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SÃO PAULO
2021
DANIEL FASANELLA BRITO DA CUNHA
São Paulo
2021
DANIEL FASANELLA BRITO DA CUNHA
Data de Aprovação
_____/_____/_____
Banca Examinadora:
_________________________
Dedico
Ao Prof. Dr. Antônio Brito da Cunha, meu avô. Mesmo sem nunca ter
tido a oportunidade de estar com ele em uma sala de aula foi,
certamente, o maior professor que tive.
7
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RESUMO
Dentro de poucos anos o Brasil terá a maior população carcerária do mundo. Este título mundial
é, certamente, incômodo sob vários aspectos e consequência de uma política de encarceramento
em massa que resume os centros de detenção a um estoque de pessoas indesejadas que convém
à sociedade esquecer que existem. Só que, em algum momento, as penas são cumpridas e os
internos têm sua liberdade, e é a partir disso que um indivíduo, antes invisível, precisa se
reintegrar à sociedade, sendo o primeiro passo para isso a entrada no mercado de trabalho.
Por outro lado, nota-se um movimento de empresas que vem aprofundando seu trabalho com
marketing de causas, adotando uma postura ativista, voltada para a sociedade, e encontram na
nova dinâmica da relação entre consumidor e marcas, além da midiatização, um ambiente, na
maioria das vezes, favorável. Destas, uma parcela que adota como causa a inclusão de minorias,
como a Ben & Jerry’s, busca no trabalho com essas causas um ponto de conexão com seus
consumidores na tentativa de aliar impacto positivo e benefício para sua marca e seus negócios.
Este trabalho tem como objetivo identificar como se dá o envolvimento dos consumidores com
o trabalho de causas e ativismo da empresa B&J, cujo referencial explorou conceitos de
marketing de causas, ativismo e acontecimentos recentes estudados sobre a ótica da teoria das
representações sociais. Além da coleta das informações e entrevista exploratória com o
executivo da empresa, foram aplicadas duas fases de pesquisa abrangendo método survey, com
96 respondentes, e entrevistas com 10 consumidores da marca. A relevância desse estudo está
na identificação de perfis de consumidores e seu comportamento de consumo junto à marca,
bem como seu envolvimento e identificação com o trabalho de inclusão de egressos do sistema
prisional que é realizada. Adicionalmente, nos resultados, é proposto um diálogo junto às
empresas que já atuam desta forma ou pretendem assumir uma postura ativista, algo que é, de
acordo com os achados da pesquisa, extremamente esperado pelos consumidores.
ABSTRACT
Within a few years, Brazil will have the largest prison population in the world. This world title
is, of course, uncomfortable in several respects and is a consequence of a policy of mass
incarceration that reduces detention centers to a stock of unwanted people that society should
forget that they exist. But, at some point, the sentences are served and the inmates have their
freedom, and it is from this that an individual, previously invisible, needs to reintegrate into
society, the first step being to enter the labor market.
On the other hand, there is a movement of companies that have been deepening their work with
cause marketing, adopting an activist posture, focused on society, and finding in the new
dynamics of the relationship between consumers and brands, in addition to mediatization, an
environment, most of the time, favorable. Of these, a portion that adopts the inclusion of
minorities as a cause, such as Ben & Jerry's, seeks, in working with these causes, a connection
point with their consumers in an attempt to combine positive impact and benefit for their brand
and their business.
This work aims to identify how consumers are involved in the work of causes and activism of
the company B&J, whose framework explored concepts of cause marketing, activism and recent
events studied from the perspective of social representations theory. In addition to collecting
information and an exploratory interview with the company's executive, two phases of research
were applied, including a survey method, with 96 respondents, and interviews with 10
consumers of the brand. The relevance of this study lies in the identification of consumer
profiles and their consumption behavior with the brand, as well as their involvement and
identification with the work of inclusion of ex-prisoners that is carried out. Additionally, in the
results, a dialogue with companies that already act in this way or intend to assume an activist
posture is proposed, something that is, according to the research findings, extremely expected
by consumers.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Quantidade de artigos, dissertações e livros que mencionam o termo pesquisado
e “inclusão”......................................................................................................................21
Tabela 2 – Fases para composição da amostra.................................................................59
Tabela 3 – Perfil dos entrevistados...................................................................................65
Tabela 4 – Roteiro da entrevista.......................................................................................66
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LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................15
1.2 Problema de pesquisa.................................................................................................19
1.3 Objetivo central........................................................................................................ .19
1.4 Objetivos secundários.................................................................................................19
1.5 Lacuna de pesquisa.....................................................................................................19
1.6 Justificativa cientifica e acadêmica............................................................................21
1.7 Estrutura do trabalho..................................................................................................22
2. REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................22
2.1 O sistema prisional no Brasil......................................................................................23
2.2 Dois casos recentes: Xuxa e Suzy..............................................................................26
2.3 Inclusão de egressos do sistema prisional - Projeto Regresso....................................31
2.3.1 O Projeto Regresso..................................................................................................32
2.3.2 Principais aprendizados do Projeto..........................................................................33
2.4 Do Marketing de Causas ao Ativismo........................................................................36
2.5 A Ben & Jerry’s e o histórico de trabalho com causas e ativismo..............................45
2.5.1 A B&J e a experiência de inclusão de egressos do sistema prisional nos EUA......47
2.5.2 A parceria entre a B&J e a Greystone Bakery.........................................................48
2.6 A Ben & Jerry's no Brasil...........................................................................................51
2.6.1 Comércio justo.........................................................................................................52
2.6.2 Igualdade no casamento...........................................................................................53
2.6.3 Justiça climática.......................................................................................................54
3. METODOLOGIA DE PESQUISA........................................................................56
3.1 Abordagem metodológica...........................................................................................56
3.2 Amostra técnica de coleta...........................................................................................58
3.3 Procedimentos de análises de dados...........................................................................67
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................68
4.1 O comportamento de consumo junto à marca e atributos do produto........................70
4.2 A Responsabilidade Social, Causas e Ativismo.........................................................71
4.3 A B&J e o trabalho de inclusão junto aos egressos do sistema prisional...................75
5. CONCLUSÃO.........................................................................................................77
REFERÊNCIAS..................................................................................................................81
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1.1 INTRODUÇÃO
cumpriam suas penas. Eram, portanto, invisíveis. Os outros dos outros (Kilomba, 2012) – dos
outros.
Assumindo esta perspectiva, independentemente da situação do Sistema Prisional
Brasileiro ser precária, ele não é, em geral, encarado como um problema pelo restante da
sociedade, mas sim como solução, a partir do momento que os presídios são entendidos como
um depósito de indivíduos indesejáveis (Simon, 2007), uma consequência da questionável
política de encarceramento desempenhada pelo estado.
Mas a população carcerária é crescente e a quantidade de egressos do sistema prisional
tende a aumentar drasticamente, com potencial para gerar um impacto social com proporções
cada vez maiores – e mais difícil de ser varrido para baixo do tapete.
São, sobretudo, sobreviventes de um sistema insalubre, que conviveram com péssimas
condições de higiene, desrespeito, dominação de facções, superlotação, rebeliões e violência de
todas as naturezas, e acabam se dando conta de que seus maiores desafios não se encerram com
o cumprimento da pena e saída do sistema prisional. Se muitos ingressaram na condição de
presidiário por já estarem à margem da sociedade, esse isolamento acaba não se comparando a
quando saem da prisão, pois tornaram-se indivíduos ainda mais indesejados.
Por fim, a ausência de palavras à mesa tem a ver com o choque da descoberta e da
visibilidade.
É o momento que se descobriu que o ex-presidiário existe e está entre nós, sociedade.
Mais que isso, que ele foi empregado pela Ben & Jerry´s, praticante do marketing de causas
sociais (Mason, 2002), e trabalhou na produção do sorvete (caro) que acabou de ser degustado
– e que, sob a perspectiva deles, de forma contraditória, após o conhecimento sobre quem
participou da produção, estava com excelente sabor.
Encerrado o almoço, é certo que em alguma hora esse silêncio será quebrado.
Quais serão as reflexões que a visibilidade do tema irá fomentar entre essas pessoas?
Entenderiam a atuação como um diferencial, pela empresa se posicionar em um caso tão
complexo (Oliveira, 2017)? Continuariam gostando do sorvete? Voltariam a consumir Ben &
Jerry´s? Ao menos outro sabor que não possua cookies, que é o produto produzido pelos ex-
presidiários? Se manifestariam contrariamente à marca a partir deste momento?
Já existe um razoável conhecimento publicado sobre como o consumidor percebe e qual
seu comportamento de consumo junto às empresas acusadas de empregar trabalho escravo,
maltratar animais, prejudicar o meio ambiente ou cometer qualquer outro dano entendido como
não condizente com os padrões da sociedade atual. Empresas como Nike, Zara, Benneton e
18
Carrefour1, esta última mais recentemente no Brasil, já sentiram na pele o impacto das pessoas,
em nossos dias potencializado pelas redes sociais.
Da mesma forma, existe um considerável volume de estudos sobre como o consumidor
percebe e consome produtos ou serviços de empresas que defendem causas, partindo
usualmente de perspectivas positivas, como sustentabilidade ou causa animal, como a Natura e
a Reserva.
Agora, como o consumidor percebe e qual é o seu comportamento junto a uma empresa
que abraça causas que podem não ser bem aceitas pela sociedade em seu trabalho de marketing
de causas sociais e ativismo?
Você compraria um sorvete produzido por uma empresa que utilizou um trabalhador em
situação de escravidão no processo de fabricação?
Você compraria um sorvete produzido por uma empresa que contratou para o processo
de fabricação um excluído, que antes não tinha oportunidade de trabalho?
E se este trabalhador for um condenado por estupro?
1
O Carrefour acumula acontecimentos polêmicos, especialmente a partir de 2018, quando um cachorro foi
espancado até a morte por seguranças de uma loja da rede. Em 2020, após um cliente falecer dentro da loja, o
indivíduo teve seu corpo coberto e a mesma seguiu funcionando normalmente.
https://economia.ig.com.br/2020-08-21/com-varias-polemicas-matriz-do-carrefour-diz-que-cadaver-em-loja-e-
caso-isolado.html
19
Esse trabalho tem por objetivo central identificar qual é a percepção dos consumidores da Ben
& Jerry’s sobre seu programa de inclusão de egressos do sistema prisional na fabricação de seus
sorvetes.
Esta dissertação procura apresentar como tema um público raramente abordado nas
produções acadêmicas verificadas, conforme veremos a seguir.
Entretanto, antes aprofundar neste público, composto pelos egressos do sistema prisional
e o espaço que o mesmo representa dentro da sociedade como um todo, é importante analisar o
conceito sociológico de “minorias”, um tema que vem sendo bastante discutido, e os diversos
públicos que a compõem.
De início é importante destacar que minoria, em sentido sociológico, não faz referência
necessariamente à quantidade numérica de um determinado grupo em uma sociedade, mas
sobre grupos com pouco poder político e simbólico, afastados do que podemos chamar de
visibilidade. Para estes públicos, o mesmo ocorre com empregabilidade, comunicação e
consumo quando falamos das empresas.
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Tabela 1 - Quantidade de artigos, dissertações e livros que mencionam o termo pesquisado e "inclusão"
Termo pesquisado 2014 2015 2016 2017 2018 2019 20202 Total
Mulheres 415 566 663 680 658 381 396 3.759
Pobres 176 195 287 281 250 117 15 1.321
Negros 69 88 167 165 132 94 87 802
Minorias 56 92 169 170 113 31 10 641
Homossexuais 26 39 65 58 37 17 9 251
Egressos do sist. prisional 3 1 1 2 4 2 - 13
Ex-detento 1 - - 3 - - 1 5
Fonte: Desenvolvido pelo autor
uma causa controversa, como a da inclusão dos egressos do sistema prisional, acabamos por
mergulhar em um dilema: será que as empresas deixam de adotar essas causas receosas de como
seus consumidores irão reagir, ou os consumidores estão distantes desta sensibilização por que
as empresas se mantém distantes de causas como essas?
Esse trabalho está dividido em cinco capítulos. A finalidade é explorar estudos que
abordam inicialmente o conceito de minorias no País, seguido por uma contextualização do
sistema prisional e um detalhamento dos egressos desse sistema, permitindo algumas
constatações por meio do aprendizado de um trabalho publicado que utilizou a inclusão desta
minoria como tema de estudo.
Após a contextualização e apresentação da problematização, são apresentados os
conceitos de Marketing de causas sociais e ativismo, especialmente dentro do contexto que
podemos chamar de A Era das Causas e, por fim, a empresa que será objeto do caso de estudo,
a Ben & Jerry’s, é apresentada, com especial atenção para o trabalho de causas que já pratica,
com detalhamento para as ações e textos de apresentação que a própria empresa utiliza em sua
comunicação.
O terceiro capítulo apresenta a justificativa e metodologia de uma pesquisa qualitativa
e seu detalhamento das fases de aplicação, métodos, apresentação de questionário e roteiro
semiestruturado bem como os critérios de seleção da amostra, enquanto o quarto capítulo são
apresentados os resultados e discussões.
Por fim, no quinto capítulo estão as conclusões dos estudos, bem como as limitações e
recomendações para futuros estudos. Posto isso, o capítulo está organizado apresentando os
resultados da pesquisa e na sequência as referências que constam no trabalho.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico desta dissertação está dividido em cinco sessões, que compõem
caminho essencial para o desenvolvimento de uma pesquisa exploratória que atenda o problema
e objetivos de pesquisa colocados no início do material.
Esse caminho, incluindo o levantamento teórico, têm o sentido de explorar estudos e
conteúdos publicados anteriormente a execução desta dissertação, sendo ele de início um
23
São hoje 812 mil indivíduos3 em regime fechado, semiaberto e quem cumpre pena em
abrigos, ocupando um espaço que possui capacidade para 415 mil (Monitor da Violência,
2019)4. Além disso há em todo o país 366,5 mil mandados de prisão pendentes de cumprimento,
dos quais a grande maioria (94%) de procurados pela Justiça. Os demais estão foragidos.
Uma população encarcerada que cresce 8,3% ao ano (Departamento Penitenciário
Nacional - DEPEN), constituída, em sua maioria, por pessoas negras, jovens, pobres e com
baixa escolaridade que respondem por crimes como roubo, furto, porte e tráfico de drogas.
Nessa marcha, o número de presos pode chegar a quase 1,5 milhão em 2025 (DEPEN), o
equivalente à população de cidades como Belém e Goiânia.
Essa superlotação é agravada devido ao número de presos provisórios, composto por
aproximadamente 40% do total de internos, enquanto a média mundial é de 25% (Portal
Justificando, 2019)5, o que significa dizer que quase metade dos presos cumprem a pena sem
terem sido julgados. Além dessa questão há de se considerar fatores como a demora na
conclusão dos processos, as prisões cautelares (sem condenação) que se estendem por muito
tempo e o encarceramento de pessoas por crimes de baixo potencial lesivo.
Os crimes relacionados ao tráfico de drogas são os que mais levam pessoas às prisões
no Brasil, com 28% da população carcerária total, segundo o DEPEN. Somados, roubos e furtos
chegam a 37% das ocorrências. Homicídios representam 11% dos crimes que causaram a
prisão.
Todos os 27 estados da federação seguem com superlotação no sistema. A média geral
do país é de 70,3% acima da capacidade. Segundo levantamento realizado pelo G1, há hoje
56.641 vagas em construção no Brasil – o que não é suficiente, porém, para cobrir nem 1/5 do
déficit atual.
O estado que tem os presídios mais superlotados do país é Pernambuco, com 178,6%
acima da capacidade, e a situação nas principais unidades se agrava. No Complexo do Curado,
formado por três presídios, é comum ver detentos amolando facões, consumindo drogas e
falando ao celular. No presídio de Igarassu, na região metropolitana do Recife, presos dividem
o espaço amontoados uns sobre os outros. O cheiro de urina é forte (Portal G1, 2018)6.
3
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos-
812-mil-presos-no-pais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml
4
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/
5
http://www.justificando.com/2018/07/02/realidade-carceraria-do-brasil-em-numeros/
6
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/04/26/superlotacao-aumenta-e-numero-de-presos-provisorios-volta-
a-crescer-no-brasil.ghtml
25
Citada no início do capítulo, a Lei de Execução Penal (LEP) visa regulamentar os regimes
prisionais, assim como elencar sobre os direitos e deveres do condenado, dos estabelecimentos
penais e sobre a integração social do egresso.
7
http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/infopen
26
Contudo, essa integração - ou ressocialização - é algo muito distante, uma vez que o
sistema prisional não oferece as condições para a aplicação do que está estabelecido na LEP,
como, “o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências
com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática
esportiva”.
Na realidade, as condições precárias do sistema prisional acabam acarretando uma difícil
probabilidade de ressocialização. Nesse sentido, colocar uma pessoa numa prisão e esperar que
ela aprenda a viver em sociedade é como ensinar alguém a jogar futebol dentro de um elevador
(Zaffaroni, 2007). Como reflexo direto, a reincidência para determinados tipos de crime chega
a 70%.
Desse modo, o Sistema Penitenciário Brasileiro, tem se mostrado falho, sendo visto como
um depósito de indivíduos “indesejáveis” (Simon, 2007) uma vez que não há como se falar em
ressocialização em um ambiente degradante como se encontra na maioria das prisões pelo
Brasil.
É dessa organização caótica, mal administrada e negligenciada pelo poder público que
saem os egressos do sistema prisional, sobreviventes de um sistema perverso e recém-chegados
a outro não menos desafiador: a sociedade que vive do lado de fora das grades.
Sobre o trabalho de causas envolvendo este grupo, é de se imaginar que o mesmo seja
recebido pelo consumidor de forma muitas vezes inesperada, despertando as mais diversas
reações, que podem variar de forma drástica de acordo com acontecimentos divulgados na
mídia, como pode ser visto em dois casos que se tornaram célebres no ano passado: os casos
Xuxa e Suzy.
Não é raro em nossa sociedade nos vermos diante de debates onde surgem questões
relacionadas a presidiários e ex-presidiários em meio a narrativas conservadoras. Da mesa de
bar aos programas policiais que preenchem a grade vespertina nacional dos principais canais
de televisão.
Podemos ilustrar casos como os acima trazendo um acontecimento recente, ocorrido em
27 de março de 2021, onde a apresentadora Xuxa sugeriu, durante uma live organizada pela
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que presidiários deveriam servir de cobaia para testes
de remédios, cosméticos e vacinas.
27
Ela fez a afirmação quando falava sobre veganismo e o direito dos animais e essa foi uma
forma encontrada pela apresentadora para defender a extinção dos testes que hoje são realizados
em animais, como cobaias.
na relação entre marcas e consumidores e nos processos de interação social mediados pelo
consumo como marcador de identidades (Oliveira, 2017).
Voltando ao caso da fala da Xuxa, após a grande repercussão gerada, especialmente nas
redes sociais, a apresentadora precisou ir a público três dias depois, quando gravou um vídeo
para se desculpar pelo que disse.
"Estou aqui pedindo desculpas para vocês, não usei as palavras
certas. Pensei muitas coisas e quis falar sobre muitos assuntos, sobre
maus tratos aos animais, e fiz a mesma coisa, também julguei e
maltratei. A todos vocês que me julgaram, julgaram certo, eu errei e
estou aqui pedindo desculpas a vocês"
(Xuxa Meneghel, O Estado de São Paulo, 2021)9
No entanto, os dias que se seguiram foram marcados por grande polêmica e revolta, uma
vez que perfis passaram a divulgar nas redes sociais o motivo da condenação da detenta, uma
informação que não havia sido passada aos expectadores até dado momento.
Foi então que todos souberam que Suzy de Oliveira estava cumprindo pena por ter
cometido um crime hediondo. Ela estuprou e matou por estrangulamento uma criança de nove
anos de idade na zona leste da cidade de São Paulo, em 2010, e estava presa desde então.
A partir deste momento, tanto a emissora quanto o apresentador passaram a ser
duramente criticados pela opinião pública que, revoltada, passou a questionar a exposição que
foi dada a uma interna que cometeu um crime desta natureza.
A manifestação foi tão grande, incluindo a família da vítima, que levou a Rede Globo e
o Drauzio Varella a se manifestarem menos de uma semana depois.
Mesmo adotando a postura de pedir desculpas – tanto a emissora quanto o médico
adotaram a postura de afirmar que não buscaram a informação sobre o crime que foi cometido
– a imagem de ambos foi bastante afetada de forma negativa.
O quadro seguinte, que se trata da nota de esclarecimento comunicada pelo perfil do
Drauzio Varella nas redes sociais, recebeu em poucos dias milhares de comentários, sendo a
grande maioria compostos por duras críticas. Isso levou o médico a fazer mais um pedido de
desculpas, desta vez por vídeo contendo dois minutos de duração, divulgado em rede nacional
pela emissora.
Fonte: Twitter
30
Fonte: Twitter
Figura 4 - Vídeo de pedido de desculpas publicado pelo médico nas redes sociais11
Fonte: Youtube
Este capítulo não teve como objetivo analisar ou propor uma discussão sobre quem está
certo e quem está errado dentro deste caso, mas demonstrar como o tema é sensível e
controverso perante à sociedade, repleto de representação socialmente partilhada, tratando-se
de uma mobilização que pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento, desde que
hajam pessoas e que elas se comuniquem e se encontrem (Sá, 1993), uma temática marcada por
representações sociais.
de que as fazem porque encontram em ações como essa a oportunidade de aumentarem seus
lucros por meio da obtenção de funcionários mais baratos, dispostos a ganhar menos.
O tipo de delito cometido pelo egresso encaminhado para a vaga não era divulgado sob
nenhuma hipótese, sendo necessário para este encaminhamento apenas as informações pessoais
do candidato e do processo seletivo a ser entregue no dia da entrevista.
A efetiva atuação do projeto teve início em 2010 e foram disponibilizadas vagas de
aproximadamente 50 empresas de variados segmentos, como mineração, indústrias de serviços
alimentícios, comércio varejista, panificação, indústria têxtil, indústria automobilística,
telemarketing, destacando maior parte das vagas para o setor da construção civil e limpeza
urbana.
Deste total de empresas conveniadas, apenas 6 solicitaram subvenção econômica para a
contratação dos egressos, o que significa que interesses de natureza além da financeira já faziam
parte do ideário dessas instituições.
No período em que o estudo foi realizado foram encaminhados 1.113 egressos para o
Projeto, das quais 348, ou 32%, foram contratados. Destes, 58% haviam concluído o ensino
fundamental.
Sobre a situação jurídica dos contratados, 42% estavam em liberdade condicional, 40%
em prisão domiciliar e 16% em libertação definitiva.
O tempo médio entre contratação e saída do emprego foi de 135 dias, sendo que o maior
tempo de permanência foi verificado nos egressos entre 30 e 39 anos.
Os principais motivos para a saída do trabalho foram: demissão pela empresa (73%),
pedido de demissão (9%) e abandono (17%).
Maiores dificuldades dos egressos: o ajustamento às regras do mundo do trabalho
(cumprimento de horários, rotinas, obediência à hierarquia, etc), concentração de postos de
34
trabalho em atividades braçais, frustrando expectativas de trabalho e renda almejada, e, por fim,
dificuldades das empresas em fazer a gestão de uma força de trabalho com este perfil.
Percepção dos egressos quanto ao trabalho junto ao empregador:
• O trabalho executado durante a experiência prisional não contribuiu para melhor
inserção laboral após a libertação, funcionando mais como um passatempo;
• Sobre a atividade exercida pelos egressos contratados pelas empresas parceiras,
destacam-se pontos positivos como o fato de ter um emprego, bom relacionamento com
chefias imediatas e demais colegas de trabalho;
• Ainda sobre a atividade, existiram menções a pontos negativos como baixos salários e
alguns aspectos exigidos pela função (trabalho ser pesado, repetitivo);
• Dos egressos que ainda continuavam trabalhando, nenhum foi promovido. Contudo, os
entrevistados relatam a vontade de ascender profissionalmente dentro da empresa;
• Quando perguntados sobre a importância do trabalho em suas vidas, os entrevistados
referiram perceber o trabalho como algo importante, que traz dignidade, renda e
afastamento do crime;
• Expectativas referentes ao futuro também não foi algo contundente na fala dos egressos
entrevistados, mesmo daqueles que estão trabalhando atualmente.
consideradas mais qualificadas. Contudo, esse fato era encarado como algo
característico de um segmento vulnerável socialmente, não específico de quem passou
pelo sistema prisional;
• Todavia, os efeitos objetivos (restrição de horários, uso de tornozeleira,
comparecimento a audiências) e simbólicos (estigma e preconceito) do restante
cumprimento da pena privativa de liberdade apareceram como um fator dificultador
para todas as empresas;
• Apesar dessas dificuldades, os entrevistados referiram haver muitos pontos positivos,
como o comprometimento e a força de vontade do egresso na busca por melhores
oportunidades de inclusão social, que ocasionam elogios de chefias imediatas, além do
reconhecimento de outros funcionários;
• As empresas consultadas afirmam não realizar projetos internos para (re)socialização
desse público, mas se mostraram abertas e dispostas a contribuir para o
desenvolvimento de ações do tipo.
É possível notar, considerando os aprendizados do projeto, que existem inúmeras
dificuldades ao longo do processo de inserção no mercado de trabalho por parte dos egressos
do sistema prisional, sendo isso um fator determinante para sua reinserção.
12 Experiência compartilhada em conversa ocorrida em outubro de 2019. A 99jobs é uma plataforma de relacionamento com
o trabalho criada para ajudar na tomada de decisões profissionais que apresenta e aproxima pessoas e organizações com
valores em comum - https://www.99jobs.com/
36
empregabilidade, por exemplo, mas não passam perto da relação desta prática com os
consumidores das empresas. A palavra “consumidor” sequer é mencionada.
Parte disso se explica à distância do trabalho dos egressos do sistema prisional com o
Marketing de Causas Sociais. Quando o tema é este, parece que as empresas estão mais
interessadas na obtenção de acesso à mão-de-obra para tipo de tarefas, propositalmente ou não,
que são executadas distante dos consumidores, fora de visibilidade.
Não foi detectado o menor interesse por parte das empresas que seus consumidores
tivessem conhecimento da oportunidade dada por meio da inclusão deste grupo, sendo esta uma
prática restrita ao backoffice.
As práticas adotadas na atuação da Ben & Jerry’s, que serão relacionadas no próximo
capítulo, estão enquadradas enquanto trabalho de causas sociais e ativismo, no que, em nossos
dias, estão também inseridas como parte integrante de um zeitgeist, ou “A Era das causas”
(Oliveira, 2017).
Esse tipo de iniciativa passou a ser identificada inicialmente em meados de 1970, na
Inglaterra (Mason, 2002). Entretanto, a expressão Marketing de causas sociais, provavelmente
a primeira dentro da atuação com causas, parece ter sido empregada nos EUA, no começo da
década de 1980, a partir da iniciativa da empresa American Express em doar parte da sua receita
para a restauração da Estátua da Liberdade (Varadarajan & Menon, 1988).
Mesmo não sendo algo recente, conforme pôde ser visto, esse movimento por parte das
empresas vem apresentando crescimento, especialmente na última década, encontrando nas
novas mídias e novas tecnologias de comunicação digital um ambiente fértil (Oliveira, 2017).
Nesse período, de forma gradual, as empresas começaram a entender que os consumidores
também buscavam nas empresas um papel, antes deixado a cargo do Estado, para ajudar a se
posicionarem diante de temas cada vez mais complexos (Oliveira, 2017), postura que, embora
questionável sob diversos aspectos, gradativamente vem sendo mais aceita e, para parte das
pessoas, até mesmo cobradas. Novas posturas geradas por novas mentalidades, partindo de um
consumidor que não diferencia mais as características distintivas da comunicação de marcas.
Este consumidor, agora investindo-se de atributos de marca e posicionando-se como marca,
exige que estas ‘o superem’, que entendam os desejos que ele mesmo não tem completa
consciência, que se encarreguem de criar significados - na forma de propósitos -, que preencham
37
sua vida e lhe atribuam características identitárias e distintivas, que tenham com ele uma relação
maternal e imbuída (Oliveira, 2017).
E estas marcas devem satisfazer, para além das necessidades narcisistas de diferenciação
(Baudrillard 1983, 1995, 1997), de atribuição de status (Rocha, 1995) e de geração de
experiências que criem estímulos e prazer (Campbel, 2010), que se ocupem das lacunas
deixadas pelo Estado como instituição que deve olhar para e solucionar questões sociais e
ecológicas (Canclini, 2006), que se dediquem a considerar e elevar o espírito humano (Kotler,
2010) e que entendam que este consumidor é em tempos de midiatização digital, também uma
marca que busca se posicionar junto a seus stakeholders – comunidades digitais, redes sociais,
leitores de blogs, amigos presenciais e virtuais e toda a configuração de internautas que
constituem communitas, colaboradores, mas também marcas concorrentes a se posicionar pelo
consumo de propósitos e causas (Oliveira, 2017).
Trata-se também de uma tendência global, conforme estudo da Edelman, uma empresa
estadunidense de consultoria de marketing e relações públicas, fundada em 1952, que realiza
anualmente a análise denominada Edelman Trust Barometer.
No ano de 2018, este estudo da Edelman apontava que 69% dos brasileiros já praticava a
compra por convicção, adotando ou boicotando marcas por seus posicionamentos sobre
questões da sociedade, o que representa um crescimento de 13 pontos em relação à pesquisa
realizada em 2017. O mesmo estudo também revelou que 51% dos consumidores no País afirma
que adquiriram uma marca pela primeira vez apenas porque se identificaram com o
posicionamento da empresa sobre questões políticas e sociais controversas.
apontada pelos consumidores, e para isso criaram a expressão “My wallet is my vote”,
apontando para o que chamam de “Brand Democracy”. Segundo o estudo, os consumidores
acreditam que as marcas podem e devem ser agentes de mudança e, por isso, serão escolhidas
aquelas capazes de representá-los na solução de questões sociais13.
Por fim, na edição mais recente do Edelman Trust Barometer, de 2021, fica evidente o
descrédito da sociedade sobre a esfera pública em detrimento da confiança depositada nas
ONGs e especialmente nas empresas, vistas como mais competentes e éticas, conforme pode
ser observado nas figuras 5 e 6.
Apesar de estar em linha a uma tendência mundial, conforme já afirmado, observa-se no
Brasil um gap mais agudo de confiança entre as empresas e ONGs e esfera governamental, que
à primeira vista poderia ser associado a uma supervalorização dos primeiros, mas, observando
de forma mais profunda, parece mais atrelado a deterioração da imagem deste último,
especialmente nos últimos quinze anos.
13
https://economia.uol.com.br/colunas/2021/01/07/papel-social-sera-unica-forma-de-garantir-longevidade-aos-negocios.htm
14
https://www.edelman.com.br/sites/g/files/aatuss291/files/2021-
03/2021%20Edelman%20Trust%20Barometer_Brazil%20%2B%20Global_POR_Imprensa_1.pdf
39
Brasil está bastante acima da média mundial, que é, respectivamente de 53 e 51, notas que se
encontram dentro da faixa de Neutralidade, e não Desconfiança, como no nosso País.
Além da desconfiança, atribuída a Mídia e ao Governo, nota-se no próximo gráfico, na
tabela de número 6, uma esfera governamental altamente antiética e menos competente, o
mesmo quadrante onde a Mídia encontra-se situada, embora em uma posição relativamente
melhor. Com as ONGs e Empresas ocorre o oposto, com a primeira mais ética que a segunda,
enquanto apenas as Empresas ocupam um espaço sendo ao mesmo tempo avaliadas como
competentes e éticas.
Deixando para um próximo momento aprofundar nos questionamentos sociais, dentre os
quais a verificação da ocupação vantajosa, por parte das empresas, em termos de seus interesses
particulares, o próprio espaço que abre como ação civil para um público (Paoli, 2002), não fica
difícil, ao observar como o público avalia a esfera pública, o porquê do movimento crescente
da sociedade confiar às ONGs, mas principalmente às empresas, o papel de resolução das
mazelas da sociedade que, em um passado não muito distante, era confiado ao governo e sua
agenda social.
Fonte:
Colocado o contexto e retornando ao Marketing de causas sociais, ele está relacionado com
o comprometimento de uma empresa a uma determinada causa ou instituição, geralmente
através da doação de parte da receita para tal utilização. Busca-se conseguir um aumento nas
vendas dos produtos da empresa, além de arrecadar fundos para instituições (Lee & Kotler
2005) apud Oliveira (2006).
40
Com o passar do tempo, a teoria inicial mencionada, que data da década 1980, passou a
acompanhar o processo de evolução das práticas até então observadas, que resultaram no
surgimento de novas orientações, conforme a tabela abaixo, onde já começa a aparecer uma
referência ao Ativismo das Marcas.
15
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/07/28/mcdonalds-inicia-venda-de-vouchers-para-
mcdia-feliz-2021.htm
41
Vemos, portanto, um processo de evolução, o que não quer dizer, necessariamente, que
uma prática seja melhor que a outra, onde se parte de uma orientação para o Marketing, onde
estão enquadrados a promoção de causas, o Marketing relacionado a causas e o Marketing
social corporativo e chega-se a orientação para a sociedade, onde o Ativismo se encontra.
Passa-se então enquanto entendimento por Ativismo de Marca os esforços para
promover, interferir ou direcionar a reforma social, política e/ou ambiental com o desejo de
promover melhorias na sociedade (Sarkar & Kotler, 2018), compondo, na atualidade, as
categorias política, econômica, social, legal, meio ambiente e ambiente de trabalho, conforme
figura 8.
16
MIT Sloan Management Review https://sloanreview.mit.edu/article/why-making-money-is-not-enough/
42
É fato que Rodrigo Santini possui larga experiência na gestão e liderança de projetos
ligados a Causas e Ativismo, e desempenha, como diretor da B&J um papel determinante para
que a empresa tenha alcançado o patamar de trabalho com ativismo a ponto de ser reconhecida
por isso, segundo acadêmicos como Kotler e Sarkar. Ele tem, portanto, lugar de fala, e foi,
inclusive, entrevistado por conta disso.
Há que se concordar com ele que existem diferenças entre o marketing de causas e o
ativismo, enquanto orientação e razões de existir, conforme visto. Mas, independentemente
destas questões, sua afirmação acima parece colocar o ativismo distante dos consumidores da
marca, como se esse trabalho estivesse apartado dos mesmos e dos resultados da empresa, o
que contrapõe os vetores estabelecidos por Thompson e a própria relação com o consumo, de
Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda no livro Consumo de Ativismo.
Se, por um lado, Thompson fez sua referência direcionada ao Marketing de Causas,
como imaginar que uma empresa possa realizar um trabalho de Ativismo e gerar impacto na
sociedade se isso for feito de forma apartada dos consumidores que são os responsáveis por
gerar o lucro?
Ao considerar também, de acordo com Santini, como produto do trabalho do ativismo a
ampliação da base de consumidores atraídos após o conhecimento das ações realizadas,
portanto de pessoas já identificadas com a causa trabalhada, não seria o mesmo que pregar aos
já convertidos, desconsiderando o potencial de conscientização e mudança que o ativismo
proporciona por meio da sensibilização das pessoas – quaisquer que sejam elas - orientadas
pelo propósito?
A busca pelo genuíno também parece ter irradiações quanto ao que podemos denominar
como o lugar de fala das empresas, como se a autoridade para defender determinadas causas
dentro do ativismo, especialmente as ditas como polêmicas, estivesse restrita exclusivamente a
um grupo pequeno de empresas, aquelas tidas como genuínas.
Isso não significa que a legitimidade das empresas na execução dessas ações tenha
ficado menos relevante, nem que elas estarão livres de críticas e polêmicas por parte das
pessoas. A própria posição da Ben & Jerry’s na figura 9 mostra o reconhecimento de um
trabalho consistente dentro das empresas mais progressivas quando o assunto é ativismo, e nem
por isso ela deixa de receber críticas e haters em resposta as suas ações.
A questão a ser colocada neste ponto da discussão é a de quantas empresas poderiam
realizar ações dentro do ativismo se a leitura fosse que, a seu modo, todas elas possuem lugar
de fala? E quantas pautas poderiam ganhar mais voz ou mesmo sair da invisibilidade? Será o
barulho dos haters mais ensurdecedor que o silêncio das empresas que não se posicionam?
Fora essa questão, existe também uma perspectiva possível que determinado recorte de
consumidores, seja por fatores culturais, geográficos, etários ou até mesmo por
desconhecimento das ações, não atribuam determinada prática com algum grau de relevância,
45
a ponto de o conhecimento da atuação não ser reconhecida, ou seja, não ser considerada um
diferencial.
Sobre a Ben & Jerry’s, passa a ser importante, a partir deste momento, detalhar as causas
que ela aborda no Brasil, em especial as que dizem respeito às minorias, bem como na forma
como faz a execução deste trabalho.
A Ben & Jerry’s foi fundada no ano de 1978, quando os sócios Ben e Jerry abriram em
sua primeira sorveteria em um posto de gasolina em Burlington, no estado de Vermont,
localizado nos EUA.
Após crescer e abrir sua primeira franquia, em 1985 a empresa deu seu primeiro passo
concreto no sentido de associar as práticas de negócio com benefícios para a sociedade ao
fundar A fundação Ben & Jerry’s, doando cerca de 7,5% de todo o lucro anual da empresa para
projetos sociais.
Em 1989 B&J se manifesta contra o Hormônio Recombinante de Crescimento Bovino
(rBGH) com base na preocupação sobre o impacto econômico negativo nas explorações
agrícolas familiares e na confiança do público na integridade dos produtos leiteiros.
Mais tarde, em 1992, a Ben & Jerry’s junta-se a uma campanha com o Children’s
Defense Fund, fundação sem fins lucrativos. O objetivo da campanha é levar as necessidades
básicas das crianças para o topo da agenda nacional. Mais de 70.000 cartões postais foram
enviados ao Congresso com preocupações sobre as crianças e outras questões dos EUA.
46
No ano 2000 a dupla de fundadores vendeu o negócio para a Unilever por U$S 320
milhões de dólares. Mesmo assim, ambos continuaram morando em Vermont e, embora não
possuíssem mais cargos executivos na companhia, seguiram atuando como cofundadores.
Em 2004, em um esforço para impulsionar o número de eleitores jovens, Ben & Jerry’s
faz uma parceria com a Rock the Vote. Equipes de rua da RTV aproveitam as longas filas de
clientes no Dia da Casquinha Gratuíta (“Free Cone Day”) para registrar mais de 11.000 eleitores
– o maior registro feito em apenas um dia na história da Rock the Vote.
As iniciativas voltadas à sociedade foram ampliadas cada vez mais, sendo que em 2005
a empresa ganhou notoriedade ao protestar contra a exploração de petróleo no Ártico,
construindo um “Alaska Cozido” de 408 quilos com o sorvete Fossil Fuel e serviram nos EUA
com a ajuda do Greenpeace e do Alaska Wilderness League.
A partir de 2006 a B&J passou a apoiar cada vez mais as iniciativas e Comércio Justo
iniciados com o Coffee, Coffee BuzzBuzzBuzz. Essa certificação garante que os fazendeiros
que cultivam baunilha, cacau e café recebam um preço justo pela sua colheita, permitindo que
reinvistam em suas terras e comunidades.
No outono de 2011, quando manifestantes da cidade de Nova York e outros lugares
saíram às ruas sob o lema Occupy Wall Street para uma manifestação contra o aumento da
desigualdade econômica nos Estados Unidos, desemprego, fraude de hipotecas e influência
corporativa nas políticas americanas, o Conselho de Administração de Ben & Jerry’s emitiu
uma declaração de solidariedade direta e a empresa apareceu em Zucotti Park várias vezes para
oferecer sorvete aos manifestantes.
Assim como os demais fornecedores, em itens de maior valor agregado, como os
cookies da empresa familiar Rhino, a relação também é descrita pela empresa como de ganha-
ganha. A Rhino e seus biscoitos cresceram muito com a Ben & Jerry’s e seus brownies, usados
nos sorvetes da marca vêm da nova-iorquina Greystone, que também fornece bolos para a Casa
Branca e ficou conhecida nos EUA por contratar pessoas renegadas pela sociedade como ex-
traficantes de drogas e egressos do sistema prisional, parceria esta que ainda será abordada de
forma mais detalhada.
Com a missão atual de “Preservar e expandir a missão social de Ben & Jerry’s, a
integridade da marca e qualidade dos produtos, fornecendo orientação e esclarecimento sobre
a missão social para garantir que estamos fazendo o melhor sorvete possível da melhor maneira
possível” a empresa, presente no Brasil desde 2014, segue um caminho consistente de conexão
com pessoas – não consumidores – por meio de causas.
47
Sobre a expansão para o Brasil, Jostein Solheim, o então CEO no período, fez a
afirmação de que “chegamos ao seu mercado pensando não só em negócios, mas em alastrar
nosso conceito de missão social”.
Atualmente, a Ben & Jerry’s é uma das maiores marcas de sorvetes do mundo e a grande
rival da nova-iorquina Häagen-Dazs nos refrigeradores de supermercados e lojas de
conveniência dos Estados Unidos. Esses pontos de vendas respondem por 90% da receita da
empresa (Revista Forbes Brasil), que tem ainda mais de 600 sorveterias espalhadas por 33
países – sendo a maior delas situada na rua Oscar Freire, em São Paulo.
Em dezembro de 2019, Matthew McCarthy, o CEO atual da Ben & Jerry’s esteve no
Brasil para visitar a operação e não apenas reafirmou o compromisso da empresa com sua
essência como relatou ter ficado bastante surpreso com o trabalho que a equipe brasileira e os
consumidores fazem quanto à diversidade.
2.5.1 A Ben & Jerry’s e a experiência com a inclusão de egressos do sistema prisional
nos EUA
A Ben & Jerry’s afirma em seus materiais acreditar que “brownies ficam melhores com
sorvete, assim como sorvete fica melhor com brownies”. E, segundo a empresa, “ambos são
ainda melhores quando não são apenas saborosos, mas também quando ajudam a fazer o bem.”.
48
A Greyston Bakery foi fundada durante a crise de moradia urbana de NYC em 1982,
seguida por um período em que a cidade ignorava amplamente a inexperiente empresa social.
Os materiais da empresa contém a informação que isso mudou a partir do momento que
passou a oferecer uma política de contratação inclusiva para pessoas com dificuldades de
conseguir emprego, e então a Greyston passou a ter um importante impacto em um distrito onde
quase um a cada seis moradores vivia abaixo da linha da pobreza, compondo uma lamentável
lista de indivíduos indesejáveis.
A partir deste momento, por meio dessa política de contratação inclusiva, inovadora
para a época, qualquer pessoa que desejasse um emprego recebia a oportunidade de trabalho na
Greyston, o que ocorria independentemente do seu histórico educacional, trabalhista, ou das
49
Ao investir 100% do seu lucro de volta na comunidade de Yonkers por meio de sua
fundação sem fins lucrativos, a Greyston alcança anualmente mais de 5.000 pessoas desta
região por meio de serviços que incluem moradia e creche acessíveis, jardins comunitários,
desenvolvimento de força de trabalho e, mais recentemente, sustentabilidade urbana e eficiência
energética.
50
“Não contratamos pessoas para fazer brownies, nós fazemos brownies para contratar
pessoas” é uma clássica citação da Greyston. E, com 126 funcionários em tempo integral e uma
lista de espera de 600 a 700 pessoas aguardando por um emprego, o negócio é atualmente visto
como uma empresa social líder em NYC e em todo o mundo.
Na época em que a parceria com a Ben & Jerry’s foi estabelecida, a Greyston produzia
bolos, tortas e brownies para restaurantes da região da cidade de Nova York. Foram meses de
invenções, testes, ajustes e viagens entre Vermont e Nova York para aperfeiçoar o que passaram
a ser os “brownies quadradinhos”, uma marca registrada do sorvete até os dias de hoje, após
mais de 25 anos.
Como uma empresa com certificação B-Corp, que são emitidos para identificar
empresas que seguem determinados padrões de transparência, responsabilidade e desempenho
e credenciam empresas que estão reconhecidamente liderando um movimento global para
redefinir o sucesso nos negócios, a Greyston juntou-se à Ben & Jerry’s e a mais de 1.000
empresas de todo o mundo no objetivo comum de usar os negócios como uma força pelo bem
das pessoas e do planeta.
“Fizemos um call com o fundador da Greyston e ele trouxe a
perspectiva da questão da violência, ele disse que o processo de
seleção de pessoas é um processo que é sempre incompleto. Então eu
vou contratar o Daniel para alguma coisa, mas o Daniel é bom em X
e não é bom em Y. E isso é a vida humana, as pessoas não são 100%
boas em tudo. Então, por mais que eu venha selecionar uma pessoa,
ela virá incompleta em algumas coisas, não é? Então por que eu devo
gastar em contratação, em seleção de pessoas quando as pessoas
sempre virão incompletas? Então, o que eu preciso fazer é, eu chamo
pessoas para dentro e vou investir o que era investido em seleção em
capacitação. O que eu quero saber é se você quer trabalhar ou não.
Se você quiser trabalhar eu capacito”.
Figura 12 - Filme institucional sobre o programa de inclusão da Bakery e parceria com Ben & Jerry's
No Brasil desde o ano de 2014, a Ben & Jerry’s indica em seu site as seguintes iniciativas
atuais, em uma página que possui a descrição “Questões com as quais nos preocupamos”.
As causas são relacionadas e explicadas de acordo com as explicações abaixo19,
abrangendo especialmente os fornecedores e comunidade (Comércio justo), público LGBTQ
(Igualdade no casamento), meio ambiente (Justiça climática).
17 https://www.benandjerry.com.br/valores/como-conduzimos-o-nosso-negocio/brownies
18 https://www.benjerry.com/whats-new/2015/ted-talks-greyston-bakery
19 https://www.benandjerry.com.br/valores/questoes-com-as-quais-nos-preocupamos
52
Fora estas, a Ben & Jerry’s também atua na inclusão quando o assunto é a contratação
dos colaboradores.
“Aqui no Brasil falamos muito do currículo oculto. Essa pessoa vai
trazer habilidades. Habilidades como capacidade de negociação, de
viver sob ambientes de estresse, etc, que faça com que ela possa gerar
coisas também positivas a partir desses aprendizados. Então, olhar
esse currículo oculto, olhar essas outras habilidades, que não são as
habilidades oficiais, também nos ajudam a entender que as pessoas
que vêm as vezes de ambientes que a gente não considera os ideais,
que a sociedade não considera os ideais, isso pode aportar muita
coisa para a empresa também”.
Questionado em entrevista sobre como a empresa escolhe em quais causas irá atuar,
Rodrigo Santini enfatizou que existe, de início, o alinhamento com as causas que a empresa já
aborda de forma global, como LQBTQA+, e destacou o cuidado que a empresa tem de envolver
a esfera do governo e das organizações sociais de forma local.
“Sobre as causas, eu não sair dizendo, olha, acho que isso aqui agora
é importante, vamos trabalhar com isso. A gente faz uma consulta
com organizações. Então, o que a gente faz, geralmente, é uma
reunião. A gente reúne ativistas e discute o que é necessário para
determinado tipo de causa.”
A Ben & Jerry's é uma empresa reconhecida por sua preocupação e atuação no campo
da justiça, como pode ser representado na figura 7 do capítulo 2.5, reproduzida do livro Brand
Activism from Purpose to Action. Seja na forma como tratam os funcionários, cooperam com
a comunidade ou criam novos sabores para os seus clientes, a justiça parece ser algo a ser
perseguido em suas ações e decisões empresariais.
53
Falando novamente em justiça, a Ben & Jerry’s possui uma longa e reconhecida história
de compromisso com justiça social, incluindo direitos dos homossexuais – que hoje integram o
grupo representado pela sigla LGBTQIA+. Esse compromisso é pautado pelos principais
valores da B&J, que incluem total respeito por pessoas dentro e fora da empresa e uma fé
inabalável que todas as pessoas merecem direitos civis iguais e plenos.
A empresa afirma que continuará a trabalhar com parceiros sem fins lucrativos para
obter suporte público, agregar sua voz e celebrar a expansão da igualdade no casamento para
novos estados e países.
O filme produzido no Brasil mais assistido do canal da Ben & Jerry’s no Youtube, com
114.932 visualizações foi o Marriage in São Paulo Store, que aborda uma ação realizada dentro
desta causa.
É importante mencionar que mesmo estando em um canal segmentado, que envolve
principalmente os usuários da rede social que se identificam com a marca, o filme não está
imune a comentários de haters, que criticam a ação usando argumentos sem nenhum tipo de
fundamento, conforme figura 11.
54
Fonte: Youtube20
Fonte: Youtube
20
https://www.youtube.com/watch?v=lqAQ_e_ArI0
55
21
Trecho retirado do site da empresa https://www.benandjerry.com.br/valores/questoes-com-as-quais-nos-
preocupamos/justica-climatica
56
3. Metodologia da pesquisa
22
https://www.benandjerry.com.br/valores/questoes-com-as-quais-nos-preocupamos/justica-climatica
57
histórico e sua atuação sob a lente do trabalho com Causas, com olhar mais apurado para o
trabalho da inclusão voltado aos egressos do sistema prisional. Para tal foram analisadas
reportagens, páginas do site da empresa, conteúdos por ela desenvolvidos, materiais de
comunicação e, para a compreensão de seus movimentos sob a ótica empresarial, foi realizada
uma entrevista em profundidade com Rodrigo Santini, que ocupa a função de Líder da Marca
e Ativismo na Ben & Jerry’s, além de ser Vice-presidente do Conselho do Greenpeace Brasil.
Conforme já mencionado, para o projeto de pesquisa a forma mais adequada identificada
foi a condução de uma pesquisa qualitativa, cuja seleção dos entrevistados foi realizada a partir
de um procedimento para coleta de dados primários a partir de indivíduos, conhecido como
survey, (Hair et al, 2003), distribuído seguindo a técnica Bola de neve (Vinuto, 2014).
O estudo apresentou como foco o público atual da Ben & Jerry’s e o reconhecimento
e ligação com suas causas atuais, de forma mais aprofundada na que é voltada para a inclusão
dos egressos do sistema prisional. O fato de estudar um grupo em seu âmbito cultural na qual
as variáveis não podem ser medidas nos remete a uma metodologia de pesquisa qualitativa,
(Creswell, 2014 p.52).
Considerando a necessidade de junção de todas essas modalidades de pesquisas,
entrevistas e análises documentais mencionadas um processo de triangulação de dados foi
aplicado. Este procedimento objetivou combinar diferentes momentos para consolidar uma
conclusão (Zappellini, 2015).
23
Partindo de um consumo mínimo anual de 10 litros de sorvete ao ano – sendo esta o dobro da média de consumo nacional,
de acordo com a 12ª Pesquisa Setorial ABF Food Service 2018 (Associação Brasileira de Franchising), 2018
60
O link da pesquisa foi acessado por mais de 150 pessoas, sendo que, destas, 16
respondentes finalizaram o processo em condições de serem recrutados para a entrevista. A
diferença mencionada se deu após a transição de 8 etapas de preenchimento de acordo com as
respostas do questionário.
De forma a facilitar as etapas mencionadas, quais eram as premissas definidas para
que o respondesse permanecesse sendo considerado para a próxima fase e a quebra da amostra
de acordo com o processo mencionado, foi elaborada a próxima figura.
64
+150 96 79
Concluíram o
Abriram o questionário Iniciaram o preenchimento
preenchimento
77 70 49
Responderam que a marca Consomem sorvete de 1x
Possuem o hábito de tomar
é importante para a escolha por semana a 3x ao mês
sorvete
de compra de produtos (heavy users)
43 21 16
Concordaram em participar
Conhecem a marca Consomem os sorvetes da
da fase de entrevistas e
Ben&Jerry’s marca Ben&Jerry’s
foram convocados
10
Entrevistas realizadas
2006).
Desta forma, a amostra selecionada é do tipo não probabilístico e foi definida por
acessibilidade, não utilizando, portanto, nenhum procedimento estatístico, muito embora tenha
existido a preocupação, conforme mencionado, de que a amostra selecionada reunia as
condições necessárias de comportamento de consumo, conhecimento e consumo da marca para
que fossem capazes de fornecer informações relevantes sobre o tema pesquisado, tendo como
base suas experiências vividas.
Na tabela 3 é possível verificar o perfil dos entrevistados de acordo com o
preenchimento do questionário, além da data e horário de realização das entrevistas. Importante
destacar uma vez mais que todos os selecionados afirmaram ser consumidores da marca
estudada.
A Ben & Jerry's e o trabalho de inclusão junto aos egressos do sistema prisional
Você tem um sabor de B&J favorito? Qual?
E se eu te disser que, considerando o sabor Chocolate Fudge Brownie, o brownie presente no sorvete foi produzido por
funcionários que são ex-presidiários, empregados por um parceiro que a Ben & Jerry's contrata?
> Aguardar e observar reação do entrevistado
Essa informação te surpreendeu? Por que?
Você acha que a maioria das pessoas receberia essa informação da mesma forma que você? Por que?
Você acha que a B&J deveria comunicar mais um trabalho como esse?
Agora, quando você voltar para o mercado para comprar sorvete e encontrar os sorvetes da B&J, o que conversamos vai
alterar em algum aspecto sua escolha de compra? Aprofundar.
Encerramento
Você gostaria de dar alguma ideia ou conselho para a Ben & Jerry's? Se sim, qual?
Agradecer e encerrar.
Fonte: Desenvolvido pelo autor
O procedimento adotado para compor a análise dos dados foi Análise de Conteúdo,
tendo como base a transcrição completa dos áudios das dez entrevistas que foram realizadas.
Consiste em Análise de Conteúdo um conjunto de técnicas de análise das comunicações,
que visa obter, a partir de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores – quantitativos ou não – que possibilitem a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção – variáveis inferidas – destas
mensagens (Bardin, 1977).
Por ter o conteúdo, ou a mensagem, como ponto de partida, passa a ser de fundamental
importância considerar as condições contextuais de seus produtores (Vila et al, 2014), uma vez
que é na concepção crítica e dinâmica da linguagem que a análise de conteúdo se funda (Natt;
Carrieri, 2014). Contudo, não se deve considerar apenas a semântica da língua, mas também a
interpretação do sentido que os indivíduos atribuem às mensagens (Franco, 2005).
Partindo deste princípio, o conteúdo das entrevistas deve ser transcrito e analisado, com
base em uma sequência simples, porém lógica, começando pela pré-análise, seguindo para a
exploração do material e, por fim, na realização do tratamento dos resultados, onde as
inferências e interpretações são feitas.
O primeiro momento, da pré-análise, ocorre com o objetivo de conduzir o pesquisador
à elaboração de um plano genérico para a análise. Já a segunda etapa funda-se na execução dos
procedimentos delimitados durante a pré-análise, que ocorrem por meio da codificação dos
conteúdos das mensagens e enumeração dos elementos que dela emergem – processo de
decomposição. A terceira etapa constitui-se com o tratamento dos resultados. É o momento em
68
que emergem as inferências e interpretações, que são delineadas por meio das condensações
dos conteúdos extraídos na análise, por meio da classificação sintática, que corresponde ao
agrupamento desses conteúdos em palavras-plenas e palavras-instrumento (Natt; Carrieri,
2014).
Podemos afirmar, portanto, que a análise de conteúdo se constitui em uma técnica para
o tratamento de dados, visando identificar o que está sendo dito acerca de determinado tema
(Vergara, 2003). Sob essa perspectiva, passasse a buscar descobrir aquilo que está por trás dos
conteúdos manifestos, o que permanece velado sob os conteúdos explícitos.
A fim de possibilitar a aferição de significado aos conteúdos analisados e obter uma
perspectiva mais completa e profunda para os resultados da pesquisa, foi escolhido pelo autor
a opção de unidade de análise frasal (Mozzato & Grzybovski, 2011).
Sobre fase de codificação, que representa o processo de transformação dos dados brutos
de forma sistemática, seguindo regras de enumeração, agregação e classificação, sua principal
função é servir de elo entre o material escolhido para análise e a teoria do pesquisador (Bauer,
2002), compreendendo três fases: o recorte – escolha das unidades de registro e de contexto, a
enumeração – escolha das regras de enumeração e a classificação e agregação – escolha das
categorias (Bardin, 1988).
Para esta última, após toda a pré-análise sistemática das anotações e transcrições das
entrevistas, de forma a simplificar a análise dos resultados e balizar perfis de comportamento
não excludentes, será proposta a classificação e agregação de acordo com os 3 tipos de perfis
identificados dentro do grupo de entrevistados, denominados: o Engajado, o Sensível e o
Desconfiado.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este capítulo propõe descrever e discutir os principais resultados encontrados mediante aos
materiais coletados. A estrutura de análise, conforme já abordado, propõe a utilização da
Análise do Conteúdo buscando a complementação com a Teoria das Representações Sociais,
que trata, do estudo do conhecimento do senso comum, de uma ampliação do olhar das
fronteiras da ciência, para considerar também o conhecimento comum do homem como fonte
do conhecimento legítimo e propulsor das transformações sociais.
Ainda dentro da Teoria das Representações sociais, conversando com um consumidor
comum, dentro dos recortes de recrutamento definidos, acerca da questão prisional, será
69
(ii) O Sensível: perfil majoritário, composto por 8 dos entrevistados. São pessoas que
tiveram dificuldade em mencionar empresas, atuação e público mesmo após a questão
ser estimulada. As pessoas que compõem esse perfil definitivamente não buscam
informações sobre as empresas no que tange o trabalho de Causas/ativismo, estando
expostas ao que a empresa comunica nas peças publicitárias, embalagem ou ponto de
venda. Ao tomar conhecimento do trabalho as ações são elogiadas, mas não suficientes
para que o produto da empresa seja favorecido dentre as marcas que já consome apenas
por este tipo de atuação, mas, por outro lado, afirma que todas as empresas têm a
obrigação de fazer trabalho semelhante para colaborar com a sociedade e reduzir
possíveis impactos do processo de produção. Ao longo da entrevista demonstraram alto
nível de sensibilização ao tema e dizem que, para eles, é algo novo. Acreditam que
70
existe interesse comercial por parte das empresas que assumem esse trabalho, mas que,
desde que realizem aquilo que se propõem, não identificam problema nisso.
A partir do momento que o tema deste tópico não foi mencionado de forma espontânea
pelo entrevistado, ele passou a ser estimulado, conforme Tabela 4 que demonstrou o roteiro.
(ii) Após estimulado o tema, as marcas que foram lembradas de forma espontânea
por parte dos entrevistados foram, em ordem: Natura e Nespresso, ambas ligadas
a sustentabilidade, Petz e O Boticário, ligadas a causa animal. Ainda sobre a causa
animal houve a menção geral a produtos “cruelty free” e produtos veganos.
Apenas o entrevistado “número 5”, o denominado perfil Engajado, mencionou
espontaneamente o exemplo de uma empresa que atua na área de inclusão de
minorias, no caso pessoas negras, sendo esta o NuBank e Natura, ao público
LGBTQIA+.
“Costumo dar preferência a empresas que tem esse tipo de atuação [causas] e vou
atrás da informação se necessário. Antes de comprar uma máquina de café eu mandei
um e-mail para as três principais empresas perguntando qual era a política de
descarte das cápsulas. Só a Nespresso respondeu e eu comprei a máquina deles”.
“Achei a campanha de dia dos pais com a (sic) Thammy [Gretchen, da Natura]
audaz e necessária. Esse tema é muito novo para nossa sociedade que está
aprendendo a colocar suas opiniões em um mundo da internet, onde falam qualquer
tipo de coisa como anônimos. Acho que as pessoas têm dificuldade em assimilar e
respeitar esse tipo de causa. Eu acho que é muito polêmico e a empresa deve saber
que muita gente vai encher o saco, mas eu entendo que essa muita gente é uma
minoria. A maioria acha a causa muito interessante e não vai deixar de comprar na
Natura porque tem um trans sendo garoto propaganda da campanha. Vejo o trabalho
como muito positivo”.
“Eu acho esse tipo de atuação [referência a campanha da Natura] muito polêmica.
Esse tipo de empresa é bem corajosa porque nossa sociedade é conservadora e eu
acho que a maioria das pessoas não aceita bem. Eu não deixo de comprar, até gosto
da iniciativa, mas acho que tem gente que deixa”.
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“Essa ação do Magazine Luiza [referência ao processo de trainee para negros] não
tem nada a ver, só reforça o preconceito. Duvido que esses contratados vão ficar lá
por um tempão, que vão ser promovidos. A loja só fez isso para lacrar”.
“Vi uma vez um documentário que mostrava que a Zara utiliza mão de obra escrava
na China. Eu adoro essa loja, mas pensei em parar de comprar coisa lá. Até que fui
ao shopping e a loja estava em promoção, abarrotada de clientes chineses
comprando. Fui lá e comprei também. Se eles não estão preocupados, eu que tenho
que estar?”.
“Pensei em não comprar mais no Carrefour e passei umas duas semanas sem ir. Mas
na hora de fazer as compras do mês lá tinha um monte de coisa em promoção, não
dava para não ir?”.
“Acho complicado de deixar de comprar [no Carrefour]. Sim, eles erraram, mas tem
milhares de funcionários lá, não acho justo que sofram boicote e sejam prejudicados.
Que os responsáveis pelo que aconteceu sejam punidos, né?”.
(v) A marca Ben & Jerry’s não foi mencionada espontaneamente por nenhum dos
entrevistados. Mesmo quando o tema inclusão e diversidade foi estimulado. Isso
ocorreu mesmo considerando que os entrevistados responderam o questionário
em um momento anterior à entrevista, que continha a marca frente a outras
concorrentes.
(vi) Dentre as ações de inclusão, não houve nenhum tipo de menção aos egressos do
sistema prisional. Em ordem foram mencionados os negros, PCD, pobres, e
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(vii) Sobre o trabalho de Causas/ativismo por parte das empresas, a grande maioria dos
entrevistados mostrou-se bastante favorável, e sem distinção com o tipo de
empresa. Exceto pelo perfil Desconfiado, todas as empresas poderiam – e
deveriam – voltar-se qualquer tipo de causa, mesmo as tidas como polêmicas.
Diferente do olhar das empresas reconhecidamente consolidadas como ativistas,
de que sua atuação consistente a credencia a abordar temas que as outras empresas
não conseguem, aos olhos dos entrevistados todas possuem seu lugar de fala,
mesmo que exista um interesse comercial, segundo o público, o saldo ainda assim
é positivo, desde que a atuação seja verdadeira. Atuação esta que, segundo eles,
deve ser comunicada de forma responsável, sem exposição desnecessária das
pessoas beneficiadas, mas conscientizando para a causa.
“Esse tipo de atuação é recente para mim, pois eu nunca me preocupei antes com
isso. Meses atrás vi minha esposa procurando por produtos veganos, nunca tinha
pensado nisso também. Mas eu acho que é uma questão de conscientização e vai
crescer à medida que mais empresas fizerem isso e comunicarem. Precisam
comunicar”.
“Até hoje nunca fui atrás dessas coisas, de ir pesquisar sobre o que cada empresa faz
nesse tipo de atuação, então pra mim é importante que elas comuniquem em todos os
lugares, até nas embalagens, mesmo que seja algo polêmico. Se não é estranho,
parece que faz escondido”.
4.3 A Ben & Jerry's e o trabalho de inclusão junto aos egressos do sistema prisional
Após as passagens e pontos mencionados, o tema passou a ser a Ben & Jerry’s e, por
mais que o tema encaminhado estivesse focado em marketing de causas e ativismo, a definição
dada para a marca por todos os entrevistados foi que “Ben & Jerry’s é um sorvete gostoso”.
Ninguém, nem o perfil denominado “Engajado” atribuiu à marca qualquer atributo ou
característica diferente do sabor, cremosidade ou mesmo “embalagem e geladeira de vaquinha”.
A partir deste momento o entrevistador estimulava, e tinha a oportunidade de obter a
reação instantaneamente por parte do entrevistado:
“- E se eu te disser que, a Ben & Jerry’s, além de um sorvete gostoso, possui um sabor
chamado brownie fudge e que, para fazer esses brownies que vão no sorvete eles empregam
egressos do sistema prisional?”
(i) A reação de todos os entrevistados, que também são consumidores da marca, foi
de surpresa e positiva, e em alguns casos gerou até mesmo empolgação, uma
reação que não era esperada de forma tão unânime por parte do autor.
“É sério isso? Uau, não sabia! Agora gosto ainda mais desse sorvete, vou contar
para todo mundo, é uma baita ação”.
“Eu não fazia ideia que a Ben & Jerry’s tinha esse tipo de atuação. Fico muito feliz
em consumir essa marca, pois eles ajudam essas pessoas que ninguém lembra e que
não tem muitas oportunidades, sofrem preconceito e precisam trabalhar”.
“Se a pessoa já pagou pelo crime que cometeu, qualquer que seja ele, ninguém
deveria ter nada a ver com isso. Imagino os desafios que a empresa tem em fazer isso,
é uma ação muito bonita. Quando olhar aquela geladeira de vaquinha no
supermercado vou lembrar disso na hora”.
(ii) Logo após a reação inicial as atribuições seguiam positivas, mas abriram espaço
para alguns questionamentos relacionados ao desconhecimento e a como funciona
o programa de inclusão. Nenhum dos entrevistados se lembrava de ter visto
anúncios, nem redes sociais ou qualquer outra forma de comunicação e não
demonstraram reações negativas ao saber que a ação é realizada por meio de
parceria.
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“Por que eles [a Ben & Jerry’s] não comunicam isso? Não me lembro de ter visto
nada do tipo. Nunca entrei no site da empresa, nem olhei as redes sociais, mas
deveriam usar a embalagem, as geladeiras. Será que não querem comunicar porque
tem receio do que os consumidores em geral vão pensar?”.
“Tem relatório sobre isso? Vou entrar no site deles [B&J] para ver, queria ver os
detalhes de como funciona. Eles empregam no Brasil? Acho que não, pois até onde
eu seu não fabricam sorvetes aqui. Será que não comunicam porque empregam ex-
presidiários de outros países e daqui não? ”.
“Não sei [se seria bem aceito por todas as pessoas], é um assunto polêmico. Aceitam
pessoas independente do crime cometido? Por mim tudo bem, nem quero saber [qual
crime cometido], mas acho que tem muita gente que vai querer saber para poder
consumir”.
“Já fui diversas vezes na sorveteria deles, no bairro dos Jardins, mas nunca vi nada
disso. Eles não informam nada nem na loja? Deveriam...”.
“A gente cresceu ouvindo coisas como que bandido bom é bandido morto, que
direitos humanos são para humanos direitos. Entendo por que a Ben & Jerry’s não
comunica, devem ter receio de perder vendas ou causar polêmica. Eu acho que é
importante comunicar, mas não sei se todos aceitam bem como eu”.
“Isso é no Brasil? Deve ser fora do país, duvido que as pessoas que saem da prisão
aqui têm condições de trabalhar em uma empresa com as outras pessoas”.
5. CONCLUSÃO
Fazendo uma ponte com o início do documento apresentado, o objetivo central deste
trabalho consistia em identificar como se dá o envolvimento dos consumidores com o trabalho
de causas e ativismo da empresa Ben & Jerry’s, dando atenção específica às ações de inclusão
do público composto pelos egressos do sistema prisional.
Por fim, após a realização da revisão da bibliografia, coleta de dados e execução de pesquisa
com os consumidores em duas fases, sendo a segunda entrevistas exploratórias, iremos
responder os objetivos e, adicionalmente, dar caminhos possíveis não apenas a Ben & Jerry’s,
mas todas as empresas e profissionais que estejam pensando em Marketing de Causas e
Ativismo.
Esse trabalho não está na cabeça do consumidor e ele não vai atrás de informações
Propondo uma generalização, já que identificamos esse comportamento dentre grande
parte do público entrevistado, quando o consumidor vai às compras ele ainda está pensando
nas características do produto, como qualidade, embalagem e preço.
Poucos são aqueles que indicaram nortear a escolha pensando em algo diferente disso –
e poucos também se mostraram engajados em pagar mais caro por um produto a partir do
momento que tem conhecimento deste tipo de trabalho por parte da empresa.
Em todo caso, esse consumidor não vai atrás da informação de forma proativa. Ele não
vai pesquisar em sites, revistas ou redes sociais se a empresa desempenha algum papel deste
tipo, mesmo que tenha contato com essa informação.
Mesmo sem que o público conheça atualmente, esse trabalho já é uma obrigação
A todos os entrevistados ficou bastante latente a expectativa que, em menor ou maior
grau, todas as empresas desempenhem um papel de Causas sociais e Ativismo, como uma
forma de reduzir os impactos da cadeia de produção e colaborar com as questões sociais.
Isso traz um grande desafio momentâneo a todas as empresas, já que falamos de uma
obrigação imposta a um trabalho que aparentemente não vêm acompanhado da valorização
esperada por parte dos consumidores, que ainda indicam não pagar um preço mais alto para
comprar um produto de uma empresa que atue desta forma.
Mas, por outro lado, pode servir para encorajar essas mesmas empresas, especialmente
aquelas que não estão atuando e/ou se posicionando por receio de não terem máxima
legitimidade ou por pensarem que não tem lugar de fala. Todas possuem seu lugar de fala e
podem ampliar a voz de quem quer que seja.
Mas, mesmo tendo conhecimento disso, ainda sim é, segundo eles, um trabalho que deve
ser feito, pois o saldo é positivo. É “melhor que não fazer nada”.
Por mais que o avanço deste trabalho social empresarial sobre a esfera pública desperte
justificada preocupação por uma parcela das pessoas, o consumidor médio entrevistado não
suscitou esse tipo de discussão, mostrando que ela, mesmo relevante, não afeta atualmente
o comportamento de consumo.
A técnica original para realização da segunda fase da pesquisa era por meio de grupos de
discussão, o que acabou não sendo possível em função do período de pandemia, momento que
dificultou a execução desse meio de interação e, ainda mais determinante que isso, alterou a
disponibilidade de agenda das pessoas. Em função disso a opção foi pela decisão das dez
entrevistas exploratórias realizadas.
Em um primeiro momento nos parece ser lógica a constatação de que o fato do grupo de
discussão não ser presencial facilitaria a presença, já que dispensa uma série de fatores
dificultadores, como a locomoção. Mas o que se viu nesse período foi o aumento da quebra de
participantes para todo tipo de evento online, provavelmente pelo público estar muito mais
atarefado com o homeoffice e diversas outras atividades online, a ponto de tornar impossível a
reunião de 8 ou 10 deles simultaneamente para esta atividade – sem nem considerar a
composição de, ao menos, mais 3 outros grupos de discussão adicionais.
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REFERÊNCIAS
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SARKAR, Chrintian; KOTLER, Philip. Brand Activism from Purpose to Action, 2018. Idea
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maior população carcerária do mundo, 2019. Disponível em https://ponte.org/com-812-mil-
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