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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – Unb

NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS – NP3


CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
PESQUISADOR: Sebastião Lopes Araújo

“A METODOLOGIA DA CAPACITAÇÃO MASSIVA


COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL”

Brasília/DF
Maio/2002
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - Unb
NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS – NP3
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
PESQUISADOR: Sebastião Lopes Araújo

“A METODOLOGIA DA CAPACITAÇÃO MASSIVA


COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL”

Monografia apresentada no Curso de


Especialização em Políticas Públicas, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Especialista, sob orientação da Professora
Marilde Loiola de Menezes.

Brasília
Maio/2002

2
BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________
_

_______________________________________
_

_______________________________________
_

_______________________________________
_

Brasília, de maio de 2002

3
DEDICATÓRIA

Este trabalho é resultado da minha


experiência na Metodologia da Capacitação
Massiva, contando para isso com o
privilégio da convivência com o seu criador,
Prof. Clodomir Santos de Morais, desde 1998,
extensivo à equipe do PRONAGER e aos
demais profissionais que a desenvolvem em
campo.
Assim, dedico-o à todas as pessoas que
acreditam na possibilidade de transformação
positiva do quadro de pobreza e
desigualdade social. E, ainda, às
comunidades participantes de Laboratórios
Organizacionais e aos sócios das
Cooperativas – ART-ILHA e MULTI-TEX pelo
compromisso com a autogestão e o
desenvolvimento social.

4
SUMÁRIO

DEDICATÓRIA .....................................................................................................4

RESUMO ..............................................................................................................7

1 JUSTIFICATIVA ...........................................................................................8

2 CONTEXTUALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DA METODOLOGIA DA


CAPACITAÇÃO MASSIVA ...........................................................................9
2.1 A Origem e Evolução da Metodologia da Capacitação Massiva dos
laboratórios organizacionais .................................................................................... 12

a) Origem........................................................................................................................ 12

b) A utilização da metodologia em âmbito nacional e internacional ............. 13

2.2 Os Instrumentos Metodológico-Operacionais .............................................. 15


2.2.1 O conceito de laboratório organizacional .................................................................. 15

2.3 Os Tipos de Laboratórios Organizacionais ................................................... 16

2.4 OS PRÉ-REQUISITOS À REALIZAÇÃO DE LABORATÓRIOS


ORGANIZACIONAIS..........................................................................................18

2.5 Princípios e Pressupostos Pedagógicos........................................................ 20

2.6 As Etapas do Processo de Capacitação ......................................................... 22


A síncrese ....................................................................................................................... 22
A análise ......................................................................................................................... 23
A síntese ......................................................................................................................... 24

2.7 Sobre o Diretor de Laboratório Organizacional............................................ 25

5
2.8 Sobre a Estrutura Primária ................................................................................. 26

2.9 A Memória do Laboratório Organização de Terreno ................................... 28

2.10 O Desmame .......................................................................................................... 29

3 ESTUDO DE CASOS ................................................................................29


3.1 A Ilha do Ferro e a Cooperativa dos Artesãos .............................................. 29
3.1.1 Antecedentes........................................................................................................... 29

3.1.2 O município de Pão-de-Açúcar ............................................................................ 30


3.1.2.1 A comunidade de Ilha do Ferro.............................................................................. 34

3.2 A Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX ............................................. 45

(Uma experiência de sucesso) ................................................................................. 45


3.2.1 Antecedentes........................................................................................................... 45
3.2.2 A cooperativa dos trabalhadores MULTI- TEX (situação encontrada) ......................... 48
3.2.3 O desenvolvimento do laboratório organizacional de empresa – LOE ........................ 51
3.2.4 - Resultados alcançados ........................................................................................... 52
3.2.5 A cooperativa dos trabalhadores MULTI-TEX (situação atual) ................................... 54

CONCLUSÃO .................................................................................................55

ANEXOS ..........................................................................................................57

BIBLIOGRAFIA..............................................................................................61

6
RESUMO

Este trabalho apresenta a “Metodologia da Capacitação Massiva dos


Laboratórios Organizacionais” criada pelo doutor em sociologia - Clodomir
Santos de Morais, fundador do instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro
Mundo – IATTERMUND - instituição responsável pela aplicação,
desenvolvimento e aperfeiçoamento da referida metodologia no Brasil e exterior,
e que mantém um Acordo de Cooperação com o Programa Nacional de Geração
de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza– PRONAGER1, que a utiliza como
eixo central da sua metodologia de atuação, considerada como instrumento de
inclusão social. Assim, aborda a problemática da exclusão social, atualmente o
principal desafio dos governantes e da sociedade civil.
Em seguida discorre sobre a referida metodologia; a quem se destina; sua
origem e evolução em âmbito nacional e internacional, bem como seus
princípios e pressupostos teóricos e pedagógicos; tipos de eventos de
capacitação massiva; o processo de capacitação desenvolvido no Laboratório
Organizacional, e outros aspectos relevantes.

1
O PRONAGER é u Programa do Governo Federal vinculado ao Ministério da Integração Nacional/SDR
e resulta de um Acordo de Cooperação Técnica com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação –FAO e o IATTERMUND.
7
Por último, apresenta dois Estudos de Caso, sobre experiências concretas
desenvolvidas no âmbito do PRONAGER em parceria com o IATTERMUND e a
conclusão indicando que, a partir das experiências realizadas no Brasil e no
exterior, a metodologia é uma das alternativas que contribui efetivamente para a
inserção social e diminuição dos índices de pobreza e desigualdade social.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por finalidade apresentar a Metodologia da


Capacitação Massiva dos Laboratórios Organizacionais como um dos
instrumentos de inclusão social, contribuindo assim com o debate sobre
alternativas para o enfrentamento da problemática da exclusão social que
penaliza a cada dia milhares de pessoas que não tem acesso às condições
mínimas de dignidade e cidadania.

Referida Metodologia, aplicada em mais de 30 países inclusive


no Brasil, tem sido reconhecida por organismos governamentais, Agências
especializadas das Nações Unidas, como a FAO e a OIT e organizações não
governamentais, por considerar a organização o elemento substantivo para a
construção das bases e o desencadeamento do processo de desenvolvimento
sustentável. Contribuindo efetivamente para formação de capital social e a
implantação e o fortalecimento de empreendimentos econômicos e sociais, com
base na autogestão, e a conseqüente geração de postos de trabalho.

1 JUSTIFICATIVA

O tema reveste-se da maior importância considerando os índices


de pobreza e desigualdade social no Brasil e no mundo, cuja reversão constitui-
se o maior desafio dos governantes e da sociedade civil.
8
Principalmente no Brasil, campeão mundial de desigualdade social, resultante
não de uma fatalidade histórica, mas produto de uma herança social. São 53.1
milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Destas, 30 milhões vivem com
extrema dificuldade, com renda mensal per capita inferior a 80 reais. Existindo,
ainda, 23 milhões que vivem em situação mais precária, uma vez que não
dispõem de renda para suprir as necessidades alimentares básicas à própria
sobrevivência

A situação torna-se mais agravante, considerando a naturalidade


com que a sociedade encara essa problemática. O que é compreendido, porém
não aceito, uma vez que tal comportamento é produto da cultura que resulta de
um acordo social excludente que não reconhece a cidadania para todos, sendo
distintos os direitos, as oportunidades, as possibilidades e horizontes para os
“incluídos” e para os “excluídos”.

Diante do contexto, a aplicação da Metodologia da Capacitação


Massiva em conformidade com a sua concepção, fundamentada na psicologia
social, possibilita o resgate e a afirmação de valores éticos e morais,
contribuindo significativamente para a construção de uma sociedade mais
equânime.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DA METODOLOGIA DA


CAPACITAÇÃO MASSIVA

Os métodos tradicionais de qualificação não atendem as


características e/ou necessidades da população vulnerabilizada econômica e
socialmente, uma vez que pela seletividade, acabam por reforçar o estigma da
exclusão social sobretudo aquelas baseadas no empreendedorismo.

9
A capacitação massiva, é uma metodologia desenhada
especialmente para alcançar o excluído social, capacita centenas de pessoas
em um só evento – o Laboratório Organizacional de Terreno. Assim, permite,
também, a participação de pessoas com baixo nível de escolaridade e de
qualificação profissional.

Referida metodologia parte do pressuposto de que as pessoas


têm potencialidades que podem ser desenvolvidas e que as comunidades
pobres dispõem de recursos humanos e materiais não utilizados que podem ser
mobilizados para o desenvolvimento de atividades produtivas, aumentando a
renda e reduzindo a pobreza. Assim o processo seletivo é natural, todos podem
participar dos eventos de capacitação, escolhendo um curso/atividade produtiva
que, segundo a sua avaliação venha a contribuir para a melhoria da sua
qualidade de vida. Na maioria das vezes é a primeira vez que essas pessoas
decidem algo em suas vidas, aspecto fundamental no processo de construção
da autonomia. E já que estamos falando de autonomia individual e coletiva
mediante a participação dessas pessoas em empresas autogestionárias o seu
dna é transferido no primeiro momento, ou seja na abertura do Laboratório
Organizacional.

Assim, começa a funcionar a engrenagem da participação social,


onde o coletivo começa a ter força, em função da imposição da necessidade da
divisão social e técnica do trabalho ditada pelos próprios insumos indivisíveis (os
meios de produção, que pertencem ao coletivo e não ao indivíduo). Isso
possibilita a superação das dificuldades pelo próprio grupo social, que passa a
creditar em si e no grupo, resgatando a auto-estima. Vale ressaltar que essas
pessoas quase sempre não tiveram acesso aos meios de produção e as
próprias condições inerentes ao desenvolvimento de atividades produtivas em
que tiveram inseridas, contribuiu para que tenha um perfil, cujas características
apresentamos a seguir:

10
- São pessoas, desempregadas ou subempregadas, de baixo nível de
escolaridade e de qualificação profissional;

- normalmente tëm uma relação de dependência com o poder público,


autoridades e lideranças, achando sempre que esses “sabem o que é
melhor para eles”;

- por terem uma consciência ingênua, acreditam que a sua condição


social é determinada por Deus, ou alguma outra divindade. Apenas
identifica o seu problema – pobreza, doenças, falta de alimentação, de
moradia. E ficam a espera de que um dia as coisas melhorem. As
soluções sempre vindo de fora.

- normalmente moram em periferias das cidades, morros e favelas,


expulsos do campo ou de áreas urbanas, neste último caso pela
própria espoliação imobiliária;

- em geral têm alta dependência da assistência social e são alvos fáceis


de práticas assistencialistas e paternalistas;

- não tem acesso aos mecanismos oficiais de crédito;

- a maioria não consegue romper o ciclo vicioso da pobreza, baixando


cada vez mais a auto estima, muitos enveredando pelo alcoolismo e
outras drogas, contribuindo para o aumento dos índices de violência;

- não tem consciência do seu potencial e da sua capacidade de


contribuir para a reversão do quadro de pobreza.

Esse é o público prioritário da metodologia da capacitação


massiva no Brasil e no exterior. E a cada dia constatamos o quanto essa
população tem potencialidade e capacidade para superar essas dificuldades a

11
partir da organização, estruturando unidades de produção autogestionárias, e
melhorando a sua realidade social e econômica. Desde que sejam implantadas
seguindo os princípios da autogestão, cujo conceito é o seguinte2:

“A autogestão é um modelo administrativo onde as decisões e o controle da


empresa são exercidos pelos trabalhadores Eles decidem sobre tudo: metas de
produção, remuneração, políticas de investimento, mercado etc.

É a busca de soluções coletivas para os problemas sociais , notadamente do


desemprego, por meio do controle das empresas. É a participação direta e
inteligente do coletivo nas tomadas de decisões, no poder da empresa”

2.1 A Origem e Evolução da Metodologia da Capacitação Massiva dos


Laboratórios Organizacionais

a) Origem
A concepção da Metodologia da Capacitação Massiva,
conhecida internacionalmente como a metodologia dos Laboratórios
Organizacionais, teve início em 1954, a partir da realização de um curso sobre
legislação agrária objetivando a capacitação de quadros dirigentes das Ligas
Camponesas, na cidade de Recife - PE - Nordeste do Brasil.

Os organizadores desse evento de capacitação, ao avaliarem 6


(seis) meses depois o nível de aprendizagem dos conteúdos ministrados,
constataram que estes não haviam sido apreendidos pelo conjunto dos
participantes. Entretanto eram bons dirigentes nas suas organizações de base.

Com base nos resultados dessa avaliação, Clodomir Santos de


Morais concluiu que a metodologia de funcionamento do curso (organização em
comissões: limpeza, alimentação, saúde, infraestrutura, apoio pedagógico,
disciplina, cultura e lazer, etc.), determinada pela necessidade do próprio grupo,

2
AUTOGESTÃO – Como sair da crise: ANTEAG – Assoc. Nacional ddos Trabalhadores em Empresas de
Autogestão e Participação Acionária – S.Paulo.
12
foi decisiva para os resultados obtidos, ou seja, os participantes ao vivenciarem
a divisão social e técnica do trabalho internalizaram alguns princípios básicos de
organização.

Com a realização das primeiras experiências, ainda no Nordeste


do Brasil (1964) inicia-se a formulação do “Método da Capacitação Massiva -
Laboratório Experimental de Terreno”, o qual foi sistematizado posteriormente
pelo autor.

b) A utilização da metodologia em âmbito nacional e internacional

Apesar da Metodologia da Capacitação Massiva ter sido criado


por uma brasileiro, de Santa Maria da Vitória, Estado da Bahia – Prof. Clodomir
Santos de Morais, e ter sido desenvolvida em mais de 30 países, somente em
1988 a mesma foi aplicada no Brasil, após o retorno do autor ao Brasil.

Como pode ser visto a seguir, o seu desenvolvimento se deu


mais na América Central e na América do Sul, inclusive com a contribuição de
vários profissionais que atuaram ou ainda atuam com a referida metodologia,
inclusive do meio acadêmico.

• 1971 - Programa de Reforma Agrária - implantação em


285 Assentamentos rurais – Panamá;

• 1973/76 - Programa de Capacitação Camponesa para a


Reforma Agrária de Honduras (PROCCARA) - mais
de 400 LOTs – 24.000 camponeses e técnicos da
região capacitados – (ONU/FAO);
Aplicada em Costa Rica, Venezuela, México, Haiti,
São Domingos, Colômbia, Nicarágua, Dominica e
Belice;

• 1977 Programa de Desenvolvimento Rural Integrado do


Trópico Úmido – PRODERITH – México
(ONU/FAO);

13
• 1978/79 - Instituto de Cooperativas Antônio Sérgio -
INSCOOP – Portugal. Mais de 3.000 pessoas
capacitadas – (ONU- OIT- PNUD);

• 1980/83 - Programa de Capacitação para a Organização e o


Emprego na Reforma Agrária – COPERA
(Nicarágua – Sandinista);

• 1984/87 - Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, São Tomé e


Príncipe – (Cáritas Moçambicana e Fundação
HIVOS) Zimbabwe – África (Fundação HIVOS);

Realização do Laboratório Organizacional de


Centro – LOCEN em Palmeiras das Missões/RS-
Brasil (1987) com o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra-MST;

• 1988/89 Programa POLONOROESTE – Mato Grosso e


Rondônia- Brasil (ONU/FAO);

Criação no Brasil do Instituto de Apoio Técnico aos


Países do Terceiro Mundo – IATTERMUND, em
Brasília / DF (1988) - instituição responsável pelo
desenvolvimento e aperfeiçoamento da Metodologia
da Capacitação Massiva no Brasil e no Exterior;

• 1992/96 PROGER - Programa de Geração de Emprego e


Renda em Áreas de Pobreza- Estados da Paraíba e
São Paulo – Brasil (ONU/FAO);

Realização de Laboratório Organizacional de Curso


- LOC para formação de TDCs – Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra – MST – Brasil
(ONU/OIT);

Realização de Laboratório Organizacional de Curso


– LOC para formação de TDEs e APIs - Convênio
IATTERMUND com a Secretaria de Planejamento
do Estado de Rondônia – Rondônioa – Brasil.
Programa Nacional de Geração de Emprego e
Renda em Áreas de Pobreza – PRONAGER –
SEPRE-ONU/FAO (antes PROGER) – Brasil;

• 1988 Realização do 1º Laboratório Organizacional de


Empresa no Brasil em São José dos Campos - SP

14
para reestruturação da Cooperativa dos
Trabalhadores MULTI-TEX (PRONAGER Nacional
em parceria com IATTERMUND, PRONAGER-
SP/BNDES/Pref. Municipal de São José dos
Campos/Sindicatos dos Trabalhadores na Indústria
de Fiação e Tecelagem de SJCAMPOS e dos
Mestres e Contra-Mestres);

Definição da Metodologia da Capacitação Massiva


como eixo-central da Metodologia de Atuação do
PRONAGER;

• 2000/03 Continuação da parceria do Programa Nacional de


Geração de Emprego e Renda em Áreas de
Pobreza - PRONAGER (MI/SPRI-ONU/FAO), com
o IATTERMUND mediante Termo de Cooperação
Técnica;

Implantação do Sistema de Geração de Emprego e


Renda no México (PRONAGEI) - Convênio da
Universidade de Chapingo com o IATTERMUND;

Sistema de Geração de Emprego e Renda na


República da Guatemala (PRONAGEI). Convênio:
Ministério da Agricultura, Universidade de Chapingo
e IATTERMUND;

Realização do 1o Laboratório Organizacional de


Terreno na periferia de Londres – Inglaterra, sob a
coordenação de ONG vinculada ao IATTERMUND,
e que o representa também na África.

2.2 Os Instrumentos Metodológico-Operacionais

2.2.1 O conceito de laboratório organizacional

Segundo o próprio criador do Método – Prof. Clodomir Santos de


Morais –“É um ensaio prático e ao mesmo tempo real em que se busca
introduzir, em um grupo social, a consciência organizativa que necessita para
atuar em forma de empresa ou ação organizada”.

15
É um método de capacitação que possibilita a elevação dos
níveis de consciência (ingênua e crítica) da coletividade ao nível da consciência
organizativa, indispensável à transformação da realidade em que vivem.

Para tanto necessita que seja criada, no interior do LOT, uma


empresa artificial porém com funcionamento real, a qual constitui-se o objeto de
capacitação dos participantes em organização e administração autogestionária.
A partir da experimentação do sujeito (os alunos) com o objeto (a estrutura
organizacional formada) este indica ao sujeito as necessidades e habilidades
necessárias para manejá-lo, e nesse processo o sujeito vai se transformando
também pela prática. Através do embate entre eles o conhecimento vai sendo
construído e internalizado pelo grupo social. Daí a importância dos pré-requisitos
à realização do Laboratório Organizacional, tratados ainda neste trabalho, para
que seja desencadeada pelo grupo social a dinâmica própria do método de
capacitação, “determinadora da consciência organizativa que se pretende gerar
no grupo social”.3

2.3 Os Tipos de Laboratórios Organizacionais

- LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE CENTRO – LOCEN, para


formação de quadros organizadores de empresas associativas. Este
tipo de Laboratório também pode ser utilizado como 1ª etapa de
formação de Diretores de Laboratórios Organizacionais de Terreno -
LOT;

- LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE TERRENO – LOT, para


acelerar a consciência organizativa de grupos sociais e criar as bases
de empresas associativas de produção de bens e serviços;

3
Clodomir Santos de Morais – Plano de Laboratório Organizacional de Capacitação Massiva para a
expansão do Emprego.
16
- LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE CURSO – LOC, para
acelerar a consciência organizativa de um grupo de pessoas
integradas em uma empresa de serviços destinada à auto-
capacitação. Através deste são formados os Técnicos em
Desenvolvimento Econômico (TDEs); ou Técnicos em
Desenvolvimento Cooperativo (TDCs), que por sua vez formam os
Auxiliares de Projetos de Investimentos (APIs) - base para a
formatação e funcionamento do SIPGER. Com esse tipo de
Laboratório forma-se, também, os Diretores de Laboratórios
Organizacionais de Terrenos (1ª etapa: teórico-prática);

- LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE EMPRESA – LOE, para


acelerar o nível organizativo de empresas associativas, inclusive
aquelas originadas de LOTs, bem como para a implantação de
empresas de autogestão, a exemplo da Cooperativa dos
Trabalhadores MULTI-TEX cuja experiência está relatada no último
capítulo deste documento, e a conseqüente elevação da capacidade
para a prática de autogestão e fortalecimento econômico de
empreendimentos econômicos e sociais.

Para tanto, torna-se imprescindível que o Diretor do Laboratório


Organizacional, profissional responsável pelo planejamento e desenvolvimento
desse tipo de evento de capacitação, formado pelo IATTERMUND, compreenda
e internalize a diferença entre as didáticas do ensino e da capacitação. Na
primeira o professor (sujeito) transfere o conhecimento ao aluno (objeto) na
intenção de transformá-lo, havendo uma “artificialização na geração da
necessidade do conhecimento”4, uma vez que esta não parte de uma realidade
concreta. Na da capacitação é o inverso, o professor atua como meio,
elaborando e repassando as entregas teóricas em atendimento à demanda do

4
CORREIA, Jacinta Castelo Branco. Comunicação e Capacitação. Edição IATTERMUND - Brasília-DF:
1994.
17
aluno, que por sua vez as requer em função da necessidade ditada pelo objeto,
ou seja, a empresa com o domínio dos meios de produção e da divisão social e
técnica do trabalho.

2.4 Os Pré-requisitos à realização de Laboratórios Organizacionais5

1º) No mínimo 40 pessoas:

Justifica-se pela própria concepção do método que ao ser massivo,


possibilita a incorporação de centenas de trabalhadores
desempregados ou subempregados nos eventos de capacitação,
favorecendo portanto a ampliação das oportunidades de inserção da
grande massa de excluídos sociais. A capacitação em gestão
empresarial autogestionária exige o exercício da divisão social e
técnica do trabalho (processo produtivo socialmente dividido),
possibilitando a construção da cooperação e da solidariedade e a
conseqüente transformação de comportamentos ideológicos que
dificultem o avanço das forças produtivas.

2o) Os meios de produção em mãos dos integrantes da empresa, ou seja,


os insumos indivisíveis em poder do grupo social

Todos os recursos (humanos, financeiros e materiais) que constituem


os insumos indivisíveis, devem está à disposição dos participantes do
Laboratório Organizacional6. Assim, não pertencem ao indivíduo e sim
ao coletivo. Estes por si só impõem a necessidade de organização, e
o exercício da divisão do trabalho, sendo a “mola mestra” do processo
de capacitação em organização empresarial autogestionária, pois “é a
partir da relação com o objeto que o homem se capacita”3, e quanto

5
MORAIS, Clodomir Santos de – Elementos Sobre a Teoria da Organização – Edição IATTERMUND-
1988.
6
Os insumos indivisíveis básicos referentes aos cursos/atividades produtivas devem estar a disposição dos
participantes desde a abertura do LOT.
3
MORAIS, Clodomir Santos de - O Reencontrado Elo Perdido das Reformas Agrárias - Edição
IATTERMUND - 1997
18
mais indivisíveis forem os insumos maior a capacitação. Ressalte-se
que quando as quantidades são inferiores às necessidades da
empresa, este problema estimula a criatividade e capacidade de
resolução do grupo social. É importante incorporar ao inventário dos
insumos indivisíveis aqueles pertencentes a própria comunidade e ou
cedidos por instituições parceiras. Aliás essa prática, além de
estimular a participação, diminui os custos operacionais do LOT. Outro
aspecto fundamental é – “não criar escala de valores na população
pobre uma vez que esta quase sempre não pode ter acesso aos
mesmos logo após a finalização do LOT”7, dificultando a
continuidade dos embriões de empreendimentos econômicos. Dessa
forma na estruturação do próprio método, “os insumos indivisíveis são
utilizados com a intenção expressa e preconcebida de introduzir
mudanças na atividade e conseqüentemente na psicologia social dos
que participam do Laboratório Organizacional”4.

3º) O Pleno direito de Organizar-se

Esse requisito garante ao conjunto dos participantes a plena liberdade


de organização, respeitando o marco legal vigente. Pois organização,
não se ensina, se vivencia e se constrói a partir das necessidades
sentidas pelo grupo, e o seu nível de desenvolvimento é diretamente
proporcional ao nível de consciência social e produtiva dos mesmos. É
na prática da autogestão (a partir deste ponto zero) que a participação
social começa a ser efetivada, e que a organização empresarial vai se
consolidando e se otimizando. Daí a denominação dos eventos de
capacitação Massiva: Laboratórios Organizacionais.

7
Idem
4
LABRA, Ivan. Por uma Psicologia Social Científica - Edição IATTERMUND - 1994
19
É de fundamental importância a observância aos requisitos acima
mencionados, sob pena de comprometer todo o processo de capacitação, e
fragilizar o próprio método.

2.5 Princípios e Pressupostos Pedagógicos

A Capacitação Massiva, “fundamenta-se, principalmente, na


psicologia social, tendo a atividade objetivada8 (fig. 1) como desencadeadora do
processo de aprendizagem e de construção do conhecimento”. Como Método de
Capacitação a ação pedagógica se desenvolve com base na relação dialética –
PRÁTICA-TEORIA-PRÁTICA, possibilitando aos participantes a apreensão do
conhecimento e a transformação positiva da realidade em que vivem, a partir da
inserção dessas pessoas em experiências concretas de geração de trabalho e
renda, mediante a realização de Laboratórios Organizacionais.

A ATIVIDADE OBJETIVADA

SUJEITO OBJETO

8
Ver Leontiev (Prática-Teoria- Prática)
20
fig. 1 – O Processo de construção do conhecimento no LOT

Nesse sentido, a Metodologia da Capacitação Massiva tem como


princípios pedagógicos (ver a seguir) essenciais ao seu desenvolvimento, e que
portanto, devem ser internalizados e observados rigorosamente pelo Diretor do
Laboratório Organizacional e sua Estrutura Primária (equipe técnica de apoio)
para que sejam alcançados os seus objetivos:

a) O objeto capacita – Primeiro tem que se criar o Objeto de


forma real, no caso a empresa dos alunos. No embate Sujeito x
Objeto, o primeiro vai percebendo o Objeto através da análise, e
este o guia para que vá se aperfeiçoando nas suas intervenções
sobre o objeto, uma vez que o mesmo dita a necessidade das
entregas teóricas. Assim, a prática é enriquecida pela teoria e
vice-versa, contribuindo de forma efetiva para a construção do
conhecimento.

b) As diferenças e contradições equilibram e impulsionam


a capacitação – a heterogeneidade dos comportamentos
ideológicos - visão de mundo e expectativas diferenciadas,
interesses pessoais diversos, capacidades de fazer a leitura da
realidade também diferenciadas e espírito emulador de alguns,
criam as contradições e os conflitos, fenômenos esses que o
Diretor e a Estrutura Primária deve explorar como instrumentos
de capacitação. O que justifica a importância do Diretor e da
Estrutura Primária serem rigorosos na leitura da composição
social do grupo para que as ações de capacitação sejam
potencializadas. Algumas vezes o Diretor do Laboratório

21
Organizacional frustra a capacitação por ter medo de conflitos e,
assim, utiliza mecanismos para que os mesmos não venham à
tona, utilizando técnicas do pequeno grupo que em nada
contribuem para a transformação psico-social dos participantes
do evento de capacitação.

2.6 As Etapas do Processo de Capacitação

No processo de capacitação desenvolvido no Laboratório


Organizacional, as etapas abaixo mencionadas vão se superando tais como a
SÍNCRESE – caracterizada, inicialmente, por uma anomia, pela desorganização
total e incerteza na própria capacidade de organizar-se, ante a surpresa de
encarar uma responsabilidade e sentir-se desafiados a levar a empresa adiante,
onde as decisões serão tomadas por eles mesmos, chegando a propor soluções
ou ações sem análises críticas; a ANÁLISE - onde manejam elementos de
administração e exercitam a análise sobre o objeto, no caso a Empresa
Associativa Autogestionária; e a SÍNTESE- na qual conseguem o melhor nível
organizativo, pois aliam a teoria à prática (fig.2). Ou seja, o processo pedagógico
vai se qualificando através de ciclos recorrentes, tendo como características de
cada etapa as apresentadas a seguir:

A síncrese

• Expectativas diferenciadas quanto a realidade que se apresenta;


• tendência de formação de grupos e subgrupos em torno de
lideranças – políticas, religiosas e comunitárias, que as vezes
tentam reproduzir a cultura do clientelismo, paternalismo e
assistencialismo;
• exacerbada manifestação de vícios ideológicos oriundos das
formas artesanais de trabalho;]
• visão individualista e imediatista dos participantes quanto aos seus
interesses pessoais;

22
• identificação de alguns problemas decorrentes dos
comportamentos ideológicos dos participantes;
• utilização incipiente da crítica;
• mecanismos de controle verticais;
• tendência a decidirem por modelo de gestão vertical reproduzindo
experiências anteriores;
• estrutura organizacional inadequada;
• inexistência de instrumentos de planejamento, gestão e controle;
• persistência da ação de grupos e subgrupos que se consideram
mais capazes, reproduzindo uma relação de dominação perante o
conjunto dos participantes;
• começa a perceber algumas categoria teóricas não relacionando-
as com a prática de gestão e funcionamento da empresa;
• a auto-estima começa a despontar em um número significativo de
participantes do Laboratório Organizacional.

A duração desta etapa depende da composição social do grupo,


sua experiência acumulada e do seu contexto social, econômico, político e
cultural, podendo durar um, dois ou três dias. Podem-se repetir certas
características de anomia durante todo o processo de desenvolvimento do
Laboratório Organizacional, as quais serão superadas de acordo com o grau de
organização que o grupo social tenha atingido.

A análise

• Inicia-se a análise sobre a ação desenvolvida pela empresa


(decodificação dos elementos teóricos a partir da prática);
• conseguem manejar algumas categorias teóricas presentes na
Teoria da Organização (divisão do trabalho, valor do tempo, da
disciplina, plano de trabalho e IBC);

23
• começa a despontar o conhecimento lógico e a racionalidade
quanto a alguns processos, porém ainda de forma fragmentada,
faltando Memória do a internalização da visão sistêmica da
empresa;
• a estrutura organizativa e os planos de trabalho são mais
adequados à necessidade da empresa;
• o uso da crítica é mais constante;
• maior eficiência e racionalidade na utilização de recursos;
• os subgrupos com interesses particulares começam a se fragilizar
pela compreensão maior, pelo conjunto dos participantes, do
conteúdo da Teoria da Organização;
• a auto-estima já é visível através da postura e comportamento dos
participantes frente aos desafios que se apresentam.

A síntese

• Maior segurança na gestão da “empresa”, fundamentada na auto-


estima resgatada/conquistada e na apreensão de categorias
teóricas, a partir da própria vivência;
• visão de conjunto/sistema – interdependência dos diversos setores
da empresa, fortalecida pela prática permanente da divisão social e
divisão técnica do trabalho;
• participação mais organizada nas reuniões e assembléias;
• utilização dos princípios organizativos (análise, planejamento,
distribuição e controle);
• maior tranqüilidade no uso e aceitação da crítica, como algo
inerente ao crescimento individual e grupal;
• a estrutura organizativa e os planos de trabalho estão mais
adequados às necessidades da empresa, o que demonstra uma
maior eficiência na gestão da empresa;

24
• desmistificação da figura do Diretor e da Estrutura Primária pela
segurança conquistada e capacidade de resolutividade do próprio
grupo.

Vencer o estado de anomia é o ponto de partida para o início da


construção de uma nova forma de convivência social e produtiva embasada na
participação plena, através da autogestão. Caso o Laboratorista ou a Estrutura
Primária indique ou tome alguma decisão pelo grupo nesse momento, a
autonomia que se busca com o método já está “abortada”.

2.7 Sobre o Diretor de Laboratório Organizacional

O Diretor do Laboratório precisa ter uma visão precisa sobre a


realidade em que vai atuar, no que se refere aos seus aspectos sociais,
econômicos, políticos, culturais e ambientais, bem como sobre a composição
social do grupo participante, para que possa agir como FACILITADOR do
processo de capacitação.

O PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DESENVOLVIDO NO LOT


(ADMINISTRAÇÃO AUTOGESTIONÁRIA)

A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO


A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO

A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO

SÍNCRESE

ANÁLISE
SUJEITO
OBJETO
SÍNTESE

(PRÁTICA-TEORIA- PRÁTICA)
- A REUNIÃO

25
A VI
É fundamental que este conheça e se guie pelos princípios que
norteiam o método e sobretudo tenha internalizado o sentido pedagógico dos
procedimentos para garantir os resultados esperados. Tenha domínio dos
conteúdos teóricos da Teoria da Organização e segurança no seu repasse, e
consciência da sua importância como instrumento de aceleração do processo de
organização, uma vez que constitui-se para os participantes uma referência -
visão histórica e dinâmica dos fatos sociais - uma relação de causas e efeitos -
que possibilita uma reflexão pelo grupo sobre a realidade atual, e de como
pretendem se organizar para transformar essa mesma realidade. A Teoria da
Organização deve ser sempre ministrada pelo Diretor do Laboratório. Essa ação
é um dos procedimentos metodológicos importantes e contribuirá para que o
Diretor tenha a autoridade necessária e legítima, construída durante o período
em que estiver no Laboratório, a partir da relação e postura frente ao grupo
social. Exercendo o seu papel - como sujeito heterônomo - essencial no
processo de construção da autonomia desejada. (Fig.3)

2.8 Sobre a Estrutura Primária

É constituída por um grupo de técnicos, de preferência


polifacéticos, que possam atender as demandas imediatas da população-
objetivo, pois todos os seus integrantes deverão ser instrutores durante o LOT.
Participam desse grupo técnicos da instituição promotora e/ou parceiras
responsáveis pelo acompanhamento às empresas surgidas do LOT e pessoas

26
indicadas por entidades da sociedade civil que atendam aos critérios de seleção
abaixo especificados.

A Estrutura Primária não pode esquecer que é referência e


exemplo (espelho) para os participantes do LOT. Portanto a postura profissional
– ética, moral, organizacional e disciplinar são qualidades indispensáveis.

Assim como a empresa dos alunos, a Estrutura Primária terá que


assumir durante todo o processo de desenvolvimento do Laboratório uma
“atitude de análise frente a tudo o que está sucedendo-se, por meio de um
elemento que deve ser descoberto e utilizado sistematicamente pelo grupo, ou
seja, a crítica”. (Teoria da Organização – Clodomir Santos de Morais).9

DIRETOR
O AMBIENTE EXTERNO

EMPRESA

O AMBIENTE EXTERNO
DOS

ESTRUTURA ALUNOS
PRIMÁRIA

INSTRUTORES

Fig. 3 – O fluxo das ações de capacitação desenvolvido no Laboratório Organizacional.

9
MORAIS, Clodomir Santos de – Elementos Sobre a Teoria da Organização – Edição IATTERMUND –
1998.
27
2.9 A Memória do Laboratório Organização de Terreno

Ao final do Laboratório Organizacional, o documento


denominadde Memória do Laboratório Organizacional de Terreno deverá está
elaborada, e toda a experiência realizada sistematizada. Segundo o Prof.
Clodomir Santos de Morais, constitui-se um documento de fundamental
importância para a análise e compreensão das conseqüências (a posteriori) da
aplicação da metodologia, porque o registro do dia a dia e de tudo que ocorre
dentro de Laboratório é a fonte mais fidedigna de fé, que expressa os êxitos e as
falhas do evento de capacitação. Principalmente para a constatação das falhas
que possam ter havido no desenvolvime3nto do Laboratório Organizacional e
suas consequências, como por exemplo - o não surgimento de empresas, a
desintegração pré-matura do(s) núcleo(s) organizado(s) e o irreversível processo
de entropia dos mesmos são mais facilmente explicados à luz desta “caixa-
preta”.

É elaborada sob a coordenação da Comissão de Memória da


Estrutura Primária, da qual todos os membros tem oportunidade de participar,
uma vez que há rodízio semanal. A referida Comissão é apoiada pelos
participantes dos cursos de datilografia, informática, e jornalismo que compõem
a Comissão de Memória e Divulgação da Empresa dos Alunos. Assim sendo
constitui-se um dos principais produtos da EP e a sua elaboração possibilita o
exercício da divisão técnica do trabalho constituindo-se um desafio
organizacional complexo. A sua distribuição na solenidade de encerramento
para todos os participantes do LOT é um dos indicadores positivos de avaliação
da equipe técnica responsável pelo evento de capacitação (Diretor e membros
da Estrutura Primária).

28
Como obra coletiva e impressa possibilita a inserção da massa
organizada na história, como os principais atores sociais – deselitiza a criação
da história - todos são sujeitos da história;

2.10 O Desmame

O Diretor do Laboratório deverá deixar o Laboratório, no máximo,


após a realização da 3ª Assembléia Geral da Empresa dos Alunos, retornando
para a solenidade de encerramento do evento de capacitação.

Esse é um procedimento metodológico que deve ser observado


por todos os Diretores de Laboratórios Organizacionais. Faz-se necessário para
que a Estrutura Primária possa avançar no processo de construção da sua
autonomia. A permanência do Diretor frustra o processo de capacitação de
todos os participantes (EP e Empresa dos Alunos) e pode ser um indicador da
insegurança do mesmo quanto à sua capacidade de capacitador ou quanto à
capacidade de autogestão do grupo social.

3 ESTUDO DE CASOS

3.1 A Ilha do Ferro e a Cooperativa dos Artesãos

(Um caso de Arte e Desenvolvimento Local)

3.1.1 Antecedentes

O Projeto desenvolvido no Município de Pão-de-Açúcar, Estado


de Alagoas, em 1998, originou-se da articulação da Presidência do Conselho do
Comunidade Solidária com a SUDENE e com o Programa Nacional de Geração
de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza - PRONAGER, em maio de 1998,
buscando potencializar recursos e esforços do poder público e da sociedade civil
na área da seca, aliando ações emergenciais do Programa de Combate aos

29
Efeitos da Estiagem no Nordeste do Brasil, com ações efetivas de geração de
trabalho e renda na perspectiva de transformação positiva da realidade sócio-
econômica, política, cultural e ambiental de comunidades empobrecidas, com
resultados sustentáveis.

Na elaboração da matriz de integração institucional, foi definido o


papel de cada instituição envolvida conforme especificação a seguir:

Programa Comunidade Solidária - utilizando seu poder de


articulação e mobilização da sociedade e dos poderes públicos; da então
SUDENE – disponibilizando recursos financeiros das ações emergenciais de
combate aos efeitos da seca, notadamente no que se refere à infraestrutura das
atividades produtivas estruturantes; e do PRONAGER – com a coordenação
técnica e metodológica, incluindo as ações de capacitação dos trabalhadores em
empresas associativas autogestionárias de produção de bens e serviços e de
outros tipos e da Prefeitura Municipal – com o apoio logístico ao
desenvolvimento das atividades.

Assim, o trabalho desenvolvido na Ilha do Ferro, povoado do


município de Pão-de-Açúcar - AL, ora apresentado, constitui-se em uma das 10
experiências realizadas no Nordeste, podendo vir a ser uma das referências
para a atuação do Governo e da sociedade civil no processo de convivência com
a seca e melhoria das condições de vida da população nordestina.

10
3.1.2 O município de Pão-de-Açúcar

Pão-de-Açúcar, município do sertão alagoano e semi-árido


nordestino, situa-se a 240km de Maceió – capital do Estado, faz parte da bacia

10
Diagnóstico elaborado durante a etapa de planejamento da operação e prospecção dos
Laboratórios Organizacionais.

30
do Rio São Francisco à oeste do Estado, tem como limites ao norte – os
municípios de São José da Tapera, Palestina e Jacaré dos Homens; a oeste o
de Piranhas; a leste o de Belo Monte e ao sul o rio São Francisco, o qual
margeia cerca de 45% do município.

Tem uma população de 23.386 habitantes, distribuídos em 67


comunidades, sendo 10.110 residentes na zona urbana e 13.276 na zona rural,
com 11.532 homens e 11.854 mulheres.

As belezas naturais e as potencialidades turísticas são grandes e


inexploradas economicamente. Além do rio São Francisco, com suas praias e
ilhas, possui um monumento de cimento armado – O Cristo Redentor, com
12.8m de altura, e 40 toneladas, construído por João Lisboa (artista local) –
erguido no morro que deu origem ao nome do município. Conta ainda com uma
escola de música e uma banda musical com tradição de mais de 50 anos. A
musicalidade do povo de Pão-de-Açúcar é uma das suas características
culturais.

Destacam-se, ainda, os sítios arqueológicos e fósseis de


paquidermes antidiluvianos.

A culinária típica da região baseia-se no pescado, camarão pitu,


carne de sol, galinha de capoeira, feijoada, buchada de caprinos. Entre os doces
destacam-se o de cabeça de frade, de leite, de mamão, de banana, de goiaba,
e a cocada. E ainda, iguarias como broa de goma, mungunzá, arroz doce, bolo
de milho, cuscuz, pamonha, macaxeira e umbuzada.

O artesanato é rica herança dos índios urumarys, acrescida da


cultura européia trazida pelos colonizadores e mais tarde por imigrantes
espanhóis. O maior centro de produção artesanal é o da Ilha do Ferro, situada
às margens do São Francisco, cujas tipologias são a renda, o bordado e os

31
trabalhos em madeira. Tendo destaque também em outras comunidades os
artigos de couro, de fibras vegetais e instrumentos de pesca.

A economia do município está baseada principalmente na


agropecuária, no comércio e em algumas poucas atividades semi-industriais. A
agricultura de subsistência produz o feijão, o milho e a mandioca, predominando
os pequenos produtores familiares, parceiros e assalariados. Na pecuária
destacam-se os rebanhos bovinos, caprinos, ovinos, suínos e aves, sendo mais
numerosos os dois primeiros. Destaca-se o extrativismo mineral ( pedra utilizada
na fabricação de paralelepípedos) e o animal – pesca de peixe e camarão. O
setor informal da economia é composto por vendedores, inclusive os
ambulantes, costureiras, artesãos e prestadores de serviços domésticos.

A renda gerada no município é do montante de R$ 5.066.800,00,


sendo 91.14% oriundos de Transferências Correntes, e somente 8.86%
advindas de tributos. Não dispõe de nenhuma agência bancária. Em função
disso, a população ao se deslocar para outros centros urbanos para receber
seus vencimentos, aposentadorias e pensões, gasta a maioria dos recursos fora
do município.

Com relação ao setor saúde, é referência regional pela qualidade


da oferta dos serviços, estando o SUS em fase de implantação. O índice de
mortalidade infantil é inferior ao da região Nordeste, com 30/1000 nascidos
vivos.

Com uma população em idade escolar de 5.206 pessoas, entre


07 a 14 anos, tem matriculados no ensino fundamental 5.500 alunos,
absorvendo crianças de outros municípios, e 400 alunos no 2o Grau. Cerca de
250 pessoas têm curso superior nas áreas de enfermagem, contabilidade,
pedagogia e informática. O índice de analfabetismo é significativo – 11.076

32
pessoas com mais de 5 anos de idade, o que corresponde a 51.05%11 da
população total. Está em desenvolvimento o Programa Alfabetização Solidária,
com um total de 556 pessoas matriculadas, sendo 181 da sede do município e
375 da zona rural.

Para a oferta de ações na área da educação, conta com 55


escolas - 07 estaduais, 46 municipais e 02 particulares, sendo 46 na zona rural e
09 na sede do município.

Quanto às organizações sociais, o município conta com 30


Associações Comunitárias, inclusive com 01 Federação de Associações,
Sindicato de Trabalhadores Rurais, Sindicato dos Trabalhadores da Educação,
Sindicato dos Proprietários Rurais, 01 Colônia de Pescadores, 01 Núcleo de
Desenvolvimento Comunitário, Maçonaria, Igreja Católica e Protestante,
Associação Amigos do Velho Chico (ONG que luta pela preservação do rio São
Francisco) e com ações da Visão Mundial.

Quanto à infraestrutura: a) meios de comunicação – dispõe de


telefonia fixa e celular, 02 emissoras de rádio e serviço de postagem de cartas e
encomendas; b) Meios de transporte – rodoviário (alternativo e ônibus) e fluvial
(lanchas, barcos, canoas e balsas); c) Abastecimento d’água: dispõe de adutora
que abastece a sede municipal e 08 comunidades rurais, além de outros 10
municípios vizinhos; d) Energia elétrica – mais de 80% das comunidades
dispõem de energia elétrica e 10% das comunidades rurais utilizam a energia
solar. O número de consumidores de energia é de 3.468 domicílios.

Apesar de estar situado às margens do rio São Francisco,


constata-se que os efeitos da estiagem são muito sentidos na região. Somente
neste município estavam inscritas nas frentes de serviços 1.300 pessoas, o que
indicava a necessidade imediata de ações para o desenvolvimento de

11
Dados da Prefeitura Municipal de Pão-de-Açúcar – 1998
33
atividades de geração de trabalho e renda, articuladas com as ações
emergenciais em execução.

3.1.2.1 A comunidade de Ilha do Ferro

4.1.3.1 Realidade encontrada (anterior à realização do Laboratório organizacional)

A Ilha do Ferro, comunidade onde foi realizado um Laboratório


Organizacional de Terreno, situa-se a 18 Km da sede do município, e nela
reside 143 famílias, que sobrevivem da agricultura de subsistência, pecuária,
pesca, artesanato, fabricação de telhas e tijolos e do comércio.

A comunidade ficou conhecida como Ilha do Ferro, em função de


em 1917, um navio moxotó ter afundado perto de uma Ilha do rio São Francisco,
que fica localizada em frente a este povoado, e sua carcaça de ferro está até
hoje soterrada no mesmo lugar. O acesso por terra é precário e quase toda a
população utiliza o transporte fluvial.

Dispõe de 01 grupo escolar, 04 escolas municipais – cada uma


com uma sala de aula - Capela, e de uma Associação Comunitária. Na época
não dispunha de coleta sistemática de lixo, existindo muito papel e plásticos
espalhados por toda a área urbana. Rebanhos bovinos ao serem recolhidos aos
currais, trafegavam pela rua principal do povoado, com calçamento, deixando
um lastro de dejetos. Nas margens do rio São Francisco existia um cercado
com porcos, contribuindo para a poluição ambiental, e para as precárias
condições de higiene local, uma vez que muitas mulheres lavavam os utensílios
domésticos e roupas próximas do local onde estava o “chiqueiro de porcos”,
além de ser um dos pontos utilizados pela população para o banho diário. Na
chegada à Ilha, em um dos caminhos utilizados pela população, nos deparamos
com dejetos humanos, indicador das precárias condições de saneamento
básico.

34
As casas, na sua maioria, eram de alvenaria e muitas sem
acabamento. Os banheiros eram construídos nos quintais. A comunidade dispõe
de energia elétrica , porém não de serviço de telefonia.

As mulheres produziam o bordado, denominado “boa noite” e


alguns homens confeccionavam pequenas peças de madeira – esculturas de
pássaros da fauna local e miniaturas de embarcações.

Quando realizamos a 1ª reunião com as artesãs na comunidade,


apenas 12 compareceram, bastante desestimuladas com a atividade artesanal,
em função de:

a) Outras ações já terem sido desenvolvidas pelos governos


federal e municipal no sentido de revitalização da atividade, e
segundo as mulheres não ter se revertido na melhoria da
qualidade de suas vidas . “Traziam os panos, as linhas, e depois
levavam as peças já feitas. Quando vendiam é que a gente
recebia o nosso ganho. E às vezes demorava muito para o
dinheiro chegar”.

b) Como a produção não era valorizada, não se esforçavam


para confeccionar o bordado, fazendo-o da forma mais simples
possível, caracterizando-o como de baixa qualidade. Aliando-se
a isso, ainda, a utilização de um tecido conhecido como “voal”
bastante fino e de poliéster, tudo isso concorrendo para a não
agregação de valor ao produto. Um lençinho era vendido por R$
1,00 (um real). Chegavam a explicitar “ com isso não vamos
conseguir melhorar a nossa vida. Não queremos que nossas
filhas tenham esse tipo de trabalho. O que ganhamos com isso
até agora foi gastar a nossa vista (olhos), já tem gente aqui
quase cega. E continuamos todas pobres”. A auto-estima dessas
mulheres era muito baixa.

35
c) A existência de atravessadores da própria comunidade e de
outras localidades que se apropriavam da maior parte dos lucros.

Os homens, quase na sua totalidade, desenvolviam a agricultura


de subsistência e a pesca. A agricultura em pequenos lotes de terra ( em torno
de ½ ha ), normalmente nas margens do rio e de forma individual. Reclamavam
das condições de trabalho, bastante precárias em termos de resultados. Diziam
que “ antes da construção da barragem de Xingó, que represou as águas do rio
São Francisco, nas épocas de cheias, as águas enchiam as nossas terras,
formando verdadeiras lagoas, e a gente plantava o arroz. Era tempos bons. Isso
tudo acabou. Até a pesca foi muito prejudicada”. Queriam que fossem
desenvolvidos projetos agrícolas, com recursos do governo, sem terem uma
visão clara quanto aos resultados a alcançar, em termos de viabilidade
econômica e financeira, e portanto auto-sustentáveis, reproduzindo as práticas
existentes.

Um aspecto, muito positivo é que, segundo os moradores, não


existia consumo de drogas e nem gravidez precoce. Os jovens ajudavam as
famílias nas atividades anteriormente citadas.

Diante das condições objetivas, em época de seca, uma das


alternativas era a participação nas frentes de serviços do governo federal. Na
época estavam cadastradas nesse programa 65 homens.

O cadastro sócio-econômico das 109 pessoas (moradores da


Ilha do Ferro) participantes do Laboratório Organizacional de Terreno realizado
pelo PRONAGER revelou que 54% eram homens. No que se refere a faixa
etária, a maior concentração era de 22 a 40 anos. Quanto a renda familiar, 88%
das famílias ganhavam até um salário mínimo, e somente 2% ganham mais de 2
salários mínimos. Quanto ao tamanho das famílias, 70% era composta por 05
membros.

36
3.1.3.2 O desenvolvimento do projeto

A operação no município de Pão-de-Açúcar foi a 1ª realizada do


Brasil considerando o método da capacitação massiva como eixo central de
metodologia de atuação do PRONAGER. Por se tratar de uma experiência
piloto, todas as etapas previstas foram executadas, conforme detalhamento a
seguir:

a) Articulação com o poder público local, para efetivação da parceria e


planejamento de uma reunião ampliada, realizada no município com a
participação de representantes do poder público e da sociedade civil
organizada;

b) realização da reunião acima mencionada, com representantes do


PRONAGER Nacional, PRONAGER-Alagoas (Módulo Estadual vinculado
à SUDENE), Prefeito e Secretários Municipais, Sindicatos, Comissão
Municipal de Combate aos Efeitos da Seca, Câmara de Vereadores,
Universidade Federal de Alagoas, Associações e lideranças comunitárias
e técnicos do município, objetivando: Apresentar o Programa, seus
objetivos, população-objetivo, metodologia, parcerias firmadas,
contrapartida municipal, e a importância do desenvolvimento local
integrado, como estratégia de combate à pobreza e para a geração de
trabalho e renda e melhoria da qualidade de vida de populações em
situação de vulnerabilidade social; Identificar, a partir da leitura dos
moradores, as potencialidades sócio-econômicas e vocações produtivas
do município, áreas prioritárias de atuação do Programa12, população-
objetivo, e que atividades econômicas deveriam ser apoiadas pelo
Programa;

12
Inicialmente, a comunidade de Ilha do Ferro não chegou a ser citada pelos participantes da reunião
ampliada realizada na sede do município. Porém como tínhamos conhecimento da sua tradição artesanal,
inclusive com possibilidades de extinção, na reunião anteriormente realizada com a Universidade Federal
de Alagoas – UFAL, instituição convidada para ser parceira do projeto, indagamos sobre a mesma e como
resultado da discussão, os participantes decidiram incluí-la entre as 07 localidades a ser visitadas.
37
c) apresentar as condições objetivas para a implementação do Programa no
município - Formação de Grupo de Trabalho composto por
representantes do poder público e da sociedade civil, para: visita às áreas
priorizadas, elaboração de diagnósticos participativos de cada uma delas,
de ficha técnica por atividade produtiva, buscando-se identificar as
potencialidades nas diversas áreas, suas limitações e como a população
pretendia superar essas dificuldades.

d) com base nos estudos e pesquisas acima citados, realizados no prazo de


12 dias, foram definidas as comunidades nas quais seriam realizados os
Laboratórios Organizacionais de Terreno e aprofundado o conhecimento
da realidade específica de cada uma delas, com vistas à integração das
mesmas numa perspectiva de desenvolvimento do município e da região.

e) Realização de 02 Laboratórios Organizacionais de Terreno, 01 na


Comunidade de Ilha do Ferro (cuja experiência será apresentada neste
documento) e outro na Comunidade de Machado, com atividades
produtivas previamente definidas conjuntamente com a população, cuja
essência enquanto método de capacitação massiva, foi descrita no
capítulo anterior.

Para a conclusão do Plano Técnico do Laboratório


Organizacional de Terreno (LOT) de Ilha do Ferro, realizamos uma reunião na
comunidade, com ampla mobilização dos moradores, para apresentação e
discussão das atividades produtivas que poderiam vir a ser desenvolvidas no
interior do LOT, o qual duraria 45 dias, as quais seriam:

a) Produção artesanal, nas tipologias de bordado e madeira, considerando a


potencialidade local e possibilidade de agregação de valor à essa
produção em função da tradição cultural e de serem únicos no Brasil.

38
Para isso deixou-se claro que não haveria interferência na
tradição local quanto aos desenhos criados pelas próprias artesãs. O que seria
realizado, caso concordassem, seria uma ação de resgate da produção, com
assessoria de consultores especializados, enfocando efetivamente a produção
de mercadoria mediante coleções que serão lançadas no mercado13,
trabalhando-se desde a concepção dos produtos, organização do trabalho até a
forma de apresentação aos consumidores, inclusive a embalagem que seria
confeccionada na própria comunidade;

b) Construção civil e Melhorias Urbanas na Ilha do Ferro cujos participantes


seriam os inscritos nas frentes de serviço do Programa de Combate aos
Efeitos da Seca, conforme acordo com o Programa Comunidade Solidária
e a então SUDENE, contribuindo para a melhoria da condições locais, e
recebimento de turistas e compradores diversos.

Isso possibilitou aos moradores desencadearem um processo de


construção de uma visão de futuro, percebendo a Ilha na sua totalidade,
inclusive definindo as obras que seriam realizadas, em função das prioridades
estabelecidas pelo conjunto dos participantes, através do voto em plenária

c) Elaboração de 01 plano de capacitação continuada – etapa Pós-LOT –


com vistas ao fortalecimento dos empreendimentos econômicos surgidos
do LOT.

Vale ressaltar, que todas as ações desenvolvidas na Ilha do


Ferro, foi fruto de discussão com a comunidade, com o cuidado de auscultá-la
para a identificação de seus anseios e aspirações, numa relação de
transparência e construção de conhecimento, aliando a vontade e determinação
da equipe técnica em contribuir para a reversão positiva da realidade
encontrada.

13
A partir de sondagem de mercado, realizada pelos consultores.
39
Essa postura franca e participativa, não colonialista sabendo
reconhecer que todos somos detentores de um saber e que os moradores da
Ilha do Ferro seriam os verdadeiros sujeitos da ação, fez com que, direta ou
indiretamente, todas as famílias do povoado se envolvessem com o Laboratório
Organizacional, “tomando-o nas mãos” e assumindo de forma autogestionária
todo o processo de desenvolvimento local construído com eles.

3.1.3.3 Os resultados alcançados

As ações desenvolvidas pelo Programa Nacional de Geração de


Trabalho e Renda em áreas de Pobreza – PRONAGER, em parceria com o
Instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro Mundo - IATTERMUND - cuja
metodologia constitui o eixo central da Metodologia da Atuação do PRONAGER,
e demais instituições parceiras, aliadas a efetiva participação da comunidade,
possibilitaram a consecução dos objetivos previstos, cujos resultados
apresentamos a seguir, ressaltando que as informações aqui contidas são fruto
das observações sistematizadas durante todo o processo e atualizadas
conforme dados fornecidos pela Cooperativa ART-ILHA:

a) Ao final do Laboratório Organizacional de Terreno de Ilha do Ferro, o qual


durou 45 dias, de trabalho intensivo e ininterrupto:

- Capacitação de 50 artesãos ( 44 bordadeiras e 06 escultores em


madeira) no aprimoramento e desenvolvimento das atividades
produtivas, organização dos processo de trabalho, custos,
comercialização e administração associativa autogestionária.
Somente durante o LOT, foram confeccionadas 129 peças de
bordado, além das peças em madeira;

- criação da Cooperativa de Artesãos da Ilha do Ferro – ART-ILHA


(nome escolhido pelas suas 31 sócias, e o desenvolvimento de
coleções de cama, mesa e banho com bordados – conjuntos de

40
tolhas de jantar, toalhas de chá, jogos de lençóis para adultos e
recém-nascidos, tolhas de bandejas, guardanapos e toalhas de
lavabo, sendo todas as peças produzidas de acordo com as
medidas- padrão internacionais. E ainda, a confecção de etiquetas
(em português e inglês) e de embalagens rústicas e artesanais de
papel, utilizando como fecho o palito de coqueiro abundante na
região, bem como a elaboração de Fichas Técnicas por Produto,
contendo a fotografia do mesmo, e informações específicas, tais
como: dimensão, matérias-primas utilizadas, cores, peso, e
capacidade de produção mensal e preço de venda.

- integração de ações de políticas públicas locais, na área da saúde,


com assistência médica/social, mediante a realização de consultas
médico-oftalmológicas para 30 artesãs e aquisição de óculos,
tendo sido priorizadas pelo grupo as sócias com maiores
problemas de visão;

- educação ambiental, no que se refere à preservação e


conservação do meio-ambiente e realização das atividades:
Limpeza pública e coleta seletiva de lixo, limpeza do ancoradouro,
limpeza das margens do rio com a retirada de chiqueiro de porcos
existente;

- melhorias urbanas, com a construção do parque de lazer integrado


às margens do rio São Francisco (área de esporte e lazer, praça
com arborização e sede da Cooperativa ART-ILHA, considerado
ponto de encontro e mirante da Ilha do Ferro), pintura em fachadas
de algumas casas, além da limpeza de outros pontos de acesso à
comunidade;

41
- limpeza e terraplanagem do terreno no qual será construída uma
Fábrica de Cerâmica (Olaria Comunitária), cujos recursos já estão
assegurados junto à Fundação Banco do Brasil.

- planejamento e realização da solenidade de encerramento do


Laboratório Organizacional, pela própria empresa, com a
exposição fotográfica da Ilha do Ferro (antes e ao final do evento
de capacitação) e exposição para venda de todos os produtos
confeccionados, tendo sido vendido, somente nessa ocasião, 40%
dos produtos.

- memória do laboratório organizacional elaborada, na qual consta


de forma sistematizada, todo o processo de planejamento e
desenvolvimento da ação - equipe técnica responsável,
diagnóstico participativo do Município de Pão-de-Açúcar e da Ilha
do Ferro, relação de participantes, matriz de integração
institucional, planos de cursos realizados, crônicas diárias
(relatórios diários sobre o desenvolvimento e avaliação da ação de
forma crítica para os ajustes imediatos, tendo como foco principal a
avaliação do processo de construção e apropriação do
conhecimento referente à autonomia local e auto-gestão dos
empreendimentos econômicos, tendo como indicador o
desenvolvimento da própria empresa), planos de trabalhos e
informe e balanços críticos elaborados pela “Empresa dos Alunos”
discutidos e aprovados em Assembléias Gerais semanais,
inventário físico-financeiro da empresa, e Plano de Trabalho da
empresa, para a etapa denominada Pós-LOT.

b) Na etapa Pós-Laboratório Organizacional (Pós-LOT)

- Realização de 01 oficina de gestão, após 12 meses de realização


do Laboratório Organizacional, na qual participaram as 31 sócias

42
da empresa, onde foi discutida a situação atual da ART-ILHA, seus
avanços e limitações, e construída a proposta de reestruturação da
empresa;

- elaboração do ”Projeto Fortalecimento da Cooperativa ART-ILHA,“


conjuntamente com todas as sócias, o qual foi financiado com
recursos do Programa Comunidade Solidária, constando de
melhoria das instalações físicas, aquisição de móveis, matérias-
primas e material de divulgação;

- participação da ART-ILHA em feiras do Setor na Argentina e no


Brasil em São Paulo, Rio de Janeiro e Alagoas (Maceió e
Arapiraca);

- Assistência técnica, quanto aos aspectos de custos e formação de


preços, inclusive com a realização de um curso pelo SEBRAE –
AL.

- Implantação de 01 Projeto de Agricultura Orgânica, financiado pela


Visão Mundial, que vislumbrou na organização da comunidade o
principal pré-requisito para o desenvolvimento da atividade
produtiva.

4.1.3.4 Situação atual

A Comunidade de Ilha do Ferro, hoje, é motivo de orgulho para


os moradores do município de Pão-de-Açúcar, pois a ART-ILHA tornou-se o
principal ícone do Município. Já foi motivo de diversas matérias veiculadas em
jornais, revistas de circulação nacional, bem como em material de divulgação do
Programa Comunidade Solidária, como experiência exitosa. Em função disso,
constantemente recebe visitas de pessoas do próprio município, de outros
Estados e do exterior. Algumas pessoas da sede do município chegam a falar:
“Pão-de-Açúcar hoje é conhecida no Brasil e exterior graças à Ilha do Ferro “.

43
A Cooperativa ART-ILHA conta atualmente com 42 sócias, o que
representa uma ampliação no seu quadro de sócias da ordem de 35.4%. Dispõe
de 01 sede com salão de reuniões e produção, cantina, 02 banheiros,
almoxarifado e de móveis e equipamentos básicos. Somente no final de 2001 é
que adquiriu 01 telefone/fax, pois na Ilha do Ferro não existia nem telefonia
celular rural. O que tem contribuído para uma melhor e mais ágil a comunicação
com o mercado.

A empresa está com a sua capacidade de produção, quase que


esgotada. Produz no momento 209 peças/mês, principalmente sob encomenda,
as quais são vendidas para Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Goiás, Pernambuco, Fortaleza, Alagoas, Itália (Milão) e Estados Unidos (Nova
York), tendo recebido a poucos dias uma proposta dos Estados Unidos
referente a uma compra mensal no valor de 4.000 a 5.000 dólares. Existe a
perspectiva de que outras sócias sejam recrutadas para que possam dar
atendimento às encomendas.

Além dos produtos de cama, mesa e banho, a Cooperativa


introduziu um novo produto – cortes de tecidos bordados para confecção de
vestuário feminino: vestidos, calças, ou saias, cuja procura vem aumentando
progressivamente.

A retirada referente à mão-de-obra é feita logo após a venda do


produto e a Cooperativa está sempre em dia com a sua folha de pagamento da
retirada, segundo as artesãs: “A Cooperativa é importante para nós, porque
antigamente a gente vendia 01 pano por R$1,00 (se refere a um lençinho) e hoje
com a Cooperativa somente a mão-de-obra de 01 pano custa R$ 12,00.
Melhorou muito para nós”.

Quanto ao Projeto de agricultura Orgânica, atualmente são 13ha,


trabalhados da seguinte forma: No coletivo (semeadura e comercialização) e por

44
unidade familiar (tratos culturais e colheita). A comunidade entende que o
Laboratório Organizacional foi o ponto de partida para a mudança qualitativa e
comportamental dos agricultores.

Segundo o Programa Comunidade Solidária, instituição parceira


do projeto - “...além da recuperação e valorização do artesanato, percebe-se
que as ações na Ilha do Ferro transformaram a relação dos moradores com o
meio ambiente, desenvolveram a auto-estima da comunidade e construíram as
bases para a auto-sustentabilidade econômica da população”. (Revista
Artesanato e Geração de Renda – Comunidade Solidária, SEBRAE e SUDENE
– Brasília, Ano 2000).

E, ainda, o Conselho do Comunidade Solidária ” a geração de


renda associada ao revigoramento das tradições populares brasileiras tem
grande potencial para mobilizar a sociedade , o comércio, a indústria e a mídia
para, em seus distintos “fazeres”, incorporarem o tema Brasil e colaborarem com
essa proposta de valorização da expressão cultural para o desenvolvimento
econômico e social do país”. (Ruth Cardoso – Presidente do Conselho do
Comunidade Solidária).

3.2 A Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX


(Uma experiência de sucesso)

3.2.1 Antecedentes

A idéia do “Projeto de Revitalização da Cooperativa dos


Trabalhadores MULTI-TEX” surgiu a partir de uma apresentação no “Programa
Comunidade Solidária” sobre a Metodologia da Capacitação Massiva, realizada
pelo PROGER (SEPRE/MPO), hoje Programa Nacional de Geração de
Trabalho e Renda em Áreas de Pobreza – PRONAGER14, quando o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES conheceu as ações
desenvolvidas pelo PRONAGER para a organização de comunidades,
14
Programa executado pelo governo brasileiro em Acordo de Cooperação Técnica com a Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO, em parceria com o IATTERMUND.
45
objetivando dotá-las de condições para a implantação de empresas associativas
autogestionárias.

Assim, o BNDES através da Coordenação da Área de


Autogestão, iniciou as negociações com o PRONAGER com vistas à realização
de 01 Laboratório Organizacional de Empresa – LOE na MULTI-TEX, evento de
capacitação integrante da Metodologia da Capacitação Massiva dos
Laboratórios Organizacionais, do IATTERMUND, em atendimento à demanda
da Secretaria de Desenvolvimento Econômico – SDE da Prefeitura Municipal de
São José dos Campos junto ao BNDES, quanto ao apoio creditício à
Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX.

A parceria então delineada, se adequava perfeitamente às


preocupações do BNDES, que entendia ser necessária uma capacitação prévia
em gestão empresarial associativa, em face da experiência profissional dos
sócios da Cooperativa ser na área operacional, estabelecendo-se então as
condições necessárias para a realização do referido Laboratório Organizacional,
condição imprescindível à viabilização do financiamento pelo BNDES.

Para realização do LOE, diversas instituições foram articuladas,


resultando em um plano de ação e a efetivação de parcerias, tais como:

- PRONAGER-Nacional: levantamento de informações sobre a


empresa, possibilidades e limitações e realização do Estudo de
Viabilidade Econômica e Financeira da Empresa, tendo como base a
pesquisa de mercado, bem como disponibilização de 02 consultores,
do IATTERMUND, assegurando o pagamento de honorários e diárias;

- Governo do Estado de São Paulo, através da Módulo Estadual do


PRONAGER -São Paulo, vinculado à Secretaria do Emprego e
Relações do Trabalho – SERT: cessão de insumos básicos

46
(matérias-primas) e disponibilização de 01 técnico para integrar a
equipe de consultores, com ônus para o próprio Estado;

- BNDES: assegurar o financiamento do Projeto da MULTI-TEX, ao final


da capacitação, mediante a realização do Laboratório Organizacional.

- Prefeitura Municipal de São José dos Campos: apoio logístico para


o desenvolvimento das atividades.

Esperava-se que com o desenvolvimento do LOE, fossem


alcançados os seguintes resultados:

• Resgate da auto-estima dos trabalhadores;

• aceleração no nível de consciência organizativa dos participantes,


pressuposto para a qualidade das tomadas de decisões e gestão da
empresa, durante o processo de capacitação;

• capacitação em autogestão empresarial, abordando a organização dos


processos de trabalho desde o planejamento estratégico, produção,
comercialização, custos e formação de preços, dentre outros conteúdos;

• máquinas e equipamentos testados e em fase de pré-operação;

• reestruturação organizacional da Cooperativa (Análise e ajustes do


Estatuto, Regimento interno, elaboração de organograma, tributação,
definição de equipes de trabalho por setor, fluxos de matérias-primas e
mercadorias, planos de trabalho e de retirada mensal);

• planejamento das ações de monitoramento e acompanhamento à


Cooperativa numa perspectiva de capacitação continuada.

47
3.2.2 A cooperativa dos trabalhadores MULTI- TEX (situação encontrada)

A Cooperativa dos trabalhadores MULTI – TEX tem como


atividade produtiva a prestação de serviços industriais (tinturaria industrial) ao
setor têxtil. Foi criada, em Julho de 1996 com 32 sócios, mediante o apoio da
Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e
Participação Acionária – ANTEAG.

Eram trabalhadores desempregados em função da falência da


empresa em que trabalhavam – PRÓCION – cuja atividade era prestação de
serviços industriais também ao setor têxtil. Essas 32 pessoas, buscando
solucionar as questões trabalhistas, articularam com os Sindicatos dos
Trabalhadores da Indústria Têxtil e o dos Mestres e Contra-Mestres do
Município de São José dos Campos, que encamparam a luta pela posse de
equipamentos e cessão, através de comodato, de instalações físicas (01 galpão)
como pagamento das dívidas trabalhistas. Assim, poderiam dispor de um quite
industrial de uma das suas unidades operacionais que possibilitasse a geração
de seus postos de trabalho.

Paralisada até fevereiro de 1998, um ano e meio depois da sua


constituição, principalmente por falta de capital de giro, e com os seus sócios em
péssimas condições de vida, demandaram junto a Prefeitura Municipal de São
José dos Campos – SP o acesso ao crédito através do BNDES, o qual exigiu,
como condição para a aprovação e liberação dos recursos financeiros constante
do seu Plano de Negócio, uma capacitação específica em Autogestão
Empresarial a ser realizada pelo PRONAGER Nacional.

Quanto ao perfil sócio-econômico dos trabalhadores, os dados


coletados revelaram o seguinte:

48
Variáveis Valor absoluto Percentual
Gênero:
- Masculino 30 93.7
- Feminino 02 6.3

Idade:
- Até 25 anos 03 9.4
- de 26 a 35 anos 10 31.3
- de 36 a 45 anos 11 34.4
- acima de 45 anos 08 25

Estado Civil:
- Casado 24 73.9
- Solteiro 5 16.1
- outros 3 10
Escolaridade:
- Sem escolaridade 3 8.6
o
- 1 Grau incompleto 26 82
- 1o Grau completo 1 4
- 2o Grau incompleto - -
- 2o Grau completo 2 4.5
Quantidade de Filhos:
- Não tem 5 17.4
- de 01 a 02 14 43.5
- 03 ou mais 13 39.1

Trabalho atual:
- Tem15 10 30.5
- não tem 22 69.5

15
Esses sócios buscaram trabalho fora da Cooperativa, uma vez que a mesma não havia entrado em
operação.
49
Renda Familiar:
- Não tem 10 30.5
- até R$ 200,00 3 8.7
- de R$ 201,00 a R$ 1 4.3
350,00 18 56
- > que R$ 351,00

Como pode ser visto, a faixa etária predominante situava-se


acima de 36 anos, o equivalente a (59.5%), e destes 8 estão com mais de 45
anos. 22 estão desempregados, o correspondente a 69.5% e 10 sócios não
dispõe de nenhuma renda familiar (30.5%) e o que torna a situação bastante
precária. 30 tem até o 1o grau, o equivalente a 94.6%.

Considerando a realidade brasileira no que se refere às


exigências do mercado de trabalho, quanto ao perfil requerido ao trabalhador,
sobretudo em tempos de globalização, os dados acima demonstram a
fragilidade desses trabalhadores, frente a oferta de trabalho existente no Brasil.
A determinação dos mesmos em juntar forças no sentido de criarem a sua
própria empresa, é por demais importante, e com certeza poderá servir de efeito
demonstração para outros trabalhadores brasileiros que se encontrem em
situação similar.

O contexto no qual foi criada a Cooperativa MULTI-TEX não


possibilitou que houvesse uma discussão mais aprofundada sobre o que é uma
Cooperativa e seu funcionamento, pois apenas 02 sócios diziam saber o que é
uma Cooperativa e outros 02 o que é o seu Estatuto Social. Em autogestão
ninguém ainda tinha ouvido falar.
Tinha sido criada uma cooperativa nos moldes tradicionais,
contrariando os princípios de uma empresa que se propõe a ser autogestionária.

50
Essa é a realidade do Cooperativismo brasileiro. Normalmente
existe um pequeno número de associados que consideram-se “iluminados”,
trazendo para si a responsabilidade pela gestão da empresa, fortalecendo uma
estrutura de poder verticalizada, onde “uns mandam outros obedecem”, ou seja,
uns pensam, outros executam. Inibindo a participação e impossibilitando o
conhecimento do empreendimento enquanto sistema, e a apropriação da
mesma pelo conjunto dos participantes, para que pudesse existir o sentimento
de pertinência à empresa.

Isso reflete o modelo de qualificação profissional até então


implantado no país, que tinha na sua essência o adestramento de trabalhadores,
dissociando o pensar do fazer, não atentando para a importância da construção
da autonomia individual e coletiva.

Assim, os seus sócios, pela experiência profissional, estavam


preparados como operários e para atuarem na área operacional, mas não para a
gestão da empresa associativa, respeitando os princípios da autogestão.

3.2.3 O desenvolvimento do laboratório organizacional de empresa – LOE

Diante do contexto anteriormente mencionado, o LOE seria a


oportunidade ímpar para a transformação do comportamento ideológico dos
participantes, desde que respeitados os pré-requisitos16 à realização do
Laboratório Organizacional, necessários ao desencadeamento da autogestão.

Desde o início deixou-se claro que o papel dos consultores seria


o de ”facilitador” desse processo e que a responsabilidade do sucesso ou não
da Cooperativa MULTI-TEX seria exclusivamente do seu conjunto de
associados. Pois, após o término do Laboratório Organizacional, a empresa
deveria estar reestruturada e preparada, de acordo com as expectativas e
capacidade de todos, quanto aos processos de gestão e operacional, para o
16
Ver sobre a Metodologia da Capacitação Massiva.

51
enfrentamento do mercado com competência e competitividade, e para garantir
postos de trabalho para todos os seus sócios.

Assim, de acordo com a Metodologia da Capacitação Massiva,


todos os insumos indivisíveis foram colocados à disposição dos participantes,
para vivenciarem uma experiência concreta de autogestão, administrando todos
os meios de produção, repensando e construindo a empresa que todos queriam.
Pois organização não se ensina, se constrói a partir de uma vivência concreta,
enfrentando os conflitos inerentes ao processo, numa relação dialética entre
sujeito e objeto fundamentada na prática-teoria-prática, possibilitando a
construção e apropriação do conhecimento pelos participantes quanto à
organização e funcionamento da empresa. Nesse sentido, as entregas teóricas
foram realizadas sempre após a prática e em atendimento a uma necessidade
gerada pelo objeto, ou seja a empresa, de acordo com a didática da capacitação
utilizada no Laboratório Organizacional.

Nesse sentido, o processo de capacitação constituiu-se num


esforço conjunto – cooperados e consultores, na construção do novo modelo de
gestão embasado na participação coletiva, onde as decisões foram tomadas a
partir das discussões em grupo e aprovação em plenária.

3.2.4 - Resultados alcançados

a) Ao final do LOE:

- Capacitação em auto-gestão empresarial, ênfase nas áreas


mencionadas, nos resultados a serem alcançados;

- empresa reestruturada e com a capacidade de funcionamento.


Somente na fase pré-operacional foram processados e vendidos
800 Kg de produto, estimando-se para o mês seguinte (março-
1998), a marca de 5 toneladas;

52
- implantados os controles financeiros básicos, os controles
operacionais e ordens de produção;

- realizada uma Assembléia Geral Extraordinária para aprovação


dos ajustes no Estatuto Social da Empresa;

- articulação com o mercado pela própria empresa, durante o


desenvolvimento do Laboratório Organizacional;

- auto-estima dos trabalhadores resgatada e determinação em lutar


pelo fortalecimento da empresa e melhoria permanente dos seus
processos operacionais e de gestão;

- planejamento das ações de monitoramento e acompanhamento da


empresa, durante os 09 meses seguintes, com avaliações e
entregas teóricas específicas.

Vale ressaltar que somente após 06 meses da realização do


LOE, o BNDES liberou a 1a parcela do financiamento no valor de R$ 68.000,00.
Durante esse período, os trabalhadores unidos decidiram investir na formação
do capital de giro da empresa, a partir dos resultados financeiros oriundos das
operações iniciadas no Laboratório Organizacional. Assim, no 1o mês
subseqüente ao evento de capacitação, decidiram por uma retirada no valor de
R$ 50,00. Isso demonstrou o espírito associativo, e o compromisso e a
determinação em lutar pela empresa e por melhores condições de vida.

E ao final deste período a MULTI-TEX já estava inserida no


mercado. Foram tingidos nesse período 109 ton. de tecidos, com um
faturamento bruto de R$ 138.313,00. E cada sócio já contava com uma retirada
mensal no valor de R$ 250,00.

53
3.2.5 A cooperativa dos trabalhadores MULTI-TEX (situação atual)

Decorridos 4 anos, a MULTI-TEX atualmente conta com 29


trabalhadores, sendo 26 sócios e 03 prestadores de serviços.

Do Plano de Negócio, aprovado pelo BNDES, no valor de R$


228.700,00 (março/1998), somente foram repassados à empresa, por decisão
dos cooperados, o montante de R$ 93.000,00, em duas parcelas, a 1a no valor
de R$ 68.000,00 e a 2a no valor de 25.000,00.

A MULTI-TEX conta com um patrimônio imobilizado no valor de


R$ 350.000,00. Já adquiriu com recursos próprios, 01 caminhão, 01 camioneta
Fiorino, 02 máquinas “Calandras” e 01 Jet HT para o tingimento de poliéster e
tecidos finos.

A produção média mensal é de 70 toneladas, o equivalente a


87.5 da sua capacidade total de produção.

O faturamento médio mensal é da ordem de R$ 95.000,00, e


estão se preparando para adquirir a sua própria sede. A menor retirada mensal é
no valor de R$ 450,00.

No momento, pretendem diversificar a produção, passando


também a tecer a malha que é tingida para os clientes, mesmo continuando
como principal ramo de atividade econômica a tinturaria.

Conscientes da importância da preservação e conservação do


meio ambiente, considerando os poluentes que utilizam na produção, ampliaram
o tanque receptor da água usada no processamento, para que a mesma receba
o tratamento adequado. Para realização desse serviço a MULTI-TEX conta em
seus quadros com 01 engenheiro químico contratado.

54
No que se refere à prevenção de acidentes, conta com uma
Comissão (CIPA), em atendimento à exigência da própria legislação industrial e
todos os trabalhadores executam suas atividades utilizando os instrumentos
necessários à prevenção de acidentes.

CONCLUSÃO

Os resultados constatados ao final dos Laboratórios


Organizacionais de Ilha do Ferro, e da Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-
TEX, e que estão sendo otimizados a cada dia, mostram que a organização
fundamentada na autogestão é o principal “insumo” para o desenvolvimento
econômico e social de qualquer grupo social e/ ou comunidade, desde que
gestada de forma participativa e com base nos princípios da autogestão. Tendo
como principais protagonistas e sujeitos da ação os participantes,
compreendendo desde a concepção até a sua implementação. Quando a
população participante é tratada como objeto da ação, tende a não identificar-se
com a proposta, reduzindo sua sustentação política e aumentando o risco de
que não sejam sustentáveis, contribuindo para a perpetuação do estigma de
exclusão social.

Assim, a Metodologia da Capacitação Massiva, de acordo com


seus princípios e pressupostos metodológicos e suas características, integra na
prática a economia local com a sociologia e a psicologia social formando

55
capacidades. Gera capacidade de auto-organização solidária, componente
básico do capital social, considerado pelo Banco Mundial como elemento
estratégico para o desenvolvimento - ponto de partida para o desenvolvimento e
fortalecimento da coesão em nível local, que resultem em proveito da
coletividade. Entendendo-se que capital social se forma na prática social
cotidiana.

Isso é o diferencial e explica o porquê das grandes disparidades


entre países e regiões quanto ao desempenho institucional e quanto ao nível de
desenvolvimento de suas forças produtivas. Como também o porquê de projetos
sociais terem resultados positivos em determinadas comunidades e em outras
não. Pois o maior investimento tem que ser feito no homem, para que tenha a
capacidade de pensar, planejar (visão de futuro) e definir de forma autônoma,
solidária e com responsabilidade social, o que e como fazer. Isso foi o que foi
possibilitado aos moradores da Ilha do Ferro e aos trabalhadores da MULTI-
TEX.

Infelizmente, ainda não foi realizada uma pesquisa qualitativa


com cada grupo social participante desses Laboratórios Organizacionais. Seu
resultado certamente confirmariam a situação atual de cada uma das empresas
aqui apresentadas e possibilitaria que outros aspectos que julgo importante
fossem abordados, neste trabalho.

Mesmo assim, espero ter dado uma contribuição ao debate sobre


alternativas de enfrentamento do processo de exclusão social, bem como
fomentar que outros pesquisadores possam também contribuir com relação ao
tema e às experiências apresentadas.

56
ANEXOS

57
FOTOS da ILHA DO FERRO/Município de Pão-de-Açúcar-Alagoas
Antes, durante e depois da realização do Laboratório Organizacional de
Terreno

58
59
FOTOS DO LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE EMPRESA
Empresa dos Trabalhadores MULTI-TEX
São José do Campos – São Paulo

60
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Nacional e de Desenvolvimento Regional. Publicação do Ministério da
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Endereços das empresas pesquisadas:

Cooperativa dos Artesãos da Ilha do Ferro – ART-ILHA


Ilha do Ferro – Pão-de-Açúcar-AL
57.400-000 – Pão-de-Açúcar – AL
Telefax: (0xx) 82 – 6248013

Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX


Estrada Principal do Bom Retiro, 1307 – Bom Retiro
CEP.: 12 220-820 – São José dos Campos/SP
Fone: (0xx12) 39071217

63

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