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Mulheres
na liderança
EXECUTIVO 1
EXECUTIVO 2
Sim, elas podem
Editorial
Boa leitura!
Adriana Wilner
Coeditora-chefe.
EXECUTIVO 3
EXECUTIVO
Volume 22 • Número 1 • JANEIRO/MARÇO 2023
Sumário
03 EDITORIAL
CADERNO ESPECIAL - Mulheres na liderança
ARTIGOS
EXECUTIVO 4
DILEMAS E AVANÇOS Resumo
DAS MULHERES Objetivo: apontar dilemas e avanços contemporâneos
para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável
NA GESTÃO
5.5: garantir a participação plena e efetiva das mulheres
e a igualdade de oportunidades para a liderança em
todos os níveis de tomada de decisão na vida política,
econômica e pública.
As organizações foram construídas Estado da arte: estudos mostram que, apesar de
como espaços em que o imaginário iniciativas e ações para aumentar a participação feminina
EXECUTIVO 5
DILEMAS E AVANÇOS DAS MULHERES NA GESTÃO
A
o nos aproximarmos do aniversário dos 50 anos da promulgação do Ano Internacional da
Mulher pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975, a questão da inclusão da mu-
lher no mercado de trabalho continua em debate.
Nessas décadas, houve profunda transformação nos modelos econômicos e na organiza
ção das cidades, do trabalho e das famílias. Ocorreram mudanças nas mentalidades e nos
modos de conduta. Muitos aspectos da vida melhoraram, mas, por outro lado, os movimentos foram insufi-
cientes para eliminar todas as camadas das desigualdades1.
Sociedades com maior igualdade entre homens e mulheres são mais prósperas, contribuem para a demo-
cracia, ampliam o que cada um pode ser e promovem ambientes empresariais mais criativos e produtivos2.
Apesar dos estudos e das pesquisas que mostram benefícios para a sociedade como um todo, a inserção da
mulher no mercado de trabalho ainda envolve polêmicas, o que nos faz refletir que a solução da questão
passa por aspectos psicológicos e socioemocionais.
Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre sexos3.
Foram atribuídas aos homens as relações de poder e a atuação pública, e às mulheres, o cuidado e o am-
biente privado. Essas projeções ainda influenciam o que é esperado da conduta de homens e mulheres e
permeiam grande parte das narrativas amplamente difundidas.
O debate sobre diversidade, equidade e inclusão perpassa todas as instâncias sociais, mas o progresso é
lento. Cabe indagar as razões que impedem que esse seja um assunto resolvido, ainda que esteja presente
nas organizações, nas mídias sociais e em políticas públicas.
Para traçar algumas dimensões que cercam esse fenômeno, este artigo teve como objetivo apontar di-
lemas e avanços contemporâneos para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, com
a apresentação de pesquisas, bem como de políticas e práticas empresariais, que promovem a inclusão de
mulheres no mercado de trabalho e apontam caminhos para a maior igualdade.
EXECUTIVO 6
DILEMAS E AVANÇOS DAS MULHERES NA GESTÃO
O conceito de interseccionalidade, que ficou conhecido pelo trabalho de Kimberlé Crenshaw, feminista
negra norte-americana, em 198914, evidencia como a dificuldade de ser mulher e negra é potencializada.
Vale ressaltar que o conceito já havia sido trabalhado em 1980 pela feminista brasileira Lélia Gonzalez15.
As teorias feministas pressupõem uma identidade que conjuga os interesses femininos, mas a filósofa
Judith Butler16 questiona o conceito de que as mulheres sejam homogêneas e tenham uma identidade co-
mum. Segundo a autora, a identidade de gênero é performática, ou seja, depende de possibilidades históri-
cas, sociais e culturais. É comum a suposição de que todas as mulheres sejam doces, mas nem por isso sua
entrada no mercado de trabalho dulcificou as relações organizacionais17.
É nesse contexto que os estudos sobre a inserção das mulheres no mercado de trabalho se intensificam
e apontam estereótipos e preconceitos, muitas vezes sutis, que permeiam os avanços e os dilemas das mu-
lheres na gestão. O momento atual é efervescente, com o debate ampliado para ambientes não tradicionais,
mas às vezes com distorções na agenda e também movimentos contrários aos avanços já conquistados.
MULHERES NA LIDERANÇA
Estudos mostram que as mulheres ainda são minoria na gestão das organizações em todo o mundo18.
Elas ocupam mundialmente menos de 5% das posições de liderança das grandes empresas19.
O conceito do double-bind dilemma20 é relevante para entender o contexto da inserção da mulher em po-
sições de liderança: de um lado, espera-se que as mulheres se comportem como femininas, de acordo com
o estereótipo de que são emocionais, dóceis, conciliadoras e amáveis; de outro, espera-se que ocupantes
de cargos de liderança apresentem características pretensamente masculinas, como assertividade e racio-
nalidade21. Assim, as mulheres vivem situações paradoxais: se usam estilos mais assertivos e diretivos de
liderança, são vistas negativamente, pois se espera que sejam mais suaves; e, se agem com docilidade, não
se encaixam na expectativa de posições de comando.
As organizações foram construídas como espaços para homens, e o imaginário masculino da gestão é to-
mado como natural, portanto, reproduzido e reforçado. As desigualdades revelam-se em salários menores
para as mesmas funções, posições de menor status e no desequilíbrio da demografia organizacional. Como
as estruturas organizacionais acabam por manter os homens em postos de maior visibilidade, reforçam a
possibilidade de crescimento dos homens nas estruturas hierárquicas das empresas. Em consequência, a me-
ritocracia, um conceito sempre questionado, não pode ser exercida da mesma forma para homens e mulheres.
EXECUTIVO 7
DILEMAS E AVANÇOS DAS MULHERES NA GESTÃO
tuais acima de 80% em direção ao fechamento das lacunas. Enquanto a Islândia segue sendo o país mais
avançado, o Brasil, infelizmente, encontra-se bem aquém (69,6%), na 94ª posição de um total de 146 países.
As pesquisas acadêmicas e as práticas empresariais mostram que a inserção das mulheres no mercado
de trabalho traz benefícios múltiplos: para as famílias, para as comunidades locais, para as empresas e para
Tabela 1.
Plataforma dos Princípios 2010 Global Mais conhecida por Women’s Empowerment Principles (WEPs), a plataforma foi lançada pela
de Empoderamento ONU Mulheres e Pacto Global para fazer parcerias com empresas (atualmente são sete mil no
das Mulheres mundo todo) com base em princípios orientadores.
Rede Mulher 2010 Brasil A organização fomenta o empreendedorismo feminino via eventos, programas de aceleração,
Empreendedora cursos, marketplace, entre outras ações.
Fórum Mulheres 2010 Brasil Organizado pela CKZ Diversidade, é um encontro de líderes pela causa da equidade de gênero
em Destaque e conta com a cooperação da ONU Mulheres e do ElesPorElas
30% Club 2010 Reino Unido Busca engajar empresas para que pelo menos 30% dos assentos em conselho e posições de
alta liderança sejam ocupados por mulheres.
Movimento Mulher 360 2011 Brasil A plataforma de atuação é estruturada em três dimensões, fomento, sistematização e
disseminação de conhecimentos e práticas, com o objetivo de acelerar o avanço da equidade
de gênero nas empresas e nas suas cadeias de valor.
Lean In 2013 Estados Unidos Apoia mulheres em círculos de confiança, troca de experiências e aprendizagem.
da América
Grupo Mulheres do Brasil 2013 Brasil Tem projetos para fomentar a adoção de políticas afirmativas e eliminar as desigualdades de
gênero, raça e condição social.
ElesPorElas (HeforShe) 2014 Global Foi criada pela ONU para engajar homens na discussão sobre equidade de gênero.
Women in Leadership 2014 Brasil Os objetivos são desenvolver a carreira das mulheres na América Latina e estimular empresas
in Latin America da região a implementarem programas para isso.
W20 2015 Global É um grupo de trabalho criado pelo G20 para levar questões de gênero para o próprio grupo
de chefes de Estado e ministros da Economia das maiores economias do mundo.
Aliança sem Estereótipo 2017 Global É uma plataforma criada pela ONU Mulheres em conjunto com empresas de bens de consumo
(como Unilever e Boticário) e grupos de mídia/publicidade (como WPP) para erradicar
estereótipos prejudiciais às mulheres.
Women on Board 2019 Brasil Tem como objetivos reconhecer, valorizar e promover ambientes em que há mulheres no
conselho de administração ou em conselhos consultivos, certificando-se de que empresas
tenham pelo menos duas mulheres efetivas no conselho.
Conselheira 101 2020 Brasil Busca incentivar e formar líderes negras para aumentar sua participação nos conselhos de
administração.
Elas Lideram 2021 Global O movimento faz parte da Ambição 2030 do Pacto Global para acelerar a implementação dos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
EXECUTIVO 8
DILEMAS E AVANÇOS DAS MULHERES NA GESTÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Maria Fernanda Teixeira – Conselheira de empresas no Brasil e nos Estados
Unidos. E-mail: ferena.fernanda@gmail.com Os movimentos feministas atuais, reforçados
D
pelo #metoo, trazem uma diversidade de perspecti-
esde minha tenra idade, entre os 7 e 9 anos de idade, vas para a questão de gênero. O acesso das mulheres
já observava, transitando pelas imponentes ruas pau- no espaço organizacional provoca novas identida-
listanas, homens bem trajados tecendo diálogos inte- des e concepções de feminilidades e questiona mo-
ligentes e entusiasmantes. Eram executivos tradicionais, com delos dominantes de conduta, mas cabe chamar a
padrões de vida bem estabelecidos, denotando uma aura de atenção para a superficialidade que por vezes cerca
sucesso incontestável. esses movimentos, com frases feitas, clichês e mo-
Contemplava esses executivos na mercearia que meus pais dismos que permeiam o mundo corporativo.
possuíam, adquirida com a ajuda inestimável de amigos. Havia Apesar dos avanços, inúmeras questões perma-
uma discrepância enorme entre esses indivíduos e os “homens necem em aberto, tanto nas pesquisas como nas prá-
comuns”, responsáveis por exercer funções operacionais – a de- ticas organizacionais. Como exemplo, cabe citar as
sigualdade de poder aquisitivo era fácil de se notar. A clientela diferenças salariais que ainda persistem, o labirinto
feminina basicamente consistia em nichos como os das donas de barreiras invisíveis que impedem que mulheres
de casa e mães residentes nas vizinhanças. ascendam24, a dupla jornada de trabalho e os confli-
Tais observações proporcionavam-me a formulação de tos entre família/vida pessoal e trabalho, a proble-
perguntas às quais não detinha as respostas à época. Paulatina- mática da violência doméstica e o envelhecimento
mente, comecei a tecer questionamentos sobre a diversidade de das mulheres executivas. Além disso, especialmente
gênero e acerca das diferenças entre os cargos e papéis de- pelas características demográficas do Brasil, a inser-
sempenhados nas instituições. Enfim, ainda criança, prometi ção das mulheres negras em posições de liderança
que seria uma importante executiva, do mais alto escalão. é uma problemática de extrema relevância. Mais re-
Tratei de delinear um plano de como alcançar os meus so- centemente, com os impactos da pandemia, a ques-
nhos e objetivos, amparada por extrema paixão pela vida, cora- tão do burnout passou a ser mais debatida.
gem de lutar por posições relevantes e disposição para me de- Merece atenção ainda a discussão sobre como
dicar com afinco aos estudos, investindo na constante aquisição se manifestam as múltiplas masculinidades. Com
de conhecimentos. E sem jamais esquecer de inspirar, por meio mudanças na organização do trabalho e avanço das
de minhas realizações, outras mulheres a almejarem o poder, novas tecnologias, os homens também estão vul-
lutando pelas devidas conquistas. neráveis, ameaçados pela perda do emprego e pela
Contudo, lamentavelmente, a presente realidade decepcio- desvalorização do trabalho. Não se trata de oposição
na ao se analisar friamente os dados averiguados pela bolsa de entre homens e mulheres, mas sim de união para
valores em 20221, pois os resultados validam a neutra ou fraca que as sociedades sejam plurais e mais justas.
evolução na inserção das mulheres nas empresas listadas. A pandemia em 2020 parece ter encerrado o lon-
O discurso no mundo corporativo, de abarcar maior empe- go século XX. Resta saber como vamos construir o
nho em termos de diversidade, gera frustração, haja vista as século XXI. O desafio é buscar caminhos éticos para
próprias estatísticas, que atestam a incoerência entre o que se o desenvolvimento das empresas e soluções para os
fala e o que se faz. Em 2022, 61% das companhias com ações problemas apontados pelos ODS da ONU.
negociadas em bolsa de valores no Brasil não possuíam sequer
uma mulher presente na diretoria estatutária, repetindo o re- NOTAS
sultado do ano anterior. Já nos conselhos de administração, 1. Giddens, A. (2002). Modernidade e Identidade. Zahar.
houve ligeiro progresso. Em 2021, 45% das empresas listadas 2. McKinsey & Company (2013). Women Matter 2013. McKinsey
não contavam com mulheres nos conselhos. No ano seguinte, & Company. Recuperado de https://www.mckinsey.com/~/media/
mckinsey/business%20functions/people%20and%20organiza-
o percentual encolheu para 37%. Mais dramático ainda é o le- tional%20performance/our%20insights/gender%20diversity%20
vantamento do Estadão que revelou que menos de 4% das ins- in%20top%20management/gender%20diversity%20in%20
tituições do Ibovespa (principal índice da bolsa brasileira) têm top%20management.pdf; International Labour Organization
mulheres nas posições de chief executive officer (CEO) ou como (2015). Women in Business and Management: Gaining Momen-
tum. International Labour Organization, Bureau for Employers’
presidentes de conselhos2. Activities. Recuperado de https://www.ilo.org/global/publications/
Ressalto como é imprescindível acelerarmos o processo de ilo-bookstore/order-online/books/WCMS_316450/lang--en/
equidade. Enfim, solicito aos leitores para interpretarem este index.htm; Piccone, T. (2017). Democracy, gender equality, and
artigo sob o viés de quanto prezo e luto para haver igualdade gender security. Policy Briefs. Recuperado de https://www.brook-
ings.edu/wp-content/uploads/2017/08/fp_20170905_democra-
também em relação às outras minorias, englobando diferentes cy_gender_security.pdf
raças, orientação sexual ou classe social. É humanamente in- 3. Scott, J. (2019). Gênero: uma categoria útil para análises históri-
cas. In H. Buarque de Holanda (ed.). Pensamento feminista: con-
ceitos fundamentais (pp. 49-82). Bazar do Tempo.
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DILEMAS E AVANÇOS DAS MULHERES NA GESTÃO
EXECUTIVO 10
O IMPACTO DOS Resumo
ESTEREÓTIPOS NA Objetivo: discutir os vieses inconscientes que
prejudicam a carreira das mulheres.
fazem com que mulheres tenham maiores Impactos: espera-se que o artigo contribua
EXECUTIVO 11
O IMPACTO DOS ESTEREÓTIPOS NA CARREIRA DAS MULHERES
E
m 1989, a Orquestra Sinfônica de Chicago, uma das mais renomadas dos Estados Unidos da
América, resolveu fazer um processo de recrutamento às cegas para novos músicos. Todos os
candidatos, homens ou mulheres, fariam suas apresentações atrás de uma cortina escura, para
que as pessoas julgadoras não fossem influenciadas por outras características além da quali-
dade técnica. Nos primeiros testes, nenhuma mulher passou no processo seletivo. Intrigadas,
as pessoas responsáveis pela seleção verificaram que as cortinas não impediam as pessoas avaliadoras de
ouvirem o barulho dos saltos dos sapatos que as candidatas usavam. Então, as pessoas selecionadoras adi-
cionaram um detalhe, pedindo para todos os músicos entrarem descalços. Após essa mudança, o número
de mulheres na orquestra aumentou de 5 para 25% – e atualmente ultrapassa 50%1.
Essa história serve para ilustrar o conceito do viés inconsciente. Ao contrário do viés explícito, que reflete
uma crença consciente sobre determinado grupo de pessoas – nesse caso, as mulheres –, o viés inconsciente
ocorre de maneira não intencional, como influência de estereótipos profundamente arraigados fruto de
normas culturais, religiosas e sociais. As pessoas avaliadoras da orquestra pretendiam, ao fazer o recruta-
mento às cegas, isolar influências preconceituosas, mas o som do salto foi suficiente para ativar, incons-
cientemente, a crença propagada ao longo da história de que o desempenho das mulheres musicistas seria
inferior ao dos homens.
Os vieses inconscientes criam distorções que são responsáveis por influenciar negativamente a tomada
de decisão, o comportamento e o julgamento em relação às mulheres, levando à discriminação e reduzindo
as chances da equidade de gênero2. Os estereótipos que levam a esses vieses aumentam em mercados que
são tradicionalmente masculinos, o que gera um grande desafio para as corporações na retenção de mulhe-
res talentosas. Era o caso das orquestras algumas décadas atrás e é, ainda hoje, o caso da liderança das orga-
nizações, fortemente marcada pela convicção de que cargos mais altos devem ser ocupados pelos homens,
enquanto cargos inferiores, pelas mulheres3.
Pesquisa da McKinsey4 revela que há desafios para as mulheres em contratações e promoções em todos
os níveis hierárquicos, mas o maior impacto negativo está no primeiro passo para o nível gerencial. Mu-
lheres têm menor probabilidade de serem contratadas para cargos gerenciais, e, no caso das promoções,
para cada 100 homens promovidos a gerentes, apenas 72 mulheres são escolhidas. Eis o retrato final desse
processo: dos cargos de gerente, 62% são ocupados por homens, e 38%, por mulheres.
Os números apontados são
reflexo das associações estereoti-
Figura 1.
padas aos homens e às mulheres.
Principais barreiras para as mulheres chegarem Os homens são vistos como com-
petentes, ambiciosos, assertivos,
a cargos de liderança focados em tarefas, dominantes,
independentes, autoconfiantes, to-
1 Responsabilidades domésticas maiores para mulheres do que para homens;
madores de decisão e racionais. Já
2 Funções diferentes atribuídas pela sociedade para homens e mulheres; das mulheres, espera-se que sejam
3 Cultura corporativa masculina; gentis, atenciosas, amigáveis, co-
laborativas, obedientes, discretas,
4 Mulheres com experiência insuficiente em cargos de gestão e liderança;
intuitivas e compreensivas5. Estu-
5 Poucos role models femininos na liderança; do da Organização Internacional
Homens não incentivados a terem responsabilidades em casa (com afazeres do Trabalho (OIT)6 evidencia as 15
6
domésticos e cuidado com os filhos); principais barreiras, formadas por
crenças e padrões históricos, para
7 Falta de políticas e programas para promover a igualdade de gênero;
que as mulheres consigam chegar
8 Estereótipos contra as mulheres; a cargos de liderança nas empre-
9 Falta de treinamento de liderança para mulheres; sas (Figura 1).
A conclusão que podemos ti-
10 Falta de soluções para trabalhos flexíveis;
rar de todas as estatísticas e es-
11 Ausência de estratégia para retenção de mulheres qualificadas; tudos é que vieses inconscientes
12 Viés de gênero nos processos de recrutamento e promoção; se baseiam na bagagem adquiri-
da ao longo da vida, ficam grava-
13 Cargos de liderança e tomada de decisões considerados apenas para os homens;
dos no sistema inconsciente da
14 Políticas de igualdade de gênero não implementadas; nossa mente, moldam expectati-
15 Leis inadequadas sobre trabalho e não discriminação. vas e preferências e resultam em
comportamentos que dificultam
Fonte: Organização Internacional do Trabalho7
atingir a equidade de gênero, par-
EXECUTIVO 12
O IMPACTO DOS ESTEREÓTIPOS NA CARREIRA DAS MULHERES
ticularmente onde esta é mais necessária. Tendemos a acreditar que decisões injustas têm como base o
lado racional do cérebro, contudo atualmente os vieses são, na maioria dos casos, inconscientes e acabam
influenciando atitudes, julgamentos e ações. Sem que a pessoa perceba, ela acaba dando vantagens para
determinado grupo da sociedade8.
PRINCIPAIS VIESES
Os vieses inconscientes acabam formando uma barreira invisível e poderosa que dificulta o avanço das
mulheres nas corporações e, por outro lado, favorece os homens. Estudos mostram que a tomada de cons-
ciência sobre o impacto negativo dos vieses inconscientes pode ajudar as pessoas a terem uma nova forma
de olhar e pensar sobre a importância de uma cultura inclusiva e do aumento dos talentos femininos9. Para
isso, primeiramente é preciso identificar os principais vieses, dos quais destacamos cinco neste artigo: viés
de maternidade, viés de afinidade, viés de comportamento, viés de desempenho e viés de percepção. Cada
um deles é apresentado na Figura 2, mas faz-se importante levar em conta que todos estão interconectados.
Quadro 1.
Viés de afinidade Escolha de pessoas com quem temos maior afinidade ou que se parecem conosco.
Viés de desempenho Valorização do trabalho dos homens, contrastando com a subestimação do trabalho das mulheres.
Viés de percepção Reforço a estereótipos ou suposições sobre determinado membro ou grupo de pessoas, sem bases
concretas para esse fato. Por exemplo: homens são mais aptos para áreas de ciências, tecnologia,
engenharia e matemática.
Viés de maternidade
O fato biológico de apenas as mulheres poderem, por nove meses, gestar filhos já ativa um estereótipo de
gênero que as coloca em desvantagem no mercado de trabalho. Depois de darem à luz, surgem novas barrei-
ras. Pesquisa realizada no Brasil pelos pesquisadores Cecilia Machado e V. Pinho Neto, da Escola Brasileira
de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas, mostra que 48% das mulheres que saem de licença-
maternidade perdem o emprego um ano após o início do benefício10.
Uma mulher sem filhos tem maiores chances de ser contratada do que uma com prole. Mulheres que são
mães são caracterizadas como menos competentes e menos comprometidas com o trabalho do que aquelas
que não têm filhos11. Segundo a OIT, isso influencia negativamente sua carreira, ocasionando até mesmo
uma penalidade salarial que pode permanecer por toda a vida profissional12. Em comparação, homens pais
são qualificados como mais comprometidos e ganham salário superior ao daqueles que não têm filhos13.
Em artigo da American Economic Review14, Claudia Goldin indica que a diferença salarial entre homens
e mulheres não está relacionada à formação acadêmica, pois as mulheres estão estudando e formando-
se mais que os homens. Ela evidencia que as empresas valorizam e recompensam colaboradores que têm
longas jornadas de trabalho e estão disponíveis em tempo integral, fator que dificulta a participação das
mulheres com filhos. Por fim, ela indica que é necessário e urgente que as empresas reestruturem a forma
como incentivam colaboradores, criando trabalhos mais flexíveis.
Viés de afinidade
O viés de afinidade é a forte tendência que temos de escolher as pessoas com quem sentimos alguma
afinidade ou que se parecem conosco. Nas entrevistas de emprego, pessoas selecionadoras buscam racio-
nalmente pessoas com alta competência, mas, inconscientemente, há influência de similaridades culturais
nas experiências de vida e estilo comportamental15. Esse viés inconsciente continua depois que a pessoa é
contratada, pois a probabilidade de que ela receba avaliações melhores, promoções e maiores orçamentos
para seus projetos é alta16.
De acordo com a organização Lean In17, reconhecida por abordar temas como vieses inconscientes e
apoiar o empoderamento feminino, o viés de afinidade pode ser ativado por características físicas ou até
EXECUTIVO 13
O IMPACTO DOS ESTEREÓTIPOS NA CARREIRA DAS MULHERES
mesmo pelo nome da pessoa. Matéria publicada no jornal norte-americano The New York Times18 aponta
que há mais homens com o nome John como presidentes de empresas nos Estados Unidos da América do
que toda a quantidade de mulheres nas mesmas posições.
O viés de afinidade é particularmente prejudicial para mulheres e pessoas negras, pois são geralmente
deixadas de lado nos processos de recrutamento e entrevistas, já que pouco ou nada têm em comum com as
lideranças que as entrevistarão, que em sua maioria é formada por homens brancos.
Viés de comportamento
O viés de comportamento ocorre quando a expectativa de determinado comportamento é frustrada. Es-
pera-se que homens sejam líderes e assertivos e mulheres gentis e comunais. Quando estas demonstram
as características que são consideradas padrão para os homens, acabam sendo julgadas e, muitas vezes,
penalizadas por feedbacks negativos de lideranças e demais colaboradores. Mulheres líderes são mais pro-
pensas a serem descritas como mandonas e agressivas, embora essas palavras quase nunca sejam usadas
para descrever os homens19.
Não é esperado que as mulheres sejam competentes nem que sobressaiam em suas carreiras. As mulhe-
res deveriam, quando líderes, agir orientadas para o cuidado, e não para a obtenção de resultados20. Caso
demonstrem e superestimem seu papel de liderança, recebem classificações de desempenho mais baixas,
o que não ocorre com homens de mesmo comportamento21. A autopromoção no trabalho, fator positivo e
de alavancagem na carreira dos homens, é um problema para as mulheres, pois se espera que elas sejam
submissas e humildes e não demonstrem ser excessivamente confiantes22.
Viés de desempenho
O viés de desempenho tem suas raízes nas pressuposições de que homens têm melhores habilidades pro-
fissionais dos que mulheres. O resultado disso é um enorme desgaste emocional para elas, que enfrentam
mais microagressões, são mais interrompidas, têm suas ideias mais questionadas e precisam obter mais
resultados do que os homens para provarem que são competentes em seu trabalho. Não à toa, relatório mais
recente do Women in the Workplace23, da McKinsey em parceria com o Lean In, identificou que mulheres
que conseguem chegar aos cargos de liderança estão mais propensas a desistir.
Já no processo seletivo, o que é levado em conta como diferencial para as mulheres são suas conquistas
anteriores, enquanto os homens são contratados com base no seu potencial para o futuro, pois já é assumi-
do, inconscientemente, que eles possuem as habilidades necessárias para o cargo24. Estudo mostra que so-
mente alterar o nome feminino por um masculino no currículo aumenta a chance de contratação em 60%25.
O viés de desempenho gera oportunidades perdidas para as mulheres e piores avaliações de desempe-
nho. Elas são mais criticadas por seus erros e menos parabenizadas por seus acertos do que os homens, o
que acaba minando sua confiança e causa grande impacto negativo em suas carreiras26.
Viés de percepção
O viés de percepção é a tendência de acreditarmos em e reforçamos estereótipos ou suposições sobre
determinado membro ou grupo de pessoas sem bases concretas. Estereótipos de gênero acabam impedindo
o progresso das mulheres em áreas predominantemente masculinas, como as de ciências, tecnologia, enge-
nharia e matemática (STEM). Consequentemente, as mulheres têm menor motivação e identificação para
seguirem nesses campos profissionais.
As barreiras para as mulheres nas áreas de STEM começam na infância, marcadas pela crença de que me-
ninos são melhores do que meninas em matemática. As atitudes de pais e colegas são predominantemente
guiadas por esse estereótipo, o que faz com que aos poucos meninos sejam mais estimulados para essas
áreas do que meninas27. Apesar do interesse por matemática e ciências ser o mesmo, independentemente do
gênero, em crianças pequenas a divisão vai ficando nítida conforme crescem. As meninas são socialmente
levadas a acreditar que não podem obter sucesso em áreas de STEM, e já no ensino médio os meninos co-
meçam a superá-las em matemática28.
As barreiras seguem aumentando na idade adulta, pois existe uma representatividade muito maior de
homens nessas áreas. Faltam modelos femininos nas áreas de STEM, o que faz com que muitas vezes mu-
lheres se sintam isoladas. Além disso, desde o recrutamento até a avaliação de trabalhos científicos ou de
desempenho corporativo, as mulheres enfrentam maiores dificuldades29.
Interseccionalidades
Cabe ainda inserir o conceito de interseccionalidades30 aos vieses inconscientes. Quando consideramos,
além de gênero, a intersecção com outros estereótipos, como raça e etnia, identidade de gênero, orientação
EXECUTIVO 14
O IMPACTO DOS ESTEREÓTIPOS NA CARREIRA DAS MULHERES
sexual, deficiência e classe social, os vieses intensificam-se e as mulheres tendem a sofrer ainda mais em
suas carreiras profissionais. Estudo atesta que pessoas com três ou mais identidades estereotipadas não se
sentem pertencentes a lugar nenhum nem a nenhum grupo31.
Mulheres negras, quando comparadas às brancas, recebem menos suporte de seus gerentes, são promo-
vidas mais lentamente e têm menor acesso aos cargos de liderança sênior e, portanto, acabam sub-repre-
sentadas em cargos gerenciais, de acordo com levantamento da McKinsey32.
CONCLUSÃO
Os vieses de gênero não são intencionais, mas formam uma barreira invisível e poderosa que dificulta o
avanço das mulheres nas corporações, reduzem a chance da equidade de gênero e favorecem os homens.
A tomada de consciência sobre o impacto negativo dos vieses de gênero é o passo inicial para eliminá-los.
Aprender a lidar com os vieses inconscientes no trabalho é, em primeiro lugar, reconhecer que todas
as pessoas têm vieses33. Uma forma de trazer para a consciência tais vieses é pela realização do teste de
associação implícita de Harvard, que está disponível em português no link https://implicit.harvard.edu/im-
plicit/brazil. O teste tem como objetivo medir o nível do viés inconsciente e as associações estereotipadas.
O próximo passo para a redução do preconceito é o contato com mais mulheres. Faz-se preciso um nú-
mero maior de mulheres e toda a sua interseccionalidade em cargos de gestão e liderança. A representati-
vidade é fundamental para criar associações mentais para o cérebro, além de essencial para que as próprias
mulheres se vejam representadas e acreditem que também podem chegar lá. Vale ainda participar dos gru-
pos de afinidades de gênero na empresa.
O processo de conscientização e mudança inclui realizar revisões periódicas de processos importantes
como avaliação de desempenho, calibração e promoção. Antes de reuniões a respeito desses processos, é
recomendável preparar material para relembrar as pessoas os principais vieses inconscientes e seus impac-
tos. Esse momento é indispensável, uma vez que o processo inconsciente é tão profundo que leva a pessoa
a acreditar que está sendo justa. Assim, ela terá a oportunidade de perceber se sua escolha está enviesada.
A conscientização por meio de treinamentos e workshops continuados também é imprescindível para
que as pessoas entendam como as crenças, os preconceitos e os estereótipos influenciam negativamente as
suas tomadas de decisão, que acabam por comprometer de forma inconsciente a chegada das mulheres aos
cargos de gestão e liderança34.
Portanto, para construir uma organização mais diversa e sustentável, é fundamental criar um ambiente
de confiança e empatia para tratar do tema viés inconsciente, começando pela conscientização da lideran-
ça, de gestores(as) e colaboradores(as) sobre seus próprios vieses inconsistentes e abrindo caminho para
tratar dos temas diversidade e equidade de gênero.
NOTAS
1. Goldin, C., & Rouse, C. (2000). Orchestrating impartiality: the impact of “blind” auditions on female musicians. American Economic
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EXECUTIVO 15
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EXECUTIVO 16
MULHERES NEGRAS Resumo
RUMO À LIDERANÇA Objetivo: apresentar o histórico de mulheres negras na
gestão de empresas no país, as principais dificuldades que
enfrentaram para assumir posições de liderança, os desafios
que ainda precisam ser vencidos e as recomendações para
Pesquisa com executivas negras ampliar a participação de lideranças negras nas organizações.
mostra que há ainda muitos Estado da arte: apesar do avanço nos temas diversidade e
inclusão no mercado corporativo nos últimos anos, o número
obstáculos para aumentar sua de executivas negras, de maneira especial em posições
topo das organizações e aponta Originalidade: para dar voz à realidade das empresárias
recomendações para que a inclusão negras, foi realizada uma pesquisa online com um grupo de
60 executivas que participaram de um programa de formação
seja consistente. de lideranças para atuação em conselhos de administração em
empresas.
Dilma Campos – Chief executive officer (CEO), sócia fundadora da Outra Palavras-chave: diversidade, inclusão, governança
Praia, head de governança ambiental, social e corporativa da B&Partners.
ambiental, social e corporativa, conselhos de administração,
co, conselheira da AMPRO, da São Paulo Companhia de Danças e da
Solum Capital, Winning Women 2016 da EY, TEDx Speaker, coautora do sustentabilidade, gestão.
livro Publicidade antirracista e finalista do Prêmio Jabuti de Literatura.
E-mail: dilma@outrapraia.com.br
EXECUTIVO 17
MULHERES NEGRAS RUMO À LIDERANÇA
O
s negros representam 56,1% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE), mas ocupam apenas 4,7% dos cargos de liderança nas 500 maiores
empresas do país1. No caso das mulheres negras, o quadro revela-se ainda mais crítico: elas
preenchem apenas 0,4% dessas posições. Quando olhamos para o cargo de chief executive of-
ficer (CEO) das 423 empresas listadas na B3, nenhum profissional negro, homem ou mulher,
ocupa hoje essa cadeira2. Mesmo no recorte das 73 empresas que participaram do processo seletivo do Índi-
ce de Sustentabilidade Ambiental da B3 em 2021, ambientes em que o tema diversidade deveria estar mais
adiantado, a maioria das empresas (78%) afirmou ter apenas de 0 a 11% de negros em cargos C-Level.
As estatísticas comprovam uma realidade que se vê na maioria dos ambientes corporativos: a inclusão
racial está longe de refletir a heterogeneidade da população brasileira. Apesar dos avanços da pauta gover-
nança ambiental, social e corporativa (ESG) nas organizações e do surgimento de órgãos e entidades que
fomentam a inclusão da mulher preta na gestão, ainda são inúmeros os desafios que elas enfrentam para
galgar posições nas corporações.
Neste artigo, apresento o cenário histórico de homens e mulheres negros em cargos executivos nas em-
presas, que culmina com o quadro atual de esforços apoiados por diversos coletivos, entre eles o Conse-
lheira 1013, ou C101, programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração
do qual fiz parte. Mostro então resultados de uma pesquisa que fiz com minhas colegas do programa, reve-
lando dificuldades, avanços, desafios e, por fim, recomendações para fortalecer e aumentar a presença de
mulheres negras na liderança das empresas.
EXECUTIVO 18
MULHERES NEGRAS RUMO À LIDERANÇA
programas são particularmente relevantes, pois é por meio deles que são formados os futuros líderes das
empresas. Roberta Anchieta, atualmente diretora de Administração Fiduciária do Itaú Unibanco, entrou no
banco por meio de um programa de trainee ainda no ano 2000, antes dos programas voltados para negros.
No entanto, apesar de chegarem ao mercado corporativo em um contexto social mais favorável, as
jovens que entraram em programas de trainee voltados à população negra continuaram enfrentando
situações de discriminação, como as reações e o estranhamento dos colegas ao fato de elas irem traba-
lhar, por exemplo, com tranças no cabelo. A intersecção entre raça e classe mostra-se evidente quando
elas passaram a vivenciar situações com trainees e estagiários que estudaram em escolas particulares,
por não terem as mesmas experiências culturais para acessar posições de prestígio, como por exemplo
vivências internacionais6.
Com todas as dificuldades, a segunda geração de executivos negros teve (relativa) maior facilidade de
acesso às empresas em relação à primeira geração, por causa do avanço da agenda positiva de diversida-
de e de inclusão e da ampliação da discussão sobre a redução das desigualdades raciais, tanto na esfera
política como nas iniciativas pública e privada. Uma das ações na agenda foi a Lei de Cotas, de 20127, que
reservou 50% das vagas em universidades e institutos federais a pessoas que estudaram em escolas pú-
blicas, ampliando o acesso da população preta, majoritária nas classes econômicas menos favorecidas, ao
ensino superior.
Outro reforço na agenda positiva veio com o surgimento da sigla ESG, em 2004, em publicação do Banco
Mundial, em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU)8. Chamada Who Cares
Wins (Ganha Quem se Importa)9, a publicação foi resultado de uma provocação do então secretário-geral da
ONU, Kofi Annan, a 50 CEOs de grandes instituições financeiras do mundo e instigou o mercado de capitais
a integrar fatores ESG como critério de investimento nos negócios. O pilar social (o S da sigla ESG) fortaleceu
discussões sobre práticas de diversidade, inclusão, equidade de gênero e racial, ajudando a impulsionar po-
líticas e metas para reduzir a desigualdade nas organizações.
Aos poucos, mais executivas negras começaram a galgar posições C-Level nas empresas. Entre as pionei-
ras, está Rachel Maia, que assumiu o cargo de chief financial officer (CFO) da Tiffany & Co. em 2001, a posição
de CEO da Pandora em 2010 e hoje é conselheira administrativa da Vale, Banco do Brasil e CVC. Outro exem-
plo é Jandaraci Araújo, que foi diretora-executiva do Banco do Povo em 2019 e atualmente é CFO da 99Jobs.
EXECUTIVO 19
MULHERES NEGRAS RUMO À LIDERANÇA
EXECUTIVO 20
MULHERES NEGRAS RUMO À LIDERANÇA
Figura 3.
posições estratégicas e de lideran-
Os principais desafios para o futuro ça para mulheres negras nas em-
presas; capacitação, formação e
Garantir a permanência das mulheres negras que já ocupam posições nas empresas; desenvolvimento de mulheres ne-
Ampliar os espaços para a inclusão de outras mulheres negras entre executivas e conselheiras, gras para essas posições; expan-
garantindo que saiam da base e que apoiem as que já ocupam tais posições; são de programas (como o C-101)
Preparar jovens negras para posições de liderança; que fomentam a participação de
mulheres negras nos conselhos
Dar visibilidade às mulheres negras sêniores e carreirá-las;
de administração; manutenção
Consolidar e expandir iniciativas que já existem nas organizações; e sustentabilidade de metas e
Expandir e escalar programas como aqueles que fomentam a mulher negra nos conselhos (da políticas já iniciadas e intensifi-
formação à entrada efetiva); cação da agenda de diversidade
racial nas empresas; preparo das
Intensificar a agenda de diversidade racial, com a criação e ampliação de políticas privadas e públicas que
organizações para receber lide-
efetivamente funcionem para inclusão de mulheres pretas nas empresas e em posições de liderança;
ranças negras; quebra de vieses
Garantir equidade na remuneração para mulheres e negras em relação a homens e brancos; estruturais e criação de políticas
Considerar nas políticas metas que consideram a transversalidade de problemáticas relacionadas à públicas e privadas; apresentação
questão de raça e gênero; de resultados por parte de conse-
lheiras negras, o que vai garantir
Ter sustentabilidade em ações afirmativas até que cheguemos à igualdade racial nos espaços de poder;
a expansão de sua atuação nos
Permanecer relevante em posições de liderança diante de ambientes complexos, competitivos, conselhos.
inovadores e majoritariamente ocupados por pessoas brancas;
As respostas sinalizam que as
Ter letramento racial mais abrangente e efetivo nos lugares que não entendem a necessidade de uma empresas ainda precisam traba-
mudança de postura e posicionamento; lhar uma série de vieses incons-
Quebrar vieses estruturais; cientes e a própria cultura orga-
nizacional para verdadeiramente
Preparar as organizações para serem lideradas por pessoas negras;
acolher e dar espaço para repre-
Sensibilizar empresas do quanto a diversidade é saudável e traz benefícios para o negócio; sentantes deste e de outros grupos
Garantir que o pertencimento seja de fato genuíno nos ambientes organizacionais. diversos. As executivas consul-
tadas mostraram a necessidade
de resistir para permanecer nos
cargos, de superar ambientes refratários a mudanças e de fazer com que as políticas sejam eficazes e que o
pertencimento seja genuíno, para citar alguns aspectos levantados.
Ao final da pesquisa, foi deixado um campo aberto para observações adicionais ou complementos às
respostas anteriores. As respostas originaram recomendações para ampliar a participação de mulheres ne-
gras na gestão (Figura 4). Entre os
Figura 4. destaques, cabem citar o suporte
e envolvimento das empresas no
Recomendações para ampliar a participação impulsionamento da carreira de
de mulheres negras na gestão mulheres negras, a importância
de grupos de apoio como o C-101,
Não basta visibilidade, é necessário suporte técnico na gestão para que as mulheres negras se o engajamento de pessoas não ne-
sustentem nas posições conquistadas; gras para apoiar e abrir espaços
É preciso ampliar a inclusão de mulheres negras em careiras tradicionais de C-Level, pois as empresas nas instituições e a criação de in-
tendem a circunscrevê-las a carreiras de diversidade e sustentabilidade; dicadores claros de promoção para
pessoas negras. Essas recomenda-
Engajar as pessoas não negras é fundamental para apoiar as iniciativas existentes e abrir espaços
ções podem ser importantes dire-
efetivos nas empresas e instituições;
cionadores para as organizações
Eventos pontuais em períodos de comemoração são efetivos, mas acabam perdendo-se nos demais que desejam ampliar sua agenda
meses. Dessa forma, é importante ter eventos regulares para combater vieses e fortalecer a cultura da
de inclusão.
diversidade;
Construir parâmetros de práticas exemplares setoriais pode ajudar a impulsionar políticas e ações CONSIDERAÇÕES FINAIS
empresariais ou de regulação; Embora o avanço dos temas di-
Programas como C101 são essenciais para dar visibilidade e aumentar as oportunidades; versidade e inclusão seja inegável
nas organizações, trata-se de um
A criação de indicadores claros para carreiras de mulheres negras nas organizações ajuda a consolidar
processo de longo prazo que está
políticas e oferece transparência ao processo de inclusão
apenas começando. As estatísti-
EXECUTIVO 21
MULHERES NEGRAS RUMO À LIDERANÇA
cas apresentadas no início deste artigo mostram que a representatividade de executivas negras ainda é
baixa. As pioneiras, que desbravaram seu caminho de forma individual e de certa maneira heroica, são hoje
inspiração para as novas gerações. A maioria das executivas que já atingiu posições C-Level investe tempo
e esforços em mentorias e participa ativamente de grupos de apoio a mulheres negras. Elas sabem o quão
importante é inspirar outras mulheres com sua trajetória e estão prontas para dar o suporte a questões prá-
ticas que enfrentam no dia a dia e no processo de ascensão profissional.
Do ponto de vista das organizações, o tema diversidade é ainda um potencial a ser explorado. O Brasil é
o país com a segunda maior população negra do mundo (atrás apenas da Nigéria)12, e as mulheres negras
representam 27,8% da população, segundo o IBGE. Ter representantes desse grupo na liderança ou em con-
selhos de administração amplia a visão de mercado das marcas, dá visibilidade a um potencial público-alvo
ainda não atendido e pode revelar talentos que hoje não são considerados na maioria das empresas.
As organizações que querem investir nesse público podem agir de diversas formas: aumentar a partici-
pação de mulheres negras nos conselhos de administração; desenvolver programas de trainee para profis-
sionais negras, permitindo a capacitação dos jovens talentos; investir em programas de desenvolvimento
de lideranças negras; promover o letramento racial em toda a liderança não negra. Mudar pensamentos e
padrões enraizados na sociedade brasileira é essencial para avançar na temática racial e combater os vieses
inconscientes que hoje são predominantes nas culturas organizacionais
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EXECUTIVO 22
EMPREENDEDORAS Resumo
TRANSFORMAM A Objetivo: apresentar caminhos para fortalecer o
empreendedorismo feminino.
EXECUTIVO 23
EMPREENDEDORAS TRANSFORMAM A SOCIEDADE
H
istoricamente, as mulheres não têm tido as mesmas condições nem oportunidades que os
homens nos espaços de poder e dos negócios. Quando fizeram o movimento de sair de suas
casas para trabalhar, elas enfrentaram uma série de dificuldades. Vagas de emprego eram
predominantemente operacionais, em cargos como os de secretárias, atendentes e recep-
cionistas, e faziam exigências preconceituosas que ainda hoje perduram, como a da “boa
aparência”. Lélia Gonzalez1, nos anos 1980, já chamava a atenção para o racismo que atravessa também a
questão de gênero: a tal da boa aparência sempre foi uma moça de cor branca e cabelos lisos.
O cenário vem mudando em ritmo lento. A presença feminina ainda é proporcionalmente mais forte
nos cargos de base do que naqueles de liderança. Para continuar no emprego ou crescer profissionalmente,
assédios devem ser suportados. Se a mulher possui filhos, a vaga não serve para ela; se tem determinada
idade, está velha demais. Não é raro encontrar relatos de mulheres que acabaram de voltar da licença-ma-
ternidade e são demitidas sem grandes explicações. As mulheres, afinal, são as grandes responsáveis pela
economia do cuidado2. De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho3, elas se dedicam
3,2 vezes mais do que os homens nos trabalhos não remunerados de cuidado.
É difícil conciliar as demandas domésticas com um emprego celetista, ainda mais se a mulher morar lon-
ge do seu local de trabalho. O empreendedorismo surge como uma via para flexibilizar a rotina de trabalho
sem deixar de conseguir renda e independência financeira. Apesar de a expressão ser atualmente roman-
tizada, ser a sua própria chefe é um caminho que a mulher procura para se livrar de situações de assédio e
abusos a que possivelmente estaria submetida em um ambiente empresarial.
EXECUTIVO 24
EMPREENDEDORAS TRANSFORMAM A SOCIEDADE
Figura1.
Outro 4 1
EXECUTIVO 25
EMPREENDEDORAS TRANSFORMAM A SOCIEDADE
EXECUTIVO 26
EMPREENDEDORAS TRANSFORMAM A SOCIEDADE
portantíssimo que o governo crie programas de rede de internet para todas as regiões do país para melhorar
a conectividade de todas as pessoas, principalmente das mulheres. O acesso à internet vem atrelado a polí-
ticas de incentivo à geração de emprego e renda, uma vez que o recurso ainda não é gratuito, e os aparelhos
de conexão não são tão acessíveis. Programas globais de hubs de internet de comunidades carentes29 podem
servir de exemplo de modelos de conectividade que dão certo.
..
de maneira constitucional. Entre eles, reforçamos:
Enfrentamento a toda e qualquer forma de discriminação contra a mulher;
.Mitigação da insegurança alimentar gerada pela alta taxa de inflação da cesta de alimentos básicos;
Garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Por fim, esperamos que haja políticas públicas capazes de fortalecer programas de empreendedorismo
feminino já existentes, assim como uma esfera pública que aceite, e não rejeite, a mulher como formula-
dora dessas políticas. Além disso, é muito importante que mulheres ocupem diferentes espaços de poder,
sejam eles governamentais, sejam empresariais, sejam midiáticos, sejam organizacionais. Somente com
mais mulheres pensando por elas mesmas vamos avançar nas pautas que tanto queremos. Ocupar lugares
estratégicos é fundamental para virar o jogo da desigualdade de gênero.
EXECUTIVO 27
EMPREENDEDORAS TRANSFORMAM A SOCIEDADE
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%C3%A0%20educa%C3%A7%C3%A3o%2C%20mostra%2Dse,1%25%20t%C3%AAm%20ensino%20superior%20completo
EXECUTIVO 28
A PRESENÇA FEMININA Resumo
NOS CONSELHOS Objetivo: mostrar a importância de aumentar
a participação de mulheres nos conselhos de
administração das empresas do Brasil.
Mulheres nos mais altos órgãos de Estado da arte: a presença de mulheres nos
controle das empresas podem trazer conselhos traz benefícios para as organizações
em múltiplas dimensões, mas o impacto
benefícios em aspectos como ética, positivo depende de um contexto de equidade
e transparência, e elas ainda estão sub-
diversidade, recursos humanos, representadas, particularmente no Brasil.
EXECUTIVO 29
A PRESENÇA FEMININA NOS CONSELHOS
A
diversidade ganhou protagonismo nos principais fóruns de debate globais. Grande parte das
empresas e dos investidores, em maior ou menor grau, já se convenceu da relevância do tema
e o incluiu em suas diretrizes estratégicas. Permanece ainda o desafio de fazê-lo acontecer
nos diversos ecossistemas organizacionais e, de maneira especial, nas lideranças.
A transformação não acontecerá sem mudança sistêmica e disposição para questionar ins-
trumentos tradicionais utilizados pelas áreas de recursos humanos em seleção e recrutamento, avaliação de
desempenho e critérios de escolha dos melhores candidatos para promoção. Há ainda muito por fazer para
assegurar a representatividade da diversidade, alinhando metas com a estratégia do negócio e promovendo
as mulheres a posições de linha, técnicas, executivas e conselheiras.
Este artigo ressalta a importância de aumentar a representatividade das mulheres em conselhos de ad-
ministração. O conselho, em última análise, é o guardião da cultura organizacional e, para além do exemplo,
direciona a organização para alcançar os níveis aceitáveis de diversidade, assegurando igualdade e justiça
na gestão de oportunidades na empresa.
BENEFÍCIOS DA DIVERSIDADE
Comprovadamente, a diversidade tem impacto tangível sobre a produtividade no trabalho e sobre o valor
organizacional. Estudos da McKinsey conduzidos durante um período de cinco anos demonstram correla-
ção positiva, estatisticamente significativa, entre a diversidade, tanto de gênero quanto de etnicidade, e o
desempenho financeiro de uma organização.
Esses estudos foram conduzidos em três momentos, gerando os relatórios Diversity Matters1, de 2015;
Delivering Through Diversity2, de 2018; e Diversity Wins3, de 2000. Os resultados sustentam o argumento
em favor da diversidade, definida como maior proporção de mulheres e indivíduos étnico e culturalmente
diversos em posições de liderança. Estabelece-se clara conexão entre a diversidade e melhores resultados
financeiros. O último levantamento, conduzido em 15 países de cinco continentes, com um universo de
mais de mil empresas de grande porte, mostrou rentabilidade 25% superior entre as empresas do quartil
com maior diversidade de gênero nos times executivos com relação àquelas do quartil com menor diversi-
dade. Em termos de etnicidade, a diferença foi de 36%.
Mergulhando na questão de gênero, a presença de mais mulheres nas organizações promove maior con-
fiança e diálogo aberto, construindo uma cultura orientada à colaboração, o que impacta em uma agenda
de inovação mais robusta. O aumento da participação feminina também sustenta práticas empresariais e
comportamentos de liderança eficazes, levando a equipes mais motivadas e melhor saúde organizacional,
definida como a capacidade de entregar resultados superiores no longo prazo4.
Em levantamento com empresas europeias realizado em 20205, a agência de classificação de risco Moo-
dy’s concluiu que, entre as que apresentaram melhores notas de crédito, havia um fator em comum: maior
representatividade de mulheres em conselho e nas diretorias executivas. Quando uma empresa obtém bom
rating, tem acesso a crédito mais barato e de melhor qualidade. Esse resultado confirma o que havia sido
encontrado também entre empresas americanas, em 2019: as que tinham mulheres em cargos de liderança
apresentavam maior abertura para mudanças e menor propensão a risco6. Podemos assim afirmar, sem
medo de errar, que a diversidade faz sentido e é bom para os negócios.
EXECUTIVO 30
A PRESENÇA FEMININA NOS CONSELHOS
Figura 1.
conselhos (Figura 1). Outro levantamento, da Deloit-
Número de membros mulheres nos conselhos de te9, coloca o Brasil em 39º lugar entre 51 países em
CAMINHOS
O novo capitalismo de stakeholders, com maior foco em ambiental, social e governança (ASG) e em di-
versidade, inclusão e equidade (DIE), exige uma nova postura dos conselhos de administração e dos con-
selheiros. O valor de um colegiado diverso que apresente em sua composição competências profissionais
EXECUTIVO 31
A PRESENÇA FEMININA NOS CONSELHOS
diferentes e complementares vai definindo um novo perfil para os conselhos de alta performance.
Embora o momento possa até se traduzir em maiores oportunidades para mulheres, o fato é que não há
um único caminho para o aumento de sua participação nos conselhos. O crescimento do número de conse-
lheiras segue lento, mesmo com discussões mais frequentes de que a diversidade é relevante.
Sabemos que todos nós temos vieses, inconscientes ou não, e por mais neutro e bem-feito que seja o pro-
cesso de seleção de candidatos a conselho, a decisão final será tomada por um ser humano ou um comitê de
nomeações. Cerca de 90% dos membros de conselho são indicados por sua rede de relacionamentos20, e no
Brasil essas redes são predominantemente masculinas.
Nos últimos anos, vêm surgindo no país iniciativas para fortalecer redes femininas, preparar mulheres
para assumir posições de conselho e fazer advocacy em relação ao tema. Exemplo é a Women Corporate
Directors (WCD), com uma base de 350 associadas. A WCD, juntamente com a Bolsa de Valores do Brasil
(B3), o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e a International Finance Corporation (IFC),
promove o Programa Diversidade em Conselho, com mentoria, cursos e eventos. Outro exemplo é o 30%
Club Brazil, capítulo brasileiro de um movimento global que busca atingir 30% de mulheres nos conselhos.
Cabe destacar ainda o Conselheira101 (C101), programa para aumentar a presença de mulheres negras em
conselhos de administração.
Além das redes, muitos países têm imposto cotas para mulheres nos conselhos. A Noruega foi pioneira
ao fazê-lo em 2005 e hoje é a vice-líder em proporção de assentos em conselhos ocupados por mulheres
(42,4%), atrás apenas da França (43,2%), que também tem legislação a respeito21. É crescente o número de
países que vêm inserindo cotas, e a União Europeia está adotando leis a respeito. Há ainda países que esta-
belecem cotas somente para as empresas estatais ou que determinam a obrigatoriedade de divulgação do
percentual de mulheres em conselhos para as empresas de capital aberto. Outros países vêm preferindo o
caminho da autorregulação, estimulando a adoção de metas estabelecidas pela própria empresa e a divul-
gação da evolução.
A questão de cotas é assunto controverso. A experiência mostra que os resultados dependem do contexto
cultural de cada país. Pode-se observar que os países que adotaram alguma forma de ação afirmativa estão
mais adiantados em seus índices quando comparados aos que ainda não o fizeram. O caso europeu mostra
que, sem nenhum estímulo, as mulheres dificilmente saem do lugar. Países da Europa sem nenhum tipo de
estímulo têm um percentual de 18% de mulheres nos conselhos, em média. Já nos que têm cotas chamadas
soft, no formato de metas a empresas, esse percentual sobe para 30,7%; e naqueles com cotas obrigatórias
por lei, aumenta para 38,8%22.
No Brasil, a B3 sugere a adoção do modelo “pratique ou explique” para a questão da diversidade. Até
2026, companhias em todos os níveis de listagem da bolsa devem ter ao menos uma mulher e um integrante
de comunidade minorizada no conselho ou na diretoria estatutária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resumindo, por que é importante falarmos de diversidade de gênero em conselhos? Inicialmente, por-
que amplia a base disponível de talentos, aumenta o engajamento entre colaboradores, melhora a qualida-
de das lideranças, conecta melhor a marca com seus clientes e consumidores e dá acesso a uma gama mais
variada de competências e conhecimentos.
Há efeito positivo claro em aspectos sociais e éticos do comportamento do conselho, criando melhor
dinâmica de grupo e influenciando também o aumento da diversidade nos demais níveis da organização.
O fortalecimento de mulheres nos conselhos contribui ainda para o conhecimento e a geração de valor,
pois, na base de todo o processo de inovação de sucesso está a diversidade cognitiva ou a pluralidade de
experiências e visões.
Diversidade é um assunto de governança e gestão. Para ser bem-sucedida, deve contar com o envolvi-
mento de todos os níveis das organizações.
É sobre decisões e escolhas. Que saibamos fazer as corretas!
NOTAS
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EXECUTIVO 32
A PRESENÇA FEMININA NOS CONSELHOS
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EXECUTIVO 33
COVID-19: UMA JANELA Resumo
PARA FRAUDES Objetivo: entender a percepção dos participantes do
mercado de governança, riscos e compliance (GRC) sobre
ocorrência de fraudes corporativas no período crítico da
CORPORATIVAS? Covid-19.
de vulnerabilidades com a pandemia, Escopo: o estudo foi realizado com base em questionário de
mas também foram adotadas ações survey respondido por 120 profissionais de GRC, testes de
hipótese e análises descritivas.
para mitigá-las que podem ser usadas Originalidade: o artigo traz a percepção dos participantes
para enfrentar crises futuras. do mercado de GRC no Brasil sobre o aumento de fraudes
durante a Covid-19, mostra quais ações foram tomadas
para mitigar os problemas e as perspectivas para o futuro.
Iedo Matuella Filho – Mestre pela Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP). Impactos: a pesquisa pode auxiliar profissionais com
E-mail: iedofilho@alumni.usp.br benchmark de alterações do GRC em momentos de tomada
Claudio de Souza Miranda – Professor da Faculdade de Economia, de decisão acelerada e com pouca informação.
Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (FEA-RP/USP).
Palavras-chave: governança, riscos e compliance;
E-mail: csmiranda@usp.br
Jonny Mateus Rodrigues – Professor da Escola de Administração de pandemia, fraudes, gestão de crise, tomada de decisão.
Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).
E-mail: jonny.rodrigues@fgv.br
EXECUTIVO 34
COVID-19: UMA JANELA PARA FRAUDES CORPORATIVAS?
N
o início da Covid-19, surgiram preocupações de como as modificações organizacionais provocadas pela
pandemia afetariam os riscos de fraudes corporativas1. Sem garantias de que estariam tomando as melho-
res decisões, as organizações substituíram operações presenciais por remotas e adaptaram seus sistemas
para que isso ocorresse da melhor forma possível. Tais mudanças poderiam trazer vulnerabilidades, com
fragilização dos ambientes de controle internos, riscos de segurança cibernética e problemas reputacio-
nais, entre outras questões. Além disso, as áreas de governança, riscos e compliance (GRC) poderiam sofrer desinvestimen-
tos com a possível realocação de recursos para reorganizar outras áreas das empresas.
O cenário era ideal para uma avaliação dos impactos de grandes períodos de incerteza nas práticas de GRC. Pesquisas
anteriores relacionaram a importância dessas atividades para redução de casos de corrupção e fraudes no Brasil2. Este
estudo então buscou entender como os profissionais de GRC perceberam os riscos de fraudes corporativas com a eclosão
da Covid-19 e quais ações foram tomadas para mitigá-los. Foi elaborado um questionário, com a ajuda de 12 entrevistados,
que foi respondido por 120 profissionais contatados pela rede social Linkedin.
Os possíveis aumentos de riscos foram avaliados pela ótica da teoria do triângulo de fraudes3, que considera três as-
pectos para explicar a suscetibilidade de funcionários para violar leis, regulamentos, políticas, procedimentos e controles
internos organizacionais. São eles o aumento de pressão, por, por exemplo, problemas pessoais ou empresariais diante
de uma crise como a da Covid-19; as brechas que aumentam a oportunidade de fraudar, por exemplo, quando faltam in-
vestimentos em controles; e, por último, a racionalização, quando o funcionário procura justificar atos fraudulentos, por
exemplo, para salvar sua família ou a empresa.
Os resultados da pesquisa revelaram riscos aumentados em todos esses três aspectos durante a pandemia. Ao contrá-
rio do que muitos esperavam, as empresas investiram em controles internos no período para lidar com o aumento dos ris-
cos. A contribuição do estudo com essa descoberta é mostrar não só a dinâmica de mudanças em governança, compliance
e controle de riscos em períodos críticos, como apontar caminhos para o futuro.
O artigo apresenta primeiramente a literatura sobre a teoria do triângulo de fraudes, fazendo também distinções entre
as várias atividades de GRC. Em seguida, mostra a metodologia utilizada pela pesquisa. Depois, detalha os resultados en-
contrados e faz a discussão dos achados, contrastando-os com o que já se sabe a respeito. Por fim, sugere recomendações
para as empresas lidarem melhor com futuras crises.
ESTADO DA ARTE
Diversas pesquisas mostram como períodos de crise favorecem fraudes. Por exemplo, em consulta aos associados so-
bre o impacto da recessão de 2008 nas empresas dos Estados Unidos da América, a Association of Certified Fraud Exami-
ners (ACFE) descobriu que a maioria deles conviveu com aumento no número de fraudes, e 80% afirmaram que as fraudes
aumentam em períodos de dificuldades econômicas4.
O crescimento da propensão a fraudes em períodos de crise pode ser explicado pela ótica da teoria do triângulo de
fraudes, criada há meio século por Donald R. Cressey5. Essa teoria parte do pressuposto de que pessoas com cargos ou
posições de confiança podem romper essa fidúcia para resolver, via desvios ou adulterações nos processos empresariais,
determinada situação pessoal ou organizacional que não gostariam de expor aos colegas.
O primeiro ponto do triângulo de fraudes consiste na pressão, relacionada ao motivo para a fraude. Relatório da EY6 lis-
ta como pressões no tocante à crise da Covid-19 as necessidades de: manter estilo de vida, situação financeira e emprego;
cumprir metas difíceis para o contexto; e salvar empresas das dificuldades – além de condições mais estressantes do home
office e da própria pressão pela sobrevivência física ante uma pandemia.
O segundo ponto é a oportunidade, ligada à possibilidade de fraudar, seja pelo conhecimento, seja pelo cargo ocupado,
seja pelo contexto. Quando ocorrem crises, as empresas tendem a cortar custos em áreas que não geram receitas, como as
que lidam com GRC, o que acaba criando oportunidades para os fraudadores7. No caso da Covid-19, além desse fator, hou-
ve uma série de flexibilizações, estímulos, subsídios e doações, nas esferas pública e privada, que geraram oportunidades
de corrupção e fraude, como mostra o relatório da EY. É importante citar também a transição para o trabalho remoto em
um espaço de tempo insuficiente para assegurar monitoramento e supervisão adequados.
O terceiro e último ponto está na racionalização, na justificativa para a fraude. É quando o fraudador aceita, mental-
mente, que vai efetuar o ato e encontra razões para se convencer de que deve fazê-lo. No contexto da pandemia, há relação
desse ponto com a necessidade de sustento da família, da sobrevivência empresarial ou mesmo do risco sanitário.
As atividades de GRC são consideradas essenciais para lidar com esses três pontos do triângulo de fraudes8. A necessi-
dade de uma gestão organizada das áreas de governança corporativa, riscos e controle internos, que ficou conhecida como
modelo GRC9, veio com a Lei Sarbanes-Oxley, sancionada em 2002 pelo Congresso dos Estados Unidos para proteger
investidores e demais stakeholders de fraudes, após o famoso escândalo da Enron.
O modelo GRC é composto de três itens, com as seguintes atividades: a governança envolve análises de políticas e pla-
nos de conselho e as estruturas de controle; a análise de riscos tem como princípio ser preventiva, observando os efeitos
de atividades e mudanças nas empresas; e o compliance auxilia no cumprimento da meta pela integridade e transparência
e está bastante associado à área de controles internos10.
EXECUTIVO 35
COVID-19: UMA JANELA PARA FRAUDES CORPORATIVAS?
METODOLOGIA
A pesquisa procurou relacionar os pontos do triângulo de fraudes de Cressey com a percepção dos participantes do
mercado de GRC das empresas brasileiras. Para tal, foram feitas, em uma primeira etapa, 12 entrevistas com especialistas
para apoio na estruturação de questionário. Na segunda etapa, o questionário foi enviado para uma base de 971 e-mails,
levantados por meio da rede social LinkedIn, mediante buscas no site pelas palavras-chave “riscos”, “governança corpora-
tiva”, “controles internos” e “compliance”. Foram efetuadas quatro ondas de disparo, sendo três via e-mail e a última pelo
mensageiro instantâneo da rede LinkedIn, entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022. Houve 120 respostas válidas.
As questões referentes ao triângulo de fraudes foram construídas utilizando-se a escala de Likert de 7 pontos, indo
do cenário de queda intensiva (ponto 1) até o de aumento intensivo (ponto 7). O questionário também continha questões
sobre mudanças nas áreas de GRC/compliance com a pandemia (como medidas de distanciamento social, adaptações
gerenciais para home office e mudanças em doações no período).
Foi realizada análise descritiva, assim como testes de normalidade e testes não paramétricos, conforme a necessidade
dos resultados11. Para tal propósito, foram utilizados os softwares SPSS e Microsoft Excel e também variáveis de controle,
para verificar possíveis diferenças de percepções entre grupos de respondentes, divididos pelo tamanho da empresa em
que trabalham, nível hierárquico, nacionalidade da empresa, tipo de vínculo com a empresa (interno ou externo/consul-
tor), atuação em áreas de governança corporativa, riscos, controles internos e compliance. Os respondentes eram de 13
estados brasileiros, com concentração no sudeste, faixa etária predominante 31 a 50 anos, gênero dividido entre homens
e mulheres. A maior parte dos respondentes atuava em mais de uma área de GRC, com liderança para a de compliance,
seguida de riscos, governança corporativa e controles internos.
RESULTADOS
Os resultados são apresentados em três partes: movimento efetuado pelas organizações durante o período crítico da
Covid-19 no Brasil, percepções dos consultados sobre os efeitos da pandemia nos pontos do triângulo de fraudes e perspec-
tivas para o futuro.
Riscos que surgiram ou aumentaram com a pandemia (%) 25,7% relataram que os empregadores
não participaram de doações.
90 As mudanças provocadas pela pan-
80
demia propiciariam o surgimento ou
o aumento de algumas categorias de
70 riscos. A que mais se destacou, ligada
60 diretamente ao home office, foi a de ris-
co cibernético, apontada por 77,5% dos
50
respondentes. Em seguida, aparece-
40 ram os riscos operacional, sanitário, fi-
30 nanceiro e de conformidade (Figura 1).
20 Não ocorreram diferenças estatís-
ticas significativas entre os grupos no
10
que concerne ao risco cibernético. Em
0 relação aos outros riscos, apareceram
diferenças, e destacamos as mais im-
co
ro
de
cal
na
ári
gic
cei
éti
da
Fis
cio
é
ern
an
mi
rat
era
Sa
Fin
for
Op
n
Co
EXECUTIVO 36
COVID-19: UMA JANELA PARA FRAUDES CORPORATIVAS?
risco operacional (65,4% contra 50% dos que não trabalham com governança corporativa) e sanitário (67,3% contra 38,2%
dos que não trabalham com governança corporativa). No tocante ao risco sanitário, a percepção também foi mais intensa
entre os profissionais de empresas nacionais e as de menor porte (com até 100 funcionários). Aqueles que atuam em con-
troles internos tiveram uma percepção bem superior sobre risco financeiro do que os que não têm essa função (63% contra
37,8%). No que se refere ao risco de conformidade, houve diferença grande entre consultores e funcionários internos: 68,8%
dos primeiros apontaram esse risco, contra 38,6% dos últimos.
Não houve, durante o período pandêmico, fortes desinvestimentos. Pelo contrário, a maioria dos respondentes (56,7%)
sinalizou que os investimentos em GRC cresceram. Viu-se o fortalecimento dessas atividades, com 52,5% dos profissionais
consultados afirmando que aumentou a rigidez dos controles, de forma a evitar desvios de conduta durante o período mais
crítico da pandemia.
A maioria dos profissionais consultados relatou que foi necessário reforçar investimentos em tecnologia, pois em 40%
dos casos as empresas não tinham estrutura para home office. Além dos investimentos em equipamentos, estruturas de
virtual private network (VPN) e treinamentos, cabe destacar os investimentos mais alinhados com GRC: 62,4% dos respon-
dentes afirmaram que houve investimentos em segurança cibernética e 47% que houve estruturas de reforços de controles.
Em termos de mudanças nas operações antifraudes, o que mais houve foram adaptações (59,2%). Apenas 30% dos res-
pondentes afirmaram que foram implantadas novas metodologias. Em relação ao uso do canal de denúncias, na maioria dos
casos (60,8%), ficou estável. A maioria dos consultados pela pesquisa (74,2%) afirmou que foi criado comitê de crise para o
período na empresa, com alta assertividade.
Para os atuantes em compliance, houve esforços para melhorar mecanismos de conformidade por causa do home office.
Entre eles, destaca-se o aumento de comunicação e treinamentos (para 59,2% dos respondentes), seguido de melhorias
de due diligence (38,2%). Entre os atuantes em governança corporativa, ocorreram mudanças no formato de reuniões de
assembleia, que passaram para o online e foi considerado ainda melhor que o presencial por 56,1% dos respondentes.
EXECUTIVO 37
COVID-19: UMA JANELA PARA FRAUDES CORPORATIVAS?
Perspectivas futuras
Questionados sobre como aprendizados e acontecimentos da pandemia podem ser direcionadores do futuro, os respon-
dentes sinalizaram que os aspectos predominantes a perdurarem são a adoção de trabalho remoto por áreas que antes não
utilizavam essa modalidade, a automatização de fluxos de processos e controles gerenciais, o aumento de uso de tecnologia
em análises e indicadores e as reuniões de assembleias e conselhos de forma remota (Tabela 1). Entre as alternativas apre-
sentadas, a manutenção de um comitê para gerenciar crises foi a menos escolhida.
Tabela 1.
Adoção do trabalho remoto para áreas da empresa que antes não utilizavam essa modalidade 65,8
DISCUSSÃO
A discussão é apresentada nos mesmos três blocos dos resultados: o movimento realizado durante a pandemia, o triân-
gulo de fraudes e as percepções sobre o futuro.
EXECUTIVO 38
COVID-19: UMA JANELA PARA FRAUDES CORPORATIVAS?
Perspectivas futuras
Em relação às perspectivas para o futuro, percebe-se que algumas mudanças vieram para ficar, como a
adoção do home office e aperfeiçoamentos tais quais a automatização de controles e maior uso de tecno-
logia em GRC. Por outro lado, outras iniciativas, como o comitê de crise, são temporárias. Comitês de crise
podem ser dissolvidos após o período mais crítico e retomados caso sejam necessários no futuro.
Os resultados estão em linha com as recomendações de fortalecimento de ações de governança, controle
de riscos e compliance20. Para enfrentar turbulências de curto, médio e longo prazos, as empresas devem
usar estratégias e ações bem-sucedidas que foram iniciadas para lidar com a Covid-19 e assim fortalecer
suas agendas de integridade, ética e conformidade.
RECOMENDAÇÕES
A pesquisa mostrou maior preocupação e aumento da pressão, oportunidades e racionalização de frau-
des durante o período de isolamento entre os profissionais de GRC. Além disso, houve a percepção de um
ambiente menos supervisionado, mais estressante e com maior risco iminente de fraude.
Houve investimentos para lidar com o aumento de riscos, com estratégias e ações que em grande parte
devem perdurar. Não se sabe se tais esforços foram suficientes para fazer frente às novas possibilidades
para a ocorrência de fraudes. Dessa forma, passado o período mais crítico da pandemia, recomenda-se que
as empresas mantenham seu nível de segurança ao acesso remoto, com investimentos em acessos via VPN,
privacidade dos dados, equipamentos configurados e ambiente remoto seguro. Sugere-se, ainda, a imple-
mentação de controles apropriados à realidade remota para as empresas que migraram e pretendem conti-
nuar migrando para o home office. Há um grande desafio à frente para reverter a sensação de baixa supervisão
do ambiente virtual.
Também é importante ter planos contingenciais de emergência, aos quais as empresas podem recorrer
em caso de necessidade. Gestores das áreas de GRC devem ter visão estratégica de suas funções, traçando
planejamentos voltados para a continuidade de suas operações e eficácia empresarial. Recomenda-se ainda
a utilização de relatórios e métricas automatizadas para o controle gerencial e mitigação de riscos.
De nada adianta ter bons controles se incentivos e questões culturais não estiverem bem equacionados.
As metas estabelecidas aos funcionários devem estar alinhadas com as condições possíveis do mercado,
para que não se estabeleçam níveis elevados de pressão que predisponham a fraudes. Treinamentos pe-
riódicos sobre conduta ética empresarial, utilização correta dos sistemas e segurança dos dados ajudam a
formar uma cultura de integridade.
Essa mudança de cultura deve ter como fio condutor o exemplo dos líderes. A alta gerência deve apoiar
a implementação e o seguimento da agenda de conduta ética e de compliance. Os órgãos de governança tam-
bém devem equilibrar suas preocupações entre resultados operacionais e financeiros e aqueles relaciona-
dos a ética e compliance, nem sempre ligados a resultados de curto prazo.
NOTAS
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EXECUTIVO 39
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19. EY (2020).
20. EY (2020).
EXECUTIVO 40
COMO FAZER Resumo
REUNIÕES ESTRATÉGICAS Objetivo: apresentar pontos frágeis e boas práticas no
uso de linguagens baseadas em imagens e texto para
MAIS EFETIVAS
reuniões sobre estratégia corporativa.
Sandro Magalhães Manteiga – Vice-Presidente de Operações do Nubank, Palavras-chave: estratégia, narrativas, linguagem,
doutor em Administração de Empresas pela FGV EAESP e pesquisador de
desenvolvimento de competências organizacionais em empresas de alto
six-pager, PowerPoint.
crescimento.
E-mail: smanteiga@gmail.com
EXECUTIVO 41
COMO FAZER REUNIÕES ESTRATÉGICAS MAIS EFETIVAS
E
m novembro de 2021, faltavam poucas semanas para a abertura de capital (IPO) do Nubank. Mesmo sendo
um executivo recém-contratado, eu tinha uma grande expectativa com relação ao evento. À medida que mi-
nhas atividades de integração avançavam, mesmo que de forma 100% remota, em função da pandemia de
Covid-19, participei de uma reunião bastante diferente da usual.
Enquanto ainda aconteciam as saudações por voz e pelo chat da ferramenta de teleconferência, um dos
participantes compartilhou o link de um artigo na nuvem para ser lido em 15 minutos. Durante esse período, todos ficaram
absolutamente compenetrados na leitura. Então, um colega quebrou o silêncio e confirmou se os participantes estavam
prontos para iniciar a discussão sobre o conteúdo do documento de texto. Assim, a reunião prosseguiu com a discussão.
Naquele mesmo dia, descobri que essa prática era utilizada pela Amazon, de onde veio a inspiração para o Nubank
adotá-la. Na Amazon, em 2004, os principais líderes da empresa receberam um e-mail breve de Jeff Bezos, então chief exe-
cutive officer (CEO), que dizia: “O PowerPoint não será mais usado em reuniões executivas”1. Os gestores ficaram confusos,
pois apresentações em PowerPoint sempre tinham sido a base para discutirem estratégia. Ao questionarem o que seria
esperado a partir de então nessas reuniões, receberam como resposta: “Narrativas escritas na forma de texto, e não mais
em imagens”2.
A maioria das empresas utiliza softwares de apresentação como o PowerPoint para efetuar discussões complexas e estra-
tégicas, contudo algumas empresas, principalmente da área de tecnologia e com centralidade no cliente, inspiradas pelo
sucesso da Amazon, começaram a utilizar narrativas para basear suas reuniões estratégicas. Mas, afinal de contas, o que os
estudos mostram sobre o uso de uma ou outra ferramenta?
O objetivo deste artigo é discutir o uso de ferramentas mais visuais, como o PowerPoint, ou textuais, como as narrativas
adotadas pela Amazon e pelo Nubank, apontando os aspectos frágeis e as formas mais efetivas destacados na literatura
para adotar imagem e/ou texto para melhorar a elaboração, comunicação, memorização e alinhamento para a execução
da estratégia. O artigo apresenta primeiramente a polêmica em torno do PowerPoint para então mostrar caminhos para
instrumentos de comunicação em reuniões estratégicas.
A DEMONIZAÇÃO DO POWERPOINT
Estima-se que 500 milhões de pessoas usem o PowerPoint em todo o mundo e que, a cada dia, sejam criadas 30 milhões
de apresentações3. A popular ferramenta, no entanto, vem atraindo críticas crescentes há duas décadas. Em 2003, a ca-
tástrofe com o ônibus espacial Columbia, que resultou na morte de sete astronautas, foi o gatilho para a demonização do
PowerPoint como ferramenta de tomada de decisão estratégica4.
O desastre foi causado por uma falha na integridade do revestimento de proteção térmica nas asas da nave, ocasionada
pelo choque com um pedaço de espuma isolante que se desprendeu do Columbia já na decolagem. Ficou obscuro então o
que levou à tomada de decisão de fazer o ônibus espacial reentrar na atmosfera com componentes danificados.
O cientista de informação Edward Tufte decidiu conduzir uma análise das comunicações que fundamentaram a deci-
são equivocada da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa)5. Ele descobriu que, em vez de textos técnicos
sobre os problemas enfrentados pelo Columbia, a base para a discussão foram 28 slides parcamente organizados e escritos
em linguagem confusa e imprecisa.
O mais fundamental deles passava no título a ideia de resistência dos materiais da nave, para só ao final, com menor
destaque, alertar que as condições reais de impacto eram muito mais críticas do que as testadas em laboratório. A conclu-
são de Tufte foi que, embora a lógica para uma melhor tomada de decisão estivesse implícita nos dados das apresentações,
a má qualidade, as escolhas de sequência e a linguagem vaga ofuscaram a clareza quanto à decisão correta a ser tomada.
Diversos pesquisadores vêm estudando o uso do PowerPoint6 para tomadas de decisão estratégicas. Eles apresentam os
.
seguintes pontos frágeis da ferramenta:
Conflito de canal e sobrecarga cognitiva: os participantes de apresentações em PowerPoint utilizam audição e visão
para compreender o que está sendo apresentado, contudo cientistas cognitivos comprovam que é impossível retermos
toda a informação enquanto visualizamos imagens e texto em uma tela e ouvimos um apresentador ao mesmo tempo.
Em outras palavras, o uso simultâneo de canais distintos de comunicação cria conflito ou sobrecarga cognitiva em
.
nosso cérebro, que é incapaz de realizar essa multitarefa, o que resulta em perda de informação7;
Linearização de narrativas complexas: por design, o PowerPoint induz à linearização de narrativas. Um slide sucede-se
ao outro de forma mecânica, dificultando ao apresentador construir uma narrativa rica e complexa em nuanças e in-
ventividade. Essa estrutura tende a dificultar a compreensão de contexto e a avaliação de relacionamentos complexos,
.
que caracterizam discussões estratégicas8;
Ordenação incompleta e incoerente: em geral, quando uma narrativa complexa é condensada em PowerPoint, é o con-
teúdo que acaba comprimido e de certa forma fatiado para adequar-se ao formato da ferramenta de apresentação9.
Isso resulta em uma falsa sensação de ordem na informação, que em geral está incompleta e às vezes incoerente.
Ficam lacunas de informação entre os slides e entre os bullet points, e é o apresentador quem tem de completar esses
.
vácuos em sua fala10;
Introdução de vieses inconscientes: o PowerPoint é um instrumento incompleto que depende da variabilidade das
EXECUTIVO 42
COMO FAZER REUNIÕES ESTRATÉGICAS MAIS EFETIVAS
habilidades de apresentação e do carisma dos apresentadores11. Ao mesmo tempo que essa característica pode ajudar
um bom apresentador, acaba contribuindo para decisões equivocadas nos exemplos contrários, como no caso da ca-
CAMINHOS
Estudos mostram que a linguagem, seja baseada em imagens, seja em textos, afeta a efetividade da estratégia, desde
sua formulação até sua execução14. A questão central é como construir uma narrativa eficaz e escolher o formato mais
adequado para a finalidade da reunião. No caso dos estrategistas, o desafio é montar narrativas que comuniquem mensa-
gens convincentes e estimulantes de fácil memorização que influenciem, engajem e alinhem compreensões sobre linhas
estratégicas de ação15.
O PowerPoint pode ser uma alternativa eficaz em determinados contextos, se bem utilizado16. O CEO do Google Sundar
Pichai faz uso de slides para apresentar estratégias da empresa, contudo ele procura evitar os problemas citados neste
artigo elaborando apresentações ricas em imagens e animações e minimalistas em palavras ou números17. Quando o texto
aparece, é curto e tem a função de descrever uma imagem, ou seja, reforça a informação visual. Apresentações que adotam
esses mesmos princípios são as TED Talks18, uma das razões por que é relativamente fácil lembrar-se do seu conteúdo mes-
mo após muito tempo após esses eventos.
Consultores de estratégia altamente especializados também costumam fazer bom uso do PowerPoint19, ao criarem slides
com infográficos. Exemplos são flywheels, círculos que permitem representar visualmente relações complexas e mostrar
retroalimentações que fomentam o crescimento da empresa; e gráficos que justapõem informações em eixos horizontais e
verticais, facilitando comparações e permitindo a visualização de intersecções de aspectos da estratégia nos eixos. Os slides
também destacam elementos visuais para enfatizar determinadas informações, com o uso de cor, forma, tamanho, con-
traste e localização dos elementos no slide. Os diferentes mecanismos permitem reconhecer e reinterpretar conjuntamente
os aspectos mais importantes da estratégia.
As narrativas estratégicas textuais empregam uma lógica diferente, mas podem ter entre seus apêndices elementos
visuais como flywheels, frequentemente usados na Amazon e no Nubank. A Amazon sugere um texto curto como base de
suas reuniões, com um limite de seis páginas, o formato 6-pager20, que também é observado pelo Nubank. O texto é escrito
de forma colaborativa, em geral assíncrona, antes da realização da reunião. Assim, quando esta se inicia, os participantes
leem o texto do início ao fim, para se informar sobre os aspectos essenciais do que será discutido. Tão logo a leitura é fina-
lizada por todos, a discussão em si se inicia.
Executivos da Amazon verificaram que uma narrativa estratégica baseada em texto tem entre sete e nove vezes mais
densidade de informação do que uma apresentação em PowerPoint. Além disso, as pessoas leem três vezes mais rápido
do que um apresentador é capaz de falar. Assim, as narrativas baseadas em texto permitem absorver mais informação
do que a alternativa baseada em PowerPoint em determinado período de tempo. Além disso, narrativas estratégicas ba-
seadas em texto resultam em um documento completo, autocontido, que passa a fazer parte da gestão de conhecimento
da organização – embora apresentações em PowerPoint também possam ser gravadas em vídeo para serem reproduzidas
posteriormente.
Narrativas em formato de texto ainda ajudam a promover inclusão. A interação inicial entre a audiência e o apresenta-
dor é silenciosa, por meio da leitura de um documento. Portanto, ideias e raciocínio tomam o lugar de habilidades como
apresentação, fluência em outro idioma e criação de impacto visual. O Nubank, por exemplo, costuma promover reuniões
em inglês por ter profissionais de mais de 45 nacionalidades distintas. Em geral, os profissionais têm maior facilidade com
leitura e escrita em idioma não nativo do que com a fala. Assim, todo o processo de construção de narrativas tende a con-
tribuir para fortalecer a inclusão da diversidade na organização.
O processo de produção de um 6-pager, entretanto, demanda maior rigor e mais tempo de preparação do que outros
formatos discursivos. Como a maioria dos profissionais têm mais experiência e prática na produção de apresentações em
PowerPoint, tende a simplesmente transpor o conteúdo de slides para documentos em formato de texto. Quando realizou a
mudança de PowerPoint para textos, a Amazon percebeu que seus funcionários usavam os mesmos bullet points dos slides,
apenas reduzindo o tamanho da letra para comprimir conteúdos longos.
A Amazon levou tempo para aprimorar conteúdo, componentes e formato das narrativas em linguagem de texto, para
torná-las efetivas nas reuniões executivas. O Nubank valeu-se da experiência de executivos experientes, contratados da
Amazon, para acelerar o desenvolvimento dessa competência. Os exemplos mostram que a adoção de texto para a constru-
ção de narrativas estratégicas tem uma significativa curva de aprendizado que precisa ser considerada.
O modelo aprimorado da Amazon estrutura o texto em formato de uma história, por meio de uma lógica bem argu-
mentada, com raciocínio claro e sintético. Gráficos e tabelas podem ser incluídos nos 6-pagers, porém posicionados em
apêndices, de tal modo que sua leitura seja opcional, e não obrigatória. Um apêndice particularmente importante consiste
EXECUTIVO 43
COMO FAZER REUNIÕES ESTRATÉGICAS MAIS EFETIVAS
..
a avaliação do raciocínio e da argumentação que vêm a seguir, em três aspectos da estratégia21:
a formulação do desafio, ou seja, qual problema precisa ser resolvido;
..
Outra possibilidade é o conteúdo dos 6-pagers apresentar:
o problema;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas e os casos práticos sugerem que o uso combinado de imagem e texto para a produção da estratégia tende
a ser mais efetivo, juntamente com uma maior recorrência de rituais de reforço da estratégia, com a ajuda coordenada
de uma área de comunicação interna24. Os rituais de comunicação devem ser tanto top-down (a liderança comunicando)
quanto bottom-up (profissionais da linha de frente contando histórias selecionadas, que reforçam a estratégia corporativa).
O Nubank, por exemplo, tem eventos quinzenais nesse sentido.
Finalmente, por conta das mudanças introduzidas no trabalho em razão da pandemia de Covid-19, ainda é preciso com-
preender melhor a influência do trabalho remoto e do presencial para o desenvolvimento das atividades no ambiente
híbrido25. O grau de familiaridade dos profissionais com ferramentas digitais de colaboração influencia a comunicação, o
compartilhamento de informações e os questionamentos. Assim como o uso das linguagens, discutido neste artigo, uma
melhor compreensão sobre a interação em reuniões presenciais e virtuais pode contribuir para a maior efetividade da
estratégia nas empresas.
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EXECUTIVO 45
Volume 22 • Número 1 • JANEIRO/MARÇO 2023
Ficha técnica
GVEXECUTIVO
fgv.br/gvexecutivo - v. 22, n. 1, 2023 REDAÇÃO
GV-executivo / Escola de Administração de Empresas de São
Paulo. – Vol. 3, n. 3 (ago./out. 2004) - . - São Paulo: FGV
EAESP, 2004 - v. ; il. ; 27,5 cm.
Editor Chefe: Thomaz Wood Jr. Jornalista e produtora editorial: Aline Lilian dos Santos
Editora Adjunta: Adriana Wilner ADMINISTRAÇÃO Trimestral até abril 2006. Bimestral a partir de maio 2006.
Conselho Editorial: André Luís de Castro Moura Duarte, Camila Responsável: Ilda Fontes Semestral a partir de agosto 2009. Bimestral a partir de
Cheibub Figueiredo, Claudia De Farias Santiago, Cristina Dai Prá Assistente administrativa: Eldi Soares janeiro 2017. Trimestral a partir de 2021.
Martens, Fernando Burgos Pimentel dos Santos, Gilberto Sarfati, Assistente de marketing: Andréa Cerqueira Souza Continuação de: RAE-executivo.
Ilan Avrichir, João Lins Pereira Filho, João Martins Tude, Jorge REVISÃO: Marília Garcia Boldorini
Renato de Souza Verschoore Filho, Ligia Maura Costa, Luiz Ernesto PROJETO GRÁFICO E ILUSTRAÇÕES: Beto Nejme ISSN 1806-8979
Migliora Neto, Marcelo Oliveira Coutinho de Lima, Marco Antonio PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Renato Brandão 1. Administração de empresas – Periódicos. I. Escola de
Carvalho Teixeira, Marcos Henrique Facó, Maria José Tonelli, Mario CENTRAL DE RELACIONAMENTO: gvexecutivo@fgv.br Administração de Empresas de São Paulo.
Monzoni, Moacir de Miranda Oliveira Junior, Rafael Dan Schur, DIRETÓRIO: 10th Edition of Cabell’s Directory of Publishing CDU 658
Priscila Laczynski de Souza Miguel. Opportunities in Management www.cabells.com
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