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Quo Vadis, Tecnociência?

A emergência de uma ciência da sociedade


no contexto da mudança de época1

José de Souza Silva2


josedesouzasilva@gmail.com

São José, Costa Rica; Junho de 2003

1
Versão ampliada do capítulo convidado para a segunda edição do livro Ciência, Tecnologia e Sociedade:
o desafio da interação, 2002, pp. 275-328, em Lucy Woellner dos SANTOS, Elisa Eoshie ICHIKAWA, Paulo
Varela SENDIN e Doralice de Fátima CARGANO (Organizadores), publicado em 2004 pelo Instituto
Agronômico do Paraná (IAPAR), Brasil.
2
Engenheiro Agrônomo brasileiro com Mestrado em Sociologia da Agricultura e Ph.D. em Sociologia da
Ciência e Tecnologia, ex-Chefe da Secretaria de Administração Estratégica da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), ex-Oficial Superior da FAO, e atual Gerente da Rede Novo Paradigma
para a inovação institucional na América Latina, do International Service for National Agricultural Research
(ISNAR). São José, Costa Rica, Maio de 2003.
Introdução
“Tudo que é sólido se dissolve no ar, tudo que é sagrado é profanado”.
Karl Marx e Frederick Engels, Manifesto Comunista, 1848.

“Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas”.


Indígenas Aymara, Região Andina, 1998.

Separadas por cento e cinqüenta anos, estas citações encerram um profundo conteúdo filosófico:
o significado de uma mudança de época histórica . Marx e Engels se referem à fragmentação
social, econômica, política, institucional, técnica, epistemológica, ética e espiritual gerada pela
mudança do feudalismo agrário ao capitalismo industrial. O Manifesto Comunista sintetizou em
1848 os devastadores impactos da sociedade capitalista industrial, que fragmentou o sistema de
idéias, sistema de técnicas e institucionalidade dominantes da época do agrarianismo. Em 1998,
a perplexidade dos Aymara emana do fenômeno que transforma a natureza de nossas perguntas
e respostas, problemas e soluções. As rupturas epistemológicas da mudança de época geram
uma crise de percepção ao fraturar a relevância de modos de interpretação e intervenção. A crise
de percepção dos Aymara resulta da fragmentação do sistema de idéias, sistema de técnicas e
institucionalidade da época do industrialismo. Eles assistem ao ocaso de uma época histórica e ao
alvorecer de outra que ainda não podem compreender.

Para representar a mudança de época iniciada no século XVIII, o título do livro do britânico
Christopher Hill é The World Up Side Down (O mundo de cabeça para baixo). O livro do uruguaio
Eduardo Galenano, que aborda a mudança de época iniciada na segunda metade do século XX,
se chama Patas Arriba (Pés para o ar). Ambos denunciam um mundo ao contrário do que era ou
do que deveria ser, revelando a crise de legitimidade — perda de vigência dos valores, princípios,
premissas e promessas — que caracteriza o ocaso de uma época. Estes livros descrevem a
fragmentação da coerência interna de famílias, grupos sociais, comunidades e sociedades, bem
como a perda de correspondência entre estes atores e seus respectivos contextos relevantes.

Durante a mudança de época a que se referem o Manifesto Comunista e o livro de Hill, a ciência
moderna ganhou legitimidade como uma ciência para a sociedade , uma ciência sem consciência
em correspondência com a indiferença do industrialismo emergente. Durante a atual mudança de
época a que se referem os Aymara e o livro de Galeano, a sociedade civil exige uma ciência da
sociedade, uma ciência com consciência em correspondência com a sustentabilidade do Planeta e
de “mundos” menos desiguais e mais justos e felizes. Este capítulo: (i) sintetiza um marco para
compreender a atual mudança de época; (ii) contrasta o modo clássico e o modo emergente de
geração de conhecimento; e, (iii) analisa mudanças nas relações ciência-tecnologia-sociedade. O
trabalho conclui sugerindo três cenários possíveis para a tecnociência da época emergente.

2
Uma Época de Mudança ou uma Mudança de Época?
A busca permanente por coerência e correspondência

Há duzentos e cinqüenta anos, uma mudança de época gerou a sociedade industrial; hoje, uma
nova mudança de época condiciona o seu ocaso. Uma vez mais, tudo que é sólido se dissolve no
ar e tudo que é sagrado é profanado. A humanidade está experimentando uma mudança de
época desde os anos 60 (De Souza Silva et al. 2001). Segundo a Rede Novo Paradigma, do
Serviço Internacional para a Pesquisa Agrícola Nacional (ISNAR, International Service for National
Agricultural Research), numa mudança de época, a história se renova radicalmente, exigindo
novas respostas construídas com novas perguntas para problemas antigos e emergentes (Castro
et al. 2001; Lima et al. 2001; Mato et al. 2001; Salazar et al 2001;). Turbulência, instabilidade,
incerteza, fragmentação, descontinuidade, desorientação, insegurança, angústia, perplexidade e
vulnerabilidade são marcas registradas de uma mudança de época em qualquer tempo. Tudo isso
significa a fragmentação de coerências e correspondências.

O conceito de coerência se refere à consistência interna entre os diferentes elementos de um


certo conjunto, como uma proposta de desenvolvimento ou um projeto de pesquisa. O conceito
de correspondência se refere à consistência externa entre dois ou mais conjuntos diferentes,
como entre uma proposta de desenvolvimento, ou um projeto de pesquisa, e o contexto de sua
aplicação e implicações. Embora coerência e eficiência não são sinônimos, quanto maior é o grau
de coerência interna de uma organização, maior é a probabilidade de que sua eficiência seja alta
no manejo dos meios. Igualmente, embora correspondência e relevância não são sinônimos,
quanto maior é o grau de correspondência entre uma organização e as realidades, necessidades
e aspirações dos atores do seu contexto, maior é a probabilidade de que sua relevância seja alta
no domínio de sua existência. Numa mudança de época, as mudanças qualitativas do contexto
tornam obsoletas as coerências internas de, por exemplo, uma organização, e fragmentam a
correspondência entre suas prévias contribuições e as realidades emergentes. Sob o significado
dos conceitos de coerência e correspondência, quatro premissas complementares podem ser
propostas:
• A existência é uma eterna busca por coerência e correspondência.

• A história é uma permanente construção, fragmentação e reconstrução de coerências e


correspondências.

• Uma mudança de época histórica fragmenta coerências e correspondências, erodindo a


eficiência interna e a relevância externa de projetos, organizações, setores, nações, etc.

• Toda mudança representa um esforço — explícito o implícito — para identificar e superar


discrepâncias de coerência e correspondência.

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Compartilhamos a seguir o conceito de época histórica, a gênese da mudança de época atual, as
visões de mundo em conflito que condicionam o fenômeno histórico atual e algumas evidências
das mudanças qualitativas e simultâneas que forjam a época emergente.

O conceito de época histórica

A identidade de uma época histórica emerge da interação entre o sistema de idéias, sistema de
técnicas e institucionalidade (um discurso hegemônico e um conjunto de regras do jogo, práticas
sociais, relações de poder e configurações institucionais) dominantes dentro do referido período.
Tudo isso forja a natureza das relações de produção, relações de poder, formas de viver a
experiência humana e a cultura no mesmo período. Por isso, uma época histórica muda quando
se transformam de forma qualitativa e simultânea estas quatro dimensões (Castells 1996). Estas
mudanças transformam o sistema de idéias, sistema de técnicas e institucionalidade, dominantes
previamente, forjando novas formas de ser, sentir, pensar, decidir e atuar.

Toda época histórica constrói uma espécie de lentes culturais através das quais os atores sociais
interpretam a realidade para compreendê-la e transformá-la. Neste sentido, nossa forma de ver o
mundo — visão de mundo — condiciona nossa forma de atuar sobre ele. Mas as lentes (espécie
de óculos culturais) não determinam tudo que pode ser visto. Os diferentes contextos sociais,
históricos e materiais dos usuários desta visão de mundo se combinam e definem a textura final
das lentes individuais e coletivas. As premissas — crenças, ou verdades, que não necessitam ser
demonstradas — que articulam os ingredientes das lentes influenciam onde olhar, o que indagar,
como buscar, o que valorizar, com que comprometer-se, etc. O resultado é uma visão de mundo
dominante, que prevalece entre à maioria dos indivíduos, grupos sociais e sociedades.

Metaforicamente, a época histórica que constrói as lentes culturais dominantes também provê
uma caixa de artefatos intelectuais — valores, crenças, conceitos, teorias, modelos, paradigmas,
etc. — para “limpar” as lentes quando algumas “manchas” (dúvidas, problemas, desafios, etc.)
limitam a compreensão da realidade. Numa mudança de época histórica, estes artefatos perdem
a capacidade de limpar as “manchas emergentes”, que se acumulam até impedir uma leitura
satisfatória da realidade cambiante. Por isso, muitos atores sociais continuam tentando “limpar as
lentes” com os artefatos intelectuais da época histórica do industrialismo, quando o momento
requer “mudar” de lentes; ou, idealmente, “construir” novas lentes (De Souza Silva 2003).

4
A gênese da mudança de época atual

Cerca de 10-12 mil anos atrás, os modos de interpretação e intervenção da época histórica do
extrativismo dos caçadores e coletores foram desafiados e depois superados pela lógica da época
histórica do agrarianismo. A revolução neolítica — a invenção da agricultura — gerou excedentes
agrícolas que viabilizaram a vida sedentária e a criação de cidades, revolucionando as antigas
formas de ser, sentir, pensar e atuar (Bernal 1971). A partir do fim do século XVIII, o sistema de
idéias, sistema de técnicas e institucionalidade da época histórica do agrarianismo feudal foram
fragmentados e subordinados por seus equivalentes da época histórica do industrialismo (Hill
1969) A Revolução Industrial — descobrimento e uso de fontes de energia diferentes da energia
humana e animal — viabilizou a invenção e uso de máquinas no processo produtivo de geração
de riqueza e poder (Hobsbawm 1969). Um fenômeno semelhante sucede desde a década de 60.

A época histórica do industrialismo caracterizou-se pela prevalência de um sistema de idéias de


natureza racionalista, sintetizado pela metáfora de uma máquina para interpretar a realidade e
atuar sobre ela. Seu sistema de técnicas privilegiou tecnologias materiais — mecânicas, químicas
e elétricas — que viabilizaram o paradigma tecnológico da nova sociedade. Sua institucionalidade
foi articulada em torno do Estado-nação, cujo grau de soberania e autonomia lhe permitiu criar e
gerenciar regras nacionais do jogo da acumulação de capital, derivadas da Revolução Industrial,
e do jogo da democracia política, derivadas da Revolução Francesa. Tudo isso está mudando. A
humanidade está experimentando uma mudança de época, não uma época de mudança. As
mudanças globais em marcha não pertencem à época histórica do industrialismo. Realidades
qualitativamente diferentes das que caracterizam o industrialismo estão surgindo. Para Manuel
Castells, Sociólogo Espanhol, o que está sendo forjada é a época histórica do informacionalismo.
O computador já substituiu a chaminé das fábricas como símbolo de “progresso” da nova época.

Temos agora o privilégio histórico de experimentar os impactos e o significado do ocaso de uma


época e do alvorecer de uma época histórica nova (mas não necessariamente melhor), que ainda
é uma fotografia fora de foco, e cujas características e implicações apenas começam a delinear-
se. Esta é a razão porque existe a sensação generalizada de que tudo está em crise, inclusive a
ciência moderna. Por isso, muitos anunciam a “crise” de qualquer coisa, alguns escrevem sobre o
“fim” de tudo e outros propõem o prefixo “pos” antes de várias palavras. Por exemplo, prolifera
uma literatura sobre a “crise” da ciência positivista, o “fim” da ciência moderna e o início da “pos”
–ciência (Díaz 2000). Quais são os epicentros destas transformações, e como se caracterizam?
Três revoluções — tecnológica , econômica e sociocultural — estão forjando a mudança de época:

5
• Revolução tecnológica 3 . A partir dos anos 50, estão em marcha várias revoluções
técnico-científicas, como a biotecnologia, nanotecnologia e tecnologia da informação.
Algumas características comuns unem estas três revoluções: (i) são reducionistas; (ii)
estudam o “objeto” de seu interesse como se este fosse (ou funcionasse como) uma
máquina; e, (iii) são dependentes da contribuição teórica da ciência moderna para seus
avanços (Busch 2001). Mas, a revolução ao redor da tecnologia da informação difere das
demais de duas formas. Primeiro, as outras revoluções técnico-científicas dependem
desta para seus avanços. Finalmente, a lógica digital da tecnologia da informação
penetra e transforma todos os meios e formas de comunicação e, por isso, seus impactos
afetarão todas as esferas da existência humana, seja pelo acesso a esta revolução
cibernética ou pela falta de acesso a seus produtos e serviços. Portanto, quando falamos
de redes e de mudanças com o apelido de virtual, digital, eletrônico ou imaterial, nós
estamos falando de mudanças que não pertencem à época histórica do industrialismo;
elas estão forjando uma nova época. Sob uma racionalidade instrumental, esta revolução
assume a premissa de que os problemas da humanidade e do Planeta são problemas de
informação, a ser resolvidos com mais informação, novas técnicas e mais tecnologias.

• Revolução econômica 4. Depois dos dois choques no preço do petróleo, ao final da década
de 70, muitos passaram a falar de uma crise econômica de proporções globais, sem
perceber que esta era um indicador da crise do regime de acumulação de capital da
época do industrialismo. Por isso, está em marcha uma iniciativa planetária para
implementar um novo regime de acumulação de capital, com seu respectivo sistema de
idéias, sistema de técnicas e institucionalidade. As mudanças associadas à privatização,
desregulamentação, liberalização, revisão do papel do Estado, modernização do setor
público, criação de fundos competitivos e outras que integram o menu do Fundo
Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio e de outros
agentes internacionais das mudanças nacionais, são mudanças que não pertencem à
época do industrialismo; elas forjam uma nova época. Esta revolução ocorre sob a
influência de uma racionalidade econômica onde se assume a premissa de que todos os
problemas complexos da humanidade e do Planeta podem ser resolvidos através do
mercado, que é percebido como a fonte de todas as soluções.

• Revolução sociocultural5. O conjunto dos movimentos sociais e culturais que proliferaram


a partir da década de 60, desafiaram os pilares da civilização ocidental e questionaram os
valores da sociedade industrial: o feminismo, o ambientalismo e outros movimentos
pelos direitos humanos, justiça étnica, exclusão social, maior participação da sociedade
civil, etc. A nível micro, cada um movimento questionou algum aspecto ou fenômeno
associado às dimensões humana, social ou ecológica, e vem propondo sua reconstrução
sob valores e premissas associadas a estas dimensões. As mudanças que privilegiam as
dimensões humana, social e ecológica (questão de gênero, desenvolvimento sustentável,
democracia participativa, erosão da biodiversidade e da diversidade cultural, questão
indígena, mudança climática, etc.) não pertencem à época do industrialismo senão
tentam construir uma época histórica melhor. Sob uma racionalidade comunicativa, esta
revolução assume que, para os problemas antropogênicos — construídos por humanos —,
a solução depende de aprendizagem social (Roling 2001), o que só ocorre através da
interação, negociação, reflexão, debate, adoção do princípio do bem-estar inclusivo
(prevalece a proposta a que beneficia o maior número de indivíduos, grupos sociais,
sociedades e formas de vida; Bawden 2001) e radicalização planetária da democracia.

3
Ver Castells (1996), Cebrián (1998), McChesnee et al. (1998), Joe (2000), Grupo ETC (2002).
4
Ver Mander e Goldsmith (1996), Held et al. (1999), Dupas (2000), Schiller (2000), Grupo ETC (2002).
5
Ver Featherstone (1990), Ewen (1998), Maea (2000), Rifkin (2000), Warnier (2000).

6
Nem todas as mudanças que emanam destas revoluções são compatíveis entre si. Por exemplo,
os Estados Unidos querem apresentar-se como campeões do desenvolvimento sustentável, paz e
democracia no mundo, mas não ratificaram a convenção da biodiversidade, Protocolo de Kioto,
Corte Internacional de Justiça, etc. Estas propostas emanam da revolução sociocultural; daí seu
compromisso com as dimensões humana, social e ecológica. A posição do Governo dos Estados
Unidos é condicionada por interesses egoístas de suas corporações transnacionais que, na ordem
mundial emergente, querem acesso ilimitado a recursos naturais, mão de obra barata e mentes
dóceis, sem nenhuma responsabilidade humana, social ou ecológica. Não sendo mais respeitado
pela força do argumento, mas querendo manter sua já precária hegemonia, o império decadente
tem que usar o argumento da força , invadindo ilegalmente a outros países onde violam direitos
humanos, mas sem querer ser julgado por crimes de guerra fora do seu território.

Visões de mundo em conflito na mudança de época

Na atual mudança de época, cada uma das revoluções tem sua coerência interna construída ao
redor de certos valores, premissas e compromissos. Articulados entre si, estes elementos moldam
uma forma de ver o mundo, que emerge para criar uma realidade no imaginário social, que pode
condicionar a forma de ser, sentir, pensar e atuar de indivíduos, grupos e sociedades. Esta visão
de mundo assume um poder extraordinário, estimulando nossa imaginação, atitudes e aspirações.
À revolução tecnológica corresponde uma visão cibernética de mundo; à revolução econômica
corresponde uma visão mercadológica de mundo; e, à revolução sociocultural corresponde uma
visão contextual de mundo (De Souza Silva 2002a). Nenhuma destas visões existe de forma pura,
isolada das demais. Todas coexistem, mas uma delas prevalece sobre as outras, estabelecendo
uma hierarquia de valores e objetivos que subordinam as contribuições das demais.

• Visão cibernética de mundo. Assumindo o mundo como uma máquina cibernética — um


sistema de informação auto-regulado —, esta visão cria um discurso cuja racionalidade
instrumental privilegia a tecnociência (fusão da ciência e tecnologia modernas) como
fonte de solução para os problemas complexos da sociedade e do Planeta. Esta metáfora
mecânica foi herdada da ciência moderna nos séculos XVI e XVII e consolidada na época
do industrialismo. Por isso, tudo que entra na máquina é visto como “recurso” e tudo que
dela sai é chamado de “produto”. Deriva-se daí o significado das expressões recursos
naturais, recursos financeiros, recursos humanos, etc., que são percebidos e como meras
peças da engrenagem. Hoje, a tecnologia da informação e o conceito de qualidade
constroem um mundo cibernético constituído de redes, onde tudo se reduz à informação
(por exemplo, uma planta é um sintetizador bioquímico e uma floresta é percebida como
um complexo industrial-bioquímico). No neo-racionalismo deste mundo, os intercâmbios
ocorrem mais com as máquinas do que com nós mesmos. Esta visão intensifica a busca
por eficiência, predição, quantificação, precisão e controle. Isso ocorre sob a ditadura da
“ideologia do cliente”, num mundo de excluídos onde diminui o número dos que podem

7
ser chamados de clientes. O reinado da razão quer terminar sua missão de moldar um
mundo sem lugar para a emoção, imaginação, intuição ou sentimentos.

• Visão mercadológica de mundo. Assumindo o mundo como um mercado auto-regulado,


esta visão constrói um discurso cuja racionalidade econômica privilegia o mercado como
fonte de soluções para os problemas complexos das sociedades e do Planeta. Sob esta
metáfora econômica, tudo que entra no mercado é visto como “capital” e tudo que dele
sai é chamado de “mercadoria”. Deriva-se daí o significado das expressões capital natural,
capital financeiro, capital social, capital humano, capital intelectual, etc. Com a tecnologia
da informação e o conceito de competitividade, o neo-evolucionismo desta visão ganha
sofisticação, e continua assumindo que a existência é uma eterna luta pela sobrevivência
através da competição. Este neo-darwinismo divide o mundo em arenas comerciais e
tecnológicas, onde as leis do mercado prevalecem sobre as leis da sociedade e as
transações comerciais sobre as relações sociais. Tudo se vende, desde princípios até a
natureza, e tudo se compra, desde escrúpulos até o corpo humano, suas partes e seu
DNA. Sob o culto do dinheiro, o mercado reina como o juiz supremo que premia aos
bons — chamados competitivos — e castiga aos maus — chamados não-competitivos —:
cada um por si, Deus por ninguém e o Diabo contra todos. Com a desculpa oferecida
pela competitividade, promove-se uma nova onda de Darwinismo social cujo enfoque
culpa a própria vítima, acusada de não ser competitiva: os excluídos. No Foro Econômico
de Davos, os guardiões desta visão constroem as “regras do jogo” para uma economia
de mercado: a sociedade deve ser reestruturada para servir às necessidades do comércio
global e não o contrário (ver Karl Polanyi 2001).

• Visão contextual de mundo. Assumindo o mundo como uma trama de relações dinâmicas
entre as formas de vida do Planeta, esta visão constrói um discurso cuja racionalidade
comunicativa privilegia a interação negociada e a aprendizagem social como forma de
resolver problemas antropogênicos—construídos pela ação humana. A metáfora da trama
de relações evidencia potencialidades, limitações, interdependências e contradições das
formas de vida que interagem para construir relevância no domínio da existência. Sob
esta visão, os termos recursos e capital não traduzem o significado simbólico construído
para expressar o conteúdo cultural atribuído às coisas e às pessoas em contextos sociais,
históricos e materiais diferentes. Fala-se de potencial natural e não de recursos naturais,
e de talentos humanos em vez de recursos humanos, capital humano e capital intelectual
que ignoram nossa imaginação, que nos permite propor além do conhecimento e da
experiência prévia. Esta visão privilegia a construção de Ágoras — a forma mais antiga
de assembléia Grega para o debate democrático — como um espaço para a interpretação
e gestão de desafios antropogênicos que ameaçam a humanidade e o Planeta. Sob o
conceito de sustentabilidade e do critério do bem-estar inclusivo (prevalece a opção que
beneficia o maior número de indivíduos, grupos sociais, comunidades, sociedades e
formas de vida), esta visão aspira a outro mundo possível: a sociedade civil prevalece
sobre o Estado e o mercado, para superar contradições criadas por relações assimétricas
de poder, como a fome num mundo de abundância, a pobreza num mundo de opulência,
a escassez do Sul para o desperdício do Norte, a pobreza das nações para a riqueza das
corporações, a ascensão da autocracia corporativa transnacional — onde os que decidem
não são eleitos — versus o declínio da democracia representativa — onde os eleitos não
decidem —, e a privatização dos benefícios da globalização versus a socialização de suas
crises. No Foro Social de Porto Alegre, os guardiões desta visão propõem uma economia
com mercado, onde este seja regulado para servir à sociedade e não o contrário.

8
Evidências da mudança de época

Muitas são as evidências. A falta de espaço nos permite apenas articular algumas evidências de
referência. Em seguida, compartilhamos algumas mudanças qualitativas que estão ocorrendo
simultaneamente nas relações de produção, relações de poder, experiência humana e cultura:

• Transformações nas relações de produção6. Uma economia imaterial está emergindo de


forma paralela à economia produtiva; seu fator mais crítico é intangível —informação —
e sua infra-estrutura essencial é a da comunicação. Sua dinâmica é virtual e ocorre em
redes virtuais por onde fluem capital, decisões e informação, eclipsando eletronicamente
a dimensão tempo-espaço e escapando ao controle dos governos nacionais. Nestas redes
de poder, onde os ricos não necessitam dos pobres, os que delas não participam são
ignorados por elas. Está em formação o Quarto Mundo — o mundo dos desnecessários
—. O Quarto Mundo não é geográfico senão social; é o mundo dos desconectados da era
do acesso: os excluídos das políticas públicas e, portanto, sem acesso ou com acesso
precário à educação, saúde, emprego, etc. Nesta economia, não existe o contrato social
entre o capital e o trabalho. Sob o eufemismo da flexibilidade laboral, as legislações são
alteradas para facilitar a mobilidade global do capital e a vulnerabilidade local do trabalho.
O capital voa só e pousa preferencialmente onde houver mentes dóceis e mãos baratas.
O capital é globalmente coordenado para acumular de forma descentralizada; o trabalho
é desagregado no seu desempenho, fragmentado na sua organização, diversificado na
sua existência e dividido na sua ação coletiva. Os novos capitalistas são corporações
transnacionais com interesses globais e ambições expansionistas: apátridas que não são
leais sequer a seus países de origem. Das 100 maiores economias do Planeta, apenas 49
são representadas por nações, porque 51 já são corporações. Se Adam Smith fosse vivo,
ele escreveria sobre a riqueza das corporações e não mais sobre a riqueza das nações. O
velho capitalismo foi acusado de exploração do trabalho; o novo capitalismo é acusado
de exclusão social por seu modelo de crescimento econômico com exclusão social.

• Transformações nas relações de poder7. O regime de acumulação de capital da economia


imaterial se organiza em torno a “regras transnacionais” para cuja dinâmica as “regras
nacionais” dos Estados-nação são uma inconveniência. As regras nacionais são sendo
etiquetadas como “barreiras” que necessitam ser derrubadas. A soberania e autonomia
do Estado-nação são reduzidas em funções associadas ao regime de acumulação de
capital da época do industrialismo, e fortalecidas em funções que facilitam a construção
das condições para a penetração das regras transnacionais do regime de acumulação do
capital corporativo global. A democracia representativa está em crise. Está emergindo um
Estado-rede supranacional; um governo mundial, sem Presidente nem eleições, onde os
que decidem não são eleitos, e os que são eleitos não decidem. As políticas e decisões
mais relevantes para o futuro das sociedades são definidas em espaços multilaterais,
institucionalizadas em mecanismos supranacionais e implementadas por organizações
internacionais e agências multilaterais, sob a influência de corporações transnacionais,
longe do escrutínio público e da participação cidadã. Assim, a democracia representativa
está se transformando na arte de enganar o povo, porque já não consegue representar à
maioria, porque foi reduzida a uma democracia de um dia: o dia do voto. Por isso, a
sociedade civil está reagindo, criando redes de democracia participativa que ainda não
conseguem competir com as redes autocráticas do poder corporativo transnacional. Estas

6
Ver Castells (1996, 1998), Rifkin (1996, 1999), Grupo ETC (2002).
7
Ver Barnet e Cavanagh (1994), Horseman e Marshall (1995), Korten (1996), Grupo ETC (2002).

9
são redes da indiferença ao sofrimento humano, às desigualdades sociais e ao desafio
ecológico que ameaça o futuro de todas as formas de vida no Planeta.

• Transformações na experiência humana8. Nossa experiência humana é vivida através de,


por exemplo, relações entre nós e entre nós e o resto da natureza. Isso está mudando
lenta e irregularmente com os avanços da questão de gênero, questão indígena, justiça
étnica, direitos humanos, participação da sociedade civil, desenvolvimento sustentável,
equidade social, etc. A experiência humana também muda com por causa de outras
transformações: a erosão da instituição da família, a heterossexualidade já não é a única
relação sexual aceitada, o Planeta já emite sinais de fadiga ecológica que constrói uma
catástrofe anunciada, a autoridade patriarcal está questionada depois de três séculos
sem ser desafiada, a lógica do mercado (tudo se vende e tudo se compra) já penetra
todas as esferas da existência, intensifica-se a mercantilização da natureza, já existe um
mercado em franca expansão para partes do corpo e para a informação genética de
nossas células, avizinham-se guerras pela sobrevivência por causa de recursos escassos
onde a água é o mais crítico, a genética molecular promete uma vida mais sã e longeva,
a Sociobiologia promove a descriminação genética afirmando que comportamento social
é herdado geneticamente, ao contrário dos Hippies que propuseram fazer amor sem ter
filhos os magos da engenharia genética nos propõem ter filhos sem fazer amor, e os
biólogos moleculares estão conduzindo a humanidade para a ditadura reducionista da
biologia depois de séculos da ditadura reducionista da Física.

• Transformações na dimensão cultural9. As mudanças na dimensão cultural são diversas e


controvertidas. Podem dissolver fronteiras e divisões entre culturas, promover o encontro
enriquecedor entre várias culturas e até mesmo criar uma rejeição social aos aspectos da
globalização que tentam homogeneizar certos aspectos culturais. Em torno à cultura da
realidade virtual, está emergindo a geração ponto-com, que não valoriza a história nem o
contexto, porque o mundo é uma tela onde a vida se apresenta como espetáculo. A
cultura visual global transforma em mercadoria cultural as viagens do papa, campanhas
eleitorais, viagens turísticas, esportes extremos e invasões militares dos Estados Unidos.
Tudo é vendido, comprado e assistido como espetáculo: a religião-espetáculo, a política-
espetáculo, o turismo-espetáculo, o esporte-espetáculo e a guerra-espetáculo. O mundo
é reduzido a um continente digital constituído de telas; o que aí não aparece não existe,
não é verdade ou não é relevante. A tela já é o veículo que os ideólogos do capitalismo
corporativo transnacional usam para ministrar o ópio do povo, e funciona como o novo
Leviatã da ordem social global. O Homo informaticus não quer caminhar para conhecer o
mundo e transformá-lo; é possível mudá-lo com mensagens eletrônicas. Os meios de
comunicação são os substitutos quase-oficiais de pais e mestres; introduzem as crianças
na realidade virtual antes que debutem na realidade real. Os donos destes meios com
suas imagens globalizadas definem os símbolos e identidades que devem prevalecer no
imaginário social. Fundindo sons, imagens e símbolos escritos, a tecnologia digital da
globalização eclipsa eletronicamente a dimensão tempo-espaço, ignora fronteiras e
controles, assume interesses comerciais e tende à desregulamentação. As mega-fusões
consolidam uma ordem mundial comercial de comunicação que reduz a esfera pública e
cria uma cultura da diversão que não é compatível com a ordem democrática. O acesso à
informação não tem precedente na história, mas apenas 3% da humanidade tem acesso
a Internet, e 80% são dos 24 países mais ricos. Além disso, nós experimentamos o
paradoxo de viver afogados num oceano de informação sem entender a natureza da
realidade cambiante, porque informação não é sinônimo de compreensão.

8
Ver Boff (1996), De Sousa Santos (1998), Bauman (1999), Walzer (2000).
9
Ver Castells (1997), Rifkin (2000), Warnier (2000).

10
Estas transformações ocorrem através de processos globais, alguns dos quais merecem atenção
especial que este trabalho não pode dedicar por questão de espaço10: (i) a formação do novo
regime de acumulação do capital corporativo transnacional; (ii) a criação da institucionalidade
para a gestão da nova ordem econômica e política global; (iii) o esforço para o desenvolvimento
sustentável; (iv) a formação de uma sociedade civil global para monitorar a ordem capitalista,
corporativa e transnacional emergente; (v) a criação de blocos econômicos regionais para
competir nas arenas planetárias; (vi) a regionalização da institucionalidade transnacional; (vii) a
revisão do papel do Estado e a modernização do setor público para sua adaptação à nova ordem
capitalista, corporativa e transnacional emergente; (viii) a “reengenharia” do Estado para
desmoralizar o setor público, debilitar a tecno-burocracia, justificar a privatização e facilitar a
penetração de interesses privados na esfera pública; (ix) o esforço de mobilização global de
diferentes movimentos, iniciativas e grupos de atores sociais para questionar a atual globalização
e propor outra para a construção de outro mundo possível; e, (x) o fim do monopólio do
Positivismo e a construção de outros modos de geração e apropriação de conhecimento. Alguns
aspectos do último processo são sintetizados a seguir, por estar associado ao tema do livro.

A Geração de Conhecimento na Mudança de Época


O modo clássico e o modo contexto-cêntrico emergente

Os desejos, as emoções, as paixões… são as únicas causas possíveis da ação. A razão não é a causa
da ação, senão só um regulador. Bertrand Russel, Sociedade Humana (2002:10 [1954])

Uma época histórica estabelece um sistema de idéias e um sistema de técnicas que privilegiam
certos modos de interpretação e intervenção, inclusive para a geração de conhecimento. Sob
uma visão mecânica de mundo, o sistema de idéias e o sistema de técnicas do industrialismo
consolidaram o modo clássico de geração de conhecimento. As características do modo clássico e
as conseqüências do desenvolvimento praticado sob sua influência estão sob questionamento
generalizado11 desde os anos 60. Isso ocorre a partir da revolução sociocultural que questiona as
formas dominantes de geração, distribuição e apropriação de informação, poder e riqueza. Nesta
reflexão crítica, a ciência moderna emerge como uma atividade transformadora que contribui
simultaneamente para avanços relevantes da experiência humana, desigualdades dentro e entre
sociedades e vulnerabilidade das formas de vida no Planeta. O exame crítico das características,
contribuições e impactos do modo clássico revelou seus limites, distorções e contradições.

A partir da segunda metade do século XX, intensificou-se o fenômeno de declínio de paradigmas


derivados das premissas do modo clássico e a construção de opções paradigmáticas inspiradas

10
Ver Ianni (1992), Mires (1996), Hopkins e Wallerstein (1998), Held et al. (1999).
11
Ver Sachs (1992), Hoogvelt (1997), Wallerstein (1998), Walsh et al. (2002).

11
em premissas ontológicas, epistemológicas, metodológicas e axiológicas comprometidas com a
diversidade de contextos sociais, materiais e históricos, dos quais emergem diferentes sociedades,
que coexistem com outras formas de vida. O Planeta é um, mas são muitos os “mundos” que não
podemos compreender com o modo clássico, que assume uma homogeneidade que não encontra
correspondência na complexidade da realidade nem na diversidade dos contextos. Isso explica a
efervescência criativa das últimas décadas cujo esforço é centrado na construção de novos
modos de interpretação e intervenção para a geração e apropriação de conhecimento12.

Como conseqüência, o monopólio da ciência praticada sob a tradição filosófica conhecida como
Positivismo terminou irreversivelmente, abrindo espaço para o surgimento de novas premissas
ontológicas (sobre a natureza da realidade), epistemológicas (sobre a natureza do conhecimento
e do processo para sua geração), metodológica (sobre o método e a natureza do indagar) e
axiológicas (sobre os valores éticos e estéticos e a natureza da intervenção). Entre outras opções
emergentes, o Construtivismo ganha legitimidade por seu compromisso com as múltiplas
dimensões e contradições do contexto, e com seus atores sociais. O construtivismo assume que a
inovação emerge de processos de interação social, e apresenta-se como uma ciência da
sociedade, que influencia e é influenciada no processo de interpretar e mudar a realidade.

Ironicamente, o construtivismo não parece surgir para substituir o positivismo senão para ocupar
espaços onde as características deste limitam ou impedem sua contribuição, e para pressioná-lo
a limitar sua contribuição somente ao que suas características lhe permitem. O positivismo é
indispensável para identificar, descrever e alterar processos de natureza exclusivamente física,
química e biológica cuja dinâmica independa da percepção e da ação humana. É óbvio que não
se pode voar no alto dos céus nem mergulhar na profundidade dos oceanos sem positivismo.
Mas não é possível mudar as realidades produtivas, sociais, ecológicas, econômicas, políticas,
institucionais, históricas, etc., sem construtivismo, porque estas dependem da percepção e da
intervenção humana. A sociedade necessita de ambos. Suas diferenças e complementaridades
podem ser compreendidas através do contraste de suas premissas e características13.

Ontologias — objetivismo e contextualismo

Em sua dimensão ontológica , o modo clássico — positivista — assume que a realidade existe de
forma objetiva, independente de nossa percepção, e que a ciência deve descobrir esta realidade

12
Ver Kloppenburg (1991), Jasanoff et al. (1995), Harding (1998), Escobar (1998), Bawden (2002), Busch (2002), Capra
(2002), Mires (2002), Röling (2002).

12
como ela “realmente” é, descrevendo-a com precisão, em seus mínimos detalhes, para que seja
possível predizê-la, controlá-la e explorá-la eficientemente em benefício da espécie humana. Sob
estas premissas, a realidade relevante é o que pode ser apreendido com os cinco sentidos, para
que seja pesado, medido e contado. O que não pode ser traduzido para a linguagem matemática
não existe, não é verdade ou não é relevante para a ciência, nem deveria ser para a sociedade.

Diferente do objetivismo do modo clássico, o modo contexto-cêntrico — construtivista — assume


o contextualismo, sob o qual não existe uma senão múltiplas realidades, todas dependentes das
diferentes percepções dos diferentes grupos de atores sociais. A filósofa Sandra Harding propõe
uma objetividade forte , porque afinal existe uma dimensão dura — concreta — da realidade, mas
deve ficar claro que o acesso ao que chamamos de “concreto” é intermediado pelos significados
culturais diferentes que lhe atribuímos em contextos culturais distintos. Mas o contextualismo
reconhece e valoriza também outras dimensões subjetivas da existência, como a simbólica e a
espiritual. Além disso, o contextualismo assume que a realidade é socialmente construída e pode
ser socialmente transformada por novas percepções, decisões e ações. Sob estas premissas,
assume-se a existência de uma “realidade branda” constituída por uma trama de relações,
associações, conexões, interações, impactos, contradições e implicações, que são fontes de
significados para os chamados “fatos concretos” da dimensão dura da realidade.

Em síntese, na dimensão ontológica, o modo clássico é apropriado para identificar e descrever


fatores responsáveis pelas regularidades e desordens de fenômenos físicos-químicos-biológicos
que existem independentes da intervenção humana. Mas não devemos esquecer Einstein: o
observador altera o fenômeno observado com seus instrumentos e métodos de observação. O
modo contexto-cêntrico é mais apropriado para identificar e interpretar as diferentes realidades
construídas pelas percepções de diferentes grupos de atores, incluindo os “fatos concretos” cuja
compreensão dependa dos significados culturais que lhes atribuímos.

Epistemologias — reducionismo e holismo

Em sua dimensão epistemológica, o modo clássico assume que o mais importante é conhecer as
“leis naturais” que regem o funcionamento da realidade, tanto natural quanto social. Também
assume que o todo é constituído de partes, e que este está nelas contido. Sendo igual à soma de
suas partes, o todo deve ser dividido em suas partes constituintes, para ser entendido a partir do
conhecimento detalhado de cada uma delas, principalmente a partir do conhecimento da menor

13
Ver, por exemplo, Morin (1984), Restivo (1988), Guba e Lincoln (1994), Bentz e Shapiro (1998), Harding (1998),

13
de suas partes. No passado, os Físicos prometeram explicar o universo a partir do conhecimento
do átomo; hoje, os biólogos moleculares prometem explicar a vida a partir do conhecimento do
DNA (um esforço que liberta a humanidade da ditadura reducionista da Física, mas submete-a à
ditadura reducionista da biologia). Nesta dimensão, o modo clássico determina que o pesquisador
deve atuar de forma objetiva; isto é, distante do chamado “objeto” da pesquisa, para evitar que
os resultados de suas observações sejam distorcidos por valores e interesses humanos. Além
disso, o “objeto” da pesquisa deve ser isolado da complexidade do seu contexto, para assegurar
o controle sobre as variáveis que interessam ao pesquisador ou aos que influenciam a pesquisa.

Diferente do reducionismo do modo clássico, o modo contexto-cêntrico assume o holismo, sob o


qual o todo é dinâmico e é diferente do conjunto de suas “partes” (subsistemas) constituintes, e
sua natureza é compreendida a partir do entendimento da trama de relações que o constituem.
Nesta percepção holística, o mais importante é conhecer os processos de interação social através
dos quais os distintos grupos de atores sociais, econômicos, políticos e institucionais constroem
suas diferentes percepções da realidade. De igual forma, assume-se que o conhecimento das
“partes” do todo é necessário, mas é insuficiente para compreender sua dinâmica. É preciso
entender associações, implicações, conexões e interações que existem entre as partes, entre
estas e o todo e entre o todo e as partes, o que revela convergências e divergências, coerências
e discrepâncias, paradoxos e contradições, na unidade não-linear de caos e ordem dos sistemas
complexos. O todo não está necessariamente contido em suas partes, (embora possa estar
parcialmente representado em algumas ou muitas delas); sua dinâmica é uma propriedade
sistêmica — que emerge da interação entre as partes, mas que não se reproduz nem existe em
nenhuma delas isoladamente. Em síntese, sob o holismo, a realidade é constituída de relações.

Resumindo, o modo clássico é imprescindível para gerar conhecimento especializado sobre partes
específicas da realidade; o modo contexto-cêntrico é essencial para gerar conhecimento sobre a
trama das relações responsáveis tanto pela coerência e dinâmica quanto por eventuais paradoxos
e contradições do todo. O modo clássico “produz” análises especializadas sobre partes específicas
da realidade que se deseja conhecer; o modo contexto-cêntrico “constrói” sínteses sobre a
dinâmica e sobre coerência ou incoerência do todo, e sobre sua correspondência ou falta de
correspondência com seu contexto mais amplo.

Biagioli (1999), Gibbons (2000), Watson (2000), Woolgar (2000), Röling (2002).

14
Metodologias: positivismo e construtivismo

Em sua dimensão metodológica , o modo clássico assume que o único método apropriado é o que
realiza uma assepsia política e ideológica dos valores, interesses e compromissos do pesquisador
e dos atores do contexto da pesquisa. Assim, o método experimental, as técnicas estatísticas e
qualquer estratégia metodológica que permita traduzir a realidade para a linguagem matemática
são ideais para gerar “conhecimento objetivo” e, portanto, “fatos” e “verdades” científicas válidas.
Para ser considerado científico, o método deve afastar o pesquisador do “objeto” de pesquisa,
para evitar a interferência de sua percepção pessoal, e afastar o “objeto” de pesquisa da
complexidade do seu contexto, para eliminar a intervenção de variáveis que não interessam ao
pesquisador ou aos que financiam diretamente ou influenciam indiretamente a pesquisa.

Diferente do positivismo do modo clássico, o modo contexto-cêntrico assume que a mudanca, a


compreensão, a inovação, o desempenho, etc., emergem da interação. Privilegiam-se métodos
interativos para que o pesquisador incorpore, como parte integral da pesquisa: (i) a si mesmo
como interprete, conceitualizador e transformador da realidade que integra como pesquisador; (ii)
ao contexto que gera os fenômenos que os sujeitos da pesquisa querem compreender para
transformar; e, (iii) aos atores do contexto como sujeitos da pesquisa — construtores da
realidade, que são afetados com a pesquisa e a aplicação e implicações de seus resultados. Essa
metodologia interativa inclui, mas transcende, as disciplinas científicas disponíveis, para
incorporar o conhecimento tácito dos atores locais, que complementa o esforço de pesquisa, para
aumentar o grau de validade de seus resultados e a relevância de seus impactos.

Em síntese, o modo clássico emerge como imprescindível para atuar na “dimensão dura” dos
fenômenos físicos, químicos e biológicos, que independem da história ou do contexto, onde sua
contribuição não exige interpretações associadas à percepção ou à intervenção humana. O modo
contexto-cêntrico emerge como indispensável para penetrar o mundo dos fenômenos, produtivos
ou não, que envolvem gente, onde a interação do pesquisador com os atores do contexto da
pesquisa-ação é obrigatória para a participação destes na interpretação e transformação de sua
realidade. Enquanto a metodologia positivista é comprometida com o propósito de conhecer para
controlar, a metodologia construtivista é comprometida com o propósito de compreender para
transformar. Por isso, no positivismo a interação é desnecessária, enquanto no construtivismo a
interação é a chave de todo o processo de geração e apropriação de conhecimento.

15
Axiologias: neutralidade e comprometimento

Em sua dimensão axiológica , o modo clássico assume a neutralidade da prática científica. Sob
esta premissa, o método científico (positivista) é suficiente para impedir a penetração de valores
e interesses humanos, do pesquisador e dos atores do contexto; nada nem ninguém consegue
romper sua barreira de imunidade ideológica. Não existe necessidade de negociação de valores
éticos e estéticos na intervenção para a geração de conhecimento. Só o “uso” dos resultados
científicos pode ser manipulado de forma ideológica, mas não a “prática” científica, que está
metodologicamente protegida desta manipulação.

Diferente do neutralismo do modo clássico, o modo contexto-cêntrico assume o ativismo diante


da necessidade de interação para criar consenso sobre: (i) a realidade que se quer compreender
e transformar; (ii) o conhecimento usado para interpretar e intervir; e, (iii) os valores, interesses
e compromissos que devem prevalecer em todo o processo de intervenção. Este compromisso se
deve à percepção que um paradigma científico gera impactos e implicações que vão além de sua
dimensão científica, incluindo aspectos sociais, econômicos, culturais, políticos, institucionais,
éticos, etc. Até a seleção de uma teoria é um ato político, porque toda teoria reflete uma visão
de mundo que condiciona os modos de interpretação e intervenção que dela emanam.

Resumindo, o modo clássico emerge como mais adequado para intervenções em fenômenos e
processos físicos, químicos e biológicos onde os humanos não participam, enquanto o modo
contexto-cêntrico emerge como crítico em todos os fenômenos e processos onde os valores e
interesses humanos estão necessariamente presentes, porque são intrínsecos à sua dinâmica. O
modo contexto-cêntrico de geração e apropriação de conhecimento assume um novo contrato
social para a ciência , tentando ser uma ciência comprometida com as dimensões humana, social
e ecológica que subordinam o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico — como
objetivos-meios — a uma hierarquia (previamente negociada) de valores e objetivos-fins.

Conhecimentos: indiferença e sensibilidade

Da perspectiva da sociedade, o modo clássico se caracteriza por sua indiferença à deterioração


das condições humanas e sociais e à erosão da biodiversidade e da diversidade cultural, que são
críticas para a existência da humanidade e a sustentabilidade do Planeta. Esta ciência para a
sociedade prometeu ser generosa em sua contribuição, mas exigiu uma “autonomia” que a situou
longe dos seres humanos comuns, da sociedade e da natureza. Sob a visão mecânica de mundo
que a forjou, esta ciência indiferente às dimensões humana, social e ecológica se transformou

16
numa ciência sem consciência que anunciou uma relação com a sociedade intermediada pela
tecnologia, promovida como a aplicação prática do conhecimento científico. Esta separação entre
ciência e tecnologia como práticas independentes consolidou o mito da neutralidade científica,
sob o qual os cientistas não eram condenados pelos impactos negativos da tecnologia moderna,
mas reivindicavam o crédito pelos sucessos tecnológicos derivados da ciência moderna.

Diferente do modo clássico, o modo contexto-cêntrico emerge impregnado da sensibilidade ética,


teórica e metodológica dos que aspiram construir uma ciência da sociedade . Esta ciência com
consciência , comprometida com as dimensões humana, social e ecológica, percebe a si mesma
como uma atividade humana que muda no processo de transformar a realidade. Esta ciência
sensível ao lado humano, social e ecológico da existência, forja o modo contexto-cêntrico de
geração e apropriação de conhecimento, que imprime um novo contrato social com a sociedade
nas características de sua prática. Como conseqüência, o conhecimento gerado assume vários
atributos14: conhecimento contextual, complexo, transdisciplinar, social, ético e democrático.

• Conhecimento contextual. Para o modo clássico, o contexto é uma inconveniência, por


incluir mais variáveis do que o cientista necessita para trabalhar de forma controlada,
razão pela qual foram inventados o laboratório e a estação experimental, para permitir o
controle das variáveis selecionadas pelo pesquisador ou pelos que financiam diretamente
ou influenciam indiretamente as prioridades de pesquisa. Ao contrário, o modo contexto-
cêntrico emergente assume o contexto como sua referência insubstituível. Só o contexto
pode ajudar ao pesquisador compreender melhor por que um problema existe e por que
o mesmo ocorre na forma como se manifesta. O contexto também oferece sinais únicos
para distinguir, entre muitas opções para interpretar e gerenciar um certo problema, qual
é a mais pertinente em cada caso particular onde o problema ocorre. Os problemas para
a tecnociência 15 não existem isolados do contexto que os gera. Só o conhecimento das
relações, conexões e interações complexas que geram um problema pode revelar sua
natureza, dinâmica, limites e possibilidades. Em fim, contextualizar é compreender que a
exterioridade do “objeto” passou a ser interna. Nenhum “objeto” existe sem o contexto
que o constitui e é por ele constituído; assim como os “fatos” não têm significado fora da
trama das relações contextuais que os geram e lhes dão significado. O contexto não é
um anexo do “objeto” senão parte constitutiva do mesmo. O contexto amplia horizontes,
desenvolve mentes curiosas e estimula a imaginação criativa. O contexto é a chave.

• Conhecimento complexo. No contexto não existem problemas simples. Os problemas do


contexto são sempre desafios complexos que exigem um conhecimento necessariamente
complexo para sua interpretação e manejo. O modo clássico trabalha só com problemas
simples de pesquisa , enquanto o modo contexto-cêntrico inicia identificando problemas
complexos para a tecnociência, que são relevantes para a sociedade. Um problema
complexo para a tecnociência pode revelar muitos problemas simples de pesquisa, mas
um problema simples de pesquisa raramente revela um problema complexo para a

14
Ver Morin (1984), Kloppenburg (1991), Bentz e Shapiro (1998), Baldwin (2000), Bawden (2000), Gibbons (2000),
Watson (2000), Woolgar (2000), Nowotne (2001), Capra (2002), González (2002), Walsh et al. (2002), Röling (2003).
15
Latour (1987) chama de tecnociência ao resultado da fusão da ciência moderna com a ciência moderna, o que será
melhor explicado na próxima parte deste capítulo.

17
tecnociência, nem consegue refletir a complexidade da situação contextual que o gerou.
Ao trabalhar com problemas simples de pesquisa, o modo clássico contribui através de
esforços disciplinares; aí reside a fortaleza conferida por suas características particulares.
O modo contexto-cêntrico se interessa primeiro pela trama de relações que gera o
problema complexo para a tecnociência, substituindo a mono-causalidade, a linearidade
e o mecanicismo do modo clássico pela complexidade, diversidade, multi-causalidade e
não-linearidade que são próprias dos problemas do contexto para a tecnociência. Busca
as razões humanas envolvidas nos problemas antropogênicos, ao invés de restringir-se a
buscar as relações de causa-efeito neste tipo de problema. Abraçar a complexidade dos
problemas contextuais para a tecnociência é aceitar a incapacidade de evitar a incerteza
de sua dinâmica, construída por processos de ordem e desordem, de caos e harmonia,
desafiando o sistema lógico do racionalismo da ciência moderna, que é insuficiente para
lidar com a diversidade e as diferenças dentro do complexo. A complexidade é a chave.

• Conhecimento transdisciplinar. A complexidade do contexto exige compreensão profunda


e sistêmica dos problemas para a tecnociência. É impossível gerar esta compreensão a
partir do esforço disciplinar característico do modo clássico. O modo contexto-cêntrico
inclui, mas transcende a comunicação entre as disciplinas disponíveis para reconhecer e
incorporar o conhecimento tácito dos atores do contexto. Eles conhecem as interações
íntimas do seu contexto que todas as disciplinas juntas terão dificuldade de perceber e
de compreender suas funções locais e seus múltiplos significados em contextos culturais
diferentes. Só o diálogo de “saberes” permite a interpenetração de “conhecimentos”,
“experiências” e “aprendizagens”. Sem isso não se constrói uma interpretação negociada
da complexidade do desafio que se quer compreender para superar. O transdisciplinar
une o diverso e o diferente sem despersonalizar nada, sem destruir a particularidade
nem o singular, porque unir não é homogeneizar senão apenas relacionar. Um esforço
transdisciplinar é realizado em espaços de fronteira . A fronteira é o que conecta e inter-
relaciona. Uma fronteira é atravessada por relações, de tal forma que o que emana do
centro é contextualizado pelas bordas. A transdisciplinaridade trabalha com interfaces, na
fronteira, para fazer visível àquilo que é invisível da perspectiva de qualquer dos dois
lados; compreende pontos de intercessão que juntam o fragmentado e o disperso,
através de relações que realçam o diverso e o diferente, sem descaracterizar o que dá
identidade e significado a cada um. Na transdisciplinaridade, as relações são uma forma
de comunicação de fronteira, que não separa senão une. O diálogo é a chave .

• Conhecimento social. O contexto onde ocorrem os problemas para a tecnociência não é


um vazio social, porque existe em constante construção, fragmentação e reconstrução
por parte das ações dos muitos atores sociais e organizações humanas que o integram.
Para o modo clássico, a participação destes atores sociais e suas organizações constitui
uma inconveniência, porque se transforma numa perturbação do processo neutro e
imparcial de pesquisa, que deve ser manejado apenas pelos que foram treinados para
esta prática, porque pode ser distorcido pela percepção imperfeita dos leigos que não o
compreendem. Esta tecnociência que proíbe a interação estabeleceu uma seqüência
fragmentada de ações, onde só os cientistas geram, depois outros transferem e
finalmente muitos adotam, fragmentando o processo de inovação e eliminando os
espaços de interação. O modo contexto-cêntrico substitui o reducionismo, mecanicismo e
linearidade do modo clássico pela apropriação social do conhecimento. Isso ocorre
durante o processo de geração do conhecimento, onde a participação de atores
interessados em sua contribuição supera a já questionada equação reducionista,
mecanicista e linear da pesquisa-transferência-adoção. Sob o conceito de inovação,
cientistas e outros atores integram estes momentos que hoje constituem “territórios”
compartimentalizados pela visão mecânica de mundo que geralmente permeia as
organizações de pesquisa (geração), extensão (transferência) e desenvolvimento

18
(adoção). O modo emergente assume que o desenvolvimento é um espaço onde se
encontram, de formas convergentes, divergentes e contraditórias, mas indissociável,
sociedade-cultura-natureza. O modo emergente assume que conhecimento deve ser
gerado no contexto de sua aplicação e implicações, com a participação dos atores do
contexto interessados em sua contribuição. A interação é a chave.

• Conhecimento ético. Auto-suficiente, o modo clássico não faz autocrítica porque se crê
neutro e, portanto, isento de pecados. Nesta tecnociência para a sociedade , a
comunidade científica assume o direito de decidir o que deve ser feito, só porque sabe
como fazer, sem a avaliação crítica da sociedade que será afetada por suas contribuições.
O modo contexto-cêntrico se auto-analisa e exige de seus atores o esforço de “colocar-se
nos sapatos dos outros” para entender melhor suas razões, temores e aspirações. Nesta
tecnociência da sociedade , a premissa essencial é que o conhecimento é comprometido
com o contexto de sua aplicação (dimensão prática) e implicações (dimensão ética). Isso
significa que sob o modo emergente, os cientistas são proativos, tomando a iniciativa de
convidar os atores do contexto para participar do planejamento, acompanhamento e
avaliação — da gestão — da prática científica. Nesta tecnociência com consciência ,
participar significa poder para influenciar a natureza, rumo e prioridades da tecnociência,
para que os atores do contexto influenciem o processo de geração de conhecimento,
desde a seleção dos problemas para a tecnociência. Os inocentes úteis serão condenados
pela sociedade, por sua ingenuidade irresponsável, quando se submetem a interesses
indiferentes à exclusão social, ou à ambição egoísta e à arrogância dos mais fortes. Uma
ciência descomprometida é uma ciência sem consciência. O compromisso é a chave.

• Conhecimento democrático. No modo clássico, a avaliação técnico-científica dos “pares”


(peer review) é considerada suficiente para definir a qualidade dos resultados da prática
científica, sem incluir critérios para avaliar os impactos destes resultados no contexto de
sua aplicação e implicações. No modo contexto-cêntrico emergente, os critérios técnico-
científicos continuam relevantes e imprescindíveis, mas insuficientes para definir a validez
dos impactos do conhecimento gerado e aplicado. Se para cada modo de intervenção
corresponde um modelo de avaliação, a emergência do modo contexto-cêntrico exige a
construção de modelos sui generis de avaliação que reconheçam suas características e
valorizem suas contribuições diferentes. Como conseqüência, outros atores do contexto
serão incluídos como avaliadores do esforço científico, e outros tipos de critérios —
ecológicos, sociais, econômicos, políticos, institucionais, culturais, éticos, etc., — serão
incorporados à matriz de critérios da prática científica. Ao contrário da indiferença do
modo clássico, causada pela sua falsa neutralidade, o modo emergente é comprometido
com a dimensão social da existência. Com isso, o conhecimento passa a ser um
patrimônio cultural da sociedade, um bem público comprometido com um futuro melhor
para a maioria (e não de uma minoria) da sociedade. A sociedade é a chave.

Em conclusão, o fenômeno histórico de uma mudança de época, que está em marcha desde o
início da segunda metade do século XX, está criando rupturas de diferentes ordens, inclusive de
natureza epistemológica. Insatisfeita com as conseqüências negativas de um desenvolvimento
praticado sob a influência de uma ciência para a sociedade, a sociedade civil decretou o fim do
monopólio do modo clássico de geração de conhecimento e apoiou o desenvolvimento de novas
opções paradigmáticas mais além da opção positivista. Entre as opções emergentes, o paradigma
construtivista está ganhando muita legitimidade, principalmente em sua versão mais crítica, que
avança como uma ciência da sociedade comprometida com o critério do bem-estar inclusivo, sob

19
o qual se decide sempre pela opção que beneficia o maior número de indivíduos, grupos sociais,
sociedades e formas de vida, e para o qual a inovação emerge de processos de interação social.

As Relações Cambiantes Ciência-Tecnologia-Sociedade


O eclipse da ciência para a sociedade e o alvorecer da ciência da sociedade

Sob o impacto da atual mudança de época, todos estamos vulneráveis: do cidadão ao Planeta. O
que varia é o grau de vulnerabilidade e a forma e a intensidade como esta se manifesta em
diferentes contextos. Não existe surpresa no fato de que tudo esteja mudando qualitativamente,
inclusive as relações ciência-tecnologia-sociedade (C-T-S) 16 . As relações C-T-S associadas à
ciência para a sociedade da época do industrialismo estão perdendo (total ou parcialmente) seu
brilho sob a influência de múltiplos eclipses, enquanto novas relaciones C-T-S associadas à
ciência da sociedade ganham brilho próprio à medida que sua coerência se legitima em
correspondência com a relevância das dimensões humana, social e ecológica da existência.

Tecnociência: o eclipse da dicotomia ciência e tecnologia

Historicamente, a tecnologia surgiu muito antes da ciência, quando nossos ancestrais criaram os
primeiros instrumentos e ferramentas — de pau e, depois, de pedra e ferro — para pescar, caçar,
defender-se, cultivar plantas alimentares, enfim, transformar sua realidade material. Muito mais
tarde os Gregos inventaram a Teoria, e a ciência nasceu e criou uma trajetória paralela à
trajetória da tecnologia, permitindo que inventos tecnológicos ocorressem sem sua contribuição
teórica. Mas, a partir principalmente da Revolução Industrial, as trajetórias paradigmáticas de
ambas deram sinais de convergência para logo depois se fundirem de forma irreversível.

Já não se consegue distinguir quando termina a ciência e quando começa a tecnologia. A partir
da segunda metade do século XX, a ciência moderna já não avança sem a contribuição
instrumental da tecnologia moderna, e a tecnologia moderna já não avança sem a contribuição
teórica da ciência moderna. A interpenetração de ambas já não permite dissociar uma da outra.
Ao resultado desta fusão entre a ciência moderna e tecnologia moderna, Bruno Latour chama
tecnociência. Eclipsou a dicotomia “ciência-tecnologia”.

Antes, a tecnologia era percebida como a simples aplicação do conhecimento científico. Agora, a
emergência da tecnociência não admite esta separação, porque ambas se influenciam, mudando
a dinâmica do processo que integra concepção-desenvolvimento-aplicação. A separação entre

16
Busch (2002), De Souza Silva (2002a).

20
pesquisa básica ou fundamental e a pesquisa aplicada ou estratégica já não se justifica, mudando
profundamente as relações da tecnociência dentro da sociedade da qual é parte integral. O
antigo processo linear — da ciência para a tecnologia, e da tecnologia para a sociedade — está
sendo substituído por complexos processos de interação social, sem divisões claras entre os
diferentes momentos de construção, fragmentação e reconstrução de suas múltiplas atividades.
Sem a tecnologia como intermediária entre a ciência e a sociedade, a tecnociência emerge como
parte integral do desenvolvimento; não como um fator exógeno senão como um fator intrínseco
ao próprio desenvolvimento, influenciando e sendo influenciado no processo de interação para a
construção de um determinado tipo de desenvolvimento, no qual a tecnociência não é neutra.

Embora a sociedade civil pode beneficiar-se muito desta fusão da ciência moderna com a ciência
moderna, influenciando-a com sua participação crítica, é o setor privado quem está levando a
maior vantagem no momento. Através das chamadas alianças estratégicas entre o setor público
e o privado, o que está sendo institucionalizado é uma estratégia elegante para a penetração
firme de interesses privados na esfera pública, como ficou claro no melhor exemplo do gênero no
caso da aliança entre a corporação transnacional Monsanto e o Serviço Federal de Pesquisa
Agropecuário (ARS, Agricultural Research Service), nos Estados Unidos. Numa aliança estratégica
entre ambos, a Monsanto levou o ARS a desenvolver uma tecnologia genética, conhecida entre
os críticos como “gene exterminador” (ETC Group 2003), que elimina a capacidade reprodutiva
dos grãos, para obrigar os agricultores a comprar as sementes da Monsanto todos os anos, sem
melhorar a agricultura nem a existência dos agricultores. Apenas assegura o lucro e uma maior
riqueza para a Monsanto. Tudo isso a partir da socialização da infra-estrutura pública construída
com recursos financeiros públicos, e dos talentos profissionais do ARS formados com dinheiro da
sociedade, e da apropriação privada dos benefícios econômicos pela Monsanto.

A pressão para a interação: o eclipse da ciência não-interativa

Ao eliminar a intermediação da tecnologia entre a ciência e a sociedade, a tecnociência não logra


desenvolver-se de forma relevante na ausência de espaços e processos de interação com atores
do contexto cambiante, que é o domínio de sua existência e o espaço onde contribui com suas
aplicações e implicações. Quando eram desenvolvidas de forma isolada uma da outra, a ciência
era influenciada principalmente pela tradição filosófica do Positivismo.

Sob uma visão mecânica de mundo, a ciência moderna — positivista — exige a separação entre o
pesquisador e o chamado objeto da pesquisa, para evitar a contaminação dos resultados por
valores e interesses humanos, e entre o objeto da pesquisa e o contexto de sua existência, para

21
permitir o máximo de controle sobre as variáveis selecionadas para observação. Em síntese, para
o modo clássico, a interação era desnecessária, indesejada e até proibida. A partir da crítica ao
desenvolvimento da época do industrialismo, cujas conseqüências negativas são questionadas
desde os anos 60, cresce o número de grupos de atores sociais que pressionam aos cientistas
para que estes atuem em interação deliberada com os demais sujeitos da pesquisa, e com o
contexto da pesquisa, para superar os limites e evitar os problemas da pesquisa não-participativa
e descontextualizada. Para o modo contexto-cêntrico de geração e apropriação de conhecimento,
a interação é necessária, desejada e obrigatória. A interação é a chave.

Mas, outra vez, é o setor privado quem está se beneficiando mais da dimensão interativa do
modo contexto-cêntrico emergente. A estratégica que facilita está vantagem tem duas dimensões.
Na primeira, os governos reduzem os orçamentos das universidades e de outras organizações
públicas, de tal forma que estas são pressionadas para interagir com os atores que têm dinheiro,
que são obviamente do setor privado. Na segunda, os atores privados incorporam a relevância da
interação nos seus discursos, que são reproduzidos por gerentes e cientistas ávidos por recursos
financeiros. As chamadas alianças estratégicas representam o espaço onde as duas dimensões
dessa estratégica se encontram. A debilidade destas alianças reside na ausência da sociedade.
Estão juntos o Estado e o mercado, o setor público e o privado, mas a sociedade civil não está
presente, o que deixa o setor público em desvantagem, pois o declínio de seu orçamento é parte
da estratégia para fazê-lo dócil por sua dependência. Esta relação desigual deve romper-se, com
a presença da sociedade civil, que deve exigir a institucionalização de critérios que preservem os
interesses públicos. Por exemplo, se o princípio do bem-estar inclusivo — que opta pela proposta
que beneficia o maior número de indivíduos, grupos sociais, comunidades, sociedades e formas
de vida — fosse vigente, a aliança entre o ARS e a Monsanto para criar o “gene exterminador”
(ETC Group 2003) [ver o eclipse da dicotomia ciência e tecnologia] jamais teria acontecido.

A pressão ética: o eclipse da neutralidade científica

Já não existe unanimidade sobre a “neutralidade científica”, que hoje é percebida como um mito
por um número crescente de grupos de atores sociais dentro da maioria das sociedades. Estes
grupos descobriram que a ciência há sido, historicamente, fator tanto de desenvolvimento como
de desigualdade e vulnerabilidade. Depois de experiências como o Holocausto e Hiroshima, o
discurso positivista da neutralidade da prática científica já não convence a muitas sociedades, as
quais começam a perceber a prática científica como uma construção social, como uma atividade
humana que constrói mudanças para todas as esferas da existência, ao mesmo tempo que está
sujeita à penetração de valores, interesses e compromissos humanos.

22
Muitos dos movimentos sociais e culturais em marcha questionam a neutralidade da ciência ao
questionar as conseqüências negativas do desenvolvimento praticado com a contribuição direta
da ciência moderna. A contribuição da ciência ao extermínio racial dos judeus no Holocausto, à
fabricação da bomba atômica com fim de dominação pela potência hegemônica emergente, e aos
desastres ambientais, sociais e econômicos gerados pela Revolução Verde na agricultura, são
apenas alguns exemplos que fazem diferentes grupos sociais suspeitar da suposta neutralidade
da ciência. A ciência para a sociedade nos ajudou a ser tecnologicamente mais inteligentes, mas
não a ser eticamente mais sábios como espécie. A concepção de mundo da sociedade industrial
nos transformou na única espécie que destrói as condições para sua própria existência. A ciência
moderna nos mudou numa direção que nos faz parecer uma espécie alienígena neste Planeta.

Tecnologicamente, aprendemos a voar como os pássaros no céu, mas utilizamos esta tecnologia
para matar das alturas (aviões fabricados para a indústria da guerra). Aprendemos a nadar como
os peixes do fundo dos oceanos, mas aplicamos esta tecnologia para matar das profundezas dos
mares (submarinos construídos para a indústria da guerra). Aprendemos a curar doenças a partir
de princípios bioquímicos, mas utilizamos esta tecnologia para matar a partir do interior dos
organismos (armas químicas e biológicas fabricadas para a indústria da guerra). Aprendemos a
construir casas submarinas e estações espaciais, mas não somos capazes de abrigar aos milhões
de meninos e meninas das ruas do mundo. Aprendemos coisas complexas, como alunissar e, em
breve, visitar outros planetas, mas não aprendemos o mais simples para a nossa existência em
sociedade neste Planeta: não aprendemos a ser humanos. Os governos que dispõem da
tecnologia para destruir a humanidade e o Planeta — os senhores da guerra — são os mesmos
que se autoproclamam missionários da paz e da democracia no mundo, são os que privilegiam o
desenvolvimento tecnológico em detrimento do desenvolvimento humano. Esta indiferença, para
com as dimensões humana, social e ecológica da existência, exige o eclipse da moralidade, para
que seus seguidores e promotores — incluindo cientistas — possam atuar sem escrúpulos.

São realidades como estas que desmascaram o mito da neutralidade científica. Destas realidades
emerge a consciência de que os cientistas não devem decidir o que deve ser feito apenas porque
sabem como fazê-lo; nem os doadores apenas porque financiam a pesquisa. A natureza, rumo e
prioridades da ciência não devem ser definidas longe do escrutínio público e da participação
cidadã. A sociedade civil organizada não necessita entender de metodologia científica para opinar
sobre a relevância do que deve ser pesquisado e com que finalidade. A sociedade civil organizada
está cada vez mais exigindo um alto conteúdo ético na prática científica.

23
A diversidade cognitiva: o eclipse do monopólio do conhecimento científico

Em seu afã de desqualificar ou eclipsar outras formas de conhecimento, o Positivismo conseguiu


estabelecer o monopólio do conhecimento científico com a premissa de que o método positivista
de praticar ciência é a única forma apropriada de gerar conhecimento válido. Conseguiu, por
exemplo, eliminar a influência: (i) da superstição, acusada de ser vinculada a crenças populares;
(ii) das religiões, por transitar em dimensões não objetivas da existência; (iii) do conhecimento
tácito dos atores locais, por ser um conhecimento não universal gerado de forma empírica e não
sistemática; e, (iv) dos filósofos antigos, por não usarem o método moderno da ciência positivista
para orientar suas reflexões. Em fim, o conhecimento de qualquer ator alheio à prática científica
sob os ditames da tradição filosófica do Positivismo, não existia como conhecimento válido, não
era verdadeiro ou não era relevante.

Neste contexto monopolista, a ciência transformou-se numa força transformadora da realidade


das sociedades e do Planeta longe do escrutínio da sociedade, sob a desculpa de que os leigos
da sociedade não estavam preparados para compreender a sofisticação do método e do mundo
dos cientistas, os únicos treinados para “produzir” conhecimento válido e para avaliar a validade
e relevância de sua própria obra. Junto com a suposta neutralidade científica, a exclusividade do
conhecimento científico oferecia à ciência uma licença para reinar de maneira absoluta. Todavia,
o conhecimento científico não conseguiu demonstrar sua suficiência para esclarecer ou resolver
todos os problemas e desafios do desenvolvimento em particular e muito menos da existência
humana em geral. Crescem diariamente as necessidades materiais e as intangíveis que a ciência
moderna não pode satisfazer.

O questionamento da ciência moderna, por causa de sua associação com os impactos negativos
do desenvolvimento praticado sob sua influência, gerou uma (re)valorização dos “conhecimentos”
ignorados ou desqualificados pela ciência positivista. Por exemplo, a homeopatia, a acumputura,
a sabedoria dos curandeiros, o conhecimento milenar dos povos indígenas e das comunidades
rurais sobre as plantas medicinais estão ganhando uma importância renovada. Pela mesma razão,
os paradigmas científicos emergentes estão sob pressão para incorporar o conhecimento tácito,
inspiracional e intuitivo dos atores locais como forma de aumentar a relevância dos impactos de
suas contribuições, por aumentar o grau de correspondência entre a pesquisa e o contexto da
aplicação e implicações de seus resultados.

Não são apenas os cientistas que aprendem. Em A Árvore do Conhecimento, Humberto Maturana
e Francisco Varela explicam que, a atividade cognitiva é a única característica comum aos seres

24
vivos, que aprendem em interação com seu contexto, porque esta é a única forma de viver no
domínio de sua existência. Assim, viver é aprender e aprender é mudar. O ser humano é um
pesquisador nato, apesar de não ser um cientista, porque observa, interpreta e atua a partir de
sua compreensão, apenas não aplica métodos científicos. Isso não diminui a relevância do
conhecimento científico, mas exige intercâmbio de “conhecimentos” e diálogo de “saberes”.

A mudança como regra: o eclipse da ciência da (e para a) certeza

A ciência moderna criou a (falsa) impressão de que a realidade é relativamente estável, pode ser
conhecida com precisão em sua totalidade e, portanto, seu funcionamento pode ser previsto e
controlado com um alto grau de certeza. O maior grau de controle sobre a natureza representou
um maior grau de certeza sobre as possibilidades da humanidade. A estabilidade era a regra, a
mudança era a exceção. A certeza baseada na estabilidade do contexto foi a premissa essencial
do planejamento, da gestão, da pesquisa e de outras práticas sociais. A maioria dos gerentes se
dedicou à gerência da eficiência , já que eles não precisavam preocupar-se com a história nem
com o contexto. Isso aconteceu até que a invenção da estatística revelou que a certeza era um
mito; a ciência positivista só podia falar de probabilidade e, em muitos casos, de possibilidade.

O surgimento da estatística representou a confissão da ciência de sua impossibilidade de oferecer


certeza. Com a atual mudança de época, aumenta o número dos que assumem a mudança como
a regra e a incerteza como a premissa para o planejamento da gerência na turbulência . Por isso,
Ilea Prigogine anuncia o fim da certeza, por sua convicção de que os sistemas vivos são sistemas
dinâmicos e, portanto, o comportamento não-linear é sua característica mais óbvia. Sob esta
compreensão, os cientistas devem pesquisar para ajudar a sociedade reduzir suas incertezas,
mas nunca para oferecer certezas que não existem.

Se a ciência para a sociedade se legitimou prometendo certezas que não conheciam dúvidas, a
ciência da sociedade se legitimará com a modesta promessa de ajudar a sociedade compreender
suas fontes de incerteza, instabilidade, vulnerabilidade, dúvida, erosão e extinção, sem poder
nunca eliminá-las, porque a dinâmica da própria realidade não lhe permite. Não existe uma
senão muitas certezas, todas elas dependentes da percepção e do grau de compromisso dos que
as constroem e sustentam. Por exemplo, os que percebem que a vulnerabilidade da humanidade
e do Planeta emerge de problemas de natureza antropogênica — construídos por humanos —,
assumem que a sustentabilidade da humanidade e do Planeta só pode emergir da interação
humana, através da aprendizagem social, que exige um esforço de facilitação para a interação de
múltiplos atores que, tendo conflito de interesses em torno a um determinado problema, devem

25
realizar uma ação concertada, sob regras previamente negociadas e através de um esforço de
aprendizagem por descobrimento. Os humanos podem aprender a superar sua falta de sabedoria.

Poder assimétrico: o eclipse da ciência benéfica para todos

Junto com a idéia de progresso, promoveu-se também a idéia de que tudo que é desenvolvido
pela ciência é necessariamente bom para todos na sociedade. Associada ao mito da neutralidade
científica, esta idéia ganhou força a ponto de deixar cega a sociedade quanto à associação entre
saber e poder e, portanto, entre ciência e poder. Mas agora a sociedade entende melhor que, por
sua dependência de financiamento, e por ser uma atividade humana desenvolvida por humanos
de carne e osso, a ciência é vulnerável à influência dos que a financiam ou ao poder dos atores
que são representados pelos que financiam o desenvolvimento da tecnociência e/ou dos que têm
o poder de definir e ou influenciar a natureza, rumo e prioridades de suas práticas.

Michel Foucault foi quem melhor estudou a relação incestuosa entre saber científico e poder,
revelando porque as sociedades modernas são fraturadas pelo exercício de um “poder invisível”
que nos classifica, categoriza e divide: bons e maus, civilizados e bárbaros, modernos e
tradicionais, desenvolvidos e subdesenvolvidos, normais e anormais, sãos e doentes, cidadãos e
delinqüentes, ocidentais e orientais, especialistas e leigos, capitalistas e socialistas, comandantes
e comandados, inteligentes e ignorantes, profissionais e amadores, democratas e “terroristas”,
etc., geralmente numa divisão artificial que sugere uma separação clara e precisa entre
superiores e inferiores, onde todos são classificados sob etiquetas, que são definidas por
“expertos” que estão legitimados como conhecedores da “verdade” sobre o certo e o errado.

Esta assimetria criada pelos mais fortes para a dominação dos mais débeis exige a legitimação do
sistema desigual de poder e das práticas de controle do comportamento da maioria dominada.
Esta exigência é incorporada pelos discursos hegemônicos que justificam a racionalidade da
forma desigual de organização social, econômica e política que geram as regras do jogo, práticas
sociais e configurações sociais — institucionalidade — que tentam ocultar a presença do poder,
ao mesmo tempo em que asseguram seus efeitos.

O discurso da neutralidade científica muitas vezes legitimou discursos hegemônicos, ajudando o


poder a ocultar-se, inclusive a negar-se como poder, e a apresentar-se como exigência “natural”
ou razão social, escondendo-se nos próprios mecanismos que o (re)reproduzem. As práticas
discursivas estão impregnadas e diluídas nos processos técnicos, políticas públicas, enfoques de
difusão e transferência, normas administrativas, prioridades técnicas, estratégias de pesquisa,

26
teorias sobre a sociedade, modelos de desenvolvimento, configurações institucionais, princípios
pedagógicos, padrões para o comportamento geral, etc., que as impõem e as mantêm.

Foucault nos revela que o poder gera conhecimento, que o conhecimento gera poder, que não
existe relação de poder sem a correspondente constituição de um campo de conhecimento, nem
existe conhecimento especializado que não pressuponha e constitua simultaneamente relações
de poder. Como nos revela Bruno Latour, a ciência moderna se transformou, também, em
política por outros meios. Por isso, assim como a palavra do político é sempre uma palavra sob
suspeita, a palavra do cientista já não é aceita a priori apenas porque é avalizada pela ciência.

Ao início da Revolução Industrial, J. J. Rousseau já reconhecia a lógica da dominação dos mais


débeis pelos mais fortes em seu Contrato Social, quando revelou que o mais forte não o será
jamais bastante para ser sempre amo ou senhor se não transforma sua força em direito e a
obediência em dever. Em outras palavras, o mais forte não está satisfeito em ser o mais forte
numa relação desigual como o mais débil, e tenta institucionalizar essa assimetria a seu favor no
longo prazo. Cresce o número de grupos sociais que não aceitam que os cientistas se comportem
como inocentes úteis, contribuindo com sua pesquisa para a exclusão dos mais débeis.

No século XXI, quando se acentuarão os conflitos dentro e entre sociedades, pela sobrevivência
frente à escassez dos recursos materiais — entre estes, a água será o mais crítico — para a
existência humana e de outras formas de vida no Planeta, antigas e novas relações assimétricas
de poder se acentuarão. Mas estas serão mais sutis na sua forma de apresenta-se para camuflar-
se melhor, sem deixar de ser mais efetivas em seus efeitos. Infelizmente, em busca de fama e
dinheiro, muitos cientistas não terão escrúpulos em colocar sua capacidade a serviço dos mais
fortes, por convicção ou por conveniência, nos vários campos do conhecimento. Mas a sociedade
já não os perdoará como antes. Inclusive, a ciência perderá muito de sua legitimidade por causa
desse tipo de cientista que faz uma opção pela subserviência ao mais forte, ainda quando isso
signifique um aumento da vulnerabilidade humana, social e ecológica.

A sociedade do risco: o eclipse da ciência apenas para o avanço da ciência

Em seu discurso de neutralidade, a ciência moderna anuncia que sua principal contribuição é
realizada para o avanço desinteressado do próprio conhecimento científico, porque a sede de
conhecimento é intrínseca à espécie humana. Depois dos inúmeros desastres humanos, sociais e
ecológicos construídos com a participação direta da ciência positivista, cada vez mais a sociedade
deixa de tolerar este aura sagrada da ciência, porque isso desviou a atenção da sociedade sobre

27
sua proximidade excessiva com os mais fortes, e moldou uma ciência indiferente à maioria dos
antigos e novos problemas complexos associados às desigualdades sociais, econômicas, políticas,
militares e institucionais, e às diferentes formas de vulnerabilidade do Planeta.

Em A Sociedade do Risco, Ulrick Beck explica que a sociedade emergente é consciente de que a
ciência tanto resolve quanto cria problemas. Na sociedade do risco revelada por Beck, a ciência
deve submeter-se a um maior controle social sobre a natureza, rumo e prioridades do seu
desenvolvimento, e gerar contribuições para ajudar a sociedade a regular as atividades que
afetam o seu futuro. Por causa da vulnerabilidade crescente, existe ultimamente uma maior
consciência de que o futuro está emergindo repleto de problemas, onde o risco passa a ser a
regra e não a exceção. Na ausência de uma utopia para os excluídos, a ideologia dos mais fortes
já não promete benefícios para a maioria no futuro, apenas promete proteção contra os riscos
futuros, mas anuncia que os custos dessa proteção devem ser compartilhados entre todos.

Já não é o passado que determina o presente senão a percepção dos riscos futuros que serve de
fonte de critérios para orientar políticas, decisões e ações hoje. Portanto, grande parte do esforço
de pesquisa atual está fazendo surgir uma ciência regulatória e prospectiva, para apoiar a
sociedade em suas preocupações futuras e no monitoramento e interpretação da implementação
de políticas e de atividades de caráter estratégico para a sociedade. Essa ciência emergente é
uma ciência da sociedade ; não uma ciência para a ciência, sem compromisso com as realidades e
necessidades atuais, e com as aspirações futuras da maioria da sociedade.

Razão social: o eclipse do monopólio da relação causa-efeito

Os seres humanos têm motivos que a razão mecânica e a razão econômica desconhecem. Como
seres sociais, os humanos interagem para construir a possibilidade da vida social organizada, em
um processo influenciado por valores éticos e estéticos, crenças, tradições, aspirações, interesses
e compromissos que muitas vezes transcendem a racionalização obsessiva imposta pela visão
mecânica de mundo e o egoísmo utilitário imposto pela visão mercadológica de mundo. Nossas
emoções emergem da interação entre nossos valores, crenças, tradições, aspirações, interesses e
compromissos que influenciam nossos modos de ser, sentir, observar, interpretar e intervir.

Os sonhos individuais e coletivos são fontes impressionantes de emoção, paixão e inspiração; sua
energia motivadora alimenta nossa imaginação e aspirações mais além da lógica formal e da
utilidade econômica. A expressão razão social traduz todos os motivos que integram a dinâmica

28
das sociedades. Mas tudo isso é ignorado pela ciência moderna, que prefere nutrir-se apenas da
relação “natural” causa-efeito para explicar todos os tipos de fenômenos, naturais e sociais.

A ciência moderna reivindica a existência de “causas naturais” para os efeitos que necessita
traduzir na forma de “leis naturais”. Para estabelecer sua hegemonia ainda precária, a ciência
moderna emergente fez algumas concessões à Igreja, admitindo, por exemplo, que a natureza
revela a obra de Deus. Tudo está escrito no “livro da natureza” na forma de “leis” a ser
descobertas para permitir previsão e controle sobre a natureza. Assim, os positivistas assumem a
existência de “leis naturais” para o mundo natural, para o mundo social e até para o mercado.

Os movimentos sociais e culturais iniciados nos anos 60 questionaram este determinismo natural,
e reivindicaram motivos humanos, sociais e ecológicos, tanto para explicar a experiência humana
quanto para influenciar o futuro das sociedades e das demais formas de vida no Planeta. Agora,
a sociedade civil exige a consolidação e institucionalização de uma ciência com consciência , que
seja interativa para compreender os motivos humanos, sociais e ecológicos que podem ajudar-
nos a interpretar e superar os problemas antropogênicos que ameaçam nossa própria existência
e de todo o Planeta. Esta tecnociência é uma ciência da sociedade , que reivindica razão social
para suas contribuições à sustentabilidade da espécie humana e de outras formas de vida.

A ascensão do contexto: o eclipse do monopólio da ciência positivista

O consenso (lógico-empiricista) positivista sobre a natureza da ciência e da realidade não é um


pilar para a ciência emergente. A ciência criadora de verdades definitivas e de conhecimento
absoluto, como queriam os filósofos do Círculo de Viena, colapsou. Também não se sustenta a
premissa de que o avanço da ciência ocorre de forma linear, progressiva e acumulativa, onde
cada novo conhecimento representa sempre uma adição ao conhecimento anterior, como se o
processo fora mecânico e linear, à semelhança da construção de um edifício, pedra sobre pedra,
tijolo sobre tijolo, de baixo para cima, sem desviar-se do estabelecido em sua fundação.

A ciência positivista há sido desafiada inclusive dentro da mesa comunidade científica, por atores
como Karl Popper com sua tese da falibilidade das teorias científicas, Thomas Khun com sua
teoria sobre a ascensão e declínio dos paradigmas científicos, Paul Feeerabend com sua
problematização do método, Sandra Hardin e Donna Harawae com seus desafios epistemológicos
de uma perspectiva feminista da ciência, e Bruno Latour com sua demonstração de que os
“fatos” científicos são instrumentalmente construídos, e seus resultados não emergem de forma
“natural” senão de maneira negociada no processo de pesquisa através de práticas discursivas.

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Como conseqüência, já se observa a reação de positivistas, que estão construindo um paradigma
neo- ou pos- positivista. Também ocorre a construção de paradigmas alternativos para orientar
novas formas científicas de geração e apropriação de conhecimento, como o paradigma
construtivista, cuja sensibilidade ética, teórica e metodológica está contribuindo à consolidação
de uma ciência da sociedade . Esta ciência contexto-cêntrica legitima-se rapidamente entre atores
da comunidade científica e principalmente fora dela, no seio da sociedade que a necessita e que
se identifica com uma ciência que lhe pertence e reage às necessidades, realidades e aspirações
da maioria e não apenas de poucos grupos poderosos, elitistas, minoritários e egoístas. O
contexto e os atores que o constroem estão vencendo uma longa luta com a ciência para a
sociedade, que os ignorou ou que foi indiferente às dimensões humana, social e ecológica da
existência. Sua relevância está sendo resgatada pela ciência emergente, uma ciência da
sociedade. A sociedade ganha com isso, porque seu desenvolvimento é contextual.

O desenvolvimento não se submete a fórmulas, receitas ou modelos fechados, porque fórmulas,


receitas e modelos servem apenas para reproduzir, de forma absolutamente idêntica, produtos
iguais que não dependem da história nem do contexto. Este não é o caso do desenvolvimento de
uma comunidade, organização ou sociedade, porque estas incluem gente e, portanto, incorporam
valores, crenças, símbolos, significados, interesses, compromissos, etc., o que muda com a
variação do contexto material, social, político, institucional, histórico, etc. Em outras palavras, o
desenvolvimento é um experimento social permanente, uma espécie de transformação negociada
cujos problemas não são totalmente resolvidos, senão reinterpretados e gerenciados de forma
inovadora ao longo do tempo, através da construção de novos consensos e da superação de
contradições, numa (re)negociação permanente. Os “desenvolvimentos” contextuais emergem
em espaços onde existem de forma indissociável sociedade, cultura e natureza.

Obviamente, as mudanças nas relações CTS sintetizadas aqui são apenas algumas selecionadas
para o curto espaço deste capítulo. Estas mudanças também não indicam que a ciência moderna
já está morta ou será necessariamente extinguida. Por um lado, a ciência positivista está sendo
renovada por seus seguidores mais insistentes e consistentes, para superar algumas de suas
limitações e contradições. A ciência para a sociedade continuará oferecendo as contribuições que
suas características permitem, de forma mais limitada e menos arrogante, para recuperar parte
de sua legitimidade perdida. Por outro lado, a ciência da sociedade, a ciência contexto-cêntrica
emergente, não será suficiente para resolver todos os problemas complexos da sociedade e do
Planeta, senão aumentará e melhorará as possibilidades da sociedade formular de maneira mais

30
apropriada tanto as novas perguntas e respostas quanto os novos problemas e soluções que os
desafios antropogênicos — construídos pelos humanos — representam.

Conclusão
Máquina, Arena ou Ágora?

Indiferença, egoísmo ou solidariedade ? Estas são as principais opções futuras para a tecnociência
da época histórica emergente. Tudo dependerá da consolidação de certas tendências e
contradições atuais (De Souza Silva 2001), cujo compromisso com uma certa visão de mundo
condicionará a hierarquia de valores e objetivos a prevalecer na organização e funcionamento
das sociedades durante e mais além do século XXI.

São três os principais cenários emergentes para o futuro da tecnociência, todos eles dependentes
da coerência entre as concepções de mundo, desenvolvimento, sociedade e organização, como
podemos deduzir a partir das premissas selecionadas para representar cada um dos três cenários
emergentes, correspondentes às três visões de mundo — cibernética, mercadológica e contextual
— em conflito na mudança de época atual. Os cenários não são desenvolvidos aqui; este é um
exercício coletivo a ser realizado por grupos interessados na construção do futuro da humanidade
e do Planeta, para que seus participantes experimentem o impacto de suas descobertas dentro
do processo de construção dos cenários e da compreensão e apropriação de suas conseqüências.

• Cenário-1: A máquina no comando — tecnociência para a eficiência. Aqui, assume-se


o mundo como uma máquina constituída de redes cibernéticas — sistemas de informação
auto-regulados — onde o importante é a informação coletada, produzida, processada,
consumida, comprada, vendida, transferida, etc. Sob uma visão cibernética de mundo,
este cenário assume que o desenvolvimento busca principalmente melhorar a eficiência
produtiva de indivíduos, grupos sociais, comunidades, organizações, sociedades e suas
atividades objetivas. Como tudo que entra na máquina é percebido como “recurso”, o
cenário assume que os seres humanos são apenas recursos humanos — meras peças da
engrenagem — a ser aproveitados na busca frenética por eficiência, previsão, precisão e
controle no uso dos meios e na realização de metas objetivas e racionais. A sociedade é
uma máquina sofisticada, e os excluídos sociais são os ineficientes de sua engrenagem,
que devem estar sob a vigilância severa do Estado, que funciona como Leviatã da ordem
social. A complexidade da sociedade pode ser manejada com a tecnologia da informação,
através de redes cibernéticas que conectam suas partes constituintes, para atender
necessidades e resolver problemas — necessidades e problemas de informação. Sob um
modo de intervenção centrado na oferta, a organização de desenvolvimento é uma
máquina eficiente de “produzir” bens e serviços, porque a organização sustentável é a
organização eficiente. O neo-racionalismo deste cenário condicionará a natureza, rumo e
prioridades do desenvolvimento da tecnociência. A indiferença da ciência moderna da
época histórica do industrialismo se intensificará pela maior abrangência e profundidade
da tecnologia digital, que também transforma meios e formas de comunicação, dentro e
entre sociedades, com impactos variados para os que têm acesso a suas possibilidades e
para os desconectados — excluídos eletrônicos — da era do acesso. Sob a ideologia do

31
Estado, os cientistas desta ciência para a eficiência reivindicarão neutralidade para a
prática científica, porque continuarão percebendo a ciência como “algo” separado da
sociedade e da natureza, cuja autonomia e objetividade devem ser protegidas a todo
custo, porque disso depende sua contribuição positiva à solução de todos os problemas
complexos. Esta racionalidade instrumental não exige a interação entre a tecnociência e
os atores do contexto; seus motivos humanos, sociais e ecológicos são irrelevantes.

• Cenário-2: O mercado no comando — tecnociência para a competitividade . O cenário


assume o mundo como um mercado constituído de arenas comerciais e tecnológicas —
auto-reguladas — onde é relevante a capacidade competitiva dos que se enfrentam
como gladiadores, cujo sucesso depende da eliminação do maior número possível de
inimigos. Este mundo sem sociedades é habitado apenas por provedores, produtores,
processadores, clientes, comerciantes, competidores, investidores, consumidores, etc.
Sob uma visão mercadológica de mundo, assume-se o desenvolvimento como sinônimo
de crescimento econômico e desenvolvimento tecnológico, em cujo processo a existência
é uma luta pela sobrevivência através da competição: sobrevivem os mais competitivos.
Se o que entra no mercado é percebido como “capital”, o cenário assume os seres
humanos como capital humano ou capital intelectual a mobilizar no esforço inovador
para aumentar a competitividade e melhorar a qualidade dos bens e serviços
desenvolvidos a partir de demandas do mercado. A sociedade é vista como “provedor” e
“consumidor”; sua dinâmica é um reflexo do mercado, cujas transações comerciais
prevalecem sobre as relações sociais, onde os excluídos sociais são os não-competitivos
da sociedade, punidos pelas leis “naturais” do mercado, que é o Leviatã da ordem social.
Sob um modo de intervenção centrado na demanda, a organização de desenvolvimento
é um “provedor” competitivo de bens e serviços, porque a organização sustentável é a
organização competitiva . Neste cenário, premissas neo-evolucionistas condicionarão as
características da tecnociência da nova época histórica. O conceito de competitividade
exacerbará o egoísmo de indivíduos, grupos sociais, comunidades, organizações e
sociedades, pressionando-os à competição como estratégia para o sucesso. Será uma
ciência comercial transnacional — sem consciência — centrada apenas na acumulação de
informação, riqueza e poder. Os cientistas não reivindicarão neutralidade para a prática
científica comprometida com os mais fortes, mas justificarão os impactos negativos de
sua prática invocando razão de mercado. Afinal, o mercado é a fonte de todos os sinais
relevantes para a inovação que a sociedade e o Planeta necessitam, e o alvo do
desenvolvimento de todos os bens e serviços, pois é através do mercado que a
sociedade expressa suas necessidades, resolve seus problemas e supera os desafios do
Planeta. Neste enfoque, a interação é estimulada, mas apenas com os clientes dos
“mercados” relevantes, porque uma ciência comercial transnacional — apátrida — existe
para atender a seus clientes, que não necessitam ter uma Pátria, apenas muito dinheiro.
Neste cenário, a tecnociência é reorganizada para servir a uma economia de mercado,
onde as regras do mercado subordinam as leis do Estado e as regras da sociedade, como
já está sendo estabelecido pela institucionalidade corporativa transnacional emergente.

• Cenário-3: A sociedade no comando — tecnociência para a sustentabilidade . O mundo


como uma trama de relações entre diferentes formas de vida emerge neste cenário onde
o relevante é a capacidade de diálogo e de negociação, já que a comunicação dentro e
entre formas de vida requer a construção de consensos e o manejo de conflitos. Neste
cenário, o desenvolvimento é percebido como um experimento social permanente, uma
transformação negociada onde os desenvolvimentos contextuais emergem em espaços
que permitem a construção coerente do encontro entre sociedade, cultura e natureza.
Entre todas as “potencialidades”, naturais, financeiras, etc., os seres humanos emergem
como talentos humanos, pois sua imaginação lhes permite pensar e propor mais além do
conhecimento e das experiências prévias. A sociedade é constituída por uma trama de

32
relações, onde os excluídos sociais emergem de assimetrias de poder no processo
desigual de criação-distribuição-apropriação de informação-riqueza-poder. A ordem social
deve ser uma responsabilidade compartilhada entre a sociedade e os indivíduos, através
de redes de democracia participativa para complementar a democracia representativa. A
organização de desenvolvimento é percebida como um facilitador de mudanças
comprometidas com as dimensões humana, social e ecológica, que subordinam e
orientam as contribuições centradas nos critérios de eficiência, competitividade e
qualidade. Sob os conceitos de equidade, sustentabilidade e bem-estar inclusivo, os fins
— melhores condições, nível e qualidade de vida — são negociados como critérios para
criar uma hierarquia de valores superiores para subordinar os objetivos-meios, como
crescimento econômico e desenvolvimento tecnológico. Os cientistas deste cenário,
reconhecendo a complexidade, interdependência e contradições da realidade e, sob uma
racionalidade comunicativa, assumem que a inovação emerge da interação, e que
conhecimento válido é gerado e apropriado no contexto da aplicação de seus resultados
e das implicações de seus impactos. Conscientes de sua não-neutralidade e de sua
condição de intérpretes-conceitualizadores da realidade, os cientistas “solidários” deste
cenário se preocupam eticamente com os valores e a natureza de sua intervenção,
interagindo com os demais “sujeitos” do contexto da pesquisa para negociar a relevância
da pesquisa, compreender a percepção destes atores sobre a realidade local e os temas
da pesquisa, incluir seu conhecimento tácito do contexto, construir compromisso em
torno às mudanças que podem emergir da pesquisa, etc. Neste contexto, a realidade
inclui, mas transcende o mercado com seus clientes e demandas, para incorporar outras
dimensões e aspectos da existência que não se expressam através de demandas
econômicas nem podem ser traduzidas à linguagem matemática. A tecnociência deste
cenário contribui a uma economia com mercado, onde o mercado é regulado para servir
a sociedade, e não o contrário, como está ocorrendo na institucionalidade dominante da
atual globalização. Outra institucionalidade é possível.

E agora, José? Qual das metáforas em conflito na mudança de época é relevante para construir
uma tecnociência melhor para a humanidade e o Planeta — máquina, arena ou ágora —? Qual
destes espaços é mais apropriado para a sustentabilidade de todas as formas de vida na Terra?
Obviamente, não haverá um futuro onde um destes cenários existirá de forma pura. Todavia, nos
interessa estabelecer um destes cenários como normativo; o que deve prevalecer sobre outros,
que coexistirão de forma complementar e subordinada à hierarquia de valores e objetivos deste,
que deve ser o mais aceitado eticamente pela maioria da sociedade.

A máquina é um espaço sem emoção que opera sob a ditadura da razão, cuja racionalidade
instrumental constrói indiferença, com respeito às dimensões humana, social e ecológica, entre
os que atuam sob os ditames da racionalização. A arena é um espaço que funciona sob a lógica
da acumulação e do critério do lucro, cuja racionalidade econômica cria egoísmo entre os que
atuam sob a prevalência do argumento da poder. A ágora é um espaço para a interação, cuja
racionalidade comunicativa exige diálogo democrático e critérios éticos, para a negociação entre
os que atuam sob a prevalência do poder do argumento.

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Sob um enfoque ético, a ágora é o único espaço onde a sociedade pode participar com o poder
de influenciar a natureza, rumo e prioridades da tecnociência que lhe interessa. Na perspectiva
deste capítulo, uma tecnociência da sociedade deve caminhar na direção indicada pelo cenário
em que a sociedade está no comando. Não faz sentido que a tecnociência esteja sob o comando
indiferente das máquinas desumanas, nem sob o comando egoísta dos gladiadores implacáveis
que atuam nos mercados excludentes do modelo de crescimento econômico com exclusão social.
Uma tecnociência da sociedade transcenderá a ciência positivista cuja relevância declina com o
peso de sua própria indiferença, e evitará a cobiça da ciência comercial transnacional emergente
cuja relevância está sob suspeita pelo egoísmo individualista e interesse expansionista de atores
corporativos que a financiam ou influenciam de forma crescente.

Os protagonistas do Foro Social de Porto Alegre, Brasil, aspiram uma tecnociência da sociedade
— ciência com consciência —, porque querem viabilizar uma economia com mercado, onde este
é regulado para servir a sociedade. Porém, os protagonistas do Foro Econômico de Davos, Suíça,
promovem uma tecnociência para a sociedade — ciência sem consciência —, pois viabilizam uma
economia de mercado, onde as sociedades são reguladas para servir ao “livre” mercado.

A institucionalidade da ordem global emergente gerencia as regras transnacionais de um regime


de acumulação de capital que só interessa aos protagonistas de Davos. Ignorando propostas
para outra globalização reivindicada no Foro Social de Porto Alegre, a tecnociência forjada em
Davos reproduzirá a arena como espaço para a prevalência dos mais fortes, que reivindicarão
razão de mercado para justificar pecados cometidos na competição pela acumulação, ou razão de
Estado para justificar pecados cometidos na pseudoguerra contra o terrorismo, mas ficarão sem
razão social para justificar seus crimes contra a humanidade e o Planeta.

Salve-se o mais competitivo: cada um por si, Deus por ninguém e o Diabo contra todos, com o
apoio da tecnociência comercial transnacional — apátrida. Por causa desta tendência, que já
predomina em muitos países, mas que não é relevante para a felicidade da humanidade nem
para a sustentabilidade do Planeta, tudo que é sólido está sendo dissolvido no ar, e tudo que é
sagrado está sendo profanado. Outra vez. Até quando? A que custo?

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