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Ensaio

Organizações Complexas e Sociedade da Informação. O “Sofrimento” como Metáfora Organizacional

ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS E
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. O
“SOFRIMENTO” COMO METÁFORA
ORGANIZACIONAL
Marco Aurélio Nogueira*

RESUMO

O artigo procura argumentar que a metáfora do “sofrimento organizacional” pode ser


um recurso para que se volte a discutir o tema da gestão democrática e da convi-
vência em organizações complexas. Uma rápida reconstrução da trajetória do
organicismo nos estudos sociológicos e nas teorias organizacionais serve para que
se possa distinguir entre um organicismo funcionalista e outro, dialético. A partir da fixa-
ção de alguns pontos para a compreensão das sociedades contemporâneas como socieda-
des informacionais, submetidas à inovação tecnológica contínua e à mudança acelerada,
procura sustentar que o “sofrimento” aparece como reflexo de um quadro organizacional
cortado pela dificuldade de compor diferenças e unificar.

ABSTRACT

T he article tries to argue that the metaphor of the “organizational suffering” can be a
resource to discuss the democratic management and the living together in complex
organizations. A brief historical reconstruction of the organicist vision in sociological
studies is used to distinguish between a functionalist and a dialectical organicism.
The organizations are then analyzed in interaction with the social ambient. After to present
the contemporaneous societies as informational societies, submitted to a continual
technological progress and to an accelerate change, the article sustain that the “suffering”
reflects an organizational scenario in which is difficult to compose differences and unifying.

* Prof. da Faculdade de Ciências e Letras/UNESP, Campus de Araraquara.

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O
Marco Aurélio Nogueira

presente texto pretende discutir o estado atual das organizações comple-


xas. Ou seja, de praticamente todas as organizações dotadas de um certo
porte, de uma certa dimensão, de uma certa capacidade de existir no tem-
po e interagir ativamente com a sociedade global. Seu principal pressupos-
to é que as organizações estão tendo dificuldades para reagir e se adaptar às
pressões do ambiente sócio-cultural, da inovação tecnológica e do sistema econô-
mico – ou seja, do processo de reposição e sofisticação do capitalismo –, que, ao
menos numa primeira impressão, apontam para a fragmentação e a “desordem”,
e originam uma situação que já foi sugestivamente chamada de “caos estabiliza-
do” (Beck, 1999, p. 161). Pressionadas por todos os lados, atacadas sem trégua
pela lógica mercantil prevalecente e tendo de lidar com pessoas e contextos tu-
multuados, as organizações não estão sendo capazes de vincular seus integran-
tes, dar a eles uma vida profissional digna e produtiva, preenchendo ao mesmo
tempo os requisitos básicos para cumprir uma efetiva função social.
No contexto atual, entrecruzam-se tantas novidades e modificações que o
campo das organizações mergulhou numa espécie de mal-estar que incomoda e
se espalha de maneira irrefreável. Nada funciona muito bem nas organizações,
nada parece ter força suficiente para alterar o rumo das coisas. As dificuldades
objetivas da vida cotidiana, as fraturas nas subjetividades, o impacto das novida-
des tecnológicas sucessivas, a escassez real de recursos, o aumento da incerteza
e da insegurança bloqueiam a interação dinâmica dos indivíduos, aceleram os tem-
pos e reforçam rotinas improdutivas, em nome da necessidade que todos teriam
de ser pragmáticos, defender os próprios interesses e vencer na vida. Paradoxal-
mente, tudo isso é vivido como sinal de modernidade, no sentido de que tudo
estaria, finalmente, entregue à iniciativa individual, à concorrência, ao mercado.
Na outra ponta, poucas propostas alternativas e muita movimentação impotente
para produzir consensos ativos, contra-tendências consistentes ou mudanças efe-
tivas no cotidiano organizacional. Hoje, as organizações parecem desencantadas
e carentes de sentido.
Creio ser possível associar a este quadro a idéia de “sofrimento”, entenden-
do-a como uma metáfora que sugere a presença de um quadro de ineficácia gene-
ralizada, no qual o futuro ficou embaçado, a comunicação está truncada e as deci-
sões são absurdamente custosas e poucos eficazes; por extensão, o clima nas
organizações fica marcado pela angústia e pela insatisfação. Trata-se de um qua-
dro que não anuncia o caos nem a impossibilidade de êxito, mas que convulsiona
a vida cotidiana, as consciências individuais e as culturas organizacionais. Para
ser enfrentada de modo positivo, requer a assimilação de novos hábitos e proce-
dimentos, uma conversão nos termos mesmos da vida organizada, a recuperação
de certas tradições perdidas e, antes de tudo, a produção em série de recursos
humanos inteligentes.

ORGANIZAÇÕES, FISIOLOGISMO E ORGANICISMO


Quando se fala em “sofrimento”, pensamos imediatamente em um corpo vivo,
dotado de estrutura e partes articuladas. Apenas organismos deste tipo podem
efetivamente sofrer. Os humanos também sofrem emocionalmente, por terem sen-
timentos e valores, possuírem uma subjetividade, uma psique, uma estrutura de
personalidade. Aplicada à sociedade ou a organizações, a idéia sugere um movi-
mento de pessoalização, de conversão daquilo que é composto por pessoas em
algo que é, ele próprio, uma pessoa. Posição no mínimo discutível, mas que tem
largo trânsito no mundo das ciências sociais e das teorias sobre organizações.
Boa parte da história do pensamento social transcorreu sob a influência do
fisiologismo: a sociedade seria um tipo específico de ser vivo, de organismo, e
poderia ser estudada a partir de analogias com o corpo humano. Haveria tanto
uma morfologia quanto uma fisiologia a serem consideradas. O organismo teria
músculos e estrutura física, partes e sistema, uma materialidade e uma

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espiritualidade, uma consciência coletiva, uma moral comum, normativa. Poderia,


portanto, “sofrer” ou “viver feliz”, do mesmo modo que deveria ser estudado obje-
tivamente e, quando debilitado, ser abordado mediante diagnósticos e terapias
criteriosas.
Durante praticamente todo o século XIX, diferentes correntes intelectuais
se perguntaram a respeito da ciência que deveria receber a incumbência de estu-
dar a sociedade e, por extensão, as diversas partes (grupos, organizações, insti-
tuições) que a integrariam. Seria esse estudo uma extensão da biologia, da física,
da psicologia, ou deveria pertencer a uma ciência específica, revestida de método
e aparato conceitual próprios?
No início daquele século, atingidas pelos efeitos eruptivos e catastróficos da
revolução industrial e da Revolução Francesa, as sociedades européias sugeriam
aos pensadores muitas imagens de crise e sofrimento. O discurso prevalecente na
época diria que a sociedade adoecera, enfartada por males e injustiças flagran-
tes. Estava desagregada e sob ameaça de um individualismo que se afirmava
rapidamente. Haviam caído por terra as promessas burguesas de liberdade, igual-
dade e fraternidade. Diante dos olhos, descortinava-se um quadro social quase
monstruoso. Marx diria que se podia ouvir o “dobre de finados” pelo programa
científico da burguesia, que ingressava numa clara decadência ideológica, como
se, envergonhada, aquela classe tivesse perdido toda pujança reformadora e
passasse a ser, agora, abandonada por todos os deuses que havia criado. Para
os espíritos da época, recuperar a dimensão coletiva do viver mostrava-se indis-
pensável. A revolução havia produzido destruição e negatividade, revelando-se
como expressão perfeita de uma “época crítica”. Era hora de reconstruir os laços
de solidariedade, colar os pedaços da ordem social despedaçada, pôr em curso
um empreendimento positivo, orgânico, algo que se apoiasse ou na tradição e na
autoridade do passado, ou na razão e na invenção de novos sistemas de idéias
científicas, ou ainda, como pensariam os socialistas mais próximos de Marx, na
ação determinada da classe trabalhadora, que era, afinal, a que mais sofria com a
industrialização. Tais operações dariam nova consciência às sociedades e, com
isso, as ajudariam a retomar a normalidade e avançar. O progresso dependeria
assim, para os mais revolucionários, de uma reforma radical ou mesmo de uma
nova revolução, que continuasse e aprofundasse a obra do Iluminismo; para os
mais conservadores ou reacionários, ele simplesmente seria uma volta atrás, uma
recomposição da organicidade perdida.
Saint-Simon (1760-1825) foi um dos mais geniais pioneiros dessa fase. Sua
proposta socialista era utópica, dedicando-se a fabricar fabulações mais ou me-
nos fantásticas da sociedade ideal, mas revelaria uma generosa preocupação com
a justiça social e o progresso científico, assim como com a necessidade de organi-
zar as sociedades industriais. Para ele, uma nova ciência deveria ser estabelecida
para se ocupar da tarefa: a “fisiologia social”, que estudaria a sociedade não
como um “simples aglomerado de seres vivos”, mas como um “verdadeiro ser, cuja
existência é mais ou menos vigorosa conforme seus órgãos desempenhem, de
modo mais ou menos regular, as funções que lhes são confiadas”. Tal ciência, por-
tanto, operaria “por sobre os indivíduos, que nada mais seriam, para ela, do que
órgãos do corpo social, que devem ser estudados mediante suas funções orgâni-
cas”. (Saint-Simon, Physiologie Sociale, apud Durkheim, 1970, p. 116). Mas Saint-
Simon tinha um quê de visionário, de reformador racionalista, e imaginava que as
sociedades (as organizações) funcionariam como máquinas e poderiam ser
construídas e manuseadas pelos homens, segundo planos cientificamente traça-
dos. Acabou por elaborar uma concepção rígida e ingênua demais. De qualquer
forma, convicto da força construtiva da indústria, não deixaria de pensar em como
organizar as empresas e o próprio universo da produção. A “classe industrial” que
então surgia seria, para ele, o personagem central do novo mundo. Um de seus
jornais de divulgação receberá o nome de L’Organisateur. Era o ponto de partida
da longa e profícua trajetória da escola francesa que se dedicará à idéia de orga-
nizar cientificamente o trabalho no interior das empresas.

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Seguindo a mesma trilha, a sociologia de Auguste Comte (1798-1857) nas-


ceria no âmbito de uma filosofia positiva preocupada em preparar as sociedades
para uma evolução tida como inevitável. Sem ordem – vale dizer, organização,
disciplina, vigor moral e referências coletivas –, não haveria desenvolvimento in-
dustrial, mas apenas caos e destruição. A sociologia produziria os conhecimentos
e as orientações práticas a respeito desta área específica da natureza, o social.
Combateria a anarquia intelectual que, em nome da tese de que o progresso
consistiria numa extensão continuada da liberdade e dos poderes humanos, em-
purrava as sociedades para a anarquia social e moral. A verdadeira liberdade,
diria Comte, nada mais seria do que uma espécie de “submissão racional” à pre-
ponderância das leis naturais. A ordem necessária exigiria uma “sábia resigna-
ção” diante dos males políticos incuráveis. Era indispensável, portanto, que se
constituísse uma ciência positiva – que ele chamaria primeiro de “física social” e
depois de sociologia – com a qual fosse possível orientar criteriosamente a ação
destinada a melhorar a sorte da sociedade. Diferentemente de Saint-Simon, na
base desta ciência estaria o princípio de que as sociedades são seres naturais, e
não máquinas criadas a partir de planos pré-concebidos pelos homens.
Pouco depois, na Inglaterra, Herbert Spencer (1820-1903) – um evolucionista
preocupado em descobrir a mola impulsionadora das sociedades –completaria a idéia:
as sociedades pertenciam ao universo dos organismos vivos, e deveriam ser trata-
das como tais. Elas se formariam incentivadas pelas vantagens decorrentes da coo-
peração e evoluiriam regularmente, passando de formas mais simples para formas
mais complexas, ou seja, mais ricas em órgãos e funções, mais diferenciadas e orgâ-
nicas. Seria assim enfatizado o que haveria de “espontâneo” na vida social, que
sempre resultaria de causas internas, não de impulsos exteriores e mecânicos. Pouco
depois, Alfred Espinas traduziria em termos mais precisos essa especificidade, afir-
mando que as sociedades distinguir-se-iam dos organismos puramente físicos pelo
fato de serem essencialmente “consciências vivas, organismos de idéias”, em suma,
sistemas concatenados de representações. A sociologia e a psicologia apareceriam
então como dois ramos da mesma cepa, a biologia, “que divergem a partir de um
certo ponto mas que conservam em seu desenvolvimento um certo paralelismo”, so-
bretudo porque existem, tanto numa como noutra, “as representações, as emoções,
as impulsões que se agrupam e se organizam”. A sociologia teria a atribuição, assim,
de pesquisar como se formam e se combinam as representações coletivas que dão
força e sentido às sociedades. (Durkheim, 1970, p. 124-125).
Quando esta linha de pensamento chega a Durkheim, perto da virada do sécu-
lo, a sociologia adquire plena maturidade. Já não se sustentará mais sobre concep-
ções genéricas e esquemáticas, dedicadas a traçar comparações entre sociedades e
organismos vivos ou a buscar leis do progresso e da evolução. Ela passa a “entrar em
relação direta com os fatos e a adquirir deste modo o sentimento da sua diversidade
e da sua especificidade, buscando aplicar a eles um método que seja imediatamente
apropriado à natureza especial das coisas coletivas” (Durkheim, 1970, p. 126). A
sociologia era assim levada a se especializar e apurar seu foco. Durkheim repetirá
sistematicamente que “a sociedade não é simples soma de indivíduos, e sim sistema
formado pela sua associação, que representa uma realidade específica com caracteres
próprios”. A vida social, para ele, resultaria da “combinação das consciências particu-
lares” e seria explicada por esta combinação. “Agregando-se, penetrando-se, fundin-
do-se, as almas individuais dão nascimento a um ser, psíquico se quisermos, mas que
constitui individualidade psíquica de novo gênero. O grupo pensa, sente, age diferen-
temente da maneira de pensar, sentir e agir de seus membros, quando isolados”.
Seria impossível, portanto, partir dos indivíduos ou tentar entender o fenômeno soci-
al pelo fenômeno psíquico. A “consciência coletiva” seria algo especial, pois “os esta-
dos que a constituem diferem especificamente daqueles que constituem as consciên-
cias particulares”. (Durkheim, 1968, p. 96-97).
Esta longa trajetória sancionará o organicismo no estudo das sociedades e
das organizações. As ênfases serão claras. A coesão dos organismos sociais de-
pende da adesão dos indivíduos e das partes a um corpo comum de regras e

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valores, que se interiorizam na personalidade mesma dos membros, solidarizan-


do-os entre si e com o todo. Os indivíduos não são cancelados, mas a força e o
êxito de uma sociedade dependem do quanto ela consegue constranger ou mo-
derar os impulsos e as pulsões individuais, disciplinando-os e direcionando-os para
a adequada reprodução do todo. Como os interesses do indivíduo não são os do
grupo, surge um verdadeiro antagonismo entre essas duas instâncias. “É preciso,
portanto, que exista uma organização que faça os indivíduos se lembrarem dos
interesses sociais, que os obrigue a respeitá-los. Esta organização nada mais é
do que uma disciplina moral, um conjunto de regras que prescrevem ao indivíduo
aquilo que ele deve fazer para não comprometer os interesses coletivos, para não
perturbar a ordem social de que faz parte” (Durkheim, 1978, p. 35).
As distintas teorias organizacionais que se afirmarão no decorrer do século
XX estarão todas, de modo mais ou menos direto, vinculadas a esta visão
organicista. Dialogarão com ela, evidentemente, incorporando muitos novos te-
mas e aspectos, mas não abandonarão suas inflexões típicas. Tratarão a organi-
zação como sistema, como uma realidade constituída por pessoas mas que não se
reduz à mera soma das pessoas que a constituem, ou seja, que é superior a elas
e independente delas, podendo por isso estabelecer regras e relações “impositivas”,
a serem respeitadas e obedecidas.
Algumas dessas escolas deram maior atenção à dimensão “material” e raci-
onal-legal das organizações – à sua morfologia –, acentuando, às vezes de ma-
neira abertamente unilateral, a força construtiva do organograma e do controle, a
hierarquia funcional e as finalidades produtivistas do fato organizativo. A estrutu-
ra das organizações pesaria mais que seus integrantes e deveria servir de guia
de conduta e freio para eles. Essas foram teorias que seguiram bem de perto o
que pregava a organização científica do trabalho de Frederick W. Taylor: a discipli-
na rigorosa – objetivada tanto sob a forma de controles rígidos, quanto sob a
forma de uma entrega hedonista dos indivíduos – seria o requisito essencial do
êxito organizacional. Pulsões individuais, desejos, postulações emocionais, inte-
resses particulares ou características pessoais, deveriam ser mantidos categori-
camente fora de questão, ou então combatidos a ferro e fogo. Se no passado,
dizia Taylor, “o homem viera primeiro”, no futuro a prioridade seria toda do siste-
ma. Pouco interessava a iniciativa das pessoas. O que se esperava delas é que
obedecessem às ordens e fizessem o que os superiores determinavam. (Taylor,
1990; Kanigel, 1997).
Na mesma época em que Taylor publicou seu The Principles of Scientific
Management (1911), o engenheiro francês Henry Fayol escreveu Administration
Industrielle et Général (1916). Fayol é considerado por muitos o verdadeiro pai da
moderna teoria administrativa (a chamada “teoria clássica”). Ele deslocaria o foco
privilegiado por Taylor para o terreno da capacidade de administrar, mais que da
organização, estabelecendo os princípios básicos da administração: prever, orga-
nizar, comandar, coordenar e controlar. A ciência deveria criar as melhores condi-
ções organizacionais – a divisão do trabalho, a unidade de comando, a autorida-
de, a responsabilidade, a disciplina, a coesão do pessoal, a subordinação do par-
ticular ao geral – tendo em vista a eficiência e a produtividade. O administrador
agiria como um médico, procurando conservar a saúde das empresas e dos escri-
tórios mediante o estudo meticuloso de sua anatomia e de sua fisiologia.
Mais tarde, esta rigidez quase claustrofóbica e tirânica perderia força e seria
combatida mais ou menos abertamente. Já nos anos 1920, Elton Mayo projeta as
“relações humanas” para o centro da teoria organizacional. As organizações vão
se tornando, então, um campo de estudos em que confluem a psicologia e a soci-
ologia, numa operação que atualiza o debate do século XIX. O comportamento
ingressa no mundo das organizações, impulsionando uma mudança de enfoque
que, com o tempo, terá muitos desdobramentos. A própria “motivação” decorreria
não mais de uma adaptação do indivíduo à estrutura de autoridade (com seus
incentivos, castigos e recompensas), mas sim da interação coletiva, interindividual,
na qual se manifestariam diversos fatores informais, espontâneos. A perspectiva

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organicista persistiria incólume, mas ficaria desafiada a definir o que fazer para
racionalizar os fatores não-previsíveis e aproveitá-los como recurso para o bom
funcionamento do todo.
Anos mais tarde, Talcott Parsons dirá que todo organismo social depende
da existência de “sistemas culturais normativos”, compartilhados, a partir dos quais
as ações individuais ou grupais são orientadas e disciplinadas, dando vida a uma
ordem “imposta”, sem a qual nada funciona. Parsons incorporará ativamente a
sociologia de Max Weber, fazendo dela uma espécie de pólo magnético que atrai e
organiza outras tradições teóricas importantes, como a de Durkheim. Será pela
influência da idéia weberiana da compreensão, por exemplo, que Parsons chegará
à teoria do sistema social de ação, que muitos consideram sua maior contribuição.
(Parsons, 1964). Vistos como sistemas de personalidade, os indivíduos interagem
a partir dos marcos normativos que, por serem recursos de orientação e de esta-
bilização geral do sistema, não têm como ser por eles neutralizados ou dissolvi-
dos. Sistema social e sistema cultural, portanto, ainda que distintos, interpenetram-
se reciprocamente em qualquer espaço de vida coletiva, dando origem a organiza-
ções dotadas de grande capacidade de controlar a ação e a interação de seus
integrantes. O organicismo funcionalista estará no centro de tudo. Na perspectiva
evolutiva de Parsons, o homem integra o mundo orgânico e “a sociedade humana
e a cultura devem ser analisadas corretamente no quadro geral adequado ao
processo da vida. A evolução sociocultural, como a evolução orgânica, avançou,
através de variação e diferenciação, de formas simples a formas progressivamen-
te mais complexas”. (Parsons, 1969, p. 12-13).
Novas escolas surgirão em ritmo de sofisticação e refinamento conceitual.
Irão se abrir para o processo decisório (decision-making), incorporar a visão ciber-
nética e a rational choice, passarão pelo comportamentalismo do psicólogo Kurt Lewin
e pelos diferentes tipos de institucionalismo, desembocando no mar aberto das
teorias propriamente contemporâneas, em que a frenética diversificação temática
fará coro com o cruzamento de influências da sociologia, da economia, da filosofia,
da ciência política, da antropologia e da psicologia. Progressivamente, os estudos
organizacionais tenderão a privilegiar a participação, o acaso, o comportamento,
as influências valorativas e interpessoais, a liderança, a aprendizagem
organizacional. (Motta, 1991). Haverá menos tecnicismo formal e mais preocupa-
ção com as subjetividades. A rigidez racionalista de antes perderá força: como
dirá Simon (1976), os processos decisórios não serão mais fundamentados pela
racionalidade, mas por uma “racionalidade cerceada” (bounded rationality). Seguindo
trilha semelhante, March & Olsen (1989) apresentarão as organizações como “anar-
quias organizadas”, nas quais problemas, soluções e decisões são experimenta-
dos permanentemente, impossibilitando a fixação de padrões racionais rígidos.
Serão muitas as novidades e expressivos os ganhos analíticos, mas o marco
de referência permanecerá associado à imagem das organizações como sistemas
que podem ser “racionalmente” regulados, interagem com o ambiente externo e
se dedicam a converter inputs em outputs, operando por encadeamentos rígidos
de demandas-processamento-decisões-implementação-resultados: sistemas de
regras, orientações e incentivos, capazes de influenciar ações e comportamentos
mediante o uso de “sanções positivas e negativas”. Uma mesma “racionalidade
gerencial hegemônica” dará o tom em tudo, sem rupturas categóricas com o
taylorismo e produzindo “sistemas de direção que se alicerçam no aprisionamento
da vontade e na expropriação das possibilidades de governar da maioria. Estes
sistemas, mais do que comprar a força de trabalho, exigem que os trabalhadores
renunciem a desejos e interesses, substituindo-os por objetivos, normas e obje-
tos de trabalho alheios (estranhos) a eles”. (Campos, 2000, p. 23).
Foge completamente dos propósitos do presente artigo passar em revista a
história das teorias da organização, ou sequer apresentá-la de modo rigoroso. A
intenção, aqui, é apenas enfatizar o quanto essa história é caudatária de certas
tradições e o quanto ela responde pelo tratamento fisiológico e organicista das
organizações: sistemas assemelhados a pessoas, a corpos humanos vivos, nos

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quais estruturas e valores, regras e interesses, cultura e materialidade, interagem


ativamente e geram seres coletivos dotados de singularidade, de uma “persona-
lidade” própria, quem sabe de uma “alma”. Por ser ontologicamente prioritária, a
organização está revestida do poder de agir sobre os indivíduos, pressioná-los,
modelá-los e controlá-los, em nome da sua própria sobrevivência, da sua “saúde”
como organização.
Deste ponto de vista, a metáfora do “sofrimento” estaria plenamente
justificada e legitimada. Ela indicaria uma situação em que a solidariedade faltaria,
os indivíduos e as partes operariam como forças centrífugas, desarranjando o
todo. As organizações “sofreriam” porque funcionariam mal ou teriam de suportar
taxas elevadas de insatisfação, conflito e incomunicabilidade. O combate ao “sofri-
mento”, portanto, implicaria uma reposição da ordem, um retorno à situação em
que as partes contribuiriam para a harmonia e o bom funcionamento do todo. O
tratamento não dispensaria, em caso de necessidade, o emprego de remédios
amargos, de natureza coercitiva ou disciplinar.
Com isto, a idéia de “sofrimento” terminaria por nos jogar nos braços da orga-
nização total, que em tudo precede ao indivíduo e, no limite, exige sua completa
submissão. Indicaria um estado de perigo iminente, a ser debelado sem vacilação.
A hipótese do presente texto é outra. A metáfora do “sofrimento” não pre-
cisa ser exclusividade do organicismo fisiologista e funcionalista, concentrado na
integração, na ordem e na coesão a qualquer custo. Pode ganhar outros foros,
alçar vôo em outras direções, abraçar outras escolas de pensamento e intenções.
Sua força sugestiva pode operar de maneira diversa.
Isto é assim porque não existe um único tipo de organicismo. Ao lado da
escola tradicional, de base fisiológica, há um outro organicismo, mais metafórico
que analógico, mais reflexivo que descritivo, que valoriza o todo mas não o imagina
precedendo às partes, como sendo independente delas ou superior a elas. Em
suma, ao lado do organicismo funcionalista opera um organicismo dialético. O proble-
ma, portanto, não é o organicismo, mas o modo como ele é assimilado e utilizado.

FUNCIONALISMO E DIALÉTICA
A tensão entre funcionalismo e dialética é recorrente nas ciências sociais.
Reflete uma disputa em torno da idéia de todo, ou seja, da questão de saber
como estudar e compreender criticamente as sociedades, vistas como um conjun-
to dotado de especificidade. Certamente, não é aqui o melhor lugar para recons-
truir as bases desta polêmica ou para apresentar, em detalhe, os pressupostos e
o modus operanti de cada uma destas concepções. Pretendo apenas demarcar
algumas diferenças, que me parecem particularmente sugestivas para o objeto da
presente discussão.
(a) O organicismo funcionalista opera tendo por eixo as idéias de função e
sistema. É o organicismo mais autêntico, já que se põe sempre da perspectiva da
adequação entre partes e todo, pensando as sociedades como um organismo
análogo ao dos seres vivos. A dialética, por sua vez, trabalha com base nos con-
ceitos de contradição, processo e totalidade. No primeiro caso, o sistema se des-
cola, ganha vida própria e impõe pautas mais ou menos rígidas às suas partes
(setores, grupos ou indivíduos). Há nele uma espécie de roteiro a ser seguido
pelos atores. No organicismo dialético, ao contrário, é o próprio processo, com
seus atores e contradições, que produz totalidades dinâmicas e sempre renováveis.
Os atores estabelecem suas pautas e seus projetos, medindo-os com as pautas e
os projetos institucionais. Há vínculos e determinações, mas não submissão ou
hierarquias entre as partes. Por mais que a cultura institucional referencie e dirija
os atores, não há qualquer narrativa pré-estabelecida.
(b) O sistema pensado pelo funcionalismo é um dado, revestido de
materialidade própria e independente das partes que o compõem. Em suma, um
fato social, na concepção clássica de Durkheim: “maneiras de agir, de pensar e de

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sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências


individuais e estão dotadas de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do
qual se impõem ao indivíduo, quer ele queira, quer não” (Durkheim, 1968, p. 2). No
sistema, os atores atuam segundo normas gerais e quanto mais introjetam e
aceitam essas normas, mais contribuem para o funcionamento normal e adequa-
do do todo. A superposição de interesses ou preferências parciais (grupais, indivi-
duais) às normas gerais – ou a não-aceitação das normas pelos atores –, acarre-
taria conflitos e tensões de natureza não-funcional: comportamentos desviantes,
que precisariam ser corrigidos para não comprometer a regularidade do todo. Como
afirma Parsons, “a dimensão de conformidade-desvio é inerente a e central na
concepção abrangente da ação social e do sistema social” (Parsons, 1964, p. 249).
A visão dialética é a contestação cabal desta idéia. Nela, o conflito não é um
problema: concebido como contradição, ele não apenas integra a normalidade, a
rotina da instituição, como também responde por seu desenvolvimento mais ou
menos virtuoso, orgânico. A questão, aqui, é saber de que modo o conflito se
explicita, o quanto ele segue parâmetros coletivos ou particularistas, o quanto há
nele de projeto institucional e de projeto “corporativista”. Os atores, por isso, não
introjetam normas gerais, mas interagem com elas, reproduzindo-as e as modifi-
cando. A organização é um vir-a-ser permanente, uma construção coletiva.
(c) A distinção entre funcionalismo e dialética fica ainda maior quando se
considera a questão do poder e da disciplina. Como não há organização que exis-
ta sem ordem, autoridade e direção, tanto o funcionalismo quanto a dialética põem-
se o problema de saber como organizar de modo eficiente sem “perder” as pesso-
as, quer dizer, vinculá-las ao todo sem constrangê-las em demasia. A tomada de
decisões acompanha o raciocínio: pode a cúpula decidir sem inserir as bases na
decisão, sem criar condições de participação?
O funcionalismo supõe organizações mais rígidas, nas quais entre cúpulas e
bases estabelece-se uma relação de mão única: por terem responsabilidades e
mandatos para fazer com que o sistema funcione do melhor modo possível, os
dirigentes têm a prerrogativa de saber o que é melhor para as organizações. Em
seu favor, mobilizam diversos recursos. Valem-se tanto dos conhecimentos (técni-
cos, políticos ou intelectuais) que acumulam ou que estão a seu alcance, quanto
dos estatutos e da possibilidade de emitir comandos normativos formais, de cará-
ter vinculatório e impositivo (ordens, portarias, decretos). Centralizam as deci-
sões de modo racional-legal, ainda que possam admitir, em maior ou menor grau,
a utilidade de se fazer consultas prévias às bases, ou a segmentos delas. Sem
querer forçar demais o argumento, seria possível dizer que o organicismo
funcionalista associa-se basicamente a uma modalidade burocrática de centralismo.
A visão dialética, por sua vez, especialmente porque concebe as organiza-
ções como algo em construção permanente, supõe uma maior flexibilidade
organizacional, com o que entre cúpulas e bases estabelece-se uma relação de
mão dupla: os dirigentes existem não porque saibam o que é melhor, mas porque
possuem atributos de liderança que podem ajudar as organizações a escolher
melhor. Recorrem a expedientes de tipo racional-legal, mas não concebem esses
expedientes como recurso principal, e sim como mero parâmetro. Sua razão de ser
repousa na capacidade de fazer frutificar o mais amplo debate nas bases sem
postergar em demasia as decisões fundamentais. Sua conduta, portanto, é mais
dialógica e estratégica do que normativa e sistêmica. O organicismo dialético com-
bina-se, assim, com o que se costuma chamar de centralismo democrático: a liber-
dade do debate e a participação das “bases” articulam-se com e alimentam a
necessária unidade de ação do todo.
(d) A discussão sobre o centralismo nos leva necessariamente ao tema da
burocracia: da sua inevitabilidade e dos efeitos que tem sobre as organizações e
seus integrantes. O tema, que não será aqui aprofundado, tem sido objeto de
uma recorrente atenção teórica e pode ser vinculado a uma vasta bibliografia.
A burocracia sempre foi amada e odiada. Seu principal teórico moderno, Max
Weber, a via como encarnação perfeita da racionalização e, ao mesmo tempo,

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Organizações Complexas e Sociedade da Informação. O “Sofrimento” como Metáfora Organizacional

como promotora de horrores que nos levariam a uma “servidão” no futuro. A con-
cepção weberiana, ainda que discutível em certos pontos, persistiu incólume por
todo o século XX, sendo espelhada pela realidade empírica das organizações, as
do mercado e particularmente as públicas, sobretudo depois da consolidação dos
diferentes Estados de Bem-Estar e do crescimento das políticas sociais e dos ser-
viços públicos. A burocracia desenhada por Weber tornou-se um paradigma da
modernidade capitalista e progressivamente, com a radicalização desta mesma
modernidade, foi se convertendo em desafio.
Entre as décadas de 1980 e 1990, instigados pelos programas de reforma
do Estado, muitos estudiosos passaram a trabalhar com o propósito de superar
a burocracia mediante a adoção de procedimentos pós-burocráticos. A burocra-
cia teria prestado importantes serviços no passado mas, com as novas circuns-
tâncias da globalização e da sociedade da informação, precisaria ser substituída
por outras formas de organização e gestão, já que não mais encontraria condi-
ções para se reproduzir e se legitimar. A “ new public management” fixou-se en-
tão, mundialmente, como um novo paradigma no terreno da gestão pública, situ-
ando-se numa linha bem próxima das formulações da teoria da escolha racional
(Buchanan), que se sustenta sobre a hipótese de que os mecanismos de merca-
do seriam mais eficientes para regular procedimentos, organizar atividades e
controlar grupos de interesses, burocratas e políticos gastadores. O mercado,
afinal, seria o espaço de convergência da iniciativa e dos projetos individuais,
por um lado, e do equilíbrio social, por outro, graças à indução virtuosa da con-
corrência e da racionalidade utilitarista.
Tanto no campo estatal quanto no mundo das empresas, o discurso
gerencialista, em vez de se propor a reconstruir a burocracia, procura acuá-la.
Privilegia orientações e incentivos que deveriam, quando muito, ser tomados
como elementos reformadores adicionais, deixando em plano secundário a recu-
peração das capacidades burocráticas ou mesmo a introdução, na burocracia, de
elementos de vida democrática, com o que se poderia levá-la a decidir de modo
mais transparente, a reduzir a arrogância dos técnicos e a se abrir para formas
mais eficazes de controle social. Ainda que opere com conceitos de inspiração
democrática – participação, autonomia, iniciativa, redução de hierarquias –, o
discurso gerencialista não cria condições para uma efetiva incorporação da de-
mocracia, sobretudo porque “desconstrói” demais as organizações. Acaba por
repercutir negativamente no interior das organizações. De um lado, produz
dessolidarização, quebra de vínculos e diluição do ethos organizacional, com fla-
grantes efeitos em termos de desvalorização profissional e desmotivação. De
outro lado, produz uma espécie de “inversão de expectativas” que desloca ou
subordina o mérito e dificulta a implementação das decisões, graças à banalização
das hierarquias e da autoridade.
O gerencialismo, porém, é mais ideologia que compreensão. Filha do mundo
capitalista, moderno, a burocracia existirá enquanto a modernidade capitalista se
reproduzir. Mas é seguramente pouco contestável que, nas condições de uma
modernidade tardia, radicalizada, de uma sociedade cortada de cima a baixo pe-
los efeitos das tecnologias de informação e comunicação, a burocracia fica sem
muitas condições de preservar intacta sua fisionomia. É forçada a se adaptar, a
assimilar certos preceitos e valores pertencentes a campos estranhos a ela. De
certo modo, a burocracia se abre e se democratiza, passando a incorporar novos
hábitos, ritmos e valores. Com isso, ao mesmo tempo em que se fortalece e se
reproduz, mantendo-se como modelo organizacional prevalecente, a burocracia
perde parte de sua coerência e de suas eficácia. Torna-se paradoxalmente mais
forte e mais ineficaz, deixando as organizações desprovidas de sinalizações e
decisões confiáveis. Em seu interior, as pessoas sentem-se prisioneiras de uma
“jaula de ferro” que não mais as intimida e nem consegue supri-las da dose de
ordem de que necessitam para seguir em frente. A insatisfação e a ausência de
horizontes confiáveis (alguma estabilidade, carreiras) geram efeitos negativos e
paralisias. O “sofrimento” torna-se inevitável.

o&s - v.10 - n.28 - Setembro/Dezembro - 2003 153


Marco Aurélio Nogueira

GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADE INFORMACIONAL


Problemas organizacionais intrincados e amplas mudanças administrativas
são, evidentemente, exponenciados pelo processo da globalização capitalista, e
isto por vários motivos.
Se é verdade que sempre tivemos globalização, também é verdade que nun-
ca tivemos uma globalização como a atual. Estamos diante da reposição radicalizada
do capitalismo, fato que nos põe em contato com um processo particular, do qual
está nascendo um modo de vida particular. Não se trata apenas de uma sociedade
em que a informação está hiper-valorizada e flui com grande rapidez. Afinal, todas
as sociedades deram lugar de destaque à informação, à comunicação de fatos e
conhecimentos. Hoje, porém, estamos assistindo à emergência de uma sociedade
na qual “a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as
fontes fundamentais de produtividade e poder”, graças às novas condições deriva-
das da aplicação intensiva e generalizada de tecnologia. (Castells, 1999, p. 46).
Todas as esferas de atividade, das econômicas e militares às da vida cotidiana,
passando pelas políticas e culturais, são contagiadas pelas novas formas sociais e
tecnológicas de organização. Mas não se trata de uma sociedade produzida ou
determinada pela tecnologia. A nova estrutura social “está associada ao surgimento
de um novo modo de desenvolvimento, o informacionalismo, historicamente molda-
do pela reestruturação do modo capitalista de produção no final do século XX”
(Castells, 1999, p. 32). As sociedades do nosso tempo, portanto, estão se tornando
informacionais sem deixarem de ser capitalistas. E por mais que sigam uma mesma
tendência dominante, não perdem suas características particulares: em boa medi-
da, negociam os termos da sua informacionalização.
A aceleração do tempo, as conexões em tempo real, a visualização de cená-
rios simultâneos e a inclusão das mais diversas manifestações culturais em redes
digitais, produzem uma imaginação solta em relação aos territórios (e aos Esta-
dos nacionais) e permanentemente disponível em termos intelectuais, éticos e
comportamentais. Uma cultura virtual se impõe, tanto sob a forma de uma cultura
elaborada e alimentada por meios virtuais, quanto sob a forma de uma cultura
que se afirma num espaço supraterritorial: o ciberespaço. A própria morfologia
das sociedades atuais se altera, assumindo a forma da organização social em
redes. Com isso, tudo se modifica – da experiência e da cultura ao poder e ao
processo produtivo. O “poder dos fluxos” torna-se mais importante que os “fluxos
do poder”, do mesmo modo que a morfologia social passa a ter “primazia sobre a
ação social”. (Castells, 1999, p. 497).
Olhando de modo macroscópico, é uma época de dificuldades para o traba-
lho: de predomínio de uma cultura de mercado, de produtividade e especialização,
de subsunção do homem à máquina, de tecnologia “emancipada”. O padrão
taylorista-fordista afirmado ao longo de todo o século XX já não tem mais como se
sustentar incólume, diante dos novos processos de reestruturação do capital. (Cf.
Antunes, 2002; Bauman, 1998). Uma modalidade “flexível” de capitalismo tornou-
se símbolo de uma época que vê a si própria como hostil à rigidez, à rotina, à
segurança e à certeza, e que pede a todos, e especialmente aos trabalhadores,
uma entrega incondicional à velocidade, à rapidez, à mudança incessante, ao ris-
co, com a correspondente recusa de procedimentos formais, hierarquias tradicio-
nais e cálculos de longo prazo. Inevitavelmente, o trabalho sofre pesada
reconfiguração: dissolvem-se metas de carreira, parâmetros de talento e projetos
de vida, bem como todo um conjunto de relações de classe e vínculos de
pertencimento. Uma dinâmica de “corrosão do caráter” afirma-se quase sem re-
sistência, abalando os valores e as convicções que dão sentido à vida de cada
trabalhador, definem sua auto-imagem e impulsionam seus esquemas de lealdade
e compromisso, que não têm mais como ser mantidos em organizações que vivem
se desfazendo e se reprojetando ou nas formas ainda mais “flexíveis” da empresa
virtual, do home-office, do part-time job e assim por diante. Como observa Sennett

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Organizações Complexas e Sociedade da Informação. O “Sofrimento” como Metáfora Organizacional

(1999, p. 32), “as condições de tempo no novo capitalismo criaram um conflito


entre caráter e experiência, a experiência do tempo desconjuntado ameaçando a
capacidade das pessoas transformar seus caracteres em narrativas sustentadas”.
A mudança acelerada e a inovação tecnológica ininterrupta fazem com que
tudo se evapore no ar com inédita velocidade, põem em xeque convicções, costu-
mes, hábitos e comportamentos, embaralham as relações entre quantidade e
qualidade. A técnica e a tecnologia tornam-se valores em si, impõem um novo
padrão produtivo, arrasam os parâmetros do emprego e causam impactos de vas-
tas proporções no mundo das organizações, mexendo com suas hierarquias, seus
procedimentos operacionais, suas relações internas. Na verdade, a nova ordem
não se afirma somente sobre os escombros do passado, mas cria sua própria
legalidade, sua autoconsciência e um modo próprio de funcionamento: deplora a
rigidez burocrática de antes, insurge-se contra as rotinas e põe em dúvida as
autoridades hierárquicas, mas ao mesmo tempo impõe novos e sutis controles.
Vindos de modo dissimulado e no bojo de discursos centrados na “flexibilidade”,
tais controles tornam-se difíceis de entender: “o novo capitalismo é um sistema de
poder muitas vezes ilegível” (Bauman, 1998, p. 10). Seus efeitos são dinâmicos e
desestabilizadores, produzem angústia, ansiedade, desconforto e excitação, ain-
da que também possam sugerir tempos melhores, que viriam impulsionados pela
capacidade de se estar sempre descobrindo coisas novas, ultrapassando limites,
saturando o que está estabelecido.
Os efeitos da mundialização do capital combinada com revolução tecnológica
e informacionalização afetam de modo particularmente forte os mecanismos e va-
lores da representação, da governabilidade democrática e do Estado. O próprio
mundo precisa ser analisado de outra maneira, na medida mesma em que os
Estados-nação são forçados a dividir o cenário com organizações, companhias e
movimentos transnacionais, a compartilhar, em suma, a sua soberania. Forma-se
uma sociedade mundial que não se faz acompanhar de um Estado mundial, ou
seja, “uma sociedade que não está politicamente organizada e na qual novas
oportunidades de poder e de intervenção surgem para os atores transnacionais,
que não possuem a devida legitimidade democrática” (Beck, 1999, p. 58).
Junto com o Estado nacional, todos os centros diretivos e organizacionais
perdem força e parecem fracassar. O próprio poder modifica sua configuração:
desencarna, despersonaliza-se e dilui-se pelas estruturas, transferindo-se para
sistemas e circuitos sempre mais “invisíveis”, difíceis de serem reconhecidos, evi-
tados ou combatidos. A política muda de forma: deixa de se identificar com o Esta-
do-instituição e é obrigada a abrir-se para uma sociabilidade explosiva e
multifacetada, sendo forçada a rever seu sentido, seus sujeitos e seus marcos
institucionais. A sensação é de que se passou a viver num contexto muito frag-
mentado, sem centros de coordenação e sem sujeitos efetivamente coletivos, ca-
pazes de fundar novas formas de comunidade política. Às promessas da globalização
e das novas tecnologias superpõem-se os horrores de um mundo cortado por
fracassos e paradoxos. (Nogueira, 2001).
Não é difícil imaginar o abalo que isso provoca na convivência social, na vida
política e na governabilidade das sociedades. Tudo passa a ficar condicionado
pela multiplicação e fragmentação dos interesses, pela ampliação frenética das
demandas, por graves dificuldades de coordenação e direção, pela incerteza e
pela insegurança, pelo enfraquecimento das lealdades e o empobrecimento da
convivência. As organizações públicas – nascidas e criadas nos tempos lentos da
burocracia e dos controles estatais –, passam a ser literalmente assediadas por
propostas reformadoras que atropelam suas especificidades e suas finalidades.
São convidadas a trocar o burocrático pelo gerencial, o planejamento pelo
empreendedorismo, a norma pela flexibilidade, a “lentidão” pela “velocidade”, o
cidadão pelo cliente, num processo de clonagem do que ocorre no mundo do mer-
cado e das empresas privadas. Já as organizações privadas (empresas, particu-
larmente), excitadas pelas novas oportunidades e pela competição desenfreada,
são arrastadas pela inconstância, pela readaptação contínua, pela flutuação en-

o&s - v.10 - n.28 - Setembro/Dezembro - 2003 155


Marco Aurélio Nogueira

tre modas e esquemas gerenciais. De modo homólogo ao Estado, que privatiza


algumas de suas partes, as empresas terceirizam, despojando-se parcialmente
da carga. Livram-se de algum patrimônio (recursos humanos, sobretudo) e aca-
bam por ser forçadas a se reconfigurar, revendo seu próprio passado. A sociedade
global de risco faz com que tudo funcione com base no risco e na incerteza. Exage-
rando um pouco, é como se toda a vida organizada mergulhasse em estado de
sofrimento.

O “SOFRIMENTO ” COMO METÁFORA


As organizações estão sendo constrangidas pelas imposições da globalização
e da informacionalização. Do econômico e do político ao cultural, passando pelo
vasto universo das entidades associativas e de representação de interesses, a
vida organizada encontra-se de pernas para o ar. As empresas são desafiadas
pelos processos quase incontroláveis da reestruturação produtiva e da concor-
rência exacerbada: destroem-se reciprocamente com grande rapidez. Os sindica-
tos oscilam diante da violência com que estão sendo alterados o modo de traba-
lhar e os empregos. As organizações culturais – sejam elas escolas, centros de
pesquisa ou entidades artísticas – são cortadas pela mercantilização e por inte-
resses que lhes impõem uma dinâmica estranha, desajustada. Passa-se o mesmo
no Estado.
De uma perspectiva geral, o “sofrimento organizacional” tem a ver com a
complexificação das organizações, fenômeno que acompanha a configuração das
sociedades modernas como sociedades complexas, isto é, despojadas de centros
unificadores claramente estabelecidos e legitimados de modo estável. Desse pon-
to de vista, as organizações imitam as sociedades e tendem, elas também, a ficar
progressivamente “decentradas”, pouco receptivas a esforços de unificação e fi-
xação de sentidos. Não se trata, portanto, da idéia tradicional de organizações
complexas, típica das teorias administrativas, cujo foco repousa muito mais na
conversão burocrática das organizações, na sua dilatação quantitativa e na sofis-
ticação/especialização das funções organizacionais, com desdobramentos eviden-
tes no plano da dimensão, dos organogramas e das hierarquias internas. (A este
respeito, cf. Etzioni, 1984).
As organizações, assim, “sofrem” por se ressentirem da ausência relativa
de centros indutores e vetores consistentes de direcionamento. Evoluem meio
fora de controle, ou meio artificialmente, como sistemas vazios de densidade co-
municativa, incapazes, portanto, de produzir consensos interpretativos, solidarie-
dade e formas espontâneas de coordenação. Os centros estão formalmente pre-
sentes, mas operam de modo pouco efetivo, não se legitimam com facilidade e
produzem escassos efeitos organizacionais. Conseguem, digamos assim, disse-
minar ordens administrativas e comandos de autoridade, mas não criam vínculos
ativos de vontade coletiva. Dominam, mas não se mostram capazes de dirigir. É
precisamente por isto que as organizações que “sofrem” não são necessariamen-
te organizações mal organizadas ou desprovidas de estruturas administrativas
visíveis e bem-aparelhadas. Elas estão administrativamente assentadas, mas o
aparato administrativo não se mostra solidarizado com as pessoas e só consegue
se vincular a elas a partir “de fora”, como mecanismo de coerção, bloqueio ou
burocratização.
Carentes de centros e impulsos espontâneos capazes de disseminar
interações comunicativas e campos de entendimento, os membros das organiza-
ções mergulham em uma espécie de mal-estar coletivo: convivem, interagem e se
comunicam, mas sentem-se como se não ganhassem nada com isso, como se
estivessem tendo de abrir mão de importantes dimensões de prazer e felicidade
para poderem aproveitar algumas vantagens da vida organizada. O convívio
organizacional torna-se, assim, fonte de desconforto e sofrimento, um fardo, do
qual todos querem se livrar o quanto antes – aposentando-se, refugiando-se em

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Organizações Complexas e Sociedade da Informação. O “Sofrimento” como Metáfora Organizacional

simulações ou entregando-se sofregamente a jogos de poder aparentemente


recompensadores. Para tentarem ser felizes, ou menos infelizes, os indivíduos
passam a procurar muito mais a “ausência de sofrimento e de desprazer” do que
“a experiência de intensos sentimentos de prazer” (Freud, 1997, p. 25). Sentem-
se particularmente ameaçados por aquele tipo de sofrimento que provém “de nos-
sos relacionamentos com os outros homens” e que, como observa Freud, é “mais
penoso do que qualquer outro”, já que a “fonte social do sofrimento” nos revolta
e nos abate, pois não aceitamos que “os regulamentos estabelecidos por nós
mesmos não representam proteção e benefício para cada um de nós” (Freud,
1997, p. 31). É como se, pensando weberianamente, tivéssemos criado a buro-
cracia tão-somente para nos entregarmos a ela e deixá-la nos torturar. 1
O “sofrimento” também provém da dificuldade de se enxergar com clareza o
que é “sucesso profissional”, o que se espera de cada integrante das organiza-
ções, que chances ele tem de “subir na vida”, projetar uma carreira ou traçar uma
trajetória futura. “Nesse mundo fluído e flutuante de estruturas flexíveis de em-
prego, o sucesso evidentemente ainda existe, mas seus contornos tornaram-se
imprecisos – é, quem sabe, mais um conceito retrospectivo que prospectivo” (Pahl,
1997, p. 18). Ainda por cima, as pessoas são forçadas a experimentar contínuos e
complicados processos de aquisição de novas identidades, por força das novas
configurações profissionais, dos valores emergentes e das mudanças que se su-
cedem no terreno das relações de gênero. Crenças e convicções são inevitavel-
mente abaladas, arrastando consigo boa parte dos equilíbrios existenciais e das
auto-imagens profissionais e pessoais.
Não é difícil imaginar a interpolação dessa cultura geral nas culturas
organizacionais concretas, no cotidiano das organizações. Como os ambientes
estão tomados pela mudança incessante, pela velocidade, pela sensação de
provisoriedade, pela pressa, eles se tornam ainda mais suscetíveis aos efeitos
desorganizacionais daquela interpolação. As culturas organizacionais ficam mal
compostas e deixam de fornecer abrigo e suporte aos indivíduos, que se descolam
delas e passam apenas a usufruí-las, quando possível, a sugá-las fisiologicamen-
te, a tolerá-las ou simplesmente a sofrer as conseqüências de viverem nelas. Re-
duzem-se os espaços para a proposição e a implementação de efetivos projetos
institucionais.
O “sofrimento” traduz claramente a ausência de um método de gestão que
assimile a complexidade organizacional e saiba lidar com os novos dados da vida,
da sociedade da informação: direitos, democracia, participação, velocidade, múlti-
plas racionalidades, movimentação, individualidades exacerbadas. Como as pes-
soas são levadas a mudar seus enfoques e suas expectativas em intervalos cada
vez mais curtos, adquirindo sempre novos hábitos, valores e habilidades, elas
passam a produzir efeitos pouco controláveis e pouco previsíveis sobre as organi-
zações. Na medida em que a gestão não capta este processo e reitera práticas
consagradas, produz-se um desajuste, uma falta de sintonia entre gestão e vida,
entre administração e cotidiano. O “sofrimento”, assim, expressa o desencontro
entre uma “racionalidade instrumental” instituída na cúpula diretiva e a
multiplicidade de lógicas e racionalidades que vigoram na organização como um
todo. É como se houvesse uma falta de consideração para com o fato de que as
organizações complexas reproduzidas pela sociedade da informação são organi-
zações plurais e reflexivas, nas quais coexistem distintos centros dinâmicos, mui-
tos interesses e expectativas, mais de uma meta.
É verdade que nas organizações atuais as pessoas já estão sendo tratadas
como sujeitos, seres ativos, autônomos, criativos e qualificados para fazer esco-
lhas. Cresceu muito, portanto, a sensibilidade para com as exigências da

1 Como é evidente, faço uso inteiramente livre de O Mal-Estar na Civilização, de Freud, sem ter
qualquer pretensão de chegar a uma interpretação criteriosa ou a uma incorporação crítica de seu
conteúdo essencial. O tema do mal-estar ou da malaise moderna (ou pós-moderna) está no centro
de diversos textos mais recentes, que exploram em maior ou menor grau a trilha aberta por Freud.
Cf Taylor (1994), Rouanet (1998) e Bauman (1998).

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Marco Aurélio Nogueira

modernidade radicalizada. Mas as organizações continuam a ser gerenciadas como


se houvesse uma única racionalidade gerencial, derivada de um taylorismo nomi-
nalmente ultrapassado mas sucessivamente atualizado e ainda seguido em mui-
tos de seus fundamentos: um único centro de deliberação, uma autoridade técni-
ca incontestável, um modo científico de fazer coisas, controles obsessivos, planos
e tarefas iguais para todos. As organizações funcionam e seguem em frente, mas
o mal-estar é inevitável. É como se a metáfora weberiana da “jaula de ferro”
fizesse sentido de um modo transverso: não há mais “máquinas inertes e espíri-
tos coagulados”, uma burocracia que a tudo se impõe, mas espíritos inquietos,
reflexivos, reivindicativos, que se sentem tolhidos ou desvalorizados por regras
de procedimento e sistemas de comando e controle que não os amedrontam nem
os rotinizam. Em vez do conformismo inerente à burocracia, tem-se agora “luta
pela vida”, dedicação à carreira, pouca lealdade e muito individualismo.
Mas o “sofrimento organizacional” não se confunde com caos. Há inúmeras
organizações bem-sucedidas, que funcionam com regularidade e exibem não só
resultados vitoriosos como também indicadores de coesão interna e satisfação
pessoal. Empresas e organizações do mundo dos negócios certamente inserem-
se nesse contexto de sucesso e solidez relativa, até mesmo porque são instigadas
o tempo todo a experimentar distintas estratégias para vencer a dura luta da
concorrência e da sobrevivência. A literatura especializada, aliás, acentua este
ponto de modo reiterado, sobretudo mediante a apresentação de casos em que
se registraram ajustes vitoriosos ou gestões particularmente empreendedoras.
Parece razoável, porém, vislumbrar, por trás desta analítica do sucesso em-
presarial, uma concentração nos temas que estão precisamente na base da hipóte-
se do “sofrimento organizacional”: vencem as empresas que conseguem motivar
seu pessoal, atingir novos padrões de identidade coletiva, promover arranjos hie-
rárquicos inovadores e, sobretudo, pôr em prática idéias e iniciativas integradoras,
ou seja, que conseguem superar um estágio marcado pelo desalento, pela corro-
são das identidades, por hierarquias pouco funcionais e pouco confortáveis, pela
falta de coesão e integração, fatores estes que responderiam diretamente pelo
fracasso do empreendimento ou por seu precário desempenho. Estratégias capa-
zes de gerar laços afetivos, relações de identidade e espírito de equipe poderiam,
então, não só levar os indivíduos a compartilhar universos simbólicos integradores
como também, a partir daí, promover a própria reposição ativa das organizações e
o alcance de índices mais elevados de êxito e satisfação.2
Não há porque desprezar o valor destas estratégias. Mas é bem mais plausí-
vel admitir que, no mundo dos negócios, onde impera a concorrência e preponde-
ram a incerteza, a instabilidade e a pressão, a integração organizacional resulta da
colocação em prática de modalidades unilaterais de autoridade técnica e direção. É
um taylorismo meio dissimulado, mas de algum modo uma prova da vitalidade das
idéias de Taylor. Se a questão é o máximo de eficiência e produtividade, é bem
melhor apostar na “gestão científica” e no sistema do que nas pessoas. A gestão
participativa funciona apenas como retórica para sinalizar uma expectativa de mu-
dança. Na prática, o que vigora é a preocupação em otimizar a produção. A satisfa-
ção pessoal e a “saúde” organizacional ficam, neste caso, estabelecidas em bases
precárias, sujeitas a oscilações e turbulências, mal conseguindo neutralizar o mal-
estar cotidiano que, nascido no ambiente externo, acaba por ser amplificado pelo
contexto interno das organizações. Com a radicalização da concorrência e a maior
velocidade da sociedade da informação, é de se imaginar que os ciclos “saudáveis”
das organizações sejam cada vez mais curtos. Muito provavelmente, este quadro
funciona como um aditivo para a proliferação meio caótica de modas gerenciais
sucessivas (qualidade total, reengenharia, valorização do cliente, equipes
multifuncionais, empreendedorismo). Dada a atual hegemonia das posições market
oriented, é fácil imaginar como tudo isto não permaneceu represado no universo
empresarial e encontrou as portas abertas para ingressar no setor público.

2 Cf. Vasconcelos & Vasconcelos (2003), que organizam uma bibliografia bastante indicativa a este
respeito.

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Organizações Complexas e Sociedade da Informação. O “Sofrimento” como Metáfora Organizacional

Pode-se dizer o mesmo da extraordinária importância adquirida, no univer-


so organizacional, pela chamada “gestão de pessoas”, expressão que atualiza
(em termos simbólicos mais que conceituais) o antigo conceito de gestão de recur-
sos humanos. Se antes, passada a fase rígida do taylorismo inicial e constituído o
capitalismo monopolista organizado em termos da regulação fordista, a ênfase se
concentrava na humanização das relações de trabalho, na motivação simples e na
busca de adesão como recursos disciplinares voltados para a produção de suces-
so e a estabilidade das empresas, agora, com o capitalismo globalizado e em
busca de regulação, a gestão de pessoas bate-se pela constituição de um imagi-
nário coletivo que “discipline” os indivíduos mediante estratégicas sofisticadas de
identificação e valorização profissional. (Cf. Cappelle & Brito, 2003). A ênfase pas-
sa então a recair sobre recompensas simbólicas, descentralização de estruturas e
decisões, comunicação horizontal, formação e capacitação, numa diluição das an-
tigas imagens do poder disciplinar instituído, concentrado e centralizado. Há mais
tecnologia que terror, para lembrar uma antiga figura retórica de Marcuse (1969,
p. 18). As inúmeras aplicações da monitoração computadorizada são apenas par-
te dos expedientes disciplinares de última geração.
Seja como for, “sofrimento organizacional” não é sinônimo de caos, ineficá-
cia ou ineficiência. É apenas o reflexo de um quadro em que certezas se conver-
tem em apostas, em que a perda de segurança é compensada pelo crescimento
das expectativas e das promessas, em que a movimentação é ela mesma um
valor, em que a obsessão pelo individual se combina com o aumento artificial dos
controles. Trata-se de um estado de turbulência e inquietação, no qual qualquer
decisão custa muito e produz poucos efeitos. Tudo isso cria inúmeros desafios
para a direção e a administração cotidiana. Por serem complexas e viverem em um
ambiente igualmente complexo, as organizações atolam-se em demandas e ativi-
dades que exigem processos de gestão ágeis e bem articulados. A cultura em que
se vive não aceita morosidade, desperdício, excesso de burocracia ou ineficácia.
Todos desejam participar e influenciar o tempo todo, e em boa medida podem
fazer isso sem muitas restrições ou dificuldades. Mas nem sempre existe disposi-
ção para assimilar os tempos mais longos que são inerentes às decisões. É um
paradoxo: desejam-se decisões rápidas e eficiência máxima (porque os proble-
mas se superpõem incessantemente) e ao mesmo tempo deseja-se deliberar a
respeito de tudo. O “sofrimento” reflete esse desencontro de expectativas.
Não surpreende que parte da literatura que se dedica à teoria das organi-
zações ou ao comportamento organizacional tenha se tornado receptiva a temas
e enfoques de fundo psicanalítico, ou, numa versão mais grosseira, à produção
em série de manuais de auto-ajuda, à invenção de expedientes dedicados a “fa-
bricar” e inocular emoções no cotidiano organizacional. Impressionados com a di-
nâmica deletéria dos ambientes tomados pela alta competitividade, pela mudança
incessante e pela velocidade, muitos estudiosos passaram a dar destaque às
“dores emocionais” que surgem no interior das organizações e se interpõem aos
relacionamentos, exasperando-os. Há mesmo quem dê atenção particular aos
desarranjos que liberam “toxinas” que deprimem as defesas organizacionais. O
próprio executivo muda de função e passa a ser visto como um “tratador de toxi-
nas emocionais”, qualificado para aliviar as condições que produzem fraqueza
organizacional (Frost, 2003).
A literatura especializada também tem procurado incorporar orientações
teóricas até então estranhas ao universo das organizações, tentando compreen-
der as dinâmicas organizacionais que ocorrem em contextos de mudança acelera-
da e turbulência, valendo-se, para tanto, de sugestões e perspectivas extraídas
da teoria do caos e da complexidade. Busca-se, com isso, pôr em xeque as con-
cepções que vêem as organizações como máquinas estáveis e perfeitas, orienta-
das para minimizar a incerteza, produzir “eficiência” e viver no equilíbrio. Em vez
disso, passa-se a valorizar a “desordem”, a instabilidade e o ruído como caracte-
rísticas inerentes à vida organizacional em condições instáveis: fontes de pertur-
bação, mas também de avanço, já que ajudam o sistema a aprender, a se auto-

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Marco Aurélio Nogueira

reorganizar e a adquirir assim uma complexidade ainda maior. As organizações,


assim, deixam de ser objeto da ação racional de dirigentes, gerentes e adminis-
tradores, convertendo-se em corpos que se auto-organizam em meio ao ruído. (A
este respeito, cf. Bauer, 1999).
Em outra chave explicativa, poder-se-ia dizer que aquele que se dispõe a
administrar as organizações complexas atuais não tem mais como ser apenas o
organizador principal das atividades, o fulcro do processo de tomada de decisões, a
manivela que faz girar a engrenagem organizacional, mas precisa agir como educa-
dor, como político, alguém que produz sentido para os demais e promove a constan-
te aproximação entre as pessoas e a organização: um intelectual – alguém que
reúne em si conhecimento técnico, liderança e capacidade de direção – mais que um
especialista, para usar uma famosa conceituação (Gramsci, 2000, p. 53).

CONCLUSÃO
Neste quadro de crise e “sofrimento organizacional”, em que transforma-
ções intensas e aceleradas exigem a mudança mas, ao mesmo tempo, tornam
tensa e difícil a mudança, passa-se a viver sob o constante risco de que se mude
sem rumo, projeto e direção. Na verdade, trata-se de um risco inerente a toda
fase de mudança intensificada: indivíduos, grupos e organizações, assim como
idéias e procedimentos, são arrastados e envolvidos pela onda transformadora,
que de certo modo se naturaliza. Passa-se a ter menos capacidade de resistir à
mudança ou de negociar os termos da mudança, ainda que se possa manifestar
indignação ou se protestar veementemente contra ela. A mudança, neste caso, se
impõe sobre os atores, forçando-os a se adaptar a ela e a desistir de direcioná-la.
O caráter complexo e dinâmico da época atual dificulta a reprodução e a
legitimação de procedimentos gerenciais fundados na mera reiteração da autori-
dade racional-legal. As organizações parecem imunes a normas estatutárias ou
regras sistêmicas duras. Tendem perigosamente para formas deliberativas imper-
feitas, isto é, impotentes para produzir decisões efetivas, que vinculem e solidari-
zem de modo sustentável. Longe de agregar valor à autoridade, a época transfe-
re expectativas para a construção dialógica das decisões. Exige, por assim dizer,
uma modalidade comunicativa de gestão.
Por expressar a inviabilização da idéia de que a força das organizações
nasce da capacidade que têm de existir como empreendimentos coletivos, o “so-
frimento organizacional” funciona como um poderoso freio para a renovação da
gestão e da governança. Dirigentes e gestores vêem-se diante de um paradoxo:
para transformar as organizações precisam fazer com que elas funcionem bem,
mas o terreno em que pisam está minado e não lhes concede nem adesões nem
consensos para esse duplo movimento. O quadro de “sofrimento”, aliás, subverte
precisamente a dimensão relacional, dialógica e cultural das organizações, cujo
peso estratégico específico é extraordinariamente significativo, como se sabe.
A resolução dos problemas organizacionais depende da assimilação de no-
vas técnicas e tecnologias e da adoção, pelas organizações, de perspectivas raci-
onais e critérios técnico-científicos de trabalho e gestão. Mas as chances de su-
cesso desse empreendimento dependem muito mais da modificação de padrões
culturais e da adoção de uma visão abrangente, compatível com a realidade do
país e do mundo. O processo não tem como se livrar de uma certa “lentidão”
decisional. O decisionismo, aliás, é seu pior inimigo. Afinal, mudanças no plano
cultural, deslocamentos de valores e construção de novos pactos de convivência
processam-se numa velocidade específica, mais baixa da que a que é típica das
mudanças no plano formal, técnico ou tecnológico.
A gestão democrática se qualifica pela capacidade de compreender os pro-
cessos sociais de modo crítico e abrangente, pensando a crise e a mudança acele-
rada. Em decorrência, debruça-se sobre as organizações não como algo dado,
mas como um vir-a-ser dialético, dinâmico, contraditório e imune a imposições ad-

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Organizações Complexas e Sociedade da Informação. O “Sofrimento” como Metáfora Organizacional

ministrativas, vindas “de cima”. Uma gestão deste tipo opera além do formal e do
burocrático e se compromete abertamente com o aprofundamento da democracia
e da participação, bases vivas de uma nova e mais avançada estrutura de autori-
dade. Mostra-se disposta a dirigir, coordenar e impulsionar a formação ampliada
de decisões, problematizando a improvisação e o decisionismo. Os resultados efe-
tivos a que almeja não se limitam, portanto, ao administrativo e ao contábil, mas
buscam transformar e dinamizar a organização como um todo.
Vivemos hoje em ambientes categoricamente organizacionais, sistêmicos,
nos quais uma “falta de liberdade confortável, suave, razoável e democrática”
(Marcuse, 1969, p. 23), convive e disputa espaço com formas de democracia em
gestação, com uma disposição participativa vigorosa, ainda que imperfeita, com o
surgimento acelerado de éticas alternativas. Há um cansaço explícito nas organi-
zações, que já não se pode mais ocultar. Mas as organizações não estão mortas.
Na verdade, estão em ebulição, revirando seus fundamentos. “Sofrem” também
por isso, mas se repõem constantemente, como recursos indispensáveis para a
potenciação da experiência humana.
Do mesmo modo que na sociedade e no Estado, a principal tarefa dos diri-
gentes democráticos e dos recursos humanos “inteligentes” no interior das orga-
nizações é de natureza ético-política: construir uma nova racionalidade (crítica e
comunicativa, em vez de instrumental), dar impulso a uma reforma cultural, agir
não para maximizar o uso da força, a eficiência a qualquer custo ou as razões
administrativas, mas para promover a reposição dos pactos básicos de convivên-
cia e a formação de novos alinhamentos políticos e intelectuais.
Se a metáfora do “sofrimento” é plausível e tem alguma utilidade, é porque
sugere um caminho para a gestão e para a convivência organizacional.

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REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

ESTUDOS ORGANIZACIONAIS: POSSÍVEL QUADRO


REFERENCIAL E INTERFACES

Michel Thiollent1

Resumo

Este artigo tem como objetivo esboçar de forma resumida uma visão dos
Estudos Organizacionais, praticável em nossas atuais condições de
trabalho universitário no Brasil, sem depender muito de padrões já
existentes. Apresenta um conjunto de reflexões provisórias, com alusões a
determinados autores ou escolas de pensamento que os estudiosos da área
reconhecerão com facilidade.

Palavras-chave: Estudos Organizacionais; Tendências; Métodos.

ORGANIZATIONAL STUDIES:
POSSIBLE REFERENCE FRAMEWORK AND INTERFACE

Abstract

This article aims to sketch briefly a vision of organizational studies ,


feasible in our current college working conditions in Brazil without much
depend on already existing standards. It presents a reflections set
provisional , with allusions to certain authors or thought schools which os
scholars will recognize easily.

Keywords: Organization Studies; Trends; Methods.

1 Professor Adjunto do PPGA-UNIGRANRIO. E-mail: m.thiollent@gmail.com


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Sociedade Brasileira de Estudos Organizacionais
ESTUDOS ORGANIZACIONAIS: POSSÍVEL QUADRO REFERENCIAL E INTERFACES
Michel Thiollent

Introdução

O objetivo é aqui esboçar de forma resumida uma visão dos Estudos


Organizacionais, praticável em nossas atuais condições de trabalho
universitário no Brasil, sem depender muito de padrões já existentes.
Precisamos evitar o mimetismo que é comum nos estudos convencionais e,
por vezes, continuado na busca de alternativas.
Trata-se de apresentar um conjunto de reflexões provisórias, com
alusões a determinados autores ou escolas de pensamento que os
estudiosos da área reconhecerão com facilidade. Nosso trabalho consiste
em pensamentos, opiniões, modos de ver, sugestões que resultam de um
percurso de algumas décadas de trabalho universitário, sempre
procurando mais liberdade e senso crítico, porém sem dogmatismo.
Assim, nesta comunicação, tentaremos definir o escopo dos Estudos
Organizacionais e esboçar um quadro referencial enfatizando o potencial
crítico. Sem preocupação com delimitações paradigmáticas, mostraremos
o espaço aberto por esses Estudos sobre temas e questões da realidade
organizacional com diversas interfaces sociais, psicológicas, políticas, as
quais podendo ser abordadas com interdisciplinaridade ou
trandisciplinaridade. Também será discutido o uso de vários métodos de
tipo qualitativo. À guisa de conclusão, serão evocados os compromissos
intelectuais vinculados ao desenvolvimento dos Estudos Organizacionais.
18 18
18
Escopo dos Estudos Organizacionais

Os Estudos Organizacionais constituem uma área de pesquisa sobre


organizações, suas características culturais, econômicas, políticas e sociais
e seus efeitos sobre os indivíduos e grupos que as compõem ou com que
interagem. Tal área requer conhecimentos oriundos de várias disciplinas,
ciências sociais e humanas teóricas e aplicadas, interfaces com filosofia,
epistemologia, psicologia, ética, tecnologia, biologia, ecologia e outras, a
serem articuladas de diferentes modos (inter ou transdisciplinar) e com
diversas ênfases temáticas.
O conceito de organização – que não se deve fetichizar – é aplicado
para designar empresas, como também instituições ou entidades públicas,
políticas ou sociais, e pode ser estendido a outros tipos de vida social
organizada. São estudadas as práticas organizativas como conjuntos de
ações, aplicações de princípios, exercício de poder e demais aspectos como
controle, regulação, descriminações, identidade e diferenciação cultural,
evolução, inovações, transformações e até destruição.
Os Estudos Organizacionais podem ser conduzidos em perspectiva
crítica, isto quer dizer, estudos em que não se adota a priori a
normatividade inerente às vigentes relações de poder, nem se conforma
aos interesses dos detentores do capital e de seus intermediários. Isto é

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diferente da maioria das concepções prevalentes em Administração de


Empresas ou de Negócios, porque não se restringe ao lado prescritivo da
gestão corrente que permanece norteada pela busca de lucratividade ou a
razão custo/benefício. Ao contrário, analisam-se as situações, interações
ou outras características relacionadas com estruturas, processos, efeitos
das organizações, com base nas perspectivas recíprocas dos múltiplos
atores envolvidos, inclusive as dos grupos subordinados ao poder e até as
dos outsiders, contestadores ou dissidentes.
O foco de interesse principal não está nas performances (ou
desempenho) de entidades, grupos ou indivíduos, mas no significado dos
fatos e comportamentos que acontecem no âmbito das práticas
organizativas.
As organizações agem e evoluem em função de fatores de competição,
posições de mercado, estratégias de atividades, interações em redes.
Todavia, sem se negar a importância desses fatos, podemos acrescentar
aspectos de cooperação e cooperatividade, lutas por posicionamentos
ideológicos, desdobramentos simbólicos e “efervescentes” imprevisíveis
na concepção instrumental das organizações. É também desejável prestar
atenção às condições de trabalho, condições de vida e saúde humana,
associadas aos modelos e práticas organizacionais. É conhecido o fato de
que, com a extrema competitividade, entre organizações ou internamente,
acentua-se a precarização do emprego, intensificam-se os ritmos de
trabalho, aumentam vários fatores: carga mental exigida, estresse, 19 19
19
depressão, riscos de acidentes em todos os setores de atividade (serviços,
indústria, agropecuária). Esses aspectos podem ser descritos e analisados
por disciplinas isoladas (ergonomia, psicologia do trabalho,
psicopatologia, etc.), como também interpretadas de modo mais
abrangente em Estudos Organizacionais.

Esboçando um quadro referencial para Estudos Organizacionais

Existem diversas concepções de Estudos Organizacionais nos mundos


anglo-saxônico, escandinavo, francofônico, latino-americano.
Os referenciais de Estudos Organizacionais, em perspectiva crítica, são
influenciados por autores de diferentes escolas de pensamento: marxismo,
anarquismo, pensamento nietzschiano, psicanálise, gramscismo,
pensamento da Escola de Frankfurt (incluindo autores fundadores e atuais
continuadores), fenomenologia, hermenêutica, existencialismo,
pensamento pós-moderno, pensamento de intelectuais franceses críticos
(filósofos, sociólogos, psicólogos, historiadores), pensamento crítico
brasileiro e latino-americano, inclusive teologia da libertação.

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Em muitos lugares do Norte tende a prevalecer o CMS – Critical


Management Studies – em que se desenvolvem críticas e visão alternativa
ao tradicional Management cujos pressupostos são geralmente neoliberais e
positivistas.
Sem dúvida, é de fundamental importância levar em conta as diversas
tendências internacionais e, em particular, a contribuição crítica do CMS,
porém isso não nos dispensa de pensar como docentes ou pesquisadores
do Sul, onde, de longa data, existem diversas tendências e nuanças de
pensamento crítico, expressadas por autores como Maurício Tragtenberg,
Alberto Guerreiro Ramos, Paulo Freire, Álvaro Vieira Pinto e alguns
outros. A releitura desses autores é importante para redesenhar os
referenciais de Estudos Organizacionais em perspectivas críticas
enraizadas na cultura do Sul.
Essas tendências constituem um pano de fundo com o qual o
estudioso pode fazer seleções ou opções para desencadear suas múltiplas
reflexões, observações, interpretações de fatos situacionais. Não são
consideradas como paradigmas e elas não existem de modo sucessivo,
uma apagando a anterior. São heterogêneas, há conflitos de interpretação,
oposições, contradições, por vezes complementaridade e consenso.
Importa aos pesquisadores conhecerem as características de cada
tendência para evitar confusões ou agregações artificiosas.
As múltiplas influências recebidas na área de Estudos Organizacionais
convergem, divergem ou se sobrepõem, criando espaços conceituais e 20 20
20
metodológicos qualitativos e diferenciados, devido às ênfases dadas a
diferentes tendências. Isso nos leva a abandonar o uso da classificação em
paradigmas, blocos de conhecimentos supostamente coesos que entram
em luta com os padrões anteriores para estabelecer nova ortodoxia. Tanto
a visão de paradigmas fechados como a visão fragmentada, ou mais
flexível das abordagens multiparadigmáticas, parecem inadequadas
diante da complexidade e multiplicidade das abordagens possíveis ou
existentes em dada época nas ciências humanas e sociais em geral e nos
Estudos Organizacionais em particular. Independentemente de Thomas
Kuhn, para certos pesquisadores, paradigma se tornou uma preocupação
de rotulação ou de classificação que simplifica demais as conjunturas
intelectuais, sempre mutáveis e inconclusivas, por vezes, confusas e
ambíguas. Para além da questão da unicidade ou da multiplicidade de
paradigmas (conjuntos ou subconjuntos de regras estabelecidas e
reconhecidas), os quadros referenciais operando nos Estudos
Organizacionais, aqui sugeridos, se abrem à intertextualidade ou à
interdiscursividade de diferentes atores sociais e ao debate entre
interlocutores de visões e posições diferenciadas. A imposição de regras
fixas limita a possibilidade de interlocução e interessa principalmente aos
grupos que querem exercer o poder ou se manter no poder. Em visão
alternativa, as regras são mutáveis, passíveis de várias interpretações,
formam um conjunto sempre incompleto e suas aplicações podem variar

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no tempo e no espaço. Além do lado explícito, há zonas de potencialidade,


virtualidade, latência.
A cultura do capitalismo e a visão de mundo que lhe é associada em
todos os níveis estão maciçamente propagadas pelas escolas,
universidades, meios de comunicação e mundo empresarial em geral. Está
presente nos discursos gerenciais, nos noticiários econômicos, na
propaganda comercial, nos conteúdos do ensino em Administração em
seus vários níveis. Parece existir um continuum entre o discurso
corporativo de comentaristas de rádio-TV e o de seletos doutores em
management. Diante desse cerceamento conformista, o pensamento crítico
tende a ocupar um espaço bem reduzido. A grande maioria dos alunos de
graduação em Administração, e de outras áreas, nunca estudou ou nem
sequer ouviu falar de autores críticos. Esses autores aparecem como
referências em certos cursos de pós-graduação ou em projetos de pesquisa,
mas mesmo assim, de forma minoritária.
Seja qual for a importância histórica que tiveram, as concepções
organizacionais desenvolvidas no passado dificilmente ultrapassam seu
tempo e, portanto, não dão conta de situações ou problemas atuais. É
preciso um esforço de contextualização e interpretação para se evitarem
no presente simples aplicações ou transposições. Existem usos
inadequados ou dogmáticos de concepções históricas de séculos passados
que se revelam prejudiciais à observação das realidades hodiernas e à
construção de novas explicações e/ou interpretações. Ademais, os saltos 21 21
21
da história transformam os significados. Para simplificar, digamos que o
Iluminismo europeu era progressista no século XVIII, na luta contra o
feudalismo e as monarquias, e seus desdobramentos favoráveis ao
capitalismo se tornaram reacionários e colonizadores a partir do século
XIX. Por sua vez, o marxismo era revolucionário ou emancipatório no
século XIX e tornou-se, em sua vertente “ortodoxa”, conservador e
autoritário no século XX. Cada doutrina segue um ciclo de vida. Em cada
época, o conhecimento do futuro precisa ser “inventado” ou construído,
com base nos escombros dos períodos anteriores. A história pode tratar de
resgatar a memória social e, em especial, a de movimentos de ideias ou de
formas de organização que foram esquecidas e que podem ser objeto de
ressignificação.
No mundo das organizações podemos constatar ao longo do tempo
oscilações entre o espírito de participação e o espírito autoritário. Existem
ciclos de autoritarismo, eventualmente seguidos por ciclos de busca de
democratização, participação, humanização. Nos anos 60, em países
escandinavos, a chamada “Democracia Industrial” com sistema de
negociação tripartite contribuiu para valorizar a participação dos
trabalhadores e dos sindicatos em algumas empresas e serviu de modelo
de inspiração em concepções gerenciais propagadas em diversos países.
Posteriormente, o modelo asiático com processos gerenciais mais
autoritários, sem reconhecimento da capacidade de ação ou da

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possibilidade de autonomia dos trabalhadores, acabou prevalecendo tanto


nas práticas quanto no ideário gerencial.
Novas formas de autoritarismo se manifestam nas empresas com a
radicalização do sistema de controle e vigilância, a banalização do assédio
moral e outros constrangimentos. Em ampla parte do mundo, isso se
constata, em particular, na conexão do ideário gerencialista do
neoliberalismo de origem ocidental com as práticas gerenciais de origem
asiática, de geração mais recente que o modelo japonês dos anos 1980,
levando a uma extrema pressão sobre os trabalhadores.
O questionamento do autoritarismo nas organizações pode ser
considerado como um dos eixos principais, da abordagem crítica em
Estudos Organizacionais. Vale destacar o estudo da evolução das formas
de autoridade e de autoritarismo nas organizações. O autoritarismo já era
analisado por Maurício Tragtenberg nos anos 1960/80, a crítica tem sido
continuada por Faria (2007). Foram também destacados outros aspectos:
Dejours (2000) fala em banalização do sofrimento no trabalho e da cega
aplicação de ordens vindas de cima, como no nazismo. Por sua vez,
Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 45-48) evoca o “fascismo social” nas
relações empresariais sob o domínio neoliberal, submetendo milhões de
pessoas aos interesses de grupos elitizados por meio de privatizações,
terceirização e outros tipos de regulação.
Outro eixo importante é a reafirmação da centralidade do trabalho
como objeto de estudo. Contrária à visão gerencialista que minimiza a 22 22
22
importância do trabalho humano e atribui à gerência a inteira valorização
da produção e todos os poderes decorrentes, a visão crítica põe em
evidência a coisificação à qual são submetidos os seres humanos como
meros apêndices dos equipamentos e máquinas.
De acordo com uma visão crítica dos Estudos Organizacionais,
podemos apontar alguns temas a serem aprofundados:
 Crítica das práticas, pressupostos e “fundamentos” do
conhecimento administrativo. Isto requer que se tome um recuo
com relação aos discursos dominantes e que se mobilizem todos os
recursos teóricos, conceituais e metodológicos possíveis, não
limitados a uma única escola de pensamento;
 Crítica dos conteúdos, estilos, condições de uso, publicação e
difusão de conhecimento em administração e gestão;
 Crítica dos efeitos de colonialismo das concepções provenientes do
Norte sobre as do Sul (mimetismo academicista, formalismo,
“ideias fora do lugar”, desconsideração das línguas e culturas
locais);
 Crítica da formação de estudantes em administração (conteúdo,
didática, visão de mundo propagada). Mesmo tipo de crítica
aplicada à capacitação ou reciclagem de gerentes;

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 Crítica dos modelos gerenciais com base nos seus efeitos nocivos
sobre as condições de vida e trabalho e sobre o meio ambiente. (Isso
abrange questões de saúde, inclusive saúde mental, acidentes,
insalubridade, insustentabilidade ambiental);
 Análise de experiências de resistência à imposição dos modelos
gerenciais, tanto nas práticas produtivas quanto nas de ensino ou
formação;
 Indagações sobre a possibilidade de modos de gestão alternativos,
com ênfase na cooperação, democratização, humanização,
solidariedade. Tais indagações levariam em conta experiências
históricas e subsídios teóricos recentes.

A ideologia dominante que anima os processos de ensino, avaliação e


publicação faz desaparecer da memória coletiva ideias e pensamentos que
criticam o sistema. É então importante resgatar o pensamento crítico do
passado, interpretar evoluções, remover esquecimentos. À luz de
conhecimentos enraizados em diferentes tendências e épocas, inclusive as
mais recentes, podemos refletir sobre a construção de novos quadros
referencias para focar e interpretar os problemas das situações atuais.
De modo geral, o quadro referencial proposto articula as análises dos
princípios teóricos e dos efeitos concretos na vida cotidiana. A crítica não
se limita a um discurso diferente do dominante, ela se apoia em
23 23
23
constatações de fatos, interpretações e discussão de valores. Argumentos
genéricos, contrários à razão instrumental, aos interesses do capital, por
exemplo, são insuficientes quando não contextualizados em estudos
concretos.
Para um estudioso, ser crítico é uma atitude intelectual de
distanciamento para com as interpretações dominantes. Essa postura não
deve ser objeto de surenchère ou de ranqueamento. Sempre há relativismo
no posicionamento crítico e, independentemente do contexto, parece inútil
estabelecer qualquer ranking de criticidade segundo o qual, de modo
definitivo, X seria mais crítico que Y, sem respeitar as peculiaridades e
circunstâncias de cada um.

Interfaces e interdisciplinaridade

Os Estudos Organizacionais podem ser apresentados como uma


encruzilhada estabelecendo múltiplas interfaces entre fatos ou situações
observáveis a partir de conhecimentos oriundos de várias disciplinas. Em
geral, é nessas interfaces que surgem interrogações novas e conhecimentos
novos.
Os conhecimentos preexistentes são agregáveis em torno do que é
convencionalmente designado por Ciência da Gestão (Management

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Science), só que em perspectiva não atrelada à normatividade das práticas


de gestão corrente. O pesquisador não se concentra na busca de soluções
técnicas e utilitárias para resolver problemas imediatos.
Os enfoques adotados são enriquecidos por conceitos e métodos
provenientes de várias áreas:
 Ciências sociais (sociologia, economia, história, antropologia,
ciência política, etc.) e especializações como sociologia do trabalho,
sociologia das organizações, sociologia econômica, sociologia dos
movimentos sociais, sociologia da inovação...
 Psicologia: Psicologia social, psicologia organizacional, psicologia
do trabalho, psicopatologia do trabalho, psicodinâmica do trabalho.
 Ciências da saúde: Medicina coletiva, psiquiatria, neurologia,
enfermagem, gerontologia, etc.
 Ciências ambientais: ecologia política, impactos ambientais,
trabalho, ambiente e saúde.
 Engenharia de produção, ergonomia, sistemas de informação,
ciências da decisão.
 Filosofia, epistemologia, ética e filosofia moral.
 Educação, inclusive de adultos, teorias da aprendizagem.
 Comunicação: comunicação organizacional, teoria da informação,
tecnologias de informação e comunicação, linguística, análises
temáticas, de conteúdo e discurso, semiótica, semântica, pragmática 24
24 24
da comunicação.

Os conhecimentos embasados nessas disciplinas, em termos de ensino


e pesquisa, podem estar inter-relacionados para dar conta das interfaces
entre as várias categorias de fatos, por exemplo, os procedimentos
gerenciais impostos e a multiplicação dos casos de depressão e suicídio
entre trabalhadores e executivos.
A interdisciplinaridade se situa em um nível superior ao da
pluridisciplinaridade. Mais que uma multiplicação de olhares
disciplinares, trata-se de promover abordagens transversais em torno de
temas agregadores, por exemplo, sofrimento psíquico no trabalho,
manifestações do autoritarismo, poder e cultura, assédio moral e violência,
democratização das relações de trabalho, criação de novas formas de
cooperação, etc. Consideramos que a interdisciplinaridade é uma condição
importante mínima para viabilizar academicamente os Estudos
Organizacionais.
Todavia, deve-se salientar que a proposta integrativa dos Estudos
Organizacionais não significa que as disciplinas consideradas percam sua
autonomia, a especificidade de suas problemáticas, suas próprias lógicas
de desenvolvimento, seus fóruns de debate e critérios de avaliação.
Especialistas de cada uma delas são apenas convidados a estabelecer
parcerias de pesquisa, de ensino ou de publicação, em tempo parcial, em

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torno de temas organizacionais, sob a “bandeira” dos Estudos


Organizacionais.
É possível ir mais longe com a transdisciplinaridade (NICOLESCU,
1999), muitas vezes confundida com a interdisciplinaridade, mas que é
mais ambiciosa porque, além das relações entre disciplinas convencionais
e das pontes que se podem erigir entre elas, existem outras propostas com
ênfase na complexidade, transversalidade, multirrefencialidade, que não
se limitam às disciplinas convencionais, mas estabelecem diálogos ou
interlocuções com outros tipos de saberes, culturas, expressões estéticas e
artísticas relacionados com os atores envolvidos nas situações. Esses atores
são também considerados de modo diferenciado em função de
características de gênero, etnia, religião.
A concepção transdisciplinar máxima pode ser aplicada aos Estudos
Organizacionais, mas é claro que isso representa um desafio maior em
termos de reconhecimento acadêmico e institucional. Os órgãos de
fomento aceitam com restrição o que chamam de “áreas
multidisciplinares” (simples adição de disciplinas convencionais), mas, em
muitos casos, não enxergam a especificidade da interdisciplinaridade e,
menos ainda, a ousadia da transdisciplinaridade que estabelece
interlocuções entre vários tipos de saberes, o que nunca se enquadra em
delimitações rígidas e regras burocráticas.
Uma atenção particular deve ser dada à relação que se estabelece entre
uma ideia geral, de ordem teórica ou filosófica, de determinada tendência, 25 25
25
com os dados empíricos, sejam eles qualitativos ou quantitativos,
coletados em uma situação concreta e atual. Pode acontecer um tipo de
“curto-circuito”, isto é, uma conexão fortuita e não fundamentada, entre
uma ideia geral produzida em um contexto filosófico, eventualmente de
um período passado, e um dado específico extraído de uma observação no
presente. É preciso tomar cuidado com a mágica das explicações obtidas
por coincidências entre conhecimentos e informações de níveis de
abstração diferentes e de contextos por vezes distantes. Também há riscos
de abusar de argumentos de autoridade para, em conformidade com a
teoria prévia, interpretar dados concretos que, em si mesmos, nem sempre
são muito significativos.

Uso de métodos

Por serem diversificados teórica e conceitualmente, os Estudos


Organizacionais também o são em matéria de metodologia. O uso de
números e de técnicas quantitativas não é proibido, mas é evidente que os
métodos de pesquisa qualitativa sejam privilegiados pela maioria dos
autores.
Entre vários métodos utilizáveis, podemos distinguir:
1) Métodos de observação: Trata-se de descrever os fatos e situações
concretas com a maior precisão possível e controlando vieses

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próprios à presença dos observadores. A observação pode ser


realizada por meio de entrevistas de diversos tipos, individuais e
coletivas, coleta de depoimentos, observação visual. Técnicas de
etnografia também podem ser utilizadas. Por meio de observação, e
mesmo com simples recursos de descrição, é possível mostrar uma
imagem da realidade “crua e nua”, contrapondo-a às
representações fantasiosas, simuladas, edulcoradas ou enganosas,
veiculadas pelos discursos dominantes. Nesse sentido, a observação
pode contribuir para a crítica, desde que o pesquisador seja capaz
de se livrar desses discursos.
2) Métodos de análise e interpretação. Devido à ênfase dada à
pesquisa qualitativa, os principais métodos a serem utilizados são
evidentemente de tipo interpretativo. Trata-se de analisar e
interpretar a linguagem, os discursos teóricos (doutrinas
organizacionais) e dos discursos práticos (falas de gerentes e outros
entrevistados ou testemunhas). Para as interpretações, diversos
recursos teórico-metodológicos podem ser considerados:
hermenêutica, compreensão fenomenológica, historiografia, análise
de narrativas, diálogos, análise crítica de argumentos, controvérsias
e debates polêmicos, teoria dos atos de fala, semiótica, psicanálise,
esquizoanálise, etc.
3) Métodos de design e planejamento. De modo propositivo, os
Estudos Organizacionais podem oferecer sugestões e 26 26
26
delineamentos para a criação (design) de novas formas
organizativas, procedimentos de planejamento de atividades ou de
instituições. O principal desafio é o de não se limitar a satisfazer
exigências funcionais, mas de efetivar a aplicação de critérios
orientados por valores democráticos ou emancipatórios.
4) Métodos de intervenção e participação. A possível adoção desse
tipo de método é amplamente aceita em Estudos Organizacionais,
como consta no Handbook of Organizacional Studies de Clegg et al.
(1996) e, também, entre partidários da pesquisa qualitativa em
geral. De acordo com Desroche, a participação nos processos de
pesquisa pode existir com vários graus de intensidade e várias
modalidades (THIOLLENT, 2006). Existem diferentes modalidades
de pesquisa-ação e pesquisa participante, das quais não falaremos
aqui. À participação correspondem regras de comportamento que,
sozinhas, não garantem uma postura crítica. A respeito disso, não
devemos entreter ilusões. A participação pode ser manipulada,
desvirtuada em cooptação; os interesses subjacentes dos
participantes podem distorcer seus discursos. A participação não é
panaceia e nunca é perfeita; no entanto, não é por isso que se deva
abandona-la. Recuar na participação pode significar voltar a uma
postura mais tradicional, mais fechada, unilateral, própria ao
cientificismo, impondo decisões sociopolíticas em nome da ciência.

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A participação é uma aposta para construir conhecimentos mais


adequados para ações propositivas. Ela apresenta uma
potencialidade crítica quando se contrapõe à exclusão ou à
unilateralidade das relações entre os atores, à imposição de padrões
elitistas, ou quando rompe o monopólio da interpretação.

Em síntese, do ponto de vista metodológico, os Estudos


Organizacionais rompem em grande parte com o padrão
positivista/moderno da investigação científica centrado em observação,
objetividade, experimento, comprovação de hipóteses, neutralização da
subjetividade do pesquisador, separação dos valores. Diferentemente, os
Estudos Organizacionais se distanciam do predominante modelo de
pesquisa das ciências exatas ou da natureza e possuem mais semelhanças
com os estudos culturais, estudos literários e outros tipos de estudos
humanísticos. Por sinal, existem na literatura, ricas analogias, metáforas,
dramatizações que são significativas para a compreensão de situações de
poder, sedução ou rejeição, encontráveis em organizações. O que importa
são as interpretações dessas situações problemáticas e a busca de possíveis
alternativas.
Outra questão metodológica recorrente em pesquisas, dissertações ou
teses em Estudos Organizacionais diz respeito ao ponto de partida, cujo
principal dilema é: ou partir de um quadro teórico prévio à pesquisa
empírica, recuperando abstratas contribuições de diversos autores 27 27
27
conhecidos, ou partir da observação de situações concretas ou da análise
de experiências profissionais para construir a partir delas sistematizações,
categorizações e, até, conceituações decorrentes, conforme a metodologia
da chamada Grounded Theory (TAROZZI, 2011) ou de propostas
construtivistas aparentadas que, eventualmente, se limitam à descrição.
Em nossa opção própria, endossada por antigas concepções da
interação entre conhecimento e ação, sugere-se que o ponto de partido
seja, de fato, a prática ou a experiência vivida, seguido por profundo
esforço de reflexão teórica embasada em concepções de autores
significativos, de competência específica e adequada à sutileza dos
assuntos tratados, mas, sempre completado por uma volta à prática ou à
experiência para enriquecê-la, ou redesenhá-la à luz da reflexão teórica e
conceitual. Em síntese, estamos sugerindo uma variante do conhecido
círculo ação-reflexão-ação, base de certa visão da dialética. Nesse círculo, o
teor da reflexão não é simples referência ou citação de autores famosos.
Pois, é comum encontrar na observação das práticas problemas concretos
que não possuem respostas prontas e elaboradas nas teorias conhecidas e,
então, precisam de um criativo esforço de argumentação, adaptação e
interpretação.

Conclusão

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Se o conhecimento é considerado como instrumento de poder,


também podemos imaginar formas alternativas que seriam instrumento
de contrapoder, oferecendo visões diferentes do mainstream e esclarecendo
as ações de determinados atores ou movimentos.
[No passado, intelectuais críticos costumavam se manifestar
publicamente. Sartre, Foucault e outros desciam na rua, iam à porta de
fábricas ou de presídios para externar suas posições. Até Bourdieu usou o
megafone numa assembleia de ferroviários em greve em 1995 contra o
neoliberalismo.]
Imaginamos que, hoje, os estudiosos críticos das organizações tenham
certamente algumas contribuições a dar aos trabalhadores sofrendo das
consequências dos modelos de gestão autoritária (ventilados pelos
manuais de management) e aos movimentos favoráveis a transformações
sociais orientadas por valores democráticos.
Em suma, os Estudos Organizacionais não servem apenas para
escrever artigos ou dissertações, têm papeis fundamentais a desempenhar
na sociedade para, por exemplo:
 Criticar as concepções e as práticas organizativas dominantes e
buscar propostas alternativas, embasadas em teorias e experiências
práticas;
 Criticar os efeitos nocivos dos modelos e das práticas organizativas
sobre sociedade, saúde, consumo, alimentação, cultura, meio
28 28
28
ambiente;
 Avaliar projetos organizacionais, projetos de desenvolvimento,
inovações tecnológicas e suas implicações organizacionais, com
critérios que não se limitam à razão custo/benefício;
 Dar voz a atores que estão expressando a possibilidade de
organizações diferentes.

Para uma maior circulação de informação e do conhecimento crítico –


não restrita aos pares e relevante para vários interlocutores sociais –, a
busca de canais alternativos é necessária e, também, grandes esforços em
matéria de ensino, promoção de eventos, divulgação e extensão
universitária.

Referências

CLEGG, S.; R.; HARDY, C.; NORD, W. R. (org.). Handbook of


organizational studies. London; Thousand Oaks; New Delhi: Sage, 1996.

DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 3.ed. Rio de Janeiro:


Editora FGV, 2000.

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FARIA, J. H. de. (org.). Análise crítica das teorias e práticas


organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007.

NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo:


TRIOM, 1999.

SANTOS, B. S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma


ecologia de saberes. In: SANTOS, B.S.; MENESES, M.P. (orgs.).
Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2004. p. 31-83.

TAROZZI, M. O que é a grounded theory. Metodologia de pesquisa e de


teoria fundamentada nos dados. Petrópolis: Vozes, 2011.

THIOLLENT, M. (org.). Pesquisa-ação e projeto cooperativo na


perspectiva de Henri Desroche. São Carlos: EdUFSCar, 2006.

29 29
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1 História da gestão – qual é a


futuro para a pesquisa sobre o passado?

Marie-Laure Djelic

Gerenciar é, etimologicamente, agir ou operar (agere) com a mão (manus).


Nesse sentido, a “gestão” poderia ser vista como uma “característica genética da humanidade”
(Le Texier, 2013: 191; Urwick e Brech, 1949; Wren e Bedeian, 1972). O uso amplo do termo,
porém, é na realidade bastante recente. Uma rápida pesquisa no GoogleNGram mostra que
o uso do termo “gestão” (na língua inglesa) começou a aumentar por volta da viragem do
século XX e explodiu a partir da década de 1950.1 Desde então, o termo parece ter-se
tornado omnipresente. A partir da década de 1950, a “gestão” impôs-se progressivamente
como uma nova forma de “religião” global, com as suas muitas igrejas (escolas de negócios),
os seus missionários (consultores de diferentes tipos), os seus sacerdotes (académicos e
todas as formas de gurus). , seus rituais (muitas formas de práticas gerenciais, modismos e
modas) e seus seguidores (gestores, tomadores de decisão, mas também todos nós) que
recorrem regularmente, em busca de conselhos e inspiração, aos 'textos' e às 'encíclicas'
( literatura e imprensa gerencial). Além disso, não só a “gestão” como actividade foi
institucionalizada e quase profissionalizada.
Também se expandiu e entrou em áreas da vida social e humana que até recentemente eram
estruturadas e regidas por tipos de lógicas muito diferentes. A consequência tem sido uma
gestão de “quase tudo” – as empresas privadas estão a ser geridas naturalmente, mas o
mesmo acontece com as administrações públicas, os hospitais, as escolas, as prisões, as
equipas de futebol, os museus e até mesmo o tempo, os conflitos ou as relações.

Assim, a gestão atingiu um estatuto de dado como certo, uma espécie de naturalidade que
a torna essencialmente transparente e invisível para nós, embora seja altamente estruturante
do que fazemos e até de quem somos. É aqui que a história da gestão não só pode como
deve ajudar. A gestão é uma instituição e como tal não é um biótopo natural. Todas as
instituições são sistemas construídos cultural, social e politicamente. A natureza e o processo
de construção moldam significativamente as instituições resultantes e os quadros ideológicos,
práticas e instrumentos a elas associados – com fortes consequências performativas.

O facto de gerirmos – em vez de, por exemplo, nutrirmos – as nossas organizações ou os


nossos relacionamentos não é certamente neutro. A nossa própria capacidade de pensar
em alternativas, contudo, implica, como primeiro passo, uma capacidade de desnaturalizar
o modelo dominante existente – a gestão. E uma ferramenta potente para desnaturalizar e, portanto,

1 Se procurarmos outras línguas (francês, alemão ou espanhol) não há nada antes da década de 1950, exceto o
traduções dos Princípios de Gestão Científica de Taylor.

1
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2 UMA AGENDA DE PESQUISA PARA ESTUDOS DE GESTÃO E ORGANIZAÇÃO

fragilizar as instituições é a desconstrução histórica das dinâmicas sociais, económicas,


políticas e culturais que as tornaram o que são hoje. A tarefa, além disso, é urgente:

É o perigo constante da falta de formação histórica, tal como infelizmente se tornou mais comum e está
se tornando quase respeitável em alguns círculos hoje - que uma determinada situação possa vir a ser
considerada como dada por Deus (ou natural) e os nossos preconceitos sejam erguidos em critérios
morais, com qualquer alternativa inconcebível e pensada apenas com estremecimento. (Badian, 1972: 12)

Tendo isto em mente, quais são as tarefas mais específicas que precisamos de empreender,
nos próximos anos, como historiadores da gestão? Proponho que precisamos, em primeiro
lugar, desmascarar os modismos e modas de gestão presentes e futuros, sublinhando a
natureza cíclica e não linear do tempo de gestão. Em segundo lugar, deveríamos concentrar-
nos na articulação de uma história da gestão com uma história do capitalismo contemporâneo
e das suas instituições. Terceiro, deveríamos explorar a institucionalização transnacional da
dinâmica da performatividade, dentro das empresas privadas, mas também muito mais além.
Finalmente, temos de desenterrar a dinâmica de poder por detrás da institucionalização da
gestão como instituição – para além das reivindicações de neutralidade e da prática despolitizada.

A natureza cíclica do tempo de gestão

A teorização de ideias e práticas de gestão como modismos e modas está agora bem
estabelecida na literatura (Abrahamson, 1991; Czarniawska, 2005; Rovik, 2011). Abrahamson
definiu uma moda de gestão como “uma crença colectiva relativamente transitória,
disseminada pelos criadores da moda, de que uma técnica de gestão leva ao progresso
racional da gestão” (Abrahamson, 1996: 257). A conceptualização da gestão como crença
colectiva é útil porque sublinha a construção social e temporal da gestão e as suas chamadas
“melhores práticas”. Além disso, a literatura foi além do mapeamento descritivo do ciclo de
vida de ideias ou práticas específicas como modas de gestão para se concentrar na “viagem
de ideias”, no trabalho de “transportadores” ou “criadores de moda” e na complexa dinâmica
associada. de imitação, adaptação, tradução e hibridização (Czarniawska e Sevón, 1996).

Estranhamente, o foco nas modas de gestão pode facilmente (e geralmente acontece) ser
acompanhado de uma compreensão linear do tempo. As modas de gestão são transitórias e
irregulares. No entanto, eles continuam seguindo um ao outro – quando um desaparece, outro
surge. A leitura do tempo aqui continua sendo aquela com a qual nos sentimos confortáveis
no mundo moderno – uma progressão e evolução linear, embora reconhecidamente irregular.
Há muito tempo, Crátilo, na sua interpretação de Heráclites, levou-nos nessa direcção – ao
sugerir que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio” (Jeannière, 1996). Esta leitura
particular do tempo como evolução linear tende a combinar-se, na modernidade, com uma
tendência progressista e teleológica, libertando-se muitas vezes da historicidade (Marx, [1848]
2002; Spencer, [1851] 1970; Durkheim, [1893] 2004). .

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HISTÓRIA DA GESTÃO 3

Em contraste, o tempo também pode ser visto como cíclico ou circular – repetindo-se e repetindo-
se sempre, pelo menos nas suas estruturas principais. Em vez de o tempo ser “a medida da
mudança” (Aristóteles, [350 aC] 1999: cap. 12), o tempo seria aquilo que nunca começa, se
move, muda ou para (Parmênides, [1955] 2006).

Proponho que o próximo passo na nossa investigação sobre modismos e modas de gestão seja
a exploração histórica da natureza da sua inscrição cumulativa no tempo (ver Czarniawska e
Joerges, 1996, para um primeiro apelo ao trabalho nessa direcção).
Para além da aparente natureza única e transitória de cada moda de gestão, uma perspectiva
historicista tentaria reconstituir as estruturas de longue durée (Braudel, 1958) que enquadram
não qualquer moda ou moda de gestão específica, mas a sua sucessão dinâmica ao longo do
tempo. Tal abordagem poderia permitir-nos mostrar não uma evolução irregular e linear – de
uma moda passageira para outra – mas ciclos relativamente regulares de modas ou modas
complementares. Permitiria identificar, para além das características únicas e específicas de
uma determinada moda, a sua semelhança com outras modas e a sua equivalência funcional
em ciclos recorrentes. Portanto, reconheceríamos, por exemplo, que uma moda de gestão que
gera uma maior centralização da tomada de decisões será provavelmente seguida por uma
moda que, em vez disso, promove a descentralização. Nesta perspectiva, o tempo de gestão
torna-se cíclico – e esta compreensão da longue durée traduz-se indiscutivelmente num maior
poder de previsão tanto para académicos como para profissionais.

A gestão como software de uma forma particular de capitalismo

Outro caminho importante a seguir pelos historiadores da gestão nos próximos anos é o de tentar
articular a história da gestão com a história do capitalismo contemporâneo e das suas principais
instituições. A gestão tal como a conhecemos hoje, com o seu carácter omnipresente, muitas vezes
parece ter vida própria. Como um complexo de conceitos e práticas, de fato o fez em grande medida.
Nesse sentido, está sem dúvida a ter um forte impacto performativo – transformando, à medida que
difunde, sistemas, estruturas e instituições (Edelman et al., 2001; Thomas, 2013; Emery e Giauque,
2014). Isto, contudo, não deve levar-nos a negligenciar o impacto complementar e parcialmente
inverso. Hoje, a gestão está de facto a realizar transformações estruturais e até institucionais.
Contudo, por outro lado, a gestão tal como a conhecemos não pode ser compreendida
independentemente da sua associação histórica com uma forma estrutural particular de capitalismo.
Historicamente, a gestão emergiu como o “software” de um tipo peculiar de sistema económico.

Na “criação”, por assim dizer, estava associado a um conjunto único de instituições que moldaram o
que era na altura uma forma revolucionária de capitalismo (Djelic e Amdam, 2007). Essa revolução
aconteceu na virada do século XX nos Estados Unidos.

Este período viu uma profunda reinvenção do capitalismo americano. Uma onda de fusões
numa escala historicamente sem precedentes levou à reorganização da maioria das indústrias
nos Estados Unidos como oligopólios (Sklar, 1988). Grandes empresas foram construídas a partir de

Marie-Laure Djelic - 9781784717025


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4 UMA AGENDA DE PESQUISA PARA ESTUDOS DE GESTÃO E ORGANIZAÇÃO

uma agregação de muitas pequenas e gigantes integradas foram constituídas sob um novo
estatuto jurídico – a sociedade anónima – iniciada em Nova Jersey e Delaware (Roy, 1997).
As emergentes sociedades por ações estavam frequentemente associadas a uma propriedade
dispersa e a separação entre propriedade e controlo foi uma consequência importante disso
(Berle e Means, 1932). Os proprietários tornaram-se detentores de ações (pedaços de papel
negociáveis em bolsas de valores), portanto, “acionistas”.
No processo, abandonaram a tomada de decisões quotidianas, deixando o espaço para os
decisores assalariados – ou “gestores”, como estes viriam a ser chamados em breve.
Os novos gigantes industriais ou de serviços exigiam ferramentas e técnicas que tornassem
possível planejar, coordenar, controlar e decidir independentemente do tamanho. Foi nesse
contexto estrutural e institucional em mudança que a “gestão” tal como a conhecemos
emergiu, tornou-se um trabalho e foi progressivamente profissionalizada. Escolas de negócios
foram criadas em todo o país, começando pela Wharton em 1881, e tornaram-se atores
importantes desse processo de profissionalização (Khurana, 2007). Mais tarde, a partir da
década de 1930, os consultores, uma imprensa dedicada e associações profissionais
fortaleceriam e institucionalizariam ainda mais a gestão como uma quase-profissão (McKenna,
2006).

Juntamente com a gestão e o seu desenvolvimento como actividade veio a estruturação


de um campo intelectual que competiu ao longo do tempo pelo estatuto de campo científico.
Nos primeiros anos, tanto a influência do modelo burocrático como o impulso científico foram
fortemente sentidos. Os princípios burocráticos pioneiros nas administrações e repartições
governamentais europeias foram adoptados e adaptados à grande empresa privada
americana, enquanto técnicos e engenheiros ponderavam sobre a “gestão científica” do
processo de produção. Em seu Os Princípios
da Administração Científica, Frederick Taylor decidiu em 1911 “provar que a melhor
administração é uma verdadeira ciência, baseada em leis, regras e princípios claramente
definidos como base” (Taylor, 1911, Introdução). Desnecessário dizer que a gestão, nesse
sentido, definiu e carregou a imagem de um mundo masculino.
A gestão refletia o sonho modernista de um controle absoluto sobre a matéria.
Os seres humanos racionais poderiam aceder e dominar a informação e as ferramentas
necessárias para maximizar o bem colectivo e induzir o progresso, tanto para a empresa
como para a sociedade em geral.

Historiadores e estudiosos de organizações com mentalidade histórica acreditam no poder da impressão e, como
Shakespeare, estão cientes de que “passado é prólogo” (Simsek et al., 2015). Assim, se quisermos compreender seriamente
a história da gestão, precisamos de explorar as raízes da sua impressão inicial e desenvolver uma história combinada do
capitalismo corporativo como “hardware” estrutural e da gestão como o seu “software”. Precisamos de revitalizar, por outras
palavras, o projecto weberiano de compreender a interação recíproca e a influência ao longo do tempo entre a estrutura
material de uma certa forma de capitalismo e o seu quadro ideológico associado. O objetivo não é

substituir uma interpretação causal materialista unilateral por uma interpretação causal espiritualista
igualmente unilateral da cultura e da história. Cada um é igualmente possível. Mas cada um, se não servir como

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HISTÓRIA DA GESTÃO 5

preparação, mas como conclusão de uma investigação, realiza igualmente pouco no


interesse da verdade histórica. (Weber [1904]2005: 125)

Naturalmente, explorar a impressão nas origens é importante, mas certamente não é


suficiente. Precisamos também de desenvolver programas de investigação historicamente
informados que explorem a dinâmica da influência recíproca ao longo do tempo entre as
instituições materiais do capitalismo moderno e o seu “software” – a gestão. A ideia é
descobrir mecanismos reforçadores ou por vezes conflitantes, afinidades eletivas, mas
também contradições potenciais e como elas devem ser resolvidas. Por exemplo, a partir
do final da década de 1970, o capitalismo corporativo e gerencial moveu-se cada vez mais
na direção de uma financeirização significativa (Krippner, 2005). Indiscutivelmente, a
financeirização pode ser vista como o retorno, com vingança, do proprietário ou, mais
exactamente, do accionista. O argumento dominante era então que os mercados
(financeiros/accionistas) eram melhores na alocação de recursos e na produção de
riqueza do que as burocracias de gestão, os cartéis ou os governos. Se pensarmos
analiticamente, o progresso da gerencialização e o progresso da financeirização/
mercantilização deveriam, se não excluir-se mutuamente, pelo menos gerar conflitos e
contradições. Em vez disso, o que aconteceu foi que as duas tendências chegaram a
tempo de se reforçarem e fortalecerem uma à outra. O resultado foi um compromisso, que
pode conduzir a um estranho monstro – a financeirização e mercantilização da gestão e a
gerencialização dos mercados financeiros e dos intervenientes nos mercados financeiros.
Precisamos urgentemente de escrever uma história deste compromisso surpreendente e
de como ele surgiu (para um primeiro passo nessa direção, ver Kipping e Westerhuis, 2014).

Executando a gestão – dentro e além das fronteiras


Sondar o passado para compreender o presente também é particularmente relevante se
quisermos dar sentido à performatividade extremamente difundida da gestão hoje.
Precisamos de programas de pesquisa historicamente informados que sigam os caminhos
pelos quais a gestão passou de “software” da grande corporação americana a ser
indiscutivelmente o sistema cultural dominante do nosso mundo contemporâneo – muito
além das fronteiras dos Estados Unidos e do mundo. paredes acolchoadas das sedes
corporativas.

O contexto geopolítico específico do período imediatamente após a Segunda Guerra


Mundial foi o pano de fundo para a difusão inicial da gestão – uma difusão geográfica, dos
Estados Unidos para partes limitadas do mundo (principalmente a Europa Ocidental). Os
Estados Unidos alcançaram então o estatuto de superpotência e projectaram riqueza e
poder insolentes no mundo (ocidental). A ligação foi muitas vezes feita então entre este
sucesso e as peculiaridades do capitalismo gerencial americano. As autoridades políticas
americanas, de facto, construíram a gestão nesse período como uma arma geopolítica
(Djelic, 1998). Nas palavras de Paul Hoffman, um alto funcionário do Plano Marshall, os
Estados Unidos deveriam “combater a linha do partido comunista com a linha de montagem
americana” (Hoffman, 1951: 87). Do outro lado do Atlântico, na Europa, reinavam o caos,
a miséria e a crise. Isso em breve também

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6 UMA AGENDA DE PESQUISA PARA ESTUDOS DE GESTÃO E ORGANIZAÇÃO

dependência implícita quando os Estados Unidos lançaram um importante programa de ajuda


em torno do Plano Marshall e iniciativas associadas. Como consequência, o desejo de imitar
encontrou-se com o desejo de projetar – e a gestão tornou-se objeto de exportação/
importação entre os Estados Unidos e vários países, principalmente na Europa (Djelic, 1998).
As missões de produtividade, onde os europeus “descobriram” o capitalismo americano e,
mais particularmente, a gestão, as visitas de peritos e os intercâmbios desempenharam um
papel nesta aculturação progressiva. A partir da década de 1960, a internacionalização de
empresas e prestadores de serviços americanos assumiu-se como um importante canal de difusão.
Contudo, ainda mais significativo a longo prazo, deve mencionar-se a estruturação progressiva
de um campo de educação em gestão na Europa a partir da década de 1950 (Djelic, 1998;
Engwall e Zamagni, 1998). Esta estruturação deu continuidade direta às iniciativas relacionadas
ao Plano Marshall e foi financiada em parte por fundações privadas americanas, como a
Fundação Ford (Gemelli, 1998).
Aliás, o primeiro presidente da Fundação Ford foi o próprio Paul Hoffman, depois de ter
deixado o seu cargo no Plano Marshall. Temos até agora uma série de explorações históricas
ricas sobre como este processo de difusão se desenrolou em diferentes países –
particularmente em França, em Itália ou na Turquia (Zamagni, 1995; Kuisel, 1997; Djelic,
1998; Usdiken, 2004). Ainda nos falta, no entanto, uma história transnacional sistemática
(Iriye, 2004) daquilo que foi, de facto, desde o início, um processo de difusão com ambição e
âmbito transnacionais (para um primeiro passo nessa direcção, ver Maier, 1977).

A difusão da gestão atingiu primeiro a Europa e o Japão (como país ocupado pelos EUA). A
queda do Muro de Berlim, em 1989, abriu novas fronteiras – e desde então a gestão rumou
para Leste (no sentido lato do termo). Embora a gestão se tenha espalhado como um conjunto
de ferramentas e práticas, a esfera intelectual e científica em torno do “conhecimento de
gestão” também se expandiu e amadureceu significativamente durante este mesmo período.
Aqui, mais uma vez, o alcance e o âmbito eram transnacionais. Os periódicos norte-
americanos tornaram-se referências globais e alvos de acadêmicos de todo o mundo. As
associações profissionais entraram em caminhos de internacionalização. Local ou
regionalmente, multiplicaram-se as iniciativas para estruturar o campo do conhecimento
gerencial. O número de escolas de negócios explodiu e o MBA (Master in Business
Administration) deixou de ser um diploma exclusivo dos EUA para se tornar um rótulo global ou “licença para ge
Foram criadas associações e conferências regionais, lançadas revistas e o inglês impôs-se
como língua franca desta comunidade intelectual e científica. A ampla difusão da gestão
como conjunto de ferramentas e práticas, mas ainda mais importante como instituição, marcou
assim a segunda metade do século XX. Curiosamente, a segunda fase da difusão geográfica
da gestão como instituição tem sido menos estudada do que a primeira. Uma explicação
parcial pode ser que a gestão já se tinha tornado tão institucionalizada que a sua expansão
poderia ser menos facilmente reconhecida como um processo de difusão. Temos muitas
contribuições acadêmicas sobre a difusão de ideias ou práticas de gestão específicas de um
ambiente para outro, mas falta-nos uma exploração mais macro desta segunda fase na
difusão transnacional da gestão como uma instituição importante do capitalismo contemporâneo
(para as primeiras tentativas nessa direção ver Mazza e Alvarez, 2000; Sahlin-Andersson e
Engwall, 2002).

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HISTÓRIA DA GESTÃO 7

Paralelamente a esta segunda fase de difusão geográfica, a gestão também passou a cruzar uma série de
outras fronteiras. Como espuma da onda neoliberal, a gestão espalhou-se por muitas esferas da vida social.
A Nova Gestão Pública e o seu sucesso mundial, em particular, levaram a gestão às administrações estatais,
aos sectores da saúde e da educação, bem como às prisões e às administrações de segurança nacional
(Bryans, 2000; Christensen e Laegreid, 2001; Kirkpatrick et al. al., 2009; Regini, 2011). Mesmo as
organizações culturais, desportivas e sem fins lucrativos foram gerencializadas em maior ou menor grau
(Lindqvist, 2012; Maier et al., 2014).

Inegavelmente, isso está tendo um impacto profundo. Ferramentas e conceitos de gestão estão até se
espalhando para instituições como a igreja e esferas da vida privada como o casamento e a família (Vinten,
2000). Até os indivíduos devem administrar a si mesmos, sua carreira, vida amorosa e sexual,
relacionamentos, autoapresentação (Drucker, 2008). As livrarias estão cheias de livros e guias de autogestão.
Mais uma vez, temos explorações históricas que se concentram em casos particulares – a gerencialização do
sector da saúde em Itália ou a gerencialização das universidades na Noruega, por exemplo. Falta-nos, no
entanto, uma historiografia ampla da macrotendência – o progresso da gestão como instituição em esferas
que costumavam ser organizadas de acordo com lógicas diferentes. Este tipo de exploração macro-histórica
e transnacional sistemática é um primeiro passo necessário para uma análise crítica da performatividade
contemporânea da gestão.

A dinâmica de poder da institucionalização

Outro desafio para os historiadores da gestão nos próximos anos é descobrir a dinâmica de poder da
institucionalização e a sua transformação e evolução ao longo do tempo. Indiscutivelmente, este projecto pode
decorrer em paralelo e em estreita interligação com a elaboração de uma história transnacional da difusão da
gestão como instituição, como foi solicitado acima. Destaco aqui esta dimensão porque diria que é
particularmente importante que não a percamos.

À medida que a gestão se tem difundido ampla e amplamente ao longo do último meio século, tornou-se de
facto uma instituição sólida, no sentido de um quadro cognitivo e ético estabilizado, moldando a forma como
nos relacionamos com o mundo e até mesmo quem somos para nós. uma extensão significativa. Esta
instituição é hoje decididamente transnacional. Como instituição, um quadro estruturante estabilizado, a
gestão está a tornar-se cada vez menos discutida e contestada. Na verdade, é cada vez mais transparente
para os próprios intervenientes e tem um ar de dado como certo. Em parte como consequência, a gestão
tornou-se, no processo, cada vez mais despolitizada, pelo menos na aparência. Quando a gestão surgiu, na
viragem do século XX nos Estados Unidos, era uma ferramenta de poder para os decisores sem direitos de
propriedade. Eles usaram essa ferramenta em suas interações tanto com os trabalhadores quanto com os
acionistas. A gestão, portanto, era um instrumento altamente político. Depois, após a Segunda Guerra Mundial,
a gestão foi claramente construída e apresentada como uma arma geopolítica. A gestão traria riqueza e
prosperidade aos países atingidos, afirmava-se. Fortuna

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8 UMA AGENDA DE PESQUISA PARA ESTUDOS DE GESTÃO E ORGANIZAÇÃO

e a prosperidade manteriam o comunismo sob controle. Nesse contexto, a gestão foi uma arma
importante da Guerra Fria e, mais uma vez, uma ferramenta altamente política.

Desde então, contudo, a evolução tem sido claramente no sentido de reivindicações de


neutralidade e de “pureza” científica. A gestão no seu conjunto apresenta-se preocupada apenas
com questões de eficiência e não com questões de poder. A institucionalização da gestão e a sua
ampla inscrição social através de poderosos mecanismos de socialização como a educação
facilitaram a reinvenção neutra e despolitizada da gestão. A formação de elites em todo o mundo
implica, hoje, alguma formação em gestão, de uma forma ou de outra – e isto é verdade para a
formação de elites em geral e não apenas para a formação de elites económicas. Naturalmente,
a gestão não é, na realidade, neutra nem despolitizada. Nunca foi e nunca será. Na verdade, o
próspero campo dos estudos críticos de gestão mostra isso muito bem (Alvesson et al., 2009).
Esta perspectiva crítica, no entanto, seria certamente enriquecida por uma exploração histórica da
dinâmica de poder em acção ao longo da longa duração no duplo processo de difusão e
institucionalização da gestão.

Estas dinâmicas e a sua natureza mudaram significativamente ao longo do tempo, como sugeri
acima. Inicialmente, o nexo para a dinâmica do poder era a legitimidade dos decisores sem direitos
de propriedade – aquelas pessoas que passaram a ser chamadas de gestores. A gestão como
prática e como corpo de conhecimento tornou-se uma instituição legitimadora e serviu claramente,
naquele período, aos interesses deste novo grupo de colarinhos brancos. Após a Segunda Guerra
Mundial, a gestão como instituição foi melhorada, por assim dizer, e transformada num instrumento
de guerra (fria) mobilizada pelo governo dos EUA e por uma série de fundações e empresas
privadas. O nexo da dinâmica de poder era então a luta geopolítica entre os Estados Unidos e a
URSS e o “choque de civilizações” que aparentemente lhe estava associado. Com a viragem
neoliberal, o nexo da dinâmica do poder parece ter-se tornado o elo entre os mercados financeiros
e o resto do mundo. Através de mecanismos que ainda precisam de ser descobertos, sugeri acima
que a gestão foi completamente cooptada e integrada no capitalismo financeirizado contemporâneo.

Indiscutivelmente, foi transformado e aproveitado para servir os interesses dos acionistas


contemporâneos – que são eles próprios, na maioria das vezes, grandes corporações (Palpacuer
et al., 2011). Além disso, o alcance semelhante a uma teia de aranha da gestão e dos sistemas de
gestão é tal que hoje é provavelmente mais adequado falar de hegemonia do que de poder. A
gestão tornou-se hoje um regime extenso de práticas e discursos disciplinares (Foucault, [1979]
2010) que inscreve o poder e os interesses dos acionistas financeiros no próprio coração de nós
mesmos, das nossas organizações e até mesmo dos nossos estados. O trabalho dos historiadores
seria muito bem-vindo para iluminar os processos e os mecanismos através dos quais a natureza
da dinâmica de poder inscrita na gestão como instituição veio a mudar ao longo do tempo de uma
forma tão consequente.

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HISTÓRIA DA GESTÃO 9

Algumas palavras finais

Um rápido acompanhamento histórico do moderno termo inglês “management” parece sugerir


um empréstimo de um uso antigo em italiano e em francês. A palavra italiana maneggiare –
obviamente intimamente ligada à etimologia apresentada acima, agir ou liderar com as mãos
– já era usada no século XVII e significava “controlar”, “ter nas mãos”, inicialmente no que diz
respeito a um cavalo. Na França, o termo manège foi cunhado quase na mesma época para
se referir ao local e às práticas associadas onde os cavalos eram treinados e controlados.
Outra possível influência pode ser o termo francês ménagerie. Essa palavra foi usada
principalmente na primeira parte do século XVIII para significar “cuidar da casa” (um ménage
é uma casa). Cuidar da casa naquele período implicava geralmente a criação e o cuidado
dos animais domésticos – daí encontrarmos aqui uma noção paralela às palavras maneggiare
e manège no sentido de liderar e controlar animais. Não está claro exactamente como e em
que condições a palavra “gestão” foi cunhada em inglês – mas certamente esteve
historicamente ligada aos antepassados italianos e franceses. O facto de a palavra que
usamos hoje para falar da organização e controlo dos seres humanos e das suas actividades
ter as suas raízes em palavras que inicialmente foram cunhadas e usadas para se referir ao
controlo dos animais é algo perturbador. Também sugere, porém, que uma genealogia
conceptual do termo gestão está atrasada.

A genealogia conceptual é uma história de conceitos entendida como “representações


mentais das categorias do mundo” (Adcock, 2005: 3). É uma história de sucessivas
“interpretações” que apontam para diferentes “sistemas de regras” e regimes de poder
(Foucault, 1984: 86). Um uso naturalista e a-histórico de conceitos coloca grandes limites à
nossa compreensão da realidade social, levando a problemas como inadequação teórica,
confusão na análise e validade duvidosa dos conceitos utilizados. Uma compreensão mais
profunda implica que sejamos capazes de traçar interpretações alternativas de conceitos
partilhados por agentes históricos em diferentes “situações” (Palonen, 2002: 103). Assim, um
exercício de genealogia conceptual não deve apenas levar a uma compreensão mais
profunda de um conceito particular, mas também deve fragmentar e perturbar o que
geralmente vemos como a base das nossas ideias e práticas atuais (Miller e O'Leary, 1987:
238). e, no processo, abrir a possibilidade de agir sobre a realidade social, económica e
política. Recentemente, estudiosos de diferentes disciplinas começaram a usar a abordagem
genealógica para estudar uma série de conceitos centrais para o nosso mundo contemporâneo:
custeio padrão (Miller e O'Leary, 1987), pobreza (Dean, 1992), soberania (Bartelson, 1995)
ou responsabilidade limitada e risco moral (Djelic e Bothello, 2013). Precisamos de fazer isto
muito em breve para uma palavra-chave como “gestão”.

No final do século XVIII e mais claramente no século XIX, a palavra francesa ménagerie
desvinculou-se da sua associação original com a economia do agregado familiar e
transformou-se para se referir apenas a um local onde os animais eram cuidados e controlado
– ou na realidade não conseguiu ser controlado! Hoje, a palavra é usada principalmente
simbolicamente para sugerir caos e

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10 UMA AGENDA DE PESQUISA PARA ESTUDOS DE GESTÃO E ORGANIZAÇÃO

caos – por outras palavras, um ménagerie é mais frequentemente um “zoológico” tanto no sentido
real como no sentido simbólico. Isto tenderia a sugerir que o projecto de “liderar”, “controlar” e
“guiar” os animais associado às primeiras noções de manège e ménagerie pode ter sido uma
ilusão. Uma genealogia conceptual poderia ajudar-nos a explorar se este também tem sido o
caso com a gestão!

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Revista de
Administração
Contemporânea
Journal of Contemporary Administration e-ISSN: 1982-7849

Editorial

Refletindo sobre Administração Contemporânea


Reflecting on Contemporary Administration

Marcelo de Souza Bispo*1,2

PREÂMBULO

Neste primeiro editorial da Revista de Administração Como meio de oferecer à RAC foco e escopo que consigam
Contemporânea (RAC) sob a minha gestão, gostaria de, diferenciá-la da BAR, o grupo de trabalho e os atuais
primeiramente, manifestar a minha alegria e motivação editores associados da RAC definiram que a ideia de
para dar continuidade ao trabalho científico e editorial da ‘contemporâneo’ é o melhor caminho para justificar o nome
revista que já está próximo de completar 25 anos. Agradeço da revista e honrar a sua trajetória ao longo de quase duas
pela confiança da atual diretoria da ANPAD (2021-2024) décadas e meia. Entretanto, ao mesmo tempo que a palavra
e a todos os editores que me antecederam (Clóvis Luiz ‘contemporâneo’ parece ser muito adequada para pensar
Machado-da-Silva, César Gonçalves Neto, Tomas de a administração e ser supostamente conhecida por todo o
Aquino Guimarães, Rogério Hermida Quintella, Herbert público da RAC, apresentar um entendimento adequado
Kimura e Wesley Mendes-da-Silva) por suas contribuições para ela é algo complexo e necessário.
oferecidas à RAC de modo que ela pudesse chegar ao
patamar de excelência em que se encontra hoje. Espero estar Nesse sentido, apresento dois pressupostos que
à altura (juntamente com toda a equipe editorial) para que vão ajudar no desenvolvimento das ideias que seguem na
a RAC continue sendo referência nacional e avance ainda sequência. O primeiro deles é que ‘contemporâneo’ não se
mais internacionalmente no campo da administração. refere à simples definição de dicionário de algo que pertence
Estou ciente das responsabilidades e desafios que temos pela ao tempo atual ou ainda de algo que existiu em uma mesma
frente. época. O segundo diz respeito à amplitude de possibilidades
Feitos os agradecimentos iniciais, pretendo, neste do contemporâneo, ou seja, ao mesmo tempo que é possível
texto, apresentar algumas reflexões acerca do que representa pensar pesquisas de todas as áreas de forma contemporânea,
a ideia de ‘administração contemporânea’. Tal iniciativa nem tudo cabe dentro do escopo da RAC. Tendo em
parte de uma demanda da atual direção da ANPAD perspectiva esses dois pressupostos, ofereço uma reflexão
em definir focos e escopos mais claros para as revistas da sobre o que podemos pensar como ‘contemporâneo’. A
associação, a RAC e a BAR - Brazilian Administration proposta é refletir sobre a concepção de ‘administração
Review, com a ajuda de um grupo de trabalho formado contemporânea’ que a RAC pretende debater junto ao meio
por pessoas com ampla experiência científica e editorial. acadêmico e à sociedade de maneira mais ampla.

* Autor Correspondente. Como citar: Bispo, M. de S. (2022). Refletindo sobre administração contemporânea. Revista de
Administração Contemporânea, 26(1), e210203. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210203.por
1. Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-Graduação em Administração, João Pessoa, PB, Brasil.
2. Editor-chefe da RAC - Revista de Administração Contemporânea.

Revista de Administração Contemporânea, v. 26, n. 1, e-210203, 2022 | doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210203.por| e-ISSN 1982-7849 | rac.anpad.org.br 1
Refletindo sobre administração contemporânea M. de S. Bispo

SOBRE A NOÇÃO DO QUE VEM A SER A administração contemporânea precisa se engajar em como
CONTEMPORÂNEO promover uma relação mais equilibrada entre o mundo dos
negócios e a sociedade (Fleming & Oswick, 2014; Rhodes
& Fleming, 2020; Zanoni, Contu, Healy, & Mir, 2017).
O entendimento de que o ‘contemporâneo’ é tudo
aquilo que se refere ao tempo presente é muito comum em Uma boa iniciativa para pensarmos o contemporâneo
diversos contextos, inclusive o acadêmico. É recorrente o foi a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
uso dessa palavra sem problematizá-la como se fosse dada da Organização das Nações Unidas (ONU) que apresentam
(taken for granted). A minha ideia aqui não é monopolizar desafios contemporâneos que a sociedade global enfrenta
o entendimento e o uso geral da palavra ‘contemporâneo’, e precisa mitigar. Questões, por exemplo, relacionadas
mas de oferecer uma perspectiva que reflita um conceito à pobreza e desigualdade, meio ambiente, educação de
que está alinhado com o foco e o escopo da RAC. Assim, qualidade, trabalho decente, consumo responsável, energia
o contemporâneo tem a ver com a condição que pessoas limpa, paz e justiça não podem deixar de serem levadas
têm de aprender o seu tempo sendo capazes de realizar em conta quando fazemos pesquisa em administração
aproximações e distanciamentos em relação a ele (Agamben, contemporânea. Os debates sobre a relação entre teoria e
2009). Quem está muito preso ao contemporâneo não prática (Bispo, 2021; Lundberg, 2004; Van de Ven, 1989),
consegue interpretá-lo, justamente pela falta de capacidade assim como do impacto da pesquisa (Edwards & Meagher,
de se descolar dele, ou seja, de estranhá-lo para depois 2020; Godin & Doré, 2005; Gunn & Mintrom, 2017;
conhecê-lo e refletir sobre ele. O contemporâneo é sempre Sandes-Guimarães & Hourneaux, 2020), perdem o sentido
resultado de um processo histórico que nos ajuda a (re) se não estiverem alinhados coerentemente com os temas
conhecer o presente. “O que nos torna contemporâneos, relevantes do contemporâneo.
então, não é a condição temporal do presente, mas a
atualidade de uma questão que nos implica enquanto Boa parte do problema levantado sobre uma suposta
atores das práticas que paradoxalmente se inscrevem em dicotomia entre ‘teoria e prática’ (Lundberg, 2004; Van
nossos tecidos” (Pacheco, 2010, p. 88). O contemporâneo de Ven, 1989) no campo da administração (Bispo, 2021)
não está atrelado, exclusivamente, ao tempo presente, está, justamente, em como muitos pesquisadores da área
mas tem a ver com um “regime de identificação” que nos ignoram os problemas sociais. Assim, vários conceitos e
permite perceber temas relevantes para o mundo atual modelos propostos desconsideram o contexto social e os
(Rancière, 2005, p. 28). O contemporâneo traz em seu reais motivos e interesses de vários discursos dominantes
bojo um “conjunto de questões que permanecem relevantes (especialmente na área de negócios). Eles distorcem ou
para o melhor entendimento das pessoas e do contexto ‘criam’ uma realidade que atende a interesses específicos
sócio-estético-político em que atuam, criam, pensam e e são vendidos como bem comum (Dardot & Laval,
transformam” (Almeida, 2012, p. 73). 2013; Rhodes & Fleming, 2020; Zanoni et al., 2017). Se
o que fazemos parte de ideias que não levam em conta o
mundo concreto, vivido, como será possível aproximar
ADMINISTRAÇÃO CONTEMPORÂNEA teoria e prática? Nós da administração costumamos ter
certa soberba em achar que sabemos como as coisas devem
Pensar o contemporâneo no contexto da ser ou funcionar criando modelos que buscam ‘enlatar’ a
administração vai além de uma questão cronológica do realidade (Ghoshal, 2005). É a lógica do ‘enlatamento’ que
presente. Ela deve caminhar no sentido de reconhecer transforma uma relação simbiótica em outra dicotômica no
no hoje uma construção histórica que entrelaça passado, que diz respeito a ‘teoria e prática’.
presente e futuro e possibilite compreender formas atuais
de agir e organizar da sociedade. Mas, ao mesmo tempo, a Algo semelhante também está presente quando
administração contemporânea deve ser também capaz de falamos de ‘impacto’ da pesquisa. É interessante perceber
reconhecer, refletir e atuar nos temas que se apresentam que academicamente assumimos que impacto é bom! Nos
relevantes no mundo atual. Portanto, a administração esquecemos de problematizar o assunto e de lembrarmos
contemporânea não se resume ao que acontece no presente que nenhum impacto é unidirecional (Bispo & Davel,
e nem deve estar descolada do contexto social do qual ela in press). Ou seja, o que pode ser considerado impacto
faz parte. Nesse sentido, a administração contemporânea positivo para alguns, pode ter uma conotação negativa
não pode ser resumida a uma prática individualista e para outros. Há necessidade de avaliação criteriosa das
supostamente ‘racional’ (Cabantous & Gond, 2011) que múltiplas consequências do que chamamos de ‘impacto’.
se apresenta como neutra, apolítica e não problemática Precisamos tomar cuidado para que a prática científica não
(Alvesson & Willmott, 1992). Nem mesmo pode estar esteja resumida ao que é ‘aplicável’ e ‘útil’ para a sociedade,
orientada exclusivamente para maximização de lucros e bem- quando, na verdade, a ‘sociedade’ está resumida a grupos
estar financeiro de uma minoria (Pio & Waddock, 2021). de interesses que buscam legitimar suas intenções por meio

Revista de Administração Contemporânea, v. 26, n. 1, e-210203, 2022 | doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210203.por| e-ISSN 1982-7849 | rac.anpad.org.br 2
Refletindo sobre administração contemporânea M. de S. Bispo

de leis e discursos totalizantes sob o argumento de que se relacionadas à administração de empresas, organizações
trata do ‘bem comum’ (Godin & Doré, 2005; Pitman & públicas ou sociedade civil. Nesse sentido, todas as áreas
Berman, 2009). Cabe lembrar que a definição do que é bom da administração podem oferecer diferentes olhares e
para a sociedade sempre carrega algum grau de controvérsia contribuições de como a administração contemporânea
e polêmica (Gunn & Mintrom, 2017). pode se associar na produção de conhecimento orientado
Nesse sentido, pensar impacto na administração por questões éticas, de diversidade, de responsabilidade, de
contemporânea exige um olhar que vá além da lógica governança e de sustentabilidade que ajudem a construir
gerencialista (Clegg, 2014; Klikauer, 2013) que se esconde relações humanas melhores.
(em geral) dos problemas sociais se apresentando como Uma maneira de conseguir entender como a
‘técnica’, ‘neutra’ e 'apolítica'. Ora, existe coesão social administração pode contribuir com as questões relevantes do
e sociedade sem política? Não podemos confundir a contemporâneo é conhecer os Objetivos de Desenvolvimento
gramática político-partidária no Brasil (Nunes, 2010)
Sustentável da ONU. A ideia não é vincular nenhum
com o conceito clássico de política (Aristóteles, 1997). A
trabalho a algum objetivo específico proposto pela ONU,
noção política aristotélica busca, justamente, promover a
felicidade humana e o bem coletivo. Se realmente quisermos mas ter em mente o que está sendo considerado como
avançar de modo que as nossas pesquisas tenham um desafiador e importante para o bem-estar global. Trata-se de
impacto positivo, precisamos avaliar os grandes desafios fazer um exercício reflexivo que leve a uma autocrítica do
sociais e pensar como a administração contemporânea pode trabalho realizado. Em outras palavras, a RAC espera que
contribuir no enfrentamento deles. É preciso avaliar se o os autores reflitam sobre as seguintes perguntas: O meu
impacto gerado não atende apenas a interesses de poucos trabalho atende a interesses específicos que não contribuem
frente ao bem comum. É como defende Almeida (2012): ou atrapalham a realização do bem comum? Será que o meu
“contemporâneo é, portanto, aquele que consegue ver no trabalho promove relações precárias de trabalho, impactos
presente o que está subentendido, sugerido nas entrelinhas, negativos ao meio ambiente, desconsidera a diversidade ou
oculto ou cego pela clareza sedutora e ludibriante do coloca o lucro em prioridade face à segurança, à equidade e à
imediato” (Almeida, 2012, p. 80). justiça social? As respostas a essas perguntas visam a estimular
que os trabalhos publicados na RAC estejam alinhados à
ADMINISTRAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA promoção de conhecimentos que ajudem a sociedade (como
um todo) a enfrentar os seus dilemas e desafios.
RAC
Que a RAC possa continuar sendo uma revista
Diante do que já foi apresentado até aqui, resta científica contemporânea apta a fomentar e promover
comentar de maneira mais específica o que a RAC conhecimentos capazes de provocar na área de administração
espera publicar. O foco das publicações na RAC está em práticas no mundo dos negócios, na administração pública,
responder aos desafios contemporâneos da sociedade com no terceiro setor ou mesmo na sociedade cível que sejam
novas possibilidades teóricas, metodológicas e práticas, socialmente responsáveis.

REFERÊNCIAS

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Revista de Administração Contemporânea, v. 26, n. 1, e-210203, 2022 | doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210203.por| e-ISSN 1982-7849 | rac.anpad.org.br 4
Refletindo sobre administração contemporânea M. de S. Bispo

Autoria Pablo Isla Madariaga (Universidad Técnica Federico Santa María,


Chile)
Marcelo de Souza Bispo* Paula Castro Pires de Souza Chimenti (UFRJ/Coppead, Rio de
Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-Graduação em Janeiro, Brasil)
Administração. Rafael Chiuzi (University of Toronto Mississauga, Mississauga,
Campus I, Lot. Cidade Universitaria, 58051-900, João Pessoa, ON, Canadá)
PB, Brasil. Sidnei Vieira Marinho (Univali, São José, SC, Brasil)
E-mail: rac-eic@anpad.org.br
Corpo Editorial Científico
https://orcid.org/0000-0002-5817-8907
André Luiz Maranhão de Souza-Leão (UFPE, Recife, CE, Brasil)
* Autor Correspondente Aureliano Angel Bressan (CEPEAD/UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil)
Bryan Husted (York University, Canadá)
Conflito de Interesses Carlos M. Rodriguez (Delaware State University, EUA)
​O autor informou que não há conflito de interesses. Cristiana Cerqueira Leal (Universidade do Minho, Portugal)
Diógenes de Souza Bido (Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil)
Direitos Autorais Erica Piros Kovacs (Kelley School of Business/Indiana University, EUA)
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Revista de Administração Contemporânea, v. 26, n. 1, e-210203, 2022 | doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210203.por| e-ISSN 1982-7849 | rac.anpad.org.br 5
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Organizações complexas ainda complexas

Artigo no International Public Management Journal · Abril de 2007


DOI: 10.1080/10967490701323662

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Bárbara Czarniawska

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Gestão Pública Internacional


Diário
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Organizações complexas ainda complexas

Para citar este artigo: Czarniawska, Barbara, 'ComplexOrganizations Still Complex', International Public
Management Journal, 10:2, 137 - 151 Para vincular a este artigo: DOI:
10.1080/10967490701323662 URL: http://dx.doi.org /
10.1080/10967490701323662

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© Taylor e Francisco 2007


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Internacional
Público
Gerenciamento
Diário

ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS AINDA COMPLEXAS

BARBARA CZARNIAWSKA
UNIVERSIDADE DE GÓTEBORG

Escrevi pela primeira vez em 1992 sobre Organizações Complexas de Charles Perrow, começando com a
observação de que a primeira edição do livro apareceu em 1972.
Em meu texto, baseei-me no artigo autobiográfico de Perrow, '''Zoo Story' or 'Life in the Organizational
Sandpit''' (1980;1983) para comentários sobre o período entre 1972 e 1986 que dividiu as duas edições.
Duas décadas se passaram desde aquela edição de 1986, e muitas coisas aconteceram, incluindo o
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reforço e o aguçamento de sua mensagem por parte de Charles Perrow em seu artigo de 1991, “Uma
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Sociedade de Organizações”. tornaram-se mais relevantes e algumas conclusões são mais convincentes
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em 2006 do que eram em 1986 ou 1991.

Mas, como Wolfgang Iser (1978) apontou na sua teoria da resposta do leitor, qualquer interpretação
envolve um texto, um leitor e as circunstâncias da leitura. O texto pode ser o mesmo, mas o leitor e as
circunstâncias mudam de uma leitura para outra; é esse triângulo que produz uma resposta.

A seguir, primeiro examino as metáforas primárias de Perrow à luz das preocupações atuais e, em
seguida, lembro ao leitor a linha principal das Organizações Complexas e do trabalho de Perrow em
geral. A seguir, recordo as recomendações metodológicas de Perrow, discuto a sua versão da teoria do
poder e considero a possibilidade de os estudos organizacionais irem além das organizações. O artigo
finaliza com reflexões produzidas a partir de uma releitura de Organizações Complexas.

A NATUREZA DA BESTA, OU NAS METÁFORAS

Como vivemos numa sociedade organizacional, quase tudo o que pudermos aprender sobre
eles nos ajudará a sobreviver entre eles e dentro deles... (272). Mas dada a nossa pequena
população na caixa de areia, a nossa idade infantil e a variedade e poder dos animais no
zoológico, seria irrealista esperar que muito mais do que outro monte de areia instável
emergisse de todo este trabalho (Perrow 1980; 1983, 277). ).

Ao longo da sua obra, Charles Perrow afirma que as sociedades contemporâneas, ou pelo menos os
Estados Unidos da América, são compostas por organizações. A fim de

International Public Management Journal, 10(2), páginas 137–151 DOI: Direitos autorais nº 2007 Taylor & Francis Group, LLC
10.1080/10967490701323662 ISSN: 1096-7494
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138 Revista Internacional de Gestão Pública Voo. 10, não. 2, 2007

Para entender a sociedade, então, é preciso estudar as organizações. Embora os sociólogos pareçam
terem mudado de ideia sobre isso - a sociologia das organizações não
estar na moda - os teóricos da organização com raízes em várias disciplinas tendem
concordar cada vez mais. O primeiro passo no estudo de um fenômeno é conceituar
isso, pelo menos provisoriamente, o que acontece, na maioria das vezes, com a ajuda de metáforas.
Metáforas bem-sucedidas tornam-se rótulos.
A citação de Perrow acima oferece um punhado de metáforas. Mas as organizações são feras
para ser visto no zoológico? Se assim for, e se as sociedades estiverem totalmente organizadas, o
O zoológico é o mundo real e os pesquisadores, como todo mundo, estão nele. Aqui o
Metáfora weberiana da gaiola de ferro usada por DiMaggio e Powell (1983; 1991)
adquire muitos novos significados. Uma gaiola de ferro de instituições limita e apoia.
Mesmo no zoológico, as jaulas protegem os espectadores dos animais e os animais dos
os visitantes. Mas o resto do raciocínio de Perrow indica que as organizações são feras
apenas como objetos de estudo. A alusão é certamente à conhecida história do elefante e dos cegos.
Não foi à toa que Dwight Waldo (1961) chamou os desenvolvimentos na teoria organizacional de um
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problema elefantino. Waldo afirmou que


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os teóricos das organizações inventaram as “organizações” como objeto de estudo para substituir a
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“administração”, a fim de introduzir insights decorrentes da teoria dos sistemas, que foi
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já na moda na década de 1950. Perrow afirmou que os teóricos da organização viraram


ao estudo das organizações porque finalmente perceberam um processo histórico que
começou na década de 1820 nos EUA: uma conquista da sociedade pelas organizações. Quer dizer
que a teoria instruiu e mudou, ou pelo menos facilitou a prática, como fariam os proponentes da visão
performativa da ciência (ver, por exemplo, McKenzie et al. 2007).
temos, ou, como sugerido por Perrow, que a prática emergente tem sido mais
descrito com precisão pela teoria? O modelo de circuito da cultura (Johnson 1986–87)
combina as duas sugestões, apontando que a produção, circulação e
consumo de produtos culturais constituem um circuito e não uma linha. Teorias informam
e retratar práticas.
Mas a principal metáfora de Perrow para a organização como fenómeno não é uma fera em si.
todos. É uma ferramenta, um instrumento para atingir objetivos: “as organizações são ferramentas para
moldar o mundo como se deseja que ele seja moldado” (1986, 11). Desde 1986, houve um
onda de estudos culturais em teoria organizacional, da qual participei. Acadêmicos de mentalidade
cultural, liderados por Gareth Morgan (1986), atacaram ferozmente tanto
metáforas mecanicistas e organicistas das organizações, as primeiras com mais
vingança, eu diria. Não é uma fera, mas certamente não é uma ferramenta! Com pressa, cuidamos
esquecer que as ferramentas são produtos culturais. Em nossa defesa, posso dizer que isso acontecia
numa época em que os ambientes estavam divididos entre o institucional e o
técnico, como se existissem mundos sem ferramentas ou sem instituições. Vinte
anos depois, vejo claramente que as organizações formais são ferramentas, instrumentos para alcançar
objetivos coletivos. Esta é a sua definição legal: uma organização pode ser registada como
tal quando especifica seu objetivo.
Mas também sabemos, graças a estudiosos como Elaine Scarry (1985), que a “reciprocidade” de um
artefacto (as formas como pode ser usado) excede sempre a
projeção do designer. As ferramentas têm sido usadas de muitas maneiras nunca consideradas pelos seus
designers, e muitas vezes usado contra seus designers. Ao contrário do que Audre
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ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS AINDA COMPLEXAS 139

Lorde disse:1 as ferramentas dos mestres eram frequentemente usadas para destruir a casa do mestre.
Mas voltarei à questão do poder. Por enquanto, basta notar que o facto de as organizações poderem
ser utilizadas para muitos outros fins além dos objectivos para os quais foram formalmente criadas não
altera a correcção da definição de Perrow; apenas abre muitas perspectivas de pesquisa interessantes.

Na mesma linha, desejo enfatizar a ambiguidade promissora de “um” na citação acima: “como se
deseja que seja moldado”. Muito provavelmente Perrow tinha em mente os fundadores de uma
organização ou, aderindo estritamente à interpretação legalista citada acima, quem registrou a
organização como existente. Mas os desejos de moldar o mundo são muitos e muitos deles são
incompatíveis. Os desejos também tendem a mudar com o tempo. Assim, por um lado, há necessidade
de uma teoria do poder para explicar como ocorre a acção colectiva, e, por outro lado, há necessidade
de uma abordagem histórica para ver como estas ferramentas foram realmente utilizadas, como os
objectivos mudaram, e como as ferramentas foram redesenhadas e adaptadas. Perrow empreendeu
ambos os desafios.
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COMO AS ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS CONQUISTARAM


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O MUNDO (EUA)

No seu artigo de 1991, Perrow chamou a sua investigação de “francamente imperialista” (725). Eu
peço desculpa mas não concordo. Chamar o próprio projecto de “imperialista” revela, de facto, a
consciência do seu carácter local. A questão é se alguém além dos estudiosos dos EUA deveria estar
interessado na história de organizações complexas nos Estados Unidos da América? A resposta é, sem
dúvida, “sim”, pela simples razão de que, como apontado por escritores como Djelic (1998) e Shenhav
(1999), o conhecimento de gestão contemporâneo veio de lá para a Europa, como resultado tanto do
pós- -Imposição dos modelos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial e uma imitação voluntária
que continua até hoje. Além disso, como demonstrado por Roy Jacques (1996), o modelo de gestão
dos EUA está literalmente ultrapassado e é difícil compreender as organizações complexas de hoje
sem conhecer a sua história.

A tese de Perrow era que o advento da organização complexa deveria ser visto no estabelecimento
de burocracias no cenário dos EUA. Ele começou com um exemplo da General Gypsum Corporation,
descrito por Alvin Gouldner em seu livro Patterns of Industrial Burocracy (1954). O livro de Gouldner
começou com a descrição de uma perturbação na ordem social existente, criada pelo desaparecimento
não tão repentino de uma “solidariedade orgânica” pré-moderna que anteriormente governava a Gypsum
Plant – uma organização simples e tradicional, orientada para a comunidade em vez de orientada para
o lucro. Os tempos mudaram e a fábrica de gesso teve de abrir as suas portas à “burocracia racional-
legal”, cujos elementos reconhecemos tão bem até agora:

. Tratamento igual para todos os funcionários.


. Confiança em conhecimento, habilidades e experiência relevantes para o cargo.
. Não há prerrogativas extraorganizacionais do cargo. Padrões
específicos de trabalho e produção.
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140 Revista Internacional de Gestão Pública Voo. 10, não. 2, 2007

. Extensa manutenção de registros sobre o trabalho e a produção.


. Estabelecimento e aplicação de regras e regulamentos que atendam aos interesses
da organização.
. Reconhecimento de que as regras e regulamentos vinculam tanto os gestores como os funcionários; por isso
os funcionários podem exigir que a administração cumpra os termos do contrato de trabalho
(Per-row 1986, 3).

Na década de 1970, todas as organizações complexas nos Estados Unidos da América tinham
tornam-se burocracias. A sua existência como burocracias não é isenta de problemas em
A opinião de Perrow, no entanto. Os problemas vêm de duas fontes diferentes: o imperfeito
burocracia e a burocracia demasiado perfeita. Perrow afirma que as organizações
muitas vezes não são suficientemente burocráticos: atores extra-organizacionais, o imprevisível
ambiente natural (e social) e a racionalidade limitada dos atores impedem
realização do ideal burocrático. Mas na medida em que este ideal possa ser alcançado,
constitui outra fonte de problemas: assim as queixas tradicionais de rigidez
e criatividade sufocada. Mas Perrow adicionou um terceiro:
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... [B]ureocracia tornou-se um meio, tanto em países capitalistas como não capitalistas,
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de centralizar o poder na sociedade e legitimar ou


disfarçando essa centralização (1986, 5).

Esta afirmação adquiriu uma nova ironia no estado actual do mundo, onde há
quase não restam países não capitalistas. O antigo bloco soviético imita avidamente
os padrões de organização dos EUA. Um resultado é que a burocracia centralista anteriormente
existente foi substituída por uma burocracia centralista recentemente criada,
que opera quase de forma idêntica, mas sob a bandeira do capitalismo. Outro,
o que se torna mais óbvio a partir da tese do último livro de Perrow, Organizando
América (2002), é que uma das coisas imitadas é a corrupção, que, à luz
da análise de Perrow, pode ser visto não como um sedimento do passado comunista, mas como
o núcleo da emulação dos padrões dos EUA.
Mas estou avançando. Como as empresas dos EUA se tornaram burocracias complexas,
e seria esse o único caminho que poderiam ter seguido? Perrow converteu a primeira questão numa
indagação dos processos históricos por detrás de uma nova formação cultural, o que continuou o
seu desafio à Mão Visível de Chandler (1977). A mão dominante tornou-se
invisível novamente, diz Perrow, mas desta vez calçando uma luva. Organizações Complexas dedica-
se principalmente à análise deste desenvolvimento, traçando-o através
mudanças nas ideologias gerenciais, refletidas na teoria organizacional e contra
um pano de fundo de mudanças históricas.
Outra tendência que contribuiu para a omnipresença de organizações burocráticas complexas é
a utilização da racionalização como o principal motor de muitos programas de mudança social, e a
racionalidade formal como o principal valor que legitima este impulso. Relacionado a
esta tendência são várias outras: centralização do controle, legitimação de
controle e construção de normas (que pode ser vista como uma forma mais econômica de
legitimação). Actualmente, a sua expressão mais visível pode ser encontrada na normalização
movimentos (Brunsson e Jacobsson 2000).
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ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS AINDA COMPLEXAS 141

Esses fenômenos básicos permitem a interpretação – de fora – de uma série de


ações ou processos visíveis nas organizações: tomada de decisão, socialização,
e motivação, por exemplo. Não se trata de categorias a serem completadas com exemplos, mas de
construções teóricas que dão sentido a uma grande variedade de observações coletadas em pesquisas
acumuladas sobre organizações e sociedades. Estes são os resultados
das tentativas das ciências sociais de dar sentido aos fenômenos sociais. Eles excluem
a possibilidade de acesso tabula rasa ao local de estudo; eles assumem, em vez disso, um conhecimento
generalizado que os pesquisadores, como membros competentes das culturas ocidentais modernas,
possui naturalmente. Mas isso não exige que uma estrutura a priori seja
imposta ao objeto em questão. Podemos saber tudo sobre a legitimação como um processo social
importante e ainda estar curiosos para saber por que alguns contadores se entregam à contabilidade
dupla – um conjunto de contas em seus computadores e outro em seus velhos computadores.
cadernos. Sabemos bastante sobre como organizações complexas agem em público,
porque todos nós podemos ver isso, mas ainda não entendemos o porquê. O problema é
como usar o conhecimento existente para promover mais conhecimento sem sufocá-lo.
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Houve muitas tentativas de “operacionalizar” conceitos como poder, racionalização e legitimação, que
praticamente terminaram na sua reificação. A tarefa deveria ser
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revertido usando nossas construções na esperança de que possam ser úteis no dia a dia
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construção organizacional de significado. A próxima questão é a de um método.

COMO ESTUDAR ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS

Os pesquisadores organizacionais, aos olhos de Perrow, constroem suas teorias como as crianças constroem.
castelos de areia em caixas de areia (1980; 1983). Esta metáfora tem muitas consequências.
Embora a construção em areia tenha uma enorme influência no desenvolvimento das crianças e
é de suma importância no mundo infantil, ocupa pouco lugar em um
esquema mais amplo das coisas. Poderíamos perguntar se a “performatividade” das teorias,
postulado por estudiosos representados em McKenzie et al. (2007), não se limita à teoria econômica.
As organizações são realmente “desempenhadas” de acordo com (pelo menos alguns)
preceitos da teoria organizacional? Esta é uma questão fascinante que pode exigir
outra investigação histórica séria a ser respondida, ainda que provisoriamente.
Outra leitura poderia procurar semelhanças nos processos sociais: as crianças tendem a
jogue em grupos, e cada grupo considera seu castelo verdadeiramente lindo. Para um transeunte,
porém, são todos montes da mesma areia, com formatos um pouco diferentes.
Essa percepção, adquirida por Charles Perrow em sua longa e frutífera carreira, levou-o a
formular três recomendações para o resto de nós: relatividade, pluralismo e modéstia. As imagens de
organizações complexas mudam dependendo do ponto de vista. Não importa quão apegado alguém
esteja ao seu próprio ponto de vista, seria ingênuo e arrogante não
reconhecer a utilidade dos outros como Perrow fez. Em organizações complexas,
Perrow abordou problemas metodológicos através de uma revisão das principais escolas
do pensamento na teoria organizacional.
A escola de pensamento das Relações Humanas pode agora ser vista como um evento histórico, mas
foi traduzido em versões mais atuais. Seu foco na experiência
método – uma mudança é introduzida e as mudanças resultantes são esperadas – sobreviveu melhor
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142 Revista Internacional de Gestão Pública Voo. 10, não. 2, 2007

na tradição da Pesquisa-Ação. Contudo, agora como antes, a base teórica para a investigação-acção é
uma fonte de dificuldades. Espera-se uma resposta à pergunta “o que causa o quê?”. Foi uma melhor
organização do trabalho ou foi uma atenção especial que causou o aumento da produtividade na fábrica
de Hawthorne? A primeira reação é a busca por rótulos, e foi assim que noções como “liderança”,
“desempenho” e “satisfação no trabalho” foram introduzidas. Embora o “desempenho” e a “satisfação no
trabalho” tenham sido colocados na prateleira dos objetos antigos – principalmente porque, apesar de
muitas tentativas, não foi possível provar uma ligação entre eles – a liderança ainda é um dos temas mais
quentes. questões de teste na teoria da organização (Yukl 2001). Perrow citou o seu professor, Selznick,
admirando o entusiasmo fácil deste último: “São necessários homens criativos... que saibam como
transformar um corpo neutro de homens numa política empenhada. Esses homens são chamados de
líderes; sua profissão é política” (Selznick 1957, 61; em Perrow 1986, 170). É duvidoso que sejam os
“homens criativos” que transformem um corpo neutro de homens numa comunidade comprometida; é
ainda mais duvidoso que sejam homens criativos semelhantes que façam as organizações funcionar.
Henry Mintzberg (1973) tentou mostrar o que os gestores realmente faziam – o que tinha pouco ou nada a
ver com liderança – mas os seus resultados são inconvenientes para os fãs dedicados dos estudos de
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liderança e por isso são ignorados. Mintzberg persiste, contudo, na sua visão das realidades gerenciais.
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Ainda em 1999, ele defendeu a “gestão silenciosa”, salientando que o que importa é o esforço colectivo
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(1999). A conclusão de Perrow ainda é válida, embora ainda não tenha sido considerada:
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Não se pode explicar as organizações explicando as atitudes e o comportamento dos


indivíduos ou mesmo de pequenos grupos dentro delas. Aprendemos muito sobre psicologia
e psicologia social, mas pouco sobre organizações em si (1986, 114).

Outra escola de pensamento discutida por Perrow construiu a teoria organizacional em torno de estudos
de tomada de decisão. De acordo com esta visão, a organização é uma tomada de escolha colectiva,
seguindo uma racionalidade limitada, uma maximização da utilidade dentro dos limites estabelecidos pela
cognição humana imperfeita. Todos os conceitos principais estão relacionados à cognição e ao
processamento de informações; os estudos variaram de testes descritivos a simulativos do modelo racional
de tomada de decisão.
Embora a teoria da escolha na economia prossiga basicamente serena, a noção de “racionalidade
limitada” introduzida por March e Simon em 1958 revolucionou a teoria organizacional. Outras observações
sobre o caráter indisciplinado da vida organizacional levaram à conclusão de que não apenas os indivíduos
sofrem de racionalidade limitada, mas que a tomada de decisão como um processo de grupo sofre de
objetivos conflitantes, assemelhando-se, portanto, a um evento de lata de lixo mais do que a um processo
intelectual ordenado. .
Como observou Perrow, a introdução do “modelo da lata de lixo” foi um evento importante de caráter
desconstrutivo (onde a desconstrução é vista como parte da construção da realidade social). “No entanto,
a teoria continua a ser uma ferramenta de escavação primitiva”, diz Perrow (1986, 138), o que significa
que ela não foi aplicada a organizações “normais” (foi construída como uma descrição do funcionamento
de um sistema). universidade), nem aplicado em nível macro.
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ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS AINDA COMPLEXAS 143

Gostaria de concordar com a sua observação, mas interpretá-la de forma diferente


(Czarniawska 1999). Vejo a importância histórica do modelo da lata de lixo, na medida em que
lembrou aos estudiosos da organização a importância da contingência histórica (muito
uma preocupação perrowiana). Como ferramenta, entretanto, não se destina a cavar
mas para construir. Intencionalmente ou não, o modelo da lata de lixo reflete a prescrição para o enredo
bem-sucedido de um drama (a organização pode ser altamente dramática) formulada por Kenneth
Burke (1945). Este teórico literário dos EUA apresentou
a ideia de uma pentade cena-ato-agente-agência-propósito. Um drama funcionando no
olhos do público é caracterizada por uma consistência na quíntupla. Se uma cena retrata
numa ágora, não esperamos que os gladiadores romanos entrem nela e comecem uma luta. Da mesma
forma, se uma cena representa um coliseu, ficaríamos desconcertados ao testemunhar
cidadãos conduzindo um debate lá. Algumas etapas adicionais devem ser tomadas para explicar
a inconsistência, como no filme de Woody Allen, Poderosa Afrodite, onde um grego
o coro canta músicas da Broadway em uma arena romana (a explicação para restaurar a consistência
neste caso é o próprio Woody Allen).
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O modelo da lata de lixo pode servir como um protótipo, como a pentad do dramaturgo, para
construção de estudos organizacionais. A própria plotagem pode ser feita por atores organizacionais
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ou por estudiosos da organização. O princípio geral ainda é aristotélico:


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o desequilíbrio surgiu em um dos três elementos: oportunidades de escolha (cena),


propósito (problemas) e agência (soluções). Participantes=agentes agem=decidem, restabelecendo
assim um novo equilíbrio. Quem quer que tenha sido o conspirador, o autor do texto deve
certifique-se de que os elementos da pentade, ou os ingredientes da lata de lixo, sejam
consistentes entre si de acordo com as regras de consistência prevalecentes, em variação das regras
de consistência prevalecentes, ou em uma discordância significativa com tais
regras. Assim, a elaboração da teoria organizacional pode prosseguir.
O próprio Charles Perrow tomou emprestado o modelo de racionalidade flexível, enriquecendo-o com
insights da teoria da contingência tecnológica e elementos políticos adicionais - em
para analisar tecnologias de alto risco (Perrow 1984; resumido em Perrow
1986). Eu diria que seu enredo também segue a pentad. Modelo de Perrow
pressupõe a satisfação de indivíduos (agentes) que tentam moldar o mundo (propósito) lidando com
tecnologias complicadas (agência) dentro de estruturas sociais criadas pelo poder (cena)
e analisar os processos resultantes (ato).
De acordo com Perrow (1986), a escola institucionalista assumiu o mais forte
perspectiva sociológica sobre a organização com uma abordagem que pode ser chamada
A abordagem do próprio Perrow ao estudo dos grandes sistemas tecnológicos aproxima-se da escola
institucional, mas ele rejeitou explicitamente os seus fundamentos funcional-evolucionistas, que
sugerem que as organizações devem ser vistas como
estruturas que surgiram para cumprir certas funções e sua sobrevivência
comprova sua utilidade.
Algumas das críticas de Perrow à teoria institucional foram incorporadas ao
novo institucionalismo. Gostaria de salientar duas coisas que mudaram desde
1986, mas não são frequentemente notados no contexto da teoria organizacional. Um é o
mudou a visão da teoria da evolução. Biólogos como Stephen Jay Gould (1989)
e Richard Lewontin (1995) notaram que, em primeiro lugar, Darwin nunca usou
a expressão “sobrevivência do mais apto” (provavelmente foi uma leitura de Herbert Spencer);
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144 Revista Internacional de Gestão Pública Voo. 10, não. 2, 2007

e em segundo lugar, que este tipo de raciocínio é uma tautologia, porque a única
a prova da aptidão é a sobrevivência. E se, como Gould (1989) mostrou em sua análise
do xisto de Burgess, existiam formas esplêndidas, primorosamente adaptadas ao seu ambiente, que
foram exterminadas por uma catástrofe aleatória (os animais de Burgess) ou por uma contingência
histórica que impulsionou outras formas, como a organização burocrática?
Perrow gosta de considerar cenários alternativos; e, de fato, a teoria da organização, apenas
como a economia (McCloskey 1994), beneficiariam de mais estudos de contrafactuais.
Uma possibilidade explorada por Perrow é um interesse crescente por obras de ficção. Complexo
Organizações alude a Thomas Pynchon e Joseph Heller, então autores de best-sellers;
questiona-se qual seria a opinião de Perrow sobre as obras de William Gibson e Neal
Stephenson, os quais apresentam a economia futura como uma composição de alguns
enormes corporações (máfia, federais) e uma miríade de empreendedores individuais.
Os estudos contrafactuais também ajudariam a desafiar o funcionalismo estrutural – ou
o que resta dele. A crítica ao funcionalismo estrutural, que existiu em
O pensamento económico desde a época de Veblen, passando por Chandler, até aos nossos tempos, tem sido
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amplo e loquaz. Não há razão para supor que as estruturas existentes sobreviveram devido à sua
adequação. No entanto, um bebê foi jogado fora junto com toda a água
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desta crítica: “Funcionalismo estrutural” foi abreviado para “funcionalismo”


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e este último condenou por atacado. Mas como não havia razão para protestar que as organizações
são, de facto, criadas como ferramentas, não vejo razão para protestar que as pessoas, ou pelo menos
pelo menos algumas pessoas, em algumas situações, preferem que as coisas funcionem bem. Aceitação
deste facto reconciliará a teoria da organização com a teoria do design e as escolas do funcionalismo
na arte, sem perigo de empurrá-la de volta para o funcionalismo estrutural.
O fato de que algumas pessoas, em algumas situações, desejariam criar
coisas e que eles têm prazer na existência de tais coisas (isso é verdade não apenas
dos engenheiros) não significa que as formas funcionais sobrevivam melhor. As formas podem
sobreviver por pura inércia (algo que funcionava antes não funciona
mais, mas não há nada para substituí-lo); outras formas podem ser funcionais
mas será descartado na euforia de uma prometida maior funcionalidade; o
a definição de “bom funcionamento” é em si um processo político; e o conceito de “função” pode ser
estendido a características como funções simbólicas, tornando praticamente
qualquer coisa funcional para alguém em algum significado. Então, sim ao ''funcionalismo''
e para a “evolução”, mas não juntos.

TEORIAS DO PODER ORGANIZACIONAL


Tendo revisado muitos fenômenos e um grande número de abordagens,
Perrow concluiu que estudos de organizações complexas resultariam em uma teoria
de poder. Sua definição de “organização como uma ferramenta para moldar o mundo como um
deseja” (1986, 11; ênfase adicionada) alterado na página 260 para uma ferramenta que “domina
usar para gerar resultados valiosos que possam então se apropriar'' (grifo nosso).
Os “mestres” são pessoas individuais? Não parece assim; em vez disso, o termo representa um
classe ou estrato – de capitalistas, ou talvez de gestores? Eles são ''a mudança
mestres'' do livro de Rosabeth Moss Kanter (1983), citado por Perrow? Tem sido
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ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS AINDA COMPLEXAS 145

observou que, devido à propriedade pública, as classes trabalhadoras possuem a maior parte da
indústria dos EUA, mas certamente não têm controlo sobre ela (O'Barr e Connelly 1992). Marx
estava errado, mas será que os gestores fazem o que querem?
A teoria do poder de Perrow é uma teoria do poder como opressão – um esquema eclético,
juntando-se à teoria da burocracia de Weber, à teoria da racionalidade limitada de Simon e March, à
teoria do controlo externo de Pfeffer e Salancik e à teoria do controlo interno de Clegg e Dunkerley.
As organizações complexas em estudo devem ser analisadas dentro dos contextos das suas redes,
do estado e do sistema cultural.
É difícil não concordar inteiramente com este postulado. Contudo, o que parece ser mortalmente
possível é rastrear alguns dos laços que ligam a organização aos contextos mais amplos aos quais
ela pertence. Análises de contextos inteiros, se é isso que Perrow quis dizer, só são possíveis em
níveis de abstração removidos uma ou duas vezes e, portanto, é impossível fazer tal análise dentro
de um estudo organizacional.
Desde 1986, surgiu uma forma alternativa de estudar o poder: como processo e resultado, não
como estrutura e causa. Embora o poder tenha sido definido de muitas maneiras (ver, por exemplo,
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Lukes 1986), quase invariavelmente assume algum tipo de propriedade ou potencial atribuído a
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alguns atores ou grupo de atores. Para Michel Callon e Bruno Latour (1981), porém, o poder
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representa a gama de associações.


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Os atores associam-se a outros atores (incluindo não-humanos – como tecnologias ou ideias


abstratas – daí o termo “actante” para qualquer coisa que atue ou receba ação); e quanto mais
numerosas, importantes e estáveis forem as suas associações, maior será o poder de toda a rede
assim criada, de um “macro-ator”. Acredito que Charles Perrow concordaria com esta perspectiva: a
diferença está na método de decifrar esses macro atores. Enquanto Perrow afirma (por exemplo, ao
criticar os novos institucionalistas pelo seu interesse em “curiosidades”, resumido, para ele, nos
seus estudos de caso) que a investigação deve abordar os macro-atores como tais, Callon e Latour
afirmam que os macro-atores são, na verdade, uma ilusão de ótica criada por uma rede que se faz
passar por uma, e que a única maneira de compreender a sua formação é ignorar esta ilusão e
estudar macro atores como redes de actantes de vários tamanhos, para traçar como eles constroem
suas associações, e descobrir como eles os mantêm estáveis. Num caso histórico como aquele que
interessa a Perrow (a emergência do capitalismo corporativo), uma genealogia foucaultiana pode ser
o caminho mais promissor a seguir.

No caso dos estudos organizacionais contemporâneos, traços muito menores (ou melhor, mais
curtos – no tempo) podem ser seguidos. Afinal, um contexto refere-se aos textos levados em
consideração, juntamente com o texto sob escrutínio. Uma abordagem contextual holística, muito
favorecida pelos Padres da Igreja2 , exigia a inclusão de todos os eventos e textos do início do
mundo. O mundo tornou-se maior e mais velho, pelo que talvez apenas a estratégia oposta seja
possível: seguir ligações e associações encontradas em lugares e tempos concretos, tal como no
trabalho de detetive.

EXISTE ORGANIZAÇÃO ALÉM DAS ORGANIZAÇÕES?

... é através das organizações... que as classes são constituídas e reproduzidas, os


sistemas de estratificação criados e estabilizados (e alterados em alguns
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146 Revista Internacional de Gestão Pública Voo. 10, não. 2, 2007

casos), processos políticos domesticados e guiados, e a própria cultura moldada e


moldada (Perrow 1986, 278).

Acredito que esta afirmação está correta: organizações grandes e complexas são o fenómeno
central da nossa cultura. Como Rosabeth Moss Kanter observou em 1977, “...a corporação é a
quintessência do produtor de pessoas contemporâneo. Emprega uma grande população da força
de trabalho e as suas práticas servem frequentemente como modelos para a organização de
outros sistemas” (3). Tenho, no entanto, uma pergunta, embora um tanto irreverente no contexto
atual: as organizações conseguem fazer alguma coisa? A minha experiência de vida e os meus
36 anos como investigador de campo em organizações dizem-me que as organizações são muitas
vezes um obstáculo à melhor forma de fazer alguma coisa. As coisas são feitas entre, além e
apesar das organizações – por exemplo, em redes de ação.
A introdução do termo “organização” por Karl Weick (1979) foi um salto no sentido de evitar a
armadilha das “organizações”. A dificuldade em defender o seu postulado na prática reside no
facto de que, ao estudar a “organização”, os investigadores encontram principalmente processos
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que já chegaram a algum tipo de final feliz; isto é, eles foram reificados em “organizações”. Além
disso, como Charles Perrow observou, a mudança de perspectiva sugerida por Weick – “a ideia
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de que as organizações podem retroceder na maior parte do tempo” (Perrow 1986, 117) e que o
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que é apresentado aos observadores são apenas racionalizações de um processo confuso que
realmente ocorreu – pode ser assustador para muitos estudiosos de organizações. No entanto,
estudar a “organização” é salientar que as “organizações” são apenas reificações temporárias,
uma vez que a organização nunca cessa; estudar apenas “organizações” é negar este facto. Uma
rede de acção é um compromisso concebido para abraçar tanto o aspecto anti-essencialista de
toda organização (a organização nunca pára) como os seus efeitos aparentemente sólidos (por
um momento as coisas parecem imutáveis e “organizadas para o bem”).

O conceito de redes de ação origina-se de uma combinação da nova teoria institucional e da


sociologia da tradução, mas é adaptado especificamente para estudos organizacionais
(Czarniawska 2004). Baseia-se na ideia de que em cada época e lugar é possível falar de uma
“ordem institucional”, um conjunto (não um sistema) de instituições (não necessariamente
coerentes) prevalecentes naquele momento e ali. Tais instituições moldam a organização na
medida em que ditam quais ações deveriam ser convencionalmente interligadas. Na nossa atual
ordem institucional, quem produz deve tentar vender os seus produtos; aquele que tem dinheiro,
para poupar ou investir. O conceito de rede de acção não tem ambições analíticas, pois a sua
introdução é uma tentativa de minimizar o que é dado como certo antes da análise. Uma análise
padrão começa com “atores” ou “organizações”; uma abordagem de rede de ação permite perceber
que estes são produtos e não fontes da organização – ocorrendo dentro de uma rede de ação,
possibilitada por ela e constitutiva dela. Identidades são produzidas por e em uma rede de ação,
não por vício
vice-versa.

As “organizações” tornam-se atores devido a um tipo repetido de ação legitimada por um


certificado de “pessoa jurídica”. Se olharmos mais de perto, veremos exatamente o que Perrow
(1986) sugeriu: as organizações são ferramentas; são máquinas, muito parecidas com robôs. Uma
organização é uma combinação de um despachante (Latour 1998) e um tradutor – uma máquina
que recebe personalidade jurídica, adquirindo assim o direito
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ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS AINDA COMPLEXAS 147

a uma identidade, uma vontade e uma imagem. Os humanos não são mais “engrenagens” desta máquina
do que chips em seus computadores (embora um escritor com mentalidade poética possa optar por
metaforizá-los dessa forma); eles construíram esta máquina, mas uma vez construída, a máquina continua
a construí-las. As duas partes principais, um despachante e um tradutor, dependem uma da outra. Para
poder enviar objetos e humanos aos lugares certos e na hora certa, o despachante deve saber como
contatá-los; o despachante depende de serviços de tradutor. O tradutor é necessário porque há um
movimento de pessoas e objetos: se permanecessem no mesmo lugar, não haveria necessidade de
tradução, como (supostamente) houve na Torre de Babel antes de sua queda.

Qual é a relação entre a noção de redes de ação e conceitos como “campo organizacional”, “rede” ou
“Ator-Rede”? Começo abordando o conceito de campo organizacional.

Quando DiMaggio e Powell (1991) compararam o “velho” institucionalismo (Selznick 1949) com o
“novo”, eles apontaram que quando Selznick falou sobre “um campo interorganizacional” ele incluiu todos
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os aspectos reais. interações que a Autoridade do Vale do Tennessee teve com outras organizações. O
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conceito de DiMaggio e Powell, emprestado de Bourdieu, tornou-se um pouco mais simbólico, quase
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virtual, por assim dizer, uma vez que a TI desempenha um papel importante nos campos organizacionais
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contemporâneos. Os novos institucionalistas já não falam sobre organizações que interagem


efectivamente, mas sobre a sua participação numa espécie de rede que lida directa ou indirectamente
(como, por exemplo, consultores) com o mesmo tipo de actividades. Os diferentes intervenientes não
precisam de se conhecer ou de se encontrar, mas podem servir uns aos outros como modelos,
concorrentes ou figuras de sonho.

O empreendimento de DiMaggio e Powell merece elogios (e Perrow elogiou-os generosamente), pois é


importante compreender que a organização é realizada com a ajuda de tais imagens ideais e imaginárias.
No entanto, perderam aquilo que Selznick foi capaz de capturar: interações reais que ocorrem no tempo e
no espaço. Os edifícios universitários necessitam de limpeza, embora as empresas de limpeza não
pertençam ao campo organizacional do ensino superior na Europa. Contudo, uma empresa de limpeza
em greve pode obstruir seriamente o trabalho “real” da universidade. Tal emaranhamento pode ser
capturado numa rede de ação. Não há razão para distinguir entre contactos virtuais e reais, embora o
facto de ambos existirem torne o estudo mais difícil.

O mesmo se aplica às “redes”, embora o problema deste conceito não esteja relacionado com o
espaço, como no caso de um campo de organização, mas com o tempo. As redes pressupõem actores
que fazem contactos, enquanto as redes de acção pressupõem que as ligações entre acções produzem
actores: alguém se torna “um editor” ao publicar livros, mas para que os livros sejam publicados, alguém
deve escrevê-los. Um “escritor” é alguém que escreve livros, não alguém que tem um cartão de visita com
esta palavra impressa.

A rede de acção, tal como a teoria actor-rede, propõe uma grande inversão no tempo em estudo:
sugere que as acções – ligadas pela tradução – poderiam produzir actores, redes e macro actores, ou
seja, redes de actores. No entanto, as redes de atores são apenas um produto possível da tradução e
exigem mais tempo e esforço.
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148 Revista Internacional de Gestão Pública Voo. 10, não. 2, 2007

do que uma rede de ação. Estudar redes de ação permite-nos incluir falhas no estudo: em
casos em que não surgiu nenhuma rede de atores, porque as associações eram muito poucas ou muito
fraco.
Nos meus estudos sobre gestão de cidades (Czarniawska 2002), decidi que mesmo organizações
complexas não conseguem dar conta da complexidade do fenómeno. eu tentei
seguir e descrever essas redes de ação – as formas (algumas institucionalizadas, outras
inovador) em que determinadas ações foram conectadas. Tais redes de ação geralmente
transcendeu qualquer organização. O marketing público de uma empresa municipal
requer conexões com a produção publicitária, com as finanças, com a administração pública e com a
regulamentação da publicidade, por exemplo. Tais conexões podem assumir uma variedade
de formas: contratos formais e subordinação hierárquica, mas também amizade.
Como as ações assim conectadas podem diferir, elas exigem translação em pontos de conexão.
Uma determinada unidade, com seus próprios atores e artefatos internos, pode ser considerada uma entidade
em si mesmo no sentido legal, mas muitos outros atores e artefatos, incluindo todo
redes, geralmente estão envolvidos em uma rede de ação. Tomando redes de ação inteiras como
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objetos de estudo (construídos também pelo estudo como tal), em vez de meros contatos interorganizacionais,
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revela uma imagem mais abrangente de como as organizações


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são formados, estabilizados, dissolvidos ou realocados. Em outras palavras, é mais fácil estudar
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organizações como produtos da organização quando não são objeto de estudo em


eles mesmos.
Estudar redes de ação exige que se responda a uma dupla questão: o que está sendo feito?
E como o que está sendo feito se conecta com outras coisas que estão sendo feitas no
mesmo contexto? É uma forma de questionar que visa captar os vestígios do passado
mas não permitindo que decidam o futuro; as redes de ação, mesmo aquelas fortemente institucionalizadas,
são constantemente refeitas e renovadas.

RELER ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS

No prefácio da edição de 1986, Perrow previu que em 20 anos o estudo da


organizações estarão no centro de todas as ciências sociais. Este não é o caso; como
Mencionei anteriormente. A sociologia das organizações, por exemplo, saiu do
moda, a ser substituída pela sociologia da ciência e tecnologia e pela sociologia cultural. Escritores importantes
como David Silverman (1971) deixaram o campo por temas atuais,
para subdisciplinas da moda, ou para criar o ambiente social geral mais altamente valorizado
teoria.
O que aconteceu? Um culpado, a meu ver, é a chamada gerencialização – ou melhor,
sua consequência peculiar para as ciências sociais e a academia. Eliminados pela onda conservadora
presente nas sociedades ocidentais desde o final da década de 1980, muitos sociólogos
e antropólogos foram forçados a procurar emprego em escolas de negócios e a
redefinir-se em conformidade. Embora eles imediatamente tenham formado um grupo forte
de estudiosos críticos de administração, que agora se infiltraram até mesmo na Academia de
A administração e seus colegas que permaneceram nos departamentos de ciências sociais definiram os
estudiosos de negócios como cientistas sociais inferiores. Se não forem verdadeiros “lacaios do capitalismo”,
os estudiosos da organização são muito humildes para reentrar nas salas superiores da sociedade social geral.
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ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS AINDA COMPLEXAS 149

teoria, que considera denegrir responder à simples questão: teoria social do QUÊ?

A segunda razão pode ser a mercantilização da sociedade ocidental, originada no mesmo clima político,
e redireccionando a atenção dos estudiosos das organizações para coisas além e entre organizações (a
minha noção de redes de acção é apenas um exemplo). Não que os estudiosos, e especialmente Charles
Perrow, não tivessem consciência da importância de tais fenômenos antes; não foi à toa que Roland
Warren e seus colegas (Warren et al. 1974) cunharam a noção de “campos interorganizacionais”. Mas o
impacto da teoria dos sistemas influenciou a maneira de pensar sobre tais fenômenos. Os estudiosos das
organizações estudaram as organizações a partir de dentro, onde o exterior só poderia ser vislumbrado
através de janelas semi-opacas ou talvez inteiramente representado de acordo com os mapas cognitivos
dos membros organizacionais (Weick 1988); ou de fora, como muitos dos novos institucionalistas, onde as
organizações são objectos opacos, ou mesmo actores, cujas ações internas são desconhecidas ou
irrelevantes para um observador de macrofenómenos. As novas formas de olhar para o que acontece
entre e fora das organizações percebem-nas como transparentes – feitas da mesma matéria que o
“ambiente” (recortadas do mesmo tecido de práticas institucionalizadas), e apenas temporariamente
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separadas do resto pelas suas fronteiras. que os estabilizam e protegem.


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Um desenvolvimento assinalado no livro de Perrow certamente aconteceu: o interesse crescente na


sociedade de risco e em organizações de alta confiabilidade. O que na época parecia ser um interesse um
tanto exótico de estudiosos como Charles Perrow, Barry Turner e Karl Weick tornou-se um movimento
interdisciplinar com conferências, periódicos e um fluxo constante de livros. Na verdade, a mais recente
adição a esta corrente, Ombroing Risk (2004), de Constance Perin, é saudada pelo antropólogo George
E.
Marcus como “um digno sucessor do inovador livro Normal Accidents, de Charles Perrow”. O livro não
envelheceu
nem um pouco. Seu raciocínio ainda é fascinante, seus exemplos coloridos. Seu atrativo adicional é,
na verdade, a informação de caráter histórico da ciência. O elenco de autores, por assim dizer, mudou,
mas não simplesmente removendo os mais antigos e substituindo-os pelos novos. Barnard, Dalton e
Selznick ainda são muito lidos e comentados; Barnard sendo agora flanqueado por Mary Parker Follet.
Mas Peter Blau, Fred Fiedler, Rensis Likert, Arnold Tannenbaum, Stanley Udy e Victor Vroom raramente
podem ser encontrados em livros de teoria organizacional. Será que muitos deles eram psicólogos e que
a teoria organizacional se tornou distintamente social? Assim como Perrow sugeriu que deveria ser?

E quem será lembrado daqui a 20 anos? Meu palpite é James G. March,


Charles Perrow e Karl E. Weick.

NOTAS
1. ''As ferramentas do mestre nunca desmantelarão a casa do mestre'' (1979).
2. Os primeiros e influentes teólogos e escritores da Igreja Cristã, particularmente aqueles dos
primeiros cinco séculos da história cristã.
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Barbara Czarniawska (barbara.czarniawska@gri.gu.se) é Professora de Estudos de Gestão


do Conselho Sueco de Pesquisa e Fundação Malmsten no Instituto de Pesquisa de
Gotemburgo, Escola de Economia e Direito Comercial, Universidade de Gotemburgo,
Suécia. Ela obteve um mestrado em Psicologia Social e Industrial pela Universidade de
Varsóvia e um doutoramento em Ciências Económicas pela Escola de Economia de
Varsóvia. Sua pesquisa adota uma perspectiva construcionista sobre organização, mais
recentemente na área de gestão e finanças de grandes cidades. Ela aplica a narratologia aos estudos organizacio
Recentemente, ela escreveu em inglês A Tale of Three Cities (2002) e Narratives in Social
Science Research (2004), e editou Narratives We Organize By (com Pasquale Gagliardi,
2003) e Actor-Network Theory and Organizing (com Tor Hernes, 2005). ).

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RAE-Revista de Administração de Empresas | FGV EAESP

ARTIGOS
Submetido 25-01-2022. Aprovado 20-09-2022
Avaliado pelo sistema double blind review. Editor Associado ad hoc: Mauricio Serva
Versão original | DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020230203

REFLEXÕES SOBRE O SENTIDO DE


SUSTENTABILIDADE EM ORGANIZAÇÕES
Reflections on sustainability’s meaning in organizations
Reflexiones sobre el sentido de la sustentabilidad en las organizaciones
Beatriz Lima Zanoni*1 | beatriz.lz@hotmail.com | ORCID: 0000-0002-1381-9328
Samir Adamoglu de Oliveira1,2 | samir.oliveira@academico.ufpb.br | ORCID: 0000-0003-4978-0557

*Autor correspondente
¹Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Administração, Curitiba, PR, Brasil
¹Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-Graduação em Administração, João Pessoa, PB, Brasil
²Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sociais, Curitiba, PR Brasil

RESUMO
Empreendemos uma reflexão institucionalista sobre a construção do(s) sentido(s) de sustentabilidade
enquanto fator legitimador das organizações, argumentando que a construção polissêmica do conceito é
linguisticamente operada intencionando legitimação em campos organizacionais heterogêneos. Aplicamos
o modelo semiótico do processo de institucionalização ao conceito de sustentabilidade, evidenciando
sua construção linguístico-social de duas formas – denotacional e conotacional –, discutindo a saída da
natureza objetiva do conceito para sua natureza mítico-racional na qual a dissociação do fazer, dizer e
significar transmuta seu conteúdo semântico. A sustentabilidade é, então, entendida como mais uma
pressão institucional à qual as organizações precisam responder, e estas geralmente o fazem de maneira
estratégica, mediante aceitação, adaptação ou contestação. Assim, ainda que determinados atores busquem
institucionalizar a sustentabilidade denotacionalmente, seu sentido oscila conotacionalmente conforme
é difundido, seja por conveniência ou falta de clareza sobre como operacionalizá-lo nas organizações.
Palavras-chave: sustentabilidade, construção de sentidos, semiótica, teoria institucional, institucionalização
(denotacional e conotacional).

ABSTRACT RESUMEN
We undertake an institutionalist reflection on the construction of the meaning(s) Realizamos una reflexión institucionalista sobre la construcción del(de los)
of sustainability as a legitimizing factor for organizations, arguing that the sentido(s) de la sustentabilidad como factor legitimador de las organizaciones,
polysemic construction of the concept is linguistically operated intending argumentando que la construcción polisémica del concepto es operada
legitimation in heterogeneous organizational fields. We apply the semiotic model lingüísticamente pretendiendo legitimarse en campos organizacionales
of the institutionalization process to the sustainability concept, highlighting its heterogéneos. Aplicamos el modelo semiótico del proceso de institucionalización
linguistic-social construction in two ways – denotational and connotational –, al concepto de sustentabilidad, destacando su construcción lingüístico-social en dos
sentidos –denotativo y connotativo–, discutiendo el paso de la naturaleza objetiva
discussing the departure from the objective nature of the concept to its mythical-
del concepto a su naturaleza mítico-racional en la que la disociación de hacer,
rational nature in which the decoupling of doing, saying and meaning, transmute
decir y significar transmuta su contenido semántico. La sustentabilidad se entiende,
its semantic content. Sustainability is, then, understood as another institutional
entonces, como una presión institucional más a la que las organizaciones deben
pressure to which organizations need to respond, and they usually do so strategically, responder, y estas suelen hacerlo estratégicamente, a través de la aceptación, la
through acceptance, adaptation or contestation. Thus, even if certain actors adaptación o la contestación. Así, aunque ciertos actores busquen institucionalizar
aim to denotationally institutionalize sustainability, its meaning fluctuates la sustentabilidad denotacionalmente, su sentido oscila connotacionalmente a
connotationally as it is widespread, due to convenience or lack of clarity on how medida que se difunde, ya sea por conveniencia o por falta de claridad sobre cómo
to operationalize it in organizations. operacionalizarla en las organizaciones.
Keywords: sustainability, construction of meanings, semiotics, institutional Palabras clave: sustentabilidad, construcción de significados, semiótica,
theory, (denotational and connotational) institutionalization. teoría institucional, institucionalización (denotativa y conotativa).

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Beatriz Lima Zanoni | Samir Adamoglu de Oliveira

INTRODUÇÃO
Quando se busca entender o termo “desenvolvimento sustentável”, normalmente encontramos
explicações advindas das principais ideias propostas na World Commission on Environment and
Development (WCED), que discutiu a necessidade de alinhar interesses econômicos e ambientais,
preservando a natureza para as gerações futuras. Essa compreensão foi disseminada no contexto
organizacional e endossada por instituições como as Nações Unidas, o Grupo dos Sete (G7) e a
União Econômica Europeia, possibilitando interpretá-lo enquanto um conceito institucionalizado,
ou seja, socialmente aceito, resistente a mudanças (Jennings & Zandbergen, 1995).
Destacamos, neste artigo, “a linguagem, o vocabulário, a metáfora, a codificação e as
histórias como os fundamentos cognitivos” (Li, 2017, p. 530-531) que constituem o processo de
institucionalização. Orientados pelas discussões sobre sustentabilidade, partimos dos pressupostos
da semiótica debatidos por Li (2017) entendendo que o signo “sustentabilidade” se constitui a
partir da correlação entre referente (quais ações em relação à “sustentabilidade” são feitas nas
organizações); significante (a imagem acústica da palavra “sustentabilidade”); e significado (o
que quer dizer “sustentabilidade”).
A partir dessa correlação, que se baseia no triângulo semiótico estruturado em referente
(o objeto, a prática material ou simbólica), significante (sua palavra) e significado (o conceito),
derivam-se duas diferentes formas de institucionalização: a denotacional e a conotacional. Na
primeira forma, referente, significante e significado se correlacionam de maneira homogênea no
nível micro, individual, para difundir o signo no nível macro, coletivo. Na segunda, por sua vez,
o signo de esvazia de significados originais (de primeira ordem), e os sentidos são socialmente
construídos a partir de um contexto heterogêneo em que novos signos são incorporados aos já
existentes, tornando-o um signo mítico-racional (Li, 2017).
Assim, embora a sustentabilidade seja, normalmente, associada a questões de biodiversidade
e mudança climática, direcionando atenção a definições e compreensões preestabelecidas do
termo, entendemos que ele é mais abrangente: trata-se de um debate polissêmico, discutido
em um ambiente global, fragmentado, dinâmico e complexo (Dovers, 1996; Scherer, Palazzo,
& Seidl, 2013). Por isso, neste ensaio teórico, visamos empreender reflexões a partir da Teoria
Institucional de base sociológica sobre a construção do(s) sentido(s) de sustentabilidade e suas
implicações nas questões de legitimidade de organizações.
Por estarem imersas nesse ambiente, e por não atenderem a uma única demanda, as
organizações discutem o conceito em cenários complexos e heterogêneos, cercados por construções
de sentido diversas, advindas dos mais diferentes atores. Instituições como o Estado, grandes
investidores e outros atores relevantes para o desempenho organizacional têm legitimidade
para (tentar) institucionalizar, denotativamente, o conceito de sustentabilidade, difundindo-o
e buscando validação com o maior número de atores possível (Haack & Rasche, 2021; Haack,
Schilke, & Zucker, 2021). O exercício de controle advindo da legitimidade dessas instituições se
dá de diferentes maneiras e pode ser explicado a partir dos três pilares tradicionais da Teoria
Institucional: (1) regulativo (mediante imposição de leis e coerção); (2) normativo (pautado em

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valores e normas que despertam sentimentos de respeito e honra); e (3) cultural-cognitivo (cujos
símbolos, significados e padrões socialmente aceitos são construídos) (Hoffman & Jennings, 2015).
A combinação desses três pilares permite acompanhar a maneira como as definições de
sustentabilidade são construídas, aceitas, seguidas ou contestadas em campos institucionais
(Jennings & Zandbergen, 1995). Entre as diferentes formas de enfrentar essas exigências legais e até
mesmo contestar a ideia de consenso sobre a sustentabilidade, identificam-se respostas estratégicas
elaboradas pelas organizações que visam mantê-las legítimas no campo, como manipulação
estratégica, adaptação isomórfica e discurso moral (Oliver, 1991; Scherer et al., 2013).
Essas respostas advêm de, e são compostas por, elementos estruturais, mas não acontecem
senão pela ação humana. Atores sociais são reconhecidos por exercerem um papel essencial no
contexto das organizações, uma vez que interagem, formam e são formados pelas estruturas, e
constroem significados. Neste ensaio, compreendemos atores como tanto aqueles que exercem
um importante papel na tentativa de equilíbrio entre os debates ambientais, sociais e econômicos
quanto aqueles capazes de se unirem mediante elementos linguísticos apontados como essenciais
no processo de construção social de sentido nas instituições (Chapman et al., 2020; Gümüsay, Claus,
& Amis, 2020; Phillips & Malhotra, 2017) para questionar assuntos relevantes como os sentidos
denotacionalmente estabelecidos em nível macro acerca da sustentabilidade em organizações
(Haack et al., 2021).
Imersas em um contexto permeado por interesses e propulsoras de discursos relevantes,
mediante representatividade econômica em relação à sociedade – e até mesmo ao Estado –, as
organizações tornam-se parte de um grupo que também é responsável pelo processo de construção
do significado, externalização, objetificação e internalização do termo sustentabilidade (Jennings
& Hoffman, 2017). Nesse sentido, para além da constatação de que o termo pode ser entendido por
meio de práticas de decoupling e cerimoniais (Parrique et al., 2019; Vadén et al., 2020), propomos
reflexões institucionalistas sobre o conceito de sustentabilidade que o vinculem a processos de
construção de seus sentidos possíveis em um contexto contemporâneo e heterogêneo. Indicamos,
assim, como esses sentidos são operados intencionando legitimidade em campos organizacionais,
a partir de respostas estratégicas operacionalizadas por meio de construções que se dão mediante
o uso da linguagem (seja em termos discursivos, narrativos, retóricos etc.).
Fundamentados em Chapman et al. (2020), entendemos que contribuímos com uma
discussão sobre as possibilidades de pensar o (des)alinhamento entre o uso e o entendimento de
uma linguagem comum da sustentabilidade que normaliza o conceito entre campos distintos,
esclarecendo a relevância dos mecanismos semióticos subjacentes a esse processo (Li, 2017). Estes,
quando compreendidos a partir da ideia de institucionalização conotacional, abrem debate para
a atuação em uma construção polissêmica, que dificulta a articulação de eixos e de justificativas
de ação visando a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), bem como
de outros esforços globais de unificação do sentido da sustentabilidade pelas organizações.
Ademais, a discussão sobre sustentabilidade enquanto fator legitimador das organizações pode
ter contribuições da Teoria Institucional por esta auxiliar a compreensão de como as definições de
sustentabilidade são linguisticamente criadas, aceitas e contestadas dentro e fora de organizações. Pode,

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ainda, contribuir para as discussões teóricas sobre sustentabilidade organizacional, principalmente


destas como tentativa de aceitação de entendimento validado entre as áreas ambiental, social e
econômica sobre um conceito que é, na verdade, socialmente construído – i.e., passível de constantes
modificações, que depende dos atores, de discursos e de políticas. Por fim, há a contribuição para
questões que alcançam praticantes, por permitir enxergar a sustentabilidade enquanto pressão de
ordem institucional que configura organizações e campos organizacionais, em alcances cada vez
mais significativos (Gümüsay et al., 2020; Jennings & Hoffman, 2017; Jennings & Zandbergen, 1995;
Lounsbury, Fairclough, & Lee, 2011; Scherer et al., 2013).

SUSTENTABILIDADE: UMA PRESSÃO INSTITUCIONAL


O sentido de sustentabilidade construído no decorrer do tempo fez emergirem, essencialmente,
duas perspectivas opostas: abordagens advindas de atores expansionistas e abordagens advindas
de atores ecologistas. Os primeiros, os expansionistas, assumem um posicionamento que pode ser
dito fraco em relação à sustentabilidade e defendem que as organizações atuam em um sistema
econômico independente do sistema ecológico. Já os ecologistas assumem um posicionamento forte
em relação à sustentabilidade e destacam que as organizações atuam em um sistema econômico
dependente, que gera consequências negativas ao sistema ecológico (Gladwin, Kennelly, & Krause,
1995; Hopwood, Mellor, & O’Brien, 2005; Jennings & Zandbergen, 1995). Mediante a declaração da
World Wide Fund for Nature (WWF), de que o desenvolvimento humano, por si só, é insustentável,
tem havido uma tendência de substituição das perspectivas expansionistas por outras que tendam a
compreensões amenas do termo (Scherer et al., 2013). A necessidade de abordagens que equilibrem
e alinhem os interesses de expansionistas e ecologistas favorece mudanças de lógicas institucionais
(Gümüsay et al., 2020) e o aumento das pressões acerca do tema.
Os nomes conferidos aos grupos que transitam entre essas duas abordagens e assumem
uma postura mais equilibrada variam. Os reformistas, por exemplo, podem ser explicados como
aqueles que sugerem a mudança de recursos utilizados em processos produtivos enquanto
uma solução para os problemas gerados (Hopwood et al., 2005). Os defensores do paradigma
sustaincentric podem ser explicados como os atores que discutem a sustentabilidade a partir
da interdependência de questões sociais e ambientais (Gladwin et al., 1995). Entre outras
possíveis nomenclaturas e exemplos, Jennings e Zandbergen (1995) também se utilizam do
termo “reformistas” e destacam uma postura de sustentabilidade em busca do alinhamento
entre as necessidades ecológicas e sociais.
Os grupos em foco revelam que o impacto do conceito elaborado pela WCED não pode ser
descartado. A ideia de equilíbrio ainda é norteadora de debates sobre o tema, principalmente no
que se refere à tentativa de evitar posicionamentos extremados. Todavia, a definição, elaborada
há mais de 30 anos, se modificou, assim como os contextos sociais e organizacionais. Da maneira
como foi concebido, o conceito se pautava no objetivo de encontrar consenso entre as ideias
de diferentes atores sobre (alg)um desenvolvimento sustentável; pautava-se em uma lógica

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ambiental não distintiva entre a história da natureza e a da sociedade. No entanto, reconhecendo


que todo processo de institucionalização é complexo e heterogêneo, entendemos que existem
diferentes lógicas que sustentam a relação entre o significante, o significado e o referente do
termo “sustentabilidade” (Li, 2017; Lounsbury, Steele, Wang, & Toubiana, 2021).
Quando os debates são sobre as mudanças climáticas, a escassez de água, incêndios florestais
etc., a discussão centra-se em falhas promovidas por estruturas sociais (Hoffman & Jennings, 2015)
e em como as consequências desses casos são globais, impactam a vida humana, a fauna, a flora e
até mesmo a economia, ainda que em intensidades diferentes, dependendo da região do planeta.
Há, nesse caso, um favorecimento – e até mesmo uma tendência – a proposições de compreensões
comuns acerca de problemas ecológicos e sociais. Associada a uma forma de institucionalização
denotacional do termo, há uma tentativa – e pode-se dizer que, em alguns casos, há, até mesmo,
a necessidade – de alinhamento entre referente, significante e significado (Li, 2017). Desse modo,
as práticas organizacionais tendem a se direcionar para objetivos comuns. Ademais, as conferências
mundiais sobre o tema, os ODS e outras métricas objetivas que direcionam práticas e mensuram
diariamente a sustentabilidade de Estados e organizações também são exemplos de padronização
e formas de controle que podem ser replicadas em nível global, representando uma possível
homogeneização do signo em termos de seu triângulo semiótico.
Todavia, à medida que os olhares se voltam para os contextos locais, surgem adversidades
e especificidades regionais. Jennings e Zandbergen (1995, p. 1043) apontam que “diferentes
interpretações de sustentabilidade serão desenvolvidas em cada campo, e as interpretações serão
vinculadas a incentivos locais para modificar as práticas da maneira que for melhor para aquela
região”. A sustentabilidade vai muito além dos aspectos ambientais e efeitos globais, mas envolve,
também, debates sociais, políticos e ideológicos específicos que mudam entre países e regiões,
sendo possível, por isso, compreendê-la institucionalmente enquanto uma pressão ancorada
em diferentes lógicas (Gümüsay et al., 2020; Lounsbury et al., 2021). As lentes para compreender
o termo “sustentabilidade” e a construção de sentido acerca do tema mudam de acordo com
o espaço-tempo, se estreitam e, consequentemente, transformam a maneira de lidar com as
externalidades geradas pelas organizações (Dovers, 1996). Nesses casos, cabe a instituições como
o Estado, por exemplo, enquanto ator que exerce grande influência nas organizações, garantir
estruturas formais de controle em relação à adoção de medidas sustentáveis (Delmas & Toffel, 2011).
A autoridade desse ator, que advém de sua legitimidade amparada pelo pilar regulativo,
pode ser interpretada como um caminho eficaz na tentativa de institucionalizar objetivamente
determinada compreensão sobre sustentabilidade (Lounsbury et al., 2011). Mediante legislações,
o Estado tem autoridade para exigir posicionamentos e práticas sustentáveis das organizações.
Assim, a partir de mecanismos de coerção, o cumprimento de regras torna-se necessário e
obrigatório, e aqueles atores que não o fazem são (in)formalmente punidos (Delmas & Toffel, 2011).
A punição formal pode ser associada a multas e sanções legais; a informal, por sua vez, refere-se
aos casos em que as organizações perdem apoio fiscal, acesso a recursos e outras amenidades
que poderiam advir do Estado.

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A relevância do papel deste ator, contudo, é apenas um exemplo e não isenta a importância
de outros atores em contextos locais, regionais ou nacionais. Os movimentos ambientais também
são exemplos que, diante da legitimidade que detêm no campo e por meio de alguma capacidade
coercitiva, podem influenciar as percepções de outros atores relevantes, visto que seus princípios
e práticas favorecem o monitoramento e a regulação das medidas sustentáveis nas organizações
(Lounsbury et al., 2011). Diante da popularização das discussões sobre sustentabilidade e a partir
do amparo do pilar normativo, a sociedade civil também pode ser considerada um importante
grupo que endossa o controle das práticas organizacionais sustentáveis. Ademais, mediante
avanço midiático, as relações entre cidadãos e organizações têm se estreitado, permitindo
maior participação, compreensão e cobrança por medidas que se esforcem por respeitar,
concomitantemente, a economia, o ambiente e os indivíduos (Jennings & Hoffman, 2017).
Enquanto autoridades institucionais capazes de validar a legitimidade das organizações
no que se refere à sustentabilidade (Haack et al., 2021), tanto o Estado quanto organizações não
governamentais (que representam movimentos ambientais) e sociedade civil são capazes de
cobrar, fiscalizar, punir e construir sentidos sobre as ações organizacionais, assumindo, de certa
maneira, uma posição de controle. No entanto, esses mesmos atores sociais podem assumir uma
relação de interdependência, i.e., de troca de benefícios com as organizações. A união entre
esses atores revela que os pilares normativo e cultural-cognitivo podem, em certos momentos,
sobrepor até mesmo leis e regulamentações.
Nesse caso, os grupos interessados acabam por construir conjuntamente o sentido da
sustentabilidade. Assim como a própria organização é resultado de um processo de construção
social, a sustentabilidade, enquanto um elemento que a compõe, também o é. Compreendida
como um debate que parte de interpretações heterogêneas (Li, 2017), de diversos constituintes
institucionais, a sustentabilidade é disseminada narrativa e discursivamente pelas organizações e
por outros atores relevantes com o intuito de que um possa continuar amparando e resguardando
a legitimidade do outro (Jennings & Hoffman, 2017). Entendemos, pois, que tal construção de
sentido é linguisticamente operada.

LINGUAGEM, LEGITIMIDADE E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

Fundamentando-nos na Teoria Institucional de base sociológica, nos interessa compreender o


campo organizacional pautando-nos na ideia de que esse contexto conta com influências que vão
além dos aspectos regulativos, sendo cercado também por aspectos sociais, simbólicos, culturais
etc. A ênfase construcionista aqui assumida oportuniza que se considerem/discutam questões
que centralizam na linguagem a explicação do social (Phillips & Malhotra, 2017). A partir disso,
entendemos que um caminho possível para esse debate é o da semiótica, segundo o modelo
de Li (2017). A autora fundamenta-se na tradição da semiótica de Charles Sanders Peirce para
afirmar que todo signo (i.e., uma entidade que comunica um significado, que é portadora de
uma mensagem ou de algum fragmento dela) corresponde à correlação entre três elementos –
referente (o objeto, a prática material ou simbólica), significante (sua palavra) e significado (o

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conceito) (Li, 2017) –, ao passo que seu modelo também dialoga com a visão mais contemporânea
das interações comunicacionais, sistemas de significações e produção de signos propostas por
Umberto Eco. A Figura 1 ilustra essa tríade, que representa o triângulo semiótico.
Figura 1. Triângulo semiótico

Significado

Signo

Significante Referente

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Li (2017, p. 525).

Uma breve retomada histórica nos permite entender que, antes dos pensadores
mencionados, Aristóteles já destacava a relevância da relação entre símbolos, palavras e
experiências. Após ele, Santo Agostinho refletiu sobre a relação entre os sinais naturais e a
linguagem. John Locke, por sua vez, no século XVII, enfatizou a discussão sobre linguagem
verbal e lógica, que abriu caminho para a linguística e a lógica, mais tarde debatidas por
Ferdinand de Saussure e Peirce (Cobley, 2016; Jensen, 2015). Saussure atribuiu destaque à
linguagem verbal, lançando os fundamentos da semiologia. Dessa forma, ele buscou entender
como os regimes de comunicação eram sustentados a partir de uma perspectiva bilateral dos
signos, atentando-se à relação – dita por ele – arbitrária entre o padrão sonoro (signifiant) e
o conceito (signifié). “Peirce rompeu com essa linha de pensamento e insistiu em um signo
triádico” (Cobley, 2016, p. 3) – referente, significante e significado. Entre o final do século XIX
e o início do século XX, Peirce destacou que a relação entre os três elementos se dá a partir de
um processo de interpretação contínuo da realidade que, por sua vez, auxilia a conservação
e reprodução de culturas da sociedade (Jensen, 2015).
A semiótica ganhou relevância internacional na década de 1960. Atualmente, pode ser
entendida como o estudo da diferença entre ilusão e realidade, representando uma investigação
duradoura sobre os limites dessa diferença pela prática de interrogar signos (Cobley, 2010). Definida
como a ciência geral dos signos, ela fornece uma teoria interdisciplinar dos processos significatórios
e comunicativos (verbais e não verbais) do ambiente humano, particularmente suas origens sociais,
usos e consequências (Brannen, 2004; Jensen, 2015). Neste artigo, sustentamos nossos argumentos a
partir de Li (2017), por seu modelo viabilizar um olhar social da semiótica para o qual há relevância
do contexto e da interpretação no processo de entendimento dos signos, pois estes não são algo

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suprassubjetivo, mas que entrelaça, indissociavelmente, os usuários dos signos ao contexto em que
seu uso ocorre. Isso aproxima as percepções de Li (2017) às do pensador contemporâneo Umberto
Eco, responsável por enfatizar que o signo não é compreendido apenas a partir da compreensão
de códigos, mas sim a partir de práticas de significação humana nas quais os comunicadores se
engajam para fins de ação social em um determinado contexto sociocultural (Cobley, 2016). O
Quadro 1 a seguir sintetiza essas contribuições que marcam o campo da semiótica.
Quadro 1. Perspectivas da semiótica
Elementos / Compreensões
Símbolos Palavras Experiências
Aristóteles
Palavras, sejam elas faladas ou escritas, são signos que refletem experiências mentais.

Sinais naturais Linguagem


St. Agostinho Associação entre signos naturais e verbais.
Interpretação da natureza e dos signos naturais fundamentado em valores cristãos.

Linguagem verbal Lógica


John Locke Primeira proposição moderna da semiótica e dos signos.
Restrito ao que era mais usual à época, a saber, linguagem verbal e lógica.

Padrão sonoro (signifiant) Conceito (signifié)

Saussure Lança as bases da semiologia de natureza glotocêntrica (que atribui centralidade à língua falada), abrindo,
também, espaço para o enfoque antropocêntrico, a partir da relação arbitrária entre o padrão sonoro
(signifiant) e o conceito (signifié).

Referente Significante Significado

Peirce A teoria dos signos é capaz de mediar a relação entre os objetos do mundo e os conceitos já incorporados.
A capacidade cognitiva do ser humano permite: compreender e interpretar a realidade; conservar e
reproduzir culturas.

Signos Textos Mitos

Barthes Atribui importância ao texto sustentando que um conjunto/sequência de signos está no interior de uma
frase, resultando em representações que não refletem a realidade em si (natureza), mas sim a história
(social, cultural, ideológica), a partir do conceito de mito.

Contexto Interpretação
Eco O signo não se constitui apenas de códigos, pois sua compreensão envolve uma cadeia interpretativa na
qual ganham relevância o leitor (usuário) e o contexto.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Cobley (2010, 2016) e Jensen (2015).

Partimos, então, para a discussão sobre legitimidade, explicada a partir de características


coletivas, fundamentando-nos na construção social de sentidos por meio da linguagem. Além
de refletir a necessidade de “alinhamento cultural, suporte normativo ou consonância com
regras e leis relevantes” (Deephouse, Bundy, Tost, & Suchman, 2017, p. 31), a legitimidade também é
destacada como o construto central da Teoria Institucional, que envolve processos sociocognitivos
de criação e transmissão de significados por meio do uso da linguagem (Phillips & Malhotra,
2017). Por vezes, esse construto também é interpretado como recurso, propriedade, ou como
algo que se pode adquirir, além de ser normalmente associado à ideia de reputação oriunda
de ações que impactam a imagem da organização, como wrongdoing ou mesmo práticas de
sustentabilidade (Haack et al., 2021).
As diferentes formas de interpretar a legitimidade podem ser explicadas a partir da
classificação de Suddaby, Bitektine e Haack, (2017), que a apresentam como propriedade, processo

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ou como percepção. A primeira forma de interpretação, enquanto propriedade, pressupõe


uma relação entre organização e ambiente externo, e explica a legitimidade como recurso
operacional. Essa perspectiva, que é dominante, revela um cenário em que a organização
conquista legitimidade quando adota práticas e estruturas legítimas. A adoção, normalmente,
advém da necessidade/obrigatoriedade de ceder às pressões institucionais (Haack & Rasche, 2021).
Quando interpretada como processo, a legitimidade envolve constantes negociações sociais,
com destaque para a capacidade de agência dos atores na construção de sentidos em contextos
específicos. Nesse caso, a legitimidade corresponde a um movimento organizacional que acontece na
tradução, teorização e categorização, por meio da linguagem. Quando interpretada como percepção,
atribui-se maior relevância à relação entre o coletivo e o individual, entre macro e micro (Haack
et al., 2021; Suddaby et al., 2017). A partir dessa interpretação, compreendemos que cabe aos atores
construírem seus próprios entendimentos e julgamentos acerca da legitimidade das organizações.
Todavia, as organizações podem gerenciar as percepções de seus constituintes institucionais sobre
a validade daquilo que relatam, seja quanto ao desempenho organizacional ou a temas de interesse
específicos, como a sustentabilidade. Contudo, validade não necessariamente é sinônimo de
consenso. Ou seja, independentemente daquilo que a organização veicula, as interações sociais e
os contextos institucionais onde atuam influenciam a forma como atores externos, individualmente,
avaliam a legitimidade, podendo revelar percepções dissonantes (Haack et al., 2021).
A interação entre atores sociais acontece em um campo heterogêneo, no qual há uma
tentativa de compartilhamento de significados comuns sobre determinados assuntos. As relações
entre esses atores são, muitas vezes, orientadas pela busca por benefícios próprios, revelando
que a perspectiva da legitimidade enquanto propriedade ainda se perpetua. Fundamentando-se
nessa perpetuação, a interação entre os atores pressupõe uma constante relação de controle,
amparando a ideia de que a legitimidade é alcançada quando as expectativas sociais são atendidas.
Da mesma forma que há uma tentativa de alinhamento de interesses, a legitimidade
organizacional também pode ser “contestada se os atores sociais perceberem uma
incompatibilidade entre o status quo da corporação e as expectativas da sociedade” (Scherer
et al., 2013, p. 263). Um exemplo são os casos de wrongdoing organizacional, cuja legitimidade
de temas já institucionalizados pode não ser aprovada, mas, sim, questionada/contestada por
atores externos, afastando possíveis apoiadores (Haack et al., 2021). Essa contestação tende a tirar
a organização de sua zona de conforto, fazendo com que ela reconfigure seu discurso e, em
alguns casos, suas lógicas e práticas.
No entanto, a exigência de inúmeras adequações estruturais mediante pressões e demandas
institucionais pode representar dispêndio de tempo e de investimento das organizações e,
consequentemente, pode ser considerada inviável. É então que a linguagem passa a exercer
um papel essencial nas discussões sobre a sustentabilidade nas organizações, visto que tanto ela
quanto “o vocabulário, a metáfora, a codificação e as histórias” são “fundamentos cognitivos sobre
os quais as instituições são construídas” (Li, 2017, p. 530-531). Os debates em nível institucional
são essencialmente cognitivos e veiculados por processos linguísticos, o que faz com que as
organizações sejam reconhecidas enquanto espaços onde as lógicas, os significados particulares,

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as regras preestabelecidas, os valores e as crenças dos indivíduos e das próprias organizações


sejam norteadores de práticas e se transformem constantemente, possibilitando a (re)construção
de sentidos (Lounsbury et al., 2021; Phillips & Malhotra, 2017).
Por essa razão, algumas práticas tratadas como legítimas não são necessariamente adotadas
mediante pressões institucionais, mas podem ser relacionadas ao reconhecimento e à vantagem
competitiva inerentes à confiabilidade que a legitimidade atribui à organização a partir de
percepções de atores do campo. As organizações que são orientadas a agir mediante pressões
tendem a responder estrategicamente às instituições e, entre as mais diferentes formas de fazê-lo,
Scherer et al. (2013) destacam três: adaptação isomórfica, manipulação estratégica e discurso moral.
A primeira delas representa a capacidade de a organização adequar-se às expectativas da sociedade
como uma forma de preservar sua legitimidade – legitimidade essa cognitiva, explicada como algo
conquistado, que tem relação com a aprovação de uma audiência, com sobrevivência, aquisição
de recursos e crescimento (Haack & Rasche, 2021). Isso pode ocorrer a partir do hábito de seguir
normas, do mimetismo perante outras organizações reconhecidas ou a partir da conformação com
que é estabelecido pelo Estado (Oliver, 1991). Ademais, em alguns casos, as organizações podem
mudar suas práticas para atender a interesses de grupos de atores relevantes que exercem algum
tipo de poder sobre ela, como facilitadores em processos de aquisição de recursos.
A manipulação estratégica, por sua vez, envolve uma tentativa de cooptação da organização
sob os atores influentes no campo. Nessa resposta, há uma intenção de influenciar a modificação de
valores, de critérios e de exigências institucionais. É comum que as organizações não modifiquem
“as práticas que alguns de seus stakeholders criticam; em vez disso, eles manipulam a percepção
dessas partes interessadas para evitar a pressão” (Scherer et al., 2013, p. 266). Nessa etapa, o uso da
linguagem reflete as tentativas de alteração de sentido, de proposição de novos significados, que
podem acontecer mediante campanhas publicitárias, mídias de negócios e outros instrumentos que
veiculam discursivamente alternativas para alcançar grupos de interesse e impactar a legitimidade
das organizações. A resposta estratégica de discurso moral, segundo Scherer et al. (2013), reflete a
busca por um equilíbrio, seja a partir de um alinhamento entre o que é feito, dito e significado
(Li, 2017), seja a partir da busca pelo equilíbrio de interesses dos atores relevantes. O objetivo,
aqui, consiste em estabelecer um possível consenso entre as práticas e as expectativas das partes
interessadas, como uma tentativa de validação e preservação da legitimidade (Haack et al., 2021).
Todavia, as organizações não serão sempre capazes de manipular seu discurso público,
salvaguardando sua legitimidade (Scherer et al., 2013). Quando o cenário se inverte e a busca
por benefícios da organização por meio da manipulação é descoberta, essa pode se envolver
em um processo de tentativa de retratação perante a sociedade e outros grupos interessados,
levando à mudança de suas lógicas institucionais (Bromley & Powell, 2012; Lounsbury et al., 2021).
Outras organizações, por sua vez, não esperam exigências regulativas ou pressões normativas,
mas aderem voluntariamente às práticas que poderão contribuir com a legitimidade moral,
que consiste em fazer aquilo que é o certo a se fazer, mediante um monitoramento midiático
(Haack & Rasche, 2021), por exemplo, que mais adiante pode favorecer seu bom desempenho.
Ainda assim, há organizações que perseveram com ideias de que as manobras para se esquivar
das estruturas regulativas e normativas compensam.

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CONSTRUINDO O SENTIDO DE SUSTENTABILIDADE EM


ORGANIZAÇÕES

Um dos principais argumentos para as contestações de pressões institucionais e incoerências


entre discursos e práticas organizacionais em relação à sustentabilidade centra-se no fato de que
algumas organizações, caso internalizassem todas as atividades de sistemas sociais e ecológicos,
fracassariam economicamente (Jennings & Zandbergen, 1995). Imersas em um sistema capitalista,
orientado ao lucro, o fator econômico tende a sobrepujar os outros aspectos. Assim, mesmo diante
da tentativa de substituir perspectivas expansionistas por outras mais amenas (ou ecológicas),
há uma tendência de que as organizações construam sentidos e os disseminem por meio de
discursos que não se alinham às suas práticas, ou seja, que mantenham distante o significado
de sustentabilidade de seu referente. Fazendo isso, há uma pretensão de manter a eficiência
operacional e financeira sem comprometer sua legitimidade diante de outros constituintes
institucionais.
Conservar ou construir essa legitimidade, contudo, não cabe apenas à organização. A
legitimidade, quando compreendida a partir da construção de sentido por meio da linguagem, na
mesma medida que interfere, também sofre interferências e, na mesma medida que transforma,
também é transformada – não apenas pelas estruturas, mas, também, pelos participantes internos
e externos das organizações (Haack et al., 2021). No caso da sustentabilidade, a construção conjunta
e o compartilhamento de significados heterogêneos acerca dela repercutem na importância que
é atribuída à incorporação do tema em níveis organizacional e institucional. Assim, afirmamos
que a sustentabilidade é, contemporaneamente, um fator legitimador, configurando-se como
mais uma pressão institucional à qual as organizações devem/precisam responder, em alguma
medida. Dessa feita, a resposta das organizações às demandas relacionadas à sustentabilidade,
sejam elas ao Estado, aos movimentos ambientais ou à sociedade civil, representam respostas
às pressões institucionais do campo que acabam por influenciar a legitimidade organizacional,
seja enquanto contestação ou enquanto reforço dos posicionamentos adotados.
É comum que organizações, mediante comportamentos miméticos, busquem adotar práticas
difundidas como sustentáveis e que caracterizam outras organizações do mesmo setor como
legítimas, uma vez que isso pode representar uma validação do que vem sendo debatido e/ou feito
em relação ao tema a partir de outros atores reconhecidos como autoridade no assunto (Haack
et al., 2021). A tradução de significados – tanto de legitimidade quanto de sustentabilidade – de
uma organização para a outra pode ser explicada a partir da semiótica. O processo de tradução
reflete a ideia de transformação de significados, que acontece durante o movimento, o qual se dá
de maneira imprevisível, nunca finalizada e a partir do transitar de ideias de um contexto a outro.
Ainda que esse transitar seja passível de acontecer entre instituições e organizações de diferentes
campos, mesmo que aconteça entre organizações pertencentes a um mesmo campo, a tradução
transpassa espaços-tempo. Nisso, algumas de suas características inerentes são o (re)encaixe, a (re)
construção e a (re)contextualização (Wæraas & Nielsen, 2016; Wedlin & Sahlin, 2017).
As multinacionais, por exemplo, são importantes transmissoras de tecnologias organizacionais
e padrões de comportamento, logo as lógicas que as sustentam exercem impactos relevantes nos

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debates sobre medidas sustentáveis, influenciando compreensões de outros atores (Delmas & Toffel,
2011). Mediante a necessidade de atenderem expectativas heterogêneas e cumprirem diferentes leis
ao atuarem em diversos países, essas organizações acabam associando sustentabilidade às atividades
diárias, alinhando-se a valores culturais, características econômicas e sociais específicas de onde
atuam (Gümüsay et al., 2020). Quanto mais o conceito estiver associado aos processos cotidianos,
ou seja, quanto mais associados estiverem o significado e o referente, mais difícil a transferência
de sentidos para a aplicação em outros contextos (Jennings & Zandbergen, 1995; Li, 2017).
Nessa dificuldade de tradução de sentidos, Bromley e Powell (2012) destacam que o decoupling
configura patologia de organizações internacionais, pois aquelas com maior representatividade
no campo lidam com valores substantivos inerentes ao tema da sustentabilidade, apresentam
um foco excessivo em reconhecimento, bom posicionamento em rankings e conquista de
certificações, tendendo, assim, a desviar a atenção de seus objetivos finais (Haack & Rasche,
2021; Parrique et al., 2019; Vadén et al., 2020). Esse comportamento pode ser explicado para além
da compreensão mais comum de decoupling (política-prática), o qual representa a falta de
alinhamento entre políticas e práticas mediante uma adoção simbólica.
Em relação às multinacionais, por exemplo, cabe a compreensão de um decoupling,
entendido a partir da perspectiva meios-fins (Bromley & Powell, 2012), a partir do qual pode existir,
de fato, a implementação das políticas exigidas, visto que essas organizações, normalmente, detêm
condições econômicas favoráveis para tanto. Contudo, o objetivo final dessas organizações, quanto
à sustentabilidade, pode ser desviado no decorrer do processo, fazendo com que seus efeitos não
sejam claros. Os desvios que acontecem na tentativa de tornar-se ou mostrar-se sustentável aos
grupos interessados, e suas novas práticas quando rotinizadas, passam a ser normalizados. Assim,
os novos significados criados ou imaginados por determinadas organizações podem naturalizar
o poder e os interesses (Li, 2017).
Questionamos, então: as organizações que narram as implementações de práticas
sustentáveis – seja por meio de relatórios, rankings, notícias, mídias etc. – atribuem foco ao
processo de modo intencional, para desviar a atenção do objetivo final e torná-lo, propositalmente,
mais opaco aos outros grupos de interesse? Neste artigo, entendemos que a excessiva tentativa de
racionalizar o tema no contexto organizacional por meio de métricas conflita com os aspectos
políticos, ideológicos e culturais inerentes a ele (Gümüsay et al., 2020; Haack & Rasche, 2021).
Esses aspectos não são passíveis de mensurações objetivas e definições prontas, exigem mais do
que investimento financeiro, fazem do ambiente organizacional um espaço mais complexo e,
consequentemente, favorecem que os objetivos finais das práticas adotadas sejam obscurecidos.
Dessa maneira, a relação entre o significado de sustentabilidade e a ideia de construção da
legitimidade é fortemente impactada pelo contexto institucional em que a organização habita
(Jennings & Hoffman, 2017). Quando a tradução dessas ideias assume proporções globais, por
exemplo, fatores culturais, políticos e ideológicos promovem mudanças na maneira como se
exerce pressão social, aplicam-se leis, inspecionam-se movimentos ambientais e outros fatores
específicos de cada região que impactam o desempenho organizacional. A sustentabilidade,
enquanto um tema mundial, manifesta-se de diferentes maneiras conforme o local onde é
discutida. Os sistemas de educação, de linguagem e culturais diferem de região para região,

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de setor produtivo para setor produtivo etc. e, consequentemente, impactam a difusão e o


entendimento do termo (Gümüsay et al., 2020).
A busca pelo alinhamento entre referente, significante e o significado de sustentabilidade
endossados por instituições como Nações Unidas, G7 e União Econômica Europeia soa
como uma tentativa de institucionalizar uma ideia pronta sobre sustentabilidade e práticas
sustentáveis. No entanto, se o contexto é complexo, heterogêneo e dinâmico, é possível dizer
que o sentido do termo pode ser único, definido da mesma forma para quem quer que vá
utilizá-lo? É possível dizer que a sustentabilidade é uma discussão já institucionalizada nas
organizações? Acreditamos que não.
Li (2017) esclarece que existem duas possíveis formas de institucionalização: a denotacional e
a conotacional. A denotacional pauta-se na significação de primeira ordem, i.e., uma construção
de sentidos padronizados, tipificados e objetivados em que referente, significante e significado –
os três correlatos que configuram o triângulo semiótico – podem se tornar acoplados/alinhados. Ao
interpretarmos o tema da sustentabilidade por essa forma de institucionalização, entendemos que
a busca por uma definição generalista do conceito pressupõe um bom desempenho econômico
alinhado à preservação da natureza, o que, consequentemente, reverbera na confiabilidade da
organização perante outros atores do campo institucional. Diante de um conceito “pronto” e
específico, a validação de organizações que, inicialmente, seriam resistentes às ideias e práticas
sustentáveis pode aumentar. Ainda que essa validação não seja unânime e possa representar, na
verdade, um conformismo, Hack et al. (2021) destacam que a percepção social – macro – sobre
determinado tema pode influenciar a percepção individual – micro – acerca dele (o assunto),
permitindo a re(elaboração) de determinado signo.
Figura 2. Institucionalização denotacional do signo “sustentabilidade” e seu acoplamento

Significado de
"Sustentabilidade" (x)

Nível Macro
Signo (x)

Práticas
"Sustentabilidade" (x) sustentáveis (x)

Significado de
"Sustentabilidade" (x)

Significado

(Significacão de 1ª ordem)
Signo (x)

Significante Referente Práticas


"Sustentabilidade" (x) sustentáveis (x)

Nível Micro

t0 t1 t2 tn
Tempo (t)

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Li (2017, p. 528).

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Nesse caso, a sustentabilidade enquanto signo pode ser compreendida a partir de uma
relação coesa estabelecida entre uma prática material ou simbólica (o referente), sua palavra
(o significante) e seu conceito (o significado), que, passando a ser incorporada aos vocabulários
institucionais, reflete a institucionalização do termo que transforma “as ações de nível micro e as
intenções subjetivas, em ações de nível macro e em sistemas de significados objetivos” (Li, 2017,
p. 522) e que vai sendo difundido em um campo ao passo que outras organizações o apreendem.
Na Figura 2, indicamos isso pela manutenção do símbolo x tanto no signo quanto em seus
elementos semióticos, não variando ao longo do tempo (t), na dinâmica micro-macro-micro.
A segunda forma de institucionalização, a conotacional, assume um tipo de institucionalização
que esvazia o signo dos sentidos e significados entendidos como originais, desacoplando-se, ou
mantendo um acoplamento frágil, com as perspectivas sedimentadas em nível macro (Li, 2017).
No caso das discussões sobre sustentabilidade em nível organizacional, esse desacoplamento
representa uma significação de segunda ordem construída pelas organizações a partir de
seus interesses e cultura próprios, contudo, ainda alinhados à definição denotativa do termo
sustentabilidade advinda de instituições legitimadas ou eventos mundiais, por exemplo. A ampla
aceitação de um novo signo de sustentabilidade, mesmo que por atores específicos, representa
a possibilidade de que este se torne mítico no nível macro – i.e., que representa (mais) um
mito racional na contemporaneidade –, por vezes fundamentado em significados imaginários a
partir de sua remoção do seu contexto inicial/original. Um mito pode ser utilizado tanto como
justificativa e naturalização de determinada realidade social quanto para permitir que novos
sentidos emerjam.
Figura 3. Institucionalização conotacional do signo “sustentabilidade” e seu desacoplamento

Significado (y)

(Significacão de 2ª ordem)

Significado de Significado de
"Sustentabilidade" (x) "Sustentabilidade" (x)
Signo (y)

Nível Macro
Signo (x) Signo (x)

Práticas Práticas
"Sustentabilidade" (x) sustentáveis (x) "Sustentabilidade" (x) sustentáveis (x)

Significado de "Significante" (y) Referente (y) Significado de


"Sustentabilidade" (x) "Sustentabilidade" (y)

Signo (x) Signo (y)

Nível Micro Práticas Práticas


"Sustentabilidade" (x) "Sustentabilidade" (y) sustentáveis (y)
sustentáveis (x)

"Significante" (y)

t1 t2 t3 t4 t5 t6 tn
Tempo (t)

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Li (2017, p. 533).

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A institucionalização conotacional (Figura 3) pressupõe a heterogeneidade do processo de


institucionalização, em que novos sentidos atribuídos a determinado signo (sustentabilidade)
são produzidos mediante a interação com outros signos do contexto. Assim, por meio do uso
heterodoxo da linguagem, novos significados são socialmente construídos e incorporados a
significados já existentes, o que caracteriza a significação de segunda ordem. Assim, “quando
o novo signo é amplamente aceito, torna-se um signo mítico no nível macro, composto por
um referente, um significante mítico e um significado conotativo” (Li, 2017, p. 534). Na Figura
3, indicamos isso pela oscilação do símbolo x para y, tanto no signo quanto em seus elementos
semióticos, que variam ao longo do tempo (t), na dinâmica micro-macro-micro.
No que se refere à sustentabilidade, sugerimos que esse conceito seja, atualmente, mítico,
no sentido atribuído pelo modelo semiótico de Li (2017). Nesse caso, elucidamos que aquilo que
atores sociais fazem frequentemente não é o que eles enunciam fazer, desacoplando-se, com isso,
as dimensões do fazer, do dizer e do significar, em processos de institucionalização que fixam/
estabilizam o signo, porém com conteúdo semântico transmutado. Ainda assim, encontram-se
resquícios e influências das definições padronizadas e objetivadas, configurando orientações
organizacionais que partem do sentido denotativo do termo. No entanto, o conceito passa por
constantes mudanças, e seu sentido é (re)interpretado de diversas maneiras, de acordo com
contexto e tempo (Li, 2017).
Diante das mais diversas construções de sentido possíveis acerca do tema, a sustentabilidade
vem sendo debatida a partir de caminhos estratégicos diversos em uma tentativa de
institucionalização em contexto organizacional heterogêneo e pautando-se em uma – simplificada
– relação causal, que visa apenas (ou majoritariamente) promover a legitimidade cognitiva das
organizações. Ao compreendermos a sustentabilidade enquanto um fator legitimador a partir
da construção linguística de seu(s) sentido(s), nossa Figura 4 articula as diferentes formas de
institucionalização apresentadas por Li (2017) às respostas estratégicas discutidas por Scherer et al.
(2013). O discurso moral, nesse caso, representa uma resposta estratégica passível de ser associada
a uma primeira fase do processo de institucionalização da sustentabilidade em organizações –
aqui, associada à institucionalização denotacional.
Diante do interesse de difundir o tema e conquistar legitimidade cognitiva (Haack &
Rasche, 2021), houve uma tentativa de equilibrar interesses e validar os debates com instituições
respaldadas. Os primeiros debates sobre o tema caracterizaram-se a partir de significações de
primeira ordem em que referente, significante e significado mostravam-se alinhados, constituindo
o signo que precisava, naquele momento, ser amplamente difundido. As conceituações
mostravam-se padronizadas e generalistas, e tinham como objetivo persuadir atores – nível
micro – a aderirem à sustentabilidade ao partir das ideias do signo disseminado em contexto
organizacional. Entretanto, a sustentabilidade enquanto fator legitimador, quando advinda de
compreensões do nível macro, tem frágil esteio (Haack et al., 2021).

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Figura 4. Respostas estratégicas de organizações e construção do sentido de sustentabilidade


visando legitimidade

LINGUAGEM
Sustentabilidade como fator legitimador

Conotacional
• Difusão e impacto
Denotacional do termo;

+ • Contexto
heterogêneo;
Conotacional
• Significação de
• Impacto do termo; segunda ordem.
• Validação x
Denotacional
Consenso;
• Difusão do
• Novos signos.
termo;
• Validação;
• Significação
de primeira
ordem.

DISCURSO ADAPTÇÃO MANIPULAÇÃO Tempo


MORAL ISOMÓRFICA ESTRATÉGICA

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Haack e Rasche (2021, p. 8).

Essa fragilidade reflete um cenário em que validade não necessariamente representa


consenso entre os atores envolvidos no debate sobre o tema. Ainda que o sentido do termo
estivesse mais difundido, quando comparado à fase anterior, o interesse nessa nova fase consistia
na incorporação da sustentabilidade para que esta se tornasse um tema de impacto, aumentando
a aderência aos debates propostos (Haack & Rasche, 2021). Assim, após as significações de
primeira ordem do termo, a construção de sentido nas organizações passou por um período
associável à adaptação isomórfica e, concomitantemente, às institucionalizações denotacional
e conotacional. Isso porque, após definido o que é sustentabilidade por instituições com
autoridade para tanto, e após essas e outras instituições assumirem papéis de fiscalizadoras,
caberia às organizações integrarem seus discursos às suas práticas, alinhando – ao menos
simbolicamente – referente, significante e significado da forma que lhes fosse mais conveniente
e lhes permitisse obter não apenas legitimidade cognitiva, mas, também, legitimidade moral
(Haack & Rasche, 2021; Li, 2017).
Todas as organizações poderiam seguir os pressupostos estabelecidos por meio de um
conceito determinado a partir da institucionalização denotativa e, de fato, alinhar-se às
novas propostas, mimetizando práticas e estruturas de organizações que alcançaram bons
resultados. Contudo, algumas organizações também poderiam traduzir as ideias disponíveis
até então, desenvolvendo novas compreensões e sentidos para o termo. Esse seria o início

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de um processo de proposição e incorporação de novos signos aos signos já existentes, que


propiciaria até mesmo algumas mudanças de lógicas institucionais (Li, 2017). Ademais, as
(res)significações poderiam afrouxar o acoplamento até então firmado com as definições
prontas de sustentabilidade. Essa resposta estratégica pode ser, então, associada a uma forma
de decoupling meios-fins, na qual, a partir de uma transição entre definições estritamente
objetivadas, pode haver tanto (re)interpretações de sentidos da sustentabilidade (quando
relacionada à legitimidade organizacional) quanto implementação simbólica das práticas
sustentáveis (Bromley & Powell, 2012).
Por sua vez, a terceira resposta estratégica – manipulação estratégica – representa um espaço
de atuação organizacional em que a possibilidade de alteração de sentido e desacoplamento
entre o que é dito e o que é feito propicia a institucionalização conotacional do conceito de
sustentabilidade. Nessa etapa, a conquista da legitimidade depende da demanda por difusão e
impacto da sustentabilidade. E, em meio a um contexto percebido como heterogêneo, o termo
já não é mais apenas um signo, mas pode ser diferente em cada um dos contextos organizacionais
específicos onde é debatido. Os olhares para o nível macro – nesse caso, para as definições
denotativas institucionalmente estabelecidas pelo coletivo – revelam a sustentabilidade como
um mito racional.
Afirmamos, então, que o que se poderia denominar “significado original” do conceito
de sustentabilidade existe, está disponível em diversos trabalhos acadêmicos e relatórios de
sustentabilidade organizacionais. Porém, essa mesma definição já foi transformada tantas vezes
que parece não haver mais condições de se trabalhar com o termo em seu estado puro, i.e., em
que os componentes de seu signo – a saber, o referente (o objeto material ou a prática efetiva de
sustentabilidade), o significante (a forma linguística ou a palavra utilizada para descrever a prática
efetiva da sustentabilidade) e o significado (o conteúdo semântico daquilo que sustentabilidade
quer dizer) – estejam coesamente alinhados e coerentemente acoplados. Dessa forma, aquilo
que é transmitido já não tem mais o mesmo significado que teve para aqueles que participaram
de sua construção inicial (Li, 2017).
Associando respostas estratégicas, formas de institucionalização e construção de sentidos,
evidenciamos a relevância da sustentabilidade enquanto fator legitimador organizacional.
Historicamente, é possível interpretarmos que o discurso moral da sustentabilidade fez parte
da trajetória das organizações de maneira geral, e ainda o faz, quando os sentidos denotativos
e as definições objetivas tentam ser difundidos. As etapas seguintes – adaptação isomórfica e
manipulação estratégica –, contudo, representam diferentes comportamentos que podem ser
adotados ou não pelas organizações, permitindo-lhes responder de diferentes formas no que
se refere à pressão institucional acerca da sustentabilidade, quando da busca por legitimidade.
Assim, os contextos específicos podem revelar à organização qual o melhor sentido para ela
atribuir ao termo naquele espaço-tempo, direcionando-a a comportamentos de aceitação e
adaptação, ou à contestação da significação promovida entre os constituintes institucionais que
lhe servem de referência imediata.

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ARTIGOS | Reflexões sobre o sentido de sustentabilidade em organizações

Beatriz Lima Zanoni | Samir Adamoglu de Oliveira

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões sobre sustentabilidade, ainda que aconteçam há décadas, não representam discussões,
de fato, institucionalizadas em todas as suas formas. As duas últimas respostas estratégicas discutidas –
adaptação isomórfica e manipulação estratégica – representam, também, formas de institucionalização
conotacional e demonstram que o processo de construção do conceito de sustentabilidade não é
estático ou finito, mas, sim, heterogêneo (Li, 2017). Ainda assim, a objetivação da ideia de práticas
sustentáveis reverbera, muitas vezes, na objetivação do conceito de legitimidade organizacional.
Contudo, mesmo diante de uma objetivação formal da legitimidade, quando relacionada à
sustentabilidade, esta carrega consigo uma característica polissêmica, na qual as várias vozes que
constroem seus sentidos, palavras que descrevem o conceito, práticas e significados, não partem,
necessariamente, de diferentes atores e/ou instituições. O fato de que “novas linguagens são inventadas
para transmitir ideias antigas” (Li, 2017, p. 539) reflete a possibilidade de uma abertura de agenda
empírica a partir das reflexões teóricas propostas aqui. Isso porque um mesmo ator pode não estar
alinhado em suas formas de fazer, falar e significar, o que, consequentemente, pode fazer com que ele
mude a forma como entende, veicula e enuncia a sustentabilidade no decorrer do tempo, enquanto
suas práticas se mantêm as mesmas e, em alguns casos, tornam-se obsoletas (Li, 2017). Partindo do
pressuposto de que a legitimidade não é perpétua e demanda gestão constante, entendemos como
relevante o acompanhamento longitudinal de organizações que tratam a sustentabilidade como um
tema que colabora para que elas se mantenham legítimas (Deephouse et al., 2017).
Ademais, a sustentabilidade continua sendo veiculada discursivamente como uma forma
de adquirir o não adquirível – quiçá quimérico. Assim, outro possível tópico na agenda de
pesquisas empíricas envolvendo um enfoque linguístico para o tema da sustentabilidade consiste
em estudos sobre organizações que atuam tanto em países desenvolvidos quanto em países
em desenvolvimento. Os contextos heterogêneos (e vazios institucionais) podem representar
oportunidades de não buscar conceitos prontos sobre sustentabilidade, permitindo, assim,
análises sobre as variações semânticas, as possíveis práticas de decoupling a elas atreladas, e suas
consequências para organizações e campos.
Por fim, afirmamos que, ainda que a ideia (ou mesmo o conceito) de sustentabilidade
esteja institucionalizada na contemporaneidade enquanto signo, o seu conteúdo semântico (i.e.,
o significado) não está, pois este se apresenta variável, seja por conveniência, seja por falta de
entendimento/clareza sobre como operacionalizar/realizar, efetivamente, a sustentabilidade,
por parte de muitas organizações.

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18 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 63 | n. 2 | 2023 | 1-20 | e2022-0028 eISSN 2178-938X
ARTIGOS | Reflexões sobre o sentido de sustentabilidade em organizações

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ARTIGOS | Reflexões sobre o sentido de sustentabilidade em organizações

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AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
pelo apoio financeiro que tornou este estudo possível, bem como aos avaliadores anônimos e
ao editor associado RAE pelas recomendações para o aperfeiçoamento da versão final.

CONFLITOS DE INTERESSE
Os/as autores/as não têm conflitos de interesse a declarar

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES


Beatriz Lima Zanoni: Administração do Projeto; Conceituação; Escrita – Primeira Redação;
Escrita – Revisão e Edição; Supervisão; Validação.
Samir Adamoglu de Oliveira : Administração do Projeto; Análise Formal; Conceituação; Escrita
– Revisão e Edição; Recursos; Supervisão; Validação

20 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 63 | n. 2 | 2023 | 1-20 | e2022-0028 eISSN 2178-938X
ISSN 0080-2107

A gestão ordinária dos pequenos negócios:


outro olhar sobre a gestão em estudos
organizacionais

Alexandre de Pádua Carrieri Recebido em 20/maio/2013


Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte/MG, Brasil Aprovado em 17/julho/2014

Denis Alves Perdigão Sistema de Avaliação: Double Blind Review


Universidade Federal de Juiz de Fora – Governador Valadares/MG, Brasil Editor Científico: Nicolau Reinhard

Ana Rosa Camillo Aguiar DOI: 10.5700/rausp1178


Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte/MG, Brasil

Alexandre de Pádua Carrieri, Doutor em


Administração pela Universidade Federal de
Neste artigo, o objetivo é apresentar a gestão ordinária, que foge
RESUMO

Minas Gerais, é Professor Titular no Departamento


aos parâmetros gerencialistas ao focar o cotidiano do homem de Administração da Faculdade de Ciências
comum que administra negócios ordinários, os empreendimentos Econômicas da Universidade Federal de Minas
familiares, com suas relações sociais estabelecidas, sua forma de Gerais (CEP 31270-901 – Belo Horizonte/MG,
organizar seus negócios, suas estratégias de sobrevivência, seus Brasil), Coordenador do Núcleo de Estudos
usos e sentidos dos espaços – de negócio e de família – e a rede de Organizacionais e Sociedade (NEOS) e Pesquisador
1D CNPq.
relações tecidas por eles. Neste texto, questiona-se a perspectiva
E-mail: alexandre@face.ufmg.br
da administração como única, baseada em um conhecimento tido Endereço:
como puro ou neutro (restrito ao racional), absoluto e universal Universidade Federal de Minas Gerais
(excludente de outros saberes concorrentes) e que triunfou política Avenida Antônio Carlos, 6627 – Sala 4012
e economicamente por meio das tecnologias de gestão. Em contra- 31270-901 – Belo Horizonte – MG
partida a esse posicionamento, defende-se que se devem levar em
consideração os fatores históricos, sociais, culturais e identitários Denis Alves Perdigão, Mestre em Administração
pela Faculdade FEAD, Doutorando em
que diferenciam os sujeitos e na prática cotidiana pluralizam a
Administração na Universidade Federal de
gestão. Portanto, há outras abordagens capazes de contribuir para Minas Gerais, é Professor do Departamento de
o avanço do conhecimento científico na área de estudos organiza- Administração da Universidade Federal de Juiz de
cionais, sendo a gestão ordinária uma dessas abordagens. Fora (CEP 35010-177 – Governador Valadares/
MG, Brasil) e Pesquisador do Núcleo de Estudos
Palavras-chave: gestão ordinária, cotidiano, identidade, cultura. Organizacionais e Sociedade (NEOS).
E-mail: denis.perdigao@ufjf.edu.br

1. INTRODUÇÃO Ana Rosa Camillo Aguiar, Psicóloga, Mestre em


Administração pela Universidade Federal de Lavras,
é Doutoranda em Administração na Universidade
No processo de construção da administração durante o século XX, foram Federal de Minas Gerais e Pesquisadora do Núcleo
desenvolvidos modelos de gestão que objetivavam conduzir as organizações de Estudos Organizacionais e Sociedade (NEOS)
para padrões de eficiência no que se refere às práticas do organizar. Nesse (CEP 31270-904 – Belo Horizonte/MG, Brasil).
contexto, o gerencialismo (ou management) foi legitimado como modelo E-mail: rosacamillo@gmail.com

698 R.Adm., São Paulo, v.49, n.4, p.698-713, out./nov./dez. 2014


A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais

hegemônico, influenciando a forma de gerir organizações de uma historicidade que deve ser percebida com a intenção
em todo o mundo. Nesse modelo gerencialista, o ambiente investigativa de dar vozes aos diversos sujeitos que habitam
organizacional é estruturado de forma rígida e formal, sendo os espaços de passagens. Surge daí a necessidade de olharem-
caracterizado pela divisão hierárquica de cargos e tarefas e, -se as práticas – estratégias e táticas – utilizadas pelos sujeitos
também, por controles capazes de medir a produtividade e ordinários a que se refere esse texto, para aprender com eles
facilitar os processos gerenciais necessários ao atingimento dos os meandros relativos à gestão ordinária que praticam em seus
objetivos empresariais. A instituição de um modelo de gestão cotidianos. No levantamento da gestão ordinária, os sujeitos
atende a uma visão funcionalista das organizações, que busca ganham vozes, elaboram textos, discursos, falam, narram,
determinar e padronizar os procedimentos organizacionais contam suas histórias para nós, alcançando a relevância que
julgados adequados, desconsiderando que tal padronização é as abordagens tradicionais não lhes conferem.
incompatível com a diversidade nas organizações em termos Após esta introdução, apresentam-se algumas abordagens
de forma, estrutura, pessoas, contexto e história (Alcadipani, teóricas que sustentam os argumentos em favor de estudos so-
2011; Barros & Carrieri, 2013). bre a gestão ordinária. Nesse ínterim, inicia-se por apresentar
As práticas gerencialistas foram difundidas pelas escolas de as implicações da proposta da gestão ordinária sobre a área
administração, empresas de consultoria, mídias de negócios e de estudos organizacionais. Na seção seguinte, tratar-se-á das
livros, entre outros, criando o fenômeno a que Wood Jr. e Paula significações culturais e identitárias, temas imprescindíveis para
(2002a; 2002b; 2002c) chamaram de pop-management. Por a compreensão do Homem Ordinário que a proposta tem como
meio desse fenômeno, buscou-se apresentar pretensas soluções sujeito. Posteriormente, apresentam-se questões relacionadas
capazes de atender aos problemas relativos ao cotidiano orga- ao organizar da família e dos negócios na gestão ordinária
nizacional que, por sua vez, eram intensificados pelo crescente para, então, encerrar-se este texto com as considerações finais.
aumento da competitividade no mercado global. Embora o
gerencialismo seja o modelo hegemônico de gestão organiza- 2. A GESTÃO ORDINÁRIA E SUA IMPLICAÇÃO
cional, há outras formas de gestão passíveis de serem adotadas PARA OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
nas organizações. Como bem observaram Ibarra-Colado (2006),
Misoczky, Flores e Böhm (2008) e Holanda (2011), a hegemonia O estudo das práticas cotidianas de pessoas comuns foi
implica a existência de alternativas que resistem e competem também realizado por Brant (2004), Vilas Boas (2005), Lima
por reconhecimento. Há, portanto, outros tipos de gestão que (2009) e Holanda (2011). Para esses autores, o conhecimento,
fogem ao convencionado pelo gerencialismo e que devem ser dito popular, do Homem comum, as práticas organizativas
considerados no âmbito dos estudos organizacionais (EORs). de suas atividades, seus negócios são sempre estigmatizados,
Neste trabalho, pretende-se atender a essa proposta, apre- sendo considerados amadores, sem profissionalismo, de impro-
sentando ao leitor a gestão ordinária, que foge aos parâmetros viso, sem credibilidade. Segundo Carvalho (2006), a gestão de
gerencialistas ao focar o cotidiano do homem comum que admi- organizações deve ser vista não como uma ou una, mas como
nistra negócios ordinários. Ao se tratar da gestão ordinária, não diversa. Para essa autora, algumas pessoas exercem a gestão de
interessa falar dos grandes negócios, globais, internacionais. suas organizações pautadas na preservação de práticas, como
Interessa trabalhar o cotidiano do pequeno negociante familiar, que mantendo uma tradição, uma gestão tradicional, ainda
o Homem comum (Martins, 2008), com suas relações sociais outros optam por desenvolver alternativas para sua forma de
estabelecidas, sua forma de organizar seus negócios, suas estra- gestão, inovando nas práticas cotidianas. Ambas as possibili-
tégias de sobrevivência, bem como tentar abarcar os usos e os dades, segundo a autora, podem nada ter a ver com o modelo
sentidos desses espaços – de negócio e de família – e a rede de empresarial de organização dominante.
relações ali tecidas por aqueles que os vivem cotidianamente. A influência de mudanças – tais como a globalização, o
Essa significação do insignificante, significação do cotidiano desenvolvimento tecnológico e científico, a racionalização
que pode ser importante para as pessoas, infelizmente não o é produtiva e a compressão espaço temporal – nas sociedades
para o pensamento administrativo ou perdeu-se. atuais, pode ser representada por fatores como o relativismo
Neste ensaio teórico, defende-se que se deve privilegiar a e o pluralismo cultural; que, por sua vez, seriam caracteriza-
história dos espaços de passagens, tais como galerias comer- dos pela dissipação da objetividade e da racionalidade; pela
ciais, feiras, entre outros, onde os homens comuns empreendem espetacularização da sociedade; pela cultura de massa; pela
seus negócios e estes misturam-se com o organizar da família. naturalização do caráter efêmero e transitório de todas as coisas;
Acredita-se no cotidiano como um contexto de interferência pela comoditização do conhecimento; e, por fim, pela mudança
cultural e social, mas que, ao mesmo tempo, é construído na cultural e identitária dos indivíduos na sociedade.
vida privada do Homem ordinário. O cotidiano não é uma Essa mudança cultural e identitária, assim como a desloca-
reprodução mecânica e constante de gestos, memórias ou fol- lização das atividades produtivas, assumem papel central neste
clores. Ele é, segundo De Certeau (1994), reinventado sempre, estudo uma vez que justificam e evidenciam os dois temas-
todo dia. Assim, o cotidiano e a gestão ordinária são portadores -chave para este ensaio. O primeiro seria o tema da cultura e da

R.Adm., São Paulo, v.49, n.4, p.698-713, out./nov./dez. 2014 699


Alexandre de Pádua Carrieri, Denis Alves Perdigão e Ana Rosa Camillo Aguiar

identidade do indivíduo (Carrieri, Paula & Davel, 2008) e seu 2000; Santos, 2000; Holanda, 2011), devem ser vistos como um
papel na sociedade. Essa identidade está se transmutando de lugar de saber-poder e um lugar de disputas, conforme mostram
uma noção estática, na qual o indivíduo era visto como um ser Clegg e Hardy (1996), de ressignificações.
racional, uno e estável (em termos de atitude e comportamento), Mattos (2009) aponta que na área de administração, como
passando hoje à noção de indivíduo plural, fragmentado e não campo de saber-fazer, acredita-se que as teorias se oferecem
necessariamente racional, que usa diversas identidades de (sic) em feixes, ou totalidades, organizados e que, historicamen-
acordo com as diferentes situações e interações que experimenta te, um conjunto de teorias estruturalmente semelhantes surge
em sua atuação cotidiana. O segundo tema, que se desdobra como de uma articulação da condição histórica específica da
dessas recentes mudanças nas sociedades contemporâneas, é reflexão humana. Supõe-se que as teorias podem ser substituí­
o fenômeno da deslocalização (Santos, 1979) das atividades das umas pelas outras, pois são resultado de uma preocupação
produtivas, econômicas, sociais, culturais e até políticas, que institucional, estrutural. Entretanto, essa suposição não pode ser
passam cada vez mais a mudar de espaço no cotidiano conforme mais aceita, porque supor que haja sempre uma possível síntese
a necessidade ou o desejo de seus atores principais. Tal fato disponível desde o início tem sido rebatido desde as décadas de
traz consigo de forma subjacente uma profunda cisão entre 1960 e 1970 nos estudos organizacionais (Clegg & Hardy, 1996).
o sujeito e os produtos, bens e serviços por ele fabricados, Tendo em vista os questionamentos realizados desde os
e o espaço local e suas raízes: sociais, históricas e culturais. anos 1960 e 1970 sobre a universalização das teorias do co-
Em um sentido mais amplo, tal deslocalização das atividades nhecimento (Clegg & Hardy, 1996), supor ainda uma noção
produtivas tenderia a tornar, em última instância, tanto os pro- instrumental da gestão (universal) é impor uma visão cultural-
dutos quanto os sujeitos sociais responsáveis por sua produção, mente hegemônica sobre o campo social desse saber. É preciso
indiferenciáveis, levando a uma comoditização das relações abrir o termo gestão, gerir, administrar, é preciso contestá-los
sociais materializadas por sua face produtiva. Igualmente, permanentemente. Qualquer conceito totalizador da gestão
estaria ocorrendo uma comoditização da vida organizativa dos impedirá, como dizem Chanlat (2000) e Alcadipani e Rosa
homens em relação aos próprios homens. (2010), de apresentar a gestão, a administração, como um lugar
Procurando entender a interação social, histórica e cotidiana de disputa política permanente. Pois, tratar gestão como uma
dos sujeitos, de suas famílias e de seus negócios nos espaços categoria, não apenas como uma representação, é partir de
coletivos das cidades, que anteriormente foram nomeados no regras, regulações, estruturas impondo padrões preestabeleci-
texto como espaços de passagens, defende-se a realização de dos de conhecimento e, no fundo, é uma forma de impor uma
pesquisas que busquem entender o que aqui se denomina, com visão de mundo única. Assim, pode-se tomar como base Butler
base nas ideias de De Certeau (1994), de gestão ordinária – (1998) e passar a utilizar os termos “gestão”, “administração”,
aquela que se faz no cotidiano dos negócios ordinários, dos “organização”, entre aspas, para que se mostre que eles, e seus
pequenos negócios e é uma prática social e cultural formada conceitos fechados, estão sob críticas. O efeito das aspas é
por uma pluralidade de códigos, referências, interesses pessoais desnaturalizar os termos, designá-los como lugares de debate.
e relacionais. As práticas da gestão ordinária podem evidenciar Nesse momento, vale uma observação para a administração,
até mesmo uma resistência contra um modelo imposto, visto assim como para os pesquisadores desse campo de saber, de
como mais racional, eficiente (Josgrilberg, 2005), como o ge- que, como um saber-poder, deve ser capaz, se se quer moder-
rencialismo que se tenta institucionalizar pelo pop-management no, de fazer reflexões não sujeitas a interpretações exclusivas
(Wood Jr. & Paula, 2002a; 2002b; 2002c). e monolíticas. Segundo Latour (1994), para concretizar-se, a
Tanto para Mattos (2009) como para Alcadipani e Davel modernidade deve ser capaz de produzir reflexões híbridas de
(2003), as teorias tradicionais da administração constroem suas próprias construções, de sua própria ciência. É preciso
discursos de um conhecimento tido como puro ou neutro (res- apontar, como mostra Gagnebin (2005, p. 189), que o conheci-
trito ao racional), absoluto e universal (excludente de outros mento moderno “é um [eterno] ter. Seu objeto se determina a si
saberes concorrentes) e que triunfou política e economicamente mesmo pelo fato de que a consciência, seja ela transcendental ou
por meio das tecnologias de gestão. Esses discursos fazem da não, deve dele tomar posse. O caráter de posse lhe é imanente”.
administração uma disciplina universal, devendo então ser Para essa posse, a experiência e a exposição são secundárias.
grafada com inicial maiúscula, Administração, pois, como diz A administração, como ciência social aplicada, busca um
Benjamin (2006, p. 51), “saber é posse”, ou Foucault (1987), conhecimento sobre a gestão, a posse de um conhecimento que
saber é poder. Assim, a Administração, como disciplina/saber, se quer moderno e imanente. Essa posse faz com que sejam
confere posse/poder de um conhecimento que se quer univer- esquecidos, ou não lembrados, ou ainda silenciados, conhe-
sal, mas para uso e entendimento de poucos. Então, a gestão cimentos ditos tradicionais, outras racionalidades que não a
dita universal – a gestão não ordinária – como querem muitos instrumental, outras formas de gerir que não aquele objeto
autores da área de administração, as revistas de negócios, os do conhecimento científico moderno. Na visão de Benjamin
manuais de administração, enfim o pop-management (Wood Jr. (2006), pode-se dizer que a razão instrumental é a derrocada
& Paula, 2002a; 2002b; 2002c) ou managerialismo (Chanlat, das outras razões. A razão instrumental é típica do capitalismo,

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A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais

pois é uma racionalidade que se volta para o aprimoramento da O pesquisador deve subverter, como fez Caiafa (2002), a
técnica, para o aumento infindável da produtividade. A razão clássica oposição entre casa e cidade. A cidade não está só na
instrumental, para o autor, é um alucinógeno, porque projeta rua, está nos espaços públicos, nas galerias, nas passagens,
um mundo de fábula, em que a técnica redime o mundo (e o nos mercados. E, nesses espaços, estão as formas de sobrevi-
homem), gerando progresso interminável. Na perspectiva do ver daqueles que exercem a gestão ordinária, com suas vidas
autor, deve-se atacar o mito de que o progresso da humanida- organizadas estrategicamente, onde a casa se mistura com a
de está sempre vinculado ao desenvolvimento da técnica, ao rua, e a família e o negócio estão imbricados. Como mostra
desenvolvimento das forças produtivas, da dominação sobre a Benjamin (2006), esses espaços de passagens constituem uma
natureza. Assim, nos lugares em que o discurso hegemônico vê reformulação dos espaços públicos, em que elementos das
progresso, Benjamin denuncia a iminência da catástrofe – pos- vidas privada e pública ganham novos limites, dado o culto à
sibilitada, dentre outros fatores, pelo aperfeiçoamento técnico exposição, à valorização da visibilidade nas vitrines, nas prate-
dos meios de destruição em massa da humanidade. leiras, nas bancadas, e, ao propiciar um ambiente de intimidade,
O conhecimento administrativo baseado na razão instru- uma nuança de atmosfera doméstica, da casa na rua. Ademais,
mental, na ideia de progresso interminável, do aperfeiçoa- muitas dessas formas da vida organizada podem constituir-se
mento técnico das ferramentas e modelos trazidos na/pela nos denominados negócios de família, negócios familiares, nos
modernidade, busca reforçar uma temporalidade que leva a quais se fabricam sujeitos, relações, corpos, o mundo interior
um sentimento de que tudo se torna transitório. Contudo, deve e o mundo exterior fundem-se, as relações objetivam-se nos
o pesquisador ter em mente que nessa visão da temporalidade espaços e nos corpos da família e dos negócios.
capitalista, podem existir outras temporalidades, outros saberes, Ao pesquisar a gestão ordinária, privilegiou-se o pequeno
outras formas intersubjetivas não tão deslocadas das relações negócio, do artesão, do vendedor ambulante, do lojista, do
histórico-sociais. Cabe, então, ao pesquisador experimentar o feirante em espaços específicos da cidade. Esses espaços de
mundo olhando, ouvindo e, até mesmo, escrevendo. passagens entre ruas, esses lugares de movimentos, revelam as
Sobre essa experimentação, Oliveira (1988) e Bourdieu ambiguidades de espaços públicos: ora cheios, no aperto dos cor-
(2000) dizem que o pesquisador em uma disciplina social (mes- pos e na multidão que faz compra, olha, passeia; ora usados por
mo aplicada como a administração) deve buscar concentrar-se tribos, grupos específicos; ora vazios, abandonados, esquecidos.
em três principais faculdades: o olhar, o ouvir e o escrever. Ao Tanto De Certeau (1994) como Benjamin (2006) buscavam
observar a cidade estranhada, deve disciplinar o olhar, refratando contar a história de modo diferente. Para ambos, a história
a realidade. Para esses autores, é necessário não só estar cons- está nos pequenos acontecimentos, acontecimentos rotineiros,
ciente desse olhar, mas também estar sensível aos eventos não cotidianos. Na perspectiva benjaminiana, a história não pode
previstos, por isso os estranhamentos. Em seguida, ao ouvir, o ser vista como processo linear. A história apareceria como uma
pesquisador deve preocupar-se em estabelecer uma interação bricolagem, segundo De Certeau (1994), onde se descarta o
dialógica com os sujeitos. Há de reconhecer-se a subjetividade processo linear, coerente, retilíneo. Para Benjamin, é no uso
dos sujeitos. Antes de serem fontes de dados, fontes de infor- das alegorias, das metáforas, e, para De Certeau, é nas práticas
mação, de conhecimento, são os outros. Agar (1980) e André dos sujeitos que se poderá evidenciar a história do cotidiano. As
(2007) chamam a atenção para as descrições e análises (pesqui- práticas aparecem nas táticas e nas estratégias de sobrevivência
sas) que mostram como o mundo social investigado faz sentido dos sujeitos e, por meio delas, pode-se observar o uso criativo
sob a perspectiva do outro e não do observador/pesquisador. e oportunista do tempo e do espaço. Outros pontos de ligação
Para André (2007, p.45), o pesquisador deveria “ultrapassar entre esses dois autores são evidenciados por Stambonsky e
seus próprios métodos e valores, admitindo outras maneiras de Oliveira (2010), que apontam o ato de caminhar, do flâneur e
conceber e recriar o mundo”. Abandonando, ou melhor, bus- do bricoleur, como uma ação de observação e enunciação que
cando abandonar os próprios valores na interpretação dos fatos tem a função de apropriação do sistema topográfico pelo sujeito
observados, o pesquisador estaria tentando capturar a maneira que se move, que observa, que flana. Além disso, continuam as
como os sujeitos, esses outros no mundo, percebem seus contex- autoras, para De Certeau e Benjamin as formas espaciais são
tos e lhes dão significados. Por fim, o ato de escrever é anotar, produtos de intervenções humanas, materializações de projetos
registar, historiar, narrar, descrever. Para De Certeau (1994, p. elaborados por sujeitos históricos e sociais e, por trás dos pa-
199), escrever é uma “atividade concreta que consiste, sobre drões espaciais, das formas criadas, dos usos dos solos, das re-
um espaço próprio, a página, construir um texto que tem poder partições e distribuições, dos arranjos locais, estão concepções,
sobre uma exterioridade da qual ele foi previamente isolado”. valores, interesses, mentalidades, visões de mundo, enfim, todo
Para ele, há três elementos importantes: uma página em branco, o complexo universo da cultura, da política e das ideologias.
um texto e o movimento que mudará a realidade social que lhe Para Goldenberg (1997), existem vários personagens que
deu origem, tormando-a estável, passível de leitura. Por meio compõem a cidade e seus espaços e cada um desses persona-
desses elementos, organiza-se um lugar, um locus social, uma gens da história experimenta esses espaços de forma diferente.
sociedade, sem, contudo, conseguir representar o real. A diversidade de formas de os sujeitos vivenciarem a cidade

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Alexandre de Pádua Carrieri, Denis Alves Perdigão e Ana Rosa Camillo Aguiar

moderna sugere a necessidade de registrar, catalogar a vivência é destinada ao acúmulo futuro, à prescrição e ao
e o papel de cada um dos elementos sociais. Esses espaços controle. Já a tática é contextual e efêmera. “O que
representam um fértil campo para os estudos de administração – ela ganha, não o guarda (De Certeau, 1994, p. 47)”
dos estudos organizacionais – e das temáticas do cotidiano, das (Souza & Carrieri, 2012, p. 45).
significações culturais e identitárias, do espaço organizacional
e da gestão do negócio familiar, uma vez que eles conseguem As práticas sociais, as relações histórico-sociais entre fa­-
reunir, simultaneamente, características socioculturais e econô- mília e negócio, entre os sujeitos de pesquisa e entre até mes-
micas que revelam a forma como determinados grupos sociais mo os grupos de pesquisadores, têm por base a construção de
se relacionam com a cidade, com os espaços coletivos, públicos. significações culturais e identitárias, como será abordado na
Assim como esses espaços, tanto físicos quanto simbólicos, próxima seção.
também influenciam a percepção que os grupos podem cons­truir
acerca de si próprios em sua relação com a cidade. 3. AS SIGNIFICAÇÕES CULTURAIS E
É nesse contexto que, na contramão das abordagens do- IDENTITÁRIAS
minantes nos estudos administrativos em que se preferem
os grandes negócios, em que o foco é o “universo natural do O uso do termo significações culturais e identitárias parte
pioneirismo empresarial” (Marcovitch, 2009, p. 303), que se da concepção de que os diversos sujeitos interpretam, criando
defende o estudo do cotidiano do Homem comum de negócios, sentido, significações à realidade. Essas manifestações, assim
o pequeno negociante que gere seu negócio com sua família como suas práticas cotidianas – discursivas ou não – são
(Martins, 2008). Como Santos (2006), concorda-se que há historicamente construídas, e suas percepções, memórias,
conhecimentos heterogêneos que devem ser admitidos, conhe- crenças, experiências, valores, etc. variam. As interpretações
cimentos tidos como vulgares, práticos. Conhecimentos com do mesmo fenômeno também podem diferir. Os sujeitos criam,
base no cotidiano, nos quais os sujeitos de pesquisa orientam então, formas diferentes de ver o mundo, criam sentidos diver-
suas ações, dão sentido a suas vidas e às de suas famílias. sos, muitas interpretações, é a isso que aqui se denomina de
Conhecimentos que podem dialogar com os conhecimentos significações. Essa possibilidade de conhecer o social, o que
ditos científicos, que nesse diálogo podem criar oportunidades inclui a nós também como sujeitos, decorre dos mecanismos
de novos conhecimentos. É preciso ver, como Santos (2008), que se estabelecem em nossas relações histórico-sociais. É
que dar crédito a saberes não hegemônicos não envolve nessa acepção que Foucault (1998) assinala os sujeitos como
necessariamente a descredibilização do saber científico. Assim, efeitos dos modos de subjetivação-objetivação, de produção
poder-se-ão desvelar as artes de fazer de Homens cuja rele- de subjetividades construídas e vividas por relações de forças
vância para a formação da sociedade não é mormente analisada dispersas constituídas sob formas de redes perpassadas em
(De Certeau, 1994). Poder-se-á buscar uma alternativa à história todo o corpo social, sem uma origem ou ponto fixo, mas sendo
tradicional da gestão, na qual as experiências desse Homem produzido a partir dos diversos dispositivos da ordem social. As
comum vêm sendo excluídas diante de um foco maior nos fatos significações culturais e identitárias são resultados das práticas
considerados mais centrais para a sociedade (Souza, 2006). sociais, desse estar no mundo, em meio a uma rede de relações,
É esse Homem comum que cria estratégias e táticas para de sentidos, de visões de mundo e de ações no mundo.
a sobrevivência de seus negócios, de sua família. Para De
Certeau (1994), as estratégias assumem o caráter de prática 3.1. As significações culturais
social, fundamentalmente sob os conceitos de estratégia e tática,
que auxiliam a compreender a multiplicidade das práticas que Na administração, cultura é um tema explorado ambi­gua­
formam o cotidiano. Para Souza e Carrieri (2012, p. 45), “as mente, ou, na visão de muitos autores (Kroeber & Kluckhohn,
estratégias são cálculos de relações de força que se tornam 1952; Cuche, 1999; Carrieri, 2001), é vulgarmente explorado.
possíveis a partir do momento em que um sujeito de querer Por exemplo, há pesquisadores estrangeiros, como Hofstede
e poder é isolável das exterioridades”. Ainda segundo esses (1980; 1997), Trompenaars (1994), Schein (2004), que influen-
autores, as táticas podem ser definidas como: ciam vários trabalhos de cunho funcionalista. Para esses auto-
res, a ideia é que a cultura deve ser estudada como uma variável
contextuais e oportunistas, frutos da inteligência interna à gestão. Ela pode ser criada, modificada, fortalecida
cotidiana. São práticas que se aproveitam de uma por um gestor. Esses autores constroem listas de empresas com
certa situação para gerar resultados imediatos. No culturas fortes e culturas fracas, a ideia geral é fazer relações
espaço do outro, as táticas se aproveitam do tempo, de causa e efeito da variável cultura com o desempenho da
para captar possibilidades de ganho. Enquanto as organização, da gestão. Aqui estão os estudos denominados de
estratégias se relacionam com o poder exercido em cultura coorporativa, cultura organizacional, nos quais a ideia
um lugar próprio ou em uma instituição, as táticas geral é que a cultura tem uma cultura e subculturas e, nesse
se relacionam com a astúcia popular. A estratégia sentido, pode ser mudada, trabalhada.

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A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais

Por outro lado, há pesquisadores como Aktouf (1994), Al- concordo plenamente com a visão de que o mundo,
vesson (2004; 2007), Meyerson e Martin (1987), entre outros, as cidades e as organizações, inclusive as empresas,
que fazem severas críticas aos estudos funcionalistas. Eles estão totalmente fragmentadas. [...] Parto então
buscam novamente a inserção da cultura como uma categoria da perspectiva de que não existe unidade, nem
social, objetivando desenvolver pesquisas de cultura nas orga- na sociedade, nem no interior das organizações,
nizações. Esses pesquisadores pesquisam o tema cultura desde não porque a sociedade estaria fragmentada,
a vertente interpretacionista até ao pós-modernismo, passando mas porque sempre foi. O que mudou foi que
pelo pós-estruturalismo. Para Linstead e Grafton-Small (1992), a heterogeneidade tornou-se mais evidente e
o tema havia sido dominado por uma abordagem interpretativa, perceptível. [...] A definição formal de cultura na
do individualismo e da subjetividade. Já para Alvesson (2007), perspectiva da Fragmentação é a seguinte: [...] uma
o tema caminhou para trabalhos que buscam a construção e cultura organizacional é uma rede de indivíduos,
a desconstrução de significados, como resultado não só de esporadicamente e fracamente conectados por suas
experiências subjetivas, mas também intersubjetivas, até a posições mutantes em relação a uma série de aspec-
crítica da cultura como forma de manipulação dos indivíduos tos. [O grifo é nosso].
e da limitação da autonomia pessoal. Nessa perspectiva, o tema
cultura aparece como metafórico. A cultura evidencia o que a Pela perspectiva da fragmentação, segundo Cavedon e Fa-
organização é ou, como sintetiza Furtado (2011, p. 70), “em chin (2008), podem-se evidenciar mais facilmente as culturas
vez de mais uma ‘peça do quebra-cabeças’, mais uma variável, como um processo historicamente construído, cujo principal
a cultura passa a ser o próprio ‘quebra-cabeças’”, e a autora aspecto é centrar-se na interação das pessoas que compõem o
completa lembrando que metáforas são criações humanas e, que se denomina de organização. Nesse sentido, os discursos
por isso mesmo, ficções, simplificações do real. e as metáforas evidenciadas são influenciados também pela
No Brasil, o tema também tem semelhantes vertentes de história, pela biografia e por fatores sociais nos quais estão
pesquisas. Assim, há um grupo, como Barros e Prates (1997), mergulhados o evento estudado, as pessoas envolvidas e o
Mascarenhas e Vasconcelos (2009), Muzzio (2010), entre tantos próprio pesquisador. Nesse sentido, uma interpretação é uma
outros, que usa a perspectiva como variável e atrela cultura ao compreensão coletiva do evento, da organização, da cultura
tema da mudança organizacional. E há autores, como Fischer, (Feldman, 1991). Resumindo, a fragmentação possibilitaria
França e Santana (1993), Carrieri e Rodrigues (2001), Carrieri apreender a cultura como um processo histórico que nasce da
(2002; 2008), Cavedon, Craide e Eccel (2006), Silva, Junqui- interação entre as pessoas nas sociedades, nas organizações,
lho, Carrieri e Melo (2006), Cavedon, Davel e Pereira (2007), nos grupos, etc.
Cavedon e Fachin (2008), que trabalham a vertente da cultura Contudo, há de considerar as críticas feitas por Alvesson
nas organizações, buscando a construção e a desconstrução de (1993), Furtado (2011) e Silva (2011), que mostram que a
visões de mundo em espaços de interação social de trabalho, perspectiva da fragmentação se apoia na ideia de ambiguidades
lazer, etc. Aqui se destacam os estudos de Cavedon, de Silva que, para Martin (1992), são percebidas como falta de clareza,
e de Carrieri que têm trabalhado o tema da cultura pela cons- más definições das responsabilidades, papéis, não ficando
trução e pela desconstrução das visões de mundo dos sujeitos claro para as pessoas o que elas fazem naquela organização
por meio dos discursos, mais precisamente pela bricolagem nem o que a organização faz na sociedade. Para os autores, as
discursiva, buscando o que De Certeau (1994) chama de táticas ambiguidades não podem ser base da perspectiva da fragmen-
e estratégias das práticas cotidianas, termos já conceituados tação, pois elas estão em todos os processos históricos, todas
neste estudo. as construções sociais da realidade, ocorrendo sempre várias
Essa lista de pesquisadores que trabalha na perspectiva da explicações, interpretações sobre os diversos eventos vividos,
cultura nas organizações apoia-se na concepção de Meyerson mas nenhuma adequada o suficiente para garantir a verdade
e Martin (1987), buscando analisar as organizações sob três sobre tal momento, sobre tal acontecimento.
diferentes perspectivas. A da integração – discurso, ou melhor, De maneira geral, como aponta Benjamin (2006), não se
produção simbólica da alta administração, ou grupos dominantes; pode estudar a cultura (de um grupo, sociedade) se não se reto-
a da diferenciação – discursos, produção simbólica dos diversos marem as concepções de história e da sociedade que a produz.
grupos; e a da fragmentação – discurso, produção simbólica do Assim, quando se fazem as intersecções entre as pesquisas
indivíduo. Neste ensaio, devido à peculiaridade de sua proposta, de cultura nas organizações, ou melhor, as pesquisas sobre o
optou-se por focar a perspectiva da fragmentação, reconhecendo- tema da cultura na administração, nos estudos organizacionais,
-a como a ideal para tratar-se da temática da gestão ordinária. busca-se ver/estudar as transformações das relações sociais
Não se estão desprezando as outras perspectivas – integração e refletidas da vida cotidiana do Homem comum, do Homem
diferenciação –, pois elas são úteis para complementar estudos sem história, de sua família, de seu negócio em espaços de
sob a perspectiva da fragmentação. Assim, concorda-se com passagens, com suas exposições permanentes de mercadorias,
Furtado (2011, p. 81) quando a autora pontua: com seus vidros; na produção de espetáculos, com imagens

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Alexandre de Pádua Carrieri, Denis Alves Perdigão e Ana Rosa Camillo Aguiar

supercoloridas, imagens ilusórias, com os fantasmas de mer- velado’” (Ciampa, 2005, p. 139). Ao ir a campo, o pesquisador
cadorias fetichizadas. Essas são relações sociais fragmentadas, necessita, primeiramente, observar as práticas cotidianas, os
construções históricas de um passado refletidas no presente modos de agir dos indivíduos e suas interações com o outro.
estudado. Relações que também propiciam a evidência de Em segundo lugar, é preciso compreender tais práticas como
construções das significações identitárias. manifestações de quem o indivíduo é. Para desvendar a iden-
tidade, torna-se necessário inserir as práticas observadas na
3.2. As significações identitárias esfera discursiva, pois ação desprovida de sentido discursivo
não seria ação propriamente dita, visto que não revela seu ator
No pensamento tradicional ocidental sobre a identidade, e não permite sua manifestação interativa. Nesse sentido, o
a noção predominante é a de que todo indivíduo possui uma processo de compreensão dos sentidos embutidos nas práticas
identidade que o faz ser igual a si mesmo ao longo do tempo. é uma transposição para a dimensão discursiva que revela a
Nesse sentido, possuir identidade significaria apresentar ca- manifestação do indivíduo no mundo, ou seja, sua identidade
racterísticas únicas, imutáveis, contínuas e estáveis. Ciampa (Arendt, 2004; Souza, 2010).
(2005) critica essa visão, pois ela reforça a ideia da identidade Uma das limitações de pesquisas sobre as significações
como produto acabado, como algo dado. Uma vez definida a identitárias é que o pesquisador nunca será capaz de apreender
identidade do indivíduo, ele estaria identificado indefinidamen- fielmente os sentidos subjetivos embutidos no agir de seus su-
te a partir de determinados atributos. No fazer cotidiano, esse jeitos de pesquisa. Isso porque o processo de compreensão das
indivíduo deveria buscar ser coerente com a identidade que lhe práticas cotidianas envolve a construção intersubjetiva de sen-
foi definida. A identidade, nesse sentido, torna-se um conceito tidos. Inevitavelmente, o pesquisador imprime sobre o material
de self idealizado, que acabaria por não corresponder ao que o coletado e analisado sua perspectiva. Trata-se, portanto, de um
indivíduo realmente é em sua vida prática, tendo em vista as processo dialógico, em que as práticas identitárias observadas
transformações vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida. e coletadas pelo pesquisador são tidas como um discurso dos
Indo além da identidade como propriedade de ser idêntico a sujeitos pesquisados. Tal discurso será compreendido e inter-
si mesmo e como características únicas e imutáveis, Heidegger pretado pelo pesquisador, gerando sentidos sobre a construção
(1979) aprofunda a discussão ao afirmar que a identidade se da identidade desses sujeitos (Bakhtin, 1992; Souza, 2010).
manifesta na singularidade do ser. Segundo o filósofo, a identi- As pesquisas sobre o tema das significações identitárias
dade surge da tensão entre o ser e o não ser, entre o conhecido/ perpassam modos de captação das práticas cotidianas e, em
consciente e o desconhecido/inconsciente, entre a estabilidade seguida, modos de transposição dessas práticas ao nível dis-
e a instabilidade, ou seja, entre a mesmidade, a percepção de cursivo, viabilizando sua apreensão, porém, visando à compre-
semelhança com algo ou com alguém, e a diferença, a percepção ensão dos sentidos o mais próxima possível dos sentidos dos
de ser oposto ou complementar a algo ou alguém. sujeitos (e não do pesquisador). É importante destacar que tal
Ao colocar-se no mundo, o indivíduo encontra-se cercado transposição envolve a interpretação de práticas verbais ou não
por uma teia de relações já existentes e nela ele é capaz de verbais, e a compreensão dessas últimas passa inevitavelmente
imprimir consequências imediatas de suas ações. A construção pela semiotização para que o pesquisador as apreenda.
de uma possível identidade, advinda de uma história de vida Para Oliveira (2006), a modernidade ceifa as identidades ou-
(singular), ocorre necessariamente a partir de uma interação trora solidamente construídas, o estudo das práticas sociais no
mútua com as histórias de outras pessoas, com as quais se teve cotidiano, assim como os discursos – narrativas – dos sujeitos
contato ao longo da vida. A história humana seria fruto dessa possibilitam evidenciar as novas significações identitárias ainda
interação e dela se constrói uma rede de reflexões, na qual iden- desordenadas. Assim, ao se narrarem as práticas dos sujeitos
tidades se refletem e se reforçam (Arendt, 2004; Ciampa, 2005). de pesquisa, se estarão narrando, também, as experiências
particulares, as frequentações, as solidariedades e as lutas que
Esse jogo de reflexões múltiplas que estrutura as organizam o espaço em que essas narrações constroem signi-
relações sociais é mantido pela atividade dos in- ficações culturais e identitárias. Segundo De Certeau (1994),
divíduos, de tal forma que é lícito dizer-se que as para ler e escrever as significações identitárias (ordinárias),
identidades, em seu conjunto, refletem a estrutura é importante ao pesquisador reaprender operações comuns e
social, ao mesmo tempo que reagem sobre ela, fazer da análise uma variante de seu objeto.
conservando-a (ou transformando-a) (Ciampa, Para Santos (2005), ao se fomentarem os debates sobre a
2005, p. 171). construção cultural das significações identitárias das narra-
tivas do Homem ordinário, das práticas sociais no cotidiano,
Nessa perspectiva, o pesquisador que busca compreender as estar-se-ão (re)inventando outras possibilidades de conhecer
significações identitárias, deve entendê-las como um processo, o real. Nesse sentido, os estudos das práticas cotidianas de
sendo necessário “captar os significados implícitos, considerar grupos sociais como problematizações possíveis, e não como
o jogo das aparências. A preocupação é ‘com o que se mostra premissas fechadas sobre temas da administração, ampliariam

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A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais

as condições de interpretação das ações e das motivações dos pois carregam em seu conteúdo as maneiras como o indivíduo
sujeitos comuns históricos. O cotidiano não pode ser visto enxerga o mundo; e podem ser formas de identificação, pois
apenas como um lugar/espaço onde se cristalizariam os modos implicam compromissos, julgamentos e posicionamentos do
disciplinares, ou melhor, de construção de hábitos e atitudes, enunciador. O desvendamento desses três aspectos contribui
de elaboração e interiorização de conceitos, mas ele deve ser para a compreensão das significações individuais.
estudado como o espaço de declaração das significações iden- Ao se analisarem os discursos, textos individuais, é impor-
titárias. O cotidiano é um espaço privilegiado, contexto das tante ter em mente que eles são construídos dialogicamente.
necessidades cotidianas, construído pelos fazeres e saberes Mesmo que sejam pertencentes ao discurso individual, os
de grupos sociais que o compartilham. O cotidiano, como sentidos apresentados são provenientes de sentidos construí­
abordado neste ensaio, é um espaço individual e grupal. Ele dos socialmente e mantêm constante diálogo com outros
caracteriza-se como individual, pois é individualmente narrado discursos existentes (Bakhtin, 1992). No caso em estudo, é
pelos sujeitos de pesquisa que construíram o dia a dia de seus importante referenciar que os textos individuais também são
negócios. E como coletivo, pois são negócios que envolvem cruzamentos, os textos produzidos pelos sujeitos da pesquisa
suas famílias, há empregados, há concorrentes, há clientes, são polifônicos, isto é, são resultado de relações multicau-
há os espaços de passagens instituídos: mercados, galerias, sais das significações simbólicas – culturais e identitárias –,
shoppings e feiras, entre outros. possibilitando diferentes formas de pertencimento e, então,
A formação das significações identitárias coletivas diferentes interpretações sobre o cotidiano, os lugares, a gestão,
envolveria o compartilhamento de sentidos por parte dos a casa, a rua, os negócios, a família, etc. Entendendo que as
indivíduos nela inseridos. Tais sentidos, negociados e propa- significações identitárias (e culturais) são construídas a partir
gados em processos dialógicos, precisam ser constantemente das práticas (discursivas e não discursivas), torna-se relevante
repensados e repassados entre os integrantes da identidade para investigar como ocorrem as práticas cotidianas no interior dos
que sigam sendo legítimos a todos (Souza, 2010). Contudo, é espaços de passagens, assim como nas organizações, tanto
preciso destacar que as significações identitárias coletivas não aquelas referentes a sentidos individuais, quanto aquelas de
são um grupo homogêneo de identidades individuais. Cada orientação comunitária. Tais práticas seriam a materialização
indivíduo, obviamente, possui sua história de vida própria e das identidades, representando o material inicial a ser coleta-
pode ter diferentes motivos para filiar-se ao coletivo. Wry e do pelo pesquisador. Já a interpretação desse material passa
Glynn (2011) destacam que as identidades coletivas podem ser pela captação dos sentidos específicos e contextuais e pela
compreendidas como conjuntos compostos por indivíduos (e forma como as práticas são dialeticamente reconstruídas. No
práticas) que pertencem mais ou menos a um mesmo tipo de nível coletivo, as identidades poderiam ser apreendidas como
categorização e também por indivíduos (e práticas) divergentes. práticas mais ou menos compartilhadas entre os indivíduos,
Entendendo que as significações identitárias (e culturais) ou seja, práticas que sinalizam para o compartilhamento de
são construídas a partir das práticas (discursivas e não discur- sentidos comuns. Ademais, as identidades coletivas também
sivas), torna-se relevante investigar como ocorrem as práticas são mapeadas a partir da existência de reconhecimento externo
cotidianas no interior dos espaços de passagens, assim como nas em seu contexto (Souza, 2010).
organizações, tanto aquelas referentes a sentidos individuais,
quanto aquelas de orientação comunitária. Tais práticas seriam a 4. O ORGANIZAR DA FAMÍLIA E DO NEGÓCIO
materialização das identidades, representando o material inicial NA GESTÃO ORDINÁRIA
a ser coletado pelo pesquisador. Já a interpretação desse mate-
rial passa pela captação dos sentidos específicos e contextuais e Considerou-se neste ensaio, baseado em Damiani (1991) e
da forma como as práticas são dialeticamente reconstruídas. No Antuniasi (1993), que os negócios e as organizações familiares
nível coletivo, as identidades poderiam ser apreendidas como englobam uma gama de atividades que não estão necessaria-
práticas mais ou menos compartilhadas entre os indivíduos, mente vinculadas ou instituídas sob a disposição formal de uma
ou seja, práticas que sinalizam para o compartilhamento de empresa. Em outras palavras, englobam atividades produtivas
sentidos comuns. Ademais, as identidades coletivas também baseadas na força produtiva da família, mas que nem por isso
são mapeadas a partir da existência de reconhecimento externo estão dispostas sob uma hierarquia, uma estrutura, uma for-
em seu contexto (Souza, 2010). malidade de relações, ou mesmo a legalização do negócio. A
As significações identitárias, então, podem ser reveladas a gestão do negócio familiar pode ser constituída de sujeitos que
partir da produção discursiva (verbal ou não verbal) do indiví- agem por meio de uma rede de relacionamentos informais e
duo, como se fosse uma narrativa que ele constrói sobre quem pessoais envolvendo, sobretudo, elementos afetivos ligados à
ele é ao longo de sua vida. Fairclough (1992) explica que os família, podendo trabalhar sem vínculos trabalhistas legalmente
discursos, denominados por ele de textos, podem exercer três formalizados (Lima, Carrieri, Soares & Pimentel, 2007). As
funções básicas: podem ser ações sobre o mundo, estabelecendo peculiaridades desse contexto, marcado pela afetividade, propi-
relações sociais; podem ser formas de significações do mundo, ciam o surgimento de estratégias e táticas específicas por parte

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Alexandre de Pádua Carrieri, Denis Alves Perdigão e Ana Rosa Camillo Aguiar

dos membros familiares e exigem dos estudiosos a adoção de como de outrora – embora nela não estejam presentes tais
alternativas teórico-metodológicas que deem conta da comple- elementos) e outro para os patrões (a família estaria associada
xidade da realidade. à forma das quais eles se utilizam para manter a viabilidade
Segundo Davel e Colbari (2000), os estudos sobre a gestão econômica das empresas).
dos negócios que envolvem a família devem buscar contemplar Cavedon e Ferraz (2003), ao analisarem a imbricação entre
dimensões objetivas ou materiais e subjetivas ou imateriais. família e negócio, perceberam que, como há uma diversidade
Com base na análise dessas dimensões, os autores ressaltam que de modelos de família na sociedade contemporânea, torna-se
a gestão e a organização podem ser vistas como uma metáfora necessário considerar a possível multiplicidade de conceitos
de família. Nessa metáfora estariam inseridos elementos sim- de organizações familiares. Desse modo, utilizam a noção de
bólicos, por meio da e na linguagem, que deveriam referir-se família como critério mais relevante para a definição de orga-
à relação da família com a empresa. Por meio desse processo, nização familiar. Em suas palavras, “na medida em que cada
ocorreria a criação e a manutenção de um repertório ideoló- modelo de família apresenta sua especificidade em termos
gico-discursivo capaz de conformar as práticas gerenciais, as de valores, as empresas familiares, por via de consequência,
formas de agir e de pensar, bem como legitimar a ação social também constituíram-se a partir de modelos diferenciados”
dos atores organizacionais na empresa. Isso seria possível já que (Cavedon & Ferraz, 2003, p. 89). A importância de partir da
as metáforas gerariam uma visão mais flexível da organização, família para melhor compreender as empresas familiares tam-
baseadas, sobretudo, nos elementos simbólicos representados bém é ressaltada por Waiandt e Davel (2008), que asseveram
pela família (afetividade, proximidade, confiança, etc.) e in- que a dinâmica das organizações contemporâneas pode ser
trojetados na dimensão racional e objetiva das organizações. descortinada a partir do estudo da influência de lógicas sociais
A família como significação cultural e identitária de um aparentemente externas a elas, como a família.
negócio, segundo Davel e Colbari (2000), pode ser apresentada Waiandt e Davel (2008) concluem que existem diferentes
como referência simbólica e ideológica para a sedimentação valores familiares que perpassam o espaço organizacional e
do trabalho entre seus membros e até mesmo entre os empre- implicam novos arranjos híbridos de organização familiar e
gados. Esses autores ainda asseveram que tais significações empresarial. Esses arranjos fundem valores da família mo-
teriam a capacidade de promover maior identificação entre derna – na qual há divisão de tarefas no universo doméstico,
trabalhadores e organização. As bases estariam nas relações e a mulher ingressa e passa a ter papel relevante no universo
pessoais do fundador/dono para com os empregados, de cunho do trabalho. Por essa razão, a noção de empresa familiar é
afetivo e subjetivo (confiança, amizade, carisma, etc.), e que conferida não só pelo tamanho da empresa, mas pelo modelo
propiciariam aos membros tornarem-se cúmplices em relação à familiar e suas múltiplas influências e desdobramentos no es-
organização e seus valores. Além disso, esses autores ressaltam paço de trabalho da organização, pois há uma simbiose entre
que pesquisas têm buscado retratar como algumas organizações família e organização familiar. As autoras apontam ainda que os
tentam realizar essa aproximação por meio de dimensões afeti- atores organizacionais e familiares desempenham seus papéis e
vas no ambiente de trabalho. Assim, a referência à família como apoiam-se incondicionalmente, o que demonstra a importância
metáfora de uma visão organizacional seria utilizada em outros da família para o futuro do negócio e deste para a sobrevivência
contextos, por exemplo, das organizações não familiares, com da família. Aqui se insere outra discussão relevante: o processo
o intuito de associar os elementos da realidade objetiva com os identitário de atores que atuam em contextos familiar e organi-
elementos da subjetividade associados à família. zacional tão imbricados, com implicações múltiplas e intensas
As relações que envolvem parentescos poderiam produzir, a partir de qualquer ação ou estratégia adotada.
como assinala Godelier (1978), relações sociais de produção, As discussões que envolvem organizações familiares exi-
desde que houvesse: acesso a recursos e controle dos meios de gem um aprofundamento no tema da construção das significa-
produção; desenvolvimento de processo de trabalho, ou redes ções culturais e identitárias, das influências que o contexto e o
necessárias à confecção de determinado produto; e circulação meio cultural exercem sobre essa construção, da mistura entre
e distribuição do trabalho – individual ou coletivo. Entretanto, os espaços da família e do negócio, das estratégias e táticas
Forges e Hamel (2000) argumentam que tais considerações construídas do organizar as atividades de forma coerente com
da antropologia econômica revelam, de maneira simplória e as necessidades sentidas no cotidiano.
parcial, a complexidade do fenômeno, por eles denominado de
relações de mediação, em que as relações de parentesco regula- 5. O COTIANO E AS POSSIBLIDADES DE
riam o desenvolvimento das empresas e seriam imprescindíveis PESQUISA DO ORDINÁRIO
para a subversão de uma relação de dominação (nesse sentido,
apresentando também certa funcionalidade econômica). Para O cotidiano ainda é pouco estudado como categoria teó-
esses últimos autores, a metáfora da família no âmbito da rica na administração ou, mais especificamente, nos Estudos
organização teria dois significados: um para os empregados Organizacionais (EORs). É pelo cotidiano, por seu estudo,
(o de proximidade e de solidariedade nas relações de trabalho, que se evidencia que os grupos sociais singularizam sua ação,

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A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais

suas artes de fazer, sua produção e consumo, configurando foca a compreensão e a apreensão dos modos de organização
um espaço de interpretações (conflitantes inclusive) sobre suas da existência social, na análise das “práticas ordinárias no
estratégias e táticas construídas. O estudo do cotidiano pode aqui e agora”, o interesse está na compreensão do cotidiano.
ajudar a elucidar por que algumas estratégias e táticas são Os autores apresentam a etnometodologia como perspectiva
apropriadas e outras não, mostrando que o estudo sob a ótica teórico-metodológica para a apreensão de práticas organizacio-
de uma racionalidade instrumental reduz os sujeitos a apenas nais, concebidas com base em Gherardi (2006). Para esses três
indivíduos definidos socialmente, arbitrariamente determinados autores, então, as práticas poderiam ser evidenciadas como uma
pelas estruturas sociais. maneira mais ou menos constante no tempo e no espaço social
O cotidiano só pode ser pensado como um lugar praticado construindo um conjunto coerente de ações. Nesse sentido, as
onde se desenvolvem inúmeras relações sociais de poder (De práticas são significadas no contexto da ação, são historicamen-
Certeau, 1994; 1996). O cotidiano como categoria de estudo te situadas, reconhecidas socialmente e orientadas por normas
não pode ser compreendido como algo a priori, naturalizado, institucionais e sociais, assim como as constituem. Uma das
mas deve ser interpretado como uma produção da ação huma- características principais dessa abordagem das práticas é a visão
na, que expressa as relações sociais existentes. As pessoas, os de processo. O estudo das práticas pressupõe a análise do acon-
sujeitos da pesquisa, construíram suas práticas organizativas tecimento em processo, o organizar, e não o organizado, feito,
a partir de experiências no cotidiano do trabalho, do exercício acabado, da organização. A etnometodologia propõe a análise
de suas atividades cotidianas, aprendendo com erros e acertos dos modos, dos métodos de organizar, o como os sujeitos fa-
(Holanda, 2011). As trajetórias cotidianas narradas são pro- zem. Como método, seu foco são as práticas cotidianas, com o
dutos de intervenções humanas, materializações de projetos objetivo compreensivo de entendimento dos sentidos atribuídos
elaborados por sujeitos históricos e sociais. Ao cotidiano estão pelos sujeitos a seus atos. O interesse está na interpretação da
ligados o uso dos espaços, a produção e a reprodução de terri- realidade pelo compartilhamento de significados das práticas
tórios e lugares (e não lugares), a construção de significações coletivas, nas quais o pesquisador também se insere.
culturais e identitárias, o organizar de um negócio, a criação Trabalhar com a etnometodologia caracteriza-se por utilizar
de uma família. um aporte teórico-metodológico compreensivo da fenomenolo-
O cotidiano, então, impõe-se como uma categoria que pode gia, em que se busca produzir conhecimento do fenômeno, de
possibilitar a recuperação de outras experiências de gestão, como as coisas ocorrem sob a perspectiva, olhar e entendimento
de uma gestão aqui denominada de ordinária, que propiciaria compartilhado entre pesquisador e os sujeitos da pesquisa.
enfocar o mundo de experiência comum da gestão, da orga- Busca-se constituir conhecimento intersubjetivo, que se res-
nização de negócio de família como ponto de partida para se tringe aos limites da análise da consciência. A preocupação é
evidenciarem as transformações em nossa sociedade. Não se interpretativista, limitada à compreensão de sentido e dirigida
está falando só do estudo dos hábitos e rotinas, mas também pelo interesse prático (Paula, 2012).
de análises do movimento das práticas, das estratégias e das Refletindo sobre a etnometodologia nas pesquisas no co-
táticas criadas pelos sujeitos, do movimento de ambiguidades tidiano, aparece a imagem do flâneur. A imagem do flâneur,
e pluralidade, de interpretações e experiências, de resistências desenhada por Benjamin (1987), partindo de Charles Baudelaire
ao processo de dominação (Matos, 2002). e Edgar Allan Poe, acena para a possibilidade de um caminhar
Na perspectiva que aqui se propõe, a gestão deixa de ser vivendo experiências nas ruas, nas avenidas, nas galerias, nas
abordada como uma categoria e inscreve-se no espaço da repre- exposições, nos cafés, nos parques e em meio a multidões que
sentação. Interessa o gerir, o organizar como acontecimentos ocupam os espaços urbanos. Para pensar o flanar, é importante
que se dão no cotidiano e podem ser estudados nesse cotidiano. adotar a flânerie para além do século XIX, em Paris. Hoje,
As formas de abordar o cotidiano podem ser diversas. Por nas sociedades modernas, pode-se mencionar a existência de
meio da análise dos discursos, podem-se apreender as práticas flâneurs buscando outros ângulos de visualização da produ-
discursivas, os modos de ação dos sujeitos nas organizações ção social citadina. Cabe ao pesquisador flâneur retomar o
(Medeiros, Borges & Miranda, 2011; Diniz, 2012; Souza & passado social-histórico a partir do presente. O trabalho do
Carrieri, 2012). Na análise crítica do discurso, os discursos são historiador é “escovar a contrapelo” (Benjamin, 1987), para
vistos como processos em curso, práticas discursivas, práticas então, descobrir na narrativa histórica tudo aquilo que não foi
de sujeitos que intervêm na realidade (Carvalho, 2004). A revelado. A história linear é a história dos vencedores, mas a
apreensão das práticas discursivas possibilita o entendimento história deve reviver as vozes dos vencidos. Nessa retomada,
do fazer (o ato) e do dizer (a representação do ato) no cotidiano importa também resguardar o caráter de um conhecimento que
da organização. leva em conta a história, a cultura e a tradição coletiva, quer
Outras abordagens usuais nos estudos organizacionais dizer, a experiência. Para o pesquisador flâneur, as casas e as
podem ser utilizadas para o estudo da gestão ordinária. En- ruas, as galerias, os mercados, os shoppings populares têm cada
tre elas, a etnometodologia pode ser um método profícuo. qual sua história própria e fazem emergir tempos diversos (não
Conforme Bispo e Godoy (2012, p. 687), a etnometodologia lineares) que irrompem no presente. Para Benjamin (1994), o

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Alexandre de Pádua Carrieri, Denis Alves Perdigão e Ana Rosa Camillo Aguiar

flâneur é um observador do mundo em uma perspectiva pano- gestão como realmente acontecem e não como modelos fixos,
râmica, para poder ver as diferenças, a diversidade que povoa preestabelecidos. Sempre é bom lembrar que metodologia, ou
os espaços urbanos. mais precisamente sua raiz etimológica (do grego methodos e
Para Massagli (2008, p. 57-58), do latim methodus), expressa a ideia de caminho (Paschoal,
2001). O que, então, possibilita criar caminhos para a pesquisa
O flanêur, portanto, é [um] leitor da cidade, bem em administração e não se ficar preso a caminhos já traçados,
como de seus habitantes, através de cujas faces tenta delineados em outras paragens, por outras pessoas. A ideia de
decifrar os sentidos da vida urbana. De fato, através que os caminhos devem ser repetidos pelos outros (pesquisa-
de suas andanças, ele transforma a cidade em um dores) não se coaduna com a proposta da gestão ordinária. É
espaço para ser lido, um objeto de investigação, uma preciso experimentar novos caminhos, descontruir caminhos já
floresta de signos a serem decodificados – em suma, feitos, pôr entre aspas os “caminhos” já percorridos. Trata-se
um texto. [...] O flanêur, protótipo do sujeito moder- da experiência de construir novos caminhos, segundo definição
no, por estar no meio do que tenta descrever e não de Matos (2010, p. 69), como modalidade de conhecimento,
ter neutralidade e distanciamento na sua observação “é práxis na qual se adquire um conhecimento que vai além da
(se é que isso alguma vez foi possível), limita-se a própria práxis, da própria produção e seus eventuais resultados”.
apontar as transformações do cenário urbano e a
revelar sua historicidade. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É caminhando pelas cidades/organizações/instituições que Neste trabalho, o objetivo foi apresentar a gestão ordinária,
os pesquisadores podem apreender as marcas de uma história que auxilia a entender o cotidiano do Homem comum, que ad-
que passa despercebida ao olhar apressado de seus cidadãos/ ministra negócios ordinários. Nessa perspectiva de análise sobre
funcionários/empregados. As ideias do flâneur (Benjamin, gestão, o interesse voltou-se para o Homem comum (Martins,
2006) e do bricoleur (De Certeau, 1994) ajustam-se muito bem 2008), com suas relações sociais estabelecidas, sua forma de
à pesquisa do cotidiano e à gestão ordinária. organizar seus negócios, suas estratégias e táticas (De Certeau,
Outras possibilidades, tanto quanto as de Benjamin (2006) 1994) em espaços denominados de exposições permanentes
e De Certeau (1994), podem concatenar-se à gestão ordinária, e/ou de passagens (Benjamin, 2006), em que esse sujeito, o
como a abordagem da análise crítica do discurso que, pautada Homem ordinário, irá realizar suas atividades de negócio.
na filosofia dialética, busca as contradições nas práticas discur- Neste texto, questiona-se a administração como única, bem
sivas. Nesse sentido, a proposta de estudo da gestão ordinária como a ascendência de uma racionalidade instrumental sobre
incorporaria mais uma perspectiva crítica e não só compre- as outras formas construídas na sociedade (Benjamin, 2006).
ensiva da realidade organizacional. Conforme Paula (2012), Nesse sentido, aceita-se a proposta de Alcadipani e Rosa (2010)
o foco da crítica dialética é no que não se encaixa no padrão. e Alcadipani (2011) sobre descolonizar o olhar do pesquisador
No caso deste estudo, interessa o que não se encaixa na lógica e assumir a produção do conhecimento científico a partir de
uniformizadora dos modelos funcionalistas de gestão. A gestão uma diversidade científica, em que diversas epistemologias
ordinária pode ser entendida como aquela que não está pautada são consideradas e potencialmente válidas para compreender
e não internaliza (ou internaliza apenas em parte) os princípios o social e fazer o questionamento de que as ciências naturais
de desempenho e disciplina, a racionalidade instrumental, a não oferecem mais uma segurança epistemológica.
universalização efetiva de atuar como produtor/empreendedor Concorda-se com Carvalho (2006), quando ela aponta que
útil para sociedade, a separação do trabalho/negócio/família. a gestão precisa e deve ser vista como diversa. Observa-se
A gestão ordinária pode propiciar ao pesquisador/professor isso quando se vê que algumas pessoas exercem a gestão de
de gestão observar as intencionalidades institucionais e de seus negócios pautadas na preservação de práticas aprendi-
grupos sociais em conduzir um acordo implícito e objetivo da das em sua socialização primária e secundária, no cotidiano
não incorporação do valor humano nas práticas sociais. Isso de seus negócios, como que mantendo uma tradição; ainda
devido ao predomínio do mercado, o que implica regimes de outros podem optar por desenvolver alternativas para sua
verdades – objetivos e subjetivos –, que desqualificam os indi- forma de gestão, inovando nas práticas cotidianas. Carvalho
víduos e os grupos sociais considerando-os como subgestores, (2006) e Holanda (2011), quando fazem uma crítica ao uso do
subprodutores e até mesmo como subcidadãos (Souza, 2006). substantivo organização, olham a gestão como diversa (o real
A proposta de estudo da gestão ordinária pauta-se no olhar como diverso). As autoras sugerem usar o verbo organizar,
de que a realidade das organizações não pode ser apreendida pois ele registraria melhor dinâmica da busca pelo novo, não
por abordagens, pois a realidade social é permeada de con- legitimado ainda. Para essas autoras, organizar atividades de
tradições e reconhecer realidades particulares é reconhecer a forma coerente com as necessidades sentidas é um saber que
diversidade. Teoricamente, possibilita abrir o leque de visão do pode e deve ser de domínio de todos. Então, organizar é, para
gestor e do estudioso de gestão para apreender as atividades de Holanda (2011), um ato elementar que faz parte da experiência

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A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais

humana de estar no mundo, é condição e modo de participação um único regime, mas uma variedade, com regras
na sociedade, nos arranjos sociais. Indo mais longe, pode-se específicas, histórica e culturalmente construídas
falar não em estudos organizacionais (EOR), mas em estudos (Pinheiro, Carrieri & Joaquim, 2013, p. 233).
das formas de organizar (EFOR). Assim, busca-se mudar a con-
dição colonizada de pensar essa área na administração e fazer Em síntese, critica-se a visão de uma gestão una, uma pre-
registro de uma melhor dinâmica do real, do não legitimado tensa gestão universal. A proposta aqui apresentada de estudar
no momento, do não universal. outra forma de gestão, a gestão ordinária, não nega a adminis-
Ao se questionar a administração universal, única, a as- tração, disciplina de um saber científico, como um saber-poder,
cendência de uma racionalidade instrumental sobre as outras mas questiona, põe em questão (Butler, 1998), o conteúdo
formas construídas na sociedade (Ramos, 1981; Benjamin, ensinado aos alunos do curso de bacharelado em administra-
2006), deve-se trazer outros olhares, como o da racionalidade ção. Ao ter como base do estudo a realidade local, buscou-se
substantiva (Ramos, 1981; Souza & Carrieri, 2011) e da racio- descolonizar o olhar do professor e dos pesquisadores. Assim,
nalidade subversiva (Feenberg, 1995; Neder, 2010). Ratifica-se concorda-se com Mattos (2009) e Holanda (2011), bem como
a ideia de Canevacci (2004) e Rocha e Eckert (2005), afirmando com Barros e Carrieri (2013), quando esses autores apontam
que, nos discursos dos sujeitos, o que se apresenta é a ideia da que a naturalização do saber administrativo retira do contexto
coexistência de múltiplos contrários, referindo-se, portanto, sócio-histórico sua origem, fazendo nas teorias administrativas
a contínuos. Deve-se, então, buscar entender esses contínuos do século XX um duplo movimento de construção da realidade
como racionalidades instrumental-substantiva-subversiva nas organizacional e de ornamentação dessa realidade sob o manto
formas de ocupação dos espaços, nas possibilidades de gerir de uma racionalidade, uma cientificidade e uma naturalização.
um negócio (formal/informal, legal/ilegal), nas interações Além dessa naturalização, os autores apontam o reducionismo
entre famílias e negócios, nas relações entre a casa e rua, etc. operado pelas teorias administrativas tradicionais, tal como a
Esses contínuos produzem também críticas à gestão una. A tendência de identificar a ideia de produtividade como sinônimo
um tipo de gestão universal. Os sentidos, os significados, as necessário de eficiência organizacional.
significações são várias. É preciso apartar-se de uma administração sistêmica e
Deve-se, além de historicizar os conceitos e as categorias na contingencial, que naturalizaria a realidade social e se torna
área de administração, aceitar conscientemente a transitorieda- inábil para perceber os sentidos opacos e tornados intranspa-
de do próprio conhecimento dessa área (Matos, 2002). Assim, rentes à consciência científica, que constrói discursos de um
nada estaria terminado, tudo é processo histórico-social, várias conhecimento puro ou neutro – restrito ao racional – e absoluto
podem ser as verdades, e é preciso buscar quem as diz, pois: e universal – excludente de outros saberes concorrentes –, e que
triunfou política e economicamente por meio das tecnologias
como nos lembra Foucault (2008), as verdades são ditas universais de gestão. Também é preciso separar-se tanto de
frutos de regimes ou gêneros discursivos que através uma administração subjetivista, que restringe a complexidade
de um conjunto de regras constroem proposições da realidade social à interação consciente entre seus mem-
bem coerentes e aperfeiçoadas. São os regimes de bros, quanto de uma administração que essencializa somente
verdade com que cada época, cada homem tem a dimensão cultural, como nas teorias mais contemporâneas
que lidar. Regimes estes que mudam, não existindo (Souza, 2006). É preciso mover-se constantemente.

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The ordinary management of small businesses: another look on the management in


ABSTRACT

organizational studies

This paper aims to present the ordinary management who escapes the managerialism parameters in order to focus
on the daily life of the ordinary man who runs ordinary businesses, family enterprises, with their social relations,
their way of organizing their business, their survival strategies, their uses and meanings of spaces – business and
family – and the network of relationships woven by them. In this paper we question the management prospect as one
based on knowledge seen as pure or neutral (restricted to rational), absolute and universal (excluding other compe-
titors knowledge) and triumphed politically and economically through management technologies. In contrast to this
position, we argued in this paper that one must take into account aspects of historical, social, cultural and identity
that differentiate subjects and in everyday practice pluralized the management. So there are other approaches that
can contribute to the advancement of scientific knowledge in the field of organizational studies, being the ordinary
management one of these approaches.

Keywords: ordinary management, daily life, identity, culture.

La gestión ordinaria de los pequeños negocios: una mirada distinta sobre la gestión en
RESUMEN

estudios organizacionales

El objetivo en este trabajo es presentar la gestión ordinaria, que escapa a los parámetros de gerencia al centrarse en
la vida cotidiana del hombre común que conduce negocios ordinarios, las empresas familiares; con sus relaciones
sociales establecidas, su forma de organizar el negocio, sus estrategias de supervivencia, sus usos y significados de
los espacios – de negocio y de familia – y la red de relaciones por ellos urdida. Se cuestiona la perspectiva de la ad-
ministración como única, basada en un conocimiento tomado como puro o neutro (restringido a lo racional), absoluto
y universal (con exclusión de otros conocimientos), y que ha triunfado política y económicamente por medio de las
tecnologías de gestión. En contraste con esta posición, se argumenta que hay que tener en cuenta los factores históri-
cos, sociales, culturales y de identidad que diferencian los sujetos y, en la práctica cotidiana, pluralizan la gestión. Por
tanto, existen otros enfoques que pueden contribuir al avance del conocimiento científico en el área de los estudios
organizacionales, y la gestión ordinaria es uno de ellos.

Palabras clave: gestión ordinaria, cotidiano, identidad, cultura.

R.Adm., São Paulo, v.49, n.4, p.698-713, out./nov./dez. 2014 713


CSI0010.1177/0011392120907629Sociologia AtualSydow e Windeler
artigo de pesquisa2020

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Artigo CS

Monografia Atual de Sociologia


2020, v. 68(4) 480–498
Organização temporária e © O(s) Autor(es) 2020
Diretrizes para reutilização de
contextos permanentes artigos: sagepub.com/journals-permissions
DOI: 10.1177/0011392120907629
https://doi.org/10.1177/0011392120907629
journals.sagepub.com/home/csi

Jörg Sydow
Universidade Livre de Berlim, Alemanha

Enrolador Arnold
Universidade Técnica de Berlim, Alemanha

Abstrato
A organização temporária em geral e a organização baseada em projetos em particular devem ser
entendidas apenas em relação a contextos mais permanentes, como organizações, redes
interorganizacionais, indústrias/campos e sociedade. Tendo em conta a capacidade das organizações
para equilibrar a permanência e a transitoriedade, é pouco provável que desapareçam devido à
organização temporária. Pelo contrário, continuarão a mudar a sua forma de forma recorrente e, assim,
permanecerão como um alicerce essencial das nossas sociedades mais fluidas de hoje.
Utilizando uma perspectiva baseada na prática informada pela teoria da estruturação e revisando
criticamente estudos empíricos de organizações baseadas em projetos e redes de projetos
interorganizacionais, este artigo fornece uma compreensão mais profunda da complexa interação entre
o temporário e o permanente.

Palavras-chave
Anthony Giddens, burocracias, organizações, organizações baseadas na prática, teoria da prática,
redes (de projetos), organização temporária

Introdução

As sociedades modernas foram apropriadamente descritas por Max Weber (1968 [1922]) e, muitas
décadas mais tarde, por Charles Perrow (1991), como “sociedades de organizações”. Hoje, surge a
questão: Será que as formas cada vez mais comuns de organização temporária (Lundin et al., 2015)
questionam o papel proeminente das organizações, ou será que estas mesmas formas dependem
fortemente das estruturas mais permanentes que são frequentemente fornecidas pelas organizações?

Autor correspondente:
Fralda Arnold, Departamento de Sociologia, Universidade Técnica de Berlim, Fraunhoferstraße 33–36, FH 9-1, Berlim, 10587,
Alemanha.
E-mail: arnold.windeler@tu-berlin.de
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Sydow e fralda 481

As formas de organização baseadas em projetos provavelmente remontam à antiguidade (Ekstedt


et al., 1999; Packendorff, 1995). Em algumas indústrias, como a cinematográfica (DeFillippi e Arthur,
1998) ou a construção (por exemplo, Eccles, 1981), os projectos têm, de facto, uma longa tradição.
Hoje, uma infinidade de outras indústrias também utilizam essa forma organizacional. Entre eles
estão a publicidade (Grabher, 2004), a biotecnologia (Powell et al., 1996) e a produção de conteúdos
para televisão (Windeler e Sydow, 2001; para uma lista alargada de indústrias ver Bakker, 2010:
466-467). Mas será que a difusão de formas de organização temporária (cf.
Bakker et al., 2016: 1706-1707), que afeta significativamente questões sociais mais amplas, como a
desigualdade económica ou a coesão social, conduz a uma sociedade sem organizações, ou pelo
menos a uma sociedade em que as organizações desempenham um papel muito menos proeminente
do que hoje? Durante décadas, as organizações – seguindo Max Weber – foram consideradas blocos
de construção essenciais das sociedades modernas, pois impulsionam a racionalização do mundo,
inscrevendo no mundo uma ordem racionalizada baseada, em particular, em organizações
burocráticas com a sua estabilidade, caráter regular e formalizado. Será que este diagnóstico perderá
validade face à difusão de formas temporárias de organização?
Neste artigo, argumentamos que as organizações – com as suas estruturas e práticas
institucionalizadas – continuarão a existir juntamente com as formas disseminadas de organização
temporária em geral e de organização baseada em projetos em particular. Com efeito, as
organizações irão transformar-se e, assim, contribuir para a mudança fundamental rumo a uma
sociedade mais fluida (Bauman, 2007), que, no entanto, continuará a basear-se na estabilidade da
forma de coordenação de uma organização. Assim, as organizações não são apenas confrontadas
ou mesmo ameaçadas por esta tendência para a temporalidade intencional; eles também moldam
ativamente esse desenvolvimento, nomeadamente iniciando projetos e desenvolvendo formas de
organização baseadas em projetos. Ainda mais importante, para além de toda a conversa sobre o
surgimento de princípios de coordenação temporária nas sociedades actuais, é necessário não
perder de vista a permanência como uma pré-condição vital para a organização temporária (Farjoun,
2010). Concentrar-se na relação entre o temporário e o permanente abre o caminho para uma melhor
compreensão dos contextos mais permanentes de organização, de como eles impactam as formas
temporárias de coordenação e as suas consequências para a sociedade como um todo.
A seguir, primeiro esclarecemos o que se entende por organização e organização em relação à
interação do temporário e do permanente na organização temporária. Em seguida, delineamos
brevemente uma perspectiva de análise baseada na prática que se baseia na teoria da estruturação
(Giddens, 1984). Discutindo estudos empíricos exemplares, ilustramos a interação do temporário e
do permanente em dois ambientes diferentes e relativamente estáveis: primeiro, dentro das
organizações e, segundo, dentro de redes interorganizacionais. Concluímos com uma discussão
sobre o papel da organização temporária na sociedade e sua contraparte necessária, a permanência,
a partir de uma perspectiva baseada na prática.

Organização, organização e organização temporária: A


interação do permanente e do temporário a partir de
uma perspectiva baseada na prática
Na tradição de Max Weber (1968 [1922]), as organizações foram concebidas como burocracias,
caracterizadas por regras codificadas, ordem hierárquica, rotinas, procedimentos ou programas
duradouros (por exemplo, Blau e Scott, 2003 [1962]). Como essas organizações são geralmente
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482 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

constituídos sem intenção de extinção ex ante, caracterizam-se por terem caráter mais ou menos
permanente. Embora para Weber as características duradouras das organizações burocráticas moldem
significativamente a vida organizacional, ele estava obviamente bastante consciente da necessidade de
organizar e reorganizar continuamente este tipo de sistema social. Assim, por exemplo, ele enfatiza as
tarefas contínuas de execução e reforço da ordem burocrática.

A este respeito, a literatura mais recente sobre organização afirma frequentemente o oposto da
visão de organização de Weber. Por exemplo, Karl Weick (2009: 7) escreve: “Quando falamos sobre
organização em vez de organização, reconhecemos a impermanência”. Assim, Weick coloca a
impermanência das organizações no centro do palco, caracteriza as organizações como
“impermanência organizada” e concentra-se principalmente na fabricação da permanência a partir
da impermanência. Consequentemente, este autor concentra-se nas formas como os atores falam
sobre situações, organizações e ambientes. . . à existência” (Weick et al., 2005: 409) e decretam
ordens no fluxo de eventos. Embora para Weick a criação de sentido seja social e sistémica (Weick
et al., 2005: 412), uma vez que “pode incluir discussões anteriores” (p. 412) com outros, bem como
referências a sistemas organizacionais ou profissionais estabelecidos, para ele, as ordens mais
estáveis emergem como “textos, conversas e atividades interdependentes” (Weick, 2009: 4). Esta
visão antecipou muito o debate mais recente sobre o devir organizacional (Langley et al., 2013),
que, juntamente com as respectivas filosofias de processo (Helin et al., 2014), levou à promoção
de uma forte visão de processo sobre organizações e organização.

Com base nestas caracterizações opostas das organizações, pode-se afirmar provisoriamente
que existe uma tensão fundamental entre permanência e impermanência na produção e reprodução
de organizações ou processos de organização de forma mais ampla.
As ordens permanentes, bem como as atividades e estruturas temporárias em curso, são
características de qualquer organização, embora em graus diferentes. Seguem-se três consequências óbvias.
Primeiro, ambas as perspectivas analíticas, a estrutura da permanência e da impermanência, são
geralmente aplicáveis no contexto das organizações e da organização. No entanto, a importância
de uma ou de outra perspectiva pode variar de acordo com as perguntas feitas, os problemas
resolvidos e as organizações observadas. Em segundo lugar, a tensão básica entre o temporário e
o permanente também está interligada em “sistemas temporários” (Goodman e Goodman, 1976),
entendidos como ambientes com uma rescisão ex-ante institucionalizada dos sistemas sociais ou da
adesão ao sistema, não importa se isso a adesão diz respeito a indivíduos (como no caso de
projetos) ou organizações (como no caso de projetos interorganizacionais). Terceiro, o foco na
organização de atividades, inclusive em sistemas temporários, não questiona per se a importância
de condições sistêmicas duradouras fornecidas pelas organizações. Não justifica de forma alguma
falar sobre a dissolução ou mesmo o desaparecimento de organizações – seja em números
absolutos ou em importância social.
No entanto, responder às respetivas questões não é tão simples, porque um uso intensificado da
organização temporária em geral e de projetos em particular desafia de facto as organizações tal
como as conhecemos.
Vamos dar uma olhada mais de perto nas organizações temporárias. Rolf A Lundin e Anders
Söderholm (1995) fornecem a definição mais proeminente através da chamada estrutura 4T de
tempo, tarefa, equipe e transição. Assim, em suma, o tempo refere-se à extinção ex-ante pretendida
da organização temporária; tarefa refere-se à singularidade ou repetitividade
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Sydow e fralda 483

de tarefas a serem realizadas no prazo definido; equipe indica grupos que são formados
intencionalmente em torno da tarefa ou em torno de algum aspecto dela; e transição significa
a mudança alcançada através da organização temporária. René M Bakker (2010: 479)
substituiu posteriormente o item de transição da estrutura de Lundin e Söderholm pelo contexto
item, que se concentra “nas ligações entre o empreendimento organizacional temporário e o
seu ambiente duradouro” (ver também Engwall, 2003). A relevância dos contextos é óbvia,
mas não deve necessariamente substituir a ideia de que organizações temporárias são criadas
para realizar algum tipo de transição (Jacobsson et al., 2013). O que é mais importante, no
entanto, é compreender a constituição dos 4Ts que se desenrola não apenas ao nível do
projecto único, mas também como integrado em múltiplos contextos, desde a organização até
à sociedade.
Enquanto Bakker et al. (2016: 1704, ênfase adicionada) só recentemente declarou que “a
noção de organização temporária capta as atividades e práticas associadas a coletivos de
atores interdependentes que realizam tarefas acordadas ex-ante dentro de um período de
tempo predeterminado”, a investigação do a interação entre o temporário e o permanente tem
uma tradição mais longa na investigação sobre organização baseada em projetos (por exemplo,
Sahlin-Andersson e Söderholm, 2002). Desvendar projetos e organização abre espaço para
uma compreensão conceitual clara do temporário e do permanente e aguça a consciência do
fato de que os sistemas temporários dependem mais dos contextos permanentes – como
organizações, redes interorganizacionais, campos ou sociedades – nos quais eles estão
incorporados. Consequentemente, qualquer explicação dos sistemas temporários deve
considerar essa integração a vários níveis, as interdependências e a interação de contextos
para mostrar como o temporário e o mais permanente interagem, a fim de compreender o que
significa a organização temporária para as organizações e sociedades.
Para melhorar a nossa compreensão, propomos uma perspectiva baseada na prática
sobre organização e organização que é informada pela teoria da estruturação (Giddens,
1984), uma perspectiva que tem recebido algum destaque na investigação em gestão e
organização durante as últimas décadas (Pozzebon , 2004; Sydow e Windeler, 1998; Windeler
e Sydow, 2001; ver revisões recentes Hond et al., 2012; Pozzebon, 2013; Whittington, 2010).
A teoria da estruturação não é apenas profundamente processual, destacando não apenas a
interação entre ação e estrutura como uma dualidade; da mesma forma, enfatiza o papel dos
sistemas sociais, como projetos ou organizações, e suas propriedades estruturais na
constituição social (Windeler, 2001, 2006). Isto permite-nos adoptar uma perspectiva baseada
na prática que fala da relação entre o temporário e o permanente e – em contraste com uma
visão fortemente processual – vê os processos sociais e as actividades e relações dos actores
como sendo condicionados e coordenados por sistemas sociais. em diferentes níveis de
análise e com diferentes extensões no tempo-espaço.
Os sistemas sociais, incluindo projetos e organizações, são relevantes para a fabricação social
mutuamente inter-relacionada de permanência e impermanência. Atores experientes dentro de tais sistemas
promulgam reflexivamente estruturas de um sistema social focal e de outros relevantes como conjuntos de
regras-recursos, recursivamente no tempo-espaço (Giddens, 1984: 29), e aplicam-nas ou executam-nas “na
promulgação/reprodução de práticas sociais”. ' (Giddens, 1984: 21). Isso significa que recorrem às regras
e aos recursos dos sistemas sociais previstos na acção e utilizam a sua compreensão e conhecimento do
contexto situacional e da sua integração nas suas actividades. O uso reflexivo e recursivo de estruturas
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484 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

– por exemplo, a utilização dos conjuntos de regras e recursos de uma organização ao organizar um
projecto – permite aos intervenientes indicar e avaliar o que se passa no sistema e como ter impacto no
sistema. Isto significa que as práticas sociais de um sistema permitem aos agentes agir de forma informada
no respetivo contexto – nomeadamente inter-relacionando diferentes sistemas sociais relevantes (como
projetos, organizações e sociedade) nas suas atividades de projeto no tempo-espaço. A fabricação social
inter-relacionada de permanência e impermanência em diferentes sistemas sociais e nas suas estruturas
está, portanto, profundamente envolvida na constituição social.

Se as organizações instalam projetos internamente, são elas que, com elevado grau de
reflexividade (Giddens, 1990: 302), definem os prazos, as tarefas, as equipas, as transições
previstas e os contextos do projeto; fazem-no no contexto das condições gerais relativas, por
exemplo, à atribuição dos recursos necessários, à avaliação das atividades do projeto ou à
definição dos limites do projeto (Windeler, 2018: 91-92). Isto significa que os gestores muitas vezes
desenvolvem um conhecimento bastante focado e adotam um conjunto de práticas sobre como
coordenar e regular as atividades do projeto no contexto da organização, observando, avaliando e
experimentando as atividades do projeto. Os participantes do projecto também utilizam reflexivamente
a sua compreensão dos projectos (bem como de contextos como organizações) nas suas actividades
relacionadas com os projectos. Os projetos e seus contextos organizacionais relevantes são,
portanto, constituídos recursivamente no tempo-espaço. Isto inclui o facto de os participantes do
projecto não necessitarem de desenvolver toda a gama de estruturas a partir do zero, mas serem
capazes de referir e reespecificar aquelas que podem implementar a partir de diferentes contextos.
De uma forma bastante semelhante, isto é verdade para esforços temporários em redes e
campos interorganizacionais – dois outros contextos empiricamente altamente importantes e mais
permanentes dos projectos actuais. As redes interorganizacionais são constituídas por organizações
que colaboram repetidamente. Os campos organizacionais, por outro lado, também incluem
organizações que são relevantes para a interação (inter)organizacional, mas não necessariamente
colaboram. Quando a colaboração em redes interorganizacionais é baseada em projetos, tais redes
podem muito bem ser marcadas como “redes de projetos” (Windeler e Sydow, 2001). Quando um
campo organizacional é dominado pela organização baseada em projetos, pode surgir uma
“ecologia de projetos” (Grabher, 2004).
Finalmente, projetos, organizações, redes interorganizacionais, campos ou indústrias incorporam-
se (e estão incorporados) em sociedades (ou totalidades sociais como a União Europeia). As
sociedades influenciam as interacções e relações sociais dos actores, em particular através de “um
“agrupamento de instituições” global e especificável” (Giddens, 1984: 164). Os entendimentos
nacionais (ou transnacionais) de agência, atividades e relacionamentos legitimados permitem a
vinculação e coordenação recorrente e sistemicamente reespecificada de atividades e a construção
de uma ordem social com um grau significativo de permanência no tempo-espaço, que, por sua
vez, moldar as condições sociais.
Esta perspectiva de processo baseada na prática, moderada em vez de forte, que faz uso da
teoria da estruturação, segue uma ontologia alta em vez de plana (Seidl e Whittington, 2014).
Assim, exige análises multiníveis de sistemas sociais mutuamente inter-relacionados, como
sociedades, organizações e projetos, através das práticas sociais que os agentes produzem e
reproduzem no tempo-espaço. Além disso, tal perspectiva não só nos permite superar a divisão
entre estrutura e agência/processo, mas também resolver o enigma acima mencionado
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Sydow e fralda 485

entre permanência e impermanência de forma mais dialética. Assim, a nossa perspectiva baseada na
prática vai além das disposições de Lundin e Söderholm (1995) ou Bakker et al. (2016), uma vez que
não se concentra apenas no tempo, nas tarefas, nas equipas, na transição e no contexto separadamente,
mas, na sua interação em contextos diferentes, mas inter-relacionados, em múltiplos níveis de análise.
Além disso, esta perspectiva destaca o papel das práticas sociais e como, ao longo do tempo e
influenciadas não apenas pelo passado vivido, mas também pelo futuro prospectivo (Emirbayer e
Mische, 1998), elas são promulgadas, produzidas e reproduzidas por agentes conhecedores referentes
a as estruturas dos diferentes sistemas; reproduzindo ou transformando assim suas próprias estruturas.

A perspectiva baseada na prática proposta, informada pela teoria da estruturação, não se refere
apenas às “ligações entre o empreendimento organizacional temporário e os seus ambientes
duradouros” (Bakker, 2010: 479), nem define atividades e práticas sobre a estrutura como a forte visão
do processo. está inclinado a fazer. Em vez disso, a teoria da estruturação fornece um quadro que
permite analisar a interação entre o temporário e o permanente como uma dualidade entre ação e
estrutura (Farjoun, 2010). Uma vez que a importância social das estruturas é produzida e reproduzida
por agentes conhecedores em atividades recorrentes, a permanência de um ambiente social não pode
simplesmente ser equiparada à estrutura, nem, como pode ser encontrado na literatura sobre gestão
de projetos (por exemplo, Lundin e Söderholm, 1995). ), o temporário pode ser equiparado à ação.
Além disso, 'organizações baseadas em projetos' (Hobday, 2000; Lundin et al., 2015: 36-48) ou 'redes
de projetos' (Windeler e Sydow, 2001) em indústrias como produção cinematográfica, consultoria ou
construção deveriam ser considerado como proporcionando mais do que ambientes temporários nos
quais agentes individuais e/ou organizacionais estão inseridos e atuam. Ao escolher reflexivamente
práticas características do sistema social específico (e de outros sistemas sociais) e ao referir-se
recursivamente às regras e aos recursos do sistema nas suas actividades situacionais, os actores
normalmente actualizam e reespecificam conjuntos de regras e recursos de diferentes sistemas sociais
(por exemplo, de uma organização, uma rede interorganizacional e um campo) em suas atividades
situadas. Isto permite que os actores sociais monitorizem, racionalizem e motivem reflexivamente não
só as suas próprias actividades, mas também as actividades dos outros, bem como os eventos que
prevêem em relação ao que está a acontecer em contextos relevantes. E ao actualizar reflexivamente
conjuntos de regras e recursos (do projecto, da organização ou de outros contextos) nas suas práticas
(do projecto), eles (re)produzem-nos, bem como a interacção entre organizações temporárias e os seus
contextos relevantes e mais permanentes. 1

Em suma, as ordens sociais, estruturas e ações com respeito ao tempo, tarefas, equipes, transição
e contexto são vistas como o meio e o resultado das atividades de atores conhecedores, que dentro ou
fora das organizações implementam práticas sociais de forma recursiva e reflexiva. . Assim –
juntamente com outros – constituem continuamente tais ordens, estruturas e atividades no tempo-
espaço em diferentes níveis de análise. Em contextos de organização temporária, o nível do projecto
(sistema temporário), bem como os níveis de organização, rede e campo são mais importantes (tal
como acontece com sistemas mais permanentes). Esta compreensão da constituição social multinível
permite-nos superar o dualismo em favor da dualidade entre organização e organização, bem como
entre o permanente e o temporário. Consequentemente, isto permite uma análise aprofundada,
processual e dialética da interação da organização temporária com organizações ou qualquer outro
contexto mais permanente, de uma forma teoricamente informada.2
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486 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

Organização temporária em organizações e redes


interorganizacionais: Evidência empírica
A seguir, focaremos na organização temporária em dois contextos organizados de forma diferente.
O primeiro contexto são as organizações baseadas em projetos ou PBOs como um tipo de
organização que combina formas de coordenação temporárias com formas permanentes de uma
forma bastante específica, mas, no final, depende da autoridade hierárquica. O segundo contexto
são as redes de projetos, ou PNWs, que coordenam projetos com referência a uma governança
de rede. Em ambos os casos, utilizamos vários estudos empíricos que prometem abordar o
“dilema temporário-permanente” (Sahlin-Andersson e Söderholm, 2002) e que foram publicados
nas principais revistas de gestão. A maioria deles adota uma abordagem baseada na prática e
todos consideram mais de um nível de análise e utilizam, pelo menos adicionalmente, métodos
qualitativos, que prometem contribuir para uma melhor compreensão do temporário e do
permanente a partir de uma abordagem orientada para o processo ou até mesmo uma perspectiva
baseada na prática. Nestes aspectos, a revisão é altamente selectiva e não pretende ser
representativa da investigação sobre organizações temporárias.

Organização temporária em organizações (baseadas em projetos)

Durante muito tempo, a investigação sobre projetos – talvez a forma mais proeminente de
organização temporária – investigou principalmente estes sistemas temporários dentro de
organizações que normalmente se destinam a durar. A sua importância para os projetos
(organizacionais) é óbvia, uma vez que as organizações não apenas definem a estrutura 4T do
projeto selecionando o problema do projeto, os membros da equipe, o prazo e a transição
notificada. Além disso, as organizações qualificam a forma como o projeto e as atividades do
projeto são avaliados, os recursos alocados, o projeto posicionado (dentro da organização, bem
como na série de projetos executados e previstos) e os limites constituídos (Windeler, 2001: 248–
265 ; 2018: 90–96). Além disso, de tempos em tempos, os membros do projeto referem-se e até
mesmo re-especificam intencionalmente os conjuntos de regras e recursos da organização em
suas atividades como as condições da organização, pois podem ou não atender aos requisitos
dos projetos que lideram ou trabalham. para. Os membros do projeto atualizam assim, ativa e
recursivamente, as condições da organização. Isto significa que as condições da organização não
só restringem as atividades do projeto, mas também as permitem.
Mesmo no caso extremo de um PBO, em que o valor é esmagadoramente e por vezes
exclusivamente criado com a ajuda de projetos, o caráter organizacional desta forma continua a
ser importante (Hobday, 2000; Lundin et al., 2015: 36–48). Mesmo que a organização como um
sistema permanente seja reduzida à equipa de gestão de topo e a algum pessoal de apoio à
gestão de topo, esta hierarquia bastante rudimentar mas permanente pode ser suficiente para um
construtor geral, uma produção cinematográfica ou uma empresa de consultoria coordenar
actividades dentro de projectos únicos. ou através de um portfólio de projetos, por exemplo,
fornecendo pessoal, implementando regras organizacionais e apoiando a aprendizagem entre projetos (Grabher
No seu estudo seminal, Mike Hobday (2000) não só esclarece a nossa compreensão dos PBO,
mas também analisa o desenvolvimento e a produção de produtos e sistemas industriais complexos
(CoPS). Neste estudo, ele compara dois projetos de valor, duração, tecnologia e clientes
semelhantes em duas unidades de negócios distintas de uma empresa alemã.
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Sydow e fralda 487

que desenvolve e produz equipamentos científicos, industriais e médicos avançados e de alto custo.
O que permite a comparação é o fato de uma unidade de negócio gerenciar projetos como um PBO,
enquanto a outra prefere uma organização matricial funcional. Hobday (2000: 871) conclui do seu
estudo que o PBO é:

. . . uma forma intrinsecamente inovadora, pois cria e recria novas estruturas organizacionais em torno
das demandas de cada projeto CoPS e de cada grande cliente. O PBO é capaz de lidar com propriedades
emergentes na produção e responder com flexibilidade às mudanças nas necessidades dos clientes.
Também é eficaz na integração de diferentes tipos de conhecimentos e habilidades e no enfrentamento
dos riscos e incertezas comuns em projetos CoPS. No entanto, o PBO é inerentemente fraco onde a
organização matricial é forte: na execução de tarefas rotineiras, na obtenção de economias de escala, na
coordenação de recursos entre projetos, na facilitação do desenvolvimento técnico em toda a empresa e
na promoção da aprendizagem em toda a organização. O PBO também pode trabalhar contra os interesses
mais amplos da estratégia corporativa e da coordenação empresarial.

No entanto, como mostra Hobday (2000), que não faz uso de um processo, para não falar de uma
teoria prática, as fraquezas do PBO podem ser superadas, pelo menos parcialmente, com a ajuda do
aprimoramento da rotina e do projeto. estruturas de acompanhamento da organização, ou seja, o
sistema permanente. Com a ajuda deles, também, podem ser evitadas atividades centradas em
projetos, focadas no problema ou na tarefa em questão, em detrimento da eficiência e eficácia de
toda a organização.
Andrea Prencipe e Fredrik Tell (2001: 1380) também estudaram o desenvolvimento e a fabricação
de CoPS quando exploraram o “cenário de aprendizagem” dos PBOs, definido “como a combinação
de mecanismos de aprendizagem projeto a projeto adotados e implementados”. Em todos os seis
PBOs, situados nas indústrias de software, aeroespacial, defesa, simulação de voo e geração de
energia, os autores descobriram, sem surpresa, que os processos e práticas de aprendizagem a
nível individual são, em geral, semelhantes. Os PBOs, no entanto, diferem quanto ao grupo/
projeto e, em particular, no nível organizacional. Exemplos de articulação de conhecimentos a nível
organizacional são a criação de redes profissionais e acampamentos de gestores de projetos, bem
como a intensificação da correspondência e reuniões interprojetos. Finalmente, mapas de processos
e bases de dados de lições aprendidas são exemplos de codificação de conhecimento ao nível do
PBO. Estes dois últimos tipos de aprendizagem organizacional dependem significativamente menos
da filiação organizacional e mais das estruturas organizacionais.
Num terceiro estudo, Tim Brady e Andy Davies (2004), que, tal como Prencipe e Tell, adoptaram
uma abordagem mais processual, investigaram o desenvolvimento de capacidades em dois PBOs na
indústria das telecomunicações através não só da aprendizagem liderada por projectos, mas também
de aprendizagem de projeto para projeto e aprendizagem de projeto para organização. Nos dois
últimos casos de aprendizagem, a organização apoia o processo de desenvolvimento de capacidades
(aprendizagem de projeto para projeto) ou até resulta no desenvolvimento de capacidades baseadas
em projetos (aprendizagem de projeto para organização). Uma vez desenvolvidas, estas últimas
capacidades, reflectidas num amplo conjunto de rotinas e práticas nos dois PBOs, permitem que a
aprendizagem ascendente do projecto para a organização seja complementada por processos de
aprendizagem iniciados de cima para baixo, ou seja, do permanente para o sistema temporário.
Assim, este estudo, não muito diferente do de Prencipe e Tell, não só considera a interação entre
estrutura e agência, mas também adota uma abordagem multinível para compreender o papel do
permanente na coordenação do temporário nos PBOs.
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488 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

Num quarto estudo, Söderlund e Tell (2009) acrescentam uma nuance ao desenvolvimento de
capacidades organizacionais para gestão de projetos, analisando o papel dos projetos de
vanguarda. Em um estudo longitudinal da divisão de sistemas de energia da Asea/ABB
(1950-2000), fortemente envolvida na entrega de CoPS com um alto grau de envolvimento do
usuário, os autores mostram como a longa história de gerenciamento de projetos de negócios (no
decorrer de (que os autores chamam de “épocas de projeto”) contribui para o refinamento do
PBO e de suas capacidades de gerenciamento de projetos ao longo do tempo. Para o seu estudo,
eles adotam uma abordagem explícita em dois níveis, com foco em projetos de vanguarda, bem
como na organização da ABB. A primeira época foi dominada pela estreita colaboração da
empresa com a Vattenfall como principal cliente. Esses projetos foram tão importantes para a
ABB que “foram colocados centralmente na estrutura organizacional, [de modo que] normalmente
recebiam ampla atenção da administração geral” (Söderlund e Tell, 2009: 105). A segunda época
foi caracterizada pela crescente internacionalização, para a qual a ABB teve que desenvolver “as
suas próprias capacidades para oferecer sistemas e gestão de projetos em grande escala” (p.
106). A terceira época assistiu a um foco crescente em projetos chave na mão, combinado com
uma maior ampliação e aprofundamento das capacidades de gestão de projetos. Estas
capacidades foram incorporadas na então popular “organização matricial global” da ABB, o que
permitiu a transferência da gestão de projectos complexos e chave na mão para outras unidades
de negócio. Finalmente, a quarta época “gira em torno do aumento da responsabilidade por
soluções totais e de uma engenharia financeira ainda mais avançada” (p. 105). Nesta última época
investigada, a ABB adicionou mais capacidades de gerenciamento de projetos à organização,
oferecendo e entregando “soluções totais”: desde estudos de viabilidade e engenharia até gerenciamento e fina
Apesar da sobreposição parcial destas quatro épocas de projecto, a complexidade organizacional
e relacionada com o mercado e a tecnologia aumentou ao longo do tempo e reflectiu-se não
apenas nas respectivas mudanças da estrutura formal da ABB, mas também num foco variável
na geração, organização ( incluindo trabalho em equipe) e liderança de projetos.
Mais recentemente, prestando especial atenção às tensões entre o temporário e o permanente,
Iben Stjerne e Silviya Svejenova (2016) utilizaram conceitos processuais como trabalho de
fronteira e institucionalização no seu estudo de projetos de produção cinematográfica sequenciais
na perspetiva de uma PBO, uma produtora cinematográfica dinamarquesa. . Com base na sua
etnografia, os autores destacam não só o equilíbrio entre a persistência da organização como
sistema social permanente e o foco de inovação dos seus homólogos temporários neste PBO,
mas também a importância dos papéis de fronteira e respetivo trabalho de fronteira para conectar
a organização temporária e permanente e gerenciar as tensões entre elas. Além disso, Stjerne e
Svejenova enfatizam o papel do campo institucional no qual a organização, bem como os seus
spin-offs temporários, estão inseridos (ver também Cattani et al., 2011). Na maioria das vezes, o
campo fornece recursos e práticas importantes para gerir as tensões que surgem entre o
temporário e o permanente.

Organização temporária em redes interorganizacionais (projetos)


Tal como as organizações, as redes interorganizacionais com as suas estruturas mais do que
temporárias apoiam a coordenação de projetos interorganizacionais. Os projetos interorganizacionais
são sistemas temporários em que duas ou mais organizações colaboram numa base temporária,
ou seja, com uma rescisão acordada ex-ante (Jones e Lichtenstein, 2008;
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Sydow e fralda 489

Sydow e Braun, 2018). Embora o fim da colaboração acordado ex-ante possa divergir significativamente
da duração real do projeto (como demonstram exemplos bem conhecidos, da Ópera de Sydney ao
novo Aeroporto BER de Berlim), é a temporalidade intencional que mais importa para os indivíduos.
trabalhar num projeto, para o sucesso e fracasso de um projeto e, portanto, de uma organização, bem
como para a sociedade como um todo; não importa se a duração do projeto é medida em horas ou
dias, como no caso da produção de conteúdos para televisão ou, como é frequentemente o caso na
indústria da construção, em meses e anos.

Não apenas nas indústrias clássicas baseadas em projetos, como a indústria da construção, mas
também na maioria dos campos científicos (como a biotecnologia, a fotónica ou aqueles que envolvem
materiais inteligentes) e as indústrias criativas (como a publicidade ou a produção cinematográfica),
interorganizacionais. os projetos são uma forma particularmente comum de organização temporária.
Na maioria das vezes, os PNWs desenvolvem-se em torno de PBOs como a ABB e dos projetos CoPS
interorganizacionais em que normalmente se envolvem (Söderlund e Tell, 2009). Além disso, os PNW
são significativamente influenciados pelos PBO, que normalmente os iniciam e orquestram.
Curiosamente, em todas estas indústrias ou campos, as organizações (e, na maioria das vezes,
também os indivíduos) tendem a trabalhar juntas repetidamente, criando redes de relações mais ou menos duradou
Estas relações permitem não só a troca de conhecimentos complexos e o desenvolvimento da
reciprocidade mútua, mas, se reproduzidas, transformam projetos interorganizacionais nestas
indústrias em redes de projetos (interorganizacionais) ou PNWs (Lundin et al., 2015: 65 –77; Manning,
2017; Oliveira e Lumineau, 2018; Windeler e Sydow, 2001).

As redes de projetos são, em nítido contraste com os projetos interorganizacionais específicos


nelas coordenados, mais do que sistemas temporários, porque refletem a colaboração recorrente
entre todos (ou um número significativo de) membros do projeto (DeFillippi e Sydow, 2016; Windeler
e Sydow , 2001). No seu estudo sobre a produção de conteúdos para a televisão alemã, Windeler e
Sydow (2001) mostram que um projecto de rede surgiu como resposta às grandes mudanças na
indústria causadas pela privatização, globalização e digitalização. A antiga produção interna das
emissoras foi organizada cada vez mais em projetos interorganizacionais, nos quais as emissoras
continuaram a estar envolvidas como clientes ativos e co-criadores de valor e, juntamente com
empresas de produção independentes, a coordenar o processo de produção de diretores, câmeras
operadores, estúdios, cortadores e outros prestadores de serviços. Os autores analisam explicitamente
a coconstituição desta forma organizacional de produção colaborativa de conteúdos, por um lado, e
as mudanças na indústria televisiva alemã, por outro, como sendo um processo de estruturação. Eles
mostram que os membros do projeto de um determinado produtor de conteúdo são capazes de
produzir conteúdo no tempo determinado, atualizando e reespecificando práticas estabelecidas em
projetos anteriores desse produtor, institucionalizando-as assim como práticas da rede do projeto ou
mesmo do campo da TV. Produção.

A perspectiva de estruturação adotada por esses autores coloca a interação de práticas


(inter)organizacionais em redes de projetos, possibilitadas e restringidas por práticas organizacionais,
de rede e da indústria/campo, no centro do palco. As respectivas estruturas organizacionais, de rede
e de campo, ou seja, regras de significação e legitimação e recursos de dominação (Giddens, 1984),
permitem a estabilidade das práticas de projecto. Esta estabilidade é, por mais contraditória e
dialeticamente que isto possa parecer (Farjoun, 2010), uma pré-condição necessária para
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490 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

a flexibilidade desta forma organizacional num ambiente cada vez mais dinâmico. Uma visão importante
que este estudo fornece é a reprodução contínua da separação entre o mundo privado e o mundo
público da produção televisiva na Alemanha; pelo que esta última continuou e continua a ser
economicamente importante, apesar do impacto da privatização, da globalização e da digitalização no
desenvolvimento da indústria.
Concluindo seu estudo, Windeler e Sydow (2001: 1055) afirmam:

A análise mostrou que a evolução e, finalmente, a institucionalização das práticas da indústria


não significa a adaptação forçada de práticas dadas externamente. A institucionalização é vista
mais como um desenvolvimento endógeno multinível, multidimensional e multi-atores, no qual
diferentes agentes conhecedores se referem recursiva e poderosamente às práticas da indústria,
e aos seus conjuntos subjacentes de regras e recursos, nas suas práticas de rede. Ao fazê-lo,
reproduzem ou alteram as estruturas industriais nas três dimensões institucionais de significação,
dominação e legitimação. O desenvolvimento da indústria e dos processos de rede deve, portanto,
ser entendido não apenas como um processo co-evolutivo, mas como um processo co-evolutivo
de constituição em vários níveis.

Beth A Bechky (2006) também investiga a produção cinematográfica a partir de uma perspectiva
estruturacionista. Ela destaca que a estabilidade exigida pelas organizações temporárias para serem
eficientes e eficazes não depende apenas da colaboração recorrente com os mesmos indivíduos (ou
organizações), oferecendo oportunidades de carreira interorganizacionais.
Pelo contrário, o próprio projecto, enquanto organização temporária, é caracterizado por um “sistema de
papéis estruturados” mais ou menos duradouro, cujas nuances são negociadas in situ, mas que se
desenvolvem através dos projectos. As respetivas estruturas de funções não só facilitam a coordenação
do projeto, mas também permitem o rápido desenvolvimento da confiança entre os participantes do
projeto que, pelo menos até certo ponto, provêm de organizações diferentes.
Num terceiro estudo, Stephan Manning (2010) também utilizou a teoria da estruturação e analisou
dados sobre a rede de projetos emergente de um investigador europeu em educação, com o objetivo de
investigar quais as práticas que desenvolveu ao longo de uma série de 10 projetos com um total de 59
outros investigadores. Com a ajuda de uma análise institucional, combinada com uma análise de contacto
estratégico, este autor descobriu que, ao longo do tempo, o investigador focal formou relações de longo
prazo com um número crescente de investigadores de diferentes organizações – reflectindo a ideia
básica dos PNW. A análise institucional revelou propriedades importantes da área e de suas
organizações, bem como dos programas e regulamentos de financiamento e da profissionalização da
gestão de projetos que, pelo menos até certo ponto, mudaram ao longo do período investigado. A
análise da conduta estratégica revelou diversas práticas que ajudaram o pesquisador focal a formar e
desenvolver suas redes de projetos ao longo de todo o período sob escrutínio. Entre elas estavam
práticas de estabelecer e renovar contactos baseados em projectos, reunir potenciais parceiros de
projectos e manter parcerias essenciais em projectos. Estas práticas ajudaram não só a desenvolver,
mas também a estabilizar os PNW deste actor específico e também a sua posição central na rede. O
facto de os seus PNW terem continuado a registar alguma rotatividade de participantes no projecto
também é característico desta forma de organização mais do que temporária.

Num quarto estudo, Stephan Manning e Jörg Sydow (2011) investigaram a produção de filmes para
televisão. Com base numa análise de rede e num trabalho etnográfico em dois sets de filmagem,
identificaram duas fontes principais de estabilidade para esta forma de organização temporária.
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Sydow e fralda 491

Primeiro, um grupo central de atores que, pelo menos em grau significativo, colaboraram repetidamente em
diferentes projetos cinematográficos. Em segundo lugar, foram utilizadas práticas de projecto (por exemplo,
ligação com antigos membros da equipa, bem como tarefas) para reproduzir o que os autores chamam de
“caminho colaborativo”, ou seja, “sequências de projectos que permitem aos parceiros explorar o
estabelecido, mas também explorar novos recursos e capacidades, ao mesmo tempo que colmata
ativamente períodos de latência” (Manning e Sydow, 2011: 1369). Adotando também uma perspectiva de
estruturação, este estudo captura a interação dinâmica entre o temporário e o permanente na rede do
projeto, e não no nível de análise do projeto. Não diferentemente do estudo de Windeler e Sydow (2001),
também enfoca o papel das regras e recursos organizacionais na constituição da rede de projetos
interorganizacionais.
Num estudo mais recente, Freek van Berkel et al. (2016) utilizam uma abordagem de método misto e
investigam como a pressão do tempo afeta a coordenação entre organizações temporárias, na sua maioria
de ritmo acelerado, e organizações tipicamente de ritmo mais lento, em grandes projetos de infraestruturas
públicas. O estudo não apenas destaca a importância (esperada) das diferentes orientações temporais e
do contexto político para as dificuldades de coordenação deste tipo de projeto interorganizacional. Em vez
disso, o estudo também revela o papel das organizações no fornecimento de memórias transactivas para
estabelecer e manter a coordenação atempada, mas – como se torna muito proeminente no estudo –
também para a dificultar. No entanto, em contraste com os outros estudos, este permanece silencioso não
apenas sobre o processo ou a teoria da prática adotada, mas também sobre o papel do campo em que os
projetos, as organizações e, portanto, a rede de projetos estão inseridos.

Discussão e conclusão: Generalizações preliminares


Os estudos dos PBO e PNW revisados demonstram que diversas propriedades relacionadas à estrutura e
à agência foram consideradas, principalmente em mais de um nível de análise. A maioria desses estudos
adotou uma estrutura de processo explícita, enquanto vários deles até fizeram uso da teoria da prática em
geral ou da teoria da estruturação em particular. Os estudos contribuíram, portanto, significativamente para
o esclarecimento de como a criação de estruturas permanentes contribui para a estabilidade destas formas
de organização temporárias e mais flexíveis (ver um resumo na Tabela 1). Para este fim, os estudos
revistos mostram uma tendência para incluir não apenas mais níveis de análise propriamente ditos, mas
também mais níveis macro. Em particular, parecem explicar cada vez mais a inserção institucional dos
PBO e dos PNW nos domínios organizacionais. A sociedade em geral, contudo, tanto nestes estudos
como, tipicamente, também na investigação sobre organização temporária e gestão de projectos, não figura
de forma proeminente nestes estudos sobre a interacção do temporário e do permanente e a dialéctica da
estabilidade e da mudança. Mesmo a investigação de Windeler e Sydow (2001) apenas inclui normas que
abrangem toda a sociedade (ou mesmo profissionais transnacionais) como uma consideração de fundo
quando analisa mudanças nas estruturas industriais na sequência de mudanças nas leis federais.

A aplicação da teoria social em geral e de teorias baseadas na prática, como a teoria da estruturação,
em particular, não é novidade nem para a investigação sobre gestão e organizações em geral (por
exemplo, Barley e Tolbert, 1997; Jarzabkowski, 2008; Ortmann et al., 1990, 1997; Whittington, 1992), nem
para pesquisas sobre organização temporária em particular (por exemplo, Floricel et al., 2014; Manning,
2010; Windeler e Sydow, 2001). No entanto, até agora apenas um
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492 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

Tabela 1. Fontes de permanência/estabilidade na organização baseada em projetos.

Autor(es) / Foco principal Estrutura Agência


níveis

Estudos de PBOs

Passatempo (2000) Estruturas da organização que, por Agência centrada no projeto, resolvendo
organização, inserida em um exemplo, melhoram a rotina o problema e a tarefa em questão,
campo e permitem o acompanhamento de mesmo às custas de manter o panorama
projetos mais amplo em mente
Príncipe e Tell (2001) O cenário de aprendizagem de uma Acumular experiência, articular e
organização codificar conhecimento, em
indivíduo, grupo/ projeto e particular para aprendizagem entre
organização projetos
Brady e Davies (2004) Aprendizagem ascendente emergente, Implementação de rotinas e práticas
complementada por uma aprendizagem relacionadas ao projeto
organização do projeto descendente concebida
Söderlund e Tell ABB como 'formato p', em que Desde a geração de projetos de
(2009) os projetos com o cliente mais vanguarda até o desenvolvimento de
organização do projeto importante foram originalmente capacidades de projeto mais amplas para
colocados de forma centralizada, gerenciar projetos prontos para uso e
para posterior integração dos fornecer 'soluções totais' para soluções globais
portfólios de projetos através de uma clientes

'organização matricial global'


Estrela e Svejenova (2016) Papéis limite, 'distância' do Trabalho de fronteira e atos de
temporário ao permanente equilíbrio para resolver tensões,
projeto, organização, conectando estrategicamente o passado,
campo o presente e o futuro
Estudos de PNWs

fralda e sydow (2001) Interação de conjuntos de regras Agência de projetos constituída por
de significação e legitimação e agentes experientes dentro e entre projetos
projeto, rede, campo recursos de dominação nos níveis
organizacional, de rede e industrial

Bechky (2006) Sistema de funções estruturado Representação de papéis através de

projeto, rede agradecimentos, advertências e brincadeiras

Manning (2010) Estrutura de um pessoal/ Práticas de estabelecer e renovar contactos


organização do projeto, rede profissional de projetos de um baseados em projetos, reunir potenciais
rede, campo investigador europeu parceiros de projetos e manter
parcerias essenciais de projetos,
promulgadas e executadas por
“empreendedores de projetos”
Manning e Sydow (2011) Colaboração repetida das Busca local por membros da equipe,
equipes principais com o coletivo conectando práticas para estabelecer
projeto, rede, campo estruturas semelhanças entre equipes e tarefas
entre projetos passados, presentes
e potenciais futuros
van Berkel e outros (2016) Pressão temporal recorrente, Práticas de coordenação
projeto, organização, amplificada pelo contexto
rede político; diferentes ritmos de
mudanças temporárias e permanentes
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Sydow e fralda 493

poucas pesquisas utilizando tais teorias foram dedicadas diretamente a uma melhor compreensão da
interface entre o temporário e o permanente. Isto é problemático tendo em conta a rápida disseminação,
não apenas de formas de organização baseadas em projetos, mas também de organizações de plataforma
(McIntyre e Srinivasan, 2017) ou outras formas de organizações em rede e parciais (Ahrne e Brunsson,
2018). Pois todas estas formas parecem depender cada vez mais de estruturas temporárias, mas,
aparentemente paradoxalmente, ao mesmo tempo, fortemente, de estruturas mais permanentes.

A organização temporária, mesmo em ambientes bastante estáveis como organizações e/ou redes
interorganizacionais, desafia de facto formas de organização permanente como no conceito de Weber de
organização burocrática. No entanto, como foi argumentado, essas formas mais permanentes continuam,
de facto, a desempenhar um papel importante, sobretudo para a organização temporária, uma vez que
ajudam a gerir a dualidade entre estabilidade e mudança (Farjoun, 2010). Em tempos de número,
velocidade e âmbito crescentes de mudanças sociais no sentido de organizações mais temporárias, poder-
se-ia mesmo argumentar que a organização temporária contribui essencialmente para a sobrevivência de
sistemas sociais mais permanentes, como organizações e redes interorganizacionais. Assim, e sem
dúvida, as características básicas de tais sistemas mudarão – pelo menos se comparadas com a
compreensão de Weber sobre as organizações. Além disso, é importante notar que estas mesmas
organizações são os principais impulsionadores de formas de organização temporária – e provavelmente
continuarão a sê-lo, seja como PBOs, organizações líderes em PNWs ou operadores de plataformas.
Embora os estudos que discutimos mostrem que a interação do temporário e do permanente é constitutiva
para a organização temporária em PBOs e PNWs, questões relevantes permanecem abertas para
pesquisas futuras. Uma questão importante é como os actores (indivíduos ou organizações) medeiam
recursivamente o temporário e o permanente nas suas práticas sociais dentro e através dos respectivos
contextos. Para responder a esta questão, os estudos terão de clarificar com muito mais detalhe quais os
intervenientes que agem em conjunto, ou como os intervenientes monitorizam o sistema temporário a
partir do exterior; como, por exemplo, significam a interação do temporário e do permanente para ações/
eventos específicos e tornam os resultados alcançáveis através da combinação de regras e recursos de
diferentes contextos relevantes. Além disso, os estudiosos precisam determinar quais formas de interação
os atores (consensual ou controversamente) consideram legítimas nesses contextos. Finalmente, os
investigadores têm de descobrir (em cada um dos níveis relevantes, e entre eles) quais os recursos – tais
como conhecimento, dinheiro ou tecnologias – que os actores utilizam recursivamente ou qualificam como
sendo apropriados, por exemplo, para provocar uma interacção produtiva do temporário com o permanente.
As teorias baseadas na prática em geral, e a teoria da estruturação com a sua abordagem moderada e
multinível em particular, deverão revelar-se úteis em tais esforços. Presumivelmente, isto também será
verdade para o estudo de formas de organização temporária que não sejam PBOs e PNWs.

Além das questões delineadas, há três questões urgentes para pesquisas futuras. Uma primeira
questão diz respeito à influência que as tecnologias digitais e as organizações de plataformas têm na
concepção e disseminação de formas temporárias de organização e estruturas mais permanentes. Tanto
a digitalização como a organização de plataformas abrem novas possibilidades de organização de
atividades e relacionamentos sociais. Uma segunda questão diz respeito à importância das organizações
temporárias para os Estados-nação, por exemplo no que diz respeito às instituições de regulamentação
do trabalho, dos impostos e dos serviços sociais, quando se supõe que as regulamentações privadas
complementem as regulamentações estatais. Uma terceira questão premente diz respeito às competências
de que os actores necessitam para agirem com competência nestas novas formas de organização temporária incorpora
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494 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

em estruturas mais permanentes, e quais as consequências que isto tem para a desigualdade
social dentro e fora dos Estados-nação individuais.
Da perspectiva baseada na prática delineada neste artigo, a mudança social em direcção a
sociedades mais fluidas, diagnosticada por Zygmund Bauman (2007) e outros, é principalmente o
meio e o resultado de organizações que – como actores colectivos – recorrem estrategicamente a
formas de organização temporária. . As suas respetivas atividades e as probabilidades de sucesso
são moldadas, por sua vez, pelas condições sociais dadas, implementadas e, até certo ponto,
coproduzidas no tempo e no espaço. Portanto, não é provável que as organizações percam
influência ou mesmo desapareçam devido à disseminação da organização temporária, mas
continuarão a mudar as suas formas, permanecendo assim poderosas, e continuarão a moldar a
vida social. Uma vez que as organizações perseverarão como principais atores sociais,
implementarão recursivamente uma interação complexa de temporalidade e permanência na
sociedade e permanecerão cruciais para uma melhor compreensão dos contextos de organização e de sociação.

Financiamento

Os autores não receberam nenhum apoio financeiro para a pesquisa, autoria e/ou publicação deste artigo.

ID ORCIDA
Enrolador Arnold https://orcid.org/0000-0001-5243-8248

Notas
1. Anthony Giddens adota esta compreensão particular das regras de Ludwig Wittgenstein (1988 [1953]: 344), que
originalmente desenvolveu a ideia de que 'seguir regras' significa dominar uma técnica específica, e que os
atores, pelo menos na maioria das vezes, agem com base no conhecimento prático que lhes permite saber “como
continuar”, mesmo que não sejam capazes de explicar por que razão o fazem (devem) fazer discursivamente.
Giddens até generaliza esta ideia com uma referência implícita a Alfred Schütz quando escreve, “os actores
empregam esquemas tipificados (fórmulas) no decurso das suas actividades diárias para negociar rotineiramente
as situações da vida social. O conhecimento do procedimento, ou o domínio das técnicas de “fazer” atividade
social, é, por definição, metodológico. Isto é, tal conhecimento não especifica todas as situações com as quais
um ator pode se deparar, nem poderia fazê-lo; em vez disso, proporciona a capacidade generalizada de responder
e influenciar uma gama indeterminada de circunstâncias sociais” (Giddens 1984: 22).

2. Um aspecto importante nesta discussão diz respeito à reflexividade envolvida nesta compreensão da constituição
social. A ideia de uma constituição reflexiva do social abre caminho não apenas para um conceito sofisticado do
ator individual, mas também da organização e, consequentemente, do processo de organização. Uma organização
é um sistema social bastante específico, pois é “uma coletividade de algum tamanho, que tem um alto grau de
coordenação reflexiva das condições de reprodução do sistema” (Giddens 1990: 302), cujos membros, como
agentes conhecedores, produzem continuamente e reproduzi-lo no tempo e no espaço, nomeadamente através
de formas de organização, incluindo a organização temporária.

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Biografias de autores
Jörg Sydow é professor de Gestão na Escola de Negócios e Economia da Freie Universität Berlin. Ele é
ou foi membro dos conselhos editoriais de Organization Studies, Organization Science, Academy of
Management Journal, Academy of Management Review, Journal of Management Studies e The
Scandinavian Journal of Management. Atualmente é Editor Sênior de Estudos Organizacionais.
Recentemente, ele coeditou Gerenciando Colaborações Interorganizacionais – Visualizações de
Processos (Emerald, 2019).

Arnold Windeler é professor de sociologia e palestrante do Grupo de Treinamento em Pesquisa


'Sociedade de Inovações Hoje: A Criação Reflexiva da Novidade' na Technische Universität Berlin,
Alemanha. Suas áreas de especialização e pesquisa são teoria social, teoria da organização, redes
interempresas e inovação. Ele foi pesquisador visitante na Universidade de Harvard, na Universidade
de Stanford e na Universidade da Califórnia, Berkeley, nos EUA. Além disso, lecionou recorrentemente
na Universidade de Lucerna, na Suíça.

Retomar
A organização temporária em geral e a organização de projetos em particular só
devem ser entendidas em relação a contextos mais permanentes, como organizações,
redes interorganizacionais, indústrias/campos e sociedade.
Dada a capacidade das organizações de conciliar permanência e temporalidade, é
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498 Monografia Atual de Sociologia 2 68(4)

dificilmente desaparecerá devido à organização temporária. Pelo contrário, continuarão a


mudar de forma recorrentemente e, como resultado, continuarão a ser um elemento essencial
das nossas sociedades mais fluidas de hoje. Usando uma perspectiva baseada na prática
informada pela teoria da estruturação e revisando criticamente estudos empíricos de
organizações baseadas em projetos e redes de projetos interorganizacionais, fornecemos uma
compreensão mais profunda da complexa interação entre o temporário e o permanente.

Palavras-chave

Anthony Giddens, burocracias, organização temporária, organizações, organizações baseadas


na prática, redes de projetos, teoria prática

Resumo
A organização temporária em geral e a organização baseada em projetos em particular devem
ser entendidas em relação a contextos mais permanentes, como organizações, redes
interorganizacionais, indústrias/campos e sociedade. Dada a capacidade das organizações de
equilibrar permanência e temporalidade, não parece provável que estas desapareçam devido
à organização temporária. Pelo contrário, continuarão a mudar recorrentemente a sua forma e,
desta forma, continuarão a ser um elemento essencial das sociedades fluidas de hoje.
Empregando uma perspectiva baseada na prática, teoria da estruturação e revisão crítica de
estudos empíricos sobre organizações baseadas em projetos e redes de projetos
interorganizacionais, propomos uma compreensão mais profunda da complexa interação entre
o temporário e o permanente.

Palavras chave
Anthony Giddens, burocracias, organização temporária, organizações, organizações baseadas
na prática, redes de projetos, teoria ligada à prática
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Pensamento

Diário de Gerenciamento de
Projetos 2022, Vol. 53(1)
3–7 © 2021 Project Management Institute, Inc.
Estudando a Gestão de Redes de Projetos: Das Estruturas às Diretrizes para reutilização de

Práticas? artigos: sagepub.com/journals-permissions


DOI: 10.1177/87569728211061814
journals.sagepub.com/home/pmx

Jörg Sydow1

Embora certamente de origem muito mais antiga (ou mesmo antiga), ao longo Sobre a Gestão de Redes de Projetos
das últimas duas décadas, as redes de projetos tornaram-se um objeto
Na verdade, no caso de redes de projetos, a gestão de um projeto focal precisa
estabelecido de pesquisa em gestão e organização em geral e em estudos de
explicitamente ser complementada pela gestão da rede na qual o projeto está
gestão de projetos em particular (cf.
inserido, não apenas no que diz respeito ao seu presente, mas também no que
DeFillippi & Sydow, 2016, para uma revisão). Embora os projetos sejam uma
diz respeito à inserção passada e futura do projeto no organização, rede e/ou
forma comum, se não a mais comum, de organização temporária (Lundin &
campo. É de particular importância considerar como o passado e o futuro
Söderholm, 1995), as redes de projetos são normalmente concebidas como
destes contextos relacionais se desenrolam no presente.
sendo mais do que uma forma apenas temporária, combinando - como outras
formas de organização baseada em projetos. organizando – o temporário com
Os gestores de projecto, por exemplo na indústria cinematográfica e televisiva,
o permanente de uma maneira específica.
estão naturalmente preocupados em saber como gerir os seus actuais projectos
No caso de redes de projetos, às vezes também chamadas de “organizações
de produção, o que fazem em relação aos relacionamentos que tiveram e que
de redes de projetos” (Manning, 2017), a coordenação do temporário é
terão de manter para esse fim quer com indivíduos críticos (por exemplo,
possibilitada (mas também restringida) pelas redes mais permanentes de
diretores, autores) ou organizações (por exemplo, prestadores de serviços
relacionamentos passados com outros atores críticos e seus recursos. por um
técnicos). Pois, nesta indústria (que é um terreno fértil tradicional para todas as
lado (ver também Clegg & Burdon, 2021). Por outro lado, porém, as perspectivas
formas de organização temporária), os gestores de projetos recrutam parceiros
de manter ou reactivar estas relações para colaborações futuras têm uma
inteiramente novos para um projeto e/ou ativam relações latentes que
influência nas respectivas práticas de coordenação no presente. Como
mantinham no passado (Starkey et al., 2000). , coordenando assim as
consequência da coordenação de relações tanto na sombra do passado como
atividades presentes à sombra do passado. Eles também – de forma mais ou
na sombra do futuro (Ligthart et al., 2016), as redes de projetos são, estritamente
menos competente – mantêm os relacionamentos atuais em suspenso à luz de
falando, de natureza semi-temporária e não meramente temporária (Bakker e
possíveis colaborações futuras, coordenando assim atividades não apenas na
outros, 2016).
sombra do passado, mas também na sombra do futuro (Manning & Sydow,
2011; Ligthart et al. , 2016). Por outras palavras, a gestão de redes de projetos
– dentro, mas também muito além da indústria cinematográfica e televisiva
Parte da popularidade das redes de projetos entre os acadêmicos nas
(Manning, 2017) – requer não apenas a gestão de um projeto, mas também a
últimas duas décadas deve-se certamente à disseminação desta forma
gestão de redes. Isto diz respeito, pelo menos, aos “quatro Rs”:
organizacional em muitas indústrias ou campos. Juntamente com outras formas
responsabilidades, rotinas, papéis e relações, e a mitigação das tensões,
de organização temporária ou semitemporária, as redes de projetos contribuem
muitas vezes dialéticas ou paradoxais, decorrentes do seu emaranhamento
para o desenvolvimento do que tem sido chamado de “sociedade de projetos”
(DeFillippi & Sydow, 2016). As rotinas, por exemplo, são mais prováveis de
(Lundin et al., 2015). Embora ainda haja algum debate sobre como exatamente
serem praticadas num projecto focal, mesmo num projecto de inovação. Mas
definir e conceituar esta forma organizacional específica, os gerentes de projeto
a adoção e adaptação de rotinas para um projeto específico podem beneficiar-
sempre estiveram cientes do seguinte. Em muitos, se não na maioria, dos
se de rotinas que se desenvolveram em colaborações de projetos anteriores e
ambientes – desde a construção e as indústrias criativas até aos domínios
foram mantidas vivas (ou, mais precisamente, em suspensão) na rede do
científicos, como a biotecnologia, a fotónica e os materiais inteligentes e, claro,
projeto para quaisquer colaborações futuras. Estas rotinas podem muito bem
a investigação em gestão de projetos – a gestão de projetos envolve mais do
ser adequadas às responsabilidades atuais dentro do projeto, mas em conflito
que gerir apenas o temporário.
com

As respectivas tarefas de gerenciamento vão, de fato, como será mostrado em


breve, além de olhar para a interface com as estruturas circundantes, imediatas
e mais permanentes da organização, a rede interorganizacional e/ou o campo
organizacional e como eles apoiam ou restringem a organização temporária
(Sydow & Windeler, 2020).
1
Universidade Livre de Berlim, Berlim, Alemanha
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4 Diário de gerenciamento de projetos 53(1)

responsabilidades ou mudança de funções no nível do projeto apenas para métodos mais dinâmicos de análise de redes sociais,
rede. Relacionamentos de rede latentes e salientes podem mas também para uma teorização mais explícita sobre “agência em rede”
ajudar a mitigar essas tensões e não só adoptar, mas também (Tasselli & Kilduff, 2021). Este foco mais forte na agência
adaptar uma rotina específica para o projeto focal, contribuindo assim não só na verdade promete superar o viés estrutural de grande parte
para o sucesso do projeto, mas também para a estabilidade da rede do projeto. a antiga pesquisa em rede, especialmente quando a estrutura e
agência são conceituadas como uma dualidade em vez de um dualismo
O que tudo isso implica para pesquisas nas áreas de gestão e organização, (Giddens, 1984). Isto, no entanto, coloca novos desafios metodológicos
em geral, e estudos de projetos (Geraldi desafios.
& Söderlund, 2018) em particular? Na seção seguinte irei Para a teoria clássica de redes (incluindo a teoria das redes), é quase
argumentam que, além do deslocamento do objeto de estudo do impossível capturar mais do que redes
projeto (e seu gerenciamento) para a rede do projeto (e seus estruturas. Mesmo para ter plenamente em conta a governação da rede e
gestão), é necessária uma mudança teórica e metodológica que a acompanha: suas variantes são difíceis. No entanto, a perspectiva da governação não se
de uma análise estrutural (de redes de projetos) para uma abordagem baseada espalhou apenas pela investigação sobre “redes inteiras”
em processos ou práticas (de gestão (Provan et al., 2007) mas - quase em extensão do florescimento
redes de projetos). A principal razão para pedir esta mudança é pesquisa sobre governança de projetos (por exemplo, Müller et al., 2014)—
tornar a pesquisa sobre redes de projetos mais relevante no também em estudos de projetos (redes) (por exemplo, Liu et al., 2021).
sentido prático e, pelo menos, permitir uma prática mais reflexiva através de Este movimento no sentido de capturar a forma real de governança ou,
uma melhor compreensão do processo em que mais precisamente, as diferentes formas de governança da rede,
o temporário – o projeto – e o mais permanente – aqui: tem sido de fato valioso para descobrir as peculiaridades estruturais das redes
a rede – joguem juntos ao longo do tempo. O discurso acadêmico mais recente (de projetos), como papéis que abrangem fronteiras ou
sobre governamentalidade de projetos (além de a interação de formas contratuais e relacionais de governança.
governança) – muito inspirado em Foucault e dirigido tanto aos stakeholders Num nível ainda mais concreto, as relações que projetam
internos quanto aos externos – já reflete isso escritórios de gestão (PMOs) (em organizações membros de um
mudança para processos e práticas (por exemplo, Müller et al., 2014; rede do projeto) pode manter com uma rede administrativa
Clegg, 2019). O crescente emprego de outras teorias de organização e o que isso significa para governar redes de projetos complexos
prática em estudos de projetos (cf. Lundin et al., 2015, pp. 225– foram discutidos (Braun, 2018).
230) também fortalece esta mudança. No entanto, não muito diferente da investigação de redes de projetos
com as ferramentas de análise estrutural de redes, esse movimento
rumo a uma perspectiva de governação ainda fica aquém da compreensão de
Redes de Projetos como Forma Estrutural processos e práticas que estabilizem ou alterem rotinas interorganizacionais
A inserção dos projetos em redes de relacionamentos tem ou níveis de colaboração baseados na confiança.
frequentemente estudado usando as ferramentas de rede social ou estrutural Em particular, a interação muitas vezes extremamente subtil entre
análise (cf. Steen et al., 2018). Mais do que qualquer outra metodologia, esta a estabilidade e a mudança em relação aos “nós” (atores individuais ou
caixa de ferramentas analíticas permite o estudo de questões complexas. organizacionais) e/ou aos “laços” (relações interpessoais ou interorganizacionais)
redes com todos os seus “nós” e “laços” e com permanecem não contabilizadas; isso é
propriedades como densidade da rede, centralidade dos atores, não apenas de uma rede estrutural, mas também de uma perspectiva de
e a multiplexidade das relações. Sem surpresa, avançando governação em redes de projectos. Isso é altamente problemático
esta pesquisa tem sido importante para desenterrar e compreender projetos porque, após uma inspeção mais detalhada, as alterações em um projeto podem precisar
intra e interorganizacionais extremamente complexos, a estabilidade da rede tanto quanto a estabilidade de um
incluindo a sua inserção, por exemplo, em redes de produção globais ou projeto pode exigir mudanças na rede. De uma forma mais abstrata
clusters regionais. No entanto, esse fluxo de nível, parece importante conceituar e capturar não apenas
a pesquisa quantitativa normalmente já fica aquém de desenterrar estrutura e agência, mas também estabilidade e mudança como uma dualidade
algumas das peculiaridades da organização do projeto e do projeto em vez de um dualismo demasiado simples (Farjoun, 2010).
rede (por exemplo, o nível de competição ou confiança). Por causa de
sua metodologia, na melhor das hipóteses, estática comparativa, é inteiramente
incapaz de capturar processos de rede (por exemplo, como a confiança ou a
Redes de Projetos como Processo e Prática
cooperação se desenvolvem diante da concorrência contínua). Uma exceção A pesquisa em gestão e organização tem sido dominada há muito tempo.
a este respeito, embora raramente mostrada, é talvez algum tempo por teorias neo-institucionais de diferentes tipos,
o fluxo de conhecimento e outros recursos que normalmente é teorias, que entretanto, e para muito bem
assumidos como estando entre os nós, sejam eles indivíduos ou organizações, razões também encontraram seu caminho em estudos de projetos (por exemplo, Morris
com a ajuda dos laços (Steen et al., 2018). & Geraldi, 2011; Söderlund & Sydow, 2019). Ao longo da última
Durante décadas, nem a teoria das redes nem uma teoria das redes década ou mais, visões mais processuais (muitas vezes baseadas em
(este último com foco na estrutura de rede como resultado; ver várias teorias da prática) - de Foucault a Bourdieu
Borgatti & Halgin, 2011) conseguiu remediar esta deficiência. Essas correntes e Giddens to Schatzki (cf. Nicolini, 2012) - alcançaram
de pesquisa tiveram que esperar, e não para a pesquisa em gestão e organização. Essas visualizações
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Sydow 5

também começou a se espalhar em estudos de projetos, principalmente na forma coordenação através das fronteiras organizacionais em um projeto
da florescente abordagem “projetos como prática” (Hällgren & Söderholm, 2011; interorganizacional em andamento?
Manning & Sydow, 2011; Sergi et al., 2020; cf. Lundin et al. , 2015, pp. 225–230).
As implicações metodológicas de uma prática tão completa no estudo da
Este movimento geral em direção aos estudos de processos de projetos, organização temporária em geral, e da gestão de projetos e redes de projetos em
especialmente se informado pela teoria prática, permite focar em práticas de particular, são significativas. As práticas, incluindo práticas de gestão de projetos
gerenciamento de projetos e redes de projetos; um movimento que, entre outros, e de gestão de redes (por exemplo, Manning & Sydow, 2011), são muitas vezes
promete colmatar a lamentada lacuna entre teoria e prática (Feldman & Worline, melhor captadas com a ajuda de técnicas etnográficas em investigações que são,
2016). Assim, as práticas são tipicamente entendidas como atividades recorrentes ao mesmo tempo, de natureza longitudinal e sensível à história. Isso faz com que
(neste caso principalmente de gerentes de projetos), que são produzidas e os pesquisadores, por sua vez, confiem na reconstrução da história do projeto ou
reproduzidas no tempo e no espaço por agentes conhecedores (Giddens, 1984). da rede do projeto. Além disso, os investigadores têm de mergulhar profundamente
No processo, as práticas são possibilitadas e restringidas por estruturas, durante um longo período de tempo no presente do projeto e na rede do projeto.
instanciadas in situ e, muito provavelmente, padronizadas ao longo do tempo. Por Além disso, eles precisam explorar possibilidades futuras.
sua vez, estas mesmas estruturas dependem da sua atuação, reprodução ou
transformação com a ajuda destas mesmas práticas, quer a ação necessária seja
desempenhada por um ator individual ou coletivo.
Tudo isto equivale, idealmente, ao desafio de conduzir uma etnografia
multifacetada e multitemporal que tenha maior probabilidade de capturar processos
Evidentemente, esses estudos baseados na prática levam a sério a inserção de “conduta estratégica” não apenas temporalmente, mas também espacialmente
contextual e institucional das práticas. Como estudos de processos de projetos e/ distribuídos (Giddens, 1984). Para tanto, os pesquisadores teriam que mergulhar
ou redes, também estão atentos ao tempo e às temporalidades: isto é, entre outros, não apenas em projetos (interorganizacionais) durante um determinado período
à duração e sequência de ações e eventos; para a orientação temporal de atores de tempo, mas também nas organizações membros da rede que estão envolvidas
que, de formas mais ou menos idiossincráticas, interpretam e promulgam estruturas no planejamento e execução do projeto. Além disso, teriam de ser recolhidos dados
temporais, incluindo marcos e prazos; e para o papel do passado, bem como do sobre o desenvolvimento não só da organização e da rede, mas também do
futuro, no desempenho presente das práticas, não importa se estas visam o domínio em que a rede do projecto está inserida. Isto permitiria aos investigadores
arrastamento (para cumprir os horários) ou o desenraizamento (para permitir capturar, no mínimo, as interfaces com as estruturas organizacionais, de rede e de
também o surgimento de ideias criativas) . Além disso, embora dependentes da campo mais permanentes. Nesse sentido, no que diz respeito às demandas
teoria da prática concreta subjacente à perspectiva do projecto ou da rede de metodológicas, a pesquisa baseada na prática em redes de projetos não fica muito
projectos como prática (por exemplo, Giddens vs. Schatzki), as tensões e aquém da necessidade de realizar uma etnografia de redes (Berthod et al., 2017).
contradições estão sujeitas a escrutínio, quer resultem, por exemplo, de objetivos
conflitantes do projeto ou orientações temporais diferentes, e são de qualidade
mais latente ou saliente ou mais dinâmica ou estática.
Para não cair na armadilha da microfundação – isto é, uma ênfase excessiva
na agência em detrimento da estrutura (ou no nível micro em detrimento dos
fenômenos de nível macro) e muitas vezes um subproduto não apreciado da
etnografia – uma “análise institucional ”é necessário além de uma etnografia tão
Consequentemente, uma visão baseada na prática sobre redes de projetos multifacetada. Tal análise complementar ajuda a evitar ignorar os princípios
permite-nos não apenas colocar, mas também responder a questões de estruturais ou lógicas institucionais (Giddens, 1984; Thornton et al., 2012) em
investigação, tais como: funcionamento em projetos ou redes de projetos, inseridos numa sociedade que
pode muito bem ser caracterizada como uma sociedade de projetos, no entanto,
apesar das crescentes complexidades institucionais, continuar a aplicar princípios
• Como se desenvolveram os contratos formais e os contactos informais ou lógicas de acumulação predominantemente capitalistas.
(Berends et al., 2011) na rede do projecto ao longo do tempo e como
apoiam ou dificultam a gestão de um projecto focal? • O que, por sua vez, a
conclusão (não) Abordar fenómenos de uma escala tão maior, contudo, não tem de estar
bem-sucedida de um projeto contribui para o desenvolvimento de práticas de desligado da sua representação e reprodução em momentos específicos e em
rede de projeto – pelo menos no que diz respeito a um clique dentro desta locais situados. Por exemplo, a questão de saber quais estruturas de toda a rede –
rede? • Que tensões surgem no decurso de um projecto inserido numa ou de uma clique dentro desta rede – são consideradas pelos atores como sendo
determinada rede de projectos, e como é que esta integração ajuda ou dificulta relevantes e implementadas nas suas práticas, e de como são moldadas por
a gestão dessas tensões? • Que práticas as organizações participantes de princípios estruturais ou lógicas institucionais no processo, permanece
uma determinada rede de projeto e/ou a organização de necessariamente na agenda de pesquisa.
administração da rede estabeleceram especificamente para gerenciar a rede
do projeto, desenvolvidas para uma gestão mais eficaz? Conseqüentemente, o estudo empírico de redes de projetos e sua gestão se
beneficiaria mais da investigação de estruturas e práticas do que de um simples
movimento do estudo de
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6 Diário de gerenciamento de projetos 53(1)

estruturas para um estudo de práticas – sem levar em conta totalmente a Declaração de Conflitos de Interesses O autor não
dualidade de estrutura e agência, bem como estabilidade e mudança. Para isso, declarou nenhum potencial conflito de interesses com relação à pesquisa,
no entanto, seria útil uma abordagem de método misto, que, no final, pode autoria e/ou publicação deste artigo.
revelar-se ainda mais exigente do que uma etnografia de rede e exigir não
apenas projetos mais complexos (e dispendiosos) para o campo da investigação
em gestão de projetos. , mas também a gestão hábil da rede do projeto!
Financiamento O autor não recebeu nenhum apoio financeiro para a pesquisa,
autoria e/ou publicação deste artigo.

Referências
Observações Finais Bakker, RM, DeFillippi, RJ, Schwab, A., & Sydow, J. (2016).
No que diz respeito tanto à teoria como à metodologia, a investigação sobre Organização temporária: promessas, processos, problemas.
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cruzada de estudos de gestão e organização, por um lado, e de estudos de 1177/0170840616655982

projectos, por outro. Isto não é verdade apenas em relação ao temporário, mas Berends, H., Van Burg, E. e Van Raaj, EM (2011). Contactos e contratos: Dinâmica
também à interface mais permanente e intrincada entre os dois. Mesmo estudos de rede inter-nível no desenvolvimento de material aeronáutico. Ciência da
em disciplinas fora do campo da gestão e da organização contribuíram para o Organização, 22(4), 940–960. https://doi.org/10.1287/orsc.1100.0578 Berthod,
fluxo de investigação ainda em evolução, talvez de forma mais proeminente na O., Grothe-Hammer, M., & Sydow, J. (2017).
geografia económica. A razão para isto parece ser que a maioria dos estudos Etnografia de redes: Uma abordagem de método misto para o estudo de práticas
baseados na prática de projetos, redes de projetos e outras formas de em ambientes interorganizacionais. Métodos de Pesquisa Organizacional,
organização temporária (Bakker et al., 2016) de fato consideram o tempo e a 20(2), 299–323. https://doi.org/10.1177/1094428116633872 Borgatti, SP, &
temporalidade, mas na maioria das vezes não conseguem capturar a dimensão Halgin, DS (2011). Na teoria das redes.
espacial desta prática. .
Ciência da Organização, 22(5), 1168–1181. https://doi.org/10. 1287/
Isto é lamentável, porque as práticas – incluindo práticas de gestão de projetos orsc.1100.0641

e de gestão de redes – sempre ocorrem no tempo e no espaço; o estudo do Braun, T. (2018). Configurações para redes de projetos interorganizacionais: A
espaço em escala diferente é o domínio da sociologia econômica. Um exemplo interação do PMO e da organização administrativa da rede. Diário de
proeminente da contribuição da geografia económica neste sentido pode ser gerenciamento de projetos, 49(2), 1–10.
encontrado em estudos que levam ao desenvolvimento e utilização do conceito Clegg, SR (2019). Governamentalidade. Diário de gerenciamento de projetos,
de “ecologia de projetos” (Grabher & Ibert, 2012). 50(3), 1–4. https://doi.org/10.1177/8756972819841260
Clegg, SR e Burdon, S. (2021). Explorando a criatividade e a inovação na radiodifusão.
Este conceito captura não apenas práticas de organização baseada em Relações Humanas, 74(6), 791–813. https://doi. org/10.1177/0018726719888004
projetos, mas também – em um espaço de certa escala (por exemplo, uma
cidade ou região) – os papéis de indivíduos, equipes, organizações, DeFillippi, R. e Sydow, J. (2016). Redes de projetos: escolhas de governança e
comunidades epistêmicas e redes pessoais que atuam em um campo mais ou tensões paradoxais. Diário de gerenciamento de projetos, 47(5), 6–17. https://
menos projectado e/ou em rede. Por último, mas não menos importante, a doi.org/10.1177/875697281604700502 Farjoun, M. (2010). Além do
teoria social, principalmente importada da sociologia (Nicolini, 2012), forneceu dualismo: Estabilidade e mudança como dualidade.
os fundamentos ontológicos e epistemológicos da investigação baseada na Revisão da Academia de Gestão, 35(2), 202–225.
prática sobre a organização temporária em geral, e sobre a gestão de projetos Feldman, M. e Worline, M. (2016). A praticidade da teoria prática.
e redes de projetos em particular. Assim, fundamentar a investigação sobre Academia de Aprendizagem e Educação em Gestão, 15(2),
gestão de projectos (redes) na teoria social já contribuiu para a aceitação e 304–324. https://doi.org/10.5465/amle.2014.0356
acumulação de resultados de investigação em todas as disciplinas. No futuro, Geraldi, J., & Söderlund, J. (2018). Estudos de projeto: O que é, para
esta ancoragem da investigação empírica na teoria social poderá facilitar ainda onde vai. Jornal Internacional de Gerenciamento de Projetos,
mais a “exportação” dos resultados da investigação dos estudos de projectos 36(1), 55–70. https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2017.06.004
para a investigação em gestão e organização, contrabalançando assim a Giddens, A. (1984). A constituição da sociedade – Esboço de uma teoria da
abundante “importação” de estudos de projecto provenientes da investigação estruturação. Política.
em gestão e organização. Talvez, ainda mais importante, essa mudança em Grabher, G. e Ibert, O. (2012). Ecologias de projetos: Uma visão contextual sobre
direcção à investigação baseada na prática prepare melhor os estudos de organizações temporárias. Em P. Morris, J. Pinto, & J. Söderlund (Eds.),
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grandes desafios, como a preservação do ambiente natural, a gestão da Imprensa da Universidade de Oxford.

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Sydow 7

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Biografia do autor
Manning, S. e Sydow, J. (2011). Projetos, caminhos, práticas: Sustentando e
potencializando relacionamentos baseados em projetos. Mudança Industrial e Dr. Jörg Sydow é professor de administração e presidente de cooperação
Corporativa, 20(5), 1369–1402. https://doi.org/10.1093/icc/dtr009 _ entre empresas na Escola de Negócios e Economia da Freie Universität
Berlin, Alemanha. Ele foi coeditor fundador de duas importantes revistas
Morris, PWG e Geraldi, J. (2011). Gerenciar o contexto institucional dos projetos. alemãs, Managementforschung e Industrielle Beziehungen – The
Diário de gerenciamento de projetos, 42(6), 20–32. https://doi.org/10.1002/ German Journal of Industrial Relations, e atualmente é editor sênior de
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Revista Internacional de Gerenciamento de Projetos, 32(8), 1309–1320. https:// The Scandinavian Journal of Management. Ele é coautor de dois livros
doi.org/10.1016/j.ijproman.2014.03.007 publicados recentemente: Gerenciando e Trabalhando na Sociedade de
Nicolini, D. (2012). Teoria prática, trabalho e organização: uma introdução Projetos – Desafios Institucionais de Organizações Temporárias
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rede: uma revisão da literatura empírica sobre redes inteiras. Jornal de Gestão, Debates e Casos (Palgrave-Macmillan, 2016, com E. Schüßler & G.
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L., & Aubry, M. (2020). Estudos de processos de coeditou um volume de Pesquisa em Sociologia das Organizações
organização de projetos. Diário de gerenciamento de projetos, 51(1), 3–10. https:// sobre Gerenciamento de Colaborações Interorganizacionais –
doi.org/10.1177/8756972819896482 _ Visualizações de Processos (Emerald). É membro honorário do Grupo
Europeu de Estudos Organizacionais (EGOS) e pode ser contactado
Söderlund, J. e Sydow, J. (2019). Projetos e instituições: Para compreender em joerg.sydow@fu-berlin.de.
a sua constituição e dinâmica mútua.
Jornal Internacional de Gerenciamento de Projetos, 37(2), 259–268.
https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2019.01.001
Starkey, K., Barnatt, C., & Tempest, S. (2000). Além das redes e hierarquias: Para mais informações, visite http://www.wiwiss.fu-berlin.de/en/fachbereich/bwl/
organização latente na indústria televisiva do Reino Unido. management/sydow/index.html
Revista Organizações & Sociedade
2022, 29(101), 394-422
© Autores 2022
DOI 10.1590/1984-92302022v29n0016PT
ISSN 1984-9230
www.revistaoes.ufba.br
Repensar “Organizações NPGA, Escola de Administração
Universidade Federal da Bahia
e Sociedade” a partir das
Recebido: 01/08/2021
Escrevivências: por uma Aceito: 10/01/2022

Gestão das e nas


Lacunas

Fernanda Rocha da Silvaa


Alexandre de Pádua Carrieria

a Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Resumo
Este não é um texto convencional, que segue as normas instituídas do pesquisar em estudos
organizacionais, porém, aqui não abrimos mão da cientificidade exigida pela academia. É, apenas,
uma outra forma de fazer e escrever, da mesma maneira que se dá com as práticas desenvolvidas
por aqueles que estão apartados do modo de organizar dominante no país. Diante disso, a nossa
proposta aqui é, a partir da perspectiva histórico-social acerca da formação dos limiares desse
campo científico, repensar as formas de gestão desde as experiências dos sujeitos e saberes
lacunares. Para tanto, ajustamos a nossa lente para enxergar o que se encontra do lado de fora do
lócus enunciativo privilegiado da racionalidade instrumental regente da área e encontramos
Carolina Maria de Jesus e suas escrevivências acerca de uma realidade não notada pelas práticas de
gestão segundo o modelo de sucesso dessa razão. Portanto, apresentamos um artigo teórico e
científico, em que se faz uso da literatura como fonte material, a fim de perfilar as reflexões
propostas de se repensar as “organizações e sociedade” a partir dos saberes-fazeres dos
desprivilegiados da razão.
Palavras-chave: escrevivências; rasura; lacuna; gestão da lacuna.
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 395

Introdução
Prefacialmente, faz-se necessário esclarecer que a proposta deste texto advém das reflexões
iniciais desenvolvidas na minha dissertação. Uma pesquisa de mestrado que fora desenvolvida por
uma pesquisadora lacunar, cujo objeto de estudo também se insere nessa categoria da lacuna,
daquilo que não está posto, mas submergido em predicados e significados desvalorizantes, como
veremos mais adiante. Como um reclame, alguns excertos do texto inicial serão aqui reproduzidos,
como a indicar um percurso já percorrido, reflexões primevas que subsidiam o aprofundamento e o
avançar do que propomos por estas linhas, na tentativa de se constituir os primeiros esboços de um
campo por vir dos estudos organizacionais: a gestão da e na lacuna.
Embebidos dessa propositura, fazemos uso das escrevivências como ferramenta prática a
nos proporcionar adentrar no espaço-tempo da lacuna e testemunhar os modos do organizar
adotados por aqueles que se encontram situados nesse lócus enunciativo e daí propor a gestão da
e na lacuna. Esse termo foi cunhado por Conceição Evaristo, escritora brasileira, como denominação
para o ato de insurgência daqueles que possuem a noite refletida na superfície da pele e que teimam
em grafar suas experiências silenciadas, que “não pode[m] ser lida[s] como história de ninar os da
casa-grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos” (Evaristo, 2020, p. 54). Incômodo que
se configura em uma batalha por sentidos e espaços narrativos sobre o fazer-saber, de modo a
inserir-se no campo científico do saber, da e na gestão, matizando, pois, os limites epistemológicos
e adverbiais do organizar.
Ademais, conforme identificado por Medeiros (2011), a lacuna é efeito de um esquecimento
positivo, isto é, de uma produção histórica, social e cultural que açambarca a enunciação dos
vencidos, os desvalidos sociais, de modo a permitir um jeito único de contar a história, que se ajusta
ao tom dos vencedores. Porquanto, como veremos, no âmbito dos estudos organizacionais também
há os seres, os saberes e os fazeres lacunares, que se encontram opacos pelo modo universal e
instrumental do organizar, isto é, da gestão mainstream e até mesmo da gestão ordinária.
Sendo assim, o que encontramos foi um campo científico homogeneizado pelos valores de
neutralidade e universalidade da razão instrumental que permeia os estudos na área. Uma tradição,
como denominamos, do saber-fazer dos estudos organizacionais cuja constituição se faz mediante
a difusão de um modelo de sucesso, um padrão a ser seguido e reproduzido pelos meandros do
organizar.
O movimento de formação dessa tradição possui duplo caráter, pois, ao mesmo tempo que
estabelece o que e quem se estuda, definindo os limites ontológicos, epistemológicos e
metodológicos a partir da racionalidade dominante; determina, também, o seu contrário, aquilo
que não possui e não alcança o status de sujeito e objeto de pesquisa. Dando ensejo, portanto, à
formação da lacuna.
No entanto, isso não é sinônimo de que os sujeitos e saberes lacunares não sejam relevantes
ou não possam contribuir para o desenvolvimento deste campo teórico, mas apenas, que não são
tomados pelos estudiosos das organizações. A gestão mainstream se desenvolve a partir de
concepções universalistas do Norte Global, que desconsidera os contextos locais, garantido um
modo de saber-fazer que, a priori, poderia ser aplicado em qualquer região ou localidade mundial
(Ibarra-Colado, 2012). Uma visão neutra que não identifica ou desconsidera as especificidades do
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 396

cenário local e dos atores sociais, que não ajusta a sua lente para os fazeres e saberes daqueles que
estão aquém da superfície extraordinária em que se desenvolve.
Já a gestão ordinária se volta para os pequenos e familiares negócios, detendo-se nos modos
de organizar desenvolvidos por esses no bojo do gerenciamento de suas organizações (Carrieri,
Perdigão, Martins, & Aguiar, 2018). Isso pressupõe haver, ainda que mínima, uma estrutura
organizacional e jurídica, tendo em vista que para abrir um negócio no país, há de se ter a
autorização ou a permissão das autoridades locais. O que possui um custo e demanda investimento
do proprietário, do gestor ou do investidor. A proposta dessa perspectiva é se voltar para as práticas
desenvolvidas por essas organizações menores no cotidiano, de maneira contraposta à
universalidade da gestão mainstream, correspondente aos grandes empreendimentos.
Isto é, nem a gestão mainstream, tampouco a ordinária, se voltam para os fazeres e modos
de existências das pessoas esquecidas nas lacunas e suas práticas de sobrevivências cotidianas. Para
burlar a escassez vivida, desenvolvem táticas cotidianas para equalizar a posse de recursos de hoje
com a falta de amanhã, como testemunharemos com Carolina Maria de Jesus (2014).
Além disso, é necessário destacar que o nosso intento de voltar a atenção para as lacunas
não possui caráter romanesco da pobreza e da miserabilidade, ou até mesmo das opressões, mas
se constitui como meio de nos atentar para os positivamente esquecidos e invisíveis para a
racionalidade científica instrumental e, consequentemente, nos colocar como seus aprendizes.
Aprender a ouvir o som do silêncio forjado daqueles que tiveram suas vozes abafadas pela forma
única de narrar a história e que suportam os modos de organizar desenvolvidos por essa razão.
Nesse diapasão, as escrevivências se afiguram como potenciais recursos para preencher
essas lacunas, de modo que possibilitam questionar o que se encontra instituído como área de
estudos e concomitantemente auxiliam na diversificação do campo científico dos estudos
organizacionais. Como aqui defendemos, as escrevivências atuam como estratégia de rasura (Souza,
2009), meio de inserir outros sentidos e significados na gramática já desenvolvida nos estudos
organizacionais, no intuito de incutir novas formas de saber e fazer conhecimento relevante
cientificamente.
Essa forma coteja o que Pullen (2018) assevera sobre a escrita acadêmica realizada por
mulheres que, a despeito da norma vigente, ousam escrever com seus corpos desviantes,
lembrando que

writing differently, writing in embodied ways, violates the writer because academic
writing requires some level of conformity. We should just write, write the self as many of
our mothers have showed us. But, increasingly, we are disciplined and regulated by
neoliberal universities: what counts as academic writing? (p. 124)

Considerando-se o exposto por Pullen (2018) e Biehl-Missal (2015), de que as pesquisas


podem e devem se desenvolver inspiradas nas artes, e a escrita, sobretudo a feminina, se reveste
de uma grande potencialidade para a despadronização dos estudos organizacionais, desenvolvemos
o presente texto. Um artigo teórico cujas bases estão imbricadas na narrativa de Carolina Maria de
Jesus, fonte empírica sobre outras formas de organizar no cotidiano, um texto peculiar que dialoga
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com outras narrativas acerca da realidade vivida no país, que nos situa do lado avesso da história
(Czarniawska, 2000, 2006).
Uma pesquisa teórica cujo desenvolvimento se dá com o uso da literatura, da inserção da
escrita poética como propulsora das reflexões sobre a delimitação do campo do saber. Poesia dura
e cotidiana, que nos faz deslocar da sala de visita e adentrar no quarto de despejo, e questionar os
motivos pelos quais, ainda hoje, a sala de visita universitária, sobretudo a pós-graduação, lugar
típico do fazer científico, continua sendo um espaço homogeneizado (Sá, Alcadipani, Azevedo, Rigo,
& Saraiva, 2020) em relação aos aspectos de gênero e de raça, como o testemunhado durante a
minha trajetória.
Dessa maneira, o presente artigo é composto por mais três partes: na que procede essa
breve introdução, desenvolvemos melhor a formação da lacuna a partir da tradição do saber em
gestão; em seguida, detemo-nos nas escrevivências como formas de rasurar e repensar a gestão;
por fim, apresentamos as nossas considerações finais defendendo a gestão da e na lacuna.

A composição de um campo científico: produzindo saberes e seres


lacunares
Os estudos organizacionais enquanto área do saber se constituem a partir da adoção de
determinada forma do pensar, de uma racionalidade que perfila e delimita os limites do
conhecimento científico. Uma razão que se baseia no pensamento cartesiano e de seu cogito
“penso, logo existo”, para o qual “a certeza do pensamento está na estabilidade e na verdade
daquele que pensa; o sujeito é a garantia e da estabilidade da razão” (Mosé, 2019, p.116). Isso
significa que para se desenvolver essa ação do pensar, antes, seria preciso ser considerado sujeito,
ser humano, pois somente este conhece.
Com efeito, em virtude do estabelecimento do cogito cartesiano como o limite da razão,
aquele “eu” que pensa passa a ficar indeterminado, incidindo na ocultação do sujeito ativo dessa
ação de pensar, desse modo, ocorre uma suposta neutralização do conhecimento, justamente em
decorrência da não delimitação do “quem” e do “onde” se advém o saber. Além disso, isso resultaria
na possibilidade de se aplicar esse conhecimento de maneira indistinta, independentemente da
localidade mundial, atribuindo, assim, a universalidade ao saber originado dessa razão. Nessa
esteira, a racionalidade segue “um modelo de pensamento, produto da sobreposição de camadas
de sentido, de interpretações, dispostas durante a história da humanidade, e que se tornou o
orientador da conduta humana no mundo, ou seja, o princípio de explicação das realidades” (Mosé,
2019, p. 103). Esse cânone científico do pensar, num mesmo ato, autoriza e desautoriza a produção
do conhecimento, desde as suas bases e procedimentos, estabelecendo, assim, uma racionalidade
padronizada, não só para o saber, mas, também, como propulsora e guia da organização mundial,
conforme explica Grosfoguel (2008):

O essencial aqui é o locus da enunciação, ou seja, o lugar geopolítico e corpo-político do


sujeito que fala. Na filosofia e nas ciências ocidentais, aquele que fala está sempre
escondido, oculto, apagado da análise. A “ego-política do conhecimento” da filosofia
ocidental sempre privilegiou o mito de um “Ego” não situado. O lugar epistémico étnico-
racial/sexual/de género e o sujeito enunciador encontram-se, sempre, desvinculados. Ao
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 398

quebrar a ligação entre o sujeito da enunciação e o lugar epistémico étnico-


racial/sexual/de género, a filosofia e as ciências ocidentais conseguem gerar um mito
sobre um conhecimento universal Verdadeiro que encobre, isto é, que oculta não só
aquele que fala como também o lugar epistémico geo-político e corpo-político das
estruturas de poder/conhecimento colonial, a partir do qual o sujeito se pronuncia.
(p. 119)

E isso não seria diferente para as ciências administrativas, uma vez que a racionalidade
dominante nessa área também perfila a razão universalizada e neutralizada, denominada como
positivismo e exercida sob as vestes da concepção funcionalista de se pesquisar (Mandiola, 2018;
Vergara & Pinto, 2001). Segundo Barros e Carrieri (2015), a

Administração como Ciência Social Aplicada busca estabelecer um conhecimento


denominado moderno, em acordo com a racionalidade instrumental, voltada para o
cálculo entre meios e fins, deixando de lado outras formas de administrar e agir no
cotidiano. Na visão de Benjamin (2006), podemos dizer que a razão instrumental é a
derrocada das outras razões. A razão instrumental é típica do capitalismo, pois é uma
racionalidade que se volta para o aprimoramento da técnica e para o aumento da
produtividade. (p. 159)

Essa racionalidade instrumental não apenas serviu de parâmetro para a produção de saberes,
mas, também, atuou na classificação de lugares, sujeitos e culturas, como referência para o
estabelecimento de uma “hierarquia dicotômica entre o humano e o não-humano como a dicotomia
central da modernidade colonial” (Lugones, 2014, p. 936). A colonialidade atua no engendramento
de um modelo ideal de razão científica, impondo “a racionalidade da modernidade de uma
perspectiva racista e meramente europeia. Como consequência, conhecimento e realidades locais
são encobertos, e, assim, ignorados, pela lógica única da modernidade europeia” (Wanderley, 2015,
p. 240). Com isso, definiu-se a geografia da razão, resultando na valorização da latitude norte-
europeia que se configura como sinônimo de poder e de privilégio e, em contrapartida, enseja a
invisibilidade de outros pontos cardeais, que designam os “outros”, os não humanos, o Sul global. O
adjetivo outro funciona como signo de classificação negativa, de inferioridade, pois “o outro-distinto
não será a nação periférica como um todo, senão as classes oprimidas, aqueles que não fazem parte
da nação, excluídos da cidadania” (Bernardino-Costa, 2015, p. 53).
Isso fora denominado por Ibarra-Colado (2007, 2012) como colonialidade epistêmica, para
designar o ocultamento das influências advindas do contexto e a disseminação de um saber
supostamente neutro e universal. Segundo Wanderley (2015), a colonialidade epistêmica pode ser
compreendida como “a imposição de conhecimentos produzidos a partir de outra realidade e que
se sobrepõe às práticas e conhecimentos locais, terminando por provocar a subalternização destes”
(p. 238). Há aí uma produção discursiva acerca da América Latina, concebendo-a como inferior aos
países centrais europeus e aos Estados Unidos (Szlechter et al., 2020), devido à manutenção da
invisibilidade do lócus enunciativo local e à difusão dos caracteres de legitimidade do saber,
definidos pela racionalidade instrumental e hegemônica (Mignolo, 2010; Walsh, 2007).
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 399

Comprometidas com essa racionalidade, as teorias e práticas de sucesso para os estudos


organizacionais foram desenvolvidas a partir do lócus privilegiado do Norte global, sobrepondo-se
às práticas e aos saberes localizados e situados nos mais variados lócus desprivilegiados (Barros &
Carrieri, 2015). Isso porque a colonialidade impõe “el borramiento del lugar (incluyendo la
importância de las experiencias basadas-en-lugar) se asume sin mayor cuestionamiento” (Walsh,
2007, p. 103), facilitando, assim, a reprodução desse lócus padronizado. O que propulsiona um saber
asséptico, a priori, livre de contaminações advindas do contexto em que se originou e da
subjetividade que o produziu (Ibarra-Colado, 2007; Walsh, 2007).
Conforme elucida Ibarra-Colado (2007, 2012), a colonialidade epistêmica também se reflete
na ação do pesquisador que, com o intuito de se tornar um acadêmico de dentro, importa e reproduz
teorias e práticas constituídas nesse lócus, naturalizando, dessa maneira, modelos e metodologias
produzidas para uma realidade distinta daquela em que esse estudioso está inserido e se dá a sua
prática de pesquisa. Apesar de seus esforços, o resultado disso não seria a transformação desses
pesquisadores em sujeitos legítimos para a racionalidade instrumental, mas o enraizamento da
colonialidade epistêmica nos modos de conhecer dos lugares periféricos. Esse movimento,

al aceptar esta epistemo-logica se rechaza el análisis de la realidad desde el


reconocimiento de su próprio modo de racionalidad, es decir, desde las maneras
específicas en las que se hacen las cosas, desde sus práticas locales y próprios saberes
específicos (Ibarra-Colado, 2012, p. 26)

E, como explicitado por Meriläinen, Tienari, Thomas e Davies (2008), seguir esse caminho
exige que o pesquisador estrangeiro empreenda maiores esforços e energias no desempenho de
seus estudos, já que:

pesquisadores de países não anglófonos enfrentam um fardo extra à medida que se


esforçam para participar da construção e manutenção da formação discursiva hegemônica
(i.e. Anglo-american organization and management studies) por meio do engajamento
nas práticas de publicação acadêmica em que os textos são discursivamente construídos
em que para eles é uma língua estrangeira e talvez também uma cultura estrangeira.
(p. 632, tradução nossa)

A pesquisa desenvolvida por McLaren e Mills (2007) mostrou que o perfil ideal e valorizado
do administrador segue as mesmas características do padrão estabelecido pela colonialidade, do
homem branco, heterossexual e liberal (Ibarra-Colado, 2012; Walsh, 2007). Os autores constataram
ainda que o que se espera desse profissional é uma atuação segundo as vertentes gerencialistas e
funcionalistas da administração, isto é, que ele proceda de maneira objetiva e reta, sem se deixar
influenciar pelo meio no qual se insere, exprimindo, assim, práticas e saberes semelhantes àqueles
do lócus privilegiado da razão (Mandiola, 2018; Mclaren & Mills, 2007).
São os contornos da gestão mainstream sendo definidos por essa racionalidade instrumental
que considera legítimo o lócus da razão situado na parte norte-europeia do globo terrestre. Nesse
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 400

sentido, “o eurocentrismo opera um tipo de ‘racismo epistêmico’ que segrega e dispensa o


conhecimento produzido fora de suas fronteiras sob o argumento de ele ser particularístico, incapaz
de alcançar a ‘universalidade’” (Alcadipani & Rosa, 2010, p. 372). Essa segregação contribui para a
estabilização do chamado mainstream da administração, tendo em vista o seu desenvolvimento
desde as perspectivas e teorias adotadas constituídas no Norte Global (Barros & Carrieri, 2015),
exprimindo, assim, os aspectos caracterizantes da racionalidade instrumental a serem aplicados
indistintamente, já que são neutros e universais. Disso decorre a homogeneização do saber em
administração e a adoção de modos únicos de saber-fazer, que foram previamente definidos pela
racionalidade como modelos paradigmáticos de sucesso para a área (Barros & Carrieri, 2015;
Mandiola, 2018).
Conforme elucidam Szlechter et al. (2020), a difusão dessa tradição pelos meandros da
América Latina resulta também de sua localização geopolítica, uma vez que o “conhecimento em
torno do organizacional esteve centrado quase que exclusivamente nos aspectos ortodoxos da
administração” (p. 86), que foram constituídos na parte anglo-saxônica do mundo. Isso, segundo
Ibarra-Colado (2012), se configura como uma colonização de nossos saberes e práticas, pois:

los conocimientos que importamos y reproducimos renuevan la condición colonial de


nuestros países, pues nos dicen a los latinoamericanos “quienes somos” y “como vivimos”,
esos “latinos” de América, los híbridos ladinos, la raza del machismo, la holgazanería, la
corrupción y la irracionalidad. (p. 28)

Desse modo, em virtude da instituição de um modelo de sucesso, que perfila as mesmas


características valorizadas da autoridade epistêmica, ensejou-se a delimitação do sujeito autorizado
a produzir conhecimento (Ibarra-Colado, 2012). O que, por outro lado, provocou a negação e o
silenciamento da enunciação exercida por subjetividades desconsideradas, desumanizadas. Tal
aspecto, por consequência, afasta os sujeitos negros dos lugares típicos de produção de saberes,
sobretudo as mulheres negras que possuem a agência científica negada e são destituídas do poder
de narrar a história sob outro ponto de vista senão daquele que se convencionou sob a perspectiva
dos vencedores.
Outrossim, isso também se reflete nos modos que se dá a escrita das pesquisas em estudos
organizacionais, na permanência de “the widely accepted standard of academic writing with
‘rational’ scientific language stands in the positivist tradition of management studies and has faced
criticism. Organization studies writing is shaped by masculine stereotypes of scientific rationality,
objectivity and rigorous method” (Biehl-Missal, 2015, p. 179). A escrita, quando acontece de
maneira corporificada e desviante (Pullen, 2018), denuncia o lócus epistêmico desprivilegiado a
partir do qual ela acontece, tendo em vista que “quem historicamente teorizava sobre a gestão e os
estudos organizacionais na América Latina são grupos que formam parte do que seria o centro em
seus próprios países já que, em contextos socialmente desiguais, são aqueles que sempre hão
produzido conhecimento” (Szlechter et. al., 2020, pp. 86-87).
Isso se dá na esteira da gramática estabelecida, da razão que se pensa universal e neutra
(Mandiola, 2018), que estabelece um modelo a ser seguido, a normatização da objetividade como
perspectiva afeita a essa racionalidade. Neste aspecto, é necessário atentarmos ao que fora
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 401

ressaltado por Pullen (2018) sobre a reprodução desse modo de conduzir as pesquisas e as nossas
publicações na área dos estudos organizacionais:

Oh, a escrita feminista não é publicada facilmente, sobre o que devemos escrever?
Aqueles de nós que estão em escolas de negócios estão experimentando uma integração
de nossas agendas críticas. Se a escrita atacar o sistema, ela será publicada? Devemos
jogar o jogo? Quais são as normas dos campos em que trabalhamos? Gatekeepers
aparecem novamente, eles estão em toda parte. As normas se escrevem em meu corpo,
por meio de seus condutores – revisores, editores – nós. Depois de experiências recentes,
eu continuo perguntando: “Por que toleramos tal violação?” “Por que reproduzimos tal
violência um para o outro?” (p. 124)

Na seara brasileira, conforme destacou Vergara e Pinto (2001), a formação dos saberes
administrativos do país ocorre de maneira indissociada da perspectiva estadunidense, em virtude
da “preocupação de pensadores brasileiros com o que se produz no universo acadêmico, relativo ao
campo organizacional” (p. 107). Os nossos olhos estão voltados para o Norte, mas nossos pés
continuam fincados no Sul, imbricados no contexto interno brasileiro. Isto é, a nossa tradição em
estudos organizacionais advém das teorias e práticas americanas e britânicas, desde quando essa
área acadêmica começou a tomar forma (Rodrigues & Carrieri, 2001).
Como uma tentativa de se mitigar os efeitos dessa importação e reprodução do modus
mainstream do organizar no âmbito brasileiro, desenvolveu-se a perspectiva da gestão ordinária,
mediante a proposição de um movimento de retorno para as práticas organizativas cotidianas dos
pequenos negócios (Carrieri, Perdigão, & Aguiar, 2014). Essa instância cotidiana como um estimado
lócus espaço-temporal em que se “constitui uma prática social e cultural formada por uma
pluralidade de códigos, referências, interesses pessoais e relacionais” identificada como gestão
ordinária (Carrieri et al., 2014, p. 700).
No entanto, a própria concepção de gestão ordinária indica que ela se detém acerca de
negócios constituídos e, ainda que minimamente, possuem uma estrutura organizacional definida
ou em definição, já que para se abrir um negócio no país, algumas normas legais devem ser
atendidas. O que significa custo e demanda investimento dos interessados.
Embora a gestão ordinária se contraponha ao caracteres de universalidade e neutralidade
assegurados pela gestão mainstream e proponha a valorização da instância do cotidiano, ela, por si
só, não garante a incursão de saberes, práticas e modos de existências desenvolvidos por aqueles
sujeitos invisibilizados e destituídos da agência epistêmica nos meandros dos estudos
organizacionais. Acreditamos que não se encontra inserida na proposição da gestão ordinária a
valorização da perspectiva do pobre, daquele que ainda não alçou os caracteres do organizar ou que,
inobstante inserido na estrutura organizacional, não pode falar ou fora silenciado, sobretudo em
relação àqueles que tiveram a inserção na agência epistêmica negada pela racionalidade
instrumental.
Nessa esteira, o contexto nacional não se diferencia muito do que fora exposto por Ibarra-
Colado (2007, 2012), pois, devido à formação histórico-social da sociedade brasileira e o
desenvolvimento do organizar baseado em valores escravocratas, de maneira ampla, à pessoa negra
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 402

não era atribuída a capacidade de pensar e muito menos de produzir conhecimento. A


homogeneização desse espaço perpassa a imbricação do ideal do sujeito pesquisador e a
reprodução de uma narrativa, um único jeito de contar a história e de expressar a verdade acerca
do organizar. Uma verdade que deve ser subsumida por todos, porque o conhecimento que a
subsidia seguiu as teorias e práticas, bem como os pressupostos da racionalidade neutra e universal.
A sociedade brasileira fora estruturada pela colonialidade e por suas hierarquias sociais
baseadas na raça, gênero e trabalho, demarcando como inferiores os sujeitos que se distanciam de
seu referencial de superioridade. Como tais, os modos de existências e de conhecer das pessoas
negras foram apagados e desconsiderados epistemicamente por essa racionalidade colonial
hegemônica. O timbre de vozes negras não era relevante, tampouco capaz de agradar aos ouvidos
afinados pela cientificidade instrumental daqueles que avocaram para si a autoridade epistêmica.
Daí se originou um modo de organizar baseado em valores tipicamente escravocratas e
classificativos. Uma ordem escravista que atua gramaticalmente como advérbio de modo do verbo
organizar, pois modificou o organizar consideravelmente a partir da difusão do tráfico negreiro e do
racismo “como uma construção ideológica cujas práticas se concretizam nos diferentes processos de
discriminação racial. Enquanto discurso de exclusão que é, ele tem sido perpetuado e reinterpretado
de acordo com os interesses dos que dele se beneficiam” (Gonzalez, 2020, p. 55).
Conforme afirmado por Holanda (2011), seria mais apropriado trabalhar o organizar como
verbo, tendo em vista que, com a utilização da morfologia das palavras, o “verbo organizar registra
a dinâmica da constante busca pelo novo” (p. 27), e por isso pode ser modificado por suas próprias
práticas, traduzindo, pois, “um processo de construir objetos em constante modificação” (Misoczky
& Vecchio, 2006, p. 8). Dessa maneira, o organizar como verbo se contrapõe ao substantivo
“organização”, formalmente constituído e identificado no uso do artigo definido “a”, cujos contornos
são hermeticamente delimitados. Seguindo essa perspectiva, não haveria um e único jeito de
organizar, mas tantos quantos forem possíveis complementar o verbo, pois enquanto tal, o organizar
exprime uma indeterminação a ser preenchida pelas práticas cotidianas.
Assim, no contexto brasileiro, o verbo organizar foi modificado pelo modo constituído e
desenvolvido no período escravocrata, uma vez que “a escravidão foi mais que sistema econômico:
ela moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e cor marcadores de diferenças
fundamentais, ordenou etiquetas de manda e obediência, e criou uma sociedade condicionada pelo
paternalismo e por uma hierarquia estrita” (Schwarcz & Starling, 2015, p. 96). São essas, pois,
práticas organizativas que classificam, a partir de seus marcadores de diferenciação, com o intuito
de controlar e manter a distância entre os polos dessa hierarquização sociocultural.
Todo esse percurso teórico que viemos construindo até aqui é necessário para que possamos
ser capazes de identificar e visualizar a produção de lacunas dentro dos estudos organizacionais. A
lacuna, como defendido por Medeiros (2011), é uma produção histórica, social e cultural de uma
ausência, de um esquecimento positivo daqueles ou daquilo que se contraporia ao referencial
valorativo adotado por aqueles que narram a história ou definem o modelo de sucesso a ser seguido
pelo gestor. O autor ressalta que essa “sociologia da lacuna” se ajustaria “para além dos motivos
aparentemente estéticos, ela está alicerçada – como hipótese – nas dinâmicas historicamente
construídas das relações sociais no Brasil, pautadas pelo preconceito racial e discriminação social”
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 403

(p. 216). Um movimento de caráter dúplice, pois ao mesmo tempo que se define um referencial ou
paradigma, exclui-se a alteridade que não se amolgaria aos seus limites.
A lacuna seria então obra de um jogo que, num mesmo ato, estabeleceria quem está dentro
e quem está fora, a partir de um espectro de fatores, tais como construção histórica, cultural, social
e, também, epistemológica. Esse último aspecto se torna relevante para nós, estudiosos dos estudos
organizacionais, pois quando adentramos os veios dos saberes administrativistas, deparamo-nos
com uma homogeneização de sujeitos, práticas e conhecimentos, cujos referenciais advêm da razão
instrumental que delimita a autoridade epistêmica, bem como a verdade, vigorantes na área,
segundo parâmetros colonialistas.
Essa sociologia da lacuna operaria na ocultação da heterogeneidade em favor da
manutenção de um padrão constituído alhures, segundo os caracteres da neutralidade e da
universalidade, constituintes da racionalidade hegemônica. Isso como efeito de “suprimir os
conhecimentos produzidos por qualquer grupo oprimido facilita o exercício do poder por parte dos
grupos dominantes, pois a aparente falta de dissenso sugere que os grupos subordinados colaboram
voluntariamente para sua própria vitimização” (Collins, 2019, p. 32).
Porquanto, para se visualizar a lacuna faz-se necessário ajustar a lente teórica para que
nossos olhos alcancem o avesso da superfície revelada, o lado negativo da imagem se forma pela
intermediação da razão instrumental, cujos contornos são percebidos mediante um movimento de
percepção daquilo que se encontra encoberto, a partir do que está revelado. Essa batalha por
sentidos é caudalosa, exige que nos comprometamos com a invisibilidade presente e diante da
composição uniforme dos saberes e sujeitos padrões, propor uma incursão de rasuras (Souza, 2009)
nessa epistemologia dominante, no questionamento da autoridade epistêmica instituída, com o
intuito de que possamos apreender no lócus lacunar de enunciação. Isso também pode ocorrer no
âmbito dos estudos organizacionais, quando se verifica a hegemonia e padronização desse campo
científico segundo parâmetros constituídos no Norte Global, cujos efeitos são sentidos na produção
discursiva inferiorizante de outras localidades e de seus saberes (Szlechter et al., 2020), encobrindo,
assim, as peculiaridades dos contextos locais, porém, num movimento insurgente, adentra-se no
plano das entrelinhas, das práticas organizativas não contemporizadas pela racionalidade
hegemônica. Ademais, vale ressaltar que

pode-se dizer que as formas do dizer são regidas, efetivamente, por quem pode dizer, pelo
que pode e como ser dito e consagrado, histórica e socialmente, na história do campo
intelectual, [particularmente no administrativo]. Existe uma delimitação bem clara das
possibilidades de atuação, fazendo com que custe muito caro a heresia e a subversão.
(Medeiros, 2011, p. 215)

Nesse sentido, a efetuação da lacuna garantiria o silêncio do coro de vozes dissonantes


daquele ideal padronizado de gestor, bem como a manutenção da importação e reprodução de
saberes universais e neutros, que ignora as influências contextuais e cotidianas, de modo a continuar
constituindo modos de organizar favorecidos pela racionalidade instrumental. Concomitante, a
incidência da lacuna permitiria rachar esse campo homogeneizado e rasurar a verdade contada
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 404

sobre o organizar, a partir da imbricação dos pesquisadores, sobretudos os lacunares, com as


práticas cotidianas e saberes desenvolvidos no âmbitos das lacunas.
Diante disso, não vislumbramos empecilhos para considerarmos a lacuna também como um
fenômeno organizacional, uma vez que o modo de organizar desenvolvido baseado na ordem
escravista, “perpassa nossas maneiras de fazer, . . ., no Brasil, nossas maneiras de fazer, nossas
práticas no cotidiano, têm uma dinâmica racializada, pois esse é um fenômeno social que nos
organiza enquanto coletividade”, encobrindo as práticas dissonantes daquele modelo de sucesso
mainstream de organizar (Santos & Oliveira, 2020, p. 4). Esse fenômeno como resultante das práticas
de gestão, reflexos histórico-sociais do modo de organizar concebido segundo padrões colonialistas,
na esteira da racionalidade instrumental e burocrática (Szlechter et al., 2020).
Desse modo, sabendo dos riscos inerentes a esse trabalho, propomos adentrarmos pelas
lacunas e lançarmo-nos pelas veredas dos registros de Carolina Maria de Jesus com o objetivo de
apreender com a autora. Uma escrita lacunar desenvolvida na instância cotidiano, por uma mulher
negra igualmente lacunar. Essa é, portanto, uma tentativa de se fazer ecoar a voz negra silenciada
pelos estreitos do campo científico dos estudos organizacionais, questionando-os enquanto área
uniformizada ao mesmo tempo que exorta outros pesquisadores lacunares a se arriscarem nessa
empreitada que é aduzir a lacuna e fazer dela seu campo de pesquisa.

Gestacionando em uma lacuna: criar escrevivências, repensar a gestão

Talvez o primeiro sinal gráfico que me foi apresentado como escrita, tenha vindo de um
gesto antigo de minha mãe. Ancestral, quem sabe? Pois de quem ela teria herdado aquele
ensinamento, a não ser dos seus, os mais antigos ainda? Ainda me lembro, o lápis era um
graveto, quase sempre em forma de uma forquillha, e o papel era a terra lamacenta . . .
(Evaristo, 2020, p. 49)

Nesta seção, lançamos mão das escrevivências como propulsoras para se repensar a gestão,
como método da rasura desse saber hegemônico, que, positivamente, esquece e ignora tudo aquilo
que se encontra alheio ao lócus privilegiado. Utilizamos essa definição como modo de conhecer a
ferramenta metodológica, uma episteme possível para o sujeito lacunar, cuja adoção na pesquisa
científica pode “activar la especificidad del lugar como noción contextualizada y situada de la
práctica humana” (Walsh, 2007, p. 106). Isso acontece na esperança de introduzir rasuras e
desequilibrar a normalidade e normatização da racionalidade hegemônica e de sua autoridade
epistêmica, sobretudo nos estudos organizacionais.
Como dissemos anteriormente, a ordem escravista no Brasil se transformou em modo de
organizar a vida social no país, instituindo e difundindo hierarquias sociais nos seus entremeios, a
partir da concepção classificatória de raça. Essa noção se fundamenta no fato de que “a escravidão
foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando seu modo de agir e de
pensar”, e, como especificadora do organizar, a escravatura se atualizou na forma do “preconceito
contra o negro, [tendo em vista que este] ultrapassou o fim da escravidão e chegou modificado a
nossos dias . . . o trabalho manual foi socialmente desprezado como ‘coisa de negro’” (Fausto, 2012,
p. 33). Trabalho este de tecer existências subalternizadas, de coser vidas despedaçadas,
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 405

crochetando, assim, saberes fragmentados nessa colcha de retalhos que é o conhecimento


científico.
Ressalta-se que nas entrelinhas desta pesquisa não há espaço para neutralidade e
imparcialidade, e o saber que daqui se origina é marcadamente comprometido com o lócus lacunar,
no qual a pessoa negra fora histórico-socialmente localizada, mediante um esquecimento positivo e
estabelecido pela racionalidade instrumental dominante. Ocupar esse lugar é ter a consciência das
forças opressivas que perpassam por sua existência ao mesmo tempo em que desenvolve e exerce
práticas de resistência, na incursão de disputa por sentidos ou na batalha pela grafia da vida.
É o que estamos favorecendo aqui, que surjam neste espaço formas criativas de pensar e de
se desenvolver pesquisa, ao trazer a literatura, ainda que em pinceladas, para o escopo do texto,
pois a escrita literária é uma arte, em seu sentido amplo. Isso se torna promissor, pois como
destacado por Ipiranga e Saraiva (2020), o uso de literatura no campo da administração no país,
como fonte de pesquisa, ainda se mostra como um movimento tímido e incipiente para essa área
do saber. Como arte da palavra e do sentido, a literatura é capaz de produzir deslocamentos,
afastando-nos de territórios já normalizados e normatizados e nos tornar mais empáticos ao que se
difere de nossos contextos de vida.
Esse saber carrega consigo traços de um corpo que se desmancha em palavras e se recompõe
nos sentidos. A sua forma pode vir a ser em verso, prosa ou poesia, e até mesmo seguindo as normas
acadêmicas de formatação e se constituir num artigo como este. Os pensamentos e teorias
resultantes dessa associação entre experiência cotidiana e uso da razão, no caso das mulheres
negras, “refletem o esforço dessas mulheres para lidar com experiências vividas em meio a
opressões interseccionais de raça, classe, gênero, sexualidade, etnia, nação e religião” (Collins, 2019,
p. 43). Destarte, os saberes e as teorias produzidos por mulheres negras e por “outros grupos
historicamente oprimidos visam encontrar maneiras de escapar da, sobreviver na e/ou se opor à
injustiça social e econômica prevalecente” (Collins, 2019, pp. 42-43). Escapar pelo meio, nas
semelhanças das formas e dissonâncias de sentidos e conteúdos, isto é, fazer uso das estratégias
instituídas e seguir, degrau a degrau, rumo à resistência pelo trabalho intelectual, em qualquer uma
de suas modalidades.
Segundo Czarniawska (2006), a literatura se mostra como fonte fecunda para a compreensão
da vida social organizada, como material empírico, ela apresenta uma perspectiva acerca da
realidade narrada, que se relaciona com outras estórias e narrativas. Ademais,

narrating is organizing, and although organizing is more than narrating, even that part of
it that is non-narrative can become a topic of a narration. One cannot repair a machine by
telling how it was done but one can always tell a story about the repair. (Czarniawska,
2000, p. 4)

Desse modo, embora a literatura de Carolina não possa modificar o modo de organizar
instituído no contexto brasileiro, ela pode produzir uma tensão entre as histórias contadas e
favorecer a incursão de outras perspectivas, a emersão de saberes lacunares sobre o cotidiano
organizado. Como fonte empírica, “Quarto de despejo” contribui para a inserção de rasuras nesse
território normatizado dos estudos sobre o organizar, demonstrando o lado positivamente
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esquecido da produção discursiva sobre a gestão. Nesse sentido, conforme assevera Rhodes e
Brown (2005):

One key contribution of narrative research is the attention it focuses on temporal issues
in organizations. Narrative involves the unfolding of a story of events and experiences
over time . . . Thus, rather than viewing organizations as static, homogeneous and
consistent entities, narrative approaches demonstrate the processual characteristics of
organizations and can render both the paradoxes and complex causal relationships
inherent in organizational change open to analysis. (p. 20)

E uma maneira de se realizar isso é escrever as nossas experiências. As escrevivências


(Evaristo, 2008) se mostram como propulsoras para a realização desse intento de visibilizar a
produção de conhecimentos desenvolvidos e comprometidos desde a lacuna. Esquivando-se do
padrão da norma para introduzir, no folguedo de uma pausa, as marcas de um fazer-saber
comprometido com as experiências de pessoas negras, lacunares, nessa malha homogeneizada dos
estudos organizacionais.
Além disso, não há a intenção de se instituir uma homogeneidade e/ou universalidade a
partir dos saberes de pessoas negras, sobretudo das mulheres, pois sabemos que as experiências de
mulheres negras podem se diferenciar conforme se modifica a sua localidade, classe, sexualidade,
religião e educação, já “que é válido olhar para experiências individuais e para relatos subjetivos
acerca do racismo cotidiano para que compreendamos a memória histórica e coletiva” (Kilomba,
2019, p. 91). O uso da escrevivência, como metodologia e modo de conhecer, facilita a diversidade
e o repensar a gestão a partir dos saberes e sujeitos lacunares, uma vez que não é exclusiva ou
excludente a ninguém.
Esse termo – escrevivência – foi cunhado por Conceição Evaristo, autora literata e mulher
negra brasileira, que possui uma escrita marcadamente comprometida com a sua condição de
mulher e negra. Uma estratégia que pode favorecer a formação de narrativas em que se conjugam
memórias e experiências, num gesto insurgente de querer dar forma ao vivido por pessoas que
foram intencionalmente desumanizadas e cujas condições de sujeitos e, consequentemente, a
capacidade de produzir saberes, foram sistematicamente retirados. Essa condição é registrada por
Carolina Maria de Jesus quando ela menciona ter submetido seus escritos à avaliação circense e
obteve uma negativa fundamentada no fato de ser negra, ouçamos-a: “. . . Eu escrevia peças e
apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: – É uma pena você ser preta” (Jesus, 2014,
p. 64).
A escrevivência, como modo de conhecer, emoldura as experiências e memórias de mulheres
negras, que são vivenciadas desde os seus corpos negros, antes restritas à oralidade. No início, esse
termo designou o próprio ato de escritura da autora, o modo pelo qual os seus poéticos textos
tomavam forma, com a colheita de memórias e experiências suas e daquelas contadas pelos seus
ou até mesmo do testemunho de fatos corriqueiros e cotidianos, na afinação da escuta a fim de
transpor a vida para a escrita. Evaristo (2020), recentemente, esclareceu-nos sobre a origem desse
termo e a qual fenômeno na história das mulheres negras ele se refere, ouçamos:
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 407

na essência do termo, não como grafia ou como som, mas, como sentido gerador, como
uma cadeia de sentidos na qual o termo se fundamenta e inicia a sua dinâmica. A imagem
fundante do termo é a figura da Mãe Preta, aquela que vivia a sua condição de escravizada
dentro da casa-grande . . . Escrevivência, em sua concepção inicial, se realiza como um ato
de escrita das mulheres negras, como uma ação que pretende borrar, desfazer uma
imagem do passado, em que o corpo-voz de mulheres negras escravizadas tinha sua
potência de emissão também sob o controle dos escravocratas, homens, mulheres e até
crianças. E se ontem nem a voz pertencia às mulheres escravizadas, hoje a letra, a escrita,
nos pertencem também. Pertencem, pois nos apropriamos desses signos gráficos, do valor
da escrita, sem esquecer a pujança da oralidade de nossas e de nossos ancestrais. (pp. 29-
30)

Escreviver se assemelha a experimentações gráficas, simbólicas e de significações, que


decorrem do compromisso de dar vida ao vivido e de marcar a folha de papel com as experiências
cotidianas, a fim de ir se fazendo e “recriando um passado [que] ocupa um espaço vazio, deixado
pela ausência de informações históricas mais precisas. E esse passado recriado passa a ser
constantemente amalgamado ao tempo e à história presentes” (Evaristo, 2008, p. 1). Constitui um
modo contínuo de revisitar a existência e recriar perspectivas, advindo de “um profundo incômodo
com o estado das coisas” (Evaristo, 2020, p. 34), de maneira que escreviver não se ajunta àquelas
estratégias que visam contribuir para a manutenção da perspectiva única, mas em desequilibrá-la,
ao enformar novos conteúdos de verdade, em compor fragmentos desde o lócus desprivilegiado dos
oprimidos, lacunares. Aforisticamente, isso pode ser resumido em: “a nossa escrevivência não pode
ser lida como histórias ‘para ninar os da casa-grande’, e sim para incomodá-los em seus sonos
injustos” (Evaristo, 2020, p. 54).
A escrevivência, nesse sentido, possui o condão de trazer à tona as experiências e
perspectivas dos sujeitos silenciados, lacunares, que não tiveram suas narrativas incluídas na
montagem da história oficial (Evaristo, 2008), como testemunhamos com Carolina, vejamos:

Quando eu vou na cidade tenho a impressão que estou no paraizo. Acho sublime ver
aquelas mulheres e crianças tão bem vestidas. Tão diferentes da favela. As casas com seus
vasos de flores cores variadas. Aquelas paisagens há de encantar os olhos dos visitantes
de São Paulo, que ignoram que a cidade mais afamada America do Sul está enferma. Com
as suas ulceras. As favelas. (Jesus, 2014, p. 85)

Depois voltei e fiquei pensando em minha vida. O Brasil é predominado pelos brancos. Em
muitas coisas eles precisam dos pretos e os pretos precisam deles . . . Quando eu estava
preparando para fazer o jantar ouvi a voz da Juana que pediu-me alho. Dei-lhe 5 cabeças.
Depois fui fazer o jantar e não tinha sal. Ela deu-me um pouco. (Jesus, 2014, p. 115)

Esses excertos nos facilitam a compreender como “a vivência de nossa condição de pessoa
brasileira de origem africana, uma nacionalidade hifenizada, na qual me coloco e me pronuncio para
afirmar a minha origem de povos africanos e celebrar a minha ancestralidade” (Evaristo, 2020, p. 30),
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pode favorecer o exercício lacunar da escrita. Uma escrita que se faz comprometida com a lida diária,
com as experiências dedilhadas e experimentadas no cotidiano por aquelas que foram
positivamente esquecidas nas lacunas da vida social organizada.
Ainda, a escrevivência é meio para essa mulher se inserir no mundo das ideias, no saber
academicista, revestindo-se de possibilidade para se conceber teorias e pensamentos imbricados
nessa perspectiva. Uma possibilidade de se esquivar da autoridade epistemológica do modelo da
razão e criativamente fazer a sua autoinserção nos meandros acadêmicos do conhecimento. Nesse
jogo de afirmar e negar, a mulher negra que escrevive pode tomar o interior desse jogo e marcar o
passo de uma escrita “para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as
histórias mal escritas sobre mim, sobre você”, conforme registrado na carta que nos enviou Anzaldúa
(2000, p. 232). Isso a fim de introduzir rasuras e desocultar os saberes e práticas lacunares
submergidos pelo modo hegemônico de se conceber a gestão e de fazer pesquisas acadêmicas.
Como modo de conhecer, a escrevivência se faz imbricada na instância cotidiana da vida,
uma vez que a experiência vivida pelo narrador permeia a sua escrita, impedindo, assim, que essa
narrativa se constitua como um saber neutro e universal. É o que podemos verificar nas
escrevivências desenvolvidas por Carolina (2014), que estão intrinsecamente comprometidas com
seu lócus enunciativo de mulher negra, com a situação vivencial lacunar dos muitos que vivem às
margens sociais e dos rios. Porquanto, a escrevivência é uma forma de enunciação coletiva, pois as
histórias escrevividas, como desvelado pela autora, podem ter sido escritas por ela, por mim ou por
nós, devido ao fio condutor do contexto histórico-cultural do Brasil, que atribui sentidos de
inferioridades às mulheres negras. Em outras palavras:

escreviver é contar histórias absolutamente particulares, mas que remetem a outras


experiências coletivizadas, uma vez que se compreende existir um comum constituinte
entre autor/a e protagonista, quer seja por características compartilhadas através de
marcadores sociais, quer seja pela experiência vivenciada, ainda que de posições distintas.
(Soares & Machado, 2017, p. 206)

Nessa perspectiva, assumir as escrevivências como modo de produzir conhecimento é


também reconhecer que o saber não está dissociado de um corpo que sente e que se situa em
determinado lugar social. É, ainda, afastar-se da concepção universalista e neutra do pensar,
admitindo as influências sócio-históricas na produção desse saber, como condição para uma
pesquisa não hegemônica.
Não é uma escrita centrada no eu da pessoa que debulha as palavras no papel, mas a
decodificação de um lugar comum que proporciona a formação de uma enunciação coletiva, no ato
de desvelar experiências compartilhadas, teorias e práticas de conhecimentos que encorajam,
aquela ou aquele que faz de sua prática de escrita uma escrevivência, um trabalho intelectual. Isso
porque, como endereçado por Anzaldúa (2000), a “escrita é uma ferramenta para penetrar naquele
mistério, mas também nos protege, nos dá um distanciamento, nos ajuda a sobreviver. E aquelas
que não sobrevivem?” (p. 232).
Seguir esse viés e abordar as escrevivências como forma de produção de saberes é, também,
estabelecer:
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a new relation to language; one which might be called feminine, admits that ironically, at
the very place where I must offer a conclusion, all I can set out is another tentative
beginning; with no guarantee of what this small beginning will struggle to become. (Pullen,
2006, pp. 294-295)

Isso facilita a mitigação da gramática masculinizada dos estudos organizacionais, por


exemplo, configurada na objetividade de uma estrutura sintática, no estabelecimento de modelos
de sucesso. Experimentar narrar e constituir as nossas pesquisas científicas de maneiras mais fluidas
e criativas nos levaria a desprender da universalidade e objetividade dessa escrita masculina,
considerada como referência de rigor e validade para o saber que se quer científico (Steyaert, 2015).
Ademais, como afirmado por Pullen (2018), a escrita acadêmica por mulheres é o meio
utilizado por estas para desequilibrar a gramática homogênea e neoliberal da universidade,
sobretudo nos estudos organizacionais. Segundo a autora, deve haver “um radical envolvimento
com os corpos femininos e a sua relação com a escrita” (Pullen, 2018, p. 123), de modo que podemos
compreender aquilo que Evaristo (2020) nos exorta a fazer, de comprometer a vida com a escrita ou
a escrita com vida, pois uma não ocorre sem a outra, e vice-versa. É sobre isso que Pullen (2018) nos
leva a refletir quando ela assim se questiona:

. . . ainda estou perguntando se este é um lugar que é atribuído a mulheres e quais são as
condições de estar na comunidade de estudos organizacionais? Precisamos ser mais
subversivos, transgressivos? Corremos o risco de perder esse espaço a menos que a escrita
se torne ativismo, até que mudemos os sistemas regulatórios que atribuem esse lugar para
nós e nos responsabilizamos por nossa escrita? Esse ativismo começa falando sobre a
escrita e o lugar das mulheres nela. (p. 123)

Há uma dureza e silenciamento na gramática normativa da escrita científica, tendo em vista


que ela se desdobra em regras constituídas a partir do modelo ideal de man-ager de sucesso
(Mclaren & Mills, 2007; Steyaert, 2015). Como nos contou Pullen (2018), a norma nos estudos
organizacionais se insere no corpo masculino e em tudo aquilo que ele representa, de modo que a
mulher se constituiu como um desvio por excelência, o que exige uma correção, seja por meio de
recomendações de seus “pares” para ajustar a linguagem do texto, seja para ser mais objetiva em
suas pesquisas.
Os registros de Carolina Maria de Jesus podem nos auxiliar neste intento de mitigar as
estruturas epistemológicas em organização e desviar do saber-fazer masculinizado característico da
neutralidade, de modo que possamos identificar as suas lacunas. Já que a narrativa da autora revela
os efeitos do verbo organizar e de seu modo, a escravidão, que não são narrados quando o enfoque
da pesquisa se restringe às organizações instituídas ou até mesmo à gestão ordinária, pois o que a
autora narra se refere a uma “gestão” da sobrevivência, de fazer malabarismos com aquilo que
encontra nos lixos, com um e único objetivo: não morrer de fome! O cotidiano narrado pela autora
se insere numa instância aquém da ordinária, uma vez que para visualizá-la há a necessidade de se
fazer um ajuste interseccional na análise microscópica do organizar, tendo em vista que essa “gestão
da sobrevivência” se dá nas margens, dos rios e da sociedade. Na realidade, o ato de Carolina em,
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diante do vazio dos pratos seu e de seus filhos, recorrer ao lixo para encontrar a sua subsistência –
literalmente, já que há trechos em que ela relata ter comido e dado de comer a seus filhos os restos
de comidas encontrados no lixo –, ainda não tem nome. Não se sabe se isso se chama colonialidade,
escravatura ou invisibilidade.
Também comprometida com essa possibilidade de interpolar a pesquisa acadêmica com a
escrita literária, Biehl-Missal (2015) sugeriu que “arts-based forms can be seen as another
alternative to masculine academic writing, in particular arts-based methods as ‘feminine creation’
with an emphasis on female corpo-reality and experience in organizations” (p. 180). Utilizar métodos
próximos das artes, da produção do sensível, como uma postura de inserir-se e estar na academia e
resistir à concepção instrumentalista da razão, contribuindo, pois, na matização das fronteiras entre
as respectivas áreas acadêmicas.
Esse método pode fazer com que tanto pesquisador quanto leitor se aproximem um do outro
e também de um mundo (realidade) que não se assemelha ao seu. A literatura produz
deslocamentos e, por conseguinte, “pode evocar a nossa empatia, aprofundando, assim, um senso
de compaixão pelos semelhantes na mesma medida que amplia nosso senso de humanidade”
(Thexton, Prasad, & Mills, 2019, p. 85). Isso se mostra promissor no âmbito dos estudos
organizacionais, pois a literatura e as suas escrevivências contribuem para a ampliação e mitigação
de seus limites epistemológicos, bem como para a ampliação de seus paradigmas interpretativos
(Collins, 2019), além de favorecer a incursão de sujeitos e saberes lacunares pelos corredores
acadêmicos.
Nesse sentido, escreviver como uma mulher negra, criando e contando histórias – literárias
e científicas – assemelha-se ao ato de sobrevivência e resistência às múltiplas opressões
desenvolvidas pela colonialidade, que resultaram no silenciamento dessa mulher. É deixar que
nossos saberes tomem formas de palavras escritas, que brotam dessa fonte que são nossos corpos
femininos pretos. Como um ato de distração, contar histórias honestas (Barone, 1992), cujo enredo
descortina os silenciamentos e se mostra propício a “out to prick the consciences of readers by
inviting a reexamination of the values and interests undergirding certain discourses, practices, and
institutional arrangements found in today's schools” (Barone, 1992, p. 143). Sobre isso, Evaristo
(2019) explicou que:

quando falo de escrevivência, estou considerando uma escrita profundamente


comprometida com a vivência enquanto motivo de inspiração, de ficcionalização. É lógico
que nem tudo, nem metade do que escrevo é o que vivi. Essa autoria negra não precisa
desse sujeito da escrita para falar de nós, afro-brasileiros; que a gente tenha vivido na pele
a escravização dos africanos. Mas temos uma herança histórica. Os nossos avós, nossos
bisavós, essa comunidade afro-brasileira, a nossa história tem uma relação muito forte
com o processo de escravização e traz essa memória. Essa escrevivência está muito
relacionada com uma herança histórica que é recriada a partir das nossas histórias. É essa
vivência individual ou colectiva que se torna mote para uma escrita. (par. 4)

Imbuídas e imbuídos desse propósito de dar corpo às experiências, deve-se “desviar do
padrão, desrespeitar o critério de medida estabelecido e interiorizado como natural. É criar a
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novidade e promover o deslocamento” (Batalha, 2013, p. 117). E deslocar significa sair da superfície
e aprofundar-se pelos veios lacunares dos saberes, e rumar a uma constituição criativa do
conhecimento, que, no presente caso, torna-se possível e intenta realizar por meio das
escrevivências. Dessa maneira, as escrevivências, como modo de conhecer situado, se apresentam
como campo de possibilidades epistemológicas para os estudos organizacionais, tendo em vista que
faculta trazer para essa área acadêmica pensamentos e práticas não considerados enquanto tais pela
racionalidade mainstream dominante, e que se apresenta como alternativa propulsora do repensar
a gestão desde o lócus desprivilegiado da lacuna.
Assim, abrimos o “Quarto de Despejo” e encontramos outro modo de existência e de
organizar a vida diária, cuja narrativa enforma experiências fragmentadas e táticas cotidianas de
sobrevivências. O diário de Carolina retrata as experiências cotidianas de mulher negra, moradora
de uma favela da cidade de São Paulo, que sai às ruas todo dia para catar papel com o intuito de
obter o sustento familiar. Os registros cotidianos da autora, embora permeados pelas agruras de se
saber “despejada”, retratam os seus impulsos insurrecionais, a leitura e a escrita, modos de
expressão de sua potência e de vida. Escrever, nos cadernos também encontrados no lixo, se mostra
para Carolina como percurso possível para poder um dia sair daquela vida de despejada, como a
autora se refere à existência de uma favelada. Além disso, ela expressa o desejo de romper com essa
realidade por meio de sua escritura:

— Se eu pudesse mudar desta favela! Tenho a impressão que estou no inferno.


. . . Sentei ao sol para escrever. A filha da Silvia, uma menina de seis anos, passava e dizia:
— Está escrevendo, negra fidida!
. . . é que eu estou escrevendo um livro, para vendê-lo. Viso com esse dinheiro comprar
um terreno para eu sair da favela. (Jesus, 2014, pp. 26-27)

O “Quarto de Despejo” revela “uma imagem-síntese capaz de traduzir a sensação de viver


em um local onde as pessoas e o lixo se confundem” (Coronel, 2014, p. 272), como a própria autora
nomeia em alguns registros seus, de maneira que não importa a forma gráfica, o significante, se a
palavra é pessoa ou lixo, o seu significado é o mesmo. Ao percorrer as páginas do diário, depara-se
com os resíduos da história, as ruínas que teimam em sobreviver e se mostrar para a sala de visita
em toda a majestade de seus farrapos.
Ressalta-se que a agência do fazer científico de mulheres negras fora sistematicamente
negada com o fito de silenciar a sua voz e evitar qualquer manifestação insurgente ou até mesmo a
formação positivada de sua subjetividade. Essa mudez forjada perdurou ao longo dos anos, fazendo-
se presente nos tempos atuais na configuração epistemológica do saber e do não lugar da mulher
negra e de sua voz na academia brasileira. Reforçando-se a concepção histórica-social acerca da
mulher negra, como fora destacado por hooks (1995), que vem sendo considerada um ser pronto
para servir, sempre à disposição para atender os anseios daquele que exprime o padrão colonial de
poder e que ocupa o lócus privilegiado da razão.
Mitigando esse mordaz silenciamento, o movimento de Carolina em escrever as experiências
diárias possui um duplo aspecto: além de inseri-la num campo homogeneizado, desvela a
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perspectiva daqueles que foram esquartejados em suas subjetividades e destituídos do poder de


poder falar. Os registros de Carolina, sob a narrativa da “poeta do lixo” conta experiências ignoradas,
revelando a perspectiva de quem viveu na margem social e os efeitos de um modo de organizar que
o nega o pertencimento territorial (em toda carga semântica que esse termo possui: espaço,
linguagem, poder, existência) dessas pessoas ao território da sala de visita da vida social organizada,
sob a sua especificidade verbal de que eles não são sujeitos da oração chamada sociedade brasileira.

Quando puis a comida o João sorriu. Comeram e não aludiram a cor negra do feijão.
Porque negra é a nossa vida. Negro é tudo que nos rodeia . . . (Jesus, 2014, p. 43)
. . . Fiz o almoço, depois fui escrever. Estou nervosa. O mundo está tão insipido que eu
tenho vontade de morrer. Fiquei sentada no sol para aquecer. Com as agruras da vida
somos uns infelizes perambulando aqui neste mundo. Sentindo frio interior e exterior.
(Jesus, 2014, p. 179)

A narrativa calorosa de Carolina nos insere nesse frio também, pois ela escancara outro
contexto social e cultural que, a priori, não partilhamos. E, ainda, nos lança pelas ruelas esquecidas
do organizar, demonstrando haver práticas e saberes constituídos lacunares com os quais podemos
começar a refletir sobre uma outra forma de gestão e de seus modos de organizar baseados nas
práticas de sobrevivências daqueles que estão situados aquém da instância ordinária da vida social
organizada.
No registro do dia 13 de maio, data em que fora assinada a abolição da escravatura e,
portanto, data festiva, Carolina finaliza seu relato indicando a atualidade do modo de organizar
baseado em valores escravistas: “E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura
atual – a fome!” (Jesus, 2014, p. 32). Essa imagem acompanha o cotidiano registrado da autora, a
fome como fio condutor de seus passos em busca do alimento. A fome como sintoma da barbárie
vivida rotineiramente, uma vez que “a favela é o quintal onde jogam os lixos”, o que não se quer ver
transitando pela sala de visita (Jesus, 2014, p. 32).
Em seguida, Carolina se questiona: “levantei nervosa. Com vontade de morrer. Já que os
pobres estão mal colocados, para que viver?” (Jesus, 2014, p. 33). Podemos compreender que estar
mal colocado já seria a morte em vida para o pobre, com seu futuro incerto e regido pela miséria e
fome. Nesse sentido: “. . . eu estou começando a perder o interesse pela existencia. Começo a
revoltar. E a minha revolta é justa” (Jesus, 2014, p. 35). A revolta é legítima, Carolina, pois como não
haveria de ser, se mesmo com uma rotina extenuante, as panelas não permaneciam cheias e
quentes: “cheguei em casa, aliás no meu barracão, nervosa e exausta. Pensei na vida atribulada que
eu levo. Cato papel, lavo roupa para dois jovens, permaneço na rua o dia todo. E estou sempre em
falta” (Jesus, 2014, p. 12).
Essas passagens do diário demonstram haver uma clara consciência da autora de sua
condição social, que registra a perspectiva e experiência de uma verdadeira testemunha ocular: “. . .
nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos
marginais. Gente da favela é considerado marginais. Não mais se vê os corvos voando as margens
do rio, perto dos lixos. Os homens desempregados substituiram os corvos . . .” (Jesus, 2014, p. 54).
Isso ilustra como o modo de agir do organizar escravista, mesmo em sua nova roupagem, ainda
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produz assimetrias e classificações sociais, determinando e delimitando os espaços-tempos das


pessoas excluídas, destoadas de poder.
Ainda, a autora narra sobre os sentimentos de exclusão, de como vivencia a demarcação
racial dos espaços sociais, sendo alguns de acesso facilitado às pessoas negras e a outros não,
segundo esse organizar baseado em valores racistas: “quando estou na cidade tenho a impressão
que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim.
E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num
quarto de despejo” (Jesus, 2014, p. 37). Aqui, claramente, podemos perceber a formação contextual
da lacuna, que nos remete aos limites externos da sala de visita, a tudo aquilo que não orna e
compõe a imagem uniforme da superfície social de uma cidade grande brasileira. Nos dias atuais,
deparamo-nos com essas figuras lacunares nos semáforos e pelas ruas da cidade, carregando
algumas vezes uma pequena caixa nas mãos a nos perguntar: — Balinha, senhor? — Balinha,
senhora?
Igualmente, o olhar de Carolina é certeiro quanto às desigualdades produzidas pelas
diferenças raciais, o qual fora apurado pelas andanças da autora pelas ruas da cidade, no trabalho
de catar os descartados para auferir o sustento familiar: “depois voltei e fiquei pensando na minha
vida. O Brasil é predominado pelos brancos. Em muitas coisas eles precisam dos pretos e os pretos
precisam deles” (Jesus, 2014, p. 115). Além disso, ironicamente ela registra o esquecimento do
branco em torno do fim da escravatura:

Eu estava pagando o sapateiro e conversando com um preto que estava lendo um jornal.
Ele estava revoltado com um guarda civil que espancou um preto e amarrou numa arvore.
O guarda civil é branco. E há certos brancos que transforma preto em bode expiatorio.
Quem sabe se guarda civil ignora que já foi extinta a escravidão e ainda estamos no regime
da chibata? (Jesus, 2014, p. 108)

Além da fome, o ato de buscar água funciona como marcador da narrativa de Carolina. Em
muitos registros há o destaque para a fila da biqueira, as conversas das mulheres na fila, o fato de
ter de acordar de madrugada para buscar água para fazer café. A própria Carolina identifica a sua
ladainha da água: “vocês já sabem que eu vou carregar agua todos os dias. Agora vou modificar o
inicio da narrativa diurna, isto é, o que ocorreu comigo durante o dia” (Jesus, 2014, p. 125). E, assim,
ela nos conta sobre a falta de infraestrutura que experimentava em seu cotidiano: “a coisa que eu
tenho pavor é de entrar no quartinho onde durmo, porque é muito apertado. Para eu varrer o quarto
preciso desarmar a cama. Eu varro o quartinho de 15 em 15 dias” (Jesus, 2014, p. 130). Ela associa
essa ausência a sua existência, pois em sua casa se encontravam “as tabuas negras e podres. Pensei:
está igual a minha vida!” (Jesus, 2014, p. 175). Ainda nesse sentido, Carolina se define que enquanto
moradora da favela, era uma despejada:

. . . Eu cancei de escrever, adormeci. . . . Levantei de mau humor e fui atender. Era o senhor
Dario. Um senhor que eu fiquei conhecendo na eleição. Eu mandei o senhor Dario entrar.
Mas fiquei com vergonha. O vaso noturno estava cheio. …o senhor Dario ficou horrorizado
com a primitividade em que eu vivo. Ele olhava tudo com assombro. Mas ele deve
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aprender que a favela é o quarto de despejo de São Paulo. E que eu sou uma despejada.
(Jesus, 2014, p. 147)

Outra esfera que perpassa a narrativa diarística é a própria escrita do diário, incluído aí o
desejo da autora de se tornar escritora. Muitos são os registros em que ela senta sob ao sol pra
escrever, reservando um espaço de tempo à noite, pois era mais tranquilo, para sua escritura. No
entanto, em alguns fragmentos há a indicação de certa incredulidade da própria autora sobre a sua
capacidade de escrever o diário: “eu não sou indolente. Há tempos que eu pretendia fazer o meu
diario. Mas eu pensava que não tinha valor e achei que era perder tempo” (Jesus, 2014, p. 28); no
entanto, isso não durou muito, já que estamos percorrendo o “Quarto de despejo”. Não obstante,
Carolina se denominava poetisa, uma “poeta [que] enfrenta a morte quando vê o seu povo
oprimido” (Jesus, 2014, p. 39).
Essa mesma desconfiança era partilhada por seus vizinhos, conhecidos, ou por quem
soubesse que Carolina estava escrevendo seu diário: “quiz saber o que eu escrevia. Eu disse ser o
meu diario. – Nunca vi uma preta gostar tanto de livros como você”; “sentei ao sol para escrever. A
filha da Silvia, uma menina de seis anos, passava e dizia: — Está escrevendo, negra fidida!” (Jesus,
2014, p. 26). A escrita não era uma conduta normalizada naquele ambiente e para aquelas pessoas,
era, pois, sinônimo de outra figura, distinta da estampa da autora:

. . . Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: — É pena


você ser preta. Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rustico.
Eu até acho o cabelo de negro mais iducado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo
de preto onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento na
cabeça ele já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe reincarnações, eu quero voltar
sempre preta. (Jesus, 2014, p. 64)

O exercício de Carolina em registrar o seu cotidiano nos mostra como é possível gestacionar
na lacuna, criar a partir das experiências diárias de quem está fora dos limites epistemológicos da
razão. Nesse sentido situar-se na lacuna, saber-se um ser ou conhecimento lacunar e usar disso para
fazer emergir outras formas de saber-fazer. O que pode ocorrer a partir da invisibilização produzida,
o que não está dentro, e, portanto, partir-se do que está fora e não possui forma predeterminada,
a fim de compor uma narrativa comprometida com a realidade lacunar, como fez Carolina,
alertando-nos, inclusive, que “há de existir alguem que lendo o que escrevo dirá . . . isto é mentira!
Mas, as miserias são reais” (Jesus, 2014, p. 46).
Esse movimento de Carolina se coaduna com o defendido por Hooks (1995), de que “quando
o trabalho intelectual surge de uma preocupação com a mudança social e política radical, quando
esse trabalho é dirigido para as necessidades das pessoas, nos põe numa solidariedade e
comunidade maiores. Enaltece fundamentalmente a vida” (p. 478), justamente o exercido pela
autora em seu diário, ao asseverar enfaticamente que o país deveria ser governado por quem já
passou fome, pois somente assim conseguiria compreender a dor da fome (Jesus, 2014, p. 29).
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O diário de Carolina Maria de Jesus retrata a imagem dos excluídos da história, de uma
mulher negra que, sonhando em se tornar escritora, se insurgiu contra as dificuldades diárias e as
desigualdades sociais por meio da escrita altiva e realista, como ela mesma designou. Ademais,
quando se adentra no “Quarto de Despejo”, depara-se imediatamente com práticas de
sobrevivências, desenvolvidas no cotidiano da narradora que nos conta catar papel e ferro pelas ruas
para poder sobreviver, de ter de buscar água na bica para cozer, no lavar a roupa no rio, no entanto,
encontra-se também a negação da negação nos interstícios da labuta diária, no objetivo de vida, no
desejo de deixar a vida de despejada para trás, na grafia das experiências cotidianas da autora
(Medeiros, 2011).
Por fim, as escrevivências possibilitam a inserção de rasuras na gramática gerencialista que
vigora na área e a disputa por significados, mas, dessa vez, por sentidos que também reflitam a
realidade vivida por aqueles que outrora e, ainda hoje, permanecem invisíveis. Elas incentivam a
criação de narrativas e formas de saber desde o lócus lacunar desses desprivilegiados da razão,
demonstrando haver modos de existências e de organizar que podem contribuir para o
desenvolvimento de práticas de gestão comprometidas com essa instância cotidiana e com a lacuna.
A lacuna como espaço-tempo fértil para os estudos organizacionais que há muito se volta para a
superfície homogênea de saberes administrativistas.

Considerações finais: por uma gestão das e nas lacunas


O percurso que trilhamos até aqui não se coaduna com a forma conservadora de se fazer
pesquisa em estudos organizacionais, cujos parâmetros seguem “a privileged masculine style of
writing has been regarded as the primary acquisition of an academic education” (Pullen & Rhodes,
2015, p. 88), porém, isso não significa que o que viemos desenvolvendo por estas linhas não alça o
que se denomina saber científico. Ao contrário, enformamos uma pesquisa teórica comprometida
com as experiências e saberes lacunares, como os encontrados na literatura de Carolina Maria de
Jesus, da qual o fazer se tornou uma verdadeira práxis da própria pesquisa. Propomos repensar as
organizações e a sociedade por intermédio das escrevivências, sobretudo a partir das práticas
cotidianas e dos modos de organizar desenvolvidos por aqueles que não se encontram na esteira
homogeneizada da vida social organizada, cujo desfecho se efetua agora, na proposição teórica de
se pensar a produção de uma gestão das e nas lacunas.
A priori, pode parecer controvertido o uso do significante “gestão” para se referenciar ao
que estamos propondo como gestão da e na lacuna, tendo em vista o percurso teórico constituído,
durante o qual questionamos a existência de um modelo e padrão de sucesso, segundo a razão
instrumental vigente nessa área do saber. Contudo, é justamente em virtude da presença de
significados predeterminados sobre gestão, segundo critérios de neutralidade e universalidade, que
se desdobram no planejar, coordenar e controlar, que ajustamos as nossas lentes para visualizar os
saberes e os sujeitos suprimidos pela forma padrão de gerir (Carrieri, 2014). Os estudos
organizacionais possuem uma tradição do pensar e ela está baseada na racionalidade instrumental,
que possui no Norte Global o lócus privilegiado da razão, que delimita os limites da autoridade
epistêmica vigente na área.
O desafio aqui é atribuir o dístico de “gestão” às práticas, fazeres e saberes desenvolvidos
pelos sujeitos açambarcados pela razão hegemônica e burocrática, de modo que essas
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configurações também sejam consideradas como relevantes ao ponto de serem estudadas


cientificamente, tendo em vista a ideia construída de “uma gestão masculina, branca, e ainda
heterossexual”. É inegável, como testemunhamos com Carolina, que esses sujeitos desenvolvem
suas táticas de sobrevivências no limiar da vida social organizada, pois “no que se refere à questão
racial, a gestão, por exemplo, se estabelece como um não-lugar para os negros (mais ainda para as
mulheres negras, quando se coloca em conjunto as dimensões de gênero e raça)” (Carrieri, 2014,
pp. 34-35).
O “Quarto de despejo” nos auxiliou nessa empreitada de cavar sentidos outros sobre as
práticas cotidianas dos sujeitos lacunares, uma vez que Carolina (2014) registrou os efeitos do modo
de organizar constituído sobre bases escravistas, demonstrando haver uma forma de gerir a vida
não apreendida pelas lentes neutras do organizar padronizado. Diante disso, ao olharmos para o
que é normalizado e padronizado no âmbito dos estudos organizacionais, devemos considerar que
no seu anverso estão aqueles situados no limiar da autoridade epistêmica que exerce a agência
científica dos saberes, na lacuna do lócus enunciativo privilegiado, pois ali podem existir outros
saberes, fazeres e sujeitos que desenvolvem suas tipologias de saber-fazer cotidianos e que se
relacionam a outro modelo de gestão.
Outrossim, o uso da narrativa literária favorece a produção de uma pesquisa criativa,
esquivando-se da norma masculinizada, vigorante nas pesquisas em estudos organizacionais, e a
introjetar outros saberes, outras formas de tecer o conhecimento científico. A narrativa de Carolina
exemplifica essa proposição de fazer e saber desde a perspectiva lacunar, rasurando os sentidos
instituídos a fim de constituir significados informados por suas experiências. Modos de organizar
inspirados por esse ato insurrecional de os sujeitos lacunares produzirem suas narrativas,
escrevivências que nos contam de e sobre estilos de vida desenvolvidos por aqueles que foram
encobertos pelos escombros da narrativa convencional da gestão mainstream e por seu modelo
gerencial de sucesso.
Dessa maneira, a lacuna como fenômeno organizacional impõe o ajustamento de nossas
perspectivas, de modo que possamos identificar e “perceber a existência de saberes tácitos que
davam suporte a práticas que guardam semelhanças com as definições correntes e com as técnicas
disseminadas em torno do que se considera gestão” (Carrieri, 2014, p. 33). No contexto brasileiro,
o fenômeno da lacuna se verifica a partir de um esquecimento forçado das práticas cotidianas
desenvolvidas por aqueles que foram situados no lócus desprivilegiado da razão e na importação de
saberes e fazeres produzidos acima da Linha do Equador, na tentativa de se subsumir ao modelo de
sucesso.
Ademais, como produção histórica-social-epistemológica, a lacuna resulta da ingerência do
poder daqueles que assumiram para si o poder de dizer a verdade e o que é considerado verdade,
desde o exercício da racionalidade instrumental. Ressaltando que “as desigualdades históricas
relativas a gênero e raça que afetam as organizações e as vidas organizadas ganham destaque, já
que temos ainda uma sociedade desigualmente estruturada no que se refere a homens e mulheres,
e brancos e negros”, cujos modos de organizar escamoteiam as práticas e sujeitos lacunares para
instância suprimida e positivamente negada da sociedade (Carrieri, 2014, p. 34).
No entanto, o ato de criar escrevivências, de produzir conhecimentos informados pela
realidade cotidiana, se afigura como meio de rasurar essa produção lacunar e incutir sentidos outros
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de gestão, constituídos desde a própria perspectiva lacunar, um movimento de dentro mediante o


uso das mesmas ferramentas discursivas disponibilizadas por essa razão instrumental. O que, ainda,
auxilia a compreensão de como se dá “a gestão da sobrevivência”, dos fazeres diários daqueles que
com muito pouco produzem modos de existência e de resistência frente ao modus operandi
mainstream organizacional.
A gestão da lacuna se configura nos modos de organizar a vida, desenvolvidos pelas pessoas
lacunares, por aqueles sujeitos invisibilizados e desviantes da norma vigente, não obstante um
modo de organizar oficial segundo parâmetros instrumentais. Como Carolina registrou, a gestão da
lacuna pode se dar no uso de táticas cotidianas, no trilhar a cidade grande recolhendo recicláveis, a
fim de desviar da agudeza e escassez da vida que se apresentava a ela como um livro e suas páginas
pretas (Jesus, 2014, p. 167).
Além disso, podemos considerar que a gestão da lacuna ocorre quando um sujeito lacunar
se insere nas estruturas organizativas e insurge contra a alva homogeneização, seja no âmbito
profissional ou acadêmico, e ousa contar a história segundo a perspectiva lacuna. Não obstante
esteja inserido, esse sujeito não deixa de ser lacunar, como essa pesquisadora que tece essas
palavras e puxa o fio da presente pesquisa, e como tal, desenvolve suas táticas de sobrevivência
dentro do campo científico dominado pela racionalidade instrumental. Aqui, o foco é no sujeito que
age e cria suas práticas de sobrevivência.
Já a gestão na lacuna se refere às práticas desenvolvidas no lócus lacunar, na instância
ordinária do cotidiano. São os atos de gestão constituídos no bojo da vida diária de modo a garantir
a sobrevivência, seja ela literal, com a adoção de táticas cotidianas, como testemunhamos com
Carolina, que empreendia suas buscas diuturnas por material reciclável a fim de garantir o sustento
familiar; sejam as práticas adotadas por um gestor ou pesquisador lacunar, sabidamente lacunar,
que teima em ocupar um espaço, a priori, não destinado a ele, já que é constituído sob a ingerência
do modelo padronizado de sucesso para a área. Esse é um modo de organizar que se insere no
avesso daqueles modos instituídos pela gestão mainstream e até da ordinária, estabelecido nos
interstícios do organizar baseado em valores escravocratas.
A gestão na lacuna se refere aos atos e práticas desenvolvidos pelos sujeitos lacunares. Ato
ou efeito de resistir ao silenciamento imposto pela racionalidade instrumental, que aparta essas
pessoas do lócus privilegiado razão. Além disso, os fazeres relacionados à sobrevivência também
estão abarcados por essa perspectiva, como o comércio informal e precário de doces e balas nos
semáforos das grandes cidades, como testemunhamos ao longo do percurso para nossos trabalhos
formais e regulamentados.
Nesta esteira, as escrevivências se constituem em formas de narrar as práticas de gestão
desenvolvidas na e da lacuna, uma vez que são produzidas a partir das experiências daqueles que
estiveram e continuam situados do lado suprimido da racionalidade científica hegemônica. Uma via
de trazer à tona as práticas cotidianas da lacuna, rasurando os sentidos existentes de gestão. O que
permitiria um giro epistemológico dos estudos organizacionais para a perspectiva dos excluídos,
daqueles que nunca puderam narrar a história, pois estão localizados no avesso do lócus de
enunciação regente dos saberes em gestão. Realizar esse movimento proporcionaria o nosso
aprendizado com ele, inserindo-nos também nessa perspectiva lacunar, como ocorre ao ouvirmos
as escrevivências de Carolina.
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Considerando a lacuna como um esquecimento positivo, trabalhar com e na lacuna é


negativar essa positividade, para que o esquecimento não tenha mais forças em submergir os
saberes, pessoas, fazeres lacunares. Um movimento de força contrária, portanto, e como tal,
desafiador para quem se coloca diante do campo estruturado e homogêneo e ousa enxergar as
camadas abafadas e esquecidas pelo mesmo. Arriscar a enxergar o anverso/obverso do campo, o
que está fora a partir do que está dentro e, para isso, é imperioso deter-nos no conhecimento
histórico-social das sociedades e organizações, no intuito de identificar as silhuetas do negativo na
imagem revelada.
Conforme essa perspectiva, repensar as organizações e a sociedade desde as lacunas é
“estudiar al fenómeno organizacional y sus efectos societales así como los impactos societales sobre
la vida organizacional” (Szlechter et al., 2020, p. 89), mediante o ajuste da lente teórica para captar
o que se encontra nas entrelinhas da gramática dos estudos organizacionais. Sendo assim,
considerar que os fazeres e saberes lacunares e seus modos de organizar a vida são atos de gestão
descortina a multiplicidade existente no cotidiano, a potencialidade criadora desses sujeitos de
sobreviverem, inobstante os efeitos da colonialidade na vida social organizada.
E um meio de fazer isso acontecer é produzir nossas escrevivências, como asseverado por
Evaristo (2020), de modo a não deixar os da casa-grande dormirem seus sonos injustos, mitigando
essa homogeneidade de saberes e práticas organizacionais. Com isso, um dia, nos
desacostumaremos desse modus operandi que institui os limites de um único modelo de sucesso
para a administração, de maneira a criar outros especificadores do verbo organizar.

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Financiamento
Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.

Autoria
Fernanda Rocha da Silva
Doutoranda em Filosofia e Mestre em Administração, ambos pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Advogada.
E-mail: fernandarrochas@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2021-958X
Organizações & Sociedade, 2022, 29(101) 422

Alexandre de Pádua Carrieri


Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Titular da
UFMG.
E-mail: alexandre@face.ufmg.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8552-8717

Conflito de interesses
Os autores informam que não há conflito de interesses.

Contribuição dos autores


Primeira autora: concepção (líder), análise formal (líder), investigação (líder), metodologia (líder),
administração do projeto (líder), redação –rascunho original (líder), redação –revisão e edição
(líder).
Segundo autor: concepção (igual), análise formal (igual), investigação (apoio), metodologia (igual),
administração do projeto (igual), supervisão (líder), validação (líder), visualização (líder), redação –
rascunho original (apoio) redação –revisão e edição (apoio).

Verificação de plágio
A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante
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requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando
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A O&S é signatária do DORA (The Declaration on Research Assessment) e do COPE (Committee on Publication Ethics).

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