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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS


MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

TERESA CRISTINA GAMA DE PAIVA

O PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO BRASILEIRO NA PERCEPÇÃO DOS


PLANEJADORES, EXECUTORES E ESPECIALISTAS.

PRIVATIZAÇÃO DAS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS – ELETROBRAS.

BRASÍLIA
2023
TERESA CRISTINA GAMA DE PAIVA

O PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO BRASILEIRO NA PERCEPÇÃO DOS


PLANEJADORES, EXECUTORES E ESPECIALISTAS.

PRIVATIZAÇÃO DAS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS – ELETROBRAS.

Dissertação de Mestrado ao Programa de Pós-


Graduação em Administração Pública da
Fundação Getúlio Vargas, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Administração Pública.

Área de concentração: Administração Pública

Orientador: Irineu Rodrigues Frare

BRASÍLIA
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV

Paiva, Teresa Cristina Gama de


O processo de desestatização brasileiro na percepção dos planejadores,
executores e especialistas. Privatização das Centrais Elétricas Brasileiras –
ELETROBRAS / Teresa Cristina Gama de Paiva. – 2023.

63 f.

Dissertação (mestrado) – Escola Brasileira de Administração Pública e


de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.
Orientador: Irineu Rodrigues Frare.
Inclui bibliografia.

1. Privatização. 2. ELETROBRAS. 3. Empresas públicas. 4. Empresas


estatais. 5. Programa Nacional de Desestatização (Brasil) I. Frare, Irineu
Rodrigues. II. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro
de Formação Acadêmica e Pesquisa. III. Título.

CDD – 338.925

Elaborada por Maria do Socorro Almeida – CRB-7/4254


Dedico esse trabalho aos meus amados filhos André Arthur e
Crystal Victoria, à minha mãe Palmira e ao meu irmão Paulo
Antônio, pelo apoio incondicional e suporte essencial que me
fizeram superar todos os desafios da minha vida, dando-me a
motivação necessária para completar o estudo.
RESUMO
Objetivo – Esta pesquisa tem por objetivo descrever o processo de desestatização, incluindo os
aspectos legais, burocráticos, técnicos e políticos os quais corroboram para a complexidade de
um processo de desestatização, à luz do referencial teórico.

Metodologia – A metodologia do trabalho tem abordagem qualitativa; a análise contou com a


análise dos dados secundários e primários coletados. Os dados primários foram obtidos de
entrevistas com especialistas e os dados secundários a partir de análise documental sobre o
assunto.

Resultados – Por resultados dessa pesquisa, têm-se a descrição dos normativos, processos e
atores de um projeto de desestatização, incluindo os desafios que são transpostos durante a
consecução dele e aspectos que podem aumentar as chances de sucesso dos projetos de
privatização.

Limitações – Esta pesquisa explorou a percepção dos especialistas e executores dos projetos
de desestatização do governo federal, não contemplando aspectos relativos a esse processo na
esfera municipal e estadual.

Contribuições práticas – Essa pesquisa vem a adicionar conhecimento corrente, prático e


abrangente sobre o processo institucional de em um projeto de privatização, isto é, até a
consolidação e efetivação dele. Faz apontamentos para itens que podem contribuir para o
sucesso de futuros projetos.

Contribuições sociais – O estudo contribui para a transparência do processo de privatização


para o público em geral, para a aprendizagem dos tramites burocráticos e legais que envolvem
uma desestatização de bem público e para boas práticas de projetos de privatização de empresas
que adicionam maior chance de sucesso aos projetos.

Originalidade – A literatura sobre o processo de desestatização é limitada, e esse trabalho de


forma inédita, aborda o processo de privatização de empresas estatais e a recém privatização da
Eletrobras.

Palavras-chave: desestatização; privatização; empresas públicas; estatais; Eletrobras


ABSTRACT

Purpose - This research has the purpose of describing the privatization process of Brazil State-
Owned Enterprises, including legal, bureaucratic, technical, and political aspects which
corroborate for the complexity of a privatization process in Brazil.

Design/Methodology – Qualitative methodology using interviews with experienced personnel


and documentary research about the theme.

Findings – Privatization project, process, legal norms, actors, including the challenges
undergone and aspects which can contribute to bettering the success of a privatization process
of federal state-owned enterprises in Brazil.

Limitations – The research is based on interviews of personnel with expertise in privatization


projects and it is limited to the privatization process of federal state-owned companies.

Practical Implications – The research adds current knowledge about the institutional
privatization process of Brazilian federal state-owned enterprises and its complexity,
contributing to better it by pointing items which can contribute to the success of future projects.

Social Implications – The research contributes to the privatization process description and
documentation, its public transparency and adds knowledge about it.

Originality – Documentation about privatization process of Brazilian SOEs is limited, and this
unprecedented work covers the actual process, pointing out challenges and good practices
which can contribute to a better outcome of the projects. It also includes the recent case of
Eletrobras.

Keywords - Privatization, state owned enterprises; SOE, Eletrobras


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Fluxo processo de privatização .............................................................................. 34


Figura 2 – Atores projeto desestatização ................................................................................. 35
Figura 3 – Interlocução uníssona dentro do Poder Executivo ................................................. 35
Figura 4 – Tempo aproximado estágios processo privatização ............................................... 38
Figura 5 – Número processos judiciais Eletrobras, CVRD, Usiminas .................................... 45
Figura 6 – Linha do tempo privatização distribuidoras Eletrobras ......................................... 49
Figura 7 – Linha do tempo privatização Eletrobras ................................................................ 50
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO .................................................................................................. 8


1.2 OBJETIVO ....................................................................................................................... 11
1.3 PROBLEMA ..................................................................................................................... 11
1.4 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ......................................................................................... 12
1.5 LIMITAÇÕES .................................................................................................................. 14
1.6 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO......................................................................... 14
2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 16

2.1 DESESTATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO ................................................................... 16


2.2 PROJETO E PROCESSO ............................................................................................... 16
2.3 COMUNICAÇÃO ............................................................................................................ 18
2.4 COALIZÃO POLÍTICA.................................................................................................. 18
3 PERCURSO METODOLÓGICO ..................................................................................... 20

3.1 MÉTODO DE PESQUISA .............................................................................................. 20


3.2 COLETA DE DADOS ...................................................................................................... 20
3.3 ENTREVISTAS ................................................................................................................ 22
3.3.1 PERFIL DOS ENTREVISTADOS .............................................................................. 23
3.3.2 TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL ......................................................... 23
3.4 O QUESTIONÁRIO ........................................................................................................ 23
4 DESENVOLVIMENTO...................................................................................................... 25

4.1 BASE NORMATIVA ....................................................................................................... 25


4.2 O ESTADO EMPRESÁRIO............................................................................................ 31
4.3 PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO E ATORES ..................................................... 32
4.3.1 BNDES ............................................................................................................................ 38
4.4 DESAFIOS ........................................................................................................................ 42
5 CASO ELETROBRAS ........................................................................................................ 47

6 PERSPECTIVA DE FUTURO .......................................................................................... 54

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 57

APÊNDICE 1 – QUESTIONÁRIO ....................................................................................... 61

APÊNDICE 2 – RESOLUÇÕES PPI ELETROBRAS ....................................................... 63


8

1 INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O trabalho inicia-se por uma contextualização histórica sobre o assunto desde a década de 1980,
e segue com enfoque no processo atual de desestatização de empresas do governo federal,
incluindo o caso mais recente e proeminente do Grupo Eletrobras, privatização do sistema
elétrico brasileiro. O tema é atual e agrega documentação do processo corrente de
desestatização aos trabalhos já existentes no assunto.

A partir do Estado Novo de Getúlio Vargas deu-se a criação de várias empresas públicas, as
quais tinham como meta o desenvolvimento do país em setores como o de infraestrutura, os
quais requereram muito investimento, somente o Estado teria condições naquela ocasião de
assim fazê-lo. As empresas estatais estiveram presentes na economia brasileira desde o período
colonial. Não obstante, a intervenção estatal na economia, seja ou não através da criação de
empresas estatais, foi pequena até a ascensão de Getúlio Vargas ao poder (PINHEIRO, 1999).

Algumas empresas remontam sua criação de séculos passados como a Casa da Moeda (1694),
Banco do Brasil (1808) e a Caixa Econômica Federal (1861), contudo foi no início da década
de 40, com a necessidade de industrialização visto a dificuldade de importação de bens e matéria
prima, que se deu a criação de empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN
(1941), a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD (1942) e a Companhia Hidro Elétrica do São
Francisco – CHESF (1945). Em abril de 1954 deu-se a criação das Centrais Elétricas Brasileiras
Sociedade Anônima (S.A.), mais conhecida como Eletrobras.

Visto as mudanças da conjuntura econômica e desenvolvimentista do país, já no final da década


de 70 e nas próximas décadas deu-se um movimento contrário, a desestatização de empresas de
controle do Estado. O país não mais necessitando de ser o único investidor, com a existência de
empresas privadas capazes de investir por seus próprios meios creditícios, começa a repensar a
necessidade de gerenciar empresas, surgindo então iniciativas privatizantes, com intuito de
melhor operacionalização das mesmas e outras mais vantagens econômicas.

Em 1979, mediante medidas para reduzir a participação das estatais na economia, criou-se o
Programa Nacional de Desburocratização – PND - e por meio do Decreto nº 84.128, de 29 de
outubro de 1979 a Secretaria de Controle de Empresas Estatais (Sest). O papel da Sest era de
9

órgão central do Subsistema de controle de recursos e dispêndios de empresas estatais, no


âmbito do Sistema de Planejamento Federal, a fim de coordenar e monitorar as empresas
estatais. O governo criou a Sest, para assegurar a introdução dos objetivos macroeconômicos
na administração diária das empresas estatais e, em especial, para lhes impor limites ao aumento
de gastos. (PINHEIRO; GIAMBIAGI, 2000).

Em seguida, em 1981 foi criada a "Comissão Especial de Privatização" com o intuito de vender
ativos estatais; no período 1981/84 foram vendidas 20 empresas estatais. O processo de
desestatização faz parte de um contexto maior, o da reforma da gestão pública. Devido a crises
fiscais do Estado e da onda de globalização e aumento de competição entre os países, o Estado
viu-se na posição e necessidade de mudanças, o que abriu espaço para a privatização de
empresas públicas, permitindo ao Es21tado focar nos serviços essenciais e delegando ao setor
privado serviços comerciais deste último. O ponto em discussão não era, àquela altura, o de
ineficiência do setor público empresarial. O principal objetivo então era desacelerar a expansão
do setor produtivo estatal, pois se percebia que as empresas do governo tinham saído fora do
controle das autoridades federais (PINHEIRO, 1999).

De acordo com Bresser-Pereira, a privatização faz parte da reforma estrutural da organização


do Estado, e pode ser vista como parte da primeira dimensão da reforma da gestão pública,
embora a distinção entre as atividades exclusivas do Estado e os serviços sociais e científicos
que o governo decide financiar seja mais relevante. A intervenção ou não do Estado no sistema
gerencial, segue um padrão cíclico, quando do fracasso do mercado, como crises econômicas,
o governo tende a expandir-se. O crescimento do Estado envolveu necessariamente distorções,
que, nos anos 1970, levaram à crise fiscal e, mais amplamente, a uma crise do Estado. Essa
crise e a aceleração da globalização abriram caminho para a privatização e a desregulação do
mercado, que, no entanto, logo atingiram seus próprios limites (BRESSER-PEREIRA, 2009).

Há de se fazer nota que enquanto o processo de privatização avançava na década de 80, a


Constituição Federal de 1988 instituía monopólios públicos nas áreas de telecomunicações e
petróleo, e restringia a participação estrangeira nas áreas de mineração e eletricidade; barreiras
legais à privatização que mais tarde foram alteradas por emendas constitucionais a fim de
viabilizar a desestatização do setor de telecomunicação e eletricidade, medidas necessárias que
permitiram a privatização da Telebras em 1998 e mais recentemente a da Eletrobras em 2022.

Em junho de 2022, último ano de governo de Jair Bolsonaro, completou-se um grande processo
de desestatização, o das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), cuja primeira tentativa
10

de privatização remonta de 1995, do governo de Fernando Henrique Cardoso. A segunda


tentativa ocorreu em 2017, governo Michel Temer. Com isso, se passaram 27 anos desde a
tentativa inicial de se privatizar a empresa. De se lembrar que a privatização do sistema Telebrás
de comunicações se concretizou em julho de 1998, outrossim último ano de governo do
primeiro mandato do governo Fernando Henrique, às vésperas das eleições presidenciais de
outubro naquele ano.

A depender da prioridade de agenda do executivo projetos de privatização de empresas vêm


ocorrendo desde a década de 80 por todos os entes da federação, municípios, estados e no
governo federal. O processo de privatização de empresa estatal é complexo por natureza, visto
que o Estado se desfaz de bem público. Ademais, os projetos de desestatização envolvem todo
um tramite burocrático, incluindo debates, interlocuções com diversos órgãos de diversos
poderes, negociações, estudo técnicos, questionamentos diversos, inclusive judiciais,
audiências e consultas públicas.

No período de 2019 a 2022, 15 empresas foram inseridas no PND – Programa Nacional de


Desestatização1, contudo somente Eletrobras, Codesa e CBTU de Minas Gerais tiveram a
privatização concluída. Com isso, várias empresas entraram na fila de desestatização, isto é,
foram inclusas no programa, contudo poucas alcançaram o objetivo final de passagem do ativo
público para o privado. Mesmo que a política de desestatização de empresas estatais tenha
prioridade na agenda de governo, os desafios burocráticos, técnicos e políticos impedem o
sucesso de projetos de privatização.

Assim sendo, o estudo é um trabalho inovador o qual descreve o processo de desestatização de


empresas do governo federal desde a pauta de discussão, os atores envolvidos, suas atuações,
os normativos e aspectos institucionais, burocráticos e políticos que permeiam o decorrer do
processo até a conclusão da transferência da atuação do Estado-empresário para o setor privado
ou da decisão de não ir a frente com a privatização, incluindo também os desafios encontrados
nesse processo.

1
Consulta no Porta da Legislação. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-
legis/legislacao-1/decretos1/decretos-1. Acesso em 24 jun. 2023
11

1.2 OBJETIVO
Projetos de desestatização de empresas são recorrentes, em menor ou maior número nos
governos, resultado da agenda política, em conjunto com a conjuntura econômica, dentre outros
fatores. Esta pesquisa tem por objetivo descrever o processo de desestatização, incluindo os
aspectos legais, burocráticos, técnicos e políticos os quais corroboram para a complexidade de
um processo de desestatização, apontando também os desafios transcorridos desde a entrada
das empresas no PND até a privatização da empresa ou remoção dela do programa, à luz do
referencial teórico.

Isso posto, o trabalho também aponta entraves ao sucesso do projeto de desestatização, como
estudos prévios de avaliação deficientes, processos judiciais e administrativos, dentre outros e
aponta boas práticas que visam facilitar o processo desde a entrada da empresa no PND como
também na condução do projeto para torná-lo mais ágil, eficiente e por conseguinte atingir o
objetivo final de concretizar a privatização e quiçá de forma mais célere.

1.3 PROBLEMA
Sabe-se que parte da morosidade e o desafio de completar um processo de privatização provém
dos debates técnicos e políticos, principalmente do apoio político nessa empreitada, visto que
os legisladores, em respeito a seus constituintes devem representar a vontade desses. A
maturidade da sociedade em aceitar a proposta do governo e de enxergar que o privado pode
prover um melhor serviço público que o próprio Estado é uma variável importante nesse
processo. Ademais, existem vários atores envolvidos fora da esfera federal como sindicatos,
empregados, o mercado, organizações não governamentais, dentre outros.

Os projetos de desestatização envolvem muita negociação, pois são muitos os interesses


políticos envolvidos nesse processo, com isso necessitam ser bem consubstanciados
tecnicamente e comunicados às partes interessadas a fim de não gerar margem de dúvidas que
possa enfraquecer o projeto. A interferência política é o segundo fator mais importante que leva
projetos governamentais ao fracasso, é o mais difícil de se resolver, pois os políticos em todo o
mundo usam projetos que deveriam ser para o benefício do povo em seu próprio benefício (JÓ;
BARRY, 2008).

Atrás dessa força política, os legisladores procuram não se indispor com o público que os
apoiam em suas bases eleitoreiras, bem como escreveu Woodrow Wilson em O Estudo da
12

Administração2, “Em qualquer parte onde o respeito pela opinião pública é o primeiro princípio
de Governo, as reformas práticas devem ser lentas e todas as reformas devem ser cheias de
concessões”.

Com essas considerações expostas, o problema de pesquisa é: Como se desenvolve o processo


de desestatização no Brasil sob a perspectiva dos atores especialistas diretamente envolvidos
nos projetos de desestatização e quais os desafios encontrados nesse processo?

1.4 RELEVÂNCIA DO ESTUDO


Dados do terceiro trimestre de 2022, mostram que o governo federal tem sob seu controle um
total de 130 empresas estatais federais3. Ao efetuar a pesquisa, nota-se a existência de vários
artigos relacionados aos temas, empresas estatais e privatizações, com isso essa pesquisa vem
a adicionar conhecimento corrente, prático e abrangente sobre o processo institucional que
transcorre em um projeto de privatização, isto é, até a consolidação e efetivação dele.

Das mudanças que compõem a agenda da reforma do Estado, a privatização das empresas
públicas foi aquela que mais avançou no Brasil. Em menos de oito anos, uma parte significativa
das empresas produtivas do Estado passou para o controle privado. Entre 1991 e 1998, foram
vendidas 63 empresas controladas pelo governo federal. Nesse período, também nos estados
ocorreram importantes privatizações. Até o final de 1998, o programa federal chegou perto de
US$ 57,5 bilhões, incluindo as dívidas transferidas aos novos proprietários (ALMEIDA, 1999).

Desde o ano 2000, as atividades de privatização nos países da OCDE – Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, têm sido dinâmicas em relação aos padrões
anteriores. Na área como um todo, estima-se que as receitas da privatização totalizaram pelo
menos 47 bilhões de dólares durante um período de 8 anos, de 2000 a 20074.

A análise governamental aponta para benefícios à sociedade a serem alcançados com o processo
de privatização, visto que como averiguado durante as entrevistas, são esperados importantes
vantagens a serem auferidas com a privatização, como a melhoria dos serviços para a

2
WILSON, Woodrow. O estudo da administração. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 56, n. 3, p. 349-366,
2005.
3
SEST. Boletim das Empresas Estatais Federais. Brasília: Ministério da Economia. v. 23, 2022.
4
OECD. Privatisation in the 21st Century: Recent Experiences of OECD Countries. Report on Good Practices,
2009.
13

população, remoção de recursos financeiros de áreas não essenciais da atuação do Estado e


consequente aplicação em serviços essenciais do Estado como educação, segurança, dentre
outros. A aceitação da proposta de desestatização e o célere trâmite legal e burocrático
processual pode fazer com que os benefícios e resultados almejados ocorram de forma mais
próximas ao tempo presente, fazendo com que o Estado e os cidadãos desfrutem dessas
vantagens mais cedo do que tarde.

De acordo com o estudo “Os Efeitos da Privatização sobre o Desempenho Econômico e


Financeiro das Empresas Privatizadas”, os resultados obtidos indicam que as empresas
analisadas se tornaram mais eficientes após a privatização. Em particular observou-se um
aumento da lucratividade e da eficiência operacional. Aparentemente, a perda do suporte
financeiro do Estado tem um grande impacto sobre a estrutura financeira das empresas, pois se
observou um aumento da liquidez corrente e uma redução do endividamento de longo prazo.
Os efeitos da privatização sobre investimento, nível de produção, pagamento de dividendos e
recolhimento de impostos são menos claros (ANUATTI-NETO; BAROSSI-FILHO; DE
CARVALHO; MACEDO, 2005).

Em 2017 reiniciou-se o auspicioso processo de privatização da Eletrobras, o qual não obteve


sucesso naquele governo, mas que deixou um rascunho de modelo pronto para o próximo, o
qual retomou a pauta de privatização da empresa e a completou em 2022, último ano do
mandato do governo de Jair Bolsonaro. A empresa Eletrobras é a maior holding do setor
elétrico na América Latina, a décima sexta maior empresa de energia do mundo e uma das cinco
maiores geradoras hidrelétricas mundiais em capacidade instalada, detendo ações negociadas
nas bolsas de Madri, Nova York e São Paulo (CAMPODARVE, 2020).

O processo de desestatização é institucionalmente complexo, composto por vários atores, os


quais muitas das vezes possuidores de opiniões divergentes, mesmo dentro do próprio governo.
Vários atores são envolvidos num Projeto de Desestatização, dentre eles, órgãos do Poder
Executivo, do Poder Legislativo, do Judiciário, de Controle e a sociedade civil, num ambiente
de empecilhos políticos, burocráticos e legais, a serem transpostos até que se possa realmente
concretizá-lo.

Por fim, esta pesquisa fornece aspectos técnicos, burocráticos e políticos importantes no
processo de desestatização brasileiro, incluindo sob a ótica dos atores diretamente envolvidos
no mesmo. O estudo, de forma inédita, serve como ferramenta de boas práticas de privatização
14

de empresas públicas e oferece esclarecimento sobre o processo de desestatização promovendo


discussões de melhorias para os futuros projetos.

1.5 LIMITAÇÕES
Algumas limitações a essa pesquisa foram identificadas durante o desenvolvimento do
questionário, a fase de entrevistas e a coleta de dados secundários. Apesar das limitações
descritas a seguir, o estudo conseguiu captar dados válidos nas entrevistas e nos documentos
pesquisados. Essas limitações são:

• O estudo cita como descrito em literatura, vantagens almejadas no resultado do processo de


desestatização, contudo não é objetivo da pesquisa a análise e juízo de valor sobre a
motivação e resultados almejados e alcançados do processo de privatização.
• Nem todos os entrevistados atuaram no processo de desestatização da Eletrobras, contudo
visto que o processo Eletrobras está dentro do domínio de processos de privatização, esse
fato não comprometeu o resultado de coleta de dados sobre a privatização da empresa,
ademais, a informação coletada se mostrou suficiente e homogênea.
• O estudo procura descrever o processo de desestatização das empresas da esfera federal,
não engloba as empresas dos entes subnacionais, estados e municípios.
• As entrevistas do estudo ocorreram nos anos de 2022 e 2023, sendo assim, no último ano
do governo de Jair Bolsonaro e no primeiro ano do 3º mandato do Presidente Lula da Silva.
Contudo, visto o anonimato das entrevistas, a mudança de governo não deve afetar as
respostas das entrevistas, mas deve-se ter em nota esse fato.

1.6 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO


Esta pesquisa está organizada em sete capítulos, incluindo esta introdução e as considerações
finais. Este primeiro capítulo introdutório consiste em uma contextualização do assunto
estudado, sua relevância, limitações, objetivos, o problema de pesquisa e a organização do
trabalho aqui exposto. O segundo capítulo aborda o referencial teórico que fundamentou a
pesquisa. O terceiro capítulo descreve o percurso metodológico, justificando a escolha do
método qualitativo, incluindo a descrição sobre a coleta de dados, pesquisa documental sobre
o assunto, a entrevista e os entrevistados. No quarto capítulo, desenvolvimento, descreve-se
todos os principais pontos sobre o material documental pesquisado consubstanciado juntamente
15

com o conteúdo abstraído das entrevistas. O quinto capítulo consiste na apresentação do estudo
de caso da Eletrobras, caso esse mais proeminente e atual de desestatização quando da
elaboração desse trabalho. No capítulo seis, bem como abordado durante as entrevistas, uma
breve descrição sobre as perspectivas de futuro do processo de desestatização no Brasil, e o
sétimo e último capítulo apresenta as considerações finais sobre o tema pesquisado. Em seguida
são apresentadas as referências que fundamentaram esta pesquisa.
16

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 DESESTATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO


As expressões desestatização e privatização são utilizadas nesse trabalho de forma
intercambiável, contudo o significado de desestatização é mais abrangente, pois engloba a
privatização e as concessões. A privatização é a venda de empresa estatal, com passagem do
controle sobre os ativos à iniciativa privada em definitivo e a concessão, a transferência da
prestação do serviço público à iniciativa privada por prazo determinado. Visto que as principais
etapas de um projeto de desestatização5 são comuns nas privatizações e concessões decidiu-se
para este trabalho o uso equivalente de ambas as expressões, desestatização e privatização. A
definição legal do termo desestatização está definida no Art. 5º do Decreto 2.594, de 15 de
maio de 1998.

Art. 5º Considera-se desestatização:


I - a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou
através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o
poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade;
II - a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos
explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem
como daqueles de sua responsabilidade.

Decreto nº 2.594, de 15 de maio de 1998

2.2 PROJETO E PROCESSO


A fim de analisar-se o processo de desestatização de empresas do Estado brasileiro, faz-se a
correlação desse processo com o de uma política pública, em que estão presentes os elementos:
atores envolvidos, as instituições e as ideias (HOWLETT; RAMESH; PEARL, 2013). Os atores
envolvidos são representados por todos os planejadores, executores e interessados no processo.
As instituições são representadas neste trabalho pelos órgãos governamentais, dos Poderes
Executivo, Legislativo, Judiciário e Tribunais de Contas. As ideias são os estudos e análises
que consubstanciam o pleito de desestatização da(s) empresa(s) e os fatores políticos que
também fazem parte da tomada de decisão dos projetos de desestatização.

5
AS ETAPAS do processo de desestatização. gov.br, 2016. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/noticias/noticia/infografico-etapas-
desestatizacao. Acesso em 01 fev. 2022.
17

O artigo menciona processo de desestatização referente ao ato de transformar o que temos no


que desejamos ter. Incluindo transformar ideias iniciais, de avaliação técnica, em produto, como
uma Resolução, Decreto, atas, tomada de decisão, reuniões, até transformar informações
iniciais em decisões finais; o processo está em contínuo andamento. Segundo a ISO 90006,
processo é um conjunto de atividades inter-relacionadas ou interativas que utilizam entradas
para entregar um resultado pretendido. O resultado pretendido é chamado de saída, produto ou
serviço, dependendo do contexto da referência. Processo é uma série de atividades sistemáticas
direcionadas para alcançar um resultado final de tal forma que se aja em relação a uma ou mais
entradas a fim de criar uma ou mais saídas7.

Assim como as políticas públicas estão sempre se aprimorando, também está o processo de
desestatização. A cada projeto de privatização encerrado, aprende-se e aprimora-se o processo,
o modelo de desestatização, as condições de venda/concessão, e a estabilidade e segurança
jurídica dos contratos. As políticas não são construídas de uma só vez; são construídas e
reconstruídas interminavelmente. A construção de políticas é um processo de aproximações
sucessivas aos objetivos pretendidos, no qual os próprios objetivos vão sendo reconsiderados e
alterados (LINDBLOM, 1959).

A cada empresa que se deseja desestatizar, inicia-se um projeto novo único, com o objetivo
final de concretizar-se essa passagem de atuação do Estado para o mercado privado, seja por
meio de um leilão, de aumento de capital, ou outro instrumento congênere. Um projeto é um
esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado exclusivo8. A sua
natureza temporária indica um início e um término definidos.

O startup de um projeto de desestatização é uma tomada de decisão que parte do Poder


Executivo, influenciada por fatores econômicos, de segurança nacional, perseguição do
interesse público etc. Assim como posto por Herbert Simon, em seu trabalho multidisciplinar,
“A Behavioral Model of Rational Choice”, o processo de decisão nas organizações é de uma
racionalidade limitada, visto que, a capacidade de lidar com os problemas é limitada por fatores
exógenos e endógenos, como a natureza incompleta do conhecimento e informação, mudanças

6
O QUE É PROCESSO?. Portaliso, 2019. Disponível em: https://faq-iso9001.portaliso.com/o-que-e-processo/.
Acesso em: 20 dez. 2022.
7
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia
PMBOK). 6ª edição. Newtown Square, PA: Project Management Institute, 2017.
8
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia
PMBOK). 6ª edição. Newtown Square, PA: Project Management Institute, 2017.
18

imprevisíveis de contexto, limites de tempo disponíveis para a tomada de decisão e a capacidade


limitada da memória humana ou mesmo de valores e interesses próprios.

2.3 COMUNICAÇÃO
A comunicação entre os atores envolvidos no projeto é primordial a fim de que todos os
interessados possam participar e externar questionamentos durante o projeto de desestatização.
Os fatores que conduzem projetos ao sucesso dependem do objetivo do projeto, a influência de
gerentes, o controle de gerenciamento e os registros de aprendizagem para consultas de projetos
futuros. Nesta investigação, a variável comunicação foi considerada relevante em todos os
estágios de gerenciamento de projetos. Traduzido (BESTEIRO; SOUZA PINTO; NOVASKI,
2015).

2.4 COALIZÃO POLÍTICA


O processo de negociação de uma política de privatização de empresas estatais de interesse do
executivo com o legislativo, segue o regime político-institucional brasileiro, “presidencialismo
de coalizão”. Isso quer dizer que, no Brasil, sem base de apoio político no Congresso Nacional,
um governo não se torna capaz de viabilizar suas iniciativas no processo de implementação da
política estatal (MARTUSCELLI, 2010).

O governo controla a produção legislativa e esse controle é resultado da interação entre o poder
de agenda e o apoio da maioria. Maioria reunida por uma coalizão partidária pura e simples.
Nada muito diverso do que se passa nos governos parlamentaristas. Ou seja, não há bases para
tratar o sistema político como singular. Muito menos, para dizer que estaríamos diante de uma
democracia com sérios problemas, ameaçada por alguma síndrome ou patologia causada quer
pela separação de poderes, quer pela fragilidade de seus partidos. (FIGUEIREDO; LIMONGI,
2001).

Quando do processo legislativo, o sucesso de aprovação de políticas públicas, e aí inclui-se as


políticas de desestatização, dependem das negociações entre Executivo e Legislativo, e da
convergência de interesses, ou pelo menos da maioria do Legislativo necessária para a
aprovação da Lei. Nesse processo, os grupos de interesse a favor e contra pressionam o
Executivo e Legislativo. Os projetos de desestatização de um mandato presidencial variam em
19

número de acordo com a agenda política do governo em exercício. Nos governos ditos
“liberais” a prioridade de políticas de desestatização tende a ser mais alta.
20

3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.1 MÉTODO DE PESQUISA


"Seidman’s (2006: 120–2) strategy for creating what he calls ‘profiles’ from
interview transcripts involves marking passages of interest in the interview
(i.e., segmenting), and crafting these into a narrative…" (FLICK, 2013)

A pesquisa qualitativa foi o método escolhido de pesquisa, visto que o objetivo era a obtenção
de insumos e afirmações abstraídas das entrevistas descritivas sobre o processo de privatização.
Conjuntamente foi efetuada a busca por artigos que tratam do processo de privatização de forma
abrangente, o histórico normativo que norteia o processo e documentos históricos sobre as
desestatizações já conduzidas, incluindo a da Eletrobras. As falas das respostas ajudaram a
nortear a pesquisa, juntamente com os constructos, uma espécie de data mining da informação
em um banco de dados de artigos.

Desta forma, o trabalho utilizou o método de pesquisa qualitativa a partir de coleta de dados
por meio de entrevistas com atores da área de desestatização de empresas públicas.
Complementarmente foram analisados dados secundários constante em documentação
relevante sobre o problema de pesquisa. O processo de privatização aqui descrito tem como
fonte a percepção dos atores que participaram do planejamento e execução de projetos de
desestatização, a qual foi coletada durante as entrevistas. A abordagem qualitativa fornece
informações sobre a o porquê dos resultados obtidos, sendo um meio para compreender o
significado que os indivíduos atribuem a um problema social ou humano (CRESWELL, 2010).

A pesquisa é exploratória, assim sendo, o questionário utilizado buscou extrair a percepção dos
respondentes sobre o processo de desestatização e a experiencia prática dos entrevistados nos
projetos, como o do caso Eletrobras. O questionário baseia-se em entrevistas semiestruturadas
a fim de proporcionar ao entrevistador melhor entendimento e captação da perspectiva contida
nas respostas dos entrevistados.

3.2 COLETA DE DADOS


“The interview is, in effect, the third source of information at the investigator's
disposal. The literature review and the cultural review begin the search for
categories and relationships. But plainly, it is the interview itself that is the
most important opportunity to pursue this search. It is also the most
challenging. The respondent encounters salient data in the midst of a very
21

crowded and complicated speech event. There is virtually no opportunity for


unhurried identification or reflection. There is also the pressing knowledge
that this opportunity will never come again. What the investigator does not
capture in the moment will be lost forever. This is a challenging occasion
because mistakes are both easy to make and impossible to rectify.”
McCRACKEN (1988).

A primeira forma de obtenção de dados utilizada na pesquisa é a de entrevista, cujo objetivo


era a obtenção de informações práticas sobre o processo atual dos projetos de desestatização. A
coleta de dados por meio de entrevista semiestruturada, deu-se com pessoas de órgãos públicos
federais que tenham tido ou tenham envolvimento direto com projetos de desestatização. As
entrevistas com pessoas internas às organizações, vai ao encontro do objetivo de coleta de
informações de agentes diretamente envolvidos com o planejamento e execução dos projetos
de desestatização.

O intuito de entrevistar burocratas diretamente envolvidos com o processo de desestatização


visou a avaliação interna do processo. As vantagens apresentadas pela literatura sobre
avaliações internas versam sobre: a diminuição dos conflitos gerados pela inserção de pessoas
ou organizações externas; a possibilidade de revisão e aprendizagem quanto aos processos
executados em determinada política ou programa; o maior conhecimento teórico e técnico das
especificidades avaliadas (OLIVEIRA; PASSADOR, 2018).

As falas de cada entrevistado foram analisadas, e assim o conteúdo das respostas tabuladas de
forma cartesiana em planilha, entrevistados versus perguntas, em que cada célula representa a
resposta à pergunta de um entrevistado, caso no transcorrer da entrevista uma pergunta não
tenha sido satisfatoriamente respondida, isto é, não foi possível abstrair conteúdo de valor
durante a entrevista, a resposta então foi considerada nula. Com isso, foi possível tabular um
percentual de resposta por pergunta, uma vez considerado todos os respondentes. Dessa forma,
também foi possível abstrair itens em comum nas respostas dos entrevistados, bem como,
fatores de maior importância, palavras e termos repetidos pelos respondentes e assim validar o
processo dentre os múltiplos entrevistados.

A segunda forma de coleta de dados foi a leitura de artigos relacionados aos constructos que
norteiam a pergunta da pesquisa, artigos relacionados à história das empresas públicas federais
no Brasil, ao contexto da reforma da gestão pública, aos normativos atuais que regem o processo
de desestatização, às competências dos órgãos envolvidos nesse processo, ao histórico de
projetos de desestatizações já conduzidos, incluindo o caso Eletrobras, dentre outros. A análise
documental foi feita concomitante à condução das entrevistas.
22

A técnica utilizada para análise dos dados coletados por meio das entrevistas foi a de análise do
discurso, a entrevista possui um número sequencial de perguntas, no total de 22. No Apêndice
1 consta o roteiro das perguntas. Com todo o material separado, as transcrições das respostas
das entrevistas e selecionados os artigos científicos, iniciou-se a exploração do material,
categorizando as falas e os textos em unidades de registro que apontavam para indicadores de
auxílio à interpretação de respostas ao problema proposto na pesquisa

A análise de conteúdo seguiu as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos


resultados, inferência e interpretação (SILVA; FOSSÁ, 2015). A análise consiste na leitura de
material pesquisado como as entrevistas, e artigos publicados afeitos ao tema da pesquisa.

3.3 ENTREVISTAS
As entrevistas ocorreram no período de abril de 2022 até março de 2023, foram conduzidas por
intermédio de reuniões on-line, utilizando a ferramenta Microsoft Teams. Em um introito
preliminar o entrevistado foi informado da condição de anonimato da entrevista, do que se
tratava o tema, e do objetivo, sendo esse, a obtenção de informações para subsidiar pesquisa
científica para o trabalho de Mestrado em Administração Pública da FGV. A questão do
anonimato é imprescindível, com isso a demonstração da informação foi feita de forma a não
identificar nomes dos profissionais e quaisquer dados pessoais dos entrevistados.

A entrevista possui 22 perguntas sobre desestatização de empresas, com respostas abertas,


questionadas em sequência na ordem planejada. Algumas respostas foram obtidas em perguntas
anteriores, o que não invalida as perguntas subsequentes, pois o importante é o conteúdo dos
dados coletados. As narrativas foram organizadas em categorias para facilitar o tratamento e
análise de dados, como características do processo de desestatização, os atores e órgãos
envolvidos, as vantagens perseguidas, empecilhos e possíveis melhorias no processo de
desestatização.

As entrevistas conduzidas foram suficientes para subsidiar o conteúdo deste trabalho e se


encerraram a partir do momento em que o conteúdo das respostas se mostrou satisfatório para
responder ao problema proposto e sanadas as dúvidas as quais surgiram ao decorrer do trabalho.
As perguntas relativas à privatização da Eletrobras não foram respondidas por todos os
participantes, visto que nem todos tiveram participação direta no projeto, ou não tinham
informação a acrescentar sobre ele. Contudo, esse fato não prejudicou a análise visto que o
23

projeto de desestatização da Eletrobras está dentro do domínio de processo de desestatização e


as respostas coletadas se mostraram suficientes.

3.3.1 PERFIL DOS ENTREVISTADOS


Os entrevistados, total de 11, são profissionais que atuaram diretamente com o tema
desestatização e, assim sendo com capacitação para fornecer dados sobre o processo. O
conjunto de entrevistados foi determinado utilizando a técnica de snowball sampling, isto é,
cadeia de informantes. Os próprios entrevistados sugeriram outros participantes baseado no
pedido do entrevistador em que foi questionado ao final da entrevista a indicação de outras
pessoas que pudessem adicionar mais informação sobre o tópico da entrevista.

Eles participaram de projetos de desestatização de empresas de várias áreas do governo federal,


como do Ministério da Infraestrutura, Ministério das Comunicações, Ministério de Minas e
Energia, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério da Economia, dentre outros.
Fato esse que enriquece a entrevista, visto que adiciona conteúdo de especialistas atuantes com
empresas estatais de diversas áreas do governo federal.

3.3.2 TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL


Os entrevistados são funcionário do governo federal, todos com cursos de pós-graduação, como
Mestrado e MBA, atuantes em diferentes órgãos do governo, com uma média de 15 anos de
prestação de serviço público, e de 6 anos na área de empresas públicas e desestatização. Os
servidores entrevistados em sua grande maioria aceitaram a oportunidade de trabalhar com
empresas públicas e assim preencher cargos disponíveis em áreas que tratavam da temática de
estatais e desestatização.

3.4 O QUESTIONÁRIO
O conteúdo do questionário possui perguntas relativas a um breve currículo do entrevistado,
sobre o papel do Estado empresário, vantagens e desvantagens dessa atuação, áreas importantes
em que o Estado deve atuar enquanto empresa estatal, o processo de desestatização de empresas,
empecilhos encontrados no processo, projetos de desestatização já acabados, fatores que podem
24

facilitar o processo de desestatização, o futuro das empresas estatais e inclui também perguntas
sobre o projeto de desestatização do Grupo Eletrobras.
25

4 DESENVOLVIMENTO

“A política de privatização ocorreu em dois planos: aquele


no qual foram definidas as regras do jogo e outro no qual se
efetuou a venda das empresas. A reforma patrimonial do
setor público exigiu a definição de um marco institucional: o
conjunto de normas que atribuiu responsabilidades,
especificou as empresas a serem incluídas no programa,
estabeleceu os procedimentos de venda, as moedas aceitas e
a agência pública encarregada de levar adiante todo o
processo.” (ALMEIDA, 1999).

4.1 BASE NORMATIVA

O Decreto Lei 200 de 1967, define como princípios fundamentais da Administração Pública:
Planejamento, Coordenação, Descentralização, Delegação de Competência e Controle. A
descentralização da execução é uma tendencia que se desenvolve desde o Decreto Lei nº 200/67,
que cuidou da Reforma Administrativa, devendo se conservar na Administração direta as
funções de planejamento, normatização e controle (VILLELA SOUTO, 2000).

A Constituição Federal de 1988 – CF/88 - deixa claro as formas de atuação direta pelo Estado
como empresário na atividade econômica, monopolista na exploração de recursos naturais e
titular na prestação de serviços públicos. Os arts. 170 e 173 determinam os fundamentos da
livre iniciativa, propriedade econômica e a condição de excepcionalidade do Estado-
empresário.

A criação de uma empresa pública é uma forma de intervenção direta do Estado na ordem
econômica, portanto deve ser uma medida de exceção e não a regra, o que deve prosperar
mesmo é a livre iniciativa. Como descrito no art. 173, as hipóteses excepcionais de atuação do
Estado-empresário são as de imperatividade da segurança nacional ou relevante interesse
público. Por essa razão, para criar uma empresa você tem que ter Lei específica, e tem que ficar
muito bem justificado o porquê de uma estatal.

...
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional
ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
...
Constituição Federal de 1988
26

Em vários dispositivos da CF/88, (arts. 21, XI e XII, 25, § 2º, 30, V; e o art. 175) a norma
reserva ao Estado a execução direta de prestação de serviços públicos, e outrossim a capacidade
de prestação e exploração dos mesmos à iniciativa privada, mediante concessão ou permissão.
Dessa forma, a Constituição permite ao Estado retirar-se da intervenção direta no domínio
público, de prestação de serviços, delegando ao privado essa função.

O art. 177 da CF/88, descreve que o Estado possui monopólio de exploração nas seguintes
áreas: petróleo, gás natural e minérios e minerais nucleares. Enquanto o monopólio privado tem
por escopo o aumento de lucros e o interesse privado, o monopólio estatal visa sempre à
proteção do interesse público. A exclusividade de atuação do Estado em determinado setor
econômico tem caráter protetivo, e não lucrativo, e por esse motivo tem abrigo constitucional
(CARVALHO FILHO, 2006).

A dinâmica da conjuntura econômica juntamente à contínua revisão da necessidade de


intervenção do Estado na economia como explorador direto de atividade econômica, faz com
que o Estado possa se despir do papel de empresário. O governo deve atuar no sentido de
periodicamente reexaminar os imperativos de segurança nacional, a relevância do interesse
público na direta atuação do Estado como empresário gestor de empresa, assim sendo
repensando a sua condição de Estado-empresário.

Os programas de desestatização, capitaneados pelos processos de privatizações e concessões e


liquidação de empresas, buscam corrigir tais distorções, repensando o papel do Estado e sua
estrutura. Assume, ainda, especial relevância a função de fomento, pela qual o Estado incentiva
os particulares a desenvolver razões de interesse público ao invés dele próprio incorporar
estruturas à Administração para empreendê-las. (VILLELA SOUTO, 2001).

Na década de 80, o Estado iniciou o processo de privatização brasileiro, revisitando a


necessidade de redefinição do escopo de sua atuação, devido a ineficiência da gestão estatal e
a análise de seu papel nas áreas sociais de sua responsabilidade precípua de saúde, segurança,
educação, habitação etc. Em 1981 foi criada a Comissão Especial de Desestatização formada
por três membros: Ministros do Planejamento, da Fazenda e da Desburocratização e em 1985,
houve algumas mudanças no programa de privatização, quando foi criado um Conselho
Interministerial de Privatização. E em 1988, no Governo Sarney, ocorre a criação do Programa
Federal de Desestatização.
27

A privatização de empresas estatais, a terceirização de serviços auxiliares para empresas


comerciais e a contratação de organizações sem fins lucrativos para a prestação de serviços
sociais e científico são reformas destinadas a reforçar a capacidade do Estado, retirando-o de
funções que não lhe cabem. Construindo o estado republicano democracia e reforma da gestão
pública. (BRESSER-PEREIRA, 2009).

Com as desestatizações integrando a agenda do governo Collor, o Poder Executivo enviou ao


Congresso Nacional em março de 1990 a Medida Provisória nº 155, cuja base legal serviu
para que em 12 de abril de 1990 fosse instituído o Programa Nacional de Desestatização –
PND - formalizado pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, e mais tarde alterada pela Lei nº
9.491, de 9 de setembro de 1997, a qual aprimora os dispositivos da norma original. A criação
do PND representa um marco legal muito importante no processo de desestatização, e abre o
caminho para a privatização de empresas do estado brasileiro de forma abrangente, coordenada
e procedimental.

Seguindo as tendências mundiais de globalização da economia e de eliminação de barreiras à


produção, o Brasil busca inserir-se nesse processo de transformação por meio da promoção do
desenvolvimento via descentralização, flexibilização, desburocratização e reorientação das
atividades do setor público. É nesse contexto que se situa o Programa Nacional de
Desestatização brasileiro (MATOS FILHO; OLIVEIRA, 1996).

Dentre as alterações providas pela Lei nº 9.491, está a ampliação do escopo do PND, como
exemplo, inclusão dos serviços públicos de concessão, permissão ou autorização, e bens móveis
e imóveis da União como objetos de desestatização. A lei também dispõe sobre o Conselho
Nacional de Desestatização – CND, atuante como órgão superior de decisão do PND e
diretamente subordinado ao Presidente da República. A Lei nº 9.491 é regulamentada pelo
Decreto nº 2.594, de 15 de maio de 1998.

O Decreto nº 2.594 possui capítulo próprio que trata do funcionamento do CND, dispondo
sobre sua composição, reuniões, competências do Conselho e de seu Presidente e das
deliberações. O art. 9º e art. 10 dessa lei tratam das reuniões do Conselho e de suas competências
respectivamente. O art. 10, inciso I descreve a competência do Conselho em recomendar ao
Presidente da República a inclusão ou exclusão de empresas no PND.

...
Art. 9º O CND reunir-se-á, ordinariamente, uma vez por mês, e,
extraordinariamente, sempre que for convocado por seu Presidente
28

Art. 10. Compete ao CND:


I - recomendar, para aprovação do Presidente da República, meios de
pagamento e inclusão ou exclusão de empresas, inclusive instituições
financeiras, serviços públicos e participações minoritárias no PND;
...
Decreto 2.594, de 15 de maio de 1998

Para a consecução do PND, foi criado, pela lei que institui o Programa, o Fundo Nacional de
Desestatização (FND), de natureza contábil. O FND é constituído, a título de depósito, das
ações ou cotas de propriedade direta ou indireta da União emitidas por sociedades que tenham
sido inclusas no PND9.

Além das vedações à privatização estabelecidas na Constituição Federal de 1988, a Lei 9.491
também dispõe no seu art. 3º vedação à desestatização do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal. A Lei descreve também rito diferenciado para a desestatização de
instituições financeiras, cujo processo de desestatização deve ser coordenado pelo Banco
Central do Brasil e direciona competências para aprovação de medidas mencionadas no art. 6º,
II, ao Conselho Monetário Nacional, por proposta do Banco Central do Brasil.

...
Art. 3º Não se aplicam os dispositivos desta Lei ao Banco do Brasil S.A., à
Caixa Econômica Federal, e a empresas públicas ou sociedades de economia
mista que exerçam atividades de competência exclusiva da União, de que
tratam os incisos XI e XXIII do art. 21 e a alínea "c" do inciso I do art. 159 e
o art. 177 da Constituição Federal, não se aplicando a vedação aqui prevista às
participações acionárias detidas por essas entidades, desde que não incida
restrição legal à alienação das referidas participações.
...
Art. 6º Compete ao Conselho Nacional de Desestatização:
...
§ 5° A desestatização de instituições financeiras será coordenada pelo Banco
Central do Brasil, competindo-lhe, nesse caso, exercer, no que couber, as
atribuições previstas no art. 18 desta Lei.
§ 6° A competência para aprovar as medidas mencionadas no inciso II deste
artigo, no caso de instituições financeiras, é do Conselho Monetário Nacional,
por proposta do Banco Central do Brasil.
...
Lei nº 9.491 de 9 de setembro de 1997

O primeiro e segundo mandato do governo Lula (2003-2011) e o governo Dilma Rousseff


(2011-2016) enfrentaram problemas de alavancagem dos programas de infraestrutura baseados
no investimento público. Frente as essas dificuldades, a presidente Dilma anunciou em 2012, o
Programa de Investimento em Logística (PIL), com o objetivo de estimular investimentos

9
BNDES. Programa nacional de desestatização: Relatório de atividades. Ministério do planejamento,
desenvolvimento e gestão. 2015.
29

privados. E em 2016, é criado o Programa de Parcerias e Investimentos - PPI. O PPI é


baseado em investimentos em infraestrutura que serão feitos por parcerias com o setor privado,
particularmente por meio de Parcerias Público-Privada (PPP), e por privatizações10.

A Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016 promulgada no segundo mandato do governo de


Dilma Roussef, criou o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, contemplando
também os projetos de desestatização. O PPI tem como finalidade ampliar e fortalecer a
interação entre o Estado e a iniciativa privada, por meio da estruturação e desenvolvimento de
projetos que culminam na celebração de contratos de parceria público-privada, de concessão e
de outras medidas de desestatização11.

O PPI engloba a competência de desestatização de empresas dentre várias outras atribuições, a


Lei nº 13.334 criou também a Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos e o
Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República –
CPPI, e confere a ele o exercício das funções atribuídas ao CND – Conselho Nacional de
Desestatização. Com isso as atribuições do Conselho Nacional de Desestatização - CND foram
incorporadas pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos – CPPI.

Art. 1º Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa de


Parcerias de Investimentos - PPI, destinado à ampliação e fortalecimento da
interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de
contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de
infraestrutura e de outras medidas de desestatização.
§ 1º Podem integrar o PPI:
...
III - as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização a que se
refere a Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997;
...
Art. 7º Fica criado o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da
Presidência da República - CPPI, com as seguintes competências:
...
V - exercer as funções atribuídas:
...
c) ao Conselho Nacional de Desestatização pela Lei nº 9.491, de 9 de
setembro de
1997;
...
Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016

10
LINS, Paulo. A mudança de modelo (e de postura) no investimento em infraestrutura. Blog do Ibre, 2017.
Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/mudanca-de-modelo-e-de-postura-no-investimento-em-
infraestrutura. Acesso em 20 dez. 2022.
11
PPI – Programa de Parceria de Investimentos. gov.br, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-
br/assuntos/mobilidade-e-servicos-urbanos/ppi-2013-programa-de-parceria-de-investimentos. Acesso em 20
dez. 2022
30

O Decreto nº 10.245, de 18 de fevereiro de 2020 dispõe sobre o Conselho do Programa de


Parecerias de Investimentos – CPPI e reafirma a competência do CPPI em exercer as funções
do Conselho Nacional de Desestatização - CND, de acordo com as atribuições previstas na Lei
nº 9.491, de 1997. Este normativo revoga o Decreto nº 8.791, de 29 de junho de 2016, o qual
dispunha sobre o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da
República.

Assim sendo, a inclusão e exclusão de empresas no PND – Programa Nacional de


Desestatização passa a partir da criação do Programa de Parcerias e Investimentos pelo
crivo do Conselho do PPI, visto que esse conselho tem como competência as funções atribuídas
ao Conselho Nacional de Desestatização - CND. O Conselho do PPI é integrado pelos
seguintes membros titulares: Presidente da República, Ministro da Economia, Ministro-Chefe
da Casa Civil, Ministro da Infraestrutura, Ministro de Minas e Energia, Ministro do Meio
Ambiente, Ministro do Desenvolvimento Regional, Ministro-Chefe da Secretaria de Governo,
Presidente do BNDES, Presidente da Caixa Econômica Federal, Presidente do Banco do Brasil.
Também podem ser convidados para as reuniões do Conselho: Ministros setoriais responsáveis
pelas proposições em exame e Dirigentes máximos das Agências Reguladoras.

As decisões do CPPI são tomadas por meio de Resoluções. O quórum de reunião do Conselho
é de maioria absoluta e o quórum de aprovação é de maioria simples. Em caso de empate, o
Presidente do Conselho do Programa de Parcerias terá o voto de qualidade, assim como disposto
no Decreto nº 10.248, art. 5º.

A aprovação para inclusão de empresas no PND é um ato discricionário, com rito próprio de
reuniões e decisões colegiadas bem como descrito no Decreto nº 10.245, que regulamenta o
Conselho do PPI e no Decreto nº 2.594, que regulamenta a Lei do PND. O Decreto nº 10.263,
de 5 de março de 2020 alterou o Decreto nº 2.594 adicionando à norma determinada
periodicidade de avaliação de empresas como critério a fim de que empresas possam ser
recomendadas para inclusão no PND. Contudo, o Decreto nº 10.263 foi revogado pela
publicação do Decreto nº 11.580, de 27 de junho de 2023, removendo assim a necessidade
legal de avaliação prévia da empresa para recomendação de inclusão no programa.

...
§ 6º O CND, para fins da recomendação de inclusão de empresas no PND,
ressalvada a prerrogativa de exercício a qualquer tempo da competência de que
trata o inciso I do caput, deverá:
31

I - avaliar, quadrienalmente, a sustentabilidade econômico-financeira de todas


as empresas estatais com controle direto da União, além de verificar se
permanecem as razões de imperativo à segurança nacional ou de relevante
interesse público que justificaram a sua criação; e
II - avaliar, bienalmente, a sustentabilidade econômico-financeira de todas as
empresas estatais dependentes, observado o disposto no inciso III do caput do
art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, além de verificar
se permanecem as razões de imperativo à segurança nacional ou relevante
interesse público que justificaram a sua criação."
...
Decreto nº 10.263 de 5 de março de 2020

Há de se fazer nota que apesar da Lei do PND ter aberto a possibilidade de privatização de
empresas estatais, outras leis posteriores a essa atuaram em sentido contrário, como exemplo
cita-se a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, a qual dispõe sobre a comercialização de
energia elétrica. Essa norma, dispunha sobre a exclusão da empresa Centrais Elétricas
Brasileiras S/A - ELETROBRÁS e suas controladas do Programa Nacional de Desestatização
– PND, dispositivo agora revogado. A privatização do setor elétrico concluída em 2022,
necessitou da revogação de tal parágrafo dessa lei a fim de que a desestatização do grupo
Eletrobras pudesse prosseguir, a qual foi feita por meio da Lei nº 14.182, de 12 de julho de
2021.

4.2 O ESTADO EMPRESÁRIO


As entrevistas mostraram a visão de que a atividade do Estado enquanto gestor de empresa deve
ser exceção e não a regra. Dentre as importantes áreas de atuação, estão as de segurança
nacional e setores de relevante interesse coletivo, bem como descrito no art. 173 da Constituição
Federal. Ademais, também são consideradas de importante interesse público, os setores de
mercado, os quais não haja amadurecimento do privado e/ou que sejam pouco regulamentados
pelo Governo Federal. Destacam ainda, que a atuação do governo empresário é um arranjo
institucional do Estado em prover a política pública por meio da empresa pública.

Dentre as principais vantagens almejadas com a concretização do projeto de desestatização


foram destacadas: a melhoria de serviços públicos prestados, visto que a privatização induz
maior eficiência a médio, longo prazo, a realização de investimentos com a celeridade
necessária e a liberação de orçamento para atividades mais prioritárias do Estado como
segurança, saúde, educação, habitação etc. A crescente demanda por serviços de infraestrutura
de melhor qualidade aumentou a necessidade de investimentos em infraestrutura numa época
na qual as restrições orçamentarias limitaram a possibilidade de financiamentos
32

governamentais, proporcionado um ímpeto ainda maior para a mudança na abordagem dos


governos a tais investimentos (NESTOR; MAHBOOBI, 2000).

Dentre os pontos positivos de atuação do Estado-empresário, os entrevistados mencionaram a


operação dos bancos públicos, capazes de emprestar a taxas menores de mercado, a expansão
da economia por intermédio de investimentos públicos, a necessidade de fomentar setores
estratégicos em que não existe interesse privado, a maior flexibilidade de atuação do modelo
de empresa pública na entrega de políticas públicas quando comparado à autarquia ou fundação.

E entre os aspectos negativos da atuação do Estado-empresário foram citados, a atuação dentro


de mercado com competitividade, contudo com ritos diferenciados do setor público o que
coloca as empresas públicas em desvantagem, como o processo licitatório, a complexidade da
desmobilização da empresa estatal uma vez verificada a não necessidade de atuação pública, a
falta de foco em resultados, o aparelhamento das empresas por interesses políticos, loteamento
de cargos e a interferência política na gestão das empresas. Cargos em estatais são cruciais para
entender o xadrez da divisão de poder entre partidos na administração federal, apesar de a
estrutura destes cargos não constarem nos registros oficiais da administração federal12.

Quando questionados sobre as áreas em que o governo deve atuar, os entrevistados


responderam: área de fertilizantes devido ao agronegócio; o setor de óleo e gás, que também
foi apontado de forma majoritária pelos respondentes como uma área de mercado ainda com
baixo nível de amadurecimento no mercado. E de forma ampla, os setores que não são viáveis
economicamente, contudo são estratégicos, setor de segurança, defesa e tecnológicos, serviços
públicos em que não se tenha uma regulamentação madura, qualquer área de relevante interesse
público e que inexiste interesse privado de atuação, atividades tipicamente de Estado e áreas
que necessitam de intervenção direta dele.

4.3 PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO E ATORES


“Quando se pensa no universo das empresas estatais, uma dicotomia
importante deve ser observada. Ao mesmo tempo em que são regidas
pelo direito privado, essas empresas também estão inseridas na
Administração Pública Indireta. Assim, elas estão sujeitas a dois
objetivos distintos na operação do seu negócio: enquanto empresas,
devem buscar a sustentabilidade econômico-financeira de suas
operações; enquanto estatais, devem atender ao interesse público que
justificou sua criação, nos termos do artigo 173 da Constituição

12
LOPEZ, Felix Garcia. Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro. Brasília: IPEA, 2015.
33

Federal, no artigo 238 da Lei 6.404/1976, e nos artigos 8º, I e 27 da


Lei 13.303/2016” (SEST, 2017)

O Poder Executivo é quem define a prioridade da pauta de privatização, bem como quais serão
os projetos de desestatização da agenda política e o tramitar do processo, pois é ele que inicia
o fluxo a partir do entendimento, decisão política de que a empresa não mais precisa ser de
controle estatal ou o serviço não mais necessita ser prestado pelo Estado. O rito do processo de
desestatização é ditado pela Lei 9.491, e pelo Decreto 2.594, bem como descrito na seção 4.1,
esses normativos estabelecem todo o procedimento, as competências e o envolvimento de todas
as partes e os principais atores.

Ao verificar por meio de estudos e avaliações técnicas que a empresa não tem mais motivo para
existir enquanto empresa pública, o Poder Executivo por intermédio do Ministério Setorial,
Ministério o qual a empresa está subordinada, solicita conjuntamente com o órgão responsável
pelo Programa de Parcerias e Investimentos – PPI a entrada da empresa no PND – Programa
Nacional de Desestatização. Há também de ser observado a existência de um custo operacional
do projeto de desestatização, não somente o trabalho dos servidores públicos, como também a
contratação de terceiros, com isso, deve-se também avaliar quão bem consubstanciado são os
estudos preliminares e a assertividade do governo em levar a frente o projeto a fim de que se
minimize as chances de cancelamento futuro.

A aprovação para inclusão de empresas no PND é um ato discricionário com rito próprio de
reuniões colegiadas do Conselho do PPI, em que uma vez aceita a proposta de entrada de uma
empresa no PND, o Conselho emite uma Resolução. A empresa proposta para privatização pode
não entrar diretamente no PND, mas sim continuar na carteira de projetos do PPI para contínuo
estudo, investigação e avaliação. A entrada da empresa no PND se dá por meio de decreto do
Presidente da República, e assim tem-se o “start” oficial do projeto de desestatização da
empresa.

A partir da publicação do Decreto, o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento


Econômico e Social, é contratado para a execução dos estudos. O banco faz a contratação de
terceiros a fim de auxiliar em todo o processo de análise. Essa análise dentre outros tópicos,
constitui estudos sobre a capacidade fiscal do ente a ser privatizado, o quadro jurídico,
regulatório e institucional, entre outros; uma vez de posse de toda informação necessária, o
banco sugere alternativas sobre a modalidade a qual se dará o desfazimento do controle da
34

empresa pelo Estado. Os custos com contratação de pareceres e estudos especializados deverão
ser ressarcidos, mesmo que a desestatização não venha a ocorrer, pela Uniao ao Gestor do FND,
bem como trata o Art. 26-A do Decreto nº 2.594.

ESTUDOS INCLUSÃO NO PLANEJAMENTO ESTRUTURAÇÃO DO LEILÃO CONTRATO


PRELIMINARES PND .Análise da capacidade fiscal PROJETO .Realização de road show .Assinatura do
.Estudos e avaliações .Publicação de do ente público .Seleção de alternativa de com potenciais investidores contrato entre
sobre as empresas - Resolução .Análise do quadro jurídico, estruturação mais adequada .Participação em audiência o setor público
SEDDM, SEST, Ministério .Publicação de regulatório e institucional .Elaboração de editais de pública e o parceiro
Supervisor(MS) Decreto do ente público chamamento e termos de .Realização de consulta privado
.Secretaria do PPI/MS .BNDES contratado .Estruturação dos referência pública vencedor do
avalia, sugere inclusão no para estudos e mecanismos de garantia .Celebração de parcerias .Resposta aos leilão
PND operacionalização para o projeto com estruturadores questionamentos dos
.Decisão colegiada pelo da privatização .Levantamento da base de .Acompanhamento dos órgãos de controle
Conselho do PPI ativos do ente público estudos técnicos .Realização do leilão

Figura 1 – Fluxo processo de privatização

Fonte: elaborado pela autora a partir fluxo BNDES

Uma vez definida a modalidade de transferência do controle estatal para o privado, e sanado
todas as dúvidas dos órgãos de controle, o BNDES abre o processo de licitação a fim de
levantar-se os interessados no certame. No caso da Eletrobras, a modalidade operacional
aprovada é chamada de capitalização, na qual foi realizado um aumento do capital social da
Eletrobras, também mencionada em maiores detalhes na seção 5.

Como levantado durante as entrevistas, são vários os atores que atuam no projeto de
desestatização. O Poder Executivo representado pelo Ministério Supervisor, Casa Civil,
Secretaria do PPI, Sest atuam diretamente no gerenciamento e execução do projeto juntamente
com o BNDES. Os órgãos PGFN, STN, CGU, AGU, Agências Reguladoras, Receita Federal,
Secretaria do Orçamento Federal, auxiliam em todo o processo burocrático, na disponibilização
de informações para insumo dos estudos e na defesa jurídica nos casos de processos judiciais.

Além dos atores internos ao Executivo, têm-se também atores do Legislativo, representado pelo
Congresso Nacional; do Tribunal de Contas da Uniao o qual possui papel de análise essencial
do processo, do poder Judiciário que julga as causas judiciais pertinentes ao pleito de
desestatização, do Ministério Público, da sociedade civil, dos sindicatos, dos empregados da
empresa, do mercado privado, e assim todos esses entes possuem interesse no projeto e
necessitam ser envolvidos e comunicados em diferentes níveis e fases.
35

Agência
Reguladora Congresso
PRESIDÊNCIA Judiciário
Nacional
Casa Civil
PGFN
Ministérios TCU
Entes
BNDES Economia Federados
STN
Planejamento
Gestão MPU
Consultores
AGU
Sest

SOF Mercado
Privado Secretaria
PPI
CGU Sociedade
Civil Ministério
Empresa
Supervisor
Receita
Federal
Sindicatos

Figura 2 – Atores projeto desestatização

Fonte: elaborado pela autora

Como mostrado na fig. 2, um projeto de desestatização envolve muita interlocução com


diversos órgãos de diferentes poderes da Uniao. E como verificado durante as entrevistas, fica
claro a importância de que se tenha bem alinhados dentro do próprio Poder Executivo todos os
órgãos do governo diretamente envolvidos no projeto. A Secretaria do PPI, a Sest - Secretaria
de Coordenação das Empresas Estatais, o Ministério Supervisor, a Empresa Estatal, e os outros
Ministérios envolvidos devem estar bem engajados com o propósito do projeto. O discurso da
privatização deve ser uníssono, incluindo os benefícios almejados, e os resultados dos estudos
preliminares de avaliação do setor e da empresa a ser desestatizada, a fim de reduzir-se
problemas de comunicação com outros atores fora do Poder Executivo.

Figura 3 – Interlocução uníssona dentro do Poder Executivo

Fonte: elaborado pela autora


36

O envolvimento de todos os atores no Projeto de Desestatização, a comunicação e transparência


durante todo o processo deve ser limpa, sem ruídos, e abundante a fim de evitar-se problemas
futuros de alinhamento e desarmonia de entendimentos entre os atores. Todos os atores, sejam
do próprio governo, incluindo a Presidência, os Ministérios envolvidos, a empresa estatal e os
outros órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário, os órgãos de controle, e a sociedade civil
são envolvidos no processo em maior ou menor grau dependendo das diferentes fases que se
encontra o Projeto de privatização.

Assim sendo, a comunicação dentro e fora do círculo do Executivo necessita ser única a fim de
evitar-se ruídos com os outros atores interessados no processo mesmo que não estejam
diretamente envolvidos, evadindo-se de problemas de comunicação desnecessários ao longo do
Projeto. A realização de projetos bem-sucedidos está diretamente ligada à adequada
comunicação dentro da equipe e com as demais partes interessadas (THOMAS; TUCKER;
KELLY, 1998).

O alto nível de interlocução dos atores, e a relação de poder entre eles, adiciona complexidade
e vulnerabilidade ao processo de desestatização. A intervenção de diversos atores no processo
faz com que ele esteja sujeito a pausas, tornando-o mais moroso. As coalizões atuam nos
processos decisórios, que por sua vez são moldados e mutáveis ao longo do tempo (DE
AZEVEDO ALMEIDA.; CORRÊA GOMES, 2018).

O Tribunal de Contas da União - TCU é um ator de suma importância no processo de


privatização. Por determinação constitucional, o controle externo da função administrativa
exercido pelos Tribunais de Contas, é amplo, abrangendo os aspectos de legalidade,
legitimidade, economicidade, oportunidade, finalidade e eficiência.

Por regramento jurídico, para que o processo de privatização seja finalizado, não é necessário
a manifestação formal do TCU, contudo ela se faz desejada antes da consumação da venda da
empresa estatal, visto que esse passo confere maior segurança jurídica ao setor privado, isto é,
aumentando a segurança do mercado em relação à privatização. Assim sendo, tende a evitar-se
o questionamento do órgão de controle a posteriore do ato administrativo consumado,
outrossim, a sua manifestação é esperada ex-ante a finalização do processo de desestatização.

...
Art. 18. Compete ao Gestor do Fundo:
...
37

VIII - preparar a documentação dos processos de desestatização, para


apreciação do Tribunal de Contas da União;
...
Lei 9.491, de 9 de setembro de 1997

Cabe à Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (SPPI) juntamente com


o BNDES prover toda a documentação necessária ao TCU. A Instrução Normativa nº 81, de
20 de junho de 2018, dispõe sobre a fiscalização dos processos de desestatização pelo órgão.
A Instrução determina que o gestor do processo de desestatização encaminhará,
obrigatoriamente em meio eletrônico, as informações e os documentos descritos nos arts. 3º, 4º
ou 5º desta Instrução Normativa em noventa dias, no mínimo, da data prevista para publicação
do edital de licitação.

No desfazimento de bem público, a sociedade também é um ator muito importante nesse


processo, sendo assim faz-se necessária a disponibilização de informações a fim de garantir a
transparência e lisura do processo de desestatização e a garantia de instrumentos que
possibilitem o envolvimento dos cidadãos. Com isso, parte do processo de desestatização inclui
consultas e audiências públicas13 o que possibilita a sociedade se manifestar em relação ao
projeto de desestatização, assegurando oportunidade de participação no processo.

À princípio, do ponto de vista de um leigo o processo de privatização parece lento e demorado,


contudo, ficou claro durante o período de pesquisa e entrevistas, a complexidade do processo,
e os passos a serem alçados em um projeto de privatização de empresas públicas. O desenho do
processo envolve nessa ordem: a construção de um embasamento técnico para colocar a
empresa na carteira do PPI, a deliberação de Ministros para a sugestão de entrada no PND, a
elaboração de Resolução e Decreto, a contratação de consultores pelo BNDES para estudos, a
elaboração dos estudos de avaliação e proposição de modelagem de venda, coleta de dados e
análises, a fiscalização do processo pelo TCU, o edital e realização de leilão. Abaixo na fig. 4
a linha do tempo com o período aproximado das etapas do processo bem como levantado
durante as entrevistas.

13
“O processo de consulta pública é aquele pelo qual a Administração submete um projeto de lei, de decreto, ou
mesmo um pacote de medidas, à manifestação de qualquer pessoa. Uma audiência pública é uma reunião pública
informal, ou seja, um instrumento de participação popular, garantido pela Constituição Federal de 1988. É um
espaço onde os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário podem expor um tema ou debater com a população
sobre a formulação de uma política pública, a elaboração de um projeto de lei ou a realização de
empreendimentos que podem gerar impactos à cidade, à vida das pessoas e ao meio ambiente. São discutidos
também, em alguns casos, os resultados de uma política pública, de leis, de empreendimentos, ou serviços já
implementados ou em vigor.” (PARTICIPAÇÃO SOCIAL, 2023).
38

~ 2 meses ~ 4 meses ~ 8 a 12 meses até 90 dias ~ 3 meses

Avaliação técnica para Depósito de ações Estudos para Fiscalização do Edital


subsidiar entrada no da empresa privatização, processo TCU Leilão
PND Contratação de valuation,
Resolução Conselho consultores modelagem
PPI
Decreto Presidencial

Figura 4 – Tempo aproximado estágios processo privatização

Fonte: elaborado pela autora

Bem como visto nas etapas do processo de privatização, e correspondente tempo estimado de
cada estágio do processo, o tempo aproximado de início ao fim do projeto de privatização é de
aproximadamente 24 meses de duração. Assim, para que o governo possa completar o projeto
de privatização até o findar de um mandato, e supondo que as fases do projeto transcorram a
contento, o mesmo deve ser iniciado no máximo até o final do segundo ano de governo,
presume-se também que os estudos preliminares de avaliação da empresa já se iniciaram a
tempo antes da entrada da empresa no PND.

Como mencionado anteriormente, a decisão inicial de privatização de empresa é do Poder


Executivo, com isso, no exercício de um mandato, com o avanço dos estudos pode-se chegar à
conclusão de retirar a empresa do PND, encerrando-se o projeto, visto que a análise técnica
posterior não confirma as premissas iniciais de privatização dela ou por motivos políticos.

Da mesma forma, durante a mudança de mandatos de governo, a pauta de privatização pode


não ser prioritária, e por avaliação do novo governo pode optar-se pela retirada de empresas do
PND, e assim por óbvio o encerramento do projeto de desestatização da empresa. Contudo,
como também apontado pelos técnicos durante as entrevistas, há também de se considerar os
custos já auferidos durante o projeto, visto que todo o trabalho humano na execução do projeto,
seja de servidores públicos, e/ou de terceiros incide em custos ao governo federal.

4.3.1 BNDES
“O papel do BNDES foi importantíssimo, seja antes, durante ou
depois da privatização: antes, na modelagem, na preparação do
mercado; durante, garantindo a transparência de todo o processo;
depois, dando o suporte financeiro necessário para o investidor
enfrentar mercados que ainda não haviam sido desbravados pelo setor
privado." (COELHO, 2000)
39

Como verificado durante as entrevistas e bem como na análise documental, a experiencia do


BNDES em privatizações é extensa, a atuação do BNDES em privatizações de empresas do
governo federal remonta da década de 80, antes mesmo da criação do PND. O Banco construiu
seu know-how, com uma curva de aprendizagem no setor de privatizações desde essa época em
que várias empresas privatizadas eram subsidiárias do próprio Banco, e que por iniciativa
própria decidiu vendê-las pois registravam prejuízos, consumindo recursos humanos e
financeiros.

Os procedimentos criados pelo BNDES para se desfazer dessas empresas - ou seja, venda em
leilão público em bolsa de valores, uso de uma empresa de consultoria para propor um preço
mínimo e de uma firma de auditoria para supervisionar cada processo - foram posteriormente
adotados pela lei de privatização agora em vigor (PINHEIRO; GIAMBIAGI, 2000).

A Lei nº 9.491 coloca o BNDES como órgão central no processo de desestatização, participando
desde o planejamento do projeto de privatização até a assinatura de contrato entre o setor
público e o privado14. O Decreto 9.464, de 16 de agosto de 1990, determina como gestor do
FND, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Lei 9.491, de 9
de setembro de 1997 manteve essa determinação. O BNDES mostra-se como ator de grande
importância no processo de desestatização, atuante não somente na esfera federal, mas também
em privatizações das esferas estadual e municipal quando por estes solicitado.

As competências do BNDES como gestor do FND são: fornecer apoio administrativo e


operacional, necessário ao funcionamento do Conselho Nacional de Desestatização (CND),
incluindo os serviços de secretaria; divulgar os processos de desestatização, bem como prestar
todas as informações que vierem a ser solicitadas pelos poderes competentes; promover a
contratação de consultoria, auditoria e outros serviços especializados necessários à execução
das desestatizações; e preparar a documentação dos processos de desestatização, para
apreciação do Tribunal de Contas da União.

...
Art. 18. Compete ao Gestor do Fundo:

14
AS ETAPAS do processo de desestatização. gov.br, 2016. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/noticias/noticia/infografico-etapas-
desestatizacao. Acesso em 01 fev. 2022.
40

I - fornecer apoio administrativo e operacional, necessário ao funcionamento


do Conselho Nacional de Desestatização, aí se incluindo os serviços de
secretaria;
II - divulgar os processos de desestatização, bem como prestar todas as
informações que vierem a ser solicitadas pelos poderes competentes;
III - constituir grupos de trabalho, integrados por funcionários do BNDES e
suas subsidiárias e por servidores da Administração direta ou indireta
requisitados nos termos da alínea "d" do § 4° do art. 6º, desta Lei, para o fim
de prover apoio técnico à implementação das desestatizações;
IV - promover a contratação de consultoria, auditoria e outros serviços
especializados necessários à execução das desestatizações;
V - submeter ao Presidente do Conselho Nacional de Desestatização as
matérias de que trata o inciso II do art. 6º, desta Lei;
VI - promover a articulação com o sistema de distribuição de valores
mobiliários e as Bolsas de Valores;
VII - selecionar e cadastrar empresas de reconhecida reputação e tradicional
atuação na negociação de capital, transferência de controle acionário, venda e
arrendamento de ativos;
VIII - preparar a documentação dos processos de desestatização, para
apreciação do Tribunal de Contas da União;
IX - submeter ao Presidente do Conselho outras matérias de interesse do
Programa Nacional de Desestatização.
Parágrafo único. Na contratação dos serviços a que se refere o inciso IV deste
artigo, poderá o Gestor do Fundo estabelecer, alternativa ou cumulativamente,
na composição da remuneração dos contratados, pagamento a preço fixo ou
comissionado, sempre mediante licitação.
...
Lei 9.491, Art. 18

A fim de auxiliar no processo de desestatização, o Banco abre processo de contratação de


consultores para a realização de estudos de avaliação da empresa e do mercado. Dentre os
serviços contratados estão: a Avaliação Econômico-Financeira, Due Diligence Contábil-
Patrimonial e a Due Diligence Jurídica, e Relatório de Detalhamento de Modelagem, Relatório
Final do Processo de Desestatização, Relatório de Fairness Opinion, Assessoria de Estruturação
Financeira, Assessoria Jurídica e Assessoria de Comunicação e Gestão de “Stakeholders”.

Além da participação do BNDES nos projetos do Governo Federal de concessões e


desestatização de ativos do Programa de Parcerias para Investimentos (PPI), ele também
participa de projetos de desestatização em estados e municípios da federação, essa participação
é formalizada por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACT), entre o Banco e o ente
público.

Dentre os processos recentes de privatização concluídos pelo BNDES, pode-se citar as


empresas estatais do setor elétrico do governo federal, como as distribuidoras de energia Cepisa,
41

Ceal, Eletroacre, Ceron, BoaVista e Amazonas Energia, e mais recentemente em 2022, a


desestatização da Centrais Eletricas Brasileiras S.A. – Eletrobras, conclui-se assim a
privatização do sistema elétrico brasileiro a nível federal15.

Nota-se que enquanto o Decreto no 2.594, de 15 de maio de 1998 que regulamenta a Lei 9.491,
no parágrafo 3º do Art. 9º, determina que o BNDES participe sem direito a voto das reuniões
de conselho, a Lei 13.334, de 13 de setembro de 2016, que criou o PPI, estabelece o BNDES
como membro com direito a voto do CPPI – Conselho de Parceria Público Privadas.

A desestatização de empresas de pequeno e médio porte, poderá ser coordenada pelo


Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, do Ministério do
Planejamento Orçamento e Gestão, e que neste caso competindo-lhe também no que couber, as
atribuições de Gestor do Fundo, de acordo com o que determina a Lei 9.491, Artigo 6º,
parágrafo 3º. Bem como, competência reiterada por meio do Decreto nº 2.594, Art. 10º,
parágrafo 2º que regulamenta a Lei 9.491. Mais recentemente, em 2019 o Departamento
tornou-se novamente Secretaria, Sest – Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas
Estatais.

...
§ 3º A desestatização de empresas de pequeno e médio portes, conforme
definidas pelo Conselho Nacional de Desestatização, poderá ser coordenada
pelo Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, da
Secretaria-Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
competindo-lhe, no que couber, as atribuições previstas no art. 18 desta Lei.
...
Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997

...
Art. 10
...
§ 1º Na desestatização dos serviços públicos, o CND deverá recomendar, para
aprovação do Presidente da República, o órgão da Administração direta ou
indireta, que poderá ser diferente do Gestor do FND, para ser o responsável
pela execução e acompanhamento do correspondente processo de
desestatização.
§ 2º A desestatização de empresas de pequeno e médio portes, conforme
definidas pelo CND, poderá ser coordenada pela Secretaria de Coordenação e

15
PROCESSOS ENCERRADOS. BNDES, 2023. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/processos-encerrados. Acesso
em 20/12/2022.
42

Controle das Empresas Estatais - SEST do Ministério do Planejamento e


orçamento, a critério do CND.
§ 3º Nos casos previstos nos parágrafos anteriores, competirá, no que couber,
aos órgãos responsáveis, o exercício das atribuições previstas no art. 24 deste
Decreto, salvo manifestação expressa em contrário do CND.
Decreto nº 2.594, de 15 de maio de 1998

O processo de privatização está em contínuo aprimoramento, e da mesma forma a atuação do


BNDES. As competências atribuídas por Lei e a vasta experiencia em desestatizações, faz com
que o órgão tenha participação essencial no processo de desestatização. O BNDES atua na
contratação de consultorias, subsídio de informações e é ator chave na condução do processo,
trabalhando em conjunto com a Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (SPPI).

4.4 DESAFIOS
Como levantado durante as entrevistas, no decorrer do projeto de desestatização, os atores
envolvidos possuem grande poder de pausar o processo, seja pelo poder decisório dos órgãos
envolvidos, pelo legítimo acionamento de Tribunais de Contas, do Ministério Público, do
Judiciário, e até mesmo pelos constituintes e sociedade civil que se organizam a fim de defender
seus interesses. Essa coalizão de atores pode incluir a mídia, grupos de interesse, cientistas,
acadêmicos, funcionários do governo que compartilham uma mesma visão sobre um assunto
público de modo a coordenar e influenciar o seu comportamento. Essas coalizões de advocacia,
‘advocacy coalitions’, se envolvem em várias estratégias usando recursos para influenciar a
mudança ou a estase de políticas (PIERCE; HICKS, 2017).

A averiguação legal e jurídica de todos os normativos e competências referentes às empresas


que se deseja desestatizar e dos fatores que possam barrar ou dificultar o processo de
privatização é de suma importância nas fases iniciais de estudos no processo de desestatização.
Uma vez verificado a necessidade de alterações e revogações em normativos a fim de dar-se
continuidade ao processo de desestatização, essas alterações resultarão na publicação e
revogação de normativos, como decretos, leis ordinárias e outros instrumentos legais.

Bem como colocado na fala de um dos entrevistados, “a falta de estudos técnicos sobre a
manutenção de operação da empresa enquanto empresa estatal faz com que o processo fique
politizado”, assim sendo, uma forma de tentar evitar-se retrocessos durante um projeto de
privatização é ter-se de antemão já na largada do projeto uma avaliação técnica bem embasada,
43

um pré-projeto, consubstanciando os motivos propostos para a privatização da empresa, isto é,


desde a entrada da empresa no PND.

O Poder Legislativo, representado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, possui muita
influência no Projeto de Desestatização, principalmente quando se faz necessária a revogação
e promulgação de leis para dar continuidade ao projeto de desestatização. Faz-se necessária
força política do Poder Executivo e alto grau de convencimento para que o Poder Legislativo
possa dar prosseguimento ao processo de desestatização, e não o impedir.

Devido às características do sistema partidário, o presidente está habitualmente em um governo


de coalizão informal ou, excepcionalmente, em um governo minoritário. Ele procede formando
coalizões, mas devido à fragmentação partidária e à fragmentação e diversidade regional, esta
configuração é complexa e insatisfatória, já que ele deve prestar atenção a ambos os fatores
como fontes de possíveis vetos (PALERMO, 2000).

Quando da necessidade de envio de Projeto de Lei relativo à privatização de empresa para o


Congresso Nacional, o pleito iniciado pelo Executivo requer convencimento político tanto pelo
assunto da matéria como pela urgência dela, necessita-se neste caso coalizão política nessa
empreitada a fim de que o Projeto seja pautado com a urgência necessária e da anuência do
quórum imprescindível para aprovação em ambas as casas do Congresso Nacional.

Essa dinâmica em que o Executivo propõe a matéria por Medida Provisória a ser apreciada pelo
Legislativo com o objetivo de conversão da proposta em Lei, faz com que o Executivo
influencie os trabalhos do Legislativo, um processo de convencimento para a cooperação do
Legislativo, a fim de priorizar as matérias de interesse do governo.

Desse ponto de vista, as Medidas Provisórias são o instrumento mais favorável à rápida
aprovação das propostas do executivo. Elas reduzem os pontos de veto pois requerem
apreciação em sessão conjunta do Senado e da Câmara. Pelo fato de entrarem em vigor tão logo
editadas, aumentam para os congressistas os custos de rejeitá-las. Uma vez que possuem prazo
determinado e curto para apreciação, podem ter facilitada a entrada na agenda do Congresso.
Finalmente, a possibilidade de serem reeditadas com pequenas modificações confere ao
Executivo considerável margem de manobra quando as condições não são favoráveis à sua
aprovação (ALMEIDA, 1999).

A fim de tornar o processo de desestatização legal, o governo necessita dispender tempo de


interlocução para convencimento e negociações para pautar reuniões e discussões sobre
44

alteração de normas, competências etc. Caso necessite envolvimento do legislativo com


possíveis aprovações de Projetos de Lei dentro do Congresso, essa comunicação e negociação
torna-se ainda mais complexa, demandando grande comunicação com os legisladores e suporte
por parte dos parlamentares nesse processo.

Com isso, é evidente que, a promulgação de leis pelo Legislativo com conteúdo explícito
impeditivo de privatização de certa empresa estatal, de um grupo de empresas ou setor
econômico, restringe o Estado de iniciativas de privatização da empresa, e da atuação do setor
privado em certas áreas comerciais e/ou industriais. Assim sendo, mesmo que as iniciativas de
desestatização sejam tecnicamente bem embasadas, por mudança de conjuntura econômica, de
imperativo de segurança ou de interesse público, o processo de convencimento parlamentar faz
com que iniciativas futuras de privatização levem tempo para aprovação, visto o trabalho de
interlocução e negociação com o parlamento.

Como exemplo recente, tem-se a privatização da Eletrobras, a fim de possibilitar a entrada e


permanência da empresa no PND, tinha-se que revogar dispositivo que excluía a Eletrobras do
Programa. Foi-se tentado no governo Michel Temer em 2017, contudo a Medida Provisória não
foi apreciada pelo Congresso Nacional. Contudo, em 2021 outra Medida Provisória foi enviada
ao Legislativo, com pauta e negociação favorável ao governo, foi convertida em Lei, permitindo
assim a continuidade do Projeto de desestatização da Eletrobras.

Outro desafio colocado pelos entrevistados, refere-se aos entraves judiciais, os quais são
recorrentes nos processos de desestatização, visto o diverso e generoso número de atores
interessados da sociedade civil, empregados, sindicatos, organizações governamentais etc. Na
década de 90 quase todas as vendas foram objeto de sentenças judiciais referentes a questões
variadas, o governo precisou enfrentar 37 ações judiciais para a venda da Usiminas, a primeira
empresa a ser vendida, e no caso da CVRD – Companhia Vale do Rio Doce, em 1997, 217
ações judiciais. (PINHEIRO, GIAMBIAGI, 2000).

São os recursos judiciais que representam a principal estratégia para obstruir o processo
mediante o poder de veto do Judiciário. A descentralização do sistema judicial e os vários
instrumentos legais de recurso outorgados a organizações e aos cidadãos pela Constituição de
1988 alimentaram a convicção de que a ida à Justiça seria um meio promissor de deter a ação
governamental (ALMEIDA, 1999).
45

Figura 5 – Número processos judiciais Eletrobras, CVRD, Usiminas

Fonte: CVRD, Usiminas, dados coletados pela autora análise documental, Eletrobras, questionamento via LAI

Desta forma, a fim de evitar-se intempéries relativas ao Poder Judiciário e órgãos de controle
faz-se necessário a análise de todo o arcabouço legal para que não se incorra no avanço do
processo de privatização sem o devido suporte normativo legal. Ademais, o trabalho proativo
jurídico da Advocacia Geral da União - AGU e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
– PGFN são essenciais a fim de evitar e resolver-se a tempo, obstáculos processuais jurídicos
impetrados no judiciário contra o processo de desestatização. No caso da privatização do Grupo
Eletrobras, foram impetradas mais de 60 ações judiciais questionando a privatização16.

De forma análoga à acima colocada, o Tribunal de Contas da União recebe solicitações e


questionamentos variados de diversos interessados sobre os processos de privatização, como
parlamentares, cidadãos, sindicatos etc. As indagações ao órgão de controle podem adicionar
mais tempo de análise do órgão relativo ao processo devido aos esforços e recursos humanos
dispendidos em paralelo ao processo corrente de análise da privatização, visto a necessidade de
responder aos respectivos questionamentos de interessados no processo. No caso da
privatização do Grupo Eletrobras, foram requisitadas mais de 20 reclamações e solicitações ao
TCU referentes ao processo de desestatização17.

Apesar de o envolvimento de múltiplos atores adicionar complexidade ao processo de


desestatização, visto o alto grau de interlocução, comunicação, esclarecimentos, pedidos e
demandas, a fala de um dos entrevistados apontou que, “a participação de todos é um ônus da
democracia, é importante ter toda a burocracia envolvida”, “vários escrutínios são ruins, faz o

16
Consulta LAI - 01015.001462/2023-42 concluída em 06/03/2023
17
Consulta ao banco de dados de processos do TCU em 20/02/2023
46

processo ser mais demorado, contudo é bom para participação pública e transparência do
processo”.

Ademais, vários itens foram apontados durante as entrevistas conduzidas como fatores que
contribuem para a complexidade do processo de desestatização, dentre esses incluem-se:

Tabela 1 – Fatores contribuintes para complexidade processo desestatização

Interlocução e envolvimento de vários atores interessados no processo

Convencimento político

Realização de estudos complexos de avaliação da empresa

Elaboração e aprovação de normativos como Resoluções e Decretos

Licitação de equipe para efetuar estudos

Processos judiciais

Interlocução com órgãos de controle

Consulta pública
Fonte: elaborado pela autora
47

5 CASO ELETROBRAS

“A transformação do setor elétrico do Brasil está em andamento e é


irreversível para todos os propósitos práticos. Hoje, alguns céticos no
início do processo estão ativamente engajados no progresso das
privatizações. Muitas perguntas sem resposta há três anos, foram
solucionadas e o quebra-cabeça está sendo montado, peça por peça.”
(FERREIRA, 2000)18

A privatização do sistema Eletrobras em 2022 foi um grande marco na história de projetos de


desestatização no Brasil, talvez da mesma forma como foi a desestatização da Telebras em
1998, compondo assim uma das maiores privatizações já concretizadas. O processo de
privatização da Eletrobras aconteceu em tempo hábil considerado que em julho de 2021,
vencidas as barreiras legais para privatização, o leilão ocorreu em junho de 2022.

De se lembrar que o processo de privatização da Telebras completa 25 anos em 2023. O modelo


de concessão de telecomunicações implantado no país em 1998 trouxe resultados que refletem,
atualmente, uma infraestrutura moderna e em contínua expansão. Os resultados positivos do
modelo, em termos de uma evolução significativa dos investimentos, tiveram como fatores
determinantes uma demanda suprimida por décadas, assim como o advento de novos serviços
e, consequentemente, novas demanda para além da telefonia fixa, como a banda larga19.

A Eletrobras foi criada em 1963, sistema centralizado de gerenciamento da energia elétrica no


Brasil que se justificou de acordo com as necessidades da época. O Brasil, país continental de
grande potencial hidrelétrico com construção de usinas em um sistema de transmissão
interligados. A Eletrobras com um sistema de despacho centralizado de energia garantiu maior
eficiência técnica e econômica, ajustando a geração de energia às necessidades de consumo.
Contudo, no início dos anos 80, esse modelo centralizador enfraqueceu-se, devido
principalmente a avaliação econômico-financeira de seus investimentos, gerando problemas de
eficiência e controle de custos operacionais.

A proposição de privatização da Eletrobras remonta de 1995 do Governo de Fernando Henrique


Cardoso, quando a empresa foi incluída no PND, via Decreto nº 1.503 de 25 de maio de 1995,
contudo o processo não avançou. Em março de 2004, no primeiro mandato do Presidente Lula

18
FERREIRA, Carlos Kawall Leal. Privatização do setor elétrico no Brasil. In: PINHEIRO, Armando Castelar;
FUKASAKU, Kiichiro. A privatização no Brasil: o caso dos serviços de utilidade pública. BNDES, 2000.
19
PRIVATIZAÇÃO das Telecomunicações completa 20 anos. Abranet, 2018. Disponível em:
https://www.abranet.org.br/Noticias/Privatizacao-das-Telecomunicacoes-completa-20-anos-1999.html.
Acesso em: 20 fev. 2023.
48

da Silva, o Congresso Nacional votou a Medida Provisória nº 144 de 11 de dezembro de


2003, que versa sobre a comercialização de energia elétrica. A MP foi convertida na Lei nº
10.848, de 15 de marco de 2004, a qual trouxe dispositivo excluindo a Eletrobras do PND. A
MP nº 144 não dispunha de tal barreira a privatização da Eletrobras, contudo tal assertiva foi
inserida durante a tramitação do Projeto de Lei de Conversão nº 1 de 2004.

...
§ 1º Ficam excluídas do Programa Nacional de Desestatização
- PND a empresa Centrais Elétricas Brasileiras S/A - ELETROBRÁS
e suas controladas: Furnas Centrais Elétricas S/A, Companhia Hidro
Elétrica do São Francisco - CHESF, Centrais Elétricas do Norte do
Brasil S/A - ELETRONORTE e Empresa Transmissora de Energia
Elétrica do Sul do Brasil S/A - ELETROSUL e a Companhia de
Geração Térmica de Energia Elétrica – CGTEE. (Revogado
pela Medida Provisória nº 1.031, de 2021) (Revogado pela Lei nº
14.182, de 2021)
...
Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004

Uma vez que a Eletrobras havia sido excluída em 2004 do rol de empresas a serem privatizadas
por meio da Lei nº 10.848, fez-se necessária a publicação de uma nova Lei que pudesse revogar
essa negativa. Mais recentemente, no governo Michel Temer, o Conselho Nacional de
Desestatização - CND recomendou novamente a inclusão da Eletrobras no PND, e com a
publicação da Medida Provisória nº 814 de 29 de dezembro de 2017 propôs a revogação de
dispositivo associado à desestatização da Eletrobras. Assim em 2018 a Eletrobras via Decreto
nº 9.375 de 15 de maio de 2018 volta a fazer parte do PND, contudo por falta de apreciação
pelo Congresso Nacional da MP nº 814, a Medida Provisória perdeu a eficácia, e a Eletrobras
foi novamente excluída do PND.

O governo Temer não foi capaz de alinhar a pauta do Executivo com a agenda política do
Legislativo a tempo para que a Medida Provisória nº 814 fosse convertida em Projeto de Lei
e prosseguisse com o rito legislativo para aprovação. É importante destacar também que a
criação do PPI – Programa de Parcerias para Investimentos, remonta de setembro de 2016, com
isso não há de se esperar que o Programa e sua estrutura governamental tivesse naquele governo
a maturidade institucional que se teve em 2022 quando da conclusão da privatização da
Eletrobras.

Em fevereiro de 2021, mandato de Jair Bolsonaro, o governo publicou a Medida Provisória


nº 1.031 de 23 de fevereiro de 2021, para novamente viabilizar a privatização da Eletrobrás,
modelo similar ao proposto em 2017 do Governo Temer. O Decreto nº 10.670 de 8 de abril
49

de 2021 é publicado e incluiu mais uma vez a Eletrobras no PND, e em maio/junho de 2021 o
Congresso Nacional apreciou o Projeto de Lei nº 7 de 2021 de conversão da MP 1.031,
sancionando a Lei nº 14.182 de 12 de julho de 2021. Com isso, nos dois últimos anos de
mandato o governo Jair Bolsonaro, 2021 e 2022, a privatização do Grupo Eletrobras foi
concluída.

Importante fazer nota que a Eletrobras holding já havia iniciado o processo de alienação de suas
distribuidoras há algum tempo, devido dentre outros fatores aos aportes recorrentes por parte
da Eletrobrás para manutenção dos serviços de distribuição de energia. O processo de
desestatização das distribuidoras foi iniciado na década de 90 e retomado em 2016 por meio
do Decreto 8.893/2016, que qualificou a desestatização das seis Distribuidoras como
prioritárias no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos do Governo Federal (PPI), e
designou o BNDES como responsável pela execução e acompanhamento destes processos de
desestatização20.

Apesar de várias disputas judiciais questionando os certames de privatização, as distribuidoras


foram vendidas em 2018. A privatização das distribuidoras tornou o grupo Eletrobras mais
atrativo para privatização futura, visto que elas eram altamente deficitárias, abrindo o caminho
para o enxugamento das operações da Eletrobras, e tornando-a também mais atrativa para o
mercado privado. As distribuidoras desestatizadas foram a Companhia Energética do Piauí
(Cepisa), a Companhia Energética de Alagoas (Ceal), a Companhia de Eletricidade do Acre
(Eletroacre), a Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron), a Boa Vista Energia S.A. (Boa Vista) e
a Amazonas Distribuidora de Energia S.A. (Amazonas Energia).

Figura 6 – Linha do tempo privatização distribuidoras Eletrobras

Fonte: elaborado pela autora

20
DESESTATIZAÇÃO – Distribuidoras de energia. BNDES, 2023. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/processos-
encerrados/desestatizacao-distribuidoras-energia. Acesso em 20 dez. 2022.
50

Estudo preliminares da Secretaria Especial do PPI – SPPI sobre o Grupo Eletrobras, já


apontavam para a necessidade de massivos aportes de recursos na empresa, a fim de que a
empresa pudesse executar os investimentos necessários no setor elétrico. Com isso, devido ao
restrito orçamento da União e aos recursos escassos do governo federal, juntamente com a
incapacidade da própria empresa em fazer frente aos necessários investimentos, e aliado ao fato
de já existir no Brasil um setor privado altamente competitivo nessa área, o governo retoma a
pauta de privatização da Eletrobras a fim de fazer frente aos necessários investimentos no setor
elétrico.

Uma vez que a obrigação de massivos investimentos é assumida pelo setor privado, o governo
pode focar seus recursos para áreas essenciais aliviando os altos aportes necessários no setor.
Desta forma, com a publicação da Lei nº 14.182 de 12 de julho de 2021, que excluiu a barreira
legal de privatização da Eletrobras, o Governo reinicia o processo de privatização do Grupo.
No processo de privatização da Eletrobras, o Conselho de Programas e Parcerias de
Investimentos emitiu um total de seis (6) Resoluções21.

1995 2004 2017 2018 2018 2021


5 de maio 15 de março 29 de 15 de maio 5 de junho 23 de fevereiro
dezembro
Eletrobras é CN vota MP nº Eletrobras A MP nº 814 perde Governo Jair
incluída no 144, convertida MP nº 814 inclui volta a fazer a eficácia por falta Bolsonaro publica
PND em Lei nº 10.848, novamente a parte do PND - de apreciação do MP nº 1.031
Decreto nº excluindo a ELetrobras no PND Decreto nº CN. A Eletrobras é
1.503 Eletrobras do PND 9.3755 removida do PND

2022 2022 2021 2021 2021 2021


13 de junho 18 de maio 12 de julho 21 de junho 8 de abril
Ações da Eletrobras
16 de março
começam a ser TCU aprova Lei nº 14.182 é Congresso Decreto nº 10.670 Resoluçao nº
vendidas na Bolsa modelo de sancionada pelo Nacional aprova inclui Eletrobras 167 recomenda
Governo não é mais privatização da Presidente versão final da MP novamente no qualificação no
o controlador Eletrobras decorrente da MP viabilizando a PND PPI e inclusão
majoritário da
nº 1.031 privatização da no PND
empresa
Eletrobras

Figura 7 – Linha do tempo privatização Eletrobras

Fonte: elaborado pela autora baseado dados BNDES

Para o prosseguimento da desestatização do Grupo Eletrobras observa-se uma longa lista de


normativos a serem revogados/alterados para que se alcançasse a conformidade do arcabouço
jurídico envolvendo a empresa. Os estudos preliminares jurídicos, due diligence jurídico, são

21
CONSELHO do PPI. PPI, 2023. Disponível em: https://portal.ppi.gov.br/conselho1. Acesso em 20 dez. 2022.
51

de suma importância tal que todos os impedimentos legais possam ser endereçados a tempo no
processo de desestatização e as barreiras legais possam ser superadas.

A Medida Provisória nº. 1.031 foi apreciada por ambas as casas do Congresso Nacional e
convertida em Lei nº 14.182 em 12 de julho de 2021, essa Lei altera os seguintes normativos22:
Leis nº 5.899, de 5 de julho de 1973, 9.991, de 24 de julho de 2000, 10.438, de 26 de abril de
2002, 10.438, de 15 de março de 2004, 13.182, de 3 de novembro de 2015, 13.203, de 8 de
dezembro de 2015, 14.118, de 13 de janeiro de 2021, 9.648, de 27 de maio de 1998, e 9.074,
de 7 de julho de 1995; e revoga dispositivos da Lei nº 3.890-A, de 25 de abril de 1961.

A iniciativa de privatização parte do Poder Executivo, que no caso da Eletrobras fez-se via
Medida Provisória. A privatização do Grupo Eletrobras necessitava de aprovação legislativa, e
esse tramite legislativo possui rito próprio, assim o governo necessitou de grande apoio dentro
do Congresso Nacional a fim de obter sucesso na aprovação de um novo Projeto de Lei de seu
interesse. Novamente, mostra-se a importância da coalizão Executivo-Legislativo e forte
convencimento dos congressistas a fim de que o pleito do processo de desestatização pudesse
entrar com prioridade na pauta do Legislativo e obtivesse sucesso na sua aprovação.

A modalidade escolhida para a privatização da Eletrobras foi a de aumento do capital social.


De se fazer notar que essa modalidade já tinha sido pré-definida no governo Temer quando da
inclusão da empresa no PND naquele governo. Dessa forma, a empresa foi desestatizada em
junho de 2022 por meio do aumento do capital social, de subscrição de ações ordinárias, em
que houve a renúncia do direito de subscrição pela União.

Além do convencimento político mencionado, o processo de desestatização da Eletrobras


também enfrentou outros desafios como, as longas discussões sobre a modalidade escolhida de
venda de ações, o significante passivo da empresa, as questões trabalhistas ligadas a sindicatos
e acordos coletivos, impactos regionais, dentre outros.

Ademais, foi também apontado pelos respondentes das entrevistas a questão complexa de
Eletronuclear e Hidrelétrica de Itaipu, em que se foi verificado a necessidade de tratamento,
atenção especial à essas duas situações, visto a competência específica determinada pela
Constituição Federal e o contrato binacional. Para lidar com a empresa Eletronuclear e Itaipu,

22
BRASIL. Medida Provisória nº 1031, de 2021. Sumário Executivo da Medida Provisória. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/sumarios-de-
proposicoes/mpv1031. Acesso em 20/02/2023.
52

as quais não poderiam ser repassadas para o setor privado, foi-se criado uma empresa estatal, a
ENBPar, Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A.

No caso da Eletronuclear, a CF/88 determina que a exploração dos serviços e instalações


nucleares constitui competência exclusiva da União conforme o artigo 21, inciso XXIII. Além
disso, constituem monopólio da União a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus
derivados nos termos do artigo 177, inciso V. Com isso, decidiu-se que a participação da
Eletrobras na empresa Eletronuclear seria transferida para a empresa estatal ENBPar.

E no caso da Hidrelétrica de Itaipu, entidade binacional, regida pelo tratado assinado em 1973,
entre Brasil e Paraguai, o capital da Eletrobras referente a Usina Hidrelétrica de Itaipu foi
transferido para a nova empresa, ENBPar. Assim sendo, a ENBPar, nova estatal não dependente
criada durante o processo de desestatização do grupo Eletrobras, tem como responsabilidades
a assunção de atividades da Eletrobras que não podiam ser privatizadas, isto é, competências
da holding Eletrobras que não podiam ser repassadas para o setor privado, como a gestão da
empresa Itaipu Binacional e da Eletronuclear (Usinas Angra 1, 2 e 3).

No quesito de fatores desafiadores apontados pelos entrevistados no processo de desestatização


do grupo Eletrobras, nota-se que esses são comuns aos processos de desestatização em geral,
como: a necessidade de apoio e interlocução política com o Congresso Nacional, a dificuldade
de coesão política na aprovação de leis necessárias à desestatização, os interesses regionais e
clientelismo visto a capilaridade nacional da empresa, as múltiplas instancias que permitem o
retardo do processo e a falta de assertividade dentro do próprio governo.

Dentre as várias falas sobre a avaliação da privatização do Grupo Eletrobras, incluem-se:


“avalio como um sucesso, processo complexo, mas ao mesmo tempo bastante claro, e
preservou uma grande parte do patrimônio, tem tudo pra ser um caso a ser visto no futuro
como um sucesso”, “sou otimista, empresa estava perdendo valor de mercado, é uma vitória
para o país, pagamentos de outorga vão ser revertidos em benefício da sociedade brasileira,
resultado muito positivo”, “um grande sucesso, foi feito o que podia ser feito a fim de aprovar
a privatização”, “processo bem conduzido e montado, todo o histórico de reorganização de
negócios foi importante para que se chegasse no ponto de venda do grupo”, “o objetivo foi
alcançado, a empresa terá agora condições de fazer investimentos necessários, tanto na
manutenção como na expansão da questão energética”, “positiva, companhia grande porem
com o passar do tempo foi perdendo a capacidade de investir, com a empresa focada no
53

negócio, em ambiente privado, ela poderá ser mais eficiente, atuar melhor e extrair mais valor
do que uma empresa que vive em dois mundos, o público e o privado, com muita interferência
política”.
54

6 PERSPECTIVA DE FUTURO

“O ritmo e a extensão da expansão das fronteiras da privatização irão depender


dos ditames da política de estabilização, da definição do modelo de intervenção
estatal e, não menos importante, do sucesso da privatização das
telecomunicações, da eletricidade e do saneamento em promover a expansão
da oferta, a queda de preços e a melhoria da qualidade dos serviços.”
Armando Castelar Pinheiro

Como colocado por um dos entrevistados, “Num futuro em que a produtividade, a qualidade de
serviços são importantes, também a sustentabilidade, a tendência é que a participação estatal
como empresa fique menor”, conforme os setores da economia tornam-se mais maduros e
devidamente regulamentados, permite-se ao Estado a sua retirada, direcionando o orçamento,
tão disputado, para setores que carecem de serviços públicos. A tendência é de diminuição de
empresas, visto que a conjuntura e o mercado mudaram, com isso não há mais a necessidade de
atuação de empresas em mercados de grande participação privada.

As empresas estatais necessitam de investimentos, com isso, se não tiverem a capacidade de


realizá-los de forma a garantir a oferta e a qualidade de serviços, não terão como ser
sustentáveis. O Estado na incapacidade de subsidiar os investimentos necessários, vê-se na
situação de desestatizar. Ademais, a tendencia é também de maior profissionalização das
empresas, menos espaço de má gestão visto a Lei das Estatais23 e o maior acompanhamento
pelos órgãos de controle como CGU e TCU.

As empresas estatais vão continuar a existir por muito tempo, empresa estatal não é ruim, a
avaliação da empresa, pressuposto à desestatização, pode promover também a melhoria da
gestão e governança dela, mesmo que se decida a não continuidade do projeto de privatização.
A tendência também é de revisão de normativos tal que a empresa possa trabalhar mais próxima
da forma como a empresa privada, desvencilhando de amarras burocráticas que a colocam em
grau de desvantagens.

23
Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/lei/l13303.htm. Acesso em 20/02/2023.
55

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Não podem concordar sobre nada simples: o avanço deve ser feito
por meio de concessões, por uma conciliação de divergências, por
uma poda de planos e uma supressão de princípios demasiado rígidos.
Haverá uma sucessão de resoluções transcorrendo através de anos,
uma descarga intermitente de ordens através de uma escala completa
de modificações.” (WILSON, 2005)

O processo de privatização de empresa estatal é complexo por natureza, visto que o Estado se
desfaz de bem público. São vários os estudos necessários para consubstanciar a entrada da
empresa no PND, bem como o é toda a avaliação necessária que é realizada durante o projeto
para o repasse do controle da empresa para o setor privado. Ademais, os projetos de
desestatização envolvem todo um tramite burocrático, debates, interlocuções com diversos
órgãos de diversos poderes, negociações, questionamentos diversos, inclusive judiciais,
audiências e consultas e públicas.

O trabalho aqui exposto visa adicionar mais conhecimento e informação sobre as peculiaridades
de um processo de privatização, bem como dos desafios encontrados durante o transcorrer dele.
O estudo também, de forma inédita, serve como ferramenta de boas práticas de privatização de
empresas públicas e oferece esclarecimento sobre o processo de desestatização promovendo
discussões de melhorias para futuros projetos.

Os entrevistados apontaram vários fatores que podem facilitar futuros projetos de


desestatização de empresas públicas, dentre esses os mais citados foram:

a) estudos prévios, base técnica bem definida e fundamentada e discurso bem debatido
antes mesmo da entrada de uma empresa no PND;
b) participação de órgãos de controle o mais cedo possível no processo;
c) trabalho para esclarecimento e convencimento social sobre a privatização;
d) prioridade, alinhamento e assertividade dentro do governo sobre a política de
privatização.

Fica claro pela pesquisa efetuada que o maior desafio é o convencimento e apoio político nessa
empreitada. Os atores políticos possuem grande poder de pausar ou até mesmo terminar com o
projeto de privatização antes de sua conclusão. Com isso, é necessário um trabalho prévio de
avaliação da empresa de forma a justificar sua entrada no PND, grande assertividade,
56

alinhamento técnico e político dentro do próprio governo e um alto nível de interlocução,


negociação, poder de convencimento e apoio do Legislativo.

A avaliação das empresas estatais precede o Projeto de Desestatização, e deve fazer parte
intrínseca das competências do Estado brasileiro, seja para privatizar, ou para a melhoria da
gestão das empresas, esse é o primeiro passo para determinar se a empresa ainda presta o serviço
ao público de forma satisfatória, cumprindo os objetivos que deram motivo à sua criação. A
empresa estatal deve servir diretamente ao povo brasileiro e não ser um fim em si mesma e aos
interesses da máquina estatal.

Visto que a inclusão de empresas no PND é um ato discricionário, de rito próprio e de decisão
colegiada, a fim de aperfeiçoar e filtrar a entrada da empresa no programa, faz-se necessária
iniciativas que visam melhorar a tecnicidade da informação previamente à inclusão da empresa
no PND. Assim, aprimora-se o processo, de forma a garantir maior respaldo técnico para fins
de recomendação de inclusão no programa. Além disso, a melhoria da informação técnica ex-
ante inclusão da empresa no PND facilita os estágios subsequentes, evita desperdícios de custos
incutidos no projeto, bem como aumenta a chance de sucesso do projeto de privatização.
57

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61

APÊNDICE 1 – QUESTIONÁRIO

Trajetória pessoal e profissional

1) Escolaridade.

2) Conte-me sobre quanto anos você trabalha no governo federal.

3) Há quanto tempo você trabalha com o assunto estatais do governo?

4) O que te atraiu para essa área “estatais “dentro do governo federal?

Processo de Desestatização Atual

5) Na sua visão, qual o papel do Estado enquanto gestor de empresas?

6) Quais os pontos positivos do Estado enquanto gestor das empresas estatais?

7) Quais seriam os pontos negativos?

8) Quais as áreas que você acha importante que o governo atue enquanto empresa?

9) Como funciona um processo de desestatização?

10) Quais são os principais atores envolvidos nesse processo?

11) Quais as vantagens almejadas em uma desestatização?

12) Quais os principais empecilhos nesse processo?

13) Você poderia citar algumas privatizações que considera que obtiveram sucesso?

14) Na sua opinião quais foram as principais vantagens obtidas?

15) Por que um processo de desestatização demora tanto tempo para ocorrer?

Eletrobras

16) Como você avalia a privatização das empresas do grupo Eletrobras?

17) Na sua visão, quais foram os principais entraves nesse processo?

18) Quais são as vantagens almejadas pelo governo nesse caso?

19) Nesse caso específico cite alguns fatores impeditivos, como legais, burocráticos e outros
62

Avaliação e perspectivas de futuro

20) Quais passos poderiam ser alçados a fim de avançar e facilitar o processo de
desestatização das empresas?

21) Qual a sua percepção sobre o futuro das empresas estatais no Brasil?

Encerramento

22) Você poderia indicar outras pessoas que possam adicionar mais na questão de
desestatizações, empecilhos e oportunidades?
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APÊNDICE 2 – RESOLUÇÕES PPI ELETROBRAS

1. Resolução no 13 (23/8/2017): Opina pela inclusão da Eletrobras no PND e pela qualificação


de medidas voltadas à sua desestatização no âmbito do PPI;
2. Resolução no 30 (19/3/2018): Recomenda, para aprovação do Presidente da República, os
órgãos da administração pública federal direta e indireta responsáveis pelo processo de
desestatização da Eletrobras;
3. Resolução no 167 (16/3/2021): Recomenda a qualificação da Centrais Elétricas Brasileiras
S.A. (Eletrobras), no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos - PPI e a sua
inclusão no Programa Nacional de Desestatização (PND), para o início dos estudos
necessários à estruturação do processo de capitalização, observadas as diretrizes
estabelecidas na Medida Provisória nº 1.031, de 23 de fevereiro de 2021, e recomenda outras
providências;
4. Resolução no 176 (27/4/2021): Estabelece atribuições à Centrais Elétricas Brasileiras S.A -
Eletrobras, necessárias ao processo de desestatização de que trata a Medida Provisória nº
1.031, de 23 de fevereiro de 2021;
5. Resolução no 203 (19/10/2021): Aprova modalidade operacional, ajustes e condições para
a desestatização da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRAS, no âmbito no
Programa Nacional de Desestatização – PND;
6. Resolução no 221 (29/12/2021): Altera a Resolução nº 203, de 19 de outubro de 2021, do
Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos, que aprova modalidade operacional,
ajustes e condições para a desestatização da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. -
ELETROBRAS, no âmbito no Programa Nacional de Desestatização - PND.

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