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AULA 2

Sociologia I
Os pioneiros da
Sociologia

Prof. Renato Herbella

1
Sumário
Objetivo da Aula 2

Dando continuidade a aula anterior, aborda-


remos nesta os aspectos gerais da pré-sociologia
e seus principais colaboradores para, fundamenta-
damente, além de responder a questão introdutó-
ria do módulo “O que é Sociologia?”, seja possível
identificar em qual contexto histórico e quais as
transformações sociais propiciaram o surgimento
da sociologia. Ainda, analisaremos que inúmeros
institutos basilares na nossa organização social
contemporânea encontram seus fundamentos no
contexto da pré-sociologia, como a tripartição de
poderes, o princípio da legalidade e o da igualdade
perante a lei.

Os pioneiros da Sociologia: Barão de Montes-


quieu e Jean-Jacques Rousseau

Temas

1. Introdução 2

2. Contexto e transformações históricas pré-sociológicas


(Feudalismo, Absolutismo e Capitalismo) 4
3. Montesquieu como pioneiro da Sociologia 9

3.1 Montesquieu e as formas de governo (República,


Monarquia e Despotismo) 11
3.2 Montesquieu e a divisão dos poderes (Legislativo,
Executivo e Judiciário) 12
3.3 Montesquieu e o conceito de Liberdade 13
4. Jean-Jacques Rousseau como pioneiro da Sociologia (A
vontade geral e a igualdade perante a lei) 13
5. Conclusão 15

6. “Mergulhando no conteúdo” 16

7. Referências Bibliográficas 17

1
Olá! Bem-vindo a nossa segunda aula!
Esperamos que tenha gostado da primeira, pois hoje continuaremos
abordando o tema da “pré-sociologia” para, ao final, conseguirmos definitiva-
mente responder a grande questão deste módulo introdutório: “O que é Socio-
logia?”,ou seja, compreender com maior clareza o objeto de estudo da sociolo-
gia, as transformações sociais que ensejaram o seu surgimento e, até mesmo,
quem foram os pioneiros desta disciplina - tema da aula de hoje.

Como visto na aula passada a sociologia como ciência só surgiu no sé-


culo XIX. Todavia, não significa dizer que na antiguidade, na idade média ou
na idade moderna, as relações sociais não eram estudadas. Antes, os objetos
de estudos aos quais a Sociologia se dedica eram vistos dentro da Filosofia e
do Direito, eram analisados sob o prisma da Ética1 e das relações jurídicas.

Recapitulando, Aristóteles com a sua concepção de “homem como ani-


mal social”, ficou conhecido por ser um dos precursores das ciências sociais.
Mas, mais do que isso, este filósofo grego deixou um legado enorme, como as
lições sobre política, por exemplo. Tema este que será melhor abordado nas
aulas de filosofia.

Nada obstante, conhecer os fenômenos históricos é fundamental para


identificar a origem dos institutos que vivemos hoje em dia. Assim estudare-
mos na aula de hoje as transições do feudalismo para o absolutismo e, pos-
teriormente, para o capitalismo. Analisaremos a noção de Estado moderno,
idealizado entre outros pensadores, pelo grande filósofo iluminista Barão de
Montesquieu.

1
Ética: A palavra ética é de origem grega derivada de ethos, que diz respeito ao costume, aos
hábitos dos homens. Isto é, ética é tradicionalmente entendida como o estudo ou uma reflexão,
científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações huma-
nas (VALLS, 1994. p. 7).

2
Aliás, tratando-se de Estado moderno e sua formação, você sabia que a
República Federativa do Brasil possui três poderes? São eles: Poder Legisla-
tivo, Poder Executivo e Poder Judiciário.
2
Os poderes concedidos à União estão previstos na Constituição Federal
de 1988 em seu artigo 2º. Vejamos: Art. 2º São Poderes da União, indepen-
dentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Pois bem, na aula de hoje veremos qual a origem dessa tripartição de


poderes e qual o contexto histórico que propiciou o seu desenvolvimento. Es-
tudaremos que esta ideia ganhou força com o filósofo Charles-Louis de Se-
3
condat, barão de La Brède e de Montesquieu , no seu livro Espírito das Leis.

Ainda, será possível perceber que esta obra, e outros trabalhos de Mon-
tesquieu, podem ser considerados como um impulso para a sociologia cientí-
fica inaugurada no século XIX.

Inicialmente foi ele quem estudou as leis que regem a sociedade, dese
volvendo um método para análise das relações sociais. Diferente de outros
pensadores, que se debruçaram apenas na conduta humana, Montesquieu
vislumbrou a própria sociedade como objeto de estudo.

Posteriormente ao pensamento do francês, estudaremos outro pioneiro


da sociologia. Trata-se de outro autor que também pode ser enquadrado na
4
fase da pré-sociologia, o filósofo Jean-Jacques Rousseau .

2 Constituição Federal: É uma expressão que abarca uma série de concepções, como a Socioló-
gica de Ferdinand Lassalle, a Política de Carl Schmitt, a Jurídica Normativa de Hans Kelsen, dentre
outros grandes nomes como Konrad Hesse, Peter Häberle ou José Afonso da Silva. Aqui adotare-
mos o conceito dado por José Afondo da Silva que assim estabelece: (2005, p. 37/28) “A constitui-
ção do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos
essenciais: um sistema de normas jurídicas,escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado,
a forma de seu governo, o modo de aquisição e exercício do poder, o estabelecimento de seus
órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em
síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”.

3 Montesquieu: (1689 - 1755) “Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem”.

4Rousseau: (1712 - 1778) “O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros”.Inter-
pretado na contemporaneidade como “o homem possui uma natureza boa que é corrompida pelo
processo civilizatório”.

3
Rousseau também foi um filósofo iluminista que, sem dúvidas, desen-
volveu a teoria contratualista com maior riqueza de detalhes, próxima de uma
verdadeira explicação sociológica da sociedade.

Para o Autor, a proposta do contrato social não é descritiva. Ao contrá-


rio, é propositiva, pois preconiza que o indivíduo deve viver livre e não pode
encontrar na figura do Estado um ente terceiro que lhe seja diferente. Isto é,
deve ver no Estado a concretização de seu próprio interesse e do interesse de
todos. Assim, ele descreve a ideia de vontade geral, que abordaremos na aula
de hoje.

Vale lembrar que, como inúmeras vezes destacado, a sociologia é tão


interdisciplinar que determinadas matérias estudadas nas nossas aulas serão
revistas e/ou aprofundadas nas aulas de Filosofia, Teoria Geral do Estado en-
tre outras.

Por fim, compreendidas estas questões históricas, os paradigmas de


pensamentos vistos na primeira aula e o pensamento dos pioneiros da socio-
logia que serão estudados nessa, com certeza você será capaz de responder
qualquer questão relacionada à introdução da Sociologia.

Posto isto, vamos à aula de hoje!

2. Contexto e transformações históricas pré-sociológicas (Feudalismo,


Absolutismo e Capitalismo)

Vimos que o pensamento grego - principalmente com Aristóteles - adot


va uma primazia da sociedade frente ao homem, isto é, valorizava o coletivo
em detrimento do individual, pois era da própria natureza do homem ser gre-
gário, ser social, viver em sociedade com comportamentos virtuosos e justos
para alcançar a felicidade.

Avançando um pouco e relembrando outros fatos históricos, vimos tam-


bém que o período medieval foi marcado pelo pensamento teológico, princi-
palmente pelo cristianismo, sendo um grande expoente desse pensamento o
filósofo Santo Agostinho 5.

5 Santo Agostinho: (354 - 430). Agostinho dedicou-se na questão do “mal”. Defendia que, embora
tenha criado tudo, Deus não criou o mal porque o mal não é algo, mas a falta
ou a deficiência de algo.

4
Antes, porém, convém destacar que não se pode reputar que o cristianismo
seja, necessariamente, a extensão do pensamento e dos atos de Jesus Cris-
to, mas, sim, o que os cristãos fizeram posteriores a eles (MASCARO, p. 41,
2009).

Pois bem, para Agostinho havia uma distinção entre o mundo de Deus
- céu - e o mundo dos homens - Terra. O pensamento sociológico agostiniano
se distancia, portanto, do aristotélico, vez que para este a sociedade é o ponto
de partida de suas análises, já para Agostinho, com a divisão entre Céu e Terra
reelabora-se uma nova sistemática da compreensão social.

Agostinho enxerga uma incapacidade da vida social e política para a jus-


tiça e virtude, pois isso não se faz e nem se espera em uma sociedade, mas
apenas em Deus.

De acordo com ele, se o homem e sua vida social são marcados pela
corrupção por causa do pecado original de Adão e Eva, somente a salvação 6
poderia levar o Homem à justiça e à virtude.

Este pensamento, sem dúvida, corta os laços que vinculavam a socie-


dade às ações humanas, conforme preconizava Aristóteles. Neste ponto, por
conta da exaltação da metafísica pelos dogmas religiosos, das crenças e das
explicações teológicas para reclassificar o homem e a sociedade, esta fase,
como vimos na aula anterior, não raramente é considerada anti-sociológica
(MASCARO, 2009, p. 45). Ou seja, apesar de importante, não possui a rele-
vância exigida pela sociologia, pois atribui à sociedade explicações para além
das relações humanas (Deus).

A idade média, além do pensamento teológico é marcada pelo feudalis-


mo 7,que, resumidamente, pode ser definido como um “sistema de organiza-
ção econômica, social e política baseado nos vínculos de homem a homem,
no qual uma classe de guerreiros especializados — os senhores —, subordi-
nados uns aos outros por uma hierarquia de vínculos de dependência, domina
uma massa campesina que explora a terra e lhes fornece com que viver.” (LE
GOFF, 1980).

6 “Fora da Igreja é possível tudo, exceto a salvação. É possível ter honras, é possível ter sacra-
mentos, é possível cantar aleluias, é possível responder amém, é possível possuir o Evangelho, é
possível ter fé no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, é possível pregar; mas em nenhum
lugar senão na Igreja Católica, é possível encontrar a salvação” (Santo Agostinho).
7
Feudalismo: Organização social e política baseada nas relações servo-contratuais (servis).Tem
suas origens na decadência do Império Romano.

5
A sociedade feudal era uma sociedade estamental, isto é, marcada pela
divisão de classes, estados ou estamentos, cuja mudança social vertical era
possível, mas muito difícil.

Neste tipo de sociedade há uma divisão de classes muito bem definida.


No topo da pirâmide encontrava-se o clero 8 ,logo abaixo a nobreza 9 e na base
da pirâmide os servos e camponeses10(trabalhadores). Obviamente que as
classes altas eram minoria e gozavam de inúmeros privilégios. Além de abas-
tadas economicamente, tinham a terra - fundamental para o exercício do poder
político, entre outros prestígios e privilégios que eram sustentados pela classe
mais baixa, dos trabalhadores, que representavam a maioria.

Para refletir e pesquisar:

● Podemos observar divisão de classes semelhante na socieda-


de atual? Não obstante a complexidade das estruturas sociais
atuais, ainda é possível afirmar que as classes mais baixas sus-
tentam “privilégios” das mais altas?

No final do século XI, a ordem feudal sofreu grandes transformações


principalmente com as cruzadas 11
.

Na segunda metade do século XIV, como uma consequência das cru-


zadas a morte de vários nobres deixou um vazio na organização social dos
feudos, dando ensejo à ascensão de outras classes, bem como ao surgimento
do poder absoluto do rei, conforme veremos adiante.

Esta e outras transformações fizeram com que o mundo feudal europeu


saísse do imobilismo favorecendo o surgimento de cidades, juntamente com o
8Clero: é a palavra que descreve a classe clerical, ou seja, são os religiosos, conhecidos como
sacerdotes, que fazem parte de uma Igreja, do latim cleru. Surgiu com a Igreja Católica, na época
da Idade Média e do feudalismo. O clero é representado pelos padres, bispos, arcebispos, car-
deais e o Papa, e cada um possui sua própria função na hierarquia da Igreja, e são responsáveis
pelos cultos.

9 Nobreza:representava uma elevada classe social que tinha ligações políticas com o reinado de
sua nação e participava das decisões dos governantes.

10 Servose Camponeses: compunham a sociedade feudal, eram responsáveis pelo sustento de


todas as ordens feudais e deviam subordinação ao seu senhor.

11 Cruzadas:Expedições de caráter religioso e militar destinadas a conquista da Terra Santa, além


de proteger a Europa da possível invasão Turca.

6
comércio, que apesar de ainda estar em seu início, já demonstrava ser uma
grande mudança social.

O comércio acontecia em pequenas feiras realizadas em vilas próximas


a castelos ou outros lugares cercados por fortificações. Estas feiras de comér-
cio, para troca de produtos entre um feudo e outro, tornaram-se costumeiras
e, depois, permanentes, propiciando o aparecimento de pequenos núcleos ur-
banos os denominados burgos12.

No início os senhores feudais - abaixo da nobreza - se beneficiaram com


esse processo de mudanças na sociedade feudal, pois com o crescimento das
cidades houve também o crescimento dos tributos pagos pelos camponeses
e, consequentemente, o aumento da capacidade econômica.

A longo prazo, todavia, as transformações colocaram em crise a ordem


feudal, provocando o surgimento de um novo grupo social, a burguesia13, que
modificou consideravelmente as relações entre o rei e a nobreza, inaugurando
uma nova forma de organização social.

Nesta nova estruturação social, a nobreza e clero foram gradativamente


perdendo o poder diante da ascensão da burguesia que, naquele momento
histórico, desempenhou papel importante para ajudar a acabar com os siste-
mas feudais.

A Era medieval, então, caracterizou-se politicamente pela descentraliza-


ção do poder entre os senhores feudais em um reino cuja autoridade máxima
era representada pelo rei, que detinha o controle soberano sobre seu próprio
feudo e os demais.

Sem embargo, com a morte de parcela da nobreza deixada pelas cruza-


das, os feudos perdiam sua autoridade e poder, fato rapidamente observado
pelo rei que tratou de absorvê-los para ele. Assim, a descentralização de poder
ia acabando ao passo que a sua concentração nas mãos do monarca ia au-
mentando.

Burgos: A palavra burgo vem do latim burgus, que significa “pequena fortaleza, povoado”
12

que, pelo germânico burgs, ficou cidadela fortificada. (HOUAISS).

13 Burguesia: classe social surgida na Europa, com o desenvolvimento dos burgos medievais e
o influxo do comércio na sociedade feudal, e que principia a gozar, com o seu enriquecimento,
de crescente liberdade e poder, passando a dominar sociopolítica e economicamente as outras
classes, a partir da Revolução Francesa 1789.

7
Neste momento, no século XVI instaura-se a fase do Absolutismo14, que
pode ser compreendido com a não aceitação do rei da soberania parcelada
comum no feudalismo, uma vez que acreditava que somente ele poderia ser
o chefe do Estado e senhor da nação. Isto é, todos os poderes deveriam ser
concentrados na mão do rei – criação, execução e julgamento das leis, além
do controle das atividades econômicas (criação e aumento de impostos, por
exemplo) e das forças militares.

O absolutismo no início foi fortemente apoiado pela burguesia, pois o rei,


ao conceder vantagens econômicas como a isenção do pagamento de impos-
tos e taxas conseguiu o apoio dessa classe e, consequentemente, aumentou
ainda mais o seu poder. Evidentemente que o fortalecimento do rei significava
o enfraquecimento dos senhores feudais e do sistema feudal.

Todavia, posteriormente, a burguesia que o apoiava começou a perce-


ber que a concentração de poderes (criar leis, administrar, julgar, comandar
os tributos e as forças militares) na mão do soberano era prejudicial, pois a
arbitrariedade e abusos se tornaram constantes. Ou seja, a segurança inicial-
mente garantida pela unificação do poder passou a representar uma série de
abusos.

Ademais, como ainda havia a distinção entre a burguesia e nobreza, os


primeiros não conseguiam exercer o amplo desenvolvimento mercantil, por-
tanto os nobres gozavam de privilégios que não lhes eram concedidos.

Contra essa desigualdade e privilégios políticos advindos do Absolutis-


mo, a burguesia passou a criticar e se organizar para formular uma nova con-
cepção política e social, que se deu, principalmente, pelo movimento do ilumi-
nismo15
.

O grande inimigo do iluminismo era a teologia, pois este pensamento


sustentava o Estado Absolutista. Nele, o rei era forte e de poderes ilimitados,
além de ser visto como um representante de Deus na terra. Assim a legitima-
ção do Poder do rei advinha de Deus: omini potestas nisi a deo (MASCARO,
2009, p. 55).

14Absolutismo: é o sistema político e administrativo que predominou nos países da Europa na


época do denominado “Antigo Regime” (correspondente ao período entre os séculos XVI e XVIII).
Trata-se de uma organização social que, em geral, concentra todos os poderes na mão de um
monarca, que detém o poder absoluto, isto é, independente de outro órgão.

15Iluminismo: foi um movimento global, filosófico, político, social, econômico e cultural, que de-
fendia o uso da razão como o melhor caminho para se alcançar a liberdade, a autonomia e a
emancipação.

8
Desta forma, revoltar-se contra o rei, equivalia a revoltar-se contra a vontade
de Deus.

Este contexto histórico de grandes transições e transformações sociais


favoreceram o surgimento do pensamento iluminista com pensadores como
os franceses Volteire, Montesquieu, Rosseau, o inglês John Locke e o alemão
Immanuel Kant. Essa nova visão de mundo também se espalhou por outros
países, como os Estados Unidos da América.

O pensamento iluminista sociológico tinha duas vertentes principais, uma


surgiu com o intuito de acabar com o absolutismo e a outra visava impedir a
expansão ao modelo de sociedade capitalista que era almejada (por exemplo,
o socialista).

Assim, a explicação de sociedade com fundamento em Deus, como no


absolutismo, ou na própria sociedade, deu lugar ao indivíduo, isto é, a razão e
a justiça tem por medida o indivíduo isolado e não o tomado socialmente. Aliás,
a defesa do indivíduo contra a sociedade e contra a teologia é o fundamento do
liberalismo16.

Compreendido o contexto histórico e os principais impulsos para o pensa-


mento moderno, passaremos agora a estudar um grande filósofo iluminista, tido
como pioneiro da sociologia, trata-se do francês Charles-Louis de Secondat,
barão de La Brède e de Montesquieu, popularmente conhecido como Barão de
Montesquieu.

3. Montesquieu como pioneiro da Sociologia

Toda disciplina só pode ser chamada de ciência se tiver um campo de-


finido a explorar. Desta forma, antes que a sociologia pudesse existir, era ne-
cessário atribuir-lhe um tema específico.

Aparentemente, como estudado na primeira aula, isto não é um obstá-


culo, posto que o assunto da sociologia é a sociedade e seus desdobramen-

16 Liberalismo: doutrina baseada na defesa da liberdade individual, nos campos econômico, po-
lítico, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal.

9
tos, como as leis, religiões, costumes, etc.

Todavia, até determinado momento histórico nenhum filósofo havia in-


terpretado as coisas desta maneira. Sempre depositaram suas explicações na
vontade humana, e jamais, viram as relações sociais como objeto de estudo.

Até mesmo Aristóteles, tido como precursor das ciências sociais, buscou
responder qual a melhor forma de sociedade. Acreditava que seria aquela que
melhor se obtém a felicidade, com a adoção de práticas virtuosas. Ou seja,
não pretendeu descobrir quais são as “leis” da existência social, pois via a so-
ciedade como algo natural, inerente à natureza humana.

Montesquieu, no livro Espírito das Leis, foi o primeiro a expor os princí-


pios desta nova ciência a estudar as “leis” que regem a sociedade, não obstan-
te a literatura clássica atribuir a Auguste Comte 17 o surgimento da sociologia.
Mas, sem dúvida, a obra de do filósofo francês é fonte desta disciplina.

Isto é, muito embora seja um erro querer tratar o nascimento da ciência


com um pensador em particular, vez que esta é um produto de uma cadeia
ininterrupta de contribuições e pensamentos, não é equivocado, como disse-
mos, estabelecer Montesquieu como pioneiro desta disciplina.

Vale dizer que Montesquieu, em verdade, não tratou dos fenômenos so-
ciais em sua essência, mas apenas de um em particular, as leis. Aliás, quando
utiliza a expressão “leis”, ele busca as origens da sociedade, os costumes, as
regras e as diversas práticas sociais, ou seja, ele trata de fenômenos sociais e
não da vida dos indivíduos, tal qual inúmeros pensadores anteriormente fize-
ram.
Ao estudar esta famosa obra, podemos destacar alguns pontos princi-
pais, como as formas de governo que o Autor descreveu, a teoria da divisão
dos poderes e o conceito de liberdade por ele defendido.

Montesquieu deixa evidente em sua obra que o poder deverá limitar o


próprio poder. Assim, com base neste raciocínio e, acreditando que a socieda-
de caminha rumo ao progresso, a evolução, ele estabelece os seus estudos.

Auguste Comte (1798 - 1857) Filósofo francês, tido por fundador da Sociologia e do
17

Positivismo

10
3.1 Montesquieu e as formas de governo (República, Monarquia e
Despotismo)

Montesquieu não classificou as sociedades, mas ao analisar a história


identificou as formas em que foram governadas e, então, as dividiu em três:

a) a republicana (aristocrática e democrática);


b) a monárquica;
c) a despótica.

Conforme suas palavras (MONTESQUIEU, 1996, p. 19):

“Existem três espécies de governo: o REPUBLICANO, o MONÁRQUICO


e o DESPÓTICO. Para descobrir sua natureza, basta a ideia que os homens
menos instruídos têm deles. Suponho três definições, ou melhor, três fatos: o
governo republicano é aquele no qual o povo em seu conjunto, ou apenas uma
parte do povo, possui o poder soberano; o monárquico, aquele onde um só go-
verna, mas através de leis fixas e estabelecidas; ao passo que, no despótico,
um só, sem lei e sem regra, impõe todo por força de sua e de seus caprichos.”

A república, portanto, vem do sentido grego, isto é, baseada em aspec-


tos de virtude, na disposição nata para praticar uma política para o bem de
todos ou, como a própria definição da palavra, para o “bem comum”, a “coisa
pública”.

O Autor ainda faz a subdivisão em república aristocrática e democráti-


ca, sendo a primeira quando o poder soberano está nas mãos de uma parte
do povo e, a segunda, quando o povo em conjunto possui o poder soberano
(MONTESQUIEU, p. 19).

A forma monárquica, por sua vez, seria em certo aspecto o oposto da


república, vez que o monarca (rei) comandaria a sociedade baseada somente
em seu poder político, mas com uma legitimidade tradicional como a heredita-
riedade, ou seja, o poder era passado de pai para filho.

Por fim, no Estado despótico o governante manteria seu poder pelo


medo, o cidadão temeria o governante. Para Montesquieu (1996, p. 28/29)
este Estado “resulta da natureza do poder despótico que o único homem que
o exerce faça-o da mesma forma ser exercido por um só. [...] Quanto mais ex-
tenso é o império, mais cresce o serralho. Assim, nestes Estados, quanto mais
povos o príncipe tem para governar, menos ele pensa no governo; quanto
maiores são os negócios, menos ele delibera sobre os negócios.”

11
Resumindo o pensamento de Montesquieu neste tema, na República será
virtude, na Monarquia a honra e no Despotismo o temor.

3.2 Montesquieu e a divisão dos poderes (Legislativo, Executivo e


Judiciário)

Outro ponto fundamental e, talvez o mais conhecido de sua obra, é a teoria


da divisão de poderes. Porém, não foi ele quem preconizou esta divisão, outros
pensadores já haviam elaborado teorias a respeito. Todavia, a clareza de que
cada poder deveria exercer funções distintas e, ao mesmo tempo, fiscalizar e
conter os demais pode ser atribuído a ele.

Para compreensão desta teoria é importantíssimo relembrar o contexto his-


tórico vivido pelo Autor, ou seja, momento de crítica ao absolutismo, crítica ao
poder soberano concentrado nas mãos do rei, pois tendente ao abuso.

Assim, com relação a este poder absoluto o Autor destaca (1996, p. 166/167):

“[...] Mas trata-se de uma experiência eterna que todo homem que possui poder é
levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites. Quem diria! Até a virtude
precisa de limites. Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela
disposição das coisas, o poder limite o poder.”

Neste contexto há a divisão dos poderes do Estado em três:

a) Legislativo: que é encarregado de fazer as leis, alterá-las ou


extingui-las;
b) Executivo: que administra o Estado com fundamento nas leis
criadas pelo Legislativo;
c) Judiciário: que detém o poder de julgar os conflitos;

Para Montesquieu, portanto, infere-se que o governo só seria bom se esti-


vesse sob o império da lei; que o governante que detém uma parcela significativa
do poder, tenda a abusar dele; que um homem com poder só poder ser freado por
outro que também detenha poder; e, por fim, para que um poder freie o outro é
necessário que haja a divisão entre os poderes.

O Estado contemporâneo brasileiro, como vimos no início da aula, adota em


seu artigo 2º essa separação preconizada por Montesquieu.

12
3.3 Montesquieu e o conceito de Liberdade

Como a sua obra é calcada num apelo à liberdade, nada melhor que suas
próprias palavras explicá-la:

Assim, Montesquieu define a liberdade da seguinte forma (1996, p.166):



“É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, mas a li-
berdade política não consiste em se fazer o que quer. Em um Estado, isto é, numa
sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que
se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer.

Deve-se ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade


é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer
o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam
este poder.”

Nota-se que o limite para o gozo da liberdade é a lei.

Neste ponto, trazendo essas lições para o mundo contemporâneo iremos


nos valer da Constituição Federal de 1988 mais uma vez, especialmente no seu
artigo 5º, inciso II, para explicar que o pensamento de Montesquieu contribuiu
muito para a nossa organização político jurídica:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa


senão em virtude de lei;

Isto é, o princípio da legalidade que garante segurança jurídica aos cida-


dãos, que limita o poder do Estado, tem como fundamento o pensamento ilumi-
nista deste filósofo.

4. Jean-Jacques Rousseau como pioneiro da Sociologia (A vontade


geral e a igualdade perante a lei)

No segundo tópico da aula de hoje conseguimos ver a complexidade do


contexto social da Europa ocidental nos séculos XVII e XVIII, o cenário de crítica
ao poder a absoluto, os questionamentos ao status quo 18 , enfim, evidente que

18
Status quo: expressão em latim que significa estado atual em que se encontram as coi-
sas. Em certos contextos, pode definir também a ordem social estabelecida.

13
se tratava de um momento de grandes transformações.

Rousseau também foi um filósofo do período iluminista e, além de ter seu


pensamento influenciado por este movimento, contribuiu sobremaneira com seus
estudos.
Para estudarmos a relação existente entre Montesquieu e Rousseau, preci-
samos ter em mente que antes, as leis que regiam a sociedade eram emanadas
pelo monarca absolutista sem controle algum.

Posteriormente, as lições de Montesquieu sobre a divisão de poderes, con-


trole/fiscalização entre eles, indicavam que o legislador não poderia promulgar
qualquer lei que lhe agradasse. Uma lei apropriada deveria estar de acordo com a
natureza das coisas e a ordem social.

Rousseau, por sua vez, foi mais categórico sobre este ponto, ao elaborar
a tese da vontade geral - que será melhor estudada adiante -, afirmando que o
respeito pela autoridade do legislador era derivado de um certo espírito social, da
vontade de todos.

O Autor usou como fundamento para sua filosofia a sociedade romana na


época da república, com um pensamento de bem comum, adotando certa crítica
ao individualismo, tão fortemente defendido pela burguesia.

Para Rousseau a sociedade e o Estado não devem ser expressão das von-
tades e interesses individuais, de um soberano absoluto, ou mesmo de uma clas-
se burguesa que tende a acumular o poder em suas mãos. Deve, então, encontrar
a plenitude do que seja melhor para todos, garantindo o bem comum (MASCARO,
2009, p. 63). A soberania política, portanto, pertence ao conjunto de membros da
sociedade.

Para garantir isto, Rousseau imaginou um corpo de cidadãos operando com


uma unidade, prescrevendo leis de acordo com a vontade geral 19 .

Através da lei seria possível estabelecer uma igualdade entre os cidadãos.


A igualdade de direitos e igualdade perante a lei: “o contrato social estabelece
tal igualdade entre os cidadãos que todos eles se comprometem sob as mesmas
condições e devem gozar dos mesmos direitos” (BORON, 2006, p. 92,).

“A vontade geral deve ser emanada de todos para ser aplicada a todos.” Jean-Jacques
19

Rousseau.

14
A finalidade última de toda legislação seria promover a liberdade e igualda-
de entre os homens.

Os ideais preconizados por Montesquieu e Rousseau influenciaram forte-


mente a Revolução Francesa, que alterou significativamente as estruturas sociais
da época e moldaram o Estado de Direito tal qual vivemos hoje.

Aliás, contextualizando o pensamento rousseauniano para os dias de hoje,


vemos que a igualdade de todos perante a lei é premissa fundamental para cons-
tituição do Estado de Direito Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5º que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer na-
tureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

Este artigo é fundamental para a nossa atual organização social e, através


dos estudos acima, conseguimos analisar a sua origem e seu contexto histórico
para melhor compreensão da nossa sociedade.

Por fim, destacamos novamente que estes estudos serão revisitados em


outras aulas e disciplinas, dada a importância e atualidade do tema, vez que os
Estados modernos são constituídos com fundamentos nestes ideais.

Para refletir e pesquisar:

● No nosso contexto atual, você acredita que todos os cidadãos


são submetidos à lei da mesma forma? Há uma igualdade de todos
perante à lei? Existem determinadas classes sociais que são trata-
das de forma diversa perante o Estado através de suas instituições?
Por exemplo, a Polícia?

5. Conclusão

Nesta aula pudemos constatar o contexto histórico e as inúmeras transfor-


mações sociais que ensejaram institutos jurídicos que ainda hoje estão válidos e
se mostram fundamentais para a nossa organização social.

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Concluímos, assim, a história do pensamento pré-sociológico com a análise
dos pioneiros desta disciplina, o Barão de Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau.

Constatamos, mais uma vez, a interdisciplinaridade da sociologia e a sua


importância para o Curso de Direito, pois diversos dispositivos da ordem jurídica
vigente podem ser explicados sociologicamente.

Posto isto, esperamos que com os fundamentos aqui delineados, principal-


mente com a contextualização do tema, você consiga compreender o que é so-
ciologia e quais foram os fatores e mudanças sociais que propiciaram o seu surgi-
mento como ciência.

Encerramos este módulo com uma noção global da fase pré-sociológica e,


ao final, com a resposta dos questionários elaborados você sem dúvida estará
apto para as provas e outros desafios que exigem este conhecimento.

6. “Mergulhando no conteúdo”

Caso queira se aprofundar nos temas abordados nesta aula, abaixo estão
sugestões de filmes e livros:

● O Nome da Rosa - Jean-Jacques Annaud


● Cruzada - Ridley Scott
● O Homem da Máscara de Ferro - Randall Wallace
● Cromwell - Ken Hughes
● Morte ao Rei - Mike Barker
● Os utilizados nas referências bibliográficas da aula.

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7. Referências bibliográficas
AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus (Contra os Pagãos). Tradução Oscar Paes Leme. Pe-
trópolis: Vozes; São Paulo: Federação Agostiniana Brasileira, 1989.

BORON, Atilio A. Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx. En publicacion: Filosofia política
moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias
Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de Filosofia Letras e
Ciencias Humanas, USP, Universidade de Sao Paulo. 2006. ISBN: 978-987-1183-47-0.

DE CICCO, Cláudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. 3ª ed. reform. São
Paulo: Saraiva, 2006.

DURKHEIM, Émile. Montesquieu e Rousseau: Pioneiros da Sociologia. Tradução Julia Vidili.


São Paulo: Madras, 2008.

LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Estampa, 1980.

MASCARO, Alysson Leandro. Lições de Sociologia do Direito. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin,
2009.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato
Janine; Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução: Rolando Roque da Silva. Edição


eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Mores, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores,
2005.

VALLS, Álvaro L. M.. O que é ética. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. (Coleção primeiros
passos; nº 177).

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