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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
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Conceitos Sociológicos
UNIDADE 2
2
CONCEITOS SOCIOLÓGICOS
INTRODUÇÃO
Nesta unidade, vamos conhecer a relação entre os fundamentos sociológicos e a Socio-
logia da Educação por meio de alguns conceitos e instituições sociais que caracterizam
a sociedade e suas relações com a educação.
Vimos que as sociedades são o objeto de análise da Sociologia, mas, o que é uma
sociedade? Para Durkheim (2013, p. 58), a sociedade é onde a vida humana aconte-
ce, pois “[...] o homem só é homem porque vive em sociedade”, ou seja, a sociedade
molda os indivíduos, transformando-os no que há de “propriamente humanos”. Posto
de outro modo, “[f]oi a sociedade que instituiu em nossas consciências todo o sistema
de representação que alimenta em nós a ideia e o sentimento de regra e da disciplina,
tanto internas quanto externas”. (DURKHEIM, 2013, p. 58)
A sociedade moderna, com isso, é formada por uma rede complexa de grupos humanos
e de instituições sociais que interagem sistematicamente, evidenciando as formas e
condições das relações humanas. Se a pessoa humana é um ser social, mas que vive
em sociedade a partir de certas exigências e condições, uma das consequências dessa
condição humana é a existência das instituições. Por trás das instituições, estão as
necessidades sociais dos indivíduos.
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Não obstante, as instituições surgem da própria convivência humana. A fun-
dação de uma instituição pressupõe a existência da instituição que se funda.
A convivência humana só é possível através de uma constante do processo 2
de institucionalização. A convivência humana produz a institucionalização
como uma necessidade que se impõe de maneira não intencional ou indi-
IMPORTANTE
Estados Modernos: O exercício das armas e da justiça são dois exemplos que Mandel
usa para diferenciar as sociedades primitivas dos Estados modernos. Se nas sociedades
primitivas todos podiam se armar e o exercício da justiça pertencia à coletividade (ainda que
houvesse homens destacados para isso), na Modernidade cabe ao Estado desempenhar
essas funções. Apenas uma minoria, em nome do Estado, pode administrar a defesa social
e a justiça (MANDEL, 2008, p. 12).
Sociologia da Educação 37
Conceitos Sociológicos
Esse período foi marcado pelo questionamento da legitimidade do poder dos monarcas,
ganhando força, sobretudo, com o fortalecimento econômico da burguesia contra o ab-
solutismo monárquico e das leis (principalmente econômicas) que regem os Estados e
sociedades modernas.
SAIBA MAIS
O Estado de Natureza é um conceito ideal que permite pensar teoricamente as transforma-
ções que a sociedade passa na constituição da estrutura de poder que tem hoje.
É perceptível que os teóricos estavam impactados pelas notícias que chegavam da América,
o novo continente, e a maneira como os povos americanos viviam.
Essas teorias têm pressupostos antropológicos: se, por um lado, Hobbes e Locke tinham uma
visão negativa do ser humano em estado de natureza (guerra de todos contra todos ou lobo do
próprio homem), Rousseau, por outro lado, expressou uma visão positiva, afirmando o valor do
ser humano antes da sociedade moderna (o homem é bom, a sociedade o corrompe).
IMPORTANTE
As teorias contratualistas se apoiam em elementos da Modernidade, destacando-se o aspecto
racional da burocracia estatal e, na distinção das esferas da vida, apontam a origem não religiosa
(laica) do poder. É o indivíduo que dá o consentimento para a instauração do pacto que funda o
poder legítimo. O Estado decorre do contrato social firmado entre os indivíduos da sociedade.
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Thomas Hobbes (1588 - 1679): Figura 01. Thomas Hobbes
matemático e filósofo inglês, influenciado
Fonte: 123RF.
por Maquiavel, Aristóteles e Platão escre- 2
veu sobre a natureza humana, reafirman-
Sociologia da Educação 39
Conceitos Sociológicos
não aceitam o estado civil é aceitável, assim, o ser humano sob o contrato social tem
direitos fundamentais previstos. Com essa teoria, Locke apresentou uma maneira de
2 proteger os direitos de propriedade da burguesia.
GLOSSÁRIO
Liberalismo: teoria econômica que surgiu no século XVII caracterizada pela defesa do Esta-
do laico e não intervencionista. Defendia que as monarquias e o Estado não podiam interferir
na vida pessoal e econômica. Por isso defendia a criação de instituições que fossem repre-
sentativas dos liberais, como o caso do poder político parlamentar. Além disso, os liberais
eram defensores do princípio da legalidade, cuja ação política, direitos e liberdades individu-
ais devem estar em normas legais. Mas, o pensamento liberal é individualista e representa
uma determinada classe social.
Fonte: 123RF.
se do pensamento humano, do Estado e
dos direitos. Rousseau foi um dos mais
importantes pensadores e autor da obra
O Contrato Social (1762), representan-
do o iluminismo, bem como elementos
do romantismo. Rousseau defendia que
o ser humano é bom, mas a sociedade o
corrompe. Ele contesta a ideia de repre-
sentação política, afirmando que cada um
representa a si próprio, então, as leis de-
vem ser elaboradas e passar pela aprova-
ção da população, criando precedentes do
modelo de democracia direta moderna.
PARA REFLETIR
Em homenagem aos 300 anos do nascimento de Rousseau, a Agência da ONU para
Refugiados – ACNUR elaborou uma pequena publicação que relaciona as ideias desse pen-
sador à luta pelos direitos humanos:
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“[...] a insistência de Rousseau na liberdade fundamental dos seres humanos em seu “estado
natural” contribuiu para a noção moderna de que indivíduos têm direitos inalienáveis, indepen- 2
dentemente do seu lugar na sociedade. Esta noção é claramente refletida nos documentos do
século 20, como a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
A noção de Estado, nesse sentido, é ambivalente e marcada por dois polos por vezes
contraditórios: a regulação e a emancipação social. O contrato social, conforme analisa
Santos (2010, p. 318), possui três características principais:
Sociologia da Educação 41
Conceitos Sociológicos
PARA REFLETIR
2 De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro constitui-se em um Esta-
do Democrático de Direito:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:
I. A soberania;
II. A cidadania;
V. O pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
I. Legitimidade da governança;
III. Segurança;
Para que o contrato social dê certo e garanta o bem-estar da população, esses quatro
bens deveriam ser conquistados juntos, visando uma sociedade mais justa, no entanto,
as condições concretas em que eles tentaram ser realizados “[...] desdobrou-se numa
vasta constelação de lutas sociais” (SANTOS, 2010, p. 321), marcadas pela exclusão
de parte da população.
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caráter colonialista da modernidade ocidental e a socialização da economia que se deu às
custas da dessocialização da natureza e dos grupos sociais excluídos economicamente.
2
Atento às características de inclusão e exclusão que organizam o contrato social na
Focaliza o atendi-
Precariza ainda mento público
mais políticas
sociais na “administração
à pobreza”
Sociologia da Educação 43
Conceitos Sociológicos
Ernest Mandel desenvolve uma crítica ao Estado moderno afirmando que ele é produto
da divisão social do trabalho e sua principal característica que o diferencia da comuni-
2 dade é que “[...] o exercício de certas funções da comunidade como um todo passa a
ser prerrogativa exclusiva de uma pequena fração dos membros dessa comunidade”
(MANDEL, 2008, p. 9). Por isso, mesmo em sociedades democráticas, onde há alter-
nância de governantes, os quais são escolhidos pelo sufrágio universal, a população
em geral não participa das decisões reais na sociedade.
O Estado é, acima de tudo, um conjunto de instituições permanentes:
o exercício (efetivo e de reserva), a polícia geral, a polícia especial, a
polícia secreta, os altos administradores nos departamentos governa-
mentais, (os serventuários-chave dos serviços, os corpos de segurança
nacional, os juízes etc.) – todos quantos estão livres da influência do
sufrágio universal. (MANDEL, 2008, p. 16)
O que podemos avaliar com as considerações propostas por Mandel é que o poder é
uma questão fundamental nos Estados modernos e que, mesmo nos Estados Demo-
cráticos, o poder das decisões políticas é limitado a alguns grupos (ou classes) sociais,
excluindo politicamente parte da população, a qual consequentemente também é afas-
tada das garantias econômicas e sociais do Estado.
Precisamos considerar que a educação, como veremos, é um termo amplo voltado para
a socialização das pessoas, podendo acontecer no seio da família ou da comunidade
paralelamente (sobretudo na contemporaneidade) àquela que acontece na instituição
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escolar. Então, quando abordamos sobre a educação no Estado, estamos nos referindo
à educação que acontece sistematicamente institucionalizada na sociedade.
2
Nesse sentido, o Estado moderno é responsável por organizar as instituições sociais,
EXEMPLO
Os sistemas educativos variam de acordo com a organização da sociedade da época. Assim,
se considerarmos o Estado brasileiro, podemos afirmar que nem sempre existiu escola e/ou
educação pública; que nem sempre as mulheres podiam frequentar escolas ou universida-
des; que os escravos não podiam se educar; que a educação pública não era acessada por
todos; que não havia obrigatoriedade da educação e que a universalização foi ocorrendo por
etapas etc., até termos uma educação como dever do Estado, inclusive, universal, na qual
todos têm acesso, ao menos em tese.
Vale destacarmos, aqui, dois elementos dos sistemas educativos: o caráter público e o
caráter privado. Em uma perspectiva, abordar sobre o caráter público da educação sig-
nifica reconhecer o interesse social da educação de todos os cidadãos, isto é, o processo
educativo é socialmente relevante e não reduzido a um interesse do âmbito da vida privada.
É a partir dessa primeira perspectiva que podemos pensar a oferta da educação por
diferentes esferas. Historicamente, a educação não era direito de todos, por isso, aces-
sá-la estava limitada à esfera privada, daqueles que tinham condições de pagar profes-
sores particulares para seus filhos. Com as lutas por inclusão e cidadania para todos,
a educação passa a ser considerada não só um direito do cidadão, mas um dever do
Estado. Nos dias de hoje, a universalização da educação como um bem público leva a
sua oferta gratuita por meio das escolas.
No Brasil, a educação como direito de todos e dever do Estado está prevista na Cons-
tituição Federal de 1988, que se constitui como a principal norma do Estado brasileiro,
sob a qual todas as outras leis devem submeter-se. A educação brasileira, institucionali-
zada pelo Estado brasileiro, é formada pelo sistema de ensino público e pelo sistema de
ensino privado, que funcionam concomitantemente, exercendo a função de educação
escolar no território nacional.
Sociologia da Educação 45
Conceitos Sociológicos
administrado pelo poder público, mas sim por particulares que são proprietários da institui-
ção escolar, prestando serviços educacionais mediante pagamento em vista de lucro.
2
Há inúmeros debates acadêmicos e teóricos sobre as contradições entre o ensino pú-
blico e privado. Tal como analisou a socióloga e professora Maria Francisca Pinheiro
(1996, p. 258),
[n]o Brasil, após a década de 30, concomitante ao processo de intervenção
do Estado na esfera econômica, como principal agente do desenvolvimento,
ocorreu uma tendência de privatização da esfera pública. Mas o processo de
interpenetração entre essas esferas caracterizou-se por um duplo prejuízo
da esfera pública, pois tanto a intervenção do Estado na área econômica,
quanto do setor privado na esfera pública favoreceram primordialmente inte-
resses privados e não públicos.
IMPORTANTE
Ideologia é um termo polissêmico, ou seja, as pessoas, mesmo na universidade, utilizam
o termo com vários sentidos diferentes. Essa diversidade de sentidos torna difícil a precisa
identificação e conceituação da palavra. Por isso, é importante prestar atenção ao significado
do conceito no contexto geral em que o termo aparece em um argumento ou texto acadêmico.
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Napoleão, em contrapartida, fez uso dessa palavra de maneira negativa, visando atri-
buir uma conotação pejorativa ao movimento de Destutt de Tracy, alegando que era um
grupo de teóricos afastados da realidade. Nesse sentido, Napoleão conferiu ao termo 2
“ideologia” não o valor de um estudo científico da formação das ideias, mas a concep-
Posto isso, podemos exprimir que o sentido do termo ideologia já surge em uma disputa
de caráter social e político naquele momento histórico. É no trabalho de Karl Marx que
o conceito irá readquirir importância na análise da sociedade.
IMPORTANTE
Na obra A Ideologia Alemã (1846), Marx designa com o conceito de ideologia o conjunto de
representações e ideias e, ao mesmo tempo, uma imagem invertida das relações sociais.
Essas representações sociais, como a moral, a religião, as doutrinas políticas e filosóficas,
constituiriam uma “superestrutura ideológica”, relacionada às relações sociais existentes e às
respectivas classes sociais.
Ideologia não seria uma simples mentira ou engano, mas representações articuladas
com certa coerência que, apesar de não corresponder exatamente à verdade, permi-
tem a integração dos membros da sociedade e a justificativa de seu modo de viver. Em
geral, o uso de ideologia como categoria crítica expressa o processo pelo qual, sob o
sistema social capitalista, um conjunto de representações jurídicas, morais e políticas
apresentam-se como a mais correta explicação da realidade.
Sociologia da Educação 47
Conceitos Sociológicos
SAIBA MAIS
Veja o seguinte trecho, em que Allan Coelho discute a promessa de realização pessoal pelo
consumo de bens e mercadorias, associada à frustração que boa parte dos trabalhadores
experimenta na realidade da vida:
“Não apenas a linguagem religiosa está presente nos discursos políticos e econômicos, como
nas políticas de Austeridade, mas no próprio funcionamento do seu modo de produção que
na mercadoria oculta o sofrimento e a exploração do trabalhador, gerando um enfeitiçado
mundo do consumo através do qual as pessoas são julgadas e desafiadas a se realizarem
enquanto pessoas. Um desafio de morte e de desespero, em que todos (sempre mais os
pobres) submetem-se a uma dinâmica de trabalho como valor em si que mobiliza para o
consumo, sendo a culpa de sua insatisfação, frustração ou exclusão do mercado sua exclu-
siva responsabilidade”. (COELHO, 2021, p. 269, grifos nossos)
Fonte: COELHO, Allan da Silva. Capitalismo como Religião: Walter Benjamim e os Teólo-
gos da Libertação. São Paulo: Recriar, 2021.
Nos escritos de Lênin, a categoria da ideologia perde seu aspecto negativo, passando
a designar um posicionamento político articulado. Dessa forma, será comum no movi-
mento comunista o uso de expressões como “trabalho ideológico”, “ideologia proletária”
e “compromisso ideológico”. À vista disso, teríamos tipos diferentes de ideologias. A
conclusão é que haveria uma ideologia proletária de um lado e uma ideologia burguesa
de outro, cada qual vinculada aos interesses de sua classe social.
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O sociólogo alemão Karl Mannheim proporá utilizar o conceito, neste contexto, em
forma de contraposição entre sistemas de representações mentais. Trata-se de uma
tentativa sociológica de estudar os usos e as características sociais das ideologias e 2
definir seu sentido mais preciso. Esse estudo constitui a famosa obra Ideologia e Utopia
Por outro lado, a utopia seria o tipo em que o conjunto de representações, ideias e
teorias aspiram a um outro tipo de realidade, diferente da que temos hoje, a ser ges-
tada pela transformação de algum aspecto da sociedade que existe. Com isso, a utopia
é o tipo de pensamento que orienta para a ruptura, para a transformação da sociedade.
A utopia tem uma dimensão crítica, pois percebe a necessidade de transformar parcial ou
totalmente a sociedade. Nesse sentido, a utopia pode ser reformista ou revolucionária. Ao
passo que a ideologia é, então, o tipo de pensamento articulado que visa a manutenção
da ordem e a utopia é o pensamento que propõe a subversão e a transformação.
IMPORTANTE
Visão social de mundo: é todo conjunto estruturado de valores, ideias e orientações cognitivas
unificadas por uma determinada perspectiva, seja um ponto de vista social ou uma classe.
De maneira sintética, as visões sociais de mundo podem ser de dois tipos: visões ideológi-
cas, quando servem para legitimar, conservar ou justificar a ordem social vigente e, ainda,
podem ser visões utópicas, no sentido de aspirarem a um mundo que ainda não existe,
uma transformação necessária na sociedade, uma tarefa crítica, subversiva, esperançosa.
Sociologia da Educação 49
Conceitos Sociológicos
EXEMPLO
A visão social de mundo burguesa, no contexto da Revolução Francesa, é uma concepção
utópica, que pretende transformar radicalmente a sociedade. Anos depois, quando a burguesia
se torna classe dominante e o capitalismo está consolidado frente às lutas dos trabalhadores,
a visão social de mundo burguesa se torna ideológica, isto é, conservadora e pretende manter
o estado das coisas como já está.
PENSAMENTO CONSERVADOR
Na tradição, próprio de
Nas ideias de manuten-
Na ordem garantindo a fazer os mesmos hábitos
ção do que está posto
regra, a lei como forma de e valorizar a cultura dos
na moral ou seguindo os
controle social antepassados, denominan-
costumes da localidade
do-se “bons costumes”
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CURIOSIDADES
O conceito de “conservador” foi usado contra o movimento Iluminista, indicando a reconstru- 2
ção da cidade francesa de Bourbon, em plena Revolução Francesa.
O filósofo conservador inglês Edmund Burke (2014, p. 30) realiza sua crítica conserva-
dora à ideia de progresso. Para o autor, as diferentes modificações na sociedade con-
duziram a humanidade ao esvaziamento cultural e social, levando à falta de referência.
Dessa maneira, as culturas e organizações da sociedade em vigência não deveriam
ser alteradas, mas respeitadas e mantidas como estão, visando a preservação da tra-
dição e do legado construído. Os projetos progressistas, ao valorizarem a novidade e
a criatividade, conduziriam a instabilidade social. De certa forma, o mundo chamado
pós-moderno seria marcado pela fluidez apontada.
Entre os autores da visão de mundo utópica, Walter Benjamin é um dos que contestam
a noção de progresso como necessariamente positivo. Em sua Tese IX em Sobre o
Conceito de História, ele descreve a imagem do anjo do progresso, que é arremes-
sado em direção ao futuro, deixando para trás o escombro e a destruição. A crítica de
Benjamin não defende a conservação da sociedade, mas ele apela para uma mudança
radical, sabendo que é preciso, inclusive, criticar a própria noção de progresso histórico
a partir das vítimas da sociedade de cada época, como um ponto de discernimento.
Sociologia da Educação 51
Conceitos Sociológicos
Por sua vez, a escola é a instituição em que a educação formal acontece no modelo de
formação da Modernidade. Se a educação sob o aspecto geral é um conceito amplo de
um processo de formação humana que aumenta sua importância na história, a escola é
uma instituição social que surge, também por necessidade organizativa da sociedade,
como espaço onde a educação acontece coletivamente.
3.1 EDUCAÇÃO
Para refletirmos sobre esses conceitos, recorremos a Durkheim, que propôs uma de-
finição de educação, bem como sua natureza e seu papel, a partir do pensamento
sociológico em sua obra Educação e Sociologia, publicada pela primeira vez em 1922.
A palavra “educação”, de acordo com Durkheim (2013, p. 45), já foi usada em sentido
bem amplo para “[...] designar o conjunto das influências que a natureza ou os outros
homens possam exercer sobre a nossa inteligência ou vontade”, possibilitando incorpo-
rar até mesmo efeitos indiretos no caráter e nas faculdades das pessoas. Para garantir
maior especificidade ao sentido que o autor quer empregar ao conceito de educação,
ele diferencia a ação das coisas sobre as pessoas, com a ação das pessoas sobre elas
próprias e, entre essas, aquelas que acontecem entre as diferentes faixas etárias.
Para Durkheim, a educação como formação do sujeito social é aquela feita pelas gera-
ções mais velhas em relação às mais jovens. Para tanto, são necessários, sob a pers-
pectiva durkheimiana certos critérios para propor a definição e natureza da educação,
tal como representado na Figura a seguir.
52
Figura 07. Educação: critérios
gerações adultas e
jovens que se
encontram face
a face.
estabelecer uma
comunhão de
de um duplo caráter,
ideias e senti-
singular e múltiplo.
mentos entre os
cidadãos.
EDUCAÇÃO
necessita:
de um ideal de homem
da observação da
que cada sociedade
diversidade
elabora e que servirá
da população.
como foco da educação
Esses critérios servem de elementos para o autor propor a seguinte definição de edu-
cação como
[...] a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não es-
tão maduras para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver
na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos
tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual
ela está destinada em particular. (DURKHEIM, 2013, p. 54, grifo do autor)
Sociologia da Educação 53
Conceitos Sociológicos
IMPORTANTE
2 “A educação não é, porém, a simples transmissão da herança, dos antepassados, mas o
processo pelo qual também se torna possível a gestação do novo e a ruptura com o velho.
Evidentemente, isso ocorre de maneira variável, conforme sejam as sociedades estáveis ou
dinâmicas” (ARANHA, 2006, p. 50).
Há, em vista disso, uma via de mão dupla entre educação e sociedade, já que ambas
se articulam. A sociedade tem na educação um meio pelo qual se imprime na pessoa o
“jeito de ser” do ser social, mas a ação e o objetivo que definem o “jeito de ser”, a edu-
cação, depende da sociedade para indicá-lo. No mesmo sentido encontra-se o Estado,
“[...] uma vez que a educação é uma função essencialmente social, o Estado não pode
se desinteressar por ela. Pelo contrário, tudo o que é educação deve ser em certa me-
dida, submetido à sua ação”. (DURKHEIM, 2013, p. 63)
Como sabemos, Durkheim, influenciado pela teoria positivista, defendeu que a sociolo-
gia deveria ser neutra, na qual a observação dos fenômenos sociais deveria estar livre
de quaisquer preceitos, prenoções e julgamento de valores. Da mesma forma, ele pen-
sa a educação, pois, em sua perspectiva sociológica, a educação reproduz a sociedade
por meio da internalização dos modos de agir e pensar dessa sociedade.
54
Ao considerar a educação escolarizada, não podemos esquecer que ela, na contem-
poraneira, pode não se destinar exclusivamente às novas gerações – aos jovens que,
em termos durkheimianos, são os indivíduos que precisam internalizar o ser social 2
– mas pode ser destinada a todos, independentemente da faixa etária. O fato de a
SAIBA MAIS
A educação é um direito social, conforme dispõe o art. 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incen-
tivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Você pode conhecer integralmente a Constituição Federal Brasileira de 1988 visitando o link:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 set. 2021.
SAIBA MAIS
Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948:
“Artigo 26º
01. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a cor-
respondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino
técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar
aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
Sociologia da Educação 55
Conceitos Sociológicos
02. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos
2 direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tole-
rância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como
o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
03. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos”.
Apple (2017, p. 11), autor contemporâneo e com bases na teoria de Freire, acredita que a
educação, observado determinados critérios, possui “[...] um papel substancial a exercer
[...] na construção de uma sociedade que reflita valores menos egoístas, mais sociais e
emancipatórios”. Por sua vez, para Freire (2014, p. 40), a educação está relacionada ao
“inacabamento do ser humano” e sua “vocação ontológica de ser mais”. Por isso, diante
da realidade injusta, a educação pode exercer um papel de transformação social.
Freire, entre outros pensadores críticos, acredita que não problematizar já significaria as-
sumir que a realidade é imutável, sendo isso mesmo um ponto de vista, um julgamento de
valor. Logo, a educação não tem como buscar uma suposta neutralidade impossível, mas
deve trabalhar na pluralidade à correspondência de visões de mundos diferentes.
A educação não pode ser compreendida à margem da história, mas apenas no con-
texto em que os homens estabelecem entre si as relações de produção da sua própria
existência. Dessa forma, é impossível separar a educação das questões do poder; a
educação não é um processo neutro, mas se acha comprometida com a economia e a
política do seu tempo (ARANHA, 2006, p. 52).
56
3.2 A INSTITUIÇÃO ESCOLA
Desde o nascimento, a pessoa humana passa por diferentes processos de aprendiza- 2
gem. Interargir, desenvolver determinados comportamentos e cuidados fazem parte do
conjunto de aprendizado que as pessoas recebem durante a vida. Esse processo, às
Essa formação é um tipo de educação denominada educação informal. Por outro lado,
concerne em educação formal quando há um certo grau de organização, regras e espe-
cialização profissional em seu desenvolvimento. Disso decorre, então, a escola.
Com a educação sendo concebida como direito de todos e dever do Estado, seu acesso
precisa ser universalizado e as escolas passam a ser uma instituição fundamental na
estrutura do Estado, o que não significa que este possua o monopólio das instituições
de ensino, mas que ele é o responsável pela normatização das regras gerais que orga-
nizam as instituições escolares.
PARA REFLETIR
Não podemos esquecer que a pandemia mudou muito as relações sociais e também as es-
colares. Esse assunto é objeto de estudo de educadores e sociólogos da educação, o qual é
publicado como artigos científicos em revistas acadêmicas. Para saber um pouco mais sobre
esse debate, você pode fazer uma pesquisa na internet, visitar o site da Unesco ou conhecer
alguns artigos científicos publicados recentemente nas revistas científicas, por exemplo, nas
Revistas indicadas a seguir:
Sociologia da Educação 57
Conceitos Sociológicos
SAIBA MAIS
Na França, até 1880, as mulheres apenas tinham acesso à educação elementar, eram proi-
bidas de continuarem seus estudos, de frequentar as escolas de ensino secundário e de ir à
universidade. A continuidade da educação para as mulheres só era possível se estivessem
nos conventos religiosos.
Em 1880, a lei denominada Camille Sée criou a chamada “educação de meninas”, com es-
colas exclusivas para garotas. Contudo, o currículo dessas escolas ainda era diferente do
oferecido aos meninos, por exemplo, a ausência do curso de Filosofia, que era uma das exi-
gências para ter acesso à universidade. Portanto, esta conquista ainda não permitiu o acesso
das mulheres ao ensino universitário.
O Brasil também segregava a educação dos homens e das mulheres. À vista disso, Schueler
(1999, [n. p.]). Afirma que “[a]s distinções entre as crianças manifestavam-se, também [além
das distinções de classes sociais], nas relações de gênero que a escola primária buscava re-
produzir. As escolas de meninos e meninas eram separadas, funcionando em casas e locais
distintos, de acordo com o sexo. No Regulamento de 1854, as ‘meninas pobres’ sequer foram
mencionadas, demonstrando que a instrução do sexo feminino não consistia em prioridade
do legislador, sendo, de fato, suplantada pelo objetivo de instruir a população livre masculina”.
A escolarização é obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade, por isso, os pais ou respon-
sáveis pela criança e adolescente podem ser responsabilizados caso não providenciem
a matrícula. As demandas judiciais por vagas em escolas e a evasão escolar são, por
exemplo, questões que derivam dessa ideia de direito-obrigatoriedade da educação.
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Vale salientar que, muitas vezes, a ausência de oferta de vagas ou as dificuldades so-
ciais e econômicas geram impedimentos de acesso e permanência na escola, como os
direitos estabelecidos pretendem assegurar. 2
A educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
Educação e escola são inter-relacionadas nas sociedades e nos Estados modernos, mas não
são a mesma coisa. Se a educação consiste no processo em que é possibilitado ao educando
a socialização (relembrando aqui, as diferenças e demandas sociais da educação), a escola
é uma das instituições sociais em que a educação se desenvolve nos Estados modernos.
Desse modo, ela representa os interesses hegemônicos na sociedade de sua época.
Esse é um debate importante que interessa aos educadores e sociólogos, por isso
mesmo é um conteúdo fundamental da formação dos profissionais da educação. Mais
adiante, veremos alguns elementos que permitem compreender como a sociologia dis-
cute o papel da escola na implantação de currículos que tendem a educar segundo os
interesses atuais da ideologia hegemônica socialmente, o neoliberalismo.
SAIBA MAIS
Você conhece a obra Cuidado, escola! Desigualdade, domesticação e algumas saídas? Ele
é um estudo realizado por Babette Harper e colaboradores sob organização do Instituto para
o Desenvolvimento da Arte e Cultura (IDAC), e com apresentação de Paulo Freire. A obra foi
publicada pela primeira vez em 1980 e trata da complexidade das escolas – todo escrito com
linguagem popular e ilustrado. Veja um pequeno trecho da apresentação:
“Enquanto categoria abstrata, instituição em si, portadora de uma natureza imitável da qual se
diga é boa, é má, a escola não existe. Enquanto espaço social em que a educação formal, que
não é toda a educação, se dá, a escola na verdade não é, a escola está sendo historicamente.
A compreensão do seu estar sendo, porém, não pode ser lograda fora da compreensão de algo
mais abrangente que ela – a sociedade mesma na qual se acha. A educação forma que é vivida
na escola é um subsistema do sistema maior”. (HARPER et al., 1987, p. 8)
Fonte: HARPER, Babette; CECCON, Claudius; OLIVEIRA, Miguel Darcy; OLIVEIRA, Rosiska
Darcy. Cuidado, Escola! Desigualdade, domesticação e algumas saídas. 24. ed. São Paulo:
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Sociologia da Educação 59
Conceitos Sociológicos
4. O MERCADO E A EDUCAÇÃO
2 Assim como as críticas à Modernidade (o que inclui os aspectos da crise desse perí-
odo), o Estado moderno e suas instituições, inclusive a escola, também são objeto de
análise crítica por seu caráter excludente ou reprodutor das exclusões sociais. Entretan-
to, antes de conhecer um pouco mais esse desenvolvimento crítico, importa entender
qual os aspectos relativos ao mercado no sistema capitalista e de que forma a educa-
ção e a escola são por ele impactadas.
4.1 MERCADO
O termo “mercado’’ é amplamente utilizado no dia a dia. Ouvimos falar do mercado em
que se adquirem certas mercadorias, do mercado de trabalho, do mercado econômico,
entre outros, e, embora os contextos sejam diferentes, o sentido é similar.
60
4.2 O MERCADO E A ESCOLA
Vimos que a escola materializa a obrigação estatal de oferta educacional, ela pode es- 2
tar inserida tanto no sistema público como no sistema privado de educação. Durkheim
(2013, p. 62) defendia que, embora a educação devesse estar submetida ao Estado, as
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Conceitos Sociológicos
hipótese com difícil verificação anterior à sua aplicação, além da convicção ideológica
de que a educação pública não pode ser boa.
2
Esses organismos agem para condicionar os investimentos/empréstimos aos Estados
às práticas públicas/privadas que eles têm na educação, impactando no trabalho edu-
cativo e na educação de uma forma geral. Ou seja,
[...] no âmbito de uma economia ultraliberal com predominância financeira
e de um Estado semiprivado, que lhe é funcional, está sendo anulada a
fronteira entre o público e o privado/mercantil, e promovida uma expansão
da educação superior que se mantém, de um lado, como de elite e de
alta qualificação para poucos, e, de outro, como de massas e de baixa
qualificação para muitos pondo em xeque sua pretendida democratização
(SGUISSARDI, 2015, p. 867).
Para além das questões tipicamente econômicas, cuja lógica de mercado invade a edu-
cação e impacta o processo educativo, na relação mercado e educação, outra questão
é ainda mais fundamental para a análise sociológica: refere-se da consolidação de uma
racionalidade centrada nas lógicas do mercado que altera, por meio da educação, os
modos de pensar, agir e viver na sociedade.
O sociólogo Christian Laval e o filósofo Pierre Dardot, em obra conjunta, afirmam que o
Estado, em razão do mercado no neoliberalismo, mobiliza políticas que
[...] introduzem e universalizam na economia, na sociedade e até neles pró-
prios a lógica da concorrência e o modelo de empresa. [...] que visam alterar
profundamente as relações sociais, mudar o papel das instituições de prote-
ção social e educação [...] (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 19).
62
CONCLUSÃO
Vimos, nesta unidade, temas e conceitos que importam para a Sociologia e impactam 2
na Educação. Na unidade anterior, aprendemos que a Sociologia é uma área do conhe-
Observamos também que, com a organização dos Estados modernos, que se deu ba-
seada na teoria contratualista, supõe que os indivíduos se submetem à regulação do
estado por conta de um contrato social. Nesse processo, a educação foi se consolidan-
do como direito e as escolas começaram a ganhar um importante papel como instituição
social. A educação é direito de todos, portanto, há a necessidade de universalizar seu
acesso por meio de políticas públicas que assegurem não apenas vagas nas escolas,
mas também condições de permanência no processo formativo.
A escola é um dos lugares onde a educação acontece coletivamente. Entretanto, sua im-
portância não fica restrita a um espaço físico, pois é um lugar privilegiado de construção
do saber e das relações humanas e sociais entre os atores educacionais, o que inclui edu-
cadores, alunos e comunidade em geral. Por fim, aprendemos o que é ideologia e merca-
do e como a lógica do mercado condiciona a forma de compreender a realidade, além do
fato de o modelo de relações econômicas neoliberais poder impactar a educação.
Sociologia da Educação 63
Conceitos Sociológicos
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