esse tipo de organização. Parte considerável da nossa economia depende do
sucesso e também da longevidade desses negócios, os quais podem ser geridos por holdings.
Diante disso, sobressai a importância da governança corporativa, não apenas sob a ótica interna,
dos sócios, mas, também, de toda a sociedade, que, indiretamente, colhe frutos do
empreendimento que prioriza sua função social.
Essa soma de esforços pode se dar por uma parceria verbal, um contrato formal de
parceria ou, ainda, através de uma sociedade. Cada estágio corresponde a um nível maior de
comprometimento jurídico e psicológico (COELHO, 2012, p. 21). Sobre esse último arranjo,
mais sofisticado, cumpre pontuar que o artigo 981, do Código Civil, preconiza que o contrato
de sociedade é entabulado quando pessoas “reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens
ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Está
na essência desse negócio jurídico a união de forças, materiais e imateriais, para o
desenvolvimento econômico com foco no atingimento de um fim comum, repartindo-se, entre
os empreendedores e investidores, as consequências alcançadas.
A atividade econômica pode ser de cunho empresarial, se denotar profissionalismo,
organização, objetivar lucro e estiver sujeita a registro, ou de natureza simples, nos demais
casos em que tais fatores não sejam tão relevantes. De acordo com o artigo 983, a sociedade
empresária deve ser constituída em conformidade com “um dos tipos regulados nos artigos
1.039 a 1.092”. Daí, pois, a expressão “tipos societários”, a indicar a espécie organizativa sob
a qual os sócios se obrigaram reciprocamente, cada um desses modelos com suas características
marcantes, em especial no que tange ao sistema gerencial.
A holding, como já noticiado em tópico anterior, possui sua gênese, no Direito
Brasileiro, na Lei das Sociedades Anônimas, responsável por regular sociedades mais
sofisticadas. Apesar disso, sua principal característica – o intuito de titular e gerenciar ativos –
não a afasta dos demais tipos societários trazidos na legislação, como bem pontua Priscila M.
P. Côrrea da Fonseca (2020, p. 299): “A escolha do tipo societário depende das características
que se quer emprestar à estrutura societária da holding. A holding pode se revestir da forma de
sociedade anônima ou limitada [...]”. Realmente, na prática, tem-se a impressão que os
planejamentos patrimoniais restringem-se a esses dois tipos societários, o que justifica que
análise se dê dentro desse recorte.
Como bem ressaltado, cada tipo possui suas peculiaridades bem definidas, razão pela
qual a tomada de decisão sobre um ou outro dependerá, sempre, daquilo que os sócios
priorizam. Martha Gallardo Sala Bagnoli (2016, p. 95), com propriedade, pontua que os sócios
levam em conta, para essa escolha, fatores como o regime de responsabilidade, trâmite para
nomeação e destituição de administradores, facilidades gerenciais e modelo administrativo.
A sociedade anônima tem sua regência conduzida, principalmente, pela Lei 6404/1976.
Seu capital é constituído por ações, sendo que os sócios respondem de forma limitada ao valor
de emissão das respectivas ações. A administração é um tanto mais detalhista, razão pela qual
pode ser tida como complexa, distribuída em diversos órgãos, tais como: assembleia geral;
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[...] sabe-se que, de forma geral, o tipo societário preferido para as holdings rurais
normalmente é a sociedade limitada. Este tipo societário mantém exclusiva a
participação dos membros da família como sócios, é mais simples, mais barato, mais
fácil de controlar, pois tem regras que dificultam a transmissão de quotas a terceiros,
em comparação à sociedade por ações, que tem fluxo de ações facilitado.
Dito isso, fica claro que a menor burocracia, simplicidade e fácil conversão acabam se
tornando os principais atrativos da sociedade limitada dentro do contexto rural. A singeleza do
homem do campo combina, de certa forma, com a modéstia administrativa desse tipo societário.
Não é só isso. Há também um custo ínfimo de governança, o qual se inicia com a contratação
de uma contabilidade especializada e, certamente, de uma consultoria jurídica com foco em
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não do regime empresarial já é outra história. Para isso, obrigatoriamente, seja pessoa física ou
jurídica, precisará estar inscrito no órgão competente, exercendo a atividade de forma
organizada, profissional e preponderante. De acordo com Flávia Trentini (2012, p. 55), o
critério da “principal profissão” poderia ser aferido através da prevalência dos rendimentos
obtidos na atividade rural em comparação com as demais conduzidas por ele.
Ainda tratando da empresa agrária, não pode passar despercebida o recente debate sobre
a possibilidade de recuperação judicial do produtor rural, seus requisitos e sua abrangência,
tendo, como pano de fundo o referido artigo do Código Civil. A possibilidade de utilização do
instituto sempre foi inquestionável, desde que o interessado detivesse registro empresarial, tal
como previsto no artigo 48, inciso I, da Lei 11.101/2005. Discussões surgiram sobre a
necessidade de que tal inscrição tenha se dado há mais de dois anos antes do pedido de
recuperação e, posteriormente, se o procedimento alcançaria apenas os débitos posteriores a
inscrição ou, também, aqueles que lhe são anteriores.
O primeiro obstáculo logo foi superado. Não se exige dois anos de inscrição por parte
do produtor rural. Como bem ressaltado por Manoel Justino Bezerra Filho (2019), o referido
dispositivo normativo fala apenas em “exercer regularmente suas atividades”, requisito
preenchido pelo empresário rural ainda que desprovido de registro, mercê da sua
facultatividade. Lado outro, justamente por ser empresário antes mesmo do registro, o qual
denota caráter declaratório no que tange a essa condição, o preenchimento desse requisito
irradia efeitos a relações anteriores, abrangendo todas as obrigações relacionadas a empresa
agrária, excluindo-se apenas as de caráter pessoal.
Esse entendimento, reconhecendo a desnecessidade do registro há mais de dois anos,
fora albergado, de forma definitiva, pelo Superior Tribunal de Justiça, em regime repetitivo, ao
enfrentar o REsp. 1.800.032/MT. Segundo o Ministro Raul Araújo (2020, p. 05), condutor do
voto vencedor, “quem tinha obrigação de se inscrever, estava, antes, em situação irregular; já
quem tinha a faculdade de se registrar, estava, mesmo antes, em situação regular”. Em arremate,
com base no tratamento favorecido, simplificado e diferenciado, previsto no artigo 970, do
Código Civil, pontua que “também ficam abrangidas aquelas obrigações e dívidas
anteriormente por ele contraídas e ainda não adimplidas”. Na mesma linha, o Ministro Luis
Felipe Salomão (2020, p. 17), ao admitir a inclusão de débitos anteriores, desde que “decorram
de atividades empresariais”.
A análise desse precedente demonstra a relevância gradativa dos debates jurídicos, tanto
doutrinários quanto jurisprudenciais, tendo como objeto relações jurídicas constituídas dentro
do agronegócio. As alterações na Lei 11101/05 trazidas pela Lei 14112/20 só confirmam essa
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assertiva. Além de positivar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, esse ato normativo
trouxe maior detalhamento acerca da comprovação do período de exercício da atividade. O
novo § 3º, do artigo 48, prevê a utilização do Livro Caixa Digital do Produtor Rural e da
Declaração do Imposto de Renda como prova do exercício da atividade por mais de dois anos.
Há um profícuo diálogo entre a regularidade fiscal e a regularidade empresarial, como bem
descortina Marlon Tomazette (2021, p. 42):
Enfim, mediante o exame analítico da legislação, desde a empresa rural tratada pelo
Estatuto da Terra, passando pela empresa agrária regulada pelo Código Civil, sem olvidar as
discussões jurisprudências do STJ, até chegar as disposições trazidas pela Lei 14112/2020, fácil
é perceber o ímpeto do legislador em profissionalizar a atividade rural. Essa otimização
organizacional tem sido buscada pelos próprios produtores, inclusive, lançando mão de
ferramentas societárias de planejamento patrimonial, em especial a holding rural, objeto central
da nossa atenção.
A holding rural, embora bastante difundida nos últimos tempos, sofre com uma
considerável dose de imprecisão semântica. Mesmo porque são poucos os trabalhos que se
dedicaram, cientificamente, ao tema. Daí o reclamo de examinar as definições até então
apresentadas, lembrando que a maioria tem sido construída em trabalhos predominantemente
de direito tributário, para, num momento subsequente, edificar uma proposta conceitual,
inclusive, com uma possível classificação, que atenda, ao mesmo tempo, o rigor teórico e a
aplicação prática desse instituto.
Pois bem. Um dos primeiros textos a tratar com seriedade bibliográfica do assunto
consiste em um dos capítulos do livro denominado A tributação no agronegócio, com o título
Holding Rural e Planejamento Sucessório, desenvolvido por Leandra Guimarães Costa e
Luciana Marques Rodrigues Tolentino (2020, p. 460). De acordo com essas autoras, “tem sido
chamada de holding rural qualquer classificação de holding que destine a investir em
patrimônios associados ou originados de negócios rurais”. Essa delimitação abrangente, dada a
complexidade das cadeias produtivas, poderia atrair para o conceito várias sociedades
estritamente operacionais, como uma cerealista, por exemplo, os quais acabariam sendo
enquadradas também como holdings rurais.
Por sua vez, vale menção o artigo publicado por Manoel Mário de Souza Barros, sob o
título de Holding Rural: a empresa do agro. De acordo com esse autor, o instituto ora debatido
se resumiria “a transferências de titularidades das fazendas normalmente em nome da pessoa
física do patriarca para o nome de uma pessoa jurídica, holding familiar, que terá condições de
criar mecanismos de normatização para restrição de direitos para proteção” (BARROS, 2020,
p. 180). A presente orientação acaba limitando, de certa forma, o instituto em discussão a mera
integralização dos bens ao capital social, sem falar que a vincula a uma conotação familiar,
afastando a possibilidade de uma holding rural controlada por pessoas que não sejam parentes.
Pedro Guilherme Gonçalves de Souza (2020, p. 1051), em artigo intitulado
Estruturação de Holdings Rurais e Limites à incidência do ITBI, também aborda esse instituto
sob a perspectiva tributária. Extrai-se do trabalho deste autor que a figura poderia ser entendida
como “sociedades cujo objeto exclusivo é a participação em outras sociedades (holding) para
organização da atividade rural”. Examinando a delimitação desse jurista, nota-se certo
acanhamento, deixando de lado da sua abrangência a possibilidade de estruturas societárias
integralizadas diretamente com imóveis rurais.
Não pode passar despercebida a recente dissertação de mestrado de Danilo Amâncio
Cavalcanti (2021, p. 38), batizada de Modelos de Planejamento para a empresa rural familiar
e sua aplicabilidade. Segundo ele, a estrutura ora analisada pode ser compreendida como
31
porém, não impede a constituição de uma holding com demais bens utilizados na atividade,
como maquinários, produtos agropecuários ou semoventes, por exemplo. O que se mostra
relevante para a configuração dessa figura é que parte do capital seja formado por bens, dentro
do planejamento patrimonial dos envolvidos, os quais, geralmente, serão familiares. No
entanto, a majoritária integralização do capital social com dinheiro não desnatura essa figura,
desde que os valores sejam utilizados, em momento subsequente, para a aquisição de ativos
empregados na atividade rural.
Por fim, só poderá ser qualificada como holding rural se desenvolver, direta ou
indiretamente, atividade rural, isto é, aquela relacionada a condução racional de certo ciclo
biológico para obtenção de alimentos, fibras e bioenergia. Óbvio. Se o termo holding remete ao
espírito gestor, a partícula que a qualifica identifica a atividade econômica com a qual se
relaciona, seja diretamente, quando os próprios sócios a exploram, ou, indiretamente, quando
os ativos são cedidos a terceiros, fora do círculo societário. Enfim, os ativos geridos precisam
se vincular com a atividade rural: imóveis rurais, maquinários, implementos, produtos
agropecuários ou semoventes.
A propósito, insta dizer que no meio rurícola existem dois tipos de proprietários. O
primeiro grupo explora diretamente seus imóveis, ainda que com o auxílio de outros integrantes
do seio familiar, utilizando mão-de-obra assalariada ou não. Por assumirem os riscos da
atividade, podem ser chamados de exploradores diretos. Por sua vez, o segundo grupo é
preenchido com aqueles que, embora donos, preferem eliminar ou reduzir os riscos da atividade,
cedendo a posse a terceiros, através de contratos agrários. Com isso, exploram o imóvel, porém,
de forma indireta.
A holding, como nítida ferramenta de gestão desses bens, pode ser utilizada tanto por
um grupo de proprietários quanto pelo o outro. O exercício imediato ou mediato da atividade
pelo proprietário refletirá na estratégia de planejamento patrimonial a ser adotada, razão pela
qual se transforma em critério seguro para classificar essa estrutura em duas categorias:
negocial ou exclusivamente patrimonial. Essa divisão é fundamental para se encontrar a melhor
forma de gestão dos ativos, tanto do ponto de vista tributário quanto societário.
Um exemplo pode elucidar essa constatação: se os proprietários, além de titulares do
patrimônio, também explorarem diretamente a atividade, será necessário, além de um contrato
social mais minucioso, a implementação de outras ferramentas societárias, como, por exemplo,
acordos de quotistas, com intuito de regular as atribuições de cada membro dentre aquelas
inerentes ao negócio desenvolvido. Já uma holding rural exclusivamente patrimonial exigirá
33
menos organização em relação a questões diretamente relacionadas à atividade rural, já que esta
acaba sendo desenvolvida por terceiros.
Além dessa primeira classificação, outra também pode ser bastante útil do ponto de vista
prático, admitindo como critério distintivo o tipo contratual utilizado pela holding para cessão
do uso e gozo dos ativos imobiliários. Tal classificação não leva em conta se a atividade é
explorada diretamente ou indiretamente. Aqui, o que importa é qual espécie contratual regula a
fruição dos ativos: se onerosa, arrendamento ou parceria; se gratuita, comodato. Com efeito, a
holding rural pode ser classificada como: arrendadora, parceira-outorgante ou comodante. Essa
discriminação é importante não tanto pelas questões societárias, mas, principalmente, pelos
reflexos tributários de cada tipo contratual.
Examinadas as principais espécies, deve-se pontuar que três são as principais vantagens
que estimulam a instituição de uma holding rural: planejamento sucessório, otimização
tributária e governança corporativa. Do ponto de vista tributário, o qual não é o foco do presente
estudo, pode ser utilizada para evitar a ocorrência do fato impositivo de alguns tributos que
incidiriam na sucessão ordinária ou amenizando seus impactos na atividade rural. Exemplo
marcante se dá em relação ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis, o qual não será
incindível se a participação societária dos pais for alienada onerosamente aos filhos ainda em
vida.
O planejamento sucessório enquadra-se como uma segunda perspectiva que o instituto
pode trazer aos interessados, principalmente quando se tratarem de entes familiares. Em
primeiro lugar, porque há a possibilidade dos pais organizarem em vida a transmissão dos bens
aos filhos, dispensando a instauração de um processo de inventário e partilha. Além disso,
garante uma resposta segura para manter o porte do empreendimento rural, sem fragmentá-lo,
como bem pontuam Leandra Guimarães Costa e Luciana Tolentino (2020. p. 454):
[...] quando este evento “inesperado” ocorre, o negócio rural e todo o patrimônio
associado é subitamente transferido aos sucessores para que estes assumam os papéis
gestores/administradores. Essa situação normalmente se traduz em conflitos
familiares, entre sócios ou parceiros, além de perdas patrimoniais e financeiras. Aliás,
no momento da sucessão, há casos em que as fazendas têm suas atividades paralisadas
por falta de gestão e liderança, deixando de produzir e até mesmo podendo ser
invadidas, implicando em quebra da continuidade do negócio e perda de valor. É neste
contexto que surge a necessidade de planejamento sucessório, no intuito de preservar
a autonomia da vontade do fundador da propriedade rural...
Essas vantagens têm incentivado a instituição dessa estrutura societária por famílias
detentoras de imóveis rurais, gerando, em certa medida, uma inevitável profissionalização da
atividade agrária. Uma evidência desse aumento, pode ser extraída da comparação dos dois
34
últimos Censos Agropecuários: em 2006, haviam 27.865.979 hectares geridos por sociedades
anônimas ou limitadas (IBGE, 2007), enquanto em 2017 esse número saltou para 36.151.126
hectares, ou seja, mais de 10% (dez por cento) das áreas particulares do nosso país (IBGE,
2019). Nesse norte, são as seguintes considerações:
A holding rural, sobretudo se classificada como negocial, pode ser uma arma expressiva contra
essa deficiência. Isto, pois, atrai maior organização do complexo produtivo “dentro da porteira”,
e estimula a utilização de ferramentas para dirigir com mais detalhamento as relações entre os
sócios, destes com a sociedade e desta com terceiros. A regulação se torna minuciosa, eis que
o negócio, antes sujeito majoritariamente por regras de direito de família, passa a ser
disciplinado por normas empresariais, especialmente as societárias.
Desde as disposições mais amplas do contrato social, passando pela positivação de
valores e princípios nos protocolos familiares até se chegar as regras pormenorizadas dos
acordos de cotistas, cria-se um ambiente revolucionário nas referidas relações. Esse viés da
holding é denominado como a implementação de boas práticas de governança corporativa,
possibilitando arranjos mais detalhados do que as tratativas verbais tão comuns entre
produtores. Um exemplo real é mencionado por Fábio Chaddad (2017, p. 127-128):
Em 2012, o Grupo Pinesso incorporou e mudou seu nome para Produzir S.A. Todos
os ativos foram transferidos para a entidade corporativa e os membros da família, por
sua vez, receberam as ações da empresa. A Produzir S.A. tem seis acionistas, cada um
com uma holding limitada controlada pelos seis irmãos (ou descendentes). Gilson me
explicou por que a família decidiu adotar uma estrutura corporativa: “Decidimos
incorporar por duas razões principais. A primeira foi distribuir ações da S.A. aos
membros da família, o que permitirá a saída a um valor justo. A outra foi permitir à
empresa a adoção de práticas de governança corporativa e a contratação de gestores
profissionais”. O conselho de administração da Produzir S.A. consiste em seis
diretores nomeados por cada holding da família (os acionistas) e um diretor
independente. Um diretor-presidente (CEO) com experiência profissional em finanças
foi contratado para tocar o negócio.
O primeiro ganho organizacional trazido pela estrutura societária diz respeito a imediata
segregação entre patrimônio e gestão. Na holding rural, via de regra, as fazendas são
integralizadas em uma ou mais pessoas jurídicas. Isso, porém, não impede que a atividade
continue sendo desempenhada, majoritariamente, pelos sócios. Para isso, basta que a posse da
fazenda seja cedida pela holding aos seus integrantes, através de alguma modalidade contratual.
Com isso, o acesso ao crédito agrícola pode até ser ampliado, já que se mostra muito mais
vantajoso ao credor firmar uma garantia real com uma pessoa jurídica do que com uma pessoa
natural, dada a finitude existencial da última. O sócio produtor contrata um custeio agrícola e,
se preciso for, a holding participa da operação como interveniente-garantidora, dando o imóvel
em hipoteca ou alienação fiduciária, por exemplo.
Essa segregação, todavia, não equivale a propalada blindagem patrimonial. Aqui, mister
distinguir uma situação da outra. Esta atitude criticável se configura como um “ato ilícito
complexo, ou seja, envolve a prática de diversos atos que são considerados ilegais por
disciplinas jurídicas diversas: ilícitos civis, ilícitos tributários e ilícitos penais, entre outros”
36
(MAMEDE, 2015, p. 43). A separação entre patrimônio e o negócio visa proteger ambos dos
próprios integrantes do grupo familiar, eliminando ou amortecendo conflitos comuns a um
cenário de falta de planejamento patrimonial.
Além da segregação, o planejamento patrimonial fomenta um ambiente de transparência
dentro do negócio, combatendo a assimetria de informações. Aliás, não se pode olvidar que é
bastante comum que as informações mais relevantes fiquem concentradas nas mãos dos titulares
dos ativos, como pais e mães. Com a migração para uma estrutura societária, geralmente esses
titulares serão alçados a condição de administradores iniciais do negócio, atraindo para si o
dever legal e contratual de prestar contas periodicamente, compartilhando os dados relevantes
com todos os participantes, o que, se bem conduzido, mostra-se salutar para a sustentabilidade
da atividade.
Essa periodicidade das contas prestadas dependerá do grau de maturidade dos sócios.
Na holding rural, é comum que as informações sejam transmitidas imediatamente após a
colheita das safras ou o abate do gado, em se tratando de pecuária de corte. É nesse momento
que o gestor a frente da operação, explana sobre os custos, investimentos, a produção, o
resultado da comercialização dos produtos, os tributos pagos, até se chegar ao lucro. A
informação, compartilhada pelos envolvidos mais próximos, gera conexão e, por consequência,
confiança mútua.
Em relação a governança familiar, mister regrar as consequências societárias de um
divórcio, a ruptura de união estável ou, ainda, possível óbito de algum dos sócios, impedindo
ou reduzindo os impactos dessas eventualidades. Tal precaução é relevante para que o negócio
não seja afetado e os demais integrantes não sejam surpreendidos, impedindo, por exemplo, a
entrada de um cônjuge ou de outros herdeiros que estejam fora do núcleo familiar dos demais.
O exemplo típico é o ingresso, algumas vezes indesejado, de um genro ou nora. Nesse sentido,
preleciona Priscila M. P. Corrêa da Fonseca (2020. p. 296):
[...] é importante que o contrato social preveja, dentre as cláusulas que o regem: (i) a
possibilidade de ingressos dos sucessores do sócio falecido independentemente de
qualquer condição; (ii) a proibição de ingresso de terceiros mediante a indicação
precisa daqueles que estarão antecipadamente autorizados a assumir o status socii,
como também daqueles que não disponham das qualidades imprescindíveis para a
admissão; (iii) as hipóteses de retirada e exclusão; (iv) a forma de apuração e
pagamento dos haveres.
Ainda nesse ponto, cumpre ressaltar que as especificidades dos imóveis rurais ou das
atividades neles conduzidas exigem cláusulas distintas no contrato social. Esses bens
acumularam grande valorização após o implemento de uma série de tecnologias produtivas que
37
alavancaram a produção agropecuária nacional. As atividades, por sua vez, estão sujeitas a uma
série de intempéries climáticas, de modo que a bonança de uma safra pode se alternar com a
crise aguda da seguinte, exigindo um caixa considerável para suportar as “quebras”. Por isso,
mostra-se fundamental regular as consequências de eventual ruptura nas relações familiares
entre os sócios.
A atividade rural, diferentemente de qualquer outra, além dos riscos ordinários de
qualquer empresa, também acumula riscos climáticos, sanitários e cambiais. Com efeito,
também se mostra oportuno a implementação de ferramentas de gerenciamento de riscos. Nem
sempre uma boa colheita garantirá uma rentabilidade maior do que a safra anterior. Exemplo
disso são as discussões em torno dos contratos a termo, através do qual o produtor comercializa,
de forma antecipada, parte da sua produção, buscando garantir a fixação de preços. Sem falar,
ainda, nos sofisticados instrumentos acessíveis via mercado de capitais, como contratos futuros
e opções, que exigem aperfeiçoamento contínuo do responsável pela pasta de gerenciamento
de riscos.
Outra grande ferramenta de governança corporativa se refere a descentralização das
atribuições. Num cenário tradicional, a maioria delas recai sobre os titulares dos bens. Com a
holding, aliada a acordos de cotistas, os envolvidos podem definir um plano de cargos,
especificando as funções de cada um dentro da instituição. Essa postura tem o condão de gerar
maior responsabilidade de todos na boa execução do negócio, sem falar na previsibilidade em
relação as diversas funções exigidas para o desempenho da atividade rural, seja agrícola ou
pecuária.
Ao gestor financeiro caberá lançar as contas a pagar, como o acerto de insumos
agrícolas, bem como implementar esses pagamentos, de acordo com o fluxo de caixa, o qual é
cheio de peculiaridades por conta da sazonalidade inerente ao campo. Em alguns casos, a função
de prospecção de crédito é delegada a outra pessoa. Já o gestor administrativo precisa se
preocupar com os suprimentos do escritório e da própria fazenda. Os colaboradores e
prestadores de serviços, como colhedores e plantadores, por exemplo, já são preocupação do
gestor de recursos humanos.
O gestor operacional, por sua vez, cuida da seleção das variedades que serão plantadas
ou da aquisição das matrizes e reprodutores. Tem sido comum, também, a instituição do cargo
de gestor ambiental, competindo-lhe zelar pela regularidade dos imóveis, como a certificação
no Cadastro Ambiental Rural ou o licenciamento da própria atividade, cada vez mais exigente.
Outra preocupação diz respeito a remuneração por serviços ambientais, a qual pode se
transformar numa fonte adicional de receitas.
38
Todas essas funções estão presentes no dia-a-dia da atividade rural e podem ser
assumidas pelos sócios com aptidão para tal ou por terceiros. É nesse instante que cabe a
reflexão se alguns integrantes serão apenas investidores, enquanto outros também acumularão
funções de gestão, razão pela qual terão direito, além da repartição dos lucros, a um pró-labore,
o qual deverá ser equalizado através de um eficiente acordo societário. No mesmo compasso,
pode ser interessante a elaboração de um plano de carreira, detalhando o organograma dos
cargos dentro da sociedade, bem como os requisitos para promoções, como determinada
titulação associada a um tempo de experiência em outra função.
Outro instrumento poderoso de governança corporativa que deve ser destacado,
sobretudo em sociedades familiares, consiste na possibilidade de instituição de um conselho de
administração. Especialmente em estruturas com maior volume de produção ou com grande
número de integrantes, esse colegiado pode ser determinante para a perenidade do negócio. De
acordo com Marlon Tomazette (2020, p. 299), esse órgão “funciona como um intermediário,
isto é, como o elo entre a propriedade e a gestão para orientar e supervisionar a relação desta
última com as demais partes interessadas”.
O respeitado autor destaca, ainda, que as competências deste órgão podem ser
sintetizadas em três linhas-mestras: programáticas (fixação de diretrizes); b) controle
(fiscalização da diretoria); c) administrativas (eleição dos diretores). O conselho precisa ser
composto por, no mínimo, três integrantes, mesmo que não sejam sócios, o que se torna até
recomendável, se se prezar pela independência do órgão. Na holding rural familiar, essa
iniciativa pode se mostrar bastante interessante, em especial para garantir a boa condução dos
negócios pela segunda geração da família, cabendo ao conselho fiscalizar e orientar, de acordo
com as diretrizes da primeira geração.
Por sua vez, duas outras boas práticas de governança corporativa para a holding rural
referem-se ao planejamento estratégico e ao orçamento anual. Com a primeira, os sócios-
administradores e demais gestores poderão elencar as principais metas para determinada safra,
para, em seguida, alinhar um plano de ação que permita atingi-las. Exemplo disso seria a
redução de custos com insumos através da decisão de salvar parte das próprias sementes para o
plantio da safra posterior, como faculta a Lei de Cultivares. O orçamento deve estar em sintonia
com o planejamento estratégico, mediante o qual serão previstas as principais despesas, custos
e investimentos dentro de determinado período.
Finalmente, não pode passar despercebido a recente definição de ESG (Environmental,
Social and Governance) – conceitos ambientais, sociais e de governança – os quais precisam
ser incorporados também pelas holdings rurais, e transmitidos nas suas relações com
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investidores, colaboradores e clientes. De acordo com dados coletados pela PWC (2021), “47%
dos líderes brasileiros de agribusiness acreditam que suas empresas precisam fazer mais para
divulgar seu impacto ambiental”. Os produtores rurais precisam se transformar em executivos
do campo, com a missão não só de gerenciar a produção de alimentos, como, também, proteger
o meio ambiente e zelar por boas condições de trabalho.
A implementação de boas práticas de governança, fomentadas pela utilização da holding
rural, é um passo central para que critérios sociais e ambientais também sejam enxergados na
estrutura, viabilizando, através de certificações, acesso a crédito menos oneroso e preços
diferenciados na hora de comercializar a mercadoria. Sobre o assunto, afirma Rafaela Parra
(2021):
O processo de governança deve ser entendido dentro de um contexto mais amplo nas
organizações rurais. Por um lado, a adoção de mecanismos de governança envolvendo
a adequação aos princípios de transparência e compliance tem sido cada vez mais
exigida pelas próprias forças de mercado. Investidores, credores e parceiros de
negócios têm aumentado suas exigências para que as propriedades rurais avancem nos
processos de governança como fator crítico para a sustentabilidade da atividade rural
no longo prazo.
produtivas, essas pessoas conseguiram, com muito suor e persistência, construir seus
patrimônios, que hoje ombreiam com os dos grandes empresários do Brasil.
regiões e países. Dentre os consectários, destaca-se o aumento dos custos com defensivos, os
riscos à saúde dos colaboradores e os resíduos tóxicos nos alimentos, quando aplicados de
forma inadequada. O remédio para esses efeitos deletérios está na pesquisa e no
desenvolvimento de novas tecnologias.
As matérias-primas obtidas na agropecuária estão sujeitas a perecibilidade rápida. São
diferentes de um carro ou de um eletrodoméstico, os quais podem ser estocados por longos
períodos sem que sua estrutura física seja afetada. Nesse quesito, entra em cena os cuidados
com transporte, manuseio, embalagens e armazenagem, inclusive, com a utilização de métodos
inovadores para o aumento da vida útil dos produtos, a fim de estender essa perecibilidade.
Mássilon J. Araújo (2013, p. 10), destaca, por fim, a dispersão da produção e o baixo
valor agregado dos produtos. Em relação a primeira característica, insta pontuar que o Brasil
possui dimensão continental e diversidade cultural, o que implica em infinitas estruturas
voltadas para a produção situadas em regiões bastante desuniformes, atraindo especuladores ao
longo das cadeias. No que tange ao baixo valor agregado, deve-se lembrar que existem políticas
públicas com escopo de redução dos preços dos gêneros alimentícios, refletindo no valor das
commodities.
A fim de contornar ou, pelo menos amenizar, todas essas características limitantes da
atividade agropecuária e, ao mesmo tempo, garantir segurança alimentar a população, tornou-
se imprescindível uma nova forma de organização. Se a produção agropecuária não buscasse
por isso, certamente a teoria apocalíptica de Thomas Malthus já teria se confirmado, trazendo
mais fome e miséria do que as existentes. O agronegócio, em permanente evolução, foi o
principal remédio contra essa profecia. Duas perspectivas iniciais são fundamentais para se
compreender a construção desse conceito: sistema agroindustriais e as cadeias produtivas.
Segundo Marcos Fava Neves (2016, p. 14), citando uma obra do professor americano
Ray Goldberg, publicada em 1968, os sistemas agroindustriais incluiriam não apenas as
atividades desenvolvidas antes, dentro e depois da porteira. Nessa versão mais estruturada do
conceito ora discutido, também estaria inserida a própria noção de fluxo do produto até o
consumidor final, bem como as instituições que afetam e coordenam todos os elos da cadeia,
tais como, Governo, Associações, Sistema Financeiro e Mercados Futuros.
Por sua vez, o referido autor também discute o conceito desenvolvido paralelamente na
França, chamado de filières, traduzido como cadeias produtivas (NEVES, 2016, p. 16). De
acordo com ele, embasado em autores daquele país, estes se qualificariam como sucessões de
atividades ligadas verticalmente, necessárias a produção de um ou mais produtos
correlacionados. Embora também represente uma análise mais ampla, para além da produção
43
em si, denota um recorte mais reduzido do campo de visão em comparação com os sistemas
agroindustriais.
As duas perspectivas contribuíram para o atual desenho conceitual do agronegócio. O
grande mérito de ambas é proporcionar, em maior ou menor medida, uma análise sistêmica,
ampla e global, estabelecendo as relações entre os diversos elos e o ambiente em si, as quais
contribuem para que o produto chegue até o consumidor. Nesse sentido, assevera Marcos Fava
(2016, p. 22), que o principal ponto consiste na “visão sistêmica da agricultura dentro da
moderna visão de agribusiness”.
Assimilando com maestria essas novas teorias sob um olhar jurídico, Renato Buranello
(2019, p. 56) chama a atenção para a importância de visualizar o agronegócio a partir de insights
de duas outras teses. A Teoria da Firma, lapidada por Ronald Coase, segundo a qual a firma
seria uma organização que equaciona insumos e fatores de produção, transformando-os, de
forma eficiente, em produtos. Essa organização travaria uma série de relações, reguladas por
contratos, com outras firmas e atores governamentais, reduzindo custos de transações. Já a
Teoria da Organização Industrial reforça a necessária visão sistêmica para corrigir e otimizar
os processos produtivos, eliminando ou reduzindo custos de transação.
Com base nessas noções, o renomado jurista assevera essa visão panorâmica sob o
enfoque da empresa agrária:
específico produto, o sistema compreende outras instituições, como o próprio Governo, através
de suas políticas agrícolas, o Sistema Financeiro, o Mercado de Capitais e um sem-número de
prestadores de serviços. Em suma, transcende e entrelaça a tradicional divisão entre os setores
primários, secundários e terciários.
Por isso mesmo, o sistema não envolve a mera produção e o impulso dos produtos até a
mesa do consumidor, como se fosse uma simples linha de produção industrial. Para além disso,
deve ser visto como um sistema de valor, quer dizer, aglutina também operações financeiras,
tecnologia da informação e marketing, com objetivo de agregar valor ao produto em cada uma
das etapas de produção. Nesse sentido, não se pode ignorar a feliz expressão de Massilon J.
Araújo (2013, p. 18) segundo a qual “não se deve produzir o que o produtor deseja, mas, sim o
que o consumidor quer e pode consumir”.
Xico Graziano e Zander Navarro (2015, p. 9), com eloquência, asseveram que o “Brasil
hoje é reconhecido, em tamanho e tecnologia, como um dos gigantes globais da agropecuária,
ungido a celeiro do mundo”. De acordo com dados da EMBRAPA (2018), de 1975 a 2017, a
produção de grãos se multiplicou por seis, enquanto a área plantada apenas duplicou. Os
rendimentos médios por hectare cresceram exponencialmente: 346% trigo, 317% arroz e 270%
milho. O número de cabeças de gado bovino mais que dobrou, com pequeno aumento das terras
destinadas para pastagens. Essa revolução garantiu abastecimento interno e aumento das
exportações.
Em meio a essa revolução as terras se valorizaram gradativamente. É preciso lembrar
que, ao lado do capital e do trabalho, o imóvel rural é um dos principais fatores de produção.
Com um detalhe: é o que possui a oferta mais limitada. Como defendem Bacha et. al. (2016, p.
19), sua oferta é limitada pela extensão territorial e algumas restrições ambientais – áreas
congeladas, desertificadas e inundadas; áreas de preservação. Em relação a demanda, além da
produção agropecuária, pode ser empregado na mineração, instalação de infraestruturas e
urbanização. Segundo os autores, a procura está associada tanto aos preços dos produtos
agropecuários quanto à política de estímulo à produção agropecuária, em especial o crédito
rural.
Esses dois fatores estiveram presentes no nosso país nos últimos anos. Os preços, em
especial das commodities, aumentaram consideravelmente, atraindo, inclusive, o interesse de
estrangeiros na aquisição de terras e todo um debate em torno da regulação dessa questão
(SAUER; LEITE; 2012). Em relação ao crédito rural, embora aquele subsidiado com recursos
públicos venha se reduzindo ano após ano, seu espaço tem sido cada vez mais preenchido com
recursos privados, prospectados através de títulos como a Cédula de Produto Rural, garantindo
45
o aumento da oferta em termos gerais (RAMOS; MARTHA JÚNIOR; 2010). Com isso, existem
fortes evidências que os preços das terras continuarão se elevando.
Esse aumento impulsiona, diretamente, a utilização de estruturas societárias, por
produtores rurais, para fins de planejamento patrimonial, principalmente no seio familiar. Uma
prova disso pode ser extraída da comparação dos dois últimos Censos Agropecuários do IBGE
já mencionados antes, os quais indicam aumento de mais de 10% (dez por cento) das áreas
particulares do nosso país sendo geridas por sociedades. Nota-se, portanto, um crescimento
vertiginoso de estruturas societárias gerindo ativos imobiliários, seja diretamente ou mesmo
indiretamente através de contratos agrários.
Dentro desse novo paradigma, no qual imóveis rurais são, cada vez mais, administrados
por holdings rurais, as quais podem, total ou parcialmente, exercer ou não, a atividade, novas
relações se desenham. No âmbito familiar, por exemplo, os pais se tornam sócios dos filhos e,
em algumas situações, implementam estratégias de planejamento sucessório, antecipando, em
vida, a transferência patrimonial dos ativos dos genitores. Acontece que, não raro, esse novo
formato pode ser incompreendido pelos integrantes, atraindo conflitos com dimensões
desconhecidas, já que envolvidos por regras societárias que antes eram ignoradas.
Sobrevindo litígios, como a retirada de um sócio, por exemplo, urge que a resolução se
dê na esfera adequada, seja no âmbito do Poder Judiciário ou da arbitragem, a qual deve ser
pautada em sintonia com as normas jurídicas previstas na legislação pertinente, no contrato ou
estatuto social e, ainda, em eventuais acordos de sócios. Apesar disso, considerando a posição
central da holding nos sistemas agroindustriais, a solução buscada, sempre respeitando o quadro
normativo, não poderá, jamais, ignorar a visão sistêmica inerente ao agronegócio.
De acordo com Fábio Ulhôa Coelho (apud BURANELLO, 2018, p. 17), esse olhar
panorâmico deve se nortear por quatro principais princípios: a) função social da cadeia
agroindustrial; b) desenvolvimento agroempresarial sustentável; c) proteção da cadeia
agroindustrial e d) integração das atividades da cadeia agroindustrial. Todos esses postulados,
em sintonia, devem guiar a exegese das normas legais e convencionais incidentes no caso
concreto, priorizando, sempre que possível, a preservação das cadeias e firmas sobre os
interesses individuais dos sócios descontentes com disposições normativas.
Renato Buranello (2018, p. 48), ao conclamar essa lógica que deve conduzir tanto a
construção de políticas públicas quanto a resolução de conflitos no agronegócio, ressalta a
importância de um planejamento estratégico e sustentável para o futuro do setor também ser
um sucesso. Para isso, o presente trabalho defende que as holdings rurais possuem um papel
fundamental na profissionalização e governança “dentro da porteira”, os quais contribuirão,
46
de bens a partir das certidões de casamento e, eventualmente, dos pactos antenupciais. Também
não se pode descuidar de eventuais restrições pessoais e, até mesmo, dívidas dos envolvidos
que possam refletir no planejamento. A Declaração do Imposto de Renda é um dos documentos
mais relevantes nesse momento preliminar, pois, além de reunir algumas das informações já
mencionadas, traz o valor histórico dos ativos, quer dizer, o preço pelo qual foram adquiridos
e a respectiva data.
No que tange a estes, mister verificar os títulos de propriedade e eventuais ônus e
gravames. Em se tratando de imóveis rurais, além da certidão da matrícula, obtida junto ao
Cartório de Registro de Imóveis, igualmente se mostra importante analisar as Declarações do
Imposto Territorial Rural – DITR, bem como os Certificados de Cadastro do Imóvel Rural –
CCIR, este último emitido pelo INCRA. Por último, não se pode descurar do Recibo de
Inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR, através do qual será possível verificar uma série
de informações ambientais daquele bem.
Em relação a atividade econômica é essencial compreender se os ativos imobiliários
estão cedidos para exploração por terceiros ou se, na realidade, são os próprios interessados no
planejamento é que desenvolvem atividade rural neles. No primeiro cenário, basta solicitar os
contratos agrários através dos quais a posse foi cedida e as inscrições estaduais dos cedentes e
cessionários. Já no segundo, o universo é mais amplo. Será necessária análise do livro-caixa da
atividade rural, notas fiscais de vendas de produtos e compras de insumos, espelhos cadastrais
perante as Secretarias da Fazenda e, em alguns casos, balancetes contábeis.
Através da análise dessa infinidade de documentos, o profissional conseguirá montar
um panorama mais concreto da família, do patrimônio e do negócio – relembrando a metáfora
dos três círculos. A partir daí será possível iniciar a arquitetura do planejamento, dentro dos
objetivos dos envolvidos, inclusive, para validar se a constituição de uma holding rural será,
realmente, a melhor ferramenta. Caso se confirme, evidentemente que serão necessárias novas
reuniões, a fim de discutir o melhor arranjo para aquele contexto, bem como os papéis de cada
um na nova organização, cujo nascimento pressupõe, em se tratando de sociedade limitada, a
elaboração de um contrato social, o qual deve refletir, de forma fidedigna, as tratativas
anteriores.
o interesse humano governa a vontade e essa, por consequência, conduz as ações. Quando uma
vontade se enlaça a de outra pessoa, dá-se uma relação intersubjetiva. Se estiverem aptas a
constituir, extinguir ou modificar posições jurídicas, se enquadrará como um contrato.
Numa perspectiva tradicional, pode-se dizer que uma coisa é a operação econômica
subjacente, outras são o contrato e as respectivas regras sobre o assunto de cada Sistema
Jurídico. A reunião de pessoas, recursos e objetivos em comum também possui o condão de
constituir direitos, atraindo, portanto, o figurino contratual. Partindo dessa concepção, Enzo
Roppo (2009, p. 305) reconhece ao contrato a “função de dar vida diretamente a uma complexa
organização de homens e meios, que adquire uma objectividade autónoma em relação ao
contrato e às relações contratuais de que emerge, e que, por assim dizer, transcende”.
Tullio Ascarelli (2008, p. 387) compartilha dessa mesma visão. Desde há muito para
ele, e mais recentemente para a grande maioria dos que se dedicam ao tema, a constituição de
uma sociedade pressupõe um contrato entre os envolvidos. Mas não uma avença qualquer. De
acordo com o jurista italiano, o contrato social não é um ato complexo, muito menos um ato de
fundação; é, na essência, uma espécie de contrato que se qualifica como plurilateral. Por isso,
ao contrário dos bilaterais, admite mais de duas partes, comportando interesses pontualmente
contrapostos, mas objetivos primordiais comuns, instrumentalizados pelo arranjo negocial.
É através deste tipo contratual que os sócios formatam as características básicas da
sociedade. Pela conjugação da vontade de todos decidem o nome, endereço, montante
financeiro necessário ao pontapé inicial da entidade, forma de aporte, percentuais de cada
envolvido, atividade econômica que será explorada, detalhes da gestão, eventual prazo de
existência e, não se pode esquecer, desde as regras que regerão a saída de algum sócio até
aquelas sobre a dissolução absoluta da sociedade. A construção desse contrato para a sociedade
equivale a gestação para o ser humano.
Embora de extrema importância prática, nota-se grande deficiência na sua regulação
legal, repleta de lacunas que acabam dando azo ao intervencionismo jurisdicional, como bem
pontua Marcelo Godke Veiga (2015, p. 130):
O artigo 997, do Código Civil, arrola os elementos essenciais do contrato social para
sociedade simples, dispositivo este que se aplica às limitadas, por força do artigo 1054. O inciso
I, daquele primeiro dispositivo, determina que o ato instituidor traga a qualificação básica dos
sócios, sejam pessoas físicas ou jurídicas. O primeiro fim dessa exigência consiste em dar
conhecimento a terceiros de quem são os sócios e onde podem ser encontrados. Atributo
relevante, especialmente para a holding rural, diz respeito a nacionalidade. Isto, porque, a
interpretação dada atualmente pela Advocacia Geral da União à Lei 5709/71, traz uma série de
restrições as quais podem recair sobre pessoas jurídicas caso sejam controladas por
estrangeiros, inviabilizando ou limitando o gerenciamento de imóveis rurais.
No que tange ao estado civil, impende relembrar que o Código Civil, em seu artigo 977,
obsta os cônjuges casados sob o regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória
de bens de contratarem, entre si, sociedade. E, depois, é a partir dessa informação que se avalia
a necessidade ou não, segundo o artigo 1647, do Código Civil, de anuência do cônjuge para
subscrição e integralização de bens imóveis ao capital social, regra esta muito relevante para o
planejamento patrimonial.
Nesse ponto, cumpre pontuar que é recomendável analisar o título aquisitivo de
propriedade dos sócios para ver a condição dos cônjuges na aquisição do bem: numa primeira
hipótese, ambos podem figurar como compradores, tornando-se, por consequência,
proprietários; em outra, apenas um deles foi qualificado como comprador, com ou sem anuência
do outro externada pela assinatura na escritura de compra. Tais circunstâncias, a depender do
entendimento da Serventia Imobiliária, podem repercutir no momento do registro do contrato
social para fins de integralização. Isto, porque, na primeira situação talvez seja necessária
constituição de duas estruturas societárias, uma para cada cônjuge, na qual cada um integraliza
cinquenta por cento do bem. Já na segunda situação, seria possível a constituição de uma só
estrutura, na qual o bem seria integralizado totalmente mediante outorga conjugal, hipótese em
que o direito de meação se sub-rogaria na participação societária.
O contrato social também deve trazer a denominação, objeto, sede e prazo da sociedade,
como manda o inciso II do artigo 997. A grande maioria das holdings rurais traz, em sua
denominação, o nome dos sócios ou o da principal fazenda, antecedidos do substantivo
“agropecuária”. Existia certo conflito entre o §2º, do 1158, do Código Civil, o qual impõe a
designação do objeto da sociedade na denominação, e o artigo 35, III, da Lei 8934/94, cuja
redação primitiva não trazia essa exigência. Com a alteração trazida pela Lei 14195/21, a
51
antinomia foi resolvida em favor da norma especial, a qual dispensa a indicação do objeto,
interpretação esta que é reforçada pela Instrução Normativa nº 81 do Departamento Nacional
de Registro Empresarial e Integração – DREI. Por último, é importante trazer o qualificativo
do tipo societário, seja de forma integral ou abreviada.
O objeto social, por outro lado, se refere as atividades que serão desenvolvidas pela
sociedade para consecução de seus fins. A holding rural pode ter como objeto o exercício de
certas atividades rurais em regime de parceria com os sócios, na hipótese de se classificar como
negocial. Lado outro, pode trazer nesse item como atividade a compra, venda, aluguel e
administração de imóveis próprios caso seja tipicamente patrimonial, ou seja, se os bens forem
cedidos a terceiros através de contratos de arrendamento rural.
Vale frisar que essa distinção poderá repercutir nos aspectos tributários, tanto na
constituição quanto na apuração dos rendimentos da estrutura societária, sem falar na
mensuração da responsabilidade dos administradores, como bem pontua Fábio Pereira da Silva
e Alexandre Alves Rossi (2015, p. 63):
Como qualquer outra pessoa jurídica, aqui também se faz necessário definir, já no
contrato social, a sede da empresa. As primeiras holdings rurais traziam como sede algum
escritório ou endereço de correspondência existente na cidade. Recentemente, a prática mais
adotada consiste em escolher, dentre os imóveis rurais, aquele principal, no qual está localizada
a “sede” da fazenda. Em alguns estados, as autoridades fiscais têm defendido a instituição de
filiais, em relação a imóveis rurais apartados do imóvel rural escolhido como sede societária, o
que pode trazer uma burocracia maior do ponto de vista contábil.
Por fim, o contrato deve explicitar o prazo de duração da holding rural. O prazo pode
ser determinado ou indeterminado. A eleição de prazo certo conflita com a finalidade gerencial
da estrutura societária em questão. Por isso mesmo, o mais comum é constar como
indeterminado, sem prever data final para o encerramento das atividades. Na realidade, quando
utilizada para fins de planejamento sucessório, geralmente o sucedido almeja que a holding
rural perdure para a posteridade, beneficiando as presentes e as futuras gerações.
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Além da qualificação dos sócios, denominação, objeto, sede e prazo, o artigo 997, do
Código Civil, nos incisos posteriores, traz outros elementos essenciais ao contrato social, os
quais serão abordados nos próximos tópicos.
Ainda dentro desse tópico, convém tratar das formas de transferência societária. Isto,
porque, caso se busque uma organização sucessória no âmbito da holding rural familiar, desde
o momento de sua gestação se mostra necessário refletir sobre as estratégias para que a
transferência de cotas entre pais e sucessores ocorra de forma harmoniosa. Caso se complete
esse movimento com sucesso, tornar-se-á desnecessário um inventário e partilha desses bens.
Essa transferência pode se dar através de doação gradativa de quotas, como antecipação
de herança. Aqui, também é possível a instituição de usufruto vitalício, podendo se resguardar
tanto os direitos de uso, como a administração e o exercício do poder de voto, quanto de gozo,
como o auferimento de dividendos. Outra possibilidade consiste na inserção de cláusulas de
reversibilidade, inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, com o ímpeto de
resguardar o patrimônio familiar. Na prática, geralmente o usufruto sobre participações
societárias fica regulado apenas no contrato social, porém, Fernanda Vale Versiani (2020, p.
122) chama a atenção para a importância de sua regulação prévia em contrato de doação:
pontos precisam ser observados com atenção. Primeiro, nos termos do artigo 496, do Código
Civil, esse negócio jurídico, para ser válido, exige a anuência expressa dos demais filhos e,
ainda, do cônjuge do alienante, ressalvado se casado no regime da separação de bens.
Uma questão que precisa ser bem avaliada consiste na origem dos recursos financeiros
para essa aquisição, levando-se em conta a desproporção patrimonial dos filhos em comparação
aos pais. Para resolver esse quesito da equação, em alguns casos, se mostra recomendável a
instituição de um mecanismo chamado de distribuição desproporcional de lucros. Esses
aspectos de governança podem ser minuciosamente trabalhados através da formalização de
acordos de sócios, desde que não infrinjam a lei e o contrato social. Nesse sentido, afirma
Martha Gallardo (2016, p. 114):
Nota-se, portanto, que o regramento contido nos pactos parassociais são de grande
importância quando se trata de uma holding imobiliária familiar, já que neste
instrumento será possível regrar as relações entre os herdeiros na qualidade de sócios
ou acionista e estabelecer desde o início regras de sucessão conforme as características
específicas da família e do patrimônio conferido à holding.
Demais disso, é preciso observar o regime de bens dos adquirentes. Isto, porque, se
casado em comunhão universal ou parcial, as quotas compradas, mesmo que com recursos
advindos da distribuição desproporcional de lucros, poderiam compor o patrimônio comum do
casal. Assim, um bem que antes lhe seria transferido sem comunicação matrimonial, seja pela
cláusula de incomunicabilidade na doação ou por ser adquirido por herança, acabará se
comunicando. Em caso de uma futura dissolução matrimonial, o genro ou nora poderia deter
direito de haveres em face da sociedade, o que, talvez, não seja interessante aos negócios da
família.
Uma alternativa possível para solucionar esse imbróglio consiste na utilização da doação
de recursos financeiros com posterior aquisição das quotas, gerando a chamada sub-rogação de
bens. De acordo com o artigo 1659, inciso II, do Código Civil, excluem-se da comunhão “os
bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação
dos bens particulares”. Daí a possibilidade do pai ou da mãe doar dinheiro ao filho, com cláusula
de incomunicabilidade, se preciso for, para que este último, em ato posterior, compre as quotas,
com manifesta concordância do cônjuge, gerando, por consequência, a incomunicabilidade da
participação societária. Nesse cenário, ainda seria devido o recolhimento do imposto de
doações, o qual incidiria apenas na primeira operação, mas em menores proporções que na
doação de quotas propriamente dita.
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De qualquer forma, não se pode ignorar essa vantagem da instituição de holdings rurais:
a sucessão familiar. Transferindo-se os bens particulares para uma sociedade mediante a
confecção de um contrato social e acordos de quotistas bem feitos, é possível regular de forma
segura as consequências do evento “morte”. Além de exigir custos menores do que outros
instrumentos, essa engenharia societária impede a desintegração de um patrimônio construído
ao longo de décadas pelos pais, proporcionando sustentabilidade ao patrimônio e ao negócio
para as futuras gerações.
[...] o legislador atual se preocupou em que houvesse uma maior segurança, por parte
dos interessados na sociedade, sobre atos lesivos aos seus interesses na avaliação de
bens oferecidos como contribuição ao capital social. Procurou-se, assim, evitar a
incorporação de bens ao patrimônio da companhia por um valor fictício, o que, de
fato, redundaria em prejuízos não apenas dos demais acionistas como da sociedade e
dos terceiros que com ela transacionam e que têm no seu patrimônio essa garantia.
postergar a incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital, com base no artigo 23,
da Lei 9249/95. Essa faculdade não traz prejuízos a sociedade, aos demais sócios, muito menos
a terceiros, razão pela qual convive harmonicamente com o §1º, do artigo 1055, do Código
Civil.
A formação do capital da holding rural se dá, primordialmente, por ativos utilizados,
direta ou indiretamente na atividade rural, especialmente imóveis. Diante da recente valorização
desses ativos, abordada no primeiro capítulo, encontra-se, no dia-a-dia, grande defasagem no
valor histórico destes, o qual serve de referência para a subscrição. Daí a importância de se
examinar a Declaração de Renda dos sócios, pois, será a partir dela que se chegará ao valor
majoritário do capital social. Os sócios que não detenham esse tipo de ativos, poderão aportar
recursos financeiros, à vista ou a prazo, os quais serão utilizados para o impulso inicial da
estrutura societária.
A depender da estratégia de planejamento patrimonial, pode ser interessante que a
subscrição e integralização dos ativos imobiliários rurais se dê lançando mão do valor da terra
nua constante na Declaração do Imposto Territorial Rural – DITR. Este geralmente supera o
valor histórico do mesmo bem indicado na DIRPF, mas, embora deva refletir o valor de
mercado, costuma ser inferior ao mesmo, até porque o conceito de terra nua não admite a
contabilização de benfeitorias, melhoramentos e outros ativos biológicos. Essa disparidade, em
algumas situações, precisa ser ajustada através de acordo de cotistas.
Por sua vez, não se pode esquecer uma regra elementar na constituição de uma holding,
qual seja, a dispensa de escritura pública para transferência dos imóveis, independentemente do
valor, excepcionando, portanto, o artigo 108, do Código Civil. Isto, porque, o artigo 89 da Lei
6404/76, aplicável supletivamente as limitadas, afasta essa solenidade do ato constitutivo.
Nesse ponto, cumpre trazer um esclarecimento adicional. Ainda que haja a dispensa do
instrumento público, sendo suficiente o contrato social por instrumento particular registrado
perante a Junta Comercial, a transferência da propriedade continuará dependendo do registro
do título translativo perante a Serventia Imobiliária, nos termos do artigo 1245 do Código Civil
e 167, I, 32, da Lei 6015/73. Afinal, uma coisa é o título translativo poder ser particular
independentemente do valor do imóvel, outra é o seu registro, o qual continuará sendo público,
perante o Cartório competente.
Por conta dessa regra, cumpre pontuar que, após encontrado o valor do imóvel, o
contrato social deverá trazer sua descrição mais minuciosa possível, como bem alerta Martha
Gallardo Sala Bagnoli (2016, p. 143):
58
Sob o aspecto empírico, cabe ressalvar que, na integralização de capital por bem
imóvel, ou direitos a ele relativos, o contrato social por instrumento público ou
particular ou a ata da assembleia que aprovar a incorporação deverá conter sua
descrição, identificação, área, dados relativos à sua titulação, bem como o número de
sua matrícula no Registro Imobiliário.
Além de todos esses requisitos, a subscrição de imóveis rurais exige outros cuidados. O
primeiro que convém ser mencionado se extrai do artigo 176, §1°, II, a, da Lei 6015/73,
juntamente com seus §§ 3º e 4º. A exegese conjunta desses dispositivos exige que tanto a
matrícula do bem quanto o respectivo ato translativo tragam sua identificação
“georreferenciada”, quer dizer, obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional
habilitado, com emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as
coordenadas dos vértices definidores dos limites. As coordenadas do perímetro do imóvel
precisam estar em conformidade com o Sistema Geodésico Brasileiro e previamente
certificadas pelo INCRA.
O Decreto 4449/12 traz um cronograma de obrigatoriedade, estabelecendo marcos
temporais de acordo com tamanhos dos imóveis. Desde 20 de novembro de 2018, imóveis com
área superior a 100 hectares precisam desse tipo de identificação para qualquer ato que envolva
seu domínio, incluindo sua transferência através da integralização ao capital social. De 20 de
novembro de 2023 em diante, imóveis com área superior a 25 hectares também demandarão
essa providência. Por fim, após 20 de novembro de 2025, todos os imóveis rurais precisarão ter
passado por esse procedimento de retificação perimetral.
Do ponto de vista pragmático, incumbe analisar, já na fase de diagnóstico, se a
identificação do bem informada na matrícula contém tais coordenadas e a certificação da
autarquia fundiária. Essa circunstância impacta diretamente nas etapas da conferência do bem
e, por reflexo, no tempo necessário a sua concretização. Caso não possua a identificação
geodésica e sua área atinja o parâmetro de obrigatoriedade previsto no mencionado decreto, o
bem até poderá ser descrito, desde logo, no contrato social, entretanto, antes de ser integralizado
deverá ser “georreferenciado”. Depois disso, a matrícula original será encerrada, abrindo-se
uma nova, com a identificação detalhada. Em seguida, poderão os sócios aditar o contrato
social, informando o novo número da matrícula, eventual alteração na área e a identificação
perimetral do bem, para, depois de chancelada a alteração perante a Junta Comercial, levar o
ato translativo definitivo a Serventia Imobiliária para fins registrais.
Ainda dentro do universo dos imóveis rurais como ativos a serem aportados na holding,
impende destacar que eventual hipoteca que lhe onere, em regra, não impede a integralização.
Todavia, não se pode esquecer que a hipoteca cedular, tão comum nas operações de crédito
59
rural, ao contrário da hipoteca comum, exige a prévia anuência do credor, nos termos do artigo
59, do Decreto-lei 167/67. Esse detalhe também reflete no prazo necessário a implementação
do planejamento patrimonial. Na prática, os credores geralmente consentem com a operação,
desde que a sociedade assuma a condição de terceira-garantidora da obrigação previamente
contraída pelo sócio.
Outros dois pontos que merecem atenção, dentro do presente tópico, dizem respeito a
necessidade de se indicar no contrato social outros números de identificação do imóvel rural
distintos da matrícula. São eles o número de cadastro junto ao INCRA, o qual se encontra no
Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR, e o de identificação na receita federal,
conhecido pela sigla “NIRF”, recentemente substituído pelo número CIB – Cadastro
Imobiliário Brasileiro. Tais informações são relevantes também para aferição da regularidade
fundiária e fiscal do imóvel, tanto pela Junta Comercial quanto pelo Cartório de Registro de
Imóveis.
Por fim, cumpre destacar que, muitas vezes, existe um considerável hiato de tempo entre
a subscrição e a integralização dos imóveis rurais. Por isso mesmo, recomenda-se dispor no
contrato social uma cláusula que já transfira de imediato a posse das terras a holding, a fim de
possibilitar o início imediato da gestão dos ativos, inclusive, permitindo a abertura de inscrição
estadual perante o Fisco Estadual e a entabulação de contratos com aqueles que explorarão
diretamente os imóveis.
Lado outro, também será no capítulo sobre o capital social que constarão cláusulas
detalhando a responsabilidade dos sócios. No caso da sociedade limitada, prevalece sua
restrição ao valor das cotas, porém, todos respondem solidariamente pela integralização do
capital faltante, a teor do artigo 1052, do Código Civil. Isso significa que mesmo aquele sócio
que já houver integralizado totalmente sua participação, poderá ser chamado a integralizar a
parcela, total ou parcial.
Alguns contratos preveem cláusulas flexibilizando essa regra fundamental, como a
previsão de responsabilidade subsidiária dos sócios até o limite do capital social, o que traz
riscos desnecessários aos sócios. Do ponto de vista da eficiência do planejamento, é mais
adequado seguir as disposições legais mencionadas, sem relativizar a limitação da
responsabilidade. Marlon Tomazette (2020, p. 417), traz esclarecimentos adicionais sobre o
tema:
Uma vez pago todo o capital social, nada mais pode ser exigido dos sócios
patrimonialmente, exceto no caso das hipóteses excepcionais que autorizam a
desconsideração da personalidade jurídica. Diante disso, o risco de prejuízo na
60
sociedade é extremamente restrito, sendo por isso a forma mais usada para exercício
de atividade econômicas no Brasil.
Fábio Ulhoa Coelho (2015, p. 190) chama a atenção para a ausência, na legislação pátria,
de sistema de controle da realidade do capital social da sociedade limitada, diferentemente do
que ocorre com a sociedade anônima. Nesta última, todos os aportes devem, necessariamente,
ser comprovados. De acordo com o renomado autor, a fim de proteger os credores, caso estes
comprovem, através de uma perícia, por exemplo, a falta de integralização informada no
contrato social, caberá responsabilização dos sócios pelo valor faltante. Acertada essa posição,
pois advoga em favor da realidade do capital social e a necessidade de lastro financeiro real.
A não-integralização também gera ônus ao próprio sócio remisso, já que incorre em
mora perante a sociedade. É possível regrar essas consequências, especificando prazo máximo
de carência, a taxa de juros moratórios, índice de correção e a multa aplicável, tudo com fim de
compelir a efetivação do aporte. Ademais, os sócios podem dispor sobre a redução do capital
social e, por conseguinte, na participação do sócio remisso naquilo que ele não houver
integralizado.
Outro ponto relevante diz respeito a possibilidade de aumento e redução do capital
social. A majoração, vale mencionar, exige a prévia integralização completa do capital, nos
termos do artigo 1081, do Código Civil, o que nem sempre é observado na prática. A legislação
garante direito de preferência dos sócios para efetuarem o aumento no prazo de trinta dias a
contar da deliberação social. Em qualquer dos casos, após o aumento ou diminuição, mister a
modificação do contrato social. Aliás, deve-se ressaltar que a redução pode se dar com
devolução de ativos imobilizados.
Diante do que fora exposto neste item, percebe-se que a integralização de ativos
imobiliários destinados, direta ou indiretamente, a atividade rural é uma das grandes marcas
características da holding rural. Na prática, a maioria destes se refere a imóveis rurais, os quais
estão sujeitos a uma série de obrigações legais e cadastros específicos, os quais repercutem
diretamente tanto no momento de elaboração do contrato social quanto no registro desse título
junto a Serventia Imobiliária.
Além de todas essas especificidades, mister abordar, ainda que brevemente, as
principais regras que disciplinam a administração da sociedade limitada, sob o enfoque da
holding rural. O tema é sensível, pois muitos interessados no planejamento patrimonial se
esquecem que, após a constituição da estrutura societária, passam a ter uma série de
responsabilidades e obrigações, as quais, caso sejam negligenciadas, poderão atrair atritos e
responsabilidades. Esse assunto é o objeto do próximo item.
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O inciso VI, do artigo 997, do Código Civil, ao reger a sociedade simples, exige que o
contrato social estabeleça quem irá administrá-la, bem como os poderes e atribuições que terá
no desempenho dessa missão. Abordando especificamente esse assunto, mas no âmbito da
limitada, o artigo 1060, preconiza que esta será administrada por uma ou mais pessoas,
designadas no contrato social ou em ato apartado. Nesse último caso, será necessária a
assinatura de termo de posse, inserida no livro de atas da administração, seguindo prazos
previstos legalmente.
O administrador é o responsável maior pela gestão. De acordo com Gladston Mamede
(2020, p. 231), apenas pessoas naturais podem desempenhar a função de administrador,
aplicando-se a sociedade limitada a mesma regra da simples. Em sentido contrário, José
Edwaldo Tavares Borba (2019, p. 133) sustenta que essa função poderia ser desempenhada
também por pessoa jurídica, já que inexiste vedação legal, razão pela qual a Instrução
Normativa 38/2017, a qual acolhe o primeiro entendimento, seria contra legem. A razão parece
estar com o segundo autor, já que a lei civil trouxe normas distintas para cada um dos tipos
societários, não merecendo, neste ponto, aplicação subsidiária.
Além disso, a legislação prevê que a administração possa ser exercida por quem não
seja sócio. De acordo com artigo 1061, nessa hipótese, a designação dependerá de aprovação
unânime, pelo menos enquanto o capital não estiver totalmente integralizado. Depois de
efetivado o aporte, esse quórum se reduz para dois terços. Essa regra parece reforçar a
responsabilidade solidária dos sócios da limitada pela efetiva integralização, constante do artigo
1052.
Por óbvio, o administrador nomeado no contrato social poderá renunciar ao cargo, caso
em que deverá comunicar, formalmente, os sócios. Esse múnus também se encerra se tiver sido
previsto prazo para o seu exercício e o mesmo houver se esgotado, sem recondução, o que é
bastante incomum, já que, geralmente, o encargo é conferido por prazo indeterminado. Por fim,
impende destacar a possibilidade de destituição do administrador pelos sócios. Se ele também
for sócio, exige-se aprovação pela maioria absoluta do capital social, salvo tratativa contratual
distinta.
De acordo com Marlon Tomazette (2020, p. 404), ressalvadas as atribuições privativas
da assembleia ou reunião dos sócios, incumbe ao administrador “traçar estratégias-gerais de
atuação no mercado e concretizar operações que sejam necessárias à realização do objetivo
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social”. Também é ele, à luz do artigo 75, inciso IX, do NCPC, que “representa” a sociedade,
em juízo, ativa ou passivamente. Também na esfera extrajudicial é o administrador quem torna
“presente” a vontade da estrutura societária. Não obstante, poderá constituir mandatário ou
mesmo gerentes, responsáveis por certos atos vinculados a gestão da atividade negocial
(MAMEDE, 2020, p. 233).
Em qualquer caso, continua obrigado, ao término de cada exercício social, a elaborar o
inventário, balança patrimonial e a demonstração de resultados, por aplicação dos artigos 1020
e 1078, do Código Civil. A prestação de contas, via de regra, deve se dar anualmente, por
ocasião da assembleia ordinária, embora esta seja facultativa nas sociedades com menos de 10
sócios. Eventual ausência de prestação de contas, não é, por si só, causa de responsabilidade,
salvo se restar demonstrado que tal omissão ocasionou prejuízos, como bem elucida Gladston
Mamede (2020, p. 240).
O contrato social precisa prever os poderes e atribuições do administrador. Tais
disposições devem levar em conta a finalidade gerencial da holding e a condição de sócio ou
não-sócio do gestor. Em obra específica sobre o tema, Gladston Mamede (2015, p. 161), pontua
o seguinte:
Um dos aspectos relevantes dessa questão está justamente na administração da
holding. (...) Quanto mais cuidadosa e minuciosa for a definição das atribuições e dos
poderes do administrador, constante do ato constitutivo, maior será a segurança dos
sócios em relação a seus atos. Aliás, preservam-se, dessa maneira, não só os interesses
e direitos dos próprios sócios, mas também os de terceiros que, consultando o ato
constitutivo, quem é verdadeiramente, de direito o administrador e quais são os seus
poderes. Esse esforço inclui até a definição de atos que só podem ser praticados após
autorização da reunião ou assembleia de sócios e de atos que não podem ser praticados
de forma alguma.
O contrato social da holding rural deve prever regras mínimas sobre a participação de
cada sócio nos lucros e nas perdas, como manda o inciso VII, do artigo 997. Geralmente,
estabelece-se que esse assunto será deliberado em reunião ou assembleia posterior ao término
do exercício social, razão pela qual, embora esses atos não estejam arrolados no sobredito
dispositivo, merecem atenção especial na formatação do contrato social. Essa
indissociabilidade prática entre tais assuntos, recomenda-se que sejam tratados conjuntamente
neste tópico.
As reuniões ou assembleias ordinárias devem ser realizadas nos primeiros quatro meses
após o término do exercício social, o qual pode equivaler ao ano civil ou ao ano-safra, neste
último caso com salutares reflexos na gestão financeira. Nelas, os administradores deverão
sujeitar as contas a aprovação dos sócios, trazendo os índices financeiros e econômicos da
atividade rural ou arrendamento, cabendo aqueles deliberarem sobre a destinação de eventual
lucro. A propósito, pontua Martha Callardo (2016, p. 116): “mister dispor sobre o assunto no
contrato social no caso da constituição da holding imobiliária familiar para que esta atenda às
necessidades do negócio e da família de acordo com sua complexidade”.
Geralmente as decisões do dia a dia da sociedade são tomadas por aqueles que se
encontram no cargo de administração. Apesar disso, deve-se pontuar que outras decisões, mais
complexas ou cujas consequências são mais sérias, pressupõem deliberação prévia dos sócios.
Essas matérias estão exemplificadas no artigo 1071, do Código Civil: aprovação das contas dos
administradores; designação dos administradores, quando feita em ato separado, destituição e
o modo de suas remunerações, quando não estabelecido no contrato; modificação do contrato
social; incorporação, fusão e dissolução, ou a cessação da liquidação; nomeação e destituição
dos liquidantes e o julgamento das suas contas; pedido de recuperação judicial.
Compete à assembleia dos sócios ponderar e decidir sobre tais assuntos, quando o
número de sócios for maior do que dez – artigo 1072, §1º, do Código Civil. Caso seja menor, a
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deliberação social poderá se dar através de simples reunião, cujo procedimento de instalação, a
ser previsto no contrato social, é mais singelo, ou seja, menos solene do que a assembleia. Em
qualquer dos casos, o conclave poderá ser dispensado se der lugar a decisão por escrito,
contanto que seja a deliberação externada por todos – artigo 1072, §3º, do Código Civil. Márcia
Setti Phebo (2014, p. 148) pontua ser “muito indicado nos planejamentos sucessórios” o
estabelecimento de regras sobre reuniões prévias as assembleias ordinárias, otimizando o
debate.
A convocação desses atos é incumbência do administrador, mas também pode ser feita
por sócio quando aquele retardá-la por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no
contrato ou, também, por titulares de mais de um quinto do capital social, em certas situações.
De acordo com o artigo 1074, o quórum de instalação, em primeira convocação, exige a
presença de titulares, no mínimo, de três quartos do capital social e, em segunda, com qualquer
número.
Já os quóruns de deliberações estão disciplinados, principalmente, pelo artigo 1076.
Esse dispositivo exige, no mínimo, três quartos do capital social para modificação do contrato
social e decisão sobre incorporação, fusão, dissolução ou cessação de liquidação. Mais da
metade do capital social para designação de administradores em ato separado, destituição de
administradores, modo de remuneração e pedido de concordata. E, por fim, maioria de votos
dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato. O contrato social pode prever
quórum distintos, desde que maiores do que aqueles previstos legalmente. Também é possível
prever o poder de veto aos sócios minoritários sobre certos assuntos, o que é extremamente
relevante para a execução do planejamento patrimonial.
Por último, impende pontuar que a holding rural, como qualquer outra sociedade, visa
angariar resultados positivos. Diferentemente das demais, que se concentram numa atividade
operacional, como a prestação de serviços ou o comércio, aqui os resultados são alcançados
através da gestão de ativos. Tais resultados, positivos ou negativos, devem ser partilhados entre
os membros, cabendo ao contrato social reger como se dará esse rateio, tanto que o artigo 1008,
do Código Civil, nulifica a cláusula que exclua qualquer deles dessa divisão. Isso não impede
que eles escolham não distribuir nada após o término do exercício, destinando tudo para
reservas ou investimentos.
Apesar disso, deve-se asseverar que o contrato social poderá prever uma distribuição
desproporcional dos resultados, como se infere do artigo 1007, do Código Civil. Se não houver
ajuste nesse sentido, seja no contrato ou em acordo de cotistas, a distribuição deverá seguir as
proporções das participações societárias. A distribuição ilícita ou fictícia pode atrair
66
Nas limitadas não existe previsão legal de dividendos obrigatórios, mas eles podem
ser estipulados. E, enquanto a distribuição dos lucros da S.A. deve-se dar conforme a
participação dos sócios no capital social, a limitada permite a distribuição
desproporcional de lucros, o que pode ser de grande valia no planejamento, até mesmo
a acomodar determinadas situações nas quais um sócio, ou até mesmo um grupo de
sócios, poderia ser prejudicado.
relação a um deles. Além das hipóteses, mister analisar as possibilidades de regramento desses
institutos no contrato social, ainda na fase de concepção da sociedade limitada, a fim de proteger
todos os envolvidos, como bem preleciona Gladston Mamede (2020, p. 99):
Pois bem. O artigo 1087, do Código Civil, dispõe que esse tipo societário se dissolve,
de pleno direito, por qualquer das situações previstas no artigo 1044, o qual remete ao artigo
1033. Por isso, além da falência, a dissolução chamada total pode se dar nos seguintes casos: a)
vencimento do prazo de duração; b) consenso unânime dos sócios; c) deliberação da maioria
absoluta, quando for contratada por prazo indeterminado; d) extinção de autorização para
funcionar; e) anulação do contrato social; f) alcançado o fim social ou constatada a sua
inexequibilidade. Sobrevindo alguma das dessas situações, os sócios elegerão um liquidante, o
qual ficará responsável pela gestão interina da estrutura, inclusive, o pagamento de eventuais
credores, cabendo o saldo aos sócios mediante partilha proporcional.
No âmbito do planejamento patrimonial, o quorum necessário para aprovação da
dissolução total nas sociedades por prazo indeterminado pode ser majorado no próprio contrato
social, dificultando que uma maioria qualquer tome essa decisão tão impactante, interrompendo
prematuramente a implementação da arquitetura societária. Uma possibilidade seria até conferir
poder de veto, no caso de holding familiar, aos genitores, em relação a essa deliberação, a fim
de resguardarem o planejamento societário perseguido.
Além do esfacelamento irreversível, impende examinar, brevemente nesse primeiro
momento, as situações que se enquadram na chamada dissolução parcial da sociedade, também
denominada como extinção da participação societária. Esse assunto é relevante no âmbito do
planejamento patrimonial. Isto, porque, não é incomum, após o início dessa jornada, o
aparecimento de dissensos entre os familiares, os quais, não raro, desaguam na impossibilidade
definitiva de convívio. Também são recorrentes as discussões acaloradas em torno das
consequências de eventual óbito ou incapacidade do sócio para a continuidade da holding.
De acordo com Marcelo Guedes Nunes (2015, p. 220), a dissolução parcial é uma
resposta a algum tipo de “crise da sociedade”:
A dissolução parcial tem lugar nas seguintes situações: a) em caso de consenso entre
todos os sócios; b) falecimento, quando não houver possibilidade de ingresso dos sucessores;
c) falência do sócio pessoa jurídica; d) liquidação da participação societária em favor de credor
do sócio; e) exclusão (falta grave, incapacidade superveniente ou deliberação majoritária em
caso de ato de inegável gravidade); f) direito de retirada. O exame pormenorizado das hipóteses
de dissolução parcial e suas consequências será feito no próximo capítulo.
Geralmente, o contrato da holding rural prevê regras comumente utilizadas em contratos
sociais padrões, sem muita preocupação em disciplinar o assunto com detalhamento. A maior
peculiaridade diz respeito a previsão expressa de parcelamento para pagamento dos haveres e
a periodicidade semestral ou anual das prestações, buscando protegê-la da sazonalidade da
atividade rural explorada, direta ou indiretamente.
Parece não existir, ainda, uma grande preocupação em relação a metodologia e/ou aos
critérios para valoração dos ativos e passivos, que é onde geralmente residem os maiores
debates nas lides societárias. Por isso, é que se busca através desta pesquisa o aprofundamento
dessa discussão, até como forma de fomentá-la, a fim de estabelecer metodologia e critérios
para o exercício da autonomia dos sócios na elaboração ou alteração do contrato social, que, a
um só tempo, preservem três vetores: a continuidade da estrutura societária tão valiosa para os
sistemas agroindustriais, a finalidade do planejamento patrimonial e o direito do sócio retirante.
O contrato social da holding rural, como não poderia ser diferente, também deve trazer
o foro ou cláusula arbitral, como ambiente adequado à resolução de conflitos entre os sócios.
Embora tal exigência não esteja expressamente prevista no Código civil, pode ser inferida da
própria natureza contratual do ato constitutivo. Além disso, a Instrução Normativa n. 81/2020,
do Departamento Nacional de Registro Empresarial, traz em seu Anexo IV, denominado
“Manual de Registro de Sociedade Limitada”, no Capítulo II, Seção I, item 4, as cláusulas
obrigatórias do contrato social, dentre elas, o foro ou cláusula arbitral.
A eleição de foro está prevista no artigo 63, do Código de Processo Civil. De acordo
com esse dispositivo legal as partes podem, em certas discussões, alterar a competência
jurisdicional. Para isso, mister que o foro escolhido seja indicado, previamente, em instrumento
69
escrito, sob pena de ineficácia. Outro ponto relevante é que essa escolha, quando possível,
também se estende aos sucessores e herdeiros das partes. O foro de eleição pode ser previsto
para dirimir conflitos de negócios jurídicos unilaterais, bilaterais e plurilaterais (MARINONI;
MITIDIERO; 2018 p. 448), dentre os últimos, o contrato social.
Assim como na maioria das sociedades, o contrato social da holding prevê como foro
de eleição a Comarca na qual está inserida o domicílio dos sócios ou da maioria deles, o qual
coincide, muitas vezes, com a sede da sociedade. Na holding familiar, onde é comum que alguns
filhos residam distantes dos pais, geralmente se prevê como foro de eleição o domicílio destes
últimos, até como estratégia preventiva, em caso de eventuais conflitos com os sucessores. Em
relação a tal cláusula, portanto, inexiste muito mistério ou discussão, não merecendo maiores
considerações.
Lado outro, não se pode olvidar que os sócios poderão preferir que eventuais discussões
sejam apreciadas no âmbito da arbitragem, como mais um caminho dentro do atual paradigma
da Justiça Multiportas, ou seja, “fora da arena estatal” (MARTINS, 2018, p. 7). Arbitragem
sequer configura assunto novo. Basta lembrar que o Código Comercial de 1850 estabelecia,
compulsoriamente, a utilização desse instituto, em seu artigo 294: “todas as questões sociais
que se suscitarem entre sócios durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação
ou partilha, serão decididas em juízo arbitral”.
A arbitragem, regulada pela Lei 9307/1996, pode ser compreendida como processo
extrajudicial e voluntário que busca a resolução de controvérsias, entre capazes, envolvendo
direitos patrimoniais, por julgadores particulares. Grosso modo, pode ser entendida como a
prestação jurisdicional particular. As razões para utilização da arbitragem se fundam,
principalmente, na celeridade desse instituto quando comparado ao tempo das respostas
jurisdicionais, o que pode amenizar eventuais impactos do conflito à estrutura societária.
Segundo Ana Cláudia Redecker (2015, p. 112), ao abordar o instituto sob o enfoque da
sociedade limitada, vários seriam os benefícios de sua utilização: a) evita prolongadas
contendas entre sócios e entre estes e a própria sociedade; b) conflito solucionado de forma
sigilosa; c) preserva a reputação da sociedade no seu ramo de atuação; d) demanda examinada
por especialistas. Quer dizer, a arbitragem proporciona um ambiente de discussão e deliberação
mais técnico, trazendo soluções, ainda que heterogêneas, mais qualificadas. Sobre o tema, vale
transcrever as considerações de Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2015, p. 256-
257):
Para evitar que as consequências deletérias dos conflitos sociais possam prejudicar a
própria empresa, muitos contratos sociais trazem cláusula de arbitragem, instituto
70
[...] registre-se que valem para as sociedades limitadas o mesmo que foi dito em
relação às companhias, no que toca à validade da cláusula compromissória prevista
em contrato social: (i) se ela foi prevista originariamente, aplica-se a todos os sócios,
sem maiores problemas; (ii) se ela foi prevista em alteração contratual, deve-se
aplicar, por analogia e no que couber, o disposto no art. 136-A da LSA.
A conclusão parece acertada. Isto, porque, o Código Civil não regula, de maneira
expressa, o assunto. Além disso, a garantia ao acesso jurisdicional, prevista no inciso XXXV,
do artigo 5º, da Constituição Federal, deve ser enxergada como gênero, no qual se insere a
arbitragem como uma das categorias, no Sistema Jurídico Brasileiro, que garantem uma solução
aos conflitos entre particulares. Por isso mesmo, ainda que o contrato social não preveja a
aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas, ela se mostra aplicável de forma
subsidiária, permitindo que a convenção arbitral seja inserida por alteração contratual
superveniente conduzida pela maioria, assegurando aos demais o direito de retirada.
71
De qualquer forma, do ponto de vista prático, mostra-se recomendável que a opção pela
cláusula arbitral seja feita no início da execução do planejamento patrimonial, ou, se
posteriormente, mediante aprovação unânime dos sócios, como bem pontua Márcia Setti Phebo
(2014, p. 184). O objetivo dessas cautelas é evitar discussões judiciais sobre o assunto,
prejudicando o planejamento patrimonial. Em qualquer cenário, é importante primar pela boa-
fé na instituição da arbitragem e, principalmente, na tutela das minorias (WARDE JR,
JUNQUEIRA NETO, 2014, p. 74). Gladston Mamede (2020, p. 100) defende, expressamente,
a possibilidade da dissolução parcial ser tratada pelo foro arbitral:
Sob a ótica da holding rural, a utilização da arbitragem pode ser de grande valia para a
efetividade do planejamento patrimonial, poupando-se a estrutura societária, sempre sujeita a
enorme carga emocional. Desde debates sobre prestação de contas, eleição e destituição de
administradores; cláusulas de acordos de cotistas; direito de voto; invalidação de deliberações
sociais; dentre outras. O foro arbitral pode garantir ainda que a decisão impacte, o mínimo
possível, na respectiva cadeia produtiva na qual esteja inserida a holding, preservando uma
análise sistêmica antes da decisão.
Assim como só pode ser alimentada pelos recursos especificamente referidos nos §§
1º e 2º do art. 182, a reserva de capital tem destinação também limitada pela lei. Os
recursos nela apropriados só podem ser usados pela companhia para as finalidades
indicadas no art. 200 e parágrafo único: (a) absorção de prejuízos que ultrapassarem
os lucros acumulados e as reservas de lucros (artigo 189, parágrafo único); (b) resgate,
reembolso ou compra de ações; (c) resgate de partes beneficiárias; (d) pagamento de
dividendo a ações preferenciais, quando essa vantagem lhes for assegurada (artigo 17,
§ 5º); e (e) Resgate de partes beneficiárias, se usados apenas recursos da reserva
provenientes da venda desses valores mobiliários. Nesse mesmo art. 200, o inciso IV
autoriza também a capitalização total ou parcial de recursos da reserva de capital. É
este o meio pelo qual a companhia poderá dar a tais recursos outras destinações. Em
suma, enquanto estiver contabilizado na reserva de capital, o recurso financeiro é da
titularidade da companhia, mas ela não é livre para utilizá-lo na realização do objeto
social (pagar salários, aluguéis, duplicatas, impostos etc.). Se necessitar desse recurso
para tal finalidade (realizar o objeto social), a companhia precisará primeiro
incorporá-lo ao capital social, mediante deliberação da assembleia geral
extraordinária.
74
através do site da Receita Federal; Recibo de inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural
– CAR. Algumas Serventias também exigem certidões negativas trabalhistas e certidões
negativas de débitos junto ao IBAMA.
Depois da qualificação registral do título, será feito o registro na matrícula do imóvel
rural integralizado, transferindo-se, definitivamente, a propriedade para a holding rural, que
antes era apenas possuidora. Depois disso, mister atualizar as informações cadastrais de cada
imóvel junto ao INCRA, a Receita Federal, a Secretaria da Fazenda e, não menos importante,
no SICAR – Sistema do Cadastro Ambiental Rural. O sócio, por sua vez, que antes havia apenas
subscrito o bem ao capital social, com o registro acaba integralizando-o, cumprindo, assim, o
seu compromisso com os demais sócios e com a própria estrutura societária, cujo principal
objeto consistirá na gestão eficiente desses ativos.
O contrato social registrado, assim como em qualquer outra sociedade regular, faz
nascer a holding rural. Nem sempre, porém, ele trará todas as regras definidas entre os sócios.
Por razões estratégicas algumas das disposições poderão ser detalhadas em documento
apartado, seja por que não dizem respeito a todos os membros ou, ainda, para evitar a
publicidade que o arquivamento na Junta Comercial pode trazer a compromissos
eminentemente familiares. Nessas ocasiões, mostra-se recomendável a entabulação de acordos
de sócios.
Tais avenças não estão expressamente previstas na legislação particular à sociedade
limitada. Apesar disso, compreende-se ser possível a contratação, desde que não contrariem o
contrato social. O fundamento normativo dependerá da legislação supletiva. Se for as regras da
sociedade simples, se baseará no parágrafo único, do artigo 997, do Código Civil: “É ineficaz
em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do
contrato”. Já se a opção for pelas normas do anonimato, se fundará nas disposições do artigo
118, da Lei 6404/76.
Herbert Morgenstern Kugler (2014, p. 111-112) classifica, respectivamente, tais
acordos como simples ou empresarial, a depender da legislação que o secunda, trazendo
consequências distintas, sobretudo no que tange a oponibilidade a terceiros. Nesse ponto, a fim
de resguardar esse efeito nas sociedades limitadas, cumpre destacar que é possível o registro
perante a Junta Comercial, embora possa ser desaconselhável por conta da exposição que isso
pode trazer. Uma recomendação prática valiosa para conjugar tais objetivos é constar, no
76
contrato social, a possibilidade de contratação destes acordos, os quais deverão ser arquivados
na sede, e a sujeição dos anuentes e terceiros que com eles contratarem (BAGNOLI, 2016, p.
150).
Priscila M. P. Corrêa Fonseca (2018, p. 321) aborda esse instituto como instrumento
autônomo de planejamento patrimonial, inclusive, comparando vantagens e desvantagens a
instituição de uma holding. Já Martha Gallardo (2016, p. 152) o destrincha como “um
instrumento de organização patrimonial e sucessória de grande utilidade que deve ser usado em
conjunto com o Estatuto Social ou Contrato Social”. Obviamente, que essa decisão dependerá
do contexto, da estratégia e dos objetivos do planejamento.
Neste trabalho, o acordo de sócios será vislumbrado como ferramenta adicional do
planejamento patrimonial, abarcando questões mais importantes e regulando-as de forma
minuciosa. Matérias como política de destinação e distribuição de lucros; cessão de quotas;
ingresso de herdeiros ou ex-cônjuges; direito de preferência; sucessão do sócio; criação de um
conselho de administração; regras de governança; exercício do direito a voto; poder de controle;
oneração e constrição judicial de participações; podem e devem ser disciplinadas através desse
importante instrumento normativo, como manifesta a doutrina:
bloco. Os membros podem ajustar que, enquanto vivo e capaz o sócio fundador, os demais
acompanharão sua decisão (KIGNEL; PHEBO; LONGO, 2014, p. 163), independentemente da
participação societária deste último, a qual geralmente se reduz gradativamente. No caso de
holdings rurais que detêm participações em outras sociedades, é interessante combinarem nos
acordos a realização de reuniões prévias sobre as matérias que serão deliberadas na sociedade
operacional. A ideia é manter a família coesa, o patrimônio seguro e o negócio sólido.
Além do voto em bloco, pode-se conceder poderes especiais e direito de veto de algumas
matérias para determinado sócio, naquilo que alguns nominam de golden share (KIGNEL;
PHEBO; LONGO, 2014, p. 164). Os genitores que aportaram quase todo o ativo da holding
podem ter seus interesses preservados também através deste viés, garantindo-lhes poder
absoluto sobre determinados temas sensíveis a integralidade patrimonial, como, por exemplo,
venda e oneração de bens. É possível prever, ainda que, na falta deles, esse poder seja
transferido a determinado filho que tenha mais expertise nos negócios, a fim de proteger contra
a desintegração dos bens.
A eleição dos administradores também é matéria passível de ser esmiuçada no acordo.
Principalmente, quando se busca estabelecer critérios para aqueles sócios que desejam
acumular tal função, com escopo de primar pelo mérito em face do simples grau de parentesco.
As holdings rurais precisam acompanhar o movimento de profissionalização das funções
gerenciais, de tal sorte que o cargo de gestor só pode ser ocupado por um sócio se houver
comprovada qualificação para isso. Márcia Setti aborda o tema com precisão:
indiretamente, a cessão dos ativos imobiliários da sociedade. Exemplo interessante é citado por
Márcia Setti:
Além destas cláusulas, também é comum acordos de sócios preverem o direito de opção
de compra de quotas, denominado call, ou o direito de opção de venda, conhecido como put
(PRADO, 2011, p. 50-51). Através desse primeiro direito, o sócio adquirente do direito poderá,
em determinadas condições ou pela simples manifestação de vontade em prazo certo, comprar
participações de outro integrante, o qual ficará obrigado a vender, de acordo com os preços
previamente ajustados. Já através do segundo, a faculdade transacionada diz respeito a
alienação das quotas, através de formato ajustado no acordo de cotistas. Ambas podem ser de
grande valia na holding rural, para regrar transações entre integrantes que queiram deixar a
estrutura e aqueles que pretendam aumentar sua participação.
Ademais, cumpre trazer à baila a denominada cláusula shot gun. Através desse ajuste,
perfeitamente cabível em acordos entre os membros da holding, caso sobrevenha algum
impasse entre estes, um sócio deverá ofertar sua participação ao outro pelo preço que escolher
ou segundo critérios previamente estabelecidos. Este, por sua vez, terá apenas uma de duas
escolhas: adquirir as cotas ou vender sua participação proporcionalmente pelo mesmo preço.
Através desse mecanismo, o impasse é solucionado com a saída de um dos integrantes. Claro
que não se espera, no bojo de planejamento patrimonial, principalmente de índole familiar, que
os familiares saiam da holding. Contudo, certas circunstâncias não deixam outra alternativa,
trazendo utilidade prática para essa cláusula.
Finalmente, um tópico que pode ser normatizado no acordo de sócios e que é bastante
caro ao presente trabalho: critérios para avaliação e pagamento dos haveres. Embora seja
imprescindível que as diretrizes gerais estejam previstas, expressamente, no contrato social, é
de bom alvitre que sejam delineadas também nos acordos de sócios. Márcia Setti Phebo (2014,
p. 175), com segurança, elenca os principais itens trabalhados em acordos de sócios em
planejamentos patrimoniais: quantidade de parcelas, índices para atualização, limitação dos
valores das parcelas ou coeficiente limitador referenciado ao lucro do ano anterior,
80
possibilidade de dação em pagamento. Enfim, como diz a autora, “o essencial é que, antes de
mais nada, preserve-se sempre a galinha dos ovos de ouro”.
Pelo que se examinou, o acordo de sócios é uma ferramenta poderosa se aliada a
estruturação de uma holding, caso as circunstâncias, contexto familiar, estratégia e objetivos do
planejamento convirjam para tal. Dentro do agronegócio, e mais especificamente da gestão dos
ativos rurais por produtores, embora seja raro a contratação de acordos dessa natureza, tudo
recomenda que devam ser arquitetados, em especial nas matérias suscitadas nesse tópico, a fim
de traduzir no papel as diretrizes combinadas entre os sócios, primando sempre pela maior
organização possível da entidade.
81
construído há pouco tempo, pelas mãos de magistrados com base em aportes doutrinários de
uma época em que qualquer desestabilidade quase sempre atrairia a dissolução total da
sociedade. Para se aperceber disso, basta lembrar que o Código Comercial de 1850, em seu
artigo 335.5, previa a extinção definitiva da sociedade por prazo indeterminado “por vontade
de um dos sócios”. Numa legislação extremamente individualista, uma só opinião, às vezes,
determinava o destino de tantas outras.
O Código Civil de 1916 seguia a mesma filosofia. Em seu artigo 1399, inciso IV e V,
previa o encerramento da sociedade pela falência, incapacidade, morte ou renúncia de qualquer
dos sócios. Não existia, portanto, tanta preocupação de que a sociedade continuasse a existir
com os demais membros. Era tudo ou nada. Pouco importava o interesse da maioria, muito
menos os dos colaboradores, clientes e eventuais credores que mantinham relação contínua com
a sociedade. Estes até poderiam receber se o patrimônio, apurável na fase de liquidação, fosse
suficiente ao pagamento dos créditos.
O enxuto Decreto n. 3708/1919, ao normatizar a constituição da sociedade por quotas
de responsabilidade limitada, trouxe um pequeno avanço. Em seu artigo 15, dispôs que ao sócio
que divergisse de eventual alteração do contrato social, assistiria a faculdade de se retirar,
“obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço
aprovado”. Não obstante, em relação as demais situações, como o óbito, a incapacidade, a
exclusão e a renúncia, remetia a regulação às normas do Código Comercial, admitindo, por isto,
apenas a dissolução total.
Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1939, mais precisamente em seu artigo
655 e seguintes, se preocupou com a dissolução e liquidação societária. Todo o regramento
voltava-se, exclusivamente, ao encerramento definitivo, sem margem para a extinção do
vínculo apenas em relação a um sócio. O Código Adjetivo que o sucedeu, em 1973, se limitou
a manter em vigor as disposições mencionadas, nada assinalando acerca da possibilidade de
dissolução parcial, como se extrai do seu artigo 1218, VII. Tanto o legislador material quanto
processual ignorou a dissolução parcial por muito tempo.
Diante desse hiato legislativo, coube à doutrina e à jurisprudência, inspiradas na Teoria
da Empresa importada do Direito Italiano, engendrarem a criação e o desenvolvimento do
instituto ora tratado, nos idos de 1960 (ARMANI, 2019, p. 77). Nesse primeiro momento, os
debates vieram à tona principalmente em caso de morte e de retirada de um sócio em sociedades
de prazo indeterminado. Quando tais discussões desaguaram no Judiciário, começaram a
emanar decisões resguardando o vínculo em relação aos demais sócios, com base nos princípios
83
Wagner José Penereiro Armani (2019, p. 78) afirma que a linha mestra do instituto em
tela foi traçada pelo Ministro Cordeiro Guerra, do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o
Recurso Extraordinário 89464/SP. Naquele caso concreto, um dos quatro sócios de uma
sociedade por cotas de responsabilidade limitada pleiteou a dissolução total, com base nas
disposições do Código Comercial. Em sede de contestação os outros três pediram,
subsidiariamente, a dissolução parcial. Em primeira instância a ação foi julgada procedente,
vencendo o sócio insatisfeito.
Posteriormente, o Tribunal de São Paulo reformou a decisão, admitindo a parcialidade
da dissolução. Da leitura do voto colhe-se trecho de outro voto, proferido pelo Ministro Evandro
Lins e Silva, ao julgar o RE 59101/MG, que vale a pena ser mencionado: “O recorrente não
quer continuar na sociedade, não devendo interessar-lhe se a mesma continuará ou não, com os
sócios remanescentes. Uma vez que seus haveres sejam apurados, está garantida a recuperação
daquilo que tem direito”.
Esse registro histórico é curioso. Nem sempre um instituto tão difundido nos dias de
hoje, possui demasiada tradição legislativa. A dissolução parcial é exemplo disso; e, também,
da importância da doutrina e jurisprudência para a construção do Direito Positivo. Através da
sensibilidade dos juristas e julgadores é que alguns importantes institutos vão sendo
rascunhados, elaborados e edificados. Só em momento posterior, talvez muito tempo depois, é
que o legislador assimila o fenômeno e o incorpora aos dispositivos legais, no ímpeto de trazer
segurança jurídica.
Outro aspecto que chama a atenção é que o legislador, num primeiro momento, acolheu
o instituto, mas não abraçou o nome que lhe era atribuído nos pretórios. O Código Civil de 2002
preferiu lançar mão da expressão “resolução da sociedade em relação a um sócio”, ao nominar
o título do Seção V, do Capítulo I, das Sociedades Simples. Nesse dispositivo, já mencionado
anteriormente, elencou-se as causas mais comuns desse instituto: morte, retirada e exclusão. De
84
igual modo, o artigo 1026 menciona o termo liquidação da quota (NUNES, 2015, p. 226), ao
invés de dissolução parcial.
Hernani Estrella (2004, p. 95) critica, com contundência, a utilização da expressão
“dissolução parcial”, atribuindo a essa terminologia a responsabilidade por muitos equívocos
interpretativos no estabelecimento das consequências jurídicas do instituto. Nesse ponto, faz o
autor um paralelo entre a dissolução total e a resilição parcial decorrente da retirada do sócio,
no afã de evidenciar a diferenciação entre eles de causa e efeito:
[...] a quem se detenha um pouco sobre os dois institutos, acudirá logo a radical
diferença que os separa e, por via de consequência, a diversidade de efeitos que
correspondem a um e outro. Salta aos olhos que, embora tenham entre eles certas
analogias, o afastamento do sócio e a dissolução da sociedade não se identificam, eis
que inspirados em princípios não só diversos, senão até completamente opostos. É que
a resilição parcial do contrato, limitada ao sócio que se desliga, tem por fundamento
a conveniência ou necessidade de preservação do organismo societário que se mostra
ou se supõe apto a continuar operando, apesar de lhe vir a faltar um de seus membros.
Na dissolução, ao revés, cuida-se extinguir o organismo que, por ter chegado ao termo
da vida, ou pelo advento de alguma outra causa dissolutória, está privado de
vitalidade, seja pela exaustão de seu objeto ou de seu patrimônio, seja por falta de
indispensável colaboração dos sócios (ESTRELLA, 2004, p. 96).
Por isso mesmo, não são apenas as hipóteses de incidência que são distintas, mas,
também, os procedimentos e, principalmente, “o alcance jurídico, quer para o sócio que se
aparta, quer para os que permanecem na sociedade” (ESTRELLA, 2004, p. 96). A constatação
e a crítica do renomado jurista são essenciais para se compreender que a dissolução parcial
jamais poderia visar a liquidação, ainda que virtual da sociedade, para, em seguida, chegar aos
haveres. Esse vislumbre, feito por muitos, acaba vilipendiando o princípio da continuidade da
estrutura societária, aceitando-a que fique em frangalhos.
Somente com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015 é que, finalmente, a
expressão “dissolução parcial”, já arraigada nos foros, foi positivada. Em seus artigos 599 a
609, buscou regrar esse remédio processual, repetindo as hipóteses trazidas pela legislação
substantiva e definindo, minimamente, o procedimento. Como se vê, uma longa trajetória foi
percorrida, desde os primeiros contratos sociais prevendo essa possibilidade, ainda que a revelia
da legislação, até o momento em que fora regulada de forma expressa e, em seguida, acolhida
nominalmente, com iter procedimental específico.
Na origem do instituto resplandece o princípio da preservação da sociedade, sem
prejudicar os interesses do sócio retirante, do espólio ou do excluído. A grande lição que se
extrai do desenvolvimento normativo do instituto é o quão poderoso pode ser a autonomia da
vontade esposada num contrato social, a ponto de alterar, com uso continuado, limitações legais
que estorvavam a continuidade existencial do ente social. Apesar disso, infere-se que o
85
entrada no quadro social, preferindo a dissolução parcial com posterior apuração de haveres
(NUNES, 2015, p. 228), com base no princípio constitucional da livre associação.
Já a segunda exceção trazida pela norma consiste na opção, dos sócios remanescentes,
pela dissolução total, ao invés da simples dissolução parcial com liquidação da quota do sócio
falecido. Nesse ponto, cumpre lembrar que o artigo 1033, do Código Civil, exige consenso
unânime para dissolução no caso de sociedade por prazo determinado e deliberação por maioria
absoluta se for indeterminado. Tais regras refletem na dissolução total prevista no artigo 1028,
inciso II.
A terceira ressalva, prevista no artigo 1028, III, se refere a deliberação dos sócios
juntamente com os herdeiros, obviamente ocorrida após o passamento. Quer dizer, ainda que o
contrato social reitere a dissolução parcial, decisão tomada posteriormente pode optar pela
substituição do finado pelos sucessores. Marcelo Guedes Nunes (2015, p. 228-229) chama a
atenção para possibilidade de apenas parte dos herdeiros ingressarem na sociedade, liquidando-
se a participação em relação aos demais. Todas essas situações evidenciam o poder atribuído a
autonomia, reservando-se à norma legal papel quase sempre subsidiário.
Por fim, impende consignar que a aplicação automática, por supletividade, do artigo
1028 às limitadas não é unânime na doutrina. Fábio Ulhôa Coelho (2012, p. 502) compreende
que isso só se dará se a estrutura for de vínculo instável, ou seja, aquela que acolha
expressamente a aplicação supletiva das normas da sociedade simples. Caso contrário, se a
opção se der pelas regras da anônima, conclama o ingresso imediato dos sucessores,
independentemente da vontade dos demais sócios. Marlon Tomazette (2020, p. 422), com
razão, discorda desse entendimento, já que a mera opção pelas regras da anônima, não afastam
todas as regras supletivas da sociedade simples, sem falar que a limitada possui nítida natureza
contratual, prezando pela manifestação de vontade dos envolvidos.
Como discutido no Capítulo 2, item 2.3, as cotas representam não apenas direitos
patrimoniais, como também direitos políticos dentro da sociedade. Diante dos dois lados dessa
moeda, pode advir um dilema, se a participação societária integrar a comunhão de bens do casal.
Essa integração, por sinal, dependerá se a participação tiver sido adquirida onerosamente
durante a vigência do casamento ou da união estável, nas hipóteses em que tais relações sejam
regidas pelo regime da comunhão parcial de bens e participação nos aquestos, ou, a qualquer
87
companheiro falecido. Sobre o assunto Erasmo Valladão e Marcelo von Adamek (2021) tecem
severas críticas:
Esse direito, porém, pressupõe, é lógico, que o cônjuge ou o companheiro tenha algum
direito reconhecido de meação sobre a quota do ex-marido ou ex-companheiro; logo,
se as quotas forem bens particulares deste não entram para a comunhão do extinto
casal e nenhum direito assistirá ao consorte do sócio para exigir a liquidação da quota
social deste. Seja como for, tema desta natureza, que nada tem de processual, não
deveria ter recebido tratamento legislativo heterotópico no CPC.
cônjuges no decorrer do relacionamento deverão ser objeto de partilha. Essa regra, vale
ressaltar, só se aplica ao regime da comunhão parcial de bens e, mesmo nele, pode ser afastada
através de pacto nupcial, recomendável para um eficiente planejamento patrimonial.
O fato é que, nas empresas familiares, nas quais a existência da affectio societatis é
fator relevante, não pode tal circunstância ser desconsiderada por ocasião de sua
dissolução. Como dissemos na Introdução deste trabalho, os pais comungam do desejo
de ver os seus filhos juntos, tendo muita dificuldade de admitir que eles possam querer
separar-se e seguir caminhos distintos, muitas vezes como forma de manter a relação
familiar saudável (KIGNEL; PHEBO; LONGO, 2014, p. 158).
Pensar diferente, seria admitir que um dos filhos, na primeira discussão mais acirrada,
poderia “levantar acampamento” e deixar o organismo societário e os demais membros da
família a própria sorte, sem medir os impactos da retirada. Existem casos, extraídos da própria
experiência profissional, que os pais construíram, sozinhos, gigantescos ativos rurais, como
imóveis, silos, maquinários de grande valor, os quais são aportados numa holding, com
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posterior transferência societárias entre os membros da família, tudo, com o objetivo de manter
unido o patrimônio.
Não se pode admitir que, de uma hora para outra, um dos sócios simplesmente decida
sair e apurar, de forma inconsequente, seus haveres. O desinvestimento gerado, a depender dos
resultados provenientes da aplicação dos critérios eleitos no contrato social ou, em caso de
silêncio sobre o tema, da própria regra legal, pode desaguar na dissolução absoluta da holding
rural de forma prematura. Por isso mesmo, defende-se que se o vínculo for estável, inerente a
essas entidades, deve prevalecer e surtir seus efeitos analisados anteriormente, obstando a
retirada imotivada. Caberá ao sócio alienar sua participação a outro, mantendo-se a sociedade
capitalizada.
Deixando de lado essas situações que possibilitam a exclusão de pleno direito, cumpre
regressar a demissão por incapacidade superveniente e por falta grave. Sobre a primeira
hipótese, cumpre pontuar que se o sócio incapaz tiver sido admitido na sociedade, não poderá
ser afastado. Apenas se a incapacitação se der a posteriori é que será possível cogitar essa
consequência. Gladston Mamede (2020, p. 110) pontua que a norma deve ser interpretada de
forma restritiva, afirmando ser impossível a exclusão caso o sócio não estivesse obrigado a
prestação personalíssimas. Com razão o jurista. Na holding rural de cunho familiar a exclusão
por incapacidade superveniente é praticamente impossível, cabendo aos sócios normatizarem
outros efeitos para essa situação.
93
Por outro lado, a expulsão por falta grave pressupõe ato que desrespeite deveres sociais,
os quais serão avaliados pelo julgador. De acordo com Gladston Mamede (2020, p. 110) o
contrato social pode prevê-los, o que facilitará a apreciação jurisdicional, citando, por exemplo:
concorrência desleal, crimes dolosos contra a sociedade ou a qualquer dos sócios e
improbidade. No caso da holding rural, poder-se-ia cogitar do desenvolvimento de atividade
rural fora do grupo familiar como espécie de concorrência desleal, por exemplo; ou, ainda, a
cessão de ativos imobiliários rurais para terceiros, sem garantir a preferência aos sócios na
contratação de parcerias e arrendamentos. Estes seriam acontecimentos graves, mas que não
colocariam em risco a continuidade existencial da estrutura gestora. Para gerar a exclusão,
demandariam intervenção judicial.
Lado outro, especificamente para a sociedade limitada, caso essa falta grave seja
qualificada, quer dizer, além de inegavelmente séria, também coloque em risco a continuidade
da empresa – que é a razão de ser da sociedade, poderão os sócios acusadores se valerem da via
extrajudicial, desde que haja previsão expressa desse caminho no contrato social. Essa regra
está contida no artigo 1085, do Código Civil. Seu parágrafo único preconiza ser imprescindível
o agendamento de reunião ou assembleia especialmente convocada para que o acusado,
mediante tempo hábil, possa se defender. O conclave torna-se desnecessário se houver apenas
dois sócios, embora ainda seja necessário garantir o direito de defesa.
Exemplo marcante de atos desse jaez seria o sócio administrador que deixar de conferir
função social ao imóvel rural, atraindo riscos a continuidade da holding rural. Primeiro, porque
a improdutividade pode atrair onerosidade de natureza fiscal em relação ao Imposto Territorial
Rural – ITR, por força de comando constitucional. E, principalmente, pelos riscos de
desapropriação por interesse social, prevista no artigo 184, da Constituição Federal. Outra
possibilidade, na esfera da holding rural, seria o consentimento do sócio para cultivo de plantas
psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo, situações graves que poderiam gerar a
expropriação do imóvel rural, nos termos do artigo 243, da Constituição Federal. Um último
exemplo, talvez mais recorrente na prática, é o endividamento da estrutura societária, com
desvios de recursos para o enriquecimento do sócio.
Todas essas situações se enquadram como falta grave qualificada, assim como o
abandono, já que podem ocasionar a perda da propriedade dos ativos imobiliários e, por
consequência, trazer um ultimato ao espírito gestor da holding rural. Caso o contrato social
disponha sobre a possibilidade de exclusão extrajudicial, o sócio minoritário acusado deverá
ser notificado para exercer seu direito de defesa, cabendo aos demais deliberarem sobre sua
saída ou não. Sobre essa decisão, Gladston Mamede (2020, p. 253) defende que seja,
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simultaneamente, por maioria dos votos por cabeça e por maioria de capital social, o que faz
muito sentido a luz da redação minuciosa do dispositivo legal que dá suporte ao ato.
Outra observação importante é feita por Marcelo Guedes Nunes (2015, p. 239), segundo
o qual para que a conduta seja qualificada como falta grave, ela não pode ter sido tolerada de
forma reiterada no passado ou quando praticada pelos sócios acusadores. Afinal, direito é bom-
senso e a exegese das regras deve ser guiada pela boa-fé objetiva. O sócio que aponta um dedo
ao outro, às vezes, está apontando para si quatro. Por isso, é fundamental examinar o
comportamento prévio dos envolvidos.
Por último, não se pode olvidar que a chamada “quebra da affectio societatis” não é,
sozinha, hipótese que atrai a exclusão. Como bem ensina Marlon Tomazette (2020, p. 420), é
preciso verificar o motivo dessa discordância ou afastamento entre os sócios. Esse ponto é
relevante para o planejamento patrimonial que envolva irmãos, já que é comum discussões mais
acirradas, as quais geram o desafeto, o qual não pode colocar por terra todo o esforço da família
em manter o patrimônio sob gerenciamento de uma só estrutura.
A holding rural familiar é constituída para gerir ativos rurais, ligados, direta ou
indiretamente, a atividade específica. O vínculo que se estabelece, até pelos laços afetivos, é
estável, no afã de manter uno o patrimônio gerido. Por isso mesmo, mister a regulação
criteriosa, detalhada e minuciosa dos atos e procedimentos de exclusão. Separar, de um lado,
as condutas que se enquadram como falta grave de inegável risco a continuidade da estrutura e
a possibilidade de exclusão extrajudicial é essencial para que o planejamento patrimonial seja
eficiente.
O Código de Processo Civil de 2015 inaugura um procedimento especial para dar cabo
a dissolução parcial que não tenha sido resolvida extrajudicialmente. Os artigos responsáveis
pela matéria iniciam-se com o 599 indo até o 609, dentro do Capítulo V, do Título III, da Parte
Especial. Esse procedimento comporta discussões sobre a resolução da limitada por morte,
exclusão ou retirada, com sucessiva apuração dos haveres em cada um desses casos, ou, ainda,
apenas a resolução ou somente a apuração em si.
Percebe-se, pois, bastante elasticidade na causa de pedir, a qual dependerá da natureza
jurídica da sociedade, do contrato social e do grau de litígio entre os envolvidos. Por óbvio, que
o documento indispensável a propositura da ação consiste no contrato social consolidado. Essa
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exigência denota a relevância da autonomia da vontade das partes nesse tipo de lide, a qual irá
refletir, inclusive, nos limites cognitivos do debate judicial.
Em seu artigo 600, a legislação processual disciplina a capacidade ativa para a
propositura da ação de dissolução parcial. Sendo o óbito do sócio o gatilho para a discussão, a
ação poderá ser ajuizada pelo espólio ou pelos sucessores, seja para conseguir a resolução do
vínculo, seja para buscar a simples apuração e pagamento dos haveres. Em contrapartida, a
própria entidade também poderá intentar a demanda, caso os sócios remanescentes barrem o
ingresso do espólio ou dos herdeiros quando tal direito esteja previsto contratualmente.
Geralmente, os contratos das holdings rurais preveem a possibilidade de ingresso apenas dos
descendentes, razão pela qual, se os demais sócios não admitirem a entrada daqueles, tanto eles
quanto a sociedade poderão ajuizar a ação, a fim de reverter o cenário.
No caso de recesso, o sócio pode ingressar com a ação tanto para alcançar a dissolução
quanto para calcular e receber seus haveres, ou, com ambas as pretensões. Caso o objeto inclua
a dissolução, mister que tenha transcorrido o prazo de dez dias desde a notificação caso o quadro
social não tenha sido alterado. Em outras palavras, a norma leva a crer que será preciso notificar
a sociedade e os demais sócios, aguardar dez dias e, caso não tenha sido entabulada a alteração
contratual, ajuizar a ação pedindo, além dos haveres, a dissolução do vínculo. Erasmo Valladão
e Marcelo von Adamek (2021, p. 48) criticam a disposição:
Por fim, nos casos de exclusão a lei adjetiva admite o ajuizamento tendo como autora a
própria sociedade, nas situações nas quais a lei não autorize a exclusão extrajudicial, cuja ação
também discutirá os haveres. Lado outro, poderá o sócio excomungado intentar o pleito antes,
a fim de questionar a sua exclusão extrajudicial ou, admitindo-a, buscar apenas a apuração de
haveres que entender adequada a situação.
O artigo 601 dispõe sobre a legitimidade passiva. Esta, obviamente, dependerá, em
alguns casos, de quem tenha intentado a ação. De todo modo, o dispositivo deixa claro que nos
casos em que a demanda não tenha sido iniciada pela sociedade, mas, sim, pelo sócio excluído,
retirante ou pelo espólio/sucessores, deverá a sociedade e os demais sócios serem citados. O
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André Santa Cruz (2021, p. 507) pontua que a obrigatoriedade do depósito com o
posterior levantamento é uma resposta do Sistema Jurídico aos litigantes que tentavam utilizar
a ação de dissolução parcial de forma protelatória, a fim de postergar o pagamento dos haveres.
Marlon Tomazette (2020, p. 423), com desvelo, pontifica que a obrigação recai sobre a
sociedade, mas que a legislação faculta que seja assumida pelos sócios como meio de se evitar
a redução do capital social.
Inobstante, cumpre pontuar que o §3º excepciona tais disposições, em franco respeito
ao contrato social que estabeleça forma distinta de pagamento, como, por exemplo, mediante
parcelamento dos haveres. Nesse caso, prevalece o contrato social em homenagem a autonomia
da vontade dos sócios, a qual não poderia ser alterada no bojo da lide societária, sob pena de
incorrer em venire contra factum proprium.
Mais adiante, o artigo 608, do Código de Ritos, prevê que até a data da resolução,
integram os haveres eventuais lucros. Caso haja previsão contratual de recebimento de juros
sobre capital próprio, também serão incluídos até referido marco temporal. Outrossim, caso o
ex-sócio também fosse administrador, somar-se-ia aos haveres eventuais remunerações
inadimplidas. Após a data fixada como a da resolução, os haveres somados aos referidos
acréscimos só serão atualizados com correção monetária e juros, os quais podem ter sido
fixados no contrato social, ou, supletivamente, aqueles previstos legalmente.
Finalmente, deve-se trazer à baila as regras sobre a penhora de quotas da sociedade
limitada. O Código Processual, no artigo 861, caput, prevê que, após a penhora, deverá o juiz
assinalar prazo razoável inferior a três meses, para que sejam tomadas as seguintes providências
pela sociedade: a) apresentação de balanço especial; b) oferta das cotas aos demais sócios,
observando-se o direito de preferência; c) havendo desinteresse, seja procedida a liquidação,
depositando judicialmente o valor apurado.
Além disso, a própria sociedade poderá adquiri-las, evitando-se a redução do capital
social, mantendo as cotas em tesouraria. Em caso de liquidação da cota, poderá ser nomeado
administrador pelo magistrado, o que pode ser de grande valia para se evitar fraudes. Na
hipótese da sociedade ou de nenhum sócio adquirir as cotas do sócio devedor e a liquidação ser
“excessivamente onerosa para a sociedade”, poderá ser determinado o leilão judicial,
ofertando-as a terceiros. Nessa derradeira situação, estes últimos ingressariam na condição de
sócios.
Tais disposições são extremamente relevantes no contexto das holdings rurais. Para se
aperceber disso, basta lembrar que a gestão de ativos pressupõe a transmissão destes, como
imóveis rurais, para a sociedade. Depois disso, eventuais dívidas pessoais dos sócios, caso
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inexistam outros bens, poderão recair sobre suas participações societárias. Essa possibilidade
desmente a afirmação leviana de que a holding poderia ser utilizada para blindagem
patrimonial. Não é verdade. No entanto, o credor poderá ter um caminho mais árduo para
receber seu crédito.
A dissolução parcial, não só ultima o vínculo societário com um dos sócios, como
também dispara o procedimento denominado de apuração de haveres. O objetivo dessa etapa é
descobrir se aquele detém ou não crédito em face da sociedade, com base no investimento feito
inicialmente e no patrimônio acumulado pela entidade. Esse desdobramento, porém, não se
aplica a exclusão de sócio remisso, cujo crédito corresponderá apenas aos aportes parciais que
eventualmente tenha feito, deduzidos de eventuais perdas e danos em favor da sociedade. Nas
demais situações, como óbito, retirada ou demais casos de expulsão, mister a instauração da
fase de quantificação de possível reembolso.
Hernani Estrella (2004, p. 137), em obra indispensável acerca do tema, conceitua esse
instituto como o “conjunto de atos de natureza técnica e jurídica, por via dos quais se
determinam e liquidam os cabedais de sócio que se desliga da sociedade, continuando esta com
os membros remanescentes”. Roberta de Oliveira e Corvo Ribas (2015, p. 248), define-o como
“mecanismo” ou “instrumento jurídico”, utilizado para se determinar o valor referente aos
direitos de um sócio no momento em que se afasta de uma sociedade, sem que esta deixe de
existir.
Antigamente, quando a dissolução parcial era praticamente impossível no Sistema
Jurídico brasileiro pouco se discutia acerca da apuração de haveres. Todavia, diante da
construção – repita-se, doutrinária e jurisprudencial – da resolução do vínculo societário em
relação a um sócio, tornou-se premente estabelecer parâmetros para quantificação de eventual
direito creditório. Percebe-se, pois, que a apuração consiste numa obrigação de fazer da
sociedade, distinta do reembolso que se qualifica como obrigação de pagar, o qual pode existir
ou não, a depender da saúde financeira da pessoa jurídica.
Aliás, Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 504) afirma que a questão é a que concentra a maior
parte das disputas societárias. Isto torna o assunto de interesse extremamente prático,
possibilitando a construção de estratégias que repercutirão desde o nascimento da sociedade,
isto é, na formulação do contrato social, até o fim da relação com um sócio, e também em
eventuais litígios. A razão de ser da apuração de haveres também se assenta no princípio da
99
preservação da sociedade, o qual deve ser ponderado em conjunto com o direito de propriedade
do sócio e, ainda, em caso de planejamento patrimonial, com a finalidade perseguida pelos
envolvidos.
É importante rememorar que a primeira menção legal ao reembolso do sócio retirante –
um dos casos que desaguam na apuração – foi a contida no artigo 15, do Decreto 3708/1919.
Essa regra garantia ao sócio discordante de alteração contratual, o direito de obter reembolso
da quantia correspondente ao seu capital “na proporção do ultimo balanço aprovado”. Em
seguida, o Código de Processo Civil de 1939, em seu artigo 668, dispunha que, se a morte ou a
retirada não gerassem a extinção da sociedade, seriam “apurados exclusivamente os haveres”
do respectivo sócio, “fazendo-se o pagamento pelo modo estabelecido no contrato social, ou
pelo convencionado, ou, ainda, pelo determinado na sentença”. Já naquela época se deferia
grande poder ao contrato social para traçar linhas à questão, não havendo muita preocupação
do legislador em regrar a metodologia para cálculo de eventual reembolso.
Como visto brevemente no tópico 3.7, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1031, se
atém ao ponto, reforçando de modo expresso, que o contrato social pode dispor acerca da
apuração de haveres. Caso não o faça, o valor da quota, considerada pelo montante efetivamente
aportado, será liquidada com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução,
verificada em balanço especialmente levantado. Essa regra supletiva se afastou da utilização do
último balanço, seja o do exercício ou para outro fim, com ou sem aprovação dos sócios.
De acordo com Roberta de Oliveira e Corvo Ribas (2015, p. 269) a regra apaziguou
acirradas discussões que advieram com a admissão da dissolução parcial:
O Código Civil de 2002, por sua vez, apesar de dispor especificamente sobre apuração
de haveres, não solucionou as indagações acerca da metodologia a ser aplicada.
Auxiliou, entretanto, nos trabalhos de compreensão do instituto por definir,
finalmente, que um balanço especial deve ser levantado, quando antes havia
discussões infindáveis a respeito de qual balanço dever-se-ia usar – se o último
balanço do exercício, ou o último balanço aprovado, independentemente se do
exercício ou realizado para outro fim etc. Facilitou, ainda, por determinar que a data-
base para realizar a apuração é a do afastamento do sócio, ou seja, do evento que
causar a resolução (data da retirada, data do falecimento, data da interdição, e assim
por diante).
Mais uma vez, vale ressaltar: ainda que se tenha definido a necessidade de um balanço
especial e a data-base, caberá ao contrato social definir o critério de avaliação dos ativos e
passivos. Outra não é a asseveração de Waldemar Ferreira, citado pela referida autora: “há que
consultar, de primeiro, o contrato social. Estabelecida neste a forma de apuração de haveres, o
pacto é lei entre a sociedade indissoluta e os herdeiros do sócio finado: em consonância com
100
ele se apuram [...]”. Nada mais aceitável, afinal, o direito societário prioriza a opinião dos
sócios, cabendo intervenção judicial apenas em casos excepcionalíssimos.
Por isso, apenas se houver omissão do contrato e falta de composição entre os
envolvidos, é que “não haverá senão aguardar a sentença proferida em ação ordinária intentada
pela ou contra a sociedade, fixando haveres e forma de pagamento” – ensinava o renomado
autor. No mesmo sentido, afirma André Santa Cruz (2021, p. 508): “Quanto à fixação do critério
de apuração de haveres, o juiz deve obediência ao contrato social, não podendo estabelecer
critério diverso do previsto no ato constitutivo”. Se fosse uma relação jurídica na qual uma das
partes fosse hipossuficiente, como a trabalhista ou consumeristas, seria defensável uma opinião
distinta.
Nesse contexto, cumpre chamar atenção para o fato de que o contrato social da holding
rural prevê regras comumente utilizadas em contratos sociais padrões, sem muita preocupação
em disciplinar o assunto com detalhamento. A maior peculiaridade diz respeito ao parcelamento
para pagamento dos haveres e a periodicidade semestral ou anual das prestações, buscando
protegê-la da falta de liquidez ocasionada pela sazonalidade da atividade rural explorada, direta
ou indiretamente.
Parece não existir, ainda, uma grande preocupação em relação aos critérios para
valoração da cota, que é onde geralmente residem os maiores debates nas lides societárias que
advirão após a execução das estratégias entabuladas na fase de planejamento patrimonial. Por
isso, é que se busca através desta pesquisa o aprofundamento dessa discussão, até como forma
de fomentá-la, a fim de estabelecer estratégias para o exercício seguro da autonomia dos sócios
na elaboração ou alteração do contrato social, que, a um só tempo, preservem três vetores: a
continuidade da estrutura societária tão valiosa para os sistemas agroindustriais, a finalidade do
planejamento patrimonial e o direito de propriedade do sócio retirante.
Como se vê, a legislação confere ampla autonomia aos sócios para normatizarem esse
mecanismo e também o prazo de pagamento. Acerca da matéria, Simone Fleischmann e
Fernanda Graeff (2021, p. 705) pontuam a relevância dessa regulação para o planejamento
patrimonial:
[...] esta forma de liquidação pode ser alterada pelo contrato social, o que pode ser de
grande importância em uma holding familiar. Apenas a título de exemplo, a depender
do patrimônio da sociedade, pode ocorrer que o prazo de noventa dias para o
pagamento do valor da quota se mostre inviável e prejudicial à sociedade.
Assim, costuma-se prever um coeficiente limitador, por exemplo, de tal sorte que as
parcelas a serem pagas não ultrapassem determinado percentual do lucro da
companhia no ano anterior. Outro tanto, caso mais de um sócio decida retirar-se da
sociedade as parcelas de pagamento ocorram num mesmo ano, o ideal é prever que
esse percentual limitador seja rateado entre os acionistas retirantes, alongando-se o
prazo de pagamento (KIGNEL; PHEBO; LONGO, 2014, p. 175).
Apesar da clareza das regras previstas nos artigos 668 do Código de Processo Civil de
1939 e 1031 do Código Civil de 2002, que outorgaram ampla autonomia aos sócios no
regramento da apuração de haveres, ora ou outra esse autor regramento é questionado pelo sócio
ou pela própria sociedade, quando, após a dissolução, a metodologia ou o critério eleito não
agrada uma dessas partes. Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 504) pontua que, de um lado, o sócio
desligado ou os sucessores almejam aumentar, ao máximo, o crédito, enquanto a sociedade e
os que nela permaneceram, buscam o contrário:
A discussão sobre o valor atualizado e real dos bens componentes do ativo, a avaliação
de intangíveis, a consideração das perspectivas de rentabilidade, a receita dos
102
apuração dos haveres se faz como se de liquidação total se tratasse, posto que deve ser o
quantum devido medido com justiça”. O mesmo Ministro, no ano seguinte, ao julgar o REsp.
35702/SP, acrescentou que seria necessário à apuração a implementação de um “balanço de
determinação, como se tratasse de dissolução total”, embora tal balanço já estivesse previsto
contratualmente nesse último caso.
Dois anos depois, em 1994, Ministro Eduardo Ribeiro, ao julgar o REsp. 33458/SP,
assentou que deveria se manter a eficácia de cláusula contratual que admitiu o parcelamento de
haveres, por aplicação do princípio da força obrigatória dos contratos. Mais tarde, em 1999,
outro caso, dessa vez o REsp. 83031/RS, de relatoria do Ministro Ari Pargendler chegou a
mesma conclusão, privilegiando o que fora ajustado entre os sócios.
Também em 1999, chegou a Corte Cidadã um caso no qual o juízo de primeira instância
havia determinado que a apuração dos haveres se desse de forma diferente da contida no
contrato social. Em sede de apelação, contudo, o Tribunal de Justiça do Ceará havia reformado
a sentença, mandando que se procedesse conforme o ajustado pelos sócios. O mérito da
discussão, porém, não foi enfrentado por falta de prequestionamento, nos termos do voto do
relator, Ministro Barros Monteiro, ao julgar o REsp. 59418/CE. Manteve-se, portanto, o critério
previsto no contrato social. O mesmo Ministro, ao julgar o REsp. 105667/SC, no ano seguinte,
dessa vez enfrentando materialmente a questão, assentou o afastamento do critério previsto
contratualmente, como se extrai do seguinte trecho do voto:
Essa linha de entendimento tem por escopo preservar o quantum devido ao sócio em
recesso, que deve ser medido com justiça, evitando-se, de outro modo, o
locupletamento indevido da sociedade ou sócios remanescentes (REsp nº 38.160-
6/SP, acima citado). Vale dizer, é preciso apurar-se o valor real do ativo e passivo da
empresa e isso só se fará mediante o balanço especial, com a exata verificação, física
e contábil, dos bens e direitos da sociedade, afastando-se a interpretação literal do art.
15 do Decreto nº 3.708/1.919.
O Ministro Aldir Passarinho Júnior foi o relator do REsp. 130617/AM, caso em que se
discutia sobre dois pontos: a) a utilização do último balanço aprovado e b) a inclusão ou não do
fundo de comércio na quantificação do crédito do ex-sócio. O Tribunal de Justiça do Amazonas
havia afastado o último balanço e admitido a inclusão do fundo de comércio. Na situação fática
houve uma peculiaridade. O contrato social original não regulava a apuração de haveres, mas
apenas a liquidação decorrente da dissolução total. Após deliberarem pela exclusão do sócio,
os remanescentes alteraram o contrato social para aplicar à apuração dos haveres, a regra do
último balanço, prevista no artigo 15, do Decreto 3708/1919.
104
Embora o recurso não tenha sido conhecido, o julgador avançou sobre o mérito,
reafirmando a relativização do último balanço, ainda que com anuência do dissidente, e a busca
pelo “patrimônio real da sociedade”, determinando a inclusão do fundo de comércio, afastando
a aplicação do artigo 15:
Parece-me, pois, que a melhor exegese que se dá à dita norma legal é a de que o critério
nela estabelecido serve como um parâmetro para o pagamento dos haveres, mas não
é de ser cegamente observado quando as condições da saída do sócio (exclusão por
deliberação dos demais – cf. fl. 23) e a realidade empresarial da sociedade indiquem
que uma outra forma de apuração seria mais recomendável, por dar maior efetividade
à representação patrimonial do sócio desligado da pessoa jurídica.
A leitura do acordão leva a crer que a falta de regulação prévia, no contrato social, sobre
a apuração de haveres foi determinante para o resultado proferido pelo Tribunal de Justiça e
mantido pelo Superior Tribunal de Justiça. Para se aperceber disso, basta examinar o seguinte
excerto da decisão de segunda instância:
Convém ainda frisar que o Apelado poderia ter sido submetido à norma estatutária
anterior, no que pertine à liquidação de sua participação societária, mas o caderno
processual noticia que o contrato anterior (às fls. 93/98), limitava-se a normatizar a
liquidação definitiva da sociedade (cláusula décima) e não a presente resilição parcial.
Dentro da pesquisa realizada, chama a atenção um caso que se iniciou antes da vigência
do Código Civil de 2002, mas fora decidido posteriormente, em 2007. Além de ter sido
enfrentado no momento de transição entre as leis civis, traz uma peculiaridade em relação aos
demais. Isto, porque enfrenta a questão da apuração e pagamento de haveres de uma holding
limitada, constituída para gerir duas sociedades operacionais com atuação no agronegócio, no
ramo da silvicultura com foco no cultivo de acácia negra, com posterior beneficiamento e
transformação agroindustrial da matéria-prima em produtos, subprodutos e resíduos de valor
econômico.
O litígio se deu entre primos, integrantes da segunda e terceira geração de um grupo
familiar. Dado o caráter prático-profissional do presente estudo, convém detalhar as
circunstâncias da discussão apreciada no REsp. 302366/SP, cujo relator foi o Ministro Aldir
Passarinho Júnior. Extrai-se do voto que a holding-dissolvenda, controladora das sociedades
operacionais, era composta por duas outras holdings, cada uma controlada por um primo. A
holding-dissolvenda havia sido fundada pelos ascendentes deles. A fim de facilitar a
compreensão, impende trazer a seguinte representação gráfica:
106
A sentença, bem elaborada, merece, porém, um reparo. Não há motivo válido para
descumprir o artigo 22 e seu parágrafo do Estatuto, ao dispor sobre o pagamento dos
haveres do retirante em 36 (trinta e seis) parcelas mensais e sucessivas, corrigidas
monetariamente, como se extrai da leitura dessa norma. Para esse fim, ou seja, para
que se obedeça ao contratado ao se formar a 'holding', é que a reforma fica
determinada.
Como se vê da redação daquela norma, ela tanto admite que o pagamento dos haveres
possa ser disciplinado, alternativamente, por três comandos distintos, um deles,
exatamente, aquele previsto no contrato social. Não há, portanto, regra cogente que
determine a substituição de um comando por outro. Os três são aceitáveis, perante a
lei, um na falta do outro.
Não há dúvida de que o Ministro defendeu a preponderância daquilo que foi acordado
entre as partes no contrato social. Como reforço a fundamentação, também analisou o critério
estatutário, embora não se tenha notícia de questionamentos sobre validade do mesmo. Além
108
O caso não discute a eleição de critérios para avaliação dos ativos. O ponto nodal diz
respeito aos efeitos da apuração de haveres e a forma de pagamento. Em relação ao primeiro
tópico, infere-se que se levou em consideração dois fundamentos: previsão contratual e o
propósito do planejamento. No que tange ao segundo tópico – forma de pagamento – nota-se
que os fundamentos também foram dois: previsão contratual e a possível descapitalização da
holding. A decisão, mesmo antes do artigo 1031, do Código Civil, prestigiou a autonomia dos
sócios e os fins pretendidos na constituição da holding, se preocupando com as consequências
da descapitalização, embora sem analisar como isso se daria nas respectivas cadeias produtivas.
Um paralelo interessante a ser feito com o referido caso se dá com uma holding rural
familiar formada majoritariamente através da integralização de imóveis rurais dos genitores, na
primeira geração, estabelecendo em contrato social que os haveres serão pagos em dinheiro,
vedada a entrega de bens do ativo em pagamento. Ora, nesse caso, se sobrevier eventual conflito
entre os netos, primos entre si, que depois tornaram-se sócios, não poderá o sócio retirante pedir
determinada área de terras, proporcional a sua participação.
Essa conclusão parece intuitiva para operadores do Direito, mas o próprio REsp.
302366/SP evidencia o contrário em relação aos sócios, os quais, não raro, acreditam que
parcela dos ativos sociais poderão se particularizar algum dia, ainda que a revelia do contrato
social. No agronegócio não é diferente: muitos sócios, membros de holdings rurais, fazem a
conta de suas participações em hectares ou alqueires, quer dizer, em área de terras, gerando
conflitos que desaguam no Judiciário.
proferida pela Terceira Turma, ao julgar o REsp. 1335619/SP. Na ocasião, prevaleceu o voto
da relatora, Ministra Nancy Andrighy, o qual aborda a presente discussão, agora, sob os efeitos
do artigo 1031, do Código Civil.
Após fazer uma análise das decisões do STF, já citadas neste trabalho, a Ministra acolhe
a premissa de quase absoluta equiparação entre apuração de haveres e liquidação na dissolução,
a fim de evitar enriquecimento ilícito da sociedade em detrimento do retirante. Nessa toada,
pontua que, em respeito à preservação da sociedade, “mesmo que o contrato social eleja critério
para a apuração de haveres, este somente prevalecerá caso haja concordância das partes com o
resultado alcançado”. Com base nesse raciocínio, conclui ser acertada a decisão recorrida que
desconsiderou, diante do inconformismo, o ajuste societário.
A segunda parte do voto se preocupa em aceitar ou não a metodologia do fluxo de caixa
descontado para fins de quantificação do reembolso. Tal técnica contábil almeja calcular o valor
da expectativa de lucro da empresa desenvolvida pela sociedade. Como a própria Julgadora
reconhece, consiste num método subjetivo, “inexistindo regra ou consenso sobre quais variáveis
devem compor o cálculo”, o qual é rotineiramente utilizado em operações de aquisição, fusão
e incorporação.
No caso concreto, tal método não estava previsto no contrato, mas havia sido defendido
pelo sócio retirante, ao pretender incluir, nos haveres, a projeção da rentabilidade futura trazida
ao valor presente, tal como admitido na decisão proferida, em 2009, no REsp. 968317/RS, de
relatoria do Ministro João Otávio de Noronha. Ao final, a Ministra Nancy Andrighy admitiu a
inclusão dos valores encontrados nesse cálculo, ao compreender que ele faria parte do conceito
de balanço de determinação, o qual era o mais aceito pela jurisprudência. O Ministro João
Otávio de Noronha acompanhou a relatora, acrescentando que nem o artigo 668 do Código de
Processo Civil de 1939, nem o artigo 1031 do Código Civil abordavam quais os critérios
contábeis para elaboração do balanço que venham a ser utilizados na apuração.
Por outro lado, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva abriu divergência. Em seu voto-
vista delimitou a questão em saber se deveria prevalecer o balanço especial, ajustado a valores
de mercado, levantado à época da exclusão do sócio, como previsto no contrato social, ou se os
haveres deveriam ser apurados segundo o valor econômico da sociedade, como pretendia os ex-
sócio. Esse Ministro ficou vencido, mas trouxe fundamentos relevantíssimos para o debate.
De pronto, o Ministro acenou que deveria prevalecer o disposto no contrato social, em
homenagem ao princípio do pacta sunt servanda e a autonomia da vontade das partes, bem
como por ausência de alegação de vício de consentimento. Em reforço argumentativo (e o que
é mais curioso no voto) pontua que mesmo que se aceitasse o balanço de determinação, este
110
não comportaria a inclusão dos valores encontrados pela metodologia do fluxo de caixa
descontado. Arremata, aduzindo que o critério previsto no contrato é o mais próximo do balanço
de determinação, razão pela qual também deveria ser, por isso, mantido. Na visão do julgador,
a autonomia das partes é ampla e deve ser prestigiada.
Superando os fundamentos discutidos no mencionado caso, deve-se pontuar, ainda, que
inúmeras decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça se limitam a manter decisões
dos Tribunais de Justiça que aceitaram como válidas as cláusulas contratuais. Tais decisórios
inadmitem os apelos especiais, sob a justificativa de que a Súmulas 5 e 7 vedam a revisão de
cláusulas contratuais. Exemplo disso é o AgRG no REsp. 1295141/SP, onde pontuou-se que “o
Tribunal de origem analisou as cláusulas contratuais e os demais elementos de prova contidos
no processo para concluir que os critérios de apuração de haveres previsto no contrato social da
empresa eram válidos”.
Em 2018, a Ministra Maria Isabel Gallotti enfrentou a discussão inteiramente sob os
auspícios do artigo 1031, do Código Civil, ao proferir o voto no AgInt. no AREsp. 492491/RJ.
Na ocasião, o acórdão recorrido pontificou que o contrato social era omisso sobre a apuração
de haveres, devendo, portanto, se aplicar o referido dispositivo, instaurando-se uma perícia para
proceder o balanço especial à data da resolução por exclusão. É importante transcrever parte do
voto, pois se infere que a julgadora prestigiaria o contrato social se tivesse regulado a questão:
Como se vê, o acórdão aferiu que o contrato social é omisso sobre o critério de
apuração dos haveres e a adoção de entendimento contrário demanda interpretação de
suas cláusulas, o que vedado a teor da Súmula 5 do STJ. Anoto que a forma da
apuração de haveres, em caso da exclusão prevista no art. 1.030 do Código Civil, está
disposta no art. 1.031 do mesmo diploma legal, caso não haja uma previsão específica
no contrato social. Neste caso, a apuração de haveres deve ocorrer na forma de perícia
que avalie a situação patrimonial da sociedade no momento em que se efetuou, no
plano fático, a exclusão do sócio, mediante um balanço especialmente levantado, que
considere a situação patrimonial da empresa e não meramente contábil, justamente o
que foi efetuado pelas instâncias ordinárias.
Por fim, deve-se trazer a lume a recente decisão da Corte Cidadã ao ponderar sobre o
REsp. 1877331/SP, cuja decisão fora publicada em 14 de maio de 2021. A questão é bem
próxima daquela abordada no REsp. 1335619/SP, mencionado no início desse tópico. A
principal diferença é que, dessa vez, o contrato social era omisso quanto a apuração de haveres.
Diante disso, as partes se controverteram sobre a utilização ou não do método de fluxo de caixa
descontado, dentro do balanço de apuração, diante do silêncio contratual. Naquele outro caso,
havia previsão contratual. Outra distinção importante é que a última decisão abordou as
disposições do Código de Processo Civil de 2015.
111
[...] vale registrar que o novel artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 nada
mais fez do que reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo
1.031), tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do
contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução parcial
de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado pelo critério
patrimonial mediante balanço de determinação.
rurais. Tudo indica que o fiel da balança será a regulação do assunto prevista no Código
Processual de 2015, preocupação que coube ao próximo tópico.
“preço de saída” ou por outras fórmulas avaliativas. Em caso de se optar pelo primeiro, qual o
procedimento para levantá-lo. Além disso, poderão os sócios incluir, convencionalmente,
expectativas futuras que ultrapassem a data da resolução, através do fluxo de caixa descontado,
por exemplo, ou, se silenciarem, quando tais projeções não serão levadas em conta, por
situarem-se fora do recorte temporal.
Essa posição legal é tão firme que em outras duas oportunidades a lei processual a
robustece. A primeira delas no caput do artigo 606, quando dispõe que somente em “caso de
omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor
patrimonial apurado em balanço de determinação”. A expressão inicial evidencia que o
primeiro objetivo foi revigorar o status superior da cláusula de haveres, enquanto o segundo foi
afastar discussões sobre a metodologia supletiva legal, qual seja, o balanço de determinação. A
parte final traz detalhes de como deverá se dar esse balanço, o critério avaliativo supletivo:
“tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis
e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma”.
De acordo com Fábio Ulhoa (2017, p. 329) existem duas metodologias avaliativas
pertinentes: patrimonial ou econômica. Ambas podem ter a mesma referência temporal, qual
seja, a data de resolução. Enquanto a primeira vislumbra o passado, a segunda olharia para o
futuro, em qualquer dos casos, para dimensionar o valor da sociedade atual. Além disso, o autor
entende que o critério supletivo eleito é o mais acertado, embora só deva ser utilizado em caso
de omissão no contrato ou, quando disposto, trouxer cláusula maculada pelo vício da lesão, a
ponto de gerar o “aniquilamento” dos haveres. Mais adiante, pontua que o critério legal não
alberga o fluxo de caixa descontado:
A precisão é tanto mais necessária, quanto é certo que não só se pode recorrer à
formação de um balanço para fins diversos daqueles supra-indicados, como sobretudo
por que os critérios teóricos e as modalidades de sua formação mudam segunda a
diversidade de escopo. Daí vem que, embora todo o balanço tenha um traço comum –
transmitir conhecimento de um estado de coisas -, a diversidade de fins impõe
diferenças peculiares, ensejando conhecida classificação: balanço de exercício,
cessão, liquidação e, mais restritamente, de determinação [...] Eis como, a tal
propósito, doutrina Fernando V. Gonçalves da Silva, professor do Instituto Superior
de Ciências Econômicas e Financeiras de Lisboa: o critério de avaliação dos
elementos patrimoniais varia necessariamente com o objetivo das avaliações
efetuadas. Só os fins que motivaram a elaboração do balanço podem conferir
significado preciso às verbas que o integram. Equivale isto a dizer que o mesmo
conjunto de elementos pode ser objeto de diferentes avalições corretas. O valor dos
bens depende do uso que se lhes dá ou da aplicação que se lhes dá ou da aplicação que
se lhes reserva. Uma coisa pode ter ao mesmo tempo dois ou mais diferentes
preços.
Por isso mesmo, entende-se possível aos sócios especificar não apenas a metodologia a
ser empregada, se patrimonial ou econômica, como também os elementos que serão avaliados,
o critério dessa avaliação e, até, procedimentos específicos para isso. Em caso de omissão sobre
o critério, este será o “preço de saída”. Essa disposição contratual precisa ser, minuciosamente,
deliberada entre os sócios, se possível na constituição da sociedade, carregando os fins
pretendidos por eles, como bem enfatiza Fábio Ulhoa Coelho (2017, p. 349-347):
critério previsto na legislação processual e material, os quais precisarão ser detalhados pelo
magistrado, à luz das peculiaridades do caso concreto, antes da realização da perícia.
4.12 Peculiaridades da holding rural na formação do capital social: valor histórico dos
ativos e a finalidade integrativa do planejamento patrimonial
A holding rural consiste numa estrutura societária construída, dentro ou fora do círculo
familiar, com o escopo primordial de gerir, administrar e proteger, mediante prévio
planejamento patrimonial, bens explorados, direta ou indiretamente, com a atividade rural.
Extrai-se da experiência profissional, que a maioria dessas estruturas também se qualifica como
holding imobiliária, eis que o capital social é formado, majoritariamente, por imóveis rurais.
Outra particularidade consiste na subscrição e integralização desses imóveis pelo
chamado “valor histórico”. Essa rubrica é utilizada para designar o valor de aquisição do bem,
o qual é informado na declaração de renda do sócio e, em regra, em conformidade com o quadro
normativo vigente, não admite atualização ou correção monetária no decorrer do tempo,
permanecendo, por esta razão, estático. No caso de pessoa natural, esse valor só pode ser
alterado mediante comprovação de despesas com construção, ampliação e reforma, as quais são
muito incomuns em imóveis rurais.
Por isso, com base na faculdade prevista no artigo 23, da Lei 9249/95, que permite a
integralização pelo valor constante da declaração ou pelo valor atualizado do bem, nota-se que
muitos sócios aportam as fazendas, chácaras e sítios ao capital social pelo primeiro valor. O
objetivo, em geral, é evitar a incidência, naquele momento, do imposto de renda sobre eventual
ganho de capital. Aliás, em se tratando de imóveis rurais, essa tributação pode ser onerosa, já
que se valorizaram exponencialmente nos últimos anos, como visto no item 2.8 deste trabalho.
Essa elevação de preços é um dos fatores que tem atraido o interesse de muitas famílias de
produtores por planejamentos patrimoniais com foco na sucessão e na tributação deste evento.
Esse cenário recorrente, no qual prevalece a integralização do bem pelo valor histórico,
gera uma diferença enorme entre o valor contábil e o valor patrimonial da holding rural limitada,
objeto do presente estudo. A propósito, deve-se recapitular que, diferentemente da sociedade
anônima, na limitada não se exige laudo de avaliação dos bens utilizados na constituição do
fundo patrimonial inicial. Essa peculiaridade, a princípio, não traz prejuízos a sociedade, aos
demais sócios, muito menos a terceiros, porém, pode repercutir na hora de se apurar haveres,
como assevera Gladston Mamede (2020, p. 114):
116
Com efeito, essa prática pode atrair discussões ferrenhas em caso de eventual dissolução
parcial e subsequente apuração de haveres do sócio retirante, excluído ou falecido. Basta
imaginar que a simples utilização do último balanço contábil, no qual se inclui dentre os ativos
o valor do capital social, formado com valores históricos dos bens, trará números, em regra,
muito aquém do valor patrimonial, gerando prejuízos gigantescos ao sócio que se despede, caso
aquele primeiro levantamento seja utilizado para cálculo da sua participação.
Em contrapartida, a busca cega pelo recebimento dos haveres, a pretensão do ex-sócio
ou dos sucessores por parte dos bens do ativo, a avaliação dos ativos ao “preço de saída” ou o
pagamento imediato dos haveres, podem proporcionar consequências nefastas a estrutura
societária. Dentre elas, destaca-se o possível esfacelamento patrimonial resultante da repartição
de ativos, bem como a exagerada descapitalização na hipótese de supervalorização dos ativos.
Tais consequências colocam em xeque a continuidade da holding rural e o propósito buscado
originalmente pelos seus membros.
Esse último aspecto não pode ser menosprezado, principalmente no âmbito da
organização sucessória. Se um produtor rural que amealhou vultuoso patrimônio imobiliário
busca por planejamento, a fim de manter coeso o seu patrimônio, inclusive, para a posteridade,
antecipando a transferência aos filhos ainda em vida, não é qualquer distúrbio que poderá
colocar fim ao vínculo societário, ainda que em relação a um sócio. O vínculo societário, nesse
contexto, é estável, devendo-se, por isso, restringir as possibilidades de dissolução parcial
através de limitações previstas no contrato social. Márcio Tadeu Guimarães Nunes (2015, p.
49) compartilha do mesmo entendimento:
Essa perspectiva gerada pela visão sistêmica tem contribuído para o desenvolvimento
do agronegócio por meio da organização de arranjos cada vez mais complexos, mas
invariavelmente mais eficientes, cooperativos e coordenados. A Teoria da
Organização Industrial analisa como os processos de mercado orientam as atividades
dos produtores no sentido de atender a demanda dos consumidores [...]. Variações e
imperfeições neste mecanismo afetam o grau de sucesso alcançado pelos produtores
em satisfazer os desejos da sociedade em termos de bens e serviços.
Daí, pois, ser imprescindível não apenas a preocupação dos sócios com a prevenção e
resolução eficiente de conflitos envolvendo dissolução parcial e apuração de haveres, como
também uma análise sistêmica em caso de soluções heterogêneas advindas do Judiciário ou da
Arbitragem. Partindo-se das lições esposadas por Renato Buranello, a holding rural deve ser
vista também como uma firma, cuja principal preocupação consiste na gestão eficiente,
otimizada e sistêmica de ativos rurais, preservando-se, em caso de conflito entre seus
integrantes, não apenas a estrutura societária, como, também, a respectiva cadeia produtiva.
119
Sobre a dialética entre o agronegócio e o Sistema Jurídico, verbera Renato Buranello (2018, p.
34):
Com base nas premissas e vetores dissecados no tópico anterior, chega-se ao momento
de uma imersão profissional na elaboração do contrato social da holding rural, voltada
especificamente para os pontos debatidos nesse trabalho. Como visto, a prática tem revelado
que muitas estruturas são constituídas sem a menor preocupação com os efeitos da dissolução
parcial, o que pode atrair sérios riscos ao planejamento patrimonial.
Por isso, recomenda-se, de início, que o contrato social seja detalhista em relação as
hipóteses de dissolução parcial. Em relação ao óbito dos sócios é preciso deixar claro se os
sucessores poderão ingressar na sociedade e, mais importante, quais deles. Isto, porque o
Código Civil de 2002 prevê que o cônjuge, em determinadas situações, também se enquadre
como herdeiro. Daí, pois, a necessidade de se especificar se todos os herdeiros poderão, caso
queiram, ingressar na holding rural ou se apenas os descendentes/ascendentes. Vale lembrar
que, dentro da sociedade familiar, o cônjuge do sócio falecido pode ser o genro ou a nora dos
fundadores. Sugere-se, pois, a seguinte cláusula:
120
Não se pode confundir a situação da herança do cônjuge com sua meação. Em alguns
casos de óbito do sócio, o cônjuge pode acumular os dois status a depender do regime de bens
e do contexto patrimonial do finado. Independentemente disso, poderá o cônjuge buscar a
liquidação da participação que lhe coube. Diferente, porém, seria a situação do cônjuge que se
separou ou divórcio do sócio, ou, ainda, dos herdeiros do cônjuge falecido. Nesses casos, de
acordo com o artigo 1027, não poderiam exigir o ingresso nem a dissolução parcial, mas apenas
receber, periodicamente, os dividendos que serão distribuídos, até eventual liquidação total da
sociedade, quando receberão eventuais sobras patrimoniais. Daí a necessidade de se distinguir
tais situações no contrato:
Cláusula x – Por se tratar de sociedade limitada de vínculo estável, regida pela Lei
6404/76, o direito de retirada só poderá ser exercido quando houver modificação do
contrato, fusão ou incorporação, cabendo ao sócio o direito de retirar-se da sociedade
nos trinta dias subsequentes à reunião, com posterior apuração de haveres, nos termos
do contrato social, podendo, ainda, se preferir o sócio, alienar sua participação a
qualquer dos demais.
Parágrafo único – Fica vedado o exercício do direito de retirada imotivado, não se
aplicando o disposto no artigo 1029, do Código Civil, já que não se trata de sociedade
simples.
121
do que defendido no item 4.5, que a exclusão extrajudicial exige previsão expressa dessa
possibilidade no contrato, a ocorrência de falta grave que coloque em risco a continuidade da
organização e garantia do direito de defesa do acusado. Por isso, é recomendável que o contrato
social preveja rol exemplificativo de atos que se enquadrariam ensejadores da exclusão
extrajudicial:
A regulação mais contundente das causas de dissolução parcial, por si só, não impede
que esse fato aconteça, seja por situações aleatórias como o óbito do sócio, seja por conta da
insegurança jurídica que ainda reina sobre alguns pontos quando se trata de sociedade limitada
com vínculo estável. Assim sendo, logo se percebe que o regramento sobre a apuração dos
haveres, além de ser apto a dissuadir a dissolução parcial, pode amenizar, em algumas situações,
a desintegralização imobiliária e a descapitalização da holding, mantendo acesa a finalidade do
planejamento patrimonial e os reflexos positivos que produz em toda a cadeia produtiva.
O primeiro passo é dedicar algumas cláusulas ao assunto. Isto, porque, por incrível que
pareça, muitos contratos sociais de holdings rurais simplesmente ignoram a apuração de
haveres, se limitando a regrar a liquidação total e suas consequências. Essa postura evitaria a
aplicação de critérios supletivos por parte do magistrado e/ou do perito, levando-se em conta o
entendimento esposado neste trabalho e em parte significativa das decisões do Superior
Tribunal de Justiça.
Apesar disso, não basta tratar o assunto de qualquer forma. Por isso, é preciso escolher,
dentre as metodologias possíveis, aquela que será aplicada: último balanço contábil, balanço
econômico ou de cessão, balanço de determinação ou balanço de liquidação. Nesse ponto,
considerando que a holding rural geralmente possui um balanço contábil no qual o capital social
é formado também pela soma dos valores históricos dos imóveis rurais, não se recomenda que
seja ele utilizado, pois poderia gerar um desequilíbrio entre os sócios, sujeito a questionamentos
e litígios. Também não se recomenda a utilização do balanço econômico, o qual pode levar em
123
conta intangíveis calculados a partir de expectativas futuras, as quais podem não se concretizar,
sem falar nas dificuldades técnicas de se chegar a um valor que agrade a todos os sócios. Por
não se tratar de dissolução total, deve-se afastar o balanço de liquidação, o qual poderia trazer
exagero nos passivos.
Afastadas essas metodologias, caso realmente a holding rural seja formada por imóveis
rurais levados ao capital social pelo valor histórico, é recomendável que o contrato social opte
pelo balanço de determinação, especialmente levantado para apurar os haveres, na data da
resolução. Mas não bastaria apenas essa definição, a qual segue o compasso da regra supletiva.
Além disso, é fundamental excluir, expressamente, a utilização do balanço de eventuais valores
que seriam encontrados a partir do fluxo de caixa descontado, já que existem decisões judiciais
que reconhecem que essa metodologia inclui esse cálculo.
Aliás, não se pode perder de vista que, em algumas situações, a holding possui contrato
agrário com os sócios ou com terceiros, que preveem remuneração futura pelo uso dos ativos.
Tais rendimentos, muitas vezes, sequer são distribuídos entre sócios, ficando reservados para
reinvestimentos. Além disso, não são certos, já que sujeitos aos extremos riscos da atividade
rural. Por isso, diante da celeuma existente na jurisprudência, já analisada antes – no REsp.
1335619/SP entendeu-se que o balanço de determinação inclui o fluxo de caixa descontado,
enquanto no REsp. 1877331/SP entendeu-se o contrário – mister excluir expressamente essa
rubrica, evitando discussões maiores sobre a mesma.
Definindo-se a metodologia pelo balanço de determinação e a exclusão do fluxo de caixa
descontado, parte-se para outra parte importante, qual seja, especificar os critérios para
avaliação dos ativos e dos passivos. Caso esse critério não seja definido contratualmente, caberá
ao Magistrado seguir as disposições do Código de Processo Civil, que falam em “preço de
saída”. Essa expressão não é unívoca, podendo significar, na contabilidade, valores descontados
das entradas líquidas; preços correntes de venda; ou valores de liquidação, segundo José Carlos
Marion e Elias Pereira (apud FRANÇA; VON ADAMEK; 2021, p. 88).
A definição do que seria “preço de saída”, provavelmente, ficaria a cargo do perito,
trazendo insegurança a ambos os lados. Por isso mesmo, mostra-se salutar definir e especificar
como os ativos, e especialmente os imóveis rurais, deverão ser avaliados. Como bem pontuou
Hernani Estrella (2004, p. 139), a “avença e o ajuste posterior são as fontes mais abundantes,
produtores das mais estranhas e diversíssimas combinações”, já que a “lei concedeu ampla
autonomia à vontade das partes, rendendo-lhes ensejo para que ditem consensualmente o
regulamento de seus próprios interesses”, muitas vezes, através de “formas singularíssimas”.
124
do imóvel rural. Essa estratégia é uma das mais recomendáveis para compatibilizar os interesses
de todos os envolvidos.
Por outro lado, os sócios podem especificar também o critério avaliativo de eventuais
produtos agropecuários que a holding rural tenha em estoque. Como dito antes, geralmente, a
atividade rural é desenvolvida em parceria com sócios ou terceiros, cabendo parte da produção
à sociedade. Caso possua produção é essencial estabelecer como será avaliada, ou seja, quais
as cotações serão utilizadas. O mais comum é uma média das cotações praticadas por três
adquirentes da região, geralmente trading companies, cooperativas e agroindústrias, no caso de
grãos. Se o produto for gado, pode-se lançar mão da cotação praticada por determinado
frigorífico da região.
Por sua vez, não se pode ignorar o passivo. É muito comum que a atividade rural, para
ser desenvolvida, demande crédito, o qual, quase sempre, exige garantias reais ou alienação
fiduciária de bens do ativo da holding rural. Daí, pois, ser imprescindível definir se tais dívidas
serão afastadas ou não do balanço de determinação, em caso de saída ou exclusão do sócio. O
fundamental é que os sócios deixem a avaliação o mais objetiva possível, evitando intrusões de
terceiros que não fazem parte do negócio e, até, pouco o compreendem.
A vista do exposto, em relação a cláusula sobre apuração de haveres, recomenda-se a
seguinte disposição:
Cláusula x – Após a fixação do valor dos haveres de acordo com as regras previstas
neste contrato social, este será dividido e pago, em dinheiro, em 20 (vinte) parcelas
semestrais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no prazo de 06 (seis) meses
após a fixação.
Parágrafo primeiro – As parcelas ficarão indexadas segundo a cotação da soja,
informada pelo CEPEA/ESALQ, na data da fixação dos haveres, devendo-se o
pagamento se dar multiplicando-se a quantidade encontrada naquela data pela cotação
vigente cinco dias antes de cada vencimento.
Parágrafo segundo – Se todas as partes concordarem, as parcelas dos haveres poderão
ser liquidados através da entrega de grãos diretamente em nome do ex-sócio ou de
seus sucessores.
cadeia produtiva. Ao Judiciário cabe respeitar essas escolhas, fazer uma análise sistêmica e
trazer segurança ao setor.
128
5 CONCLUSÃO
A holding rural, contudo, não pode ser compreendida de forma isolada. Na realidade, se
enquadra como um elemento central de um sistema transversal que congrega desde os
distribuidores de insumos, os produtores rurais, os adquirentes da produção, o elo logístico, a
armazenagem, os transformadores, instituições financeiras, entidades governamentais, até
chegar ao consumidor final, dentro ou fora do país. O elo nuclear do agronegócio é a produção
primária. E, se a maior parte dela ainda se concentra em imóveis rurais e, estes, por sua vez,
estão sendo geridos por estruturas societárias, logo se vê o quão catastrófico podem se tornar
os conflitos que são internos a essa organização. Uma briga entre sócios, a depender da
envergadura patrimonial, pode, sem exageros, afetar o abastecimento alimentar de um país
inteiro importador.
E, é justamente por isso, que tanto a estratégia para prevenção de conflitos como a
própria solução destes não podem ignorar a análise sistêmica do setor. Além de respeitar as
normas jurídicas positivadas que regulam o assunto, é preciso um olhar panorâmico sobre os
sistemas agroindustriais e as mais diversas cadeias produtivas. A holding rural, ao gerir ativos
essenciais da atividade, fomenta sua profissionalização e governança, o que reflete
positivamente no agronegócio. Com efeito, defende-se que o princípio da preservação da
sociedade ganha novos contornos aqui.
Após assentar essas premissas, o presente trabalho se voltou para aspectos mais práticos,
tanto da modelagem da holding rural quanto da ruptura do vínculo em relação a um sócio. São
momentos, dentro da jornada do planejamento patrimonial, que invariavelmente estão
conectados. Não dá para pensar na dissolução, sem olhar na constituição da estrutura, desde a
definição da estratégia até a elaboração do contrato social, o qual precisa acomodar as
particularidades e regrar seus efeitos nas relações entre sócios e entre estes e a sociedade.
Feito o diagnóstico sobre a família, patrimônio e negócio, chega-se ao momento da
elaboração do contrato social. A pesquisa constatou que a simples qualificação das partes já
traz reflexos importantes na formação da holding rural. Cita-se, como exemplo, o sócio
estrangeiro, o qual, a depender do controle ou grau de participação no capital social, pode trazer
uma série de restrições a sociedade no que tange a aquisição de imóveis rurais, em razão de
legislação específica sobre o assunto. Também é a partir do regime de bens do sócio que se
apurará sobre a necessidade ou não de anuência do consorte para subscrição de imóveis.
Além disso, percebeu-se que a formação do capital social e o modo de sua realização,
são uma das grandes particularidades da estrutura sob enfoque. Na etapa “dentro da porteira” o
que predomina, na constituição da sociedade gestora, é o aporte de ativos imobiliários pelo
preço histórico, constante da declaração de renda dos sócios. Por se tratar de sociedade limitada,
131
independe de laudo avaliativo, embora seja recomendável. Sem falar, ainda, na infinidade de
cuidados que se deve ter na hora de se descrever os imóveis rurais, sujeitos que estão a uma
série de cadastros e exigências registrais, como o georreferenciamento, por exemplo.
Outra grande preocupação na elaboração do contrato diz respeito ao regramento sobre
transferência de cotas, seja entre sócios ou entre estes e terceiros. Se o planejamento patrimonial
visa manter coeso o poder de controle sobre os bens, é fundamental que a circulação de cotas
tenha suas restrições, principalmente em face de terceiros. Também a circulação entre sócios
deve ser bem regrada, já que será através dela, na organização sucessória familiar, que os pais
poderão antecipar suas participações aos filhos.
Administração, prestação de contas, reuniões, assembleias e distribuição de lucros são
tópicos que também merecem tratamento especial no contrato social da holding rural,
principalmente na busca pela implementação de boas práticas de governança. É preciso criar
uma cultura organizacional dentro da holding rural, transformando, no caso da estrutura
familiar, os parentes em verdadeiros executivos, com reuniões periódicas, plano de cargos e
funções, apresentação de resultados mensais, dentre outras disposições.
O contrato social se ocupará, ainda, das cláusulas sobre dissolução total, dissolução
parcial e apuração de haveres. Nem todos trazem normas expressas sobre os dois últimos
pontos, e como se viu, isso pode gerar riscos inimagináveis aos sócios e ao planejamento
sucessório. Além disso, percebeu-se a importância de definir o foro de eleição, no contrato
social, inclusive, se for conveniente, optando-se pela arbitragem, a fim de trazer respostas mais
céleres e qualificadas, o que beneficia a todos, principalmente à sociedade.
Após a elaboração e registro do contrato no órgão competente, nasce a holding rural,
pronta para gerir, administrar e proteger ativos. Como foi analisado no tópico 3.9, o passo
seguinte consiste na integralização dos imóveis rurais, transferindo-se, definitivamente, o
domínio do bem à entidade, que, até então, era mera possuidora. Nem sempre, porém, por
razões estratégicas ou por sigilo, o contrato trará todas as regras, devendo algumas das
disposições serem detalhadas em documento a parte, chamado de acordos de sócios, no qual,
inclusive, é possível aprofundar critérios de apuração de haveres, à luz do artigo 1031, do
Código Civil.
Evidentemente que a holding rural, com foco na organização sucessória, é arquitetada
visando a posteridade, sobrevivendo a gerações, sem prazo para encerramento, viabilizando a
eterna gestão dos ativos. Apesar disso, determinadas situações poderão estremecer o vínculo
entre os sócios. O contrato social precisa, como dito antes, se preocupar com a manutenção
desse liame, mas, em situações mais drásticas, será impossível conter a retirada de um sócio,
132
ou será necessário a exclusão de outro ou, ainda, diante do óbito, não terão opções a não ser a
dissolução parcial, como forma de conciliar a ruptura com a continuidade existencial da
organização.
Sobre o falecimento do sócio, percebeu-se que a regra legal prevê a liquidação da quota,
podendo o contrato dispor de forma diferente, por exemplo, admitindo os herdeiros, o que é
salutar num planejamento patrimonial. Mas quais herdeiros? Se os fundadores forem contrários
ao ingresso de genros ou noras é preciso estabelecer essa distinção, já que em algumas situações
eles figuram não só como meeiros, como também como herdeiros. Aliás, também é preciso
normatizar as consequências do óbito do cônjuge do sócio ou, mesmo, do divórcio deste,
evitando-se a entrada automática dos herdeiros daquele na figura de sócio, por exemplo.
O direito de retirada do sócio é um ponto mais sensível. O entendimento majoritário
ainda consiste em admitir o exercício desse direito de forma imotivada, mesmo para sociedades
limitadas por prazo indeterminado. Como visto no item 4.4, esse entendimento não é unânime
na doutrina, já que alguns entendem que se o vínculo for estável, só caberá a retirada em
situações específicas previstas na legislação. Diante da divergência, mister regrar o assunto no
contrato social, o que, pelo menos, trará um efeito inibitório ao sócio que pretender se retirar a
qualquer momento, sem qualquer explicação. É fundamental tentar preservar intacta a holding.
A exclusão do sócio, seja judicial ou extrajudicial, traz várias preocupações aos
membros do grupo, principalmente quando se discute o conceito de “falta grave”. A solução
novamente passa pelo contrato social, o qual pode trazer balizas interpretativas para o julgador,
inclusive, arrolando hipóteses de falta grave. Na holding rural os sócios precisam se proteger
contra a concorrência desleal de um dele, crimes dolosos, improbidade, ofensa a função social
dos imóveis rurais, abandono, dentre outras situações. Cláusulas claras disciplinando o assunto
são fundamentais para manter a higidez do planejamento.
Essas e outras hipóteses de dissolução parcial, como a liquidação de cotas em favor de
credor, padeciam de um regramento processual específico. Essa lacuna foi preenchida pelo
Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 599 e seguintes. Vários pontos de debate
jurisprudencial foram acalentados. A data da resolução do vínculo societário foi definida, a
depender da sua causa. A legitimidade das partes, tanto ativa quanto passiva, foi regulada.
Também a causa de pedir ganhou dispositivo expresso. Por fim, a lei processual trouxe o dever
do magistrado, na decisão que decretar a dissolução parcial, definir, além da data da resolução
e o perito, a metodologia e o critério de apuração de haveres “à vista do contrato social”.
Sobre a apuração de haveres, procedeu-se exame analítico da evolução histórica e
legislativa do instituto, desde a sua equiparação com a liquidação que se dá na dissolução total,
133
até a normatização contida no artigo 1031, do Código Civil. Embora esse dispositivo,
albergando entendimento doutrinário majoritário, confira autonomia ampla às partes, nota-se
que muitas sociedades são constituídas sem deliberar acerca da apuração de haveres. Outras,
em contrapartida, se limitam a remeter a utilização do último balanço, o qual, muitas vezes, se
encontra defasado, atraindo litígios sobre a metodologia e o critério da apuração.
Nesse cenário, surgiram duas correntes jurisprudenciais no âmbito do Superior Tribunal
de Justiça. De um lado, o entendimento no sentido de que a disposição do contrato social só
pode prevalecer se houver consenso entre os sócios no momento da apuração, como se infere
do REsp. 1335619/SP; de outro, a manutenção do combinado, desde que não haja vício de
consentimento ou alguma onerosidade superveniente excessiva decorrente de fato imprevisível,
como se nota do voto-vista do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva prolatado naquele caso e
também do voto vencedor proferido no REsp. 302366/SP. Outro julgado relevante para a
discussão se refere ao REsp. 1877331/SP, cujo objeto consiste na possibilidade ou não de incluir
o fluxo de caixa descontado no critério supletivo legal, no qual se aguarda o julgamento de
embargos de divergência.
Espera-se que essa polarização jurisprudencial seja resolvida sobre os influxos do
Código de Processo Civil de 2015 e da Lei da Liberdade Econômica. O primeiro diploma
normativo, em pelo menos três oportunidades, reforçou a autonomia das partes em relação a
apuração de haveres. O principal dispositivo é o artigo 606, o qual inicia a dicção pontuando
que apenas em caso de omissão do contrato social é que haverá definição judicial acerca da
metodologia e critério de avaliação. Também em relação a forma e condições de pagamento,
há menção expressa, no artigo 609, sobre a primazia do contrato social.
Diante dessa possibilidade legal, incumbe aos interessados na constituição da holding
rural, detalhar, no contrato social, como se dará a apuração de haveres em caso de dissolução
parcial. Essa definição deve levar em conta as peculiaridades da holding rural, como, por
exemplo, a majoritária formação do capital social com imóveis integralizados a preço histórico,
geralmente defasado, e, não menos importante, a finalidade integrativa do planejamento
patrimonial. Em outras palavras, é imprescindível desestimular a saída de sócios, a fim de evitar
desintegração e descapitalização, seja através de restrições a dissolução parcial, seja pela forma
de quantificação dos haveres.
Enfim, infere-se que as estratégias na elaboração das cláusulas do contrato social da
holding rural também devem levar em conta a sua inserção dentro do agronegócio e o papel
importantíssimo que desempenha nas respectivas cadeias produtivas. Como se viu, o princípio
da continuidade da sociedade ganha novos desdobramentos no agronegócio, onde cada elo está
134
umbilicalmente ligado a outro. Essa visão sistêmica, panorâmica e globalizada deve guiar não
só o planejamento patrimonial, como também a solução de eventuais conflitos surgidos ao
longo da sua execução, tanto pelo Judiciário quanto pela Arbitragem Societária.
135
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 60513 / SP. Comercial.
Dissolução de Sociedade. Tratando-se de Dissolução Parcial de Sociedade por quotas, não se
aplica o critério estabelecido no parágrafo 1. Do Art. 45 da Lei Nr. 6.404, de 1976, que é para
a determinação do valor de reembolso das ações ao acionista dissidente. Impõe-se, em tal
139
hipótese, determinar o valor real das ações de sociedade anônima que integram o patrimônio
da sociedade por quotas parcialmente dissolvida, na medida em que a apuração de haveres
deve ser procedida como se de dissolução total se tratasse. Recurso não conhecido.
Recorrente: Bonfanti administração e Representações S/C LTDA e outros. Recorrido: Erhard
Dolder – Espólio e outros. Relator: Min. Costa Leite, 04 de setembro de 1995. Disponível em:
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 49336 / SP. Comercial e
processual - dissolução parcial de sociedade por cotas de responsabilidade limitada. I - A
dissolução parcial de sociedade, segundo a jurisprudência do STJ, com a liquidação dos
haveres do sócio retirante, e critério que tanto garante a apuração integral desses haveres,
quanto preserva a continuidade da atividade social da empresa. II - Recurso não conhecido.
Recorrente: Emílio Carlos Beyruthe e outros. Recorrido: Pedro Amaury Ribeiro da Luz.
Relator: Min. Waldemar Zveiter, 17 de outubro de 1994. Disponível em:
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 35702 / SP. Comercial -
Sociedade Constituída por Sócios Diversos – Dissolução Parcial - Critério de apuração dos
haveres. I - Na sociedade constituída por sócios diversos, retirante um deles, o critério de
liquidação dos haveres, segundo a doutrina e a jurisprudência, há de ser, utilizando-se o
balanço de determinação, como se tratasse de dissolução total. II - Precedentes do STJ. III -
Recurso não conhecido. Recorrente: Centro Comercial de Vila Prudente Incorporadora e
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