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LE A N DR O R A I Z E R
E
ste capítulo está estruturado em três partes, nas quais são abordadas as
principais contribuições de Durkheim, Weber e Marx para a compreensão
do fenômeno da organização e estratificação social. O objetivo é apresen-
tar elementos sintéticos acerca desse complexo e multifacetado processo, para que
o leitor possa dispor de um panorama geral que lhe permita acessar as teorias dos
autores clássicos da Sociologia.
Nas obras de sociólogos como Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx,
fundadores da Sociologia, encontra-se um conjunto rico de conceitos para a com-
preensão das diversas dimensões implicadas no fenômeno da estratificação. Entre
esses conceitos destacam-se: tipos de solidariedade, classes sociais, estamentos,
grupos de interesse, lutas e conflitos. Cabe, pois, analisar mais detalhadamente a
maneira como cada um desses autores interpretava a estratificação social.
Deve-se de antemão destacar que as visões desses autores são, por diversas
vezes, contraditórias e até mesmo antagônicas. A despeito disso, o objetivo deste
texto não é o de discutir qual teoria possuiria maior ou menor validade e relevân-
cia para o entendimento do fenômeno da estratificação nas sociedades contempo-
râneas, mas sobretudo apresentar a forma como cada um desses autores entende
o fenômeno e as suas variáveis determinantes, com o objetivo de construir um
mosaico teórico que permita a análise desse fenômeno por diversos e distintos
ângulos.
Com tal objetivo, o texto apresenta uma síntese das visões de Durkheim, We-
ber e Marx sobre a estratificação social.
[...] os indivíduos são agrupados não mais segundo suas relações de des-
cendência, mas segundo a natureza particular da atividade social a que
estão consagrados. Seu meio natural e necessário não é mais o nativo, e
sim o profissional. Não é mais consanguinidade, real ou fictícia, que marca
o lugar de cada um, mas a função que ele preenche. (DURKHEIM, 1995,
p. 35)
1Solidariedade mecânica: coesão por semelhança (por compartilhar as mesmas crenças e normas);
solidariedade orgânica: por interdependência – o consenso se exprime pela diferenciação, indivíduos
heterogêneos que exercem funções complementares como se fossem órgãos de um corpo harmônico
(DURKHEIM, 1995; RODRIGUES, 2004).
O processo de estratificação social nas sociedades modernas 53
É interessante notar que a divisão social do trabalho era concebida por Durkheim
como um fenômeno altamente positivo, e que aumentaria as relações de depen-
dência e cooperação entre os grupos sociais e os indivíduos. Assim, segundo ele,
a divisão do trabalho cria um tipo especifico de solidariedade social, denominada
orgânica. Essa solidariedade se assenta precisamente sobre as diferenças individuais
e gera uma complementaridade funcional entre as diferentes partes da sociedade.
Além disso, segundo Durkheim, a diferenciação social é a condição criadora
da individualidade e da liberdade. No entanto, o crescente individualismo das
sociedades modernas não era visto por Durkheim apenas de modo negativo (ao
contrário da visão de boa parte da tradição francesa); Durkheim entendia que
o fenômeno impunha também um difícil problema: como manter o mínimo de
consciência coletiva, sob pena de a solidariedade orgânica não funcionar e provo-
car a desintegração social.
Devido a isso, a relação indivíduo-coletividade torna-se bastante problemática
nas sociedades industrializadas, de tal sorte que a organização de grupos profis-
sionais que fortaleçam a integração dos indivíduos na coletividade impõe-se como
solução para o fortalecimento da coesão social – sem a qual a sociedade estaria
fadada à desestruturação moral.
Ademais, encontra-se em Durkheim uma tentativa de eliminar o conflito de
classes, entendida como sendo um elemento prejudicial para a coesão social, assim
como a anomia, derivada da desregulamentação das atividades econômicas cada
vez mais especializadas. Assim, tanto o corporativismo como o cooperativismo e a
participação nos lucros seriam uma boa saída para esse problema, além da neces-
sidade de uma reforma da regulação moral e jurídica.
Em síntese, pode-se concluir que a industrialização entendida como fruto da
divisão social do trabalho – um tipo de atividade que assume cada vez mais im-
portância em nossa sociedade – e a posição que os indivíduos ocupam nos distintos
grupos de ocupação e como esses indivíduos se relacionam (de maneira comple-
mentar ou antagônica) acaba por influenciar tanto o grau de solidariedade social
quanto a estratificação da sociedade. Assim, “[...] virá um dia em que toda nossa
organização social e política terá uma base exclusiva ou quase exclusivamente pro-
fissional” (DURKHEIM, 1995, p. 45). Por isso, argumenta Durkheim, a divisão do
trabalho não pode ficar desregulada, pois poderá levar à anomia, e ao consequente
enfraquecimento dos laços sociais de solidariedade.
Por fim, tal perspectiva encara a estratificação social nas sociedades modernas
como fruto de um amplo processo de aprofundamento da divisão e especialização
54 SOCIOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO
O homem não luta pelo poder apenas com o fim de enriquecer economi-
camente. O poder, inclusive o poder econômico, pode ser valorado por si
mesmo. Frequentemente a luta pelo poder é também condicionada pela
honra social que traz consigo. Nem todo poder, entretanto, tem como
consequência a honra social [...]. A ordem econômica é para nós apenas a
forma pela qual os bens e serviços econômicos são distribuídos e utiliza-
dos. A ordem social é, obviamente, condicionada em alto grau pela ordem
econômica, e por sua vez reage a ela. Assim, classes, grupos de status e par-
tidos são fenômenos de distribuição de poder dentro de uma comunidade.
(GERTH & MILLS, 1982, p. 211)
O status [...] é uma qualidade de honra social (ou a sua falta) e é essencial-
mente condicionado e expresso através de um estilo de vida específico. A
honra social pode aderir diretamente a uma situação de classe, e, na maior
parte das vezes, sem dúvida, também é determinada pela situação média
de classe dos membros do grupo de status. [...] Um grupo de status pode
ser fechado (status por descendência) ou aberto. [...] Uma casta é sem
dúvida um grupo de status fechado. (WEBER, 1958, p. 147)
não só o tipo de ocupação, mas o tipo de relações e ações que serão permitidas ou
vedadas, assim como acesso ao poder e status.
Também se encontra na obra de Weber o conceito de grupos de interesse. Esse
conceito ganha relevância, já que o pertencimento a um grupo social está ligado a
certo tipo de conduta e interesse, com sentido específico com relação a sua esfera
de atuação, desenvolvida pelos indivíduos.
Assim, pode-se identificar um grupo de interesse político como um partido,
quando seus membros agem com base em certos meios e valores comuns com-
partilhados para alcançar os fins desejados. Em outras palavras, para Weber não
há uma predeterminação da ação através de uma posição ocupada por um grupo
social na esfera produtiva. Acima de tudo, deve haver uma conduta específica e
um sentido atribuído subjetivamente à ação e compartilhado pelo indivíduo e pelo
grupo no qual está insere (GERTH & MILLS, 1982).
Destarte, o partilhamento de uma mesma situação de classe, ou seja, quando
um grupo de indivíduos detém probabilidades semelhantes de acesso a bens e
oportunidades no mercado não garante necessariamente a ação coesa de um grupo
seja pela ação comunal (na qual predominam interesses afetivos ou tradicionais
ligados ao pertencimento a uma comunidade), seja pela ação societária (que im-
plica a unidade de interesses e objetivos racionais).
Assim, na perspectiva weberiana, ao contrário da durkheimiana e da marxista,
apenas teremos a configuração efetiva de uma ação social na medida em que ocor-
re o compartilhamento de sentido, que passa a orientar de modo intersubjetivo
a ação de um grupo, classe ou estamento. Em outras palavras, apenas o pertenci-
mento ao mesmo grupo laboral ou a uma mesma classe social não assegura as con-
dições para a ação ou mobilização dos grupos sociais (GERTH & MILLS, 1982).
Nessa direção, pode-se concluir que a visão de Weber sobre o fenômeno da
estratificação social abarca um conjunto de elementos que não possuem, neces-
sariamente, uma ligação causal ou determinística entre si ou em relação a fenô-
menos sociais mais amplos, como a economia ou a religião. A visão de Weber
sobre a organização das sociedades enfatiza a existência de um amplo conjunto de
dimensões – valores; status, códigos de honra e conduta, éthos de grupo, interes-
ses, etnia – que conformam sociedades e grupos sociais marcados pela luta pela
legitimidade e pelo estabelecimento de sentidos compartilhados específicos, que
norteiam a ação social dos indivíduos.
Tal visão leva Weber a estabelecer uma diferenciação entre esferas específicas,
cada qual com lógicas e dinâmicas singulares de funcionamento:
O processo de estratificação social nas sociedades modernas 57
indústria, desce sempre mais e mais, abaixo mesmo das condições de vida
da sua própria classe. O trabalhador cai na miséria, e o pauperismo cresce
ainda mais rapidamente do que a produção e a riqueza (1997, p. 15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
M A R C E L O MI L A N O F A L C ÃO VIEIRA
D A N I E L DA S I L V A L A C E R DA