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BRASÍLIA
2023
TERESA CRISTINA GAMA DE PAIVA
BRASÍLIA
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV
63 f.
CDD – 338.925
Resultados – Por resultados dessa pesquisa, têm-se a descrição dos normativos, processos e
atores de um projeto de desestatização, incluindo os desafios que são transpostos durante a
consecução dele e aspectos que podem aumentar as chances de sucesso dos projetos de
privatização.
Limitações – Esta pesquisa explorou a percepção dos especialistas e executores dos projetos
de desestatização do governo federal, não contemplando aspectos relativos a esse processo na
esfera municipal e estadual.
Purpose - This research has the purpose of describing the privatization process of Brazil State-
Owned Enterprises, including legal, bureaucratic, technical, and political aspects which
corroborate for the complexity of a privatization process in Brazil.
Findings – Privatization project, process, legal norms, actors, including the challenges
undergone and aspects which can contribute to bettering the success of a privatization process
of federal state-owned enterprises in Brazil.
Practical Implications – The research adds current knowledge about the institutional
privatization process of Brazilian federal state-owned enterprises and its complexity,
contributing to better it by pointing items which can contribute to the success of future projects.
Social Implications – The research contributes to the privatization process description and
documentation, its public transparency and adds knowledge about it.
Originality – Documentation about privatization process of Brazilian SOEs is limited, and this
unprecedented work covers the actual process, pointing out challenges and good practices
which can contribute to a better outcome of the projects. It also includes the recent case of
Eletrobras.
1 INTRODUÇÃO
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O trabalho inicia-se por uma contextualização histórica sobre o assunto desde a década de 1980,
e segue com enfoque no processo atual de desestatização de empresas do governo federal,
incluindo o caso mais recente e proeminente do Grupo Eletrobras, privatização do sistema
elétrico brasileiro. O tema é atual e agrega documentação do processo corrente de
desestatização aos trabalhos já existentes no assunto.
A partir do Estado Novo de Getúlio Vargas deu-se a criação de várias empresas públicas, as
quais tinham como meta o desenvolvimento do país em setores como o de infraestrutura, os
quais requereram muito investimento, somente o Estado teria condições naquela ocasião de
assim fazê-lo. As empresas estatais estiveram presentes na economia brasileira desde o período
colonial. Não obstante, a intervenção estatal na economia, seja ou não através da criação de
empresas estatais, foi pequena até a ascensão de Getúlio Vargas ao poder (PINHEIRO, 1999).
Algumas empresas remontam sua criação de séculos passados como a Casa da Moeda (1694),
Banco do Brasil (1808) e a Caixa Econômica Federal (1861), contudo foi no início da década
de 40, com a necessidade de industrialização visto a dificuldade de importação de bens e matéria
prima, que se deu a criação de empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN
(1941), a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD (1942) e a Companhia Hidro Elétrica do São
Francisco – CHESF (1945). Em abril de 1954 deu-se a criação das Centrais Elétricas Brasileiras
Sociedade Anônima (S.A.), mais conhecida como Eletrobras.
Em 1979, mediante medidas para reduzir a participação das estatais na economia, criou-se o
Programa Nacional de Desburocratização – PND - e por meio do Decreto nº 84.128, de 29 de
outubro de 1979 a Secretaria de Controle de Empresas Estatais (Sest). O papel da Sest era de
9
Em seguida, em 1981 foi criada a "Comissão Especial de Privatização" com o intuito de vender
ativos estatais; no período 1981/84 foram vendidas 20 empresas estatais. O processo de
desestatização faz parte de um contexto maior, o da reforma da gestão pública. Devido a crises
fiscais do Estado e da onda de globalização e aumento de competição entre os países, o Estado
viu-se na posição e necessidade de mudanças, o que abriu espaço para a privatização de
empresas públicas, permitindo ao Es21tado focar nos serviços essenciais e delegando ao setor
privado serviços comerciais deste último. O ponto em discussão não era, àquela altura, o de
ineficiência do setor público empresarial. O principal objetivo então era desacelerar a expansão
do setor produtivo estatal, pois se percebia que as empresas do governo tinham saído fora do
controle das autoridades federais (PINHEIRO, 1999).
Em junho de 2022, último ano de governo de Jair Bolsonaro, completou-se um grande processo
de desestatização, o das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), cuja primeira tentativa
10
1
Consulta no Porta da Legislação. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-
legis/legislacao-1/decretos1/decretos-1. Acesso em 24 jun. 2023
11
1.2 OBJETIVO
Projetos de desestatização de empresas são recorrentes, em menor ou maior número nos
governos, resultado da agenda política, em conjunto com a conjuntura econômica, dentre outros
fatores. Esta pesquisa tem por objetivo descrever o processo de desestatização, incluindo os
aspectos legais, burocráticos, técnicos e políticos os quais corroboram para a complexidade de
um processo de desestatização, apontando também os desafios transcorridos desde a entrada
das empresas no PND até a privatização da empresa ou remoção dela do programa, à luz do
referencial teórico.
Isso posto, o trabalho também aponta entraves ao sucesso do projeto de desestatização, como
estudos prévios de avaliação deficientes, processos judiciais e administrativos, dentre outros e
aponta boas práticas que visam facilitar o processo desde a entrada da empresa no PND como
também na condução do projeto para torná-lo mais ágil, eficiente e por conseguinte atingir o
objetivo final de concretizar a privatização e quiçá de forma mais célere.
1.3 PROBLEMA
Sabe-se que parte da morosidade e o desafio de completar um processo de privatização provém
dos debates técnicos e políticos, principalmente do apoio político nessa empreitada, visto que
os legisladores, em respeito a seus constituintes devem representar a vontade desses. A
maturidade da sociedade em aceitar a proposta do governo e de enxergar que o privado pode
prover um melhor serviço público que o próprio Estado é uma variável importante nesse
processo. Ademais, existem vários atores envolvidos fora da esfera federal como sindicatos,
empregados, o mercado, organizações não governamentais, dentre outros.
Atrás dessa força política, os legisladores procuram não se indispor com o público que os
apoiam em suas bases eleitoreiras, bem como escreveu Woodrow Wilson em O Estudo da
12
Administração2, “Em qualquer parte onde o respeito pela opinião pública é o primeiro princípio
de Governo, as reformas práticas devem ser lentas e todas as reformas devem ser cheias de
concessões”.
Das mudanças que compõem a agenda da reforma do Estado, a privatização das empresas
públicas foi aquela que mais avançou no Brasil. Em menos de oito anos, uma parte significativa
das empresas produtivas do Estado passou para o controle privado. Entre 1991 e 1998, foram
vendidas 63 empresas controladas pelo governo federal. Nesse período, também nos estados
ocorreram importantes privatizações. Até o final de 1998, o programa federal chegou perto de
US$ 57,5 bilhões, incluindo as dívidas transferidas aos novos proprietários (ALMEIDA, 1999).
Desde o ano 2000, as atividades de privatização nos países da OCDE – Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, têm sido dinâmicas em relação aos padrões
anteriores. Na área como um todo, estima-se que as receitas da privatização totalizaram pelo
menos 47 bilhões de dólares durante um período de 8 anos, de 2000 a 20074.
A análise governamental aponta para benefícios à sociedade a serem alcançados com o processo
de privatização, visto que como averiguado durante as entrevistas, são esperados importantes
vantagens a serem auferidas com a privatização, como a melhoria dos serviços para a
2
WILSON, Woodrow. O estudo da administração. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 56, n. 3, p. 349-366,
2005.
3
SEST. Boletim das Empresas Estatais Federais. Brasília: Ministério da Economia. v. 23, 2022.
4
OECD. Privatisation in the 21st Century: Recent Experiences of OECD Countries. Report on Good Practices,
2009.
13
Por fim, esta pesquisa fornece aspectos técnicos, burocráticos e políticos importantes no
processo de desestatização brasileiro, incluindo sob a ótica dos atores diretamente envolvidos
no mesmo. O estudo, de forma inédita, serve como ferramenta de boas práticas de privatização
14
1.5 LIMITAÇÕES
Algumas limitações a essa pesquisa foram identificadas durante o desenvolvimento do
questionário, a fase de entrevistas e a coleta de dados secundários. Apesar das limitações
descritas a seguir, o estudo conseguiu captar dados válidos nas entrevistas e nos documentos
pesquisados. Essas limitações são:
com o conteúdo abstraído das entrevistas. O quinto capítulo consiste na apresentação do estudo
de caso da Eletrobras, caso esse mais proeminente e atual de desestatização quando da
elaboração desse trabalho. No capítulo seis, bem como abordado durante as entrevistas, uma
breve descrição sobre as perspectivas de futuro do processo de desestatização no Brasil, e o
sétimo e último capítulo apresenta as considerações finais sobre o tema pesquisado. Em seguida
são apresentadas as referências que fundamentaram esta pesquisa.
16
2 REFERENCIAL TEÓRICO
5
AS ETAPAS do processo de desestatização. gov.br, 2016. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/noticias/noticia/infografico-etapas-
desestatizacao. Acesso em 01 fev. 2022.
17
Assim como as políticas públicas estão sempre se aprimorando, também está o processo de
desestatização. A cada projeto de privatização encerrado, aprende-se e aprimora-se o processo,
o modelo de desestatização, as condições de venda/concessão, e a estabilidade e segurança
jurídica dos contratos. As políticas não são construídas de uma só vez; são construídas e
reconstruídas interminavelmente. A construção de políticas é um processo de aproximações
sucessivas aos objetivos pretendidos, no qual os próprios objetivos vão sendo reconsiderados e
alterados (LINDBLOM, 1959).
A cada empresa que se deseja desestatizar, inicia-se um projeto novo único, com o objetivo
final de concretizar-se essa passagem de atuação do Estado para o mercado privado, seja por
meio de um leilão, de aumento de capital, ou outro instrumento congênere. Um projeto é um
esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado exclusivo8. A sua
natureza temporária indica um início e um término definidos.
6
O QUE É PROCESSO?. Portaliso, 2019. Disponível em: https://faq-iso9001.portaliso.com/o-que-e-processo/.
Acesso em: 20 dez. 2022.
7
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia
PMBOK). 6ª edição. Newtown Square, PA: Project Management Institute, 2017.
8
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia
PMBOK). 6ª edição. Newtown Square, PA: Project Management Institute, 2017.
18
2.3 COMUNICAÇÃO
A comunicação entre os atores envolvidos no projeto é primordial a fim de que todos os
interessados possam participar e externar questionamentos durante o projeto de desestatização.
Os fatores que conduzem projetos ao sucesso dependem do objetivo do projeto, a influência de
gerentes, o controle de gerenciamento e os registros de aprendizagem para consultas de projetos
futuros. Nesta investigação, a variável comunicação foi considerada relevante em todos os
estágios de gerenciamento de projetos. Traduzido (BESTEIRO; SOUZA PINTO; NOVASKI,
2015).
O governo controla a produção legislativa e esse controle é resultado da interação entre o poder
de agenda e o apoio da maioria. Maioria reunida por uma coalizão partidária pura e simples.
Nada muito diverso do que se passa nos governos parlamentaristas. Ou seja, não há bases para
tratar o sistema político como singular. Muito menos, para dizer que estaríamos diante de uma
democracia com sérios problemas, ameaçada por alguma síndrome ou patologia causada quer
pela separação de poderes, quer pela fragilidade de seus partidos. (FIGUEIREDO; LIMONGI,
2001).
número de acordo com a agenda política do governo em exercício. Nos governos ditos
“liberais” a prioridade de políticas de desestatização tende a ser mais alta.
20
3 PERCURSO METODOLÓGICO
A pesquisa qualitativa foi o método escolhido de pesquisa, visto que o objetivo era a obtenção
de insumos e afirmações abstraídas das entrevistas descritivas sobre o processo de privatização.
Conjuntamente foi efetuada a busca por artigos que tratam do processo de privatização de forma
abrangente, o histórico normativo que norteia o processo e documentos históricos sobre as
desestatizações já conduzidas, incluindo a da Eletrobras. As falas das respostas ajudaram a
nortear a pesquisa, juntamente com os constructos, uma espécie de data mining da informação
em um banco de dados de artigos.
Desta forma, o trabalho utilizou o método de pesquisa qualitativa a partir de coleta de dados
por meio de entrevistas com atores da área de desestatização de empresas públicas.
Complementarmente foram analisados dados secundários constante em documentação
relevante sobre o problema de pesquisa. O processo de privatização aqui descrito tem como
fonte a percepção dos atores que participaram do planejamento e execução de projetos de
desestatização, a qual foi coletada durante as entrevistas. A abordagem qualitativa fornece
informações sobre a o porquê dos resultados obtidos, sendo um meio para compreender o
significado que os indivíduos atribuem a um problema social ou humano (CRESWELL, 2010).
A pesquisa é exploratória, assim sendo, o questionário utilizado buscou extrair a percepção dos
respondentes sobre o processo de desestatização e a experiencia prática dos entrevistados nos
projetos, como o do caso Eletrobras. O questionário baseia-se em entrevistas semiestruturadas
a fim de proporcionar ao entrevistador melhor entendimento e captação da perspectiva contida
nas respostas dos entrevistados.
As falas de cada entrevistado foram analisadas, e assim o conteúdo das respostas tabuladas de
forma cartesiana em planilha, entrevistados versus perguntas, em que cada célula representa a
resposta à pergunta de um entrevistado, caso no transcorrer da entrevista uma pergunta não
tenha sido satisfatoriamente respondida, isto é, não foi possível abstrair conteúdo de valor
durante a entrevista, a resposta então foi considerada nula. Com isso, foi possível tabular um
percentual de resposta por pergunta, uma vez considerado todos os respondentes. Dessa forma,
também foi possível abstrair itens em comum nas respostas dos entrevistados, bem como,
fatores de maior importância, palavras e termos repetidos pelos respondentes e assim validar o
processo dentre os múltiplos entrevistados.
A segunda forma de coleta de dados foi a leitura de artigos relacionados aos constructos que
norteiam a pergunta da pesquisa, artigos relacionados à história das empresas públicas federais
no Brasil, ao contexto da reforma da gestão pública, aos normativos atuais que regem o processo
de desestatização, às competências dos órgãos envolvidos nesse processo, ao histórico de
projetos de desestatizações já conduzidos, incluindo o caso Eletrobras, dentre outros. A análise
documental foi feita concomitante à condução das entrevistas.
22
A técnica utilizada para análise dos dados coletados por meio das entrevistas foi a de análise do
discurso, a entrevista possui um número sequencial de perguntas, no total de 22. No Apêndice
1 consta o roteiro das perguntas. Com todo o material separado, as transcrições das respostas
das entrevistas e selecionados os artigos científicos, iniciou-se a exploração do material,
categorizando as falas e os textos em unidades de registro que apontavam para indicadores de
auxílio à interpretação de respostas ao problema proposto na pesquisa
3.3 ENTREVISTAS
As entrevistas ocorreram no período de abril de 2022 até março de 2023, foram conduzidas por
intermédio de reuniões on-line, utilizando a ferramenta Microsoft Teams. Em um introito
preliminar o entrevistado foi informado da condição de anonimato da entrevista, do que se
tratava o tema, e do objetivo, sendo esse, a obtenção de informações para subsidiar pesquisa
científica para o trabalho de Mestrado em Administração Pública da FGV. A questão do
anonimato é imprescindível, com isso a demonstração da informação foi feita de forma a não
identificar nomes dos profissionais e quaisquer dados pessoais dos entrevistados.
3.4 O QUESTIONÁRIO
O conteúdo do questionário possui perguntas relativas a um breve currículo do entrevistado,
sobre o papel do Estado empresário, vantagens e desvantagens dessa atuação, áreas importantes
em que o Estado deve atuar enquanto empresa estatal, o processo de desestatização de empresas,
empecilhos encontrados no processo, projetos de desestatização já acabados, fatores que podem
24
facilitar o processo de desestatização, o futuro das empresas estatais e inclui também perguntas
sobre o projeto de desestatização do Grupo Eletrobras.
25
4 DESENVOLVIMENTO
O Decreto Lei 200 de 1967, define como princípios fundamentais da Administração Pública:
Planejamento, Coordenação, Descentralização, Delegação de Competência e Controle. A
descentralização da execução é uma tendencia que se desenvolve desde o Decreto Lei nº 200/67,
que cuidou da Reforma Administrativa, devendo se conservar na Administração direta as
funções de planejamento, normatização e controle (VILLELA SOUTO, 2000).
A Constituição Federal de 1988 – CF/88 - deixa claro as formas de atuação direta pelo Estado
como empresário na atividade econômica, monopolista na exploração de recursos naturais e
titular na prestação de serviços públicos. Os arts. 170 e 173 determinam os fundamentos da
livre iniciativa, propriedade econômica e a condição de excepcionalidade do Estado-
empresário.
A criação de uma empresa pública é uma forma de intervenção direta do Estado na ordem
econômica, portanto deve ser uma medida de exceção e não a regra, o que deve prosperar
mesmo é a livre iniciativa. Como descrito no art. 173, as hipóteses excepcionais de atuação do
Estado-empresário são as de imperatividade da segurança nacional ou relevante interesse
público. Por essa razão, para criar uma empresa você tem que ter Lei específica, e tem que ficar
muito bem justificado o porquê de uma estatal.
...
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional
ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
...
Constituição Federal de 1988
26
Em vários dispositivos da CF/88, (arts. 21, XI e XII, 25, § 2º, 30, V; e o art. 175) a norma
reserva ao Estado a execução direta de prestação de serviços públicos, e outrossim a capacidade
de prestação e exploração dos mesmos à iniciativa privada, mediante concessão ou permissão.
Dessa forma, a Constituição permite ao Estado retirar-se da intervenção direta no domínio
público, de prestação de serviços, delegando ao privado essa função.
O art. 177 da CF/88, descreve que o Estado possui monopólio de exploração nas seguintes
áreas: petróleo, gás natural e minérios e minerais nucleares. Enquanto o monopólio privado tem
por escopo o aumento de lucros e o interesse privado, o monopólio estatal visa sempre à
proteção do interesse público. A exclusividade de atuação do Estado em determinado setor
econômico tem caráter protetivo, e não lucrativo, e por esse motivo tem abrigo constitucional
(CARVALHO FILHO, 2006).
Dentre as alterações providas pela Lei nº 9.491, está a ampliação do escopo do PND, como
exemplo, inclusão dos serviços públicos de concessão, permissão ou autorização, e bens móveis
e imóveis da União como objetos de desestatização. A lei também dispõe sobre o Conselho
Nacional de Desestatização – CND, atuante como órgão superior de decisão do PND e
diretamente subordinado ao Presidente da República. A Lei nº 9.491 é regulamentada pelo
Decreto nº 2.594, de 15 de maio de 1998.
O Decreto nº 2.594 possui capítulo próprio que trata do funcionamento do CND, dispondo
sobre sua composição, reuniões, competências do Conselho e de seu Presidente e das
deliberações. O art. 9º e art. 10 dessa lei tratam das reuniões do Conselho e de suas competências
respectivamente. O art. 10, inciso I descreve a competência do Conselho em recomendar ao
Presidente da República a inclusão ou exclusão de empresas no PND.
...
Art. 9º O CND reunir-se-á, ordinariamente, uma vez por mês, e,
extraordinariamente, sempre que for convocado por seu Presidente
28
Para a consecução do PND, foi criado, pela lei que institui o Programa, o Fundo Nacional de
Desestatização (FND), de natureza contábil. O FND é constituído, a título de depósito, das
ações ou cotas de propriedade direta ou indireta da União emitidas por sociedades que tenham
sido inclusas no PND9.
Além das vedações à privatização estabelecidas na Constituição Federal de 1988, a Lei 9.491
também dispõe no seu art. 3º vedação à desestatização do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal. A Lei descreve também rito diferenciado para a desestatização de
instituições financeiras, cujo processo de desestatização deve ser coordenado pelo Banco
Central do Brasil e direciona competências para aprovação de medidas mencionadas no art. 6º,
II, ao Conselho Monetário Nacional, por proposta do Banco Central do Brasil.
...
Art. 3º Não se aplicam os dispositivos desta Lei ao Banco do Brasil S.A., à
Caixa Econômica Federal, e a empresas públicas ou sociedades de economia
mista que exerçam atividades de competência exclusiva da União, de que
tratam os incisos XI e XXIII do art. 21 e a alínea "c" do inciso I do art. 159 e
o art. 177 da Constituição Federal, não se aplicando a vedação aqui prevista às
participações acionárias detidas por essas entidades, desde que não incida
restrição legal à alienação das referidas participações.
...
Art. 6º Compete ao Conselho Nacional de Desestatização:
...
§ 5° A desestatização de instituições financeiras será coordenada pelo Banco
Central do Brasil, competindo-lhe, nesse caso, exercer, no que couber, as
atribuições previstas no art. 18 desta Lei.
§ 6° A competência para aprovar as medidas mencionadas no inciso II deste
artigo, no caso de instituições financeiras, é do Conselho Monetário Nacional,
por proposta do Banco Central do Brasil.
...
Lei nº 9.491 de 9 de setembro de 1997
9
BNDES. Programa nacional de desestatização: Relatório de atividades. Ministério do planejamento,
desenvolvimento e gestão. 2015.
29
10
LINS, Paulo. A mudança de modelo (e de postura) no investimento em infraestrutura. Blog do Ibre, 2017.
Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/mudanca-de-modelo-e-de-postura-no-investimento-em-
infraestrutura. Acesso em 20 dez. 2022.
11
PPI – Programa de Parceria de Investimentos. gov.br, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-
br/assuntos/mobilidade-e-servicos-urbanos/ppi-2013-programa-de-parceria-de-investimentos. Acesso em 20
dez. 2022
30
As decisões do CPPI são tomadas por meio de Resoluções. O quórum de reunião do Conselho
é de maioria absoluta e o quórum de aprovação é de maioria simples. Em caso de empate, o
Presidente do Conselho do Programa de Parcerias terá o voto de qualidade, assim como disposto
no Decreto nº 10.248, art. 5º.
A aprovação para inclusão de empresas no PND é um ato discricionário, com rito próprio de
reuniões e decisões colegiadas bem como descrito no Decreto nº 10.245, que regulamenta o
Conselho do PPI e no Decreto nº 2.594, que regulamenta a Lei do PND. O Decreto nº 10.263,
de 5 de março de 2020 alterou o Decreto nº 2.594 adicionando à norma determinada
periodicidade de avaliação de empresas como critério a fim de que empresas possam ser
recomendadas para inclusão no PND. Contudo, o Decreto nº 10.263 foi revogado pela
publicação do Decreto nº 11.580, de 27 de junho de 2023, removendo assim a necessidade
legal de avaliação prévia da empresa para recomendação de inclusão no programa.
...
§ 6º O CND, para fins da recomendação de inclusão de empresas no PND,
ressalvada a prerrogativa de exercício a qualquer tempo da competência de que
trata o inciso I do caput, deverá:
31
Há de se fazer nota que apesar da Lei do PND ter aberto a possibilidade de privatização de
empresas estatais, outras leis posteriores a essa atuaram em sentido contrário, como exemplo
cita-se a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, a qual dispõe sobre a comercialização de
energia elétrica. Essa norma, dispunha sobre a exclusão da empresa Centrais Elétricas
Brasileiras S/A - ELETROBRÁS e suas controladas do Programa Nacional de Desestatização
– PND, dispositivo agora revogado. A privatização do setor elétrico concluída em 2022,
necessitou da revogação de tal parágrafo dessa lei a fim de que a desestatização do grupo
Eletrobras pudesse prosseguir, a qual foi feita por meio da Lei nº 14.182, de 12 de julho de
2021.
12
LOPEZ, Felix Garcia. Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro. Brasília: IPEA, 2015.
33
O Poder Executivo é quem define a prioridade da pauta de privatização, bem como quais serão
os projetos de desestatização da agenda política e o tramitar do processo, pois é ele que inicia
o fluxo a partir do entendimento, decisão política de que a empresa não mais precisa ser de
controle estatal ou o serviço não mais necessita ser prestado pelo Estado. O rito do processo de
desestatização é ditado pela Lei 9.491, e pelo Decreto 2.594, bem como descrito na seção 4.1,
esses normativos estabelecem todo o procedimento, as competências e o envolvimento de todas
as partes e os principais atores.
Ao verificar por meio de estudos e avaliações técnicas que a empresa não tem mais motivo para
existir enquanto empresa pública, o Poder Executivo por intermédio do Ministério Setorial,
Ministério o qual a empresa está subordinada, solicita conjuntamente com o órgão responsável
pelo Programa de Parcerias e Investimentos – PPI a entrada da empresa no PND – Programa
Nacional de Desestatização. Há também de ser observado a existência de um custo operacional
do projeto de desestatização, não somente o trabalho dos servidores públicos, como também a
contratação de terceiros, com isso, deve-se também avaliar quão bem consubstanciado são os
estudos preliminares e a assertividade do governo em levar a frente o projeto a fim de que se
minimize as chances de cancelamento futuro.
A aprovação para inclusão de empresas no PND é um ato discricionário com rito próprio de
reuniões colegiadas do Conselho do PPI, em que uma vez aceita a proposta de entrada de uma
empresa no PND, o Conselho emite uma Resolução. A empresa proposta para privatização pode
não entrar diretamente no PND, mas sim continuar na carteira de projetos do PPI para contínuo
estudo, investigação e avaliação. A entrada da empresa no PND se dá por meio de decreto do
Presidente da República, e assim tem-se o “start” oficial do projeto de desestatização da
empresa.
empresa pelo Estado. Os custos com contratação de pareceres e estudos especializados deverão
ser ressarcidos, mesmo que a desestatização não venha a ocorrer, pela Uniao ao Gestor do FND,
bem como trata o Art. 26-A do Decreto nº 2.594.
Uma vez definida a modalidade de transferência do controle estatal para o privado, e sanado
todas as dúvidas dos órgãos de controle, o BNDES abre o processo de licitação a fim de
levantar-se os interessados no certame. No caso da Eletrobras, a modalidade operacional
aprovada é chamada de capitalização, na qual foi realizado um aumento do capital social da
Eletrobras, também mencionada em maiores detalhes na seção 5.
Como levantado durante as entrevistas, são vários os atores que atuam no projeto de
desestatização. O Poder Executivo representado pelo Ministério Supervisor, Casa Civil,
Secretaria do PPI, Sest atuam diretamente no gerenciamento e execução do projeto juntamente
com o BNDES. Os órgãos PGFN, STN, CGU, AGU, Agências Reguladoras, Receita Federal,
Secretaria do Orçamento Federal, auxiliam em todo o processo burocrático, na disponibilização
de informações para insumo dos estudos e na defesa jurídica nos casos de processos judiciais.
Além dos atores internos ao Executivo, têm-se também atores do Legislativo, representado pelo
Congresso Nacional; do Tribunal de Contas da Uniao o qual possui papel de análise essencial
do processo, do poder Judiciário que julga as causas judiciais pertinentes ao pleito de
desestatização, do Ministério Público, da sociedade civil, dos sindicatos, dos empregados da
empresa, do mercado privado, e assim todos esses entes possuem interesse no projeto e
necessitam ser envolvidos e comunicados em diferentes níveis e fases.
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Agência
Reguladora Congresso
PRESIDÊNCIA Judiciário
Nacional
Casa Civil
PGFN
Ministérios TCU
Entes
BNDES Economia Federados
STN
Planejamento
Gestão MPU
Consultores
AGU
Sest
SOF Mercado
Privado Secretaria
PPI
CGU Sociedade
Civil Ministério
Empresa
Supervisor
Receita
Federal
Sindicatos
Assim sendo, a comunicação dentro e fora do círculo do Executivo necessita ser única a fim de
evitar-se ruídos com os outros atores interessados no processo mesmo que não estejam
diretamente envolvidos, evadindo-se de problemas de comunicação desnecessários ao longo do
Projeto. A realização de projetos bem-sucedidos está diretamente ligada à adequada
comunicação dentro da equipe e com as demais partes interessadas (THOMAS; TUCKER;
KELLY, 1998).
O alto nível de interlocução dos atores, e a relação de poder entre eles, adiciona complexidade
e vulnerabilidade ao processo de desestatização. A intervenção de diversos atores no processo
faz com que ele esteja sujeito a pausas, tornando-o mais moroso. As coalizões atuam nos
processos decisórios, que por sua vez são moldados e mutáveis ao longo do tempo (DE
AZEVEDO ALMEIDA.; CORRÊA GOMES, 2018).
Por regramento jurídico, para que o processo de privatização seja finalizado, não é necessário
a manifestação formal do TCU, contudo ela se faz desejada antes da consumação da venda da
empresa estatal, visto que esse passo confere maior segurança jurídica ao setor privado, isto é,
aumentando a segurança do mercado em relação à privatização. Assim sendo, tende a evitar-se
o questionamento do órgão de controle a posteriore do ato administrativo consumado,
outrossim, a sua manifestação é esperada ex-ante a finalização do processo de desestatização.
...
Art. 18. Compete ao Gestor do Fundo:
...
37
13
“O processo de consulta pública é aquele pelo qual a Administração submete um projeto de lei, de decreto, ou
mesmo um pacote de medidas, à manifestação de qualquer pessoa. Uma audiência pública é uma reunião pública
informal, ou seja, um instrumento de participação popular, garantido pela Constituição Federal de 1988. É um
espaço onde os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário podem expor um tema ou debater com a população
sobre a formulação de uma política pública, a elaboração de um projeto de lei ou a realização de
empreendimentos que podem gerar impactos à cidade, à vida das pessoas e ao meio ambiente. São discutidos
também, em alguns casos, os resultados de uma política pública, de leis, de empreendimentos, ou serviços já
implementados ou em vigor.” (PARTICIPAÇÃO SOCIAL, 2023).
38
Bem como visto nas etapas do processo de privatização, e correspondente tempo estimado de
cada estágio do processo, o tempo aproximado de início ao fim do projeto de privatização é de
aproximadamente 24 meses de duração. Assim, para que o governo possa completar o projeto
de privatização até o findar de um mandato, e supondo que as fases do projeto transcorram a
contento, o mesmo deve ser iniciado no máximo até o final do segundo ano de governo,
presume-se também que os estudos preliminares de avaliação da empresa já se iniciaram a
tempo antes da entrada da empresa no PND.
4.3.1 BNDES
“O papel do BNDES foi importantíssimo, seja antes, durante ou
depois da privatização: antes, na modelagem, na preparação do
mercado; durante, garantindo a transparência de todo o processo;
depois, dando o suporte financeiro necessário para o investidor
enfrentar mercados que ainda não haviam sido desbravados pelo setor
privado." (COELHO, 2000)
39
Os procedimentos criados pelo BNDES para se desfazer dessas empresas - ou seja, venda em
leilão público em bolsa de valores, uso de uma empresa de consultoria para propor um preço
mínimo e de uma firma de auditoria para supervisionar cada processo - foram posteriormente
adotados pela lei de privatização agora em vigor (PINHEIRO; GIAMBIAGI, 2000).
A Lei nº 9.491 coloca o BNDES como órgão central no processo de desestatização, participando
desde o planejamento do projeto de privatização até a assinatura de contrato entre o setor
público e o privado14. O Decreto 9.464, de 16 de agosto de 1990, determina como gestor do
FND, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Lei 9.491, de 9
de setembro de 1997 manteve essa determinação. O BNDES mostra-se como ator de grande
importância no processo de desestatização, atuante não somente na esfera federal, mas também
em privatizações das esferas estadual e municipal quando por estes solicitado.
...
Art. 18. Compete ao Gestor do Fundo:
14
AS ETAPAS do processo de desestatização. gov.br, 2016. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/noticias/noticia/infografico-etapas-
desestatizacao. Acesso em 01 fev. 2022.
40
Nota-se que enquanto o Decreto no 2.594, de 15 de maio de 1998 que regulamenta a Lei 9.491,
no parágrafo 3º do Art. 9º, determina que o BNDES participe sem direito a voto das reuniões
de conselho, a Lei 13.334, de 13 de setembro de 2016, que criou o PPI, estabelece o BNDES
como membro com direito a voto do CPPI – Conselho de Parceria Público Privadas.
...
§ 3º A desestatização de empresas de pequeno e médio portes, conforme
definidas pelo Conselho Nacional de Desestatização, poderá ser coordenada
pelo Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, da
Secretaria-Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
competindo-lhe, no que couber, as atribuições previstas no art. 18 desta Lei.
...
Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997
...
Art. 10
...
§ 1º Na desestatização dos serviços públicos, o CND deverá recomendar, para
aprovação do Presidente da República, o órgão da Administração direta ou
indireta, que poderá ser diferente do Gestor do FND, para ser o responsável
pela execução e acompanhamento do correspondente processo de
desestatização.
§ 2º A desestatização de empresas de pequeno e médio portes, conforme
definidas pelo CND, poderá ser coordenada pela Secretaria de Coordenação e
15
PROCESSOS ENCERRADOS. BNDES, 2023. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/processos-encerrados. Acesso
em 20/12/2022.
42
4.4 DESAFIOS
Como levantado durante as entrevistas, no decorrer do projeto de desestatização, os atores
envolvidos possuem grande poder de pausar o processo, seja pelo poder decisório dos órgãos
envolvidos, pelo legítimo acionamento de Tribunais de Contas, do Ministério Público, do
Judiciário, e até mesmo pelos constituintes e sociedade civil que se organizam a fim de defender
seus interesses. Essa coalizão de atores pode incluir a mídia, grupos de interesse, cientistas,
acadêmicos, funcionários do governo que compartilham uma mesma visão sobre um assunto
público de modo a coordenar e influenciar o seu comportamento. Essas coalizões de advocacia,
‘advocacy coalitions’, se envolvem em várias estratégias usando recursos para influenciar a
mudança ou a estase de políticas (PIERCE; HICKS, 2017).
Bem como colocado na fala de um dos entrevistados, “a falta de estudos técnicos sobre a
manutenção de operação da empresa enquanto empresa estatal faz com que o processo fique
politizado”, assim sendo, uma forma de tentar evitar-se retrocessos durante um projeto de
privatização é ter-se de antemão já na largada do projeto uma avaliação técnica bem embasada,
43
O Poder Legislativo, representado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, possui muita
influência no Projeto de Desestatização, principalmente quando se faz necessária a revogação
e promulgação de leis para dar continuidade ao projeto de desestatização. Faz-se necessária
força política do Poder Executivo e alto grau de convencimento para que o Poder Legislativo
possa dar prosseguimento ao processo de desestatização, e não o impedir.
Essa dinâmica em que o Executivo propõe a matéria por Medida Provisória a ser apreciada pelo
Legislativo com o objetivo de conversão da proposta em Lei, faz com que o Executivo
influencie os trabalhos do Legislativo, um processo de convencimento para a cooperação do
Legislativo, a fim de priorizar as matérias de interesse do governo.
Desse ponto de vista, as Medidas Provisórias são o instrumento mais favorável à rápida
aprovação das propostas do executivo. Elas reduzem os pontos de veto pois requerem
apreciação em sessão conjunta do Senado e da Câmara. Pelo fato de entrarem em vigor tão logo
editadas, aumentam para os congressistas os custos de rejeitá-las. Uma vez que possuem prazo
determinado e curto para apreciação, podem ter facilitada a entrada na agenda do Congresso.
Finalmente, a possibilidade de serem reeditadas com pequenas modificações confere ao
Executivo considerável margem de manobra quando as condições não são favoráveis à sua
aprovação (ALMEIDA, 1999).
Com isso, é evidente que, a promulgação de leis pelo Legislativo com conteúdo explícito
impeditivo de privatização de certa empresa estatal, de um grupo de empresas ou setor
econômico, restringe o Estado de iniciativas de privatização da empresa, e da atuação do setor
privado em certas áreas comerciais e/ou industriais. Assim sendo, mesmo que as iniciativas de
desestatização sejam tecnicamente bem embasadas, por mudança de conjuntura econômica, de
imperativo de segurança ou de interesse público, o processo de convencimento parlamentar faz
com que iniciativas futuras de privatização levem tempo para aprovação, visto o trabalho de
interlocução e negociação com o parlamento.
Outro desafio colocado pelos entrevistados, refere-se aos entraves judiciais, os quais são
recorrentes nos processos de desestatização, visto o diverso e generoso número de atores
interessados da sociedade civil, empregados, sindicatos, organizações governamentais etc. Na
década de 90 quase todas as vendas foram objeto de sentenças judiciais referentes a questões
variadas, o governo precisou enfrentar 37 ações judiciais para a venda da Usiminas, a primeira
empresa a ser vendida, e no caso da CVRD – Companhia Vale do Rio Doce, em 1997, 217
ações judiciais. (PINHEIRO, GIAMBIAGI, 2000).
São os recursos judiciais que representam a principal estratégia para obstruir o processo
mediante o poder de veto do Judiciário. A descentralização do sistema judicial e os vários
instrumentos legais de recurso outorgados a organizações e aos cidadãos pela Constituição de
1988 alimentaram a convicção de que a ida à Justiça seria um meio promissor de deter a ação
governamental (ALMEIDA, 1999).
45
Fonte: CVRD, Usiminas, dados coletados pela autora análise documental, Eletrobras, questionamento via LAI
Desta forma, a fim de evitar-se intempéries relativas ao Poder Judiciário e órgãos de controle
faz-se necessário a análise de todo o arcabouço legal para que não se incorra no avanço do
processo de privatização sem o devido suporte normativo legal. Ademais, o trabalho proativo
jurídico da Advocacia Geral da União - AGU e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
– PGFN são essenciais a fim de evitar e resolver-se a tempo, obstáculos processuais jurídicos
impetrados no judiciário contra o processo de desestatização. No caso da privatização do Grupo
Eletrobras, foram impetradas mais de 60 ações judiciais questionando a privatização16.
16
Consulta LAI - 01015.001462/2023-42 concluída em 06/03/2023
17
Consulta ao banco de dados de processos do TCU em 20/02/2023
46
processo ser mais demorado, contudo é bom para participação pública e transparência do
processo”.
Ademais, vários itens foram apontados durante as entrevistas conduzidas como fatores que
contribuem para a complexidade do processo de desestatização, dentre esses incluem-se:
Convencimento político
Processos judiciais
Consulta pública
Fonte: elaborado pela autora
47
5 CASO ELETROBRAS
18
FERREIRA, Carlos Kawall Leal. Privatização do setor elétrico no Brasil. In: PINHEIRO, Armando Castelar;
FUKASAKU, Kiichiro. A privatização no Brasil: o caso dos serviços de utilidade pública. BNDES, 2000.
19
PRIVATIZAÇÃO das Telecomunicações completa 20 anos. Abranet, 2018. Disponível em:
https://www.abranet.org.br/Noticias/Privatizacao-das-Telecomunicacoes-completa-20-anos-1999.html.
Acesso em: 20 fev. 2023.
48
...
§ 1º Ficam excluídas do Programa Nacional de Desestatização
- PND a empresa Centrais Elétricas Brasileiras S/A - ELETROBRÁS
e suas controladas: Furnas Centrais Elétricas S/A, Companhia Hidro
Elétrica do São Francisco - CHESF, Centrais Elétricas do Norte do
Brasil S/A - ELETRONORTE e Empresa Transmissora de Energia
Elétrica do Sul do Brasil S/A - ELETROSUL e a Companhia de
Geração Térmica de Energia Elétrica – CGTEE. (Revogado
pela Medida Provisória nº 1.031, de 2021) (Revogado pela Lei nº
14.182, de 2021)
...
Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004
Uma vez que a Eletrobras havia sido excluída em 2004 do rol de empresas a serem privatizadas
por meio da Lei nº 10.848, fez-se necessária a publicação de uma nova Lei que pudesse revogar
essa negativa. Mais recentemente, no governo Michel Temer, o Conselho Nacional de
Desestatização - CND recomendou novamente a inclusão da Eletrobras no PND, e com a
publicação da Medida Provisória nº 814 de 29 de dezembro de 2017 propôs a revogação de
dispositivo associado à desestatização da Eletrobras. Assim em 2018 a Eletrobras via Decreto
nº 9.375 de 15 de maio de 2018 volta a fazer parte do PND, contudo por falta de apreciação
pelo Congresso Nacional da MP nº 814, a Medida Provisória perdeu a eficácia, e a Eletrobras
foi novamente excluída do PND.
O governo Temer não foi capaz de alinhar a pauta do Executivo com a agenda política do
Legislativo a tempo para que a Medida Provisória nº 814 fosse convertida em Projeto de Lei
e prosseguisse com o rito legislativo para aprovação. É importante destacar também que a
criação do PPI – Programa de Parcerias para Investimentos, remonta de setembro de 2016, com
isso não há de se esperar que o Programa e sua estrutura governamental tivesse naquele governo
a maturidade institucional que se teve em 2022 quando da conclusão da privatização da
Eletrobras.
de 2021 é publicado e incluiu mais uma vez a Eletrobras no PND, e em maio/junho de 2021 o
Congresso Nacional apreciou o Projeto de Lei nº 7 de 2021 de conversão da MP 1.031,
sancionando a Lei nº 14.182 de 12 de julho de 2021. Com isso, nos dois últimos anos de
mandato o governo Jair Bolsonaro, 2021 e 2022, a privatização do Grupo Eletrobras foi
concluída.
Importante fazer nota que a Eletrobras holding já havia iniciado o processo de alienação de suas
distribuidoras há algum tempo, devido dentre outros fatores aos aportes recorrentes por parte
da Eletrobrás para manutenção dos serviços de distribuição de energia. O processo de
desestatização das distribuidoras foi iniciado na década de 90 e retomado em 2016 por meio
do Decreto 8.893/2016, que qualificou a desestatização das seis Distribuidoras como
prioritárias no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos do Governo Federal (PPI), e
designou o BNDES como responsável pela execução e acompanhamento destes processos de
desestatização20.
20
DESESTATIZAÇÃO – Distribuidoras de energia. BNDES, 2023. Disponível em:
https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/processos-
encerrados/desestatizacao-distribuidoras-energia. Acesso em 20 dez. 2022.
50
Uma vez que a obrigação de massivos investimentos é assumida pelo setor privado, o governo
pode focar seus recursos para áreas essenciais aliviando os altos aportes necessários no setor.
Desta forma, com a publicação da Lei nº 14.182 de 12 de julho de 2021, que excluiu a barreira
legal de privatização da Eletrobras, o Governo reinicia o processo de privatização do Grupo.
No processo de privatização da Eletrobras, o Conselho de Programas e Parcerias de
Investimentos emitiu um total de seis (6) Resoluções21.
21
CONSELHO do PPI. PPI, 2023. Disponível em: https://portal.ppi.gov.br/conselho1. Acesso em 20 dez. 2022.
51
de suma importância tal que todos os impedimentos legais possam ser endereçados a tempo no
processo de desestatização e as barreiras legais possam ser superadas.
A Medida Provisória nº. 1.031 foi apreciada por ambas as casas do Congresso Nacional e
convertida em Lei nº 14.182 em 12 de julho de 2021, essa Lei altera os seguintes normativos22:
Leis nº 5.899, de 5 de julho de 1973, 9.991, de 24 de julho de 2000, 10.438, de 26 de abril de
2002, 10.438, de 15 de março de 2004, 13.182, de 3 de novembro de 2015, 13.203, de 8 de
dezembro de 2015, 14.118, de 13 de janeiro de 2021, 9.648, de 27 de maio de 1998, e 9.074,
de 7 de julho de 1995; e revoga dispositivos da Lei nº 3.890-A, de 25 de abril de 1961.
A iniciativa de privatização parte do Poder Executivo, que no caso da Eletrobras fez-se via
Medida Provisória. A privatização do Grupo Eletrobras necessitava de aprovação legislativa, e
esse tramite legislativo possui rito próprio, assim o governo necessitou de grande apoio dentro
do Congresso Nacional a fim de obter sucesso na aprovação de um novo Projeto de Lei de seu
interesse. Novamente, mostra-se a importância da coalizão Executivo-Legislativo e forte
convencimento dos congressistas a fim de que o pleito do processo de desestatização pudesse
entrar com prioridade na pauta do Legislativo e obtivesse sucesso na sua aprovação.
Ademais, foi também apontado pelos respondentes das entrevistas a questão complexa de
Eletronuclear e Hidrelétrica de Itaipu, em que se foi verificado a necessidade de tratamento,
atenção especial à essas duas situações, visto a competência específica determinada pela
Constituição Federal e o contrato binacional. Para lidar com a empresa Eletronuclear e Itaipu,
22
BRASIL. Medida Provisória nº 1031, de 2021. Sumário Executivo da Medida Provisória. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/sumarios-de-
proposicoes/mpv1031. Acesso em 20/02/2023.
52
as quais não poderiam ser repassadas para o setor privado, foi-se criado uma empresa estatal, a
ENBPar, Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A.
E no caso da Hidrelétrica de Itaipu, entidade binacional, regida pelo tratado assinado em 1973,
entre Brasil e Paraguai, o capital da Eletrobras referente a Usina Hidrelétrica de Itaipu foi
transferido para a nova empresa, ENBPar. Assim sendo, a ENBPar, nova estatal não dependente
criada durante o processo de desestatização do grupo Eletrobras, tem como responsabilidades
a assunção de atividades da Eletrobras que não podiam ser privatizadas, isto é, competências
da holding Eletrobras que não podiam ser repassadas para o setor privado, como a gestão da
empresa Itaipu Binacional e da Eletronuclear (Usinas Angra 1, 2 e 3).
negócio, em ambiente privado, ela poderá ser mais eficiente, atuar melhor e extrair mais valor
do que uma empresa que vive em dois mundos, o público e o privado, com muita interferência
política”.
54
6 PERSPECTIVA DE FUTURO
Como colocado por um dos entrevistados, “Num futuro em que a produtividade, a qualidade de
serviços são importantes, também a sustentabilidade, a tendência é que a participação estatal
como empresa fique menor”, conforme os setores da economia tornam-se mais maduros e
devidamente regulamentados, permite-se ao Estado a sua retirada, direcionando o orçamento,
tão disputado, para setores que carecem de serviços públicos. A tendência é de diminuição de
empresas, visto que a conjuntura e o mercado mudaram, com isso não há mais a necessidade de
atuação de empresas em mercados de grande participação privada.
As empresas estatais vão continuar a existir por muito tempo, empresa estatal não é ruim, a
avaliação da empresa, pressuposto à desestatização, pode promover também a melhoria da
gestão e governança dela, mesmo que se decida a não continuidade do projeto de privatização.
A tendência também é de revisão de normativos tal que a empresa possa trabalhar mais próxima
da forma como a empresa privada, desvencilhando de amarras burocráticas que a colocam em
grau de desvantagens.
23
Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/lei/l13303.htm. Acesso em 20/02/2023.
55
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Não podem concordar sobre nada simples: o avanço deve ser feito
por meio de concessões, por uma conciliação de divergências, por
uma poda de planos e uma supressão de princípios demasiado rígidos.
Haverá uma sucessão de resoluções transcorrendo através de anos,
uma descarga intermitente de ordens através de uma escala completa
de modificações.” (WILSON, 2005)
O processo de privatização de empresa estatal é complexo por natureza, visto que o Estado se
desfaz de bem público. São vários os estudos necessários para consubstanciar a entrada da
empresa no PND, bem como o é toda a avaliação necessária que é realizada durante o projeto
para o repasse do controle da empresa para o setor privado. Ademais, os projetos de
desestatização envolvem todo um tramite burocrático, debates, interlocuções com diversos
órgãos de diversos poderes, negociações, questionamentos diversos, inclusive judiciais,
audiências e consultas e públicas.
O trabalho aqui exposto visa adicionar mais conhecimento e informação sobre as peculiaridades
de um processo de privatização, bem como dos desafios encontrados durante o transcorrer dele.
O estudo também, de forma inédita, serve como ferramenta de boas práticas de privatização de
empresas públicas e oferece esclarecimento sobre o processo de desestatização promovendo
discussões de melhorias para futuros projetos.
a) estudos prévios, base técnica bem definida e fundamentada e discurso bem debatido
antes mesmo da entrada de uma empresa no PND;
b) participação de órgãos de controle o mais cedo possível no processo;
c) trabalho para esclarecimento e convencimento social sobre a privatização;
d) prioridade, alinhamento e assertividade dentro do governo sobre a política de
privatização.
Fica claro pela pesquisa efetuada que o maior desafio é o convencimento e apoio político nessa
empreitada. Os atores políticos possuem grande poder de pausar ou até mesmo terminar com o
projeto de privatização antes de sua conclusão. Com isso, é necessário um trabalho prévio de
avaliação da empresa de forma a justificar sua entrada no PND, grande assertividade,
56
A avaliação das empresas estatais precede o Projeto de Desestatização, e deve fazer parte
intrínseca das competências do Estado brasileiro, seja para privatizar, ou para a melhoria da
gestão das empresas, esse é o primeiro passo para determinar se a empresa ainda presta o serviço
ao público de forma satisfatória, cumprindo os objetivos que deram motivo à sua criação. A
empresa estatal deve servir diretamente ao povo brasileiro e não ser um fim em si mesma e aos
interesses da máquina estatal.
Visto que a inclusão de empresas no PND é um ato discricionário, de rito próprio e de decisão
colegiada, a fim de aperfeiçoar e filtrar a entrada da empresa no programa, faz-se necessária
iniciativas que visam melhorar a tecnicidade da informação previamente à inclusão da empresa
no PND. Assim, aprimora-se o processo, de forma a garantir maior respaldo técnico para fins
de recomendação de inclusão no programa. Além disso, a melhoria da informação técnica ex-
ante inclusão da empresa no PND facilita os estágios subsequentes, evita desperdícios de custos
incutidos no projeto, bem como aumenta a chance de sucesso do projeto de privatização.
57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualitas revista eletrônica, Campina
Grande, v. 17, n. 1, 2015.
APÊNDICE 1 – QUESTIONÁRIO
1) Escolaridade.
8) Quais as áreas que você acha importante que o governo atue enquanto empresa?
13) Você poderia citar algumas privatizações que considera que obtiveram sucesso?
15) Por que um processo de desestatização demora tanto tempo para ocorrer?
Eletrobras
19) Nesse caso específico cite alguns fatores impeditivos, como legais, burocráticos e outros
62
20) Quais passos poderiam ser alçados a fim de avançar e facilitar o processo de
desestatização das empresas?
21) Qual a sua percepção sobre o futuro das empresas estatais no Brasil?
Encerramento
22) Você poderia indicar outras pessoas que possam adicionar mais na questão de
desestatizações, empecilhos e oportunidades?
63